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A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO: O DEBATE

SOBRE A INTERSECCIONALIDADE ENTRE GÊNERO, SEXUALIDADES E RAÇA

Manoel João da silva Junior1


Fernanda Sardelich Nascimento2
Julyana Kalyne Henrique da Silva3
INTRODUÇÃO

A presente produção trata-se de uma síntese da pesquisa “A escola como espaço de


formação e transformação: o debate sobre a interseccionalidade entre gênero, sexualidades e
raça”, aprovada no Edital PROPESQI nº 02/2022 de PIBIC/UFPE/CNPq PIBIC, a qual
contou com um incentivo de bolsa. Vale pontuar que esta última faz parte da pesquisa maior:
“Inteligibilidades docentes, discentes e a equidade social: possíveis fortalecimentos do caráter
plural e democrático da escola” aprovada no edital CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021 - Faixa
A - Grupos Emergentes.
A problemática de estudo da presente derivou-se a partir da nossa compreensão de que
vivemos em uma comunidade que demonstra uma posição oscilante referente à discussão
sobre identidade, orientação sexual e etnia. Assim, enquanto presenciamos um progresso nos
estudos e na conversa pública, simultaneamente enfrentamos períodos regressivos, nos quais
observamos esforços para eliminar medidas sociais que buscam garantir justiça social, além
do aumento de agendas políticas alinhadas com o neoliberalismo e neoconservadorismo.
(JUNQUEIRA, 2017; LEAL, 2017; BALIEIRO, 2018; BORGES; BORGES, 2018;
MARAFON; SOUZA. 2018; MISKOLCI, 2018, MOURA; SALLES, 2018; MIRANDA;
GRAGEÃO; MONTENEGRO, RAIMUNDO et al, 2021).
Considerando que gênero e orientação sexual são produtos moldados socialmente e
que são fundamentais na origem de violências contra mulheres e indivíduos que desafiam as
normas cisheteronormativas, a Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco estabeleceu,
em colaboração com a Secretaria da Educação, o Núcleo de Estudos de Gênero e Combate à
Violência contra a Mulher em 2009, mas suas atividades apenas se iniciaram em 2011. O
propósito do núcleo também é promover debates que ocasionalmente são direcionados ao
ambiente escolar, porém, se limitam a eventos específicos como por exemplo o 'Dia da
Consciência Negra'.
1
Estudante do Curso de Licenciatura em Pedagogia - CAA – UFPE; E-mail: manoel.joaoj@ufpe.br
2
Docente/pesquisador do Núcleo de Formação Docente, Curso de Licenciatura em Pedagogia – CAA – UFPE;
E-mail: fernanda.sardelich@ufpe.br
3
Estudante do Curso de Licenciatura em Pedagogia - CAA – UFPE; E-mail: julyana.kalyne@ufpe.br.
O debate sobre gênero, sexualidade e raça mostra-se imprescindível no âmbito
escolar, para que haja uma compreensão do assunto, e que pensamentos que causem
preconceitos, discriminação e atos negativos sejam cada vez mais abolidos da sociedade, e
ideias pejorativas criados a partir de alguma religião, política, e outros fatores que criem esse
pensamento de repulsa ao debater a temática sejam extintos, e que a abertura sobre a temática
seja criada de forma fluida. (GOELHER, 2020; LOURO, 2020; MEYER, 2020).
Frente o entendimento da importância destas questões serem discutidas no espaço
escolar, a presente pesquisa tem como objetivo geral: compreender as inteligibilidades dos
discentes de duas escolas da rede pública de ensino médio (com Núcleo de Estudos de Gênero
e Enfrentamento da Violência contra a Mulher e sem os referidos Núcleo) da cidade de
Caruaru-PE sobre as temáticas de gênero e diferenças sexuais na promoção do caráter
democrático e plural da instituição escolar.
Com relação aos objetivos específicos, temos: 1)Elencar as ações de enfrentamento e
promoção da inclusão dessas temáticas no cotidiano escolar em ambas as escolas; 2)Comparar
as inteligibilidades entre estudantes das escolas com e sem o Núcleo; e 3)Analisar os impactos
das ações do Núcleo na compreensão dos jovens.

APORTE TEÓRICO

Com a finalidade de entender o significado de sexualidade, Foucault (2001) refere-se a


sexualidade não como algo natural do ser humano, mas uma construção a partir de
vivências, as quais têm como gênese os contextos culturais, sociais e históricos, ou seja, vão
muito mais além de questões biológicas. Foucault (2006) compreende a sexualidade como um
dispositivo, um conjunto de práticas, discursos, instituições e normas que moldam e regulam a
sexualidade em uma determinada sociedade. Ele argumenta que o dispositivo da sexualidade
não é apenas sua repressão, mas também uma forma de produzir e controlá-la, tornando-a
uma parte central da identidade e do poder.
Para Butler (2003) o poder tem um impacto producente que concebe sujeitos. Sua
concepção de poder baseia-se no conceito de Foucault onde o poder não tem um significado
teórico, mas que o poder é uma pratica, que se fragmenta em diversos contextos no
cotidiano. Gênero opera dentro de algumas práticas sociais específicas. É notável que
socialmente é idealizado o elemento de gênero dentro do sistema binário, para que haja a
naturalização da atração sexual entre “mulheres” e “homens”.
É relevante ressaltar que a questão de gênero e sexualidade estão entrelaçadas, apesar
de serem ideias distintas, e esses elementos sociais estão, como mencionado antes,
entrecruzados com outros indicadores sociais de diversidade. Para os propósitos deste estudo,
salientamos o indicador étnico, considerando sua relevância em uma nação com um histórico
de escravidão e colonização. (ALMEIDA, 2018)
Segundo Almeida (2018) o discurso de poder permeia também nos debates de raça. O
debate de raça é crucial em todos os âmbitos, mas é necessário entender como o racismo
funciona e de como ele procede na sociedade e como ele atinge as relações políticas. Segundo
o autor, o racismo faz parte da história moderna, o conceito de raça foi desenvolvido pelo
modelo de estado burguês para que seja “organizada” as relações políticas a partir de uma
divisão social.

METODOLOGIA

Este estudo está inserido no âmbito das ciências humanas e sociais (GAMSON, 2010),
que é permeado por condições de produção de ordem epistemológica, histórica, política e
sociocultural. Partindo da perspectiva desconstrutivista na construção do conhecimento,
propomos uma análise que transcende as formas dicotômicas de produção científica. Nessa
ótica, a pesquisa, de natureza qualitativa, buscou explorar o mundo subjetivo dos processos de
inteligibilidade gerados pelos discentes de duas escolas em Caruaru-PE, uma com Núcleo de
Estudos de Gênero e Enfrentamento da Violência contra a Mulher (NEGs) e outra sem esse
Núcleo.
O estudo foi conduzido em três fases: 1) mapeamento das escolas com e sem NEGS;
2) realização de observação participante, de setembro a novembro, uma vez por semana, em
ambas as escolas; 3) condução de entrevistas semiestruturadas com 18 estudantes no total, nas
duas instituições. Vale ainda pontuar que na análise, empregamos a Análise de Conteúdo
conforme descrita por Bardin (1997), utilizando o material produzido na pesquisa, incluindo
transcrições das entrevistas e anotações dos diários de campo.

DISCUSSÃO

O estudo teve como meta principal compreender as compreensões dos alunos de duas
escolas do ensino médio na rede pública, uma com Núcleo de Estudos de Gênero (NEGs) e
outra sem, em Caruaru-PE, acerca das temáticas de gênero e diferenças sexuais, visando
promover a natureza democrática e plural da instituição escolar. Reconhecemos que a
discussão sobre os marcadores sociais da diferença na escola pode dissipar concepções que
alimentam preconceitos, discriminação, ações negativas e ideias pejorativas originadas de
diversas fontes, como religião e política (LOURO; NECKEL; GOELLNER, 2020).
No entanto, em ambas as escolas, notamos, em muitas ocasiões, uma falta de
compreensão sobre os diversos marcadores, especialmente no que diz respeito a gênero e
sexualidade, frequentemente considerados como sinônimos e limitados a aspectos biológicos
e modelos binários. Estudantes ainda restringem a sexualidade apenas ao sexo. Em relação ao
racismo, embora ele se manifeste no cotidiano escolar, como observado durante o período de
pesquisa, muitas vezes é tratado como brincadeira, sendo ignorado ou minimizado.
No entanto, destacamos a importância desse debate nas escolas, pois, mesmo que
ocorra pontualmente, por alguns professores em sala de aula ou em eventos específicos como
o "Dia da Consciência Negra" ou o "Dia da Mulher", aponta para efeitos significativos na
reflexão dos estudantes. Essas descobertas não surpreendem, considerando a compreensão de
que os marcadores sociais da diferença são construídos socialmente, influenciados por
elementos históricos e culturais e permeados por relações de poder (FOUCAULT, 2006;
ALMEIDA; 2018; BUTLER, 2003).
A verdade sobre sexo e sexualidade é construída pelo dispositivo de sexualidade, que
abrange práticas, discursos, instituições e normas que moldam e regulam a sexualidade em
uma sociedade específica, regulando-a, produzindo-a e controlando-a como parte central da
identidade e do poder (FOUCAULT, 2006). Butler (2003) destaca como a construção de
gênero é estabelecida por um modelo binário cisheteronormativo, por meio do poder que
regula e disciplina gênero, operando em práticas sociais específicas.
Almeida (2018) ressalta como o racismo estrutura a sociedade, atuando como um
dispositivo que classifica e desqualifica as pessoas com base em traços étnicos e raciais. Ele
lembra como nossa sociedade colonizada ainda idealiza o homem branco europeu e cristão e
como o mito da democracia racial foi um dispositivo para invisibilizar o racismo estruturante
em nossa sociedade.

CONCLUSÃO

Residimos em um contexto onde, apesar do notável progresso na celebração da


diversidade na sociedade, lamentavelmente, uma parte ainda repudia as
disparidades, manifestando-se quer de maneira explícita, quer de maneira implícita. Uma
reflexão crítica sobre as experiências relacionadas aos marcadores sociais da diferença na
escola é crucial, e as lutas devem surgir não apenas das comunidades que buscam seus
direitos, mas de todas as esferas.
Essas visões, ainda enraizadas em concepções hegemônicas na sociedade, estão
presentes em estudos sobre o tema, conforme ressaltado. É crucial notar que a presença de
pessoas trans na escola com o NEGs traz à tona a temática no cotidiano escolar, sendo a
própria existência uma forma de resistência.
A comunidade LGBTQIAPN+ desempenha um papel relevante, ampliando as
discussões sobre gênero e sexualidade para além do conteúdo escolar. Embora o currículo
escolar não apresente uma visão clara da diversidade relacionada a gênero, sexualidade e
raça, a escola promove ações que provocam reflexões e despertam a curiosidade dos alunos.
Esses temas são abordados principalmente por meio de palestras, com enfoque na
diversidade, e a sala de aula, sobretudo com professores da área de humanas, configura-se
como um espaço para debater diversidade, saúde sexual e reprodutiva. Em situações como
essas, o corpo docente incentiva as minorias, efetivando a democracia na escola, onde todos
têm voz e podem contribuir com seus conhecimentos para toda a comunidade educacional.
Este espaço de debate é fundamental, permitindo que os alunos expressem livremente
suas opiniões, algo que pode ser incomum em diversas escolas, mas que foi observado no
campo. Portanto, apesar de enfrentarmos desafios significativos, identificamos uma vasta
potencialidade de vozes capazes de transformar esse cenário. A escola, com sua gestão
democrática, onde todos têm voz, por meio de ações desenvolvidas pela comunidade e com a
possível reativação do núcleo, pode conduzir de maneira mais eficaz o debate sobre gênero,
sexualidade e raça.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento,
2018.
BALIEIRO, Fernando. de F. “Não se meta com meus filhos”: a construção do pânico moral
da criança sob ameaça, Cadernos Pagu, n. 53, 2018.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1997.
BORGES, Rafaela O; BORGES, Zulmira N. Pânico moral e ideologia de gênero articulados
na supressão de diretrizes sobre questões de gênero e sexualidade nas escolas. Revista
Brasileira de Educação. V. 23. p.1-23. 2018.
BUTLER, Judith. Problemas de gêneros: feminismo e subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.
_______. História da sexualidade I: A vontade de saber. 17.ed. Tradução de Maria Thereza
da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2006.
GAMSON, Joshua. As sexualidades, a teoria queer e a pesquisa qualitativa. In: FEITOSA,
Ricardo A. de S. Sui Generis- Journalism? Visibility, Identities and Journalistic Practices
in a 1990s Brazilian Gay Magazine. In Brazilian Journalism Research, v. 14, p. 76-101,
2018. Disponível em: https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/1046. Acessado em 15 de
agosto de 2022.
JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Ideologia de gênero”: a gênese de uma categoria política
reacionária–ou: a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça à família natural”.
In (Org.) RIBEIRO, Paula R. C.; MAGALHÃES, Joana Lira C. Debates contemporâneos
sobre educação para a sexualidade. Rio Grande, Ed. Furg, 2017
LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane F.; GOELLNER, Silvana V. Corpo, gênero e
sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2020, p.43-53.
MARAFON, Giovana; SOUZA, Marina Castro. Como o discurso da “ideologia de gênero”
ameaça o caráter democrático e plural da escola? In PENNA, Fernando; QUEIROZ, Felipe;
MATTOS, A. R.; CIDADE, M. L. R. Para pensar a cisheteronormatividade na psicologia:
lições tomadas do transfeminismo. Revista Periódicus, [S. l.], v. 1, n. 5, p. 132–153, 2016.
Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/17181.
Acesso em: 23 setembro. 2022.
MOURA, Fernanda P., SALLES, Diogo C. A escola sem partido e o ódio a professores que
formam crianças (des) viadas. Revista Periódicus, V. 1. n. 9. p. 136-160, 2018.
PERNAMBUCO, Secretaria da Mulher. Anuário da Secretaria da Mulher, Revista 8 de
Março, Ano 10, Pernambuco. Disponível em
http://www2.secmulher.pe.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=5ba311fd-4e01-4b35-
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