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2. Introdução
A expressão banalização do mal foi um termo cunhado por Hannah Arendt (1963), em
seu livro Eichmann em Jerusalém: Um Relato Sobre a Banalidade do Mal, após a Segunda
Guerra Mundial, no qual analisa a crueldade do Holocausto para descrever a tendência de
indivíduos a cometer atos cruéis e antiéticos de maneira aparentemente casual, em
contextos nos quais esses atos são justificados por sistemas burocráticos, ideológicos e de
opinião pública. Arendt (1963) argumenta que a capacidade de indivíduos comuns a
cometerem tais atos reside na desumanização e na obediência cega a sistemas de
autoridade. Ela descreve a banalização do mal como a transformação de atos
extremamente prejudiciais em ações rotineiras e comuns devido à participação não crítica
em um determinado sistema.
A principal conclusão a ser derivada da análise da história de Eichmann, descrito por
Arendt (1963), não reside na premissa de que as transgressões morais são perpetuadas
exclusivamente por indivíduos moralmente degenerados, nem se finda na mera defesa da
punição dos perpetradores do mal. Em vez disso, reside na compreensão de que atos
moralmente deploráveis podem ser realizados por sujeitos comuns inseridos em
circunstâncias cotidianas.
Sob a perspectiva da Análise Funcional engendrada por Skinner (2000), sua
aplicabilidade não define-se exclusivamente à atos bárbaros, mas seu mecanismo etiológico
influencia e se faz contexto propício à comportamentos desonestos. Como exemplo, estes
podem ser observados como a diluição de responsabilidade, onde a participação de várias
pessoas em um ato errôneo pode reduzir a sensação de culpa individual.
Philip Zimbardo (1973) explora esta dinâmica em seu experimento da Prisão de Stanford,
demonstrando como os papéis assumidos por indivíduos em situações específicas podem
levar à diluição de responsabilidade e ações prejudiciais. Os guardas no experimento
tentaram se comportar de maneira abusiva devido à cultura do ambiente, o que levou à
diminuição da sensação de responsabilidade individual.
A conformidade social ou tentativa de pertencimento grupal, sugestionado através da
dessensibilização sistemática e demais variáveis, pode levar à aceitação de
comportamentos antiéticos e desonestos em um grupo, especialmente quando esses
comportamentos são justificados por “normas” sociais compartilhadas de uma determinada
comunidade (Zimbardo, 1973).
No contexto brasileiro, é observável uma tendência cultural por quais atos desonestos
frequentemente são representados a uma simplificação adaptativa conhecida como "jeitinho"
(Rodrigues et al., 2020), o que, sob uma perspectiva sociocultural, pode contribuir para uma
progressiva trivialização desses comportamentos e, consequentemente, a uma propensão à
banalização do mal, perpetuando e agravando a situação circundante, como em casos de
extrema corrupção, por exemplo.
A análise funcional aborda essa dinâmica ao considerar as contingências de reforço que
podem modificar ou desenvolver o comportamento humano. Fatores ontogenéticos e
culturais desempenham um papel crucial na forma como as pessoas percebem e
respondem a determinadas situações (Triandis, 1995). Nesse sentido, a compreensão das
influências da banalização do mal, arraigada na cultura, não apenas implica na apreensão
do contexto que envolve o comportamento desonesto, mas também pode auxiliar na
identificação de estratégias potenciais de intervenção que estimulem condutas mais éticas.
Partindo deste contexto caracterizado por necessidades societais e identificação de uma
deficiência cultural, é que emerge o presente projeto. Fundamentado nisso, esta exploração
pretende-se propor uma compreensão empírica e experimental, com a operacionalização de
estratégias que influenciem socioculturalmente na modificação de comportamentos mais
honestos. Ou seja, com base nos princípios da análise funcional, explorar-se-á estratégias
para promover o comportamento ético em situações onde a desonestidade é facilitada. Isto
posto, esse projeto explorará relações e contribuirá para posteriores estudos à criação de
uma rede nomológica da relação entre banalização do mal e comportamento humano, e
como isso auxilia no mapeamento e na estruturação de intervenções eficazes que possam
incentivar o comportamento honesto, mesmo em contextos propícios à banalização do mal.
Considerando a realidade brasileira e a presença da prática culturalmente arraigada do
"jeitinho", que potencialmente perpetua comportamentos desonestos, o escopo deste estudo
releva-se ao desenvolver estratégias que levam à honestidade e à desnormalização de
comportamentos antiéticos, direcionando esforços para desenvolver intervenções eficazes
que promovam a integridade ética cultural, em contextos onde, hoje, o “jeitinho” é encarado
como uma prática corriqueira, não apenas nos domínios institucionais e políticos, mas
também constituído como uma fórmula factível do interesse individual do sujeito.
O antropólogo cultural Richard Shweder (1990) enfatiza a influência da cultura nas
raízes e valores morais das pessoas. Ele argumenta que a depender da cultura, varia-se a
perspectiva moral e, mediante isto, justifica-se engendrar intervenções de modificação
sociocultural. Contudo, em se tratando de demandas tradicionalmente arraigadas, emerge
uma indagação substancial referente à viabilidade da mudança cultural, um questionamento
que encontra eco nas ponderações de Corsaro (2011), que sugere uma perspectiva de
evolução do campo da educação infantil. O autor postula que as crianças, longe de serem
meros receptáculos culturais, desempenham um papel ativo na geração e transformação da
cultura (Corsaro, 2011), assumindo, assim, o papel de catalisadoras e arquitetas do porvir
da cultura de uma nação e, mediante este, torna-se objeto e direcionamento da pesquisa.
3. Método
Para a consecução do presente estudo, a metodologia será estruturada em duas fases
distintas, conforme delineado a seguir:
Figura 1
Fluxograma das fases do estudo
3.1 Fase 1 - Sintetizando a metodologia delineada no fluxograma (Figura 1), a primeira fase
será composta pela concepção de uma revisão sistemática das considerações
contemporâneas em modelagem e modelação do comportamento humano, além da
pesquisa empírica, de estruturas e ensinos efetivamente destinados a fornecer suporte à
tomada de decisão e alteração cultural, subsidiando dados à meta-análise. No que diz
respeito aos critérios de inclusão, é relevante enfatizar a seleção de estudos concernentes à
alteração do comportamento humano em conformidade com padrões técnicos e científicos,
abrangentes em termos de metodologia, design experimental ou análise estatística. Isso
abrange estudos que detenham um embasamento científico estabelecido e possam ser
reproduzidos com confirmação empírica, através da análise funcional, ou seja, confirmação
da aprendizagem a partir de um contexto e das consequências de um comportamento,
conforme a estrutura da Figura 2, ou pela comprovada validação, confiabilidade e precisão
de seus estudos, os quais possam corroborar na elaboração das intervenções.
Figura 2
Modelo da tríplice contingência como processo base da análise funcional
Nota. Fonte: Reimpresso e adaptado pelo próprio autor a partir de Princípios Básicos de
Análise do Comportamento por Moreira, B. M. e Medeiros, C. A., 2007, Porto Alegre: Artmed.
3.2.2 Outras variáveis - É crucial enfatizar que variáveis extrínsecas podem exercer
influência sobre o processo de tomada de decisão (mediante a ontogenia do indivíduo, seu
repertório comportamental, a microcultura na qual ele está imerso, entre outros). Embora
essas variáveis não estejam sendo quantificadas individualmente nesta pesquisa, é
necessário reconhecer que elas são intrínsecas à dinâmica sociocultural. Elas são
componentes inalienáveis do indivíduo inserido na coletividade e, portanto, não devem ser
consideradas como fontes de prejuízos no estudo, mas sim como componentes da
perspectiva holística da pesquisa.
No entanto, para reconhecer a validade das intervenções e os precedentes de
interferência do comportamento honesto, após a conclusão de cada experimento será
administrado um questionário, em formato de diálogo à criança, a fim de identificar os
antecedentes que influenciaram a tomada de decisão da criança nas circunstâncias
delineadas, delimitando se foi em razão da intervenção ou de variáveis extrínsecas à
pesquisa. Esta abordagem visa uma análise detalhada das variáveis que estão exercendo
controle sobre o comportamento do sujeito no momento do estudo. Secundariamente, o
questionário também tem o propósito de categorizar a magnitude do ato executado, isto é, a
extensão na qual suas ações provocaram consequências prejudiciais de natureza global em
cada instância de tomada de decisão, e como isso pode agregar influência, de maior ou
menor grau, na mesma. A validação psicométrica do instrumento será avaliada por meio do
coeficiente alfa de Cronbach para avaliar suas medidas de eficácia e assim, realizar ainda a
classificação ordinal das intervenções mediante os resultados.
3.2.3 Desenhos de investigação - Em relação à execução dos três estudos, será
implementado um delineamento de pesquisa de configuração experimental aleatória nos
grupos 1 e 2, com o propósito de avaliar e comparar os efeitos das variáveis independentes
sobre o comportamento humano.
Será concebido um segundo delineamento, específico para os grupos 2 e 3, no formato
de pré-teste/pós-teste. Nesse desenho, será realizada uma análise comparativa dos
resultados entre um grupo experimental (3) e o grupo de controle (2), para efeito
comparativo do antes e depois da implementação das intervenções.
Por fim, um terceiro delineamento de configuração pré-teste/pós-teste no grupo 2 antes
das intervenções (controle) com o mesmo grupo, após as intervenções (experimental).
Dessa forma, apoiado ainda no que se afirma em 3.2.3, busca-se identificar a validade
das intervenções ao constatar se a intervenção realmente alcança o objetivo pretendido,
bem como realizar os desenhos pré-teste/pós-teste a fim de testar a consistência e
confiabilidade das intervenções na mudança do comportamento humano.
4. Possíveis achados
Apesar de a metodologia de intervenção investigada possivelmente possa apresentar
resultados significativos na orientação da tomada de decisões humanas em prol de
comportamentos mais éticos, é provável que sua eficácia a longo prazo esteja vinculada à
sua integração cultural. Ou seja, se os comportamentos honestos adquiridos não forem mais
reforçados, há probabilidade de que se envolvam em um processo denominado de Extinção
Operante (EO), conforme definido por Skinner (2000). Esse processo implicaria na
diminuição progressiva da frequência dos comportamentos honestos. Ou seja, nesse
contexto, se as consequências vinculadas aos comportamentos honestos culminarem na
ausência do reforçador previamente associado a esses comportamentais, conforme as
intervenções que serão estabelecidas, é provável que esses comportamentos retornem aos
níveis de linha de base, invalidando, assim, o esforço empregado no processo. Isso se
alinha ao processo de EO conforme delineado a seguir:
Figura 3
Processo de Extinção Operante de um determinado comportamento
Nota. Fonte: Reimpresso e adaptado pelo próprio autor a partir de Princípios Básicos de
Análise do Comportamento por Moreira, B. M. e Medeiros, C. A., 2007, Porto Alegre: Artmed.
5. Referências
Arendt, H. (1963). Eichmann em Jerusalém: Um Relato Sobre a Banalidade do Mal.
Companhia das Letras.
Corsaro, W. A. (2011). Sociologia da infância (2ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Rodrigues, P. R., Modesto , J. G. N., Farias, J. E. M., Joaquim, T. C. R. & Abreu, M. C. R.
(2020). Jeitinho e Comportamento Desonesto: Antecedentes disposicionais e sua
interação com processos automáticos. Universidade de Brasília.
Shweder, R. A. (1990). Psicologia cultural: o que é? Em Etnografia e desenvolvimento
humano: Contexto e significado na investigação social. Imprensa da Universidade de
Chicago.
Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano (12a ed.). São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1953)
Skinner, B. F. (2017). Reflexões sobre behaviorismo e sociedade. (MCM Rodrigues, Trad.).
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979)
Triandis, H. C. (1995). Individualismo coletivismo. Imprensa Westview .
Zimbardo, P. G., Haney, C., Banks, W. C. e Jaffe, D. (1973). O experimento da prisão de
Stanford: um estudo de simulação da psicologia do aprisionamento. Stanford University