Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Uma discussão
analítico-comportamental do feminismo,
homofobia e racismo
4
Alex Eduardo Gallo
Universidade Estadual de Londrina
Amanda Oliveira de Morais
Universidade Estadual de Londrina, Coletivo Marias & Amélias de Mulheres Analistas do Comportamento
Leandro Heckert Fazzano
Universidade Estadual de Londrina
Sebastião Junior dos Santos
Universidade Estadual de Londrina
1 Correspondência para: Temas como feminismo, homofobia e racismo aparecem com frequência no cenário político atual.
Alex Eduardo Gallo A Psicologia, de modo geral, vem participando desse debate e a Análise do Comportamento, com menos
Universidade
Estadual de Londrina. frequência, vem produzindo estudos que embasam discussões.
Departamento de
Psicologia Geral
Igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres e entre brancos e negros e expressões
e Análise do de afeto homoafetivo deveriam ser condições naturais em uma sociedade do século XXI, mas setores
Comportamento.
conservadores insistem em retardar esse progresso social.
Rod. Celso Garcia Cid
(PR 445), km. 380. Um Analista do Comportamento inserido em um sistema hierárquico que explora a sociedade pela
Campus Universitário
Londrina, PR.
competitividade por privilégios e produtos de consumo acaba reproduzindo práticas elitistas que mantêm
86057-970 essas discrepâncias entre homens e mulheres, brancos e negros e hétero e homossexuais ao diferenciar o
Email: aedgallo@uel.br
acesso (Holland, 1978). O conhecimento das contingências que controlam comportamentos machistas,
racistas e homofóbicos seria útil no planejamento de um modelo de moral (Abib, 2001).
Nós podemos tentar transmitir nossas descobertas tecnológicas para a população e desenvolver
aplicações que provavelmente sejam mais úteis para ela do que para a elite. É mais importante,
no que diz respeito ao cientista do comportamento, analisar a operação do controle em nossa
sociedade e comunicar essas análises a outros para que eles possam se preparar melhor para o
contracontrole. Usando estes dados, nós podemos também analisar o efeito potencial de diferentes
formas de contracontrole. Além disso, nós podemos desenvolver uma tecnologia intrinsecamente
adequada para ser usada na luta (Holland, 1974, p. 202).
Considerando esse cenário de lutas por justiça social e direitos humanos, o cientista do comportamento
pode analisar as contingências de controle, especialmente o controle aversivo (Holland, 1974) e, a partir
disso, propor estratégias de contracontrole. Sendo assim, o que a Análise do Comportamento tem a dizer a
esse respeito sobre feminismo, homofobia e racismo?
Esses temas se tornam importantes em função da raridade de políticas públicas que garantam segurança
para mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) e negros, que promovam condições
de acesso a direitos humanos básicos e desenvolvimento saudável.
O presente capítulo tem como objetivo apresentar uma explicação analítico-comportamental para
o feminismo, a homofobia e o racismo e discutir como a Análise do Comportamento vem abordando
essas questões.
A partir da proposta de Holland (1974) como a Análise do Comportamento poderia explicar o
estabelecimento de controle aversivo para que mulheres sejam tratadas de maneira inferior ao homem?
Entender como a sociedade estabelece esse controle permitiria criar estratégias de contracontrole. O
feminismo é uma delas.
45 Feminismo
O feminismo, enquanto campo teórico, epistemológico e político, apresenta um desenvolvimento
pertinente às preocupações éticas de analistas do comportamento comprometidos com transformações
sociais (Silva & Laurenti, 2016). Dentre diversas de nições sobre feminismo, Couto e Dittrich (2017)
sintetizam suas características, em: “uma forma de analisar as relações humanas pela ótica do gênero”,
2 Dominação
masculina seria uma e “um movimento para buscar a transformação dessas relações” (p. 158). É importante, ainda, destacar
forma particular que ompson (2001) especi ca objetivos signi cativos para o alcance da transformação das relações
de violência em que
a manutenção do humanas pela ótica do gênero – entende que o feminismo é a luta contra a dominação masculina2 e pela
poder do homem se humanidade das mulheres.
mascara nas relações,
in uenciando a O entendimento da manutenção da dominação masculina e da desumanização da mulher para a
concepção de mundo.
Análise do Comportamento se fundamenta em esclarecer como ocorre o estabelecimento de repertórios
distintos em mulheres e homens. Ser homem ou ser mulher - ou o gênero, não tem sido entendido, por
analistas do comportamento (Couto, 2017; Ruiz, 2003), como uma característica do indivíduo em termos
de uma instância interna – seja ela biológica ou mental. Gênero, ou como esclarece Ruiz “fazendo gênero”
(doing gender), consistiria em uma maneira de indicar “uma classe de práticas culturais que passaram a ser
associadas ao sexo como uma categoria biológica” (Ruiz, 2003, p. 12).
Repertórios masculinos e femininos podem ser explicados a partir do conceito de controle de
estímulos. Comportamentos considerados tipicamente femininos (e masculinos) são efeitos do controle
diferencial exercido pelos membros de uma cultura ao se relacionarem com seres humanos identi cados
como meninos e meninas a partir do sexo biológico. Contingências culturais passam a fazer parte da
modelação e modelagem dos membros de uma cultura, a partir da classi cação inicial homem/mulher. Ruiz
(2003) apresenta diferentes estudos sobre o responder diferencial diante dos estímulos meninos/meninas.
Sintetizando, meninos e meninas, homens e mulheres (i) são expostos a diferentes contextos, estímulos e
modelos, (ii) têm comportamentos similares consequenciados diferencialmente, e (iii) comportamentos
com função distinta, modelados - por exemplo,
“o menino relaciona-se com brinquedos, lmes e livros que permitem a aprendizagem de classes
de comportamentos como tomar iniciativa, arriscar-se, agredir oponentes, enquanto a menina,
estará exposta a uma in nidade de contingências referentes ao aprendizado de habilidades de
cuidado em relação aos outros e a si mesma, como cuidar de bebês, limpar a casa, comportar-se
gentilmente e cuidar da aparência” (Freitas & Morais, no prelo).
Freitas e Morais (no prelo) apontam ainda que reforçar estes padrões comportamentais em meninas e
meninos, tem implicações em habilidades e gostos que homens e mulheres costumam desenvolver, mesmo
que haja exceções. Além disso, o amplo repertório feminino não é apenas diferente do masculino, mas
desigual em termos de acesso a reforçadores (privilégio) e controle de contingências (poder). Neste sentido,
em consonância com a socióloga francesa Devreux (2005), identi ca-se que se relacionar diferencialmente
com homens e mulheres não produz apenas comportamentos estereotipicamente masculinos e femininos,
produz, também, dominação masculina sobre as mulheres.
Para exempli car a desigualdade de acesso a reforçadores e controle de contingências, destacam-se
as diferenças salariais e de cargos de poder. Ao considerar o papel do grupo e das agências de controle
sobre o comportamento dos membros e membras de uma cultura (Skinner, 1953/2003), veri ca-se que
homens têm maior poder para manipular conjuntos particulares de variáveis e obterem mais consequências
sociais reforçadoras. Das 10 companhias de mídia que lideraram os investimentos publicitários em 2017,
todos os diretores executivos eram homens. No Brasil as mulheres recebem em média 73,5% do rendimento
do trabalho dos homens ocupando os mesmos cargos, com as mesmas quali cações (PNAD, 2013). Nos
governos mundiais, as mulheres ocupavam 7.2% dos cargos de chefes de estado e apenas 5,7% dos cargos
Homofobia
Falar a respeito de homofobia, na perspectiva analítico-comportamental, tem-se demonstrando algo
difícil devido à escassez de publicações (artigos, dissertações, entre outros) sobre a temática. Embora a
produção da análise do comportamento, a nível conceitual e tecnológico, seja enorme, pouco se tem
dedicado à homossexualidade (de Carvalho, da Silveira, & Dittrich, 2011; Mizael, 2018), e menos ainda
sobre as agressões sofridas por esta parcela da população.
As explicações para as violências sofridas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT)
mais comumente encontradas na literatura cientí ca dizem respeito a publicações de outras abordagens
psicológicas, sobretudo de teorias psicodinâmicas. De modo geral, tais explicações atribuem a gênese da
homofobia a processos internalistas, com defesa egóica contra impulsos do próprio indivíduo (Adams,
Wright, & Lohr 1996; O’Brien, 2001). Nesse trabalho optou-se por usar o termo homofobia para se referir às
diferentes formas de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Logo pode-se perceber que estas de nições, encontradas na literatura, desconsideram variáveis
ambientais. Assim, partindo da análise do comportamento, pode-se dizer que a homofobia é um “conjunto
de comportamentos complexos, envolvendo comportamentos operantes e respostas emocionais, relativos às
várias modalidades de agressão (seja física, psicológica ou sexual) contra indivíduos homossexuais ou que
se identi quem com a cultura homossexual” (Fazzano & Gallo, 2015, p.538).
Ao falar em comportamento operante, pode-se pensar, primeiramente, em seleção e manutenção deste
comportamento. Neste sentido, levantar as variáveis envolvidas (tanto em relação ao contexto de ocorrência,
quanto às consequências do comportamento) faz-se de extrema importância para a compreensão do
fenômeno. Iniciemos, então, falando a respeito das consequências.
Racismo
Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatística (IBGE, 2017a), os negros (as) (pretos,
pretas, pardos e pardas) somam aproximadamente 55% da população brasileira. Dos aproximadamente 113
milhões de negros e negras, cerca de 8,3 milhões estão desempregados (as), somando 63,7% do total (IBGE,
2017b), e os que estão empregados, ganham em média metade do que recebem os brancos (IBGE, 2009). Em
relação à educação, “a taxa de analfabetismo para as pessoas pretas ou pardas (9,9%) foi mais que o dobro
da observada entre as pessoas brancas (4,2%)” (IBGE, 2016, p. 2). Outro dado é que 64% da população
carcerária brasileira é negra (Infopen, 2017).
Diante desta realidade, as relações raciais têm sido estudadas pela Psicologia brasileira por meio de
diversos temas, como o preconceito, discriminação racial e racismo (Ferreira, 2002; Martins, Santos, &
Colosso, 2013; Sacco, de Paula Couto, & Koller, 2016), identidade racial (Guareschi, Oliveira, Giannechini,
Comunello, Pacheco, & Nardini, 2002; Ferreira & Camargo, 2011; Miranda, 2017; França & Monteiro, 2002) e
políticas a rmativas (de Jesus, 2013), sendo a Psicologia Social a principal vertente teórica utilizada (Martins,
Santos, & Colosso, 2013). Poucos são os (as) autores (as) que tem se debruçado sobre essas temáticas a partir
de um referencial analítico comportamental (de Carvalho & de Rose, 2014; Mizael, Almeida, Silveira, & de
Rose, 2016; Mizael & de Rose, 2017). A seguir será apresentado um resumo das três pesquisas publicadas em
periódicos da área por pesquisadoras (es) analistas do comportamento no Brasil.
A pesquisa de Carvalho e de Rose (2014) teve por objetivo analisar atitudes raciais por meio do
paradigma de equivalência de estímulos. Participaram da pesquisa quatro crianças que apresentavam viés
negativo à raça negra na aplicação de um instrumento de triagem. No procedimento, os participantes foram
submetidos a um treino em que era preciso combinar símbolos positivos e negativos (A1 e A2), com duas
formas geométricas (B1 e B2), e essas formas geométricas com faces negras (C1) e uma imagem arbitrária
(C2), respectivamente. O possível surgimento de relações AC e CA evidenciaria a formação de classes de
equivalência, de modo que um símbolo positivo seria equivalente a faces negras e um símbolo negativo a
uma gura arbitrária. Das quatro crianças que participaram apenas uma exibiu a relação emergente entre as
faces negras e os símbolos positivos.
Mizael et al. (2016), baseando-se na pesquisa de Carvalho e de Rose (2014), realizaram um estudo
com o objetivo de avaliar se a otimização nos parâmetros do treino de escolha de acordo com o modelo,
aumentariam a probabilidade de relações de equivalência entre faces negras e um símbolo positivo em
crianças. Os resultados mostraram uma sobreposição das relações de equivalência treinadas (face negra e
símbolo positivo) às relações pré-existentes entre as faces negras e os atributos negativos em nove das treze
crianças que participaram. A pesquisa constata a possibilidade de utilização de procedimentos baseados no
paradigma de equivalência de estímulos e no fenômeno da transferência de funções para efetivar parte da
mudança comportamental.
Além desses estudos, Mizael e de Rose (2017) buscaram interpretar o preconceito racial relacionando
pesquisas experimentais e o aparato teórico- losó co produzido na Análise do Comportamento.
Observa-se que a teoria do comportamento verbal de Skinner, o paradigma da equivalência de estímulos,
a teoria das molduras relacionais, a transferência e transformação de funções dos estímulos e os modelos
experimentais para o estudo de estereótipos, estigmatização e categorização social oferecem contribuições
para a análise do fenômeno. Sugere-se que a Análise do Comportamento se articule com outros campos
de produção de conhecimento cientí co, como a Psicologia Social, de modo a auxiliar na elaboração de
intervenções mais e cazes.
No geral, os estudos brasileiros têm tentado evidenciar empiricamente que as relações entre raças são
aprendidas e podem ser alteradas a depender das contingências em vigor. Apesar da relevância das pesquisas
Conclusão
Estudos analítico-comportamentais sobre feminismo, homofobia e racismo vêm sendo
conduzidos com mais afinco nos últimos anos. Pesquisas que definem conceitos e teses que apresentam
fundamentações necessárias sobre gênero, patriarcado, machismo, orientação sexual e identidade
somam-se aos estudos empíricos.
Características tidas como femininas são consideradas inferiores (Eccles, Jacobs, & Harold, 1990) e
possivelmente essa variável cultural tenha relação com a homofobia, o que precisa ser melhor estudado.
Essa relação ca mais evidente entre travestis e transexuais que, ao se identi carem com o gênero feminino,
sofrem violências tais quais as mulheres. Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo
(TvT Research Project, 2016), e ao mesmo tempo é o país que mais consome pornogra a trans (PornHub
Insights, 2016).
Ao mesmo tempo levanta-se a questão da existência de características que as contingências culturais
determinam como inferiores. No caso do patriarcado características tidas como femininas seriam inferiores
às masculinas. O mesmo se observa nas questões de raça? Futuros estudos precisam explorar melhor
essa questão. A princípio é possível a rmar que os mesmos processos de contracontrole do feminismo é
observado no empoderamento dos homossexuais e também na identidade de raça?
Referências
Abib, J. A. D. (2001). Teoria moral de Skinner e desenvolvimento humano. Psicologia: Re exão e Crítica,
14(1), 107-117.
Adams, H. E., Wright, L. W., & Lohr, B. A. (1996). Is homophobia associated with homosexual arousal?
Journal of Abnormal Psychology, 105(3), 440-445.
Brasil. (2008). Vademecum, Constituição da república federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva.
Brasil. (2012). Relatório sobre a violência homofóbica no Brasil: o ano de 2011. Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República.
Brasil. (2013). Relatório sobre a violência homofóbica no Brasil: o ano de 2012. Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República.
Brino, R. F., & Williams, L. C. A. (2008). Professores como agentes de prevenção do abuso sexual infantil.
Educação & Realidade, 33(2), 209-230.
Couto, A., & Dittrich, A. (2017). Feminismo e análise do comportamento: caminhos para o diálogo.
Perspectivas Em Análise Do Comportamento, 8(2), 147-158.
de Carvalho, M. P. de., & de Rose, J. C. (2014). Understanding racial attitudes through the stimulus
equivalence paradigm. e Psychological Record, 64, 527-536.
de Carvalho, M. R. A., da Silveira, J. M., & Dittrich, A. (2011). Tratamento dado ao tema “homossexualidade”
em artigos do Journal of Applied Behavior Analysis: Uma revisão crítica. Revista Brasileira de Análise
do Comportamento, 7, 72-81.
de Jesus, J. G. (2013). O Desa o da convivência: Assessoria de diversidade e apoio aos cotistas (2004-2008).
Psicologia: Ciência e Pro ssão, 33(1), 222-233.
Devreux, A. M. (2005). A teoria das relações sociais de sexo: Um quadro de análise sobre a dominação
masculina. Sociedade e Estado, 20(3), 561-584.