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VII Jornada Pedagógica da UEMG: Educação como Direito: Presente!

21 a 23 de novembro de 2022.

ESTIGMA E BIOPOLÍTICA: HETERONORMATIVIDADE COMO


EXCLUSÃO SOCIAL

Carlos Eduardo de Oliveira Ramos*


Silvani dos Santos Valentim*
* CEFET/MG

RESUMO

O presente estudo analisa como o estigma social e a biopolítica são


utilizados como instrumentos ou estratégias para exclusão social. Apoiado
em autores como Goffman (2008), Foucault (1976) e Louro (2009),
analisamos a questão da heteronormatividade e como a escola tem
influência nesse padrão social e sexual. Interessa-nos aprofundar como a
marginalização dos indivíduos está relacionada ao poder do estado e como
esse exerce o poder e controle sobre as pessoas. Este estudo utiliza-se de
revisão bibliográfica como método de pesquisa. Mas, sobretudo, do estudo
de conceitos encontrados nos textos lidos. Concluí-se que a sociedade é
moldada de acordo com o interesse do Estado, a fim de controlarem os
corpos e dividi-los em quem deve viver e quem deve morrer.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, focaremos na forma tribal, particularmente para a


compreensão dos indivíduos com comportamentos fora do padrão
heteronormativo. Nos interessa compreender as relações que se
estabelecem entre os estigmatizados e os "normais". As questões que serão
tratadas, como as influências heteronormativas, são temas políticos e
devem fazer parte do currículo escolar, incluindo o currículo do ensino
fundamental. São temáticas que abrangem os aspectos subjetivos do ser

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humano, juntamente com aspectos biológicos. Segundo Gagliotto (2009,


p.18),

A sexualidade configura-se numa das dimensões humanas mais


complexas por constituir-se de um elo entre aspectos subjetivos do ser
humano (filosóficos, sociais, históricos, antropológicos, pedagógicos e
psicológicos) e aspectos biológicos (genéticos, reprodutivos, identidades
genitais) Gagliotto (2009, p.18).

Com uma formação de professores voltada para temáticas que consideram


a diversidade sexual como elemento importante do currículo, teremos uma
escola mais preparada para a diversidade sexual, em que a influência do
professor, neste aspecto, seria positiva na vida do aluno. É preciso que este
tema deixe de ser considerado um tabu para deixarmos de segregar e
estigmatizar sujeitos desviantes da heteronormatividade. Se faz necessário
jogar luz sobre essa temática para que possa ser tratada com a devida
seriedade. Segundo Louro (2009) “as identidades sexuais e de gênero (como
todas as identidades sociais) têm o caráter fragmentado, instável, histórico
e plural, afirmado pelos teóricos culturais”. Assim, buscamos compreender
o papel da escola e sociedade acerca desses padrões, para identificar as
causas que transitam dessa falta de informação e a influência do biopoder
sobre os corpos na nossa sociedade atual.

METODOLOGIA

O presente estudo utiliza-se de revisão bibliográfica. Mas, sobretudo, do


estudo de conceitos. Na visão de Feldens (1981, p. 1198), “A revisão da
literatura pode ser considerada como uma pequena contribuição para
a construção de uma teoria em determinada área”. Continuando com
Feldens (1981), ao agrupar os resultados da pesquisa e confeccionar um
montante de referências, o pesquisador conseguirá, por meio desta

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organização, justificar a significância do seu problema e ampliar o seu


conhecimento nesta área em particular.

O estudo teve como foco central a compreensão e análise de práticas


heteronormativas por parte do Estado e da sociedade e a questão do
biopoder, a fim de descobrir como a escola e a sociedade têm influência
sobre os corpos dos indivíduos.

ESTIGMA COMO REGULAÇÃO DOS CORPOS

Goffman (2008), procurou explicitar como o estigma é construído pelos


membros de uma determinada sociedade, tendo como base uma
classificação social feita por meio de atributos positivos ou negativos, e
defende uma teoria central de que o estigma provoca a deterioração da
identidade do indivíduo. Neste processo, a interação é fundamental para a
identificação e diferenciação dos indivíduos e grupos. O autor esclarece o
conceito de estigma como um processo de construção histórica em
sociedade, que passou por diversas modificações, desde a antiguidade até
os dias atuais. Na Grécia Antiga sinais corporais eram usados para
ressaltar alguma característica ruim e indesejável do indivíduo e alertar às
demais pessoas para a inconveniência e perigo do contato. Na era Cristã,
com conotação positiva, era usado o sinal corporal da graça de Deus.

Nos dias atuais prevalece a conotação negativa, refere-se menos à


evidência corporal e mais à condição de exclusão social, em que o
indivíduo é julgado e passa por um processo de “purificação” para se
encaixar na maneira como a sociedade deseja que seja. O estigma social é
definido pela desaprovação das características e crenças pessoais que
confrontam as normas culturais prevalentes em determinado grupo social,
conduzindo os portadores destas características ou adeptos destas crenças
à marginalização. Portanto, o estigma é a “situação do indivíduo que é

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inabilitado para a aceitação social plena” e refere-se a “um atributo


profundamente depreciativo”, ou seja, é a condição de não possuir atributos
ou benefícios considerados importantes por o meio social em que se vive
(GOFFMAN, 2008, p. 8).

Segundo Goffman (2008, p. 22), existem três formas de estigma:


deformidades físicas (deficiências motoras, auditivas, visuais, desfiguração
do rosto ou corpo); características pessoais e comportamentais (distúrbios
mentais, comportamento político radical, desemprego,
toxicodependências, vícios, prisão); e estigmas tribais (pertencimento a
uma raça, nação, religião, sexualidade e etc). Os contatos sociais com o
portador de um estigma tendem a ser permeado por insegurança e
dificuldades de diversas ordens, como por exemplo, não saber como reagir,
se olhar ou não diretamente para o defeito visível, se auxiliar ou não a
pessoa, se contar ou não um fato acerca desse "tipo" de pessoa. Ou seja,
tratar desse determinado assunto é considerado tabu, já que está fora do
padrão ensinado de geração a geração. Qualquer que seja a conduta
adotada, por ambas as partes, haverá, muitas vezes, a sensação de que o
outro é capaz de ler significados não intencionais nas nossas ações. Esta é
uma das razões que levam a que os indivíduos estigmatizados
desenvolvam estratégias de encobrimento, para garantir ao máximo uma
vida normal. Quando se julga alguém como não “normal”, se
estigmatizando a pessoa, a marginalizado na sociedade por não cumprir as
exigências necessárias.

Os rótulos apresentam características e parecem conter em si o sentido de


um "defeito moral contagioso", como se o estigmatizado transmitisse aos
outros, pelo contato físico, as suas características. Em parte, a exploração
do “defeito” e o preconceito podem estar pautados na difusão desse
imaginário da contaminação (GOFFMAN, 2008, p 44).

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RELAÇÕES SOCIAIS E HETEROLÍTICA

A partir do final do século XIX, segundo Louro (2009), a sexualidade passa a


ter centralidade tanto para os indivíduos quanto para o Estado, e a
definição deste conceito passa a ser uma preocupação. É nesse momento
que os corpos passam a ser objeto de grande atenção, e diz:

Como os novos Estados nacionais estarão agora, mais do que antes,


preocupados em controlar suas populações e garantir sua produtividade,
seus governantes vão investir numa série de medidas voltadas para a vida:
passam a disciplinar a família e a ter especial cuidado com a reprodução e
as práticas sexuais (LOURO, 2009, p. 88).

Essa análise de Louro, está muito próxima da análise Biopolítica de


Foucault, onde ele diz que neste contexto, a política, vai estar se voltando
para o controle dos indivíduos e de seus corpos, de modo a adequá-los
socialmente e que sigam um padrão definido como certo. Essa ideia, pode
ser analisada também, com a necropolítica de Achille Mbembe, que tem
como princípio, a ideia de biopoder de Foucault, mas trás a tona, verdades e
aspectos voltados para a exclusão dos indivíduos como forma de uma
evolução natural para uma política estatal cujo desígnio é a aniquilação
desses corpos considerados subversivos ou inúteis para o sistema
dominante. São os corpos díscolos que estão sendo diariamente
assassinados só por existirem e não cumprirem os requisitos necessários
para suprir as ideias heteropoliticas voltadas à sociedade. Retirar a
violência do campo de vista da sociedade, como um lugar que não deveria
ser acessado, soaria não só como utópico mas também carregaria um tom
de alienação, visto que serviria como manutenção de um poder
necropolítico já trabalhado (MBEMBE, 2016).

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Voltando a ideia da heteronormatividade, como consequência as pessoas


homossexuais passam a ser vistas como sujeitos de outra espécie. De
acordo com Louro (2009, p. 88) “para este tipo de sujeito, haveria que
inventar e pôr em execução toda uma sequência de ações: punitivas ou
recuperadoras, de reclusão ou de regeneração, de ordem jurídica, religiosa
ou educativa”. Desta maneira, a heteronormatividade vai se engendrando
no tecido social em diversos níveis que vão do institucional ao cotidiano. A
heterossexualidade vai sendo reiterada por um processo consistente, na
maioria das vezes sútil, e se torna norma regulatória com uma providencial
invisibilidade. Isto a torna bastante eficiente, dado que quanto menos
notada é uma relação de poder mais efetiva se torna (LOURO, 2009). É neste
cenário que o heterossexismo e a homofobia se tornam formas de controle
e vigilância das expressões e identidades de gênero e das identidades
raciais. Utilizam-se dispositivos heteronormalizadores de vigilância,
controle, correção e marginalização, JUNQUEIRA (2013), diz que homofobia
é como um fenômeno social relacionado a preconceitos maçantes,
discriminação sociais e violência contra quaisquer sujeitos que fujam da
ideia interposta, expressões e estilos de vida que indiquem transgressão ou
dissintonia em relação às normas de gênero, à matriz heterossexual, à
heteronormatividade. Historicamente estabeleceu-se uma norma para
controlar as condutas ditas normais, baseada em relações de poder, onde o
padrão é o cobrado e permitido, em que a referência está pautada no
homem heterossexual, branco, cristão de classe média e viril. Todos
aqueles que não se encaixam neste padrão são denominados “aquele
esquisito” e que serão definidos Louro (2009).

BIOPODER E (NECRO)HETERONORMATIVIDADE

No pensamento de Foucault, a biopolítica é entendida como um caminho


pelo qual, a partir do século XVIII, se tentou racionalizar os problemas

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colocados pelo fenômeno de um grupo de indivíduos como grupo para a


prática do governo, incluindo saúde, higiene, taxa de natalidade,
longevidade, gênero, raça. Nos escritos de Foucault, o conceito aparece pela
primeira vez no último capítulo da História Sexualidade I, a vontade de
saber (1976) intitulado "Direito de morrer e poder de viver".

Dito por Foucault (1988), em sua obra “História da Sexualidade I: A Vontade


de Saber”, a biopolítica se importa mais com a vida, em vez de totalmente
com a morte, porém a biopolítica não possui apenas caráter humanitário, e
sim, de poder sobre as forças. Há, neste contexto, uma demanda muito
grande de eliminar indivíduos que não se encaixam de forma crescente e
recorrentemente contínua para garantir que determinada “raça” mantenha
sua força e vigor, ou seja, controle sobre as massas.

A biopolítica transforma o ser biológico em objeto da política, onde os que


têm interesse político sobrevivem e os que não fazem parte deste, são
excluídos e marginalizados, onde possivelmente sofreram uma
perseguição insensível com o mínimo de humanidade possível, controlado
pelo poder do Estado e que decide quem deve morrer e quem deve viver.
Esse “deixar morrer ou fazer viver” integra um movimento de censuras
biopolíticas que o Estado exerce sobre determinadas parcelas da população
diante de seu perfil, ou seja, de acordo com critérios de raça, etnia, gênero,
etc. Com efeito, a biopolítica permite compreender como se dá a passagem
da sociedade disciplinar para a sociedade do biopoder, na qual a biopolítica
representa uma espécie de medicina social que se aplica à população com
o propósito de governar sua vida (FOUCAULT, 1988). A ideia de exclusão
social, está inteiramente ligada com o deixar morrer desses indivíduos,
principalmente os que não se encaixam no padrão heteronormativo. A falta
de lei ou preocupações, afim de intervir na série de assassinatos, agressões
e preconceitos vindo contra as pessoas do grupo LGBTQIA+, nos mostra

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como o Estado está apenas fazendo necropolítica, a fim de eliminar sem


sujar as mãos de sangue e quando questionado, dirá que fez o possível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base neste estudo, que iremos dar continuidade, podemos dialogar
com a ideia que a sociedade é moldada de acordo com o interesse do
Estado, a fim de se controlar os corpos e dividi-los em quem deve viver e
quem deve morrer. Na tentativa de delinear territórios fixos, encontrei
movimentos nômades insurgentes, criando heterotopias (FOUCAULT,
1988), onde podemos enxergar a necessidade da extensão das práticas
docentes para a adequação do currículo escolar para ideias contra a
heteropolitização.

Ao buscar estratégias de resistência política, foram encontrados corpos


vivos, vibrantes e vibráveis! Vidas fazendo resistência a sistemas
necropolíticos (MBEMBE, 2016).

O padrão heteronormativo instaura nas escolas como uma maneira de


controle e vigilância não só do conhecimento sexual, mas também das
expressões e das identidades de gênero. Por isso, podemos afirmar que a
heteronormalização e a homofobia são manifestações de um sexismo
obrigatório, não raro, mas recorrente, associado a diversos padrões
normativos, normalizadores e estruturantes de corpos, sujeitos,
identidades, hierarquias e instituições (JUNQUEIRA, 2009).

Palavras-chave: Biopolítica; Estigma; Escola.

REFERÊNCIAS

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FELDENS, M.G.F. Os propósitos da revisão de literatura e o


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n.9,p.1197-1199, 1981.
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de
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GAGLIOTTO, Giseli Monteiro. A Educação Sexual na Escola e a Pedagogia
da Infância: matrizes institucionais, disposições culturais, potencialidades
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2009.
GOFFMAN, E. O estigma. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 2008.
JUNQUEIRA, R. D. (Org.). Diversidade sexual na educação:
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JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Pedagogia do armário: A normatividade em
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