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ISSN 2177-3548
[1] Universidade Federal de São Carlos | Título abreviado: Perspectivas Analítico-Comportamentais sobre a Homossexualidade | Endereço para correspondência:
Laboratório de Estudos sobre o Comportamento Humano (LECH) – Edifício Carolina Bori, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235
- SP-310 - CEP 13565-905, São Carlos, São Paulo, Brasil | Email: tahcitammizael@gmail.com | DOI /10.18761/PAC.2017.011
A homossexualidade foi e tem sido tema de diver- respostas tem suas probabilidades de ocorrência
sos estudos, nas mais diversas áreas, com destaque modificadas com base nas consequências dessas
para a biologia, as ciências sociais (especialmente respostas. Além disso, em suas análises, os con-
antropologia e sociologia) e a psicologia. Com te- textos nos quais as respostas ocorrem são também
mas de pesquisas também bastante variados, que importantes, uma vez que eles possibilitam a emis-
vão desde explicações da homossexualidade como são de certas respostas, sinalizando a disponibili-
um “terceiro sexo” (e.g., Nucci & Russo, 2009), pas- dade de reforçadores, ou a ausência destes, assim
sando por explicações pautadas na biologia, como a como de consequências potencialmente aversivas
correlação entre determinados genes e a expressão (e.g., Carvalho Neto, 2002; Sério, 2005). Pensando
da homossexualidade (e.g., Bocklandt & Hamer, na interface entre a análise do comportamento e
2003), até o entendimento da homossexualidade “questões sociais”, teóricos e pesquisadores como
como variação sexual não-patológica e, inclusive, Skinner, Moore e Holland escreveram sobre as pos-
como algo de “origem social” e, que, portanto, não sibilidades de a análise do comportamento ser útil
prescindiria de uma causa (e.g., Foucault, 1984; na superação de problemas sociais relevantes, como
1985; Weeks, 2000), este tema tem sido terreno a má distribuição de renda, o racismo, a fome, o
fértil de pesquisas na área da sexualidade humana sexismo, entre outros (e.g., Holland, 1978; Moore,
(mas não restrita a ela). 2003; Skinner, 1953/1970; 1978, e também Guerin,
Na psicologia, muitos estudos investigaram, 1992/2009; Holpert, 2004; Mattaini & Thyer, 1960).
entre outras coisas, não só possíveis “causas” para Desse modo, pelo menos em tese, a análise do com-
este padrão comportamental/orientação como tam- portamento poderia contribuir no estudo de ques-
bém relações entre a homossexualidade e transtor- tões ligadas à homossexualidade, não enquanto
nos psicológicos (e até a homossexualidade como uma “busca causal”, mas principalmente no estudo
um transtorno ou patologia em si – e.g., American do estabelecimento e manutenção da homofobia/
Psychiatric Association, 1952; Bayer 1987, Friedman preconceito sexual, e na proposição de modelos ex-
& Downey 1998). Apesar de alguns pesquisadores, perimentais de preconceito e/ou estigmatização, os
desde o final da década de 1950 já desafiarem a quais poderiam ser utilizados em aplicações futuras
noção de que a homossexualidade seria uma pa- que objetivem diminuir tais preconceitos, entre ou-
tologia (e.g., Hooker, 1957), foi somente após o tras contribuições.
ano de 1973, quando a Associação Americana de Levando em consideração, portanto, a relevân-
Psiquiatria retirou a homossexualidade (chamada cia social do tema homossexualidade, e o fato de
até então de “homossexualismo”) da Classificação que a análise do comportamento é uma área que se
Internacional de Doenças, seguida pelo apoio a essa dedica ao estudo do comportamento (aberto e en-
decisão pela Associação Americana de Psicologia, coberto), que sua produção já é bastante relevante
em 1975, que outros aspectos da homossexualida- no auxílio de vários indivíduos e/ou na análise de
de, não mais considerada uma patologia, começa- questões sociais relevantes (e.g., pessoas com pro-
ram a ser pesquisados com maior afinco, como as blemas de aprendizagem – e.g., de Rose, de Souza,
implicações do preconceito sexual, ou homofobia & Hanna, 1996, aprendizagem de repertórios em
(preconceito dirigido a indivíduos cuja prática ou indivíduos com transtorno do espectro autista –
orientação sexual não é heterossexual, e/ou a in- e.g., Lovaas, 1987; Sallows & Graupner, 2005, expe-
divíduos cuja expressão e/ou identidade de gênero rimentos que diminuíram vieses raciais negativos
não é coerente com o gênero que foi assignado no em crianças – e.g., Mizael, de Almeida, Silveira, &
nascimento) na saúde mental de indivíduos cuja de Rose, 2016), o objetivo dessa pesquisa foi anali-
orientação ou prática sexual é homossexual (e.g., sar a produção científica da análise do comporta-
Herek & Garnets, 2007). mento sobre questões ligadas à homossexualidade,
A análise do comportamento, fundamentada ressaltando o que foi pesquisado, quais as possíveis
no Behaviorismo Radical, propõe análises baseadas contribuições para a área, e as lacunas que podem
na história dos organismos (que podem ser huma- ser preenchidas em estudos futuros.
nos ou não), demonstrando como determinadas
Método Resultados
Foi realizada uma revisão bibliográfica em 13 pe- Quatro artigos foram encontrados. O primeiro, de
riódicos de análise do comportamento, nacionais autoria de Richard Malott (1996), foi publicado na
e internacionais. Os periódicos nacionais foram: revista Behavior and Social Issues. A pesquisa de
Revista Brasileira de Análise do Comportamento Carvalho, da Silveira e Dittrich (2011) foi a única
(REBAC), Revista Brasileira de Terapia publicada em um periódico brasileiro de análise do
Comportamental e Cognitiva (RBTCC), e Revista comportamento (REBAC). O estudo de Barona e
Perspectivas em Análise do Comportamento. Os Aponte (2014) foi publicado na Revista Argentina
periódicos internacionais pesquisados foram: Acta de Ciencias del Comportamiento e o último arti-
Comportamentalia, Behavior and Social Issues, go encontrado, publicado em 2015 e escrito por
Behavior Analysis: Research and Practice, Journal Fazzano e Gallo (2015), foi publicado em uma re-
of Applied Behavior Analysis (JABA), Journal vista de psicologia não específica à análise do com-
of Contextual Behavioral Science, Journal of the portamento (Temas em Psicologia).
Experimental Analysis of Behavior (JEAB), Revista Malott (1996) propôs analisar a sexualidade,
Argentina de Ciencias del Comportamiento, The transexualidade, homossexualidade e heterossexu-
Analysis of Verbal Behavior, The Behavior Analyst, e alidade a partir de uma ótica analítico-comporta-
The Psychological Record. A escolha por esses peri- mental. Assim, o papel da “natureza” e da “cultura”
ódicos se deu por serem, de maneira geral, alguns (nature e nurture, respectivamente) na determina-
dos periódicos mais conhecidos da área. ção da orientação sexual foi analisado a partir de
As palavras-chave utilizadas foram: “homosse- dois componentes: os papéis sexuais1 (sex-role; ter-
xualidade”, “orientação sexual”, “heterossexualida- mo que costuma se referir às normas e/ou expec-
de” e “bissexualidade” e seus equivalentes em inglês tativas sociais de gênero nas sociedades, ou seja, à
ou espanhol. Não houve período de tempo estabe- construção de masculinidades nos homens e femi-
lecido para a busca. O critério de inclusão dos ar- nilidades nas mulheres, de acordo com as normas
tigos foi o tema da homossexualidade como algo societais) e estilo comportamental, e os valores se-
central no artigo, de modo que foram excluídos xuais. Defendendo as contingências e o resultado
artigos que abordavam a sexualidade de maneira comportamental (behavioral outcome) em detri-
geral (e.g., Roche & Barnes-Holmes, 2002). A au- mento da forma ou topografia comportamentais, o
tora decidiu não buscar termos que explicitamen- autor afirma que os papéis sexuais e estilos com-
te indicam a patologização da homossexualidade, portamentais são aprendidos via contingências de
como os termos “homossexualismo” e “bissexua- reforçamento e punição.
lismo”, uma vez que um dos objetivos da pesquisa Utilizando-se de exemplos em outras áreas, as
foi, justamente, analisar as possíveis contribuições quais mostram que aspectos antes considerados
da área no estudo das questões relacionadas à ho- inatos são, na verdade, sujeitos às contingências de
mossexualidade. reforçamento (como ocorre no fenômeno de im-
Como o número de pesquisas encontradas que printing 2) e também fazendo o uso de uma analo-
se encaixavam no critério de inclusão foi baixo (três
artigos), uma nova busca de artigos publicados foi 1 Tal termo foi bastante criticado (ver, por exemplo, Connell,
feita na plataforma Scielo, em português, utilizan- 1987) e, atualmente, sugere-se, por exemplo, a utilização de
do além de uma das palavras-chave supracitadas, o “masculinidades/feminilidades” em vez de “papéis sexuais”.
termo “análise do comportamento”. Mais um artigo 2 De acordo com Nunes, Fernandes e Vieira (2007), imprin-
foi encontrado com base nessa busca. ting, ou estampagem, em português, é um “conceito empre-
gado para definir o comportamento de filhotes de gansos exi-
bidos como resultado da experiência precoce em fixar-se à
imagem da primeira figura (geralmente a materna) com que
entravam em contato, após eclodir dos ovos, e a tendência
em manterem a proximidade com essa figura durante o seu
estágio inicial de desenvolvimento” (p. 162).
gia com a aprendizagem de uma língua estrangeira, O preconceito por parte dos pesquisadores que
Malott (1996) argumenta sobre como os processos buscam uma base genética ou biológica para a ho-
de aprendizagem ocorrem de maneira tão constan- mossexualidade também é ressaltado por Malott
te, que torna difícil listá-los, ou considerá-los, de (1996), ao mostrar que essa busca se baseia em uma
fato, aprendizagens, frente a um desempenho tão noção indevida de que a homossexualidade é uma
competente. Analisando separadamente os diferen- coisa; essa coisa sendo uma doença. Afinal, não se
tes tipos de estimulação sexual, o autor comenta so- busca uma causa genética para as preferências em
bre a aprendizagem da aversividade condicionada, oferecer ou receber estimulação anal, oral ou geni-
e relata que, para a maioria de nós, nossa aprendi- tal, então porque se busca um “gene homossexual”
zagem sobre tipos de estimulação sexual aversiva (e não heterossexual)?
ocorre não por pareamentos típicos dos estudos Ao propor uma análise molecular do compor-
de processos básicos (e.g., luz + choque), mas por tamento sexual, Malott (1996) sugere o abandono
meio de relações verbais, como os comentários so- do uso de termos como homossexual, heterossexu-
bre “quão inapropriadas (imorais, repugnantes) são al e homossexualidade, de modo a analisar quais
certas fontes de estimulação sexual” (p. 129). variáveis controlam os diferentes componentes dos
Malott (1996) afirma acreditar, portanto, que comportamentos e papéis sexuais. Sua exposição é
nós nascemos bissexuais ou, inclusive, “multisse- complementada pelo questionamento das análises
xuais”, ou seja, suscetíveis a reforçadores sexuais de estímulos: o que são homens e mulheres? Como
de variadas fontes, e que nossa inclinação em di- definí-los? O tamanho da variação em uma cultura,
reção a determinado(s) sexo/gênero, assim como e entre diferentes culturas (e subculturas) é outro
a aversão que sentimos frente a certas formas de indicativo de como esses conceitos são aprendidos.
estimulação sexual são resultado de nossa histó- Além disso, uma definição a partir da genitália de
ria comportamental. Diz o autor: “nós não temos um indivíduo também não auxiliaria na análise,
conhecimento (to be unaware of) da programação uma vez que “o comportamento sexual e os valores
social sutil, mas sempre presente, que nos força aos frequentemente se tornam bem estabelecidos bem
papéis sexuais que adquirimos” (p. 130). Apesar antes do contato ou conhecimento rudimentar so-
disso, Malott (1996) ressalta que, a despeito de a in- bre a genitália do outro sexo” (p. 133).
clinação afetivo-sexual ser algo aprendido, isso não Para finalizar, Malott (1996) discorre sobre a
significa que seja algo que escolhemos como “qual homofobia. Utilizando como exemplos as escritu-
chapéu vestir para ir ao supermercado” (p. 130). ras da Bíblia e a política americana “don’t ask, don’t
Assim, o autor diz que muitos comportamentos e tell" que proibia a participação de indivíduos aber-
valores aprendidos até determinada idade (como a tamente homossexuais nas forças armadas ameri-
fase da pré-escola) “interagem com as contingên- canas, o autor escreve que o argumento para con-
cias de reforçamento e punição existentes, de modo denar a homossexualidade seria a incapacidade de
a tornar quase impossível modificá-los quando nos reprodução. Como algumas pessoas ficam sob con-
tornamos adultos” (p. 130). trole dessas contingências de reforçamento associa-
Em seguida, Mallot (1996) traz alguns argu- das com reforçadores sexuais não reprodutivos, e
mentos baseados na biologia, para salientar o quan- dado que a disponibilidade desses vários reforça-
to as explicações pautadas em questões biológicas dores é grande, além de serem bastante poderosos,
poderiam ser dadas também a partir da aprendi- seus efeitos poderiam gerar, de fato, a diminuição
zagem, e que correlações não são suficientes para das taxas de procriação de uma sociedade.
definir a homossexualidade como algo genético, Desse modo, criam-se uma série de mecanis-
uma vez que aspectos ambientais, como o estres- mos que condenam atos que não levem à procria-
se podem, de fato, ocasionar mudanças cerebrais. ção, tais como a masturbação, o sexo “recreativo”,
Uma crítica ao modelo médico também é feita, e o o coito interrompido e o sexo anal. Afinal, “se nós
autor comenta que este modelo pode ter influencia- fossemos biologicamente programados a (wired to)
do pesquisadores a quererem buscar “genes homos- achar o sexo não reprodutivo (incluindo a estimu-
sexuais”, mas não “genes heterossexuais”. lação sexual entre pessoas do mesmo gênero) aver-
sivo ao invés de reforçador, não haveria necessidade Winkler, 1997) não foram incluídos neste traba-
de todas essas sanções legais e religiosas. Mas nós lho por serem réplicas de um trabalho anterior que
não somos” (Malott, 1996, p. 137). Assim, formas tentou modificar a “orientação sexual” ou “papéis
de estimulação sexual não reprodutivas são torna- sexualmente desviantes” de uma criança (Rekers &
das não-naturais, vergonhosas, sujas e desagradá- Lovaas, 1974); os três trabalhos restantes não fo-
veis graças a pareamentos com estímulos aversivos, ram incluídos pois sua inclusão na pesquisa de de
como punições físicas, mas principalmente por Carvalho et al. (2011) ocorreu devido ao uso das
meio de relações verbais, ou seja, sanções sociais, palavras-chave “sexual” ou “sex”, as quais não foram
religiosas e legais. empregadas na presente pesquisa.
Esses pareamentos e relações verbais, apesar de De acordo com de Carvalho et al., (2011), a
altamente efetivos, não funcionariam com todos os maior parte das pesquisas foi publicada até o fim
indivíduos, de modo que a não-efetividade desses da década de 1970. Em dois trabalhos, houve uma
“mecanismos”, devido a diferenças nas histórias tentativa explícita de alterar a orientação sexual
comportamentais dos indivíduos, levaria à manu- ou papéis “sexualmente desviantes” (expressão de
tenção do valor reforçador da estimulação sexual gênero não coerente com o sexo atribuído no nas-
entre pessoas do mesmo gênero, e em alguns casos, cimento), por meio do uso de procedimentos aver-
ao estabelecimento de funções aversivas ao outro sivos. Dois trabalhos constituíram comentários de
gênero, por relações diretas ou indiretas. Assim, é o um dos trabalhos de tentativa de modificação da
controle aversivo que tornaria a estimulação sexual orientação sexual, uma vez que o alvo da mudan-
restrita, de modo que, a partir de uma intervenção ça era uma criança, e a demanda pelo tratamento
comportamental intensa, seria possível reverter vinha dos pais. Estes comentários argumentavam
tais estimulações aversivas condicionadas. Malott sobre o posicionamento adequado de analistas do
(1996) finaliza seu artigo defendendo intervenções comportamento quando uma demanda não vem
que ajudem indivíduos cuja orientação ou prática da própria pessoa que recebe tratamento, além de
sexual é não-heterossexual com o uso de proce- questionar sobre a possibilidade de os “sintomas”
dimentos que “modifiquem” seu comportamento (e.g., isolamento social, sofrimento) relatados se-
sexual, ou que os ajudem a resistir às opressões so- rem resultado das práticas sociais, e não do fato de
fridas. um indivíduo ser homossexual ou se comportar de
De Carvalho et al. (2011) fizeram uma revi- acordo com um gênero diferente do que lhe foi as-
são dos estudos publicados no Journal of Applied signado no nascimento.
Behavior Analysis (JABA) sobre a patologização ou A patologização da homossexualidade nesses
não da homossexualidade utilizando os termos gay, periódicos revisados perdurou até 1979, sendo, por-
LGB, LGBT, homosexual, homosexuality, homosexu- tanto, correlacionada (e provavelmente influencia-
alism, bisexual, bisexuality, bisexualism, transexual, da) pela retirada da homossexualidade da lista de
transexuality, transexualism, transvestism, transves- doenças da Associação Americana de Psiquiatria,
tic, lesbianism, lesbian, sexuality, sex, gender, male e que ocorreu em 1973, e pelo pronunciamento da
female. De 1968 até 2010 (data da busca), 10 arti- Associação Americana de Psicologia, apoiando tal
gos atenderam o critério de inclusão, ou seja, pos- decisão, em 1975. De Carvalho et al. (2011) ressal-
suíram pelo menos uma dessas palavras-chave no taram a escassez de pesquisas sobre o tema sexuali-
título, além de o texto se tratar, de fato, da temática dade na área, uma vez que, em 42 anos, apenas sete
(não apenas marginalmente). artigos foram publicados (excetuando-se as réplicas
Dos dez trabalhos encontrados, metade pato- ou tréplicas de trabalhos), o equivalente a um arti-
logizava a homossexualidade; dois deles não a tra- go a cada seis anos.
taram como um desvio, e nos três restantes não foi O trabalho de Barona e Aponte (2014) discor-
possível identificar se os autores a patologizavam. reu sobre a natureza multifatorial do comporta-
Com relação aos cinco últimos artigos, os dois tra- mento homossexual, ou seja, sobre quais seriam as
balhos que não trataram a homossexualidade como origens da homossexualidade/padrões de compor-
desvio (Nordyke, Baer, Etzel, & LeBlanc, 1977; tamento homossexual, elencando as principais des-
sobre as causas da homofobia, e comentam sobre mais recentes indicarem o assassinato de um LGBT
a pouca utilidade de estudos que apontem causas – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
“mentalistas” para o fenômeno, que explicam a ho- – a cada 25 horas no Brasil; Grupo Gay da Bahia,
mofobia a partir de teorias psicodinâmicas que não 2016), é bastante provável que o agressor não en-
auxiliariam no combate a esse tipo de violência, por tre em contato com essas consequências potencial-
atribuir as causas desses ataques “a uma entidade mente aversivas, o que diminui ainda mais a proba-
ontológica, a qual é inacessível e imutável” (p. 537). bilidade de que este comportamento seja reduzido
Essa desconsideração do contexto tem implicações (em frequência e/ou magnitude).
sérias e negativas, uma vez que ela poderia retirar a Com relação à perspectiva da vítima, o agres-
responsabilidade por esses atos hediondos de agên- sor a puniria, ocasionando a cessação do compor-
cias de controle como o governo. Assim, os autores tamento percebido como indicativo de homosse-
defendem a utilidade de uma compreensão analíti- xualidade (e.g., dois homens se abraçando), pelo
co-comportamental do fenômeno. menos momentaneamente. Os efeitos da punição
Definindo a homofobia como “um conjunto de frequentemente não se mantêm ao longo do tempo,
comportamentos complexos, envolvendo compor- mas outras variáveis (como a intensidade da agres-
tamentos operantes e respostas emocionais, relati- são) podem modular seus efeitos, fazendo com que,
vos às várias modalidades de agressão (seja física, no exemplo do abraço, “os dois homens não voltem
psicológica ou sexual) contra indivíduos homosse- a se abraçar no mesmo local (onde ocorreu a agres-
xuais ou que se identifiquem com a cultura homos- são), ou em contextos parecidos, ou na presença
sexual” (p. 538), Fazzano e Gallo (2015) propõem de pessoas com alguma característica que lembre
o estabelecimento de hipóteses funcionais para a o agressor, ou, simplesmente, não abraçam mais”
ocorrência deste fenômeno. A presença de um indi- (Fazzano & Gallo, 2015, p. 541, parênteses adicio-
víduo homossexual (ou percebido como tal) cons- nados). Essas dicas contextuais se relacionam tam-
tituiria, portanto, uma operação motivadora para a bém com os efeitos colaterais da punição, ou seja,
atuação do agressor. Este indivíduo seria, portan- ao fato de que pode ocorrer um condicionamento,
to, um estímulo aversivo para o agressor, o qual se de modo que determinado contexto possa sinalizar
vale da agressão para retirar ou diminuir o estímulo uma maior probabilidade de punição, a partir de
aversivo. Desse modo, o episódio de agressão seria um histórico de punição prévia. Essa transferência
reforçado negativamente. da aversividade para estímulos previamente neu-
O indivíduo homossexual passaria a ser consi- tros é preocupante, pois pode levar ao isolamento
derado um estímulo aversivo para o agressor a par- social, para citar apenas um dos efeitos da homofo-
tir de processos de aprendizagem, ou seja, da mo- bia em suas vítimas.
delagem, do controle por regras e/ou da modelação, Outra resposta que pode ocorrer com o uso
e a persistência ou manutenção do comportamento de punição é a emissão de respostas incompatí-
de agressão ocorreria a partir da retirada do estí- veis com a resposta punida. Desse modo, Fazzano
mulo aversivo, ou seja, do indivíduo identificado e Gallo (2015) argumentam que evitar sair, evitar
como homossexual. relacionamentos e, inclusive, “ficar no armário”
Do ponto de vista do agressor, seria ainda pos- (não assumir sua orientação sexual publicamente)
sível que ele fosse punido à longo prazo, como, podem ser considerados exemplos de respostas in-
por exemplo, via processos penais e/ou prisão. compatíveis com a punição, que podem surgir em
Entretanto, uma vez que o comportamento é mais situações em que determinada resposta foi punida,
sensível às consequências imediatas, em compara- evitando, portanto, um novo contato com a esti-
ção com as consequências à longo prazo, há uma mulação aversiva advinda da agressão. Por fim, os
menor probabilidade de que o comportamento de autores levantam também a possibilidade de que as
agressão seja influenciado à partir dessas conse respostas que ocorrerem após a punição não sejam
quências negativas e, levando em consideração simplesmente incompatíveis, mas opostas às res-
que, na sociedade brasileira, não há uma legislação postas previamente punidas. Nesse caso, se engajar
que criminalize a homofobia (apesar de os dados em comportamentos heterossexuais, decidir ser ce-
libatário, e inclusive passar a agredir outros homos- que as duas alternativas em termos de tratamen-
sexuais também seriam respostas possíveis, diante to psicológico de um indivíduo cuja prática e/ou
de um histórico de punição de comportamentos orientação sexual não é heterossexual seriam a
considerados homossexuais. aceitação e aprendizagem de formas de resistir às
O artigo finaliza discorrendo sobre a impor- opressões sofridas, ou o tratamento de indivíduos
tância da adoção de políticas públicas de combate homossexuais a partir de intervenções comporta-
à homofobia que atuem em médio e longo prazo, mentais focadas na mudança da orientação sexual
ressaltando que a importância de entender as cau- do indivíduo. No ano de 2009, foi publicada pela
sas da homofobia se relacionam com a formulação Associação Americana de Psicologia um estudo
de metodologias de combate às agressões, e eviden- de revisão sobre as terapias chamadas “esforços de
ciando os efeitos da omissão deste fenômeno na ci- mudança da orientação sexual” (sexual orientation
ência: “deixar o fenômeno da homofobia ao relento, change efforts – SOCE), que analisava as pesquisas
sem preocupar-se cientificamente com o mesmo, é publicadas entre os anos de 1960 e 2007, buscan-
reafirmar o preconceito em suas diferentes formas” do verificar, principalmente, a eficácia e seguran-
(Fazanno & Gallo, 2015, p. 544). ça desse tipo de terapia. Os resultados mostraram
que raramente havia manutenção das mudanças
alegadas (e.g., passar a desejar sexualmente um
Discussão indivíduo de sexo diferente do seu), pouquíssi-
mos pacientes tiveram, de fato, uma redução na
O objetivo dessa pesquisa foi revisar a produção atração sexual sentida por alguém do mesmo
científica analítico-comportamental sobre questões sexo (geralmente, ocorria diminuição da atração,
relacionadas à homossexualidade. Além de identifi- porém para todos os estímulos possivelmente se-
car uma pequena quantidade de artigos publicados, xuais), de modo que a diminuição de comporta-
nas quatro pesquisas revisadas não houve a menção mentos sexuais entre indivíduos do mesmo sexo, e
da homossexualidade como patologia, pelo menos aumento destes comportamentos entre indivíduos
de maneira explícita, o que pode ser considerado de sexo diferente foi rara. Com relação à seguran-
um reflexo das mudanças ocorridas em órgãos ça, algumas reações adversas da terapia incluem
normativos da psiquiatria e psicologia america- depressão, ideação suicida, perda da atração se-
nas e brasileiras (e.g., Associação Americana de xual geral, impotência e transtornos de ansieda-
Psicologia, Associação Americana de Psiquiatria, de. Um grande número de indivíduos desistia do
Conselho Federal de Medicina, Conselho Federal tratamento, pautado, muitas vezes, em condicio-
de Psicologia, Organização Mundial da Saúde), namento aversivo, devido potencialmente a estes
as quais retiraram a homossexualidade do rol de efeitos colaterais.
doenças listadas em seus manuais (Classificação Concluiu-se, portanto, que através desse tipo
Internacional de Doenças e Manual Diagnóstico e de terapia é “improvável que os indivíduos se tor-
Estatístico de Transtornos Mentais) entre os anos nem capazes de reduzir a atração pelo mesmo sexo
de 1973 e 1985. Entretanto, o trabalho de Barona e ou ter maior atração sexual pelo outro sexo” (APA,
Aponte (2014), o qual objetivou destacar algumas 2009, p. 83). Além disso, os únicos benefícios pos-
das possíveis causas da homossexualidade, pode ser síveis advindos dessas terapias de modificação da
considerado, em última instância, como um traba- orientação sexual seriam aqueles relacionados com
lho que patologiza as homossexualidades, uma vez o suporte social e com a diminuição do isolamen-
que sua busca se restringe às origens da homo, mas to social, uma vez que os pacientes encontravam
não da heterossexualidade. outros indivíduos com conflitos semelhantes. Para
A pesquisa de Malott (1996), embora expli- complementar, a APA deixou explícito que a atra-
cite a não-patologização de nenhuma orientação ção, o comportamento sexual e a orientação voltada
sexual, ou identidades trans, sugere que o com- ao mesmo sexo são variantes positivos e normais da
portamento sexual pode ser modificado após sexualidade humana, e que nenhum estudo empí-
uma intervenção comportamental intensiva, e rico ou revisado por pares encontrou resultados
que apoiem teorias que relacionam a orientação sexo, de sexo diferente do seu ou de ambos os se-
homossexual a traumas ou disfunções familiares xos (entre outras variações). Identidade de gênero,
(APA, 2009). por sua vez, se refere a como um indivíduo se sen-
É importante reiterar, ainda, que os psicólogos te, se vê, ou se identifica, dentro das concepções
brasileiros não podem oferecer qualquer tipo de te- existentes de gênero, independentemente do sexo
rapia que proponha uma “cura” ou modificação da assignado no nascimento. Um indivíduo pode ser,
orientação ou prática sexual, incluindo aqui méto- portanto, cisgênero (quando o sexo assignado no
dos coercitivos que levem indivíduos homossexuais nascimento concorda com a identidade de gênero
e/ou aqueles cuja prática sexual é não-heterossexual do indivíduo) ou transgênero (quando não há co-
a tratamentos que não foram solicitados. Os psicó- erência entre identidade de gênero e sexo atribuí-
logos também não podem colaborar com qualquer do no nascimento). Por fim, a expressão de gênero
tipo de serviço ou evento que proponha algum tipo denota a forma como a identidade de gênero pode
de tratamento ou “cura” para as homossexualidades ser expressa (ou não) a partir das roupas, aces-
(Brasil, 1999). Isso não significa que ao psicólogo sórios, gestos e outros comportamentos. Desse
é vedado tratar homossexuais. Como diz Vieira, modo, um indivíduo pode possuir uma identidade
Hernández e Uziel (2013): de gênero distinta de seu sexo assignado no nas-
cimento, mas não a expressar, por ter sido punido
Ora, qualquer psicóloga/o, minimamente bem no passado, ou apenas ter visto/lido sobre as pu-
formado e informado, sabe que a Resolução nº nições que são dadas àqueles que não se confor-
1/1999 do Conselho Federal de Psicologia não mam à suposta coerência entre sexo assignado no
restringe ou proíbe que a/o profissional acolha, nascimento e identidade de gênero.
seja nos consultórios, seja nos equipamentos
de saúde, o sofrimento de qualquer pessoa por
sua prática sexual. Dito de outro modo, não se Lacunas e Sugestões para
trata, obviamente, de negar atendimento psico- Pesquisas Futuras
lógico para alguém que expressa uma demanda
de mudança na sua orientação sexual, mas, efe- Com base na baixa quantidade de artigos encontra-
tivamente, não significa oferecer intervenções dos, muitas possibilidades de pesquisa podem ser
“curativas” de caráter moralista e coercitivo de apontadas. Algumas sugestões seguem:
cunho religioso, tal como proposto pela Terapia
de Reversão ou Reorientação Sexual (p. 140- • Analisar as implicações do preconceito sexu-
141). al/homofobia sobre os indivíduos cuja orien-
tação ou prática sexual não é heterossexual: o
Isso significa que a terapia, nesse contexto, trabalho de Fazzano e Gallo (2015) é um exem-
deve ser voltada à aceitação, ao entendimento plo disso, ao propor uma análise da seleção e
da homofobia como uma prática social bastan- manutenção de comportamentos “homofóbi-
te reforçada em diversos contextos e culturas, e cos” a partir do ponto de vista do agressor e da
ao desenvolvimento de formas de superação das vítima. Entretanto, essa é uma maneira de olhar
opressões sofridas, entre outras ações. Outro as- para o fenômeno, o que permite outros tipos de
pecto importante identificado especialmente em análises, principalmente pautadas nas práticas
algumas das pesquisas que foram revisadas por de sociais (e.g. metacontingências e macrocontin-
Carvalho et al. (2001) foi a confusão entre os con- gências) que têm mantido esses comportamen-
ceitos de orientação sexual e identidade ou expres- tos de agressão (físicas e verbais) reportados
são de gênero, como assumir que um indivíduo diariamente;
seja homossexual com base nos trejeitos (forma de • Analisar funcionalmente os diferentes tipos
andar, de falar, de se vestir, etc.). Orientação sexual de discriminação, ou de comportamentos que
pode ser definida como a inclinação afetivo-sexual podem ser considerados preconceituosos, es-
que uma pessoa tem dirigida a alguém do mesmo pecialmente aqueles que são considerados, em
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Informações do Artigo
Histórico do artigo:
Submetido em: 08/07/2017
Primeira decisão editorial: 16/01/2018
Aceito em: 17/01/2018
Editor: Nicodemos B. Borges