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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

ANDERSON PINHEIRO DE ALMEIDA

VIDEOCLIPE, POSICIONAMENTO DE MARCA E


AUTORREPRESENTAÇÃO: um olhar para além da estética do rapper Djonga

Recife

2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

ANDERSON PINHEIRO DE ALMEIDA

VIDEOCLIPE, POSICIONAMENTO DE MARCA E


AUTORREPRESENTAÇÃO: um olhar para além da estética do rapper Djonga

TCC apresentado ao Curso de


Publicidade e Propaganda da
Universidade Federal de Pernambuco,
Centro de Artes e Comunicação, como
requisito para a obtenção do título de
bacharel em Comunicação Social.

Orientador(a): Prof. Dr.


Thiago Soares

Recife
2021
ANDERSON PINHEIRO DE ALMEIDA

VIDEOCLIPE, POSICIONAMENTO DE MARCA E


AUTORREPRESENTAÇÃO: UM OLHAR PARA ALÉM DA ESTÉTICA DO
RAPPER DJONGA

TCC apresentado ao Curso de


Publicidade e Propaganda da
Universidade Federal de
Pernambuco, Centro de Artes e
Comunicação, como requisito para a
obtenção do título de bacharel em
Comunicação Social.

Aprovado em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Profº. Dr. Thiago Soares
Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________
Profº. Dr. Rogério Covaleski
Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________
João Vicente
GIRA Conteúdo Criativo
Dedico esta monografia à minha mãe,
Helena Alves, e a todas as mulheres da minha
família como forma de agradecimento pela
oportunidade de me dedicar aos estudos e pelo
incentivo para que eu conseguisse concluir a
minha graduação. Muito obrigado. Eu amo
todas vocês.
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, quem primeiro acreditou em mim, fazendo todo o esforço


necessário para que eu tivesse condições de ter uma vida digna. Obrigado por
tudo.
À minha tia-avó, Natilde Pinheiro, por ter cuidado de mim durante toda a
minha infância e parte da minha adolescência e por ter me apresentado aos seus
valores éticos.
Às minhas primas Flaviana, Julianna e Renata, mulheres que me
ensinaram o verdadeiro significado do que é ser homem e como se constitui uma
família.
Ao meu amigo Gilson Nascimento, quem muito contribuiu com meus
estudos, me dando a oportunidade de cursar um pré-vestibular e realizar um
curso de inglês, o que fez com que eu expandisse os meus horizontes.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Thiago Soares, que conhece a minha história
de vida. Muito obrigado por ter acreditado em mim, no meu projeto e,
principalmente, me incentivado a concluir esta graduação e a seguir a minha vida
acadêmica. Você é uma inspiração para mim.
À Profª. Drª. Soraya Barreto, por ter me inserido no universo acadêmico
através da Iniciação Científica, pelos aprendizados e pela compreensão de
minha ausência da Universidade enquanto eu passava por um momento muito
difícil.
Ao Prof. Dr. Rogério Covaleski, pela sua presença marcante em diversos
momentos do curso, por me ensinar sobre métodos científicos e hibridismos e,
assim, me ajudar a enxergar conexões com a Publicidade sem as quais esse
trabalho não seria viável.
A todas e todos professoras e professores da UFPE que passaram pela
minha vida dentro ou fora da sala de aula e me atravessaram com seus
ensinamentos.
Aos funcionários do Departamento de Comunicação Social da UFPE, em
especial à Silvana Holder, pelo seu auxílio durante todo o meu percurso nesta
graduação.
Aos meus colegas de classe, pelos debates, pela companhia e pelas
trocas.
À minha ex-companheira e atual amiga, Giulianna Beatriz, com quem eu
dividi parte da minha vida. Também foi a pessoa com quem eu estive ao lado
durante o difícil momento de isolamento social provocado pela pandemia do
Covid-19. Obrigado por cada reflexão, acolhimento e palavras de incentivo. Você
é uma pessoa que me inspira e por quem eu nutro uma gigante admiração.
Ao meu psicólogo, Paulo Cavalcanti, por ter me promovido saúde mental
e por ter me ajudado a encontrar o meu caminho. Muito obrigado por cada troca
em cada sessão.
Às minhas e aos meus colegas do Grupo de Estudos Afrocentrados
Baobá, pelos encontros aquilombados e pela provocação necessária para o meu
processo de tornar-me negro.
Às minhas e aos meus colegas do Coletivo Afronte, pelo acolhimento e
iniciação na militância da negritude.
Ao meu amigo e parceiro, João Vicente, pela disponibilidade de refletir
comigo sobre videoclipes, negritudes e masculinidades.
A todas as minhas amigas e amigos, em especial Luan, Brunno, Rayanne,
Greg, Thay, Berg, João, Guil, Duda, por estarem abertas a me ouvir, a me
acolher e pelos incentivos quase semanais para que eu pudesse concluir esta
graduação. Sem vocês muitas das minhas reflexões não seriam possíveis.
Aos meus gestores e amigos, Karol Cerri e Bruno Mesquita, fundadores
da Sozo, o estúdio criativo onde trabalho atualmente, pela compreensão e por
me conceder o tempo de expediente que precisei para a escrita deste projeto.
Às minhas e aos meus colegas de trabalho, publicitárias e publicitários,
que dividiram diversos momentos dos seus dias comigo e me possibilitaram
refletir sobre as nuances da nossa profissão.
Ao meu pai, Marcelo Brito, pela coragem de me reencontrar após longos
anos de distanciamento.
A toda minha ancestralidade preta, essas e esses que vieram e lutaram
antes de mim, por viabilizar o meu acesso hoje a uma instituição como essa. A
nossa luta permanece de pé.
“[...] Pode o subalterno falar?”

(Gayatri Spivak)

“[...] Desde que nós tá no pré,


sobre a gente eles têm conceito.”

(Djonga)
RESUMO

Esta monografia visa compreender de que maneira o videoclipe enquanto


plataforma e linguagem se aproximam da publicidade e adentra em uma lógica
de mercado, e também como a representação do artista neste produto cultural
está relacionada ao seu posicionamento enquanto marca. Para tal, vamos
analisar 03 videoclipes do rapper mineiro Djonga tentando elencar pontos que
problematizam questões de raça, gênero e classe. Utilizaremos como
metodologia uma combinação de 03 conceitos complementares das áreas da
semiótica da canção e estudos culturais. Observamos que os artistas da música
têm se preocupado cada vez mais com a sua inserção e permanência no
mercado que está gradativamente mais segmentado e concorrido e o videoclipe
tem se mostrado uma importante ferramenta de posicionamento do artista
enquanto marca. Concluímos que a autorrepresentação de Djonga nos seus
videoclipes, para além da estética, traz um discurso que o posiciona no mercado
do Rap enquanto um homem negro periférico que está empenhado na luta
antirracista e reivindicando outras referências para o povo preto e favelado.

Palavras-chave: videoclipe; posicionamento de marca; representação;


masculinidade; rap.
ABSTRACT

This monograph aims to understand how the music video as a platform


and language approaches advertising and enters into a market logic, and also
how the artist's representation in this cultural product is related to his positioning
as a brand. To this end, we are going to analyze 03 music videos of the rapper
Djonga from Minas Gerais, trying to list points that problematize issues of race,
gender and class. We will use as a methodology a combination of 03
complementary concepts from the areas of song semiotics and cultural studies.
We observe that music artists have been increasingly concerned with their
insertion and permanence in the market, which is gradually more segmented and
competitive, and the music video has proven to be an important tool for
positioning the artist as a brand. We conclude that Djonga's self-representation
in his music videos, in addition to aesthetics, brings a discourse that positions
him in the Rap market as a peripheral black man who is committed to the anti-
racist struggle and claiming other references for black people.

Keywords: music video; brand positioning, representation; masculinity;


rap.
LISTA DE IMAGENS

Figura 1 - Recorte I do videoclipe “Olho de Tigre” (2017) de Djonga


Figura 2 - Recorte II do videoclipe “Olho de Tigre” (2017) de Djonga
Figura 3 - Foto da manifestação tirada em junho de 2020 em Belo
Horizonte em justiça do homicídio contra João Freitas, morto no Carrefour
em Santa Catarina
Figura 4 - Toalha Fogo nos Racista de A Quadrilha
Figura 5 - Tapete Fogo nos Racistas de A Quadrilha
Figura 6 - Encarte do álbum “O Menino Que Queria Ser Deus” (2018) de
Djonga
Figura 7 - Recorte I do videoclipe “Junho de 94” (2018) de Djonga
Figura 8 - Recorte II do videoclipe “Junho de 94” (2018) de Djonga
Figura 9 - Recorte III do videoclipe “Junho de 94” (2018) de Djonga
Figura 10 - Encarte do álbum “Nu” (2021) de Djonga
Figura 11 - Recorte I do videoclipe “Nós” (2021) de Djonga
Figura 12 - Recorte II do videoclipe “Nós” (2021) de Djonga
Figura 13 - Recorte III do videoclipe “Nós” (2021) de Djonga
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 12
1 VIDEOCLIPE: PUBLICIDADE OU PROPAGANDA? ....................... 16
2 PODE O ARTISTA SE POSICIONAR?................................................29
3 AUTORREPRESENTAÇÃO E MASCULINIDADE NEGRA
PERIFÉRICA NA MÍDIA ....................................................................... 44
4 POR UMA METODOLOGIA HOOKS-SOARES-KELLNIANA ........... 66
5 UMA ANÁLISE DOS VIDEOCLIPES DO @DJONGADOR ............... 83
5.1 “Olho de Tigre” .............................................................................. 84
5.2 “Junho de 94” ................................................................................ 91
5.3 “Nós” .............................................................................................. 97
FONTES .............................................................................................. 107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 108
INTRODUÇÃO

O audiovisual nunca esteve tão “em alta” como está hoje: alta qualidade
de imagem e som; alto nível de consumo; altos investimentos. O que antes se
limitava às telas de cinema e TV’s com as grandes produtoras, hoje ganha outras
proporções e públicos nos monitores de computador e telas de celular em
plataformas como YouTube, Netflix, redes sociais como Instagram, TikTok,
Snapchat, etc. O videoclipe, um dos produtos do audiovisual, não foge desta
lógica: longe disso, ele não só está “em alta” pelo seu objetivo primário de
divulgação de uma canção, mas também tem se mostrado uma importante
ferramenta estratégica para posicionar o artista enquanto uma marca em um
mercado cada vez mais concorrido. Existem diversos estudos analíticos que
mostram como a publicidade audiovisual se apropria da linguagem do videoclipe,
hibridizando-se, e assim, tornando-se cada vez menos parecido com um
“comercial televisivo”. No entanto, o nosso objetivo neste trabalho é outro.
Vamos tentar compreender como o videoclipe em si pode se tornar um
instrumento da publicidade e, talvez, até se classificar enquanto uma peça
publicitária.
Uma vez constatada essa nossa hipótese de que o videoclipe é
publicidade a partir da revisão da literatura de autoras e autores como Thiago
Soares (2005, 2013), Rogério Covaleski (2013), Juliana Souto (2005), Eloá
Muniz (2004) e Rafiza Varão (2013), pretendemos investigar como o mercado
fonográfico tem valorizado cada vez mais os produtos audiovisuais (isto é, o
videoclipe, mas poderia ser também o álbum visual) a ponto de se tornarem
indispensáveis para adentrar e permanecer no mercado da música. E mais:
como esse mercado, que movimenta milhões de reais no Brasil, se articula e
qual é a sua finalidade para além da divulgação de uma canção. Para tal,
questionaremos: se um videoclipe gera um rosto midiático, ou seja, um corpo
nas mídias (SOARES, 2012), poderíamos dizer que a imagem do artista está
necessariamente atrelada à maneira como ele é consumido, o quanto lucra e de
que forma ele “se vende”? Se é a imagem que vende – e não só a música –
poderíamos, então, dizer que o artista é, em si, a sua própria marca? Se o artista

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é uma marca, quais são as ferramentas do marketing usadas para a
administração dessa marca?
A partir dessas questões, vamos nos dedicar a traçar paralelos ainda mais
complexos entre videoclipe e publicidade, dessa vez, tentando examinar
minuciosamente temas como arte, mídia, lucro, marketing, e como esse
caldeirão de conceitos se relacionam. Se a música (e consequentemente o
videoclipe) hoje visa o lucro, em outras palavras, se está dentro da lógica
capitalista, faz-se necessário estudarmos como essa dinâmica está posta, quais
são as suas limitações, estratégias e como o artista se coloca dentro desse
esquema, afinal, um artista não mais será aquele que produz uma obra de arte,
mas sim aquele que conseguirá se fazer reconhecido enquanto um (FETTER,
2013). Neste trecho, dialogaremos com autoras e autores como Kotler & Keller
(2012), Thiago Soares (2006a, 2013), Nadilson da Silva (2005), Bruna Fetter
(2013) e Ana Araújo & Davi Moura (2014).
Após nos debruçarmos e compreendermos um pouco mais sobre o
videoclipe enquanto uma ferramenta de posicionamento de marca no qual o
artista é, em si, sua própria marca, entraremos no debate acerca da
autorrepresentação. A ideia é debatermos sobre o que é representação, qual é
a conexão entre representação e mídia e como isso se desdobra nos objetos dos
quais pretendemos analisar, afinal, se há videoclipe, há rosto midiático, tal como
posicionamento de marca. Portanto, quem ou o que ele (o rosto midiático)
representa? Em se tratando de analisar uma tríade de videoclipes do rapper
Djonga, um homem preto e periférico, achamos bastante relevante trazer essa
discussão para o nosso trabalho, uma vez que se trata de videoclipes cujo “corpo
midiático” tem muito bem demarcado a sua identidade racial e social.
Sabemos que existe uma problemática de representação de pessoas
negras e periféricas na mídia que é atravessada pela ação de estereotipar, fruto
de uma nação estruturada no racismo. Por isso, vamos tentar apreender um
pouco mais sobre o fenômeno da autorrepresentação, uma vez que, o artista a
ser analisado também é quem produz e dirige a maior parte de seus videoclipes.
Ou seja: o fato de termos uma pessoa preta na frente e por trás das câmeras —
um evento pouquíssimo prestigiado na grande mídia, diga-se de passagem —
nos gera uma vontade de melhor compreender o processo de se

13
autorrepresentar, quais são suas contradições e complexidades, como se
relaciona com as mídias e em que isso implica. Para tanto, vamos nos basear
em estudos de bell hooks (2019), Robenilson Barreto; Paulo Ceccarelli e
Warlington Lobo (2017), Stuart Hall (2016), Elisa Oliveira; Manoela Martins
(2014), Fabiane Sgorla (2009) e Daniella Zanetti (2008).
Somado a isso, pretendemos também articular ideias e reflexões sobre
masculinidades negras afim de aguçar e embasar a nossa análise, dando-lhe
muitos mais autenticidade. O debate sobre as masculinidades vai nos permitir
visualizar como a performance inscrita na canção e videoclipe (SOARES, 2013)
tensiona ou reproduz maneiras de ser homem. Com o avanço dos estudos do
feminismo negro, o fundamento da raça passa a ser observado dentro dos
estudos das masculinidades, atentando-se aos efeitos do racismo e como ele
modifica a construção do ser masculino. Por isso, pretendemos trazer alguns
apontamentos e possibilidades de agenciamento que ampliarão a nossa
compreensão acerca deste tema, permitindo-nos refletir sobre como a ideia de
uma hegemonia igualmente distribuída entre todos os homens (brancos e não-
brancos) é ilusória. Aqui traremos estudos e reflexões de bell hooks (2015) e,
principalmente, do Deivison Nkosi (2014), ambas referências em temas como
raça e gênero.
Elencamos 03 videoclipes do rapper mineiro Djonga para compor o nosso
objeto de estudo. Com base nesta triangulação, optamos por fazer um recorte
temático e temporal (histórico) afim de compreender como esse artista lida com
o racismo, as questões masculinas e como a sua autorrepresentação em seus
produtos audiovisuais entre os anos de 2017 e 2021 o posiciona no mercado da
música. Como metodologia para a análise do nosso objeto, pretendemos fundir
03 importantes métodos de pensadores dos estudos culturais, já que o nosso
objetivo é visualizar um esquema não somente estético, nem tão somente
discursivo, mas sim uma junção dos dois. A partir de Douglas Kellner (2001) e o
seu conceito de crítica diagnóstica, vamos interpretar politicamente a construção
de uma narrativa de um produto da cultura da mídia, interseccionando raça,
classe e gênero e ainda levantando alguns aspectos mercadológicos. Com bell
hooks (2016), vamos entender que o nosso “olhar opositor” enquanto analista
preto tem “poder” e também deve se manter crítico ao nos tornarmos

14
expectadores de produções audiovisuais concebidas por e para pessoas negras.
Por fim, utilizaremos a base teórica de análise estética de videoclipes proposta
por Thiago Soares (2004, 2006a, 2006b, 2013), criando, assim, uma metodologia
única para dar conta da complexidade do nosso trabalho.

15
1 VIDEOCLIPE: PUBLICIDADE OU PROPAGANDA?

Após a Revolução Industrial, a publicidade tem se reinventado cada vez


mais, ganhando novos contornos, abarcando novos conceitos, quando não
reciclando antigos métodos e, evidentemente, apropriando-se de novas
ferramentas e linguagens. Não é de hoje que a Comunicação discute a relação
entre videoclipe e publicidade, ou melhor, entre publicidade e videoclipe, na qual
a primeira bebe da fonte da segunda e/ou se insere neste produto cultural. Mas,
afinal, seria esta uma relação unilateral? É possível que o videoclipe dialogue
com a publicidade ou a propaganda? Que propriedades poderíamos elencar
para classificar o videoclipe como essa ou aquela? Publicidade ou propaganda:
existe diferenciação entre estes conceitos? Quais? Esses são alguns dos
questionamentos que iremos discutir ao longo deste capítulo. Nosso objetivo é
tentar compreender se o videoclipe musical se configura como publicidade e/ou
como propaganda para que este se torne um objeto de estudo mais próximo
desta área — a de publicidade & propaganda. Acreditamos que, com essa
investigação, podemos ampliar o leque de possibilidades de análises fílmicas
partindo do ponto de vista publicitário, seja pelo viés mercadológico, seja pelo da
ideologia que os discursos dos videoclipes carregam.
Para tal, antes de tudo, achamos pertinente discutir o atual cenário da
publicidade através dos levantamentos que embasam o conceito de publicidade
híbrida proposto por Rogério Covaleski (2010), pelo qual podemos compreender
a enorme afinidade da publicidade com o entretenimento. Posteriormente,
vamos apreender brevemente o conceito de videoclipe apresentado por Thiago
Soares (2004, 2013) e, em seguida, discutir uma relação mais direta entre a
publicidade e o videoclipe. Para além disso, vamos também debater como a
publicidade se apropria da estrutura e da linguagem do videoclipe, podendo,
portanto, inserir o gênero videoclipe dentro da categoria Publicidade. Nesta
tarefa, vamos fundamentar nosso argumento nas ideias de Juliana Souto &
Thiago Soares (2005), cuja pesquisa aborda a linguagem videoclíptica
empregada nos VT’s publicitários como geradora de um conceito simbólico.
Por fim, vamos nos fundamentar nos escritos de Eloá Muniz (2004),
efetivamente influenciada por grandes nomes como Eugênio Malanga, Jean

16
Baudrillard, Armando Sant’Anna, Harwod Childs e outros, para entendermos os
conceitos de publicidade e propaganda. No entanto, vamos nos aprofundar
brevemente no conceito de propaganda partindo dos escritos de Harold Lasswell
trazidos, aqui, pela pesquisadora Rafiza Varão (2013). O nosso objetivo é
entender a historicidade dos conceitos, criando uma linha narrativa e
evidenciando a diferenciação de seus significados. Posto isso, vamos
argumentar que o videoclipe não só pode, como deve ser um objeto de estudo
da publicidade & propaganda, uma vez que, analisando a sua linguagem,
podemos observar o teor “publicitário” que os artistas e produtores audiovisuais
inserem nesses produtos, dialogando com os discursos sociais vigentes e,
consequentemente, criando novas formas de representação na sociedade, isso
tudo atrelado a uma lógica de mercado, fruto da afinidade entre publicidade e
videoclipe. Vamos ainda tensionar as estruturas do videoclipe e da propaganda
com o intuito de compreender até que ponto essas linguagens dialogam entre si.
O século XXI trouxe com ele um marco histórico na forma em que a
sociedade ocidental pensa, se relaciona e, principalmente, consome. O acesso
à Internet não só amplificou as maneiras de se comunicar (se conectando) com
o outro, mas também possibilitou um diálogo mais direto com a indústria do
consumo, ou melhor, com as marcas; agora, o consumidor ganha status de
(também) um enunciador. Neste sentido, surge um “novo tipo de consumidor”,
como afirma Covaleski:
“Os prosumers, atualmente, formam um segmento composto
basicamente por público jovem, em boa parte ainda na adolescência. Dentre
suas maiores habilidades estão o domínio e o relacionamento com os
aparelhos celulares e com a internet, e diante de um crescimento exponencial
que a mídia via telefonia de celular e os negócios m-commerce devem gerar
nos próximos anos, daí a importância que estes jovens conquistam junto às
indústrias de bens de consumo, de entretenimento e da publicidade.” (2010,
p. 23, grifos do autor)

Hoje, uma década depois do dito pelo pesquisador, percebemos o quanto ele foi
preciso em sua afirmação: tanto o consumo de mídia via telefonia celular, quanto
os negócios m-commerce1 cresceram, dando, de fato, aos prosumers, um lugar

1
M-commerce: versão reduzida de “mobile-commerce”, que quer dizer comércio
realizado por meio do celular.
17
de destaque para a indústria de consumo de uma maneira geral. É o que aponta
a Zebra Technologies Corporation em sua 13ª Pesquisa Anual sobre o
Panorama dos Consumidores2, indicando que 88% dos latino-americanos já
compraram por dispositivos móveis e 91% pretendem manter o hábito.
Para além do surgimento do prosumer, Covaleski (2010) acredita que o
cenário atual da publicidade também está passando por um momento de ruptura
e transição. Assim como Hal Riney, nomeado uma das 100 pessoas mais
influentes da publicidade mundial do século XX pela revista Advertising Age, cuja
entrevista em 2002 diz “que a era dos comerciais de 30 segundos havia
acabado”; o autor fala que “à época a publicidade já mostrava sinais de estar em
transição, especialmente a veiculada na televisão — mas, por extensão, todas
aquelas que faziam uso da linguagem audiovisual [...].” (COVALESKI, 2010, p.
20 - 21). Para nós assim como para o autor, essa transição já ganhou outros
contornos, mais avançados, passando a se firmar, por exemplo, em estratégias
de product placement, uma técnica que envolve a promoção de produtos ou
serviços aplicada em materiais audiovisuais na qual a marca não
necessariamente anuncia através de, mas “se insere” no discurso — assim como
na narrativa — do próprio material audiovisual em questão, seja ele um
videoclipe, uma telenovela, um filme, etc. Outros desdobramentos possíveis que
poderíamos levantar para a “morte” dos comerciais televisivos de 30 segundos
são o uso de digital influencers nas redes sociais, que podem romper com esse
formato redondo de tempo e até mesmo os novos formatos de anúncios
audiovisuais com 20, 15 e até 6 segundos em plataformas digitais como o
YouTube.
Até então, percebe-se que essas modificações entre a forma ativa de
consumo e as novas configurações de produção e veiculação de conteúdo
audiovisual têm atenuado progressivamente a linha entre publicidade e
entretenimento que, no caso deste trabalho, se apresenta como um videoclipe.
“A mensagem publicitária, da maneira como é compreendida hoje —
paradoxalmente — quanto mais deixa de se parecer consigo mesma; quanto
menos faça uso dos elementos tradicionais que constituem o discurso
publicitário convencional. Apresenta-se, de forma crescente, inserida e
camuflada no entretenimento; travestida de diversão, mas não destituída de
sua função persuasiva, mesmo que dissimulada.” (COVALESKI, 2010, p. 21).

2
Disponível em: <https://www.clientesa.com.br/estatisticas/71348/m-commerce-cresce-
na-pandemia> Acesso em: 13/09/21.
18
Corroboramos ainda com Covaleski (2010) quando ele aponta as “duas grandes
tendências que podem resumir o panorama do ambiente comunicativo atual [...]”
(p. 22). Seriam elas:
1. A passagem da “mídia de massa” para a “mídia segmentada”,
propiciando consequentemente uma “mídia personalizada”, fruto da
convergência midiática e da evolução das relações de consumo.
2. O distanciamento da interrupção do conteúdo editorial e/ou
artístico, hábito este historicamente associado à publicidade, que se especializou
nessa estratégia com o objetivo de “suplicar” pela atenção do consumidor.
Levantado esses pontos, fica nítido que a publicidade, no contexto pós-
moderno, além de assumir um papel relevante nas dinâmicas
sociocomunicativas, apresentando, ela mesma, como propôs Jesús Martín-
Barbero (2001), “elementos reguladores das relações sociais e que estão na
própria base da constituição dessas interações” (apud COVALESKI, 2010, p.
16); tem, ao mesmo tempo, “sentido os efeitos de uma sociedade em
transformação, e a ela também cabe se adaptar, transformar-se; por vezes,
hibridizar-se.” (op. cit., p. 24-25). Posto isto, questionamos: de que maneira o
videoclipe se enquadra neste contexto? Qual é a relação entre publicidade e
videoclipe? O que é o videoclipe? Pode ele ser encaixado enquanto publicidade?
E enquanto propaganda?
Reconhecendo a carência de uma sistematização no estudo acadêmico
do videoclipe, Thiago Soares apresenta um artigo em 2004, — cujo se
transformará em um livro muito mais profundo e detalhado anos mais tarde —
contribuindo expressivamente para a discussão acerca deste produto cultural
que é o videoclipe, na época, enquadrado como um “gênero televisual pós-
moderno” (2004, p. 1) e que se expandirá para plataformas online como o
YouTube no futuro (2013, p. 75). Para Soares (2004), o videoclipe se dá no
entrelaçamento entre música, imagem e montagem, mas, como vai afirmar mais
tarde, não se resume apenas a isso. O videoclipe é, sim, a união entre a música
e a imagem com um explícito objetivo mercadológico de gerar um produto
audiovisual que servirá como alicerce essencial para a divulgação de uma
música. E mais: o videoclipe enquanto produto cultural é capaz de gerar um

19
“rosto midiático” que vai posicionar o artista em questão no cenário musical.
(SOARES, 2013). A montagem, que antes caracterizava o videoclipe como uma
linguagem única e que foi a diretriz de uma primeira reflexão acerca do videoclipe
(2004), mais a frente, passa a ser o que Soares classifica como “maneirismos”
que a linguagem do videoclipe vai tomar emprestado do cinema, da videoarte,
entre outros (2013).
Ainda nos primeiros estudos, Soares vai dizer que segundo Arlindo
Machado (1997), são os elementos do cinema, do teatro, da literatura e da
computação gráfica que vão se hibridizar para dar origem ao que conhecemos
como videoclipe. (apud SOARES, 2004). Complementa Canclini:
“o videoclipe é um elemento da contemporaneidade que presentifica
a hibridização cultural, provocando, sobretudo, uma ruptura com o conjunto
fixo de arte-culta-saber-folclore-espaço-urbano. Junto às histórias em
quadrinho, aos videogames, às fitas cassetes e às fotocopiadoras, o
videoclipe, ainda segundo Canclini, seria responsável por uma não só não-
hierarquização dos fenômenos culturais, mas também por uma banalização
dos bens culturais simbólicos que se reconheciam ‘intocáveis.’” (1998 apud
SOARES, op. cit. 12 - 13)

Ao nosso ver, é muitíssimo interessante constatar como a convergência


midiática nos direciona para o fenômeno de hibridização. A junção dos
pesquisadores Rogério Covaleski e Thiago Soares — ambos se apropriando do
conceito de hibridização em suas obras —, nos dá ainda mais firmeza no
caminho que estamos trilhando na investigação da nossa hipótese neste
capítulo: a de que o videoclipe dialoga, sobretudo, íntima e frequentemente com
a publicidade. Não é por acaso que ambos os autores, embora de perspectivas
distintas, se apropriem do fenômeno da hibridização. Ao que nos parece, a
convergência midiática está cada vez mais “desmanchando” as fronteiras entre
as linguagens dos produtos culturais.
Entender o videoclipe enquanto um elemento da contemporaneidade, isto
é, um instrumento híbrido de comunicação que reorganiza postulados culturais
e é, em si próprio, um elemento negociador destes produtos; que parte de um
local discursivo no tempo e que ainda proclama o êxtase do agora (SOARES,
2004, 2013) significa dizer que o videoclipe, por se estruturar em diferentes
elementos culturais, pode (mas não necessariamente vai) se apoderar dos
discursos, medos, anseios e sonhos vigentes de uma sociedade, pondo em
cena, portanto, as narrativas destes atores sociais. É neste sentido que
20
acreditamos que a linguagem do videoclipe se torna essencial — e muito precisa
— enquanto instrumento da publicidade. Afinal, o videoclipe tem a habilidade de
ganhar a forma de um “semblante midiático”, isto é, um “corpo” nas mídias
(SOARES, 2013). Um corpo pertencente, evidentemente, ao artista; e que, como
ator social, possui um discurso cujo objetivo é, para além de se posicionar,
propagá-lo para o máximo número de pessoas. Esse discurso a depender de
quem o anuncia pode tensionar os conflitos sociais de gênero, raça e sexo, por
exemplo e, desta forma, criar brechas; convidando o público-telespectador a
enxergar outras representações na mídia.
No entanto, achamos necessário ainda aprofundar a discussão entre a
relação do videoclipe com a publicidade e, sobretudo, com a propaganda. A
primeira e mais básica ligação entre os dois primeiros se dá ainda na
conceituação do que é o videoclipe (SOARES, 2004), posto que, enquanto
gênero televisual pós-moderno, ele agrega “ecos da retórica publicitária e dos
sistemas de consumo da música popular massiva.” (p.1). O investigador ainda
menciona o que seriam as primeiras influências da linguagem publicitária com o
vídeo, quando a Coca-Cola passou a adotar uma estética musical em seus
anúncios de TV (op. cit.). No capítulo “O videoclipe na lógica do mercado
musical” do livro A Estética do Videoclipe, Thiago Soares (2013) fala que os
“clipes são impelidos a serem inovadores, uma vez que se trata de um conjunto
de imagens que se projeta quase que de maneira publicitária para o indivíduo.”
(p. 59). Compreendemos, a partir desta citação, que os videoclipes criam uma
linguagem persuasiva — típica da linguagem publicitária, pela qual a inovação,
isto é, a criatividade, é um ponto-chave na concepção da peça. “Mas não se trata
apenas de persuasão e sim de sedução, [por vezes] humor e criatividade,
elementos que podem ser proporcionados pelo entretenimento e pela diversão.”
(PIEDRAS; ALBERNAZ apud COVALESKI, 2013, p. 58).
Não é de se estranhar que o videoclipe disponha de uma linguagem
peculiarmente publicitária, afinal, como Soares já afirmou, o nosso entendimento
da constituição do videoclipe se dá “como um objeto comunicacional, dotado de
uma forma de produção e consumo que articula polos das indústrias do
entretenimento e dos meios de comunicação de massa.” (2013, p. 88). Ora, com
suas ressalvas e em sua faceta híbrida, a publicidade também não articula esses

21
mesmos polos? Assimilamos através do pensamento de Janotti Jr (apud
SOARES, 2013), que uma das características mais básicas na compreensão da
produção midiática é o surgimento de uma cadeia produtiva que rompe com a
autoria individual, a criação solitária e a autonomia criativa. Ou seja, é a
colaboração de diferentes profissionais das áreas de produção, circulação e
consumo que vai conceber e possibilitar, por exemplo, a origem de um
videoclipe. Dentre esses profissionais, arriscamos dizer que ao menos um deles
seja um publicitário, que pode contribuir nesta tríade midiática produção-
circulação-consumo por diferentes vieses: escrita do roteiro, direção fílmica,
direção de arte, direção de fotografia, distribuição nas mídias, planejamento
estratégico, enfim. Soma-se a isto, o fato de que muitas gravadoras e selos não
possuem, em seus departamentos, profissionais do audiovisual, deixando este
cargo às produtoras de TV, cinema e, óbvio, publicidade3.
Juliana Souto e Thiago Soares (2005) já identificaram a — não mais
tímida — relação entre publicidade e videoclipe. Ela e ele observaram que existia
uma certa singularidade na campanha da Rider4 que, em seus VT’s publicitários,
se apropriou de recursos próprios do videoclipe, ampliando os horizontes da
marca, alcançando, inclusive, o mercado fonográfico — através da venda de
milhares de cópias de um CD com as faixas que compunham os “videoclipes” da
marca. “Mais do que uma simples propaganda de chinelos, a linguagem
publicitária foi capaz de utilizar-se de um gênero de forte influência no público
jovem, o videoclipe, e criar uma esfera de consumo muito mais abrangente e
sedutora.” (SOARES; SOUTO, 2005, p. 3). Percebendo aí um fenômeno de
hibridismo, Soares & Souto pretendiam, através da análise desta campanha
audiovisual, enquadrar na categoria Publicidade o gênero Videoclipe. Para tal,
se apossam das ideias sobre cinema e televisão de Arlindo Machado (2000) e
de gêneros e formatos televisivos de José Carlos Aronchi de Souza (2004).
A princípio, Aronchi de Souza vai nos apresentar uma sistemática de
estudo da televisão dividindo-a em cinco categorias: entretenimento, informação,

3
É válido ressaltar que este cenário tem se transformado. Alguns selos já possuem um
departamento específico para as produções dos videoclipes do artista. No entanto, corroboramos
com Thiago Soares (2013) na afirmação de que no geral, a produção de um videoclipe ainda se
dá pelas produtoras audiovisuais.

4 Marca de calçados criada em 1986 pela Grendene.


22
educação, publicidade e outros. (apud SOARES; SOUTO, 2005). Essas
categorias, portanto, são estabelecidas a partir de gêneros, o que implica dizer
que é possível identificá-los através de noções e características que, em
conjunto, os classifica como um documentário, uma telenovela, um telejornal, um
VT publicitário, um videoclipe, etc. Desta maneira, Soares & Souto acreditam
que se faz necessário “o estudo das características e aspectos que formam um
gênero, para que se possa entender sua classificação e a estreita relação de
alguns gêneros com as artes, como a literatura e a música.” (ibid., p. 4). É
interessante como constroem o argumento da concepção do gênero televisivo
para, adiante, refutá-lo, afinal, não podemos mais conceber esses gêneros como
fixos; é preciso, sobretudo, vê-los em sua flexibilidade e possível
transformação: “Sob este ângulo, deve ser levada em consideração a
classificação de tais gêneros como mutáveis, pois devem ser relacionados com
aspectos históricos e culturais.” (ibid. p. 4).
Neste ponto, amparamo-nos no pensamento de Machado (2000),
surgindo, a partir daí, o que entendemos por diálogo:
“A reboque das novas tecnologias, notamos o aparecimento de formas
híbridas do audiovisual, sendo capaz de colocar em discussão a classificação
de algumas delas em determinados gêneros. Ou como se tudo que fosse
surgindo, tivesse fora de qualquer contexto já visto, e por isso a ideia de
gênero foi ficando ultrapassada, como se não conseguisse acompanhar as
mudanças e novas formas de produção. Porém, os gêneros são categorias
fundamentalmente mutáveis e heterogêneas.” (apud SOARES; SOUTO,
2005 p. 3-4)

Embora o autor tenha se referido com o termo “formas híbridas do audiovisual",


não acreditamos que o diálogo que o videoclipe estabelece com a publicidade
audiovisual desemboca em um terceiro produto, completamente novo.
Preferimos, ao invés, nos ater ao que Covaleski (2013) diz sobre hibridismo.

[...] No hibridismo também haverá a condição de trânsito por regiões


fronteiriças entre os elementos que se mesclam, podendo existir maior
contundência de um perante o outro ou a completa transformação dos dois
elementos de origem no terceiro, de destino. Mas, em tal relação, deve-se
pontuar, não há diálogo: há transformação. O dialógico não é híbrido. No
dialógico os elementos são identificáveis; no hibridismo, os elementos se
tornam um só, um novo elemento. (p. 31)

Sendo assim, entendendo como os gêneros televisivos podem se


transformar, se reconfigurar, não gerando um novo elemento, mas
estabelecendo um processo dialógico, fica ao cargo do observador e
23
pesquisador acompanhar tais mudanças para enfim categorizá-las. “Aronchi nos
apresenta na categoria Publicidade, os gêneros: Chamada de patrocínio, Filme
comercial, Político, Sorteio e Telecompra.” É o que aponta Soares & Souto
(2005, p. 4). Deste modo, é sob o aspecto da mutação do gênero, influenciada
pelas novas tecnologias (acrescentamos: o advindo da Internet e as novas
configurações das relações de consumo) que os autores vão acrescentar dentro
de Publicidade, o gênero Videoclipe, que dialoga estreitamente com o gênero
Filme comercial como visto no trabalho que analisa a campanha da Rider
(SOARES; SOUTO, 2005). Em vista disso, concluímos que, a partir dos
diferentes lugares que o videoclipe se apodera da publicidade, e a publicidade,
por sua vez, do videoclipe, existe uma relação dialógica pouco explorada da qual
carece de uma sistematização no seu estudo acadêmico.
Seja pelo ponto de vista do cenário publicitário (com os sinais evidentes
de transformação, especialmente a publicidade audiovisual), seja pela
aproximação irrefreável da publicidade com o entretenimento; ou mais ainda,
pela “linguagem persuasiva” que os videoclipes evocam e, com efeito, as
condições da produção deste produto audiovisual inseridas em contextos
publicitários através das produtoras e dos profissionais deste ramo, percebemos
que a linha entre publicidade e videoclipe é mais tênue do que parece. Podemos,
então, a partir desses argumentos, afirmar que o videoclipe pode, sim, se
configurar enquanto uma peça publicitária, isto é, enquanto publicidade,
sobretudo quando percebemos um nítido diálogo entre os dois.
No entanto, assumimos que nem todo videoclipe — enquanto uma
produção audiovisual de um artista, não enquanto uma linguagem apropriada
por uma marca para servir de plataforma de uma campanha — é, em si, um
comercial publicitário com nítido objetivo de venda de um serviço ou produto. Por
outro lado, é válido nos questionarmos: pode esse mesmo videoclipe “vender”
uma ideia? O que é o videoclipe enquanto um discurso? É possível posicionar o
artista no mercado através do videoclipe? Como? Enfim, precisamos ampliar os
nossos horizontes e diluirmos as fronteiras que outrora dividiam em subáreas a
Comunicação. Faz sentido, portanto, analisar um filme publicitário pelo viés do
Cinema, assim como analisar um videoclipe pelo viés da Publicidade. E qual é o
lugar da propaganda nisto tudo?

24
Na classificação dos gêneros publicitários na televisão que apontamos
anteriormente a partir de Aronchi de Souza (apud Soares & Souto, 2005), assim
como muitos autores, ele não diferencia os conceitos de publicidade e
propaganda, abarcando ambos no termo “Publicidade”. Neste ponto, não
corroboramos com Aronchi de Souza quando o mesmo classifica o gênero
“propaganda política” dentro da categoria Publicidade. Preferimos, portanto, nos
debruçar sobre os escritos de Eloá Muniz (2004) na categorização e
diferenciação entre os termos “publicidade” e “propaganda”.
Para Muniz (op. cit.) a confusão entre os termos publicidade e propaganda
decorre da Revolução Industrial com o desenvolvimento das relações comerciais
e a diversificação de produção. O seu artigo nos revela que entender a diferença
entre um termo e outro se torna relevante na medida em que estas se
apresentam como atividades distintas que possuem características e linguagens
próprias. Para além de “evitar a dissonância comunicacional provocada pelo
desperdício de mensagens [...]”, Eloá (2004) diz que “a identificação conceitual,
a partir das relações e diferenças entre publicidade e propaganda, efetiva o
delineamento dos campos de ação e as estratégias adotadas em cada
campanha.” (p. 1). Por outras palavras, forja-se a necessidade de conceituação
dos termos não tão somente na academia, como também dentro de espaços
publicitários — os quais nem sempre se enquadram no termo “agência”
atualmente.
Publicidade: do latim, publicus, que tempos depois originará o termo
publicité, do francês. Ainda com o sentido de “publicação”, o vocábulo publicité
apenas circulava em ambientes jurídicos, afinal, lá era onde as leis, ordenações
e julgamentos eram “publicados”. Foi somente no século XIX que a palavra
ganhou cunho comercial. Publicidade, logo, no sentido mais literal da palavra,
significa o ato de divulgar, isto é, tornar público. Não é de se admirar que, com a
implantação do capitalismo, a concentração econômica e até a produção de
massa, a publicidade, para atender às incessantes demandas do já consolidado
neoliberalismo, precisou se aperfeiçoar, tornando-se mais persuasiva e menos
informativa. Sendo assim, concordamos com o que Malanga (1979) entende por
publicidade: “[um] conjunto de técnicas de ação coletiva no sentido de promover

25
o lucro de uma atividade comercial, conquistando, aumentando e mantendo
clientes.” (apud MUNIZ, 2005, p. 3).
A propaganda, por sua vez, teve suas bases em origem católica apostólica
romana, quando no século XVII, o papa Gregório XV fundou uma comissão de
propagação de fé com o objetivo de imprimir livros religiosos, formar missionários
e difundir a fé cristã. O papa, preocupado com o alastramento dos atos
ideológicos da Reforma Protestante, deu o título de Sagra Congregatio Nomini
Propaganda a organização responsável por disseminar o catolicismo em países
não-católicos. (MUNIZ, 2005). Podemos concluir, então, que a propaganda por
muito tempo assumiu um caráter religioso com o nítido objetivo de “converter”,
ou seja, catequizar, doutrinar, por associação: persuadir. Contudo, a Igreja
Católica, após as transformações sociais que já conhecemos, perdeu o seu
monopólio de propagação de ideias, tornando a atividade da propaganda, uma
prática de diferentes tipos de organizações de natureza econômica, social e,
inquestionavelmente, política.
“[...] [É] na primeira metade do século XX que se inicia o
desenvolvimento das condições técnicas dos suportes que darão à
propaganda política (e as demais modalidades) os canais para uma atuação
de ilimitada frequência sobre as massas que necessitavam de informações e
eram extremamente influenciáveis. (MUNIZ, 2005, p. 4)

Também do latim, propaganda é o gerúndio do termo propagare que


significa de maneira mais direta propagar, multiplicar, difundir. Para Eloá, “fazer
propaganda é propagar ideias, crenças, princípios e doutrinas.” (2005, p. 5).
Harwod Childs (1967) vai nos dizer que, para o Instituto de Análise de
Propaganda — uma organização norte americana que estuda os métodos dessa
ferramenta —, propaganda é “uma expressão de opinião ou ação por parte de
indivíduo ou grupos, deliberadamente destinada a influenciar opiniões ou ações
de outros indivíduos ou grupos relativamente a fins predeterminados.” (apud
MUNIZ, op. cit.). Harold Lasswell traz uma perspectiva bastante interessante
sobre o mesmo termo. Ele diz: “a propaganda baseia-se nos símbolos para
chegar a seu fim.” (op. cit., grifo nosso). Atentemo-nos à breve definição de
Lasswell pois acreditamos que, embora sucinto, ele foi meticuloso em associar
o uso dos símbolos à atividade da propaganda. Evidentemente, a propaganda
tem a explícita função de “[...] formar a maior parte das ideias e convicções dos
indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento social” como acredita
26
Garcia (1982 apud MUNIZ, 2005, p. 5); mas, sobretudo, o que nos interessa é
como a propaganda faz isso.
Rafiza Varão (2012), pesquisadora da vida e obra do teórico Lasswell, cria
em sua tese de doutorado, uma linha temporal e narrativa das sistematizações
que o cientista político fez acerca da propaganda. Como dissemos
anteriormente, ele acredita que a manipulação dos símbolos é feita com um
objetivo muito específico pelo qual vai denominar de “administração das
atitudes”:
“Propaganda é a administração das atitudes coletivas pela
manipulação de símbolos significantes. A palavra atitude é usada para
significar uma tendência para agir de acordo com certos padrões de
avaliação. A existência de uma atitude não é um dado direto da experiência,
mas uma inferência de signos que possuem um sentido convencionalizado.
[…] Os padrões de avaliação nos quais essa inferência se funda podem ser
gestos primitivos da face ou do corpo, ou gestos mais sofisticados da caneta
e da voz. Colocados juntos, esses objetos que têm um significado padrão
num grupo são chamados de símbolos significantes. A sobrancelha elevada,
o punho cerrado, a voz aguda, a frase pungente, tem suas referências
estabelecidas na teia de uma cultura particular. Tais símbolos significantes
são o aparato empregado na expressão de atitudes, e eles são capazes de
serem empregados para reafirmar ou redefinir atitudes. Portanto, os símbolos
significantes têm ao mesmo tempo uma função expressiva e de propaganda,
na vida pública.” (LASSWELL apud VARÃO, 2013, p. 194-195)

Em Lasswell, a propaganda é lida como única e exclusivamente uma ferramenta


política. Ferramenta, esta, indispensável em qualquer governo, afinal, ela teria a
capacidade de induzir a um determinado comportamento.
Lasswell (apud VARÃO, 2013) entende a “atitude coletiva” não como uma
“entidade extranatural”, uma força superior capaz de controlar a massa, mas sim
como um padrão de conduta individual específico de um lugar e de um momento,
e mais; compreende também que a atividade da propaganda, formulada em
termos culturais, pode ser lida como um fenômeno de estímulo-resposta, pelo
qual ela mesma sugere um comportamento através de um “material cultural com
um significado reconhecível”, isto é, a manipulação do símbolo. Varão assimila
em seu texto o significado de símbolo para Lasswell, que muito se assemelha ao
signo saussuriano. Corroborando com Mead (1922), ela afirma, portanto, que “o
símbolo significante é então o gesto, o sinal, a palavra que é endereçada a outro
indivíduo, e a outro, e a todos os outros indivíduos, quando é endereçado a si
mesmo.” (2013, p. 200). É, então, a partir dessas noções levantadas, que
julgamos o videoclipe apenas como sendo publicidade e não como propaganda.

27
Acreditamos, no entanto, que a linguagem videoclíptica também compartilha da
manipulação dos símbolos, afinal, o videoclipe enquanto experiência estética e
produto da cultura contemporânea, produz sentido e possui discurso. Apesar
disso, não acreditamos que o videoclipe tenha tamanha autoridade de sugerir
condutas, atitudes, maneiras de enxergar a realidade.

28
2 PODE O ARTISTA SE POSICIONAR?

“E os cara acha que eu fiquei famoso fazendo Rap


Meus versos ser foda é só um detalhe
Tanto que essa aqui é sem punch line
Meu olhar é a maior frase de efeito
Minha postura é o mais belo refrão”
(DJONGA, 2018)

O mercado fonográfico movimenta bilhões em todo o mundo. O Brasil tem


uma parcela considerável deste montante: são R$ 298,8 MI acumulados em
2018. É o que aponta o relatório da Federação Internacional da Indústria
Fonográfica e a Pro-Música — associação que reúne as maiores gravadoras do
Brasil em atividade5. Podemos associar que parte deste dinheiro é investido nas
produções audiovisuais dos artistas, já que, como vimos, o videoclipe também é
lido como um produto audiovisual essencial para a divulgação de uma canção
(SOARES, 2013). Uma matéria da Forbes6 datada de fevereiro de 2019 aborda
as transformações e tendências do mercado de videoclipe para o ano vigente.
Lá, tivemos acesso à citação do diretor global de música do YouTube, Lyon
Coher, cujo discurso na Faculdade de Direito Cardozo, um ano antes, diz: “O
ramo da música, que costumava ser um ramo de áudio, virou um ramo de
audiovisual. Agora, acho que vai se tornar um ramo visual de áudio.” (apud HU,
2019). Segundo Coher e sua ideia “visionária”, esse mesmo mercado — o
fonográfico, que movimenta bilhões —, está no processo de inversão da lógica
que perdurou por muito tempo durante a “época de ouro” da música gravada: a
de que a música é “mais importante” que o vídeo.
Imaginar que o vídeo antecede a música nos aparenta ser uma ideia
inconcebível no momento presente. Por outro lado, pensar que o vídeo está
ganhando cada vez mais contorno, investimento e atenção por parte dos artistas
e selos, tornando-se, portanto, “tão importante quanto” a música é mais que
admissível: factual. É neste cenário onde o vídeo se torna estrategicamente

5
LICHOTE, Leonardo. Mercado fonográfico brasileiro cresceu acima da média mundial
em 2018. Entenda os motivos. O Globo, 2019. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/cultura/musica/mercado-fonografico-brasileiro-cresceu-acima-da-
media-mundial-em-2018-entenda-os-motivos-23568320>. Acesso em: 29/03/2021.

6 HU, Cherie. Como o mercado de videoclipes vai se transformar em 2019. Forbes, 2019.
Disponível em: <https://forbes.com.br/principal/2019/02/como-o-mercado-de-videoclipes-vai-se-
transformar-em-2019/>. Acesso em: 29/03/2021.
29
relevante para o mundo (e o negócio) da música que pretendemos adentrar. A
partir do momento em que os artistas se apropriam dos recursos audiovisuais
não somente nos seus processos criativos para divulgar uma canção, mas
também como modelo de negócio, faz-se necessário investigar como tudo isso
se articula. Investigar o artista e as suas dinâmicas discursivas pela perspectiva
do audiovisual e como isso está atrelado a uma lógica de mercado nos leva a
tentar compreender a máxima do filósofo Confúcio: uma imagem [do artista] vale
mais do que mil palavras [de uma canção?].
A partir das constatações anteriores, surgem algumas indagações.
Partindo do pressuposto que o mercado (as condições de produção e circulação)
de um videoclipe movimenta milhões todos os anos (no Brasil), como se organiza
essas questões mercadológicas atualmente? Se o artista em questão gera,
através do videoclipe, um corpo nas mídias (SOARES, 2013), isso implica dizer
que a sua imagem está completamente associada à sua produção artística e,
consequentemente, o quanto e como ela vende. Poderíamos alegar que o artista
é, em si, a sua própria marca? Caso sim, que dispositivos do marketing são
acionados para o gerenciamento desta marca? Levando em consideração que o
posicionamento de marca é “a ação de projetar a oferta e a imagem da empresa
para que ela ocupe um lugar diferenciado na mente [e no coração] do público-
alvo” (KOTLER; KELLER, 2012, p. 294), podemos afirmar que um artista se
posiciona enquanto marca? Vamos além: seria o videoclipe um dos suportes
encontrados pelo artista (e pelo mercado) para se posicionar? Essas são
algumas das questões que tentaremos responder ao longo deste capítulo.
Não é de hoje que os teóricos e pesquisadores pensam o videoclipe a
partir das imagens. Na verdade, como Thiago Soares (2006a, 2013) já nos
alertou, o percurso histórico no terreno acadêmico do videoclipe parte do Film
Studies, isto é, dos conceitos que tratam da análise estrutural do Cinema pelo
qual a construção imagética tem um “peso maior” que a música. No entanto,
compreender este produto audiovisual unicamente pelo viés imagético, para
Soares (2006a), “pode acarretar na impossibilidade de vislumbrar toda a cadeia
de sentido originada a partir das lógicas produtivas da indústria fonográfica.” (p.
2). Sendo assim, o autor vai elencar 3 pressupostos que nos ajudam a entender
a ancoragem estrutural do videoclipe. São eles: 1) o videoclipe como objeto

30
promocional cujo estratégias de ênfase, convencimento e persuasão serão
levadas em conta; 2) há uma relação direta entre vídeo e áudio, não se
sobrepondo um sobre o outro; 3) as questões estruturais do videoclipe estão
mais ligadas à ordem da canção popular massiva do que à do cinema.
(SOARES, 2006b, 2013).
Soares vai abordar as estratégias de produção de sentido do videoclipe a
partir do conceito de versos ganchos e ganchos visuais. Ele argumenta que do
mesmo modo em que as canções possuem um refrão que “convoca” o ouvinte a
“participar” da música, o videoclipe possui um “gancho visual”, que seria uma
estratégia imagética pelo qual o espectador poderia “cantar junto” a canção e
“participar” do videoclipe. (SOARES, 2006b). Carol Vernallis (2004) define o
verso gancho como “o trecho que mais evidentemente se projeta como imagem
ou que cristaliza um ponto de vista sobre a letra, que, na maioria das vezes, está
relacionada ao título da canção". (apud SOARES, 2013, p. 110). Soares
complementa afirmando que o verso gancho, de maneira geral, está localizado
no refrão da canção. Neste sentido, para o autor, o verso gancho é um
“interessante indicativo para a verificação de escolhas estéticas e temáticas dos
vídeos, com o intuito de construir noções estratégicas que perpassem indicativos
dos artistas protagonistas dos clipes, dos diretores audiovisuais e dos diretores
de gravadoras.” (op. cit. p. 111).
Partindo da ideia de “gancho”, Andrew Goodwin (1994) estende a
perspectiva para o visual, originando o “gancho visual” que pressupõe “uma
espécie de localização, na imagem, de uma estratégia utilizada para manter o
espectador assistindo ao clipe – tais quais as ferramentas para manter o ouvinte
na canção, empreendidas nos refrões.” (apud SOARES, 2013, p. 115). Baseado
em Goodwin, Soares classifica em 4 os ganchos visuais: 1) os close-ups nos
rostos dos cantores e os enquadramentos próximos, que operam em relação à
memória do espectador; 2) a geração de planos que se configuram como marcas
visuais, ou seja, a fixação ou referenciação de um símbolo no videoclipe; 3) a
utilização de planos que mostram fragmentos do corpo físico do artista,
convidando para um suspense e gerando uma expectativa; 4) a existência de
um plano, ou uma sequência, que desvende o final da narrativa do clipe

31
construída em cima do molde “apresentação–conflito–resolução”. (SOARES,
2013).
A identificação dos ganchos visuais no videoclipe é, ainda, a primeira
parte do processo de esmiuçar os sentidos estéticos desse produto cultural.
Soares afirma que é necessário, então, tentar apreendê-lo através da canção
(como vimos anteriormente), do gênero musical e, finalmente, da performance.
Sobre o âmbito do gênero musical, Soares declara que é indispensável perceber
que a produção deste audiovisual faz parte de uma dinâmica que considera uma
gama de expectativas geradas a partir de algumas “regras” do próprio gênero.
Essas “regras” constroem uma imagética no videoclipe que articula de um lado,
as cenografias dos gêneros musicais e do outro, as narrativas específicas dos
artistas, concebendo uma composição “músico-imagética”. (SOARES, 2013).
Ele diz:
“Para nos encaminharmos para uma leitura imagética do gênero musical,
podemos, por exemplo, nos utilizar da observação de capas de álbuns,
encartes, bem como cartazes e flyers de shows e eventos. O apelo a certas
leituras, bem como a projeção de uma imagética que seduza o fã, vão sendo
pontuais no reconhecimento imagético de um gênero musical. Os “ambientes”
futuristas presentes em flyers de festas de música eletrônica, o design de
elementos retrôs nos eventos saudosistas de décadas como 70 ou 80, bem
como a visualização de elementos satânicos nos cartazes sobre eventos de
heavy metal vão construindo uma imagética associativa que, na maioria das
vezes, vai “habitar” álbuns, cartazes e todo aparato de divulgação do artista,
incluindo o videoclipe.” (op. cit., p. 133-134)

Ainda mais, para Soares (2013), o videoclipe é uma performance inscrita


na canção à medida em que os espectros áudio e visuais compõem uma
“camada visual” sobre a canção. Esta camada seria um modo de enxergar a
canção articulado pelos sistemas produtivos do videoclipe. Entender o videoclipe
enquanto performance significa “localizar as constituições entre clipe, canção e
estratégia de endereçamento genérica.” (2013, p. 151). Este último termo nos
convida a perceber o videoclipe — amparado na performance — enquanto
comunicação, uma vez que uma performance, de fato, pressupõe uma
audiência. É o que assimilamos através de Jeder Janotti Jr (2005):
“[...] a performance aponta para uma espiral que vai das codificações de
gênero às especificidades da canção. Mesmo que de maneira virtual, a
performance está ligada a um processo comunicacional que pressupõe uma
audiência e um determinado ambiente musical. Assim, a performance define
um processo de produção de sentido e consequentemente, de comunicação,
que pressupõe regras formais e ritualizações partilhados por produtores,
músicos e audiência, direcionando certas experiências frente aos diversos

32
gêneros musicais da cultura contemporânea”. (apud SOARES, 2013, p. 151-
152)

Neste sentido, Soares (2013) vai declarar que a canção performatizada


está ancorada em um suporte midiático, e assim sendo, a sua performance está
inscrita na relação do ouvir, na organização em torno do álbum, no possível
alcance que poderá atingir e, por último, nas configurações que regem o que ele
vai chamar de “star system da música popular massiva.” (op. cit., p. 152). Todo
esse espectro das condições da performance nos leva a perceber o videoclipe
para além de uma manifestação artística: é, sobretudo, nas relações
mercadológicas que se constroem parte do aparato audiovisual. Para
contextualizar o que acabamos de afirmar, vamos nos voltar ao termo “star
system”7, que, não por acaso, saltou aos nossos olhos. Essa ideia de system
nos dá a sensação de uma organização complexa que está por trás das cortinas,
das câmeras e até mesmo do próprio artista, articulando estratégias para
gerenciar a sua imagem, que brilha, como uma star. Não estamos falando aqui
da equipe técnica da produtora de vídeo; a diretora, a figurinista, a maquiadora,
todas concentradas em apresentar o melhor take, a melhor maquiagem, o lado
mais bonito do artista diante das telas, mas sim dos profissionais que cuidam da
representação da forma do artista no contexto mercadológico, ou seja, os
profissionais de marketing.
A nossa perspectiva parece ainda mais plausível quando Soares (2013)
afirma que as execuções midiáticas da música popular massiva permitem tornar
a voz do artista familiar para as pessoas comuns, consequentemente, isso
resulta na identificação do artista a partir de determinados produtos. Assim
dizendo, a performance passa a ficar dotada de diferentes camadas, na mesma
proporção em que o artista passa a estar disponível em inúmeros contextos. (p.
152). Ora, o que é tornar algo relativamente familiar para um determinado
público, senão uma atividade puramente marketeira? O que Soares denomina
por execuções midiáticas, para nós, vai além das reproduções dos vídeos na
plataforma do YouTube: é, por excelência, pura estratégia de marketing. É
possível notar essa noção de mercado nas letras do rapper Djonga. Em “Nós”,
canção que abre o disco “Nu” (2021) do artista, Djonga diz: “Quem anda olhando

7
Na tradução literal: sistema da estrela.
33
pro chão tem visão limitada / E nunca vai ter uma empresa LTDA / Eu já não vejo
meu sapato há muito tempo / Meu pai ensinou só a olhar pra onde eu quero
estar”. (2021). Portanto, a familiaridade do artista (e a sua voz) perante o nicho
que pretende alcançar que vai permitir que ele mesmo não precise
necessariamente marcar presença no videoclipe — enquanto corpo físico na
tela, ou seja, materialmente falando — para ser reconhecido no audiovisual.
Produtos culturais, mídia e mercado: que relação é esta? Pretendemos,
agora, abordar algumas reflexões sociológicas trazidas por Nadilson Manoel da
Silva (2005) a respeito desta relação. Vamos dialogar com conceitos que partem
de duas perspectivas: 1) da economia política da mídia; 2) dos estudos culturais.
A primeira pretende abordar a cultura a partir dos reflexos de transformações
econômicas. A segunda, dos resultados de várias dinâmicas que envolvem os
desejos dos criadores desses produtos, os contextos de recepção e a
multiplicidade dos discursos. Da Silva vai nos falar que os teóricos da teoria
crítica já discutiram a relação entre subcultura8 (cf. nota 8) e mercado. Nesta
corrente, os produtos culturais vinculados a uma subcultura não incorporariam
as dinâmicas do mercado que os padronizassem, tornando-se resistência. Esse
debate, que é colocado em torno da ideia de "autenticidade", ignora a “relação
da cultura com outras esferas sociais que possam interferir no processo de
criação dos bens culturais” (DA SILVA, 2005, p. 35). Dick Hebdige é um dos
teóricos dessa corrente.
Para Hebdige (1996 apud DA SILVA, 2005), os produtos culturais seriam
um reflexo fiel do modo de vida dos integrantes da subcultura, tendo a mídia
como importante aliada neste processo. Esses produtos seriam um retrato de
uma resistência que se opõe ao mercado comercial. No entanto, essa posição
não se sustenta a partir do momento em que se observa que os produtos
alternativos e até de discurso contra-hegemônico estão submetidos às
dinâmicas do mercado tais quais os hegemônicos. Pela perspectiva dos estudos
culturais acerca da cultura popular, John Fiske (1987) vai entender os produtos
culturais enquanto uma pluralidade de vozes expressas de maneira democrática,
ou seja, só existem no encontro com a audiência e, por isso mesmo, é

8
Trazemos aqui o termo “subcultura” na sua escrita literal, ou seja, exatamente como foi
cunhado pelos estudiosos. No entanto, achamos bastante problemático utilizar o prefixo “sub”,
que denota inferioridade, para classificar as culturas tidas como marginalizadas.
34
corresponsável pela criação desta mesma cultura. Dessa forma, a cultura
popular deve ser entendida enquanto economia popular, diferenciando-se da
economia financeira. (apud DA SILVA, 2005).
Os estudos pós-modernos, por sua vez, trazem a “compreensão da
cultura a partir de uma perspectiva de negociação entre as práticas cotidianas
das audiências e as promessas de satisfação dos produtos culturais.” (DA
SILVA, 2005, p. 37). Nesta corrente, há uma “sobrevalorização das
representações e signos” (ibid.) na cultura. A sociedade estaria vivendo o ápice
dos significados cuja importância se sobreporia ao próprio valor de uso dos
objetos. Baudrillard (1996) é um importante teórico desta corrente. Para ele, a
mídia, a partir da expansão das novas tecnologias, estaria desmanchando o
senso de real, irreal e virtual. E mais: é a superprodução de imagens que provoca
esse fenômeno, fazendo com que as “massas” valorizem mais a experiência
virtual do que a própria realidade material e imediata. (ibid.). Percebemos que a
mídia desempenha um papel fundamental para a compreensão da cultura e suas
produções na sociedade contemporânea. Embora não haja uma evidência
concreta de uma inversão de valores pelos quais os produtos culturais se
configuram como mais relevantes que as próprias dinâmicas sociais, é
perceptível a expansão das novas tecnologias nas práticas sócio e individuais.
Da Silva (2005), através de Mikhail Bakhtin (1948), vai nos dar uma ideia
sobre o aspecto carnavalesco da cultura popular investigando a “relação entre
as tradições do povo e as culturas dominantes, uma relação intensa marcada
pela inversão, questionamento e reapropriação de culturas que se apresentam
na sociedade numa posição hierárquica.” (DA SILVA, 2005, p. 39). O filósofo
(apud DA SILVA, 2005) vai dizer que o carnaval não se resume a uma forma
artística; é, na verdade, “[um] ponto de intersecção entre a arte e a vida.” (ibid.
p. 39) Para Da Silva, esse aspecto carnavalesco encontra espaço na cultura
popular, na subcultura e até nas tradições orais. Portanto,
“É esperado que os produtos direcionados a um público mais restrito lidem
com esses elementos carnavalescos de forma mais intensa, porque eles não
estariam sujeitos às demandas do mercado comercial. O direcionamento para
um público delimitado a uma pressão menor de mercado, sem se preocupar
com a competição, facilitaria a aproximação desses produtos a conteúdos
diferentes dos encontrados na grande mídia.” (DA SILVA, 2005, p. 39-40)

35
Nadilson da Silva percebe que há uma contradição, ou melhor, um conflito
entre a lógica do mercado — que opera sob os moldes do lucro dos produtos
culturais — e a cultura popular — que dá ênfase à construção de relações sociais
a partir de uma cultura comum. Martín-Barbero (2001) vai contribuir com essa
discussão afirmando que a cultura da mídia não pode ser pensada em oposição
à cultura popular; pelo contrário, são as características populares que serão
incorporadas à cultura midiática adequando-se à lógica do consumo. (apud DA
SILVA). Sendo assim, corroboramos com o autor quando ele afirma que a cultura
midiática revela enormes contradições entre os objetivos do capital, (a busca do
lucro) e os da cultura (a formação de uma cultura comum a partir do
entretenimento). (op. cit., p.40).
É pertinente trazer esses conceitos e autores para, finalmente,
adentrarmos de modo mais direto no panorama da discussão em torno dos
aspectos mercadológicos que envolvem o videoclipe. Poderíamos ainda passear
pelos conceitos de hibridismo que nos levaria ao conceito de desterritorialização
(CANCLINI; TOMLINSON apud DA SILVA, 2005), porém, este primeiro já foi
amplamente discutido a partir de Covaleski (2010) e o último não problematiza a
cultura pelo viés (ou ao menos perpassa pelo sentido) mercadológico. Todavia,
é válido ainda trazer alguns levantamentos feitos por Nadilson da Silva (2005).
Corroboramos com a ideia de que há uma “tendência do mercado cultural de
entretenimento de utilizar várias mídias simultâneas para vender o mesmo
produto.” (p. 42).
Em se tratando do mercado “fonográfico-audiovisual”, essa proposição
faz ainda mais sentido quando atrelamos à ideia de Coher (o diretor global de
música do YouTube) de que o ramo audiovisual está se tornando um ramo visual
de áudio. Quase como em um looping, voltamos à ideia da relevância da imagem
no mercado fonográfico (SOARES, 2013). Podemos atestar isso, por exemplo,
quando Djonga lança o seu álbum nas plataformas digitais de streaming horas
depois de já o ter lançado no YouTube. E mais: quando o rapper lança uma
marca de vestimenta e artigos para casa e banho (que se esgotam em menos
de 24 horas) com peças que estampam o seu rosto, um bordão já conhecido
pelos seus fãs e até elementos visuais dos videoclipes, isto aproximadamente 1
mês depois de ter lançado o álbum, ele está vendendo algo muito mais relevante

36
que essas peças: ele está vendendo a sua imagem. O artista é, em si mesmo, a
sua própria marca.
De acordo com Da Silva,
“[...] podemos pensar em produtos culturais que estariam inseridos num
circuito comercial cujo objetivo principal é atingir uma audiência cada vez
maior. Esses produtos utilizariam recursos culturais para sua produção
baseados numa cultura comum, usariam um código restrito para atingir um
maior número de pessoas.” (2005, p. 42).

Além dos recursos culturais, acreditamos que essa disseminação massiva só


obtém sucesso devido às técnicas e estratégias há muito conhecidas pelo
marketing. A mídia é, sim, uma das “instâncias de disseminação da cultura que
consegue criar esse repertório comum para os indivíduos” (ibid. p., 42), suprindo
as lacunas do individualismo e do isolamento incentivados na sociedade
contemporânea, mas ela, sozinha, não tem força suficiente para alavancar as
vendas de um produto, seja ele cultural ou não, espontaneamente.
Bruna Fetter (2015), pesquisadora do sistema da arte e processos de
legitimação e valoração da arte contemporânea, publicou um artigo que aborda
as relações entre o espírito de mercado e a produção de arte contemporânea.
Na publicação, ela problematiza o papel do mercado nos circuitos artísticos
atrelando o valor gasto em leilões (que multiplicou em até 10 vezes na última
década) e o aparecimento da figura do colecionador, questionando como a
“qualidade artística” está atrelada ao valor de mercado que a obra possui.
Contextualizando o cenário histórico das artes plásticas, Fetter (2015) vai dizer
que houve uma problematização acerca do valor simbólico e monetário da arte
na própria produção artística nas décadas de 1960 e 1970. Já nos anos 2000,
ela vai pontuar que houve um “boom” da arte contemporânea como investimento
financeiro, chegando a criar uma especulação em cima de algumas obras e
artistas por parte dos colecionadores, tornando-os em “investidores estratégicos
em busca de rendimentos dificilmente atingíveis em outros setores da
economia.” (THOMPSON apud FETTER, 2013, p. 114).
Para Pierre Bourdieu, (2002), o comércio da arte é um “comércio das
coisas de que não se faz comércio.” (apud Fetter, 2013, p. 117). Para Gilles
Lipovetsky (2011), “Hoje, o universo da arte deixou de ser um ‘antimundo’: ele
participa diretamente das leis do sistema midiático e econômico.” (op. cit., p.
117). Para o primeiro autor, trata-se de uma certa autonomia de produção no
37
terreno das artes pelo qual o reconhecimento da ideologia dificultaria com um
certo rigor a produção de valor desses bens (FETTER, 2013), mas, ao que tudo
indica, suas ideias precisam ser revisadas (ou pelo menos atualizadas), uma vez
que a dinâmica neste mesmo terreno, hoje, se configura de uma outra forma.
Mais uma vez, Djonga exemplifica o que estamos falando. Em “Hat-trick”, faixa
que abre o disco “Ladrão” (2019), Djonga diz: “É pra nós ter autonomia, não
compre corrente, abra um negócio / Parece que eu 'tô tirando, mas na real 'tô te
chamando pra ser sócio.” O antropólogo Néstor García Canclini (2012 apud
FETTER, 2013), afirma que o momento em que vivemos é de pós-autonomia da
arte:
“seria aquela na qual aumentariam os deslocamentos das práticas artísticas
baseadas em objetos a práticas baseadas em contextos até chegar a inserir
obras nos meios de comunicação, espaços urbanos, redes digitais e formas
de participação social onde parece diluir-se a diferença estética.” (op. cit., p.
118).

Fetter acredita que, embora Canclini aborde a questão da pós-autonomia


pelo prisma do atravessamento da arte em várias áreas do conhecimento,
reduzindo, portanto, uma certa autonomia que arte reivindica, para ela parece
ser uma questão muito maior, a nível estrutural, que nos chama para o diálogo:
“a da predominância de uma mentalidade capitalista, de espetacularização e
consumista na sociedade como um todo, mas que também gera reflexos no
mundo artístico.” (FETTER, 2013, p. 118). Corrobora com esse pensamento o
filósofo Slavoj Zizek (apud FETTER): “vivemos numa época pós-política de
naturalização da economia [...].” (p. 118). A arte mercantiliza a vida ou a vida
mercantiliza a arte? Segundo Lipovetsky, os dois. A arte passou a caminhar de
mãos dadas com dois gigantes: de um lado, o mercado com a sua onipotência,
o seu poder de compra; de outro, a mídia com a sua onipresença, o seu
pertencimento a “todos” os lugares ao mesmo tempo.
“Enfim, uma mercantilização integral da cultura que é, ao mesmo
tempo, uma culturalização das mercadorias. Na época da cultura-mundo, as
antigas oposições da economia e da cotidianidade, do mercado e da criação,
do dinheiro e da arte dissolveram-se, perderam o essencial de seu
fundamento e de sua realidade social. Produziu-se uma revolução: enquanto
a arte, daí em diante, se alinha com regras do mundo mercantil e midiático,
as tecnologias da informação, as indústrias culturais, as marcas e o próprio
capitalismo constroem, por sua vez, uma cultura, isto é, um sistema de
valores, objetivos e mitos. O cultural se difrata enormemente no mundo
material, que se empenha em criar bens impregnados de sentido, de
identidade, de estilo, de moda, de criatividade, através das marcas, de sua

38
comercialização e de sua comunicação.” (LIPOVETSKY apud FETTER,
2013, p. 119)

Nathalie Heinich (2005) acredita que a construção de princípios de


legitimação artística é o que predomina no meio artístico: “O artista, cada vez
mais, não será mais só aquele que produz obras de arte, mas, sobretudo, aquele
que consegue fazer-se reconhecer como artista.” (apud FETTER, p. 120). No
cenário do hip hop, por exemplo, esse “fazer-se reconhecer” emerge nas
canções e nos álbuns em forma de auto-exaltação. Por exemplo: BK em 2020
lançou um álbum intitulado “O Líder em Movimento”, se autointitulando “líder”.
Fetter nos fala da classificação — feita por Heinich — dos diferentes regimes
que foram instaurados durante muitos séculos no terreno da arte. São eles: o
artesanal, o profissional, o vocacional e o de singularidade. (2005). Em uma linha
temporal, segue respectivamente, o artista do regime artesanal (período
medieval); o regime profissional (acadêmico da época clássica); o regime
vocacional (dos românticos) e o artista do regime de singularidade
(contemporaneidade). As duas principais características que marcam o regime
da singularidade é a personalização e a excentricidade, ou seja, a busca para
não se parecer com o outro e a busca por caminhos inéditos, paradoxais, quiçá
bizarro. Agora, Fetter acrescenta mais um regime, acreditando que, ao observar
o contexto da arte e dos artistas contemporâneos, rompemos com o regime
anterior (singularidade), passando a adotar o regime de marca. (FETTER, 2013).
Segundo Fetter,
“[...] a própria noção de carreira artística evoluiu paralelamente à evolução da
identidade de artista e do lugar do mercado nos critérios do sucesso. Cada
vez mais se observa a preocupação dos artistas em construir carreiras
sólidas, e a inquietação com seu valor não somente no panteão da história
da arte, como também no do mercado de arte. Para tanto, o uso de recursos
de publicidade e marketing tem se mostrado muito comuns. Como, por
exemplo, a relação do nome de determinado artista a uma certa assinatura,
estilo, visando construir associações a seu nome e à sua produção que
funcionem como uma verdadeira marca.” (2013, p. 121).

Mas o que é uma marca? O que é um produto, afinal? Uma vez que se
compreende que o artista está inserido na lógica do mercado e da concorrência,
deduzimos que ele se apropria de algumas técnicas de marketing para
diferenciar o seu produto e fortalecer os seus vínculos. A partir deste ponto,
tentaremos relacionar alguns conceitos do marketing que acreditamos ser
compatíveis com as táticas da indústria cultural para posicionar o artista no
39
mercado fonográfico. A nossa tese é de que o videoclipe é um importante — mas
não a única — ferramenta que vai sustentar o posicionamento do artista. É
principalmente através das nuances estéticas e ideológicas do videoclipe que o
artista cria uma identidade de marca, isto é, um símbolo pelo qual o artista
pretende ser enxergado. Esse símbolo vai conceber uma imagem do artista no
imaginário do público, estabelecendo, a partir daí, uma personalidade e uma
proposta de valor que, juntos, vão construir uma representação na mídia. Nesta
representação, muitas vezes, habita um conflito. Haverá contradições entre o
que se espera do artista e o que ele representa e quem de fato o artista é.
Sobre a definição de produto, para Kotler & Keller (2012), “é tudo o que
pode ser oferecido a um mercado para satisfazer uma necessidade ou um
desejo, incluindo bens físicos, serviços, experiências, eventos, pessoas, lugares,
propriedades, organizações, informações e ideias.” (p. 348). Podemos
compreender a partir dos autores que a ideia de produto vai além do tangível.
Pensar uma pessoa enquanto um “produto” significa expandir o nosso conceito
do termo, assimilando, portanto, que as relações comerciais na sociedade
contemporânea são mais complexas do que o simples ato de comprar um item
no supermercado ou ir até um salão de beleza para fazer um corte de cabelo.
Em termos de mercado, se uma pessoa pode ser um produto, por associação,
presume-se que ela tenha uma marca pelo qual o consumidor vai poder
identificá-la diante de uma vasta gama de opções disponíveis. Entendemos por
marca como algo mais complexo do que um símbolo criado para diferenciar um
produto de outro. É, além disso, uma “[...] forma de expressão que faz parte do
cotidiano das pessoas, as quais têm em mente um nome ao lembrar de um
produto ou serviço [...]”. (KHAUAJA; PRADO apud ARAÚJO; MOURA, 2014, p.
9)
A marca, esse instrumento capaz de se expressar — e, por isso mesmo,
capaz também de se comunicar —, cria, a partir da comunicação, uma relação,
um vínculo com o seu consumidor, desempenhando um papel importante na vida
dele. A marca, por assim dizer, vai proporcionar ao comprador mais que uma
funcionalidade ou experiência (TYBOUT; CARPENTER apud ARAÚJO;
MOURA, 2014), mas uma intimidade que pode até despertar (na pessoa
compradora) valores “morais” como a fidelidade para uma manutenção saudável

40
desta relação. Além do mais, há uma série de fatores subjetivos que emergem
no processo de consumo de uma marca. Um deles, por exemplo, é apontado por
Araújo & Moura (2014): “o que compramos pode dizer quem somos, para onde
vamos e quem não somos.” (p. 9). O consumo de uma marca também é um fator
que molda a identidade cultural do sujeito, mas não é apenas o sujeito que detém
uma identidade: a marca igualmente a possui.
Pode-se entender a identidade de marca como uma síntese de todo o
valor que ela agrega para si. Conforme disse Araújo & Moura, “A identidade da
marca é todo o conjunto de conceitos e ideias divulgado pela comunicação
institucional. Em outras palavras, é a maneira pela qual a empresa pretende ser
vista.” (2014, p. 11). Se a marca pretende “ser vista” por alguém, dá a entender
de que estamos tratando de uma imagem. Porém, vale ressaltar a diferença
conceitual entre os termos identidade e imagem: “Identidade é um conceito de
emissão, e imagem é um conceito de recepção” (KHAUAJA apud ARAÚJO;
MOURA, 2014, p. 11). Posto isso, concluímos que o esforço da marca está em
aproximar cada vez mais a sua identidade da imagem que é criada pelo
consumidor. A comunicação com o seu público torna-se, portanto, uma
ferramenta crucial para que ambas, imagem e identidade, permaneçam sempre
conectadas. (ibid. p. 12).
A ideia de regime de marca (FETTER, 2013) é corroborada por Caldas &
Godinho quando estes afirmam que o mais importante não é o valor monetário
que uma marca pode valer, mas sim o quanto essa marca representa (valor
simbólico) na sociedade. (apud ARAÚJO; MOURA, 2014). Don Thompson
(2012) ressalta que a marca é o resultado final das experiências desenvolvidas
exclusivamente para os seus clientes e potenciais clientes em consonância com
a mídia durante um longo período. Essas experiências seriam fruto de um
trabalho de marketing e relações públicas que, juntos, tentam consolidar uma
identidade. (apud FETTER, 2013). Não basta simplesmente formar uma
identidade de marca e conter em si esta identidade; para além de comunicá-la,
é preciso que o público assimile e a valide. Ou seja: “o modo como o mercado
reage depende não só de quanta gente confia nessa ou naquela intervenção,
mas sobretudo até que ponto essa gente acha que os outros confiarão; não se

41
pode levar em conta o efeito da própria escolha”. (ZIZEK apud FETTER, 2013,
p. 122).
É na brecha entre a comunicação da identidade de marca e a imagem que
o público consumidor vai criar, que entra uma outra ferramenta do marketing: o
posicionamento. Posicionar-se é demarcar um território, expor a sua posição,
comunicar o seu diferencial; é dizer a que veio contribuir. Mas, mais do que isso,
o posicionamento pretende persuadir. Ocupar um lugar diferenciado na “mente
do consumidor” (KOTLER; KELLER, 2012) não é suficiente para, de fato,
conquistá-lo. É preciso adentrar no plano da sedução para fazer morada no
“coração do consumidor”. Todo artista pode se posicionar, mas é o diferente, o
ousado, que vai garantir a difusão deste posicionamento, afinal, como Araújo &
Moura dizem, “O diferente geralmente chama mais atenção.” (2013, p. 14). O
regime de singularidade proposto por Heinich (apud FETTER, 2013) explica bem
isso. Corroboramos com Araújo & Moura (2013, p. 15) na definição de
posicionamento “como a ação necessária, embasada em um planejamento
concreto, para projetar o produto na cabeça do consumidor, implicando um
comparativo com a concorrência e indo além dos fatores tangíveis [...].
Acreditamos que não é somente a satisfação pelo produto ou serviço, ou ainda
a criação de uma identidade, que assegura o posicionamento da marca no
mercado, mas sim a partir do momento em que a própria marca alcança o campo
subjetivo do consumo.
Como nos alerta os autores acima, o posicionamento está sempre
atrelado à segmentação. (op. cit.). Se o videoclipe é capaz de produzir um rosto
midiático (SOARES, 2013) para o artista, pelo qual vai definir o posicionamento
dele no mercado fonográfico, deve-se compreender a quem esse rosto será
mostrado. Embasados por diversos autores que discutem posicionamento,
Araújo & Moura concluem que a definição do público-alvo é o “x” da questão,
pois até então, tem-se mostrado impossível conquistar com propriedade todos
os públicos possíveis. Por outro lado, alcançar a liderança de determinada
categoria é o objetivo de toda grande marca. E o resultado, para os artistas, vem
em números: “A gente investe grana pra fazer a festa, também investe grana pra
fazer a guerra / Empresários e visionários, prontos pra bater de frente, pra bater
as metas.” (BK, 2019). Se é verdade que o espírito do capitalismo (FETTER,

42
2013) é estrutural e estruturante, permeando todo o âmbito das relações sociais,
lançar um olhar mais crítico e aprofundado no campo da produção cultural
significaria, então, concluir que os artistas do mercado fonográfico estão sempre
procurando novas e criativas formas de se posicionar. E isso de fato não só tem
acontecido, como movimentado milhões em todo o mundo, fazendo com que o
mercado artístico-cultural seja um dos mais rentáveis. “Vendendo igual Coca-
Cola, tudo que eu rimo cola, é que eu só rimo coca”. (BK, 2019). O videoclipe,
por sua vez, tem se mostrado como uma importante ferramenta para não só
comportar o posicionamento do artista, mas para difundi-lo massivamente na
mídia.
“Mantra da marca” é um conceito criado pelos renomados nomes do
marketing, Kotler & Keller (2012). Ritualisticamente, os autores vão definir esse
conceito como uma “articulação do coração e da alma da marca, intimamente
relacionada com outros conceitos de branding como “essência da marca” e
“promessa principal da marca”. Na cultura indiana, um mantra é uma sílaba, uma
palavra ou poema, curto, repetido de forma a auxiliar a concentração durante a
meditação. Para o marketing, o mantra é uma frase curta, composta de três a
cinco palavras no máximo, que remete à essência da marca, como um slogan
publicitário. Kotler & Keller dizem: “Os mantras da marca devem comunicar de
modo econômico o que ela é e o que ela não é.” (ibid. p. 302). Para nós, não é
mera coincidência o conceito de mantra de marca se assemelhar ao que Soares
entende por “verso gancho”. (SOARES, 2013). O verso gancho, que origina o
gancho visual é promovido na repetição, tal como um mantra. É, portanto, a partir
das bases teórico-analíticas elencadas por Soares para compreender o
videoclipe em toda a sua dimensão estética, a discussão acerca da indústria
cultural e a sua relação com o mercado na contemporaneidade e a conexão aos
conceitos do marketing, que podemos concluir que este produto cultural — o
videoclipe — serve como dispositivo para conceber e disseminar o
posicionamento do artista nas mídias. Esse posicionamento vai destacar o artista
enquanto marca e será fundamental para o diferenciar de outros artistas do
mesmo gênero — a concorrência —, visto que as relações no âmbito da cultura
estão cada vez mais inseridas na lógica do capital.

43
3 AUTORREPRESENTAÇÃO E MASCULINIDADE PRETA
PERIFÉRICA NA MÍDIA

“Eu sou tudo, eu sou vídeo, eu sou foto, eu sou frame.”


(DJONGA, 2018)

Ao escrever o prefácio à brasileira da nova edição de “Olhares Negros:


raça e representação” da escritora norte americana bell hooks (2019), Rosane
Borges, na tentativa de etiquetar os momentos históricos, arriscou dizer que o
presente século é marcado socialmente pelos conflitos na ordem do imaginário,
isto é, um embate de imagens e signos. Uma luta por representação e
visibilidade. De fato, nunca houve antes na história da humanidade uma disputa
tão grande no terreno da representação. Do mesmo modo, nunca houve também
uma enorme disseminação de imagens tão velozmente, a ponto de alcançar a
velocidade da luz9. Questionamos: se há uma disputa de imagens que brigam
por visibilidade, pressupõe-se que deva haver antes uma disputa no terreno
social. Que disputa é essa? Como ela surge? Quem são os atores? Que ringue
é esse? É verdade que as discussões em torno dos temas de representação e
visibilidade estão intimamente ligadas ao momento político das sociedades
contemporâneas. A velocidade com que as transformações sociais estão
passando parece ser a mesma com que as representações se tornam
defasadas. Afinal, o que é representação? Neste capítulo, pretendemos discutir
o entrelaçamento entre representação e mídia e como isso se desdobra para a
população negra, especificamente, o homem negro.
Em seu livro, hooks (2019) afirma que houveram poucas mudanças nos
domínios da representação na mídia hegemônica norte americana em relação
ao progresso dos afro-americanos nos campos da educação e emprego. No
Brasil, essa lógica também se aplica, pelo menos no âmbito das publicidades
televisivas. É o que aponta a pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva em São
Paulo10 cujos os números revelam que apenas 6% das pessoas negras se

9
A internet, hoje, é, na maior parte, transmitida através dos cabos de fibra óptica, que
funcionam com a transmissão de dados por meio da luz no interior de suas fibras.

10
Disponível em: <https://propmark.com.br/mercado/apenas-6-dos-negros-se-sentem-
representados-nas-campanhas-de-tv/> Acesso em: 01/04/21.
44
sentem representadas nos VT’s publicitários. Por outro lado, a mesma pesquisa
aponta que a população negra representou R$ 1,6 trilhão em consumo no ano
de 2017. Essa disparidade nos indica uma problemática social que vai muito
além de um preto estar ou não nos espaços publicitários, mas, sobretudo, deixa
transparecer o quão político é o controle da imagem no que diz respeito ao
domínio racial pela supremacia branca. Da mesma maneira, nos parece
igualmente problemático os 6% que se sentem representados, afinal, que
representações são essas, em que na sua grande maioria são oriundas das
lentes racializadas, não necessariamente da pessoa branca, mas pela ótica — e
lógica — dominante?
Para nós, tentar compreender as dinâmicas e os conflitos que regem a
atual sociedade — não apenas brasileira, mas qualquer sociedade
contemporânea — sem analisá-la pelo prisma do colonialismo nos parece mais
que um deslize intelectual: é, na verdade, uma desresponsabilização intencional
com o nítido objetivo da manutenção do status quo. “O colonialismo significa que
nós sempre devemos repensar tudo”, já dizia o cineasta senegalês Ousmane
Sembene (apud hooks, 2019, p. 33). Para hooks, existe uma conexão direta
entre a manutenção do patriarcado supremacista branco e a naturalização de
imagens específicas na mídia. Essas imagens antecedem o processo de
midiatização (SGORLA, 2019) que vivenciamos hoje. Imagens da negritude e de
pessoas negras que reforçam as noções de superioridade racial e imperialismo
político vêm de antes da escravidão, é atravessada por ela e se desdobra hoje
na mídia. Nas palavras de hooks, “os supremacistas brancos reconheceram que
controlar as imagens é central para a manutenção de qualquer sistema racial.”
(2019, p. 33).
“As maneiras pelas quais os negros, as experiências negras, foram
posicionados e sujeitados nos regimes dominantes de representação
surgiram como efeitos de um exercício crítico de poder cultural e
normalização. Não só, no sentido “orientalista” de Said, fomos construídos
por esses regimes, nas categorias de conhecimento do Ocidente, como
diferentes e outros. Eles tinham o poder de fazer com que nos víssemos, e
experimentássemos a nós mesmos, como “outros”. Todo regime de
representação é um regime de poder formado, como lembrou Foucault, pelo
binômio fatal “conhecer/poder”. Mas esse tipo de conhecimento não é
externo, é interno. Uma coisa é posicionar um sujeito ou um conjunto de
pessoas como o Outro de um discurso dominante. Coisa muito diferente é
sujeitá-los a esse “conhecimento”, não só como uma questão de dominação
e vontade imposta, mas pela força da compulsão íntima e a conformação
subjetiva à norma.” (HALL apud hooks, 2019, p. 34)

45
Dito isso, torna-se evidente o teor conflituoso no campo da representação
no que diz respeito à reivindicação do povo negro por novas representações na
mídia. A ausência da pessoa negra, ou pior, a sua imagem inferiorizada na mídia
é consequência de uma exclusão social gerada pelo preconceito racial fruto da
colonização que instaurou um sistema de escravização de povos africanos em
territórios americanos por mais de 3 séculos. Segundo Barreto, Ceccarelli &
Lobo, “os negros continuam vivendo as mesmas experiências desagregadoras
de uma autoimagem depreciativa, gerada por uma identidade racial negativa e
reforçada pela indústria cultural brasileira, a qual insiste no ideal de
branqueamento como referências identificatórias.” (2017, p. 3). Se para os
autores, a população negra “continua” experienciando uma autoimagem
depreciativa, quer dizer que já era assim antes mesmo de nos tornarmos uma
“sociedade da imagem” com sua ultravelocidade de disseminação de símbolos.
Barreto, Ceccarelli & Lobo (2017) vão dizer que o trabalho escravo
contribuiu expressivamente para a construção do “lugar” do negro. Silvio Almeida
(2019) vai dizer que o racismo (enquanto sua concepção estrutural e não
enquanto um ato cometido individualmente) constitui um complexo imaginário
social que é reforçado pelos meios de comunicação, pela indústria cultural e pelo
sistema educacional. A democracia racial — um mito conceitual criado por
Gilberto Freyre para relativizar a violência praticada pela supremacia branca —
e o pacto narcísico da branquitude — conceito cunhado por Cida Bento que
explica o acordo tácito entre os brancos de não se reconhecerem enquanto parte
privilegiada pela estrutura e reorganização do racismo — serão duas
ferramentas fundamentais para a manutenção deste “lugar” que ainda hoje a
grande mídia insiste em reproduzir. A atribuição forçada de um “lugar”, para além
de uma violência simbólica, é pilar constitutivo do estereótipo a partir do
momento em que o “outro”, violentado, incorpora e “aceita” este lugar, o
internalizando. São inúmeros os estudos acerca das mazelas psíquicas e “crises
identitárias” que só a população negra vivencia. A obra “Pele negra, máscaras
brancas” de Frantz Fanon é uma literatura clássica deste ramo.
Stuart Hall (2016) explica bem o fenômeno da estereotipação. Ele diz que
historicamente, a prática de reduzir a cultura do povo negro à natureza, ou ainda,
a prática de naturalizar a “diferença” do “outro” ficou a cargo das políticas

46
racializadas da representação. Hall explica a lógica por trás da naturalização:
“Se as diferenças entre negros e brancos são ‘culturais’, então elas podem ser
modificadas e alteradas. No entanto, se elas são ‘naturais’ — como acreditavam
os proprietários de escravos —, estão além da história, são fixas e permanentes.”
(HALL, 2016, p. 171). Para Hall, então, a naturalização é uma estratégia de
representação que tende a fixar a “diferença” e, portanto, deve-se permanecer
imutável. Nas palavras dele, “É uma tentativa de deter o inevitável ‘deslizar’ do
significado para assegurar o ‘fechamento’ discursivo ou ideológico.” (op. cit.).
Isso explica o porquê a mídia hegemônica repete as mesmas fórmulas, reproduz
as mesmas representações, ora escancarando a sua ideologia racista, ora
escondendo-a, nos revelando “novas embalagens pra [manutenção de] antigos
interesses”11, como diria o rapper Criolo.
Então, o que é representação? Esse conceito tão explorado e difundido
nos estudos da Comunicação é, na verdade, originário do campo da Psicologia
Social. No entanto, essa relação não se dá apenas como concessão do conceito
da Psicologia para a Comunicação. É consensual que não apenas ambas as
áreas a investiguem, mas também a Sociologia, a Antropologia e até a Filosofia.
A Comunicação, porém, se enquadra como componente cultural essencial na
sua concepção, afinal, a representação é uma manifestação própria de uma
cultura, como propõe Denise Jodelet. (2002 apud OLIVEIRA; MARTINS, 2014).
Serge Moscovici foi o precursor dos estudos da representação social em 1961,
afirmando que o indivíduo vive e se comporta a partir da sua interpretação do
mundo, isto é, uma realidade simbólica pela qual ele tem potencial de promover
mudanças. (OLIVEIRA; MARTINS, 2014). Porém, hoje, a definição consensual
é de Jodelet. Ela diz que “representações sociais são uma forma de
conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático,
e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto
social”. (op. cit., p. 3).
Oliveira & Martins (2014) trazem uma definição mais íntegra. Eles afirmam
que a representação é um fenômeno psicossocial formado a partir de um
processo cognitivo que atua juntamente com a cultura e a aprendizagem
histórico-social do sujeito. E mais: além de ser processo, a representação social

11
Trecho da canção “Esquiva da Esgrima” composta pelo rapper Criolo em 2014.
47
é, também, fruto desse fenômeno. Moscovici, por sua vez, diz que a
representação social é responsável por abstrair sentido do mundo (apud
OLIVEIRA; MARTINS, 2014), portanto, vai conferir significado de modo que o
sujeito possa reproduzir, isto é, representar. E, uma vez que estão atreladas a
um contexto sócio-cultural-histórico, são mutáveis, dinâmicas, estão em
constante movimento, como vimos em Hall. Para os autores, a representação
também deve ser entendida como formadora de pensamento, orientadora de
comportamentos e práticas, além, óbvio, de geradora de identidade. (op. cit.).
Aliás, a pauta identitária, para muitos, ainda permanece sob uma ótica
reducionista, como se identidade fosse pouca coisa. Borges, ainda no prefácio
de hooks (2019), afirma que há uma equivocada visão que paira nas discussões
universalistas vs. identitários. Os universalistas acreditam que os identitários
desviam o foco da luta fundamental (contra o capitalismo, as estruturas, etc.),
quando, na verdade, a estrutura é hierarquizada pelos fundamentos de raça,
gênero, orientação sexual e outros.
Como já vimos, a mídia tem um papel fundamental no que diz respeito à
representação, afinal, ela tem a capacidade de compartilhar ideias, ideologias,
valores, e, por isso mesmo, serve de suporte para conceber e espelhar
representações. Por mídia entendemos ser
“[...] todo o conjunto material e imaterial que compõe o universo da
comunicação social e a sua dinâmica como uma necessidade existencial das
sociedades modernas, e do qual as pessoas cada vez mais dependem para
gerir processos individuais ou coletivos.” (BARRETO; CECCARELLI; LOBO,
2017).

Mas se a representação é antes um fenômeno extremamente social que parte


de um processo cognitivo, o que a mídia tem a ver com isso? A verdade é que,
nos dias de hoje, é impossível dissociar o social da mídia. Fabiane Sgorla (2009)
discute os processos de midiatização e as suas consequências na sociedade.
As sociedades capitalistas, a partir da globalização, impulsionaram o
desenvolvimento dos processos de convergência entre a tecnologia da
informação e a comunicação. Para enxergar o resultado disto, é só voltar os
nossos olhos para a sociedade hoje: rede social, big data, internet das coisas,
inteligência artificial, etc.
Esse novo aparato tecnológico não só possibilitou, como ampliou a
relação e comunicação em diferentes áreas. A Internet, por sua vez, tem um
48
papel crucial neste “tecnosistema”. Sgorla afirma que “os atores sociais
individuais e coletivos [...] passaram a utilizar as tecnologias midiáticas como
mediadoras de suas práticas diárias e até das relações particulares, as quais
agora estão coligadas à lógica midiática.” (2009, p. 62). É assim que os
investigadores vão chamar esse fenômeno: processos de midiatização. Muniz
Sodré conceitua midiatização como
“[...] uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da
comunicação entendida como processo informacional, a reboque de
organizações empresariais e com ênfase num tipo particular de interação —
a que poderíamos chamar de ‘tecno-interação’ —, caracterizada por uma
espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível,
denominada medium.” (apud SGORLA, 2009, p. 62)

Entende-se, portanto, que a Internet é a “chave mestra” que vai “facilitar” as


mediações, abrindo portas e possibilidades para muito além da comunicação.
Ela é, sobretudo, o meio pelo qual vai se estruturar as práticas e relações sociais.
Nas palavras de Sgorla, os processos de midiatização “tanto podem afetar e
reconfigurar as práticas e relações sociais dos atores individuais e coletivos,
como repercutir nos fenômenos recorrentes no próprio campo protagonista da
midiatização — o campo das mídias — pelos meios de comunicação social mais
tradicionais.” (2009, p. 64).
Sodré foi cirúrgico quando, em 2002, constatou que havia uma tendência
à "virtualização" ou até “telerrealização” das relações humanas. (apud SGORLA,
2009). Hoje, não podemos afirmar que virtualizamos todas as nossas relações,
mas quase duas décadas depois do que foi dito, percebemos cada vez mais uma
convergência entre a mídia e a sociedade a ponto de desmanchar os limites
entre o real e o digital. Sgorla diz que os atores sociais, atravessados pelo
processo de midiatização, vão elaborar mecanismos estrategicamente para
ampliar e absorver as lógicas midiáticas em seus processos de produção (de
sentido, de linguagem, de arte, enfim). Ou seja: a midiatização abre espaço para
que outras vozes, ou melhor, a voz do “outro” reivindique um lugar. No âmbito
da grande mídia, a midiatização vai agir enquanto um terreno para se entender,
se apropriar e reproduzir. Do outro lado, os atores sociais, ao se apropriar desta
lógica, vão produzir “novas estratégias de sobrevivência no ‘espaço midiatizado',
com a finalidade de obter visibilidade e ganhar relevância no tecido social.”
(SGORLA, 2009, p. 66).

49
É notável que a mídia pode ser vista como um terreno de confronto
político, intervenção cultural e agregação social quando lançamos o nosso olhar
para as produções culturais que emergem no ambiente midiático no qual os
videoclipes também fazem parte. No que se refere às produções audiovisuais,
Daniela Zanetti (2008) contribui ao examinar o que ela vai chamar de “cinema da
periferia”: um circuito fílmico alimentado por festivais como “Visão Periférica” que
articula representações sociais e territórios periféricos como instrumento de luta
por reconhecimento. Aliás, as produções audiovisuais de baixo custo, muitas
vezes, vão reafirmar uma estética “periférica” como forma de pertencimento;
estética, essa, que frequentemente perdura ainda que se elevem as condições
de produção. No campo do hip hop, as batalhas de rimas ganham muito mais
visibilidade e repercussão quando filmadas e compartilhadas em redes sociais
como YouTube e Instagram. Sabotagem, um dos maiores rappers nacionais,
mencionou, ainda nos anos 2000, o que era o maior propagador do gênero no
país: o site rapnacional.com. Ao que nos parece, a midiatização também
comporta algumas contradições. Djonga, no início da ascensão da sua carreira,
diz que ainda que seus vídeos estejam “batendo” milhões de visualizações, ele
ainda “bate carteira” no centro.
Uma vez que estamos tratando da representação do “outro”, que está à
margem da sociedade; uma representação “periférica”, “marginal”, faz-se
necessário entender que periferia é esta. Zanetti (2008) aborda em seu texto o
que vai chamar de uma categoria midiática da periferia. Neste sentido, o conceito
de periferia se expande para além do geográfico e ganha uma dimensão
simbólica, o que implica determinados discursos, ideologias, cenários
imagéticos, etc. Para Zanetti, há um aspecto fundamental na compreensão da
periferia: a representação construída em torno dela e o modo pelo qual será
representada na grande mídia. Ela diz: “Se a periferia se tornou uma categoria
cultural, um gênero, um estereótipo, uma marca ou mesmo uma ‘grife’, isso em
muito se deve às representações que emergem dos processos de mediação
existentes na esfera pública e os discursos atrelados a essas representações
[...].” (ZANETTI, 2008, p. 4-5). Ou seja, a periferia ganha esse sentido
simbólico a partir de sua representação na mídia, originando assim um
imaginário (fixo?) que vai permear e reproduzir discursos na sociedade.

50
Não é de se estranhar que a grande maioria das produções audiovisuais
produzidas pelos atores não periféricos, mas que performam um cenário
(SOARES, 2013) periférico, retratam de modo estereotipado (quando não
racista) esses espaços e os indivíduos inseridos nele. A série televisiva “Sexo e
as Negas” (machista e racista, vale ressaltar) exibida na Globo e criada por
Miguel Falabella em 2014 é um caso nítido do que estamos falando. A série
recebeu uma enxurrada de críticas e centenas de denúncias. O simbólico da
periferia pode, inclusive, fazer com que os artistas do ramo musical “transitem”
entre diferentes espaços (periferia—centro) a partir da incorporação dos
elementos “ditos” periféricos. Anitta, ao lançar o clipe da música “Vai Malandra”
em 2017, absorveu elementos estéticos da negritude como as box braids12 e o
bronzeamento de fita para criar esse corpo (SOARES, 2013) periférico no
videoclipe. O filme Tropa de Elite (2007) dirigido por José Padilha, por outro lado,
carrega um discurso ideológico que naturaliza o extermínio da juventude negra,
apresentando uma trama policial de combate às drogas.
Em um cenário catastrófico no qual a população negra, quando não se vê
representada na mídia, se vê estereotipada, que surge a necessidade de criar
referenciais outros. Zanetti, a partir de Wilson Gomes, diz que é na esfera pública
onde vai ocorrer as medições, os debates e as disputas, entre elas, as de
representações. “A visibilidade pública através da mídia, portanto, tem sido cada
vez mais almejada por determinados setores da sociedade civil, como forma de
garantir que seus interesses possam fazer parte do debate público.” (ZANETTI,
2008, p. 7). A comunicação e a arte têm sido importantes ferramentas contra-
hegemônicas que atuam na/através da mídia neste sentido. (ALMEIDA, 2016).
Compreendemos, desta forma, que a atuação política também se faz presente
nesta tentativa de ocupar espaço na mídia. Talvez esta seja a principal forma de
se inserir em diferentes espaços midiáticos em busca de (criar) novas
representações. Nesta perspectiva, a autorrepresentação reivindica um direito
(digno?) à imagem, um espelho mais nítido, pelo qual permita os outros atores
se referenciar em sua integridade e complexidade.
É compreensível para nós quando Zanetti (2008, p. 8) afirma que “há um
discurso que busca tornar legítimo o fato de se viver na periferia, algo que

12
Técnica ancestral negra de trançar os cabelos.
51
geralmente é visto como um problema, às vezes como uma ‘tragédia’ urbana da
contemporaneidade.” Legitimar as vivências periféricas através de um discurso
inserido em um produto cultural é, para hooks (2019) “estar comprometidos em
realizar esforços de intervir criticamente no mundo das imagens e transformá-lo,
conferindo uma posição de destaque em nossos movimentos políticos de
libertação e autodefinição [...]”. (p. 36). Mas essa tentativa de se autorrepresentar
é mais complexa do que parece: há, ainda, as várias armadilhas de repetir os
mesmos paradigmas já muito bem estruturados pelo “outro” dominante.
Descolonizar o pensamento é crucial para transformar, de fato, as imagens, tanto
pelo olhar embranquecido e ainda mais pelo empretecido.
Nas palavras de Samia Mehrez,
“A descolonização […] continua a ser um ato de confrontação com um
sistema de pensamento hegemônico; é, consequentemente, um imenso
processo de liberação histórica e cultural. Como tal, a descolonização se
torna a contestação de todas as formas e estruturas dominantes, sejam elas
linguísticas, discursivas ou ideológicas. Ademais, a descolonização passou a
ser entendida como um ato de exorcismo tanto para o colonizado quanto para
o colonizador. Para os dois lados, deve ser um processo de libertação: da
dependência, no caso do colonizado, e, por parte dos colonizadores, das
percepções, instituições e representações imperialistas e racistas que,
infelizmente, permanecem conosco até hoje. […] A descolonização só pode
ser completa quando é compreendida como um processo complexo que
envolve ambos, o colonizador e o colonizado.” (apud hooks, 2019, p. 31).

A produção audiovisual (e nela está inserido o videoclipe) tem se mostrado um


interessante/possível/assertivo dispositivo para operar/recriar representações na
mídia, afinal, “uma obra audiovisual é, antes de tudo, fonte de representações.”
(ZANETTI, 2008, p. 9). O audiovisual ganha notoriedade neste papel não apenas
porque constitui uma encenação, mas porque “opera escolhas, organiza
elementos entre si, decupa no real e no imaginário, constrói um mundo possível
que mantém relações complexas com o mundo real: pode ser em parte seu
reflexo, mas também pode ser sua recusa” (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ apud
ZANETTI, 2008, p. 9). Deste modo, o artista musical, além de compor uma letra
e inserir um discurso nela, compõe também — juntamente com um diretor de
cena que ornamenta a sua composição (SOARES, 2013) — uma representação
cuja função é criar efeitos, provocar sentimentos, servir de espelho, tensionar
velhas representações, ou, no pior dos casos, reproduzi-las.
Em se tratando de analisar o corpo de um homem preto e periférico, vale
a pena nos questionarmos que masculinidade e essa, a quem ela serve e como
52
ela está posta. Partindo do pressuposto que as reflexões sobre masculinidades
(no geral, sem o fundamento da raça) não se atentam às mazelas provocadas
pelo racismo e o quanto elas delimitam a construção da masculinidade de um
homem preto, faz-se necessário pensar os conceitos de masculinidade e
negritude (isto é, masculinidade negra) sob um mesmo espectro, o que significa
colocar no mesmo debate gênero, racismo e sociedade contemporânea para se
pensar o homem negro hoje. Neste trabalho, no entanto, o objetivo de uni-los é
unicamente introdutório, sem pretensão nenhuma de aprofundamento nas
questões levantadas. Ou seja, pretendemos trazer alguns apontamentos,
reflexões e possibilidades de masculinidades negras a fim de compreender
melhor o nosso objeto. Acreditamos que o fundamento da raça dentro do tema
de masculinidades é essencial pois amplia a questão de gênero tirando do eixo
central a ideia de uma hegemonia igualmente distribuída entre todos os homens.
Nesta discussão, vamos nos apoiar principalmente nos escritos de Deivison
Nkosi (2014) e eventualmente, nos de bell hooks (2019), ambos, pensadora e
pensador, são referenciais em estudos de gênero e raça.
A discussão ao redor das masculinidades negras, assim de maneira
distintiva, com o fundamento da raça, nasce a partir do alerta que o movimento
de mulheres negras faz há tempos acerca de uma “invisibilidade” das
especificidades de suas questões diante das demandas “universais” dentro do
feminismo (branco). Por masculinidade, entendemos um conjunto de
comportamentos, atributos e alguns papéis específicos atrelados ao masculino.
Este conjunto apresenta “cobranças e expectativas de gênero que, se por um
lado possibilitam o exercício de poder sobre as mulheres [...], também alienam
os homens de sua própria humanidade, fechando-os para tudo que for
arbitrariamente eleito como próprio do universo feminino [...]”. (NKOSI, 2014, p.
77). Concordamos com o autor no que se refere à multiplicidade de
possibilidades de viver a masculinidade: embora haja uma norma dominante,
não há uma única masculinidade, tampouco uma única masculinidade negra.
Vamos nos atentar, portanto, a um padrão normativo que é estrutural na nossa
sociedade e, para além disso, problematizarmos outras masculinidades
possíveis. Mas, afinal, o que é masculinidade? Segundo Alan Ribeiro [s.d],
masculinidades são, antes de tudo, processos, e não um grupo de pessoas. São

53
lugares de privilégio que posicionam a maioria dos homens acima das mulheres.
No entanto, existe um
“regime de gênero no qual existem masculinidades hegemônicas
(onde ser branco, heterossexual, rico e ocidental são suas marcas mais
vísiveis) que estão sobrepostas a masculinidades marginalizadas ou
subordinadas (aquelas masculinidades identificáveis entre negros, gays,
pobres, não-brancos, transgêneros). (RIBEIRO, [s.d], p. 4, grifos do autor).

Na tentativa de facilitar a complexidade do tema, Nkosi (2014) se apoia


em uma metáfora criada por Edrigle Cleaver em seu livro intitulado Alma no
Exílio, para nos guiar para um entendimento “prático” e pseudohistórico de como
surgiu o homem negro. Nkosi através de Cleaver vai nos dizer que na sociedade
de classes, a divisão está, antes de tudo, na “alienação” (divisão) entre corpo e
mente. Os homens, encarregados da força bruta e controle, já separados das
mulheres, estão divididos em dois grupos: os que controlarão a sociedade e os
que executarão atividades braçais. (NKOSI, 2014). Logicamente, (nem na
metáfora, nem na vida real) essa divisão não se dá de maneira harmônica, mas
sim pela imposição violenta por parte da classe dominante, que detém o poder,
para com as demais. A partir daí, os administradores transferem as atividades
corpóreas para os criados, passando a valorizar suas próprias mentes e a
desprezar os saberes e atividades dos corpos. As mulheres da classe
dominante, por sua vez, devido a desvirilização de seus parceiros, invocam uma
ultrafeminilidade, que só é possível, assim como com os homens, porque
transferem também suas atividades braçais (ligadas à atividades domésticas,
visto que estamos falando de uma sociedade patriarcal) às mulheres das classes
subalternas. Neste processo, a feminilidade das mulheres “dominantes” é
inversamente proporcional à feminilidade das mulheres “subalternas”, ou seja,
enquanto as primeiras se tornam ultrafemininas, as segundas se tornam
subfemininas, ou emasculadas. (NKOSI, 2014). É possível concluir a partir dessa
metáfora que a divisão de trabalho gera uma cisão entre mente e corpo - razão
e emoção - no qual o primeiro é tido como “superior” ao segundo.
Para complexificar esse raciocínio, Cleaver (apud NKOSI) ao se inspirar
na dialética hegeliana do senhor e do escravo, vai dizer que o corpo do criado
“torna-se - justamente por ser supermasculino” - uma ameaça (real e simbólica)
constante ao administrador [...]”. (2014, p. 80). Nkosi, por sua vez, nos mostra, a
partir de Fanon, o que acontece quando racializamos essas relações:
54
“[...] na sociedade colonial, a superestrutura e a infraestrutura se confundem
de forma que o criado supermasculino tem cor e seu corpo é racializado. A
especificidade do racismo é que o negro não pode disfarçar ou esconder a
marca da sua diferenciação: ‘o negro é escravo da sua aparição’ e a presença
da sua corporeidade aciona, ao menor contato, todas as representações
positivas ou negativas relacionadas ao lugar do escravo na divisão escravista
do trabalho: o corpo.” (2014, p. 80)

Ao olharmos para a questão da masculinidade e, ao mesmo tempo, da raça,


percebemos (ainda que superficialmente nesta nossa introdução) que a
formação do que é ser um homem negro em contexto pós-colonial se dá
completamente diferente daquela masculinidade hegemônica.
Em “Nós”, Djonga (2021) diz: “Uma porção de dedo pra nós, ó / Medo pra
nós, ó, arma pra nós, ó / Até se tá com nós, tá apontada pra nós, ó / Cá entre
nós, ó / Como é que desata esses nós? / Mais um virou presunto pelo quebra
nós, ó”. Ao nos depararmos com a obra de Djonga, fica nítido — através das
letras nas quais narra as suas vivências enquanto um homem negro periférico
— que a sua subjetividade é construída a partir de um referencial de rejeição,
violência, conflitos e tantas outras mazelas que resultam do racismo. A
invisibilidade do homem negro, “preso” em sua condição de, antes de ser
homem, ser negro, é também uma dessas mazelas. Ela se inicia no momento
em que o negro descobre não ser um homem “de verdade”. Por apenas possuir
os requisitos mínimos, isto é, ter um pênis, corresponder às expectativas
patriarcais de masculinidade se torna algo cada vez mais inalcançável. Isso
acontece porque na sociedade colonial, a cisão entre brancos e negros vai
classificar o ser humano e sua potencialidade em os que possuem humanidade
e o que são alienados dela. Aos brancos, isto é, a expressão universal de
humanidade, serão atribuídos valores como razão, cultura, civilização, etc.; aos
negros, quando não invisibilizados, há uma redução ao seu corpo, à emoção, à
barbárie.
Para Nkosi, a fixação (redução) do negro ao seu corpo é um dos pilares
fundamentais do racismo, afinal, a racialização acontece também na crença da
relação entre a superioridade corporal e a inferioridade intelectual do negro. “Isso
significa, antes de qualquer coisa, que o elogio ao [...] pênis e/ou desempenho
sexual do negro, muitas vezes esconde justamente a impossibilidade de
reconhecer sua humanidade em outras instâncias da vida”. (2014, p. 85). Esse
marcador corporal atribuído ao negro é, sobretudo, muito violento e decisivo no
55
que se refere à construção de sua masculinidade. Se por um lado o falocentrismo
da nossa sociedade lhe permite gozar de um possível “enaltecimento”, do elogio
“descomunal” de seu pênis — uma verdadeira migalha que, por
desconhecimento de si e sua negritude, muito alimenta o seu ego —; por outro,
lhe é negado absolutamente tudo que vier do plano intelectual/racional.
Fiquemos atentos, pois, como diria o autor: “trata-se de uma valorização alienada
e inferiorizante, já que o branco, atolado em seu narcisimo, projeta no negro a
outridade de suas próprias castrações e racalques.” (NKOSI, 2014, p. 85 - 86,
grifo do autor). Evidentemente, o negro na sua busca de corresponder a um ideal
(?) de masculinidade, terá como instrumento não a sua existência, a sua
subjetividade e toda a contribuição e potência que teria para oferecer ao mundo
enquanto homem, mas sim o seu corpo, que certamente representará uma
ameaça, seja real ou simbólica, ao homem branco.
Neste momento, a representação se torna um instrumento fundamental
no processo do homem negro de construir sua masculinidade. É o referencial
(midiático) que servirá como ponto de partida para sua identificação pela qual,
muito provavelmente, se dará através do corpo. E como sabemos, os
estereótipos ganham ainda mais força e tornam-se ainda mais “copiáveis”
quando midiatizados. Ser um “negro de verdade”, desses que vemos nos filmes,
séries, novelas, videoclipes, etc., passa pela premissa de que ele possui dotes
sexuais extraordinários, habilidades esportivas “sobre-humanas”, talento nato
para a dança e outras atividades quase que inevitavelmente corpóreas. Do
contrário, caso haja alguma deficiência e o negro não corresponda com as
expectativas criadas em cima dele, a masculinidade deste homem estará fadada
ao fracasso.
“O negro que não conseguir exibir algum dos atributos desta hipervirilidade
super-masculina estará traindo/frustrando sua raça e sua masculinidade. Se
este homem é gay, [...] ou simplesmente não corresponde ao estereótipo
supermasculino do negrão, este indivíduo será pior que o nada. Esta
dimensão é extremamente violenta à medida que os estereótipos são mitos
fechados e racialmente atribuídos e, como tal, não correspondem à
diversidade da vida. [...] O sentimento de inferioridade aqui não pode ser
compensado pelos fetiches socialmente disponíveis e restará apenas um
insuperável sentimento de desajuste. Continuará sendo invisível, ou
inferiorizado aos olhos do racismo, mas condenado a ser um desvio entre os
desviados.” (NKOSI, 2014, p. 91-92, grifo do autor)

56
O #TheGangstaProject, projeto de pesquisa de Daniel dos Santos (2017),
retrata cirurgicamente o processo de construção da imagem e representação dos
homens negros norte-americanos a partir de uma análise dos videoclipes dos
rappers Jay-Z e 50 Cent. Segundo o autor, essas duas personalidades
desempenharam um papel significativo nos processos de identificação e
subjetivação de milhares de meninos e homens negros, mas não só isso, eles
também propuseram alternativas de representação de masculinidades negras
na e pela cultura do Hip Hop tal como uma “fórmula calculada repetidamente,
resultando em um produto que compreende processos de masculinização e
construção da autenticidade ilusória dos signos da raça e do gênero, instituídos
e conjugados historicamente.” (DOS SANTOS, 2017, p. 16). De fato, há uma
espacialidade geográfica-histórica-cultural gigantesca que separa os Estados
Unidos do Brasil, mas ao se tratar dos processos de sociabilização dos povos
pretos em diáspora, fica nítido para nós a verossimilhança desses constructos.
Portanto, concordamos com Dos Santos (2017) na ideia de que o discurso
iconográfico foi e é, hoje, um dos principais instrumentos de dominação dos
homens negros. E assim cabe a nós questionarmos a quem serve essa “fórmula”
de masculinizar os homens negros e quais as suas consequências para esses
sujeitos e para a sociedade como um todo.
Para Fanon (apud NKOSI), o racismo, em sua totalidade e complexidade,
não se resume simplesmente a uma suposta hierarquia entre brancos e negros,
mas, como já explicitamos, “na fixação de atributos biológicos dos indivíduos.”
(2014, p. 82). O ser humano, em sua subjetividade e complexidade, na
sociedade colonial passa a ser racializado, dividindo-se entre negros e brancos.
Contudo, o branco, na alienação de sua raça, configura-se como a expressão da
humanidade; e aqueles que não são europeus não podem almejar esse status
de universalidade, a eles restarão apenas ser os outros (NKOSI, 2014). É com
esse raciocínio que o autor pontua mais um aspecto da qualidade de ser um
homem negro: a invisibilidade. Essa particularidade de ser invisível surge
justamente quando se pensa no ser humano universal. Os outros são as
especificidades, as exceções, são todos aqueles que habitam as margens; é
possível falarmos de cultura negra, indígena, cigana, chinesa, etc., mas nos soa
completamente estranho falarmos de uma cultura branca. O negro, portanto, é

57
invisibilizado ao pensarmos a categoria de humanidade. “Quando não é
invisibilizado, o negro é apresentado como contraponto antiético do humano. A
sua aparição, quando autorizada, é reduzida a uma dimensão corpórea, emotiva
ou ameaçadora” [...] (NKOSI, 2014, p. 83, grifos nossos).
Esse estado de conservação do homem preto em suas dimensões
corpóreas, emotivas e/ou ameaçadoras é essencial na manutenção do racismo
e, consequentemente, na construção de uma masculinidade que será pautada
numa privação de sentido existencial. Corroboramos com Nkosi (2014) em sua
fala que trata de um dos tópicos mais importantes da racialização: a convicção
de uma “superioridade” corporal do negro e, como efeito, sua “inferioridade”
intelectual e, do outro lado, a “superioridade” intelectual do branco assim como
sua “inferioridade corporal”. Para nós, este raciocínio explicita a dificuldade
existente em reconhecer a humanidade do homem preto em outras esferas de
sua existência, o que configura a sua invisibilidade. Não sabemos mensurar em
quais das ordens, física ou simbólica, a violência é mais presente na vida de um
homem preto. É certo que, para além da violência institucional, responsável por
superlotar os presídios, exterminar a população a preta, impedir o seu acesso à
educação, dar-lhe condições precárias de trabalho e tantas outras mazelas
sociais, a violência simbólica vai atravessar, senão toda, uma grande parte da
vivência do homem preto. Nesse processo de masculinização, por exemplo, os
efeitos da crença de sua superioridade corporal — que muitas vezes será
direcionada ao seu pênis, visto que vivemos em uma sociedade falocêntrica —
vão chegar no nível mais profundo de sua psique a ponto de acreditar estar
finalmente acessando o “mundinho do macho” branco através do “poderzinho”
que o seu pênis lhe proporciona, como diria Heleieth Saffioti (apud NKOSI, 2014,
p. 77). Mas não só isso: esse processo vai marcar profundamente a maneira pelo
qual esse homem vai se relacionar afetiva e sexualmente.
Da perspectiva do homem negro, Edrigle Cleaver (apud NKOSI, 2014)
aponta dois principais problemas quando tensionamos sexo e raça para lançar
o nosso olhar sobre as relações raciais: 1) marcado pelo racismo, o homem
negro não consegue corresponder às expectativas patriarcais de masculinidade
perante uma mulher negra; 2) o preto não consegue identificar na mulher preta
o seu “outro ideal” (p. 87, grifo do autor). No Brasil, essa problemática se

58
complexifica ainda mais com o mito da democracia racial do século XX. A tese
difundida pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre defendia a
miscigenação, isto é, as relações interraciais, partindo da ideia uma “harmonia
entre as raças”, ou seja, uma “relação cordial” entre as senhoras e senhores e
as escravizadas e escravizados no Brasil Colonial. No entanto, hoje, sabemos o
quanto ele estava precipitado em suas ideias. E como podemos ver em Nkosi
(2014), a realidade é que, atravessada pelo racismo, a mulher negra tem sua
feminilidade saqueada pela mulher branca, restando-lhe a dureza do trabalho
braçal. A consequência disso é a brutalização dessa mulher, o que a tornará
desatraente aos olhos do homem negro. Na outra ponta, a mulher branca
(símbolo de delicadeza, sensibilidade e inocência) “não será apenas o reflexo de
um padrão estético de beleza embranquecido e ocidentalizado, mas antes de
qualquer coisa representa o acesso VIP ao mundo dos homens [...] (NKOSI,
2014, p. 88, grifos do autor). E como nos demonstra Djonga (2020) em sua
canção “Hoje não”, a mulher branca, muitas vezes partindo de uma ótica
hiperssexualizante, não deixará de lado a busca por satisfazer os seus desejos
quase nunca nomeados: “[...] Sua filha é danada, ela gosta de meter e dançar /
De segunda a quinta, na zona sul ela é santa / Mas senta pros cria no baile toda
semana.”
Até então, discutimos o homem negro enquanto 1) um ser invisível (ou
invisibilizado), uma vez que ele não é enxergado pelo “outro” branco; 2) um
animal, aprisionado em seu corpo, ou seja, desprovido de intelectualidade; 3) um
“não-homem”, ou, um não homem de verdade, já que as barreiras racias o
impedem de atingir o ideal masculino branco. Corroboramos com Nkosi (2014)
que, apesar desse quadro anterior ser configurado em estereótipos e várias
generalizações, não sendo capaz, inclusive, de abarcar as diversas
possibilidades de se agenciar um homem negro, é valido questionar-mos até que
ponto ele (o quadro) não aponta alguns elementos interessantes para se pensar
as masculinidades negras. Ao se debruçar sobre este tema, percebemos, assim
como diversos outros autores, que o lugar da violência, infelizmente, ainda é uma
real possibilidade de agenciamento de uma masculinidade preta, sobretudo na
juventude, como relata muito bem Ralph Ellison (1999):
“Sentindo assim (invisível), você passa, por puro ressentimento, a devolver
os empurrões que recebe. E — permitam-me confessar — é que quase

59
sempre assim você se sente. Você se aflige com a necessidade de se
convencer que existe mesmo, num mundo real, de que faz parte de todo esse
ruído, essa angústia, e acaba revidando aos murros, aos palavrões, jurando
que fará com que eles reconheçam você. Mas isso nunca dá certo.” (apud
NKOSI, 2014, p. 93)

Nkosi (2014) vai nos mostrar a partir de Clóvis Moura (1994) que existe
uma relação muito íntima entre racismo e sociabilidade violenta ainda no período
escravagista, afinal, naquela época, o controle social do escravizado passava
necessariamente pelo controle do corpo físico, mas não somente, “tendo na
repressão dramática da linguagem um elemento central que resultava em um
estado psíquico de permanente tensão e conflito.” (p. 95) Para Moura, o escravo
“não poderia exprimir um pensamento crítico em relação à realidade
existente. Muitas vezes, mesmo pensando que poderia dizer, faltava-lhe a
coragem para transformar essa vontade em ato e soltar a frase que
expressava aquilo que pensava com medo que o senhor ouvisse. Poderia ser
considerada uma agressão à disciplina. Por isso o escravo muitas vezes
achava mais fácil uma agressão física, uma violência corporal a uma ofensa
verbal, a um xingamento, um “filho da puta”, um “vá a merda”, um “corno”, um
“estou de saco cheio”, ou mesmo uma simples frase de descontentamento
contra ordem recebida, o que seria catártico porém de consequências
imprevisíveis.” (1994 apud NKOSI, 2014, p. 95)

Como visto, a interdição da linguagem é uma violência tamanha que não


poderíamos mensurar os danos causados na psique dos escravizados. Esse
retrato, portanto, nos indica uma linhagem histórica de socialização violenta
particularmente a partir da linguagem corporal: “poderá ter sido a causa de muita
violência dos escravos sem “razões aparentes”. [...] Estes atos eram a conclusão
de um longo período de mutilação interior do seu pensamento, que protestava,
mesmo intuitivamente, contra a situação na qual se encontrava.” (ibid. grifo
nosso). Reafirmamos o que diz Nkosi: em um contexto de uma masculinidade
fragilizada, isto é, invisibilizada ou inferiorizada, a violência pode ser uma forma
de se fazer ouvir.
Não é à toa que percebemos uma presença de um certo ódio nas letras e
videoclipes de artistas da cena do Rap. Esse mesmo ódio e violência
característicos desse gênero musical, e que pode ser considerado como um
elemento constitutivo da linguagem de um videoclipe (SOARES 2013), nos
parece ter as suas bases em um passado violento e que reverbera até hoje. A
agressividade como resposta a uma violentação é tema de diversos
pesquisadores das ciências sociais e especificamente também de análises do

60
Rap. No entanto, a nossa proposta neste capítulo pretende se resumir apenas
às possibilidades de masculinização e como isso afeta o homem negro neste
processo, sem pretensões de aprofundar neste debate que há muito tem sido
feito na acadêmia e também nos espaços não-acadêmicos. Para nós, fica cada
vez mais nítida a relação entre virilidade e violência ao se pensar o homem preto.
Tudo indica que as exigências de se performar uma hipervirilidade parte, além
de tentar cumprir com as expectativas (brancas) de uma sociedade (branca)
patriarcal, também de uma necessidade de reforçar uma autodefesa, uma
resposta a uma violência real e simbólica, quase como uma vontade inerente de
apreciar o gosto da vingança por séculos de exploração, humilhação,
estigmatização, etc. A nós — nem a ninguém — cabe julgar aqueles que
escolhem a essa alternativa de agenciar a sua masculinidade, entendendo
muitas vezes que não se trata de uma escolha; mas sim da única possibilidade
concreta de se fazer presente em um país onde a todo tempo e a qualquer custo
objetiva eliminar as suas existências.
Como nos aponta Nkosi a partir de Wladimir Rosa (2006):
“o racismo cria no homem negro um sentimento de emasculação que só seria
superado (ou pelo menos amenizado) pelo enfrentamento violento à
sociedade hostil. Este enfrentamento é violento não apenas porque se deseja
a violência como compensação vingativa, mas porque não se visualiza outra
forma de agenciamento. Neste contexto, forja-se uma agência que tem na
virilidade a sua maior expressão: elas nos permitem compreender que tomar
a virilidade como fator explicativo da masculinidade negra implica considerar
o efeito causado pelo sistema de supremacia branca patriarcal capitalista. A
virilidade do homem negro não pode ser tida, nesse caso, como um valor
masculino em si, mas sim como um efeito reativo a uma condição de
subalternização racial inerente a sociedade ex-escravistas, nas quais o
modelo hegemônico que deve ser alcançado é o do patriarcado, poder viril
exercido plenamente pelo homem branco.” (NKOSI, 2014, p. 97)

Obviamente, o Rap não irá fugir a essa dinâmica: “e, reativo a esse desafio, vê
no exercício da virilidade e sua ostentação o caminho para desafiar o homem
branco, seu interlocutor e oponente.” (ibid. p. 97). Ainda segundo Rosa (2006
apud NKOSI, 2014), essa “reação” toda traz com ela uma problemática que vai
permear as relações de gênero: a afirmação dessa masculinidade ultraviril acaba
por engendrar os componentes patriarcais sobre as mulheres, sobretudo as
negras como também outros homens negros, operando a manutenção das
hierarquias e relações de poder. Fanon confirma esse fenômeno ao apontar que
os homens colonizados, em resposta a não permissão de extravasar suas

61
tensões contra “seus superiores”, voltam-se a seus iguais de modo violento
(apud NKOSI, 2014).
No entanto, como vimos anteriormente, essas não são as únicas saídas
para se construir uma masculinidade negra. bell hooks (2019) no seu livro
Olhares negros: raça e representação, uma coletânea de ensaios críticos nos
quais analisa e discute algumas narrativas midiáticas pela perspectiva da
negritude, traz exatamente esse debate de possibilidades de se (re)construir as
masculinidades negras para além daquelas identidades enraizadas no ideal
patriarcal branco. Em várias produções literárias e cinematográficas norte-
americanas, ela descobre (e se espanta com) um retrato de uma masculinidade
negra no qual “constrói os homens perpetuamente como ‘fracassados’, que são
‘fodidos’ psicologicamente, perigosos, violentos, maníacos sexuais [...]” (hooks,
2019, p. 174). Para a pensadora, ainda nos falta um olhar crítico para desafiar
sistematicamente essas representações, ao invés de agir em colaboração com
o status quo, absorvendo essas imagens e perpetuando estereótipos e mitos.
É interessante como hooks complexifica os papéis de gênero e traz um
aparato histórico para o debate. Pensar como o homem negro via a si mesmo
antes de chegar ao “novo mundo” é, certamente, tentar buscar um outro
referencial, pré-colonial desta vez, de possibilidades de agenciamentos do que
é “ser homem”, não do ponto de vista essencialista, mas sim de um horizonte
possível que desvia daquele ideal patriarcal tal qual a gente conhece, afinal, a
partir do contato com os homens brancos, os homens africanos que chegavam
nas Américas tiveram as noções hombridade dos colonizadores impostas sobre
eles. Para hooks (2019), uma das consequências desse fenômeno é percebida
séculos depois, quando os homens negros norte-americanos estavam
comprometidos com o “aprimoramento da raça” como meio de enfraquecer o
racismo. (Essa ideia de aprimoramento da raça surge lá, nos Estados Unidos do
século XIX, como uma “estratégia” de se aperfeiçoar para se igualar aos brancos
em termos de cultura e educação.) A partir daí, podemos perceber como essa
noção de “hombridade” terá como referencial o homem branco, que será usado
como parâmetro para se alcançar determinado “progresso” de ser homem. Ao
analisar algumas narrativas documentais de escravizados, hooks conclui que “A
imagem da masculinidade negra que emerge das narrativas de escravidão é a

62
de um homem trabalhador que queria assumir completamente a
responsabilidade patriarcal com a sua família e seus descendentes.” (2019, p.
176).
Por outro lado, ainda segundo hooks, as representações do século XIX
tinham a imagem do homem negro como vagabundo e preguiçoso, estereótipos
estes que foram fundamentais para apagar da consciência geral a importância
do trabalho para o homem negro. E como busca de um outro referencial, hooks
(2019) problematiza como o conceito de “ócio” muda de acordo com
determinadas culturas. “Para os africanos e indígenas, o ócio era um espaço
para sonhar acordado, para a contemplação. Quando a escravidão acabou,
homens negros puderam mais uma vez experimentar essa noção de espaço.”
(ibid. p. 177). A noção de trabalho para os povos negros norte-americanos do
século XIX já continha algumas tensões de gênero. A grande maioria desses
homens não defendia direitos iguais para as mulheres; eles queriam, na verdade,
ser reconhecidos como patriarcas, mas não podiam caso as mulheres não se
conformassem com as “regras” machistas deste jogo. No entanto, elas mesmas
tinham posições contraditórias sobre esses papéis: não queriam ser
“dominadas”, mas queriam que os homens fossem provedores e protetores
(hooks, 2019). O fato é que, embora houvesse uma regra geral no qual o homem
deveria ser o trabalhador e provedor, havia também os homens que estavam
satisfeitos em criar papéis alternativos como cuidar da casa e das crianças,
enquanto a mulher trabalhava. Concordamos com hooks (2019) quando ela diz
que eles “podiam muito bem estar aliviados de não ter que se submeter à
exploração econômica” (ibid. p 181).
Acontece que o capitalismo em sua forma mais avançada foi essencial na
articulação de novas configurações de gênero como um todo, mas nos
atentemos ao papel do homem negro norte-americano. Como hooks mesma
atesta a partir de um ensaio, é no século XX que a imagem do patriarca se
solidifica. “Mais homens do que antes trabalhavam para alguém. O tempo do
homem não era dele; pertencia ao seu empregador, e os termos em que
comandava a família mudaram.” (hooks, 2019, p. 182). Paul Hoch nos explica:
“O conceito de masculinidade é dependente, em suas raízes mais profundas,
dos conceitos de repressão sexual e propriedade privada. Ironicamente, é a
repressão sexual e a escassez econômica que dão à masculinidade maior
significância como um símbolo de status econômico e de oportunidade
63
sexual. O encolhimento do conceito de homem a várias éticas de trabalho e
consumo também vai de mãos dadas com uma crescente divisão do trabalho,
e uma crescente restrição dos potenciais erógenos do corpo, culminando em
uma sexualidade limitada ao genital. Conforme nos movemos de sociedade
simples, coletoras de comida, para a sociedade agrícola e, então, para uma
sociedade baseada no trabalho urbano e na guerra, percebemos que é cada
vez mais estreita a gama de atividades que confere status ao homem. (HOCH
apud hooks, 2019, p. 182 e 183).

Para nós, é, no mínimo, curioso perceber como o capitalismo (a lógica do


lucro) está intimamente associado ao racismo até nas minuciosidades de
concepção de uma masculinidade. Não é apenas o falocentrismo selvagem
criado pelo capitalismo que vai definir um homem preto enquanto homem (hooks,
2019), uma vez que, nas definições dos tempos modernos, homem é todo aquele
que possui um pênis; mas é também o racismo que animaliza, fixa e reduz o
homem preto ao seu corpo, atribuindo-lhe uma pseudo superioridade corporal
(NKOSI, 2014). A ampliação do conceito de homem, que antes se resumia
àquele que é provedor, para aquele que possui um pênis, é uma cumplicidade
patriarcal para dar acesso à dominação física e posse sexual das mulheres
inclusive aos homens desempregados que outrora eram vagabundos. Trazendo
essas reflexões para o contexto do nosso trabalho, algumas questões vêm à
tona: até onde não existe uma lógica de mercado interessada nas reproduções
estereotipadas do que é ser um homem negro a partir das performances e
narrativas em videoclipes do gênero de Rap? Em um mercado tão lucrativo como
esse, existem espaços para artistas que fogem dessa lógica alcançarem o
mesmo patamar de visibilidade e lucro que Djonga, por exemplo? Qual é a
relação entre o lucro e representação e como (e se) ela pode conceber outros
horizontes possíveis para uma masculinidade negra?
bell hooks responde algumas das nossas perguntas de maneira razoável.
É certo que existe uma comodificação da negritude, isto é, tornar a negritude
uma “mercadoria”, mas para hooks, esse processo “torna vendável a
masculinidade negra falocêntrica” como também “transforma o domínio da
política cultural num espaço de propaganda onde as pessoas negras são
recompensadas materialmente por pensar de forma reacionária sobre gênero”
(2019, p. 206). Corroboramos com hooks no pensamento em que devemos, no
mínimo, "suspeitar da maneira como se manifesta a fascinação da cultura branca
pelas manifestações da masculinidade negra [...]” (ibid. p. 206). De certa forma,

64
poderíamos dizer que essas representações emasculadas de homens negros na
mídia, neste caso, de rappers nos seus videoclipes, retroalimentam as ideias de
virilidade, violência e hiperssexualização associadas a esses homens
fomentando, assim, a aceitação e apoio por parte da sociedade civil aos ataques
genocidas aos homens negros (hooks, 2019). Portanto, podemos concluir
através de bell hooks que existe uma lógica conservadora que nega — ou não
dá acesso — às pautas do machismo e racismo, ou seja, gênero e raça no
mesmo debate. Está nítido que o falocentrismo se enraizou de forma tão violenta
nos homens negros que ele (o falocentrismo) não poderia gerar outra coisa
senão mais violência. “Muitos dos hábitos destrutivos dos homens negros são
adotados em nome da ‘virilidade’. Afirmando sua capacidade de serem ‘durões’,
de serem ‘descolados’, os homens negros põem suas vidas — e as dos outros
— em sério risco.” (hooks, 2019, p. 209). Como fugir a esta lógica e vislumbrar
outros horizontes possíveis?

65
4 POR UMA METODOLOGIA HOOKS-SOARES-KELLNIANA

Com o propósito de debatermos como os produtos da cultura midiática


pode – ou não – reproduzir estereótipos, sejam eles de gênero, sexualidade,
raça e outros, utilizaremos como metodologia de análise do nosso objeto a
combinação de dois conceitos que, embora designados por autores distintos, ao
nosso julgamento, tornam-se essenciais e complementares. O primeiro
interpreta o texto cultural a partir de uma posição “neutralizada” de quem o
analisa, buscando compreendê-lo através de uma organização lógica, profunda
no seu sentido mais macro da palavra, e, portanto, metódica, com diretrizes
muito bem estruturadas. O segundo, por sua vez, tem como alicerce, uma
demarcação para além da territorial; ela é, acima de tudo, identitária. Isto é, o
conceito analisa o texto cultural partindo integralmente do local de quem observa,
demarcando uma identidade da qual será fundamental para se extrair uma leitura
crítica do objeto.
Logo, o nosso propósito com essa fusão de conceitos é nos apropriar de
uma metodologia única, que une o objetivo com o subjetivo, o metodológico com
o ensaístico, o imparcial com o parcial, e assim, obtermos uma compreensão
que ilustra a complexidade de tais produtos. Para tal fim, vamos iniciar a
discussão apresentando o conceito de crítica diagnóstica, proposto pelo
americano Douglas Kellner (2001) em seu livro “A Cultura da mídia – Estudos
culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno”. Em seguida,
exporemos o conceito de olhar opositor, debatido pela também americana bell
hooks (2019), em seu livro que reúne uma coletânea de ensaios intitulado
“Olhares Negros: Raça e Representação”.
Uma vez que entendemos a conceituação de “produtos culturais” ou
“produtos da cultura da mídia” como todo e qualquer texto produzido em uma
determinada época que demarca o tempo historiográfico, a geografia e,
principalmente, a cultura de uma sociedade, podemos adentrar na teoria crítica
de Kellner (2001). Para ele, os produtos da mídia nunca foram mero
entretenimento inocente; pelo contrário, são produtos de cunho estritamente
ideológicos, isto é, ainda que não sejam literais, todos os textos agregam
estratégias de narrativas se apropriando da construção de imagens para gerar

66
um efeito ou significado político, posicionando-os nos debates de sua
contemporaneidade. Portanto, é preciso aprendermos a interpretar tais produtos
a fim de entendermos suas mensagens, seus significados e quais retóricas estão
sendo produzidas a partir destes.
A crítica diagnóstica, empregada aqui para interpretar politicamente a
cultura de mídia e seus produtos, se utiliza da intersecção de sexo, sexualidade,
etnia e classe como objetos que a compõe e a embasam. O resultado disso pode
ser visto através das formas das imagens, códigos genéricos, como a imagem é
apresentada, mecanismos técnicos de tv, música, bem como ideologias e
posições teóricas. Além disso, essa mesma perspectiva crítica exige que se
interprete a cultura e a sociedade em termos de relações de poder, dominação
e resistência. Isso significa que os valores de resistência, participação,
democracia e liberdade serão adotados como normas positivas para criticar as
formas de opressão (KELNNER, 2001). “As perspectivas críticas em relação à
cultura e à sociedade por muito tempo atacaram a dominação e a opressão ao
mesmo tempo que valorizavam positivamente a resistência e a luta...”
(KELLNER, 2001, p. 124). Baseado nisso, pretendemos relacionar essas teorias
à prática, a fim de desenvolver uma perspectiva contra-hegemônica ao
conservadorismo, ou seja, uma contestação que defende rumos progressistas à
cultura e, portanto, à sociedade.
Para nos atermos ao que o autor chama de perspectiva crítica,
precisamos debater e nos atentar aos sistemas de dominação existentes na
nossa sociedade. Isso requer mais que uma leitura inteligente do nosso objeto;
é necessário interpretá-lo entendendo como ele se relaciona com os discursos
políticos da sociedade e articular uma crítica às estruturas, às práticas de
dominação e a qualquer esfera hegemônica, impulsionando forças e modelos de
resistências (KELNNER, 2001). Sendo assim, o autor acredita que um estudo
cultural com uma perspectiva crítica – que objetiva construir um ataque à
opressão e a emancipação dos oprimidos – é essencialmente uma perspectiva
multicultural.

“Uma perspectiva multicultural crítica encara seriamente a conjunção de


classe, raça, etnia, sexo, orientação sexual e outros determinantes da
identidade como importantes componentes culturais que devem ser
cuidadosamente examinados e analisados a fim de detectar tendências
67
sexistas, racistas, classistas, homofóbicas e outras capazes de fomentar
dominação e opressão. O multiculturalismo reconhece que há muitos
componentes culturais da identidade, e o estudo cultural crítico indica o modo
como a cultura fornece material e recursos para a construção de identidades
e como as produções culturais são acatadas e usadas no processo de
formação de identidades individuais no dia a dia.” (KELLNER, 2001, p. 126
a 127, grifo nosso).

Até então, vimos que a crítica diagnóstica se apodera de uma perspectiva


crítica para tentar compreender os jogos e os discursos políticos inscritos nos
produtos culturais. Para isso, essa mesma perspectiva precisa necessariamente
ser multicultural, ou seja, precisa analisar a intersecção entre classe, raça,
gênero, etnia, orientação sexual e outros componentes que constroem a
identidade, o que desemboca no que o autor entende por multiculturalismo
crítico. Dando continuidade à explanação de toda a complexidade do conceito
de crítica diagnóstica, vamos adentrar ao que Kellner concebe como estudo
cultural multiperspectívico. Ele diz:
“Em termos simples, um estudo cultural multiperspectívico utiliza uma ampla
gama de estratégias textuais e críticas para interpretar, criticar e desconstruir
as produções culturais em exame. O conceito inspira-se no perspectivismo
de Nietzsche, segundo o qual toda interpretação é necessariamente mediada
pela perspectiva de quem a faz, trazendo portanto, em seu bojo,
inevitavelmente, pressupostos, valores, preconceitos e limitações.
(KELLNER, 2001, p. 129).

A crítica diagnóstica, portanto, é nutrida também pelas diferentes perspectivas


de interpretação de um determinado texto para que a leitura seja ainda mais
completa, robusta e, consequentemente, mais precisa, isto é, tenta-se, com essa
estratégia, evitar cair numa parcialidade ou unilateralidade que poderia
comprometer, ou pelo menos, diminuir um enorme nível de detalhamento que o
multiperspectivismo propõe.
“A combinação das perspectivas críticas marxista, feminista,
estruturalista, pós-estruturalistas, psicanalítica e outras possibilitará uma leitura
mais completa e potencialmente mais sólida.” (KELLNER, 2001, p. 130). Em
outras palavras, segundo o autor, é necessário que nós tenhamos conhecimento
de um amplo espectro de teorias (aqui chamadas de perspectivas) para que
pudéssemos nos debruçar sobre o nosso objeto a fim de criticá-lo de maneira
mais certeira. Ora, é bem verdade que uma determinada perspectiva vai nos
permitir enxergar as minúcias de acordo com a abordagem que ela propõe,
todavia, por outro lado, essa mesma perspectiva vai ignorar uma gama de
68
percepções; não por descuido ou má fé, mas sim pela incapacidade de qualquer
teoria dar conta da complexidade de um fenômeno. Neste sentido, a crítica
diagnóstica segue uma lógica de quanto mais perspectivas usarmos para tecer
a nossa análise, melhor poderemos entender todo o espectro de dimensões
ideológicas de um produto cultural (op. cit.).
Contudo, ao nosso ver, é muito possível se extrair uma análise rica em
detalhes ainda que seja utilizado apenas uma perspectiva, se esse for o objetivo
do analista. O próprio Kellner reconhece isso: “Obviamente, uma única leitura
[...] pode render conclusões mais brilhantes no estudo de alguns fenômenos do
que a combinação de várias leituras perspectívicas; ‘mais’ não é
necessariamente 'melhor.'' (2001, p. 130). Além do mais, a abordagem
multiperspectívica deve ser necessariamente adequada ao seu contexto
histórico. Portanto, não faz sentido “olhar com os olhos do hoje” para criticar um
texto de décadas atrás. É sensato presumirmos que o resultado obtido através
deste tipo de análise vai apontar para um absurdo, afinal, um texto é constituído
por suas relações internas e também pelas relações que mantêm com sua
dimensão social e histórica (KELLNER, 2001).
O que não podemos de maneira alguma esquecer é o que Kellner diz a
respeito do estudo cultural crítico e suas pretensões: identificar, elucidar e
tensionar como as forças de dominação encontram na cultura midiática, um
caminho para se expressar, bem como as forças de resistências e as vozes
oprimidas pelo sistema social vigente também encontram nesta mesma mídia,
uma oportunidade de se lançarem e de se fazerem ouvidas. Isso significa que,
neste trabalho, pretendemos investigar as formas em que são construídas as
imagens e o discurso nelas inscrito, tentando detectar como esses textos
culturais produzem identidades, valores e quais as suas representações e
reverberações na sociedade.
A concepção crítica, multicultural e multiperspectívica se apresenta como
uma ferramenta complexa que obtém em si mesma uma série de teorias e
pressupostos. Portanto, o que pretendemos nesta primeira parte da nossa
metodologia é analisar meticulosamente cada componente, fragmentando
conceito por conceito, com a finalidade de esmiuçar o que chamamos por crítica
diagnóstica e, assim, obtermos uma leitura diligente do nosso objeto. Para isso,

69
vamos adentrar no que Kellner vai chamar de “estudo cultural contextual”. Ele
condensa à sua teoria, a teoria da hegemonia de Antonio Gramsci (1971), que
articula a cultura, a sociedade e a política como terrenos de disputa entre
diversos grupos e classes. Isso significa que, na nossa leitura, devemos
especificar tais disputas em jogo, fazendo levantamentos de quais grupos e que
posições estão sendo expostas ali e, a partir daí, elencar o que é visto como o
lado mais progressista (2001, p. 133 e 134).
Compreender isto é compreender que, fundamentalmente, todo e
qualquer produto da cultura da mídia está inserido em um terreno de disputa que
reproduz os conflitos sociais, portanto, todo ele necessariamente possui um lado
neste terreno, melhor dizendo, possui uma ideologia. No entanto, a indústria
tende a limitar (quando não interceptar) os textos que possuem posições mais
críticas e radicais em relação a essas disputas. Ou seja, no nosso caso, as
grandes produtoras de música e audiovisual dificilmente vão ofender as
tendências dominantes com visões mais radicais inscritas nos seus textos. Isso
nos faz concluir que, através de Kellner, devemos nos voltar para os produtos da
categoria “independente” se o nosso objetivo for buscar intervenções políticas
progressistas dentro deste terreno. “De todo modo, [...] as formas de cultura da
mídia devem ser analisadas [...] em contexto e relação, vendo alguns textos
como reações radicais ou liberais mais progressistas às produções
(hegemônicas) [...] (KELLNER, 2001, p. 135). Ele afirma:
“Um estudo cultural contextualista lê os textos culturais em termos de lutas
reais dentro da cultura e sociedade contemporâneas, situando a análise
ideológica em meio aos debates e conflitos sociopolíticos existentes, e não
apenas em relação a alguma ideologia dominante supostamente monolítica
ou a algum modelo de cultura de massa simplesmente equiparada à
manipulação ideológica ou à dominação per se. Um modo de delinear as
ideologias da cultura da mídia é ver sua produção em relação, situando os
filmes, por exemplo, dentro de seu gênero, de seu ciclo e de seu contexto
histórico, sociopolítico e econômico. Ver os filmes em contexto significa ver
como eles se relacionam com outros filmes do conjunto e como os gêneros
transcodificam posições ideológicas.” (KELLNER, 2001, p. 135 e 136, grifos
do autor).

Nesta dialética, o estudo cultural contextual pretende, para além de


relacionar o texto com outros de mesmo gênero e com os debates que o
circundam, analisar e interpretar quais seriam as reações e ameaças aos
discursos hegemônicos (conservadores) vigentes por um lado; e por outro,
elucidar os discursos de contestações à essa mesma hegemonia. Sendo assim,
70
entendemos que a ideologia da qual Kellner nos fala pode ser observada em
termos de “forças e das tensões a que está reagindo” no que se refere ao
discurso não-dominante e, em contrapartida, em termos de “resistência
reacionária à lutas populares” no que se refere às instituições e discursos
conservadores.
A partir daí, adentramos nas categorias horizonte social, campo discursivo
e ação figural — articuladas pelo sociólogo Robert Wuthnow (1989) nos estudos
sobre as relações entre ideologias, movimentos sociais e os espaços em que
surgem; e inseridas no conceito de crítica diagnóstica por Douglas Kellner
(2001). Segundo o autor, a concepção de “horizonte social” refere-se a toda e
qualquer experiência, prática e aspectos reais do campo social que corrobora
com a formação da cultura da mídia. Ou seja: fatos, marcos históricos,
movimentos, estilos e entre outros são fundamentais para compreender o
horizonte social e, por consequência, o campo discursivo que dele emerge. Os
campos discursivos, por sua vez, tentam transcodificar o conteúdo do campo
discursivo em elementos específicos como enquadramentos e outros recursos
cinematográficos, trilha sonora, figurinos, paisagens, etc. Já a ação figural
pretende articular figuras, eventos e práticas sociais, tal como signos da
contemporaneidade repercutindo a experiência social vigente, ou seja,
traduzindo tudo isso em medos, esperanças, fantasias, conflitos e outras
inquietações presentes.
Embora essas categorias nos ajudem a entender a complexidade de um
discurso/ideologia de uma determinada época a partir da leitura crítica do
universo cultural e sabendo dos efeitos que esse universo pode gerar na
sociedade, é válido salientar que muito dificilmente um videoclipe (álbum, filme,
livro, enfim) isoladamente consegue gerar um efeito de influência na sociedade
ou em parte dela. Entendemos que, sim, há certas figuras populares como
atrizes, cantores e até digital influencers13 que possuem tal influência a ponto de
ditar ou sugerir determinados pensamentos e comportamentos. No entanto,
como afirma Kellner (2001), consideramos que são os efeitos cumulativos de

13
Traduzindo: influenciadores digitais. Profissionais das redes sociais com amplo número
de seguidores e com grande capacidade de influência. Produzem conteúdos sobre estilo de vida,
hábitos, opiniões, produtos; geralmente são patrocinados por marcas que compactuam com os
ideais/conteúdos desses profissionais.
71
imagens e discursos que são capazes de produzir representações imagéticas na
sociedade. É válido salientar também que, ao analisar os efeitos da cultura de
mídia neste nosso trabalho, pretendemos evitar o extremo de romantizar o
público ou pelo menos reduzi-lo a meros expectadores passivos, sugerindo que
seriam incapazes de raciocinar o que ouve, lê, assiste, etc.
Ainda aprofundando o tema da ideologia, Kellner afirma que
“[...] as ideologias da cultura da mídia devem ser analisadas no contexto da
luta social e do debate político, e não simplesmente como dispensadoras de
um tipo de consciência cuja falsidade é exposta e denunciada pela crítica da
ideologia. Embora a desmistificação faça parte da crítica ideológica, expor
simplesmente a mistificação e a dominação não basta; precisamos olhar por
trás da superfície ideológica para ver as forças e as lutas sociais e históricas
que geram discursos ideológicos e examinar o aparato e as estratégias
cinematográficas que tornam atraentes as ideologias.” (2001, p. 143).

Com isso, ele quer dizer que a crítica diagnóstica não é apenas uma ferramenta
denunciadora, mas sim um instrumento que deve procurar “momentos de crítica
social e de contestação em todos os textos ideológicos, inclusive nos
conservadores" (2001, p. 143). É a partir daí que Kellner começa a investigar a
utopia dentro dos textos culturais. Uma vez que compreendemos que a ideologia
contém uma retórica que tenta persuadir e convencer um determinado público,
podemos presumir que esta, portanto, deve possuir em seu núcleo, uma parte
atraente, com promessas ou momentos de emancipação; a isto, Kellner vai
chamar de momentos utópicos.
“A especificação dos momentos utópicos nas produções culturais mais
ostensivamente ideológicas constituiu o projeto de Ernst Bloch [...]. Bloch faz
um exame sistemático do modo como os devaneios, a cultura popular, a
grande literatura, as utopias políticas e sociais, a filosofia e a religião —
muitas vezes descartados como ideologia por alguns críticos ideológicos
marxistas — contêm momentos emancipatórios que projetam visões de uma
vida melhor capaz de pôr em xeque a organização e a estrutura da vida no
capitalismo (ou no socialismo estatal).” (KELLNER, 2001, p. 143).

Essa utopia da qual Kellner nos fala se apresenta comumente através de


esperanças, anseios e fantasias sociais. No entanto, seria ingenuidade da parte
da pessoa analista acreditar que tais fenômenos estivessem a todo momento
explícitos, seja no discurso ou debate que o produto pretende trazer, seja na
narrativa (construção da história), ou até possivelmente em um diálogo entre
personagens de um filme, por exemplo. Tal como a ideologia, a utopia vai se
apresentar nas entrelinhas, no não-dito, nas sombras, nos detalhes e, por isso

72
mesmo, a pessoa analista deve, em sua leitura, atentar-se a uma “hermenêutica
dupla”.
Segundo Jameson:
“As obras da cultura de massa não podem ser ideológicas sem serem ao
mesmo tempo implícita ou explicitamente utópicas bem como não poderão
manipular se não oferecerem alguma genuína nesga de contentamento como
suborno de fantasia para o público que é assim manipulado. Mesmo a “falsa
consciência” de um fenômeno tão monstruoso como o nazismo foi alimentado
por fantasias coletivas de tipo utópico, com aparência “socialista” assim como
nacionalista. Nossa proposta sobre o poder de atração das obras da cultura
de massa implica que tais obras não podem administrar as ansiedades em
torno da ordem social se antes as tiverem revivido e não lhes tiverem dado
alguma expressão rudimentar; diremos então que ansiedade e esperança são
duas faces da mesma consciência coletiva, de tal modo que as obras da
cultura da massa, ainda que tenham por função legitimar a ordem vigente —
ou outra pior —, não podem cumprir sua tarefa sem colocarem a serviço
dessa função as esperanças e as fantasias mais profundas e fundamentais
da coletividade, às quais se pode dizer, portanto, que deram voz, mesmo que
de maneira distorcida.” (apud KELLNER, 2001, p. 144 e 145)

Uma vez que assimilamos que os textos ideológicos podem nos revelar
tanto os sonhos quanto os pesadelos de um determinado contexto social — esse
que vai gerir significados através da cultura —, faz-se imprescindível, para a
crítica diagnóstica, uma análise dos modos pelos quais esse contexto social
(sociedade) tenta direcioná-los (os textos ideológicos) para a manutenção das
atuais relações de poder. Assim dizendo, precisamos identificar os argumentos
inscritos no produto analisado não apenas criticando a ideologia dominante, mas
também detectando as utopias, as contestações, as possíveis subversões (?) e
suas contradições. Em suma, devemos assimilar também que a ideologia
precisa de uma “roupagem utópica” para se tornar atrativa e que, muitas vezes,
ela mesma cria mecanismos para ludibriar as pessoas levando-as a aceitar a
realidade como tal, incluindo os modos de vida e as condições sociais, por mais
absurdas que sejam. Além disso, a ideologia também pode apresentar como
universais os interesses que são de uma classe específica da sociedade,
naturalizando e eternizando imagens e narrativas com um nítido teor político: o
da manutenção do status quo. “A ideologia, pois, é uma retórica que tenta seduzir
os indivíduos para que estes se identifiquem com o sistema dominante de
valores, crenças e comportamentos.” (KELLNER, 2001, p. 147).
Depois de explorarmos exaustivamente cada lacuna, teoria e argumento
que compõem a crítica diagnóstica, pretendemos a seguir fazer uma síntese do
que é este conceito proposto por Kellner. Esta leitura diagnóstica (como
73
podemos chamar) da cultura da mídia pretende, a princípio, compreender o jogo
político atual, elencando os pontos fortes e fracos desta mesma força política em
questão. Deste modo, os produtos culturais vão nos dar uma compreensão da
sociedade — em um determinado contexto histórico — a nível psicológico,
sociopolítico e ideológico. Além do mais, uma leitura diagnóstica pretende
identificar as soluções ideológicas (por meio de utopias) que os textos culturais
oferecem como solução de vários problemas e conflitos sociais; e avaliar os
discursos hegemônicos e, consequentemente, contra-hegemônicos também.
Audaciosamente, a crítica diagnóstica (por escolher uma posição: a
progressista) também pretende auxiliar na formação de práticas políticas que
consideramos progressistas, além de fomentar alternativas para criadores,
artistas, escritores, roteiristas e outros interessados em fazer cultura, criarem
suas obras a partir de uma concepção menos centrada em interesses de uma
classe dominante, ou seja, incentiva, a sua maneira, a subversão desses
produtos que viriam a surgir. Para isso, ela vai se apoderar dos pilares sociais
que compõem a identidade de um sujeito pós-moderno como a intersecção de
sexo, sexualidade, etnia e classe. Como chave principal de sua análise, a crítica
diagnóstica vai adotar diferentes perspectivas (marxista, decolonial, feminista,
psicanalítica e outras) para a interpretação de um determinado texto. Por fim,
pretende, para além de uma metodologia inteligente para ler a cultura , fornecer
ferramentas aos interessados em recriar uma sociedade mais justa, mais
humana...
Assim como o próprio Kellner assume que o seu conceito de crítica
diagnóstica, embora muito bem delimitado e metódico, não consegue isentar-se
completamente em um processo de análise, ou seja, acaba escapando alguns
dos preconceitos e impressões pessoais (subjetivas) do analista, decidimos
assumir esta brecha como parte do nosso processo analítico neste trabalho. Em
outras palavras, queremos dizer que estamos conscientes dessa fissura que a
própria metodologia “kellniana” possui e, por isso mesmo, optamos por
acrescentá-la, integrá-la ao nosso método, criando, portanto, uma metodologia
única, que pretende unir o impessoal com o pessoal, o genérico com o particular.
Para isso, vamos a partir de agora adentrar um pouco no conceito de olhar

74
opositor, proposto por bell hooks (2019) no sétimo capítulo do seu livro de caráter
ensaístico “Olhares negros: raça e representação”.
bell hooks (2019) aborda nas primeiras páginas do capítulo a fundamental
relação que existe entre o “poder” e o “olhar”. Para ela, “o ‘olhar’ sempre foi
político [...].” (2019, p. 215). Enquanto rememora as suas vivências, hooks traça
um paralelo entre um olhar que tinha quando criança que era entendido como
gesto de resistência, confrontação e até como desafio à autoridade nos
momentos em que ela encarava um adulto, o desviar o olhar como uma não
confrontação — aprendido através da repetição do castigo ainda enquanto
criança — e, mais tarde nas aulas de história, as punições que os negros
escravizados tinham apenas ao olhar, entendendo que “[...] as políticas da
escravidão, das relações de poder racialzadas, eram tais que os escravizados
foram privados do seu direito de olhar.” (hooks, 2019, p. 215).
É nesta relação que a autora insere o pensamento do filósofo Michael
Foucault, entendendo agora a forma como o poder é capaz de se reproduzir sob
a forma de dominação, usando mecanismos e estratégias de controle. Isso
significa que em circunstâncias de dominação, não só é possível como de fato
acontece, uma manipulação do olhar. hooks (através de Foucault) vai dizer que
a dominação está inscrita em termos de “relações de poder”. Uma vez que
entendamos que o poder se revela enquanto um sistema de dominação que
tenta controlar tudo, sem deixar nenhum espaço para que a liberdade possa
expressar, conferimos que, segundo hooks (baseada em Foucault), todas as
relações de poder têm, necessariamente, a possibilidade de resistência (2019).
O olhar, a partir daí e nesse sentido, passa de mera observação passiva para
um olhar completamente político, capaz de transformar realidades. Assim, ela
vai se apropriar do termo “agência”, criado pelo então Michael Foucault. A
agência seria, então, toda margem ou brecha que surge como resistência nas
relações de poder.
“Existem espaços de agência para pessoas negras, onde podemos ao
mesmo tempo interrogar o olhar do Outro e também olhar de volta, um para
o outro, dando nome ao que vemos. O “olhar” tem sido e permanece,
globalmente, um lugar de resistência para o povo negro colonizado.
Subordinados nas relações de poder aprendem pela experiência que existe
um olhar crítico, aquele que “olhar” para registrar, aquele que é opositor. Na
luta pela resistência, o poder do dominado de afirmar uma agência ao
reivindicar e cultivar “consciência” politiza as relações de “olhar” — a pessoa
aprende a olhar de certo modo como forma de resistência.” (hooks, 2019, p.
217, grifo nosso).
75
Além de Foucault, hooks vai embasar a sua ideia também em outras pensadoras
e pensadores que estudam identidades, representações, imagens e mídia. Deste
modo, através de Stuart Hall, ela vai destacar o modo pelo qual se dá a
construção de representações de negritude pelos olhos da branquitude,
afirmando que “ [...] esse “olhar” a partir do lugar do Outro — por assim dizer —
nos fixa, não apenas com a sua violência, hostilidade e agressão, mas com a
ambivalência do seu desejo.” (hooks apud HALL, 2019, p. 217). Já citando
Manthia Diawara, em seus estudos sobre cinema negro, identidades e audiência,
hooks (2019) vai apontar como “cada narração põe o espectador em uma
posição de agência; e raça, classe e relações sexuais influenciam a forma como
essa posição de sujeito é preenchida pelo espectador” (p. 218).
É certo afirmarmos que, embora diferentes, o “olhar opositor” de hooks
converge para a “crítica diagnóstica” de Kellner, o que nos dá cada vez mais a
confiança por um processo de leitura íntegro que intencionamos fazer neste
trabalho. Além de pautar os pilares como raça, classe, sexualidade (e gênero)
como eixos importantes para uma leitura — que coloca o leitor / analista em uma
posição de agência —, o olhar opositor se propõe não apenas a analisar as
representações negativas (da negritude pela branquitude no caso desta obra),
como também as próprias produções criadas pelo grupo não-dominante (da
negritude para a negritude, como o cinema negro americano, também no caso
desta obra). Entendemos que, ainda que haja produções independentes e não-
hegemônicas, é possível criar representações estereotipadas, que mais se
assemelham com um olhar dominante. Para hooks, um exemplo disso é a
relação do olhar marcada pelo gênero, o que torna a experiência de um homem
negro (enquanto expectador) definitivamente diferente da da mulher negra
(enquanto expectadora).
Questionando a ausência das perspectivas das mulheres negras no
cinema, hooks aponta que este silêncio seria uma resposta à negação
cinematográfica que a mulher negra teve no cinema americano, indicando como
os discursos têm poder de violentar as pessoas; “uma violência que é material e
física, embora produzida por discursos abstratos e científicos, bem como pelos
discursos da mídia”. (2019, p. 220). hooks entende também que esta ausência

76
se dá pela não identificação com tais discursos, o que não só afastaria as
mulheres negras do cinema, mas, mais tarde, criaria a demarcação de um lugar
pelo qual o olhar crítico nunca esteve antes. Parafraseando Anne Friedberg,
hooks diz: a “identificação só pode acontecer através do reconhecimento, e todo
reconhecimento em si é uma confirmação implícita da ideologia do status quo”.
(hooks, 2019, p. 221, grifo nosso). Podemos concluir, portanto, que há uma
“territorialidade”, um lugar específico no qual se situa o olhar; e esse olhar se
desloca por diferentes “lugares”, ocupando as mais variadas combinações de
identidade da sujeita ou sujeito.
Tensionando como as representações convencionais de mulheres negras
no cinema norte-americano cometiam (e ainda cometem?) uma violência contra
a imagem, uma vez que tais representações eram criações imagéticas e
fixadoras do olhar do homem cis heteronormativo supremacista branco, hooks
vai nos apontar que a resposta para esses ataques, muitas vezes, era “dar as
costas” para as telas, olhar para o outro lado, em outras palavras, o cinema não
se tornava atraente para esse público; não era importante em suas vidas. Por
outro lado, havia (e ainda não há?) as “espectadoras cujo olhar era de desejo e
cumplicidade. Assumindo uma postura de subordinação, elas se rendiam à
capacidade do cinema de seduzir e trair.” (hooks, 2019, p. 223). É certo que,
para uma análise crítica, esta da qual pretendemos assumir neste trabalho, é
necessário uma separação; um distanciamento do analista para com o objeto a
ser analisado, não se deixando, portanto, levar pela sutileza de uma sedução
que a imagem é capaz de criar.
Como afirma bell hooks, é somente através de um olhar opositor que
seremos capazes de avaliar criticamente um discurso — e aqui entendemos
discurso não apenas como um monólogo, mas também como um constructo
social qualificado para enunciar textos, dado que estamos falando de relações
de poder (vide Foucault) — hegemônico. É a partir deste olhar que podemos
observar as imagens de um lugar disruptivo. Assim hooks declara citando
Annette Kuhn em seu livro O Poder da Imagem que:
“os atos de análise, de desconstrução e de leitura “contra a maré” despertam
um prazer adicional — o prazer da resistência, de dizer “não”: não a uma
apreciação “sem sofisticação”, de nossa parte e dos outros, de imagens
culturalmente dominantes, [não] a estruturas de poder que nos pedem para
consumi-las acriticamente de formas altamente restritas.” (hooks apud KUHN,
2019, p. 227)
77
É neste sentido que o nosso olhar se volta para uma não-identificação, deixando
de lado os estigmas que as imagens podem representar.
Frisamos: a habilidade de ser uma espectadora ou espectador crítico
emerge de um lugar de “resistência” somente quando a pessoa em questão,
individualmente, resiste aos modos impostos do lado dominante de ver e saber.
Assim acredita hooks (2019), completando o seu raciocínio e salientando que
“ainda que as mulheres negras [...] estivessem conscientes do racismo [fora das
imagens], essa consciência não correspondia automaticamente à politização, ao
desenvolvimento de um olhar opositor. (p. 236). Isso significa que, por esses
motivos, por mais que as imagens possam estar “de acordo” com um
determinado público ativista que carrega consigo os discursos e pautas sociais
vigentes, na nossa análise, por exemplo, pode fazer aparecer os elementos
hegemônicos e pontos discursivos que traduzem e evidenciam uma perspectiva
não opositora; mas sim, dominante. O nosso exercício do olhar pretende
perpassar por um amplo espectro de relações de olhar: olhar, contestar, resistir,
revisar, questionar, enfrentar. É assim que acreditamos obter um maior nível de
criticidade possível, nível esse que talvez não seja captado por esse mesmo
público.
Entendendo que o olhar opositor pressupõe um “lugar” de quem observa,
é coerente e relevante neste trabalho deixarmos nítido de qual lugar que vamos
partir para a nossa leitura. Para tal, vamos revisitar o conceito de Lugares de fala
proposto por Márcia Franz Amaral e, posteriormente, por Djamila Ribeiro.
Embora Amaral proponha o conceito como instrumento metodológico para a
análise de jornais populares, evidenciando que estes falam de lugares
diferentes, o nosso objetivo aqui é desmembrar o conceito, tal como a autora faz:
“[...] podemos dizer que a ideia de Lugar nos é bastante significativa; ‘é um
espaço ocupado, um ponto de vista relacional, uma posição determinada num
conjunto ou um ambiente. Falar é apropriar-se de estilos expressivos já
constituídos no e pelo uso, objetivamente marcados por sua posição numa
hierarquia de estilos que exprime a hierarquia dos grupos, é produzida para e
pelo mercado ao qual ela deve a sua existência e suas propriedades mais
específicas.’” (AMARAL apud BOURDIEU, 2005, p. 108, grifos da autora)

78
Compreendemos através de Amaral (2005) que a fala está necessariamente
associada a uma situação concreta, ou seja, na fala é proferido um discurso que
é oriundo de um lugar. Em outras palavras, uma fala só pode ser analisada
quando associada às condições sociais do seu falante. (p. 108). Mais uma vez,
as relações de poder vêm à tona como fenômeno presente em todo o escopo
metodológico do nosso trabalho.
Djamila Ribeiro, apesar de ilustrar em seu livro o conceito cunhado por
Márcia Amaral, traz outras perspectivas — que não essa da Comunicação — na
tentativa de definir “Lugar de fala”. Ancorada na pensadora Patricia Hill Collins,
que vai discutir o standpoint theory (teoria do ponto de vista), Ribeiro (2019) vai
dizer que o lugar de fala não é sobre as experiências individuais de um
determinado grupo social; mas, sim, sobre as condições sociais que vão permitir
que esses grupos acessem (ou não) lugares de cidadania. Para ela, o debate se
estabelece no plano estrutural, ou seja, lugar de fala é sobre entender o lugar
social do sujeito. (p. 42).
“O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar.
Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas
e outras perspectivas. [...] Ao promover uma multiplicidade de vozes o que se
quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que se
pretende universal. Busca-se aqui, sobretudo, lutar para romper com o regime
de autorização discursiva.” (RIBEIRO, 2019, p. 46)

Deste modo, demarcarmos o nosso lugar de fala: o de um homem cis, preto e


nordestino. Acreditamos, portanto, que esses 3 marcadores sociais (identidade
de gênero, raça e região geográfica) serão fundamentais para nos posicionar na
nossa análise.
A nossa análise terá o suporte teórico também de Thiago Soares (2013)
para que possamos afunilar ainda mais o nosso objeto: os videoclipes. O autor
diz que a performance da canção ganha formas de circular e ocupar
determinados espaços nunca antes habitados pela música à medida em que a
tecnologia, por meio das mídias, torna o artista muito mais acessível
(simbolicamente) ao seu público. O que nos intriga a partir da compreensão do
autor é como se reproduz estas formas de circulação e ocupação de espaços.
Mas antes de seguirmos essa linha, faz-se necessário compreender os três
modos pelos quais o videoclipe se materializa enquanto performance: 1)

79
gestualidade; 2) oralidade e 3) cenário. Vale ressaltar que corroboramos com
Soares na ideia de que o videoclipe é um
“[...] desdobramento da performance da canção popular massiva uma vez que
integra a cadeia de produção de sentido que articula o sonoro e o visual,
sendo “regido” por uma sistemática de construção de imagens que opera com
signos visuais “inseridos” na canção e que operam segundo pressupostos
das próprias performances apresentadas. Nesta lógica, podemos entender o
videoclipe como uma nova camada de mediação sobre a canção popular
massiva, sendo esta nova camada de mediação articulada à construção de
um objeto (o videoclipe) que seja o mais próximo ao universo do objeto que
sintetiza (a canção) e, portanto, estando articulado ao gênero musical e à
narrativa particular do artista que performatiza a canção.” (SOARES, 2013, p.
152-153)

O clipe como performance de uma gestualidade indica modos específicos


de corporificação que incluem modos de interpretação rítmica. Essa
interpretação não está obrigatoriamente atrelada aos movimentos corporais que
fazemos quando ouvimos uma música, mas sim às formas que o corpo toma e
o sentido que ele gera. Cada gênero musical vai estimular um gesto diferente no
corpo de quem ouve, do mesmo modo em que o corpo que a música toma
através da gestualidade do artista, vai indicar um gênero musical. Essas
dinâmicas vão expressar uma identidade que, por sua vez, estará inscrita no
videoclipe, ainda que não haja presença de um corpo (humano). Neste caso, a
gestualidade se dará através dos recursos técnicos de captação e edição do
videoclipe, indicando o modo pelo qual se interpretou o ritmo da música.
(SOARES, 2013).
Por outro lado, o clipe como performance de uma oralidade é tido como a
materialização de uma voz que implica uma construção midiática a partir das
particularidades do “cantar” do artista e o gênero musical que está inserido. (op.
cit.). A voz pode, ainda, demonstrar um senso de personalidade, na medida em
que o artista interpreta uma canção — ainda que esta não tenha sido escrita por
ele — permitindo, desta forma, que a sua vida seja “encenada” na canção. Essa
expressividade da voz pode servir de ponto de partida na construção das
imagens, sendo possível “visualizar” algo que está sendo cantado. Portanto,
assimilamos que, a partir de um produto midiático, a voz possui uma forma, uma
maneira de expor uma ideia, uma personalidade de quem a emite, quando não,
de uma personagem criada. “A voz, mais do que apenas traduzir um corpo,
evoca um alguém, uma pessoa, uma biografia: trata-se de identificação de uma

80
idade, de um gênero natural, de um sotaque, de um acento.” (SOARES, 2013,
p. 165).
Segundo Soares, discutir a construção de cenários no videoclipe a partir
da música é inserir o ouvinte nesta dinâmica entendendo que é preciso localizá-
lo (o cenário) no contexto histórico-sócio-cultural. A música evoca uma sensação
que consequentemente evoca uma atmosfera; um cenário no imaginário do
ouvinte. Além disso, é preciso entender também que as especificidades da
música (a forma, os instrumentos, o bpm) podem estar associadas
sinestesicamente à imagem do vídeo. (SOARES, 2013). Ou seja, uma
introdução de uma bossa nova com um dedilhado no violão pode evocar uma
paisagem campestre esverdeada, calma, com movimentos de câmeras leves,
suavizados. Do outro lado, um riff14 de heavy metal pode evocar um ambiente
poluído, uma estética mais urbana, obscurecida, etc. A articulação vocal do
artista também está associada a uma dicção capaz de convocar um determinado
cenário na mesma medida em que se encaixa em um gênero musical. A
valorização da palavra falada está para o Rap, assim como os feats15 estão para
o brega-funk.
Ainda para Soares (2013), a configuração biográfica do artista constitui a
formação de diferentes cenários quando vista em uma linha temporal. Isso
implica dizer que o artista está submetido às configurações e estratégias criadas
pelo “star system”, que vai se alterando na medida em que também se altera as
suas produções e o público que deseja alcançar. Cria-se novos aparatos
conceituais a partir do momento em que os vigentes vão se tornando defasados.
Por outras palavras, é possível identificar no videoclipe os diferentes cenários
que um artista ou banda perpassa durante a carreira. Isto acontece, por exemplo,
quando se assume posicionamento político ou transita pelos gêneros. Para além
disso, as geografias reais e imaginárias também se articulam aos cenários
muitas vezes como estratégia de endereçamento, de pertencimento e de
identidade. Geralmente estão relacionadas diretamente às referências textuais
da canção.

14
Progressão de acordes geralmente composta para guitarras elétricas.
15
Abreviação do termo “featuring” que significa “participação de”.
81
Essas três noções de performance elencadas por Soares tem o objetivo
de tentar apreender esteticamente o fenômeno do videoclipe associado às
dinâmicas da música popular massiva. No entanto, este não é o nosso objetivo
neste capítulo. Em contrapartida, consideramos indispensável trazer essas
questões para tentarmos compreender como essas concepções estéticas estão
voltadas para a construção de um ícone (no sentido mais literal da palavra) que
vai posicionar o artista no mercado fonográfico. Esse posicionamento projetado
no videoclipe nos parece ser estrategicamente pensado para, não somente
tentar se destacar diante de um vasto número de outros artistas (concorrência),
como também para construir uma identidade (de marca) que vai projetar uma
imagem, ou seja, um conjunto de impressões que o telespectador-ouvinte vai
criar sobre o artista. Torna-se ainda mais necessário interpretar um artista
também pelo viés do marketing a partir do momento em que “A relevância da
imagem no campo da música é proporcional ao fortalecimento do star system no
terreno da música popular massiva.” (SOARES, 2013, p. 66).

82
5 UMA ANÁLISE DOS VIDEOCLIPES DO @DJONGADOR

Gustavo Pereira Marques, mais conhecido como Djonga, é um rapper


natural de Belo Horizonte considerado hoje um dos mais influentes no Rap
nacional. Homem, cis e preto, Djonga ganha as ruas, as plataformas e os palcos
a partir da sua lírica afrontosa, agressiva e contestadora, com letras que trazem
suas vivências periféricas e abordam temas como racismo, criminalidade,
violência e outros, além de trazer também fortes críticas sociais. Inicialmente,
Djonga lança seu primeiro EP chamado “Fechando o Corpo” em 2015, o que fez
com que ganhasse notoriedade na cena, mas foi somente em 13 de março de
2017 com o lançamento do álbum “Heresia” que o rapper ficou conhecido em
todo o Brasil, embora ainda estivesse restrito a um determinado nicho. Desde
então, todo dia 13 de março, o artista lança um novo álbum e tem reservado para
si esta data como estratégia de lançamento, colecionando até então 5 grandes
álbuns e prêmios como o MTV Millenial Awards e o troféu APCA. Atualmente,
em novembro de 2021, Djonga conta com aproximadamente 2,7 milhões de
ouvintes mensais no Spotify, 500 mil fãs no Deezer, quase 3 milhões de
seguidores no Instagram, 800 mil no Facebook, 2 milhões de inscritos no seu
canal do YouTube com mais de 500 milhões de visualizações nos seus vídeos.
Dentre outros nomes do Rap nacional, escolhemos Djonga e os seus
videoclipes como objeto de análise primeiro porque acreditamos que este artista
traz além da sua influência, reflexões contemporâneas sobre masculinidades,
racismo e negritude, mas não só isso; acreditamos também que o artista possui
uma compreensão mercadológica de sua marca (que é ele mesmo) e que põe
em prática involuntariamente ferramentas e métodos do marketing que fazem
com que o seu negócio — a música — ganhe grande notoriedade, seja no
quesito "ouvintes"/legião de fãs, seja no quesito “retorno financeiro”. Sendo
assim, pretendemos com esta análise investigar como o videoclipe pode se
configurar enquanto um veículo e mensagem publicitária a partir da ideia de que
o artista é uma marca e o videoclipe uma plataforma que comporta o seu
posicionamento. Elencando os aspectos estéticos e discursivos do videoclipe,
veremos também como essa autorepresentação tensiona e/ou reproduz alguns
estereótipos de homens negros a partir da construção dessa imagem e a sua

83
relação com o mundo que o cerca, sempre debatendo temas como racismo e
masculinidades. Para tal, optamos por fazer um recorte temático e temporal
(histórico), para extrairmos algumas possibilidades e caminhos possíveis de
construção de um sujeito racializado e também compreender como essa
estética/discurso evolui durante o seu percurso artístico, o que ela/ele tensiona,
quais são as suas problemáticas e soluções e como essas práticas reverberam
imageticamente nos seus videoclipes. Portanto, nosso objeto é composto por
três videoclipes do Djonga: 1. Olho do Tigre; 2. Junho de 94; 3. Nós.

5.1. OLHO DE TIGRE

“Olho de Tigre” foi uma canção escrita por Djonga em 2017 com a
produção do beat de Malive e Slim com o objetivo de compor o Projeto “Perfil”
da Pineapple Supply e Brainstorm Estúdio. A Pineapple é uma gravadora
independente da cidade do Rio de Janeiro do ramo do hip hop que busca lançar
MC’s de todo o Brasil que estão em ascensão em suas carreiras. Além desse
projeto, a gravadora também assina projetos como o “Poetas no Topo”, “Poetisas
no Topo” e “Poesia Acústica”, todos eles de grande sucesso e alcance a nível
nacional. “Perfil” é um projeto no qual beatmakers deixam seus beats livres à
escolha e um MC convidado escolhe um beat de sua preferência para cantar
uma letra que traduza o seu “perfil”. Essa letra é gravada em cima do beat já
criado e lançada em forma de videoclipe no canal da Pineapple do YouTube.
Artistas como Diomedes Chinaski, Drika Barbosa, Baco Exu do Blues, Clara
Lima, Sant, Luiz Lins e tantos outros nomes do Rap também fizeram parte desse
projeto e cada uma/um tem o videoclipe do seu perfil neste canal. Portanto, o
videoclipe da canção “Olho de Tigre” não é bem um videoclipe oficial do Djonga,
afinal, ele está hospedado no canal do YouTube da gravadora como todos os
outros. No entanto, como o nome do próprio projeto sugere, essa é uma canção
que traduz o artista que é Djonga e é, também, o seu hit mais famoso,
responsável por divulgar o seu nome em território nacional.
Diferentemente dos restantes do artistas que participam do projeto, o
videoclipe de Djonga, lançado no dia 25 de julho de 2017, tem um número
expressivo de visualizações e comentários, alcançando a marca de mais de 22
84
milhões de views e 11 mil comentários, isto é, não é somente Djonga que ganha
notoriedade com o lançamento desta canção, mas também, como em um
processo dialógico, o projeto “Perfil” e a própria Pineapple ganha repercussão e
credibilidade, abrindo portas para gestar futuros projetos que igualmente farão
sucesso. A comprovação da nossa hipótese de sucesso mútuo entre artista e
gravadora se dá ao notarmos que, o primeiro comentário do videoclipe no
YouTube é um comentário fixado da própria gravadora (ou seja, que permanece
no topo dos comentários) divulgando o site de sua nova loja online com destaque
para produtos em promoção. Por mais antigo que o vídeo seja, o que não é o
caso do nosso objeto em questão, a sessão de comentários na plataforma do
YouTube é sempre uma parte viva do vídeo, constantemente alimentada por
usuários, que interagem entre si e com o produto. O comentário fixado, neste
caso, torna-se uma eterna vitrine, que pode ser alterada a qualquer momento a
partir dos novos produtos ou da temporada de consumo.
De volta para a canção, Djonga revela em uma entrevista para o site
genius.com a origem do nome deste single. “Olho de Tigre” faz referência à “Eye
of the Tiger”, uma clássica música da banda norte-americana Survivor, que,
inclusive, recebeu indicação ao Oscar de Melhor Canção Original compondo a
trilha sonora do filme Rocky III, escrito, dirigido e estrelado por Sylvester Stallone
em 1982. A trama do filme é a continuação da franquia que conta a história do
personagem Rocky Balboa, um pugilista que vive aventuras épicas dentro de um
ringue. A partir da escolha do título da canção, Djonga parece querer reviver o
personagem de Stallone, pois os versos escritos e cantados por ele
ultrapassarão os limites da mera denúncia social e virão como uma sequência
de golpes com duras críticas sociais, escancarando a realidade do que é ser
negro/negra no Brasil contemporâneo. Com o objetivo de ser escutado a
qualquer custo, Djonga não poderia performar a sua voz de maneira diferente
senão através do grito: cada verso é entoado como um apelo, mas não como um
grito de socorro, ou um clamor para que nos atentemos às suas dores - que são
as dores da sociedade -, e sim como um protesto de alguém que veio mais do
que denunciar um fato, mas revelar as feridas abertas de um povo que sofre o
racismo e o machismo nas camadas mais profundas da pele e da alma.

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Embora o processo criativo do beat tenha sido independente do processo
da letra, afinal, é assim que o Projeto “Perfil” se configura, o produto final é tão
coeso a ponto de identificarmos como o beat complementa a letra/voz
mutuamente. O arranjo é composto de algumas poucas notas agudas de piano
clássico, criando uma atmosfera de uma certa serenidade. É como se o próprio
beat, já na introdução da canção, trouxesse o equilíbrio e leveza necessários
para as rimas que o procedem, que virão nos mais explícitos berros de quem
não se preocupa com a afinação da voz ou mesmo com as pausas necessárias
para respirar. A falta de ar, inclusive, que percorre a voz durante toda a canção,
invoca, no campo mais sensível da escuta atenta, a constante sensação de
sufoco, o que justifica a sensibilidade do artista perante a performance da
canção. Essa expressividade do grito e da falta de ar, característicos do gênero
do Rap, geralmente é combinada com uma gestualidade tão enérgica quanto.
No entanto, Djonga consegue elevar essa referência estética a um outro
patamar: o de uma autenticidade de quem sofreu/sofre uma violência, grita o
sofrimento e se esgota com o próprio grito.
Um elemento extraoficial que nos chama atenção no videoclipe e que
demonstra um dos aspectos da personalidade de Djonga, são os
agradecimentos que estão presente nos primeiros 30 segundos do vídeo (após
a marca da PineApple e o título “Perfil #22”). Em preto e branco, Djonga “manda
um salve” para todos e todas aqueles e aquelas que construiram junto com ele
a sua carreira até ali. Na lista, estão os pais, os amigos, os produtores, outros
rappers, a sua ex-companheira e uma série de outras pessoas que ele prefere
não citar pois levaria tempo demais. Esse detalhe nos parece de extrema
relevância para a compreensão do videoclipe (e do artista) de uma maneira geral
porque ele nos revela alguns dos valores como respeito, humildade e gratidão.
Djonga, sendo assim, explicita suas origens, mostrando o lugar de onde veio, da
assistência que teve e, sobretudo, para onde está indo na construção da sua
carreira artística. Acreditamos que esse movimento inconsciente, de colocar
sobre a tela os seus valores e virtudes através de agradecimentos, é um
movimento que busca se humanizar. De maneira sucinta, o que vemos é um
corpo negro que engrandece as parcerias e as amizades, que assume sua
fragilidade, que reconhece a necessidade de suporte técnico-musical, afetivo, e,

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por que não? psicológico, buscando, nesse reconhecimento e agradecimento, o
resgate da sua humanidade outrora negada.

Figura 1 - Recorte do videoclipe “Olho de Tigre” (2017) de Djonga

Após os agradecimentos, o que vemos em “Olho de Tigre” é um videoclipe


no qual se sobressai a performance coreográfica do artista, ou seja, não existe
uma pré-produção, um ensaio coreográfico ou sequer um roteiro bem definido.
Na verdade, essas são características de todos os videoclipes que compõem o
projeto “Perfil”, como dissemos anteriormente. Portanto, o videoclipe é
composto de apenas duas variáveis: a performance coreográfica e o cenário em
questão. O videoclipe é todo gravado em ângulo baixo (também conhecido no
cinema como ângulo contra-plongée), isso significa que a imagem é vista de
baixo para cima, ao mesmo tempo que o espectador é visto de cima para baixo,
aumentando a sensação de superioridade do artista. Particularmente, esse
enquadramento eleva Djonga a um estado de dominação no videoclipe e o
cenário contribui muito para isso, afinal, as únicas coisas que vemos acima dele
são a parte superior de um pequeno monte, o céu e o sol.

Figura 2 - Recorte do videoclipe “Olho de Tigre” (2017) de Djonga

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Como dissemos, a gestualidade neste videoclipe é o ponto-chave para se
decifrar alguns de seus significados. Portanto, evidenciamos neste texto os
gestos que mais traduzem sentidos e noções que chegam até nós. Ao
escutarmos as primeiras notas do arranjo musical, vemos Djonga fazendo um
movimento muito peculiar: ele parece se alongar, como quem está se
preparando para realizar um esforço físico. O alongamento antes de uma
atividade física tem o objetivo de preparar o músculo aquecendo-o e eliminando
a tensão. Esse movimento, mais uma vez, nos convoca para a reflexão do quão
real e espontânea é essa performance de Djonga. Acreditamos que essa noção
de espontaneidade, aliada à cena de agradecimentos, traz ainda mais
proximidade com o seu público. A câmera faz um movimento de 360º, sempre
acompanhando o artista, que gira em torno dela. Djonga se movimenta para
ambos os lados, ora olha para a câmera e encara o seu espectador, ora olha
para os laterais, sugerindo uma dança improvisada, dança esta que performa
uma masculinidade pautada, muitas vezes, na negação de movimentos mais
redondos e flexíveis, culturalmente associados ao feminino. Esses movimentos
corporais — mais retos e mais sólidos — são parte de uma performance já
inscrita no gênero musical do Rap. Eles sugerem virilidade e emasculação.
Mas é no refrão que está localizado o ímpeto da canção “Olho de Tigre”.
Embalado pela “sensação sensacional” que uma prática pode provocar, Djonga
foi responsável por criar uma sentença que é a maior representação dos
movimentos antirracistas contemporâneos no Brasil. Mas não só, ele cria, a partir
desta frase, um resgate da identidade negra que traduz um certo ódio/rancor

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pelo cotidiano racista que essa juventude vive. “Fogo nos racista”, dito assim,
dessa maneira, crua, violenta e em alto e bom som, é a expressão máxima de
um grito de protesto, muito mais do que mera expressão poética, afinal, a mesma
espontaneidade que Djonga traz para a sua coreografia, traz também para a sua
canção e tudo o que ela representa. Evocar a violência, neste contexto, nada
mais é do que devolver violentamente o tratamento recebido por diversas
instituições racistas: a política, a polícia, a economia, a educação, a saúde e
todas as outras. Não é à toa que a coreografia feita por Djonga neste trecho da
música viralizou, sendo replicada, por exemplo, em shows e apresentações ao
vivo. É, então, no refrão onde mora o êxtase da música, que é embalado também
pelas “rodas-punks”, manifestações “dançantes” geralmente associadas a
gêneros como o punk rock e o thrash metal.

Figura 3 - Foto da manifestação tirada em junho de 2020 em Belo Horizonte


em justiça do homicídio contra João Freitas, morto no Carrefour em Santa
Catarina

Para além de artista, Djonga também é um empreendedor. No dia 20 de


novembro de 2020, Dia da Consciência Negra, Djonga lança ao mundo o selo A
Quadrilha, que ficará responsável por produzir seus discos e videoclipes. Mas
mais do que isso, produzirá também artistas emergentes. No dia 09 de abril de
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2021, Djonga elevou a “A Quadrilha” ao patamar de marca, lançando o seu site
com e-commerce com produtos como camisas, moletons, toalhas e tapetes que,
não por acaso, esgotaram-se em poucas horas. A célebre frase “Fogo nos
Racista” estampa a maioria dos produtos, o que nos leva a refletir o quão
mercadológico um videoclipe pode ser. Isso significa que o posicionamento de
marca do artista é tão forte — isto é, foi tão solidificado pela canção e pelo
videoclipe que o traduz — que ele é capaz de vender mais do que o artista em
si, mas a sua própria marca registrada com produtos originais. Esse fenômeno,
para nós, evidencia o teor publicitário que um videoclipe pode exercer a partir do
momento em que ele retroalimenta um mercado impulsionando a venda de
produtos e reforçando um posicionamento de marca.

Figura 4 - Toalha Fogo nos Racista de A Quadrilha

Figura 5 - Tapete Fogo nos Racistas de A Quadrilha

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5.2 JUNHO DE 94

“Junho de 94” é uma das canções que compõem o disco “O Menino Que
Queria Ser Deus”, lançado em 13 de março de 2018 pela gravadora Ceia. O
álbum conta com 10 faixas e tem a produção de CoyoteBeatz. Foi eleito o 6º
melhor disco brasileiro de 2018 pela Revista Rolling Stones Brasil e um dos 25
melhores álbuns brasileiros do primeiro semestre de 2018 pela Associação
Paulista de Críticos de Arte. O encarte do álbum, assinado pelo fotógrafo,
modelo, diretor de arte e produtor musical Marcelo Moraes, conhecido pelo
pseudônimo 1993Agosto, que inclusive veio a falecer em fevereiro de 2021,
mostra o quanto esse álbum representa o anseio do artista em tornar-se uma
divindade. Na imagem, vemos Djonga sem camisa sentado no colo de uma
mulher preta e gorda e pisando em um homem branco de terno e gravata que
está deitado no chão. Ao fundo, vemos um céu bem azulado com nuvens. Assim

91
como no primeiro álbum, “Heresia”, e durante toda a sua carreira, Djonga parece
querer trazer algumas metáforas para tensionar e subverter o imaginário social
a partir da capa do álbum: a mulher, que usa um vestido longo branco e tranças,
nos parece representar a imagem de Deus. A imagem de Deus enquanto uma
mulher preta não é novidade na cena do Rap. Na canção que leva o nome de
“Mãe” lançada em 2015, o rapper Emicida fala: “[...] Desafia, vai dar mó treta /
Quando disser que vi Deus / Ele era uma mulher preta”.

Figura 6 - Encarte do álbum “O Menino Que Queria Ser Deus” (2018) de


Djonga

Como estratégia publicitária para divulgar e fortalecer os seus projetos,


Djonga se utiliza da “autocitação” nas suas letras e videoclipes, criando uma teia
de referências e uma espécie de “links” que nos levam para caminhos paralelos.
Nos primeiros versos da canção, Djonga cita o “Original GE” (Geração Elevada),
o primeiro coletivo criado por ele, outros MC’s, produtos e pequenos estúdios
para lançar os pequenos artistas da cena do Rap de Belo Horizonte. A
92
performance vocal através do grito, que se torna de certa maneira uma
“assinatura” do artista, em “Junho de 94” vem com um pouco mais de refino, no
entanto, permanece contestadora e, sobretudo, com o mesmo objetivo de “se
fazer ouvir”. O título da canção remete à data de seu nascimento: 4 de junho de
1994. Para além de revelar a sua idade, o que Djonga nos revela é o seu
processo autobiográfico em sua obra, atitude similar ao que fez na canção “Olho
de Tigre” que engloba o projeto “Perfil”. É notório que a autobiografia se
configura, particularmente, enquanto um aspecto da lírica do gênero do Rap,
contudo, ao nosso entender, o artista procura se apropriar dessa qualidade para
além das letras das canções, alcançando também os videoclipes.
“Junho de 94” é uma canção que expõe poeticamente as angústias de um
jovem preto periférico, artista, que alcançou aquilo que tanto almejava, o
sucesso, e agora lida com as questões existenciais por uma outra perspectiva,
dentro de uma outra realidade, mas ainda assim atravessada pelo racismo,
evidenciando que o dinheiro e/ou fama, não exclui nenhuma pessoa preta da
violência do racismo no Brasil. A sua vida pessoal, a sua carreira e as questões
que o atravessam são os principais pilares da canção. Na primeira parte da
música, o tom de revolta fica de lado e entra um tom melancólico, ao que nos
parece tocar nas “feridas que se curam com o tempo e não gaze”. O flerte
constante com a morte, como visto nos trechos “Chegar aqui de onde eu vim / É
desafiar a lei da gravidade / Pobre morre ou é preso, nessa idade” e “Nessa vida
pouca coisa faz sentido / Só que ainda eu não tô pronto para a morte” das
primeiras estrofes, revela uma complexa e violenta realidade da juventude preta
e periférica brasileira. O extermínio da juventude negra é um tema amplamente
discutido nas ciências sociais e é também, como veremos, um fator que
atravessa a subjetividade e o processo de masculinização do artista em questão.
A morte se apresenta, sobretudo, pela retirada literal da vida do artista, mas não
só: há também o assassinato simbólico que se dá pela negação principalmente
de sua humanidade.
Nas primeiras cenas do videoclipe, vemos uma sequência de imagens nas
quais Djonga se encontra com uma “corda no pescoço”, sugerindo estar em uma
forca. O videoclipe apresenta dois cenários: o primeiro é uma mesa com um café
da manhã posto de uma família preta e pobre, a comida parece ser limitada e

93
tampouco há requinte nos móveis e decoração; o segundo é o inverso: uma
mesa de jantar de uma família tipicamente branca classe média-alta, esbanjando
uma mesa farta. É válido ressaltar, inclusive, que Djonga aparenta ser ignorado
por ambas as famílias. É como se houvesse um esforço de sua parte para se
fazer ouvido, mas que não obtém sucesso. A discrepância que há entre esses
dois cenários, para nós, se apresenta como as duas realidades antagônicas já
vividas pelo artista cuja fama é a linha que divide e separa essas realidades. No
entanto, a “corda no pescoço”, que também é uma expressão que simboliza a
ideia de “estar em uma situação desesperada", está presente em ambos os
cenários. Rico ou pobre, não importa, para Djonga a realidade em que se
encontra é sempre, no mínimo, sufocante. É o que mostra também as
expressões faciais, que, não por acaso, ganham muito mais relevância neste
clipe, uma vez que ele se encontra “preso” pela corda e com os movimentos
corporais limitados.

Figura 7 - Recorte I do videoclipe “Junho de 94” (2018) de Djonga

Figura 8 - Recorte II do videoclipe “Junho de 94” (2018) de Djonga

94
Um elemento chave (porém muito sutil) que nos deparamos no vídeo é a
bandeira do Brasil, um elemento que hoje, 2021, se tornou um emblema dos
apoiadores do atual presidente, Jair Bolsonaro, a partir de um movimento
conservador de reivindicação de alguns dos símbolos nacionais (assim como
aconteceu também com a camisa oficial da seleção brasileira de futebol). O
primeiro aparecimento da bandeira acontece no cenário da família pobre, ao
fundo, em uma máquina de costura. Em seguida, mais a frente, a bandeira
aparece dobrada na cadeira de quem imaginamos ser a figura do “pai” da família
rica. Nesse jogo de simbolismos se revela mais uma crítica social: a de que o
Brasil não só foi tecido-construído pelas mãos das mulheres e homens negros
que compõem o país, mas que ainda permanece sendo, sugerindo que vivemos
uma atualização do sistema escravocrata de alguns poucos séculos atrás, ideia
presente também em como se distribuem as mobílias, os alimentos, as roupas,
e até os aparatos técnicos do vídeo com a iluminação presente. Como vimos
anteriormente, essa seria a concretização da metáfora criada por Cleaver e
trazida por Nkosi (2014). E a consequência disso tudo é proposta
imageticamente próximo ao fim do vídeo: no cenário da família rica, Djonga é
morto enforcado pelas mãos de um outro homem preto, que estava servindo à
família branca.
Morrer pelas mãos de um outro homem preto mostra a complexidade do
que é ser um homem, negro e periférico neste país. A sociabilização violenta,
95
como vimos em Nkosi (2014) anteriormente, é uma realidade que atravessa uma
grande parte da juventude negra e, ao que tudo indica, Djonga não fugiu a esta
realidade, pelo contrário: foi vítima dela. Esses atravessamentos, sejam no
presente ou no passado, parecem ter levado Djonga a um lugar de acesso à sua
memória de infância. Repetidamente, no refrão, ele canta: “Porque o menino
queria ser Deus.” Esse desejo por se tornar uma divindade é, na verdade, para
nós, o trecho que melhor traduz o processo de sua humanização. Querer ser
Deus pode ter diversas interpretações: é querer ter poder, ter voz, estar presente,
ter condições de realizar vontades; é, por outro lado, querer ser imortalizado,
endeusado, adorado, ovacionado. Todas ou pelo menos algumas delas são
questões que perpassam a humanidade de uma maneira geral. No videoclipe,
esse conceito é traduzido esteticamente na segunda parte da canção, já com
outro beat, outro ritmo, outra interpretação vocal e até outra lírica. Na parte II da
música, Djonga traz versos que se assemelham a “linhas de soco” cantados por
uma língua que “é uma bazuca”. Mas nas imagens o que vemos é a metáfora de
sua mais sincera e egocêntrica ideia: a de querer ser Deus.

Figura 9 - Recorte III do videoclipe “Junho de 94” (2018) de Djonga

É neste trecho do videoclipe em que se revela um novo cenário. Agora


vemos uma mulher negra e gorda seminua sentada na privada folheando uma
revista enquanto Djonga aguarda por algo ao lado dela. Ao que a narrativa do
videoclipe indica, este parece ser um “cenário pós-morte” no qual Deus é uma
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mulher preta que está, literalmente, “cagando” (na forma mais honesta da
expressão, que significa “não dar a mínima importância”) para os padrões e
definições ortodoxos do que ou quem seria Deus. Vale ressaltar que a mulher
folheia uma revista de moda que leva em sua capa uma mulher branca e magra.
Embora a crítica esteja ligada às questões dos padrões femininos de beleza (isto
é, corpos magros), acreditamos que vai além disso: é também uma reconstrução
de narrativa que possibilita as meninas e mulheres negras a repensarem os
locais por onde ocupam e quais outros possíveis de se ocupar. Esse convite que
nos é feito no videoclipe a pensarmos em Deus enquanto uma mulher preta e
gorda coloca Djonga em um patamar de artistas que estão antenados aos
debates (públicos, mas não amplamente discutidos) que vêm acontecendo. Além
disso, essa imagem revela também o seu posicionamento, usando de sua
influência e fama para levantar determinadas pautas e, geralmente, se colocar a
favor delas.

5.3 NÓS

“Nós” é a canção de abertura do álbum “Nu”, o quinto lançado por Djonga


em 13 de março de 2021 pela produtora Ceia, a mesma dos seus outros quatro
álbuns anteriores. O disco conta com 8 faixas e algumas delas foram produzidas
por CoyoteBeatz, o beatmaker que o acompanha desde o início de sua carreira.
O álbum marca a volta do artista às redes sociais, que optou por se afastar da
“internet” ao invés de se pronunciar, após a polêmica do show feito no começo
de dezembro de 2020 no Rio de Janeiro, durante a pandemia do Covid-19, pelo
qual foi alvo de muitas críticas, acusado de promover aglomerações. O fato foi
noticiado, inclusive, pela grande mídia, a exemplo do Jornal Nacional, além de
ter sido um dos assuntos mais comentados no Twitter na época do
acontecimento. Concomitantemente, o debate público reacendeu a discussão
acerca da “cultura do cancelamento”: um termo que se popularizou na Internet
nos últimos anos cujo significado tenta conceituar o fenômeno do “cancelar”.
“Cancelar”, no meio online, significa deixar de “seguir” nas redes sociais, não
apoiar marcas, atores, artistas, influenciadores digitais, personalidades públicas

97
e outras figuras como resposta a um comportamento lido como condenável,
injusto, preconceituoso e/ou ofensivo.

Figura 10 - Encarte do álbum “Nu” (2021) de Djonga

O “cancelamento” de Djonga na Internet foi justamente o combustível


necessário para lançar o seu quinto álbum. Esse episódio, junto com o
isolamento social, provocou diversas reflexões acerca da sua relação consigo
mesmo, com os fãs e a responsabilidade de ser uma pessoa pública, mas além
disso, Djonga expõe neste álbum suas contradições e, sobretudo, as
consequências e proporções que elas ganham, a partir do seu lugar de fala
(RIBEIRO, 2019), ou seja, o lugar social de um homem, preto, cis, hetero,
periférico e como tudo isso implica nas suas experiências. É lógico que a letra e,
consequentemente, o videoclipe da canção “Nós” não vai fugir a esta regra: pelo
contrário, será a partir dessa ocorrência que também vamos tecer a nossa
análise. É válido ressaltar que poucos dias antes do lançamento de “Nu”, Djonga
lança um teaser de 60’’ na sua conta oficial do Instagram. O filme encena um
“julgamento em praça pública” no qual Djonga, o réu, é acusado de “pensar
demais… ou de menos” e é condenado a ser degolado por uma guilhotina. No
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encarte do álbum, vemos a sua cabeça sendo servida em uma bandeja de prata.
Uma mão aponta para a cabeça dele, outras fotografam e outras o insultam
mostrando o dedo do meio.
“Nós” é uma canção que se inicia com uma espécie de prelúdio, isto é,
uma introdução, geralmente recitada ao invés de cantada, comum ao gênero do
Rap, no qual a pessoa agradece, cita outros artistas, cita o beatmaker ou
tematiza a canção, dando-lhe um conceito. É o começo de sua narrativa
autobiográfica: neste momento ele se perde, chora, se encontra, ouve
conselhos, desacredita em si, etc. Neste trecho da música, Djonga parece citar
indiretamente um outro artista, algo comum nas suas canções. Quando ele diz
“Em minha direção veio um mano e disse: / A gente nasce sozinho e morre
sozinho [...]” parece estar citando Emicida, que na canção “Por Deus, por favor”
de 2009 canta: “Aprende, não existe nós / A gente nasce e morre sozin [...]. É
interessante perceber como a voz de Djonga é modulada no início da canção e
como se altera ao final do prelúdio, demarcando o limite entre a introdução e a
canção. Melancólica e introspectiva, a voz Djonga nos dá a sensação de alguém
que está angustiado, triste, talvez até desapontado com essa “entidade” (nós).
Djonga sempre defendeu e apoiou “os seus” em seus posicionamentos,
canções, entrevistas, etc. Mas o que vemos é que os “seus”, ou seja, essas
pessoas que compõem o “nós” decepcionaram o artista, não o apoiaram, não o
perdoaram, e acima de tudo, não lhe entenderam. Foi exatamente o contrário:
ele foi apontado, acusado e julgado por “nós”.
O videoclipe de “Nós” é dirigido por Djonga e Túlio Cipó, uma parceria que
começou antes nos clipes de “Hoje Não” e “Procuro Alguém”. Essa parceria
demarca uma nova configuração narrativa e estética dos videoclipes de Djonga,
que passam a ser muito mais “profissionalizados” no sentido técnico. Sabemos
que uma produção audiovisual envolve uma série de fatores que contribuem para
o resultado final do produto, no entanto, concordamos que a qualidade de um
videoclipe não se encontra necessariamente nas condições técnicas pelas quais
ele foi constituído. Até porque a estética do “amadorismo” presente em outros
videoclipes do artista surge exatamente como parte do conceito do videoclipe,
isto é, não é a falta de recursos, tampouco de profissionais “capacitados” que
levam Djonga a essa escolha, mas a sensação que temos é de que essa mesma

99
escolha parte de um critério estético “ainda não amadurecido”, o que é
completamente comum na carreira de diferentes artistas.

Figura 11 - Recorte I do videoclipe “Nós” (2021) de Djonga

Apesar disso, não podemos negar um fato por nós observado: a presença
de uma marca esportiva, a Nike, em parte do figurino do rapper e do elenco, o
que indica uma parceria e/ou patrocínio, parece ter sido um fator relevante para
definir a estética que somente alguns aparelhos técnicos e outros profissionais
são capazes de realizar, o que é o caso deste objeto em questão. Com 5,6
milhões de visualizações no YouTube, o clipe evoca primeiramente um cenário
periférico que gera um determinado pertencimento ao artista. A iluminação e as
cores presentes em todo o filme dão um ar sombrio, e quando combinados com
os ruídos de armas sendo disparadas, o que vemos é opaco, sem vida e
aparentemente, hostil. Para traduzir esse processo de contradição,
autoconhecimento e redescobertas, mencionados no início desta análise,
Djonga utiliza uma metáfora na qual ele mesmo “se assassina” com uma arma
de fogo. Para nós, esta cena chega não como um atentado ao próprio corpo,
mas sim um constante renascer, como se aquele corpo e principalmente,
aquelas ideias e comportamentos que o acompanharam não fizessem mais
sentido e, por isso mesmo, deverão ser eliminados.

Figura 12 - Recorte II do videoclipe “Nós” (2021) de Djonga

100
Um outro fato relevante se trata da falta do refrão. Essa ausência do refrão
não é interessante do ponto de vista estratégico para a popularização da canção,
uma vez que, como já vimos, o refrão funcionaria como um “mantra de marca”
(KOTLER; KELLER, 2012), um conceito do marketing que, neste nosso trabalho,
combinamos com o de “verso gancho” (SOARES, 2012). O verso gancho da
canção, que origina o gancho visual do videoclipe, é exatamente aquele trecho
da música que “convida” o ouvinte a se envolver, a cantar junto, e geralmente
está localizado no refrão e galgado na repetição. A repetição funcionaria como
um mantra cujo objetivo é articular de maneira sucinta a essência da música,
além de ser também uma ferramenta para memorizar a canção. Portanto, a
ausência de um refrão na canção (e consequentemente de um gancho visual)
pode — mas não necessariamente deve — torná-la menos popular que outras
com refrões bem definidos e articulados, assim como acontece em “Olho de
Tigre”. Uma evidência desta nossa tese, por exemplo, poderá ser observada no
lançamento do videoclipe de “Ea$y Money” que acontece em menos de 3 meses
após o lançamento de “Nós”. Também produzida por CoyoteBeatz e dirigida por
Túlio Cipó, o single já inicia com um refrão que convida o ouvinte a não somente
cantar, como dançar junto e, assim, acumula mais de 3,3 milhões de
visualizações de diferença entre um videoclipe e outro.

Figura 13 - Recorte III do videoclipe “Nós” (2021) de Djonga

101
No terceiro cenário do videoclipe, Djonga parece querer subverter o
imaginário social criando outras representações de pessoas faveladas,
associando-as à riqueza, poder e beleza. O conflito representado pelo
assassinato de si mesmo, que antecede a esta cena, dá lugar a um momento de
ostentação. No quadro, vemos o artista e outras pessoas usando roupas da Nike,
todas em volta do seu carro, um Mercedes-Benz G63 AMG — avaliado em R$ 2
MI —, “estourando” garrafas de espumante, um comportamento tradicionalmente
atrelado ao esporte da Fórmula 1, na qual o piloto vencedor em comemoração a
sua vitória derrama a bebida. A simbologia da ostentação dos sujeitos
periféricos, comum em videoclipes dos gêneros do funk e do Rap, para nós,
surge como uma tentativa de descaracterizar as imagens estereotipadas de
pessoas pretas enquanto pobres, imagens essas, inclusive, reforçadas por muito
tempo na mídia. Como já visto, o videoclipe, assim como toda obra audiovisual,
também é uma fonte de representações (ZANETTI, 2008) que dialoga de
maneira complexa com o mundo real e que pode ou não tensionar símbolos,
criar efeitos e, sobretudo, provocar sentimentos e sensações. Não entraremos,
portanto, na discussão que envolve racismo e consumo. O nosso objetivo aqui é
tentar compreender como a autorrepresentação de Djonga no seu videoclipe
reverbera imageticamente no imaginário social.

102
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao observarmos o videoclipe de “Olho de Tigre”, pudemos constatar que


o áudio tem mais relevância que o visual, ou seja, é na canção em si, na
modulação da voz e até nos agradecimentos que antecedem o vídeo que estão
o verdadeiro valor do videoclipe, sendo a imagem apenas uma performance
gestual da canção, um convite para dançar e cantar junto. Este corpo midiático
(SOARES, 2013) gerado no videoclipe vai elencar Djonga enquanto uma
representação de homem negro periférico a ser referenciada, afinal, a
representação também deve ser entendida enquanto orientadora de práticas,
formadora de pensamentos e, principalmente, geradora de identidades
(OLIVEIRA; MARTINS, 2014). O modo em que ele se porta no vídeo, como
gesticula, a maneira que se veste, por um lado, reforça uma masculinidade
agenciada principalmente pela virilidade e hipermasculinização,
comportamentos comuns e compartilhados entre os artistas da cena do Hip Hop
(DOS SANTOS, 2017). Mas, por outro, Djonga reafirma uma estética periférica
que invoca um pertencimento (ZANETTI, 2008), gerando identificação.
Percebemos também que, a partir do sucesso e grande repercussão do
videoclipe, Djonga fez do refrão da canção o seu mantra de marca (KOTLER;
KELLER, 2012), isso quer dizer, um mantra (que é galgado na repetição, ou seja,
o refrão) que comunica a “essência” da marca, tudo o que ela é e o que ela não
é. Essa “marca” do qual falamos é o artista em si e não uma marca tradicional,
esse ícone criado por designers. Como visto, ao observarmos o contexto da arte
e dos artistas contemporâneos, devido a lógica capitalista estabelecida na
sociedade hoje, fez-se necessário criar uma nova categoria de regime no terreno
das artes, o regime de marca (FETTER, 2013) que rompe com o regime da
singularidade antes vigente. Neste regime, Fetter argumenta que há uma
preocupação muito maior dos artistas em relação ao mercado e por isso mesmo,
passam a utilizar de recursos da publicidade e do marketing. É exatamente este
fenômeno que observamos ao analisar “Olho de Tigre”.
Em “Junho de 94”, diferentemente do videoclipe anterior, Djonga traz
muitas referências e metáforas visuais. Aqui o visual tem a mesma relevância
que o áudio. O videoclipe é a continuação de sua autobiografia, ou melhor, de

103
sua autorrepresentação. Nele, o que captamos foi um discurso iconográfico que
tenta, de certa forma, denunciar/protestar contra uma violência que lhe é
atribuída nos diferentes espaços em que o artista já circulou. A violência, embora
se dê no âmbito do simbólico, é metaforizada através de uma corda no pescoço,
simulando um enforcamento. Observamos que o protesto se dá para além da
letra cantada na canção: o artista escolheu denunciar o racismo utilizando a
própria ótica racista de fixar os atributos biológicos a um corpo negro (NKOSI,
2014), como visto na cena final no qual a imagem de Deus é representada por
uma mulher negra e gorda. Sem camisa e com uma corda no pescoço, Djonga
faz questão de exibir sua melanina, que não é pouca, marcando presença e
saindo de um campo de invisibilização, comum no processo de masculinização
do homem negro (NKOSI, 2014). Porém, de outra forma, a agressividade
constitutiva da linguagem e do posicionamento dos seus videoclipes, vem sim
como uma resposta a uma dura realidade de violentação, mas sobretudo, acaba
se limitando ao seu “mundinho de macho” (SAFFIOTI apud NKOSI, 2014, p. 77)
no qual, muitas vezes, o único agenciamento possível é através de uma
gesticulação e performance agressivas.
Djonga, que antes estava “pendurado pelo pescoço”, em “Nós”, entrega a
sua cabeça em uma bandeja. É nítido para nós que o episódio do show durante
a pandemia do Covid-19 e as consequências que isso tomou mexeu com o
artista de uma maneira geral, tornando-se inclusive o tema-conceito do seu
álbum “Nu”. Na nossa análise, percebemos a intimidade de alguém que está em
conflito consigo mesmo. É como se Gustavo estivesse em uma batalha com a
sua própria marca, Djonga. E assim, “pessoa física” e “pessoa jurídica” são
representadas metaforicamente como Djonga assassinando Djonga. Uma leitura
diagnóstica (KELLNER, 2001) desse videoclipe nos dá uma compreensão
gigante acerca do contexto histórico, sociopolítico, ideológico e até psicológico
do artista em questão. Pudemos perceber também algo incomum em relação
aos outros videoclipes analisados: a presença de uma marca multinacional, a
Nike. Essa estratégia publicitária, conhecida como product placement, surge
como uma grande evidência de uma comunicação de marca que aposta na mídia
segmentada, uma estratégia que surge a partir da convergência midiática e da
evolução de consumo (COVALESKI, 2010).

104
Por fim, constatamos um outro fenômeno, comum nos videoclipes do
gênero de Rap: a estética da ostentação. Mas, para além da estética, existe um
discurso e uma lógica de representação por trás da exibição de grifes, joias e
objetos de valor. O efeito criado por essa prática nos parece ter mais a ver com
uma reivindicação do direito à uma imagem associada ao luxo, poder e riqueza,
subvertendo as imagens estereotipadas de pessoas negras associadas à
pobreza, miséria, feiura, etc. Se há um discurso que busca legitimar a periferia e
as pessoas que nela vivem (ZANETTI, 2008), isso seria uma intervenção crítica
no mundo das imagens que confere libertação e autodefinição (hooks, 2019). No
entanto, a problemática surge quando esse discurso parte necessariamente do
consumo. Para nós, a prática da ostentação é extremamente válida nesses
aspectos, no entanto, deveríamos nos atentar a outras possibilidades de
legitimação que saiam da lógica do capitalismo. Do contrário, estaríamos apenas
servindo como totens do capital que, ao invés de tensionar discursos e imagens,
vamos reforçar antigos interesses e a manutenção do status quo.

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7 FONTES

Fontes primárias
Videoclipes

Djonga
Junho de 94 (2018)
Nós (2021)
Olho de Tigre (2017)

Fontes secundárias
Álbuns
BK
O Líder em Movimento (2020)

Djonga
Ladrão (2019)
Nu (2021)

Músicas
BK
Bloco 7 (2020)

Djonga
A Música da Mãe (2018)
Hat-trick (2019)

Videoclipe
Anitta
Vai Malandra (2017)

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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