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TELA DE BABEL:
HISTORICIDADE E TRANSIÇÕES NO MERCADO AUDIOVISUAL
TELA DE BABEL:
HISTORICIDADE E TRANSIÇÕES NO MERCADO AUDIOVISUAL
_____________________________________________
Prof. Dr. Antonio Roberto Chiachiri Filho
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
_____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Alberto Beserra de Farias
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Conteúdo é tudo.
(Campanha da Globo.com, de 2010, assinada por Washington Olivetto)
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AGRADECIMENTOS
Escrever uma tese de doutorado é uma tarefa complexa. Durante esses quatros anos (e
meio, neste caso) tudo pode acontecer (e geralmente acontece!). Rupturas, enlaces, mudanças
súbitas, enfermidades (e internações), imprevistos mil (carro furtado, computador quebrado etc.).
Você são sai incólume de tudo isso. Ao mesmo tempo, é um saboroso espaço de pesquisas, de
leituras prazerosas e descobertas que abrem o horizonte. Para mim, foi uma etapa de importantes
conquistas, de amadurecimento pessoal e profissional.
Este estudo não é uma obra coletiva, mas não existiria se não houvesse muita gente
envolvida apoiando. Sinto enorme gratidão por cada pessoa que gentilmente colaborou nesse
processo, seja por uma simples conversa sobre os temas desta pesquisa, ou pelas frases de incentivo
nos momentos em que se começa a esmorecer. É importante reconhecer e valorizar toda essa rede
de auxílio.
Primeiramente quero agradecer ao Centro Universitário Belas Artes de São Paulo pela
bolsa que me ajudou a viabilizar este projeto. No Brasil, poucas são as empresas que investem em
seus funcionários. A Belas Artes é uma delas.
Faço aqui um destaque para o papel do meu orientador Prof. Dr. Sebastião Squirra, que
me acompanhou desde o mestrado. Sou grato pelos seus conselhos, encorajamentos, broncas,
estímulos, provocações intelectuais e, principalmente, pela liberdade recebida durante a pesquisa.
Passei a enxergar um audiovisual muito mais amplo sob a sua ótica. Jamais esquecerei tudo isso.
No desfecho dessa trajetória tive o privilégio de ter um segundo orientador, o Prof. Dr.
Antonio Roberto Chiachiri Filho, que zelosamente contribuiu para a consolidação desta tese.
Também quero agradecer aos professores que participaram da banca de qualificação e
emitiram preciosas recomendações: Prof.ª Dr.ª Marli dos Santos e Prof. Dr. Guilherme Bryan.
Além destes, na reta final recebi importante ajuda dos amigos Prof. Dr. Márcio Rodrigo Ribeiro,
com suas modernas reflexões sobre o audiovisual; do Prof. Dr. Edson Correia de Oliveira, pela
importante revisão; e do Prof. Dr. Carlos Pereira Gonçalves, que fez as vezes de um terceiro
orientador. Louvo todos vocês! Agradeço da mesma forma aos gurus Fabrício Naotsugo Sakashita
e Flávio Kallai Navikas.
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Nas árduas curvas da estrada, alguns obstáculos parecem intransponíveis. Por isso, quero
fazer um agradecimento especial à Roberta Iahn pelo amparo num dos momentos mais difíceis
desta caminhada.
Depois da tempestade, vem a bonança. Eis que surge o poeta Augusto Rafael Brito
Gamboa, com seu imenso amor, para me apresentar o caminho dourado rumo ao equilíbrio e à
felicidade. Agradeço pelas ideias, pela paciência e por toda a sua ajuda ao longo deste trabalho.
Sou grato ao meu irmão, José Roberto Torero, e minha cunhada, Maria Rita Barbi, pela
revisão de alguns capítulos aos 49 minutos do 2º tempo. Na hora do aperto, eles são meu porto
seguro. À toda a minha família e aos meus amigos de jornada, minha gratidão eterna. Agradeço
por terem sido minha bússola quando a nau estava à deriva (e foram muitas vezes!). Amo vocês!
Pai e vó, sei que se estivessem aqui teriam sentido orgulho de mim... (saudades!)
Enfim, para não cometer a injustiça de esquecer algum nome, prefiro agradecer de maneira
geral a todos que, diretamente ou indiretamente, me ajudaram a chegar até aqui. Grato de coração!
Agradeço à vida por ter sido tão generosa comigo.
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RESUMO
ABSTRACT
We are facing a new media context with the increase of audiovisual content offering, audiences’
hyper segmentation and the price decrease of connecting devices, which are even more convergent.
These new digital technologies allow users to be at the same time active producers, programmers
and distributors of audiovisual content. Based on the historicity of the main technologies for
capturing, reproducing and transmitting image and sound of cinema and TV, the present study
analyses how the audiovisual ubiquity in infinite screens has led to a rapid alteration in the
television business models. The TV, which was for decades the most powerful and influent mass
media, is now forced to reinvent itself and split revenues with new disruptive players emerged from
the Internet, such as Netflix. The work was based on media studies supported by exploratory and
bibliographical research methodology, as well as documentary analysis. The frame of reference is
based on the theoretical background of authors such as Henry Jenkins, Nicholas Negroponte and
Guillermo Orozco who advocate the coexistence of the old and the new media. In the Babel of the
screens, television becomes one among many other displays.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Artefatos que produzem ilusão de ótica (séc. XVII a XIX) .................................... 34
Ilustração 2 – Início dos registros fotográficos de seres em movimento (séc. XIX) .................... 37
Ilustração 3 – Equipamentos individuais de exibição de imagens em movimento (séc. XIX) .... 39
Ilustração 4 – Primeira exibição pública e paga do cinematógrafo dos irmãos Lumière ............. 41
Ilustração 5 – Estúdios de cinema em Hollywood, na Califórnia ................................................ 49
Ilustração 6 – Processo de som em disco para filmes ................................................................... 50
Ilustração 7 – Sistema de colorização por estêncil Pathécolor ..................................................... 55
Ilustração 8 – Comparação entre as diferentes proporções de telas (aspect ratio)........................ 59
Ilustração 9 – Variedade de formatos e bitolas das películas cinematográficas ........................... 60
Ilustração 10 – Padrão de tela do Vertical Film Festival ............................................................. 62
Ilustração 11 – Sistemas de estereoscopia 3D .............................................................................. 64
Ilustração 12 – Início do cinema estereoscópico 3D .................................................................... 65
Ilustração 13 – Processo de 3D polarizado (Natural Vision) ....................................................... 68
Ilustração 14 – Comparação entre os tamanhos de tela ................................................................ 70
Ilustração 15 – Display a laser multivisão autostereoscópio TriLite Trixel ................................. 76
Ilustração 16 – Sistemas de som Dolby Digital Surround ............................................................ 80
Ilustração 17 – Sistema de som Dolby Atmos .............................................................................. 81
Ilustração 18 – Longas-metragens que usaram aromas como complemento da narrativa ........... 85
Ilustração 19 – Maior sala de cinema 4D do mundo, na China .................................................... 86
Ilustração 20 – Poltronas D-Box .................................................................................................. 88
Ilustração 21 – Cinépolis JK Iguatemi, em São Paulo .................................................................. 90
Ilustração 22 – Cinefesta Cinépolis (Natal - RN) ......................................................................... 91
Ilustração 23 – Transmissão televisiva dos Jogos Olímpicos de Berlim (1936) .......................... 99
Ilustração 24 - Primeiras experiências de transmissão televisiva de John Logie Baird ............. 100
Ilustração 25 - Aparatos televisivos de John Logie Baird .......................................................... 101
Ilustração 26 - Início da televisão no Reino Unido .................................................................... 103
Ilustração 27 – Publicações e anúncios do Baird Televisor ....................................................... 104
Ilustração 28 - Programação da London Television (BBC) ........................................................ 105
Ilustração 29 – Primeiros testes de transmissão da TV norte-americana ................................... 108
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Filmes lançados e bilheteria (em US$ bi), EUA e Canadá (2003 a 2016) .................. 72
Tabela 2 – Formatos analógicos e digitais de armazenagem de vídeo (1956-2005) ................... 155
Tabela 3 – Gêneros de vídeos on-line mais comuns em sites, mensagens instantâneas e VoD .. 226
Tabela 4 – Conglomerado Time Warner – AT&T – DirecTV ................................................... 235
Tabela 5 – Panorama setorial (ANATEL) .................................................................................. 238
Tabela 6 – Distribuição da verba de mídia em 2016 – Top 10 no mundo .................................. 241
Tabela 7 – Investimento publicitário no Brasil (2016) ............................................................... 243
Tabela 8 – As 10 maiores audiências da TV brasileira em 2014 (PNT) .................................... 249
Tabela 9 – Evolução do share nacional das redes de TV (2010-2016) ...................................... 253
Tabela 10 - Programas da TV aberta e da Netflix mais comentados no Twitter, em 2017 ........ 262
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LISTA DE GRÁFICOS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 19
INTRODUÇÃO
1
Em comunicação, plataforma é uma estrutura digital ou analógica que facilita a troca de informações, o
compartilhamento, coleta e disseminação de conteúdos diversos. O termo refere-se mais à arquitetura de hardwares e
a aplicativos ou softwares, mas o suporte também pode ser um jornal, uma revista, o rádio ou a TV (RABAÇA;
BARBOSA, 2014, p.211).
2
Bit é a abreviação de binary digit, algarismo binário. É a menor unidade de informação que um computador pode
armazenar. No estado off assume o valor de 0 e no estado de on, o valor 1. Quanto maior o número de bits de uma
imagem, melhor será a sua resolução. Cada conjunto de 8 bits é chamado de byte (PIZZOTTI, 2003, p.48).
3
Lucia Santaella (1992, p.08) adota a terminologia ‘mídias’ no plural, objetivando destacar “os traços diferenciais e
sui generis de cada mídia individual, para caracterizar a cultura que nasce nos trânsitos, intercâmbios, fricções e
misturas entre os diferentes meios de comunicação”. Para a autora, a dilatação desse termo decorre do surgimento
frenético de equipamentos técnicos e novos processos de comunicação (televisão por cabo, videocassete, jogos
eletrônicos, videodisco), os quais não conseguem mais ser caracterizados como meios de massa. O termo mídia chegou
também aos processos de comunicação mediados pelo computador. A partir de então, todos os meios (de massa, o
livro, a fala), móveis e fixos, mediados pela Internet, passaram a receber a denominação genérica mídia. Para Luís
Mauro Sá Martino (2014, p.186) “a palavra ‘mídia’ é quase um acidente: trata-se da apropriação da sonoridade, em
inglês, da palavra media, plural de medium, que em latim significa simplesmente ‘meio’. As pesquisas norte-
americanas em Comunicação fizeram largo uso da palavra ‘media’, em inglês, é ‘mídia’, de onde vem a expressão em
português”. Martino se contrapõe à Santaella ao afirmar que, quando se fala ‘a mídia’, no singular, a referência costuma
ser o conjunto dos meios de comunicação (em livros de comunicação publicados em Portugal é comum encontrar o
termo ‘os media’ ou ‘os média’). “Nesse sentido, como ‘mídia’ já é plural, parece ser redundante falar ‘as mídias’ –
mas de qualquer modo, o uso corrente no português falado no Brasil consagrou ‘a mídia’ ou ‘as mídias’ para designar
os meios de comunicação (MARTINO, 2014, p.186).
20
de aproximadamente 1,1 centímetro de largura por 62 milímetros de altura) aos monitores gigantes,
como a TV de LED Big Hoss da Panasonic, com 2.852 polegadas (66,4 metros de largura por 28,8
metros de altura, equivalente ao tamanho de um edifício de 12 andares) e alta definição. Com os
dispositivos conectados em rede, os conteúdos audiovisuais, em fluxo (ao vivo) ou em repositório
(filmados ou gravados), tornam-se disponíveis em qualquer lugar. Desfrutamos uma época de
“ubiquidade audiovisual” em que o usuário é capaz de acessar o que quer ver, quando, onde e como
quiser, desde que tenha poder aquisitivo para tanto.
A multiplicidade de plataformas audiovisuais está afetando o tradicional mercado de
radiodifusão. Em vista disso, este estudo tem como base a televisão: sua história, seu
desenvolvimento tecnológico-econômico e a atual concorrência que vem sofrendo com o
surgimento de novos players digitais. Enquanto o surgimento de ameaças disruptivas está
modificando a ecologia dos meios (SCOLARI, 2015), a televisão luta para manter sua importância
e, principalmente, sua enorme fatia de investimento publicitário.
Os debates anglo-saxões e latino-americanos sobre o “fim” da Era da Televisão também
serão tratados neste trabalho. Nessa contenda, temos presenciado duas correntes de pensamento
sobre o atual momento de transição da televisão: a primeira defende a ideia que a televisão “não
está morta nem morrendo”, e a outra sustenta que “uma certa televisão está morrendo” (CARLÓN;
FECHINE, 2014, p.8).
Para analisar o ambiente de incertezas acerca da televisão, faz-se necessário resgatar o
desenvolvimento de outras duas mídias: o cinema e a Internet. O cinema, por sua natureza, é a
gênese para o que hoje chamamos de audiovisual: “o cinema constitui a matriz histórica da criação
das linguagens, da estética e das técnicas do audiovisual” (BRASIL, 2006, p.2). Já a Internet, por
sua característica digital em rede, integra na mesma plataforma conteúdos audiovisuais (televisivos
e cinematográficos), radiofônicos e impressos (jornais e revistas).
Em relação à etimologia, a palavra audiovisual [audi(o) + visual, do inglês audiovisuals e
do francês audiovisuel (1955)] é um adjetivo e, na maioria das vezes, substantivo, “que designa
(de modo bem vago) obras que mobilizam, a um só tempo, imagens e sons, seus meios de produção
e as indústrias ou artesanatos que as produzem” (AUMONT; MARIE, 2012, p.25). Fala-se, por
exemplo, de documentos audiovisuais, de métodos audiovisuais, de meios de transmissão
audiovisuais. Num sentido mais amplo, o audiovisual designa profissões (ocupações do
audiovisual), conteúdos (gêneros de programas, vídeo-arte etc.), suportes (o conjunto de estações
21
de televisão, por cabo, por satélite, smartphone, computador, CD, DVD, fotolog, blog, YouTube,
animação digital, entre outros), sistemas didáticos (aplicados em escolas, em programas de
treinamento etc.), além das indústrias do audiovisual, das quais a televisão e o cinema fazem parte
(FILHO, 2009, p.31).
Para Jacques Aumont e Michel Marie (2012, p.25), “do ponto de vista teórico, esse termo
[audiovisual] serviu mais para confundir. E a teoria, a princípio, se empenhou em contestar e torná-
lo claro”. Anne Goliot-Leté (et al, 2011, p.45) ressalta que, para a academia, a expressão padece
“duma grande imprecisão”, mesmo assim, a palavra encontrou algum acolhimento nas
terminologias institucionais, como, por exemplo, no CSA, o Conseil Supérieur de l’Audiovisuel
(Conselho Superior do Audiovisual, da França). No Brasil, em 2004, a proposta feita pelo
Ministério da Cultura de transformar a Ancine (Agência Nacional do Cinema) em Ancinav
(Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) encontrou uma série de obstáculos, especialmente
das emissoras de televisão (Rede Globo) e distribuidoras estrangeiras, que não queriam ser taxadas
nem reguladas, o que resultou no engavetamento do anteprojeto, no final de 2006, pelo Congresso
Nacional.
Nos últimos anos, parte dos cursos universitários de cinema 4 estão se transformando em
cursos de audiovisual como, por exemplo, o “Curso Superior do Audiovisual” 5, da Universidade
4
A proposta de Diretrizes Curriculares para os Cursos Superiores de Cinema e Audiovisual foi longamente discutida
pela Comissão Especial criada pela Secretaria de Ensino Superior (SESu/MEC), em 2004. Segundo a Comissão, na
década de 1970, os cursos de cinema foram integrados aos cursos de Comunicação Social e de Artes, causando alguns
problemas em função do modelo do currículo mínimo exigido aos cursos de Comunicação. Nos anos 1980, o desafio
maior foi acompanhar a constante evolução das técnicas na área do audiovisual, na época, o vídeo. Sendo assim, a
Comissão Especial entendeu que os cursos de cinema e audiovisual precisariam se desmembrar da Comunicação Social
para obterem uma estrutura diferenciada e independente. O primeiro curso no Brasil que conseguiu esse estatuto foi o
curso de “Cinema e Vídeo”, da Universidade de São Paulo, em 1991. Seu currículo introduz os alunos, desde o primeiro
semestre, às técnicas e teorias específicas desse campo de conhecimento. “Considerando-se que os meios audiovisuais
estão em constante evolução, com a introdução intermitente de novas tecnologias, as misturas dos suportes, a criação
de diferentes janelas de exibição, como atualmente a web, decorre que os cursos de cinema e de audiovisual precisam
passar e estar permanentemente atualizados com as inovações a fim de propiciar aos seus alunos uma adequada
inserção no mundo profissional” (BRASIL, 2006, p.2).
5
O Curso Superior do Audiovisual (CSAv) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP prepara profissionais,
com formação teórica e prática, para desempenhar funções técnicas e artísticas em diversas áreas da realização
audiovisual, compreendendo roteirização, produção, captação e tratamento da imagem, direção, sonorização, edição e
finalização, além de atividades de crítica e pesquisa histórica. A grade do curso envolve um conjunto de disciplinas
obrigatórias, teóricas e práticas, que se destinam a abarcar os conteúdos essenciais da formação nas diferentes áreas
que compõem o universo do audiovisual e um conjunto de disciplinas optativas complementares que permitem ao
aluno aprofundar-se em aspectos específicos do audiovisual conforme seu interesse pessoal. Em relação ao mercado
de trabalho, o profissional do Audiovisual é um produtor de conteúdo para atender as áreas de cinema, emissoras
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abertas e segmentadas de TV e rádio, publicidade, produções institucionais, Internet e games. Possibilita, também, a
atuação como pesquisador, crítico e professor para as escolas de ensino superior desses setores (FUVEST, 2015).
6
Na faculdade de Realização Audiovisual da Unisinos, além da formação em cinema, o discente também está apto
para trabalhar com televisão, vídeo, fotografia e animação. Durante a graduação em Realização Audiovisual, o aluno
aprende diversas funções relacionadas à produção audiovisual em cinco formatos fundamentais: ficção, documentário,
publicidade, telejornalismo e videoclipe (UNISINOS, 2018).
7
O curso forma profissionais para atuar nas áreas de direção, roteiro, fotografia, som, montagem e edição, produção,
animação e crítica de cinema, vídeo e televisão.
8
Os outros festivais e mostras de audiovisual são: “Curta O Gênero – Mostra Internacional de Audiovisual”
(Fortaleza), “FAM – Florianópolis Internacional Audiovisual” (Florianópolis), “Mostra Pequi de Audiovisual”
(Montes Claros), “FRAPA – Festival do Roteiro Audiovisual de Porto Alegre” (Porto Alegre), “MOSCA – Mostra
Audiovisual de Cambuquira” (Cambuquira), “MUDA! – Mostra Universitária de Audiovisual – UFSJ” (São João Del-
Rei), “Mostra Audiovisual de Dourados” (Dourados), “FESTISSAURO – Festival de Audiovisual do Vale dos
Dinossauros” (Campina Grande), “FAVERA – Festival Audiovisual Vera Cruz” (Goiânia), “Mostra Curta Audiovisual
de Campinas” (Campinas), “Festival de Audiovisual de Belém” (Belém), “Mostra Audiovisual de Petrópolis”
(Petrópolis), “Festival Internacional Colaborativo do Audiovisual” (Rio de Janeiro), “Fest Aruanda do Audiovisual
Brasileiro” (João Pessoa), “Mostra Permanente de Audiovisual Red Pub (Juazeiro), “NOIA – Festival do Audiovisual
Universitário” (Fortaleza) (KINOFORUM, 2018).
23
9
TV por assinatura, televisão fechada ou TV paga (pay TV) é a transmissão de sinais de televisão em regime de circuito
fechado ou assinatura, via cabo ou por antenas especiais. Neste caso, o sinal é codificado de modo a estar disponível
somente para assinantes, munidos de dispositivo de decodificação. Ao contrário da televisão aberta, sua programação
é composta de um grande número de canais, dirigidos a públicos segmentados. Para determinados programas, as
empresas de televisão fechada utilizam também o sistema de exibição pay-per-view. Já a televisão aberta, ou free-to-
air, não cobra tarifa do telespectador e tem na publicidade sua principal fonte de faturamento.
10
Video-on-demand (VoD): Vídeo sob demanda, vídeo por demanda. Nesse serviço, o usuário paga para ter acesso a
um programa ou acervo. O pagamento pode ser mensal ou pontual, e o conteúdo fica disponível para o usuário assistir
a qualquer hora pelo período acordado.
11
Embora o setor audiovisual esteja predominantemente representado nessas classificações, existem algumas
atividades audiovisuais não presentes neste escopo, por estarem isoladamente em um nível maior de desmembramento.
Em outros casos, a atividade selecionada engloba produtos ou serviços não pertencentes ao setor audiovisual, como
por exemplo, com as operadoras de televisão por assinatura por cabo, micro-ondas e satélite. Apesar de essas atividades
incluírem o serviço de acesso à internet ofertado pelas operadoras, elas foram consideradas no Estudo da Ancine por
serem predominantemente relacionadas ao setor audiovisual (ANCINE, 2016, p.7-8).
24
12
Pay-per-view (PPV): Pagar para ver. Sistema de exibição exclusiva, utilizado em televisão fechada, que consiste na
apresentação de um programa (filme, evento artístico ou esportivo, etc.) disponível para o assinante mediante o
pagamento de uma taxa que permite a decodificação do sinal emitido. A programação é vista ao mesmo tempo por
todos que a compraram, ao contrário de sistemas de video-on-demand, que permitem ao usuário do serviço ver a
programação no momento que quiser.
25
13
Em comunicação, a palavra “meio” pode apresentar diferentes significações. “Meio” diz respeito àquilo que se
intercala e conecta uma coisa à outra. Pode se referir às operações necessárias para se alcançar alguma coisa ou alguém,
ou aos procedimentos que permitem chegar a um determinado fim. “Meio compreende espaço (a sala de cinema, o ar),
matéria (o papel, a película), instrumentos, ou artefatos (a câmera, o telefone), mas também a tecnologia de construção
e operação desses instrumentos (saberes, habilidades e operações), bem como as linguagens que essas tecnologias
possibilitam criar” (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p.188). Em telecomunicação, os meios são dispositivos que, a partir
de suas possibilidades e capacidades materiais, transmitem sinais. Para Eduardo Neiva (2013, p.360), “as mensagens
que circulam entre transmissores e receptores são veiculadas materialmente através de meios que formam os canais de
comunicação. Já que os meios são materiais, haverá tantos meios quanto houver sentidos”. Por exemplo: meios
auditivos, visuais, gustativos, táteis e olfativos. Segundo o autor, mesmo que os meios sigam as determinações
materiais dos sentidos, essa ideia deve incluir o cérebro, pois ele processa toda a informação que chega através dos
sentidos materiais. Cada meio tem a capacidade de transmitir códigos ao longo de um canal, ou canais.
14
Marshall McLuhan, ao afirmar que “o meio é a mensagem”, quis dizer que as consequências sociais de um novo
meio tecnológico significam mais em si mesmas do que os usos para os quais elas foram feitas (O’SULLIVAN, 2001,
p.151). Por exemplo, a existência da televisão é mais expressiva do que o conteúdo dos seus programas. Esse
“conteúdo” encobre o modo de atuação dos meios e desvia os seus verdadeiros efeitos. Ou seja, os efeitos da mídia
não dependem daquilo que veicula, mas apenas de si mesma. McLuhan propõe pensar as mídias como extensões dos
sentidos e das potencialidades de ação do corpo humano. Sob esse ponto de vista, o universo de objetos investigados
sob a rubrica mídia amplia-se consideravelmente, muito além dos meios de comunicação de massa, e passa a englobar
outros dispositivos como o telefone, a máquina de escrever e os aparelhos de escuta musical, entre vários outros.
26
15
Palavra derivada de tecnofilia (technophilia), formada pela junção de techno (tecnologia) e philia (amor, amizade,
simpatia). Tecnofílico (technophile) é uma pessoa com atitude de incentivo face ao progresso da tecnologia, que tem
gosto ou interesse por produtos de tecnologia de ponta
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Broadcast: Termo da língua inglesa formado por duas palavras distintas, broad (largo, ou em larga escala) e cast
(enviar, projetar, transmitir). Neiva (2013, p.75) define como “emissão e transmissão de imagens e sons por meio do
rádio e televisão. Broadcasting é transmissão ampla, portanto processo característico da emissão aberta em radiofonia
e televisão”. Broadcast é sinônimo de teledifusão ou radiodifusão (serviço de sons e imagens, por meio de ondas
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pessoas para grupos com interesses específicos). Também anteviu a confluência entre setores da
indústria da comunicação e da computação.
No capítulo “O horário nobre é meu”, o visionário autor predisse o atual modelo de
consumo nas plataformas digitais de vídeo, em que os usuários, interconectados pela Internet, têm
o controle temporal sobre o quer assistir. Negroponte (1995, p.19) foi ainda mais longe ao prever,
antes da existência da Netflix, que “os primeiros átomos de entretenimento a serem transformados
em bits serão os das fitas de videocassete das locadoras”.
Numa época anterior às telas inteligentes e ao uso dos algoritmos (modelos matemáticos
que ajudam a fazer previsões), Negroponte (1995, p.83) afirmava que o desafio “não é apenas
oferecer às pessoas telas maiores, melhor qualidade de som e um painel gráfico de comando fácil
de usar. É fazer computadores que conheçam o usuário, aprendam quais são suas necessidades e
entendam linguagens verbais e não verbais”.
O terceiro autor utilizado na fundamentação teórica é Guillermo Orozco, organizador da
série de livros “TVMorfosis”, que analisa a televisão sob diferentes aspectos. Orozco acredita na
coexistência dos antigos e novos meios comunicacionais, na simultaneidade das velhas e novas
práticas de produção, na recepção e intercâmbio comunicativo em que “nem o antigo sistema
midiático se extingue nem o novo se instala de forma generalizada ou excludente” (OROZCO,
2014, p.103). O autor afirma que a TV permanece em transição, deixando de ser uma tela
dominante para ser mais uma entre tantas e atreve-se a apostar que essa conjuntura de coexistência
terá duração indeterminada. Orozco também assinala a convivência das múltiplas telas e seus
tamanhos: ao mesmo tempo em que se tornam cada vez maiores, gigantescas, há uma tendência na
redução das telas para torná-las cada vez mais móveis e portáteis.
Juntamente com Jenkins, Negroponte e Orozco, esta investigação se amparou nos
conceitos de outros autores como Toby Miller, Mario Carlón, Carlos A. Scolari, Lucia Santaella,
Marshal McLuhan, Raymond Williams, Manuel Castells, David Brennan, A. C. Gomes de Mattos,
André Gaudreault e Philippe Marion, entre outros, que corroboram e contribuem para as análises
desenvolvidas ao longo do trabalho.
eletromagnéticas). Entretanto, como a transmissão audiovisual não se dá mais exclusivamente por ondas de rádio,
podemos considerar broadcast o ato de transmitir algo, utilizando qualquer tipo de mídia, seja ela via ondas de rádio,
satélite, cabos, fibras ópticas, linhas telefônicas etc. Em exemplo é o antigo slogan Broadcast Yourself (2005-2012) do
YouTube que significa “transmita-se”, ou “transmita a si mesmo”. Broadcasting é o oposto a narrowcasting, TV
fechada (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.81).
29
Todo estudo resulta no levantamento de dados de variadas fontes. Para este trabalho,
foram utilizados estudos científicos e pesquisas de mercado publicados em livros, jornais, revistas,
boletins, periódicos especializados, sites de institutos de pesquisa e empresas de consultorias, além
de análises divulgadas em teses, dissertações e artigos acadêmicos. Levantou-se uma significativa
quantidade de informações que, posteriormente, foram selecionadas, comparadas, processadas e
resumidas, para maior entendimento do estudo. Sendo assim, este trabalho utilizou-se de métodos
de pesquisa exploratória, bibliográfica e documental.
A pesquisa exploratória tem por objetivo aumentar a quantidade de informações sobre um
determinado assunto que se quer investigar. Ajuda o pesquisador a delimitar o tema, a definir seus
objetivos, formular hipóteses pertinentes para o estudo e clarificar conceitos. “Embora o
planejamento da pesquisa exploratória seja bastante flexível, na maioria dos casos assume a forma
de pesquisa bibliográfica ou de estudo de caso” (GIL, 2002, p.41). De uma maneira geral, permite
traçar estratégias mais sofisticadas que possibilitem alcançar finalidades precisas.
A pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de material já publicado, por meio impresso
ou eletrônico, coloca o pesquisador em contato direto com o tema escolhido. Trata-se do primeiro
passo em qualquer tipo de exploração científica, com o objetivo de examinar a literatura existente
e não redundar o objeto de estudo. “Qualquer espécie de pesquisa, em qualquer área, supõe e exige
uma pesquisa bibliográfica prévia, quer para levantamento da situação em questão, quer para
fundamentação teórica, ou ainda para justificar os limites e contribuições da própria pesquisa”
(RAMPAZZO, 2005, p.53). A pesquisa bibliográfica é imprescindível nos estudos históricos. Em
muitos casos, não há outra forma de conhecer os acontecimentos passados se não com base em
dados bibliográficos (GIL, 2002, p.45).
A pesquisa documental é realizada a partir de documentos, contemporâneos ou
retrospectivos, de fontes fidedignas, a fim de descrever e comparar fatos, “estabelecendo suas
características ou tendências” (PÁDUA, 2004, p.69). É amplamente usada na investigação
histórica e, devido às suas características, pode ser confundida com a bibliográfica. A diferença de
ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica utiliza-se sobretudo por
materiais impressos sobre determinado assunto localizados nas bibliotecas, “a pesquisa documental
vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser
reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. (...) Nesta categoria estão os documentos
conservados em arquivos de órgãos públicos e instituições privadas” (GIL, 2002, p.45-46).
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A tese está dividida em dois eixos principais que podem ser compreendidos de maneira
independentes, entretanto, complementares: a historicidade das tecnologias e as transformações do
mercado audiovisual.
O capítulo I, “Panorama das tecnologias no cinema”, levanta a evolução das principais
tecnologias de captação, reprodução e transmissão de imagem e som. O texto discorre sobre a
formação da indústria cinematográfica, o início da projeção colorida, os superformatos de tela, o
cinema estereoscópio, a evolução dos sistemas sonoros, o cinema aromático, os simuladores e as
salas especiais de exibição.
O capítulo II, “Apontamentos sobre o desenvolvimento da televisão”, recupera a origem
da TV no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Brasil, e apresenta o avanço tecnológico da
televisão por cabo, do televisor colorido, a chegada dos equipamentos para registrar imagens como
o cinescópio e o videoteipe, os sistemas de transmissão por micro-ondas e satélites artificiais de
comunicação, a alta definição e a televisão digital terrestre.
O capítulo III, “A Internet como plataforma audiovisual”, discorre sobre as tecnologias
pré-Internet, como o videotexto, e narra do advento da rede internacional de computadores até a
sua evolução para a exibição de vídeos on-line. O texto também observa a explosão no consumo
de vídeo sob demanda, que coloca em cheque o futuro da televisão, tema do próximo capítulo.
É importante ressaltar que, além do resgate histórico, essa primeira parte do trabalho faz
conexões entre o desenvolvimento tecnológico e econômico, tanto da televisão, do cinema, quanto
na Internet, pois todas as formas e modelos de produtos audiovisuais contemporâneos estão
umbilicalmente ligados à cinematografia. O primeiro eixo, de caráter histórico, é, portanto, o
alicerce para compreensão do audiovisual e suas transformações, além de apontar possíveis
cenários futuros (no plural). O segundo eixo da tese refere-se às modificações que o mercado
televisivo vem sofrendo diante do farto conteúdo audiovisual disponível na Internet.
O capítulo IV, “O mercado audiovisual em transição”, expõe o atual contexto da
convergência midiática, faz um levantamento dos números do audiovisual no Brasil e trata das
novas plataformas disruptivas que estão mudando o tradicional mercado de televisão. O texto
também aborda a hipersegmentação do público diante das múltiplas telas. São os números dos
institutos de pesquisa que determinam todo o investimento publicitário nas mídias.
Por fim, no capítulo V, “Netflix: o serviço que mudou a forma de produzir e consumir
entretenimento audiovisual”, mostra a história do maior serviço de vídeo sob demanda por
32
assinatura no mundo e que tem desafiado o setor de TV por assinatura em muitos países. O texto
também apresenta os concorrentes diretos e indiretos da Netflix, como a Amazon Prime Video,
Globoplay e outros serviços de video-on-demand de nicho, além de tratar da aquisição e produção
de conteúdo próprio. Seria a Netflix a “nova” TV?
Importante ressaltar que, ao longo de toda a pesquisa, foram utilizadas muitas notas de
rodapé com a finalidade adicionar informações complementares ou fontes sem interromper a
fluidez e a sequência lógica da leitura.
33
As imagens são superfícies que pretendem representar algo. (...) Devem a sua
origem à capacidade de abstração específica a que podemos chamar imaginação.
(...) Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens (FLUSSER, 1998,
p.27)
1.1 Pré-cinemas
17
Um dos inventores da fotografia, Joseph Nicéphore Niépce, denominou sua técnica de heliografia, numa referência
ao deus grego Helio, que representa o Sol. Já Louis Jacques Mandé Daguerre batizou-a daguerreótipo, numa auto-
homenagem, mesma atitude de William Henry Fox-Talbot, que reivindicou a descoberta do talbótipo. O termo
fotografia passou a denominar todos os processos semelhantes, tendo sua autoria atribuída a outro inventor da técnica,
o britânico John Herschel, que criou a palavra photography, cujo primeiro registro escrito é março de 1839. Em 1833,
Hercule Florence, francês radicado no Brasil, não apenas cunhara o termo photographie como desenvolveu um
processo fotográfico no interior de São Paulo, sendo ele também um dos inventores da fotografia (ENCICLOPÉDIA
INTERCOM DE COMUNICAÇÃO, 2010, p.568).
34
18
Lanterna mágica: aparelho óptico, constituído por uma caixa com fonte luminosa, um condensador e uma lente
convergente, que serve para projetar e ampliar imagens transparentes. A lanterna mágica foi descrita por Huygens em
1664, mas só recebeu este nome em 1668. Athanase Kircher, que costuma ser atribuído como o seu inventor, a
descreveu apenas em 1671 e sem a precisão do verdadeiro criador (MANNONI, 2003, p.57).
19
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://minyos.its.rmit.edu.au/aim/a_notes/anim_history_02.html>
(Lanterna Mágica); <https://www.timetoast.com/timelines/the-history-of-early-cinema> (Taumatrópio);
<https://mglamsterkino.com/origenes-del-cinematografo/> (Fenaquistiscópio);
<https://www.studyblue.com/#flashcard/view/13678732> (Zootrópio); <http://emilereynaud.fr/index.php/post/La-
Nature-n349> e (Praxinoscópio); <http://www.flipbook.info/history.php#f5> (Flip book). Acesso em: 21 jul. 2017.
35
20
Taumatrópio: aparelho óptico, baseado na persistência da visão, que produz a ilusão de que duas figuras distintas
postas em movimento giratório se combinam em uma só (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.707).
21
Criado por Emole Reynaud em 1892, o praxinoscópio é um aparelho semelhante ao fenacistiscópio, mas equipado
de um sistema de espelhos montados em prisma, que propicia a ilusão de movimento ao girar em torno de um eixo.
Ao contrário do cinetoscópio de Thomas Edison, que usava fotogramas em filme de celuloide, o praxinoscópio
empregava imagens que não haviam sido obtidas fotograficamente. “Reynaud pode ser visto como o pai do cinema de
animação (que, portanto, é três anos mais velho que o cinema propriamente dito), mas o fato de usar papel como base
de sustentação para suas imagens revelou-se estéril” (ARMES, 1999, p.40).
22
Zootrópio ou zootropo foi inventado em 1834 por William George Horner (matemático inglês, 1786-1837). É um
aparelho dotado de um cilindro giratório perfurado, no interior do qual são colocadas diversas figuras que, vistas
através das fendas, dão ao espectador a ilusão de uma única figura animada (MALLALIEU, 1999, p.296).
23
Fenaquistiscópio (do grego phenax + scopein = visão ilusória) ou estroboscópio: aparato, baseado na ideia do
taumatrópio e da persistência da visão, que transmite ilusão de movimento de uma série de imagens fixas. É formado
por dois discos de cartolina situados na extremidade de um eixo. Um dos discos contém perfurações a intervalos
regulares em sua borda; o outro, uma série de desenhos representando fases sucessivas de uma ação. Fazendo-o girar
e olhando através do disco perfurado, veremos imagens animadas (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.304).
24
Flip book, cineógrafo (kineograph), folioscópio (feuilletoscope) ou "cinema-de-bolso" é uma espécie de pequeno
livro em que cada página contém uma imagem representando a imagem instantânea de um corpo ou cena em
movimento. O espectador segura o livreto com uma mão e folheia as páginas com o polegar da outra mão, tanto de
frente para trás ou de trás para frente. O inglês John Barnes Linnett, impressor de Birmingham, foi o primeiro a
patentear o flip book sob o nome de "The Kineograph, uma nova ilusão de óptica", em 18 março de 1868 (patente
britânica, No. 925) (KHOSROW-POUR, 2018, p. 2600).
25
Em 1993, Joseph e Barbara Anderson publicaram um artigo no Journal of Film and Video intitulado O Mito da
Persistência da Visão no qual afirmam: “[...] o problema deve ser porque estávamos corretos quando propusemos que
a ‘persistência de retin’ funciona como um mito sustentado pelas escolas de cinema. Este mito é uma maldição que
não se extinguirá. Ainda hoje permanece como um mito. Aqueles que se apegam à ideia da persistência da retina o
fazem por necessidade. Para os estudantes de cinema é como o mito da criação. Ele responde a nossa principal questão
36
Neste contexto de permanente experimentação técnica que marca o século XIX, dois
pioneiros da fotografia merecem destaque pelo trabalho que desenvolveram sobre o registro e
análise do movimento dos seres vivos:
Na França, Étienne Jules Marey desenvolveu o seu fuzil fotográfico 26 e com ele a
cronofotografia27, que lhe permitiu registar sequencialmente diversas etapas de um movimento
(ilustração 2). Marey foi o precursor de todos os fotógrafos que utilizaram os estudos da
anamorfose cronotópica28 e inspirou, inclusive, o efeito bullet-time celebrizado no filme The
Matrix, ou a desmultiplicação do movimento que encontramos em videoclipes como Let Forever
Be, de Michel Gondry, ou na animação Pas de Deux, de Norman McLaren, esteticamente
devedores das experiências de Marey (NOGUEIRA, 2010a, p.65).
da origem: Por que, quando olhamos uma sucessão de imagens estáticas projetadas no cinema ou na tela de televisão,
vemos imagens em contínuo movimento? Nós respondemos: ‘Persistência da Retina’. Persistência da retina é o nome
dado ao milagre pelo qual, grãos de haletos de prata depositados no suporte fotográfico são transformados em imagens
reais em movimento. Assim como a parábola de Adão e Eva explica não somente os mecanismos de como os seres
humanos surgiram e se reproduziram, mas também especifica a relação entre nós e Deus, o mito da criação das imagens
em movimento contém não somente o mecanismo da origem do movimento, mas propõe a relação entre filme e
espectador. O espectador seduzido pelo Mito da Persistência da Retina é um espectador passivo, cuja retina preguiçosa
empilha imagens” (ANDERSON, 1993, p.03-04). O chamado ‘efeito phi’ seriam os “leves deslocamentos de uma
imagem à imagem seguinte, dos estímulos visuais, excitam as células do córtex visual, que ‘interpretam’ essas
diferenças como movimento, e o efeito produzido em tais células por elas não é passível de ser distinguido por elas do
efeito que um movimento objetal real produz” (AUMONT; MARIE, 2012, p.93-94). A ilusão do espetáculo
cinematográfico está situada no limite da categoria dos estímulos próximos. As variações de fotograma para fotograma,
na imagem cinematográfica em movimento, são pequenas. Sabemos que fotogramas inertes, vistos numa projeção
cinematográfica, não estão realmente em movimento e que nossa percepção de movimento é na realidade uma ilusão.
Pelos diferentes resultados de pesquisas e experimentações, sabemos que este efeito ilusório e empolgante vai além do
que se entende por persistência da retina e efeito phi de movimento (ROMITI, 2015, p.53). O conceito da persistência
retiniana deveria ser encarado como um mito superado nos estudos cinematográficos, porém ainda é recorrido por
muitos teóricos de cinema, por já ser um termo clássico nesse campo de pesquisa.
26
O fuzil fotográfico possui um tambor forrado por dentro com uma chapa fotográfica circular capaz de tirar doze
fotos em um segundo (VILLAFRANCA, 2013, p.19).
27
Cronofotografia é o processo de análise do movimento por meio de fotografias sucessivas tomadas com intervalos
iguais. Deste processo originou-se a cinematografia (AULETE, 2017). É importante ressaltar que antes do fuzil
fotográfico de Marey, o astrônomo francês Pierre Jules Janssen desenvolveu uma "câmara-revólver" para registrar em
fotografias sequenciais a passagem de Vênus pelo Sol em 1874.
28
Anamorfose (anamorfosis), em grego: reformação, nova forma; Crono (cronus): tempo. O conceito de anamorfose
cronotópica ou a quarta dimensão da imagem refere-se basicamente às “deformações” resultantes de uma inscrição do
tempo na imagem. Na imagem, a primeira dimensão pode ser configurada por uma linha; a segunda dimensão é
representada por um plano; a terceira dimensão é o volume; e a quarta dimensão da imagem seria justamente registrar
a passagem do tempo nela. De acordo com Arlindo Machado (1997, p.59), a diferença básica entre Marey e seus
precursores era “das distintas fases do movimento aparecerem fundidas no mesmo suporte, dando como resultado uma
espécie de gráfico do deslocamento do corpo no espaço-tempo”.
37
29
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.storiadellafotografia.it/tag/etienne-jules-marey/> (Fuzil
fotográfico); <http://www.nkfu.com/eadweard-j-muybridge-kimdir/> (The horse in motion); <http://la-manufacture-
du-beau.fr/shop/photographies/etienne-jules-marey-saut-a-la-perche-1890/> (Saut à la perche). Acesso em: 21 jul.
2017.
38
30
O desenho animado, que não usa câmera escura, mas que também é considerado uma manifestação cinematográfica,
antecedeu o cinema em algumas décadas. Difere do cinema de tomada direta, ou ao vivo, pelo fato de reproduzir uma
ação que realmente ocorreu. O cinema de animação, ao contrário, cria as imagens e as transfere para a tela, revelando
só então a ideia exata e individual do seu criador (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.29).
31
Thomas Edison foi um inventor genial e totalmente “dinheirista”, já que todas as suas invenções sempre foram
voltadas para a ideia de lucro. Detentor de mais de 1.300 patentes, das quais parece que 200 realmente foram invenção
dele (as outras, ele comprou!), ficou conhecido até os nossos dias como o inventor da lâmpada de filamento, do
fonógrafo, da cadeira elétrica, enfim, de um grande número de invenções, algumas benéficas para a humanidade, outras
nem tanto (BRASIL in PRETTO; SILVEIRA, 2008, p.85).
32
Inventado por Tomas Edison em 1988, a patente nº 589,168 da kinetographic camera foi solicitada em 24 de agosto
de 1891 e formalizada em 31 de agosto de 1897, conforme registro disponível em:
<http://pdfpiw.uspto.gov/.piw?docid=00589168&SectionNum=1&IDKey=1AB76A2F8CA6&HomeUrl=http://patft.
uspto.gov/netahtml/PTO/patimg.htm> Acesso em: 22 jul. 2017.
39
cidadão entrava na fila, esperava uma máquina vazia, assistia individualmente e, se gostasse,
passava para outra, cada qual com um filme diferente. Produzidos pela Edison Manufacturing
Company, esses aparelhos também eram instalados em galerias, verdadeiros centros de diversão
(penny arcades), junto a outros dispositivos de entretenimento, como fonógrafos, folioscópios
mecânicos33 e máquinas caça-níqueis.
Cinetoscópio
Mutoscópio Kinora
33
Os folioscópios mecânicos (Mutoscópio e Kinora) eram dispositivos que mostravam imagens em um visor por meio
de um mecanismo que folheava desenhos ou fotos, dando a ilusão de movimento. O Mutoscópio foi patenteado em
1894 e comercializado pela American Mustocope Company e rapidamente dominou o mercado de peep shows, também
conhecido por peep box (caixas surpresa). O Kinora foi desenvolvido na França pelos irmãos Auguste e Louis Lumière
em 1895, simultaneamente enquanto trabalhavam no cinematógrafo.
34
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.dnk.ru/events/185305/> (cinetoscópio);
<http://www.historiasztuki.com.pl/strony/015-00-01-FILM-TECHNIKA.html> e
<http://lorilanday.com/NewMedia/multiscope.html> (Mustocópio); e http://www.gettyimages.co.uk/photos/kinora-
reels?excludenudity=true&sort=mostpopular&mediatype=photography&phrase=kinora%20reels (Kinora). Acesso
em: 22 jul. 2017.
40
O “Cinema de Atrações”, como foi chamado, eram filmes eram bem primitivos, tanto no
conteúdo quanto na forma, exibindo na maioria das vezes performances rápidas de artistas do circo
ou do vaudevile (teatro de variedades com danças, pantomimas e música). Eram produzidos em
um pequeno estúdio erguido nos fundos de seu laboratório. A construção era totalmente pintada de
preto e tinha um teto retrátil para deixar entrar a luz do dia. Devido à sua aparência, o primeiro
estúdio de cinema foi apelidado de Black Maria.
A comercialização de cinetoscópios progrediu entre 1893 e 1895, mas logo as vendas
começaram a cair. Edison tentou reerguer o negócio com o lançamento do cinetofone, combinando
cinetoscópio com o fonógrafo, também inventado por ele em 1877. No cinetofone, o espectador
assistia às imagens e escutava, por meio de um fone de ouvido, uma gravação não sincronizada de
um acompanhamento musical.
Assim como na fotografia, o cinema não teve um único inventor. Ele é fruto de uma
combinação de técnicas, ocorridas no final do século XIX, como aperfeiçoamento nos processos
fotográficos, a invenção do celuloide (o primeiro suporte fotográfico flexível, que permitia a
passagem por câmeras e projetores) e maior uma precisão na construção dos equipamentos de
projeção.
projetaram La Sortie des l’Usine Lumière (“A Saída da Fábrica Lumière”), com oitocentos
fotogramas que proporcionavam 50 segundos de imagens (SABADIN, 2000).
Salon Indien du Grand Café (Paris, 1895) Cena do filme La Sortie des l’Usine Lumière
35
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://pbs.twimg.com/media/CXTMWc5WsAA6okj.jpg> (Grand
Café);<http://www.lareserva.com/home/sites/default/files/styles/article_image/public/field/image/lumiere1.jpg?itok=
D94AYYAz> (La Sortie des l’Usine Lumière); <https://cinefete.de/assets/uploads/programa.jpg> (Programa de 28 de
dezembro de 1895 do Salon Indien); <https://shiyeteng.files.wordpress.com/2013/10/cinecc81matograp-camecc81ra-
ouvert.jpg> (Cinematógrafo). Acesso em: 28 out. 2017.
42
Entre os mitos sobre a criação do cinema está a reação de terror do público ao assistir ao
filme L'Arrivée d'un Train à La Ciotat (“A Chegada do Trem à Estação”), dos irmãos Lumière. De
acordo com o historiador Tom Gunning (1995), não existe respaldo documental em fonte alguma
de que pessoas gritaram e saltaram das cadeiras para fugir do avanço da locomotiva. Essa lenda se
baseia em uma ideia de um público ingênuo, sem qualquer experiência com projeções de imagens
em movimento, “conferindo ao cinematógrafo uma força revolucionária e às imagens
cinematográficas um poder fundado no realismo sem precedentes, onde a reflexão sobre a
representação se torna desnecessária e o imaginário passa a ser percebido como real” (TRUSZ,
2010, p.95).
As primeiras sessões de “cinema” eram mistas, com a utilização simultânea de película
cinematográfica e de placas transparentes. A técnica rudimentar dos primeiros filmes não
comportava a montagem, isto é, filmava-se em um plano único e fixo, sem qualquer corte ou
consequente montagem. As projeções dos primeiros anos limitavam-se ao registro de ações
cotidianas, trechos de espetáculos, cenas domésticas, de trabalho, incêndios, entre outros. “Os
catálogos dos produtores da época classificavam os filmes produzidos como ‘paisagens’, ‘notícias’,
‘tomadas de vaudeville’, ‘incidentes’, ‘quadros mágicos’, ‘teaser’ (eufemismo para designar a
pornografia)” (MACHADO, 1997, p.80).
43
A história técnica do cinema estava estabelecida, porém ainda faltava uma linguagem
específica para essa nova invenção. Se antes um filme era uma sequência de tomadas estáticas,
fruto direto da visão teatral, a linguagem autenticamente nova surgiu com a montagem, quando os
cineastas começaram a cortar os filmes em cenas (CARRIÈRE, 2015, p.13-14). Aos poucos, os
filmes “exibicionistas”, que davam mais ênfase à exibição do que à narração, foram sendo
substituídos pelos filmes narrativos (story films).
O ilusionista parisiense Georges Méliès38 usou no cinema, pela primeira vez, de forma
sistemática, o argumento, atores, figurino, cenários estilizados e trucagens, como as técnicas de
exposições múltiplas, sobreimpressão e as chamadas “paradas para substituição”
(desaparecimentos e substituições mágicas de objetos), daí o termo trickfilms, ou filme de truques.
Também usou um processo de colorização manual quadro a quadro em várias obras.
36
Visão de slides, ampliados por uma lente, através de um pequeno orifício.
37
Bem antes que a “imagem em movimento” se tornasse corriqueira, já se debatia se a fotografia era uma obra de arte.
38
George Méliès compareceu à sessão de 28 de dezembro de 1895 no Salão Indiano do Grand Café de Paris e tentou
persuadir o velho Antoine Lumière a vender-lhe um cinematógrafo. Diante da recusa formal do pai dos inventores,
Méliès construiu um aparelho semelhante. Sua câmera, porém, era pesada e de difícil manejo, de modo que na primeira
oportunidade ele adquiriu um cinematógrafo (GOMES, 2015).
44
Ao criar vistas fantásticas, utilizando o filme como instrumento de mágica, Méliès deu o
impulso que o cinema precisava. A Star Film, produtora de Méliès, produziu centenas de filmes
entre 1896 e 1912, mantendo escritórios de distribuição em Nova York e várias cidades da Europa.
Entretanto, essa fase de ilusões e fantasias passou a perder público quando o cinema encontrou uma
narrativa própria e Méliès foi à falência em 1913. A Star Film e as patentes dos Lumière foram
compradas pela Companhia Pathé, em 1902. Fundada por Charles Pathé39, a empresa se estabeleceu
como produtora e distribuidora de filmes (era também a maior importadora de filmes nos EUA), e
dominou o mercado mundial de cinema até a Primeira Guerra Mundial40.
39
Aos 45 anos de idade, Charles Pathé tornou-se o maior magnata da indústria cinematográfica mundial, vendendo
para o mercado norte-americano, sozinho, o dobro do que vendiam as outras grandes companhias, somadas. De acordo
com Celso Sabadin (2000, p.73-74), “o cálculo da época era de que cada filme se pagava com a venda de 20 cópias,
passando a ser lucrativo a partir da 21ª cópia comercializada. Para se ter uma ideia da capitalização do império Pathé,
seus títulos chegavam a números de vendas que ultrapassavam a casa do milhar. Era comum que os balanços
financeiros da Pathé já registrassem – antes mesmo de terminar o mês de janeiro – o faturamento anual necessário para
cobrir todas as despesas dos demais meses do exercício fiscal. Na euforia, o engenheiro Dussaud – funcionário da
empresa – pronunciou uma frase que se transformou no lema do império: ‘O cinema é o jornal, a escola, e o teatro de
amanhã’. O galo cantando com peito estufado – logotipo da Pathé – estava presente não apenas nas aberturas dos seus
filmes, mas também em câmeras, projetores e películas virgens de sua fabricação e em laboratórios e salas de exibição
de sua propriedade”.
40
A Primeira Guerra Mundial abalou o mercado europeu. Após um longo processo de desmontagem de seus negócios,
que durou até 1929, Charles aposentou-se e foi desfrutar de sua fortuna na Riviera Francesa. Ele faleceu em 1957, aos
94 anos.
41
Jean-Claude Carrière (2015, p.20) explica que o cinema fez bom uso de tudo o que veio antes dele, da escrita, pintura,
música, arquitetura etc. O cinema se formou “a partir de si mesmo. Inventou a si mesmo e imediatamente se copiou,
se reinventou e assim por diante. Inventou até mesmo funções ainda desconhecidas: operador de câmera, diretor,
montador, engenheiro de som; todos, gradualmente, desenvolveram e aperfeiçoaram seus instrumentos de trabalho”.
Carrière argumenta que, por meio da repetição de formas e do contato diário com diferentes plateias, “a linguagem
tomou forma e se expandiu, com cada grande cineasta enriquecendo, de seu próprio jeito, o vasto e invisível dicionário
45
processos de expressão fílmicos específicos (BAZIN, 1991, p.25). Entre 1908 e 1913, Griffith
dirigiu mais de 400 filmes na Biograph Company. Nesse período ele aplicou a montagem paralela
de maneira inventiva e original inaugurando uma tradição narrativa que desaguaria na montagem
invisível do cinema clássico. Também trabalhava na variação de planos, ora distanciando, ora
aproximando os personagens, quebrando a monotonia da câmera fixa.
Independentemente de Auguste e Louis Lumière entrarem para história como os criadores
do cinema, sabe-se que eles não foram os primeiros a fazer uma exibição pública de filmes. Nos
Estados Unidos, a primeira apresentação de filmes projetados se deu em 21 de abril de 1895, nos
escritórios da Lambda Company (depois denominada Eidoloscope Company), que passou a
explorar o eidoloscópio, equipamento que ainda não tinha uma qualidade de projeção satisfatória.
Em 1º de novembro de 1895, dois meses antes da famosa apresentação do cinematógrafo, os irmãos
Max e Emil Skladanowsky fizeram uma exibição de oito pequenos filmes do bioscópio em um
grande teatro de vaudevile em Berlim. O bioscópio era um dispositivo de projeção de filmes a partir
das lanternas mágicas de duas lentes e utilizava duas tiras de película de 54 mm de largura, com
projeção de 16 fotogramas por segundo.
Bioscópio, eidoloscópio, cronofotógrafo, teatrógrafo, projetoscópio, fantoscópio ou
vitascópio42, eram muitas as nomenclaturas dos equipamentos cinematográficos, boa parte
relacionadas a nomes fantasia, aos seus sentidos históricos, ou aos vocabulários da época. Todas
essas tecnologias perderam para o cinematógrafo a autoria da primeira grande invenção de massa
do século XX.
que hoje todos nós consultamos. Uma linguagem que continua em mutação, semana a semana, dia a dia, como reflexo
veloz dessas relações obscuras, multifacetadas, complexas e contraditórias, as relações que constituem o singular tecido
conjuntivo das sociedades humanas”.
42
O primeiro projetor de sucesso nos Estados Unidos foi o vitascópio, que estreou em 23 de abril de 1896. Apesar de
apresentado como a “última maravilha” de Edison, ele fora na verdade inventado por C. Francis Jenkins e Thomas
Armat (MATTOS, 2006, p.17). O vitascópio pesava cerca de 500 quilos e precisava de eletricidade para funcionar, já
o cinetoscópio dos Lumière funcionava como câmera ou projetor e ainda fazia cópias a partir dos negativos. Além
disso, seu mecanismo não utilizava eletricidade e era acionado manualmente. O ritmo de rotação da manivela pelo
operador, de duas voltas por segundo, assegurava a continuidade da reprodução projetada na época do cinema mudo.
Dependendo da agilidade do operador da tomada da filmagem, a cadência dos filmes variava entre 16 e 18 imagens
por segundo. Por seu pouco peso, o cinematógrafo podia ser transportado facilmente e assim filmar assuntos mais
interessantes que os de estúdio, encontrados nas paisagens urbanas e rurais, ao ar livre ou em locais de acesso
complicado. Além disso, os operadores do cinematógrafo Lumière atuavam também como cinegrafistas e
multiplicavam as imagens de vários lugares do mundo para fazê-las figurar em seus catálogos (COSTA in
MASCARELLO, 2006, p.20).
46
Até 1902, o cinema norte-americano ainda era uma jovem indústria que não tinha uma
ordenação entre produção, distribuição e exibição. Os filmes eram vendidos diretamente aos
exibidores. “Um exibidor pagava 50 dólares ou mais por um filme, que ele exibia até que saturasse
o mercado ou que o filme ficasse danificado” (MATTOS, 2006, p.23). Esse método de distribuição
evidentemente não estimulava a expansão da indústria, já que os custos dos filmes continuavam
relativamente altos em comparação com o seu potencial para gerar ganhos. Quando a demanda
aumentou, os exibidores entenderam que tinham que alterar seus produtos várias vezes,
semanalmente ou até diariamente. Outra forma de suplantar o problema era trocar filmes entre eles,
para dividir os custos. A solução final só aconteceu quando foram criadas as distribuidoras 44.
Em dezembro de 1908, as nove principais companhias – Edison, Biograph, Vitagraph,
Essanay, Kalem, Selig, Lubin e as empresas francesas Pathé Frères e Star Film/Méliès (os Lumière
já haviam saído do mercado) – juntamente com a importadora de filmes Kleine Optical,
associaram-se em um consórcio chamado Motion Picture Patents Company – MPPC e reuniram
43
Os Lumière tinham criado nos EUA um modelo de negócios que fornecia para os vaudeviles projetor, filmes e
operador, mantendo a autonomia dos exibidores de filmes em relação à produção. Essa dependência do vaudevile dos
serviços fornecidos pelos irmãos Lumière e pelas produtoras adiou temporariamente a necessidade de o cinema
americano desenvolver seus próprios caminhos de exibição e impediu que o cinema adquirisse autonomia industrial.
A estrutura do vaudevile não requeria uma divisão da indústria entre as unidades de produção, distribuição e exibição.
Essas atribuições recaíam sobre o operador, que era quem, com seu projetor, tornava-se um número autônomo de
vaudevile (COSTA in MASCARELLO, 2006, p.21).
44
“Harry e Herbert Miles, de San Francisco, organizaram a primeira distribuidora em 1903. Eles compraram um lote
de filmes e o alugavam aos exibidores por um quinto do preço do catálogo. A ideia funcionou, para satisfação de todos,
e, em 1907, 150 distribuidoras estavam em operação, servindo a todas as áreas do país” (MATTOS, 2006, p.23-24).
47
Thomas Edison, como detentor das patentes e organizador da MPPC, recebia a maior parte
dos dividendos. Uma eficiente rede de espionagem foi montada para evitar que algum produtor não
licenciado utilizasse um equipamento patenteado, ou que uma sala de exibição não autorizada
exibisse filmes da MPPC. “Em pouco mais de três anos, o truste passou a controlar 5.281 das 9.480
salas de exibição nos Estados Unidos. Seu faturamento era estimado em um milhão de dólares por
ano, apenas com taxas de licenciamento” (SABADIN, 2000, p.95).
Os produtores e distribuidores independentes reagiram a essa tentativa de concentração
do setor e passaram a usar negativos vindos da França, além de oferecer programas completos de
filmes de um rolo aos cinemas. Várias companhias independentes se juntaram para formar uma
distribuidora nacional, a Motion Picture Distributing and Sales Company, que depois se dividiria
em duas distribuidoras rivais, cada qual com fornecedores que garantiam o fornecimento do
produto.
Os estúdios passaram a disputar atores e atrizes entre si fazendo com que o salário dos
astros crescesse vertiginosamente “de 5 a 15 dólares por dia antes de 1910 para 250 a 2 mil dólares
por semana em 1914” (MATTOS, 2006, p.27). Artistas famosos como Charles Chaplin, Mary
Pickford e Douglas Fairbanks perceberam a importância econômica do estrelismo (star system) e
48
ganharam controle sobre seu trabalho, compartilhando os lucros de seus filmes. Em 1919, passaram
de artistas contratados a produtores independentes, juntando forças com D. W. Griffith para formar
a United Artists Corporation, com o objetivo de disputar mercado com grandes companhias.
A disputa de um mercado altamente lucrativo entre o truste 45 e as companhias
independentes produziu efeitos positivos para toda indústria cinematográfica: 1) a instauração do
sistema de astros ou estrelismo (star system) e do filme longa-metragem; 2) a construção de salas
maiores e luxuosas de cinema (movie palaces); e 3) transferência do centro de produção para
Hollywood (MATTOS, 2006, p.26).
D. W. Griffith46 filmou em 1910 o primeiro filme de Hollywood 47, em Old Califórnia.
Esse bairro recebeu em 1911 o primeiro estúdio, o Nestor Studio. Pouco depois, em 1917, a maioria
dos estúdios norte-americanos já se localizava nessa região, como a Paramount, a Warner Bros., a
RKO, a Fox, a Vitagraph e a Columbia, além de outras inúmeras empresas e estúdios menores.
45
Em 1915, após três anos de disputas jurídicas com os produtores e distribuidores independentes, o truste da MPPC
foi considerado ilegal pelo Superior Tribunal Federal dos Estados Unidos. O processo foi baseado na Lei Antitruste de
Sherman, de 1890, que garantia a competição de qualquer tipo de empresa, independentemente de seu tamanho.
46
De acordo com o Internet Movie Database, David Wark Griffith dirigiu 532 filmes entre 1908 e 1931. O longa-
metragem “Nascimento de uma Nação” (1915) representou um marco para o cinema. Numa época dominada pelos
curtas, Griffith reuniu nos 165 minutos de duração toda a estética que havia utilizado anteriormente em outros
trabalhos: as mais variadas posições de câmera, as diferentes distâncias entre a filmadora e os personagens, a
construção de ações simultâneas, o ritmo dos cortes de acordo com as necessidades dramáticas, a utilização de
paisagens naturais como locações. A parceria entre o diretor e o compositor Joseph Carl Breil transformou este “filme
mudo” em referência musical no cinema, sendo a primeira obra cinematográfica com uma banda sonora intimamente
ligada às imagens do início ao fim. Griffith percebeu que a montagem, a articulação dos planos e o paralelismo também
deveriam ser aplicados à música. A ópera serviu de inspiração para a criação da trilha do filme. De acordo com Ney
Carrasco (2003, p.95), “na ópera é a música que articula o drama, no cinema é exatamente o contrário, é a música que
deve ajustar-se ao filme e não o contrário”. A partir de então, o som tornou-se um elemento insubstituível da
representação fílmica.
47
O famoso letreiro de Hollywood foi construído em 1923 como “HOLLYWOODLAND”. Originalmente era uma
propaganda provisória para divulgar um novo loteamento residencial perto do distrito de Hollywood, em Los Angeles.
Cada uma das letras tinha 14 metros de altura e 9,1 metros de largura, decoradas por pequenas lâmpadas. Com a
ascensão do cinema americano, o letreiro acabou ficando mundialmente famoso por aparecer em diversos filmes,
fazendo com que a prefeitura optasse por deixá-lo no local. A quebra da bolsa de ações em 1929 e a Grande Depressão
durante a década de 1930 interromperam o desenvolvimento imobiliário, fazendo com que as letras fossem
abandonadas e suas lâmpadas apagadas. As letras “LAND” foram removidas em 1949 para que representasse a
comunidade, não um empreendimento imobiliário. Novamente o letreiro ficou abandonado por anos, deteriorando-se.
Na década de 1970, o letreiro estava quase completamente destruído e as letras danificadas e enferrujadas formavam
a palavra “HuLLYWO D”. Em 1978, Hugh Hefner promoveu uma arrecadação de fundos e cada uma das nove
letras foi leiloada por US$ 28 mil para possibilitar a reforma. Monumento cultural e histórico de Los Angeles, em 1992
foi criado o Hollywood Sign Trust com a finalidade de manter e promover o letreiro de Hollywood. Hoje este marco
oficial da cidade é protegido por um forte esquema de segurança (WILLIAMS, 2005, p.120-121).
49
Diretor Harry Beaumont nos antigos estúdios Vista aérea dos estúdios MGM (1924)
da Warner Bros. Pictures (1923)
A introdução do cinema falado trouxe uma nova perspectiva econômica para a indústria
cinematográfica. A Warner Bros. apostou numa nova tecnologia de áudio que os outros estúdios
temiam ser um fracasso comercial (MARTIN, 1990). Durante os anos de 1925 e 1926, em parceria
com pesquisadores da Western Eletric (subsidiária da American Telephone & Telegraph
Corporation - AT&T), a Warner desenvolveu um sistema mais sofisticado de som em disco,
utilizando discos de 33 e 1/3 rpm denominado Vitaphone (o nome foi criado a partir das palavras
latinas e gregas, respectivamente, “viver” e “som”). Foi o primeiro equipamento sonoro com êxito
comercial, pois permitia que o som gravado em um disco fonográfico de 16 polegadas
fosse indiretamente acoplado e sincronizado com o projetor de filme.
Lançado em 06 de agosto de 1926, “Don Juan” foi o primeiro filme a utilizar essa
tecnologia, sincronizando música e efeitos sonoros, mas ainda sem diálogos (ilustração 6). O
experimento técnico teve um sucesso tão grande que, em 1927, a Warner Bros. fez um segundo
48
Fonte: GOMERY; PAFORT-OVERDUIN, 2011, p.41 e p.43.
50
filme intitulado “O Cantor de Jazz” (The Jazz Singer), que é considerado o primeiro filme falado49.
Como se tratava de uma transição tecnológica, o filme tem longas sequências em silêncio
interrompidas esporadicamente por canções.
The Jazz Singer custou US$ 500 mil, uma grande quantia para os padrões da época, e
rendeu cinco vezes mais nas bilheterias. Em 1928, o ativo da Warner Bros. era avaliado em US$
49
As primeiras duas décadas de vida do cinema foram “silenciosas”. Embora chamados de silent movie, podemos
afirmar que esses filmes nunca foram completamente silenciosos, pois eram acompanhados por instrumentos
musicais, discos de gramofone e até especialistas em efeitos sonoros. É importante ressaltar que as tentativas de
acrescentar sons às imagens silenciosas do começo do cinema não se resume à execução de música ao vivo ou à fala
de atores atrás da tela de exibição. De acordo com a Enciclopédia Intercom de Comunicação (2010, p.211-212), “em
vários países, esforços em acoplar sons registrados aos filmes foram empreendidos, entre os quais despontam o
kinetophone [cinetofone], apresentado por Thomas Edison, em 1894, que consistia na junção do seu kinetoscope
[cinetoscópio] com o fonógrafo, e o similar chronophone [cronofone], do francês Leon Gaumont, que reuniu um
projetor a dois fonógrafos, em 1902”. Em 1919, os alemães Josef Engl, Joseph Massole e Hans Vogt patentearam o
processo tri-ergon (tradução literal de “o trabalho a três”), um sistema de gravação de sons diretamente no filme (som
ótico). Em 1923, o americano Lee DeForest desenvolveu o fonofilme, um sistema semelhante ao tri-ergon. Ao longo
do desenvolvimento das tecnologias de gravação, amplificação e reprodução, o som no cinema sofreu muitas
alterações. Dentre as principais, sobressaem o sistema dolby stereo e a manipulação em multicanais, que promoveram
a sensação de espacialidade sonora na percepção dos filmes. No final dos anos de 1970, surgiu o conceito de sound
designer, ligado ao trabalho de editores de som do cinema norte-americano, cujo sofisticado trabalho envolve novas
formas de integrar elementos sonoros ao filme por meio da supervisão completa de todas as etapas necessárias
(captação, edição e mixagem). Com a migração do analógico para o digital, manipulações aprimoradas se tornaram
tendência na organização sonora, geralmente chamada de hiper-realista, em que os sons são amplificados e trabalhados
de modo a parecerem “mais fiéis” e “verdadeiros” do que o ouvido humano percebe diariamente.
50
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://warnersisters.com/what-was-to-come-with-vitaphone/> (Irmãos
Warner com o Vitaphone); <http://www.picking.com/vitaphone121.html> (Cartaz do filme “Don Juan”). Acesso em:
04 nov. 2017.
51
16 milhões; em 1930, durante a Grande Depressão51, era de US$ 230 milhões (BRIGGS; BURKE,
2006, p.177).
O público recebeu com entusiasmo a chegada do cinema falado, apesar do ceticismo ou
hostilidade de alguns diretores (v.g., Charles Chaplin), atores, críticos e estudiosos. Em seu
manifesto de 1928, "Som e Imagem", os diretores soviéticos Sergey Eisenstein, Vsevolod
Pudovkin e Grigory Aleksandroy enxergavam o som como ameaça, mas também perceberam seu
potencial para acrescentar uma nova dimensão ao meio. De acordo com Mattos (2006, p.47) “eles
denunciaram o som sincrônico ou ‘naturalista’ e propuseram o som assincrônico ou contrapontual,
que deveria ser colocado em conflito criativo com a trilha de imagem”.
Do final de 1927 até 1929, os lucros dos principais estúdios aumentaram até 600%. A
indústria de filmes de outros países não se equiparava à de Hollywood. Embora a transição
tecnológica com o uso do som tenha sido rápida, ordenada e lucrativa, também foi extremamente
cara. Toda a estrutura dos estúdios, equipamentos e salas de exibição precisou ser revista. Para
financiar essas alterações, as empresas cinematográficas foram obrigadas a contrair empréstimos
em excesso, no valor de US$ 350 milhões, o que as colocou sob o controle indireto dos dois
principais grupos financeiros com sede em Nova York, o Morgan e o Rockefeller (SKLAR; COOK,
2017).
Em 1928, 1.300 das mais de 20.000 salas de cinemas norte-americanas já tinham alto-
falantes. Em 1929, esse número cresceu para 9.000. Em 1930, 99% dos filmes já eram todos falados
(ARAÚJO, 2014, p.24). A frequência do público pagante do cinema quase dobrou nos EUA,
passando de 60 milhões em 1927 para 90 milhões em 1930, uma audiência impressionante para
aquele tempo (MATTOS, 2006, p.51). Graças à tecnologia dos filmes falados, a indústria do
cinema resistiu à crise econômica de 1929, mas Hollywood passou a sentir os efeitos da Grande
51
Chamado de “Grande Depressão” ou “Crise de 1929”, foi o mais grave abalo econômico mundial do século XX,
iniciado por um desequilíbrio na economia norte-americana. Durante a década de 1920, houve um rápido crescimento
do mercado de ações no país, com cidadãos comuns investindo nas bolsas de valores, acreditando que elas se
manteriam sempre em alta. Algumas venderam as próprias casas para comprar ações, atrás de um lucro fácil e,
teoricamente, seguro. Muitas empresas também se endividaram durante o período de euforia. Em 1929, a economia
dos EUA começou a dar sinais de fadiga e o país acabou entrando em recessão. Em outubro de 1929, diante desses
sinais negativos, os preços das ações desabaram, provocando a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. O colapso
persistiu ao longo da década de 1930, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial. “A Crise de 1929 estimulou
a realização de filmes que expressassem a consciência social de seus diretores. Na Europa alguns foram influenciados
por documentaristas” (BRIGGS; BURKE, 2006, p.178).
52
Depressão, a partir de 1931. Naquele ano, o número de espectadores caiu para 70 milhões e, em
1932, para 55 milhões. Muitas salas de cinema fecharam suas portas ou tiveram que baixar os
preços dos ingressos para manter seu público.
Uma das maneiras de enfrentar a crise foi investir na publicidade implícita (product
placement ou merchandising)52. Os estúdios se juntaram à indústria de bens de consumo para a
realização de operações comerciais casadas. Diferentes setores procuravam os estúdios oferecendo
seus produtos (eletrodomésticos, móveis, cosméticos etc.) para aparecer nos filmes. Em outro
modelo de operação casada, a Coca-Cola e a MGM assinaram um acordo, em 1933, em que os
artistas endossavam o refrigerante em troca de meio milhão de dólares para o estúdio. Noutra
estratégia que rendeu lucro, o pequeno estúdio especializado de animação, Walt Disney, passou a
explorar regularmente o uso dos direitos de seus personagens.
Nessa época, os grandes estúdios adotaram um sistema de produção em massa de filmes,
utilizando técnicas introduzidas em outras indústrias (como a divisão do trabalho, a especialização
técnica, a profissionalização de mão de obra, organização de processos, linha de montagem etc.)
que lhes possibilita lançar em média um filme por dia. “Entre 1930 e 1950, Hollywood produz
entre quatrocentos e quinhentos filmes por ano, o que é certamente um recuo em relação aos
novecentos ou mil filmes anuais produzidos na época do cinema mudo” (LIPOVETSKY;
SERROY, 2015, p.137). Esse modelo de produção em série, chamado de “sistema de estúdio”
(studio system)53, iniciou-se nos anos 1920 e atingiu seu auge entre as décadas de 1930 e 40, período
referido por alguns historiadores do cinema como a Era de Ouro de Hollywood (Golden Age of
Hollywood). Juntamente com a consolidação dos grandes estúdios e a consagração de astros e
estrelas em Hollywood, houve uma multiplicação dos gêneros cinematográficos, como filmes de
gângster, western, comédia, drama, policial, com destaque para o musical.
52
Product placement ou merchandising são menções ou aparições de um produto, serviço ou marca, de forma não
ostensiva e aparentemente casual. De acordo com o Dicionário de Comunicação, é a “técnica de inserir anúncios não
declaradamente publicitários no contexto de uma encenação, com a devida naturalidade” (BARBOSA; RABAÇA,
2001, p.483). Tem como objetivo aproveitar-se do contexto e ambiente dentro do qual o produto é exibido ou usado.
53
Tendo como referência as preferências do público, os produtores usaram três conceitos-chave para assegurar seus
ganhos nas bilheterias: 1) o sistema de estúdio; 2) estrelismo; e 3) o sistema de gêneros (MATTOS, 2006, p.52).
53
54
Integradas porque controlavam desde a fabricação do filme até o seu consumo, e interdependentes porque, “como
nenhuma conseguiu monopolizar o mercado, cooperavam entre si, eliminando toda a concorrência. Esses grandes
estúdios alugavam os filmes uns dos outros, emprestavam dinheiro entre si, cediam seus artistas mutuamente e
dividiam o território norte-americano em esferas de controle, cada qual dominando setor” (MATTOS, 2016, p.53).
55
Em 1929, a Warner Bros. adquiriu o circuito de teatros Stanley, que controlava quase todas as salas de exibição da
costa leste, além de comprar as instalações de produção e distribuição da sua ex-rival First National para se tornar um
dos maiores estúdios de Hollywood. A Fox adquiriu ações controladoras da Loew's, empresa matriz da MGM e da
Gaumont British (maior produtora e distribuidora inglesa). Essas aquisições foram superadas apenas pela Paramount,
que passou a controlar uma rede de distribuição internacional, além da vasta cadeia de teatros Publix. Em um esforço
para se tornar ainda mais poderosa, em 1929 a Paramount adquiriu a metade do sistema de radiodifusão CBS
Corporation e propôs uma fusão com a Warner (SKLAR; COOK, 2017).
56
Os irmãos Harry e Jack Cohn unem-se a Joe Brandt para fundar a CBC Films Sales Co. em 1920. Quatro anos
depois, a empresa passou a se chamar Columbia Pictures. Atualmente é uma subsidiária da Sony Pictures
Entertainment, do conglomerado japonês Sony.
57
Havia dois tipos de companhias independentes: as ‘falsas independentes’, que realizavam produções com maiores
recursos e as entregavam para serem distribuídas pelas grandes, como era o caso da Walt Disney, Samuel Goldwyn,
entre outras firmas. “As verdadeiras independentes, as chamadas minors em relação às majors, como a Republic,
Monogram, Grand National e outras companhias ainda bem menores” (MATTOS, 2006, p.53).
54
Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o sistema de estúdio (studio system) foi
desmantelado pela Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos que, em
1938, abriu uma ação contra as oito maiores companhias cinematográficas, acusando-as de práticas
monopolísticas (MATTOS, 2006, p.111). Hollywood recuou e concordou em moderar algumas
dessas condutas. Em 1940, foi assinado um acordo em juízo (Consent Decree), mas em 1945 o
caso foi aberto por descumprimento do acordo. Em 1948, a suprema corte decidiu contra os réus
(liderados pela Paramount). As Big Five foram obrigadas a abandonar suas salas de cinema e, junto
com as Little Three, a terminar as ações desonestas de venda por pacote.
Após a guerra, no final de 1945, houve um inesperado crescimento das bilheterias devido
ao retorno de milhares de soldados e do relaxamento dos controles impostos pela guerra. Porém, a
produção começou a cair consecutivamente, passando de trezentos a quatrocentos filmes, no início
dos anos 1950, para 156 em 1960, seu nível mais baixo. “O número de espectadores também
acompanhou a queda: se eram 325 milhões por mês em 1945 (ano recorde), não são mais que 200
milhões em 1955, 120 milhões em 1960, 80 milhões em 1965” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015,
p.138). As causas principais dessa queda de público foram as mudanças socioculturais e
econômicas daquele período, além da propagação gradual de uma nova tecnologia: a televisão.
A TV se tornou uma ameaça à Hollywood, que respondeu de forma similar, utilizando as
tecnologias que o cinema dispunha na década de 1950: a cor, a proporção de tela e a 3ª Dimensão
(ou 3D).
58
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://wfpp.cdrs.columbia.edu/essay/french-film-colorists/>
(laboratório Pathé); <http://zauberklang.ch/filmcolors/cat/stencil-coloring/> (filmes coloridos com estêncil). Acesso
em: 04 nov. 2017.
56
do vermelho (Red), verde (Green) e azul (Blue). O CMY é o conjunto das cores de pigmento cyan
(C), magenta (M) e amarelo (Y, da língua inglesa). Os primeiros sistemas de coloração foram todos
aditivos, como o Kinemacolor (1906) e o Gaumont Chronochrome (1912).
Um dos primeiros processos de utilização de cor por subtração foi o Technicolor59,
introduzido em 1922 pelo cientista e engenheiro estadunidense Herbert Kalmus, cofundador da
Technicolor Motion Picture Corporation60. Ele usou uma câmera especial e um procedimento
complexo para produzir duas impressões positivas separadas que eram reunidas em uma única
impressão. A impressão final necessitava de um tratamento cuidadoso, mas poderia ser projetada
por meio de equipamentos comuns. Em 1928, a Technicolor introduziu um processo melhorado de
transferência de corantes que possibilitou realizar impressões em massa de alta qualidade. Em
1932, a Technicolor apresentou um equipamento capaz de registrar, sobre três diferentes películas,
o azul, o amarelo e o vermelho. Os três filmes, quando estratificados juntos, reproduziam imagens
razoavelmente fiéis à cor natural. Nos 25 anos seguintes, quase todos os filmes coloridos utilizaram
o Technicolor Tripack (de três cores).
Quando as técnicas de colorização começaram a se aperfeiçoar, existia um receio
declarado por parte dos produtores de que a cor fosse tirar a atenção dos espectadores quanto à
história e à interpretação dos atores. Para afastar esta desconfiança e comprovar que a cor poderia
59
A Technicolor não pode levar o crédito por inventar a cor, pois os primeiros filmes silenciosos tinham seus
fotogramas pintados à mão. Em alguns processos antigos, cópias de filmes preto e branco eram projetadas através de
filtros de cor. Em 1906, o Kinemacolor foi patenteado na Inglaterra por George Albert Smith e depois foi explorado
nos Estados Unidos por Charles Urban. Esse processo usava duas cores, o vermelho e o azul esverdeado. Como o
Kinemacolor requeria um projetor especial, tornou-se muito oneroso para o uso industrial generalizado. Entre 1917 e
1918, foram desenvolvidos dois sistemas de cor: Technicolor e Prizmacolor. O processo Technicolor foi o único que
sobreviveu, pela sua praticidade e por produzir melhores resultados. Inicialmente, o sistema registrava apenas
combinações de vermelho e verde. Esse processo limitado a duas cores demonstrou seu potencial em 1922 no filme
The Toll of the Sea, ambientado na China. James Layton, arquivista no museu George Eastman House, em Nova York,
afirma que pelo menos 100 filmes tinham usado o processo de duas cores. Em seguida, desenvolveu o processo de três
cores, Technicolor Tripack (de três películas). Da década de 1920 até os anos 1950, o pacote de serviço completo da
empresa incluía um consultor de cores e um cinegrafista para a filmagem. “Do ponto de vista de conservação, uma das
mais importantes invenções do Technicolor deste período inicial foi um processo de impressão conhecido como
imbibition-blank, ou IB, introduzido em 1926. Nesse processo, as cores foram adicionadas às cópias dos filmes usando
corantes — produzindo cópias que quase não desbotaram. O método se manteve nos Estados Unidos até os anos 1970,
com um breve renascimento na década de 1990” (KENIGSBERG, 2015).
60
A empresa Technicolor Motion Picture Corporation confunde-se com a própria tecnologia do filme colorido nos
cinemas. Durante décadas foi o mais importante laboratório cinematográfico, atuando em todos os serviços da película
cinematográfica, assim como para os suportes e transmissão digitais. Além dos serviços de copiagem de vídeos e de
processamento, masterização, transmissão de sinais, o laboratório operou um sistema de veiculação de publicidade nos
cinemas nos Estados Unidos (DE LUCA, 2009, p.212).
57
ser inserida como um elemento narrativo no filme, a Technicolor investiu numa “consultoria de
cores” que era responsável por desenvolver uma paleta para cada roteiro61. Eisenstein, assim como
enxergou a importância do som no cinema, percebeu o potencial da cor como elemento narrativo:
O Technicolor, por ser um sistema complexo e caro, era usado em grandes produções.
Quando surgiu o filme colorido Eastmancolor (da Kodak), na década de 1950, metade das obras
ainda era rodada em preto e branco, em 1970, quase a totalidade (94%) dos filmes americanos
foram realizados em cores (SKLAR; COOK, 2017). Somente com a universalização da cor no
cinema, o uso da fotografia em preto e branco se tornou uma escolha estética.
61
O sistema Technicolor dominou a produção de filmes coloridos até o início dos anos 1950. Paralelamente, o
Agfacolor foi um outro processo de cor que obteve sucesso, desenvolvido na Alemanha durante a Segunda Guerra e
posteriormente assumido pelos russos. Esse sistema combinava as três camadas de cores em uma única na película.
No ocidente, foi a Eastmancolor que desafiou a Technicolor. A maioria dos filmes coloridos produzidos adiante passou
a utilizar o Eastmancolor que, assim como o Agfacolor, tinha as três camadas de cor impressas numa única película
(MARTINS, 2004, p.27).
58
indústria cinematográfica para competir com a televisão foi a utilização da tela widescreen62, de
proporções maiores: o VistaVision63 e o Todd-AO64, ambos de 70 mm, o Cinerama65, com três
projetores sincrônicos em 35 mm e o CinemaScope66 também em 35 mm (DE LUCA, 2009, p.137).
Esses modelos surgiram nos anos 1950 e tinham a vantagem de alargar consideravelmente o
aspecto (aspect ratio)67 convencional quase quadrangular68 do início do cinema, de 1:1,33 (ou 4:3),
para a modalidade retangular de 1:2,35 (o segundo número indica quantas vezes a largura é maior
do que a altura do quadro), proporcionando um novo recorte do mundo.
62
Widescreen é o formato de tela cinematográfica ou televisiva em que a proporção (aspect ratio) entre a largura e
altura da imagem é mais larga que a relação padronizada em 4:3 (NEIVA, 2013, p.581).
63
O VistaVision trabalha com a captação do negativo 35 mm na horizontal, permitindo assim um melhor
aproveitamento da área útil da emulsão, resultando em um formato mais panorâmico com mais qualidade. Por ser um
sistema incompatível com qualquer outro, com formato que variava de 1:33,1 para 1:1,96 (a Paramount recomendava
a projeção em 1:1,85), enfrentou dificuldades com cópias e distribuição e, por esse motivo, teve vida curta.
64
Todd-AO é o nome do sistema panorâmico que usava um negativo 65 mm durante a produção para, em seguida,
produzir os positivos de 70 mm para distribuição (5 mm carregavam seis faixas de som magnético, mais uma sétima
para controle de áudio). Foi desenvolvido pelos engenheiros da American Optical Company, em 1950, com formato
de 1:2,20. Enquanto o Cinerama usava uma configuração complexa de três faixas separadas de filme fotografadas
simultaneamente, Todd-AO precisava apenas de uma única câmera e lente. A FOX adquiriu os direitos do Tood-AO
e usou o sistema em oito produções, incluindo os exitosos “Cleópatra” (Cleopatra), de 1963, e “A Noviça Rebelde”
(The Sound of Music), de 1965.
65
O Cinerama, o cinema panorâmico imersivo com som surround, foi criado para servir de simulador no treinamento
de atiradores de bateria antiaérea. Em 1952, a Paramount lançou comercialmente o Cinerama para concorrer com o
CinemaScope. Contudo, como o Cinerama exigia grandes investimentos - ele era realizado com três projetores de
proporção 1:2,35 em uma tela semicircular de quase 180°, o que implicava grandes transformações no formato da sala
convencional de cinema, que, por adotar a sala de teatro italiano, era estreita -, ele acabou por perder a disputa com o
CinemaScope (PARENTE in PENAFRIA; MARTINS, 2007, p.19-20).
66
O CinemaScope, também conhecido como Cinemascópio ou Scope, é um sistema de projeção cinematográfica em
tela grande com uma relação de aspecto de 1:2,35 (ou por aproximação 7:3) desenvolvido pela Twentieth Century Fox.
Sua tela ampliada em sentido horizontal possibilita ao cineasta um melhor aproveitamento de área (PIZZOTTI, 2003,
p.71). Este sistema foi baseado na lente anamórfica Hypergonar, criada pelo francês Jacques Chrétien. Por esse
processo, a imagem é comprimida sobre os fotogramas e, na projeção, novamente alargada para proporções normais.
O CinemaScope foi inaugurado no ano de 1953 com a exibição de “O Manto Sagrado” (The Robe), de Henry Koster.
É o mais popular dos formatos “panorâmicos” em 35 mm (SILVA, 2012, p.78).
67
A relação de aspecto (aspect radio) é a relação entre a largura e a altura da imagem, na tela do cinema ou da TV. O
padrão tradicional de filmes, criado pela Edison Company, era de 4:3 (ou 1:1,33) que significa que a imagem deve ter
quatro padrões de largura por três de altura. A mesma proporção foi inicialmente adotada nas transmissões de TV.
Progressivamente, com o desenvolvimento da televisão, outras proporções foram experimentadas (NEIVA, 2013,
p.581).
68
Em 1932, o fotograma cinematográfico teve que ser redimensionado para abrir espaço para o som e adotou o formato
1:1,37 (aproximadamente 11:8). A partir de então, a proporção 1:1,37 passou a ser conhecida como academy aspect
ratio (“janela acadêmica”) e o antigo e quase idêntico padrão 1:1,33 recebeu o nome de silent aspect ratio (“janela
muda”) (SIKOV, 2010).
59
Além da proporção de tela, houve também mudanças em relação aos formatos 69 usados
da captação de imagens:
Atualmente a maior parte dos filmes são feitos com formato de 1:1,66, 1:1,85 ou 1:2,35
(Scope). Para Luís Nogueira (2010b, p.52-53), “em certa medida é essa largueza da imagem que
lhe dá uma sensação de imponência e nobreza cinematográfica. Quanto mais larga, mais
cinematográfica a imagem”. O autor explica que a moldura é uma herança do Renascimento e da
pintura em perspectiva. São as molduras que estabelecem os limites da imagem, pois “ajudam a
desenhar as linhas de fuga, as quais contribuem para a criação da ilusão de tridimensionalidade do
espaço e dos objetos (...) ela ajuda também a direcionar a atenção do olhar para o seu conteúdo, a
confluir para o centro (NOGUEIRA, 2010b, p.54-55).
69
O formato é a área útil de impressão no negativo e é calculado levando-se em conta a relação entre altura e
comprimento do retângulo onde será impressa a imagem registrada pela câmera. Uma mesma bitola pode conter vários
formatos, dependendo da janela utilizada na câmera ou na projeção, de acordo com os padrões estabelecidos pela
indústria cinematográfica.
60
70
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: a) <http://rlcinema.blogspot.com.br/2010/10/capitulo-2-bitolas-e-
formatos.html>; b) <http://ctav.gov.br/tecnica/bitolas-e-formatos-de-filmes/>;
c) <http://www.mnemocine.com.br/index.php/cinema-categoria/28-tecnica/146-bitolasformatos>;
d) <http://www.tudosobreseufilme.com.br/2015/08/pelicula-cinematografica-o-que-e-quais.html> Acesso em: 04
nov. 2017.
61
como o australiano Vertical Film Festival (VFF). Com duas edições já realizadas, em 2014 e 2016,
o site do evento brinca com o estranhamento deste formato não tradicional e o define como
“orientação vertical”, “tela alta” ou simplesmente “hey, você está filmando isso do jeito errado”.
Segundo Adam Sébire, diretor do festival, à medida que as telas se tornam mais
onipresentes em nossas vidas, também se tornam mais portáteis. A ergonomia dos dispositivos
móveis e a fisiologia humana nos encorajam a manter a imagem em uma orientação
predominantemente vertical. O diretor do VFF faz um prognóstico: “A era das telas flexíveis de
Eisenstein está bem e verdadeiramente sobre nós; ele ainda não foi convertido em um modelo de
negócios... ainda. Então, o cinema vertical é provável para o longo prazo - até que a holografia
talvez elimine o quadro completamente!” (SÉBIRE, 2014, tradução nossa 71).
Uma coisa é certa: quanto mais vídeos forem assistidos diariamente nesse formato, e
quanto mais se propaga o acesso à Internet por meio de smartphones, mais arquivos terão a moldura
na proporção 9:16. Na multiplicidade de mídias, a produção em diferentes aspectos de tela merece
maior atenção.
71
The era of Eisenstein’s flexible screens is well and truly upon us; it just hasn’t been converted into a business model
… yet. So vertical filmmaking is likely here for the long run — until holography perhaps eliminates the frame
altogether!
72
Imagens disponíveis em: <https://verticalfilmfestival.com.au/about/> Acesso em: 10 nov. 2017.
63
Da mesma maneira que as telas gigantes foram uma forma de concorrer com a diminuta
tela da TV, a projeção estereoscópica 3D foi uma das estratégias do cinema nos anos 1950. Mas
essa tecnologia surgiu muito antes73, em 1838, quando o estereoscópio (stereoscope) foi
apresentado à Real Sociedade de Londres por Charles Wheatstone, dando início a uma série de
estudos sobre a relação do espectador com aquilo que era observado. Foi a partir da fotografia que
o uso desse método se expandiu e, com as exposições universais74, a estereoscopia foi apresentada
à sociedade, tornando-se fenômeno de popularidade75.
A palavra “estereoscópio” é derivada do grego, unindo duas palavras: skorpion e estereós,
o que significa “ver-sólido”. Também dá nome a um instrumento binocular apropriado para a
observação simultânea de duas fotografias quase idênticas e que, dispostas lado a lado, criam a
percepção de uma única imagem tridimensional com pequena variação de perspectiva, tal como as
imagens captadas pelos dois olhos humanos (RABAÇA; BARBOSA, 2014, p.97).
73
A visão binocular tem sido objeto de especulação científica há séculos. No século III a.C., Euclides, em seu tratado
sobre Óptica, observou que os olhos esquerdo e direito veem uma esfera ligeiramente de maneira diferentes. Mas não
há nada, no entanto, que sugere que Euclides tenha entendido o efeito estereoscópico alcançado com a visão binocular.
Leonardo da Vinci (1452-1519), em seu Trattato della Pittura, observou que um ponto em uma pintura plana nunca
poderia mostrar o relevo da mesma maneira que um objeto sólido, a menos que os olhemos com apenas um olho.
74
As Exposições Universais ou Feiras Mundiais eram realizadas pela elite industrial para exaltar os avanços técnico-
científicos alcançados pelo capitalismo. Divididas em pavilhões nacionais, cada participante mostrava suas invenções,
processos e produtos. Diferentes tecnologias ligadas à fotografia e cinematografia tiveram destaque nesses eventos,
como o Stereopticon, que utilizava dezesseis projetores de slide funcionando em sucessão rápida para projetar imagens
circulares; o Cineorama, em que o público experimentava a sensação de voar em um balão ao subir numa plataforma
circular e assistir à projeção de dez filmes de 70 milímetros, coloridos à mão e gravados a partir de um balão real,
numa tela circular de 360 graus; além do Mareorama, que simulava uma viagem pelo Mediterrâneo por meio da
utilização de atores, de uma tela de 15 metros de altura, que, desenrolada aos poucos, revelava a mudança da paisagem,
e até mesmo a utilização de algas, para criar uma ilusão olfativa da brisa do mar (PIOVEZAN, 2011, p.4).
75
A estereoscopia surgiu – como fenômeno de massa – em 1851. Apresentada ao público por ocasião da Exposição
Universal de Londres desse ano, por David Brewster, revelou-se um sucesso imediato conquistando a pronta adesão
da rainha Vitória. Venderam mil estereoscópios no Reino Unido somente naquele ano. Em todo o mundo, as vistas
estereoscópicas fizeram enorme sucesso. No ano de 1862, a London Stereoscopic Co. vendeu na Segunda Exposição
Universal de Londres mais de um milhão de cartões fotográficos estereoscópicos, fazendo jus a seu slogan de ‘nenhum
lar sem estereoscopia’ e, consequentemente, ‘nenhuma escola’ também. Contudo, a estereoscopia se tornou uma moda
passageira (ADAM, 2003, p.210).
64
76
O britânico William Friese-Greene, além de ter sido vanguardista na aplicação da cor e da estereoscopia 3D no
cinema, é considerado por alguns estudiosos como o “pioneiro esquecido do cinema” por ter criado o Biophantascope
(ou Biophantoscope), com celuloide, em 1889, muito antes dos Lumière. Friese-Greene foi um fotógrafo e inventor
britânico que, muitas vezes, é creditado como o inventor da cinematografia. Em 21 de junho de 1889, Friese-Greene
emitiu a patente nº 10.131 para a câmera 'cronopotográfica'. Aparentemente, era capaz de tirar de quatro até dez fotos
por segundo usando uma película de celuloide. Em 1890, Friese-Greene fez uma demonstração pública do seu invento,
mas a baixa cota de quadros, combinada com dispositivos obviamente não confiáveis, não conseguiu causar uma boa
impressão. Envolto em dívidas, Friese-Greene vendeu os direitos de sua patente por £ 500, embora a primeira taxa de
renovação nunca tenha sido paga e a patente caducou em 1894 (os irmãos Lumière patentearam o cinematógrafo em
março de 1895). Friese-Greene foi pioneiro na cinematografia estereoscópica e colorida, mas não possuía o
conhecimento técnico necessário para colocar em práticas suas ideias. Sua vida resultou no filme biográfico The Magic
Box (1951). Sem dúvida, foi um dos primeiros a trabalhar no conceito de imagens em movimento, mais como um
sonhador mais do que como inventor, pois Thomas Edison ficou com os créditos de ser o inventor do cinetógrafo
(kinetograph) (ZONE, 2007, p.59-64).
77
No sistema anáglifo (ou anaglífico), a lente vermelha oculta os tons de ciano; já a lente azul oculta os tons de
vermelho. O resultado disso é que apenas um dos olhos percebe cada uma das cores, ainda que elas se refiram à mesma
imagem. Na tentativa de juntar as duas partes, o cérebro sobrepõe uma a outra, dando a sensação de profundidade de
campo. Entre os pontos negativos dessa técnica estão a mudança acentuada da maneira como os tons de cores são
percebidos e o desconforto em exposições muito longas. A patente foi registrada em 1891 por Ducos du Hauron, um
dos pioneiros da fotografia de cor. Esse processo foi é de mais fácil aplicação e foi muito usado no cinema entre as
décadas de 1920 e 1930 (GOLIOT-LETÉ, 2011, p.153).
78
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.amog.com/101395-timeline-3d-films/> (estereoscópio de
Wheatstone e óculos anáglifos de papel); <http://afflictor.com/page/149/> (visor do Teleview). Acesso em: 10 nov.
2017.
65
79
É importante ressaltar que, muito antes do 3D, a profundidade de campo já era conseguida por meio de outras
técnicas de filmagem. Era utilizada por diretores, debatida pelos teóricos do cinema e, principalmente, usada como
recurso criativo, de linguagem. “A profundidade de campo coloca o espectador numa relação com a imagem mais
próxima do que a que ele mantém com a realidade. Logo, é justo dizer que, independente do próprio conteúdo da
imagem, sua estrutura é mais realista” (BAZIN, 1991. p.77).
80
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: ZONE, 2007, p.62 (câmera estereoscópica de Frese-Greene);
<https://www.londonremembers.com/subjects/william-friese-greene> (William Friese-Greene);
<http://www.ign.com/articles/2010/04/23/the-history-of-3d-movie-tech> (Teleview);
<http://www.imdb.com/title/tt0014361/> (Plastigrams). Disponível em: 05 nov. 2017.
66
81
O sistema Teleview, criado por Laurens Hammond (também inventor do órgão Hammond), gera a imagem 3D da
mesma forma que os olhos humanos concebem a profundidade. Dois carretéis de filme separados por cerca de 6 cm -
a distância entre os olhos humanos - são projetados em uma tela. Além disso, as duas bobinas foram criadas filmando
cada cena, usando duas câmeras, também separadas por 6 cm. Uma vez que essas duas imagens são projetadas na tela
simultaneamente, um visualizador pode simplesmente olhar através do visualizador Teleview (um dispositivo óptico
conectado ao seu assento) e ver uma imagem em movimento 3D. O Teleview filtra as duas imagens através de um
obturador rotativo que é sincronizado com as imagens na tela: quando observado, o obturador bloqueia alternadamente
os olhos direito e esquerdo e, pela persistência da visão, uma única imagem em movimento tridimensional é vista. Esse
experimento em visualização tridimensional ocorreu durante um mês em um único teatro da cidade de Nova York, em
1922. O fracasso do Teleview foi atribuído ao filme de ‘segunda categoria’ de Roy William Neill, The Man from
MARS (também conhecido como MARS), combinado com a resistência do público a mudar sua experiência de
visualização e, principalmente pela instalação dispendiosa dos visualizadores, uma vez que nenhum outro cinema
adotou essa tecnologia (ROWND, 2010).
82
O processo de Visão Natural (Natural Vision) usa lentes polarizadas estriadas (com linhas paralelas), que
possibilitam filmar em cor natural e aplicar corretamente o princípio da convergência do olho humano. As duas
imagens projetadas são emitidas em ângulos diferentes. Ao serem vistas com os óculos (também estriados) elas são
desviadas e bloqueadas, de acordo com o ângulo que são recebidas. Ou seja, o olho esquerdo perceberá apenas imagens
de uma angulação enquanto o direito só perceberá imagens de uma angulação distinta. Essa angulação pode ocorrer de
duas formas: linear e circular. “Como o próprio nome indica, na polarização linear as imagens são “lidas” em linha.
Assim, se você inclinar a cabeça para o lado, perceberá uma perda no efeito 3D. Já na polarização circular isso não
ocorre, uma vez que a angulação de imagens pode ser "lida ou bloqueada em qualquer uma das direções. As salas de
67
do anaglífico, mas a diferença entre essas tecnologias é que, na Visão Natural, não havia a
necessidade de lentes coloridas para bloquear determinados matizes; consequentemente, a
fidelidade de cores era muito maior (ilustração 13). Os projetores usavam filtros Polaroid e o
sistema não necessitava de uma conversão em larga escala como o Cinerama83. Produzido por um
valor alto na época, US$ 400 mil, “Bwana, o Demônio” arrecadou mais de US$ 2,5 milhões em
ingressos e se tornou um dos maiores sucessos de 1953. A segunda película com a técnica Natural
Vision, “Museu de Cera” (House of Wax), exibida no mesmo ano, também conquistou a crítica
especializada e obteve bons resultados de bilheteria. Este filme passou a ser a primeira exibição
3D com som estereofônico84.
Uma das produções em terceira dimensão mais famosas de todos os tempos, “O Monstro
da Lagoa Negra” (Creature From The Black Lagoon)85, foi lançado em 1954. O filme recebeu duas
sequências: Revenge of the Creature (1955) e The Creature Walks Among Us (1956).
Apesar de esse período ser conhecido como “A Era Dourada” dos filmes em 3D, os
estúdios de cinema enfrentavam obstáculos como o alto custo de produção e exibição, além das
dificuldades técnicas com a execução de dois projetores simultaneamente.
cinema, em sua maioria utilizam a polarização circular. Já as TVs e PCs utilizam a linear justamente pela característica
dos aparelhos, já que a formação de imagem também é linear” (LANDIM, 2011).
83
Tecnologias imersivas mais “confortáveis” aos olhos, como a tela gigante semicircular do Cinerama, competiam
diretamente com o 3D.
84
Sistema de gravação, reprodução e transmissão de som em dois canais. Essa técnica procura recriar o efeito espacial
de uma performance ao vivo. “A primeira demonstração estereofônica foi de uma gravação ao vivo da Ópera de Paris,
na Exposição de Paris de 1881”. No som estereofônico é dada a posição do som para que ele chegue a um ouvido antes
do outro (PIZZOTTI, 2003, p.116).
85
Dirigido por Jack Arnold, Creature From The Black Lagoon conta a história de um estranho animal pré-histórico
que habita as profundezas da selva amazônica. Um grupo de cientistas tenta capturar a criatura e trazê-la de volta à
civilização para estudo. O monstro anfíbio (Ben Chapman, em terra, e Ricou Browning, nas cenas subaquáticas) se
apaixona e rapta a assistente (Julie Adams) do cientista-chefe (Richard Carlson). Os cientistas lançam uma cruzada
para resgatar a assistente e levar a ameaçadora criatura de volta ao seu habitat.
68
(esq.) Para aproveitar o efeito tridimensional, o leão saltava sobre a câmera toda vez que aparecia, assustando os
espectadores; (dir.) Plateia na estreia do primeiro longa-metragem 3D, Bwana Devil, no Paramount Theater, em
Hollywood, em 26 de novembro de 1952 (fotografado por JR Eyerman)
Após o “boom” dos anos 1950, as poucas obras filmadas em 3D foram produções
independentes de baixo investimento e que tinham na tridimensionalidade seu único atrativo.
86
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://dcairns.wordpress.com/tag/bwana-devil/> (leão);
<http://time.com/3878055/3-d-movies-revisiting-a-classic-life-photo-of-a-rapt-film-audience/> (plateia com óculos
3D na estreia de Bwana Devil); <http://www.effets-speciaux.info/article?id=333> (cartaz do Bwana Devil e
funcionamento do 3D polarizado no filme); (Cartaz do filme Creature From The Black Lagoon)
<http://www.museumoffloridahistory.com/resources/collections/posters/BlackLagoon.cfm> Acesso em: 05 nov.
2017.
69
Acredita-se que a popularidade da estereoscopia nos Estados Unidos tenha diminuído em razão das
histórias pouco envolventes (o 3D acabou sendo associado ao gênero de terror) e, sobretudo, pela
má qualidade técnica. Por isso, o cinema tridimensional ficou um longo período esquecido, restrito
como atração de parques de diversão87 e museus de ciência.
A segunda onda do 3D veio no final da década de 1960, quando o produtor Arch Gobler
encontrou uma maneira de eliminar a necessidade de filmes de bobina dupla. A nova técnica de
“espaço da visão”, o Space-Vision 3D, sobrepunha duas imagens estereoscópicas em uma única
bobina. Como os rolos eram emparelhados durante a impressão, os espectadores não precisavam
mais se preocupar com problemas de sincronização. O sistema eliminou a necessidade dos
onerosos projetores duplos e necessitava apenas de um projetor equipado com uma lente especial.
O ponto negativo dessa técnica era que o Space-Vision 3D exibia imagens mais escuras, com menor
saturação de cores.
Entre as décadas de 1980 e 1990, houve um ligeiro retorno dessa técnica. Produções como
“Tubarão 3D” (1983), “Sexta-Feira 13 – Parte 3” (1982), “Amityville 3 – O Demônio” (1983) e
“A Hora do Pesadelo 6 – A Morte de Freddy” (1991) tiveram um resultado positivo nas bilheterias,
mas receberam escassos elogios da crítica especializada da época, e pouca atenção dos estúdios em
geral. Principalmente, porque as narrativas realizadas em 3D ainda exploravam a ideia de que
pessoas e objetos deveriam saltar da tela, assustando os espectadores. Nessa época, as películas em
terceira dimensão também foram impulsionadas pela chegada do IMAX 3-D, com curtas metragens
de não ficção88.
87
Captain EO é um filme 3D, de 1986, estrelado por Michael Jackson, dirigido por Francis Ford Coppola e com roteiro
de George Lucas. A obra foi exibida no Epcot Center, no conglomerado de parques da Disney, em Orlando, e
incorporou outros efeitos, como lasers e fumaça, sincronizados com a narrativa do filme. Exibido até 1994, porém, foi
reaberto em 2010 após a morte do cantor.
88
O filme que deu início ao cinema estereoscópico na tela gigante do IMAX foi o documentário Transitions, produzido
em 1986 por Colin Low para o Pavilhão do Canadá na Expo 86. Em 1992, como parte da Exposição Universal de
Sevilha, Low dirigiu Momentum, o primeiro documentário tridimensional filmado em 48 quadros por segundo. O
primeiro filme de ficção no formato IMAX 3-D foi Les Ailes du Courage (Wings of Courage), dirigido por Jean-
Jacques Annaud, em 1995. Com base neste sucesso, a empresa lançou o IMAX DMR (Digital Re-Mastering) para se
estabelecer no setor cinematográfico. Esta técnica de pós-produção permite retrabalhar digitalmente a imagem de um
filme de 35 mm para transpô-lo para alta resolução. Os filmes poderiam ser “elevados” no IMAX e se beneficiar de
uma imagem de alta resolução (mas não atinge o mesmo nível de qualidade). O primeiro filme a usar esta tecnologia
foi Apollo 13, por Ron Howard, em 2002.
70
Proporção das telas comum e IMAX em relação a uma pessoa (em cima). Projetores IMAX (embaixo, à esq.).
Comparação entre as áreas de projeção em um cinema padrão e no IMAX (centro e dir.)
No sistema IMAX (sigla que vem de Image Maximum), a tela padrão é côncava e
geralmente tem 22 metros de largura por 16,1 metros de altura, mas pode ser maior90 (as telas
tradicionais medem 12 por 5,1 metros). A projeção, quando analógica, é feita utilizando películas
de 70 mm, projetadas no sentido horizontal em uma velocidade de 48 quadros por segundo 91. A
89
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.a50.com.br/entretenimento/85-filmes> (proporção de tela
IMAX em comparação à uma pessoa de 1,60m); <https://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/15072958.jpg?w=700>
(Comparação de telas do filme “Velozes e Furiosos 6”); <https://mybroadband.co.za/news/general/165956-behind-
the-scenes-at-a-ster-kinekor-imax-theatre-photos.html> (projetores IMAX dentro da cabine de projeção);
<https://www.lcdtvthailand.com/mobile/topic_detail.php?id=1573> (IMAX Theatre Design). Acesso em: 15 nov.
2017.
90
Entre os diversos tamanhos de telas IMAX, foi instalada em julho de 2017, no complexo sul-coreano do Yongsan
I'Park Mall, na capital Seul, uma tela de 31 metros de largura por 22,4 metros de altura. De acordo com site do Guinness
World Records, a maior tela de cinema IMAX permanente foi inaugurada em 1996, em Sidney, Austrália, com 35,72
por 29,57 metros (GUINNESS, 2018).
91
A estabilidade da imagem no processo de obturação é garantida por um mecanismo composto por trilhos do sistema
de tração operados a vácuo. Duas cópias com imagens para cada olho são projetadas sincronicamente. De acordo com
De Luca (2009, p.140-141), “os óculos são sincronizados por emissões de ondas de infravermelho geradas a partir das
pulsações dos motores dos projetores, comandando a abertura e o fechamento dos painéis de cristal líquido existente
no interior das lentes dos óculos”.
71
resolução chega a 10.000 por 7.000 pixels, enquanto uma tela convencional tem 2.048 por 1.080
pixels.
O filme 3D de grande formato elimina a consciência da borda do quadro, deixando a visão
periférica do espectador completamente tomada. Assim, o IMAX-3D cria uma experiência
audiovisual imersiva com um altíssimo nível de sensação de realidade, com alta qualidade de som 92
e imagem93. Com o slogan “viva a experiência”, a empresa quer enfatizar as vantagens do IMAX
em relação ao cinema convencional. Trata-se de um sistema de alta confiabilidade, porém com
custos altíssimos, que chegam a valores superiores a US$ 2 milhões apenas para a aquisição dos
equipamentos (DE LUCA, 2009, p.141). Essa tecnologia de projeção abriu as portas para a terceira
época do cinema estereoscópico.
O divisor de águas para a tecnologia digital 3D foi “Avatar” (2009), dirigido por James
Cameron94. Considerado o filme mais caro da história do cinema, com um orçamento de US$ 400
milhões, excetuando-se os investimentos em marketing – que, segundo especialistas, teria custado
mais US$ 200 milhões, é também o longa-metragem de maior bilheteria de todos os tempos, com
mais US$ 2,8 bilhões.
Com o roteiro nas mãos, Cameron se reuniu com os engenheiros e técnicos da Digital
Domain, uma das principais empresas de efeitos especiais em Hollywood, da qual era um dos
sócios. Foi preciso reinventar as câmeras 3D e aperfeiçoar o sistema de captura de expressões
92
Os filmes IMAX possuem trilha sonora separada dos filmes – ao contrário dos 35 mm, que têm uma faixa de áudio
embutida na película. O sistema de som de cada sala de espetáculos IMAX é customizado, sendo que as caixas
acústicas também são patenteadas pela empresa. Entre os pontos fortes estão a resposta de frequência, a capacidade de
operar com sinais de áudio amplificados de elevadíssima intensidade, a diretividade do som amparado em um ambiente
geometricamente favorável; e na potência de 12.000 watts de som digital surround sound. As salas IMAX são
equipadas com um sistema próprio de microfones sensores para monitorar o campo de som em vários locais
simultaneamente e, em especial, para monitorar cada canal de som.
93
O IMAX foi oficialmente lançado no Cinesphere em Toronto, no Canadá, em 1971. A primeira projeção no Brasil
aconteceu em 1997 no parque de diversões Terra Encantada, no Rio de Janeiro, mas só foi oficialmente inaugurado no
país em 16 de janeiro de 2009, no Shopping Bourbon Pompéia, na cidade de São Paulo. Em 2010, a Shangai World
Expo apresentou uma tela IMAX com 1.600 metros quadrados. Até aquele momento era a maior tela de cinema
existente (SILVA, 2012, p.180).
94
Em 1996, James Cameron dirigiu seu primeiro filme em 3D, uma versão de “Exterminador do futuro 2” para o
parque temático da Universal Studios, na Flórida A um custo de US$ 60 milhões para seus 12 minutos de duração,
Terminator2 3-D: Battle Across Time se tornou o filme mais caro, feito quadro a quadro, na história do cinema. Foi
filmado com uma câmera de 200 kg que, de tão pesada, os produtores tinham de improvisar equipamentos de
construção para levantar o material do chão. Depois de 21 anos de exibição, a atração foi fechada em 8 de outubro de
2017 para, de acordo com o parque, abrir caminho para uma “nova experiência de ação ao vivo baseada em uma
franquia universal de alta energia”, a ser inaugurada em 2019.
72
faciais e corporais dos atores para criar cenas em CGI (Computer Graphic Imagery, ou seja,
imagens geradas por computador). Em “Avatar”, os atores utilizaram nos sets de filmagem uma
espécie de malha composta por pequenos refletores. Esses pequenos pontos foram capturados por
nada menos que 140 câmeras simultâneas (LANDIM, 2009). As referências de cada ponto são
cadastradas em um enorme banco de dados. Com essas informações, os animadores constroem em
computação as imagens dos personagens com base no movimento corporal dos atores, o que resulta
num maior realismo ao resultado final do filme.
A quantidade de películas em terceira dimensão cresceu de dois filmes, em 2003, para 52
lançamentos, em 2016 (ver tabela 1). Apesar desse bom desempenho, que incluiu sucessos como
“Rogue One – Uma História Star Wars” e “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, a bilheteria
gerada pelos filmes 3D, em 2016, foi de US$ 1,6 bilhão (14% do total arrecadado no período),
significativamente inferior ao recorde de US$ 2,2 bilhões, em 2010. Vale ressaltar que, nas
temporadas “pré-Avatar”, o cinema 3D tinha baixíssima participação no total da bilheteria norte-
americana, chegando ao máximo a US$ 200 milhões, em 2008.
Tabela 1 – Filmes lançados e bilheteria (em US$ bi), EUA e Canadá (2003 a 2016)
“Pré-Avatar”
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Filmes lançados 454 475 455 489 507 594 611 638
Bilheteria US$B $8.1 $9.1 $9.2 $9.3 $8.8 $9.2 $9.6 $9.6
Filmes 3D 0 0 2 2 6 8 6 8
Bilheteria 3D 0 0 n/a n/a n/a $0.1 $0.1 $0.2
Avatar “Pós-Avatar”
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Filmes lançados 557 563 609 677 659 707 708 718
Bilheteria US$B $10.6 $10.6 $10.2 $10.8 $10.9 $10.4 S11.1 $11.4
Filmes 3D 20 26 45 36 45 47 40 52
Bilheteria 3D $1.1 $2.2 $1.8 $1.8 $1.8 $1.4 $1.7 $1.6
Fonte: MPAA, 2010, 2012 e 2017
A região da Ásia-Pacífico está melhor equipada, com 47 mil dessas salas (é a única
localidade onde a maior parte das telas é 3D). Europa, Oriente Médio e África (EMEA) têm, juntos,
mais de 18 mil auditórios 3D (gráfico 2). Estados Unidos e Canadá possuem quase 17 mil locais
74
de projeção digital tridimensional, e a América Latina está atrasada, com apenas 5,2 mil (MPAA,
2017, p.8). No Brasil, em 2016, das 3.160 salas de cinema, 1.280 eram 3D (ANCINE, 2018).
Ao analisarmos os dados do mercado 3D na América do Norte, nota-se que as bilheterias
pararam de crescer, mantendo algumas oscilações entre 2011 e 2016. Analistas afirmam que a fase
de expansão dessa tecnologia chegou ao limite. A receita dos filmes 3D em 2016 foi a segunda pior
desde “Avatar”, ao mesmo tempo em que as bilheterias totais cresceram. Ou seja, as produções
tridimensionais estariam puxando os resultados financeiros para baixo.
Em julho de 2017, o CEO do IMAX Entertainment, Greg Foster, anunciou que a empresa
vai reduzir os lançamentos em 3D para reverter os números abaixo do esperado. Com 1.200 salas
em todo o mundo, o lucro líquido do primeiro semestre de 2016, de US$ 4,3 milhões, caiu para
US$ 2,9 milhões no mesmo período de 2017. “Os consumidores demonstraram uma forte
preferência pelo 2D. Estamos ansiosos para jogar menos versões 3D de filmes e mais versões 2D”,
explicou numa coletiva de imprensa. Vale ressaltar que foi a própria rede IMAX que ajudou a
disseminar a cultura do Digital 3D nos cinemas. Essa mudança é um claro sinal de que o dinheiro
está retornando para as salas 2D — e onde o dinheiro vai, o mercado vai atrás (HAMANN, 2017).
Na tentativa de reverter esse quadro, as sequências de “Avatar” têm sido bastante
aguardadas pelo mercado cinematográfico. Previsto para 18 de dezembro de 2020, “Avatar 2” vai
usar um novo sistema de projeção tridimensional a laser RGB95 desenvolvido pela empresa
Christie Digital em conjunto da Lightstorm Entertainment.
Assim como o início do Digital 3D, que foi popularizado pelo primeiro “Avatar”, poucos
cinemas receberão o sistema, que ainda está em desenvolvimento. “Avatar 3” está programado
para estrear em 17 de dezembro de 2021. Após um intervalo de alguns anos, “Avatar 4” só poderá
ser visto em 20 de dezembro de 2024 e a última parte da franquia, “Avatar 5”, chegará em 19 de
dezembro de 2025 (ROMARIZ, 2017).
Os filmes em três dimensões atraem os espectadores pelo visual extraordinário e pela
imersão nas imagens. Com ingressos mais caros e técnica difícil de piratear 96, as megaproduções
95
Alguns sites anunciaram precipitadamente que James Cameron usaria em “Avatar 2” uma tecnologia sem a
necessidade de óculos especiais para assistir, mas isso não foi confirmado pelo diretor.
96
A pirataria audiovisual surgiu no início do cinema. De acordo com Remi Fournier Lanzoni (2015, p.22), os agentes
de Thomas Edison subornaram um dono de teatro em Londres [em 1902] por uma cópia de “Viagem à Lua” (A Trip
to the Moon), de George Méliés. Edison então fez diversas cópias e mostrou-as em Nova York. O cineasta francês
passava por dificuldades financeiras e contava em levar o filme aos EUA para recuperar o enorme custo de produção.
75
tridimensionais atraem multidões e podem garantir um bom retorno para os investidores. Porém,
por ter um custo maior, a indústria cinematográfica depende, cada vez mais, dos blockbusters de
sucesso para gerar receitas e cobrir as despesas milionárias desses lançamentos.
A verdade é que muitos filmes tridimensionais não necessitam usar essa técnica, o que
acaba gerando roteiros de qualidade duvidosa. Raras são as histórias bem aproveitadas no 3D
como “Toy Story 3” (2010), “As Aventuras de Pi” (2012), “A Invenção de Hugo Cabret” (2012),
“Gravidade” (2013), a trilogia “O Hobbit” (2012, 2013, 2014) e os filmes de super-heróis da
Marvel e DC, como “Os Vingadores” (2012) e “Homem de Aço” (2013), por exemplo.
No Brasil, a produção cinematográfica em terceira dimensão (excetuando algumas
animações) começou atrasada e com o “pé esquerdo”. Lançada em 2013, a comédia “Se puder...
Dirija!”, de Paulo Fontenelle, foi o primeiro longa-metragem brasileiro realizado inteiramente
neste formato. De acordo com o crítico Marcelo Hessel, do site Omelete:
A evolução tecnológica pode, em breve, ser responsável por uma nova popularização do
cinema estereoscópico. Pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Viena, em conjunto com
a empresa austríaca TriLite Technologies, desenvolveram uma tecnologia para permitir ver
imagens 3D em alta definição sem nenhum dispositivo diante dos olhos. Mais do que isso, tudo
deverá funcionar ao ar livre e à luz do dia.
O primeiro protótipo foi criado no início de 2015. Cada pixel da tela, chamado de trixel,
contém um micro espelho móvel e um diodo97 laser RGB (feixe de laser vermelho, verde e
azul). Ao se moverem, esses espelhos permitem mostrar ao olho direito uma imagem diferente do
Quando chegou ao país, Méliès percebeu que seu filme já estava sendo exibido por Edison, não recebendo nenhuma
compensação por isso. Além de pioneiro do cinematógrafo, Thomas Edison foi um dos precursores da pirataria.
97
Um diodo é um componente eletrônico que permite a passagem da corrente elétrica somente em um sentido. Quando
assistimos a uma imagem em um monitor de LED ou em um celular com tela de LED, estamos literalmente olhando
para milhões de diodos. Ou seja, cada ponto de luz que acende nos eletrônicos é um diodo fotocondutor, popularmente
conhecido como LED: Light Emitting Diode (PIZZOTTI, 2003, p.158).
76
Princípio de funcionamento de cada trixel (em cima). Foto do protótipo (embaixo, à esquerda) com 5x3
trixels, e estrutura de funcionamento de cada trixel (embaixo, à direita). Imagem ilustrativa de painel
externo com a tecnologia TriLite Trixel (direita). Fontes: REITTERER (2014, p.3-5) e TRILITE (2015)
98
O termo monofonia vem da junção de duas palavras: mono, que quer dizer único ou um, e fono que significa som.
Monofonia é a técnica de gravação, transmissão ou reprodução de sons em um só canal (BARBOSA; RABAÇA, 2001,
p.496). Conforme vimos no início deste capítulo, os primeiros sistemas de reprodução de som mecanicamente
sincronizados com a imagem (cinema sonoro) eram monofônicos. Eram eles o Vitaphone (da Warner Brothers), o
Movietone (da Twenty Century Fox) e o Photophone (da RCA/RKO). A estereofonia surgiu de pesquisas feitas pela
AT&T Bell Labs para transmissão e gravação de mais de um sinal de áudio simultâneos no final da década de 1920.
No cinema a estereofonia se concretizou em 1940, quando a Bell Labs, junto com ERPI (subsidiária da AT&T) e
77
canais de som, que ampliaram para mais canais, e passaram a ficar espalhados em várias direções na
sala de exibição, causando a impressão de movimento.
A estereofonia é a técnica de gravação ou transmissão e de reprodução de sons, com a
finalidade de produzir o efeito de relevo acústico. Caracteriza-se por reconstruir a distribuição
espacial das fontes sonoras, por meio da emissão de sons em dois canais (esquerda e direita) para
dois ou mais alto-falantes distintos, que devem estar instalados em posições apropriadas. A
estereofonia busca dar ao ouvinte uma percepção da direção das fontes sonoras que chegam aos
dois ouvidos em instantes diferentes. A distância é de milésimos de segundo, mas o cérebro
consegue percebê-las (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.284). Já o som multicanal ou surround é o
“efeito obtido pela ligação de quatro ou cinco caixas acústicas, que faz com que o ouvinte se sinta
envolvido pelo som” (PIZZOTTI, 2003, p.245). Além dos dois canais do som estéreo o surround
chega a ter até sete canais. O som passa a ser interpretado de duas para três dimensões, preenchendo
por completo o ambiente em que é reproduzido, em 360 graus, proporcionando uma sensação
completa de imersão e atmosfera de realidade.
O sistema Dolby Stereo foi desenvolvido pela Dolby Laboratories e utilizado pela
primeira vez em 1977 no filme “Guerra nas Estrelas” (Star Wars), que soube explorar as
potencialidades da nova tecnologia. O Dolby Stereo utiliza dois canais com informação sonora
codificada no sistema quadrifônico99 Matrix que, quando ligados a um decodificador, reproduz
quatro canais.
Fletcher, fizeram uma demonstração de um sistema estereofônico para a indústria cinematográfica em Nova York. O
sistema de gravação tinha quatro pistas ópticas (área variável) em uma única película, sendo três pistas de áudio e uma
de sinal de controle. Para a gravação, três microfones eram colocados no palco captando a música da orquestra. Entre
os principais sistemas estereofônicos estão o RCA Panaramic “Fantasound”, Cinerama, Cinemascope, Panavision,
Todd-AO, Sensurround e Dolby Stereo, entre outros. A gravação magnética surgiu no cinema logo após a Segunda
Grande Mundial, em torno de 1945, e possuía uma qualidade superior à gravação óptica. Por exemplo, o sistema de
som Cinerama possuía sete canais de reprodução em uma fita magnética. Essa fita era reproduzida por um projetor
especial de 35 mm. Os canais eram distribuídos na sala de exibição da seguinte maneira: cinco atrás da tela (centro,
direito central, direito, esquerdo central e esquerdo) e os outros dois canais eram manipulados por um engenheiro no
momento da projeção. A gravação era captada por cinco microfones que eram distribuídos na frente das câmeras.
Dessa forma, o som captado respeitava a posição dos atores no enquadramento da câmera. Depois, na reprodução, esse
ambiente era reproduzido pelos cinco canais frontais atrás da tela. Os sistemas magnéticos caíram em desuso por causa
do alto custo do sistema de gravação, reprodução e copias. Outro problema foi a falta de padronização da indústria, já
que quase todos os estúdios possuíam o seu próprio sistema, o que gerou limitações para os exibidores na escolha dos
filmes, conforme o sistema utilizado (ALVAREZ, 2007, p.15-29).
99
Quadrifonia ou tetrafonia é o sistema de gravação e reprodução sonoras, desenvolvido a partir da estereofonia e que
usa quatro canais (em vez de dois) para a distribuição de som. Os equipamentos quadrifônicos possuem saídas
independentes para quatro caixas acústicas, “capazes de recriar a verdadeira atmosfera sonora de gravação original
78
desde que colocadas de forma correta (ou seja, uma em cada um dos vértices de um quadrado imaginário, no centro
do qual estarão o ouvinte)” (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.608). Os principais sistemas são: Matrix, QS e Discrete.
79
O líder do setor é o Dolby Digital, lançado em 1992, com o filme “Batman Retorno”
(Batman Returns), dirigido por Tim Burton. Nesse sistema, os bits são impressos de forma
compactada no filme de 35 mm, entre os buracos da perfuração da película.
O Dolby Digital 5.1 alcança um efeito tridimensional fazendo uso de seis canais de áudio
independentes: um alto-falante central, para reproduzir diálogos; dois canais de áudio para os alto-
falantes frontais, que acentuam o contexto sonoro que provém do alto-falante central; duas faixas
de áudio para os alto-falantes laterais e traseiros (surround esquerdo e surround direito), utilizados
para reproduzir o ruído e o som ambiente, a fim de criar um clima sonoro; e um canal para as baixas
frequências, que envia sons entre 3 a 120 Hz para um subwoofer localizado atrás da tela, na frente
do auditório, para amplificar os efeitos especiais (explosões, tremor, etc.). A configuração das
caixas (ilustração 16) permite que diálogos, música, sons ambientes e outros elementos sonoros
sejam trabalhados separadamente, possibilitando a percepção clara de onde o áudio é emitido.
A tecnologia Dolby Digital 5.1 (ou DD 5.1) tornou-se o padrão global para todos os DVDs
e discos Blu-ray. Também está embutido no Windows 10 e é usado nas transmissões HD
(abreviação de High Definition, ou alta definição) de televisão digital dos sistemas norte-americano
(ATSC) e europeu (DVB). O DD 5.1 evoluiu para o Dolby Digital Plus oferecendo até sete canais
de som surround em dispositivos que vão desde televisores a sistemas de home theater, e até
smartphones.
A Dolby Laboratories também desenvolveu outros sistemas para o cinema como o Dolby
Digital Surround EX ou 6.1, com um canal traseiro adicional que evidencia os efeitos sonoros que
se deslocam de frente para trás e dá aos designers de som mais controle sobre a colocação dos
áudios na sala de exibição. Lançado em 1999, em “Guerra nas Estrelas: Episódio I – A Ameaça
Fantasma” (Stars Wars: Ep.I – The Phantom Menace), e desenvolvido juntamente com a Lucas
Film, o DD Surround EX mantém a filosofia de compatibilidade, sendo compatível com todos os
sistemas de som das salas de exibição, incluindo o mono. Naturalmente, cada sala reproduzirá o
som com as limitações do sistema disponível.
80
O Dolby Surround 7.1, lançado em 2010, aumenta o impacto do som adicionando dois
canais de áudio à configuração surround 5.1 tradicional, divididos em: um canal frontal esquerdo,
um central, um canal frontal direito, dois canais laterais (esquerdo e direito), um canal traseiro
esquerdo e um canal traseiro direito, além do canal de efeitos de baixa frequência (ilustração 16).
Esse formato trata o interior do teatro como sete zonas espacialmente distintas, aumenta a dimensão
espacial do áudio do filme e melhora a definição geral de áudio para trilhas sonoras de filmes.
100
Imagens disponíveis em: <https://www.dolby.com/us/en/professional/cinema/products/dolby-atmos-next-
generation-audio-for-cinema-white-paper.pdf > (Sistemas Dolby Digital Surround 5.1 e 7.1). Acesso em: 04 jan. 2018.
81
No mundo real, os sons são originários de todas as direções, não de um único plano
horizontal. Na busca de uma reprodução sonora mais natural e realista, a Dolby lançou em 2012
seu sistema Dolby Atmos, com capacidade de transmitir simultaneamente até 128 faixas
individuais de som, alimentando até 64 alto-falantes. Além dos canais frontais, laterais e traseiros,
o Dolby Atmos utiliza os height channels, alto-falantes no teto da sala (ilustração 17). O primeiro
filme a contar com a tecnologia foi “Valente” (Brave), animação da Pixar.
O Dolby Atmos oferece um novo nível de controle criativo para designers de som. Cada
“objeto sonoro” pode ser colocado com precisão e movido com profundidade, detalhe e clareza,
para qualquer lugar do espaço tridimensional da sala de exibição. Mais canais independentes
permitem simular com maior fidelidade um ambiente sonoro complexo, dando uma sensação de
imersão no que é visto na tela.
Em 2017, a Netflix passou a oferecer conteúdo com a tecnologia Dolby Atmos, mas será
necessário possuir um sistema de som compatível. Por enquanto estará restrito, num primeiro momento,
aos aplicativos da plataforma para o Xbox One, Xbox One S ou smart TV OLED 4k da linha 2017 da LG.
101
Imagens disponíveis em: <https://www.dolby.com/us/en/technologies/dolby-atmos/dolby-atmos-next-generation-
audio-for-cinema-white-paper.pdf> e <https://www.dolby.com/us/en/brands/dolby-atmos.html> (Posicionamento das
caixas de som no sistema Dolby Atmos). Acesso em: 04 jan. 2018.
82
102
É importante levar em consideração que Gene Youngblood escreveu sua obra muito antes da digitalização do
cinema e do surgimento da Internet. Porém, na concepção do autor, o termo “cinema expandido” já abrangia vídeo,
computadores e lasers, ou seja, hologramas. Familiarizado com pesquisas tecnológicas, ele já imaginava o ser humano
do amanhã como uma mistura homem-máquina, um cyborg (YOUNGBLOOD, 1970, p.52). Em relação ao
desenvolvimento futuro da produção de imagens, a que ele também se referia como cinema expandido, “Youngblood
projetou no computador a utopia de uma mídia em que pensamentos e imagens mentais traduziriam imediatamente as
imagens do mundo, sem interposição de processos de comunicação ou códigos. Em teoria, isso implica uma interface
cerebral” (GRAU, 2007, p.197). A expressão “cinema expandido” aparece no filme de Jonas Mekas, de 1965, tendo
sido criada antes por Stan Van de Beek.
103
O termo sinestesia (do grego συν, “juntar” e ασθησία, “sensação”, no sentido de “percepção simultânea) é uma
condição neurológica espontânea (e que varia de acordo com os indivíduos) que provoca uma mistura de sentidos, um
cruzamento de sensações. É semelhante a ouvir um determinado som e isso despertar no indivíduo evocar uma imagem
ou ter uma sensibilidade olfativa ou, para ser mais específico, tocar uma superfície macia e sentir um gosto doce.
“Muito buscado na arte como uma forma eficaz de fazer o espectador se envolver com a obra de uma forma sensorial
(ultrapassando os limites da realidade sentida), foi experimentado por variados gêneros de artistas, dos músicos aos
poetas, dos cineastas aos artistas que exploram as novas tecnologias digitais” (MENEZES, 2012, p.22).
83
104
Na exposição de Paris de 1900, o Mareorama simulava uma viagem pelo Mediterrâneo por meio de uma réplica de
70 m de comprimento de um navio a vapor, que podia acomodar até 700 passageiros por vez. Uma tela de 15 metros
de altura com 750 metros de comprimento era desenrolada aos poucos, revelando a mudança da paisagem. Uma
combinação de cilindros hidráulicos permitia que a plataforma se inclinasse até 50 cm, dando a percepção de
movimento. Para adicionar a ilusão de uma viagem marítima, algas e alcatrão forneceram um elemento olfativo da
simulação da brisa do mar (PIOVEZAN, 2011, p.4).
84
Weiss e Walter Reade Jr.) que, por meio do sistema de ar condicionado, lançava 52 diferentes
aromas no auditório, incluindo jasmim, incenso e brisa salgada do mar (KIRSNER, 2008, p.45).
Já o sistema Smell-O-Vision (criado por Hans Labe), usado no filme Scent of Mystery
(1959), emitia fragrâncias, por debaixo de cada assento, sincronizadas com a ação na tela, numa
espécie de “smelltrack” (“trilha aromática”). À medida que era projetado, pequenas marcas no
celuloide acionavam um cinto com agulhas que perfuravam individualmente cada recipiente,
liberando o conteúdo que seria levado pelos ventiladores da cabine de projeção, por meio de uma
série de tubos, para o teatro. Eram 30 cheiros, incluindo alho, tinta, lustrador de bota, pão, perfume,
fumaça de trem e café. Embora engenhoso, o processo era muito caro e não foi usado novamente.
Décadas depois, em 1985, Scent of Mystery foi exibido pela MTV norte-americana
utilizando cartões “raspe e cheire” disponíveis em nas lojas 7-Eleven. Pelo valor de um dólar, era
possível ir para casa com um cartão com cinquenta aromas diferentes, alguns bem realistas, embora
o perfume de “pipoca” fosse geralmente criticado como “indecifrável” (NOWOTNY, 2011).
As cartelas com aromas surgiram em 1981, na comédia Polyester, do diretor John Waters.
Antes de o filme começar, aparecia um radiante cientista louco explicando para a plateia como
funcionava o sistema Odorama (ilustração 18). A partir de referências numéricas projetadas no
canto da tela durante o filme, o espectador podia usar o olfato em 10 cenas raspando o número
correspondente no cartão. Os cheiros eram os piores possíveis e estavam ligados à narrativa dos
personagens: fezes, inseticida, vômito, flatulência, bromidrose (chulé), comida azeda, mau odor de
axilas etc. O filme conta a história de uma mãe de família alcoólatra que mantém uma sala de
cinema pornô clandestina. Casada com um senhor, eles têm dois filhos, uma ninfomaníaca e um
rapaz violento e podólatra viciado em desinfetantes (GERACE, 2015).
Em “Pequenos Espiões 4” (Spy Kids 4: All the Time in the World), de 2011, o sistema
Aroma-Scope (estrategicamente chamado de 4D) funcionou à semelhança do Odorama. Quando
as pessoas entravam na sala de cinema, recebiam um cartão com oito números, cada um
correspondente a um cheiro.
Conforme explicado anteriormente, as dimensões da tela do cinema são a altura e a
largura. Sendo a tela plana, a visão estereoscópica de profundidade (a terceira dimensão) só é
85
conseguida por meio de uma ilusão formada no cérebro. A “quarta dimensão” ou 4D 105 surge como
estratégia da indústria do cinema para aumentar a experiência imersiva do espectador, causando a
sensação de estar praticamente dentro do filme.
As salas de exibição 4D podem ter aparatos para borrifar água, lançar bolhas de sabão,
jatos de ar quentes ou frios, máquinas de fumaça (névoa), equipamentos que exalam aromas, luzes
estroboscópicas, poltronas que vibram, aparelhos que fazem cócegas (nas pernas e costas) e lançam
flocos de “neve”, entre outros. Contudo, o espectador pode não ter todas essas sensações em uma
105
O termo 4D usado pela indústria cinematográfica não deve ser confundido com a ideia de quarta dimensão
na anamorfose cronotópica, e muito menos com o conceito de tempo. De acordo com José Argueles (1996, p.43), “o
espaço é materialmente ou sensualmente tangível; o tempo é mentalmente tangível. O espaço é a terceira dimensão. O
tempo é a quarta dimensão. Em relação ao espaço, o tempo é intangível e imensurável. Em relação ao tempo, o espaço
é um ponto infinitamente localizável”.
106
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.vogue.es/living/articulos/agenda-cultural-viernes-31-de-
octubre/21201> (“Polyester”); <http://www.roxie.com/ai1ec_event/staff-picks-polyester-in-35mm-and-odorama/>
(cartela Odorama); <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-173111/fotos/detalhe/?cmediafile=19926016>
(“Pequenos Espiões 4”). Acesso em: 05 nov. 2017.
86
única sessão, pois os recursos são sincronizados com o enredo de cada filme. Os efeitos usados
durante as cenas são sempre aprovados em conjunto com os estúdios.
O 4D, 5D, 6D, 7D ou outras denominações semelhantes são termos mercadológicos, de
puro marketing, para o sistema que combina um filme 2D ou 3D com efeitos físicos que estimulam
os receptores sensoriais. Muitas vezes acredita-se que o número está associado à quantidade de
experiências sensoriais alcançadas. É importante ressaltar que não existe uma padronização da
indústria cinematográfica para essas classificações. O número do D é criado como uma estratégia
de marketing para atrair mais espectadores. Na prática, todas essas denominações se referem ao
mesmo conceito107.
Construção da sala 5D Castle Theatre Vista de cima (com lente grande angular)
Poltronas 4D SFX Motion com efeitos especiais Auditório para 1.000 pessoas
107
Um exemplo de estratégia de branding, ou gestão de marcas, são os nomes utilizados para classificar as salas de
exibição. O Macro XE (Extreme Experience) é uma marca da rede mexicana Cinépolis para se referir a uma sala com
tela enorme, projeção 2D ou 3D com resolução 4K e sistema de som com 13 mil watts de potência. Já a rede Cinemark
intitulou de XD (Extreme Digital Cinema) suas 40 salas de exibição com tela 40% maior e som surround de 12 mil
watts de potência, para projeção 2D e 3D. Na rede UCi, a sala 3D digital é chamada UCi XPLUS e conta com o sistema
de som Dolby Atmos.
108
Fonte: Chimelong Ocean Kingdom – 5D Castle Theater. Revista Mondo Dr. Edição de Novembro/Dezembro 2017.
Imagens disponíveis em: <http://www.kraftwerk.at/fileadmin/daten/Download/mondo-dr_5D_Castle_Theater.pdf> e
(revista) <https://issuu.com/mondiale/docs/md28-1_digital_issuu> Acesso em: 05 nov. 2017.
87
O 5D Castle Theatre possui a maior tela de cinema que existe (até o momento), com 88
metros de largura e 18 metros de altura (10344 x 2120 pixels), e tem um raio de curvatura de 29
metros, proporcionando uma experiência imersiva de 180º (ilustração 19). O sistema de projeção
Christie Digital possui definição 4K e suporta tanto o formato 2D quanto a estereoscopia 3D.
Localizado no Hengqin Ocean Kingdom, em Zhuhai, na China, foi aberto ao público em 30 de
maio de 2015. A sala dispõe de uma moderna infraestrutura técnica, com 1.000 assentos
pneumáticos 4D SFX Motion instalados109. A configuração do som é descrita pela Kraftwerk
Living Technologies, criadora do projeto, como “o maior sistema de áudio para cinema no mundo”,
com um total de 2.119 alto-falantes (cada assento tem instalado com dois alto-falantes SFX).
Simuladores 4D e 5D já existem há muitos anos em parques de diversões, como os do
complexo Disney, mas faltava essa tecnologia alcançar o grande público. Por isso, em 2009, a
cadeia de cinemas sul coreana CJ CGV desenvolveu o sistema 4DX (4D ‘X’perience), que
proporciona mais de 20 efeitos especiais. Por meio de parcerias, o formato já está presente em mais
de 40 países, inclusive no Brasil.
Para se ter uma ideia do investimento realizado nesses locais, enquanto uma poltrona para
um cinema convencional custa em torno de R$ 300, a poltrona especial 4DX custa cerca de R$ 10
mil. Dependendo do tamanho da sala de exibição, o custo total para implantação desta tecnologia
pode variar de R$ 3,5 milhões a R$ 5 milhões.
A maior rede de cinema do país, a Cinemark110, começou a investir no 4D em 2014, com
a instalação de poltronas especiais em salas convencionais (ilustração 20). Chamados de D-BOX,
esses assentos possuem sistemas eletrônicos que se movimentam para simular vibrações, rotação,
quedas, trepidações, frenagem, aceleração ou curvas. O espectador pode ajustar a intensidade dos
109
O cinema oferece efeitos especiais de alto desempenho, incluindo vento, fumaça, odores, jatos de água e ar,
iluminação estroboscópica e iluminação LED colorida.
110
A Cinemark foi formada em 1984 por Lee Roy Mitchell e Paul Broadhead, a partir de uma pequena cadeia de
cinemas em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Em dois anos, os sócios já haviam adquirido mais 80 salas na
Califórnia, Oregon e Utah, e outras 80 em Houston, no Texas. O primeiro Multiplex da Cinemark foi inaugurado em
1987, e pouco tempo depois a rede já contava com metade do total de salas inauguradas até hoje nos Estados
Unidos. Em 2017, a Cinemark está presente em 16 países, com 1.351 salas que levam mais de 40 milhões de
espectadores por ano. No Brasil, a cadeia possui 617 salas em 83 complexos de cinema espalhados por 17 estados e
Distrito Federal (CINEMARK, 2017).
88
deslocamentos como quiser. Ao todo, 18 complexos espalhados pelo Brasil já possuem esses
equipamentos.
111
Antes da estreia do filme, uma equipe assiste ao filme inteiro e insere os efeitos (o chamado motion code) em um
software específico. Esse programa é compatível com um mecanismo que vai comandar os motores embutidos na
poltrona. Cada efeito contém um código do momento exato do acionamento e a intensidade do movimento gerado.
Depois que os efeitos são programados e sincronizados com a imagem e com o áudio, o envio dos códigos fica por
conta do controlador de movimentos. As poltronas D-BOX possuem sensores para identificar quais estão ocupadas,
assim, os locais vagos não funcionam durante o filme. Imagens disponíveis em: <http://www.d-
box.com/entertainment/theatrical-entertainment/> Acesso em: 05 nov. 2017.
112
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), o rendimento nominal mensal
domiciliar per capita em 2016 foi de R$ 1.226. O rendimento domiciliar per capta é a divisão dos rendimentos
domiciliares pelo total de moradores. Das 27 unidades da federação, 20 tiveram renda per capta da população abaixo
da média em 2016. Estados com menores rendas, como Maranhão (R$ 575), Alagoas (R$ 662) e Pará (R$ 708)
contrastam com o Distrito Federal (R$ 2.351), São Paulo (R$ 1.723) e Rio de Janeiro (R$ 1.429). O preço dos ingressos
das salas 3D ou 4D inibe a frequência ao cinema para a grande parte dos brasileiros.
89
custo de uma assinatura mensal dos serviços de vídeo sob demanda. A título de comparação, o
plano básico da Netflix custa R$ 19,90 por mês e dá acesso a mais de 3.500 títulos.
Não importa se o nome é Prime, Platinum, Premier ou Splendor, as sofisticadas salas vip
de cinema buscam atrair um público elitizado ao oferecer bilheterias exclusivas, lounges projetados
por arquitetos renomados, decoração sofisticada, serviços com garçons e cardápio gourmet. Taças
de vinho tinto, rosés, proseccos ou champanhe harmonizam com petiscos exclusivos, como
damascos recheados com queijo brie, macarons, chocolates e sorvetes importados, pipoca com
azeite trufado ou molhos especiais, entre outros (vale salientar que todo alimento vendido nas salas
de cinema gera lucro para as exibidoras, e não para os estúdios). As poltronas revestidas de couro,
semelhantes às de aviões de classe executiva, são reclináveis e têm largura em torno de 70 cm,
contra os 48 cm dos assentos comuns.
O complexo Cinépolis, localizado no Shopping JK Iguatemi, tem a maior concentração
de salas VIP de São Paulo: seis. Eleito o melhor cinema da cidade por dois anos consecutivos (2015
e 2016) pelo Guia Folha, do jornal Folha de S. Paulo, as salas CinépolisVIP são equipadas com
poltronas que podem inclinar eletronicamente quase 180 graus e ainda possuem apoio para os pés,
mesinhas e abajur. No menu singular, oferecem-se wrap de salmão defumado, ciabatta caprese,
bonelles chicken tendeers, mini hamburger sliders, nachos com cheddar, crepes, petit gâteau,
pipocas lemon pepper e várias outros sabores (ilustração 21). Entre as opções de bebidas, além de
sucos e refrigerantes, o cliente pode escolher um espumante da carta Chandon. Os pedidos dentro
da sala só podem ser entregues até o início da sessão.
Diante da concorrência com outras mídias e da necessidade de monetizar em horários
ociosos, as redes de cinema tiveram que diversificar seus modelos de negócios, realizando sessões
fechadas e outros eventos corporativos como convenção de vendas, vídeo conferência, palestras,
congressos, convenções, treinamentos, lançamentos de produtos, desfiles e até confraternizações.
A Cinemark, por exemplo, realizou uma parceria com a Casablanca Online lançando um formato
de transmissão em tempo real para empresas: o “Cinemeeting”. Esse serviço permite a exibição via
satélite de conteúdos ao vivo (“Cinelive”), com alta definição ou 3D, para mais de nove mil pessoas
90
ao mesmo tempo, em 32 salas de diferentes capitais brasileiras. A locação 113 de uma sala comum
em São Paulo e Rio de Janeiro pode custar de R$ 4.600 (das 9h às 12h) a R$ 7.100 (a partir do
meio-dia).
A Cinemark também oferece o serviço de aluguel de salas para festas de aniversário. A locação
dura 3 horas de festa e inclui a exibição de um filme que esteja em cartaz no complexo escolhido e
na semana do evento. Uma sala comum, com capacidade de 200 a 300 lugares, em São Paulo e Rio
de Janeiro, custa R$ 2.600 (das 9h às 12h) a R$ 6.300 (a partir das 12h). Os pais podem levar um
113
A média de capacidade por sala vai de 200 a 300 lugares, sendo que não é possível realizar eventos nas salas
Cinemark de quinta a domingo após as 12h. Durante o evento, a distribuição de produtos que sejam vendidos pela
Cinemark não é permitida. Para levar serviço de buffet ao seu evento há uma taxa extra de R$ 1.800. O projetor do
cinema somente aceita o formato DCP. Caso a apresentação esteja em PowerPoint ou Blu-ray a responsabilidade por
levar, instalar, testar e retirar os equipamentos é do cliente ou de fornecedor terceirizado. A Cinemark não permite o
uso de máquinas de fumaça, papéis picados e balões de gás hélio em qualquer dependência dos cinemas.
114
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://guia.folha.uol.com.br/cinema/2015/02/1591947-avaliacao-das-
salas-de-cinema-elege-o-melhor-espaco-de-sp.shtml> e <https://vejasp.abril.com.br/cidades/sao-paulo-cidade-com-
mais-salas-vip-de-cinema-do-pais/> e < http://www.cinepolis.com.br/vip/#sobre-tab> Acesso em: 19 nov. 2017.
91
bolo para cantar os parabéns no hall do cinema, que empresta uma mesa de inox da cozinha. Não
é permitido levar e servir produtos iguais ou similares aos vendidos no snack bar (minipães de
queijo, churros, nuggets, pipoca, chocolates, balas, refrigerante, sucos, água). Se optar pela
Cinefesta Prime, o cliente pode escolher entre quatro menus que variam de café da manhã (R$ 22)
a um coquetel (R$ 45) com nove itens (costela com manteiga, canudinho de pato, beirute de peru
e mozarela, entre outros).
O cliente da Cinemark pode decorar a sala com o tema da festa que desejar, mas é proibido
pregar, colar, furar ou apoiar materiais que danifiquem o cinema. Não são permitidos fogos de
artifício, efeitos pirotécnicos, espumas, chuva de prata e itens similares dentro das dependências
do cinema.
115
Imagens disponíveis em: <https://mulpix.com/post/17847493912089690.html> Acesso em: 19 nov. 2017.
92
apresentado durante o intervalo. O Festival Ópera na Tela, que acontece até julho de 2018, é uma
mostra inédita, totalmente dedicada ao gênero da ópera, com exibição de obras da temporada
europeia recente.
116
O termo “entretenimento” vem do espanhol entretenimiento, de entretener, derivado do verbo espanhol tener,
derivado, por usa vez, do latim tenere. No inglês, a palavra evolui para entertainment e tem sido utilizada pela sua
definição mais familiar: “aquilo que distrai; distração; divertimento” ou “maneira pela qual se caracteriza um ramo da
cultura de massa cuja função e objetivo primário são divertir e distrair a audiência” (NEIVA, 2013, p.181).
93
cinematográfica oferece o mais mágico de todos os produtos: sonhos. “O cinema não apenas
acompanhou a primeira grande era do consumo, como incentivou-o, propagou-o, transformando-
se, ele mesmo, em um dos mais importantes bens de consumo”.
Gráfico 3 – Bilheteria global do cinema (todos os filmes), de 2012 a 2016 (US$ Bilhões) 117
117
Fonte: Theatrical Market Statics 2016. Motion Picture Association of America (MPAA). Disponível em:
<https://www.mpaa.org/wp-content/uploads/2017/03/MPAA-Theatrical-Market-Statistics-2016_Final.pdf>. Acesso
em: 04 nov. 2017.
94
mecânica foi substituída por ilhas de edição não linear. Em seguida, a tradicional filmadora, com
película química, foi substituída pela câmera digital. Hoje, as salas de exibição estão em
transformação, com projetores de películas cinematográficas de 35 mm sendo substituídos por
aparelhos de projeção digital118, alguns a laser119. De acordo com o relatório Theatrical Market
Statics 2016, da Motion Picture Association of America (MPAA), 95% das telas de cinema do
mundo são digitais, dois pontos percentuais acima de 2015 (93%). Os enormes rolos de filme são
trocados por arquivos digitais transmitidos por discos Blu-ray, HDs externos, ou até via satélite
direto do país de origem para a sala exibidora.
Os avanços tecnológicos têm acontecido de maneira tão dinâmica que já existem,
inclusive, salas de cinema sem projetor: o Lotte Cinema World Tower, na Coreia do Sul, foi o
primeiro cinema a trocar os projetores por uma tela gigante de LED, em 2017. Com 10,3 metros
de altura, a tecnologia Samsung Cinema Screen é capaz de reproduzir imagens digitais em
resolução 4K (4.096 x 2.160), ou seja, 16 vezes a dos 2K mais usados atualmente (CARVALHO,
2017).
Normalmente a tela de um cinema é feita de um tecido ou uma simples parede branca
capaz de refletir a luz que é projetada sobre ela a partir de um equipamento que fica do lado oposto
da sala. Com muito mais brilho, esses painéis modulares podem potencialmente reproduzir filmes
118
Apesar dos projetores digitais serem melhores que os analógicos em vários aspectos, existem alguns itens nos quais
essa nova tecnologia nunca conseguiu superar a tradicional. Um desses problemas é o contraste e a exibição das cores
em cenas escuras, principalmente nos filmes em 3D. Na projeção digital, mesmo nos melhores cinemas, as áreas da
tela que deveriam ser pretas nunca conseguem atingir realmente essa cor, variando entre cinzas escuros e tonalidades
de azul. Outra dificuldade é que, dependendo do modelo do sistema de projeção, a nitidez dos contornos fica
visivelmente prejudicada. Para muitos especialistas, a projeção digital não chega nem perto da qualidade dos filmes
em 70 mm, que é a maior de todas as bitolas cinematográficas e tem uma imagem extremamente nítida.
119
Até recentemente, a projeção a laser só existia em salas ultrapremium, oferecendo uma imagem muito brilhante e
colorida na tela, porém com ROI (Return on Investment) questionável. Uma das inovações mais recentes vistas no
mercado de projeção é chamada de Laser Fósforo (LP/LaPh). A princípio, parece uma revolução, pois permite criar
luz de projeção branca usando apenas lasers azuis, que precisa de muito menos resfriamento do que outros lasers. Essa
tecnologia permite que os fabricantes construam projetores relativamente baratos, com menos manutenção do que os
convencionais, especialmente porque não há lâmpadas a serem trocadas. Existem algumas desvantagens importantes
em relação à tecnologia LaPh no cinema, como, por exemplo, o fato de desperdiçar uma grande quantidade de energia
(mais de 50%) na conversão de luz azul para luz branca, além de ter uma gama de cores nativas menor. “É
particularmente deficiente nas cores críticas verde e vermelho, que são essenciais para uma imagem de aparência
natural. Não deve haver dúvida de que os lasers têm a promessa de melhorar drasticamente a qualidade da imagem
nas telas de cinema. No entanto, para conseguir isso, precisamos mover a indústria para projetores a laser RGB”
(LAPORTA, 2017). Os lasers RGB (combinação de luz laser vermelha, verde e azul) são quatro ou cinco vezes mais
eficiente do que um projetor LaPh na conversão de luz laser em luz utilizável para uma tela de cinema, além de ser a
única tecnologia de cinema que oferece o High Dynamic Range/Alto Alcance Dinâmico (HDR) na tela. A projeção a
laser RGB, em breve, deve se tornar dominante nas telas de cinema.
95
em até 8K. O contraste das cores também promete ser um diferencial para o espectador, pois o
aparelho apresenta cores mais vivas e os tons de preto mais escuros.
A digitalização de toda a cadeia produtiva da indústria cinematográfica nos instiga a
reflexões conceituais sobre a cinematografia e seu futuro. Se o cinema está digital da captação à
exibição, ele continua sendo” cinema”? Seria cinema apenas a experiência coletiva e imersiva
dentro da sala escura com uma tela grande? Um filme exibido numa pequena tela, como a do
celular, poderia ser chamado de cinema? E quando as salas de cinema exibem transmissões ao vivo
[característica televisiva], como campeonatos esportivos ou apresentações musicais? As novas
salas sem projetores e com telas gigantes de LED são cinemas? O longa-metragem digital ainda
pode ser chamado de “filme”? Quanto à linguagem técnica, podemos substituir o termo “filmar”
por “gravar”? Um filme assistido numa tela pequena como a do celular é cinema? Quais são as
fronteiras entre cinema, televisão e Internet? As respostas serão desenvolvidas ao longo da
pesquisa.
96
Podemos afirmar que o princípio de tudo na história da televisão ocorreu em 1817, quando
o químico sueco Jöns Jacob Berzelius isolou o selênio, observando a fotossensibilidade deste
elemento químico que desprendia elétrons quando exposto à luz. Mas foi somente em 1873 que o
inglês Willoughby Smith comprovou que o selênio tinha a propriedade de transformar energia
luminosa em energia elétrica. Com esta descoberta, pôde-se formular a transmissão de imagens por
meio de corrente elétrica (LIGHTMAN, 2015, p.156).
No ano de 1842, Alexander Bain fez a primeira transmissão de imagens a distância.
Utilizando o teleantógrafo, Bain conseguiu transmitir uma imagem estática por meio de impulsos
elétricos canalizados em um par de fios. Estava inventado o fac-símile, ou fax. Em 1873, na Irlanda,
o operador de telégrafo Joseph May descobriu o efeito fotoelétrico. Dois anos mais tarde, o
estadunidense George R. Carey propôs a criação do telecroscópio, um aparelho capaz de transmitir
imagens por meio de circuitos elétricos, sendo o sistema baseado na exploração de cada ponto da
imagem simultaneamente (TVH, 2017).
O jornal científico francês La Nature publicou em agosto de 1879 os estudos do português
Adriano de Paiva sobre a aplicação do selênio à transmissão de imagens a distância, o chamado
telescópio elétrico. O trabalho deste professor da Academia Politécnica do Porto foi o primeiro a
apresentar ideias concretas e por escrito, da transmissão e recepção de imagens a distância.
Em 1884, um alemão de 24 anos, Paul Gottlieb Nipkow, patenteou o primeiro sistema de
televisão eletromecânica que utilizava o princípio da varredura. A câmera era formada por um disco
giratório com pequenos orifícios em espiral que permitiam a passagem da luz, decompondo a
imagem numa sequência de linhas paralelas. Os sinais luminosos de cada linha, ao atingirem uma
célula fotoelétrica, eram transformados em impulsos elétricos e conduzidos por circuito elétrico.
No receptor, um tipo de lâmpada coletava os impulsos elétricos e reproduzia os sinais luminosos
de cada linha. Projetando a luz em um disco semelhante ao de um transmissor, a imagem original
era recomposta num processo inverso ao da captação. Com uma definição de 30 linhas e 12,5
imagens por segundo, essa baixa resolução logo melhorou para 60, 90 e 120 linhas e depois
estabilizou por um tempo em 180 linhas (Alemanha, França) ou 240 linhas (Inglaterra, Estados
Unidos) por volta de 1935 (BENOIT, 2008, p.1-2).
Considerado por alguns autores como “o fundador da técnica de TV”, Nipkow registrou
um sistema de televisão que só viria se concretizar 40 anos depois. Somente em 1929, ao visitar a
98
exposição de rádio em Berlim, Paul Nipkow viu um televisor funcionando perfeitamente, e para
sua admiração, levava um disco batizado com seu nome.
Outro importante avanço tecnológico ocorreu em 1882, quando Julius Elster e Hans Getiel
inventaram a célula fotoelétrica. Essa descoberta possibilitou anos mais tarde, em 1897, na
Universidade de Strasbourg, a invenção do tubo de raios catódicos, por Karl Ferdinand Braun. Esse
tubo tinha no seu interior um mosaico fotoelétrico, constituído à base de partículas metálicas
fotocondutoras, que se tornava fluorescente quando varrido por um feixe de elétrons.
Em 1906, Arbwehnelt desenvolveu um sistema de televisão que empregava a exploração
mecânica de espelhos, somada ao tubo de raios catódicos. O resultado parecia uma série de
“desenhos” na tela. Paralelamente, o mesmo ocorreria na Rússia por Boris Rosing. Em São
Petersburgo, Rosing concebeu a ideia de um sistema de "visão eletrônica" usando tubos de raios
catódicos em conjunto com tambores de espelho para exibir uma imagem como "receptor” (TVH,
2017). Enquanto isso, o estadunidense Lee Forest patenteia a válvula radioelétrica de três polos
(tríodo), com poder de amplificação dos sinais elétricos.
Em 1911, o escocês Alan Archibald Campbell Swinton desenvolveu teoricamente o
dispositivo de funcionamento da televisão moderna, com uma câmera com tubos de raios catódicos
e uma tela composta de elementos fotossensíveis como receptor. Por causa das limitações técnicas
do sistema eletromecânico, suas ideias só seriam concretizadas anos mais tarde.
No início dos anos 1920, vários centros de investigação na Europa, Japão, Estados Unidos
e União Soviética pesquisavam sobre a transmissão de imagens móveis a distância. Na Alemanha,
em 1924, August Karolus e Fritz Schroeter, técnicos da empresa AEG Telefunken, conseguiram
realizar a primeira transmissão de imagens via ondas eletromagnéticas, sem a utilização de fios.
A partir da década de 1930, as tecnologias relacionadas a então nascente indústria da TV
não paravam de se desenvolver e prosseguiam em velocidade cada vez maior. Na França, em 1930,
Henri de France experimentou com sucesso a transmissão de imagens com uma definição de 60
linhas, utilizando a ligação Toulouse-Havre (800 quilômetros).
Na Rússia, em novembro de 1934, um concerto de meia hora, no qual o texto O Criminoso,
de Tchecov, foi lido com o acompanhamento de cantores e bailarinos, marcou a inauguração
técnica e experimental da televisão naquele país.
Em abril de 1935, realizou-se a primeira emissão oficial de TV da França. Três anos
depois, a torre Eiffel foi utilizada para a pioneira transmissão televisiva de Paris para Sussex
99
(esq.) Walter Bruch com uma câmera Telefunken dentro do Estádio Olímpico de Berlim. (centro) Logotipo da primeira
estação de TV alemã “Deutscher Fernseh-Rundfunk” (dir.) Um técnico alemão verifica o equipamento de televisão no
estádio olímpico, em 01 de agosto de 1936. A enorme câmera eletrônica construída pela Telefunken transmitia os jogos
8 horas por dia.
Adolf Hitler instituiu uma política “apenas ariana” em todas as organizações atléticas
alemãs, provocando indignação global. O governo nazista, que controlava todas as mídias do
país, também monitorava todas as imagens olímpicas (DYRESON; MANGAN, 2007, p.39).
Durante os Jogos Olímpicos, o engenheiro eletrônico Walter Bruch, da AEG Telefunken, fazia as
120
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://historiaschistoria.blogspot.com.br/2015/03/televisao.html>
(Walter Bruch no Estádio Olímpico de Berlim e logotipo da estação de TV alemã); <http://time.com/4432857/hitler-
hosted-olympics-1936/> (técnico alemão inspecionando câmera da Telefunken). Acesso em: 29 out. 2017.
100
vezes de cinegrafista; trinta anos depois, ele seria o inventor do sistema PAL (Phase Alternated
Lines) de transmissão de cores.
Em 26 de julho de 1923, o engenheiro escocês John Logie Baird fez seu primeiro pedido
de patente, nº 222.604, para um sistema de transmissão de visões, retratos e cenas por telegrafia ou
telegrafia sem fio. Ele desenvolveu um sistema eletromecânico de disco de varredura em que, assim
como no sistema de Nipkow, os aparelhos receptores tinham rodas girando à mesma velocidade do
disco de varredura da câmara (BBC HISTORY, 2017). Seu primeiro aparelho de televisão usava
um baú de chá usado, uma velha caixa de chapéu, tesouras, algumas agulhas e lentes de farol de
bicicleta.
121
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.telegraph.co.uk/culture/tvandradio/11898165/John-Logie-
Baird-recording-saved-by-anonymous-donor.html> (teste com cabeça de boneco de ventríloquo, Stookie Bill);
<http://www.gettyimages.com/pictures/john-logie-baird-72861#john-logie-baird-scottish-engineer-and-inventor-
adjusts-a-dial-on-an-picture-id515449214> (imagem de Oliver Hutchinson transmitida pelo “televisor” de Baird).
Acesso em: 29 out. 2017.
101
rosto humano pareceria quando televisionado. Taynton tornou-se a primeira pessoa a ser
televisionada em uma faixa tonal completa.
John Baird estava ansioso para compartilhar as novidades dessa conquista tecnológica e
foi ao escritório do jornal local, o Daily Express, para promover sua invenção. O editor de notícias
ficou tão aterrorizado que alertou sua equipe: “Pelo amor de Deus, vá até a recepção e tente livrar-
se do lunático que está lá embaixo. Ele diz que tem uma máquina para ver por rádio. Observe-o,
ele pode ter uma navalha” (GOVE, 2016a).
(esq.) John Logie Baird fica ao lado de seu transmissor eletromecânico de disco de varredura, de 1925-26
(dir.) Baird com seu “Noctovisor”, na British Association, em Leeds, 6 de setembro de 1927
(esq.) John Logie Baird (em pé) e seu assistente trabalhando no "Noctovisor" de Baird, 8 de setembro de 1929
(dir.) John Baird em frente ao seu “The Baird Televisor”
Baird conseguiu chamar a atenção das mídias em 26 janeiro de 1926, quando repetiu a
transmissão para os membros da Academia de Ciências Britânica (Royal Institution) e para um
122
Imagens disponíveis em: <http://www.bbc.com/news/uk-england-oxfordshire-38080275> e
<https://www.britannica.com/biography/John-Logie-Baird> (John Baird ao lado de seu sistema eletromecânico de
televisão de 1925-26 / Baird e seu assistente trabalhando no "Noctovisor"); <https://www.rts.org.uk/article/90-years-
rts-acorns-great-oaks> (Baird com seu “Noctovisor”, na British Association), <https://rts.org.uk/article/remembering-
logie-baird-ninety-years> (John Baird em frente ao seu “The Baird Televisor”). Acesso em: 29 out. 2017.
102
repórter do The Times em seu laboratório. Por essa altura, ele melhorou a taxa de varredura para
12,5 imagens por segundo. Foi a primeira demonstração de um sistema de televisão que poderia
transmitir imagens em movimento ao vivo com graduação de tons.
Em 1927, a Royal Television Society foi formada na sequência de uma palestra de Baird
aos membros da British Association da Leeds University, tornando-se a primeira sociedade de
televisão no mundo. Poucas pessoas sabem que John Baird também estava por trás do primeiro
periódico sobre televisão no mundo, Television, que lançou em março de 1928 e ainda hoje é
publicado pela Royal Television Society (GOVE, 2016a).
John Baird era considerado um homem visionário. Enquanto fazia suas experiências em
Londres, ele profetizava que aquela máquina um dia ainda iria projetar imagens coloridas e de um
país para o outro. Ele demonstrou a primeira transmissão de cores do mundo em 3 de julho de 1928,
usando discos de varredura nas extremidades transmissoras e receptoras com três espirais de
aberturas, cada espiral com um filtro de uma cor primária diferente; e três fontes de luz na
extremidade receptora, com um comutador para alternar a iluminação deles. No mesmo ano, ele
também demonstrou a televisão estereoscópica.
Em 1928, fundou sua própria companhia, a Baird Television Development Company Ltd.
e assinou um acordo com a British Broadcasting Corporation (BBC) para realizar transmissões
experimentais. As transmissões ocorriam durante dez minutos, três vezes por dia, no decorrer de
três semanas, direto do Baird’s Studio, em Covent Garden, para o London Coliseum, em West End,
em Londres (ilustração 26). O sinal, com 30 linhas de definição, só conseguia ultrapassar a área
urbana de Londres quando as condições atmosféricas eram favoráveis. Em setembro de 1929, a
emissora transmitia meia hora por dia, cinco dias por semana.
Enquanto a TV eletrônica não estava consolidada, John Baird ainda insistia num modelo
mecânico de televisão e, em 9 de fevereiro 1928, conseguiu um feito espetacular: transmitiu
imagens de seu rosto, do jornalista Bill Fox da Press Association e de Mia Howe, de Londres para
o outro lado do Atlântico, em Harstdale, nos arredores de Nova York. O sinal chegou fraco, com
imagens de baixa qualidade. “A demonstração mostrou-se bastante conclusiva tanto que, se um
emissor de energia muito maior tivesse sido empregado, a imagem seria recebida em Nova York
totalmente livre de distúrbios atmosféricos. Uma característica importante é que apenas dois
103
Cartazes da primeira demonstração pública da Baird Television, Mastro de antena erguida no telhado
em 28 jul. 1930, no Reino Unido do laboratório de Baird, em Long Acre
123
The demonstration proved quite conclusively that if a much higher power transmitter had been employed the image
would have been received in New York entirely free from atmospheric and other disturbances. An important feature is
that only two operators were required to attend to the television transmission, one at each end of the circuit.
124
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: (cartazes da primeira demonstração pública da Baird Television)
<http://screenplaystv.wordpress.com/2011/10/15/from-the-theatre-coliseum-night-bbc-1939/>, acesso em: 29 out.
2017; (antena de televisão) BURNS, 2000, p.142.
125
No anúncio de 1937, é possível ver o modelo T.5 da Baird Television, ainda usando o nome da marca Televisor,
custava 55 gns (£ 57.75). Mesmo o sistema mecânico tendo sido preterido pela BBC, a publicidade ainda promovia
Baird como o de “pioneiros mundiais e fabricantes de todos os tipos de equipamentos de televisão”. O salário médio
semanal dos trabalhadores da época era de aproximadamente £ 3,40, o que significa que o custo de um receptor era
equivalente a 17 vezes o salário médio semanal. À medida que o serviço de televisão da BBC completou seu primeiro
ano, os preços dos receptores de televisão começam a cair. Um aparelho Mullard da Marconi-EMI, com 12 polegadas
e tubo de raios catódicos, custava 15 gns (£ 15,75), ou seja, um quarto do valor de um modelo T.5. Fonte: Television
sets 1937. Disponível em: <http://www.terramedia.co.uk/media/television/tv_set_ads_1937.htm> Acesso em: 06 jan.
2018.
104
Baird Modelo “C” (1928) Baird Televisor (1930) Baird Modelo T.5 (1937)
126
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.tvhistory.tv/Baird%20TV-Early%20Years.htm>
(demonstração do Baird Model “C” no Olympia Room, em novembro de 1928. O modelo “C” é uma peça mais
elaborada, onde a parte inferior contém dois receptores, um para rádio e o outro para a televisão);
<http://www.earlytelevision.org/baird_mechanical_ads.html> (Baird Televisor, modelo fabricado de 1929 até o início
da década de 1930); <http://www.terramedia.co.uk/media/television/tv_set_ads_1937.htm> (Baird Model T.5). Fonte:
<http://www.earlytelevision.org/baird_televisor.html> Acesso em: 06 jan. 2018.
127
Fonte: November anniversaries. British Broadcasting Corporation (BBC). Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/historyofthebbc/anniversaries/november> Acesso em: 30 out. 2017.
105
128
Fonte: The BBC History: Radio Times pre-war television supplements. Television schedules BBC.
<http://downloads.bbc.co.uk/historyofthebbc/RT-TV-1936.pdf> Acesso em: 06 jan. 2018.
129
Suzanne has featured in several sound broadcasts both in home and empire programmes, she is young, petite, and
pretty. Her singing career began only a little over a year ago. Already she has made a hit in cabaret, both in Paris
and in London. She can sing 'straight' song and 'blues', and is an outstandingly good diseuse. For some time she was
a dress designer in America. Television schedules BBC. Fonte: BBC Genomes Radio Times 1923-2009. Disponível
em: <http://genome.ch.bbc.co.uk/schedules/bbctv/1936-11-19> Acesso em: 06 jan. 2018.
106
dominante do século XX. O termo designado de “alta definição”, usado em 1936, foi
posteriormente determinado para um mínimo de 240 linhas e foi aplicado em contraste com o
sistema anterior de Baird, que usou apenas 30 linhas (BBC, 2018).
Sobre a estreia “oficial” da televisão, um dado importante é que, apesar de a Alemanha
ter iniciado os serviços regulares de TV em 22 de março de 1935, com um padrão médio de 180
linhas e 25 quadros por segundo, a Inglaterra se considera pioneira pelo fato de ter começado suas
transmissões com um padrão mínimo de qualidade e nitidez, definido pelos técnicos em 240 linhas
e posteriormente 405 linhas. Por isso, o dia 02 de novembro de 1936 é considerado como o início
do primeiro serviço regular de TV em todo o mundo.
Na busca de uma melhor qualidade de transmissão, a BBC iniciou na mesma data testes
simultâneos entre o sistema eletrônico da Marconi-EMI, transmitido em 405 linhas, e uma nova
versão do sistema mecânico de Baird, com uma definição de 240 linhas. Após três meses de
verificação, o escolhido pelo TAC (Television Advisory Committee) para ser o sistema oficial do
serviço público de TV britânico foi o sistema EMI130, que teve sua “prova de fogo” na histórica
transmissão da coroação do Rei Jorge VI, assistida por milhares de londrinos em 12 de maio de
1937. Estima-se que haveria, na época, cerca de 2 mil aparelhos receptores em todo o mundo.
Quando a BBC completou seu primeiro ano de funcionamento, realizou-se uma
organização departamental: um grupo de profissionais se encarregaria dos aspectos técnicos e outro
cuidaria da programação. Dentro deste último, havia outros dois subdepartamentos, um
responsável pela produção dos programas e outro focado nas questões empresariais do canal
(CONTRERAS; PALACIO, 2003, p.53).
No final da década de 1930, a televisão eletrônica tomou a dianteira na tecnologia de
equipamentos, encerrando definitivamente o período dos sistemas eletromecânicos. Nessa época
já eram exibidas 15 horas semanais de programação televisiva em Paris; 24h em Londres e 35h em
Berlim.
130
O primeiro sistema de televisão eletrônica totalmente funcional foi demonstrado em 1935 por um grupo de pesquisa
da Electric Musical Industries (EMI) sob a chefia Sir Isaac Shoenberg. O tubo da câmera, conhecido como o Emitron,
era uma versão avançada do iconoscópio. Para a recepção de imagens, utilizou-se um tubo de raio catódico de alto
vácuo melhorado. Shoenberg propôs um padrão de 405 linhas com 25 imagens por segundo sem qualquer cintilação.
Após a autorização do governo, o padrão de Schoenberg foi adotado pela BBC (BRUIN; SMITS, 2009, p.5-6).
107
Nos Estados Unidos, o engenheiro eletrônico Wladimir Kosma Zworykin 131 trabalhava
em um projeto que, embora fosse na mesma direção dos inventos de Baird, acrescentava um dado
formidável: a captação das imagens era feita eletronicamente. Chamado de iconoscópio, o invento
patenteado em 1923 por este russo naturalizado americano sintetizou todos os progressos anteriores
no campo da televisão.
O iconoscópio tornou-se a peça fundamental da câmara de vídeo: uma válvula a vácuo
com uma de suas superfícies polvilhada de células fotoelétricas. Os diferentes níveis de luz refletida
pelos objetos sensibilizavam as células, que transformam estes impulsos em sinais eléctricos. O
tubo de captação de imagens deixou as câmaras mais compactas e fáceis de usar.
Ao realizar uma exploração elétrica das imagens, o iconoscópio tornou obsoletos os
antigos dispositivos mecânicos, pouco práticos, com grandes limitações devido às dimensões dos
seus furos e sua inércia. Em 1927, a Companhia Bell testou o iconoscópio transmitindo imagens a
uma distância de 45 quilômetros (TEVES, 2007, p.4).
A primeira demonstração de televisão eletrônica nos Estados Unidos ocorreu em 07 de
setembro de 1927. O jovem engenheiro Philo Taylor Farnsworth transmitiu, em San Francisco,
imagens estáveis entre dois pontos distantes utilizando o tubo de raios catódicos desenvolvido no
final do século XIX132. Farnsworth desenvolveu o tubo dissector de imagens, o primeiro tubo
eletrônico que deu certo, e também construiu um receptor eletrônico a que ele chamou de
“oscilador”. Philo registrou dez patentes entre 1927 e 1929 para tubos de câmeras (transmissão),
circuitos.
131
Wladimir Zworykin viria a ser convidado pela RCA (Radio Corporation of America) a encabeçar a equipe que faria
o primeiro tubo de televisão, chamado Orthicon, que passou a ser produzido em escala industrial a partir de 1945.
Enquanto o iconoscópio exigia uma quantidade exagerada de luz e a imagem reproduzida era deficiente, o Orthicon
era uma válvula de raios catódicos muito sensível que equilibrava a luz e dava uma qualidade melhor a imagem.
132
Farnsworth imaginou um sistema de televisão eletrônica quando tinha apenas 14 anos de idade. Ele teve essa ideia
ao observar, na fazenda onde morava, os sulcos paralelos deixados pelo arado quando o solo era preparado para o
plantio. Dessa forma, ele pensou em construir as imagens por meio de linhas formadas por um ponto percorrendo a
tela (GODFREY, 2001, p.10).
108
Testes de transmissão com estátua do Gato Félix Cena da teledramaturgia The Queen's Messenger (1928)
133
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://www.youtube.com/watch?v=nP-rgKUzsUI&feature=youtu.be>
(cena da primeira teledramaturgia The Queen's Messenger); <http://greghowelldesign.com/iconservation/wp-
content/uploads/2014/02/nbc-+felix.jpg> (teste de transmissão eletromecânica da estátua do personagem Gato Felix);
<http://www3.northern.edu/wild/th100/tv.htm> (Diagrama do sistema eletromecânico de televisão da GE, de 1928);
<http://fadedsignals.com/page/89> (padrão teste da WNBT) e <http://www.earlytelevision.org/w2xb.html> (padrão
de teste da estação W2XB, em 1939) e Acesso em: 07 jan. 2018.
134
De acordo com Sebastião Squirra (1995, p.18-19), “três grandes corporações norte-americanas se associaram à
General Eletric no controle da RCA: a AT&T, a United Fruit e a Westinghouse. Com a aliança dessas já megaempresas,
estava criado o maior conglomerado de comunicações dos EUA. (...) A concentração de forças da RCA agigantou-se
de tal maneira que revelou que a empresa se encontrava dividida em dois grandes grupos: a WJZ do Grupo de Rádio
da RCA (formado pela General Eletric e Westinghouse) e a WEAF, do Grupo de Telefone da empresa (formado pela
AT&T e Western Electric)”. Para não ser classificada como um monopólio, a empresa foi reestruturada e em 13 de
setembro de 1926, o Grupo de Rádio da RCA criou uma nova subsidiária: a NBC – National Broadcasting Company.
109
Concebida para dominar o próspero e lucrativo mercado de radiodifusão, a NBC foi a “primeira companhia organizada
dos EUA unicamente para operação permanente em estrutura de rede (network)”, ressalta o autor.
135
GE used two radio transmitters for these early images. Visuals were broadcast by W2XB, and sound on radio
station WGY. On September 11, 1928, they aired the first television drama in America, called The Queen's Messenger,
wich people watched on their tiny homemade TVs. The screens were so small that they broadcasted only the faces and
hands of the actors. Four actors were used, two for their faces, and two for their hands. Although the tecnology was
very limited at this point, WGT started broadcasting television programs three days a week: Tuesday, Thursday, and
Friday from 12:00 to 1 p.m. (GARRETSON-PERSANS, 2016, p.43).
110
as transmissões experimentais136 por meio da emissora W2XBS (mais tarde, chamada de WNBC
e, depois, NBC – National Broadcasting Company) 137. Em 31 de julho do mesmo ano, iniciaram-
se as transmissões da W2XAB (chamada mais tarde WCBW; depois da guerra, WCBS; e
finalmente CBS), empresa ligada à Westinghouse Electric.
A W2XBS transmitiu ao vivo a abertura da Feira Mundial de Nova York em 30 de abril
de 1939. A feira, cujo tema foi “O Mundo de Amanhã”, foi vista por pouco mais de 200 aparelhos
receptores na área metropolitana de Nova York (SQUIRRA, 1995 p.23). Em um momento da feira,
o imigrante russo David Sarnoff, presidente da RCA/NBC, foi ridicularizado, inclusive pela
imprensa, ao prenunciar que a TV iria se tornar tão popular quanto o rádio. “A televisão nos lares
é praticamente possível e tecnicamente viável”, afirmava Sarnoff (MELLO E SOUZA, 1984, p.31).
Apesar de ter sido um dos mais importantes entusiastas da nova tecnologia e de defender
investimentos pesados em pesquisas, Sarnoff já teve opinião diferente. Em um artigo publicado em
1936, ele enfatizava as vantagens do rádio sobre a TV:
136
Em 1931, havia aproximadamente 25 estações experimentais de TV nos Estados Unidos. A maioria havia deixado
ar em 1935.
137
A W2XB (WRGB) começou a compartilhar programas com a W2XBS, em 1939, em Nova York, tornando-se a
primeira afiliada da NBC.
138
¿Cuántas veces y cuánto tiempo se dispondría (el espectador) frente al receptor prestándole atención? Para la
radio no se requiere toda la atención. Uno puede leer, caminar por la casa, escribir, jugar al bridge, conversar,
mientras el aparato funciona. La televisión, en cambio, aparejaría un cambio en los hábitos caseros. Y a más, ¿qué
clase de programas preferería el público? (CONTRERAS; PALACIO, 2003, p.52-53).
139
A “Comissão Federal de Comunicações” foi criada em 1934 para ser o órgão regulador da área de telecomunicações
e radiodifusão dos Estados Unidos.
111
Estados Unidos, o padrão SDTV (Standard Definition TV, ou televisão com definição normal) de
525 linhas por imagem, com varredura intercalada de 30 quadros por segundo 140, aspecto de tela
4:3 e som de FM. Esses parâmetros de transmissão continuaram em vigor até o fim da transmissão
analógica de TV, em 2009.
140
Com a introdução dos serviços de radiodifusão, aumentou a necessidade de padronização quanto ao número de
linhas e quadros por segundo. Os Estados Unidos (e mais tarde o Japão) adotaram uma quantidade de 30 imagens por
segundo, pois esse número era fácil de derivar da sua fonte de energia elétrica, que tem frequência de 60 Hz. Na
Europa, a energia elétrica é fornecida a 50 Hz e, por isso, a quantidade de quadros por segundo ficou em 25. Isso levou
a dois padrões mundiais: o padrão dos EUA, para 525 linhas por imagem a 30 imagens por segundo usado na América
do Norte, América do Sul e Japão, e o padrão europeu, para 625 linhas a 25 quadros por segundo usado na Europa,
Austrália, África e na maior parte da Ásia (BRUIN; SMITS, 2009, p.8-9).
141
Imagens disponíveis em: <http://www.tvhistory.tv/tv_forecast.htm> Acesso em: 06 jan. 2018.
112
No dia 1º julho de 1941, uma terça-feira, a FCC concedeu as concessões oficiais para o
funcionamento das primeiras emissoras comerciais de TV do mundo: a WNBT (NBC), e a WCBW
(CBS). As transmissões anteriores foram consideradas “experimentais”. A FCC pediu que as duas
estações assinassem as licenças simultaneamente na mesma data, de modo que nenhuma delas fosse
a pioneira. A WNBT142 assinou às 13h30 e a WCBW assinou às 14h30, dando à NBC o crédito de
ser a estação de TV comercial mais antiga em operação nos Estados Unidos.
A televisão norte-americana já nascia com dois canais concorrentes disputando uma
audiência estimada em 4.700 famílias (OTFINOSKI, 2007, p.27). De acordo com o primeiro guia
de programação enviado pelo correio aos proprietários de televisores de Nova York, a WNBT
(NBC) começou a transmitir na segunda-feira, 30 de junho de 1941, um dia antes da estreia oficial
(ilustração 30). Junto com o guia, foi enviada uma pesquisa de opinião, na qual o telespectador
classificava os programas em quatro níveis (excelente, bom, regular e fraco 143) e remetia o cartão
(com selo pré-pago) para a emissora.
Assim como na televisão britânica, a programação da norte-americana WNBT (NBC)
somava entre 12 e 15 horas semanais. As transmissões também aconteciam em dois horários (na
maior parte das vezes, das 14h30 às 15h e das 21h às 22h), de segunda a sábado (não havia
transmissão aos domingos). Na grade, havia diariamente transmissão de esportes (boxe, beisebol e
tênis), além de programas de variedades, filme, gameshow (Truth or Consequences, apresentado
por Ralph Edwards), noticiário (com duração 15 minutos, ancorado por Lowell Thomas). Os
programas jornalísticos funcionavam no estilo simulcast – transmissões simultâneas com o rádio,
acrescidas de imagens. Tudo gerado de Nova York (LEMOS DA SILVA, 2012, p.90).
No dia 7 de setembro de 1941, a WCBW (CBS) fez o primeiro noticiário da televisão
norte-americana mostrando a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Nesta data
também foi veiculado o primeiro anúncio da televisão norte-americana. Durante o noticiário sobre
o tempo e a hora certa, um relógio da marca Bulova apareceu na tela por cerca de 20 segundos.
Cada aparição custava ao anunciante nove dólares. Essa marca, criada por um imigrante tcheco, já
tinha sido a primeira a veicular um spot de rádio, em 1926 (PIZZOTTI, 2003, p.253).
142
A WNBT originalmente transmitiu pelo canal 1 e, em 1946, foi movida para o canal 4. A estação tornou-se a
WRCA-TV em 1954 e depois a WNBC-TV em 1960.
143
Tradução nossa para: excellent, good, fair e poor.
113
Cinegrafistas da WSB-TV durante uma partida de futebol Jimmy Bridges, editor de notícias da WSB-TV (1949)
do Georgia Tech (Out. 1950)
Em 1950, havia mais norte-americanos vendo TV do que ouvindo rádio. Isso comprova o
sucesso da nova mídia. Além do crescimento do número de televisores, houve melhorias na
qualidade de emissão. No mesmo ano, a França já transmitia sinais com definição de 455 linhas, a
Inglaterra com 405 linhas, os russos com 625 linhas e Estados Unidos e Japão com 525 linhas.
144
Fonte: The Atlanta Journal-Constitution. Imagens disponíveis em: <http://www.myajc.com/lifestyles/flashback-
fotos-classic-days-wsb-radio-and/WvVvxis66nnx8u8PIdKifP/#0qjFyDE-QBuIUwqNCg484Q> (Câmeras de TV de
1949-50). Acesso em: 08 jan. 2018.
115
O Brasil foi o quinto país do mundo a ter um serviço diário de televisão aberta. Antes,
havia estações de TV funcionando com programação diária na Inglaterra (1936), Estados Unidos
(1939), França (1947) e México (o canal 4 foi inaugurado em 31 de agosto de 1950, apenas 18 dias
antes da TV Tupi) (RIXA, 2000, p.21). Ao contrário dos Estados Unidos, que tinham uma forte
indústria cinematográfica para se inspirar, a televisão brasileira se baseou nos profissionais do rádio
e do teatro.
A programação televisiva brasileira nasceu com a inauguração da TV Tupi (canal 3), no
dia 18 de setembro de 1950. Planejada desde 1946, a PRF-3, TV Tupi Difusora de São Paulo,
integrava o império de jornalístico comandado por Assis Chateaubriand, dono dos Diários
Associados. A implantação da televisão foi relativamente rápida e usou boa parte das instalações
da Rádio Tupi (PRG2), no bairro do Sumaré. Para criar a emissora, Chateaubriand importou 30
toneladas de equipamentos da norte-americana RCA Victor, por US$ 5 milhões. Foram instaladas
duas antenas transmissoras, uma na sede da emissora, na zona oeste, e outra no centro da capital
paulistana, no edifício do Banco do Estado de São Paulo – Banespa.
Faltando um mês para a estreia, percebeu-se que não havia televisores no Brasil. Trazê-
los legalmente levaria, no mínimo, dois meses. Isso explica porque a estreia da televisão foi vista
por apenas 200 aparelhos contrabandeados (de avião) e distribuídos pelo próprio Assis
Chateaubriand em pontos estratégicos de São Paulo.
Horas antes de a Tupi entrar no ar, uma das três câmeras importadas pifou, obrigando os
artistas e equipe técnica a refazerem todas as marcações de cena. Com praticamente uma hora de
116
atraso, por volta das 22 horas, depois de um longo período com a imagem do índio na tela, um
indiozinho interpretado por Sonia Maria Dorce, com 5 anos de idade, abriu as transmissões
dizendo: “Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil” (ilustração 32). Em seguida, foi exibido o
“TV na Taba”, uma revista eletrônica com um pouco de tudo que o canal teria em sua programação:
teatro, humor, música clássica, música popular, dança, jornalismo, esporte e infantil. “A
programação daquela segunda-feira, 18 de setembro de 1950, foi encerrada por volta das 23h30
(...) alguém lembrou que no dia seguinte a TV Tupi voltaria a funcionar e não havia definido sobre
o que seria apresentado ao ‘tele-espectador’” (RICCO; VANNUCCI, 2017, p.16-17).
O início da TV Tupi foi marcado pela falta de infraestrutura e pelo grande improviso.
Enquanto que os profissionais envolvidos no projeto de inauguração do canal trabalharam semanas
para a programação de estreia, eles tiveram apenas um dia para se preparar para a do dia seguinte.
O ator Lima Duarte, no livro TV Tupi, uma linda história de amor, conta como foi o segundo dia
da televisão brasileira:
Saímos correndo pros consulados, pra pegar os filmes e então fizemos uma
televisão sofisticadíssima. Tinha filmes de cientistas fazendo experiências, tinha
filmes sobre desintegração das amebas na Polinésia... a biologia não sei lá de quê.
Ficava passando esses filmes todas as noites. O pessoal disse que a gente era
louco, mas o espectador também fez parte do jogo lúdico, interessante e mágico,
que foi o estabelecimento da televisão. Só nós éramos loucos... E o espectador,
então? Às 6 horas da tarde eles ligavam a televisão e ficavam lá sentados diante
daquela luz que brilhava. Vinham os filhos, os vizinhos, ficavam olhando para
aquele aparelho chiiiiiiiiiiiiii... chiando, até ir pro ar. E deu nisso que é hoje. Mas
foi assim no começo. Uma chiadeira! (DUARTE apud ALVES, 2008, p.71).
No ano de 1950, toda a programação da TV Tupi era ao vivo, pois o videoteipe só viria a
ser desenvolvido ao longo da década no Reino Unido e Estados Unidos. Para a exibição de imagens
jornalísticas, filmes e desenhos animados era usado o telecine (ilustração 33): um conjunto de
equipamentos constituído por dois projetores cinematográficos de bitola 16 mm, um projetor de
slides duplo, que permitia a mudança de um slide para outro sem espaços pretos na imagem e uma
145
De cima para baixo, da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=280800>
(Público acompanha a primeira transmissão da TV brasileira); <http://www.editoracontexto.com.br/blog/18-de-
setembro-1950-inauguracao-da-tv-tupi/> (Assis Chateaubriand discursa); <http://logos.wikia.com/wiki/Rede_Tupi>
(logo do canal 3, TV Tupi Difusora de São Paulo); <https://televisao.uol.com.br/album/2015/09/17/tv-brasileira-faz-
60-anos-veja-fotos-historicas.htm#fotoNav=1> (“indiozinho” interpretado pela menina Sonia Maria Dorce, com 5
anos de idade); <http://brasil.estadao.com.br/blogs/arquivo/tupi-a-primeira-televisao-do-brasil/> (Página do jornal “O
Estado de S. Paulo, de 17 de setembro de 1950, com anúncio da RCA Victor parabenizando São Paulo pela inauguração
da PRF3-TV). Acesso em: 04 nov. 2017.
118
câmera de TV, de qualidade superior às câmeras de estúdio, que convertia as imagens ópticas
registradas previamente sobre uma película comum de cinema em sinais elétricos de televisão
(BARBOSA; RABAÇA, 2001, p. 710). Quando a publicidade não era feita ao vivo no estúdio, o
telecine146 também era usado para a transmissão de filmes comerciais ou slides dos patrocinadores
durante os intervalos, com narração feita na hora pelo locutor de plantão.
Multiplexador RCA Vidicon Film Camera tipo TP-ll (esq.) Câmera Bell & Howell de 16 mm (1951)
Imagem do catálogo da RCA (maio de 1954) (dir.) Câmera Paillard-Bolex H16, de 16 mm (1952)
146
Desde o início das transmissões de televisão, foi necessário televisionar filmes cinematográficos. Essa necessidade
levou uma grande variedade de métodos e equipamentos específicos. O telecine foi criado ainda na década de 1930,
por John Logie Baird, pois dependia de um aparelho para transmitir o filme realizado alguns minutos antes no seu
sistema eletromecânico de televisão. Um filme padrão é filmado a uma velocidade de 24 quadros por segundo. Na
Europa, o sistema de televisão funciona a 25 quadros por segundo e, neste caso, é necessário reproduzir filmes feitos
para o cinema com essa mesma quantidade de fotogramas. Como cada quadro de televisão é composto de dois campos,
cada quadro de filme deve ser escaneado duas vezes em 50 Hz, com um deslocamento de meia linha (a varredura
entrelaçada requer metade da largura de banda progressiva e produz uma cintilação menos óbvia para o olho
humano). Nos Estados Unidos, a quantidade de quadros da televisão é de 30 frames por segundo. Um filme a uma
velocidade de 24 quadros/s sendo transmitido na TV apresentaria várias distorções, porque o tempo de retorno da
varredura vertical é muito menor do que o tempo gasto por um mecanismo de projetor de cinema para apresentar a
próxima imagem. Portanto, na maioria dos telecines, o filme é executado continuamente e vários métodos foram
empregados para prender a imagem capturada. Em um deles, o filme é executado a 24 fotogramas por segundo, com
quadros escaneados duas vezes e três vezes alternadamente. Inicialmente, só havia telecines de 35 mm. O filme de 16
mm veio mais tarde, primeiro na filmagem de notícias, usando pequenas câmeras leves e, depois, acabou sendo o
formato mais utilizado por razões econômicas. Um filme de 35 mm variava entre 10, 20 ou 30 minutos de duração. O
filme de 16mm era fornecido em carretéis de 30 ou 60 minutos (CORY, 2015). Em relação ao RCA Vidicon Film
Camera, da ilustração, o catálogo da RCA prometia que o espectador não saberia o que era “ao vivo” e o que era
“filme” tamanha a qualidade do equipamento.
147
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://www.smecc.org/rca_tk-21_film_chain_%26_camera.htm>
(Multiplexador RCA Vidicon Film Camera TP-ll - Imagem do catálogo da RCA, de maio de 1954);
<http://collectiblend.com/Cameras/Bell-&-Howell/200-Magazine-Camera.html> (Câmera Bell & Howell de 16 mm);
<https://www.collectorsweekly.com/articles/an-interview-with-vintage-bolex-movie-camera-collector-michael-
tisdale/> (Câmera Paillard-Bolex H16, de 16 mm); Acesso em: 15 jan. 2018.
119
148
Em 1955, Oswaldo Ortiz Monteiro, que foi deputado federal em cinco legislaturas, por São Paulo (de 1951 a 1971),
seu irmão Hernani, o cunhado Vicente da Costa e Vicente Bento Costa, acionistas controladores da TV Paulista,
120
a av. Paulista. A redação de seu telejornal ocupava a sala, os filmes eram transmitidos do quarto e
o laboratório de relação funcionava na cozinha. Havia dois estúdios pequenos, um no térreo e outro
no andar de cima. O espaço era tão pequeno que toda a programação era adaptada à movimentação
limitada de câmera (BRAUNE; RIXA, 2007, p.25).
Em 1955, o eixo Rio/São Paulo ficava com 69% de todo o investimento publicitário dos
meios de comunicação, como jornal, revista, rádio, televisão etc. (CARVALHO E SILVA, 1983,
p.136). Com maior concentração de dinheiro nesses polos, as emissoras de TV podiam (ainda que
de forma limitada) fazer investimentos nas suas programações e na aquisição de equipamentos.
De acordo com o pesquisador José Inácio de Melo Souza (2006, p. 172), a disparidade
entre a oferta de diversão e os preços a serem pagos pelos televisores motivou um comentário da
colunista Eliezer Burla, do Diário da Noite. Um bom receptor em torno de Cr$ 13 mil podia
"render" 360 horas por ano ao custo de Cr$ 36,00 por "hora de entretenimento". Em cinco anos de
uso, o valor cairia para Cr$ 7,22. Dividido por quatro integrantes de uma família, o resultado final
seria irrisório. Burla acrescentava que o televisor era:
a mais fantástica novidade do século 20. Numa época em que o progresso avança
vertiginosamente, não há escolha possível: é-se ou não se é um homem moderno,
e o homem moderno não pode prescindir da televisão em sua casa. Ela lhe
proporciona diversão, repouso, oportunidade de ficar mais tempo ao lado da
família. Ela lhe permite a possibilidade de viajar, passear, cantar, dançar, sorrir -
sem sair de sua cadeira favorita. É um convite à imaginação, é um desafio a seus
olhos (BURLA apud SOUZA, 2006, p.171).
A questão do preço a ser pago por um televisor era duplamente preocupante em termos de
custo e manutenção, fato que a publicidade da época sublinhou: “Televisão - um capital de toda a
família. Sim, hoje a televisão é a utilidade mais desejada por toda a família. Já não sendo mais um
gasto, porém um capital que todos desfrutam (SOUZA, 2006, p.171). Futebol para você, desenhos
para as crianças, comédias para as senhoras, só se vê com um aparelho de televisão” (publicidade
veiculada em 13/1/1952). Uma pesquisa do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística) realizada em 1952 apontava que a utilidade doméstica mais cobiçada pelas classes B e
C era o refrigerador, e pela Classe A, o televisor (MARTINI, 2011, p.135).
venderam 15.099 ações da emissora (52% do capital) ao radialista Victor Costa Petraglia, proprietário da rádio
Nacional de São Paulo (LOBATO; CASTRO, 2002).
121
149
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: Folha da Manhã. 17 set. 1950. Caderno de Assuntos Gerais, p. 11 e 14.
Acervo Folha. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/fdm/1950/9/17/2> Acesso em: 15 jan. 2018.
150
IBOPE. Boletim das Classes Dirigentes, ano 1, n. 37, 15-21 jul. 1951 [Notação: IBOPE BCD04/07]. Pesquisa
realizada a pedido da TV Tupi menciona que as casas especializadas no ramo estavam vendendo um total de 1.500 a
2.000 aparelhos de televisão por mês, a grande maioria por meio de prestações. A pesquisa também buscou a opinião
dos telespectadores sobre a programação do canal. A pergunta consistia em: O que achou dos programas de televisão?
Ótimo: 26,4%; Bom: 31,4%, Regular: 12,6%; Não gostaram: 27,3% (MARTINI, 2011, p.186).
122
Em 1954, quando o televisor ainda era considerado um item de luxo, o Ibope divulgou
que 48% dos proprietários de aparelhos tinham assistido a uma apresentação de balé (MATTOS,
2000, p.94).
151
Localização, emissora e inauguração: São Paulo: TV Tupi ( 18/10/1950), TV Paulista (14/03/1952) e TV Record
(27/09/1953). Rio de Janeiro: TV Tupi (20/01/1951), TV Rio (13/07/1955) e TV Continental (30/06/1959). Belo
Horizonte: TV Itacolomi (08/11/1955). Porto Alegre: TV Piratini (20/12/1955). Em Santos, no litoral
paulista: TV Santos, subestação da TV Paulista (15/11/1957).
152
O império de Assis Chateaubriand chegou a englobar mais de cem empresas, incluindo 33 jornais, 28 revistas, 25
emissoras de rádio, 22 emissoras de televisão, três gráficas, duas gravadoras de disco, duas agências de notícias e uma
agência de publicidade (REIMÃO, 1997).
123
Nos anos 1960, algumas tecnologias, como o videoteipe e as transmissões por micro-
ondas e satélite, deram início às profundas mudanças na programação, viabilizando a formação das
redes nacionais. A TV Globo, inaugurada em 1965, soube utilizar essas inovações a seu favor e
criou uma grande central de produção no Rio de Janeiro, distribuindo seus programas via
Embratel153 a um custo acessível. Foi a primeira emissora a criar uma programação uniforme para
todo o Brasil.
Nos anos 1970, a Globo alcançou a liderança de audiência com um modelo de
programação que, em linhas gerais, permanece até hoje, como por exemplo, o “sanduíche” novela-
telejornal-novela (estrutura copiada da TV Excelsior). A emissora passou a investir fortemente em
teledramaturgia e criou programas que ainda estão no ar: Fantástico, Globo Repórter, Esporte
Espetacular, Sessão da Tarde, Jornal Hoje, Globo Esporte, Santa Missa, entre outros. Foi nesta
fase que a Globo consolidou o “padrão Globo de qualidade”, buscando maior qualificação técnica
e artística, e passou a exportar suas telenovelas para diversos países (LEMOS DA SILVA, 2012,
p. 13).
Para o ex-vice-presidente de operações da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho (2011, p.431), o “padrão Globo de qualidade” foi um termo criado pela imprensa para
definir uma mentalidade de busca da perfeição, um grau de exigência em todas as áreas:
programação, técnica, comercial, artístico etc. “Às vezes, quando vejo algum deslize na programação,
sofro muito, porque tenho medo que as pessoas joguem fora isso, não é apenas um padrão técnico, é uma
questão artística”, ensina Boni (O DIA, 2015).
153
A Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações) era a empresa estatal responsável por instalar sistemas de
telecomunicações por todo o Brasil, tanto para telefonia quanto transmissões de rádio e TV interestaduais, unindo as
empresas de telecomunicação estaduais, até sua privatização quando mudou o formato das telecomunicações
brasileiras (BALAN, 2012, p.11). Saiba mais no subcapítulo “Micro-ondas e satélites de comunicação”.
124
A Globo apostou em profissionais que mantinham relações estreitas com o mercado, como
Walter Clark, responsável por reestruturar o setor comercial e, sobretudo, reformular a
programação. “Quando Clark assumiu o cargo de diretor geral, em 1965, a Globo tinha média de
9% de audiência [veja o Anexo A]; quando saiu, em 1977, os índices chegavam a 80 pontos”
(BORELLI; PRIOLLI, 2000, p.80).
Durante a consolidação da televisão no Brasil, graças aos sucessos da TV Tupi e,
posteriormente, da TV Excelsior, a telenovela 154 se tornou o produto mais popular da televisão
(veja o boletim do Ibope no Anexo B). De acordo com Júlio Cesar Fernandes, no livro “A memória
televisiva como produto cultural” (2014, p.65), a telenovela no Brasil passou a ter uma importância
comercial muito grande e, mesmo aquelas cujo intuito principal é a obtenção de lucro (busca de
anunciantes), não podem ser desmerecidas, uma vez que o gênero tem um papel social relevante.
“Ela reflete momentos da história, dita moda e presta serviços sociais, além de entreter”
(FERNANDES, 2014, p.49).
A telenovela alcançou enorme sucesso155 na Globo a partir dos anos 1970, quando a
emissora buscou temáticas mais realistas e brasileiras, padronizou a duração156 e o número de
capítulos e estabeleceu as características de cada faixa horária: o horário das 18h ficou marcado
154
Ismael Fernandes, no livro “Memória da telenovela brasileira” (1997), faz uma divisão histórica do gênero em
quatro períodos: o primeiro começa com a estreia de “2-5499 Ocupado”, a primeira novela veiculada em capítulos
diários, exibida pela TV Excelsior, em 1963. A segunda fase começa a partir de “O Direito de Nascer”, em 1964, que
consolidou a telenovela. O terceiro é marcado pelo abrasileiramento das novelas, a partir de 1968, com Beto Rockfeller.
Se antes as produções eram adaptadas de lacrimejantes textos argentinos, cubanos e mexicanos, Beto Rockfeller foi
um divisor de águas, com diálogos ágeis e mais soltos, falas coloquiais, cenários urbanos brasileiros e por ter um anti-
herói como protagonista. Beto Rockfeller (Luiz Gustavo) era simpático jovem pobre que se infiltra na alta sociedade
paulista para ajeitar sua vida. A quarta etapa começa em 1969, com Véu de Noiva, que marcou o início da liderança
da TV Globo na produção de novelas. “A Globo deu o impulso decisivo para retirar o seu caráter simplório e colocá-
lo definitivamente no rol das grandes produções artísticas do Brasil” (FERNANDES, 1997, p.130).
155
Entre as novelas das oito de maior sucesso da Globo na década de 1970 estão “Irmãos Coragem” (1970-71), “Selva
de Pedra” (1972-73), “Pecado Capital” (1975-76), “O Astro” (1977-78), “Dancin’ Days” (1978-79) e “Pai Herói”
(1979).
156
Na década de 1960, as novelas da Globo tinham 30 minutos de duração. Depois passaram para 45 minutos e,
posteriormente, uma hora. Em entrevista ao jornal O Dia, Boni criticou o excesso de exposição no horário nobre e
defende o descanso para os artistas em toda a programação: “O ‘Jornal Nacional’ hoje está com 40 minutos,
antigamente era 30. A novela tem uma hora de duração, antes era 40. O horário nobre da TV está com uma hora e 40
minutos, ocupado apenas por dois programas. Isso aí significa exposição das pessoas. A televisão é uma máquina que
consome o talento das pessoas que estão no vídeo. A preocupação em preservar atores, apresentadores, diretores e
autores deve ser constante. É um desgaste brutal” (O DIA, 2015).
125
por adaptações de obras da literatura brasileira, produções de época e folhetins mais românticos,
“água com açúcar”. O das 19 horas se caracterizou por histórias contemporâneas mais leves e
descontraídas, algumas com um viés humorístico. Já no horário das 20 horas, a “novela das oito”
traz dramas fortes, realistas e assuntos atuais. “E no horário das 22 horas, já não tão vigiado pela
censura, exibia tramas adultas” (ALENCAR, 2004, p.31).
A primeira novela das oito da Globo, “O Ébrio” (1965), entrava no ar pontualmente às
20h. Em 1969, ano de estreia do Jornal Nacional, que era exibido das 19h40 às 20h, a novela “Véu
de Noiva” (1969-70) permaneceu às 20h. A datar de “Selva de Pedra” (1972-1973), o horário
passou a variar entre 20h05 e 20h15, dependendo da novela. Em “Champagne” (1983-84), a
dramaturgia das oito mudou para as 20h25. A partir de 1985, com a telenovela brasileira de maior
audiência, “Roque Santeiro” (1985-1986), o horário da “novela das oito” passou a ser às 20h30
(veja o boletim de audiência do Audi TV no Anexo C).
Gradualmente, com algumas alterações pontuais, dependendo do dia da semana 157 e com
a maior duração do telejornal, a novela foi sendo transmitida cada vez mais tarde. Mudou para as
20h40, com “A Próxima Vítima” (1995) e ficou entre 20h55 e 21h05 a partir de “O Rei do Gado”
(1996-1997). Somente em 2011, nas chamadas de estreia da novela “Insensato Coração”, a Globo
substituiu o termo para “novela das nove” e a principal novela da emissora passou a ser exibida
entre 21h05 e 21h15.
Fernando Gaio (2008, p.3), editor da revista “Produção Profissional” complementa:
157
Nos meses de horário eleitoral gratuito, a novela começa meia hora mais tarde. Às quartas-feiras, por causa do
futebol, os capítulos têm menor duração.
126
digital deixou de ser privilégio de alguns, a televisão continuará a mesma diante da diversidade de
conteúdos audiovisuais oferecidos nas plataformas digitais? A programação televisiva “morreu”?
Qual o conceito de televisão diante de um novo cenário?
A televisão por cabo originou-se nos Estados Unidos quase que simultaneamente na
Pensilvânia, Oregon e Arkansas, em 1948, para melhorar os sinais das emissoras em locais onde a
recepção fosse deficiente, principalmente nas áreas montanhosas ou geograficamente remotas.
Denominadas de CATV (Community Antenna Television ou Cable TV), essas “antenas
comunitárias” foram erguidas no topo das montanhas ou outros pontos altos e eram conectadas às
residências para receber os sinais de televisão.
Embora Lansford estivesse a apenas 100 quilômetros da Filadélfia, seus moradores não
conseguiam desfrutar do sinal de TV devido às montanhas do leste da Pensilvânia. Os negociantes
de rádio de Lansford estavam duplamente irritados com essa situação. Eles não podiam assistir
televisão e, pior ainda, não podiam vender televisores na própria cidade e nos arredores.
Robert J. Tarlton, um vendedor de rádios, teve a criatividade de colocar uma antena mestra
no alto de uma colina para receber os sinais da Filadélfia e retransmiti-los por meio de cabos
coaxiais, suspensos em postes, para as residências situadas nas encostas (ilustração 35). O cabo
coaxial transmite sinais de televisão com perda mínima de energia nas mais altas frequências.
Tarlton se associou a outros três comerciantes de rádio e um empresário para formar a Panther
Valley Television Company, cobrando US$ 125 pela instalação e US$ 3,75 por mês por um sistema
que transmitia três estações da Filadélfia (LOCKMAN, 2001).
Na mesma época, Ed Parsons, proprietário de uma estação de rádio em Astoria, no
Oregon, ligou um cabo da sua casa até o topo de um hotel próximo, o Jacob Astor Hotel, onde
instalou um amplificador que aumentava os sinais vindos dos canais de Seattle, a 240 km. Parsons
especulou que era a única pessoa na região que conseguia desfrutar da televisão. Logo se associou
a um dono de loja local de música, chamado Cliff Poole, que instalou um televisor no seu
estabelecimento para atrair clientes. Vários interessados começaram a surgir. Ed cobrava uma taxa
de instalação, geralmente US$ 125, mas não cobrava taxa mensal.
127
Primeiro serviço de televisão por cabo nos Estados Unidos, em Lansford Anúncio da operadora Cablevision,
ilustração da revista “Radio & Television News” (março de 1951) com 10 canais (1972)
158
Da esq. para direita, imagens disponíveis em: <http://www.americanradiohistory.com/Archive-Radio-
News/50s/Radio-News-1951-03-R.pdf> (esquema de distribuição do primeiro serviço de televisão por cabo nos EUA);
<http://www.tvparty.com/70-cable.html> (anúncio de jornal da operadora Cablevision, com 10 canais). Acesso em:
09 jan. 2018.
128
2,8% até 1999, em comparação com os 7,7% para o cabo (gráfico 4). Com maior oferta de canais
e qualidade na recepção de imagem, o número de operadoras de cabo expandiu durante a década
de 1980, mas se estabilizou a partir de 1990, devido principalmente à consolidação dessa indústria
(TOTO, 2000, p.3).
159
Fonte: Bureau of Labor Statistics <https://www.bls.gov/opub/mlr/2000/08/art1full.pdf> Acesso em: 09 jan. 2018.
131
Em resumo, a televisão por cabo não é uma geradora que cria conteúdos, mas sim uma
distribuidora local para as empresas que criam e empacotam produtos audiovisuais.
O Cable Act de 1984 estabeleceu outras regras básicas como franquia de dez a quinze
anos, padrões mínimos de qualidade e técnica, número de canais oferecidos, quantidade de canais
livres para serem arrendados a interessados, custo da franquia etc. A regulamentação teve efeito
positivo e influenciou o rápido crescimento dos serviços de cabo. Entretanto, esse avanço foi
acompanhado pelo forte aumento de preços aos consumidores, chamando a atenção dos órgãos
reguladores.
132
Em 1992, o Congresso promulgou uma legislação que mais uma vez limitou o crescimento
do setor, tabelando a cobrança do cabo básico160 em 10%. Somado ao tabelamento anterior de 7%
com o Cable Act, acabou por reduzir os ganhos das operadoras em 17% num único ano. Para
proteger os consumidores de aumentos abusivos, a FCC rejeitou o plano de incentivo à
programação da National Cable Television Association (NCTA), que permitiria às operadoras
aumentar as mensalidades em 25% para cada novo canal acrescentado.
A regulamentação de 1992 também abriu a possibilidade de outras tecnologias
transmitirem a programação “exclusiva” do cabo, como a emergente Transmissão Direta por
Satélite (DBS – Direct Broadcast Satellites). No final de 1995, havia 139 serviços de programação
por cabo disponíveis em todo o país, além de muitas redes regionais de programação.
160
De acordo com a FCC, o serviço básico de cabo corresponde às estações de transmissão locais; canais de acesso
públicos, educacionais e governamentais; e tipicamente alguns canais adicionais que podem ser de origem local,
regional, nacional ou internacional.
161
Fonte: Bureau of Labor Statistics and Federal Communications Commission. Disponível em:
<https://www.stlouisfed.org/publications/regional-economist/july-1995/i-want-my-mtvand-my-cnn-the-cable-tv-
industry-and-regulation> Acesso em: 10 jan. 2018.
133
162
By the spring of 1998, the number of national cable video networks had grown to 171. By that time, the average
subscriber could choose from a wide selection of quality programming, with more than 57 percent of all subscribers
receiving at least 54 channels, up from 47 in 1996. And at the end of the decade, approximately 7 in 10 television
households, more than 65 million, had opted to subscribe to cable.
163
Uma fibra óptica da espessura de um fio de cabelo pode, por exemplo, transmitir em menos de 1 segundo todos os
números do jornal O Estado de S. Paulo, desde o primeiro, e, simultaneamente, a programação de 1 milhão de estações
(PIZZOTTI, 2003, p.121).
134
deterioração que os fios de cobre. A fibra óptica164 foi uma das tecnologias mais importantes do
século XX, permitindo às empresas de telecomunicações transmitir enormes quantidades de dados
à velocidade da luz (PIZZOTTI, 2003, p.121).
Cabos coaxiais Rede de cabos de fibra óptica de longa distância dos EUA (2016) Fibra óptica
De acordo com a Nielsen Media Research, em 1999 havia 97% dos lares americanos com
televisão, sendo que 75% tinham televisão paga por cabo ou satélite. “Nessa altura a média de
horas por dia a ver televisão era de 7 horas, sendo a principal atividade de lazer da população norte-
americana” (RIBEIRO, 2007, p.42).
Desde a década de 1990, a indústria do cabo liderou o desenvolvimento da banda larga
nos Estados Unidos. A propriedade do sistema de cabo tornou-se mais concentrada, devido às
fusões e aquisições que ocorreram durante o período. Em 1997, a participação de mercado das 10
maiores companhias de cabo duplicou para 80% (TOTO, 2000, p.8).
Hoje, o cabo tem um papel crescente na entrega de serviços de vídeo e telecomunicações,
oferecendo entretenimento audiovisual, conectividade com a Internet e serviço telefônico digital
164
Na década de 1960, o físico chinês Charles Kao calculou como se pode transmitir luz a longa distância por meio
de fibras ópticas de vidro. Willard S. Boyle e George E. Smith são responsáveis pela invenção dos sensores
semicondutores (CCD) que possibilitam a circulação de imagens digitais por fibras ópticas. Por causa disso, Kao
dividiu o prêmio Nobel de Física com Boyle e Smith (NEIVA, 2013, p.216).
165
Disponível em: <http://www.businessinsider.com/map-long-haul-fiber-optic-cable-network-united-states-2016-3>
Acesso em: 10 jan. 2018.
135
Além dos cabos terrestres, outro importante meio para o envio de dados, imagens,
mensagens e áudios são os cabos submarinos. Até o início de 2017, havia no mundo mais de 360
cabos em funcionamento, totalizando mais de 800 mil quilômetros no fundo dos oceanos
(ilustração 37). Se juntássemos todos os cabos numa linha só, daria para dar 20 voltas em torno do
planeta.
Os cabos saem do continente enterrados em até mil metros de profundidade e cruzam o
fundo do mar sem outra proteção, a não ser o próprio revestimento metálico do duto (ilustração 38)
e chegam a uma profundidade de até oito mil metros167.
166
Fonte: Submarine Cable Map. Disponível em: <https://www.submarinecablemap.com> Acesso em: 10 jan. 2018.
167
A instalação dos cabos submarinos é feita por um navio, ao qual é fixado um equipamento que vai “arando” o fundo
do mar, criando sulcos na terra, onde, na sequência, o cabo vai sendo colocado. Só o trabalho de enrolar o cabo para
colocá-lo no navio pode demorar três semanas. Em regiões mais profundas, os cabos são mais finos. Isso porque os
riscos de danificá-los, seja por ataques de tubarões ou barcos de pesca, são menores (ilustração 38). O primeiro cabo
de comunicação transatlântico passou a funcionar em 1858 e servia à tecnologia da época: o telégrafo. O cabo ligava
a Irlanda à Ilha Terra Nova, próxima da área continental do Canadá. A primeira mensagem oficial transmitida continha
99 palavras e foi emitida pela rainha Vitória, do Reino Unido, para James Buchanan, presidente dos Estados Unidos.
A mensagem foi emitida às 10h50 do dia 16 de agosto e chegou às 4h30 do dia 17. Para chegar a Washington, a
mensagem passou pelo cabo submarino construído pela companhia Cyrus West Field e depois atravessou cabos aéreos
no nordeste americano. Mesmo que tenha levado 17 horas e 40 minutos de um ponto a outro, ainda assim foi muito
mais rápida que um navio. O cabo foi desativado após um mês de funcionamento por sobrecarga de energia usada na
136
Em relação aos satélites, os cabos submarinos têm duas vantagens: não estão suscetíveis
às condições climáticas extremas (temporais ou tufões podem causar interferência
eletromagnéticas no sinal de comunicação via satélite); percorrem distâncias mais curtas (de
Tóquio para Los Angeles, um sinal via satélite percorre 72 mil quilômetros, ao passo que um cabo
submarino entre as duas cidades tem apenas nove mil quilômetros). As fibras ópticas que
guarnecem os cabos transoceânicos têm capacidade de tráfego de dados até mil vezes maior que os
satélites (ORENSTEIN, 2017).
(esq.) Cabo submarino usado em águas profundas; (centro) cabo com proteção reforçada, para águas mais rasas;
(dir.) mergulhador inspeciona cabo submarino
Atualmente o Brasil tem apenas um cabo submarino ligando o país diretamente à Europa:
o Atlantis-2, inaugurado em 2000, com baixa capacidade de transmissão (20 GPS) e pertencente a
um consórcio de quase 20 empresas. Em 2017 foi anunciada a construção do segundo cabo
conectando o Brasil com o continente europeu. O Ellalink, joint-venture entre a estatal Telebras e
transmissão das mensagens. Entre 1866 e 1868, os britânicos construíram um novo cabo transatlântico, e a partir dos
anos 1870 expandiram a rede para o Oriente. Os cabos submarinos usados pelos telégrafos se espalharam pelo mundo.
A partir dos anos 1940, com o impulso estratégico-tecnológico da Segunda Guerra Mundial, os cabos submarinos
foram transformados para serem empregados em telefonia. Nos anos 1980, a tecnologia da fibra óptica passou a ser
utilizada nos cabos submarinos — muitas vezes seguindo as mesmas rotas traçadas no final do século XIX. De acordo
com José Orenstein (2017), os cabos submarinos, construídos por empresas privadas com apoio estratégico dos
governos, sempre foram alvo de espionagem e sabotagem: “recentemente, Edward Snowden denunciou que a agência
de vigilância dos EUA monitora os cabos submarinos do mundo todo, e, em 2015, americanos mostraram-se
preocupados com barcos russos chegando perto demais dos cabos”.
168
Imagens disponíveis em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/05/30/Como-é-a-rede-de-cabos-
submarinos-que-sustenta-as-comunicações-do-mundo>; <http://thetimes.gr/index.php/ellada/item/98044-2018-01-
20-06-50-44> Acesso em: 10 jan. 2018.
137
a empresa espanhola Eulalink, terá 9.400 quilômetros de extensão a um custo de US$ 206 milhões,
ou mais de R$ 670 milhões. Com inauguração prevista para 2019, o cabo parte de Santos (SP),
para em Fortaleza (CE) e cruza o Atlântico até Sines, no sul de Portugal. Terá capacidade de 72
Tbps, com quatro pares de fibra óptica, reduzindo o tempo de transmissão de dados em 40%
(BUCCO, 2017).
As três cores primárias da luz (não de pigmento) são o vermelho (R), o verde (G) e o azul
(B) e a maioria das tonalidades pode ser obtida misturando diferentes quantidades de cada uma
delas. Na verdade, a retina é capaz de reconstituir a imagem multicolor a partir dessas três cores
fundamentais. Uma câmera colorida analógica é, na verdade, três em uma. O raio luminoso que
atravessa as lentes é separado por um prisma nas cores primárias. São três imagens idênticas, mas
com cores diferentes, que serão unidas posteriormente.
Em 1925, Zworykin apresentou uma patente para um sistema de televisão em cores
eletrônico. No entanto, as primeiras experiências com transmissão em cores ocorreram no Reino
Unido, com John Logie Baird, em 1928. Com base no sistema eletromecânico, Baird utilizou três
discos giratórios, um para cada cor primária. As fontes de luz eram tubos de gás, sendo o mercúrio
para o verde, o hélio para o azul e o néon para o vermelho. No ano seguinte, em Nova York, o
físico Herbert Eugene Ives, do Bell Telephone Laboratories, também obteve imagens coloridas
com definição de 50 linhas, por meio do sistema mecânico (HORAK, 2012). Ainda em 1929, Frank
Gray patenteou um sistema de televisão em cores que se baseou na transmissão dos três sinais de
cores primárias através de um e o mesmo canal.
Nos Estados Unidos, na década de 1930, o engenheiro Peter Goldmark convenceu William
S. Paley, o lendário chefe da CBS, a financiar pesquisas sobre a emergente tecnologia da televisão.
Nos anos seguintes, o Goldmark liderou um trabalho nesta área, desenvolvendo um protótipo de
televisão em cores. O desenvolvimento de uma tecnologia própria era vital para David Sarnoff,
presidente da RCA, maior produtora de televisores preto e branco após a Segunda Guerra Mundial.
Em 1946, a CBS demonstrou formalmente o sistema de televisão em cores Goldmark para
a FCC, confiante de que seria aprovado para a produção comercial. Apesar de ter sido bem recebido
138
pela crítica, pois tinha razoável definição e oferecia tonalidades brilhantes169 e estáveis, Sarnoff
alegou que o sistema era baseado numa tecnologia semimecânica inferior, que a RCA e outros
fabricantes de televisores haviam descartado há muito tempo. Eles também atacaram a inovação
de Goldmark na questão econômica, argumentando que o sistema Goldmark era incompatível com
os aparelhos já existentes170. Numa clara disputa comercial, a RCA passou a criticar abertamente
as características técnicas do sistema de cores da CBS. Sarnoff solicitou que FCC impedisse a
adoção de um padrão até que um sistema de televisão em cores inteiramente eletrônico fosse
desenvolvido (HILLSTROM.; HILLSTROM., 2007, p.245).
Para solucionar o impasse, a FCC instituiu um comitê especial formado por técnicos e
firmas especializadas, o NTSC (National Television System Committee). Posteriormente a sigla
passou a definir o padrão norte-americano de transmissão a cores (aspecto 4:3, com 525 linhas de
resolução e 30 quadros por segundo).
169
O brilho da imagem diz respeito ao nível de detalhe e nitidez. Esse tipo de informação pode ser interpretado por um
receptor preto e branco, que não usa (nem precisa) a informação de cor. Um sistema de televisão em cores, no entanto,
faz uso combinado das informações de brilho e cores.
170
A solução seria tornar os dois sistemas compatíveis entre si, ou seja: os televisores coloridos deveriam exibir
corretamente imagens preto e branco quando recebessem o sinal padrão preto e branco, e os aparelhos em preto e
branco deveriam funcionar normalmente em preto e branco quando sintonizassem uma transmissão em cores.
139
171
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.earlytelevision.org/pdf/rca_tk41_brochure.pdf> (câmera
RCA TK-41C); <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:NBC_logo_1954.svg> (logo colorido da NBC, de 1953 a
1955); <https://www.pinterest.co.uk/pin/97601516895002469>/> (televisor RCA CT-100). Acesso em: 09 jan. 2018.
140
políticas e para proteger os fabricantes locais. Este sistema foi adotado pelas ex-colônias francesas
e pelos países do antigo bloco do leste, para permitir a incompatibilidade com as transmissões feitas
pelos países ocidentais.
Na Alemanha, em 1967, passou a funcionar o PAL (Phase Alternation Line), sistema
trabalhado por Walter Bruch, que resolveu algumas debilidades do sistema americano quanto à
alternância de fase de cor. O padrão PAL foi largamente difundido por todos os continentes, tendo
sido escolhido pela maioria dos países europeus.
Tanto o SECAM quanto o PAL possuem 625 linhas de resolução e 25 quadros por
segundo, sendo que o que os distingue são as frequências de transmissão e as diferenças na
codificação do sinal. Assim, uma fita gravada no sistema SECAM, quando for lida num
videocassete PAL, irá surgir em preto e branco, e vice-versa. Outra vantagem desses dois sistemas
é que as 100 linhas a mais, se compararmos ao NTSC, acrescentam significativamente detalhe e
clareza às imagens de vídeo.
172
Fonte: Vitor Hugo Felipe <http://www1.terravista.pt/MeiaPraia/5330/aula1/sld003.htm> Acesso em: 09 jan. 2018.
141
entre si. Um exemplo é a patente PAL, que se transformou em PAL-G na Inglaterra, PAL-D na
China, PAL-N na Argentina e PAL-M no Brasil.
No Brasil, quando o governo Dutra distribuiu as primeiras concessões de televisão no país,
em 1946, adotou-se o mesmo modelo de TV em preto e branco já existente nos Estados Unidos, o
Padrão M, que tinha 525 linhas.
Em março de 1967, o Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações) montou uma
comissão de engenheiros e especialistas para decidir qual padrão seria adotado no país: NTSC
(americano), Secam (francês) ou PAL (alemão). Por causa da superioridade técnica na fidelidade
das cores, o Contel escolheu o sistema alemão PAL, com 625 linhas. Para torná-lo compatível com
o Padrão M já existente, o Brasil criou o PAL-M, único no mundo (FRANCFORT, 2010, p.195).
quem pensa que a radiodifusão foi adotada por todos os países. Alguns inauguraram suas
transmissões pouco tempo atrás, como, por exemplo, o Chade, em 1987, e o Butão173, em 1999.
2.6 Cinescópio
Até a invenção do videoteipe, em 1956, o cinescópio (que não deve ser confundido com
o cinetoscópio) era a única maneira prática de preservar as imagens de programas de TV
transmitidos ao vivo. Também conhecido como telerecording no Reino Unido, o cinescópio
(kinescope) é um equipamento com uma câmera de cinema (16 mm ou 35 mm) montada em frente
a um monitor de televisão.
A técnica de filmar a tela de vídeo surgiu de maneira experimental, nos anos 1930, com a
filmagem de receptores eletromecânicos de poucas linhas de resolução. Os primeiros filmes
silenciosos eram com câmera tremida, disparados a uma velocidade de oito quadros por segundo,
resultando em reproduções granuladas, distorcidas e de baixa qualidade. Em meados dos anos
1940, a RCA e NBC começaram a aprimorar o processo de filmagem, incluindo o som.
A parte mais complexa da técnica da cinescopia era a sincronização do movimento
mecânico da película e do sinal de vídeo eletrônico. A diferença no número de quadros por segundo
entre o filme (geralmente 24 quadros/s) e a televisão (30 ou 25 quadros/s, entrelaçados) resultava
em cintilação. À medida que a câmera de cinema passou a ser sincronizada na mesma velocidade
que a televisão, esse problema foi eliminado.
O primeiro registro feito por um cinescópio, que se mantém arquivado, são alguns
fotogramas da cantora Adelaide Hall numa transmissão televisiva de outubro de 1947, no Reino
Unido. No mês seguinte foram realizadas imagens do casamento da princesa Elizabeth com o
príncipe Philip. Também existe um conjunto de sete horas de filmagens feitas por cinescópio da
173
O Butão é uma ex-colônia do Reino Unido governada por uma monarquia hereditária budista de regras muito
rígidas. Tinha apenas 600 mil habitantes, sendo que 90% dedicam-se à agricultura. Em 1999, o rei Jigme Singye
Wangchuk inaugurou na mesma semana a Internet e o primeiro canal de TV do país. O rei alertou, porém, que a
introdução das novas tecnologias devia ser compatível com os valores tradicionais da cultura butanesa. Nesta primeira
fase de instalação da TV, houve só um canal nacional, com permissão para retransmitir alguns programas estrangeiros
aprovados pelo rei. A emissora transmitia em inglês e na língua nacional do Butão, o dzongkha. Na época, já havia
rádios do governo nas duas línguas e também em nepali. A TV, entretanto, não podia usar o nepali, pois a monarquia
temia consequências negativas ao conceder o acesso à tecnologia à minoria nepalesa do país, que possui conflitos
étnicos (COLOMBO, 1999).
143
coroação da rainha Elizabeth II, em 1953. Esses rolos de filme foram levados o mais rápido possível
por aviões da força aérea britânica para os outros países da Commonwealth174, como Canadá e
Austrália, que tinham um serviço de televisão.
Depois de o casamento real ser transmitido em 405 linhas para o Reino Unido, ser filmado
num cinescópio, transportado por via aérea e, posteriormente, telecinado em outro país, a qualidade
da imagem era sofrível, mas esse método se tornou a única forma de transmissão de um evento ao
vivo após 18 horas de sua realização.
(esq.) Primeira forma de cinescopia: filmar a tela da televisão; (centro) Cinescópio GPL Video Recording System PA-
302 (1950-1955). A câmera de filme fica aparafusada no topo do gabinete apontada para uma pequena tela de TV;
(esq.) Cinescopia do programa Disneyland transmitido pela ABC, em 4 abr. 1956, às 19h30. A filmagem do cinescópio
foi encontrada na década de 1990 e restaurada
Nos Estados Unidos, o sistema teve grande uso por volta de 1947, quando foi lançada
oficialmente a “Câmera de Gravação de Televisão Eastman Kodak” (Eastman Kodak Television
Recording Camera) numa associação entre a DuMont Laboratories, a Kodak e a RCA. O
cinescópio tornou-se um método padrão da indústria para criar registros permanentes da televisão
174
Commonwealth of Nations (Comunidade das Nações) é uma organização intergovernamental composta por “52
estados soberanos, independentes e iguais” com a finalidade de promover o desenvolvimento social e econômico, a
democracia, a sustentabilidade e a paz (THE COMMONWEALTH, 2018). Quase todos os estados membros faziam
parte do antigo Império Britânico, com exceção de Moçambique (antiga colônia do Império Português) e Ruanda
(antiga colônia do Império Belga).
175
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://forums.stevehoffman.tv/threads/1960-jerry-lewis-show-color-2-
videotape-vs-kinescope-comparison.321909/page-2> (primeiro tipo de cinescopia: filmagem da tela da televisão);
<http://www.earlytelevision.org/gpl_pa-303.html> (Cinescópio de precisão PA-302 GPL Video Recorder);
<http://kinescopehd.blogspot.com.br/2011/07/wonderful-world-of-monochrome-vintage.html> (Cinescopia do progr.
Disneyland transmitido pela ABC, em 4 abr. 1956). Acesso em: 15 jan. 2018.
144
ao vivo, que pudessem ser arquivados ou reutilizados. Neste caso, a filmagem do programa de TV
era telecinada e exibida novamente. O equipamento fez o papel do videoteipe antes que este
existisse. Cidades afastadas, locais fora do alcance das antenas e sem conexão de cabo, passaram a
ver alguns programas produzidos e transmitidos pela cidade de Nova York (NEWCOMB, 2004,
p.1263-64).
As primeiras cadeias de TV (NBC, DuMont, CBS) eram favoráveis ao cinescópio, pois
manteriam um controle da distribuição de seus programas ao vivo para suas afiliadas (é importante
diferenciar a cinescopia de TV ao vivo dos primeiros filmes feitos para a televisão). Já a Federação
Americana de Artistas de Rádio (American Federation of Radio Artists) era contra essa tecnologia
e, no início de 1948, manifestou o desejo de que todos os cinescópios fossem queimados para evitar
a reutilização gratuita das transmissões televisivas.
O custo da filmagem de vídeos foi um importante fator limitante para o uso do cinescópio
em larga escala. A edição de 17 de julho de 1948 da revista “Billboard” cita valores de US$ 480 a
US$ 1.000 por hora, para filmar a emissão de um programa ao vivo. A reportagem dizia ainda que,
apenar do alto custo, a NBC aumentaria a produção do cinescópio para apoiar suas afiliadas na
costa oeste (SHAGAWAT, 2011, p.8).
Os programas realizados originalmente com câmeras cinematográficas também foram
muito usados nos primeiros anos da televisão, embora muitas vezes fossem considerados inferiores
aos programas ao vivo de grande produção, por causa de seus orçamentos mais baixos e da perda
do imediatismo.
Em 1951, Desi Arnaz e Lucille Ball, estrelas e produtores da série “I Love Lucy”
estabeleceram novos parâmetros de produção televisiva ao optarem por filmar seu show em
Hollywood, diretamente para um filme de 35 mm, usando o sistema de três filmadoras, ao invés de
transmiti-lo ao vivo. Normalmente, uma atração ao vivo de Los Angeles teria que ser realizada no
final da tarde, por causa do fuso horário, para ser assistido três horas depois na costa leste.
De acordo com um artigo de Leigh Allen, publicado no “American Cinematographer”, em
janeiro de 1952, a produção era ordenada e bem ensaiada, com marcações no chão e uso de
intercomunicadores pela equipe. Não havia atrasos como as produções dos grandes estúdios de
cinema, isso porque o show deveria acontecer como se ele fosse ao vivo, já que existia uma plateia
presente em frente ao palco. Os 22 minutos de arte eram filmados em 60 minutos de produção e
eram raras as refilmagens.
145
A ação central de cada episódio ocorria em três ambientes principais do cenário, erguidos
de forma permanente: o quarto, a sala e a cozinha do apartamento do casal. Também havia a boate
onde Ricky Ricardo (Desi Arnaz) trabalhava, com área para uma orquestra.
(esq.) Maquete do cenário, com cinco ambientes interligados e três câmeras de cinema (maquete exposta na Universal
Studios Florida); (dir.) para dar a “sensação” do ao vivo, a encenação era filmada na frente de uma plateia
(esq.) três câmeras BNC Mitchell de 35 mm filmavam simultaneamente. A câmera 1, no centro, faz o plano geral com
uma lente grande angular de 40 mm, enquanto a 2 e a 3 fazem os planos mais fechados, com lentes de 3 ou 4 polegadas;
(dir.) Diretor de fotografia, Karl Freund, ao lado da filmadora 35 mm, enquanto o assistente mede a distância entre a
câmera e Desi Arnaz durante um ensaio. A produção semanal empregava três equipes de filmagem completas
supervisionadas por Freund
176
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://imgur.com/vBxyvWg> (maquete do cenário exposta na
Universal Studios Florida); GRISWOLD, 1955, p.114 (plateia); <http://www.lucyfan.com/filmingthe.html>
(filmagem com três câmeras de 35 mm); Acesso em: 20 jan. 2018.
146
A decisão de “I Love Lucy” de usar filme influenciou outras produções, tornando-se assim
o padrão de distribuição de programas de TV. NBC, DuMont e CBS criaram seus centros de
cinescopia e telecinagem em Nova York, enquanto a ABC escolheu Chicago. Em 1951, a NBC e
a CBS forneceram semanalmente mais de 1.000 rolos de filme de 16 mm para as suas afiliadas.
Em 1955, esse número cresceu para 2.500 rolos semanais apenas para a CBS. Em 1954, o consumo
de filmes da indústria da televisão superou o de todos os estúdios de Hollywood juntos
(GRISWOLD, 1955, p.115).
Mesmo após a invenção do videoteipe, em 1956, os cinescópios continuaram algum tempo
em atividade, principalmente nas afiliadas menores e distantes que não tinham capacidade de
gravação de vídeo. No Alasca e no Havaí, por exemplo, alguns programas eram transmitidos até
duas semanas após sua veiculação original. Os últimos cinescópios de 16 mm de programas de
televisão foram aposentados na década de 1970, quando os gravadores de vídeo já eram bastante
acessíveis.
2.7 Videoteipe
177
In the beginning there was a very definite reason for the decision of Desilu Productions to put I Love Lucy on film
instead of doing it live and having kinescope recordings carry it to affiliate outlets of the network. The company was
not satisfied with the quality of kinescopes. It saw that film, produced especially for television, was the only means of
insuring top quality pictures on the home receiver as well as insuring a flawless show.
147
O VTR (Video Tape Recorder), que utiliza fitas em bobinas, ou VCR (Video Cassete
Recorder), que opera com fitas cassetes, é um aparelho eletrônico capaz de gravar e reproduzir
imagens. O registro videográfico consiste na geração de um sinal eletrônico, via câmara ou de um
outro reprodutor de imagens, que é impresso em fita magnética (uma tira de plástico revestida por
uma ou mais camadas de algum tipo de substância magnetizável como metais: ferro, níquel, cobalto
etc.). As partículas de metal são de tamanho microscópico, medidas em mícrons (um mícron é igual
a 1/1000 de milímetro). Quanto menor forem as partículas, melhor será a qualidade de gravação de
imagens e sons. Quando o sinal eletrônico magnetiza essas partículas, produz uma amostra
microscópica que corresponde aos sinais de áudio e vídeo. “Na reprodução, essa amostra magnética
é detectada e ampliada, recriando-se os sinais de áudio e vídeo originais” (PIZZOTTI, 2003, p.276).
No início da década de 1950, surgia nos Estados Unidos a necessidade de uma máquina
que gravasse som e imagem, pois num país com dimensões continentais e com três redes de
televisão que cobriam todo o território, era preciso levar em conta os fusos horários: um programa
transmitido às 20 horas em Nova York, na costa leste, era assistido no meio da tarde, às 17 horas,
em Los Angeles, na costa oeste, o que afetava bastante as audiências. Se houvesse cópias dos
programas em cada estação local, elas poderiam ser exibidas sempre na mesma hora,
independentemente do fuso.
Conforme visto no subcapítulo anterior, no início da televisão, a película cinematográfica
foi muito usada na distribuição de conteúdo televisivo, seja por meio da cinescopia de programas
ao vivo ou com produções originais em 16 mm ou 35 mm. Além do alto custo desses processos, a
natureza do filme não permitia a sua reutilização. Uma das vantagens das fitas de videoteipe era o
seu reaproveitamento: para diminuir as despesas, os programas podiam ser gravados “por cima” de
outros.
Várias empresas norte-americanas, como a Ampex, a Bing Crosby Enterprises (BCE) e a
RCA, estavam testando protótipos de gravadores de vídeo. Em 1952, a BBC também desenvolvia
o seu protótipo, chamado de VERA - Vision Electronic Recording Apparatus (ilustração 43), que
só ficou pronto em 1958. Todos esses sistemas experimentais usavam um método de gravação
longitudinal (cabeça estacionária) que exigia grandes quantidades de fita, pois gravavam numa
velocidade extremamente alta.
Foi então que a Ampex, fabricante de gravadores de áudio em fita magnética, passou a
desenvolver um formato de vídeo mais prático e econômico. O Ampex VRX-1000 (mais tarde
148
renomeado Mark IV) foi o primeiro VTR comercial do mercado, apresentado em 14 de abril de
1956. O preço anunciado do equipamento era de US$ 45.000,00.
Os primeiros equipamentos tinham dimensões gigantescas, se comparados aos atuais, e
eram destinados apenas às emissoras de TV. As fitas magnéticas possuíam duas polegadas de
largura e ficavam acondicionadas em carretéis. Pesavam em torno de 8 kg e permitiam até uma
hora de gravação. A maneira como as quatro cabeças de vídeo realizavam a varredura para
gravação ou reprodução, preto e branco, deu nome ao formato: quadruplex. O programa “Douglas
Edward and the News” foi o primeiro a ser gravado em fita magnética, levado ao ar pela CBS em
30 de novembro de 1956 em Los Angeles.
178
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.cedmagic.com/history/ampex-commercial-vtr-1956.html>
(gravador Ampex VRX-1000 e seus criadores); <http://www.meldrum.co.uk/mhp/knackers/behind.html> (RCA TRT-
1A); <http://www.bbc.co.uk/programmes/p01672b2> (VERA - Vision Electronic Recording Apparatus – gravador da
BBC); <http://www.quadvideotapegroup.com/tag/early-videotape/> e <http://www.quadvideotapegroup.com/TRT-
1C-at-NBC.htm> (Videotape Central, da NBC). Acesso em: 09 jan. 2018.
149
179
A NBC, emissora pertencente à RCA, havia encomendado três gravadores Ampex. Dois foram para a NBC em
Burbank. Um foi enviado para a RCA Labs em Camden, Nova Jersey, onde os engenheiros da RCA criaram um método
de gravação e reprodução de cores. A demonstração da RCA do gravador Ampex “colorido” para os engenheiros e
executivos da Ampex levou a um acordo de patente cruzada, o que permitiu à RCA usar a tecnologia da Ampex e fazer
seus próprios gravadores de vídeo.
150
também facilitou a utilização de efeitos de animação e estabeleceu o fim das fitas “remendadas”
(forma primitiva de se fazer cortes antes da invenção do editor eletrônico).
Em 1967, a Ampex lançou o primeiro VTR verdadeiramente portátil, o VR-3000, que foi
usado nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México.
180
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.labguysworld.com/Ampex_VR-3000-Anniversary.htm>
(imagens do press release original de 1967 do VTR Ampex VR-300, com câmera BC-300 BW);
<http://www.oldvcr.tv/collection/index.html?Mode=View&Brand=Sony&Model=VO-2630> (VCR Sony VO-2630
U-Matic); <http://www.tvnewscheck.com/playout/2014/03/how-electronic-news-gathering-came-to-be/> (ENG).
Acesso em: 09 jan. 2018.
151
Em 1971, a Sony passou a comercializar o formato U-Matic, que passou a ser o mais
utilizado para gravação e edição (ilustração 44). Ao contrário dos outros sistemas que operavam
com fitas em bobinas, o U-Matic utilizava uma fita mais estreita de ¾ de polegada acondicionada
em um estojo-cassete, de fácil manuseio, para assegurar a integridade física do material.
O equipamento U-Matic para gravação em externas era constituído por dois dispositivos,
a câmera e o videoteipe, peças separadas e ligadas por um cabo. Chamada de ENG - Electronic
News Gathering (Captação Eletrônica de Notícias) nos Estados Unidos, essa unidade foi chamada
no Brasil de UPJ – Unidade Portátil de Jornalismo. “Apesar da qualidade inferior ao sistema
quadruplex, o sistema U-Matic pouco a pouco substituiu as filmadoras permitindo ao
telejornalismo exibir matérias mais bem editadas com mais agilidade. As ilhas de edição U-Matic
também eram pequenas de fácil utilização” (BALAN, 2012, p.7).
Antes do U-Matic, as emissoras de TV faziam seus registros jornalísticos em 16 mm. As
equipes iam para a rua, filmavam em película, voltavam para o estúdio, revelavam, montavam na
moviola e, só então, horas depois, as peças eram colocadas no ar. O U-Matic revolucionou o
mercado, tornando mais ágil toda essa operação, com qualidade aceitável. Com o repasse do
formato U pela Sony, este equipamento passou a ser fabricado por praticamente todas as empresas
que visavam ao mercado televisivo. Importante ressaltar que, devido à qualidade inferior do U-
Matic em relação ao quadruplex, a produção de programas e a exibição comercial continuaram
sendo feitas em rolos de duas polegadas, até o surgimento do sistema profissional Betacam.
Além de equipamentos para empresas, os japoneses continuaram investindo na
miniaturização como estratégia de massificação de produtos e, em 1975, a mesma Sony de Akio
Morita, presidente da empresa por quase quatro décadas, lançou o Betamax, o primeiro
videocassete para uso doméstico. Apesar da ousadia, os resultados não foram como esperados, pois
no ano seguinte a JVC (Japan Victor Company) introduziu o VHS. Apesar de ambos os formatos
fazerem uso da fita de meia polegada, os cassetes possuíam tamanhos e sistemas de gravação
diferentes, gerando uma incompatibilidade recíproca.
A JVC passou à frente na disputa deste novo segmento, porque utilizou a mesma tática da
Sony para com o U-Matic: repassou a patente VHS para outras empresas que se encarregaram de
ocupar rapidamente os espaços do mercado: fabricação de fitas virgens, distribuição de filmes
gravados em vídeo, empresas de assistência técnica etc.
152
No início dos anos 1980, os consumidores podiam encontrar filmes em ambos os formatos
nos videoclubes e lojas do ramo, mas o Betamax ficou confinado a apenas 20% do mercado
mundial até desaparecer.
A publicidade de lançamento da época enfatizava as vantagens que o telespectador teria
com os novos equipamentos. Nos anúncios do video cassette recorder da Zenith (ilustração 45), os
textos diziam (tradução nossa181): “Agora... assista aos programas de TV que você quer ver a
qualquer hora que escolher”; “Agora você controla a programação de TV de acordo com a sua
agenda”. Já a publicidade do VCR Betamax enunciava: “Assista o que quiser quando quiser”;
“Obrigado ao Betamax da Sony, ele não está perdendo a última meia hora da programação
noturna”.
Aos poucos, os videocassetes domésticos foram recebendo uma série de recursos: funções
de avanço e recuo acelerados com a imagem na tela (search), câmera lenta (slow motion),
congelamento de imagens (freeze), controle remoto, relógios e timers digitais (observe esse
diferencial no anúncio da Zenith, logo acima) etc. Conforme os VCRs foram se disseminando,
181
Respectivamente: (VCR Zenith) Now... watch TV shows you want to watch anytime you choose!; Now... you control
the TV schedule to fit your schedule; (VCR Betamax) Watch whatever whenever; Thanks to Sony's Betamax, he's not
missing the last half-hour of the late show.
182
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.itsabouttv.com/2016/12/remember-when-99500-for-vcr-
1977.html> (anúncios do videocassete Zenith, por US$ 995,00); <https://www.pinterest.co.uk/Prestige_Online/vcr-
player/> (Betamax I); <http://reflectionsonfilmandtelevision.blogspot.com.br/2016/01/at-flashbak-product-of-genius-
eulogy.html> (Betamax “It’s a Sony”). Acesso em: 21 jan. 2018.
153
surgiu um novo mercado de venda e locação de fitas cassetes, o home video (ARMES, 1999, p.96).
O videocassete fez com que, pela primeira vez, o telespectador fosse realmente o “dono” da
programação, livre de horários.
Ainda dentro da estratégia de compactação de produtos, a Sony lançou o formato
eletrônico de 8 mm, em 1984, com planos de substituir a longo prazo o VHS. Com um cassete
cinco vezes menor e tecnicamente superior ao VHS em qualidade de registro e fácil manuseio, o
V-8 visava estabelecer uma padronização definitiva dos formatos de vídeo. Mas com o VHS tão
vastamente difundido, o plano falhou. Contudo, o 8 mm foi bem aceito para uso em camcorders
domésticas e assim continua até hoje.
Outro avanço nos formatos de vídeo foi o surgimento do Super VHS. Utilizando a mesma
tape que o VHS, mas com melhor resolução audiovisual graças à utilização de materiais mais
densos na fita magnética, o S-VHS uniu qualidade de imagem e baixos preços (correspondia à
metade dos custos do sistema U-Matic). Rapidamente este formato invadiu o jornalismo das
emissoras de TV.
Alguns anos depois, a Sony ressuscitou o sistema de transporte Beta e criou o Betacam,
que utilizava fitas de ½ polegada com qualidade próxima à oferecida pela quadruplex, mas com
portabilidade, agilidade e baixo custo. A câmera, chamada de camcorder, já vinha com o VT
integrado. Esse sistema, baseado em fitas de óxido magnético, foi lançado com o propósito de
substituir o U-Matic. O Betacam foi bem aceito e em 1987, com um surpreendente avanço no
processo de fabricação de cassetes, as fitas de partículas metálicas adicionaram o conceito de
Superior Performance (SP) nos produtos do mercado, mais notavelmente o Betacam-SP,
melhorando significativamente o desempenho dos sinais de áudio e vídeo.
A qualidade e a aceitação desse sistema, com quase 200.000 VCRs espalhados pelo
mundo, permitiram estender a aplicação do Betacam até a pós-produção e à transmissão,
transformando-o num formato standard da televisão.
A era do vídeo digital chegou no final dos anos 1980 com o advento do D1, sistema que
opera com largura de banda integral em componente digital, desenvolvido pela BTS. O D1 é o
formato de mais alta qualidade para 525 ou 625 linhas. Em seguida, a Sony e a Ampex se juntaram
para desenvolver um sistema de custo mais baixo: O D2, sistema em composto digital. O D2 foi
desenvolvido para substituir o VT de uma polegada, o que de fato aconteceu.
154
Como a batalha de custo versus qualidade sempre prevaleceu, o formato Betacam Digital
surgiu como uma solução altamente competitiva no ambiente digital. Este formato digital
ligeiramente comprimido se estabeleceu em diversas áreas do mercado profissional de televisão.
O Betacam Digital foi criado em 1993 para ser compatível com as gravações analógicas.
Isto significa que os gravadores e as câmeras Betacam e Betacam-SP puderam coexistir com o
Betacam Digital, numa transição suave, das instalações analógicas para sistemas totalmente
digitais. Isto também significa que as gravações analógicas existentes, que estejam em cassetes de
óxido ou de metal, podem continuar a ser usadas, salvaguardando o enorme investimento que
normalmente está num arquivo de imagens.
Sem considerar as câmeras fotográficas e cinematográficas, hoje em dia, entre os
principais formatos de gravação profissional estão o Betacam Digital, o DVCam e o XDcam, “este
último gravando sons e imagens diretamente em disco ótico no sistema Blu-Ray, superior ao DVD
de uso doméstico e o sistema de gravação em cartões smart, que dispensam o uso de fitas ou DVD
como suporte de gravação” (BALAN, 2012, p.8).
Sony DVW-970 Betacam Digital Sony PXW-Z150 4K XDCam Exemplo de ilha de edição não-linear
183
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.palhd.com/rent/cameras/sony-dvw-970p-pal-digital-
betacam-25p-169-camcorder> (Betacam Digital DVW-970); <https://www.bhphotovideo.com/c/product/1222976-
REG/sony_pxw_z150_4k_xdcam_camcorder.html> (Sony PXW-Z150 XDCam, com qualidade de imagem 4K);
<http://www.natrevideo.com.br/news/ilha%20de%20edição%20basica/> (Ilha não-linear digital). Acesso em: 21 jan.
2018.
155
de videoteipe com fitas, principalmente nas emissoras regionais de TV, porém a migração para
digitalização completa está acontecendo rapidamente.
A tabela a seguir apresenta os principais formatos utilizados pelas emissoras de televisão
(broadcasting) e destinados para uso doméstico (home), desde o surgimento do videoteipe até a
chegada do digital:
Lima Duarte, que também participou dessa gravação histórica, explica as vantagens que
o videoteipe trouxe, uma vez que permite consertar erros dos atores e da equipe técnica:
canais paulistas era a da TV Verdes Mares184, canal 10, de Fortaleza (CE). Na ilustração 47,
podemos ver que a emissora transmitia as novelas “Véu de Noiva” (veiculada pela TV Globo, às
20h) e “Sangue do Meu Sangue” (TV Excelsior, 20h), além do humorístico “Família Trapo”
(exibido pela TV Record, aos sábados, às 20h30) e da “Discoteca do Chacrinha” (TV Globo,
sábados, às 12h).
O slogan da TV Verdes Mares resumia tudo: “Os programas de maior audiência do Brasil
estão no canal 10” (ilustração 47, à direita). Quando foi exibida, na Grande São Paulo, “Véu de
Noiva” era o segundo programa de maior audiência, com 29,6%, e “Sangue do Meu Sangue”
ocupava a quinta posição, com 20,2% (LEMOS DA SILVA, 2012, p.147-48).
184
A TV Verdes Mares, canal 10, em Fortaleza (CE) foi inaugurada oficialmente no dia 31 de janeiro de 1970, às
19h30.
185
Fonte: Tribuna do Ceará. Imagens disponíveis em: <http://www.telehistoria.com.br/colunas/index.asp?id=5933>
Acesso em: 24 set. 2011.
158
Com certeza, era um privilégio destas emissoras poder exibir tapes do que havia de melhor
dos centros produtores, Rio e São Paulo. Com o agrupamento das emissoras em redes, por meio
das novas tecnologias de transmissão (micro-ondas e satélites), esse tipo de arranjo de programação
não foi mais possível ser realizado.
186
De acordo com Pizzotti (2003, p.174), uma antena de micro-ondas tem dois elementos: o refletor parabólico e a
própria antena, que é um dipolo eletromagnético. “As micro-ondas enviadas pela parábola transmissora incidem
diretamente sobre a parábola receptora que, por sua vez, focaliza as ondas no seu ponto central, onde está a antena
receptora. Dessa antena as ondas são levadas por uma guia de onda até o radiorreceptor”.
187
A troposfera é uma camada da atmosfera situada entre 3 e 12 km de altitude. Seu índice de refração provoca
espelhamento e reflexões múltiplas das ondas de rádio, e serve como mecanismo de propagação para sistemas de baixa
e média capacidade e longo alcance em VHF e UHF. As gigantescas antenas billboards, que lançam as micro-ondas à
troposfera, chegam a ter até 700 m².
159
188
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <http://www.di.ufpb.br/raimundo/Tutoredes/Meios.htm> (transmissão
por micro-ondas) <https://www.xirio-online.com/help/en/rec452.html> (tropodifusão). Acesso em: 22 jan. 2018.
189
Last week workmen were tightening bolts on the last of 107 steel and concrete towers, spaced approximately 30
miles apart, that will carry television from coast to coast. Started three years ago by American Telephone & Telegraph,
the $40 million New York-to-San Francisco microwave relay project* will be fully completed next month—just in time
to carry this year's World Series games to the biggest audience in baseball's history.
160
190
A Embratel foi uma empresa pública criada com base no Código Brasileiro de Telecomunicações, instituído pela
Lei nº 4.117 de 27 de agosto de 1962. Transformada em sociedade de economia mista em agosto de 1972, passou à
condição de subsidiária da holding Telecomunicações Brasileiras (Telebrás) em novembro do mesmo ano. A Lei Geral
de Telecomunicações (LGT), promulgada sob o nº 9.472 em 16 de julho de 1997, autorizou a privatização da Embratel
e das demais concessionárias do sistema Telebrás, efetivada em 29 de julho de 1998. Considerada a empresa mais
valiosa das telecomunicações no Brasil, a Embratel foi arrematada por R$ 2,65 bilhões pela empresa norte-americana
MCI. Segunda maior operadora de longa distância nos EUA, a MCI concorreu com o consórcio liderado pela norte-
americana Sprint em associação com seis fundos de pensão nacionais e o Banco Opportunity. O lance vencedor
representou um ágio de 47,22% sobre o preço mínimo. Logo depois da compra da Embratel, maior investimento da
empresa no exterior, a MCI concluiu o processo de fusão com a WorlCom (um negócio de 31 bilhões de dólares) que
deu origem à MCI WorlCom, segunda maior companhia de telefônica de tráfego internacional de voz do mundo
(CPDOC, 2018).
161
O ex-diretor geral da Rede Globo, Walter Clark (1999, p. 210), confirma que a emissora
foi a primeira a operar em rede com este novo equipamento de micro-ondas, “muito mais avançado
que o anterior, com sintonia automática entre o transmissor e o receptor; não exigia ajustes
complicados e funcionava inclusive com baterias solares”. O primeiro programa a fazer uso pleno
desta tecnologia foi o “Jornal Nacional”, da Globo, em 01 de setembro de 1969. Foi o primeiro
telejornal brasileiro em rede nacional.
De acordo com o ex-secretário geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Furtado
(apud CRUZ, 2008, p.32): “Como a Globo já nasceu na era da comunicação a longa distância por
micro-ondas e, posteriormente, por satélite, ela pôde concentrar suas atividades numa grande
central de produção no Rio de Janeiro e distribuir seus programas via Embratel a um custo
acessível”.
Tão importante quanto a rede terrestre de micro-ondas foi a transmissão via satélite,
responsável pelo primeiro grande avanço tecnológico na comunicação contemporânea,
interligando o mundo em rede como uma grande aldeia global.
Foi o escritor britânico Arthur C. Clarke que, em 1945, com apenas 28 anos, escreveu um
artigo que é considerado a base teórica para os modernos satélites da atualidade. Ele lançou os
conceitos básicos da comunicação via satélite e da órbita geoestacionária, ou seja, para aparentarem
estar fixos no espaço, tinham que acompanhar a velocidade de rotação do planeta e demorar 24
horas para dar uma volta completa em torno da Terra. Mas o mais notável, nesta predição, é que
ele propunha a utilização de três satélites sincronizados como meio de assegurar a cobertura total
do globo. E isso se tornou realidade, anos mais tarde, pela Intelsat.
Clark se tornaria um dos autores de ficção científica mais populares do século XX. É de
sua autoria o livro “2001- Uma Odisseia no Espaço”, que deu origem ao filme dirigido por Stanley
Kubrick, que o tornou mundialmente famoso em 1968. A contribuição do escritor para a ciência
foi reconhecida, tanto que a órbita estacionária dos satélites é hoje também conhecida por “Órbita
Clarke”.
162
Telstar I (1962) Syncom II (1963) Intelsat I (1965) Comparação entre tamanho e antenas
dos satélites Intelsat 1, 2, 3, 4 e 4a
191
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://www.wired.com/2012/04/the-idea-factory-bell-labs/> (Telstar
I); <https://nssdc.gsfc.nasa.gov/nmc/spacecraftDisplay.do?id=1963-031A> (satélite geoestacionário Syncom II);
<http://rammb.cira.colostate.edu/dev/hillger/communications.htm> (Intelsat 1 e comparação de tamanhos e antenas
entre Intelsat 1, 2, 3, 4 e 4a). Acesso em: 22 jan. 2018.
163
192
Também em fevereiro de 1969, foi inaugurada a estação terrena do Sistema Internacional de Comunicações por
Satélite, localizada em Tanguá, no município de Itaboraí (RJ). Além de ampliar as comunicações do Brasil com o
exterior, até então restritas aos sistemas de cabos submarinos e de rádio em ondas curtas, a estação de Tanguá
possibilitou a transmissão de imagens de televisão ao vivo, inclusive daquelas geradas do exterior (SPDOC, 2009).
164
Star One C1 (lançamento) Star One C2 (construção) Star One C3 no espaço (fotomontagem) Star One C4 (cobertura)
O Star One C3, lançado em 2012, recebeu investimentos de US$ 260 milhões para sua
construção e tem cobertura diferenciada, com abrangência para todo o território brasileiro, América
do Sul, Região Andina (com destaque para Colômbia, Peru, Bolívia e Equador) e Flórida (EUA).
Sua capacidade alcança até a região do Pré-Sal, no meio do Atlântico, disponibilizando mais
serviços para a indústria de petróleo.
O Star One C4 (2015) foi o último da terceira geração de satélites da Embratel. Também
ocupa a posição orbital de 70,0°W e opera na banda Ku e, assim como o C3, tem grande área de
cobertura (ilustração 50).
O último satélite da Embratel no espaço é o Star One D1. Lançado em dezembro de 2016,
deu início à quarta geração de satélites da Embratel Star One, a família D. É o maior já construído
pela empresa (pesa 6 toneladas) e vem equipado com as bandas C, Ku e Ka. A banda Ka viabiliza
acesso à banda larga de custo mais baixo e transmissão de dados em alta velocidade tanto para
aplicações de redes corporativas e de bakchaul (tráfego de retorno) celular.
Em 04 de maio de 2017 foi lançado o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações
Estratégicas (SGDC), o primeiro satélite militar e a ser operado e controlado pelo governo
brasileiro. Construído por uma empresa francesa em parceria com o Brasil, pesa quase seis
toneladas e teve um custo de R$ 2,8 bilhões, incluindo a infraestrutura terrestre, lançamento e
193
Fonte: Embratel Star One. Imagens disponíveis em: <http://www.starone.com.br/internas/biblioteca/fotos.jsp>
Acesso em: 24 jan. 2018.
167
operação. É o maior investimento do programa espacial brasileiro nesta década. O SGDC cobre
todo o território nacional e o Oceano Atlântico e, além de reforçar a segurança nacional, vai ampliar
a cobertura da Internet de banda larga no país, sobretudo nas áreas de difícil acesso (AGÊNCIA
BRASIL, 2017).
Todos os satélites brasileiros foram construídos por empresas estrangeiras e lançados por
foguetes franceses do Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa.
194
Da esq. para dir., imagens disponíveis em: <https://www.space.com/25096-project-relay-antenna.html> (Antena
parabólica localizada em território norte-americano que fazia a ligação Brasil/Estados Unidos por meio do satélite
Relay, lançado no final de 1962); <http://www.alamy.com/stock-photo-satellite-dishes-at-bbc-television-centre-
shepherds-bush-white-city-48275936.html> e <http://www.loupiote.com/photos/3061824167.shtml> (parabólicas do
BBC Television Center, em White City, Londres); <http://mg.olx.com.br/regiao-de-juiz-de-fora/audio-tv-video-e-
fotografia/antena-parabolica-433717137> (antena parabólica doméstica); <https://www.amazon.com/rca-ds4220re-
dual-lnb-directv-pro-installation/dp/b00005ak7u> (DTH DirecTV/RCA). Acesso em: 23 jan. 2018.
168
195
A Hughes possui uma história que se confunde com o desenvolvimento da tecnologia de comunicação via satélite,
sendo responsável, dentre outras coisas, pelo desenvolvimento dos primeiros satélites de comunicação
geoestacionários, pelos primeiros sistemas Very Small Aperture Terminal (VSAT) para comunicação corporativa, pelo
lançamento do primeiro sistema DTH em larga escala e pelo lançamento do primeiro serviço de acesso à internet via
satélite. A empresa possui operações próprias de serviços nos Estados Unidos, Brasil, Índia, Europa e China
conectando áreas continentais com seus serviços de comunicação por satélite e suportando uma gama crescente de
aplicações, tais como Acesso à Internet em Alta Velocidade, Ensino a Distância (EAD), TV Corporativa, Sinalização
Digital e VoIP (Voice over IP). Entre os clientes estão operadoras de telecomunicações fixas e móveis e prestadores
de serviços em mais de 100 países, atendendo serviços de voz, internet e e-mail, distribuição de conteúdo, telemedicina,
exploração, defesa, newsgathering e gestão de emergências (HUGHES, 2018).
169
Gráfico 7 – Participação global de canais via satélite (em definição e operadoras de DTH) 197
196
Compressão digital é a técnica de transmissão de sinal para TV ou para qualquer equipamento relacionado a vídeo,
de forma que se consegue diminuir em muitas vezes a informação e transmiti-la em um canal. Essa compactação é um
dos fatores básicos para a renovação tecnológica da TV, viabilizando a TV de alta definição e que possibilitará a
emissão de sinais com qualidade cada vez melhor (FURGLER; FERREIRA, s.d.). Outro dado importante é a
quantidade de bits usada na compressão do vídeo por unidade de tempo, o bitrate. Medido em segundos, quanto maior
o bitrate melhor a qualidade, mas também maior o arquivo. Bitrate está diretamente ligado à nitidez (qualidade) do
registro, seja um filme ou uma música. “Quer dizer que em formatos de compressão de áudio e vídeo como MPEG3 e
MPEG4, quanto maior for o bitrate mais vezes por segundo o som ou filme original estará sendo reproduzido. O bitrate
pode variar, sendo que taxas mais altas de bitrate criam som/vídeo de melhor qualidade (ENTERPLAY, 2017).
Fonte: NSR – Northern Sky Research, mar. 2017. Disponível em: <http://www.nsr.com/research-reports/satellite-
197
De acordo com a 9ª edição do estudo TV Linear via Satellite, publicado em 2017 pela
consultoria NSR198, o mercado de televisão linear via satélite continuará crescendo em todo o
planeta, com mais de 12.200 novos canais nos próximos 10 anos, atingindo mais de 53.600 no total,
até 2026. Entre canais transmitidos via satélite, em 2016, a maior parte (83,7%) tinha a qualidade
standard (SD), enquanto 16,1% eram high-definition (HD) e somente 0,2% eram ultra-high-
definition UHD (gráfico 7).
Entre as empresas que operam os satélites de DTH, a SES (Société Européenne
des Satellites) tem 21% de participação do mercado mundial. Com sede em Luxemburgo, a
empresa opera mais de 50 satélites geoestacionários e 12 em órbita média, sendo capaz de alcançar
99% de todo o planeta. O consórcio Intelsat e a Eutelsat têm 13% cada.
Existem diversos tipos de satélites, como os meteorológicos, militares, de navegação e
telecomunicações, inclusive os de observação espacial como o Telescópio Espacial Hubble,
colocado na órbita terrestre, em 1990, a fim de evitar as distorções da atmosfera sobre as imagens.
De acordo com a base de dados da UCS (Union of Concerned Scientists), em 31 de agosto de 2017
havia 1.738 satélites em operação ao redor do planeta, sendo 1.071 de órbita baixa (LEO), 531
geoestacionários de órbita alta (GEO), 97 de órbita média (MEO) e 39 em órbita elíptica (ao
contrário da circular, esta órbita tem forma de uma elipse) 199.
Os Estados Unidos têm a maior parte desses equipamentos (803 satélites), seguidos pela
China (204) e Rússia (142). Ao todo, 66 países possuem satélites atualmente operacionais. Embora
alguns dispositivos tenham múltiplos propósitos, é possível separá-los em: 788 são para uso
comercial, 461 são governamentais, 360 têm objetivos militares, e apenas 129 para uso civil (UCS,
2017).
O número de satélites ativos tem crescido historicamente de forma moderada, uma vez
que parte dos dispositivos recém-lançados têm a finalidade de substituir os que se tornam inativos
e grande parte desse crescimento é de satélites pequenos. A Euroconsult, especializada no setor
198
Fundada em 2000, a NSR é líder global em serviços de pesquisa e consultoria de mercado de satélites espaciais.
199
De acordo com o índice de objetos lançados no espaço externo, mantido pelo Escritório das Nações Unidas para
Assuntos do Espaço Exterior (United Nations Office for Outer Space Affairs – UNOOSA), em 2017 havia 4.635
satélites em órbita; um aumento de 8,91% em relação a 2016. Mas somente 37,5% desses equipamentos estão ativos.
Isso significa que existem 2.897 peças de lixo espacial vagando em volta da Terra. O equipamento em órbita mais
antigo, ainda em atividade, é o satélite de comunicação Amsat-Oscar 7 que foi lançado há 43 anos (15 de novembro
de 1974).
171
espacial, estima que 150 novos satélites para serviços de comunicações e radiodifusão serão
lançados até 2026 (EUROCONSULT, 2017).
O novo papel desempenhado pela comunicação via satélite é resultado das mudanças
provocadas pelos avanços tecnológicos. Dependendo do tipo de serviço, os sistemas via satélite
perdem em competitividade para a fibra óptica e outras tecnologias de transmissão de dados com
fio, como o cabo coaxial e o DSL, que usa o fio telefônico (bastante acessível, porém lento).
Os cabos ópticos têm a característica muito peculiar da falta de mobilidade do usuário,
mas, por outro lado, possuem uma série de vantagens sobre o satélite: velocidade ultrarrápida,
maior largura de banda, além da longevidade do equipamento que é muito mais durável (um satélite
doméstico tem uma vida útil curta, de mais ou menos 15 anos). Mas poucos são os centros urbanos
com disponibilidade de fibra óptica e o preço é superior ao de outras tecnologias.
O satélite tem como vantagens o baixo custo na transmissão de longas distâncias, a
segurança, e principalmente a mobilidade. Em termos de multiplicação de informação, o satélite é
imbatível: nenhuma outra tecnologia redistribui um sinal de um ponto específico para um número
tão grande de receptores.
O futuro dos sistemas de transmissão por satélite pode estar no acesso à internet em banda
larga. Em março de 2017, a Hughes começou a operar o EchoStar XIX, o satélite de banda larga
de maior capacidade do mundo (200 Gbps). O aparelho opera na banda Ka, de alto rendimento, e
cobre os Estados Unidos, Alasca, México e partes do Canadá e América Central. Combinado com
os satélites EchoStar XVII e ao Hughes SSL, ambos em órbita, a HughesNet conseguiu mais que
duplicar sua capacidade oferecida. A empresa possui mais de um milhão de assinantes e é a maior
provedora norte-americana de banda larga por satélite. A empresa pretende lançar, em 2021, o
EchoStar XXIV, um satélite de “ultra-altadensidade” (Ultra High Density) ainda mais potente, com
capacidade de 500 Gbps, cobrindo as Américas, que vai oferecer velocidades a 100 Mbps por
segundo para o assinante.
Várias companhias norte-americanas prometem lançar equipamentos de alta capacidade,
como a ViaSat que anunciou para 2020 o Via-Sat-3, um sistema global de três satélites de banda
larga, cada um com capacidade de 1 terabit (Tbps) por segundo.
172
No Brasil, pelo menos três empresas estrangeiras, Hughes 200, Yahsat e O3b Networks,
estão investindo para oferecer serviços de banda larga via satélite por meio da banda Ka, que
garante maior capacidade na transmissão de dados e menor latência (tempo de resposta). As
dimensões continentais do país inviabilizam comercialmente a expansão das redes de fibra óptica
para áreas de menor densidade demográfica e menor renda. A Internet via satélite é uma alternativa
para essas localidades remotas, mas também para regiões metropolitanas que, por vezes, não são
atendidas de maneira satisfatória por outras tecnologias.
Os recentes avanços na tecnologia permitiram o desenvolvimento de uma nova geração
de satélites, com aumento de potência, transmissão em frequências mais altas, drástica redução do
tamanho e baixo custo das estações terrestres. O crescimento do número de aparelhos faz cair,
proporcionalmente, o preço dos serviços.
Quando a maioria da atual frota de satélites for substituída por outra, de banda Ka, vai
haver fibras ópticas virtuais cruzando os céus. Dessa forma, a comunicação via satélite poderá
oferecer serviços mais competitivos em relação à rede de cabos terrestres.
Por outro lado, caso as fibras ópticas aumentem sua participação no mercado, em
detrimento da tecnologia dos satélites, o cenário poderá ser bastante diferente. Neste caso, a
transmissão via satélite permaneceria como complemento dos sistemas terrestres.
Atualmente, as atividades que giram em torno dos satélites de aplicação comercial
movimentam cerca de US$ 65 bilhões por ano, e a tendência é esse número crescer ainda mais
(EUROCONSULT, 2017). No mundo de hoje, é praticamente impossível conseguir o
desenvolvimento cultural, educacional e comercial sem um sistema eficiente de comunicações. A
Internet sozinha não seria capaz de conectar o planeta em rede utilizando somente cabos. Para
tanto, é preciso ter satélites.
200
Presente no Brasil desde 1968, a Hughes foi responsável pela venda dos primeiros satélites de telecomunicações
brasileiros. Em 1991 forneceu equipamentos de comunicação via satélite para quase todos os grandes bancos
brasileiros e em 2003 iniciou a prestação de serviços de telecomunicações (HUGHES, 2018).
173
Foi a emissora estatal NHK (Japan Broadcast Corporation) que desenvolveu a primeira
TV de alta definição, na década de 1980, por via analógica201. Atualmente, considera-se Full HD
qualquer sistema com um mínimo de 1.080 linhas, proporção de tela 16:9 (mínimo de 1.920 x 1.080
pixels), varredura progressiva ou entrelaçada, e cadência de 25 ou 30 frames por segundo.
O Ultra HD, ou 4K, é a tecnologia de telas com resolução de 3.840 x 2.160 pixels, ou seja,
quatro vezes mais pixels do que uma televisão Full HD. Já a tecnologia UHDTV (Ultra High
Definition Television), ou 8K, tem resolução de 7.680 x 4.320 pixels, considerada 16 vezes superior
ao HD (ilustração 52). Também conhecida como Super Hi-Vision, o 8K possui som surround de
201
Segundo Jefrey Hart (apud DANTAS, 2007, p.50-51), em 1981, a NHK constituiu uma empresa de Serviços de
Engenharia (NHK-ES) em sociedade com os principais fabricantes japoneses de equipamentos de produção, geração,
transmissão e recepção de sinais de televisão, quase todos, já desde antes, seus fornecedores: Sony, Sharp, Hitashi,
Toshiba, Matsushita, Mitsubishi e Sanyo. Ao longo da década de 1980, esse consórcio trabalharia no desenvolvimento
de câmeras, equipamentos de transmissão, gravadores profissionais e domésticos de vídeo, novos tipos de monitores
etc. No total, de 1970 a 1989, o Estado japonês e seu parque industrial investiram cerca de US$ 700 milhões na TV de
alta definição.
174
22.2 canais (atualmente são apenas 5.1 canais), reproduzindo ambientes acústicos de forma mais
natural, com sons voltados à esquerda e direita, frente e atrás, e na direção vertical.
Em parceria com a NHK e com a Nippon Telegraph and Telephone (NTT), a Rede Globo
realizou testes em 8K na transmissão do Carnaval 2013, na Copa do Mundo de 2014 e nas
Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. A intenção da NHK é iniciar a transmissão regular no
Japão em 8K a partir de 2018, visando às Olimpíadas e Paralimpíadas de Tóquio 2020.
Durante quase 60 anos, as transmissões televisivas foram realizadas de maneira analógica,
ou seja, por meio de fluxos contínuos de ondas eletromagnéticas. Essas ondas estão sempre sujeitas
às oscilações e interferências causadas por fenômenos naturais (radiação solar, vento, chuva, raios)
e não naturais (funcionamento de motores, eletrodomésticos e outras transmissões de
radiofrequência) que acabam deteriorando e distorcendo o sinal, criando “fantasmas e chuviscos”.
A digitalização das transmissões televisivas terrestres, que já ocorria no satélite e no cabo, seria
uma questão de tempo.
No Brasil, estudos e testes realizados a partir de fevereiro de 2000 pela Agência Nacional
de Telecomunicações (ANATEL), pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações (CPqD), pela Sociedade de Engenharia de Televisão (SET), além de várias
universidades brasileiras que participaram dos consórcios de pesquisa, apontaram o sistema de TV
digital japonês ISDB (Integrated Services Digital Broadcasting) como sendo o melhor e o mais
202
Imagens disponíveis em: <http://images-free.net/content/high-definition-ultra.html> Acesso em: 08 jan. 2018.
175
robusto entre os que existiam. Foram testados também o sistema norte-americano ATSC (Advanced
Television Systems Committee), z e Coréia do Sul, e o europeu DVB (Digital Video Broadcast),
adotado por vários países da Europa, Ásia, África e Oceania (LEMOS DA SILVA, 2013, p.1).
Na fase de escolha entre os três sistemas, o padrão norte-americano foi o primeiro a ser
descartado, por não dispor de interatividade, além de privilegiar a alta definição de imagem por
meio de recepção por cabo ou com antena externa. No Brasil, quase metade (47%) dos televisores
tinha recepção exclusivamente por antenas internas, o que dificultaria a adoção do ATSC
(MONTEZ; BECKER, 2005, p. 102). Além disso, o padrão não contemplava a recepção móvel
(em carros, ônibus e trens) e a portabilidade (celulares).
O sistema europeu DVB exigia o pagamento de royalties sobre a tecnologia de modulação
e privilegiava a multiprogramação (com transmissão standard, de qualidade semelhante a um
DVD, ou seja, inferior à alta definição, mas melhor que a atual analógica), com a multiplicação da
oferta de conteúdos.
O DVB também permitia a mobilidade e a portabilidade, mas essa tecnologia ainda estava
em fase de testes e seria necessário contar com a participação das operadoras de telefonia na
distribuição deste tipo de sinal.
203
Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio) e pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), o Ginga foi inicialmente criado para suporte ao desenvolvimento de aplicações hipermídia, um novo
perfil do sistema foi particularizado tendo como foco a TV digital terrestre, durante a concepção do Sistema Brasileiro
de TV Digital.
177
Na TV analógica, os sinais não podem ser comprimidos ou compactados, pois cada pixel
do sinal analógico precisa estar incluído no sinal. “Numa transmissão analógica padrão, são
emitidos sinais com 525 linhas por 720 pixels, totalizando 378 mil pixels por quadro, o que ocupa
todo o canal de 6 MHz disponível no sistema brasileiro” (MONTEZ; BECKER, 2005, p. 39). Na
transmissão digital, os sinais binários apresentam redundância, o que permite a compactação dos
dados sem a perda da qualidade. A compactação leva a uma menor taxa de transmissão,
possibilitando que mais conteúdo seja veiculado nos mesmos canais.
Com o recurso da multiprogramação, seria possível assistir a diferentes programas no
mesmo canal, ou vê-lo em diferentes ângulos. Por exemplo, durante uma partida de futebol, o
telespectador pode escolher entre: (1) o plano geral do estádio por meio de uma câmera aérea; (2)
204
De acordo com Crocomo (2007, p. 62), na programação digital o correto é usar o termo “programa” em vez de
“canal”. Quando falamos em um canal de TV de 6 MHz, a referência é feita aos canais atuais da TV aberta no Brasil.
Quando nos referimos à possibilidade de vários “canais” onde existe um canal de 6 MHz, na verdade podem ser
transmitidos vários “programas” de TV digital simultaneamente. A questão é que, segundo alguns especialistas,
multiplicar a quantidade de programas significaria dar novos canais aos mesmos concessionários de radiodifusão, o
que vai contra a legislação do setor.
178
o plano médio dos jogadores no gramado; (3) ou aquela câmera em close-up nas belas torcedoras
da arquibancada (imagens que marcaram a última Copa do Mundo na África do Sul), entre outros.
Esse recurso é configurável e a emissora poderia diminuir o número de canais aumentando a
resolução da imagem (LEMOS DA SILVA, 2013, p.2).
De acordo com o pesquisador André Barbosa Filho (in SQUIRRA; FECHINE, 2009, p.
70), o sistema nipo-brasileiro ISDB utiliza a tecnologia exclusiva de modulação BST-OFDM
(Band Segmented Transmission Orthogonal Frequency Division Multiplexing) que permite dividir
a faixa de 6 MHz em 13 segmentos. Um desses segmentos (OFDM, também chamado de One-Seg)
é reservado à transmissão para receptores móveis e portáteis, em baixa definição, tais como
celulares, tablets e notebooks. Os outros 12 segmentos podem ser utilizados, ao mesmo tempo e no
mesmo canal, para transmissão para receptores fixos.
Para transmissão em Full HD (com resolução de 1920 x 1080 pixels), são necessários 12
segmentos. Quando a transmissão é em HD – High Definition, (com resolução de 1280 x 720
pixels), são ocupados 6 segmentos. Na transmissão SD – Standard Definition, (com resolução de
720 x 480 pixels), 3 segmentos são ocupados. Resumindo, uma emissora de TV pode usar a faixa
de 6 MHz para transmitir um único canal em Full HD; ou dois em HD; ou um canal em HD
juntamente com dois programas SD; ou quatro programas SD (com tecnologia MPEG4 seriam oito
programas em Standard Definition); além do canal One-Seg para receptores portáteis (que pode ser
179
205
Em 2011, o Laboratório de TV Digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie realizou testes para a transmissão
de dois vídeos em baixa definição dentro do one-seg. Os testes realizados até o momento em dispositivos móveis
mostraram que a transmissão é possível tecnicamente (FREDERICO, 2011).
180
Ainda segundo a Norma Geral Nº 01/2009, assinada pelo ministro Hélio Costa, a
multiprogramação somente poderá ser realizada nos canais a que se refere o art. 12 do Decreto nº
5.820, de 29 de junho de 2006, consignados a órgãos e entidades integrantes dos poderes da União.
O respectivo artigo afirma que “o Ministério das Comunicações deverá consignar, nos Municípios
contemplados no PBTVD e nos limites nele estabelecidos, pelo menos quatro canais digitais de
radiofrequência com largura de banda de seis megahertz cada para a exploração direta pela União
Federal”.
Ilustração 54 – Line-up dos canais que utilizam multiprogramação, em São Paulo-SP 206
Sob esta perspectiva, dos canais públicos atualmente no ar, apenas TV Brasil (EBC), NBR
(EBC), TV Justiça, TV Senado, TV Câmara, emissoras dos legislativos estaduais e municipais, TV
Escola, Canal da Cidadania (do Ministério da Educação) e Canal Saúde (emissora do Sistema
Único de Saúde – SUS) podem se beneficiar da multiprogramação. Todas as demais emissoras
206
Imagem disponível em: <http://www.portalbsd.com.br/terrestres_channels.php?channels=1> Acesso em: 08 jan.
2018.
181
É fato que a penetração das tecnologias digitais tem acontecido muito mais rápido do que
a adoção de tecnologias antecedentes, como a eletricidade, o automóvel e a telefonia. Foram
necessários mais de 50 anos para a chegada da eletricidade em 50% dos lares norte-americanos,
enquanto que os celulares (14 anos) e a Internet (10 anos) levaram menos tempo para alcançar o
mesmo patamar (TUSHMAN; O’REILLY III, 2017).
207
Fontes: (esq.) TUSHMAN; O’REILLY III, 2017; (dir.) Census Bureau, Consumer Electronics Association,
National Cable and Telecommunications Association. The Progress & Freedom Foundation, 2009. Disponível em:
<http://blog.pff.org/archives/2009/05/on_measuring_technology_diffusion_rates.html#more > Acesso em: 26 jun.
2017.
183
consumo, hoje praticamente a totalidade das famílias norte-americanas têm geladeira, fogão,
telefone, rádio, computador e televisão (gráfico 9). O progresso econômico e o desenvolvimento
tecnológico diminuíram a quantidade de horas de trabalho para a aquisição de alguns dispositivos
eletrônicos. Por exemplo, em 2008, um trabalhador estadunidense com salário médio precisava de
apenas 4 horas para comprar um celular sendo que, em 1984, era necessário trabalhar 456 horas.
O valor de um computador pessoal (personal computer – PC) caiu de 435 horas trabalhadas, em
1984, para apenas 25 horas, em 2008. Entre as várias razões para o barateamento e difusão de
alguns desses dispositivos estão: a diminuição do preço dos insumos, o aumento da renda e o
crescimento do comércio internacional (COX; ALM, 2008). Mas a propagação das tecnologias nos
Estados Unidos está longe de se assemelhar ao restante do mundo. Para muitos analistas, o acesso
à tecnologia208 é o novo indicador de desigualdade social.
Gráfico 9 – Penetração (%) de tecnologias nos lares norte-americanos (1970 – 2008) 209
208
Segundo Heinrich Rattner (1971), a tecnologia tem sido definida, num sentido restrito, como sendo a aplicação
sistêmica dos conhecimentos organizados e científicos na solução de tarefas práticas. As atuais definições de
“tecnologia” referem-se especificamente à perspectiva instrumental, ou seja, da forma pela qual uma determinada
técnica ou ferramenta é empregada para alcançar uma determinada finalidade prática. Contudo, se alongarmos o
conceito de maneira a englobar a totalidade dos meios aplicados por um grupo específico ou sociedade, “nos seus
esforços para obter os meios de subsistência e reprodução, as mudanças tecnológicas equivalem a mudanças culturais
e seus reflexos e repercussões podem afetar não só hábitos, costumes e padrões de comportamento, mas também a
estrutura social propriamente dita e a distribuição de poder, riqueza e prestígio social”, ressalta o autor.
209
Fonte: The Progress & Freedom Foundation, 2009. Disponível em: <http://blog.pff.org/archives/2009/05/> Acesso
em: 26 jun. 2017.
184
Tal recurso, imaginado para socorrer as falhas da memória humana por meio de recursos
mecânicos, é apontado como o antecessor do conceito de hipertexto210. Ambos os autores, à sua
210
Hipertexto é o texto vinculado a outros textos ou documentos. As ligações geralmente são indicadas por palavras,
frases, termos destacados em cor diferente, sublinhados ou por uma imagem que, quando clicada, leva ao documento
ligado. De modo geral, é qualquer texto que contém hiperlinks com outros documentos. Hiperlink é o local de um
documento eletrônico que o liga a outro (PIZZOTTI, 2003, p.139).
185
maneira, anteviram mais do que a chegada do computador – eles também preconizaram a criação
de uma rede de comunicações.
Criado na Europa, o videotexto foi “uma das primeiras manifestações da tão anunciada
convergência das tecnologias de computadores e de comunicações” (BRIGGS; BURKE, 2006,
p.295). Associação entre telefone, computador e aparelho de televisão, o videotexto era
basicamente um serviço de distribuição de conteúdo diverso, na forma de textos, gráficos e figuras.
Para usar o serviço, o usuário precisava de um televisor conectado à uma caixa
decodificadora (modem) que convertia os sinais analógicos recebidos em dados digitais de vídeo,
além de um teclado para acessar a informação desejada. Também era possível usar um computador
especial dedicado exclusivamente ao videotexto. Esses equipamentos eram conectados a um
computador central por meio de linha telefônica ou cabo coaxial e permitiam a comunicação
bidirecional ou interativa.
Em 1976, os correios britânicos iniciaram os primeiros testes do sistema Viewdata
(“Dados Visuais”), nome genérico para o “novo serviço de informações do British Post Office”
(ilustração 55), que foi comercializado como Prestel, em 1979 (o nome é uma combinação dos
vocábulos press (aperte) e tell (diga).
Na mesma época, outros países também passaram a desenvolver protótipos de seus
sistemas de teletexto211 e videotexto: havia o Oracle, na Grã-Bretanha; o Telset, na Finlândia; o
211
De acordo com o Dicionário Houaiss de Comunicação Multimídia (NEIVA, 2013), teletexto (teletex) é um “sistema
unidirecional de telecomunicação que, servindo-se da parte redundante de um sinal de televisão ou de uma linha
telefônica, transmite informação em forma de texto ou grafismos na tela receptora de um televisor especialmente
equipado com decodificador” (p.537). Já videotexto é um “sistema geralmente interativo para visualização de
informações em monitor de vídeo, frequentemente em forma de textos transmitidos por linha telefônica ou televisão a
cabo” (p.571). No Dicionário de Comunicação (BARBOSA; RABAÇA, 2001), teletexto é um “sistema unidirecional
para transmissão de informações sob a forma de texto, para receptor de televisão especialmente equipado com
decodificador” (p.717). Videotexto é um “sistema interativo de comunicação de textos, que utiliza cabos coaxiais ou
linhas telefônicas para conectar terminais públicos, empresariais ou domésticos. Sua tecnologia (hoje superada pela
Internet) inclui um banco de dados computadorizado e uma rede de telecomunicação para transmitir e receber
informação” (p.760). Ou seja, de acordo com as duas obras, apesar dos verbetes serem sinônimos, a principal diferença
entre os dois sistemas é que o teletexto é “unidirecional”, enquanto que o videotexto é “bidirecional”. Almeida (1988,
p.96-97) chama o teletexto de “primo pobre” do videotexto e acrescenta: “O teletexto é um serviço fornecido, ou apto
a tanto, pelas estações de televisão. O mesmo consiste na veiculação de dados através de textos (o sistema apresenta
baixa capacidade gráfica) que são transmitidos na atmosfera por intermédio de um sinal de TV”. Ou seja, as mesmas
186
Folheto do British Post Office, de junho de 1977 (esq.), e menu principal do Prestel (dir.)
ondas de radiodifusão que transportam a imagem e o som são capazes de conduzir o sinal do teletexto. Enquanto que
a tecnologia do videotexto permite a construção de gráficos, figuras e mesmo ilustrações, o teletexto está restrito a
palavras e números, dados puramente textuais. Outra diferença é na capacidade de armazenamento de informação.
Enquanto que o videotexto permite a consulta de 500 mil páginas, o teletexto dificilmente chegava a 600 páginas ao
espectador (ALMEIDA, 1988, p.97).
212
Fonte: Viewdata.org.uk, 2017.
187
Interface gráfica em preto e branco, 1988 (esq.) e manual do usuário, 1990 (dir.)
213
Fonte: Jaegher, 2013 e Minitel Research Lab, 2011.
188
entidades estava ligada a um computador central por meio de linha telefônica ou cabo coaxial.
Quem operava o sistema, quase sempre, eram as empresas de telefonia.
A economia do videotexto estava centrada na venda de serviços, que eram
comercializados de duas formas: por meio de uma assinatura mensal, com acesso ilimitado de
consultas, ou de acordo com o número de acessos e o tempo gasto nos mesmos. Outra característica
do videotexto era a ausência de veiculação publicitária. “O fornecedor do serviço, ao gerar
informação para o computador central, já está de certa forma exercitando um tipo de publicidade
subliminar: ele lista seus produtos e serviços e os oferece ao assinante, um consumidor em
potencial” (ALMEIDA, 1988, p.94).
O sucesso comercial do Minitel impulsionou a implantação do videotexto no Brasil. Em
dezembro de 1982 o sistema foi iniciado pela Telesp, a Companhia Telefônica de São Paulo. A
ideia era testar suas possibilidades em um mercado local para depois estender a tecnologia para as
outras companhias do sistema Telebrás. O projeto piloto disponibilizou 200 terminais e tinha 56
fornecedores de serviço, entre eles o jornal O Estado de São Paulo, que publicava notícias com
dados da Agência Estado214. A experiência custou cerca de US$ 1 milhão, gastos nos dez anos em
que o sistema permaneceu em operação, sem qualquer resultado prático. Em relação às
características técnicas, operava com uma velocidade bastante baixa, até mesmo para os padrões
da época: 1.200 quilobits (1,2 Kbps) de download e apenas 75 bits por segundo de upload. Equivale
à velocidade de "0,0012 mega" (SIQUEIRA, 2002).
A Telesp incentivava os usuários a permanecer conectados o maior tempo possível,
oferecendo prêmios como atrativo. O equivalente ao e-mail era chamado de VM (Video-
Mensagem) e o equivalente ao chat215 era chamado de VP (Video-Papo). Em São Paulo, era comum
o uso do videotexto durante a madrugada, já que a Telesp cobrava apenas um pulso após a meia-
noite, independentemente de quanto durasse a ligação telefônica. Em pouco tempo, a Telesp
percebeu que, enquanto serviço de massa, o videotexto tinha uma perspectiva bastante reduzida,
214
A Agência Estado é uma agência de notícias privada pertencente ao Grupo Estado, que publica o jornal O Estado
de S. Paulo.
215
O chat é uma página que reúne usuários conectados simultaneamente no mesmo serviço para troca de mensagens
em tempo real. Também conhecido como sala de “bate-papo” (FURGLER; FERREIRA, s.d., p.15).
189
por isso, passou a ampliar as aplicações gerenciais do sistema, tendo o foco os escritórios e
empresas.
Além do Brasil, o Minitel também foi implantado na Bélgica e Espanha. O ponto alto do
serviço se deu na metade dos anos 1990, com nove milhões de terminais instalados nos domicílios
franceses, com cerca de 25 milhões de usuários e 26 mil serviços oferecidos (SCHOFIELD, 2012).
Mesmo com o seu declínio ao longo dos anos, devido à concorrência com a Internet, o serviço
ainda trazia dinheiro para a France Telecom. De acordo com a operadora, em 2010, rendeu 30
milhões de euros. O Minitel saiu do ar na França em 2012, após 30 anos de funcionamento. Os
últimos 600 mil terminais estavam principalmente nas áreas rurais francesas. O Minitel morreu
provavelmente por ser uma plataforma fechada e centralizada, o oposto do caráter universal e
descentralizado da Internet.
O videotexto era “um meio de comunicação de massa individualizado” (PLAZA, 1986,
p.17) com grande potencial mercantil, mas tinha contra si a diversidade de padrões e o custo
relativamente alto dos decodificadores. Seu conteúdo competia diretamente com os jornais e
revistas, mas o principal rival do videotexto era a própria televisão. Quando o telespectador
acionava o sistema, ele simplesmente deixava de assistir à programação convencional. O fracasso
do videotexto, de certa forma, pode explicar o fiasco da TV digital interativa. Por mais que haja
inúmeros recursos de interatividade disponíveis, as emissoras utilizaram pouco essa tecnologia. O
raciocínio é simples: os canais de TV não querem criar distrações ou desviar a atenção do
telespectador.
Durante o auge do funcionamento do videotexto existiam correntes de pensamento que
enxergavam nesta tecnologia um perigoso mecanismo de controle capaz de determinar com
perfeição o perfil de hábitos e costumes do usuário por meio de dados de consumo, “uma espécie
de Big Brother informatizado” (ALMEIDA, 1988, p.93). Essas preocupações tornaram-se
realidade com as práticas de “datalização” (datalisation)216 dos rastros digitais217 deixados pelos
usuários na web.
216
Para a professora Marcia Lei Zeng, da Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação da Universidade de
Kent, nos Estados Unidos, a datalização é “a chave para que a enorme massa de conteúdos digitais possa ser organizada
de modo a ser encontrada, compartilhada e integrada com outras bases de dados” (LEITE, 2013).
217
Um rastro digital é o vestígio de uma ação realizada por um internauta no ciberespaço. A quantidade volumosa de
pegadas digitais tem feito a fortuna de empresas que vendem esses dados para fins comerciais e publicitários. O
monitoramento dos dados pessoais tem se tornado uma rotina dos sites, redes sociais e outras plataformas de conteúdo
190
A Internet é, na verdade, uma tecnologia antiga e teve muitos pais. Nasceu em pesquisas
militares dos EUA, no clímax da Guerra Fria, se desenvolveu em centros de tecnologia e
instituições acadêmicas até chegar ao cotidiano das pessoas. Nos anos de 1960, estudos acadêmicos
financiados pela Advanced Research Projects Agency (Arpa), uma agência de pesquisas ligada ao
Departamento de Defesa norte-americano, buscavam criar uma rede de computadores que ligasse
posições estratégicas do país, sem um comando centralizado.
Todos os pontos estariam interligados e teriam a mesma importância; os dados poderiam
trafegar em “fatias” dentro de “pacotes” de forma que, caso a rede fosse interrompida em algum
sítio, a informação chegaria ao seu destino mesmo assim. “O sistema de envio quebrava a
informação em peças codificadas, e o sistema receptor juntava-a novamente, depois de ter viajado
até seu destino. Esse foi o primeiro sistema de dados empacotados da história” (BRIGGS; BURKE,
2006, p.300)
A primeira versão da rede, a Arpanet (ou Rede da Agência de Projetos de Pesquisa
Avançada) surgiu em 1969 e ligava apenas quatro locais (três universidades e um instituto de
pesquisas). A criação do Network Control Protocol (NCP), primeiro protocolo218 servidor a
servidor, aprimorou a comunicação em linha. Em agosto de 1972 havia 30 pontos conectados e no
final de 1974 já eram 62.
na Internet. Imensas bases de dados sobre nossas preferências e modos de vida são cotidianamente monitoradas para
múltiplos propósitos: marketing, publicidade direcionada, comércio, entretenimento, desenvolvimento de produtos e
serviços, consultoria política, recrutamento de pessoal etc.
218
Protocolo é um conjunto de regras com o objetivo de possibilitar que equipamentos diferentes troquem informações
entre si.
191
219
Em 1962, o cientista russo Viktor Mikhailovich Glushkov propôs a criação de uma rede de computadores nacionais
de acesso remoto em tempo real, interligada por cabos de telefonia. O projeto OGAS, “Sistema Automatizado de Todo
Estado para o Recolhimento e Processamento de Informações para Contabilidade, Planejamento e Governança da
Economia Nacional, URSS” (o título já fala por si) abrangeria a maior parte do continente e teria estrutura piramidal
dividida em três níveis: um computador central em Moscou conectaria até 200 centros de computadores de nível médio
em cidades relevantes que, por sua vez, iria ligar até 20.000 computadores distribuídos em locais-chave da economia
russa. O projeto da rede teria um design descentralizado, em que qualquer usuário autorizado poderia entrar em contato
com outro usuário sem a necessidade de permissão direta do computador central. Para Glushkov, que era conhecido
por fazer citações de Marx de memória, a computação em rede poderia direcionar o país a uma era que o autor Francis
Spufford chamou mais tarde de "abundância vermelha", seria o início do "socialismo eletrônico". Mas o OGAS exigiria
muito dinheiro tinha como opositor do projeto o ministro das Finanças, Vasily Garbuzov. Sem financiamento e
supervisão estatal, o programa de rede nacional foi descartado pelo estado soviético nos anos 1970. A ironia desta
história é que as primeiras redes mundiais de computadores surgiram nos EUA graças a fundos governamentais e
ambientes de pesquisa colaborativos bem regulamentados. Ou seja, a Internet nasceu graças aos capitalistas que se
comportam como socialistas cooperativos, e não aos socialistas que se comportam como capitalistas competitivos
(PETERS, 2007).
192
com máquinas IBM. Burroughs, só com Burroughs, Fujitsu, só com Fujitsu” (SIQUEIRA, 2008,
p.127)
Em 1983 ficou definido que todos os computadores conectados ao Arpanet passariam a
utilizar o TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol), o protocolo de comunicação
usado entre computadores de arquiteturas totalmente diferentes. O TCP/IP “é uma coleção de
instruções que diz aos computadores conectados à Internet como as informações devem ser
trocadas para que os outros computadores possam ‘entendê-las’. É como se fosse a língua falada
por todos os computadores que fazem parte da rede” (ERCILIA; GRAEFF, 2008, p.13).
A National Science Foundation lançou em 1986 a NSFNet com o objetivo de fazer uma
rede internacional (International Network) de redes interconectadas (Interconnected Network).
Esta ‘rede de redes’ recebeu a denominação de “inter net”. A NSFNet usava o TCP/IP a uma
velocidade de 56 Kbps. Ela estimulou redes regionais nos Estados Unidos e montou uma estrutura
de conexões de Internet no país. No início dos anos 1990, os militares resolveram criar a sua própria
rede, a Milnet, e a Arpanet foi extinta. Nos anos seguintes, outros países aderiram à NSFNet, o que
fez crescer o interesse de quem estava fora das redes acadêmicas. “Assim, em 1991, a NSF permite
o uso da rede para fins comerciais e a partir de 1995 transfere sua estrutura para a iniciativa privada”
(OLIVEIRA, 2011, p.25).
Antes da Internet tornar-se aberta a todos, outras tecnologias surgiram para fortalecê-la,
como a World Wide Web (www), ou Teia de Alcance Mundial, criada pelo físico inglês Timothy
Berners-Lee e desenvolvida nos laboratórios do CERN220, na Suíça. Em seguida foram criados o
protocolo de transferência de hipertexto - o HTTP (HyperText Transfer Protocol); a linguagem de
marcação de hipertexto - o HTML (HyperText Mark-up Language); além da URL (Uniform
Resource Locator), que é o endereço que permite localizar um site na web.
O HTML é um código usado para criar documentos de hipertexto, onde o usuário pode
clicar numa palavra grifada em azul e abrir um novo link com o assunto a que se refere. Já o HTTP
é um protocolo para a troca ou transferência de hipertexto. Baseado no TCP/IP, é o conjunto de
regras de comunicação entre os computadores que faz funcionar a World Wide Web.
220
A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire),
conhecida como CERN (antigo acrônimo do francês para Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) é o maior
laboratório de física de partículas do mundo, localizado na Suíça, na fronteira com a França, perto de Genebra. Fundado
em 1954, foi uma das primeiras joint ventures da Europa e agora tem 22 estados membros (CERN, 2017).
193
Criado em 1993, o Mosaic foi o primeiro browser (programa de navegação) da web com
informações dispostas de forma gráfica, que depois originou o Netscape, o primeiro navegador
comercial, que difundiu a Internet mundialmente.
No campo da política, o empurrão que faltava para que a Internet penetrasse na
consciência dos norte-americanos veio no início dos anos 1990, quando o então candidato à
Presidência Bill Clinton decidiu usar em sua campanha a concepção de uma América conectada
por redes de educação e informação (ERCILIA; GRAEFF, 2008, p.14). O então senador Al Gore,
candidato à vice-presidente na chapa de Clinton, já promovia há anos, no Congresso, a ideia de que
as telecomunicações de alta velocidade seriam um motor para o crescimento econômico e para a
melhoria do sistema educacional.
Al Gore, cujo pai, patrocinou a Federal Aid Highway (lei federal de ajuda às estradas), de
1956, comparou o desenvolvimento da Internet com a abertura de autoestradas interestaduais por
todo o país, chamando a nova rede de “super estrada da informação” (information superhighway).
Bill Gates221, no livro A Estrada do Futuro (1995), diverge da metáfora da autoestrada, porque o
termo “sugere paisagens e situação geográfica, uma distância entre vários pontos, implica a ideia
de que é preciso viajar para ir de um lugar para outro”, enquanto que a nova tecnologia das
comunicações justamente “elimina as distâncias”. O termo estrada sugere ainda que todo mundo
está conduzindo um veículo na mesma direção e a Internet é exatamente o contrário disso. “Se
parece mais com uma porção de estradas vicinais, onde todo mundo pode olhar para o que bem
entender ou fazer aquilo que seus interesses particulares determinarem” (GATES, 1995, p.16-17).
Em apenas uma década, a rede mundial de computadores cresceu num ritmo
surpreendente. De acordo com a ITU - International Telecommunication Union222, de 1992 a 2001,
a Internet expandiu de sete para cerca de 501 milhões de usuários espalhados pelo mundo. Apesar
da baixa taxa de penetração no período, praticamente todos os países (95% deles) dispunham de
conexão on-line (gráfico 10).
221
Segundo Bill Gates “o termo autoestrada implica também na ideia de que talvez devesse ser construída pelo poder
público, o que na minha opinião seria um grave erro na maioria dos países. Mas o grande problema mesmo é que a
metáfora salienta a infraestrutura do empreendimento não suas aplicações” (GATES, 1995, p.17).
222
ITU ou UIT (União Internacional de Telecomunicações), em português, é a principal agência das Nações Unidas
para as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Está sediada em Genebra, na Suíça, e sua composição
inclui 191 Estados Membros e mais de 700 membros e associados do setor. Sua principal missão é levar os benefícios
das TICs a todos os habitantes do mundo (ITU, 2017).
194
De acordo com o estudo “ICT Facts and Figures 2016” da União Internacional de
Telecomunicações, mais da metade da população mundial – 53% ou 3,9 bilhões de pessoas – não
tem acesso à Internet. Nas Américas e nas regiões da CEI223, cerca de um terço da população está
offline. Enquanto quase 75% das pessoas na África são não-usuários, apenas 21% dos europeus
estão desconectados. Na Ásia & Pacífico e nos Estados Árabes, a percentagem da população que
não utiliza a Internet é muito semelhante: 58,1 e 58,4%, respectivamente (ilustração 57).
O acesso à Internet pode assinalar a diferença entre exclusão social e igualdade de
oportunidades. Conforme o relatório “A Situação Mundial da Infância 2016” da Unicef (Fundo das
Nações Unidas para a Infância), se não forem adotadas soluções para disseminação da web, a
disparidade existente entre as nações mais desenvolvidos e os países em desenvolvimento crescerá
consideravelmente. Se observado o público de 15 a 24 anos, 60% dos jovens africanos não têm
acesso à rede, enquanto que apenas 4% dos jovens europeus estão nesta condição (UNICEF, 2016).
O relatório também mostra que:
• Em nível global, os jovens com idade entre 15 e 24 anos são o grupo mais conectado. Desse
grupo, 71% têm o hábito de acessar a Internet, contra 48% da população total.
• Um terço dos menores de 18 anos acessa a Internet no mundo.
• 29% dos jovens entre 15 e 24 anos (346 milhões de pessoas) não têm acesso à Internet.
Nicholas Negroponte, no livro A Vida Digital (1995, p.159), já vislumbrava o que hoje se
tornou um fato: “a comunidade de usuários da Internet vai ocupar o centro da vida cotidiana. Sua
demografia vai ficar cada vez mais parecida com a do próprio mundo”. Cada vez mais conectados
à Internet, a multiplicação de dispositivos em rede nos colocou na Era do Zettabyte. De acordo
com relatório de junho de 2017, da Cisco, líder mundial em TI e redes, o tráfego global de IP em
223
A Comunidade dos Estados Independentes (CEI) é uma organização intergovernamental criada em 1991 e composta
por 11 das 15 países que formavam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Atualmente os países
integrantes da CEI são: Armênia, Azerbaijão, Belarus, Cazaquistão, Moldávia, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão,
Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão. A sede do comitê executivo da CEI é localizada em Minsk, capital da
Bielorrússia.
196
2016 foi de 1,2 ZB (zettabyte) ou 96 EB (exabyte) por mês224. A circulação de dados na Internet
deve triplicar ao longo dos próximos 5 anos, chegando a 3,3 ZB por ano até 2021.
Velocidades maiores são necessárias para acompanhar o crescimento do consumo. Se há
20 anos ficávamos estupefatos com a comunicação de dados à velocidade de 9,6 quilobits por
segundo (Kbps), hoje, as transmissões entre corporações podem alcançar centenas de gigabits por
segundo (Gbps). A velocidade média da banda larga fixa global deve passar dos atuais 27,5 Mbps
para 53 Mbps em 2021 (CISCO, 2017, p.2). E a propensão é só aumentar: durante uma conferência
nos Estados Unidos, em 2014, um grupo especializado em comunicações óticas de alta velocidade
da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU) usou um tipo especial de fibra óptica e conseguiu
atingir a incrível velocidade de 43 terabits por segundo (Tbps) de um único laser. Essa velocidade
seria o suficiente para transferir 215 filmes em alta definição entre dois computadores, em apenas
um segundo.
224
1 EB (exabyte) equivale 1.000.000.000.000.000.000 Bytes enquanto que 1 ZB (zettabyte) corresponde a
1.000.000.000.000.000.000.000 (1021) Bytes. A título de comparação, 1 exabyte de dados equivale a 36 mil horas de
vídeo em HD.
225
Fontes: ICT Development Index 2017 e ICT Facts and Figures 2017. Disponível em: <http://www.itu.int/en/ITU-
D/Statistics/Pages/stat/default.aspx>; <https://www.itu.int/net4/ITU-D/idi/2017/index.html#idi2017economycard-
tab&AFG> Ranking IDI; <https://www.itu.int/net4/ITU-D/idi/2017/#idi2017economycard-tab&BRA> Índice IDI
Brasil.
197
O estudo da Cisco também prevê que número de dispositivos conectados a redes IP será
mais do que três vezes a população mundial em 2021, com 3,5 equipamentos per capita ou 27,1
bilhões de dispositivos em rede, índice superior aos atuais 2,3 aparelhos por habitante em rede ou
17,1 bilhões de dispositivos.
No gráfico 11 é possível notar que o crescimento na quantidade de equipamentos
conectados tem sido puxado pelas assinaturas de telefonia móvel. Estima-se que atualmente haja
mais de 7 bilhões de assinaturas de celulares no mundo. Conforme o “ITU ICT Development
Index” (IDI), entre as tecnologias analisadas, as subscrições de telefone celular apresentam a maior
taxa de desenvolvimento, saltando de 15,5 assinaturas por 100 habitantes, em 2001, para 103,5 em
2017. O número de usuários individuais de Internet também obteve enorme expansão passando de
oito para 48 indivíduos no mesmo período.
A densidade populacional da subscrição de banda larga fixa evoluiu de 0,6, em 2001, para
13,1 em 2017. Já as assinaturas ativas de banda larga móvel ampliaram de quatro subscrições em
cada grupo de 100 pessoas, em 2007, para 56,4, em 2017. Com o barateamento dos dispositivos
móveis, os números da telefonia fixa (STFC) são os únicos que caíram, de 16,6 assinaturas, em
2001, para apenas 13, em 2017 (ITU, 2017).
Em relação ao índice de desenvolvimento das tecnologias da informação e das
telecomunicações, ao analisarmos especificamente o Brasil, percebe-se que o desempenho do país
melhorou ao subir duas colocações no índice global, de 67º lugar em 2016 para 66º em 2017, de
acordo com o ranking IDI.
A porcentagem de usuários individuais da Internet disparou de 2,87%, em 2001, para
59,68%, em 2016 (gráfico 12). Esse número é semelhante ao de outras fontes, como a “Pesquisa
Nacional de Amostra por Domicílios” (PNAD CONTÍNUA 2016), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, que registra 63,6% dos domicílios brasileiros com acesso à
Internet. Esses saltos numéricos na disseminação das tecnologias não são uniformes e dependem
de razões políticas e mercadológicas.
Os fatores do sucesso da Internet rápida variam de país para país e incluem a concorrência
de diferentes plataformas, como modem a cabo, DSL (linha de assinante digital), fibra óptica e
wireless (conexão sem fios); desenvolvimento de tecnologias e aplicativos de banda larga, além de
preços acessíveis, como pacotes de taxa fixa. Já os motivos que podem atrapalhar a implantação
198
de banda larga incluem monopólios e baixos níveis de concorrência, propriedade cruzada entre
redes de telefonia e TV a cabo e limites de dados para pacotes com preços fixos.
58,33 59,68
60 54,55
51,04
48,56
50 45,69
39,22 40,65
40
33,83
30,88
28,18
30
21,02
19,07
20
13,21
9,15
10 4,53
2,87
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Em %
Vimos que a Internet e a banda larga têm avançado a passos largos, mas a grande
proporção de pessoas sem conexão ainda é um enorme obstáculo para a expansão das plataformas
de vídeo sob demanda, como a Netflix, Amazon Prime Video ou Globoplay. Com a potencial
universalização do acesso à rede e à banda larga (que pode demorar décadas, dependendo da
situação política e/ou economia de cada país), a tendência para o futuro é que haja mudanças
significativas na maneira de se consumir conteúdos audiovisuais.
Tão importante quanto a disseminação da banda larga é a manutenção da neutralidade de
rede. Em janeiro de 2017, o presidente Donald Trump nomeou Ajit Pai como presidente da
Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos (FCC), um crítico aberto da legislação
que garantia a neutralidade da Internet. Em 14 de dezembro de 2017, numa votação apertada com
3 votos a 2, a FCC revogou a “Ordem da Internet Aberta de 2015” (2015 Open Internet Order) que
226
Fonte: The World Bank: International Telecommunication Union, World Telecommunication/ICT Development
Report and database <https://data.worldbank.org/indicator/IT.NET.USER.ZS?locations=BR&view=chart> Acesso
em: 26 jul. 2017.
199
enquadrava a Internet como um serviço de utilidade pública, como água ou telefonia, e decidiu que
a banda larga fixa voltasse a ser classificada como “serviço de informação” e a Internet móvel, como “serviço
de interconexão”. Classificadas dessa forma, as duas modalidades de conexão saem da esfera da FCC e passam
a poder ser comercializadas de acordo com os interesses do mercado227.
As empresas de telecomunicações foram favoráveis à decisão, já as companhias que usam
a web para entregar conteúdo foram contra. “A neutralidade das redes também poderia desencorajar
os provedores de banda larga a investir em novos serviços de banda larga de alta velocidade e
impedi-los de gerenciar suas redes de forma mais eficiente” (FILHO; CASTRO, 2008, p.153).
Criada durante o mandato do democrata Barak Obama, a “Ordem da Internet Aberta de 2015”
proibia os provedores de serviços de Internet de bloquear qualquer conteúdo ou priorizar um site
em detrimento a outro, e também impedia a cobrança por serviços prioritários. A interrupção ou
limitação do acesso só poderia ser feita por falta de pagamento ou quando o pacote de dados chegasse ao fim.
227
O fim da neutralidade de rede é o ponto mais alto da série de flexibilizações regulatórias que a FCC vem fazendo durante a
gestão de Donald Trump na Casa Branca. A comissão já havia abrandado regras que impediam a concentração de rádios e estações de
TVs para um mesmo concessionário, além de limitar um programa que subsidiava o acesso à banda larga para a população de baixa
renda.
228
Fonte: <https://www.statista.com/chart/7755/media-companies-owned-by-broadband-providers/> Acesso em: 25
jan. 2017.
200
cofundadores ao zoológico de San Diego. No vídeo, Karim apenas diz onde está e fala que os
elefantes são animais legais. Mesmo sem ter intenção, o YouTube já mostrava o seu enorme
potencial com a hospedagem de qualquer tipo de vídeo, seja amador ou profissional.
2005 2017
Por ser gratuito, havia limites para o tamanho do material na postagem. O YouTube não
aceitava vídeo maiores que 100 megabytes - cerca de 30 segundos de gravação da câmera analógica
ou 10 minutos de vídeo de uma câmera digital. Isso diferia dos sites pagos de assinatura de vídeo,
como Phanfare (US$ 6,95 mensais) e Streamload (a partir de US$ 4,95 mensais), que ofereciam
usos expandidos ou até ilimitados, atendendo principalmente aos usuários de filmadoras
(GRAHAM, 2005).
Em janeiro de 2005, o Google havia criado o Google Video (video.google.com), uma
página de busca que possibilitava encontrar vídeos hospedados na web. O site também
disponibilizava espaço para vídeos domésticos de consumidores, embora também tenha feito
acordos com Hollywood e produtoras independentes para disponibilizar conteúdo profissional.
Postar vídeos pessoais no Google Video exigia doses de paciência: primeiramente os
usuários deveriam baixar o software de transferência, carregar o vídeo e preencher uma série de
dados, incluindo o título, a descrição e o gênero do vídeo. O Google ainda tinha que aprovar o
conteúdo do vídeo, o que pode levar algumas horas ou dias. O YouTube era mais prático: os
usuários faziam o login, digitavam o título e a descrição, e subiam o vídeo instantaneamente.
229
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jNQXAC9IVRw> Acesso em: 17 nov.
2017.
202
65 mil novos vídeos, sendo que, em junho, 2,5 bilhões de vídeos foram assistidos no YouTube230
(AGÊNCIA ESTADO, 2006).
Eleito pela revista Time231 “a melhor invenção de 2006” e, com o número de usuários em
crescimento, o website passou a entrar na mira das grandes empresas. Em novembro de 2006, com
apenas um ano de funcionamento, o Google comprou o YouTube por US$1,65 bilhão, o que causou
espanto na época, visto que poucos compreendiam a razão de se investir tanto dinheiro em um sítio
eletrônico de vídeos caseiros232.
O Google Vídeo era a plataforma oficial do site de pesquisas, porém não alcançava nem
10% no mercado, enquanto o YouTube tinha mais de 46% de participação (CARPANEZ, 2006).
Na verdade, o plano do Google ia bem mais além do que se imaginava: tornar-se uma espécie de
rede de TV na Internet, oferecendo vídeos pessoais que podiam ser compartilhados e programas de
TV que podiam ser adquiridos.
Em 2006, a indústria da publicidade na televisão alcançava US$ 67 bilhões e já
apresentava sinais de declínio, com perda de audiência para novas formas de entretenimento
eletrônico, como videogames e a Internet (SCHLITTLER, 2011, p.48). A indústria da publicidade
sentiu-se ameaçada pela popularização dos gravadores digitais de vídeo, em substituição aos
videocassetes, que permitiam aos telespectadores assistir aos programas sem a interrupção
comercial. O Google Video deixou de aceitar uploads em 2009, mas continuou no ar funcionando
como indexador de vídeos de outros sites. O serviço foi descontinuado três anos depois.
230
Mesmo com tantos acessos, o YouTube não tinha uma estratégia clara para conseguir lucrar com o seu sucesso:
uma tentativa era a inserção de mensagens publicitárias (banners e pop-ups) sobre alguns vídeos.
231
Segundo a Time, “o serviço criou uma nova forma para milhões de pessoas se entreterem, se educarem e se
chocarem de uma maneira como nunca foi vista”, chamando a atenção para o poder do site em transformar anônimos
em famosos. Aos poucos, os próprios internautas foram ditando os caminhos do YouTube, que podia ir muito além de
vídeos caseiros de curta duração como o de Karim. Para a revista, o YouTube conseguiu participar de três revoluções
na Internet: “Primeiro, a transformação da produção de vídeos, possibilitada pela popularização das câmeras digitais
(presentes em telefones celulares) e software de fácil uso. Segundo, a força que deu à chamada Web 2.0 – uma
tendência definida pela maior participação dos internautas na produção de conteúdo on-line. Terceiro, pela revolução
cultural que permite a qualquer pessoa do mundo divulgar na web, sem censura, o conteúdo que produziu” (G1, 2006b).
232
A responsável pela compra do YouTube pelo Google foi Susan Wojcicki, a funcionária mais antiga da empresa que
hoje é CEO do YouTube (FORBES, 2017). No ano de 2015, durante uma convenção, ela afirmou que apoiou a compra
das ações do site após assistir um vídeo amador de dois garotos chineses dublando a música As Long As You Love Me,
do grupo Backstreet Boys, enquanto que seu companheiro de quarto fazia lição de casa ao fundo. “Esse foi o vídeo
que me fez perceber que ‘Uau, pessoas de todo o mundo podem criar conteúdo e não precisam estar em um estúdio’”,
disse Wojcicki (CARSON, 2015).
204
Gaming233, jogo de realidade alternativa onde os usuários experimentam um certo nível de controle
sobre os personagens, fazendo parte de uma história de mistério, com pistas escondidas, gerando
engajamento do usuário. Um ARG é um jogo que, deliberadamente, torna quase que imperceptível
a linha entre a ficção e a realidade (SZULBORSKI, 2005, p.1-17).
Uma das singularidades do YouTube é a capacidade dos usuários de visualizar imagens
brutas que não são editadas ou postadas por uma grande empresa de mídia ou agência de
notícias. Muitos vídeos de conteúdo informativo no YouTube são dessa natureza.
Seja com vídeos caseiros, virais de empresas ou produções profissionais, o YouTube se
fortaleceu ao encontrar no codec do Flash o recurso para tornar-se uma plataforma audiovisual na
web. Assim, “qualquer que fosse o formato de vídeo enviado para o site, ele seria recomprimido
de modo que pudesse ser visto na grande maioria dos browsers [navegadores] para web, ajudando
a qualidade para se assistir ao vídeo em tempo real, mesmo em conexões mais lentas”
(SCHLITTLER, 2011, p.48).
Desde novembro de 2009, é possível assistir a vídeos em alta definição no YouTube. O
modo HD do YouTube passou a adicionar o suporte para a visualização de vídeos em 720p ou
1080p, dependendo da resolução da fonte original, acima da reprodução de 720p na época. Os
vídeos nessa resolução passaram a ser exibidos no formato expandido no player e receberam o selo
YouTube HD no canto inferior direito. Durante a exibição, no modo automático, o YouTube ajusta
a qualidade do streaming de vídeo desde a definição padrão (como 240p ou 360p) até alta definição
(720p ou 1080p), com base na velocidade da conexão com a Internet. É por isso que o usuário pode
perceber que a qualidade do vídeo muda durante a reprodução.
O streaming é a tecnologia para transferência de dados que faz com que o arquivo
transmitido seja executado à medida que vai sendo baixado. Termo derivado da palavra inglesa
stream, que em português significa “corrente”, “fluxo contínuo”, na Internet é aplicado ao áudio e
vídeo (PIZZOTTI, 2003, p.243-244). Normalmente, quando o usuário acessa um conteúdo
audiovisual na rede, é necessário esperar pelo download total do arquivo requisitado antes de poder
233
A opção de ver vídeos em alta definição no YouTube existe desde 2008 e exigia a conversão dos arquivos enviados
para o site. Todo esse processo foi facilitado a partir do acordo que a empresa fechou com a Apple, em 2007, para a
exibição de vídeos em um formato aceito pelo iPhone e Apple TV, com o codec H.264.
206
visualizá-lo. Com o streaming, ele não precisa esperar. Os dados multimídia chegam em um fluxo
contínuo, fazem um buffer234 rápido antes de iniciar a reprodução e, em seguida, são descartados.
O live streaming (transmissão ao vivo de dados) é uma ferramenta que possibilita que
pessoas acompanhem ao vivo um determinado evento pela Internet, mesmo estando à distância.
Esta tecnologia é bastante utilizada por empresas, para a realização de vídeo conferências. Já o
streaming on-demand é a transmissão de um conteúdo de áudio e/ou vídeo pela Internet, após ter
sido previamente gravado, que pode ser acessado a qualquer momento, e de qualquer lugar com
conexão de rede.
A partir de 2008, com suporte de empresas terceirizadas, o “YouTube Live” deu início às
transmissões ao vivo 235 (live streaming), com os shows das bandas U2, Arcade Fire, Bon Jovi e
dos artistas como Alicia Keys e John Legend, partidas de cricket na Índia (Indian Premier League)
e os discursos do presidente norte-americano, Barack Obama. A primeira transmissão para a
América Latina ocorreu em 30 de novembro de 2010, com um show de música sertaneja realizado
em São Paulo. O “YouTube Sertanejo Live” foi uma parceria entre o Google, a Skol e a Day 1
Entertainment, e reuniu convidados como Bruno & Marrone, Victor & Leo, João Bosco & Vinícius,
Luan Santana e Michel Teló (MARTINS, 2010).
O YouTube, no entanto, não foi a primeira empresa da Internet a trabalhar com
transmissões ao vivo. Startups como Ustream.tv, Justin.tv e Livestream, incluindo transmissões
piratas de pay-per-view, já ofereciam o serviço. De acordo com a comScore, em julho de 2010, a
Ustream era a líder do mercado de live video, com 3,2 milhões de viewers individuais (COYLE,
2010). A popularização do serviço, entretanto, só veio com a evolução nas estruturas de hardware
e maior largura banda na conexão de Internet.
O ano de 2012 foi importante para a plataforma aperfeiçoar suas ferramentas de
transmissão ao vivo. Durante os Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, os usuários dos Estados
234
Buffer é a área de memória de armazenamento temporário, utilizado em computadores para compensar as diferenças
nas taxas de fluxo de dados entre dois dispositivos (PIZZOTTI, 2003, p.52).
235
Em 12 de setembro de 2010, o YouTube anunciou o teste de uma nova plataforma de transmissão ao vivo. Em
conjunto com quatro parceiros, Howcast, Netx NewNetworks, Rocktboom e Young Hollywood, esta nova plataforma
integrava streaming ao vivo diretamente nos canais do YouTube. Tudo o que as emissoras precisavam era de uma
webcam ou de uma câmera USB/FireWire externa. Incluído no teste estava o módulo "Comentários em tempo real",
que permite que o usuário se envolva com o canal e com a comunidade do YouTube. Para o propósito do teste, esta
oferta só ficou disponível por dois dias. Com base nos resultados desse teste inicial, foram avaliados a implantação da
plataforma de forma mais ampla para outros parceiros da empresa em todo o mundo (SIEGEL; HAMILTON, 2010).
207
Unidos e de mais 64 países assistiram a 231 milhões de streams das competições esportivas. Destes,
72 milhões vieram do canal do YouTube do COI (Comitê Olímpico Internacional), enquanto que
o site da NBC (NBCOlympics.com), com cobertura on-line do YouTube, somou 159 milhões. Nos
momentos de pico, o consumo de vídeos chegou a 500 mil streams simultâneos. Pouco mais de um
terço dos acessos (37%) aos canais de transmissão dos Jogos, saíram de aparelhos móveis e mais
de 50% do conteúdo foi reproduzido em alta definição (HD). De acordo com a página oficial, a
qualidade de vídeo durante as transmissões ao vivo nas Olimpíadas foi “melhor do que nunca, com
uma melhoria de sete vezes na qualidade” (OFFICIAL BLOG, 2012).
O êxito das transmissões on-line da NBC com o YouTube contrasta com as críticas que a
emissora recebeu por não exibir boa parte das competições nos Estados Unidos. Durante a
Olimpíada, a emissora teve que suportar reclamações de usuários nas redes sociais por conta disso.
Mas quem recorreu à Internet teve acesso a material exclusivo que a televisão não mostrou.
Entre as transmissões em real time do YouTube, o momento que mais reuniu usuários
simultaneamente foi o salto de paraquedas de Felix Baumgartner realizado a partir da estratosfera,
a uma altura de 39 km. Durante a queda livre de 4 minutos e 20 segundos antes da abertura do
paraquedas, Baumgartner foi a primeira pessoa a quebrar a barreira do som atingindo o ponto
máximo de 1.342 km/h de velocidade. O salto exigiu um conjunto de dispositivos de alta tecnologia
de comunicação. A cápsula do balão estratosférico estava equipada com nove câmeras HD e três
câmeras 4K (ilustração 60). O traje de Baumgartner continha três câmeras HD, uma em cada coxa
e uma em seu peito.
236
Fonte: ExtremeTech. Imagens disponíveis em: <https://www.extremetech.com/extreme/137521-the-tech-behind-
felix-baumgartners-stratospheric-skydive> Acesso em: 17 nov. 2017.
208
Por causa da altitude, os componentes eletrônicos da cápsula tiveram que ser alojados em
compartimentos pressurizados. Todas as câmeras eram controladas remotamente do solo e foram
necessários três canais inteiros de micro-ondas para transmitir o vídeo durante o voo. Vários
telescópios e lentes zoom de alta potência foram montados em um pedestal motorizado de quatro
toneladas para manter as antenas de transmissão focadas no alvo. Mais de 8 milhões de pessoas
acompanharam ao vivo pelo YouTube a empreitada patrocinada pela Red Bull (CARDINAL,
2012).
Nesse período, o YouTube executou uma alteração relevante para os seus usuários e
produtores de conteúdo. Até então, o algoritmo incumbido por indicar vídeos relacionados aos que
os usuários estavam assistindo era com base no número de cliques. Agora, as recomendações são
baseadas no tempo em que uma pessoa permanece no vídeo. Ou seja, não importa se você tem
milhares de views. Se as pessoas não gostarem do seu vídeo elas podem fechá-lo antes mesmo do
término. “Porém, há uma ressalva: não é feita uma análise proporcional. Um vídeo de 30 segundos
que tem 25, como média de visualizações, vai ser menos recomendado do que um de 4 minutos
que tenha média de 28 segundos”, explica Thiago Barros (2012).
Em 2015, o YouTube trouxe outras novidades como o YouTube Kids, uma plataforma
audiovisual diferenciada e pensada especificamente para o público infantil, sem anúncios pagos. A
página trabalha com algoritmos para filtrar o conteúdo e oferece ferramentas para controle parental.
Outro público cativo do YouTube são os amantes de videogames. Em todo mundo, dos 100 maiores
canais do site, mais de 20 são relacionados a jogos eletrônicos. Já nos Estados Unidos, dos dez
canais mais visitados, seis são relativos a games (RAMDURAI, 2015). Um dos mais acessados é
o PewDiePie237, com mais de 62,2 milhões de assinaturas – quase toda a população do Reino Unido,
com 64,5 milhões de habitantes (COUNTRYMETERS, 2015).
237
O sueco Felix Avrid Ulf Kjellberg, mais conhecido como PewDiePie, ficou dois anos seguidos no topo da lista
entre os “youtubers” mais bem pagos do mundo, em 2015 e 2016, de acordo com a revista Forbes. PewDie, sozinho,
faturou US$ 15 milhões (R$ 51 mi) em 2016, 20% a mais que o ano anterior. Mas essa quantia não vem apenas do seu
canal no YouTube. Conforme ressalta a Fortune, Felix também ganhou bastante dinheiro com uma série no YouTube
Red, com seu livro, “Este Livro Te Ama”, que vendeu 112 mil cópias no período analisado além de receitas de
publicidade de vídeo, patrocínios e aparições públicas. Em 2017, a Disney rompeu o contrato com Kjellberg após ele
ter postado vários vídeos que continham piadas anti-semitas e com referências nazistas. PewDiePie era, desde 2012,
um dos contratados da Maker Studios, empresa comprada pela Disney que promove, produz e distribui vídeos de
“youtubers” famosos que atraem bilhões de visualizações mensalmente (PEREIRA, 2016). Em 2017, PewDiePie caiu
para o 6º lugar no ranking. No topo da lista está o britânico Daniel Middleton com o seu canal de jogos DanTDM, com
28,7 milhões de inscritos. Nos doze meses encerrados em 1º de junho de 2017, a Fobes estima que Middleton teve
ganhos de US$ 16,5 milhões (R$ 55,7 mi) (ARMSTRONG, 2017).
209
Por causa disso, em 2015, a empresa lançou o YouTube Gaming, voltado para o público
que consome vídeos relativos aos videogames. Gautam Ramdurai, na página oficial think with
Google, justifica a importância econômica238 desse setor:
238
Em números atualizados, a indústria de games já fatura mundialmente quase US$ 110 bilhões. No YouTube, já são
mais de 56 milhões de consumidores de conteúdo de games on-line. Os dados são do estudo “YouTube Insights 2017”,
segunda edição do levantamento que reúne os principais dados da plataforma (PACETE 2017).
239
Fonte: YouTube Red. Imagens disponíveis em: <https://www.youtube.com/red?hl=pt&gl=BR> Acesso em: 18 nov.
2017.
210
Em 28 de outubro de 2015, foi lançado nos Estados Unidos o YouTube Red, versão paga
sem anúncios e com conteúdo exclusivo. Funcionando como uma assinatura premium, o YouTube
Red possibilita salvar vídeos ou músicas para vê-los off-line, além permitir a reprodução em
segundo plano (o usuário pode manter vídeos ou músicas em reprodução enquanto usa outros
aplicativos ou com a tela desligada). O assinante também tem acesso sem custo adicional ao
YouTube Gaming e ao YouTube Music240. Outro diferencial é o conteúdo exclusivo de filmes,
programas e séries, com protagonistas que se tornaram destaque na própria plataforma. No
lançamento, a assinatura do YouTube Red custava US$ 9,99 nas versões para Android, desktop ou
web mobile, e US$ 12,99 na versão para iOS do iPhone. Os usuários têm acesso ao primeiro mês
gratuito.
O YouTube gera a maior parte de suas receitas por meio de publicidade, em banners, pop-
ups e filmes comerciais exibidos nos vídeos populares e nos canais parceiros. Para Robert Kyncl241,
chefe de negócios do YouTube, a empresa vive, assim como os jornais impressos, o desafio de
oferecer conteúdo gratuito e, ao mesmo tempo, atrair usuários dispostos a pagar (AGOSTINI,
2015). Quando perguntado por que as pessoas pagariam por algo que estão habituadas a ter de
graça, ele responde:
240
Lançado em novembro de 2015, com o objetivo de enfrentar o Spotify, Deezer e Apple Music, o YouTube Music
é um aplicativo de streaming, para Android ou iOS, criado para os usuários que utilizam o YouTube como a sua
principal fonte para ouvir música. Entre os diferenciais do YouTube Music está a possibilidade de o usuário mudar um
vídeo para a opção “apenas áudio”, liberando a reprodução de faixas em segundo plano enquanto ele pode acessar
outros aplicativos no smartphone. Com a ajuda do recurso “My Mix”, uma espécie de lista diária que procura artistas
e álbuns que possam agradar o usuário, é possível descobrir novos conteúdos. Ele poderá encontrar shows, clipes,
remixes, vídeos com letras e até “covers” do mesmo áudio. Faixas individuais podem ser usadas como fontes para
gerar novas listas, com controles do grau de variedade. A versão básica é totalmente gratuita, mas conta com
propagandas por toda a interface. Para ter uma experiência mais “limpa” o usuário terá que assinar o YouTube Red.
Essa não foi a primeira vez que o YouTube resolveu investir em um conteúdo pago. Um ano antes a companhia tentou
lançar o Music Key, que era um streaming de música e custava US$ 7,99, mas que nunca chegou a sair da versão beta
(JESUS, 2015).
241
Depois de sete anos como vice-presidente de conteúdo na Netflix, Robert Kyncl ganhou notoriedade ao ajudar a
plataforma a migrar do aluguel de DVDs para o streaming de vídeos. Ele é bacharel em relações internacionais pela
State University of New York; MBA pela Pepperdine University. Kyncl ingressou no YouTube em 2010 e atualmente
é um dos principais arquitetos da mudança na indústria do entretenimento.
211
Quando o YouTube Red é comparado à Netflix, Robert Kyncl rebate afirmando que cada
passo dado ao longo dos últimos anos é completamente o oposto do que a Netflix está fazendo. A
diferença entre ambas está no conteúdo produzido 242. Além disso, o YouTube tem algo difícil de
ser copiado pela concorrência: milhões de pessoas dispostas a postar conteúdo gratuitamente na
esperança de ficar famosos.
Richard Raddon, fundador e diretor executivo da Zefr, uma empresa que ajuda
anunciantes a segmentar anúncios audiovisuais, diz que a cobrança de assinaturas pode dar mais
flexibilidade à plataforma de vídeos do Google: “Seria mais fácil para o YouTube se tornar Netflix,
que para a Netflix para se tornar o YouTube” (YOUTUBE RED, 2015).
Hoje o YouTube é a principal e maior plataforma para a veiculação de vídeos on-line no
mundo. São mais de um bilhão de usuários que se conectam ao site para consumir vídeos. Isso
representa quase um terço dos usuários da Internet no todo, gerando bilhões de visualizações nos
mais diversos registros audiovisuais disponíveis na plataforma (YOUTUBE, 2017). O vídeo com
maior visualização da história do website é o clipe da música “Despacito” (Luis Fonsi ft. Daddy
Yankee), com 4,83 bilhões de views, em fevereiro de 2018.
O YouTube é o segundo maior buscador da Internet, atrás apenas do Google. Atualmente
atinge mais adultos de 18 a 49 anos que qualquer canal de TV a cabo nos EUA. Ainda de acordo
com os dados do blog oficial, mais da metade das visualizações do YouTube são feitas em
dispositivos móveis. O site já lançou versões locais em mais de 88 países, sendo possível navegar
em um total de 76 idiomas diferentes, o que abrange 95% dos usuários da Internet.
Em relação à quantidade de internautas do YouTube, no primeiro trimestre de 2016 os
Estados Unidos ficaram em primeiro lugar, com mais de 167 milhões de usuários ativos mensais. O
242
O foco das produções exclusivas para assinantes está nos jovens que compõem a maior parte de sua audiência,
como por exemplo, a série “Scare Pewdiepie”, em que o ‘youtuber’ PewDiePie é assustado de formas variadas e todas
inspiradas pelos games favoritos dele. “Sing it!”, criada pela dupla Fine Brothers e Mandeville Films, é uma comédia
roteirizada que satiriza as competições de canto. No reality show “Untitled Joey Graceffa Project”, Joey Graceffa reúne
um grupo dos melhores “youtubers” para um mistério de assassinato. Eles formarão alianças para sobreviver, mas
pouco sabem que a maioria não conseguirá sobreviver. Em “360 Project from MatPat da Game Theory”, o educador
MatPat convida o público a participar de uma inovadora série e experiência em 360 VR (realidade virtual). Em cada
episódio, Matt explora a ciência da vida real por trás de videogames populares, colocando os jogadores nos cenários
de alto risco que eles jogam todos os dias (DANIELS, 2015).
212
Brasil ocupou o segundo lugar, com quase 70 milhões de usuários no YouTube, seguido pela
Rússia, com 47,4 milhões de usuários ativos por mês. O número de usuários globais do YouTube
cresceu 9,2% em 2017 em comparação com o ano anterior. A previsão é que o número de usuários
deve crescer para 1,86 bilhão de usuários globais do YouTube em 2021 (STATISTA, 2018a).
O aumento do uso de smartphones e outros dispositivos móveis também ajudou a
aumentar o consumo de vídeos digitais. Em fevereiro de 2017, o YouTube foi classificado como o
aplicativo de música e vídeo para celular mais popular dos Estados Unidos, com um alcance de
62% do público-alvo. Cerca de 68% da população estadunidense já utilizou a plataforma para
assistir a videoclipes ou ouvir música 243 – esta parcela aumenta para 91% entre os 12 e os 24 anos
(STATISTA, 2017).
O estudo “YouTube Insights 2017” mostra um crescimento no número de usuários
brasileiros, atingindo a marca de 98 milhões por mês. Para Juliana Simão, Product Marketing
Manager do Google, o crescimento no país é relacionado com a escassez de conteúdo local.
A pesquisa ainda indica que 96% dos jovens entre 18 e 34 anos acessam o YouTube. Outros
dados mostram que 46% dos usuários acreditam que o vídeo tem que ser relevante, 30% esperam
um conteúdo autêntico, 47% buscam novidades e 68% gostam de ver propaganda desde que ela
seja curta e que tenha relação com o tema do vídeo (PACETE, 2017a).
No mercado de transmissões ao vivo (live streaming), em fevereiro de 2017, o YouTube
era a segunda plataforma mais usada, com 16% de participação (gráfico 13), com uma diferença
mínima entre o primeiro lugar, o Facebook Live, com 17% (RICHTER, 2017a).
Em 2015, diante de um contexto de ampla penetração dos smartphones e da banda larga
fixa e móvel, o Meerkat foi o primeiro aplicativo de transmissão ao vivo lançado como “a sensação
243
Em relação aos direitos autorais, desde julho de 2015, há mais de 8 mil parceiros da empresa usando o Content ID,
incluindo emissoras de TV, estúdios de cinema e gravadoras de música, que reivindicaram mais de 400 milhões de
vídeos. Isso os ajuda a controlar o conteúdo na plataforma e a gerar receita a partir de vídeos com direitos autorais.
Desde julho de 2016, o YouTube já pagou US$ 2 bilhões para os titulares de direitos que optaram por gerar receitas
com reivindicações desde que o Content ID foi lançado, em 2007 (YOUTUBE, 2017).
213
do momento” durante o evento de tecnologia South by Southwest, em Austin, nos EUA. Dias
depois, o Twitter comprou o Periscope por pouco menos de US$ 100 milhões. Na época da
aquisição, a startup ainda estava em fase pré-operacional. Quando foi colocado no ar, o Periscope
rapidamente ultrapassou o Meerkat em número de usuários. Dois anos depois, pode-se afirmar com
segurança que a empresa estava certa em apostar em live streaming, mas ela concorre com várias
outras: Facebook, Snapchat, YouTube e Instagram (RICHTER, 2017a).
Gráfico 13 – Participação (em %) dos serviços de transmissão de vídeos ao vivo na Internet, nos EUA 244
244
Fonte: STATISTA. Imagem disponível em: <https://www.statista.com/chart/8057/live-video-streaming/> Acesso
em: 28 jan. 2018.
214
ligas esportivas, redes de televisão etc. Seu conteúdo está dividido em três grandes categorias:
filmes, jogos e música, que se segmentam em subcategorias.
O site francês Dailymotion atrai 300 milhões de usuários de todo o mundo, que assistem
a 3,5 bilhões de vídeos todos os meses (DAILYMOTION, 2018). O internauta também pode fazer
upload de vídeos de forma gratuita e até ganhar dinheiro com a postagem de conteúdo próprio se
quiser fazer parte de um programa especial criado pelo site.
O Vimeo é outra importante plataforma de hospedagem de vídeos e transmissão ao vivo,
criada em 2004. Autodenominada “o lar dos vídeos de alta qualidade”, conta com mais de 70
milhões de usuários, entre pessoas físicas e empresas. O Vimeo não permite o upload de
pornografia ou qualquer conteúdo que não seja criada pelo próprio usuário245.
A empresa oferece adesão gratuita (Vimeo Basic), mas o usuário pode optar por planos
que oferecem suporte prioritário, muito mais espaço para armazenamento, controle de privacidade
avançado, customização do player ou ferramentas de interação (como cartões e chamadas para
ação no player incorporado)246. Ao contrário do YouTube, o Vimeo tem como diferencial nunca
colocar anúncios antes, durante ou depois dos vídeos; e de ter suporte técnico “100% humano”
(VIMEO, 2017).
Enquanto o YouTube está gastando milhões de dólares em conteúdo original (saiba mais
no capítulo 5), o core business247 do Vimeo está focado na venda de ferramentas e serviços para
criadores de vídeos semiprofissionais e profissionais. Por isso, em setembro de 2017, a empresa
comprou o Livestream, uma plataforma de streaming, e lançou seu próprio serviço de transmissão
245
Entre 2008 e 2014 o Vimeo proibiu a postagem de vídeos de jogos, de estratégia, representações de batalhas entre
jogadores, invasões ou quaisquer outros vídeos que simplesmente representem pessoas jogando videogame. Entre os
argumentos para a proibição, a companhia afirmou não acreditar que os vídeos que são capturas diretas do jogo de
vídeo realmente constituam “expressão criativa”. Além disso, esses vídeos poderiam expor à responsabilidade do(s)
criador(es) do jogo, uma vez que existem ações judiciais de empresas de games contra vídeos como esses.
Posteriormente, em nota, o Vimeo teve que pedir desculpas aos ofendidos, após alguns usuários, nos comentários,
terem efetivamente defendido seus trabalhos como criativos. Em outubro de 2014, a plataforma voltou a permitir
conteúdo de videogame novamente. O comunicado oficial explica: “Nossa plataforma cresceu e mudou muito desde
2008. Embora continuemos a nos concentrar na criação da melhor plataforma para pessoas criativas compartilharem o
trabalho com seus colegas, agora também hospedamos muitos outros tipos de conteúdo, de vídeos corporativos a sob
demanda, filmes de longa-metragem. Escolhemos suspender essa proibição, porque o conteúdo de videogames não é
mais um caso discrepante em nossa comunidade, nem prejudica nossos recursos como antes” (WHITMAN, 2014).
246
O Vimeo Plus custa US$ 7 mensais, com 5 GB de armazenamento por semana e até 250 GB por ano; o Vimeo Pro
tem valor de US$ 20 por mês e oferece 20 GB por semana e até 1 TB ao ano; o Vimeo Business custa US$ 50 mensais
e não tem limites semanais, mas possui um total de 5 TB; já o Vimeo Premium, por US$ 75 mensais, oferece
transmissão ao vivo ilimitada e até 7 TB de armazenamento total (VIMEO, 2017).
247
A parte central de um negócio ou de uma área de negócios.
215
ao vivo, o Vimeo Live. A adição da nova tecnologia permite que os criadores capturem, editem,
transmitam e arquivem eventos ao vivo em full HDD (1080P), além de hospedar, distribuir e gerar
receita com vídeos.
O Livestream hoje gera mais de 10 milhões de eventos por ano para mais de 10.000
assinantes pagantes como Dow Jones, Philadelphia Eagles, Tough Mudder e Spotify. Cerca de 50
milhões de telespectadores assistem às centenas de milhares de eventos ao vivo da Livestream
todos os meses, segundo a empresa (PEREZ, 2017).
Com a disseminação da banda larga, os serviços de transmissão ao vivo devem se
popularizar cada mais por ter a mobilidade como base. Agora, o live streaming está literalmente
nas mãos dos produtores e consumidores de conteúdo, em seus dispositivos móveis. A diferença é
que, ao invés de captar, editar e postar um vídeo feito pouco tempo atrás, o usuário pode fazê-lo
em tempo real. Os espectadores podem interagir instantaneamente com o emissor por meio de
mensagens, influenciando no conteúdo da transmissão.
Em tese, se o YouTube já transformava o usuário em um “canal de televisão”, com
conteúdos gravados, agora o live streaming permite que ele seja uma “televisão pessoal ao vivo”,
com programação em “fluxo contínuo”, dentro do conceito original apresentado pelo pensador
britânico Raymond Williams248 (1975, p.89).
248
No plano acadêmico, o fundador do pensamento contemporâneo sobre programação televisiva é o sociólogo
britânico Raymond Williams, dos estudos culturais (cultural studies), vinculados à Escola de Birmingham. No livro
Television: Technology and Cultural Form, de 1974, Williams apresenta o conceito de fluxo. Nele, a experiência ou o
ato de assistir TV não se dá pela atenção particular a cada uma das unidades que compõem a programação, mas pelo
conjunto de todos os programas, em um “fluxo planificado” e contínuo de imagens e sons: “O que se está sendo exibido
não é nos antigos termos, uma programação de unidades separadas com inserções específicas, mas um fluxo planejado,
em que a verdadeira série não é a sequência publicada de programas [nos jornais ou revistas], mas esta sequência
transformada pela inclusão de outro tipo de sequência, de modo que essas sequências juntas compõem o fluxo real, a
real ‘radiodifusão’” (WILLIAMS, 2016, p.100). Segundo esse conceito de fluxo, a verdadeira radiodifusão não estaria
na inserção de unidades separadas (os programas), mas na sequência indiscriminada de várias sequências (sequências
de sequências) juntas para compor um fluxo real de transmissão. “Esse fenômeno de fluxo planejado talvez seja, então,
a característica que define a radiodifusão simultaneamente como uma tecnologia e uma forma cultural” (WILLIAMS,
2016, p.96). Para o autor, as novas tecnologias também modificam o conceito estático da programação televisiva para
um conceito mais “dinâmico” de fluxo televisual. Fluxo, então, pode ser definido como a unificação, combinação e
fusão programada de segmentos diferentes entre si, correlacionados. Williams conclui que os verdadeiros portadores
de valores no interior do fluxo, são os elementos estruturantes do fluxo: a velocidade, a variedade, a heterogeneidade.
Exatamente isso que, hoje, nos parece específico na televisão (LEMOS DA SILVA, 2012, p.26-28).
216
Em 1987, antes da existência dos vídeos sob demanda pela Internet, Stewart Brand havia
previsto que os programas de rádio e televisão seriam transmitidos de forma assíncrona, à exceção,
talvez, dos acontecimentos ao vivo, como os eventos esportivos, jornalísticos e eleições
(NEGROPONTE, 1995, p.162). No livro The Media Lab: Inventing The Future at MIT (1987),
Brand cunha o termo broadcatching [broadcasting + catch], neologismo que significa “pegar a
transmissão”. Broadcatching constitui a irradiação, por radiodifusão ou fibra óptica, de uma série
de bits contendo uma vasta quantidade de informação. Na ponta receptora, um computador apanha
[catch] os bits para o consumo posterior. Quase uma década depois de Brand, o cientista Nicholas
Negroponte (1995) também teceu suas previsões:
Mas antes de adentrar nos diferentes tipos de serviço de vídeo sob demanda se faz
necessário explicar, primeiramente, o conceito de over-the-top (OTT). De acordo com o Arquivo
Nacional Britânico249, o termo surgiu durante a Primeira Guerra Mundial como uma ordem para os
soldados deixarem as trincheiras e irem “por cima”, “no topo”, em combate direto com o inimigo.
Depois a expressão passou ser usada para algo extremo, exagerado.
Atualmente o OTT é definido como a distribuição de conteúdo (grátis, pago, por
streaming, download etc.) por meio de plataformas IP (Internet Protocol), sem o envolvimento dos
distribuidores tradicionais, como provedores de Internet, radiodifusores, operadores de telefonia
ou de TV por assinatura. Ou seja, “os dados desses serviços ‘trafegam por cima’ do sistema e,
portanto, a administradora dessa rede não tem controle sobre o serviço, impossibilitando sua
taxação”, explica Rafael Gonçalez Carneiro (2012, p.105).
Os serviços over-the-top utilizam a rede de banda larga de qualquer provedor de Internet
para fazer a distribuição digital250 do seu conteúdo ao usuário final, como por exemplo: serviços
de comunicação (Skype, Viber, FaceTime, WhatsApp, Facebook Messenger, Telegram etc.); de
música (Spotify, Deezer, Apple Music, Tidal, Napster etc.); de audiovisual (Netflix, YouTube,
Apple TV, Vevo, Amazon Prime Video, Globoplay etc.).
Já o termo Video-on-Demand - VOD (vídeo sob demanda) se refere ao ato de assistir
algum programa que não esteja sendo exibido naquele momento (KAYSEN, 2015). Principalmente
nas últimas duas décadas, se refere também a uma tecnologia que faz com que seja possível assistir
conteúdos audiovisuais a qualquer momento, fora da programação televisiva convencional, seja
por meio de aplicativos ou sites em smartphones, tablets, PCs, no próprio televisor através de um
decodificador (set-top-box) ou aplicativo em smart TVs, ou em outros dispositivos avançados de
mídia digital (ROUSE, 2007).
249
Over the Top: Quando as pessoas hoje pensam na Grande Guerra, eles pensam em soldados que atravessam o “topo”
da trincheira em grandes batalhas como a Batalha de Ypres em 1915 ou o Somme em 1916. Não há dúvida de que ir
"no topo" foi absolutamente horrível. No entanto, foi uma parte relativamente pequena da experiência do soldado na
Grande Guerra. Este é um dos fatores que ajudam a explicar como e porque a moral e a disciplina permaneceram fortes
ao longo da guerra e como os soldados conseguiram lidar com a vida na linha de frente. (THE NATIONAL
ARCHIVES, 2016). Disponível em: <http://www.nationalarchives.gov.uk/education/greatwar/g3/cs2/> Acesso em: 19
jul. 2017.
250
Digital distribution (distribuição digital) é um termo usado pelos estadunidenses para se referir à entrega de
conteúdo de entretenimento por meio da Internet, em oposição à transmissão pelo ar (radiodifusão), pelo cabo,
telecomunicações e satélite (ROBERTS; MUSCARELLA, 2015).
218
Fonte: Autoral.
conteúdos audiovisuais (filmes, séries, programas de TV etc.), acessados on-line por meio
de dispositivos conectados compatíveis (smart TV, tablets, smartphones, PCs), por um
período renovável, de acordo com o interesse do assinante. O modelo de negócios do SVoD
não inclui serviços de vídeo suportados por anúncios publicitários, ofertas pay-per-view ou
serviços que exigem uma assinatura de TV paga, como o Globosat Play.
Em entrevista a CEO da 20th Century Fox Film, Stacey Snider, garantiu que o PVoD,
vídeo premium sob demanda, será uma realidade a todos os consumidores “nos próximos seis a 12
meses” (LIEBERMAN, 2017). Adam Aron, o CEO da AMC Entertainment (maior cadeia de salas
de cinema dos Estados Unidos), em uma teleconferência com analistas de Wall Street, disse que
vê apenas dois cenários possíveis para o premium video-on-demand, “Ou o PVoD simplesmente
não acontecerá nos EUA tão cedo ou, se acontecer, será de acordo com a AMC e tornar-se-á
251
A Prima Cinema oferece filmes da Universal Pictures, da Paramount Pictures, da Lionsgate, da The Weinstein, da
Samuel Goldwyn Films, da Magnolia Pictures, da STX Entertainment e da Gravitas Ventures (ainda está em
negociações para mostrar títulos de empresas como a Disney e a Warner Bros. e Sony) (GUERRASIO, 2016).
221
lucrativo para a AMC, mesmo levando em conta a canibalização das pessoas assistindo filmes fora
das nossas salas de exibição” (HAYES, 2017).
Atualmente a janela de exibição252 entre a estreia nas salas de cinema e o lançamento no
home video é de 90 dias. Muitas empresas já começam a debater sobre a diminuição desse período
a fim de se adequar aos novos tempos, sobretudo em uma era em que o usuário está acostumado
ao imediatismo. Alguns executivos da indústria cinematográfica culpabilizam a Netflix como o
estopim para a compactação das janelas de exibição do mercado doméstico, passando para uma só.
A venda física de filmes e séries (DVDs e Blu-rays) teve uma forte redução na última década. As
três ou quatro oportunidades que os estúdios tinham para sequenciar e revender o seu produto agora
estão em duas e pode chegar a uma (PVoD) (D’ALESSANDRO, 2017).
Além dos modelos VoD (ilustração 62) os outros serviços OTT são: a venda digital e a
transmissão ao vivo (live). Na venda eletrônica de conteúdo ou Electronic Sell-Thru (EST),
também chamado de Download to Own (DTO) ou Digital “HD”, o usuário paga para receber uma
cópia digital de um produto audiovisual, com acesso ilimitado e perpétuo. No mundo analógico do
entretenimento, a semelhança mais próxima deste modelo seria a compra de uma mídia, como uma
fita VHS, DVD ou disco Blu-ray. O arquivo digital do produto audiovisual é baixado via Internet,
por meio de fornecedores, como a Apple e a Amazon, por exemplo.
Além da transmissão do sinal aberto na web, as emissoras de televisão também estão
criando serviços catch-up253 para dar oportunidade de seus telespectadores assistirem aos
programas recentemente exibidos na sua programação linear.
No Brasil, o SBT transmite sua programação em tempo real pela Internet
(https://m.sbt.com.br/aovivo/) e disponibiliza seus programas na sua página oficial no YouTube
252
Janela é um período de exclusividade de um conteúdo em uma determinada mídia. Por exemplo, a primeira janela
de exibição de um longa-metragem é a sala de cinema. A segunda janela é o home video, dividido em varejo (venda
direta em lojas) e locação (rental). As outras janelas são: canais de TV paga premium (HBO e Telecine, por exemplo),
TV paga comum (como Megapix, Fox, TNT) e TV aberta (Globo, SBT e afins). De acordo com a Ancine (2016),
“historicamente, o segmento de vídeo doméstico tem representado a segunda janela de exibição das obras
cinematográficas, embora sobre esse posicionamento recaia a pressão cada vez maior da emergência do mercado de
vídeo sob demanda e das consequentes mudanças nos hábitos de consumo dos usuários”. As plataformas de streaming,
sejam VoD ou SVoD, acabaram entrando na segunda janela, junto com as locadoras.
253
Catch-up: termo usado para descrever os programas de TV que ficam disponíveis sob demanda dias após a
transmissão original. Também chamado de Replay TV, o termo é adotado quando um conteúdo vai ao ar num canal
linear da TV e, após exibição, fica disponível para consumo on demand por determinado número de dias, de acordo
com a vigência contratada e com a estratégia do canal (FURGLER; FERREIRA, s.d.).
222
254
Em 2014, os canais do SBT no YouTube tinham 505 milhões de visualizações e mais de 2,2 milhões de inscritos.
Naquele ano, o então gerente de conteúdo multiplataforma do SBT, Phillipe Carrasco explicou a dificuldade em
monetizar por meio das plataformas on-line: “Queremos que o conteúdo seja parte do nosso processo de negócio e core
business, por isso, além de disponível, ele tem de ser rentável”. Carrasco admite que a receita gerada pelo YouTube
ainda não é relevante quando comparada com a da TV aberta. Pelo menos por enquanto, o modelo de negócios da TV
ainda é o mantenedor da qualidade do conteúdo que o SBT exibe no YouTube. “Se algum canal puramente on-line
decidisse fazer a mesma programação que fazemos, com o mesmo custo de produção, certamente ele não pagaria as
contas” (BOTONI, 2014).
223
(AVoD, SVoD, TVoD e DTO) e TV paga (assinaturas e pay-per-view) juntas chegarão a US$ 283
bilhões até 2022. O estudo cobre um total de 138 países e prevê que a contribuição do OTT para o
total da receita aumentará de 15% em 2016 para 29% em 2022. Suas receitas mais que dobrarão
nesse período, passando de US$ 37 bi, em 2016, para US$ 83,4 bi, em 2022. As assinaturas de
SVoD aumentaram dez vezes entre 2010 e 2016, e dobrarão em 2022, para 546 milhões.
255
Fonte: Digital TV Research. Imagem disponível em: <https://www.digitaltvresearch.com/ugc/press/220.pdf>
Acesso em: 22 jan. 2018.
224
O SVoD continuará sendo a maior fonte de receita de OTT da região, contribuindo com US$ 2,86
bilhões até 2022 (62% do total).
O relatório “Latin America OTT TV and Video Forecasts” prevê 32,54 milhões de
assinantes de SVoD até 2022, quase o dobro dos 17,08 milhões registrados no final de 2016. O
Brasil responderá por 34% das assinaturas de SVoD da região até 2022, com o México trazendo
mais 28% (SANDVINE, 2016b).
256
Fonte: 2016 Global Internet Phenomena. Sandvine Intelligent Broadband Networks. Imagem disponível em:
<https://www.sandvine.com/hubfs/downloads/archive/2016-global-internet-phenomena-report-latin-america-and-
north-america.pdf> Acesso em: 22 jan. 2018.
225
Gráfico 17 – Brasileiros que assistiram VoD nos últimos 30 dias (em %) 258
Fonte: Kantar IBOPE Media, Target Group Index (Y14 w1+w2, Y15w1+w2, Y16w1+w2 e Y17 w1+w2)
257
Para medir os novos hábitos de consumo de vídeo dos brasileiros, em 2015 a Kantar IBOPE Media passou a
consolidar, como parte do serviço de medição de audiência de TV, dados de audiência de programas assistidos sob
demanda. Essa aferição é realizada por meio da tecnologia de reconhecimento de áudio do peoplemeter DIB 6 e,
quando identificada, é atribuída à respectiva emissora de TV. A medição contempla os serviços de conteúdos sob
demanda oferecidos pelas operadoras de TV por assinatura e os programas assistidos por meio de mídias externas –
conteúdos de laptop projetados na televisão, pen drive, HD externo e aplicativos de smart TVs, como Netflix e
YouTube. Além disso, também considera o consumo em aparelhos periféricos como Playstation, Xbox, AppleTV, blu-
ray player e Nintendo Wii, consolidando assim, a medição de audiência do conteúdo televisivo em uma série de
dispositivos conectados à TV, agregando ainda mais valor aos dados de consumo dos telespectadores e de forma
pioneira no país. “Com essa nova implementação, a ambiciosa missão de medição 360° do consumo de vídeo segue se
concretizando. Já aferimos todas as formas de consumo de conteúdo no próprio televisor e também a audiência de TV
digital terrestre em dispositivos móveis”, afirma Fábia Juliasz, diretora de video audience measurement da Kantar
IBOPE Media.
258
Fonte: KANTAR IBOPE MÍDIA, 10 mar. 2017. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/a-revolucao-
do-mercado-de-video/> Acesso em: 22 jan. 2018.
226
não figura na lista da Kantar para os adeptos do VoD. Entre estes consumidores, as séries ganham
espaço, aparecendo na quinta posição.
Tabela 3 – Gêneros de vídeos on-line mais comuns em sites, mensagens instantâneas e VoD
Fonte: Kantar IBOPE Media, Target Group Index (Y17w2 – filtro: internautas)
O gênero “série”259 somou cerca de 110 mil exibições na televisão em 2016, um aumento
de 1% em relação a 2015, e representou 14% da grade de programação, atrás apenas de filme, com
30%. Como resultado, o tempo dedicado a assistir o gênero na televisão linear aumentou e atingiu
um crescimento de 8% no último ano. Com a Lei nº 12.485, que dispõe sobre a comunicação
audiovisual de acesso condicionado, as emissoras passaram a produzir e exibir mais conteúdos
nacionais nos últimos anos, muitos deles do gênero série (KANTAR IBOPE MEDIA, 2017a).
259
No Twitter, de acordo com a ferramenta Kantar Twitter TV Ratings o gênero série somou cerca de 4 milhões
de tweets, que alcançaram aproximadamente 400 milhões de impressões, em 2016. Segundo o relatório, o sucesso das
séries e o foco na produção de conteúdo pode ser consequência da expansão das novas formas de consumo de vídeo.
Quando existem muitas fontes de entretenimento disponíveis, o consumidor tende a buscar aquelas com que mais se
identifica. Nesse contexto, o desafio para os veículos é se tornar referência na curadoria e produção de conteúdo para
fidelizar seus consumidores. Dessa forma, os anunciantes poderão dialogar e engajar ainda mais com seu público, ao
se adaptar aos novos modelos de negócios que esses formatos possibilitam (KANTAR IBOPE MEDIA, 2017a).
227
Pesquisa da PwC mostra que cada vez mais norte-americanos estão acessando conteúdo
televisivo em streaming pela Internet, independentemente da faixa etária. Como é normal com
novas tecnologias, os jovens são mais rápidos em adotá-las, mas a surpresa tem sido o crescimento
de acessos entre os adultos de 50 a 59 anos, passando de 49%, em 2015 para 63%, em 2017.
Enquanto isso, cada vez mais americanos estão cortando o cabo (19%) ou pelo menos reduzindo
sua assinatura tradicional de TV paga (27%) (RICHTER, 2017b).
Conforme vimos ao longo deste capítulo, a Internet se tornou em um importante meio para
a distribuição de conteúdos audiovisuais. Atualmente ela é a principal responsável pela
fragmentação da audiência televisiva, que vem sendo impactada por outros serviços, como o SVoD
e o AVoD. As transformações do mercado audiovisual, os números deste segmento no Brasil e a
história da Netflix, a empresa que mudou a forma de produzir e consumir entretenimento
audiovisual, são alguns dos temas abordados nas próximas etapas deste trabalho.
260
Fonte: RICHTER, 21 dez. 2017. Disponível em: <https://www.statista.com/chart/12378/video-streaming-adoption-
by-age-group/> Acesso em: 22 jan. 2018.
228
“Indústria de Impressão e Publicação” (Print + Publishing Industry). Ele previu que a sobreposição
entre os três campos se tornaria quase total até o ano 2000 (ilustração 63). Os executivos
convenceram-se desta visão e Negroponte ganhou milhões de dólares em apoio financeiro para
construção do Laboratório de Mídia do MIT, em 1985 (GORDON, 2003, p.58-59).
261
Para Walter Longo (2014) a Era Pós-Digital é, basicamente, a realidade em que vivemos hoje, na qual a presença
da tecnologia digital é tão ampla e onipresente que, na maior parte do tempo, nem notamos que ela está lá. Só
percebemos sua existência quando por algum motivo ela nos faz falta. E essa total ubiquidade da tecnologia digital
provoca impactos em todos os aspectos da vida.
231
De acordo com o pesquisador canadense Don Tapscott (apud SIQUEIRA, 2008, p.12), a
convergência pode ser representada por um triângulo, no qual, em cada vértice está cada um dos
setores que se mesclam: comunicações, computadores e conteúdo. As empresas se organizam mais
próximas de um dos vértices, conforme as características de cada uma. Por exemplo, Google,
Yahoo e AOL (America On Line) estão perto do cume superior, do conteúdo, que trabalha
exclusivamente com informações. Essas companhias não poderiam existir há trinta anos, antes da
transformação dos dados analógicos em digitais. André Barbosa Filho e Cosette Castro
complementam:
A convergência diz respeito a uma mudança tecnológica profunda que, por
exemplo, na economia, deverá transformar a relação no modelo de negócios no
232
Na dimensão econômica, Dizard (apud BARBOSA FILHO; CASTRO, 2008, p.35) aponta
duas tendências no setor das telecomunicações: uma é a consolidação do poder dos grandes
conglomerados de mídia; e a outra é o poder contra hegemônico, representado pelo surgimento de
empresas de pequeno porte que desafiam esses conglomerados abrindo caminhos alternativos de
conteúdo, com criatividade, agilidade comercial e produção inovadora.
Na década de 1980, antes do processo de digitalização das tecnologias de informação e da
comunicação, o cientista político do MIT, Ithiel de Sola Pool, também vislumbrava a possibilidade
da convergência entre áudio, vídeo e texto num único meio. Chamado de “profeta da convergência
dos meios de comunicação” por Henry Jenkins (2009, pág. 37), Pool abordou o impacto das
tecnologias emergentes na transformação da vida social, política e econômica no livro
Technologies of Freedom (1983). Pool também considerava que a convergência era estimulada
pela concentração de diferentes veículos de comunicação pelos mesmos grupos empresariais.
262
A process called the “convergence of modes” is blurring the lines between media, even between point-to-point
communications, such as the post, telephone, and telegraph, and mass communications, such as the press, radio and
television. A single physical means – be it wires, cables, or airwaves – may carry services that was provided in separate
ways. Conversely, a service that was provided in the past by any one medium – be it broadcasting, the press, or
telephony – can now be provided in several different physical ways. So the one-to-one relationship that used to exist
between a medium and its use is eroding (…) Technology-driven convergence of modes is reinforced by the economic
process of cross-ownership. The growth of conglomerates which participate in many business at once means that
newspapers, magazine publishers, and book publishers increasingly own or are owned by companies that also operate
in other fields (POOL, 1983).
234
audiovisual vai sendo afetada. Para Nicholas Negroponte, a era dos bits está imputando mudanças
à era dos átomos, “à medida que as ferramentas de informação forem se tornando mais ubíquas e
mais fáceis de utilizar”. Por exemplo, para que um livro ou um jornal diário (átomos) chegue ao
consumidor são necessárias várias etapas: impressão, controle de estoque, transporte, devoluções
etc. Quando um produto é digitalizado (bits), seu custo pode ser reduzido drasticamente; e a
economia não é somente na fase da distribuição, mas sim em diferentes momentos da cadeia
produtiva. Doze anos antes da primeira locadora oferecer vídeos por streaming (Netflix),
Negroponte profetizou:
Na economia dos átomos, onde se gastam muitos dólares com caminhões, depósitos e
prateleiras, para distribuir bens físicos, tudo tende a ser mais caro com o tempo. Na economia dos
bits, cada produto é simplesmente um registro num banco de dados, “não custando absolutamente
nada”. Os custos de distribuição são apenas megabytes em banda larga, comprados no atacado por
frações de cents. “A Internet simplesmente torna mais barato alcançar mais pessoas, aumentando
efetivamente a liquidez do mercado na Cauda, o que, por sua vez, se traduz em mais consumo,
elevando efetivamente o nível da linha de vendas e ampliando a área sob a curva” (ANDERSON,
2009, p.12).
As transformações tecnológicas e a concentração dos conglomerados de mídia, apontadas
por Ithiel Pool e Negroponte, tomaram proporções colossais nos últimos anos. Um exemplo foi a
aquisição da Time Warner pela empresa de telecomunicações e Internet, AT&T, por US$ 85
bilhões, em 2016, nos Estados Unidos. A Time Warner controla marcas mundialmente famosas
como CNN, TNT, Cartoon Networks e HBO, além da Warner Bros. Entertainment, um dos maiores
estúdios de cinema, responsável por franquias como Harry Potter, Game of Thrones e o universo
da DC Comics, com personagens como Batman, Super-Homem e Liga da Justiça, entre
outros. Juntas, ambas faturam US$ 214,5 bilhões (aproximadamente R$ 690 bilhões). Companhias
235
rivais da AT&T e grupos de defesa do consumidor temem que esse gigantismo possa ser usado
para elevar preços aos consumidores e limitar a competição.
Em 2015, a AT&T havia concluído a aquisição da DirecTV por US$ 49 bilhões, tornando-
se a maior provedora de TV paga dos Estados Unidos e do mundo. Adicionando a HBO e a Warner
Bros., pertencentes à Time-Warner, isso daria à AT&T controle sobre toda a cadeia de valor, desde
a produção de conteúdo, sua comercialização e distribuição, até as casas das pessoas. Embora isso
possa abrir possibilidades interessantes, como distribuir conteúdo premium exclusivamente para os
assinantes da AT&T ou isentar os serviços de TV paga da Time Warner dos limites de dados, é
quase certo que tais práticas anticoncorrência seriam proibidas pelos órgãos reguladores norte-
americanos (RICHTER, 2016a). Em 2018, o governo dos Estados Unidos entrou na Justiça com
uma ação antitruste para tentar barrar a união da AT&T com a Time Warner.
263
Fonte: STATISTA, 21 nov. 2017. Disponível em: <https://www.statista.com/chart/11932/time-warner-and-att-
merger/> Acesso em: 22 jan. 2018.
236
Um olhar mais detalhado para a economia mostra que mídia tradicional ainda estará
presente por muito tempo como parte do cenário massivo da comunicação, mas ela estará diferente.
Haverá muitos vencedores e perdedores nesse processo concorrencial entre antigos e novos
players. Os sobreviventes serão as companhias que souberem se adaptar às novas realidades
tecnológicas, políticas e econômicas, ainda em transformação. Os perdedores serão os negócios
jurássicos, grandes e pequenos, que não podem ou não querem mudar – “todos candidatos a fusões,
aquisições ou simplesmente à falência” (WILSON, 2000, p.22).
Quando você pode medir o que você está falando e expressar isso em números,
você sabe alguma coisa sobre isso; mas quando você não consegue medi-lo,
quando você não consegue expressá-lo em números, seu conhecimento é do tipo
escasso e insatisfatório.
Lord Kelvin, físico e matemático britânico (1824 – 1907)
tem 69,2 milhões de domicílios particulares permanentes (sendo 86% casas e 14% apartamentos),
aos quais a televisão está presente em 97,4% dos lares. Mais da metade dos domicílios (53,9%)
tem apenas TV de tela fina, e 10,7% possuem televisores de tela fina e de tubo. Quase um terço
dos lares (32,8%) dispõe apenas de aparelhos de tubo264 (o que pode representar um obstáculo para
os serviços de vídeo sob demanda que dependem de conversores ou smart TVs265 conectados à
Internet).
O estudo distingue três modalidades de acesso à televisão:
264
O Brasil supera em 36% a média mundial, com mais de um aparelho por habitante: 1,04 televisor per capita (FGV,
2015).
265
Smart TV ou SmarTV é uma expressão do âmbito da tecnologia e que significa "televisão inteligente".
Também é conhecida como TV Conectada ou TV Híbrida porque possui conexão com a Internet. Compreende um
grupo de televisores que, por meio de conexão de banda larga, via Wi-Fi ou cabo, oferece conteúdo interativo como
jogos, acesso às redes sociais, vídeo sob demanda, interação com aplicativos e diversos outros itens que melhoram a
experiência de uso. Tudo pela própria televisão, com o auxílio do controle remoto ou celular pareado.
266
Criado em 2005, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) é
um departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br), que implementa as decisões e
projetos do Comitê Gestor da Internet do Brasil (Cgi.br). A missão do Cetic.br é monitorar a adoção das tecnologias
de informação e comunicação (TIC) – em particular, o acesso e uso de computador, Internet e dispositivos móveis. O
Cetic.br está sob os auspícios da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
238
267
Fonte: ANATEL. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/dados/component/content/article?id=332> Acesso
em: 27 jan. 2018.
268
Os serviços de TV por Assinatura (Pay TV) são prestados com a utilização de diferentes tecnologias: por meios
físicos confinados, cabo (Serviço de TV por Cabo – TVC) e fibra óptica (Fiber to the Home - FTTH), mediante
utilização do espectro radioelétrico em micro-ondas (Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal -
MMDS), na faixa de UHF (Serviço Especial de Televisão por Assinatura - TVA) e, ainda, por satélite (Serviço de
Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura Via Satélite - DTH). Entre as tecnologias mais utilizadas
na TV paga, em maio de 2017, a transmissão via satélite diretamente para a casa do usuário (direct-to-home ou DTH),
ficou com a maior participação: 58% dos assinantes. O restante foi dividido em: 40,91% em cabo (TVC); 1,17% em
fibra óptica (FTTH); 0,01% em micro-ondas (MMDS) (ANATEL, 2017).
269
De acordo com o Censo 2010, o Brasil tem uma média de 3,3 moradores para cada domicílio.
270
Serviço de Acesso Condicionado - SeAC é o serviço de telecomunicações de interesse coletivo, prestado no regime
privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos
audiovisuais na forma de pacotes, de canais de programação nas modalidades avulsa de programação e avulsa de
conteúdo programado e de canais de programação de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos,
meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer. O SeAC unifica as regras para serviços semelhantes, que
239
milhões); e pela Sky/AT&T, com 29,8% (5,3 milhões). A Telefônica (Vivo) aparece em um
distante terceiro lugar, com 8,7% (1,57 milhão) e a Oi, com 8,4% (1,51 milhão).
O tempo médio diário dedicado ao consumo da programação de canais pagos é de 3h20,
de acordo com o instituto Kantar IBOPE Media. Nos últimos 15 anos, o setor de TV paga cresceu
de meros 3,5 milhões de assinantes para o pico de 19,76 milhões, em março de 2015. Mas com o
encolhimento das finanças pessoais, o número de subscrições caiu e atualmente o segmento
permanece estagnado.
A crise econômica tem levado muitas famílias a diminuir gastos com entretenimento por
não ser um item essencial. A retração do Produto Interno Bruto (PIB) por dois anos sucessivos
(3,8% em 2015 e 3,6% em 2016) é considerada a principal responsável pelo cord-cutting (corte do
cabo) de 1 milhão de assinaturas no período, e pelo cord-trimming, quando os assinantes optam
por planos mais baratos do que possuem. Em 2016, o Brasil perdeu o posto de maior mercado de
TV por assinatura da América Latina para o México. Outros fatores também podem estar
contribuindo para a redução da base de assinantes, como o crescimento dos serviços de vídeo sob
demanda, a popularização do acesso à banda larga, além do apagão analógico.
Conforme dados da PNAD Contínua 2016, 63,6% dos domicílios brasileiros têm acesso à
Internet, sendo que 60,3% se conectam pelo telefone celular, 40,1% pelo microcomputador, 12,1%
por tablet, 7,7% por smart TV e 0,8% por meio de outros equipamentos.
A 12ª edição da “Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no
Brasil”, do Cetic.br, mostra alguns números diferentes. A quantidade de usuários da Internet que
se conectou apenas pelo computador (de mesa, portátil e ou tablet) caiu de 24%, em 2014, para
apenas 6%, em 2016. Já os que acessaram a rede apenas pelo telefone celular mais que dobrou
saltando de 20% para 43%, no mesmo período. A quantidade de brasileiros que usou a Internet
pelos dois dispositivos simultaneamente oscilou de 56%, em 2014, para 51%, em 2016 (veja o
gráfico 20).
O tipo de dispositivo também é relevante para a inclusão digital. Os dados do Cetic.br
mostram que nas classes mais abastadas, o acesso à Internet é feito por celulares, tablets e PCs,
eram diferenciados por tecnologia. O SeAC foi criado pela Lei 12.485/11 que entre outros serviços prevê a transmissão
de conteúdo nacional na TV paga durante o horário nobre (TELECO, 2018).
240
enquanto que nas classes C, D e E a predominância de navegação ocorre penas pelo celular, o que,
de certa forma, restringe as possibilidades de uso.
Gráfico 20 – Proporção de usuários de Internet, por dispositivo, utilizado de forma exclusiva ou simultânea 271
271
Fonte: CGI.br/NIC.br, Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br),
Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros - TIC Domicílios
2016. Disponível em: <http://www.cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2016_coletiva_de_imprensa_2.pdf>
Acesso em: 26 jan. 2018.
272
De acordo com a Anatel, a tecnologia 4G é uma evolução das redes 2G e 3G. O padrão tecnológico adotado
para a tecnologia 4G é o LTE (Long Term Evolution), enquanto o padrão 2G é o GSM (Global System for Mobile
Communications) e o 3G o UMTS (Universal Mobile Telecommunication System). O 4G possui maior eficiência
no uso do espectro de radiofrequência e oferece redução de latência (tempo entre o comando e a resposta).
Também dispõe de elevadas taxas de transmissão de dados, melhor capacidade de cobertura e redução de custos.
Enquanto o padrão mais avançado do 3G permite downloads de até 21 Mbps, o 4G chega a 100 Mbps. O 4G
passou a ser utilizado na faixa de 2,5 Ghz, a partir de uma licitação realiz ada em 2012 pelo Governo Federal.
Em outubro de 2014, foi licitada uma outra faixa, de 700 MHz, que é considerada melhor para as transmissões
e é a mesma utilizada em outros países como os Estados Unidos. Por ser uma frequência mais baixa que a de
2,5 Ghz, tem maior propagação e exige menos torres para se atingir a mesma cobertura e isso pode reduzir os
custos. A utilização da faixa de 700 Mhz depende da desocupação da faixa pelos radiodifusores (TV analógica),
conforme cronograma do Ministério das Comunicações. Para o switch-off do sinal analógico de televisão, é
necessário que no mínimo 93% dos domicílios do município estejam aptos a captar o sinal de TV digital.
241
perdido espaço para o pós-pago. Nos últimos 12 meses houve uma redução de 7,5 milhões de linhas
(-3,11%).
Em relação ao serviço de banda larga fixa (SCM), o Brasil tinha 28,6 milhões de
assinantes em dezembro de 2017, o que representa uma densidade média de 41,39 para cada 100
domicílios. Nos últimos 12 meses, o crescimento de contratos foi de 7,15%. Apesar desses
números, o acesso às TICs é desproporcional entre as regiões mais desenvolvidas e pobres.
Enquanto Brasília tem 69,73 assinantes de banda larga fixa para cada 100 domicílios, no Maranhão
a densidade é de apenas 13,38. São Paulo ocupa a segunda colocação, com 63,68 assinantes de
banda larga fixa por 100 lares. O número de assinantes de banda larga é fundamental para a
expansão de serviços como a Netflix e Amazon Prime Video, que dependem de largura de banda
para a transmissão em streaming.
Tanto a Internet quanto a televisão (aberta e fechada) são importantes meios para a
publicidade. No ranking das dez nações com maior investimento em propaganda, em dezembro de
2016, o Brasil ocupou a sexta posição, com US$ 13,1 bilhões (tabela 6). A televisão ficou com a
maior parte (61,7%) dessa verba, em contrapartida, foi o país que menos faturou com publicidade
na Internet (23,4%). Essa disparidade comprova a hegemonia da TV brasileira em relação aos
273
Fonte: Zenith Optimedia. Advertising Expenditure Forecasts. Dez., 2016. In: Mídia Dados 2017. Disponível em:
<https://dados.media/#!/view/CATEGORY/INTERNATIONAL_MEDIA/MDB_INT_DISTRIBUICAO_VERBA_
MIDIA> Acesso em: 27 jan. 2018.
242
274
A Zenith Optimedia projeta que, em 2019, os EUA gastarão US$ 211,4 bilhões em publicidade. A China fica em
segundo lugar, com US$ 98,1 bilhões. Na sequência vem o Japão (US$ 39,9 bi), Reino Unido (US$ 29 bi), Alemanha
(US$ 23,7 bi) e Brasil (US$ 13,6 bi). (ZENITH, 2017, p.6).
243
meio na distribuição das verbas de mídias: enquanto a televisão totalizou 61,7% no levantamento
da Zenith, para a Kantar IBOPE a televisão aberta (55,1%), por assinatura (12,6%) e merchandising
televisivo (6,1%), somadas, representaram 72,8% do investimento publicitário (tabela 7).
Independentemente das metodologias aplicadas, ambos os resultados mostram que a televisão
brasileira tem uma incontestável superioridade em relação às outras mídias, especialmente se
compararmos com a participação global dos meios.
275
Fonte: Kantar IBOPE Media. Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/meios-de-comunicacao-
janeiro-а-dezembro-2016/> Acesso em: 27 jan. 2018.
244
sinaliza que as publicações impressas continuarão a perder participação de mercado, pois seus
leitores estão migrando para as versões on-line dessas publicações ou outras formas de informação
e entretenimento inteiramente digitais276. Para 2019, a publicidade nesses meios deve baixar
respectivamente para 8,3% e 4,4%.
276
Os números da Zenith Optimedia para jornais e revistas incluem apenas publicidade nas edições impressas, não
compreendendo seus sites, edições digitais em tablets ou aplicativos para dispositivos móveis, que estão representados
na categoria de Internet.
277
Fonte: Zenith Optimedia. Executive summary: Advertising Expenditure Forecasts. Março de 2017. Disponível em:
<https://www.publicismedia.de/wp-content/uploads/2017/03/2017-03-27-aef-executive-summary.pdf> Acesso em:
27 jan. 2018.
245
até meados de 2030. “É parecido com o que houve com o cavalo: ele foi bom até a chegada dos
carros”, afirma o executivo (HECHT, 2014).
A asserção de Hastings provoca uma indagação: A televisão está morrendo ou entrando
numa nova fase? A partir deste questionamento, é possível desdobrá-lo em vários outros: Qual é o
conceito de televisão? É apenas a transmissão em fluxo? Assistir a um programa ao vivo pelo
smartphone é ver TV? E se o mesmo programa estiver postado no site do canal? Netflix é televisão?
E o YouTube? Televisão pode ser qualquer dispositivo que exiba conteúdos audiovisuais? Perante
à ubiquidade das telas digitais e da convergência tecnológica, como delinear as fronteiras entre o
cinema e a televisão? Eles são a forma, o gênero, o formato, a configuração ou apenas o local, o
ambiente, o meio de exibição? O que veremos na TV, se não for a programação aberta e os canais
pagos? O que será “ver TV”?
Esse complexo amálgama conceitual e tecnológico, onde tudo se funde e hibridiza,
também gera outras interrogações em relação aos possíveis caminhos do mercado audiovisual:
Com a disseminação dos serviços de vídeo por streaming, qual será o futuro do broadcast? O
consumo de programas gravados, à la carte, vai acabar com a programação linear, em fluxo? A
hipersegmentação e a explosão do número de canais vai mudar o modelo de negócios baseado na
veiculação de breaks comerciais? Com infinitas telas, como serão as metodologias para quantificar
e qualificar o público? Haverá espaço suficiente de banda de Internet para o tráfego de todo esse
universo? Afinal, para onde caminha o audiovisual?
Vimos no início deste trabalho que “televisão” é a soma de tele (“longe, distante”, em
grego) e vidēre (“ver”, em latim). O vocábulo “espectador”, do latim spectātor,ōris, quer dizer
“contemplador, observador”. Portanto, um “telespectador” seria aquele que observa de longe.
“Vidência”, do latim videntĭa, particípio presente neutro plural de vidēre, significa “ver,
enxergar”. “Vidente”, do latim vĭdens,ēntis, é aquele “que vê”. O termo televidente só existe em
espanhol e significa “telespectador”. Como sinônimo, o Dicionário Houaiss da língua portuguesa
oferece o verbete “televente” (a palavra causa estranhamento logo de início).
Portanto, em relação às mídias, e para falar sobre as tecnologias de aferição de quem as
consome, talvez fosse mais apropriado utilizar as palavras: “audiência” (somente) para rádio e
“vidência” para televisão. Mas a proposta aqui, mais do que criar terminologias, é de fazer um
estudo pormenorizado do tema. Por isso, vamos manter as acepções utilizadas pelo mercado
audiovisual.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, o IBOPE, audiência
é a média de pessoas ou domicílios sintonizados por pelo menos um minuto em um programa ou
faixa horária. Segundo o “Dicionário Essencial de Comunicação”, audiência é o conjunto de
pessoas que, em dado momento, são receptoras de uma mensagem transmitida por determinado
meio de comunicação. Ou seja, é o total de pessoas que assistem a um programa de TV (ou a parte
dele), que ouvem uma emissão de rádio, ou que acessam uma homepage na Internet (RABAÇA;
BARBOSA, 2014, p.19).
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), em um dos livros da Retórica, já fazia uma análise da
audiência, seu papel e o que ela determinava nos discursos cívicos gregos. Até a invenção do tipo
móvel, podemos falar em comunicação pública, mas não nos termos do que se entende como
cultura de massa. No mundo antigo, a comunicação pública estava voltada aos agrupamentos de
pessoas. Por isso, é possível afirmar que as pesquisas contemporâneas de audiência antecedem e
determinam a geração de mensagens de massa. “Seu propósito é identificar as características
sociais, gostos e outros dados que seriam influentes na produção de uma mensagem de uma massa”
(NEIVA, 2013, p.48). A audiência é um elemento central do processo comunicativo, talvez o mais
importante, pois “é através da recepção que a comunicação será avaliada”.
O faturamento das emissoras de TV vem dos filmes publicitários que são exibidos nos
intervalos ou dentro do próprio programa (merchandising). Quanto maior o índice de audiência do
programa, mais pessoas assistem às mensagens publicitárias e, consequentemente, as emissoras
247
Na ilustração anterior, podemos ver um exemplo de um programa de TV, com uma hora
de duração (60 minutos), assistido por um pequeno universo de 10 pessoas. Somados os minutos
assistidos, divididos pela soma dos minutos possíveis, chegamos a um rating (índice de audiência)
de 35%. Isso significa que 35% dos indivíduos do universo pesquisado assistiu à programação num
determinado momento.
O share (participação de audiência), por sua vez, é a proporção de um determinado
subconjunto da audiência, classificada por sexo, idade, classe socioeconômica ou qualquer outra
característica, em relação ao total dessa audiência. Por exemplo, se um programa é assistido por
200 mil pessoas das quais 40 mil são crianças, considera-se como sendo de 20% a participação do
público infantil na audiência do programa, ou seja, 40/200.100.
Também pode ser a porcentagem de uma emissora ou de um programa em relação ao total
de televisores ligados. Por exemplo, numa pequena cidade do interior, se durante a madrugada
houvesse apenas 30.000 lares com televisores ligados sendo: 15.000 na Globo, 7.500 na Record e
7.500 no SBT. O share seria, respectivamente: 50% na Globo, 25% na Record e 25% no SBT.
domicílios que estejam com a TV desligada. Um share alto pode corresponder a uma audiência de
apenas uma centena de domicílios assistindo televisão de madrugada, basta que haja poucos
televisores ligados.
Em 2014, ano em que a Copa do Mundo ocorreu no Brasil, das dez maiores audiências da
televisão brasileira, apenas uma foi uma partida de futebol (tabela 8). Brasil x Croácia, exibido em
12/06, obteve 41,5 pontos de audiência (rating) e 72,2% de share (participação de audiência). Ou
seja, 41,5% de todas as televisões do Painel Nacional de televisão (PNT) assistiram ao jogo. Se
considerarmos apenas o universo de televisores ligados durante o período, a partida foi vista por
722 de cada 1.000 domicílios com TVs ligadas. Os outros 278 domicílios assistiram a outros canais.
A novela III (“Amor à Vida”), de Walcyr Carrasco, foi a maior audiência do ano, com 49,4 pontos
de rating e 75,2% de share, alcançados no dia 27/01/2014.
O Painel Nacional de Televisão (PNT) reúne os dados de 15 importantes regiões
metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Distrito
Federal, Salvador, Fortaleza, Florianópolis, Vitória, Goiânia, Belém, Manaus e Campinas (ver
Anexo E).
278
Fonte: Anúncio da Rede Globo “As 50 maiores audiências da TV brasileira em 2014. Ou, a programação da
Globo em 2014”. Disponível em: <https://i.pinimg.com/736x/c1/4a/54/c14a54a839b341d128520aef3c9a19f0.jpg>
Acesso em: 13 jan. 2018.
250
Além do rating e do share, existem muitos outros índices importantes para as empresas
de radiodifusão e departamentos de mídia das agências de publicidade como: alcance, audiência
média, penetração, total de ligados, entre outros.
O alcance (reach) é o número de indivíduos de um target (ou domicílios) que assistiu por
pelo menos um minuto a determinado veículo ou a uma combinação de veículos. O dado pode ser
expresso em porcentagem ou número absoluto. Por exemplo, um determinado programa de TV
atinge 6 milhões de pessoas das classes C, e na praça temos um total de 35 milhões de pessoas da
classe C. O programa alcançou 17% deste público:
A audiência média é o número médio de pessoas que recebem uma mensagem transmitida
em mais de um veículo, ou várias vezes em um mesmo veículo. Ou seja, é o resultado da soma das
audiências registradas nas várias emissões ou de veículos. Por exemplo, em uma minissérie com
cinco capítulos que teve, respectivamente, 22, 24, 16, 22 e 26 pontos de audiência, a audiência
média será de 22 pontos, ou seja, 22+24+16+22+26 ÷ 5 (FURGLER; FERREIRA, s.d., p.14).
Penetração é a quantidade (porcentagem ou número) de pessoas ou de famílias atingidas
por um veículo, em relação ao total da população ou a um de seus subconjuntos. Esses subconjuntos
(segmentos) podem ser classificados, conforme os objetivos da pesquisa, de acordo com a
classificação socioeconômica, idade, sexo, escolaridade etc. Assim, por exemplo, um programa
assistido por 200 mil pessoas, em uma área com 1 milhão de habitantes, tem penetração de 20%.
Se considerarmos apenas os telespectadores mirins (na publicidade de um brinquedo, por exemplo),
o critério é o mesmo: se, de 100 mil crianças existentes na região, o anúncio foi visto por 30 mil, a
penetração foi, portanto, de 30% (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.558).
O índice “total ligados” (TVR%) é a porcentagem de indivíduos ou domicílios com a
televisão ligada num determinado momento, não importando em qual emissora. O “total ligados
especial” (TLE) junta a audiência de todas as emissoras de TV e “exclui os índices coletados para
VCR (videocassete), videogame, DVDs, Internet, circuito interno e canais de áudio (que
transmitem programação de rádios AM e FM). Com a TLE é possível calcular o share das
emissoras com base na audiência ‘pura’ de televisão” (IBOPE MEDIA, 2012, p.9).
251
Gráfico 22 – Curva de audiência com total de domicílios com televisores ligados 279
Fonte: IBOPE Media Worstation – 2016 / Painel Nacional de Televisão – Universo: 24.088.600
No gráfico 22, é possível ver a porcentagem de domicílios com televisões ligadas (TVR%)
durante 24 horas. De acordo com o Mídia Dados 2017, de segunda a sexta, entre 21h e 22h, 68,98%
dos domicílios brasileiros equipados com televisores estavam com os aparelhos ligados. Ou seja,
neste horário, 31,02% das televisões estavam desligadas. Já aos domingos, entre 4h e 5h da manhã,
9,56% dos televisores estavam ligados e 90,44% desligados (veja o total de ligados de 1965, em
São Paulo, no Anexo A).
Em 1º de janeiro de 2018, com base nas novas estimativas populacionais, a Kantar IBOPE
Media atualizou a representatividade do ponto de audiência de televisão. Um ponto de audiência
equivale a 1% do universo pesquisado. Por exemplo, se o universo for a Grande São Paulo (GSP),
um ponto de audiência equivale respectivamente a 71.855 domicílios ou 201.061 indivíduos.
No universo do Grande Rio de Janeiro (GRJ), um ponto de audiência representa 45.253
domicílios ou 118.472 indivíduos. As estimativas populacionais são atualizadas anualmente. A
279
Fonte: Mídia Dados Brasil 2017. Grupo de Mídia, São Paulo. Disponível em:
<https://dados.media/#!/view/CATEGORY/TELEVISION/MDB_TVA_TOTAL_DOMICILIOS_TV_LIGADOS>
Acesso em: 13 jan. 2018.
252
média das 15 regiões metropolitanas aferidas pela empresa, por exemplo, representa 248.647
domicílios e 693.786 indivíduos (ver Anexo E).
Independentemente da aferição de audiência ter passado por distintas fases de
desenvolvimento, o recorde brasileiro de audiência ocorreu no dia 04 de outubro de 1972, com o
capítulo 152 da primeira versão da novela “Selva de Pedra”. Naquela época, a metodologia
utilizada era o flagrante domiciliar: o pesquisador batia de porta em porta e perguntava para o
telespectador o que ele estava assistido. No horário da novela, entre 20h30 e 20h45, no Rio de
Janeiro, o total de televisores ligados era de 77 pontos, ou seja, de cada 100 domicílios pesquisados
pelo IBOPE, 77 estavam assistindo a protagonista Simone Marques (Regina Duarte), que se
passava pela irmã, ser finalmente desmascarada. Os outros 23 lares restantes estavam com as
televisões desligadas. “Ou seja, naquela noite, Selva de Pedra atingiu os históricos 100% de share,
enquanto outras emissoras davam audiência desprezível (próximo de 0%) em termos estatísticos”
(FERREIRA, 2003, p.70).
Vale lembrar que, nos dias de hoje, em tempos de concorrência com a multiplicidade de
oferta da TV paga e conteúdo streaming via Internet, se uma novela passa da casa dos 30 pontos já
é motivo para comemorações. Teoricamente é possível que 100% dos aparelhos de TV de um
universo estejam ligados ao mesmo tempo, mas é totalmente improvável.
Em 2012, o então diretor-geral da Rede Globo, Octávio Florisbal, em entrevista ao jornal
O Estado de S. Paulo, afirmou que a emissora carioca é “neurótica” em relação à audiência: “Nós
acompanhamos essa questão de audiência, somos neuróticos. Temos duas reuniões por semana, de
programação, conteúdo, e a gente fica mapeando tudo”, admitiu Florisbal (PADIGLIONE, 2012).
Quando perguntado sobre o porquê de a emissora perder audiência nos últimos anos e conseguir
manter a maior parte do investimento publicitário, Florisbal tentou justificar:
Apesar da explicação de Octávio Florisbal, é fato que a emissora carioca está perdendo
sua audiência para a concorrência (tabela 9). Em 2010 a Globo tinha 46,6% de share. As outras
redes nacionais (SBT, Record, Band e Rede TV), somadas, detinham 39,6% da participação de
audiência. Todos os outros, incluindo canais pagos, emissoras regionais, educativas,
governamentais, conteúdo gravado e vídeo sob demanda (Netflix e Now, por exemplo), ficavam
com 13,8% das TVs ligadas.
Em apenas seis anos, a audiência sofreu grandes alterações: a líder Globo encolheu para
36,9% dos televisores ligados, em 2016. As redes SBT, Record, Band e Rede TV, somadas, caíram
para 34,9% de share. Outros canais e plataformas, juntos, dobraram e deram um salto para 28,2%
da participação de audiência. Ou seja, a Globo não está perdendo audiência para o SBT ou Record.
280
Fonte: Mídia Dados Brasil 2017. Grupo de Mídia, São Paulo. Disponível em:
<https://dados.media/#!/view/CATEGORY/TELEVISION/MDB_TVA_TOTAL_DOMICILIOS_TV_LIGADOS>
Acesso em: 13 jan. 2018.
254
281
Entende-se por horizontalidade e verticalidade a programação horizontal caracterizada por estipular um horário
fixo, todos os dias da semana, por semelhança de gênero, com o objetivo de criar no telespectador o hábito de assistir
ao mesmo programa neste horário (ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 55). Já na programação vertical, a atração que
sucede a anterior visa manter o mesmo público (e aumentá-lo) por afinidade de conteúdo. As emissoras de TV aberta
utilizam os conceitos de programação vertical e horizontal simultaneamente. Já as tevês por assinatura adotam uma
grade de programação predominantemente diagonal, ou seja, os programas são transmitidos e reprisados em diferentes
horários durante a semana, para ter audiência em vários horários. Os canais por assinatura também possuem faixas de
programação horizontal, combinadas com uma estrutura de verticalidade por afinidade de gêneros.
282
Fonte: Pesquisa comScore Global Digital Future in Focus 2017. Disponível em:
<https://www.smartinsights.com/mobile-marketing/mobile-marketing-analytics/mobile-marketing-statistics/> Acesso
em: 12 jan. 2018.
255
No gráfico 23, é possível analisar o uso das mídias digitais durante o dia. A maioria das
pessoas usa seus celulares para acessar a Internet pela manhã, computadores de mesa durante as
horas de trabalho e tablets à noite. Semelhante ao gráfico 22, o consumo aumenta à noite, quando
a maioria das pessoas já chegou em casa.
Em relação à televisão aberta, o horário nobre 283 ainda continua ditando as cartas do
investimento publicitário, pois é o momento do dia em que a maioria das pessoas chega em casa
depois do trabalho (gráfico 24). Os programas têm mais audiência e, consequentemente, são mais
caros (ver Anexo D). Na TV paga, o horário nobre é estabelecido por legislação284. A Lei nº
12.485/2011 que regulamenta a TV fechada, estabelece um parâmetro legal sobre o horário nobre
televisivo: das 19h à meia-noite.
283
Segundo o “Dicionário da Comunicação” (BARBOSA; RABAÇA, 2001, p.370) a programação geralmente está
dividida em quatro ou cinco faixas: diurno (matutino e vespertino), fim de tarde, horário nobre, fim de noite (em inglês,
respectivamente, daytime, early fringe, prime time e late fringe). O chamado “horário nobre” é o período em que se
registram as maiores audiências e são mais caros os preços de propaganda; compreendido em geral, entre 19 e 22 horas
e, no período diurno, entre 7 e 10 horas. Para José Marques de Melo (2010, p.37) as faixas de programação estão
divididas nos seguintes horários: faixa matutina (06h às 12 h), vespertina (12h às 18h), horário nobre (19h e 22h) e
noturna (22h às 05h). De acordo com Bia Braune e Rixa (2007, p.296), o prime time, expressão usada na televisão
norte americana, significa algo como “horário de primeira qualidade”. No Brasil, o jornalista Hilton Gomes batizou a
faixa das 19h às 22h de horário nobre no final da década de 1950. A primeira medição de audiência do IBOPE,
realizada em 1954, calculou que 16% dos televisores estavam ligados às 18h. “Uma hora depois, a porcentagem
triplicou e, às 21h, esse número subiu para 67,7%. Notou-se aí que a noite trazia não só os pais de família de volta ao
lar, como também reunia mais espectadores diante da ainda misteriosa caixinha”. Segundo Gustavo Orsa (apud
CARDOSO; SANTOS; GOULART, 2007, p. 59), o horário e duração do prime time varia consideravelmente em cada
país, já que se relaciona com os hábitos socioculturais de consumo televisivo. Por exemplo, na Austrália, o horário
nobre vai das 18h às 22h30. No Japão, das 19h às 23h. Na Argentina e no México, com hábitos mais noturnos, o prime
time começa às 19h e termina à meia-noite. Nos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Coréia do Sul, Canadá e
Portugal, este período compreende das 20h às 23h. Na França, o horário mais valorizado da TV vai das 20h às 22h.
284
De acordo com Instrução Normativa nº 100 de 29 de maio de 2012, da Agência Nacional de Cinema (ANCINE)
que regulamenta os dispositivos da Lei nº 12.485/2011 (sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado):
CAPÍTULO VI - DA CLASSIFICAÇÃO DOS CANAIS DE PROGRAMAÇÃO - Seção I - Do Horário Nobre. Art.
13. Para os fins desta IN, compreende-se por horário nobre: I - para os canais de programação direcionados para
crianças e adolescentes: as 7 (sete) horas compreendidas entre as 11h (onze horas) e as 14h (quatorze horas) e entre as
17h (dezessete horas) e as 21h (vinte e uma horas) do horário oficial de Brasília; II - para os demais canais de
programação: as 6 (seis) horas compreendidas entre as 18h (dezoito horas) e as 24h (vinte e quatro horas) do horário
oficial de Brasília.
256
Gráfico 24 - Importância relativa dos horários para o consumo de cada mídia no Brasil: momento de contato
com os meios 285
285
Fonte: Mídia Dados 2017. Grupo de Mídia, São Paulo. Disponível em:
<https://dados.media/#!/view/CATEGORY/MEDIA_RESEARCH/MDB_PM_IMPORTANCIA_RELATIVA_DOS
_HORARIOS_PARA_CONSUMO_DE_CADA_MIDIA> Acesso em: 12 jan. 2018.
257
mais estável ao longo do dia. Entre 12h e 00h, o consumo da web fica relativamente estável,
variando entre 13,3% e 17,3%. Também é o meio mais consumido depois da meia noite, com 6%
das 00h às 02h. O estudo ainda mostra que, no horário do almoço e entre 15h e 18h, há um equilíbrio
de consumo das mídias (com exceção da revista). À noite, das 20h às 22h, elas se distanciam e, de
madrugada, das 02h às 06h, o consumo de quase todas as mídias se aproxima, variando entre 0,9%
e 1,9%.
É fato que esse modelo de comunicação não é o predominante (por enquanto), nem na
Catalunha e nem no restante do mundo. Porém, se considerarmos que a Internet está largamente
difundida entre a população com menos de 30 anos, pode ser um indicador dos modelos
comunicacionais do futuro. A única coisa possível de afirmar acerca do amanhã é que os jovens de
hoje farão o mundo, “e que o uso da Internet irá se generalizar com base na tecnologia sem fio no
mundo todo, considerando a inevitabilidade do desaparecimento das gerações mais velhas, nas
quais o índice de penetração da Internet é menor” (CASTELLS, 2015, p.188).
Ao longo da última década, várias outras pesquisas têm apontado resultados semelhantes,
porém dissonantes em alguns pontos. Estudo realizado em 2012 pela BBC, em conjunto com o
instituto InSights Consulting, revela que os usuários consomem com frequência diferentes mídias
simultaneamente. A pesquisa realizada em nove países (o Brasil não estava incluído) ouviu 3.600
pessoas que possuem e fazem uso de, no mínimo, três dispositivos. De acordo com o levantamento,
286
“Atenção dividida” é a habilidade de realizar simultaneamente múltiplas tarefas. O emprego do termo “atenção
dividida” remete à ideia de uma situação complexa, rica em informações, que necessita da utilização conjunta de várias
operações, sejam intelectuais sejam simplesmente de ordem perceptivo-motora. No cérebro, duas regiões são ativadas
quando se utiliza a atenção: uma região posterior, chamada lobo occipital, é envolvida quando devemos orientar,
deslocar a atenção para uma informação que buscamos; uma segunda região, anterior, em direção dos lobos frontal e
pré-frontal, formaria a base biológica de nossas ações voluntárias e da manutenção da atenção (BOUJON;
QUAIREAU, 2000, p.20).
259
83% dos usuários de tablets afirmam utilizar o equipamento enquanto assistem TV e 43% declaram
assistir mais televisão agora do que nos cinco anos anteriores, quando não possuíam o aparelho (ou
seja, o estudo da BBC mostrou que o consumo de televisão cresceu em conjunto com a web).
A análise dos dados287 aponta que os dispositivos móveis não competem diretamente com
as emissoras pelo público, pois os usuários veem as mídias como complementares. Smartphones e
laptops são mais populares durante o horário de trabalho. O uso da TV aumenta drasticamente a
partir das 17h e, no horário de pico, às 19h, o uso da TV é 50% mais alto do que em qualquer outro
dispositivo. Jim Egan, CEO da BBC Global News Ltd, explica: “Há especulações de que a adoção
de smartphones, laptops e tablets terá um impacto negativo sobre a televisão, mas este estudo
descobriu que os quatro dispositivos realmente funcionam bem juntos, resultando em um maior
consumo geral, em vez de ter um efeito canibalizador” (CULSHAW, 2013).
Conhecido por Social TV, o ato de assistir um programa de televisão e compartilhar
comentários para os amigos nas redes sociais tem se tornado um hábito cada vez mais comum e,
ultimamente, estimulado pelas emissoras.
287
A pesquisa também constatou que, em notícias de grande importância, os usuários se voltam para a televisão como
seu primeiro dispositivo (42%), sendo que, em seguida, a maioria (66%) se volta para a internet a fim de aprofundar
as informações do fato. Na pesquisa de 2012, a TV ainda dominava o uso geral, levando 42% do tempo de consumo
de notícias das pessoas em comparação com laptops (29%), smartphones (18%) e tablets (10%).
288
Imagem disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/a-tv-cada-vez-mais-social/> Acesso em: 15 jan.
2018.
260
289
A pesquisa foi realizada em julho de 2015, com 1.004 internautas de todas as regiões do Brasil.
262
290
Imagem disponível em: <http://www.abcdacomunicacao.com.br/social-tv-no-brasil-em-2017/> Acesso em: 25 jan.
2018.
263
291
Segundo a Organização das Nações Unidas, em 2016 existiam 193 países (ONU BR, 2017). A ONU não contabiliza
Taiwan, Vaticano e territórios como Groenlândia, Aruba e Ilhas Cayman, pois pertencem a outros países. A título de
comparação, o Comitê Olímpico Internacional conta com 206 membros e a Fifa tem 209.
292
Todos os valores estão com a cotação de 05 jan. 2018. Fonte: <https://finance.yahoo.com/quote>.
264
293
Antes de fundar a Netflix, o engenheiro Wilmot Reed Hastings Jr. trabalhou na Adaptive Technology, onde inventou
uma ferramenta para depurar softwares. Em 1991, fundou sua primeira empresa, a Pure Software, que produzia
produtos para solucionar problemas no funcionamento de softwares. Em 1996, a Pure Software se fundiu com a Atria
Software para criar Pure Atria, que foi adquirida em 1997 pela Rational Software (FISHER, 1996).
294
Hastings deveria receber US$ 890 milhões pela venda da Pure Atria, mas as ações caíram quando o negócio foi
anunciado e ele acabou faturando “apenas” US$ 525 milhões. Após a venda, ele foi nomeado diretor técnico por alguns
meses antes de sair da empresa (GRINAPOL, 2014, p. 18-19).
295
VHS: Video Home System. Formato doméstico, desenvolvido pela empresa Matsushita e licenciado pela JVC. Foi
lançado em 1976 e utilizava fitas de meia polegada. Não era usado profissionalmente devido à baixa qualidade na
gravação (PIZZOTTI, 2003, p.274).
296
DVD: Digital Video Disc ou Digital Versatile Disc: Disco digital de leitura a laser com 120 mm de diâmetro que
possibilita gravação dos dois lados e em duas camadas, permitindo armazenar de 4.7 GB até 17 GB, o que equivale a
um filme com 6 horas de duração ou a mais de 3 mil vezes a capacidade de um disquete de alta densidade. O DVD
tem qualidade de reprodução de reprodução muito superior à do VHS e, por ser um formato óptico, a qualidade de
imagem não cai com o uso ou passar do tempo. Criado em 1995, o DVD já tem dois substitutos, o HD DVD e o Blu-
ray, ambos com maior capacidade de armazenamento. No Brasil, o DVD se popularizou apenas em 2003 (PIZZOTTI,
2003, p.101).
265
lo. Cada cliente poderia alugar no máximo três filmes por vez, ao valor de até US$ 4 cada, sem
cobrança de multas e sem prazo para devolução.
Em 1999, a Netflix introduziu o modelo de assinatura com uma taxa fixa (flat fee) de US$
15,95 mensais que possibilitava ao cliente assistir quantos DVDs quiser, desde que um por vez 297.
O modelo de pagamento mensal mostrou-se mais conveniente para o consumidor e se diferenciava
daquele explorado por videolocadoras tradicionais.
Um dos fatores de sucesso da Netflix foi a introdução de um sistema de recomendação
personalizada de filmes. Ao criar a conta no site da empresa, o assinante preenche um pequeno
questionário para identificar seus gêneros cinematográficos preferidos. Após assistir ao filme, o
usuário classifica o conteúdo numa escala de um a cinco. A partir do cruzamento desses dados, o
site recomenda uma lista de filmes que podem interessar num próximo pedido. O sistema também
disponibiliza a sinopse e a classificação dos outros assinantes. Esse programa inteligente foi
fundamental para o êxito do modelo de negócios da empresa e é aperfeiçoado continuadamente.
Os mercados de VHS e DVD faturavam, respectivamente, US$ 12,2 bilhões e U$ 1,1
bilhão, em 1999 (gráfico 26). Até então, apenas 5% das famílias norte-americanas possuíam
reprodutores de DVD, o que não intimidou a Netflix em trabalhar apenas com este tipo de mídia,
pois a tendência era de crescimento do uso digital e do declínio do analógico.
Entre os anos de 1999 e 2000, a Netflix cresceu de uma base de 100 mil para 292 mil
assinantes e as receitas passaram de US$ 5 milhões para quase US$ 36 milhões anuais
(SLYWOTZKY, WEBER, 2007, p.109). Mas as contas não fechavam e primeiro balanço
publicado acumulou um déficit de US$ 58 milhões.
As perspectivas para o setor de tecnologia eram extremamente positivas, principalmente
nos Estados Unidos, onde investidores faziam aportes altos nas “empresas ponto com”,
supervalorizando seus papéis no mercado. A formação da “bolha” nos negócios de informática se
deu no final de década de 1990 e o clímax deste período foi no dia 10 de março de 2000, quando o
índice Nasdaq chegou à marca histórica de 5.132,52 pontos. Quando o mercado percebeu que a
297
Depois de criar uma lista chamada de “Sua Fila” (Your Queue) com os vídeos que o assinante deseja assistir, a
Netflix envia os discos de DVD ou Blu-ray para o endereço do usuário pelo U.S. Postal Service First Class Mail. O
cliente pode alterar a ordem da lista, acrescentar ou remover títulos quando quiser. Se o primeiro título na lista não
estiver disponível, a empresa envia o título seguinte.
266
Internet não era uma fonte ilimitada de lucros e que suas projeções estavam completamente
equivocadas, a cotação das ações despencou, provocando a falência de diversas corporações.
Gráfico 26 – Gastos com venda e locação de home video nos EUA, em US$ bi (1999-2010)
Blockbuster, pensando que era um “negócio de nicho muito pequeno”, apostou suas fichas no
tradicional modelo de mercado e riu da proposta (GRASER, 2013).
Em 2001, a Netflix registrou uma receita de US$ 75,9 milhões com uma perda líquida de
US$ 38,6 milhões (GILPIN, 2002). No ano seguinte, o saldo negativo foi de US$ 21 milhões.
Por várias vezes a Netflix teve sua morte anunciada. De 2002 a 2005, quando o Walmart
ofereceu aluguel de filmes on-line, analistas começaram a se referir à Netflix como The Last
Picture Show (“O Último Show de Imagens”, tradução nossa), mas o serviço da rede varejista não
obteve êxito, e acabou vendendo sua modesta base de dados para a Netflix.
A contratação de Ted Sarandos, com experiência em uma das maiores distribuidoras de
vídeo nos Estados Unidos, aproximou a Netflix dos grandes estúdios e produtores independentes.
Na Direção de Conteúdo (Chief Content Officer), Sarandos aumentou o acervo da companhia de
14.500 para 18.000 títulos, distribuídos em 12 milhões de DVDs. A adesão de assinantes crescia
rapidamente.
A Netflix abriu seu capital na Bolsa de Valores em 23 de maio de 2002, a um valor inicial
de US$ 15,00 por ação. No fechamento do primeiro pregão já valia US$ 16,75 a unidade. O
ingresso de US$ 82,5 milhões com a venda de suas ações ajudou a empresa a quitar uma dívida de
US$ 14 milhões e a começar a dar lucro. O rendimento negativo por três anos seguidos teve relação
direta com seu plano de expansão ao fazer investimentos em infraestrutura e na aquisição de títulos.
Até 2001 a Netflix operava com apenas um centro de distribuição em SunnyVale,
Califórnia, que cumpria as entregas na região da Baía de São Francisco em até um dia. Para os
outros locais do país era utilizado o correio, o que poderia levar até quase uma semana para a
entrega e devolução das mídias. Por isso, a empresa decidiu aumentar a quantidade de centros de
distribuição298 pelo país. Em 2007, a empresa já contava com 44 centros espalhados pelos Estados
Unidos, o que possibilitou enviar filmes em até 24 horas para 90% dos seus assinantes 299. Cada
centro conseguia despachar aproximadamente 800 mídias por hora (ilustração 66). A partir daí a
298
Os centros de distribuição diminuíam consideravelmente o tempo entre o envio e a volta dos DVDs, aumentando a
disponibilidade dos filmes para os assinantes. Cada novo centro de distribuição custou aproximadamente US$ 60 mil,
o que segundo a empresa, era um valor baixo de investimento e que seria recuperado rapidamente (GUIA MUNDO
EM FOCO EXTRA, 2016, p.16).
299
De acordo com o site da Netflix, atualmente a entrega das mídias acontece entre um e três dias (NETFLIX, 2017).
268
Netflix podia competir em igualdade de condições com pequenas locadoras em qualquer parte do
território norte-americano.
Além de sua própria rede de distribuição, a fim de aperfeiçoar a logística, a Netflix firmou
uma parceria com o U.S. Postal Service (USPS), o sistema de correio norte-americano. “Em vez
do serviço postal devolver o filme para o local de origem, eles poderiam ser entregues no centro de
distribuição mais próximo, que contava com múltiplas rotas para seus caminhões para diminuir o
tempo de retorno dos filmes, aumentando a oferta e diminuindo a espera” (GUIA MUNDO EM
FOCO EXTRA, 2016, p.18-19).
De 2003 a 2006, o lucro da Netflix cresceu de US$ 7 milhões para US$ 46 milhões e as
ações da companhia tiveram um desempenho significativamente melhor que as da Blockbuster.
Em 2004, a Netflix já era responsável por 80% do mercado de DVDs alugados via Internet e 7%
do mercado de home video nos Estados Unidos.
Diante da concorrência, e com anos de atraso, a Blockbuster decidiu apostar na Internet e
investiu cerca de US$ 500 milhões na integração das operações on-line e off-line, maximizando a
vantagem de possuir uma cadeia de lojas. Foi então que lançou o serviço Blockbuster Online, que
oferecia pela Internet um catálogo de filmes integrado com suas 4 mil lojas físicas, ou seja, o cliente
recebia o filme em casa, pelo correio, e, depois de assistir, poderia devolvê-lo na loja mais próxima
da sua casa (SLYWOTZKY, WEBER, 2012).
As multas por atraso até então representavam altos lucros para a companhia, chegando a
US$ 600 milhões em 2004, ou 15% do faturamento. Mas o modelo de locação da Netflix se tornou
tão popular que, no ano seguinte, e por pressão dos clientes, a Blockbuster decidiu deixar de cobrar
269
multas por atraso na devolução de filmes, perdendo uma importante fonte de receita300. A
Blockbuster também começou a oferecer recomendações personalizadas por meio de um software
de “filtragem colaborativa” conectado ao seu enorme banco de históricos individuais de locação
(SLYWOTZKY, WEBER, 2007, p.110).
Por mais que a Blockbuster tivesse alcançado um grande número de assinantes, a má
gestão somada à demora em se adequar às novas tecnologias foram a causa da decadência da
gigante das videolocadoras e sua posterior falência301. Ao contrário, a Netflix soube avaliar melhor
as mudanças tecnológicas e compreender como elas poderiam ser aplicadas na indústria do
entretenimento.
O mercado de home video cresceu de forma constante nos Estados Unidos até 2004,
arrecadando US$ 21,8 bilhões (gráfico 26), em parte, impulsionado, pela combinação de locação e
venda. A Netflix sofria concorrência direta com a venda de DVDs pelas grandes redes varejistas
como Wal-Mart, Target e redes de eletrônicos como Circuit City302 e Best Buy.
O ponto de virada do home video acontece a partir 2006, quando o Blu-ray foi introduzido
e o VHS já estava com os dias contados. Também nesse período, as velocidades na Internet
finalmente alcançaram a capacidade de entregar vídeo em tempo real com definição padrão (SD –
Standard Definition). Para Reed Hastings, cada vez mais pessoas começavam a fazer download de
filmes ou assistiam on-line, na modalidade Video-on-Demand (VoD), utilizando serviços de
empresas como CinemaNow e Movielink.
300
O prazo devolução da Blockbuster variava conforme o dia da semana e quão novo era o filme. Os lançamentos
geralmente tinham um prazo de 24 horas para a entrega. O sucesso financeiro da empresa estava na alta rotatividade
do seu catálogo. Qualquer filme que ficasse muito tempo parado na prateleira era considerado prejuízo.
301
Nascida no Texas em 1985, a Blockbuster, maior empresa de locação de filmes, chegou a ter 9 mil lojas de aluguel
e venda de VHS e DVDs físicos no país e pediu concordata em 2010 após acumular dívida no valor de US$ 1 bilhão.
Em 2011, foi comprada pela Dish Networks, uma provedora de TV por satélite, por US$ 228 milhões (RONCOLATO,
2013). Em 2013, fechou suas últimas 300 lojas e centros de distribuição nos Estados Unidos. A Dish manteve os
direitos de licenciamento da marca Blockbuster, incluindo a biblioteca de vídeos da empresa, e continuou oferecendo
o serviço de streaming Blockbuster On Demand até 2015, quando foi encerrado e todos os clientes foram
redirecionados para a Sling TV, o novo serviço OTT da Dish.
302
Fundada em 1949, a Circuit City se manteve como a principal rede de aparelhos eletrônicos nos EUA até meados
dos anos 1990, mas acabou por perder participação de mercado para a Best Buy, sua maior concorrente, e para o
Walmart, além de sofrer com a concorrência de sites de vendas como o Amazon.com. A Circuit City pediu concordata
em 2008 e faliu em 2009 (FOLHA ON LINE, 2009).
270
Os primeiros assinantes tinham um pacote de horas limitadas para assistir os 1.000 títulos
do catálogo. O plano básico custava US$ 5,99 mensais e dava direito a 6 horas de vídeo, já o plano
intermediário custava US$ 17,99 e permitia acesso a 18 horas por mês, ou 9 filmes, em média. Em
comparação, o aluguel típico de um único filme por VoD custava de US$ 3 a US$ 4 na Amazon e
US$ 3 a US$ 5 na Movielink (HELFT, 2007).
Para assistir em streaming no computador, com qualidade e sem travamentos, era
necessário que o usuário tivesse uma conexão de Internet com no mínimo 1,5 Mbps, algo raro
naquela época.
Com seu serviço SVoD (Subscription Video-on-Demand) por streaming, a Netflix
disputava mercado com vários segmentos do home video: as tradicionais videolocadoras, a venda
de DVD pelos grandes varejistas, além de outras empresas que já atuavam no segmento de TVoD,
como a Apple TV, Hulu, Movielink e o Amazon Unbox (posteriormente chamado de Amazon
Instant Vide-on-Demand). Entre as diferenças da Netflix para essas empresas estava a oferta de seu
catálogo por uma taxa mensal regular, e sem qualquer prazo para o assinante assistir o conteúdo
303
Por meio de um acordo com a Microsoft, a Netflix disponibilizou em seu site um plug-in a ser instalado no Windows
Media Player, dessa forma, em poucos minutos após a instalação o assinante poderia assistir a qualquer vídeo do
catálogo.
304
Netflix é uma variação de netflicks. Flicks é o plural de flick, que é uma maneira informal para se dizer “filme” em
inglês. Net significa “rede” e é a abreviação de “Internet”. Portanto há várias formas de interpretar o significado da
marca: net flicks (“filmes na rede”); internet flicks (“filmes na Internet”) ou até mesmo net of movies (“rede de filmes”)
(MICHAELIS, 2017).
271
escolhido, enquanto que seus concorrentes geralmente limitavam a visualização por até 48 horas e
cobravam por vídeo assistido.
Em 2007, quando a Netflix passou a oferecer conteúdo via streaming, o mercado de DVDs
(venda e locação) faturou US$ 17,9 bilhões, mas já começava a declinar. O VHS definhava, com
apenas R$ 100 milhões arrecadados. No sentido inverso, crescia o segmento dos recém lançados
discos Blu-ray305, com US$ 300 milhões comercializados, e os serviços VoD on-line, com US$ 1,3
bilhão (gráfico 26).
Vivia-se um ciclo de muitas novidades tecnológicas, como a melhora na qualidade de
vídeo, com a introdução de televisores 1080p306. Em 2007, foram lançados o FairPlay DRM, da
Apple, e o PlayReady DRM, da Microsoft307 que trouxeram maior segurança aos estúdios de
cinema na proteção dos direitos autorais de seus títulos quando distribuído pela web. Outro marco
tecnológico foi a chegada do primeira geração de smartphones, com o iPhone 2G da Apple, que se
tornou essencial na propagação do vídeo móvel 308.
O lançamento do primeiro decodificador de mídia digital, o Roku309, em 2008, ajudou a
popularização dos serviços de streaming, facilitando o acesso do assinante ao conteúdo,
305
Blu-Ray Disc: Formato de disco óptico que permite a gravação e reprodução de imagens com alto grau de qualidade
e resolução (25 gigabytes para cada camada de vídeo). O nome Blu-ray (corruptela de ‘raio azul’ em inglês) deriva do
fato de que a nova tecnologia não usa um método de reprodução com raios vermelhos, como fazem os DVDs, mas
com um raio laser azul violeta (NEIVA, 2013, p.72).
306
1080p (1920×1080) é um formato de resolução de imagem para telas ou monitores. O número 1080 representa
resolução vertical de 1080 linhas horizontais, e uma relação de aspecto de 16:9, enquanto a letra p significa varredura
progressiva (PIZZOTTI, 2003, p.15). Desde 2005 existem vários fabricantes de televisores que oferecem 1080p, como
a Sony, Panasonic, Mitsubishi, entre outras.
307
Tanto o FairPlay quanto o PlayReady são tecnologias de Gestão de Direitos Digitais – GDD (em inglês, Digital
Rights Management – DRM) com a finalidade de criptografar, parametrizar e controlar um determinado conteúdo de
maneira mais restrita, como por exemplo, limitando o local e o número de vezes em que esse arquivo pode ser aberto
ou a duração da validade dele. Os DRMs detectam quem acessa cada conteúdo, quando e sob quais condições, e
reportam essa informação ao provedor da obra, assegurando os direitos autorais e suas marcas registradas.
308
A Bateria interna não removível e recarregável do iPhone 2G tinha autonomia aproximada de 7 horas de reprodução
de vídeo.
309
Fundada por Anthony Wood, inventor do DVR, a empresa é apoiada por investidores como 21st Century Fox,
Fidelity, Hearst, Sky, Menlo Ventures e Viacom. Hoje é um reprodutor de mídia digital muito popular no mercado
norte-americano e pode ser conectado a qualquer televisor ou outro dispositivo de exibição de vídeo. Oferece mais de
350.000 filmes e episódios de TV em mais de 3.500 canais gratuitos ou pagos, além dos serviços OTT, como Netflix,
Amazon Video, Hulu, Vudu, Google Play, entre outros. O Roku fechou 2016 com mais de 13 milhões de contas ativas,
sendo que seus clientes assistiram mais de 9 bilhões de horas de vídeo em streaming (ROKU, 2017).
272
diretamente em seu televisor, sem precisar passar por um computador. Nesse período, a Netflix já
negociava com os fabricantes de TV uma forma de inserir um aplicativo de acesso direto em smart
TVs. Além de televisores, computadores pessoais e laptops, em pouco tempo, o aplicativo também
chegava em outras plataformas como os videogames Xbox 360 e Playstation 3.
Com o objetivo de aumentar sua base de assinantes, em 2010, a Netflix decidiu romper
fronteiras e levar ao Canadá seu serviço OTT (Over-The-Top). O maior obstáculo era a limitação
do pacote de dados de banda larga dos canadenses. Lá, diferente do que acontece no Brasil, o
consumidor tinha basicamente duas opções de assinatura: 40 e 60 Gigabytes. Se o limite for
ultrapassado, o cliente precisa contratar um plano adicional pagando mais. Como o serviço de
streaming consome aproximadamente 1Gb/hora, o assinante de um plano básico conseguiria
assistir, no máximo, a 15 filmes por mês, isso sem usar sua Internet para outros fins. Uma das
soluções encontradas foi aprimorar a compactação de dados para poder transmitir mais vídeos.
Após o Canadá, a Netflix começou a expandir para a América Latina, em 2011: Brasil 310,
Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, México, países
da América Central e Caribe. A maior dificuldade do mercado latino era a má qualidade e a baixa
penetração da banda larga na maior parte dos países da região. Em compensação, a falta de
concorrentes era um atrativo para a entrada nesses mercados.
A maior crise da empresa ocorreu não por questões econômicas, mas por um erro
estratégico ao tentar mudar seu plano de negócios. A companhia decidiu desmembrar o serviço de
streaming, que manteria o nome Netflix, do aluguel de mídias DVD/Blu-ray, que seria batizado de
Qwikster, além de acrescentar videogames ao catálogo311. Hastings justificou dizendo: “DVD e
streaming estavam se tornando cada vez mais diferentes, e poderíamos fazer um trabalho melhor
para ambos os serviços se os separássemos” (HASTINGS apud MILLIAN, 2011). Em seu blog
oficial, a Netflix publicou um comunicado tentando explicar os “benefícios” do novo serviço:
310
Após chegar ao Brasil, a Netflix logo pode ser assistida pela Apple TV, Xbox 360 da Microsoft, PlayStation 2 e
PlayStation 3 da Sony, Wii da Nintendo, ou pelo aplicativo da Netflix para dispositivos com iOS (iPad, iPhone e iPod
touch), disponível na App Store.
311
Além de DVDs e discos Blu-ray, o novo serviço ofereceu, por uma taxa mensal extra, jogos de console para o Xbox
360, Wii e PlayStation 3.
273
ainda mais fácil de usar (...) os sites Qwikster.com e Netflix.com não serão
integrados. Então, se você se inscrever em ambos os serviços, se você precisar
mudar o seu cartão de crédito ou endereço de e-mail, precisaria fazê-lo em dois
lugares. Da mesma forma, se você classificar ou rever um filme no Qwikster, ele
não aparecerá na Netflix, e vice-versa (NETFLIX apud GOLDBERG, 2011.
Tradução nossa312).
Sem dúvida, a mudança foi um tiro no pé. O desmembramento dos serviços, associado ao
aumento dos valores cobrados (de até 60%), desagradou os usuários, que começaram a cancelar as
assinaturas. As ações despencaram mais de 30% no período.
Depois de perder 800 mil clientes estadunidenses em apenas três meses, a empresa teve
que voltar atrás e retornou ao seu antigo modelo híbrido, com a oferta conjunta de streaming e
locação por correio. Apesar do declínio no número de assinantes, a empresa se saiu bem
financeiramente fechando 2011 com um aumento de 47% na receita, totalizando US$ 847 milhões,
(NETFLIX IR, 2012), superando as expectativas dos analistas.
Em 2012, de acordo com o Relatório Global de Fenômenos da Internet da Sandvine,
instituto que monitora o uso da banda larga na América do Norte, a Netflix representava sozinha
33% de todo o tráfego noturno313 da Internet fixa, ou seja, mais que a soma de seus principais
concorrentes: YouTube (do Google), com 14,8%; o iTunes (da Apple), com 3,92%; a Amazon
Video, com 1,75%; a Hulu (da NBC Universal, Fox e Disney-ABC), com 1,38% e o HBO Go, com
0,52%. A Vudu314 não é sequer citada estudo. Já na Internet móvel, o YouTube era o principal
312
Another advantage of separate websites is simplicity for our members. Each website will be focused on just one
thing (DVDs or streaming) and will be even easier to use. A negative of the renaming and separation is that the
Qwikster.com and Netflix.com websites will not be integrated. So if you subscribe to both services, and if you need to
change your credit card or email address, you would need to do it in two places. Similarly, if you rate or review a
movie on Qwikster, it doesn’t show up on Netflix, and vice-versa.
313
Internet Rush Hour, ou Horário de Grande Movimento na Internet (tradução nossa), é o período em que a maioria
dos usuários da Internet está on-line ao mesmo tempo. Em uma analogia com a “audiência televisiva”, seria o “horário
nobre” da Internet, com maior número de usuários conectados. Seu pico vai das 19h às 23h, e dependendo da
quantidade de conexões e da qualidade da rede, pode ocorrer lentidão durante a navegação.
314
Em 2010, a Vudu foi comprada pelo Walmart por pouco mais de US$ 100 milhões. A empresa considerava a Vudu
um “serviço revolucionário”, pois tinha acordos de licenciamento com todos os grandes estúdios permitindo seus
clientes alugar ou comprar até 16.000 filmes em HD por VoD. Depois de três tentativas de ingressar no mercado de
streaming, analistas avaliaram que a maior rede varejista do mundo nunca se dedicou inteiramente no negócio.
Diferentemente da Netflix, Amazon ou Hulu, a Vudu não oferece assinatura mensal e o cliente só paga pelo que aluga
ou compra. A inscrição é gratuita e, em geral, um aluguel de filme varia de US$ 0,99 a US$ 5,99; filmes comprados
variam de US$ 4,99 a US$ 24,99; episódios de TV individuais para compra custam entre US$ 1,99 e US$ 2,99, com
temporadas completas variando de US$ 16,99 a US$ 43,99.
274
consumidor de banda larga com 30,97% enquanto a Netflix ocupava a oitava posição do ranking,
com 2,69% (SANDVINE, 2013).
Mirando nas empresas que ofereciam serviços de SVoD, o YouTube lançou seus
primeiros canais on-line pagos, em maio de 2013. Distribuídos em 10 países, entre eles o Brasil, o
serviço contava com 53 canais, alguns conhecidos, como os infantis NatGeo Kids, Sesame
Workshop (de “Sesame Street”) e DHX Media (“Inspetor Bugiganga”), de esportes (UFC Select)
ou de humor (Laugh Factory), pagos via Google Wallet315. A assinatura de cada canal tinha custo
mensal inicial de US$ 0,99 (R$ 3,99 no Brasil), podendo atingir US$ 7,99 (BRIGATTO, 2013,
p.B3). O Google, que controla o YouTube, fica com 45% da receita com as assinaturas, o mesmo
percentual que retira hoje dos anúncios veiculados antes dos vídeos.
Além desses canais, o Google colocou em prática um projeto para dar ao YouTube uma
abordagem semelhante à da TV. A ideia é incentivar o internauta a assistir a canais - ou seja,
páginas com conteúdo temático e frequentemente atualizado - em vez de vídeos isolados. Isso
aproxima a audiência e faz o usuário voltar ao site, ajudando na venda de publicidade.
A Amazon que comercializava seu serviço Prime Instant Video em streaming por US$ 79
ao ano, em 2012, passou a oferecer um plano mensal com o mesmo valor da Netflix, US$ 7,99.
Com uma maior seleção de vídeos que a Amazon, a Hulu também passou a praticar o mesmo valor
mensal das rivais.
Diante de um mercado cada vez mais competitivo no território norte-americano, a Netflix
decidiu avançar no seu processo de internacionalização, expandindo para a Europa. Os primeiros
países a contar com o serviço streaming foram o Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Finlândia,
Suécia e Noruega, em 2012.
Ao contrário da América Latina, em que a TV por assinatura e o serviço pay-per-view não
alcançavam nem metade da população, a Netflix teve que enfrentar concorrentes de peso que já
trabalhavam com conteúdo em streaming, como a BBC e a Amazon. Além dessas, as principais
empresas de mídia europeias tinham seus próprios serviços: Watchever (da Vivendi), Maxdome
315
Google Wallet é um sistema de pagamento móvel desenvolvido pelo Google que permite aos seus usuários
armazenar os números de cartões de crédito, débito, cartões de fidelização, entre outros. Para realizar uma compra,
basta encostar o celular em um receptor de pagamento para completar a transação.
275
(da ProSieben), Snap (da 21st Century Fox da Sky alemã), CanalPlay (do Canal +) e Orangecast
(da Orange).
A resistência cultural ao conteúdo estrangeiro e o apreço às produções locais também foi
uma das razões para a lenta expansão da Netflix no continente europeu: Holanda (2013); Bélgica,
Luxemburgo, Áustria, Suíça, França e Alemanha316 (2014); Itália, Portugal e Espanha (2015).
Em 2015, a Netflix expandiu para outras regiões, como Austrália, Nova Zelândia, Japão
e Cuba. Com a reaproximação diplomática e comercial promovida pelo presidente Barack Obama, a
Netflix passou a oferecer seu serviço a US$ 7,99 mensais aos cubanos. O valor é alto para o padrão de
vida da ilha, pois o salário médio é de US$ 17 por mês. Outra dificuldade deste mercado é a Internet
lenta, restrita à poucas áreas317 e o pequeno número de assinantes de banda larga: 5.300 contas no país
inteiro (GLENZA, 2015). O alto custo da Internet em Cuba cria obstáculos para o uso do streaming
e até para downloads mais pesados. Para assistir filmes, séries e até novelas de forma on-line, os
cubanos criam meios alternativos (ilegais) de consumir entretenimento sob demanda, os chamados
paquetes semanais (pacotes semanais)318.
316
No período de expansão, a Alemanha e França tinham enorme importância para a Netflix, pois eram países com o
maior número de lares conectados à banda larga depois da China, EUA e Japão, nessa ordem. Rússia, Brasil e Reino
Unido ocupavam respectivamente o sexto, sétimo e oitavo lugares no ranking dos principais mercados de banda larga
no mundo, em 2015 (TELECO, 2016).
317
Somente em 2015 a estatal de telecomunicações Etecsa passou a oferecer sinal de Wi-Fi em locais públicos. De
acordo com a Freedom House, a Internet de Cuba tem "conectividade excepcionalmente lenta". A disponibilidade é
esparsa e os preços são altos. A penetração da Internet é estimada em cerca de 2,8 milhões, ou cerca de 26% da
população do país de 11,3 milhões (GLENZA, 2015).
318
Devido aos baixos salários, a transmissão de conteúdo da Netflix custará quase metade do salário mensal médio de
um cubano. Uma alternativa para o consumo de produtos audiovisuais é a compra de paquetes semanais (pacotes
semanais. No paquete semanal o cliente recarrega semanalmente o seu pendrive nos postos de “venda”, seja uma loja
ou até no vizinho. O cliente leva o seu HD externo ou qualquer meio de armazenar conteúdo e faz o download do
conteúdo que é oferecido naquela semana (o material pode chegar a 1 terabyte). O valor cobrado pela "recarga" é de
CUC 2 (equivalente a US$ 2). Para efeito de comparação, o salário mínimo em Cuba gira em torno de CUC 30, e é
por isso que todas as famílias buscam uma forma de complementar a renda mensal, inclusive com a venda do próprio
paquete. Os paquetes não oferecem pornografia ou conteúdo político e passam de mão em mão atravessando o
país. Existem fornecedores que entregam os paquetes como delivery, de porta em porta; outros têm uma sede fixa, e
trabalham com a licença do governo - mas para outros tipos de comércio, como a venda de CDs. Encontrar o paquete
semanal em Havana não é difícil, apesar de ser completamente ilegal. Desde o download e os direitos autorais até a
distribuição, o governo faz vistas grossas para o processo completo que envolve a produção e a venda. Por conta do
embargo econômico imposto pelos EUA, a pirataria sempre existiu em Cuba (MARCHAO, 2016).
276
Mas a grande cartada para a expansão global da Netflix ainda estava por vir. Se até aquele
momento seu serviço streaming estava disponível em 60 países, durante a CES 2016 - Consumer
Electronics Show319 - maior feira de tecnologia que acontece anualmente em Las Vegas, a Netflix
anunciou sua entrada em 130 novos mercados simultaneamente: Azerbaijão, Vietnam, Índia,
Polônia, Rússia, Arábia Saudita, Singapura, Coreia do Sul, Turquia e Indonésia, entre outros, além
de todas as 54 nações africanas de uma só vez.
Em seu discurso na CES 2016, o presidente-executivo Reed Hastings anunciou: “Hoje
vocês estão testemunhando o nascimento de uma nova rede mundial de TV por Internet. (...) Chega
de esperar. Com a ajuda da Internet, estamos passando o controle para as mãos do consumidor, que
agora poderá assistir ao que quiser, quando quiser, e no aparelho de sua escolha” (NETFLIX
MEDIA CENTER, 2016).
319
A primeira Consumer Electronics Show aconteceu no ano de 1967, na cidade de Nova York. Nesses 50 anos de
CES, o evento foi palco de lançamentos de produtos icônicos, como o primeiro videocassete doméstico (1970), o
primeiro tocador de CDs (1981), o DVD (1996) e a primeira TV de alta definição (1998), o Blu-ray (2003), a 3D
HDTV (2012), o ultrabook (2013), entre outros. A feira não é aberta ao público em geral, e só participam membros
ligados à indústria da tecnologia. Impressão em 3D, robótica, sistemas não-tripulados, saúde, casas inteligentes,
condução segura e outras tecnologias inovadoras, estão todas na CES. O evento é realizado pela Consumer Electronics
Association (CEA), a associação comercial de tecnologia que representa US$ 285 bilhões da indústria de produtos
eletrônicos dos EUA.
277
Hastings prometeu dar mais atenção às características locais de cada mercado: “Vamos
ouvir e aprender com nossos novos assinantes, adicionando gradualmente mais idiomas, mais
conteúdo e mais maneiras de levar a Netflix até as pessoas. Será um grande prazer levar histórias
incríveis do mundo todo para o mundo todo”.
Em muitos desses novos mercados, a baixa qualidade da Internet, o número limitado de
dispositivos móveis e o valor oneroso dos planos de banda larga têm sido os principais obstáculos
para a Netflix. A tradução por meio de legendas e áudios alternativos também é outro fator
limitador. Embora esteja disponível em inglês em 190 países, a Netflix oferece apenas 21
idiomas320, como árabe, coreano, mandarim simplificado e tradicional, entre outros.
Os países da África se assemelham aos da América Latina, no baixo desenvolvimento
tecnológico, e aos da Europa, na preferência por produções locais. Além da barreira cultural, a
Netflix enfrenta a forte concorrência das empresas de VoD nos países africanos mais
desenvolvidos.
O único grande mercado que a Netflix ainda precisa atingir é a China, porém a empresa
continua analisando opções para oferecer o serviço no país. “Na China, você precisa de permissão
específica do governo para operar, então continuamos trabalhando nisso e somos muito pacientes",
disse Hastings.
Existem mais de 150 plataformas de transmissão ao vivo na China, e o mercado vem
crescendo rapidamente: saltou 175% de 2015 para 2016, alcançando US$ 4 bilhões. As cifras já se
aproximam da arrecadação da indústria de cinema chinesa: US$ 7 bilhões (O GLOBO;
BLOOMBERG, 2016).
A China tem 1,4 bilhão de pessoas e, diante de um mercado gigantesco em potencial, a
Netflix tem negociado uma parceria com empresas de mídia chinesas, como a Wasu Media Holding
Co., que opera TV por cabo e redes de banda larga. A Administração Estatal de Imprensa,
Publicação, Rádio, Cinema e Televisão da China concedeu licenças de TV por Internet a sete
empresas, entre elas a Wasu. A parceria com um grupo de mídia local é essencial por conta dos
estritos controles do governo chinês sobre o licenciamento e censura de conteúdos on-line. Os
filmes e séries precisam ser entregues aos censores para aprovação, e o conteúdo considerado
320
Segundo o compêndio Ethnologue, que cataloga os idiomas do nosso planeta desde 1950, existem 7.977 línguas
diferentes ao redor do mundo, embora menos de 50 sejam conhecidas globalmente. As restantes são línguas de
comunidades minoritárias nos Estados, as mais ameaçadas de extinção pelos idiomas dominantes na comunicação
global. Apenas 23 línguas representam mais da metade da população mundial (ETHNOLOGUE, 2016).
278
violento, sexual ou ofensivo ao Partido Comunista pode ser cortado, de acordo com as regras
importas pelo governo. A Netflix quer ter um parceiro que tenha licenças de conteúdos para todos
os dispositivos, inclusive smartphones, smart TVs, computadores e set-top boxes. A Wasu é
apoiada pela Alibaba Group Holding Ltd., a maior empresa de comércio eletrônico da China.
Além da China, a Netflix também não presta serviços em regiões de conflito como a Síria
e Criméia (região da Ucrânia), e na Coreia do Norte, devido às restrições do governo local às
empresas americanas (ilustração 66).
Em 2016, o ano em que adicionou 130 países ao seu serviço, a Netflix gerou uma receita
global de US$ 8,3 bilhões em streaming (crescimento de 35%), adicionando 19 milhões de novos
assinantes, dos quais 14 milhões fora do mercado norte-americano. Os assinantes internacionais
passaram a representar 47% dos 93,8 milhões de usuários da Netflix, em 2016 (gráfico 27).
Em 2017 a Netflix adicionou 24 milhões de assinantes, aumentando a receita em 36% para
mais de US$ 11 bilhões. O lucro operacional de US$ 245 milhões (margem de 7,5%) contra US$
154 milhões no ano anterior (margem de 6,2%) foi ligeiramente acima da previsão da empresa de
US$ 238 milhões (veja o Anexo G).
321
Fonte: Broadband TV News. Disponível em: <https://www.broadbandtvnews.com/2018/01/23/netflix-reports-
record-year-for-subscriber-growth/> em: 13 jan. 2018.
279
Durante uma apresentação aos acionistas para discutir os resultados financeiros, no final
de 2016, Hastings explicou a aposta na expansão global da Netflix: “Nós estamos escolhendo uma
estratégia de negócios que colocou essencialmente todos os nossos lucros domésticos na expansão
internacional e pensamos que é a jogada certa, mas definitivamente tem que ter um estômago forte
por parte dos investidores322”. No relatório do quarto trimestre de 2016 para os acionistas, a Netflix
enfatizou os bons progressos de sua expansão global, mas admite que “ainda há muito a aprender
para tornar a Netflix tão popular no exterior como nos EUA” (NETFLIX IR, 2017, tradução
nossa323).
Seguindo os passos da líder, em dezembro de 2016, a Amazon anunciou a expansão global
do seu serviço de streaming, a Amazon Prime Video324, que agora está disponível em mais de 200
países ao redor do mundo, colocando-se em concorrência direta com a Netflix. Com uma estratégia
agressiva de preços, a Amazon Prime Video decidiu cobrar uma taxa introdutória de US$ 2,99
mensais para os primeiros seis meses, que depois, passa a US$ 5,99. A empresa disponibiliza um
período gratuito de sete dias iniciais. No Brasil, as principais reclamações dos novos usuários eram
a cobrança em dólares no cartão de crédito e o acervo limitado. Para o crítico da Folha de S. Paulo,
Cássio Starling Carlos (2016), a “Amazon Prime Video parece locadora de vídeo falida”.
As empresas tradicionais de mídia também estão se expandindo para o streaming. Em
dezembro de 2017, o Grupo Disney adquiriu a maior parte da 21st Century Fox por US$ 52,4
bilhões e planeja lançar um serviço direto ao consumidor em 2019 com franquias de sucesso, como
“X-Men”, “Avatar”, “Os Simpsons”, “A Era do Gelo”, além de programas dos canais FX Networks
e National Geographic, entre outros. Trata-se da 4ª maior transação da história da indústria de mídia e a
maior aquisição já feita pela Disney. A compra também inclui a Endemol, que é dona dos formatos de populares
programas de TV, como “Big Brother” e “MasterChef".
322
We're choosing a business strategy which has us put essentially all of our domestic profits into international
expansion. And we think that's the right move but it definitely takes a strong stomach on the part of investors.
323
In 2016, we launched globally (excluding China) and made good progress. But there remains a lot to learn to make
Netflix as popular abroad as it is in the US (NETFLIX IR, 2017).
324
Os assinantes podem assistir a Amazon Prime Video por meio de aplicativo para celulares Android e iOS, e tablets
Fire, além de modelos de TVs LG e Samsung. Também podem baixar filmes e programas de TV para visualização off-
line, sem custo adicional. Os assinantes podem assistir filmes e séries em inglês, com versões legendadas e dubladas
em francês, italiano, português e espanhol.
280
Uma das principais dificuldades que a Netflix terá de enfrentar ao operar em 190
diferentes mercados de SVoD é a concorrência com as empresas locais e os seus conteúdos
nacionais. Além competir com outros grandes players estadunidenses como o Amazon Prime
Video e a HBO Go, a Netflix tem que disputar espaço com serviços streaming oferecidos por
empresas regionais de mídia, como Maxdome, (Alemanha), Canal Play Infinity (França), Sky Go
(Reino Unido), Wuaki.tv (Espanha), Flimmit (Áustria), Pathé Thuis (Holanda), ProSiebenSat.1
(Suécia), Voyo (Bulgária), YouSee Play (Dinamarca), UniversCiné (Bélgica), O2 Videotéka
(República Checa), Dkino (Eslovênia), TIMvision (Itália), iROKOtv (Nigéria), ShowMax (África
325
Fonte: Digital TV Research, 2017. Disponível em: <https://www.digitaltvresearch.com/ugc/press/217.pdf>
Disponível em: 13 jan. 2018.
281
do Sul), Spuul (Índia), Hooq (Cingapura), Blim (México), Foxtel Play (Austrália), ivi.ru (Rússia),
iQIYI (China), Viki (Japão), Globoplay (Brasil), entre muitos outros326.
• Europa
Na Europa, onde os usuários têm preferência por consumir conteúdos nacionais, o cenário
do Video-on-Demand é altamente fragmentado. Segundo um estudo327 realizado pelo Observatório
Europeu do Audiovisual, da Comissão Europeia, em 2016 havia 3.088 serviços VoD espalhados
pelo continente, sendo 682 serviços no Reino Unido, 434 na França e 330 na Alemanha (a título
de comparação, em 2016, havia apenas 31 serviços de vídeo sob demanda no Brasil. Veja o Anexo
F). Muitas das plataformas europeias são operadas por canais de mídia locais e cada mercado
apresenta condições diferentes que favorecem ou não o desenvolvimento do SVoD e a sua rápida
adoção pelos consumidores (SCHNEEBERGER; FONTAINE, 2016).
O relatório também revela que, em novembro de 2015, nos oito mercados europeus
observados328, o catálogo médio da Netflix tinha 1.151 títulos de filmes, dos quais 21% de origem
europeia e 6% de origem local.
O catálogo francês tinha a maior parcela de cinema nacional (17%) e de filmes da União
Europeia (30%), enquanto o catálogo britânico possuía a menor quota de filmes da UE (17%) e o
mais alto dos filmes internacionais (83%). Os longas-metragens americanos representaram, em
média, 69% dos filmes dos oito catálogos da Netflix, sendo que a menor participação dos filmes
326
Apesar de ser tentador aprofundar na pesquisa sobre cada um desses serviços locais de SVoD, seria impossível dar
conta de destas (milhares de) empresas. Vale lembrar que elas não são o objeto principal deste estudo e, portanto, neste
subcapítulo, analisaremos uma pequena amostragem delas. A proposta é apenas ilustrar as dificuldades que a Netflix
terá que enfrentar em diferentes mercados, dada a pluralidade regional.
327
O relatório On-Demand Audiovisual Markets in The European Union – Developments 2014-2015 do Observatório
Europeu do Audiovisual mostrou que, em média, as obras da União Europeia representam 27% dos 75 catálogos
analisados. A percentagem de conteúdos não europeus é de 71%, com os filmes que têm o seu principal país de origem
os EUA, com uma quota de 59%. Estes números mostram que os filmes internacionais estão mais representados nos
catálogos VoD do que os de origem europeia. Além disso, os longas-metragens nacionais em cada país representam
apenas 8% dos catálogos. Os desequilíbrios na quantidade de conteúdo local variam conforme o país. Na Alemanha, a
maioria dos filmes europeus lançados não eram nacionais, enquanto que na França e no Reino Unido os filmes
nacionais promovidos representavam cerca de 60%. Nos três países, a participação do cinema norte-americano entre
os lançamentos era de 55% (EUROPEAN COMMISSION, 2015).
328
Áustria, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, França, Reino Unido, Holanda e Suécia (FONTAINE; GRECE, 2015).
282
americanos foi encontrada no catálogo francês da Netflix, com 58%. A diversidade de idiomas, os
diferentes acessos às licenças de filmes, as legislações locais para o audiovisual e a variação
cultural de cada país poderiam explicar essas diferenças numéricas (FONTAINE; GRECE, 2015,
p.167-168).
Conforme relatório da Digital TV Research329, em 2021 as empresas locais devem ocupar
cerca um terço do mercado de SVoD da Europa Ocidental, com um total de 17,5 milhões de
assinantes (gráfico 29). Os outros dois terços, aproximadamente 37,6 milhões de assinantes, ficarão
divididos entre a Netflix e a Amazon (DIGITAL TV RESEARCH, 2016c).
329
A Digital TV Research estima que a Amazon Prime Video deve aumentar sua participação no mercado europeu de
14% em 2015 para 21% até 2021.
283
• Ásia
Na Ásia, a Netflix tem tentado fazer acordos parceiros locais a fim de evitar atrasos no
seu plano de expansão como que aconteceu na Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo.
A Telekomunikasi Indonesia (Telkom), empresa estatal de telecomunicações e Internet, em janeiro
2016 bloqueou o streaming da Netflix alegando falta de licenças para operar no país e conteúdo
inadequado: violento e “pornográfico” segundo a empresa.
Na opinião de alguns analistas, por trás do bloqueio estão os interesses comerciais da
Telkom, que tinha seus próprios planos de vídeo sob demanda. Além disso, a estatal indonésia só
estaria disposta a suportar o enorme volume de dados se fosse em regime de parceria.
Durante uma cúpula dos operadores de TV por assinatura da Ásia-Pacífico, em Bali, Reed
Hastings comentou os cinco meses de bloqueio, e disse ser “apenas uma questão de tempo” até que
a proibição da Telkom fosse suspensa. Também afirmou que “os consumidores deveriam ter a
opção sobre qual serviço de streaming eles querem assinar”. O CEO da Netflix se referiu à chegada
da iFlix e da Hooq330 na Indonésia, com o apoio da Telkom.
Entre os serviços de streaming asiáticos, poucos são tão abrangentes quanto a Viki, que
reúne conteúdo televisivo (programas de variedades, séries, novelas, filmes etc.) da China, Hong
Kong, Coréia, Taiwan e Japão, entre outros. A Viki é um serviço gratuito e obtém a maior parte de
sua receita de anúncios, mas também trabalha com SVoD, onde o usuário pode inscrever-se no
Viki Pass por US$ 3,99 por mês para assistir a apresentações em HD sem anúncios em quase
qualquer dispositivo. Dos 10 milhões de usuários registrados da plataforma, 33% estão na América do
Norte, 28% na América Latina e 24% na Europa.
A programação do Viki utiliza um modelo que licencia conteúdo de um mercado específico para
distribuir em outro lugar. Outra característica do site é o incentivo da cultura participativa: uma comunidade
330
A Hooq é uma joint venture envolvendo Singapore Telecommunication Limited (Singtel), Sony Pictures Television
e Warner Bros. A empresa opera um serviço triple-play de telefonia fixa, banda larga e serviços de TV paga sob o
nome de IndiHome, O serviço SVoD da Hooq conta com mais de tem mais de 10.000 filmes e séries em seu catálogo,
incluindo filmes de Hollywood e Bollywood, além de filmes de terror tailandeses. O serviço também permite ao
assinante fazer downloads para visualização off-line. Atualmente a Hooq está disponível em cinco países: Tailândia,
Filipinas, Cingapura, Índia e Indonésia.
284
de ávidos fãs, meio de crowdsourcing331, traduzem diálogos voluntariamente em mais de 200 idiomas
diferentes. Tal engajamento atraiu os produtores de “Walking Dead”, a Skybound Entertainment, que diz
que o Viki está “transformando a maneira como os espectadores consomem e traduzem a mídia”
(DOLAND, 2016). Os fãs também podem postar comentários em um vídeo enquanto assistem aos
vídeos. A Viki faz parte do conglomerado japonês Rakuten.
• África
331
Crowdsourcing (em português, contribuição colaborativa ou colaboração coletiva) é um neologismo da língua
inglesa, composta de crowd (multidão) e outsourcing (terceirização).
332
Ainda que a indústria de cinema norte-americana reine absoluta em receita e poder, ela produz a metade da
quantidade de filmes de alguns outros países. Geograficamente, Hollywood é um distrito da cidade de Los Angeles,
na Califórnia, mas para espectadores no mundo todo, este é um dos principais símbolos da indústria cultural.
Bollywood se tornou sinônimo de “cinema indiano”, mas na verdade o termo se refere às produções em língua hindi
na região de Mumbai, antiga Bombaim, maior e mais importante cidade da Índia.
285
333
A iROKOtv surgiu como um agregador de conteúdo de Nollywood em um canal do YouTube. A plataforma foi a
primeira fonte legal on-line de filmes de Nollywood e em 2012 lançou seu serviço de assinatura mensal. Desde o seu
lançamento, a iROKOtv já arrecadou US$ 34 milhões de investidores, como a francesa Cable+, o grupo sueco Kinnevik
e o fundo de investimentos norte-americano Tiger Global Management, com a finalidade de se desenvolver por todo
o continente africano (IROKOTV BLOG, 2013). O capital levantado pela iROKOtv foi usado para adquirir conteúdo,
expandir a equipe de tecnologia baseada em Londres, desenvolver sites e aplicativos para celular e abrir escritórios em
Londres, Nova York e Johanesburgo, ao lado da sede da empresa em Lagos. A iROKO Partners também desfruta de
distribuição de conteúdo com Dailymotion, iTunes, Amazon e Vimeo (SHU, 2016).
334
Esse termo cunhado pelo investidor de risco Fred Wilson, constitui num dos modelos de negócios mais comuns da
internet. Combinando as expressões free (grátis) com premium (de qualidade excepcional), o freemium é uma
modalidade que permite que usuários utilizem um determinado serviço digital (como softwares, mídias, jogos ou
serviços web) sem custo algum, mas os recursos adicionais ficarão disponíveis apenas para quem desejar pagar por
eles. A empresa oferece de graça apenas uma determinada quantidade de serviços, esperando atrair mais consumidores
e maior demanda. “Nos produtos digitais, a razão entre o grátis e o pago é invertida. Um site típico segue a regra dos
5%, ou seja, 5% dos usuários sustentam todo o resto. No modelo freemium, isso significa que, para cada usuário que
paga pela versão premium do site, outros 19 usam a versão básica gratuita. A razão pela qual isso funciona é que o
custo de atender 19 clientes se aproxima o suficientemente de zero para ser considerado nulo” (ANDERSON, 2009,
p.26-27).
286
A iROKOtv possui um dos maiores catálogos on-line de conteúdo africano, com mais de
5.000 filmes. Mais de um milhão de usuários únicos, de 178 países ao redor do mundo, visitam seu
sistema todos os meses. A empresa não revela quantos assinantes tem, mas o número é estimado
em cerca de 65.000. Cerca de 50% da audiência está localizada no Reino Unido e EUA, mas com
o avanço da Internet no continente africano, a demanda por conteúdo de vídeo multiplataforma está
subindo rapidamente, tanto que, em 2014, a iROKOtv criou sua própria produtora de filmes: a
ROK Studios, que prioriza a produção local de conteúdos de entretenimento, especialmente filmes
para uma audiência global através da sua plataforma on-line.
Ao contrário da Netflix, que oferece primordialmente produções norte-americanas, a
iROKOtv quer marcar a diferença pelas produções regionais. “Oferecemos Nollywood a África”,
diz Jason Njoku, um dos fundadores da empresa. “Queremos ter tradução em swahili, francês ou
zulu, o que nos diferenciará da Netflix (…). Apostamos realmente em conteúdo local”, reforça
(ÁFRICA21, 2016).
lançamento de seu próprio serviço de vídeo sob demanda, a Trace Play, para toda a África, EUA e
Reino Unido.
Em agosto de 2015, o conglomerado de mídia Sul-Africano Naspers335 se antecipou à
expansão da Netflix no continente e lançou o serviço de vídeo streaming ShowMax em 36 países
da África Subsaariana. No total, a ShowMax fornece serviços de vídeo por assinatura sob demanda
a 65 países em todo o mundo. Ao custo de US$ 7,99 por mês para visualização ilimitada, seu
catálogo tem de aproximadamente 15.000 episódios de programas de TV e filmes, somando quase
10.000 horas de exibição, numa mistura de conteúdo internacional e local. O serviço inclui uma
seção de língua kiswahili e uma seção de Nollywood, bem como uma seção de filmes clássicos
africanos de todo o continente. O assinante pode salvar até 25 programas de TV e filmes no total
para smartphones Android e iOS e tablets para exibição off-line336 (SHOWMAX, 2016).
Com o desenvolvimento tecnológico, o mercado de entretenimento nas plataformas
digitais africanas está se tornando maduro e mais competitivo. A empresa de consultoria Balancing
Act estima que há mais de 100 plataformas de VoD operando em África, mas poucos saíram de
seus mercados locais.
Ao entrar no mercado sul-africano, a Netflix precisará disputar a atenção dos usuários
com a Naspers e mais quatro outros players, incluindo a operadora de telefonia móvel MTN, que
lançou serviços de vídeo sob demanda nos últimos dois anos. No Quênia, o Conselho de
Classificação de Cinema considera a Netflix uma ameaça potencial para "valores morais e
segurança nacional".
O que torna esses novos mercados atrativos para a Netflix é o enorme potencial de
crescimento a longo prazo. Com a popularização das novas tecnologias, os preços tendem a cair
gradualmente e deve crescer o acesso aos dispositivos móveis e à Internet. De acordo com a GSMA,
associação que representa os interesses de 800 operadoras móveis em todo o mundo, havia cerca
de 160 milhões de smartphones conectados na África Subsaariana em 2015, e deverá ultrapassar
os 500 milhões até 2020 (SHAPSHAK, 2016).
335
Naspers, a maior empresa da África por valor de mercado, é proprietária do maior provedor de TV paga africano.
Em janeiro de 2017 suas ações aumentaram 8,6%, valorizando a empresa em R$ 960 bilhões (US$ 71 bilhões).
(PORZECANSKI, 2017).
336
ShowMax pode ser acessado por meio de aplicativos para smart TVs, smartphones, tablets, computadores e players
de mídia. Também funciona com o Chromecast e AirPlay (SHOWMAX, 2016).
288
• Brasil
337
Although the top five international players will enjoy rapid growth, they will account for less than half the region’s
SVOD subscribers by 2021 – showing that, despite some signs of congestion already, there will still be room for new
entrants (DIGITAL TV RESEARCH, 2016b).
338
Ao alugar um filme, o usuário terá um mês para ativá-lo. Depois que pressionar o play, começam a valer as 24 horas
determinadas para a locação, nas quais ele poderá assistir ao filme quantas vezes quiser. Assim que este período estiver
encerrado, o título ficará automaticamente indisponível. Em caso de compra, o cliente efetuará o pagamento uma única
vez e poderá assistir ao filme ou à série de TV em uma, três ou cinco telas (dependendo do plano contratado) por até
5 (cinco) anos por exclusivo critério do Looke. O serviço também oferece uma lista de conteúdos que estão no pacote
de assinatura, porém alguns títulos de lançamento seguem as regras de distribuição dos estúdios e produtores e não
estarão disponíveis para os assinantes num primeiro momento. O Looke permite que os usuários do aplicativo para
Android façam download do conteúdo e assistam de forma off-line. Nos demais dispositivos não é possível assistir
filmes sem estar conectado à Internet, com uma banda mínima de 2 Mbps (o ideal é que seja de pelo menos 4 Mbps
para garantir um melhor desempenho durante a reprodução do filme). O Looke ainda não é tão abrangente quanto a
289
Para o diretor de Business Affairs do Looke, Luiz Guimarães, ainda que as plataformas
streaming sejam semelhantes, o Looke não considera a Netflix como um concorrente, mas como
um serviço complementar. “Um serviço sozinho não consegue cobrir tudo o que existe de conteúdo
no mercado. Cada um tem a sua curadoria”, diz.
Entenda-se por serviço complementar oferecer títulos, gêneros e formatos que não estão
nos concorrentes e que justificariam aos usuários assinarem mais uma plataforma. Para isso, a
empresa vem costurando negociações importantes com estúdios e canais de TV que vêm ajudando
a compor um portfólio diferenciado. “Cerca de 10 a 15% do conteúdo do Looke pode estar na
Netflix também, mas o resto é diferente”, explica Guimarães (SUMARES, 2016).
Netflix, que está disponível em praticamente todas as plataformas. No entanto, os usuários e assinantes do Looke
podem assistir todo o conteúdo on-line em dispositivos Android, iPad, smart TVs (Philips, LG, Samsung e Sony),
computadores (PC e MAC), XBOX360, XBOX ONE e Windows 10. A empresa anunciou que este ano também estará
disponível pelo Playstation 3 e 4 (LOOKE, 2017).
290
O Looke quer chamar a atenção do usuário dando destaque à cultura brasileira, incluindo
“desde o comercial até o regional”, com filmes e séries nacionais, música e produções
independentes. Já que boa parte do fomento ao audiovisual no Brasil é voltado para a produção,
Guimarães identifica a dificuldade na distribuição desse conteúdo. Dessa forma, a plataforma
pretende atuar como “parceiro dos produtores de conteúdo para ajudá-los a chegar mais longe”
(SUMARES, 2016).
A fim de aumentar o conteúdo nacional do seu catálogo, o Looke fez uma parceria com a
maior produtora de conteúdo audiovisual brasileiro, a Rede Globo, disponibilizando 78 títulos da
emissora. A lista inclui desde clássicos como “Os Trapalhões”, “Viva o Gordo”, “TV Pirata”,
“Malu Mulher”, “Armação Ilimitada” e “Sítio do Picapau Amarelo” (tanto os episódios das décadas
de 1970 e 1980 quanto sua versão mais recente, estrelada por Isabelle Drummond), até atrações
mais recentes como o humorístico “Tá no Ar”, as novelas “Verdades Secretas” e “Saramandaia”,
além das séries “A Mulher Invisível” e “Supermax”. Os conteúdos da Globo estão disponíveis ao
usuário por meio de aluguel (TVoD) ou compra (EST), não fazendo parte do pacote mensal ao
assinante.
Para expandir sua presença no mercado de streaming e tornar-se mais conhecida, o Looke
traçou algumas estratégias de marketing. Uma delas permite que pessoas cadastradas no programa
“Quilômetros de Vantagens”, dos Postos Ipiranga, trocassem seus quilômetros abastecidos por
assinaturas do serviço: com 100 km o consumidor ganha 30 dias grátis ou três locações de
lançamentos e com 150 km recebe 30% de desconto na assinatura trimestral (IPIRANGA, 2017).
O Looke também fechou um acordo com a Saraiva, a maior rede de livrarias do país. Os clientes
da Saraiva agora têm mais uma opção de alugar ou comprar filmes por meio de seu canal de
marketplace Shopping Saraiva (https://saraiva.looke.com.br/). Outra estratégia de propagação do
serviço é a parceria com fabricantes de televisores (método também adotado pela Netflix). Alguns
modelos de smart TVs da Panasonic339 agora saem de fábrica equipados com o aplicativo do Looke.
Em 2016, antes da Netflix, o Looke disponibilizou seu conteúdo off-line para visualização
posterior. Ou seja, o usuário pode baixar os vídeos para o seu dispositivo e assisti-los sem precisar
de uma conexão com a Internet. Assim como nos serviços de música (Spotify), os arquivos só são
visualizados dentro do aplicativo do Looke.
339
Lista de smart TVs da Panasonic que possuem o Looke: TC-50CX640B, TC-55CX640B, TC-40DX650B, TC-
49DX650B, TC-58DX700B, TC-65DX900B.
291
Por enquanto, investir em conteúdos próprios, como fazem a Netflix e o HBO, não é uma
prioridade do Looke, segundo Guimarães. Fazer isso, seria aproximar-se do posicionamento de um
canal de TV, ou de um produtor de conteúdo propriamente dito, enquanto que a empresa pretende
ser uma plataforma para disponibilização de conteúdo.
De acordo com o executivo, o Looke concentra esforços para aumentar o número de
assinantes no mercado brasileiro, bem como estender seus serviços, ainda este ano, para Portugal,
América Latina, Estados Unidos e Canadá (assinantes que falem espanhol). Entre os principais
desafios estão a preparação da plataforma para atender a diversas línguas, que exige esforços - e
investimentos - para adequar os filmes, séries e programas às diferentes regiões, além da aquisição
de conteúdo. “É um desafio muito grande conseguir conteúdo por um preço acessível”, ressalta o
diretor.
340
Imagens disponíveis em: <https://play.google.com/store/apps/details?id=com.globo.globotv&hl=pt> e
<http://redeglobo.globo.com/novidades/noticia/2015/10/globo-play-programacao-da-globo-ao-vivo-ao-alcance-de-
um-play-saiba.html> Acesso em: 31 jan. 2018.
341
Desenvolvido pelo Google em 2013, o Chromecast é um adaptador que se conecta à porta HDMI da TV, permitindo
o streaming de programas de TV, acesso a jogos, ou qualquer tipo de conteúdo acessível no navegador Google Chrome.
292
Pioneira na oferta de vídeos digitais, a Globoplay foi uma evolução do Globo.TV+ 342 (G1,
2012). Com experiências anteriores acumuladas, a nova plataforma trouxe novidades, como a
transmissão da programação em tempo real para os usuários de algumas praças343, e a disponibilização
gratuita de trechos dos principais programas exibidos pela emissora (no modelo AVoD, com vídeos
publicitários em pre-roll). A interação pelas redes sociais também tem espaço na Globoplay, com
ferramentas que permitem comentários sobre a programação, além de compartilhamento e curtidas do
conteúdo.
Os assinantes do serviço contam com a íntegra dos produtos de dramaturgia, humor e
câmeras exclusivas do “Big Brother Brasil”, além de conteúdo em 4K e do acervo de 80 títulos
entre programas jornalísticos, novelas, séries e minisséries que fizeram sucesso na Globo, como a
novela “Avenida Brasil” e a minissérie “Felizes para Sempre?”.
Uma das vantagens da Globoplay344 em relação à Netflix está na enorme oferta de
produtos nacionais, o que a plataforma norte-americana vem aos poucos inserindo em seu catálogo,
incluindo não só produções de terceiros, como a novela “Os Dez Mandamentos”, a animação
“Turma da Mônica” e shows de stand-up comedy, mas também com as séries originais brasileiras
“3%”, “Samantha!” e “O Mecanismo”, dirigida por José Padilha.
Se o conteúdo “Original Globo” é o ponto forte da plataforma brasileira, a falta de
produtos do exterior torna-se justamente seu ponto fraco. A Globoplay oferece poucas opções
internacionais, como a série estadunidense “24: Live Another Day” (“24 Horas: Viva Um Novo
Dia”) do agente Jack Bauer, e a animação “Family Guy” (“Uma Família da Pesada”). Séries
342
Lançado num projeto piloto apenas para Minas Gerais, em 21 de setembro de 2012, o Globo.tv+, foi uma versão
atualizada do serviço de assinatura oferecido pela Globo, através da Globo.com. O serviço VoD da Globo apresentava
vantagens em relação ao produto anterior, tanto em termos de facilidade de navegação, quanto na oferta de conteúdo, que foi
ampliada. Todo o conteúdo produzido pela Globo ficava disponível, na íntegra: telejornais, após a exibição, e a programação
do horário nobre, a partir da meia noite. O assinante também tinha conteúdos exclusivos no novo serviço, como as primeiras
temporadas de “Os Normais”" e do “Globo Mar”, todos os capítulos da minissérie “A Cura”, além de jogos históricos do
Campeonato Brasileiro. De acordo com o site G1 (2012), os programas podiam ser vistos em streaming na própria plataforma,
sem necessidade de fazer download. O serviço dava ao assinante a possibilidade de ver o conteúdo da Globo na hora em que
ele quisesse, podendo acelerar ou parar o vídeo de forma semelhante como faria em um DVD ou fita de vídeo.
343
Inicialmente a Globoplay foi oferecida para os usuários das áreas de cobertura do canal 4 do Rio de Janeiro e do
canal 5 de São Paulo. Posteriormente, o serviço foi estendido para as regiões metropolitanas de Brasília, Belo Horizonte
e Recife. Em dezembro de 2017, a plataforma passou a disponibilizar também em todos os dispositivos os conteúdos
regionais das afiliadas da rede.
344
Quando a Globoplay foi lançada, a Netflix já estava há quatro anos operando no mercado brasileiro, com uma
estimativa entre 2,5 e 4 milhões de assinantes no Brasil (CASTRO, 2015).
293
estrangeiras dependem de um contrato para exibição on-line, podendo sair do catálogo após um
período pré-estabelecido.
Outra fragilidade da Globoplay estaria na falta de conteúdo inédito. A plataforma traz ao
público uma marca forte e regional, com novelas, séries, programas de variedades e jornalismo
nacionais, porém, tudo já é exibido de graça pela Rede Globo. A vantagem estaria em assistir ao
conteúdo fora do horário da grade e antecipar exclusivamente para os assinantes alguns
lançamentos antes da exibição na TV.
Em maio de 2017, a primeira temporada de “Brasil a Bordo”, de Miguel Falabella, foi
disponibilizada por inteiro aos assinantes da Globoplay. Em junho foi a vez da série “Carcereiros”.
Ambas só foram exibidas a partir de 2018 na Rede Globo. “A gente sempre fala de ‘Justiça’, uma
série extraordinária no ano passado. Se você é jovem, trabalha e faz faculdade, eu não te alcançava
na TV aberta. Você está na hora do ônibus na hora em que estou exibindo. Mas te alcanço por
Globoplay”, diz o diretor de programação, Amauri Soares (apud SÁ, 2017).
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ao ser questionado sobre o fato da Netflix e
Amazon se concentrarem em séries enquanto que a tradição da Globo é novela, Soares justificou
dizendo que cada plataforma tem um formato mais adequado:
345
Binge significa “farra” e watching quer dizer “assistindo”. Não há uma correspondência exata da expressão em
português. Talvez o termo que mais se aproxime seria na nossa língua seria “maratona”, “assistir numa tacada /numa
sentada/de uma vez só/fazer uma maratona de”. Binge normalmente é mais usado em expressões como: comer em
excesso [binge eating] e beber em excesso [binge drinking]. Recentemente tem sido usado para outras atividades
294
Além dos mercados locais, outro desafio para a gigante Netflix é a entrada em alguns
nichos, como as minorias étnicas e sociais. Talvez alguns desses segmentos interessem pouco à
empresa, como o universo LGBT.
Em 2016, a produtora Tello Films passou a disponibilizar um serviço SVoD de filmes e
webséries voltados para mulheres homossexuais. Com o valor de US$ 4,99 por mês ou US$ 54,89
ao ano, a assinante do Tello Premium tem acesso exclusivo a um conteúdo lésbico e bissexual346.
Ao todo, 100% da receita líquida retorna aos produtores e criadores do projeto Tello, o que significa
que a assinante está apoiando diretamente os criadores dos programas que está assistindo.
“Valorizamos nossos assinantes. Sabemos que não podemos continuar a fazer grandes webséries
sem o suporte deles” (tradução nossa347), explica o site, que também aceita doações de todos que
apoiam o conteúdo lésbico.
De acordo com a Tello, “cada websérie é feita por, para, e sobre lésbicas. As lésbicas e as
suas questões específicas raramente estão no meio televisivo, nos filmes e nas webséries.
como fazer uma maratona de compras [to go binge shopping] e ainda mais usado como assistir numa tacada só [to
binge watch].
346
A assinatura premium permite o acesso a um conteúdo variado de filmes, documentários, shows de comédia e séries
como a “Plus One”, “#Hastag The Series” e “Gay Street Therapy”, entre outras. Com seis episódios, "She's in London"
lembra o enredo da famosa série lésbica "The L Word". A história gira em torno de um bar LGBT londrino, onde as
frequentadoras criam laços sexuais e amorosos. Já na série “Nikki & Nora”, duas policiais investigam o submundo de
Nova Orleans (TELLO, 2017).
347
We value our subscribers. We know that we can’t continue to make great web-series without subscriber support.
(TELLO, 2017).
295
Acreditamos em contar histórias autênticas sobre pessoas cujas vidas são muitas vezes ignoradas
ou marginalizadas348”.
Criada em 2007, no mesmo ano da Netflix, a Tello “se esforça em ser a Netflix
lésbica/bissexual e quer ajudar cineastas e escritores próximos350”. A empresa abriu um concurso
em busca escritores e diretores para a produção de webséries de cinco episódios, com cinco minutos
ou mais, de temática original lésbica e bissexual. Dos três finalistas, apenas um é selecionado. O
vencedor recebe ajuda da pré à pós-produção e ganha um “grande prêmio” de US$ 1.000,00 para
a realização da websérie, além de um acordo de distribuição de seis meses na Tello Films.
348
Every web-series on our site is made by, for, and about lesbians. The lesbians and lesbian-specific issues are rarely
at the center of mainstream television, movies, or web series. We believe in telling authentic stories about people whose
lives are often ignored or marginalized (TELLO, 2017).
349
Imagem disponível em: <https://www.tellofilms.com/series> Acesso em: 31 jan. 2018.
350
Tellofilms.com strives to be the lesbian/bisexual Netflix and wants to help upcoming filmmakers and writers
(TELLO, 2016).
296
O serviço da Tello está disponível para usuários do mundo todo, em qualquer dispositivo,
mas ainda não oferece legendas.
351
Dear Netflix - Please Stop Copying tello ;-). This is Christin Baker, CEO and President of tellofilms.com, and I'm
kinda kidding with this news item. I recently read an article in Bloomberg Business about Netflix and how they are
going to start producing their own content in house – Netflix to Make More Shows of Its Own. Many articles have
been written about Netflix and their business model and I love any company that is able to disrupt status quo of
business. However, I have noticed that Netflix has been following tello in many innovations where they are credited
as leaders: - tello had streaming content before Netflix; - tello distributed original content before Netflix; - tello
created lesbian content before Netflix made Orange is the New Black; - tello produced our own content that we own -
and now Netflix is doing that too. I know, I know... we are a tiny niche web content company and we don't have the
funds that Netflix has for press and marketing so we are often not a blip on the screen of most news organizations. I'm
totally realistic about our size and influence but now I'm very glad to know that I am doing something right if Netflix
is following in our small footsteps. Imitation is the sincerest form of flattery and Netflix is flattering tellofilms like
nobody's business! It is also possible we have a Netflix spy in the ranks of tello... So my next moves I will try to keep top
secret! (BAKER, 2015).
297
352
Do inglês cult, que significa devoção, veneração, culto, os cult movies são filmes cultuados nos meios intelectuais,
artísticos e pelos fãs (HOUAISS, 2017).
353
De acordo com o jornalista e pesquisador Carlos Primati, originalmente, os “filmes B” eram produzidos pela
unidade secundária dos grandes estúdios, que, nas décadas de 1930 e 1940, dividiam suas operações. Na unidade A,
eram feitos os filmes de destaque, com diretores e atores renomados. Os filmes que saíam da unidade B dos grandes
estúdios eram compostos por cineastas e atores iniciantes, embora nem sempre o orçamento fosse baixo. A partir dos
anos 1950, surgiram estúdios empenhados em fazer cinema com baixo orçamento, criando filmes que tinham temas
fantásticos e apelativos e que eram exibidos em cinemas modestos. O prazo para a realização dessas obras era curto e
a qualidade técnica, muitas vezes, escassa. Mesmo assim, alguns filmes se destacavam pela criatividade e originalidade
de seus realizadores. Ao longo do tempo, o termo foi perdendo o sentido que tinha originalmente e produções
independentes, de qualidade inferior ou simplesmente filmes de gênero (como horror, mistério, ficção científica e ação)
acabaram sendo rotulados como “filmes B”, embora essa expressão tenha nascido para definir um período da história
do cinema norte-americano (PEREIRA, 2011).
298
filmes de qualidade que não tinham o aporte financeiro dos grandes estúdios para fazer marketing.
De acordo com a IMDb354, em dois anos a Red Envelope Entertainment gastou US$ 100 milhões
na distribuição de 41 filmes e na produção de 12.
Alguns analistas acreditam que Netflix fechou a divisão, em 2008, porque ela competia
com seus principais fornecedores, os estúdios de Hollywood. Com o encerramento da REE, os
distribuidores menores perderam um importante parceiro que lhes permitia a realização de filmes
mais arriscados com baixo orçamento.
Quando lançou seu serviço de streaming, em 2007, a Netflix encontrou duas forças, uma
tecnológica e outra comercial, impedindo o desenvolvimento desse mercado de forma mais rápida.
O tecnológico foi equacionado progressivamente, com o aumento da transmissão de dados em
banda larga. Somado a isso, o conteúdo on-line da empresa aumentou seu alcance chegando em
diferentes plataformas tecnológicas, como smart TVs, computadores, notebooks e videogames. Em
compensação, na área comercial, os estúdios de cinema estavam poucos dispostos a canibalizar
seus negócios de distribuição já existentes. A exibição pela Internet de filmes, séries e programas
de TV também enfrentava restrições, pois os direitos de transmissão on-line estavam nas mãos de
poucas empresas. Um exemplo é o acordo de exclusividade assinado entre a HBO e a Warner Bros
que limitava o acesso da Netflix e demais empresas do setor ao conteúdo do estúdio.
O primeiro catálogo da Netflix disponível para streaming contava com 1.000 títulos entre
filmes, séries e programas de televisão da NBC Universal, Sony Pictures, MGM, 20th Century
Fox, Paramount Pictures, Warner Brothers, entre outros. Tratava-se de uma pequena fração diante
dos mais de 70.000 títulos que a Netflix oferecia para alugar em DVD e Blu-ray (HELFT, 2007).
354
A Internet Movie Database (Base de Dados de Filmes na Internet), conhecida como IMDb, é uma popular
enciclopédia virtual dedicada ao cinema e à TV. Mais antigo que o primeiro navegador de Internet, o site surgiu em
17 de outubro de 1990, quando Col Needham, fundador e CEO da IMDb, colocou no ar uma ferramenta de busca para
facilitar a pesquisa no rec.arts.movies, grupo de discussão de USENET (rede de comunicações anterior à Internet
comercial) com dados de filmografia compilados pelos próprios usuários. Naquela época, as informações do
rec.arts.movies resumiam-se a puro texto. O acesso à Internet era restrito a empresas e universidades e sistemas
operacionais gráficos, como o Windows, estavam apenas começando. O navegador de Internet pioneiro, o Mosaic, só
teve sua versão 1.0 lançada em 1993. O nome IMDb foi adotado em 1995. Um ano depois, o site virou empresa e, em
1998, foi comprado pelo gigante do comércio on-line Amazon. Hoje a IMDb tem uma audiência de mais de 250
milhões de visitantes mensais únicos, entre web e celular. A IMDb oferece uma base de dados pesquisável de mais de
185 milhões de itens, incluindo mais de 4 milhões de filmes, programas de TV e entretenimento e mais de 6 milhões
profissionais, entre elenco e técnicos (IMDB, 2017a, 2017b).
299
Para aumentar seu acervo, em 2008, assinou um contrato com a Starz, detentora dos
direitos de 2.500 filmes e séries dos estúdios Walt Disney e Sony Pictures. O acordo de quatro
anos, pelo valor de US$ 30 milhões, deu acesso à filmes relativamente recentes por meio de um
novo serviço chamado Starz Play, sem custo adicional aos assinantes da Netflix. Bill Myers,
presidente da Starz Entertainment, acreditava que os novos serviços on-line não entrariam em
conflito com a distribuição tradicional da Starz, feita por cabo e satélite. "Ao longo dos próximos
anos, claramente não esperamos ver as pessoas deixando suas grandes TVs e telas largas para
assistir a Starz Play. Este é um serviço gratuito", afirmou (STONE, 2008, tradução nossa355).
O repositório da Netflix, em 2009, dispunha de cerca de 12 mil títulos on-line e 75 mil em
DVD e Blu-ray. No ano seguinte, com o objetivo de aumentar a oferta aos assinantes, a empresa
investiu quase US$ 900 milhões em um acordo de cinco anos com a Epix, detentora dos direitos
de exibição das produções da Paramount Pictures, Lions Gate e MGM. O contrato, com duração
de cinco anos, respeitava o prazo das tradicionais janelas de exibição: os filmes só podiam ser
disponibilizados aos assinantes oito meses após a exibição nos cinemas e três meses após a
veiculação na TV.
A primeira crise entre a Netflix e um parceiro comercial ocorreu em junho de 2011,
quando a Sony retirou do ar todo o seu conteúdo disponível no catálogo da Netflix, cerca de mil
títulos, alegando que o compromisso entre a Starz e a Netflix havia perdido a validade. Segundo o
estúdio, a empresa de Hastings havia estourado o limite de visualizações estabelecido por contrato.
Até aquele momento, a Netflix disputava agressivamente o conteúdo de Hollywood para
incrementar seu catálogo nos serviços de transmissão on-line e envio de DVDs pelo correio. Os
valores pagos na compra de direitos, inicialmente baratos, começaram a crescer com a
popularização do streaming. Esses custos crescentes desencadearam um ciclo vicioso. A fim de
compensar o aumento dos valores gastos em conteúdo, conforme explicado anteriormente, em
setembro de 2011, a Netflix começou a cobrar preços separados para seus serviços de streaming e
envio de mídias DVD/Blu-ray. Os clientes, indignados, deixaram milhares de comentários no blog
da Netflix, e a base de assinantes da empresa caiu pela primeira vez em anos.
Em 2012, a Starz não renovou o contrato com a Netflix alegando que queriam “proteger
a natureza premium da marca, preservando o preço apropriado e o empacotamento do conteúdo
355
Over the next several years we clearly don’t expect to see people leaving their big televisions and big screens to
watch Starz Play. This is a complimentary service (STONE, 2008).
300
exclusivo e altamente valioso" (PEPITONE, 2012). Traduzindo: a Starz se recusou a renovar com
a Netflix porque decidiu criar seu próprio serviço de streaming (o que aconteceu recentemente com
a Disney, que decidiu criar sua própria plataforma).
A primeira produção televisiva cuja produção teve financiamento da Netflix foi
“Lilyhammer”, realizada nas seguintes condições: a empresa dividiu custos com a emissora
norueguesa NRK1, que teve os direitos de estrear primeiro a série em sua grade (em janeiro de
2012), enquanto a Netflix só disponibilizou os episódios em fevereiro de 2012 (SACCOMORI,
2016, p.60).
A primeira série original da Netflix enquanto produção própria foi a retomada da comédia
“Arrested Development” (FOX, 2003 – 2006), que estreou em 26 de maio de 2013. “House of
Cards”, um produto totalmente novo, que teve sua produção anunciada depois da compra dos
direitos de “Arrested”, acabou estreando antes, em 1 de fevereiro de 2013.
Após o lançamento simultâneo de todos os 13 episódios da primeira temporada da série
“House of Cards”, a produção se tornou um dos principais títulos do seu catálogo.
O sucesso foi tão grande que passou a investir em novas produções. De 2012 a dezembro
de 2015, a Netflix assinou, no total, 85 produções, distribuídos da seguinte forma: 23 seriados de
drama (11 originais, 2 revivals e 10 parcialmente originais), 10 comédias (8 originais, 1 revival e
1 parcialmente original), 16 documentários (originais), 3 animes (originais), 23 stand-up comedy
(originais), 11 infantis e 3 filmes (originais) 356 (SACCOMORI, 2016, p.63).
356
De acordo com Saccomori (2016, p.62), a Netflix opera em três modelos de produção: os revivals, os parcialmente
originais e originais. Os revivals são seriados recuperados após o cancelamento ou ameaça de cancelamento, como
ocorre com programas como “Arrested Development” e “The Killing”, entre outras. As produções parcialmente
originais são realizadas em parceria com canais de TV, como “Lilyhammer”. E as produções originais são aquelas
exclusivamente financiadas e produzidas pela Netflix sem ligações com outros conteúdos ou canais (exemplos como
“House of Cards” e “Orange is the New Black”).
301
357
A pesquisa da FX só contempla programas seriados e não abrange shows individuais, programas especiais,
telefilmes, nem mesmo as dezenas de séries documentais, infantis, ou as totalmente produzidas em idiomas diferentes
do inglês – como por exemplo, a série “Marseille”, da Netflix, filmada em francês – porque considera que um show
dublado ou com legendadas não é competitivo nos EUA (GOLDBERG, 2017).
302
358
The biz is in the late stages of a bubble (LITTLETON, 2015).
303
na realidade, esses acordos precisam ser feitos porque a FX não tem a mesma capacidade de colher
lucros fora da televisão.
Landgraf observou que a publicidade representava 55% da receita da FX quando assumiu
a rede em 2004; em 2015 era cerca de 32%, e prevê que esse número deve cair pelo menos 1% ao
ano. Em 2004, a FX não obteve receitas com o licenciamento de conteúdo. Em 2015 esse setor
representava cerca de 12% da receita global da emissora e continua crescendo, tanto que a FX tem
reforçado as operações da unidade FX Prods (LITTLETON, 2015).
O presidente-executivo da FX enfatizou que os conglomerados de mídia não têm escolha
senão apresentar novos modelos de negócios para lidar com a erosão da publicidade tradicional e
as mudanças na forma como os espectadores estão assistindo televisão: “a publicidade vai ter que
mudar radicalmente”.
De acordo com o estudo da FX, cerca 209 séries foram exibidas nos Estados Unidos
em 2009 (gráfico 31). Em 2015, esse número mais que dobrou, com 421 séries, e os responsáveis
por esse boom de conteúdo original são os serviços on-line, principalmente, Netflix, Amazon e
Hulu. O problema é que o aumento da oferta faz diminuir a audiência: “A audiência está
sobrecarregada pela quantidade de programas de TV. (...) Você toma um público-alvo fixo e divide-
o por 400 shows (e produtos de acervo), e a maioria dos shows vai ver as classificações caírem”,
afirma. “A audiência está se espalhando cronologicamente ao longo do tempo. Quase toda a
audiência de um programa de TV costumava vir na primeira noite. Agora que está espalhada por
meio do DVR, VoD e streaming”, e precisa ser mensurada em diferentes períodos, de sete a 28
dias após a estreia. “A capacidade de fazer receitas de um programa de televisão é desafiada 359”
Para John Landgraf, os maiores conglomerados de mídia controlam marcas que se
tornarão cada vez mais importantes para os espectadores, já que o horizonte do entretenimento se
torna cada vez mais saturado de opções. “As marcas são cada vez mais importantes como filtros
mediadores para um público oprimido”360.
359
Advertising is going to have to radically change (…) The audience is overwhelmed by the sheer volume of TV shows
(…) You take a fixed audience and divide it by 400 shows (and library product), and most shows are going to see
ratings go down (…) Viewership is spreading out chronologically over time (…) Nearly all of the viewership of a TV
show used to come on the first night. Now that is spread out across the DVR, VoD and streaming (…) The ability to
make revenue off a television show is challenged (LITTLETON, 2015).
360
Brands are increasingly important as mediating filters for an overwhelmed public (LITTLETON, 2015).
304
361
There’s no such thing as ‘too much TV,’ unless we’re all spending more and not watching more. That’s not the
case. The number of television [hours] we’re watching is growing dramatically (O’CONNELL, 2015).
305
Entre as maiores apostas da Netflix em conteúdo original para 2017 foi o longa-metragem
Bright363. Estrelado por Wil Smith, é o projeto mais caro e ambicioso da história da empresa.
Depois de um disputado leilão com outros estúdios de Hollywood, Ted Sarandos decidiu investir
US$ 93 milhões no longa-metragem, divididos em: US$ 3 milhões pelo roteiro, US$ 45 milhões
para o orçamento da produção e outros US$ 45 milhões destinados aos cachês do elenco e equipe
técnica. A história é um thriller policial com criaturas de fantasia, como orcs e elfos. O filme foi
lançado em streaming, em dezembro de 2017, aos assinantes simultaneamente às salas de cinema
(NETFLIX BRASIL, 2016).
O orçamento de Bright ultrapassa os US$ 60 milhões investidos em War Machine (2017),
outra produção original da Netflix, dirigida por David Michôd, estrelada e produzida por Brad Pitt,
a lançada em maio de 2017. Ao investir milhões de dólares em produções estreladas por campeões
de bilheteria, como Will Smith e Brad Pitt, a Netflix busca seduzir o grande público e agregar o
maior número possível de assinantes à sua plataforma.
De 2013 a 2017, o orçamento da Netflix em programação, incluindo conteúdo original e
licenciado, cresceu de US$ 2,4 bilhões, em 2013, para US$ 7 bilhões, em 2017.
362
I would like to focus a little less on the 1,000 hours and more on the quality of those 1,000 hours. About half of the
most searched for shows on television around the world this year were Netflix original shows, and that is the kind of
thing we are really proud of (…). Yes, it is a lot of volume, but it is also a ton of quality that consumers are falling in
love with. (NETFLIX IR, 2017).
363
O filme original Netflix é estrelado por Will Smith, Joel Edgerton, Noomi Rapace, Lucy Fry, Edgar Ramirez, Ike
Barinholtz, Enrique Murciano, Jay Hernandez, Andrea Navedo, Veronica Ngo, Alex Meraz, Margaret Cho, Brad
William Henke, Dawn Olivieri e Kenneth Choi. A direção é de David Ayer e o roteiro de Max Landis. David Ayer,
Eric Newman e Bryan Unkeless são os Produtores. Sinopse oficial da produção: “Em um tempo atual alternativo, no
qual humanos, orcs, elfos e fadas têm coexistido desde o princípio dos tempos, este suspense de ação dirigido por
David Ayer (Esquadrão Suicida, Marcados Para Morrer, roteirista de Dia de Treinamento) acompanha dois policiais
com passados bem diferentes. Ward, um humano (Will Smith), e Jakoby, um orc (Joel Edgerton), embarcam em uma
rotineira patrulha noturna que mudará o futuro do mundo. Lutando para superar suas diferenças e também as investidas
de vários inimigos, eles deverão trabalhar juntos para proteger uma jovem elfa e uma relíquia que deveria estar
esquecida – que, em mãos erradas, poderia destruir tudo” (NETFLIX BRASIL, 2016).
306
Gráfico 32 - Orçamento de conteúdo da Netflix em todo o mundo, 2013 a 2017 (em US$ bi) 364
Com tantas produções próprias, a Netflix começou a ganhar espaço como produtora de
conteúdo e não apenas como plataforma de streaming. Seria uma questão de tempo para participar
de festivais de televisão e cinema. Quando a empresa recebeu 14 indicações para o prêmio da
Academia de Artes e Ciências da Televisão, o Emmy Awards 2013, “House of Cards” recebeu três
prêmios. Considerado como equivalente ao Oscar para a TV, foi a primeira vez em 65 anos que o
Emmy indicou para a premiação séries distribuídas exclusivamente pela Internet.
Diante do acolhimento à premiação, Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix afirmou
ao jornal The New York Times que estava feliz por perceber que os eleitores do Emmy estão abertos
à ideia da distribuição on-line. “Isso solidifica a ideia que televisão é televisão, independentemente
de como o conteúdo é levado à tela” disse Sarandos (GARCIA, 2013).
Nos últimos anos, a Netflix se estabeleceu como um nome recorrente para conteúdo
televisivo de qualidade. No Emmy Awards 2017, as produções da Netflix receberam 91 indicações,
um aumento significativo das 54 indicações que a empresa ganhou em 2016 (gráfico 33). Atrás
apenas da HBO, a Netflix é agora o segundo produtor mais bem-sucedido em termos de indicações
ao Emmy, deixando para trás os pesos-pesados da televisão, como NBC, ABC e CBS (RICHTER,
2017c).
364
Imagem disponível em: <https://www.statista.com/statistics/707302/netflix-video-content-budget/> Acesso em:
12 jan. 2017.
307
365
Disponível em: <https://www.statista.com/chart/5282/emmy-nominations-2016/> Acesso em: 13 jan. 2018.
308
CONSIDERAÇÕES FINAIS
309
estabelecida dentro do meio. Martín-Barbero (1997) clarifica ao afirmar que o gênero permanece
como uma mediação entre as lógicas do sistema produtivo e as dos sistemas de consumo a fim de
tornar possível o seu reconhecimento pelos grupos receptores. Len Amato, presidente da HBO
Films, simplifica ao afirmar que “um filme é um filme, não importa se exibido no cinema, na
televisão, no computador ou no celular” (SÁ, 2017).
Em relação à linguagem técnica, os termos “filmar” ou “rodar” adquirem uma nova
dimensão significante haja visto que a origem técnica e prática ligada às expressões estão
dissociadas do seu suporte físico, a película cinematográfica. “Gravar” (dados digitalizados),
“capturar” ou “registrar” a imagem digitalmente seriam acepções mais indicadas ao ato de
cinematografar. E o cinema? O termo cinema deve ser tratado com cuidado pois ele pode ser
analisado sob suas diversas perspectivas: técnica, forma de comunicação, meio, indústria e arte. Da
mesma forma, “televisão” pode ser o eletrodoméstico, pode ser os conteúdos que assistimos num
aparelho chamado televisão ou pode ser a empresa que transmite esses conteúdos.
A Internet se tornou uma plataforma de distribuição de vídeos e filmes e possibilitou maior
acesso do usuário a produções independentes, locais e regionais, que não tiveram lugar nas salas
de cinema, abrindo um caminho para a democratização da cultura, tornando-se uma plataforma de
difusão audiovisual (cinematográfica + televisiva). Mas isso vai depender, é claro, da propagação
da banda larga, pois a disseminação das plataformas e a disponibilidade de largura de banda em
cada país é determinante para o consumo de vídeos. À medida que a qualidade das conexões e a
velocidade da Internet avançam, cresce a procura de usuários por conteúdos que possam ser
assistidos sob demanda. Nos países em desenvolvimento, a melhoria da distribuição de renda e
disponibilidade de diferentes tecnologias provocam mudanças de comportamento no consumo das
mídias.
A clássica experiência coletiva das salas de projeção, a prática “ritualizada”, somou-se a
um consumo individual, dessincronizado, onde cada um vê o que quer na sua tela, quando e onde
quiser. Diante de múltiplos displays, todos os antigos requisitos, como a sala escura (espaço) e os
horários de exibição (tempo) já não são primordiais a este usuário, que Gilles Lipovetsky e Jean
Serroy chamam de hiperconsumidor de cinema, mas que podemos estender o conceito para o
hiperconsumidor de narrativas audiovisuais.
Mas e a televisão? A principal característica da programação televisiva é o fluxo contínuo,
em tempo real (WILLIAMS, 1975). São programas distribuídos de forma prolixa, sucessivamente
311
enquanto que a televisão, com telas menores, procurava mais intimismo. Nessa simbiose de
estéticas e linguagens, alguns produtos são marcados pelo hibridismo de configurações, segundo
sua estratégia de mercado, a fim de ajustar-se com os públicos das diferentes telas.
A título de exemplo, dois produtos audiovisuais transitam entre o cinema e a televisão:
algumas minisséries da Rede Globo e longas-metragens da Globo Filmes. Após a exibição na tela
para qual foi concebido, o produto é reeditado e apresentado em outro formato. A minissérie “O
Auto da Compadecida” (1999), veiculada na TV, em 4 capítulos de aproximadamente 40 minutos
cada, chegou aos cinemas como longa-metragem, porém, com uma hora a menos que a minissérie,
tendo várias partes cortadas.
Nos últimos cinco anos, sete filmes brasileiros deram origem a minisséries exibidas pela
Globo. Por exemplo, a fábula “Malasartes e o Duelo com a Morte”, dirigida por Paulo Morelli,
custou R$ 13 milhões e foi vista nos cinemas por apenas 113 mil espectadores. O filme de 108
minutos foi remontado e chegou à televisão aberta em janeiro de 2018, em formato de minissérie,
com cerca de 20 minutos a mais de duração. Em seu primeiro dia de exibição, a minissérie marcou
28 pontos de audiência na Grande São Paulo, o que representa mais de 2 milhões de domicílios
nesta região. Sem dúvida, do ponto de vista comercial, a transformação de minissérie em filme e
vice-versa é um método relevante de otimizar custos e monetizar em diferentes janelas de exibição
(sala de cinema / sala de estar; tela grande / tela pequena). Esses produtos já nascem híbridos pela
combinação de características de diferentes meios.
A televisão também se deixa contaminar pela linguagem cinematográfica, basta assistir a
um capítulo da novela das nove ou um episódio de série para perceber o quanto esses gêneros
absorveram dos filmes.
Se as imagens em movimento transitam por novos suportes, dispersam-se em telas de
todos os tamanhos, exibem-se em novos universos, podemos afirmar que o cinema e a televisão
estão mais vivos e onipresentes do que nunca. Atualmente é mais trabalhoso estabelecer o que é
próprio da televisão, do cinema, da publicidade, dos jogos, da Internet, pois todas as linguagens se
complementam, combinam-se e se mesclam devido à utilização das mesmas tecnologias digitais
no seu processo de produção.
Numa época em que os usuários fecham abas, “pulam” ou bloqueiam os vídeos
comerciais, a publicidade será cada vez mais customizada, implícita, inserida como product
placement e oferecida como conteúdo de marca.
313
No ambiente digital, onde tudo são bits, o texto, o som e a imagem fluidificaram um ao
outro e perderam a estabilidade que os suportes fixos lhes emprestavam, como explica Lucia
Santaella (2007). Eles agora deslizam uns para os outros, se sobrepondo, se entrecruzando, se
complementando. Com as fronteiras estéticas e midiáticas rompidas, o desafio para os realizadores
ficou ainda maior. Eles poderão “espalhar” conteúdos audiovisuais complementares, originando
narrativas transmidiáticas, conforme o conceito apresentado por Henry Jenkins (2009).
Hoje o usuário é mais que um comunicador, ele se tornou um “comunicante”, ou seja,
agente ativo da comunicação, como afirmou Guillermo Orozco (2012). Não cabe a ele apenas
interceptar informações. A evolução e o barateamento dos dispositivos tecnológicos permitem que
o usuário seja produtor, programador e distribuidor de conteúdos audiovisuais (prosumer).
Câmeras de smartphones já gravam em Ultra Hi-Definition (4K) e são editores de imagem.
Vários “filmes” captados por aparelhos celular participam de festivais de cinema, e alguns
até são premiados como o longa-metragem “Tangerine”, que estreou no Sundance Film Festival
2015, e foi gravado com três smartphones iPhone 5S.
As plataformas digitais de hospedagem de vídeo, como o YouTube, se tornaram em um
local democrático na web, pois qualquer um pode fazer uploads e compartilhar gratuitamente seus
vídeos. Esses locais transformaram o internauta em um genuíno “canal de televisão”. E no caso do
live streaming, o usuário pode se tornar em uma “televisão pessoal ao vivo”.
As plataformas OTT permitem que o usuário construa a sua própria programação,
independente da grade televisiva. Embora a programação da TV ainda esteja presente no dia a dia
da maior parte das pessoas, ela vem disputando a audiência com os produtos audiovisuais (gratuitos
e pagos) oferecidos via Internet em desvantagem competitiva, dadas as suas particularidades de
cada uma.
Ao longo deste trabalho vimos inúmeros dados de diversas pesquisas que confirmam o
crescimento vertiginoso dos serviços OTT de vídeo sob demanda (SVoD, TVoD, AVod, FVoD).
As assinaturas de SVoD aumentaram dez vezes entre 2010 e 2016, e dobrarão em 2022. Enquanto
isso a TV paga lentamente perde assinantes, principalmente entre os mais jovens. O cord cutting
(cortador de cabo) é uma forte tendência principalmente entre os mais jovens. Os não assinantes se
enquadram em duas categorias: evaders (evadores) aqueles que nunca assinaram um pacote de TV
paga, e os defectors (desertores), ex-assinantes que cancelaram o serviço.
314
No momento, o on demand está para somar, mas ele pode se tornar tão expressivo a ponto
de alterar modelo de negócios das mídias tradicionais, como a televisão, tornando-se, talvez, a
principal plataforma de consumo audiovisual.
A situação atual da indústria do entretenimento que faz uso de recursos visuais e sonoros
na comunicação está marcada pelas fusões colossais, como Disney e Fox ou AT&T e Time Warner.
Esses conglomerados de mídia terão imenso poder sobre a produção e difusão de conteúdos
massivos por todo o planeta. Concomitantemente, crescerá a oferta de serviços VoD de nicho.
A recente decisão da Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos (FCC),
voltando a classificar a Internet como um “serviço de informação” e a internet móvel como “serviço
de interconexão”, liberou acordos comerciais que podem favorecer um conteúdo em detrimento de
outro. Na prática, os provedores de Internet norte-americanos estão livres para cobrar mais por
utilizações que demandem maior tamanho de banda, incluindo os serviços de vídeos por streaming,
como a Netflix, o YouTube ou a Amazon Prime Video, entre outros, ou por usos que contrariem
seus interesses mercantis. Quem provavelmente sairá perdendo, nos quesitos liberdade e preço, é
o consumidor.
Programas de TV, séries ou filmes tornam-se arquivos digitais: uns e zeros. Foi-se a época
em que a televisão estava restrita a um punhado de canais com grades de programação pré-
estabelecidas pelas TVs aberta e fechada. As emissoras entraram no jogo e tiveram que se adequar
aos novos tempos, oferecendo seu conteúdo on-demand pela Internet. Muitas adotaram o modelo
AVoD, como o SBT. Já os canais por assinatura, como os da Globosat, liberam seu acervo VoD
somente se o usuário for assinante de alguma operadora de TV paga.
Analisando a historicidade do cinema e da televisão, quais os futuros (no plural) das
mídias tradicionais dentro do ecossistema das mídias emergentes? A TV do futuro, vista sob a
óptica de hoje, talvez seja irreconhecível, com infinitos canais lineares misturados aos conteúdos
disponíveis em repositório, num caleidoscópio em movimento. Os canais provavelmente se
tornarão brands (marcas), portais de produtos audiovisuais, de produção própria ou terceirizada,
como a Netflix. Em vista desse cenário de transformações tecnológicas, ouso pensar em um futuro
possível onde toda a televisão será transmitida no ciberespaço, priorizando a banda larga em
relação ao espectro da radiodifusão.
Nicholas Negroponte (1995) anunciava que na época dos aparelhos analógicos era mais
fácil indicar as faixas destinadas à cada mídia no espectro de ondas. Televisão, rádio, telefonia
315
celular etc., cada uma com sua cota na radiodifusão. Porém, no mundo digital, tudo converge, se
mistura, embaralha, se relaciona ou, em alguns casos, desaparece: tudo são bits. Se o futuro de
todas as mídias pode estar no ciberespaço, o que vai diferenciá-las é o seu conteúdo, seja para web
rádios, jornais e revistas digitais, web TVs, portais de comunicação, vlogs etc.
Televisão é principalmente conteúdo, e o formato televisivo pode estar em qualquer
plataforma, como afirma David Brennan (2016). Nunca houve tanto conteúdo de qualidade para se
ver. “Conteúdo é tudo”, já dizia a campanha da Globo.com, assinada pelo publicitário Washington
Olivetto, em 2010. Essa, talvez, seja a afirmação que melhor se encaixa no momento de
transformação tecnológica que estamos vivendo. No ambiente digital, em qualquer plataforma,
onde todos podem produzir, armazenar, compartilhar, personalizar e acessar conteúdos
audiovisuais, quem tem conteúdo de qualidade é rei, pois terá mais acessos e será desejado pelo
público.
É fato que o usuário vai atrás do que lhe interessar e consome esses produtos de forma
compulsiva (binge watching). Muitas vezes, consome duas telas ao mesmo tempo, ao acessar a
Internet enquanto assiste televisão. Cabe às indústrias da TV e do cinema criar e valorar conteúdos
exclusivos, que despertem o encanto, seduzam a audiência e gerem engajamento. Para isso, contam
com a ajuda tecnológica dos algoritmos (modelos matemáticos que ajudam a fazer previsões)
aplicados sobre o enorme conjunto de dados armazenados (big data).
O cinema e a televisão não vão morrer, e sim, se adequar às constantes transformações
tecnológicas. Talvez encolham. Da mesma forma como a televisão não acabou com o cinema ou o
rádio, o videocassete e os gravadores digitais não acabaram com a programação televisiva, e a
Internet não extinguiu o jornal ou a revista, é possível antever que o atual modelo ainda irá perdurar
por algumas décadas.
Cada mídia pode ser utilizada de forma diferente ou não dentro deste ecossistema. Não
trocamos a tela da TV ou do cinema pelas telas menores. Adicionamos. Todas irão coexistir. E
quanto maior é a oferta, mais difícil fica a disputa pelo tempo do cliente e pelo share of wallet (fatia
de gastos). Num dia de 24 horas (em que se supõe dormir 8h e trabalhar 8h), são cada vez mais
raros os momentos de lazer. Tempo tem valor mercantil, e as empresas as empresas que buscam
conquistar o tempo do consumidor estão competindo umas com as outras. O bolso do usuário é
finito. Quantos serviços de streaming ele estaria disposto a assinar mensalmente. Reformulando a
questão: quanto ele “pode” gastar?
316
Negroponte (1995, p.49) explica que “a chave para o futuro da televisão é parar de pensar
nela como televisão”. Concordando com o autor é possível afirmar que a televisão significa hoje
telas diferentes com conteúdos semelhantes. Ou seja, o mesmo produto audiovisual pode estar
disponível da sala de projeção ao display móvel.
A realidade virtual, a realidade aumentada, a câmera 360° que registra imagens em todas
as direções ao mesmo tempo, são apenas algumas técnicas que estão em amadurecimento e, em
breve, poderão surgir com novas variações de linguagem e outras maneiras de consumo do
audiovisual.
Já existem conteúdos de todos os tipos, formatos e duração, disponíveis em telas por todos
os cantos. E essa onipresença tornou-se natural, corriqueira. São telas modernas, múltiplas,
híbridas, táteis, interativas, conectadas, convergentes, profusas. Em pouco tempo teremos a oferta
até de telas vestíveis e dobráveis, nas diferentes superfícies da casa ou do trabalho. Tudo será tela.
“Babel”366, que significa “interferência proveniente de um número elevado de canais de
informação”, é sinônimo de “confusão”. Sendo assim, não seria equivocado classificar dessa forma
o momento vigente, globalizado, complexo, intrincado, convergente, diversificado, pós-digital,
híbrido. Vivemos uma era de ubiquidade audiovisual, e, na Babel das infinitas telas, a televisão
torna-se apenas mais modalidade de consumo de imagens, entre muitas outras.
REFERÊNCIAS
366
Segundo o dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, a palavra babel vem do hebreu Bābhēl, latinizado Babel,
equivalente a Babilônia, do assírio bāb-ilu no sentido de “porta de Deus”. De acordo com o Antigo Testamento
(Gênesis 11, 1-9), a Torre de Babel foi construída por descendentes de Noé após o dilúvio. Segundo a história, o
monumento teria sido criado para que os homens pudessem alcançar o céu e se comunicar com Deus. A soberba
humana provocou a ira do Todo Poderoso que, para castigá-los, os espalhou por toda a Terra e confundiu-lhes as
línguas. Acredita-se que, se a construção existiu, ela estava situada na capital da Babilônia, Babel, e foi construída em
forma de pirâmide com camadas terraplanadas.
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ANEXOS
ANEXO A – Audiência televisiva de 7 a 20 de junho de 1965 (IBOPE)
Fonte: Revista São Paulo na TV. Nº 326. Semana de 12-7-65 a 18-7-65. São Paulo, 1965. p.39
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