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São Paulo
2009
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial
BANCA EXAMINADORA
Agradeço à minha família, aos meus irmãos Dante e Erico, que igualmente
lutaram para estudar em instituições públicas, e por im a Bruno Melnic Incáo
por trazer tantas felicidades e emoções à minha vida.
“Ser editor poderia hoje signiicar mover-se
contra a corrente, em respeito à tradição do editor.
Negá-la. Se tornar diretamente empreendedor da
vida cotidiana”.
Alberto Abruzzese
RESUMO
ABSTRACT
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5. BIBLIOGRAFIA
Municipal de 1º Grau Prof. Noé Azevedo, na periferia da zona norte de São Paulo, onde
básica, mas a grande sensação era mesmo “navegar” no CD-ROM do Almanaque Abril. Com
contato com esse novo modo de ler, editar e pesquisar conteúdos. Era 1995 e eu tinha 11
Mais que em uma era de mudanças, estamos em uma mudança de era. No mundo
sociologia, tecnologia, entre outros), o grande tema desse início de século é a revolução
Grandes autores, com diversas vertentes (em geral, divididas entre pessimistas e 15
otimistas), tentam avaliar, dimensionar e prognosticar os efeitos da internet sobre nossa
civilização. Além desse recente fenômeno, se difunde a preocupação sobre modos sustentáveis
colapso do sistema natural da Terra). Essas discussões estão em pauta no mundo todo,
porém, é difícil avaliar cenários e fenômenos tão inéditos na História, justamente porque
eles estão em curso e seus efeitos são, de qualquer forma, imprevisíveis. A contribuição e o
da Inovação (no Brasil e no exterior), descrevendo como ele funciona, quem são seus atores
principais, seus pontos fortes e fracos para a reformulação das teorias da Comunicação. Nesse
tentam apontar padrões e desvios, e acima de tudo trazer cada vez mais a comunidade para
dentro desse jogo. Lembrando que comunicação e comunidade têm a mesma raiz latina.
Dentro do curso de Editoração, na Universidade de São Paulo, a grade curricular
assim o suporte “livro-impresso” reina como principal meio difusor de cultura. As artes
do livro, sua edição, preparação e políticas públicas, a literatura e toda a cadeia produtiva
desse suporte formam a maior parte da grade curricular especíica e obrigatória, como
marketing editorial e também algumas concepções sobre hipermídia. Porém, entre o livro e a
hipermídia, existiu a multimídia, e em tantos anos de curso, ela permaneceu intocada como
tema e plataforma editorial, mesmo tendo uma importância considerável no passado recente
da área. Hoje, parece encerrada no meio dos anos 1990, morta como sistema e possibilidade.
Ao deixar essa lacuna na história dos meios editoriais, tem-se a impressão de que o editor
acordou no século XXI tendo o mundo imaterial da hipermídia para enfrentar, sem bases
que não sejam a da mídia em papel. As experiências dos meios ou mídias eletrônicas of-
line (ME of-line), esse instigante e inovador capítulo da história editorial, mantém-se no
o tema; mas em outros países, como a Itália, é contemplado por aqueles que estudam a
Editoração e as mídias. Por esse motivo, quase toda bibliograia utilizada é estrangeira (em
16
especial italiana1), com tradução realizada pela autora.
inais dos anos 1980, foi o primeiro passo para a digitalização dos conteúdos e sua profusão.
Já no início da década de 1990, as novas mídias digitais, em especial as com leitura óptica
da Editoração. Na época de seu surgimento, era preciso “treinar” os leitores para que
1 Isso se deve ao intercâmbio estudantil realizado pela autora entre fevereiro e julho de 2009, na Università degli studi di
Genova, Itália; dentro do projeto de cooperação entre o CINDA (Centro Interuniversitario de Desarollo) e o CCINT-USP.
que hoje, já não é necessário, nem para crianças de cinco anos. Não só o computador é visto
com mais naturalidade, como apresenta interfaces cada vez mais amigáveis, orgânicas e
intuitivas para quem os usa. E essa é a preocupação de quem faz a emergente área de Design
trabalho se concentrará nos primórdios dessa interação, por meio da Editoração multimídia
of-line. Agora, em 2009, ica claro que essa é, parafraseando Manuel Castells, não uma
Um dos mais relevantes estudiosos da área, Roger Chartier (1998:103), diz que “a
correta inscrição em uma história de longa duração”. Assim, é pertinente estudar e avaliar a
quando ela ainda se apresentava em suporte físico, mas já possibilitava a fruição eletrônica e
interativa.
[os editores multimídia] são os únicos que têm uma tradição “nas costas”,
conhecimento.
comunidades de interesse”.
versão eletrônica na rede, mas com a queda gradativa das vendas, optou-se por descontinuar
esse trabalho. Através dele, será possível identiicar como se realizam as dinâmicas editoriais
Almanaque Abril.
teve grande sucesso editorial e esteve sempre em constante atualização, dentro da cultura
empresarial da maior editora do País: a Editora Abril. Nos últimos 10 anos, o Almanaque
alterou e deiniu não apenas o suporte do produto, mas seu formato e design, sua distribuição
18
e seu preço. Será analisada, também, a sua natureza editorial de livro-do-ano (notadamente
uma fonte coniável e que relete o “espírito do tempo”. O trabalho também dimensiona o
desaios do passado e em andamento, o que para Robert K. Yin (2005) é um dos focos do
através dos modelos de self-content providing e de bricolagem digital, será possível identiicar
as atuais estratégias dos produtores editoriais quanto aos diferentes tipos de textos, a
tecnologia envolvida e a adequação ao público-leitor, na busca de um modelo de negócio,
É importante reiterar que, para uma análise mais consistente dessas transições, é
preciso considerar a teoria não só sobre a consciência da tecnologia e seus usos, mas também
sobre as particularidades das mídias - que além de uma simples adaptação de conteúdos,
(fruições).
Para embasar o estudo de caso, esse trabalho apresentará uma parte preliminar
Comunicação (com ênfase nas recentes inovações introduzidas pelas mídias eletrônicas)
tendo em vista a inluência da forma sobre o conteúdo, para então se iniciar o estudo de caso
tendo-o como primeira mídia eletrônica editorada e vendida como tal, a partir da bibliograia
publicada, será possível inseri-lo na história das mídias. Nesse sentido, Roger Chartier
(2002:62) lembra a indissociação de forma e conteúdo (apontando a importância do editor):
19
Contra a abstração dos textos, é preciso lembrar que as
formas que permitem sua leitura, sua audição ou sua visão participam
as tecnologias midiáticas, tanto pelo viés sociológico como pelo produtivo, embasando
Por im, reiterar a função social do editor, que atua na sociedade não só com o
conteúdo de suas publicações, mas também com os meios e formas que escolhe para a
divulgação e o acesso das informações. Essa visão é sintetizada por D.F. McKenzie (1986 apud
CHARTIER, 2002:64):
20
2 McKENZIE, D.F. Bibliography and sociology of texts. Londres: the British Library, 1986.
21
2. TECNOLOGIA E EDITORAÇÃO: DISCURSOS MIDIÁTICOS
Para contribuir e ampliar as discussões sobre o universo dos meios eletrônicos of-
line e assim tornar mais consistente a análise da evolução do uso das mídias digitais no Brasil,
se propõe o estudo de caso do título Almanaque Abril (com especial ênfase em sua versão em
CD-ROM). Porém, para que tal estudo se concretize com maior embasamento, é importante
avaliar como os proissionais e pesquisadores da área são formados e qual o estado atual dos
estudos e práticas das novas mídias. Apresenta-se, então, uma abordagem histórica e acessível
para a formulação de uma crítica das praticas midiáticas, reiterando a importância dos
estudos de caso das obras produzidas, para o avanço das próximas produções.
leitor para dentro da produção editorial, ou seja, permitindo que a comunidade inluencie
23
cada vez mais na Comunicação.
últimos anos, dada as mudanças de paradigmas impostos pela era digital. De modo geral, as
novas teorias se concentram na possibilidade das mídias como instrumento social (político-
colaborativo desse novo espaço aberto toma formas e proporções inéditas, um tanto quanto
1 Segundo relatório do Ibope divulgado em agosto de 2009, 37,3 milhões de pessoas usaram a internet no trabalho ou em
residências no Brasil, crescimento de 2,3% sobre os 36,5 milhões registrados em julho. A quantidade de pessoas com acesso no trabalho
ou em residências cresceu 5% e chegou a 46,7 milhões. Em relação ao mesmo mês de 2008, a alta foi de 19%. O número de pessoas
que moram em domicílios com computador ligado à internet subiu para 42,2 milhões. Projeções apontam a existência de 64,8 milhões de
pessoas com acesso à internet em qualquer ambiente (residências, trabalho, escolas, lan-houses, bibliotecas e telecentros), considerando
nomes, conceitos e discursos sobre a era digital é um passo fundamental para a compreensão
mais crítico e consciente sobre os usos e efeitos das tecnologias midiáticas, superando a
integrados2”.
Guattari), sobre a cibercultura (Lévy) e as possibilidades sociais das novas mídias (Castells)
será possível formar comunicadores mais relevantes para o século XXI, inseridos nas
telefone celular, a Internet etc. Isso se veriicou em um tempo muito mais curto do
proissionais com abordagem crítica das práticas midiáticas, e que eles possam contribuir
mídias têm um vasto campo a ser desvendado, pois elas possibilitam a transformação de
toda a cadeia produtiva: desde a produção de conteúdo, sua edição, até sua distribuição e
controle. Porém, no que tange à formação dos editores na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA-USP), existem lacunas que tornam deiciente a visão crítica
sobre a área.
2 Expressão popularizada por Umberto Eco, aqui colocada como a divisão entre tecnocéticos e tecnoentusiastas, para saber
mais ver ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993.
à edição de texto e imagem (outrora também havia a edição de audiovisual), e que eles
possam adaptar conteúdos a diversos meios de comunicação. Porém, uma rápida avaliação
da grade curricular3 revela a incapacidade do curso de inserir o aluno no atual contexto das
ligadas à Hipermídia e 17 focadas no mundo do livro e das letras. Portanto, estima-se que
54% da carga obrigatória de aulas é direcionada às práticas editoriais iniciadas por Gutenberg
em 1450, e cujo último expoente tecnológico foi Aldo Manuzio, seu contemporâneo. Isso
relete a importância do mundo impresso e de sua tradição para a formação dos editores,
sendo fundamentais para qualquer tipo de prática editorial; mas também revelam um
descompasso com a realidade das novas mídias que se desenvolve há quase 20 anos. Além
acaba reletindo em outras disciplinas, que poderiam ser mais abrangentes. Em Introdução à
Editoração, por exemplo, não se apresenta uma discussão além do editor tradicional-livreiro;
tópicos relacionados às novas mídias, mas que, devido aos professores ligados à área de
impressos, não têm tais assuntos contemplados. Na prática, portanto, a realidade das novas
a escassez de professores pesquisadores na área de Editoração. Desse modo, eles icam ligados
às suas práticas proissionais que são, na maioria quase absoluta, relacionadas ao mundo dos
3 Através do sistema jupiterweb, com a grade curricular em vigor desde 2005 (última reforma).
4 Metodologia para Produção Hipermídia, Laboratório de Produção de Sistemas Interativos de Hipermídia I, Legislação e Ética da
5 Já que em História da Editoração II, o assunto não chega a ser abordado, conforme relato dos estudantes em setembro de
2009.
e até da ordem social, a disciplina História da Editoração mostra o uso dos suportes como
(os tradicionais atores da cadeia editorial6). Mas a discussão teórica sobre os impactos e
História da Editoração II e Metodologia para Produção Hipermídia, que prevêem (isso não
permanecem em duas instancias teóricas: o mundo do livro e das letras e a hipermídia. Essa
determinismo tecnológico, onde um meio destrói o outro e há uma notável preferência pelo
mídias, comprometendo a formação dos futuros proissionais que deverão lidar com novas
ser apenas aqueles que concernem à produção do texto, mas se deve buscar os novos atores (e
suas contribuições) dentro da evolução tecnológica dos meios de comunicação, como airma
posição (num sentido ou noutro), mas de examinar que coisa é esta em construção
Veriicar como isso parece funcionar (...) para assim produzir conhecimento sobre
Sem saber muito bem como, durante o curso de Teoria da Comunicação, por
Em geral, essa passagem da história dos meios se apresenta resumida no assunto “revolução
da era digital”, que elenca as evoluções da informática e não das publicações; logo em seguida,
passam-se aos atuais e relevantes discursos sobre a hipermídia, que se impõe como o atual
ica encerrada entre 1986 (quando Bill Gates promove o livro he New Papyrus 7) e o inal
com essa mídia. Ou seja, em geral, são manuais práticos de como construir a estrutura
multimídia, com o discurso sempre dirigido à incrível compactação de dados, e quase não há
do editor, mas sim a do produtor tecnológico, que é apenas uma parte do processo. Hoje, com
relativos a essa mídia eletrônica, com mais consciência do fenômeno como um todo, por não
Essa visão pode ser resumida por França (2002:63), que acredita que “as modiicações
na realidade exigem também o desenvolvimento dos nossos instrumentos conceituais, que
não podem simplesmente reiterar as mudanças, mas devem ser capazes de compreendê-las.”
27
Portanto para avançarmos nas discussões acerca dos processos midiáticos, será
adotada a visão metodológica dos autores do livro de Prado (2002), Critica das praticas
que são pertinentes a esse trabalho são, em especial, aquelas que apresentam a pesquisa e
crítica dos meios de comunicação, através de uma visão que desmistiica o deslumbramento
tecnológico. Faz-se apenas uma ressalva quanto à origem dos pesquisadores, que estão em
anteriormente.
trajetória individual dos produtos editoriais, como esse presente estudo de caso. Essa é um
dos modos mais contundentes de avaliar o processo evolutivo de uma técnica e ainda mais de
um pensamento sobre ela (savoir-faire), e é também feito nos estudos formais e informais de
dessas produções, quanto de cada produto pontual, fazendo uma crítica que pouco
7 LAMBERT, S.; ROPIEQUET, S. CD ROM. The New Papyrus: The Current and Future State of the Art. Microsoft Press, 1986
se vê na crítica das mídias contemporâneas, que se preocupa prioritariamente com
as interações sociais que esta provoca. (...) É possível, portanto, fazer a premissa de
que, quanto mais desenvolvido seja um sistema crítico, mais provavelmente ele se
voltará para uma análise de produtos especíicos (e menos para análises do meio
Portanto, tomando essa premissa, para se ter uma maior capacidade de avaliar
aluno formado em Editoração teria uma visão mais contundente do seu campo de atuação:
produtivo, desde a coordenação geral até a distribuição das obras editadas. De todos os
modos, esses estudos de caso ajudam na avaliação da pertinência social do produto editorial
– seja pelo conteúdo, quanto pelo formato ou pela forma de distribuição. Assim, espera-se
que a prática dentro das mídias seja realizada de modo consciente e não apenas intuitivo,
mas apoiada por uma visão atualizada e consistente da área, como diz Braga (2002:38, grifo
28
nosso): “(...) correlatamente, devemos incluir no conjunto dos processos críticos os esforços
Além de optar pelo estudo de caso como forma de incrementar o sistema crítico,
o presente trabalho busca analisar o processo de inovação e adaptação das novas formas
essa linha que será retomada ao longo do trabalho, os meios digitais têm a tendência a
pelos atores sociais, os aparelhos tecnológicos e as dinâmicas globais. Para ilustrar essa
rede de inputs e outputs, Ramos (2002) lembra que nem todos os gadgets comunicativos
“dão certo”; e que a convergência dos meios - tema que será retomado mais adiante - não
é tão simples e natural quanto parece, devido às especiicidades de fruição e percepção
dos suportes. Ele cita o e-book e o myweb (um aparelho de TV integrado à internet) como
que não ouvimos rádio pela TV. Para o autor, a tão aclamada convergência dos meios,
O estudo da história das mídias e das suas práticas deve, então, se inserir no
contexto pós-moderno, do qual Jacques Derrida e Derrick de Kerkhove fazem parte. Isso
signiica buscar o pensamento dionisíaco, não-dialético, defendido por Mafesoli (1996 apud
Assim, observar o cenário das mídias, na sua atual e desaiante conjuntura, requer o
intuito de preservar os contrários, evitando impor sínteses ou visões reducionista que neguem
Essa visão é defendida por Roger Fidler (1997 apud SAAD, 2003:55), ao introduzir o
seja a mudança na sociedade e nos media eles irão incorporar e avançar a partir
das experiências do passado. Ao deixar a história ser o nosso guia, veremos que as
forças que moldarão nosso futuro são essencialmente as mesmas que moldaram
9 FIDLER, Roger. Mediamorphosis: Understanding New Media. Califórnia: Pine Forge Press, 1997. p.7.
mais difundida interpretação sobre a evolução das mídias, a remediação, onde “cada novo
meio encontra a sua legitimação porque preenche um vazio ou corrige um erro deixado
por seu antecessor, porque faz uma promessa que o meio que o precedeu não foi capaz de
cumprir”.
advento concebido ao longo dessa linha do tempo impactou não apenas a produção editorial,
mas também as práticas de leitura e consumo10. Por exemplo, com a invenção da imprensa de
Gutenberg, a leitura icou mais acessível e o hábito de ler, mais individual e silencioso. Com
impresso, que antes era considerado “sagrado” e muitas vezes único11. Esses dois fenômenos
uma revolução no modo como lemos e nos apropriamos do texto, pois “ler sobre uma tela
30
não é ler um códex. Se abrem possibilidades novas e imensas; a representação eletrônica
dos textos modiica totalmente a sua condição”. Portanto essas novas maneiras de ler, as
novas relações com a escrita, e por conseqüência, as novas técnicas intelectuais de adquirir
um conhecimento têm a ver, antes de tudo, com “a revolução dos suportes e formas que
transmitem o escrito”. Chartier ainda conclui com uma sugestiva comparação: “Nisso ela tem
em forma de rolo pelo livro composto por cadernos reunidos -, nos primeiros séculos da era
cristã.”
Para os editores, tais revoluções signiicaram não apenas uma mudança nos hábitos
que concorrem entre si desde 1950 até os dias de hoje, com o fenômeno radicalizado com
densa e rica, com a participação cada vez maior dos leitores/espectadores, inluenciando a
produção. Essa interferência dos “consumidores”, percebida com mais entusiasmo atualmente,
não era notada nas (já famosas e antigas) Teorias de Comunicação com base na Escola de
– como a TV, o rádio, o cinema e o jornal impresso eram produzidos e distribuídos com
realizada através da chamada opinião pública. Hoje, percebe-se uma lógica de produção
que tenta incluir os leitores, porém isso não diminui o poder dos editores, enquanto
propriedade, os cenários e dispositivos de mediação, onde poderão atuar. Como foi dito, hoje
mídias, o que segundo Santaella (2002) atinge uma “massa” e estabelece vínculos intertextuais
ou “trânsitos e intercâmbios” entre si. A experiência da mídia se enriquece por esse contexto
Essa não é uma opinião isolada, pois também Ramos (2002:100) adverte que para o estudo
caracteriza os diferentes tipos de acesso e fruição aos textos comunicacionais13. Sua origem
e tendências que interessam a certa linha editorial e que estão dissipados pelos múltiplos canais de comunicação. Atuam com o
conhecimento colaborativo e por isso são vistos menos autoritariamente e mais como fomentadores, multiplicadores ou “catalisadores de
interlocução”.
surgir novos suportes como o CD-ROM. Segundo Chartier (1998:105), essa é “uma revolução
maior que a do códex” na história da Editoração, pois “cada forma, cada suporte, cada
e interpretações.”
Os hábitos de uso e leitura dos suportes são fundamentais para a prática e o estudo
das novas mídias editoriais, superando as discussões sobre a perenidade do material. Vale
lembrar que um pergaminho antigo pode ser digitalizado por escaneamento, se transformar
em imagem digital e ser armazenado em um CD-ROM, que durará mais de 100 anos. Porém,
são poucos os que têm ou terão o hábito de acessar esse conteúdo através desse suporte. A
apropriação do suporte é também considerada por Santaella (2002:45) ao dizer que “(...)
cultura que são capazes de criar, de modo que o advento de cada novo meio de comunicação
comunicação digital, muito divulgados pela mídia e que geraram estudos e especulações
32
tecnoentusiastas: a convergência e a divergência dos meios.
levaram à chamada “convergência dos meios de comunicação”. Esse foi o conceito norteador
dos celulares que captam o sinal da TV digital e da myweb/webTV14, que mistura internet
conteúdos digitais (graças à padronização dos tipos de arquivos), foi possível dispersá-los em
muito mais tipos de mídias, em menos tempo ou quase ao mesmo tempo. Muitos teóricos
para criar a cross-media16: diversos canais são utilizados para conseguir uma interatividade
do leitor para com o conteúdo. Um exemplo de cross-media seria uma revista de culinária
14 Dispositivo acoplado à TV de alta definição que possibilita a navegação na internet, sem computador. Sua fruição não se
mostrou satisfatória, pois as pessoas não adquiriram o hábito de usar a internet na sala, em uma televisão. Isso mostra que a convergên-
16 Para saber mais BURY, Scott. Cross-media PUBLISHING. Electronic Publishing; Jun 2005; 29, 6; ProQuest Computing. pg. 18
que remete ao link de seu site na internet, onde é possível encontrar um vídeo que mostra
o que fazer com o resto dos alimentos usados nas receitas apresentadas na revista impressa.
além de expor seus limites de linguagem e, portanto, de fruição. Isso signiica trabalhar com
adaptando-as ao seu meio. Hoje, é comum dizer que a linguagem da internet “contamina” a
dos meios impressos, indicando que os meios - impressos ou digitais - estão se apropriando
Porém, para esse estudo é mais interessante avaliar como as novas mídias
e olhar através” da mídia como o cerne da mediação nos novos meios. Com o “olhar
através”, os desenvolvedores das novas mídias tentam, de acordo com Ferri (2004:54, grifo 33
nosso), “camular o meio da percepção do fruidor (...) através de interfaces cada vez mais
realizado através da performance que o leitor desenvolve para realizar uma tarefa que ele
Para compreender melhor esses dois conceitos (olhar “para” e “através” de um meio)
impressas (desde a invenção da imprensa até hoje) e as eletrônicas on-line (ou ME on-line),
34 CD-ROM/
Suporte Impressão Internet
DVD-ROM
EDITORAÇÃO TRADICIONAL
EDITORAÇÃO MULTIMÍDIA
EDITORAÇÃO HIPERMÍDIA
bem) até hoje e foi potencializada com o desktop publishing (DTP) no im dos anos 1980.
no inal dela – apesar de sofrer forte concorrência com a Editoração hipermídia (então
17 Diz-se Editoração digital, eletrônica, hipermídia, multimídia ou interativa. Em inglês, o termo Electronic Publishing é o mais
usado.
nascida no meio dos anos 1990) – e ainda existe, mas com cada vez menos títulos lançados,
em vista duas inalidades: “valorizar o patrimônio documental” dando novos tipos de acesso
e uso, podendo até ter a ajuda do governo (que vê tal procedimento como preservação
cultural), como faz a TV Cultura, digitalizando seus antigos programas. Ou, então, ela tem o
de seu banco de dados, com a inalidade de reutilizá-lo nas publicações, como faz a Editora
fácil a elaboração e a manipulação dos conteúdos e pode ser modiicada durante o processo
editorial.
Solidoro (2004:74) também aponta essa etapa inicial como fundamental para o
Moulthrop (1999 apud FERRI, 2004:16) conclui a partir desse fenômeno, que
caracteres impressos sobre o papel e de obter lucros distribuindo esse suporte material aos
consumidores”18. Portanto essa foi uma grande mudança para a produção editorial apenas,
para as grandes e médias editoras que não querem treinar seus funcionários para o produto
18 MOULTHROP, S. Computing, Humanism And The Coming Age Of Print. 1999. Disponível em iat.ubalt.edu/moulthrop/essays/
uva99/
multimídia”.
porém inluenciaram também os recursos humanos e econômicos dentro das editoras, o que,
conforme Eletti (2003:69) “traz às redações a consciência de que o digital está se tornando o
de 1990. Lidar com o digital era apenas uma parte do processo, pois os grandes experimentos
da hipermídia nos até então inéditos suportes eletrônicos, que se apresentavam em três
dos CD-ROMs viabilizaram as publicações multimídia, pois era possível compactar muitos
dados em um suporte físico, praticamente sem perdas na qualidade do original, pois os dados
digitais são preservados apesar da reprodutibilidade (os processos de cópia não desgastam
descritos posteriormente.
logo, um dos maiores desaios para seus produtores, foi lidar com as suas duas principais
deveria proporcionar.
e comunicação que utiliza ao mesmo tempo, e de forma coordenada, textos, sons, imagens,
vídeos, com o intuito de obter uma representação das informações que seja eicaz e cativante”.
É importante ressaltar que audio-livros podem ser considerados multimídia, porém não
para esse estudo que considera a fruição por meio eletrônico. Além disso, é preciso fazer a
distinção entre os produtos da Editoração eletrônica, que na realidade são muito diferentes
entre si. A principal delas está entre aqueles of-line e os on-line. Alguns produtos como o
e-book estão na fronteira entre essas duas áreas, pois eles são disponíveis on-line e lidos of-
e no cinema, por exemplo. Sua justaposição com outros tipos de códigos altera a sua leitura.
Assim, a palavra texto está sendo usada neste trabalho, com a abrangência semiótica,
muito utilizada nos estudos em comunicação. O leitor, portanto é o indivíduo (muitas vezes
escrita e de leitura intersemióticos, relacionados, sem muita distinção, a imagens, sons, cores,
19 Objetos de estudo, como um filme, são encarados como textos que transmitem significados (tomados como derivações da
interação ordenada de elementos portadores de sentido, os signos, inseridos em um sistema estruturado), de maneira parcialmente
20 Segundo Décio Pignatari, “as mensagens podem ser codificadas quando já expressas por meio de signos (letras, por exemplo);
então, uma codificação seria uma transformação, geralmente unívoca e reversível, por meio da qual mensagens podem ser convertidas
de um conjunto de signos para outro. O código semafórico e o código dos surdos-mudos – melhor ainda, o Código Morse – representam
exemplos típicos. Dessa forma, as linguagens teriam um longo desenvolvimento orgânico, enquanto que os códigos seriam inventados
para algum fim específico e sujeitos a regras explícitas” (PIGNATARI, D. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo: Ed. Perspectiva,
1968).
Percebe-se, a partir dos códigos envolvidos, que a multimídia potencializou a
imersão, pois toma os canais visuais e auditivos, ampliando o raio perceptivo da realidade
informativa, abrindo novos modelos perceptórios e não apenas visões. Isso signiica
perspectivas.
olhos, transformando a percepção espacial do canal auditivo para o visual”. Para ele, os
espaço circular, contínuo da audição” que havia se transformado, com a cultura visual, no
“espaço linear, euclidiano, mensurável e divisível gutenberguiano”. Agora esse novo ambiente
é tão imersivo quanto invasivo (rich media). Os recursos auditivos proporcionados pela
Eletti (2003:45), ela é composta por três elementos que juntos têm resultado superior à soma
Ela trouxe a estrutura técnica, tornou possível a uniicação das mídias e códigos. Suas
O conteúdo que além dos textos comunicacionais, são as intertextualidades: “[...] evocando
assim outras experiências especíicas que têm sua origem tanto na cultura oral, quanto na
A linguagem televisiva dos anos 1990 tinha como característica, segundo Eletti (2003:46-47)
comunicação.
dos possíveis usos dessa nova mídia. A interatividade, por exemplo, não era uma experiência
absolutamente inédita, pois em menor grau ela foi se desenvolvendo no meio televisivo,
quando foi possível escolher a programação entre centenas de canais (durante a famosa
“geração zapping”). Logo depois, com o VHS, podia-se escolher o que ver e a que hora, dando
Porém, foi nos videogames que a linguagem interativa obteve maior expressão,
39
em especial quando eles saíram dos liperamas e entraram nas casas (consoles). Conforme
relacionadas aos videogames: “o aspecto lúdico, o objetivo claro, o tempo real e o luxo
contínuo que uniica as fases da ação”. Será visto, nos próximos tópicos, que as características
contexto mais amplo, que afetou toda a sociedade: a introdução do digital no cotidiano.
Esse processo foi propício aos ME of-line a partir da massiicação do computador pessoal,
por volta de 1995, quase dez anos após o lançamento do CD-ROM. Porém apesar de ser um
dos computadores não gera um novo nicho ou mercado sozinho: é preciso desenvolver
Esse processo, que culminou nos meios eletrônicos on-line, tem não só a leitura em
suporte digital, mas todos os seus textos produzidos e publicados digitalmente (o processo de
digitalização de conteúdos impressos vai diminuindo, a partir do momento que as fotograias,
de textos que se comunicam com o leitor. Para que um sistema ou obra seja deinido como
multimídia deve existir a possibilidade de um usuário interagir com ela, mediante um sistema
através de um sistema hipertextual com links, feito através de caracteres textuais e ícones
hipermídia.
40
O processo de produção desse tipo de publicação eletrônica será visto adiante. Antes
comunicação é tão interativo quanto é capaz de modiicar a informação transmitida por meio
do input do leitor.
(eletrônicos, para Bolter, ou não, para McLuhan), tem como conteúdo outra mídia. Remediar,
novo espaço do saber e da educação que integra e remedia a história dos espaços da escrita
precedentes”. Seu poder, além de “integrar conteúdos que na comunicação analógica eram
veiculados em suportes radicalmente diferentes e incomunicáveis”, é o do saber colaborativo,
Esse “novo espaço da escrita” (BOLTER, 2001) evidenciou a relação entre os textos,
que aprender, através da experimentação, como projetar nesse meio especíico. Hoje essa área
se liga à disciplina de Design de Interação e Arquitetura da Informação como será visto mais
adiante.
hipertextual, como diz Ribeiro (2006:6): “[...] Chartier aborda o hipertexto [...] como um
dos artefatos de ler e de escrever, sempre o considerando dentro de uma longa história
do hipertexto, mas suas características mais importantes que afetaram a produção editorial.
acesso e a movimentação do leitor entre os textos através da ligação disponível entre eles. Tal
tabuinhas de argila ao papiro, dos manuscritos ao livro de Gutenberg, que é deinida através
escrita.
Porém, nos domínios da edição, antes de ser linear ou não-linear o conteúdo de uma
publicação tem que ser hierarquizado. Nesse ponto reside o principal poder do editor, como
o outro, numa seqüência linear, não signiica que o texto seja linear. Uma notícia
vem “logo após” uma manchete, mas elas não formam uma seqüência linear. Há
dois segmentos do texto indica para o leitor que ele precisa diferenciar esses dois
gêneros textuais21.
digitais, através das “entradas de leitura”: um dos principais trabalhos do editor, e que revela a
É preciso lembrar também que o leitor não está separado do contexto em que vive,
fora da leitura. Isso já era apontado por Umberto Eco no livro Lector in Fabula (2002):
interpretações imediatas sobre o texto. A grande novidade trazida pelo hipertexto é a reunião
evocando de forma imediata não só todas as intertextualidades ligadas à palavra escrita, mas
mais rico de informações contextualizadas. Ele permite ao leitor conceber a sua própria
leitor em um labirinto, sem orientação, que trará uma experiência de frustração na fruição
(como será discutido nos próximos tópicos). O mesmo Lévy (1996:37 apud RIBEIRO, 2006)
entre essas zonas, conectar o texto a outros documentos, arrimá-lo a toda uma
memória que forma como que o fundo sobre o qual ele se destaca e ao qual remete,
21 COSCARELLI, Carla V. Hipertexto e subversão: um diálogo com Andrea Ramal. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2003. Disponível
em http://bbs.metalink.com.br/~lcoscarelli/GEhptxramal.htm
Coloca-se, assim, em dúvida todo o sistema gutenberguiano que, segundo Ferri (2004:52)
linearidade e sujeito”.
novas relações estruturais por meio de interfaces são difíceis de decodiicar. Memmott (2000
apud FERRI, 2004:49) diz que da lexia gerou-se a “perplexia”: “uma confusão das aplicações
ontológicas, literárias e tecnológicas”25. A saída parece estar na integração dos saberes, por
meio da interdisciplinaridade.
1) Não se distingue mais original e cópia. Se o original é digital, sua reprodução terá 43
a mesma informação independente do número de cópias (exceto no caso de compressões).
Isso trouxe uma facilidade de manipulação e atualização dos conteúdos, como acontece
nas palavras, coloca-se uma nova forma de cognição, semelhante ao audiovisual. A partir
que nem todos os designers de interface têm domínio da micro-edição e não fazem uso
dessa potencialidade, capaz de interferir na hierarquia dos textos. De modo geral, usam
23 No fin-de-siècle, o progresso industrial gerou uma crença eufórica na ciência e na tecnologia como redentoras da humani-
dade. O projeto moderno intencionava libertar as pessoas do trabalho excessivo, através da racionalização do cotidiano, haveria então
24 A teoria memética tem caráter sócio-biológica, ou seja, analisa os fenômenos culturais como os biológicos, num processo
evolutivo. Nesse trabalho ela é apresentada com o intuito único de ilustrar a diversidade das discussões sobre o fenômeno tecnológico.
Para saber mais: RECUERO, Raquel. Memes em weblogs: proposta de uma taxonomia. Revista FAMECOS, v. 32, 2007, p. 23-31.
Eletti, insere as novas tecnologias dentro de uma “teoria evolucionista dos meios”, enquanto
similar àquele que trouxe da primeira proteína com memória da sopa primordial, as formas
evoluídas dos reprodutores mais perto de nós, até chegar ao atual DNA.”26
Como é possível perceber, esse assunto, tão complexo e novo para todos, ainda não
apresenta muitos conceitos sedimentados: são impressões e tentativas de estabilizar o que está
eletrônica dentro dos meios eletrônicos of-line, pois esses já alcançaram maturidade em
44
ELETRÔNICAS
Nas publicações multimídia, o foco desse estudo, costuma-se dizer que os leitores
são “livres para fazer seus caminhos de leitura”, mas analisando as práticas de produção
podemos ver que o editor, juntamente com o proissional multimídia e o designer criam
luxos possíveis de navegação e esferas relacionais intertextuais, como será visto mais adiante.
Nesta plataforma, notadamente usando o suporte CD-ROM, a ramiicação dos caminhos não
dos CDs, usados inicialmente na indústria fonográica, no meio dos anos 1980. Para efeito
26 A teoria memética tem caráter sócio-biológica, ou seja, analisa os fenômenos culturais como os biológicos, num processo
evolutivo. Nesse trabalho ela é apresentada com o intuito único de ilustrar a diversidade das discussões sobre o fenômeno tecnológico.
Para saber mais: RECUERO, Raquel. Memes em weblogs: proposta de uma taxonomia. Revista FAMECOS, v. 32, 2007, p. 23-31.
suporte. Os discos ópticos são suportes físicos, compostos por uma camada de plástico em
sua base (policarbonato), outra de material reletivo (em geral, alumínio) e por im uma
seguir:
45
do CD para a sua borda externa, usando o sistema binário (1 e 0, conforme mostra a igura
2). Para realizar essas duas operações é preciso ter dois tipos diferentes de laser (um para ler,
com baixa potência, e outro para gravar). No caso da leitura desses discos ópticos, o laser
não entra em contato físico com a superfície do suporte, como acontece com os disquetes
já foi dito, Bill Gates apontava-o como “o novo papiro”; porém, no início da década seguinte,
o CD-ROM ainda tinha maior atenção sobre seu potencial informático, ou seja, pela sua
Conforme relata Chaves (1991), por volta de 1990, as editoras começaram a produzir
impressos, através da tiragem e venda, ainal era um suporte físico. No Brasil, a prensagem
dos discos era feita pela indústria fonográica, em grande escala, na zona franca de Manaus.
46
Em 1995, gravar, prensar e embalar um CD-ROM em caixas de acrílico custava em média 10
A história desses produtos “hoje maduros e que ainda podem ser encontrados nas
bancas” foi, segundo Eletti (2003:44), “longa e tortuosa, cheia de equívocos e reconsiderações,
e de envolvimento com o leitor, uma atitude exploratória nos confrontos dos objetos
adaptando-o (Repurposing): um meio é aquilo que remedia e não mais, como entendia
McLuhan, algo que está no meio do caminho entre fruidor e mensagem. Essa teoria é
usada para explicar como funciona a inovação tecnológica nas comunicações. É importante
frisar que essa abordagem histórico-linear, pode ser considerada evolucionista, porém não
aponta uma “inevitável destruição das tecnologias obsoletas”. Forma-se então uma rede
de possibilidades de fruição, entre os diversos canais midiáticos, que está condicionada ao
triângulo interativo entre mensagem, meio e leitor. Como diz Ferri (2004), um meio não
pode operar isoladamente porque é sempre uma relação com outros meios, porém é na
meio.
de terem vários formatos personalizados, com diversos tipos de aplicações, como os discos
promocionais. Existiram até CD-ROMs perfumados (snile CDs), que tinham uma fragrância
aplicada por processo de serigraia em sua camada protetora e que podia durar até um ano.
O disco exalava o perfume, devido ao calor liberado pelo dispositivo de leitura. Esse é um
em geral, não apresentavam discos diferenciados. Uma grande parte deles teve na banca
de jornal o canal de distribuição preferido, devido a fórmulas de venda casada com outros
produtos como livros e revistas (o que caracteriza um produto editorial híbrido). Segundo
a visão desse produto como um “encartado” ou subproduto, pois nem os editores, nem os
lançados e vendidos como produtos editoriais. Com a estabilização do mercado, no inal dos
anos 1990, era possível identiicar alguns tipos de publicações eletrônicas of-line:
guias de turismo)
• ENTRETENIMENTO (videogames)
educational+entertainment)
Uma das razoes do pioneirismo digital das enciclopédias multimídia, que são obras
de referência, foi a sua estrutura não-linear, que indicava uma “transposição natural” para o
hipertexto: não se lia “do começo ao im”, mas “pulando” a partir de uma entrada e seguindo
para outras, segundo a vontade de aprofundamento do leitor. Além disso, era possível buscar
a informação por mais de uma coordenada, ou seja, procurando com mais de uma palavra-
48 chave ou critério. Essa característica de banco de dados digital, aliada ao barateamento dos
drivers de CD-ROM, consolidou as obras de referência nesse suporte, que poderiam conter
da informação solicitada. A aceitação do CD-ROM pode ter acontecido também por se tratar
de um suporte físico que, segundo Solidoro (2004:209), “pode dar ainda a percepção (parcial)
catalogável)”.
especial no Brasil, resultando no início da crise do CD-ROM como suporte editorial: nesse
momento as vendas dessas publicações sofrem quedas graduais. No início, como a velocidade
da conexão não permitia um grande luxo de informações e principalmente era muito cara,
os produtores não viram os dois meios em competição, pois os CD-ROMs ainda ofereciam,
além de melhor performance, uma excelente relação custo/benefício para o leitor. Assim,
chamada de webCD).
Com o surgimento do DVD (Digital Video Disc), pareceu natural que a indústria
editorial migrasse para essa nova mídia, considerada a evolução do CD-ROM, com
capacidade de armazenamento até 10 vezes superior27, e que permitia a gravação nos dois
lados. Porém, isso não ocorreu. Um dos motivos foi a origem da mídia, que não nasceu para
o mercado editorial, mas para o cinematográico28. Além disso, o formato em disco do DVD
é similar ao do CD, e por mais que coubessem cinco vezes mais dados (o que implicaria
não estavam dispostos a pagar cinco vezes mais por “apenas um disco”. Era, então, mais
o preço baixo e acessível em bancas, cuja lógica de venda é fascicular/periódica. Por isso os
DVDs (assim como os posteriores HD-DVD e Blu-Ray disc) foram melhor aproveitados
pela indústria cinematográica e de videogames, que necessitavam de mídias cada vez mais
Na Europa também ocorreu o fenômeno dos CdTV e Cd-I que eram discos
49
que rodavam em leitores exclusivos acoplados à TV, como um console de videogame.
Apesar de seu breve ciclo, os proissionais que atuaram nesses suportes adquiriram uma
clareza dos links, navegabilidade, intuitividade dos comandos, etc. Assim, construindo a
Esse movimento foi mais acentuado nos Estados Unidos, devido aos altos investimento na
linguagem e criação de videogames, o que resultou numa abundante oferta de CD-ROMs não
Unidos”. O fato é que a produção da ME of-line no Brasil icou dividida também entre os
desenvolvedores de jogos e as editoras, que na maioria dos casos não viam o produto como
27 A capacidade de armazenamento salta de 4 GB (de um DVD comum) a 17 GB (se for um double-sided, double-layered DVD).
28 Resultado de investimentos de um consórcio de empresas que incluía Pioneer, Sony, Time Warner, JVC, Philips, entre outras.
capaz de vender-se sozinho: era necessário agregá-los a uma publicação impressa (produto
editorial hibrido), a não ser que fossem educativos ou edutainment. Esse fenômeno pode ser
percebido no caso do Almanaque Abril, que, ao contrário do que diz Eletti, foi o primeiro
próximo capítulo.
conectar à internet, portanto não é necessário gastar com provedores de acesso e telefonia;
A performance pode ser mais rápida e o tempo de consulta, menor, pois é mais direcionado;
além disso, existe uma vantagem em relação à segurança e à privacidade dos dados.
of-line no mundo todo. Aos poucos seus conteúdos eram pirateados na web. A percepção de
que o saber colaborativo e a interatividade têm mais valor, agilidade e lugar na internet é um
dos fatores que diminuíram a importância da ME of-line. Além disso, há a concorrência com
50 Com esse cenário acontecendo na Inglaterra antes do que no Brasil, Sara Lloyd (1997)
alertou sobre a estagnação do mercado do CD-ROM que, uma década antes, era visto por
título em CD-ROM é um alto risco. Ele precisará vender três vezes mais, do que se
Editoração tradicional”. Ele é ainda mais valorizado por sua capacidade de selecionar
hipermídia por exemplo. Além disso, novas possibilidades se abrem para os especialistas em
estabilização nos seus hábitos de leitura e uso. Seu principal desaio é a contínua atualização
dos conteúdos. Além disso, outros desaios, mesmo que não sejam centrais, se impuseram e
EDITORAÇÃO
Neste tópico será apresentado o processo de produção de um título multimídia of-
line, com base nos conhecimentos de diversas áreas e aproximando, sempre que possível, o
foco para o processo editorial – apesar de como um todo ele envolver processos de outros
campos, que também são importantes para a discussão dos novos desaios impostos pela
relação homem-máquina e que podem ser consideradas pela Editoração, com o objetivo de
melhorar a qualidade dos produtos. Uma discussão sobre o método de projeto, com destaque
Alberto Abruzzese (2003: VII, grifo nosso), enfatiza a mudança de paradigma que
dessas necessidades pode ser facilitada, assim através de quais procedimentos elas
as instituições do saber tradicionais não dispõem. (...) Mas é no contato direto com
Editoração tradicional. O produto inal deverá oferecer vantagens imediatas ao leitor, das
humana e o acesso à informação, que serão discutidos no tópico sobre consumo e leitura
de novas mídias. Para a realização de um produto multimídia que tenha essas vantagens, é
polissêmico.
• O texto, nesse tipo de obra, não é estável, pois depende da perfomance do leitor.
52
• Produção de um luxo harmônico (Eletti, 2003): estabelecimento de um
“não apenas escrever no espaço mas com espaços”, como retoma Ferri (2004:50).
recomercializações.
capa, etc.),
• Impressão e confecção,
É possível notar, nos itens grifados, as fases em que geralmente atuam os especialistas
sua encomenda, que pode ser feita por dois tipos de clientes: o mercado editorial e o mercado
uma ação de marketing, sendo distribuído aos funcionários e clientes dessa empresa-cliente.
projeto. Essa pessoa tem hierarquicamente o controle da produção do título, tanto na parte
conceitual quanto na parte operativa. Com essas atribuições, o diretor de redação saberá
utiliza-se a mesma metodologia dos produtos impressos: o tradicional método cartesiano, que
divide o projeto em tarefas cada vez menores. Existem vários exemplos dessa metodologia,
um dos mais famosos é o método criativo desenvolvido por Bruno Munari (2002).
interdisciplinar além do usual. Na maioria dos casos, portanto, utiliza-se o modelo onde
charts). Os low charts, em geral são divididos em blocos primários (menus de partida) e
secundários (submenus), que se ramiicam, formando “árvores”, cujas “folhas” são a unidade
54
“atômica” de conhecimento. Existem ainda dois tipos de árvore: com mais ou menos
rapidez do acesso à informação desejada é dada de acordo com a clareza da hierarquia. Nesses
onde os conteúdos complexos são ligados por nós de interesse e as nuvens de tags se
dos temas.
Após essa fase, iniciam-se os testes de usabilidade, por uma empresa externa à editora
através de um protótipo do produto (alpha release). Depois, há uma colagem dos conteúdos
29 O projetista divide os conteúdos em ilhas (blocos) temáticas que se interligam sem repetição, redundâncias ou falhas lógicas
entre si, garantindo os percursos hipertextuais. Nesse momento, é possível ter uma idéia de onde distribuir o material disponível (texto,
imagens, vídeos) até o limite de armazenamento digital de um CD-ROM (750 MB) ou DVD-ROM (4 GB).
produzidos sobre o esqueleto estrutural, seguindo o low chart, inalizando em um beta
release (um título completo, mas não arte-inalizado). A partir de então, iniciam-se as etapas
de controle, feitas fora da editora: é lançado o master candidate, que segue para o debugg, ou
Dentro da editora, são feitos três testes: conteúdo (revisão dos textos), congruidade
lembrar que em geral, os ME of-line eram produzidos para duas plataformas: MAC
programada da informática, havia o risco de produzir um título que funcionaria apenas nos
embalagem, pois o leitor não pode ler o produto sem um computador, no momento da
compra. Por se tratar de um objeto físico, mas cuja fruição é digital, as embalagens tendem
a imitar os formatos dos livros tradicionais. Talvez em livrarias fosse até possível instalar
55
um terminal de prova para os CD-ROMs (como acontece no caso dos videogames), mas
como o foco da venda eram as bancas de jornal, as ações de marketing apelavam para as
se apresentarão como mais relevantes para a sociedade do que outros com menos material
protegido e exclusivo.
A obra multimídia como um todo é passível de direito autoral, mas devido ao seu
caráter digital, é cada vez mais pirateada na internet, através de downloads em banda larga.
Até pouco tempo atrás, era muito trabalhoso “baixar e subir” arquivos grandes (acima de
100 MB) na internet, o que tornava difícil encontrar publicações em CD-ROM completas
na rede, devido ao seu tamanho. Mesmo assim, era possível comprar cópias piratas com
bancas de jornal), menor a chance de pirataria, pois os consumidores não vêem motivação
para isso. Atualmente, com os torrents e a banda larga mais acessíveis, é possível encontrar
revistas escaneadas, mas em menor número, pois quanto maior a publicação impressa, mais
Editoração impressa, tradicional. O que importa nessa etapa não é o suporte do produto
editorial, mas seu público-alvo (mercado ou corporativo). O team do projeto tem em geral
(2004:153).
Apesar de toda a teoria desenvolvida até agora, Valerio Eletti (2003) critica as
produções multimídia of-line, que parecem não ter encontrado ou desenvolvido uma
gramática própria para esse meio. Em sua opinião elas apresentam, em sua abertura e menus
principais, uma alta multimedialidade com sínteses, efeitos especiais e edição televisiva;
depois descendo a hierarquia dos submenus, uma ou mais camadas de conteúdo perdem aos
está relacionada aos estudos de interação homem-máquina. Sem aprofundamento nessa área
essa visão ao airmar que “esses estudos são indispensáveis para uma realização melhor
usabilidade”.
A fruição de uma obra, a sua leitura, está diretamente ligada à interface, o ponto de
contato entre a informação e o leitor, em geral, simpliicada por “onde o texto é apresentado,
do papel, onde serão colocados elementos para a sua fruição (imagens e texto). Já nos meios
capaz de comunicar. Jef Raskin (2003:5 apud Eletti, 2003:145, grifo nosso) sintetiza: “aquilo
que os leitores querem é praticidade e resultados, mas tudo o que vêem é a interface. Do
pois realiza a interface de uma publicação digital, como um site ou um CD-ROM. Abordando
porções de imagens “ativas” e os botões e ícones para indicar os links e a barra de rolagem,
que possibilitam a leitura na tela. Além disso, há sempre a preocupação com a navegabilidade
30 RASKIN, J. The humane interface, new directions for designing interactive systems.(2000); trad. Italiano. Interfacce a misura
31 Os wireframes são protótipos que visam diminuir a complexidade e melhorar a visualização do produto multimídia, fundamen-
etc.).
tempo, aparência, texturas e sons. Essas características devem ser coniáveis, apropriadas,
inteligentes, lúdicas, prazerosas e responder aos comandos do leitor (SAFFER, 2007). Esses
comandos, por exemplo, devem ser colocados de forma auto-explicativa e intuitiva, sempre
Um dos principais temas dessa área, considerado seu ponto de partida, é a escolha
publicação. Eletti (2003:147) alerta que “a falta dessa passagem é imediatamente notada nos
58
produtos hipermidiáticos que apresentam em seu interior uma vistosa falta de coerência
do tipo igurativo e a do tipo abstrato. No primeiro tipo estão aqueles títulos que simulam
o Almanaque Abril, que oferecem uma metáfora de dicionário, repertório, banco de dados,
protótipo.
que questiona a lógica de “liberdade de leitura” que muitos autores citam quando falam desse
assunto, como faz Roncaglia (1999 apud CARBONE, 2004:46, grifo nosso):
seu próprio percurso discursivo e que assim criaria uma lógica argumentativa
associativa e aforística32.
tratamento ao texto bruto. Essa ação é de fundamental importância devido à cultura visual
que se impõe desde a escrita. Assim os contextos da informação são depurados e editados,
o signiicado dos dados não resida mais em si mesmo, mas na estrutura na qual
muito diferente daquela adotada há dez anos no estudo dos hipertextos, que dizia
que a estruturação era importante para garantir a navegação: agora se diz que as
teoria da ergonomia cognitiva e merece atenção, conforme aponta Carbone (2004:164): “se
competitiva”.
Já Solidoro (2004:195) reforça a idéia de que “nada na fase projetual é feito por
acaso. Tem-se atenção máxima às escolhas cromáticas, à disposição visual dos elementos,
editoriais eletrônicos devem ser “fáceis de usar”, garantindo um acesso simples e prático aos
seus conteúdos. Por isso, os testes de usabilidade contam cada vez mais com a colaboração
32 RONCAGLIA, G. Ipertesti e argomentazione, in CARBONE;FERRI. Le Comunità virtuali. Milão: Mimesis, 1999, p. 219-242.
dos leitores inais, tornando o processo de produção interativo e dinâmico: o leitor torna-se
Essa preocupação com a usabilidade tem força porque a estrutura hipertextual pode
criar ambientes labirínticos e, se não oferecer um guia ou mapa, deixa o leitor frustrado, com
Para se projetar uma interface que atenda aos objetivos do design de interação é
preciso ter a deinição do leitor inal – quais seus contextos, background cultural, atitudes,
expectativas e hábitos no confronto com o sistema. Em todo caso, Solidoro (2004) lembra
que existem características universais: “os modelos conceituais dos leitores é um modelo
mental, muito informal [orgânico], formado de uma união de relações (as quais o leitor toma
consciência) entre vários elementos”. Os seres humanos criam modelos mentais de orientação
para novas situações em grande parte baseando-se na experiência cotidiana pregressa, usando
60 Para entender as decorrências que uma abordagem user-centered, como essa, realiza,
outro, de entretenimento. Espera-se, no caso dos videogames, uma experiência que tenha
apelo emocional ou estético, por exemplo. No quadro 2 é possível observar algumas das
características “esperadas” pelos fruidores nesses dois tipos de publicações multimídia of-line:
“MISSÃO” “TAREFA”
Devido a essas características, os desenvolvedores de jogos têm uma experiência em
interfaces muito mais soisticada (construindo linguagens mais elaboradas para esse meio)
do que os produtores editoriais, que ainda se prendem aos modelos da Editoração tradicional
e do banco de dados. Para atingir o mesmo nível de linguagem, é preciso que os editores
conheçam ao menos um pouco sobre psicologia cognitiva, utilizada nos estudos de interação
homem-máquina.
A disciplina human computer interaction nasceu da ciência cognitiva, que por sua
vez se iniciou nos anos 1980. Segundo Solidoro (2004:167), são “modelos mentais que os
leitores empregam na interação com o computador e podem ser de dois tipos: estruturais e
instrumento ou sistema. Ainda não existem evidências empíricas (provas) de que os leitores
desenvolvem esses dois tipos de modelos mentais durante a fruição de uma obra, pois eles
navegabilidade do sistema. O mais correto, então, seria airmar que a interface produz uma
novamente, deve-se atentar ao contexto cultural do leitor, como diz Solidoro (2004:170):
“a qualidade de uma interface não depende apenas dos parâmetros técnicos, mas se liga
estreitamente à psicologia do leitor e aos seus modelos cognitivos, aos seus processos
motivacionais”.
eletrônicos mais consistentes, pertinentes e inovadores. Ela identiica que a fruição depende
o entendimento das metáforas utilizadas. Ao menos, conforme Solidoro (2004:171), ela será
mais satisfatória ao leitor inal, ao se levar em conta:
na tarefa a ser realizada e não na carga cognitiva que ele apresenta. Ou seja, ele se atenta à
métodos de produção, de “natureza inovativa (e, portanto não consolidada)”, com o objetivo
de “atingir a máxima potencialidade destas tecnologias, por meio de seu uso consciente”
O projeto em geral é desenvolvido por uma equipe que trabalha em paralelo, para
62
evitar demoras no processo que sejam incompatíveis com os anseios do mercado. Mas, nem
sempre o bom funcionamento das partes (que envolvem a idealização, realização e gestão do
evidencia os numerosos e até agora conlituosos declínios do agir técnico sinalizando a sua
necessária evolução”. O agir técnico são as decisões que promovem “regras de fechamento”
33 Cujo desenvolvimento do projeto é feito com base seqüencial, condicionando-o ao ritmo dos fluxos de trabalho determinados
SOLIDORO, 2004:122)35.
2004:128).
de bricolagem digital36, como forma acessível de adaptação a essa nova realidade. Para os
editores tradicionais, mudar é uma decisão que requer altos investimentos. A bricolagem
seria uma solução para evitar tais gastos e uma reestruturação profunda em médio prazo, o
que acarretaria em altos riscos. Do termo francês, e usado nos processos DIY (do it yourself),
algumas fases do projeto, devido à falta de tradição na produção dos ME. Para o autor, “a
nos artefatos digitais, que são de fácil maleabilidade e reelaboração”. (SOLIDORO, 2004:124).
uma solução provisória e não estável e deinitiva. A ordem emerge depois dos resultados e
“testados e aprovados” que, como receitas prontas, são menos custosos. No caso dos ME,
35 SQUAZZONI, F. La progetazzione come processo euristico sperimentale e Il ruolo degli strumenti tecnologici nelle organizzazio-
não é permitido subvalorizar a entrada inovativa dos ICT [information and communication
technology].”
O autor ainda diz que o projetista “bricoleur” digital, deve apresentar uma gama
assim, esse é um proissional muito mais complexo que o editor tradicional, capaz de unir
e sintetizar uma profusão de fatores e processos em continua atualização, para então “criar
novas combinações de uso entre linguagens e competências que vão se unir no percurso
partnership, onde se contrata uma empresa especializada em uma parte do processo, como a
64 programação do CD-ROM, por exemplo, também pode ser utilizado nesse método, contanto
que haja uma gestão consistente dos conhecimentos. Mesmo que descentrado, e possibilitado
um projeto.
uma rotina no fazer técnico. Torna-se, então, necessário novos modelos de organização para
planejar o luxo e o método de trabalho de modo que o produto seja lançado dentro do prazo
estabelecido, e com uma melhor previsão dos custos e recursos humanos. Segundo a tradição
triangle): tarefa – tempo – recursos. Sobre essa reestruturação, Eletti (2003:163, grifo nosso)
argumenta:
uma busca sistemática pela linguagem desse novo meio. É necessário então, um gestor da
e de construção dos suportes nascem os mais férteis momentos de inovação editorial, de onde
podem surgir novos campos para a Editoração e novos modelos de negócios. A atividade é
editorial frente aos diversos cenários e modelos de utilização dos leitores (SOLIDORO, 2004).
dispositivo (como computador ou e-book, com leitor óptico e monitor). A mais notável
diferença é que o impresso e o CD-ROM têm seu conteúdo estabilizado, ixo e não podem
ser modiicados pelo leitor, apenas fruídos. Na internet, no entanto, o conteúdo e também
Mesmo depois de publicado, o conteúdo que está na web é passível de alteração pelos
leitores, com menor ou maior grau de diiculdade. Conigura-se assim um ambiente aberto
linguagens como de conteúdos, que cada vez mais se distanciam das dinâmicas dos impressos
e das ME of-line.
distinguir entre o que é necessário e o que é acessório, entre o que pode ser um
valor para o leitor e o que, ao invés, não corresponde a uma demanda social.
ser necessária a uma representação que se deseja para determinados leitores, através de
determinados conteúdos. Até mesmo uma representação que inclua o hipertexto, ou não,
deve ser considerada, pois ela é uma das tantas opções de construção lingüística e cultural,
assim como a TV, o rádio ou o livro. A tecnologia, portanto, não é impositiva, e sim uma
dos suportes que vão constituir o canal de comunicação com o leitor: potencialidade, limites,
riscos, hábitos de utilização, conteúdos em modalidades diferentes. Para ajudar nesta decisão
no “adaptar-se de uma mente móvel em um meio móvel – segundo Ferri (2004:53) – essa
adaptação é imposta hoje pela remediação”.
da mediação comunicativa. (...) Esta instância tende a tornar o fruidor consciente de uma
comunicativos. O mesmo Ferri ainda airma que na comunicação digital, o leitor se relaciona
com três tipos de fenômenos, criando expectativas sobre eles: a desintermediação digital –
Portanto, o modo de ler que se desenvolve nessas mídias, tem como base a
interatividade que elas oferecem ao leitor. Nesse contexto, a lógica de leitura push-pull se
torna interessante para o estudo da fruição na Editoração eletrônica. Essa diz que os meios
analógicos, como os livros, são lidos através do push, porque eles “espirram, empurram” o
conteúdo ao fruidor de modo mais ou menos direto. Já com conteúdos digitais, incluindo
os ME of-line, ocorre o pull, quando o leitor deve puxar, escolher, “explorar os conteúdos
antes de fruí-los, através de uma modalidade muito similar ao ‘aprender jogando’” (FERRI,
2004:37). Segundo o autor, “o modelo pull da internet e das tecnologias digitais tendem a se
tornar aquele que condicionará os formatos dos outros meios, em transição para o digital. 67
Isso signiica que se a tendência de leitura é baseada nesse modelo interativo (pull), é provável
Na internet, a web 2.0 ou open source intelligence (como os blogs, twitter, redes sociais
informações espalhadas em dezenas ou centenas de sites”. O editor pode atuar também com
esse trabalho que “apesar de ter custos industriais muito mais baixos, se torna custoso e difícil
de produzir de modo contínuo um tipo de informação ‘em tempo real’”, como argumenta
Solidoro (2004:115). Já Eletti (2003:100) observa que a Editoração multimídia interativa está
cada leitor, após décadas de produção de comunicação absolutamente massiicada”, ainda que
segmentada.
história da Editoração eletrônica não apenas por criar o elo entre os impressos e a
internet, mas também por mostrar que, como diz Solidoro (2004:99), “basta uma pequena
a sua ilosoia”. Isso signiica também altos investimentos para a produção editorial: a
envolvidas. A multimídia, portanto, não é uma escolha obrigatória, mas uma decisão baseada
line, será analisado o caso do primeiro CD-ROM comercial em língua portuguesa, produzido
68
3. O PRODUTO EDITORIAL ALMANAQUE ABRIL: MIDIAMORFOSES
questões sobre a multiplicidade das mídias e sua remediação no inal do século XX, opta-se
pelo estudo de caso de um título editorial de relevância para o tema: O Almanaque Abril.
A escolha pelo método é pertinente, pois, a partir dele, é possível “investigar um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o
O título Almanaque Abril (AA), além das motivações iniciais relatadas na introdução
como relevante para esse estudo de caso, em especial a sua trajetória rumo à internet, iniciada
mercado multimídia.
brasileiros e não era uma tradução, como a maioria das enciclopédias desse
baseadas na avaliação do mercado e no uso das tecnologias, que são o foco desse trabalho.
Usando a estrutura editorial das últimas edições da publicação, como metáfora de base
para esse estudo de caso, serão selecionados os “pontos de atenção” que a formaram e a
transformaram, para poder então avaliar os impactos das decisões editoriais e entender
cuja inalidade é analisar melhor um fenômeno, através da noção de que o objetivo principal
tipologia, o desenvolvimento teórico e o teste limitado da teoria. Desse modo, esse estudo,
correlatos, relacionados ao marketing, para então, a partir da análise dos discursos e dados,
“testar a teoria”.
sejam individuais, organizacionais, sociais ou políticos. (...) [Através do] estudo das
peculiaridades e das diferenças daquilo que o torna único e por essa mesma razão o distingue
ou o aproxima dos demais fenômenos” (DUARTE; BARROS, 2005:234). Por im, o método
editoras do Brasil, e quais foram suas motivações e impactos no mercado editorial nacional.
Por im, como será visto, apesar de ser uma publicação da era moderna, fruto
tradicionais, dentro da era digital: com natureza por vezes contraditória, porém com todas as
1 Tal tese de 2006, da área de História da UFMG, prioriza a dialética entre passado e presente no conteúdo das edições do
Almanaque Abril, sem atentar-se diretamente para o CD-ROM, porém revelando práticas editoriais relevantes para esse trabalho.
2 O documento Histórico Editorial, fornecido pelo diretor de redação, relata as mudanças editoriais e organizacionais da
publicação, além dos resultados comerciais durante a sua trajetória, desde 1974 até 2003.
3.1 REFERÊNCIAS: A REINVENÇÃO DO GÊNERO ALMANAQUE
O almanaque é um tipo de produto editorial caracterizado pelo acúmulo de
menos apresentando uma cronologia sobre o(s) assunto(s). Nos almanaques se encontram
tempo, datas importantes e tudo o que pode ser útil no cotidiano, sendo então um “livro de
todo o saber”.
etimológico da palavra almanaque, cuja hipótese mais difundida remete ao termo árabe al-
manakh ou al manaj3, que signiica justamente calendário (GLICK ET AL, 2005). A palavra
foi gravada pela primeira vez em uma obra da literatura de astronomia árabe, no século XIII,
para se referir “às efemérides do Sol e da Lua”. Depois, esse termo evoluiu semanticamente
signiicando uma série de tabelas, com ou sem textos explicativos, dando informações sobreo
posicionamento diário do sol, da lua e dos planetas, o que já era feito pelos astrônomos
babilônicos. Glick et al (2005:29) explica: “Esses períodos de recorrência ou ciclos, são ixos
através de horóscopos. Porém, elas não apresentavam o termo almanaque em seu título como,
por exemplo, o Sheapheard’s Kalendar, primeira obra do gênero escrita em inglês, a partir do
original francês (1497). O uso do termo almanaque difundiu-se a partir de meados do século
Não se sabe ao certo a origem editorial desse tipo de publicação, mas que sua
trajetória foi longa, dissipada e difundida4, e que produziu vários subgêneros ao longo da
História. Conforme Pereira (2006), os almanaques contemporâneos têm caráter geral, mais
3 Manaj parece ser a arabização do vocábulo latino manacus, que designava o círculo do relógio solar que marca a sucessão
4 “Até o século XIX, os almanaques foram, depois da Bíblia, um dos principais impressos utilizados no ocidente” (Pereira,
2006).
almanaque variava muito suas características estruturais de um título para outro, colocando-o
biográica; e às vezes, ainda, uma enciclopédia, porque pretendia dar conta “de
todo o conhecimento”.
produções brasileiras em dois tipos: Almanaques Gerais (ou de Atualidades, segundo Pereira)
moderno), além de ser identiicados como “vetor de progresso, o almanaque oferece, com
efeito, receitas práticas ou aulas (...), úteis ou necessárias para a vida cotidiana dos indivíduos
– sem esquecer seus aspectos recreativos – ou, para a construção de laços comunitários”
72 tipo único, derivado dos almanaques europeus dirigidos aos camponeses, como o Pharol da
Medicina (1887), e são associados a laboratórios como Fontoura ou Kraemer.6 Além desses
dois tipos, mais notáveis, ainda existem os almanaques de cordel no nordeste (como o Juízo
do Ano), e aqueles produzidos com particular atenção à zona rural, como o Jeca Tatu, de
Monteiro Lobato.
Brasil, será analisado o subgênero que deu origem ao Almanaque Abril: os almanaques de
Atualidade, cuja herança editorial remonta a “antiga literatura dos almanaques urbanos
e, portanto, com textos bem mais enxutos que os de uma enciclopédia (PEREIRA, 2006). É
importante enfatizar, então, que apesar da idéia de “organização, classiicação e ordem” que
mais dinâmicos devido a sua periodicidade anual e, no caso do Almanaque Abril, a sua
linguagem jornalística, o que o torna um produto destacado das enciclopédias (que também
5 Exposição sobre os almanaques brasileiros, organizada pela Fundação Memorial da América Latina e Unicamp, no Memorial
em 1999.
6 Para saber mais: PARK, Margareth B. Histórias e Leituras de Almanaques no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1999.
publicavam volumes extras para a atualização da coleção), unindo uma retrospectiva do ano
Em entrevista concedida à Pereira (2006), Celso Nucci8, explica que o AA “de certa
vocação do almanaque como publicação que relete o zeitgeist ou “espírito do tempo”, cujo
texto é aparentemente estável, mas como aponta Jerusa Ferreira (2001:19, grifo meu), ao
mesmo tempo:
leitores, das épocas e das direções que se impunha a este corpo diverso de
ritos, e ainda a inserção de novos dados que podem parecer corpos estranhos, mas
que são exatamente aquilo que faz a especiicidade do almanaque, equilíbrio entre
na tentativa de ser cada vez mais uma obra periódica capaz de reletir o contemporâneo,
No caso do Almanaque Abril, lançado para 1975 em dezembro de 1974, sua origem
foi a tradução e adaptação de he Oicial Associated Press Almanac10, publicado nos Estados
Unidos, cujos direitos de 1974 foram adquiridos pela editora brasileira. Uma reinvenção
conterrâneo World Almanac: and book of facts, de 1868. Tais obras, além de apresentar
estatísticas globais, tinham especial atenção aos dados referentes aos Estados Unidos.
Obras similares foram lançadas no mundo todo ao longo do século passado11. Na época do
7 Segundo Pereira (2006): “Esses ‘novos’ almanaques guardam alguns traços dos almanaques urbanos e enciclopédicos que
surgiram na França, no século XVIII, com a publicação do Almanach Royal e o Calendário de la Cour, ambos de 1700, destinados ao
público burguês e citadino. (...) Talvez a obra mais importante do subgênero de almanaques urbanos enciclopédicos tenha sido a obra
produzida na Alemanha denominada Almanach de Gotha, cujo primeiro exemplar data de 1763.”
8 Ex-diretor estratégico do Almanaque Abril durante parte da década de 1980 e 1990. Entrevista concedida em abril de 2002.
9 Encontrava-se, a partir do fim do século XVII, almanaques para todas as classes sociais, para todos os interesses e níveis
10 “Successor to The New York Times Encyclopaedic Almanac. Maplewood, Hammond Almanac, Inc.” (Pereira, 2006).
11 Seguindo o mesmo modelo, na Inglaterra foi lançado o famoso Whitaker’s Almanak, em 1869.
lançamento, existiam obras similares ao Almanaque Abril no Brasil, como o Almanaque
empresas jornalísticas com vista a oferecer dados sobre todos os países do mundo,
Essa idéia também é vista por Ferreira (2001:20) ao dizer que “o almanaque comporta
e nos traz sempre a idéia de uma grande modernidade. Até no modo de se conjugarem os
erudito) os almanaques revelam o potencial lexível de sua estrutura editorial. Esse caráter
“esquizofrênico” é identiicado por Pereira (2006) como uma das razões da força do
74 Almanaque Abril:
Ele não é, pois, somente herdeiro de uma forma editorial que permite
semântico de descrédito foi discutido pelos fundadores do Almanaque Abril, porém optou-
se pelo uso do termo almanaque, devido aos similares estado-unidenses (que estampavam
Mesmo assim, o sentido mais popular era sempre lembrado pelos leitores do AA, que ora se
manifestavam parabenizando a edição por “ser séria”, ora pediam piadas, charadas e palavras
mostrarão indícios das práticas: seus contextos e os resultados atingidos. Serão utilizados
por Mateus Pereira à época de sua tese de doutorado – extraindo deles visões das práticas
editoriais durante a trajetória passada da publicação. Além disso, será empregada a técnica de
conjunto dos entrevistados, ou seja, é ideal para a análise de processos através de relatos de
Ricardo Lombardi (diretor de redação em 2007 e 2008), Fábio Volpe (diretor de redação
produção do CD-ROM) e Lucila Camargo (diretora de redação entre 1991 e 2000). Além 75
disso, um dos responsáveis pelo lançamento e desenvolvimento das primeiras edições do CD-
ROM, Abel Reis, também foi entrevistado. As entrevistas, do tipo aberta e não-estruturada,
foram realizadas a partir de um roteiro de controle, com poucas questões que procuraram
esgotar a questão. Somente então passa para a segunda questão. (...) A entrevista é
que causaram a decadência e a retomada das vendas do Almanaque. Seus relatos permitem
compreender características das práticas editoriais que estão além de relatórios como o
Histórico Editorial, pois os entrevistados tendem a ser mais críticos em relação aos contextos e
às experiências vividas. Além disso, “saber como e por que as coisas acontecem é, muitas vezes,
mais útil do que obter precisão sobre o que está ocorrendo” (DUARTE; BARROS, 2005:64).
Para poder entender a publicação, é preciso inicialmente localizar sua origem e sua
missão dentro da casa editorial, que, segundo Fábio Volpe12, mantém-se a mesma desde seu
lançamento em 1974: “ser uma fonte de dados de referência”. Porém, cabe lembrar que essa
fonte de dados está ligada à lógica de self content provider da Editora Abril, que é a verdadeira
gênese do seu Almanaque: essa publicação surgiu para aproveitar os recursos informativos do
suporte ao lançamento da revista Veja. Porém, seu conteúdo e sua soisticada infra-estrutura
de arquivamento, deveriam também gerar lucros, por se tratar de uma “unidade de negócio”.
Para isso, Roberto Civita teria sugerido o lançamento de um almanaque, nos moldes norte-
americanos, que aproveitasse os recursos do DEDOC. Ou seja, seria lançada uma publicação
marca Abril.
O prestígio do nome Abril foi construído a partir da metade do século XX, devido
milhares de produtos, com preço acessível e que tiveram forte ligação com a formação
tradicional calcanhar de Aquiles das editoras no Brasil, deu lugar às preocupações com o
conteúdo editorial.
Victor Civita, apontava no editorial, estar contribuindo para a formação dos leitores modernos,
que seriam “pessoas apressadas que precisavam de informações atualizadas e sintéticas; (...)
[pois] para se manter atualizado, não adiantava ao leitor dispor de várias fontes de consultas.
Era necessário facilitar o acesso ao conhecimento de modo rápido” (PEREIRA, 2006, grifo
nosso). Esse discurso é mantido e reiterado ao longo dos slogans (“Fácil. Rápido. Atualizado.”)
e dos editoriais das 35 edições impressas do Almanaque Abril. Mesmo em tempos de internet,
13 Esse canal de distribuição foi uma alternativa à escassez de livrarias no Brasil. Segundo Pereira (2006), em 1969, a Abril,
através da DINAP, tinha à sua disposição 12.000 pontos-de-venda contra 800 livrarias. Em 1996, tinha 23,9 mil pontos-de-venda, dos
quais 17,1 mil eram bancas de jornal, o que representava 98% do potencial consumidor brasileiro. Já em 2004, contava com mais de 30
mil pontos-de-venda, sendo 20 mil bancas de jornal e 14 mil canais “alternativos”, cobrindo 3,6 mil municípios do país. No final da década
de 1990, o Almanaque começou a ser vendidos em pontos-de-venda “de varejo” (livrarias, supermercados e lojas de conveniência).
Uma das maiores qualidades do Almanaque Abril, por exemplo, foi reunir e
condensar informações estatísticas sobre o País, que antes eram “dispersas e desarticuladas14”.
Já na primeira edição, todo conteúdo sobre o Brasil (40% da edição), foi produzido pela
CD-ROM, a primeira obra desse tipo de suporte, feita em português e para o Brasil. Apesar
disso, o sucesso do AA deu-se mais pela infra-estrutura da editora (com gráica e distribuidora
própria, além de forte departamento publicitário) do que apenas pelas suas qualidades
editoriais, conforme lembra Hallewell (1985:568 apud PEREIRA, 2006, grifo nosso):
expansão. Para isso, Victor Civita (1973 apud PEREIRA, 2006, grifo nosso) chamava a
para tentar coisas novas. Esta é uma vantagem de uma empresa grande. Nós
experiência, por bom senso, e também por “chutômetro” que uma parte dessas
coisas vai dar certo e outras não. A nossa preocupação, que vem a ser o terceiro
um mercado novo, uma área nova onde falta uma publicação. Ás vezes a gente faz
uma pesquisa, outras vezes a gente sai com a cara e a coragem para ver se existe
16 HALLEWELL, L. O Livro no Brasil – sua História. São Paulo: T.A. Queiroz, Universidade de São Paulo, 1985.
meio da década de 1990, em termos de design e legibilidade. Até 1996, por exemplo, o papel
jornal era empregado no Almanaque, cujo tamanho (15 cm x 23,5 cm) foi mantido até 2001.
A partir de então se inicia uma série de alterações no design e no formato da publicação, que
por seis anos tentou encontrar um ponto de equilíbrio entre o barateamento dos custos e “o
apelo de novidade” para o crescimento das vendas. Como obra de referência, o AA passou
por dois momentos de renovação em seu conteúdo: a padronização da escrita (teor de obra
coletiva) e o enxugamento dos textos para uma linguagem mais sintética e que pudesse
aumentar a legibilidade (tamanho das letras). Esse segundo momento resultou em uma
de páginas um desaio anual para os redatores, pois as informações aumentam, mas o volume
da obra não, o que obriga a reformulações anuais nas estruturas e capítulos mais maleáveis
da publicação. Conforme Fábio Volpe, atual diretor de redação do AA, esse problema não
edição. Volpe airma, por exemplo, que o tema “religiões” será realocado como um subitem
78
de “sociedade” para a próxima edição (2010). Apesar das mudanças, Pereira (2006), identiica
uma estrutura básica, nos assuntos abordados pelo Almanaque Abril, divida em quatro
comparativos entre o Brasil e o Mundo). Porém nos anos de 2001 a 2003, ele foi dividido em
“almanaque de esportes” em 2005 e 2006. Esse formato. em dois ou mais volumes, foi uma
“aposta editorial” que procurou diminuir o tamanho do almanaque, pois, segundo Simone
Bortolotto18, tinha-se a idéia de que o produto deveria ser portátil a ponto de “caber na bolsa”.
Outra alteração importante foi a divisão em ordem alfabética entre as edições de 1996 e 1998,
o que se revelou bastante impopular. Porém, essas mudanças reletem a preocupação com
o sistema de organização, uma tentativa de melhorar a busca do leitor por uma informação
conforme avaliado por Pereira (2006): o primeiro, entre 1975 e 1985, “foi marcado por uma
18 Entrevista concedida em 16/09/09.
certa padronização das capas, lombadas e por poucas mudanças de conteúdos”. O segundo
momento, entre 1985 e 1995, revelou uma preocupação com a linguagem jornalística, e
atualização constante dos textos, que deveriam ser ainda mais enxutos e sobretudo didáticos,
Abril”).
se, em 1994, foi lançada a versão em CD-ROM, dentro da lógica da empresa em investir
nas novas tecnologias comunicacionais. Sobre a publicação multimídia, cuja trajetória será
discutida no próximo tópico, Pereira (2006, grifo nosso) aponta um interessante fenômeno:
impressa para que eles pudessem ser aproveitados na versão eletrônica, uma vez
que se supunha que textos longos não eram lidos em tela. Por outro lado, a versão
Almanaque airmava que esse outro suporte continha 25% a mais de dados que a 79
versão impressa e possibilitava ao leitor utilizar vídeos, sons e imagens. Percebe-se,
com a qualidade gráica, no uso de papel superior e na abundância de imagens e cores, além do
núcleo, como aponta Volpe. As seções associadas tradicionalmente aos almanaques, como os
calendários e curiosidades foram perdendo espaço, mas não desapareceram. A intenção, desde
1996, era transformar o AA em uma fonte de pesquisas escolares por excelência, que atendesse
alunos do ensino médio e fundamental, porém – segundo Lucila Camargo20 – “sem perder
a perspectiva de atender outros públicos, tais como jornalistas, empresários, professores [e
a partir da edição de 1996, tais modiicações, conforme acredita Pereira (2006), “tinham o
objetivo de atrair ou focar a obra no público jovem ou estudantil”. Desse modo, o autor lembra
que o slogan “uma enciclopédia de um só volume” passa a ser “a sua fonte de pesquisa”.
Com a multiplicidade das mídias, cada vez mais a coniabilidade das informações e sua
seleção foram valorizadas pelos diretores editoriais do AA. A equipe de redação, formada por
jornalistas, revisores e consultores, seleciona e conirma, entre uma ininidade de dados, os mais
80 pertinentes para o momento (indicando também onde saber mais sobre os temas tratados).
Foi possível comprovar essa busca pelo conteúdo relevante e atualizado, no dia da entrevista
com Fábio Volpe e Simone Bortolotto, quando não só os jornalistas acessavam conteúdos pela
internet como, de fato, estavam lendo os jornais do dia durante o expediente21. Essa seria, então,
múltiplas mídias. Pereira (2006, grifo nosso), também percebe tal direcionamento:
21 Essa prática não é sistemática nas redações de revistas. Na experiência de estágio que tive, entre 2006 e 2008, nas
editoras Globo e Abril, os jornais sempre estiveram a disposição, mas poucos os liam.
Com esse teor de contemporaneidade, a trajetória do Almanaque foi permeada por
foi, segundo o Histórico Editorial, resultado de uma “discussão com a diretoria editorial”.
Segundo Márcia Tonello22, foram “decisões editoriais externas à redação”, pois se descobriu
que aproximadamente 60% dos leitores seriam estudantes e professores e 20%, pessoas
público, essa “minoria enciclopédica” se mantém iel à publicação até hoje. Fábio Volpe airma
da publicação com o leitor, que seria mais distante em comparação a outros títulos da casa,
como a Mundo Estranho, onde leitores são convidados a interagir na pauta e na avaliação da
No estudo das cartas enviadas pelos leitores à redação do AA, Pereira (2006)
identiicou alguns grupos, como os que elogiavam e agradeciam a publicação por possibilitar 81
a formação deles e os que criticavam a edição, por serem colecionadores ou “preciosistas”,
fazendo comparações entre edições ou com outras obras. No entanto, o autor airma que
de reciprocidade.
foram graças a essas manifestações que a publicação abandonou a ordem alfabética voltando
e mudou a data de lançamento para o início do ano em 1991, por exemplo. Essa última
mudança, segundo Pereira (2006), possibilitou que a edição cobrisse todo o ano civil que
passou; além de, ao deixar de ser lançada no inal do ano (onde um público mais amplo
poderia adquirir a obra), passou a adotar o início do ano letivo, encaminhando-se assim para
o público escolar.
22 Entrevista a Pereira (2006) em janeiro de 2002.
23 O Histórico Editorial aponta 1993 como o ano com mais retorno de cartas-respostas dos leitores: 20 mil.
Hoje, o direcionamento do AA para o público jovem é ainda mais acentuado e
release do site do Núcleo Jovem: “junto com a família de publicações do Guia do Estudante,
o Almanaque Abril auxilia alunos em fase de vestibular e professores que buscam formas
posicionamento do primeiro, justamente por não conseguir focar com precisão ou mesmo
Esse estudo de caso tem especial interesse nas “pressões de mercado”, como as
apontadas acima, responsáveis pela mudança do target da publicação. Além disso, a própria
“ilosoia editorial” provoca alterações na obra, na medida em que ela vende não apenas pela
pertinência social do título, mas também pelo seu caráter de novidade, que faz com que os
leitores a comprem anualmente. Essas duas características, segundo Lauro Machado Coelho26,
seriam decisivas para a renovação do título, que teria “um público iel” e outro “lutuante”.
similares, como o Bertrand e o Seleções “morreram porque não se renovavam”. Era preciso
82 então, “mudar para valer (...) [com um] conteúdo renovável considerável para justiicar que o
leitor compre sempre”. No entanto, ele airma que graças ao público iel do AA, a publicação
pôde resistir, “ainda que à custa de muitos sacrifícios, como cortar em um ano radicalmente o
número de páginas por uma decisão comercial”. Mudanças como essa também aconteceram,
por exemplo, em 1999, quando, apesar de introduzir o uso de marcadores laterais (que
permanece até hoje), a publicação voltou a ser impressa em preto e branco, e com papel inferior
à edição anterior. Esse momento – tido como uma “regressão” na qualidade editorial – foi uma
tentativa de cortar custos de produção em uma situação de crise27. O Histórico Editorial revela
que o borderô da edição de 1999 foi reduzido em 50%, uma editora foi demitida e “do ponto de
vista editorial, a discussão foi intensa e envolveu a revisão de conteúdo, enfoque e linguagem
da publicação”. O resultado dessa edição, mais barata e de pior qualidade gráica, foi um baixo
24 Subproduto do Almanaque Abril, ganhou redação própria em 1986. Conforme Volpe, o Especial Atualidades do Guia do
Estudante é vendido também para o Governo do Estado de São Paulo, que os distribui aos 500 mil alunos do 3º ano do ensino médio,
27 A Editora Abril, em 1998 passou por uma reestruturação grande, devido à desaceleração econômica no País (na chamada
“crise cambial”) e também às dividas concebidas e atreladas ao dólar – uma das principais foi a compra do edifício-sede, na marginal
Pinheiros.
desempenho comercial: 96 mil exemplares, sendo que no ano anterior havia sido 130 mil.
Pela primeira vez, desde 1980, o AA vendia abaixo do patamar de 100 mil unidades vendidas.
editoras que tem a banca de jornal como canal de distribuição estão no cenário mais acirrado
da competição. Portanto, para conseguir chamar a atenção dos consumidores nesse mercado,
a empresa tende a mudar seu foco em vendas (sales oriented) para se tornar marketing
oriented (ou seja, deve pensar a cadeia produtiva do começo ao im, com a assessoria das
tornam-se importantes, pois é dele “(...) a função de escolher que coisa vender, a quem
uma empresa atenta ao mercado, então, seria “capaz de identiicar e entender os desejos dos
no intuito de “estancar a queda nas vendas”, o que, como argumenta Volpe “em tempos
de internet acessível, já é uma grande vitória”. A partir do declínio das vendas em 1999, a
publicação impressa tenta retomar o patamar acima de 100 mil unidades vendidas. Para
isso, de 2000 a 2007, segue-se uma série de mudanças radicais no formato das edições. Em
2000, a edição antecipa seu lançamento para janeiro e é divida em dois volumes como dito
anteriormente28. Já em 2002, resolve-se por outro formato, com qualidade gráica superior e
preço mais elevado, o que, junto com o corte na divulgação do produto, trouxe um resultado
em vendas abaixo do esperado (90 mil exemplares). Em 2003, o lançamento volta a ser em
28 A publicação foi dividida entre “Brasil” e “Mundo”, e podia ser vendida separada ou junta (com desconto). Além do fato de
cortar custos e ser portátil, conforme afirmado por Simone Bortolotto, a divisão provocou uma diminuição no número de informações,
pois o volume Mundo apresentava mais dados do que o formato e o número de páginas suportavam. Segundo o Histórico Editorial,
“desenvolveu-se paralelamente um estudo visando aumentar a exposição nas bancas”. Na época, o uso de cartas-resposta, que não
foi feito nas últimas edições do AA, revelou a aprovação dos leitores acerca da divisão em dois volumes. Em 2001, ela foi mantida com
a adição de um terceiro volume: o Guia da Cidadania, inseridos em uma grande caixa, com a expressão “Edição do Milênio”. Bortolotto
relata que “a caixa era grande e, ao contrário de seu intuito, se camuflava entre as outras coisas da banca de jornal”.
publicidade do Almanaque são geralmente apontadas pelo Histórico Editorial como fatores-
chave para o sucesso ou o fracasso da edição, esses são então pontos críticos recorrentes.
Observando os dados de vendas e a data da publicação (tabela 1), de fato pode-se inferir que
essas são as estratégias do marketing mix mais observadas pela Editora Abril, na tentativa de
retomar o desempenho comercial. O segundo ponto que cada vez mais se revela prioritário
é a redução dos custos, pois a publicação agora estabilizada no volume de vendas (depois da
edição de 2007, como será discutido), procura aumentar a margem de lucro através de cortes
Desempenho Data de
Edição
em vendas lançamento
intuitivo do editor também é apontado por Volpe, que ainda avalia a participação do setor
de marketing como assessória30, pois eles dariam apenas “subsídios às decisões editoriais”,
como por exemplo, orçar a mudança no formato da publicação. Conforme Simone Bortolloto,
as sucessivas mudanças nos formatos foram feitas para melhorar os custos de produção, e
quando radicais, eram “acompanhadas de perto” pelo setor de marketing. Pode-se entender,
do editor, pois, segundo Volpe, não há pesquisas de mercado devido às verbas restritas do
borderô. O redesign da publicação, em 2007 (de dois volumes para apenas um), manteve o
preço anterior e resultou em um livro de 732 páginas, tamanho maior (18 cm x 25 cm),
visível em banca de jornal e comparado com a última edição em dois volumes (de 2006),
30 Volpe diz que as campanhas de lançamento da publicação, apesar de serem do setor de marketing (incluindo material para
ponto-de-venda, os raros filmes na TV e anúncios em geral) são sempre aprovadas pela redação.
desempenhou um crescimento de 16% em vendas, em 2008. Segundo Ricardo Lombardi31,
então diretor de redação do AA, o tamanho maior e a capa mais clean, foram os fatores
que izeram a edição de 2007 se destacar nos pontos-de-venda. O formato foi repetido em
2008, 2009 e será mantido na edição de 2010. Entre essas edições, apenas a cor da capa e a
“Em time que está ganhando não se mexe”, diz Fábio Volpe, justiicando a busca por
muito”) como uma das variáveis que diicultam o posicionamento da obra no mercado.
momento da venda de anúncios para o Almanaque. Hoje, a aproximação com o leitor se faz
por meio de algumas “ações esporádicas”. Uma delas é a pesquisa de opinião realizada na
edição de 2008 (tabela 2), que convida o leitor a responder um Quiz de curiosidades, cujas
respostas poderiam ser encontradas no AA (porém, era preciso responder pela internet, em
um hot site). Com essa ação, conforme relata Fábio Volpe, aproximadamente 10500 leitores
que seria então formado por jovens adultos (e não por pré-vestibulares) em sua maioria.
Até 20 anos 5%
mostrou-se favorável. Porém, não foi perguntado até quanto eles estariam dispostos a pagar
pelo serviço, o que seria uma questão essencial para a publicação que busca um modelo de
tratamento das informações33, que são selecionadas em fontes primárias, oiciais e coniáveis,
ainda é, segundo Volpe, o principal diferencial do Almanaque Abril. Ele lembra a diiculdade
de se conseguir informações rapidamente nos sites oiciais do IBGE e do MEC34 que, apesar
torna, então, recorrente e prioritário para o Almanaque, também por ele ser uma publicação
de caráter jornalístico (feito por uma empresa jornalística) – o que no caso de uma
enciclopédia, não seria tão necessário, pois ela se “auto-valida”, através do argumento das
Abril das enciclopédias: sua linguagem jornalística – que segundo Pereira (2006) foi
negócio.
seu nome. Além disso, ela é, segundo Volpe, “uma marca histórica, pois foi lançada pelo
fundador da editora, e por isso é muito estimada pela corporação”. Como a força do nome
já indicaria o prestígio do título, que inspiraria coniança e qualidade aos leitores, fruto dos
valores construídos sobre a imagem da Editora Abril (em especial devido à revista Veja e
tradicional forma de comercialização dos produtos da editora, gera uma idelização efetiva
com o leitor, pois esse se relaciona com a marca repetidas vezes durante o ano, tornando seu
33 Segundo Volpe, todos os capítulos são revisados anualmente. Apesar de relatórios e banco de dados internacionais e ofici-
ais serem comprados para o AA, uma parte do conteúdo, em especial o mais jornalístico, é fruto de matérias e infográficos reaproveita-
em divulgação (como ilmes na TV) são escassos, deixando de atingir potenciais leitores.
Segundo Celso Nucci, “as variações de orientação na condução do Almanaque Abril são fruto
dessas tentativas de posicioná-lo para vender mais. [Porém] poucas deram certo”.
Para divulgar o Almanaque Abril 2008, a editora utilizou mídias como rádio, internet
passada, o Almanaque icou maior. Isso o deixou mais atraente e fez com que
tivesse uma melhor exposição nos pontos-de-venda, porém, dessa vez, usamos
tecnológicos e editoriais. No próximo tópico, no entanto, será oferecida uma visão mais
será apresentado o relacionamento entre as edições impressa e eletrônica, além dos desaios
possível identiicar momentos de crise e expansão. Se a editora não está passando por uma
conjuntura de crise – que exige medidas de segurança, como downsizing, abandono de canais
uma estratégia ofensiva, na tentativa de dominar o mercado e crescer. Nesse sentido, a Editora
Abril também tem o desejo de expandir-se em tempos de economia forte e otimismo. Essa
vontade dá vazão a períodos mais inovativos e experimentais, quando novos nichos e produtos
são explorados. Alberto Abruzzese (2003: X) sintetiza essa capacidade de perceber tendências e
inovar, na igura do grande empreendedor, “capaz de aventurar-se em novos territórios, entrar
1999:47):
MERCADO Desenvolvimento
Domínio do mercado
ATUAL do produto
MERCADO Desenvolvimento do
Diversiicação
NOVO mercado
momento de investir em novos lançamentos. Entre as grandes editoras, como a Abril, existe
empresa externa, ou seja, outra empresa detectou e sugeriu uma oportunidade à Abril, na
condição de uma parceria para a realização do produto. Segundo Lucila Camargo36, “cariocas
trouxeram, em 1993, um CD-ROM americano que poderia servir de modelo para um similar
brasileiro, usando o teor enciclopédico do Almanaque Abril”. Ela se refere à empresa ATR
por exemplo relatórios anuais). Um de seus coordenadores, Abel Reis – atualmente presidente
da Microsot, e pretendia lançar algo similar no Brasil, devido à esmerada produção da obra
para os padrões da época. Porém, sem recursos (verbas e conteúdos), ofereceram o projeto
à Editora Abril. A então responsável pelo setor de New Media, Fátima Ali, aceitou o desaio,
reiterando a sua trajetória empreendedora (ela havia implantado anos antes, e com sucesso, a
ROM, de 1994 a 1996. Além disso, outras publicações foram realizadas, entre elas CD-ROMs
para a revista Exame e Playboy (a primeira versão eletrônica da revista, no mundo todo).
paralelamente pela redação e pela ATR Multimedia, apostando em um novo mercado, e com
o marketing mix consolidado pela Abril. Porém, realizar o primeiro CD-ROM comercial do
Brasil foi, conforme Lucila Camargo, um processo que trouxe “muita novidade, demorando
mais tempo do que inicialmente se imaginou”. Essa visão é reforçada por Abel Reis, para
caso da MTV – e que gerou um processo de aprendizagem para todos: a equipe de redação
do impresso, por exemplo, tinha de fazer o que fazia antes e aprender coisas novas”.
Um dos primeiros desaios foi a migração dos conteúdos existentes para o formato
do CD-ROM. Era preciso, além dos textos e imagens da publicação impressa, enriquecê-lo
dos leitores”). Novos conteúdos tiveram de ser comprados especialmente para o Almanaque
em CD-ROM, o que, para Abel Reis, assinala um dos principais problemas da editora:
90
construir um ativo em som e imagem, nativos do meio digital, mas não da Editora Abril.
A construção desse banco, que exige outro tipo de edição e armazenamento, é vista por Abel
como um dos motivos da diiculdade de adaptação da editora às mídias digitais. Além disso,
“um projeto mais rico em conteúdo torna mais complexo o processo de edição, passando a
ser, então, uma questão comercial e editorial (quanto mais se quisesse enriquecer, mais caro
conheciam o potencial da técnica. Foi um processo pacíico, mas com fricções naturais, pois
o pessoal editorial pensava muito no print. Foi uma dinâmica de descoberta, acaso e fricção”.
38 Cláudia Costin lembra as realizações de Fátima Ali, identificando tal perfil empreendedor: “Além do muito que fez para
ampliar e aprimorar as atividades da Fundação Victor Civita, nunca é demais lembrar que muitas das coisas pioneiras da Abril foram
tocadas por ela e sua incansável capacidade de executar brilhantemente sempre com o olho no futuro. A revista Nova, a MTV, a área
de New Media e o primeiro Almanaque em CD-ROM do mercado brasileiro são alguns desses exemplos”. Em Cláudia Costin assume
91
1998 1999 2000
2001 2002
2003
Trajetória do
AA em CD-ROM
entre 1995 a
2004
2004
Para exempliicar essa situação, Abel lembra que a equipe de redação pensava muito em
função do layout da página impressa e em número de toques, o que segundo ele acabou se
reletindo na versão eletrônica, na tentativa de manter uma identidade entre as duas versões:
“o CD copiou a organização do impresso, mesmo sem ter uma real necessidade disso, pois
Além disso, a sugestão de novas possibilidades dentro dos hipertextos era questionada pelos
editores do almanaque, pois não se tinha o hábito desse tipo de edição: “dizíamos que com tal
assunto poderia ser criado um link que remetesse a outro documento com mais informações.
Eles nos respondiam: eu vou ter que criar mais texto aí, por quê?” Portanto, em um momento
era visto então mais como um suporte prático e eiciente de armazenamento de dados e
menos como uma nova mídia. Ou seja, para os editores da época, esse novo suporte parecia
ter como função principal, o armazenamento dos conteúdos que já existiam nas versões
impressas. Não se pensava em sinergia ou diálogo entre as mídias (cross-media), pois a versão
impressa era privilegiada dentro da estrutura editorial que priorizava seu cronograma de
produção pré-estipulado. Isso signiica que se evitava qualquer ação que pudesse colocar em
risco os prazos do Almanaque Abril em papel: “O CD-ROM podia atrasar, mas o Almanaque
92
impresso, não. Por isso o cross-media era inviável”.
Multimedia, como dito anteriormente. Segundo Abel Reis, Lucila Camargo, então diretora
de redação, era responsável pela articulação entre elas. A equipe da ATR era responsável
AA em CD-ROM foi realizado entre Rio e São Paulo, em uma época sem internet e celulares
acessíveis, o que signiicou gastos altos com interurbanos e viagens, que consumiam o
orçamento. A equipe era formada por diretores de arte, redatores e programadores, advindos
do design industrial e da informática, em geral da PUC-RIO, graças a uma parceria entre essa
universidade e a IBM, no inal da década de 1980. Abel Reis descreve o processo de produção
do título multimídia e avalia as diiculdades técnicas da época:
época, Abel avalia a produção nacional digital em iguais condições de jogo, “como qualquer
player internacional”, pois mesmo com pouco dinheiro, eles tinham técnica e eram criativos.
Porém, apesar da posição de vanguarda do País em relação ao digital, a área era pouco
mídia e no mercado. No segundo ano, o setor comercial criou o selo Abril Multimídia, mas
ainda utilizando a própria estrutura do Almanaque Abril para toda a produção. Depois de
1996, a Abril decidiu internalizar a produção, dentro da equipe editorial. Para Abel Reis, a
93
experiência adquirida com o AA em CD-ROM deu-se no plano técnico, no processo de
de grande aprendizagem. Foi, além disso, uma chance única, em uma página especíica da
de diversiicação do catálogo da editora que, apoiada por sua missão “democratizante” e sua
de distribuição (em bancas de jornal), o que segundo Cavalli (1999:48), é um dos requisitos
para explorar novos produtos. O autor também lembra também que quando os produtos e
mercados são estranhos à situação atual, não apenas eles mudam, “mas também a tecnologia,
os canais distributivos e os potenciais clientes: na prática nasce também uma nova empresa”.
E realmente foi isso o que aconteceu, com a divisão da Editora Abril para os assuntos de New
39 Em uma empresa chamada Microservice, hoje responsável pela fabricação de discos Blu-ray.
40 Conforme difundido por Victor Civita e citado por Lucila Camargo em entrevista à autora.
A diversiicação e a experimentação, no período das ME of-line trouxeram algumas
1999:50)
de 1994, o Brasil vivia um momento de euforia: o Plano Real41 trazia prosperidade econômica
94
e o dólar acessível tornava possível a importação de produtos eletrônicos. Com esses fatores,
superaram as expectativas, atingindo 17 mil unidades vendidas, a 115 reais cada42. Como
Histórico Editorial relata o impacto dessa nova mídia: “a redação é redesenhada com grandes
nova visão editorial, com textos mais curtos que possam ser melhor aproveitados pelos
geral, em especial, nos periódicos, foram fortemente inluenciadas pelas mídias eletrônicas,
não apenas no tamanho dos textos, mas também nos recursos visuais: como airma Pereira
(2006), as edições do AA de 1996 a 1998 “utilizaram símbolos, ícones e palavras grifadas
em cores, dando a sensação de que a publicação impressa estava sendo feita tendo em vista
a versão eletrônica”. O autor também lembra que, em 1999, após 25 anos de publicação
41 O plano foi iniciado em fevereiro de 1994, mas a troca monetária para o Real deu-se em junho do mesmo ano.
um site que traz o resumo dos fatos mais importantes de cada mês. (...) Ainal,
publicação apostou no Web CD, ou seja, uma ME of-line, mas que possibilitava o download
da atualização de seu conteúdo pela internet. Essa foi uma boa estratégia em um período de
web 1.0, ou seja, aquele em que se “descarregavam” os conteúdos on-line para fruição of-
line. Graças à potência, ao barateamento e à difusão da banda larga, a web 2.0 mudou essa
contemporâneo tende a ser mais veloz do que a capacidade de absorção das empresas (em
formato em que se apresenta. Assim como sua utilização, sua forma de consulta e pesquisa
43 No verbete “internet”, a obra procura apontar os efeitos da web 2.0 e da Wikipédia, em especial na credibilidade das
informações, com a construção colaborativa do conhecimento. O texto conclui, após entrevistar uma autoridade sobre a área (que no
caso era o professor da ECA-USP Massimo di Felice): “pode-se dizer que a maior mudança não foi no nível de ‘confiabilidade’, e sim no
marketing, mais que tecnológica”. Essas novidades são incorporadas durante as fases de
cadeia produtiva editorial, inserindo iguras proissionais de outros ramos – que passaram
a ser indispensáveis para a criação dos novos suportes e serviços multimídia – exigindo ao
necessária ao produto. Já, o DTP tornou o texto digitalizado mais fácil de ser editado,
Abril. Como efeito desse dinamismo, o editor também mudou seu papel, passando a ter os
Além disso, Solidoro (2004:97) lembra que, “do ponto de vista dos editores, a
digitalização dos catálogos signiicou também o confronto com novos problemas, ligados
editora cogitasse o uso de sistemas anti-cópia. Porém, observando a incapacidade das grandes
optou por um procedimento coibitivo por meio da delação e não da prevenção, como relata
Simone Bortolotto:
podia-se encontrar a obra sendo vendido por R$5 nas ruas, logo após seu
anti-cópia e tentar cercar e coibir a venda e a pirataria, por meio de lagrantes dos
44 Em seu maior nível hierárquico, o editor não costuma produzir conteúdos, apenas edita-os, prontos, dando uma unidade
aos textos (palavras, fotos, design) e criando a identidade do produto, a partir da linha editorial pré-estabelecida. Essa função se vê de
pirateado e após sua descontinuação, muitos leitores ainda pedem a volta da obra interativa.
Para se entender a opção pelo im desse título multimídia, além do desaio jurídico-
editorial citado, deve-se levar em conta as questões mercadológicas que envolvem os novos
e interfaces mais eicientes para atrair e conquistar o pressuposto consumidor inal. Além
disso, através de diversas técnicas, como o focus group, as pesquisas de satisfação anuais, o
acompanhamento dos leitores na produção e até o uso das mídias sociais é possível identiicar
baseado no “faro do editor”, procurou-se então mapear quem seria o consumidor inal dessa
versão eletrônica. Tradicionalmente, para deinição dos objetivos a serem atingidos por
consistente às perguntas mercadológicas: o que, como, onde, quando e por que (para quem).
97
(ELLETI, 2003; CAVALLI, 1999).
de interface, por exemplo, saberá quem lê e como, e assim fará um diagrama de luxo (chart-
low) de modo a guiar o leitor em suas pesquisas, projetando uma interface mais adaptada e
intuitiva para aquele público. Apesar disso, em 1993, não era possível realizar pesquisas de
mercado por se tratar de um produto experimental. Segundo Abel Reis, naquela época, os
PCs com kit multimídia instalado eram pouco numerosos (estimados em 50 mil unidades
em todo o País). Ele lembra que, como se tratava de uma nova tecnologia, era provável que,
imaginadas. Pelo mesmo motivo, não se temia a substituição das mídias (o temido “im do
45 Na Editora Abril, as publicações com público-alvo bem definido têm mais investimentos no setor de marketing, pois atraem
anunciantes. Esse não é o caso do Almanaque Abril, que conforme dito anteriormente e reiterado por Volpe, tem um publico fiel e outro
flutuante, porém não é totalmente específico como, por exemplo, o da revista Capricho (para jovens adolescentes do sexo feminino).
46 Para o lançamento de um novo produto, inicialmente é preciso fazer o benchmarking (análise da concorrência). Depois se
definem os canais distributivos de acordo com o público-alvo e os recursos humanos e econômicos necessários para a sua realização,
para o CD-ROM: “optamos pelo Almanaque por ser um título consagrado e por ser uma obra
of-line, tinha nas obras de referência a sua maior fatia, pois esses títulos eram mais simples
que não acontecia com os edutainment48 (com mercado extremamente segmentado entre as
diversas e breves faixas de idade infantil) e os educational (que exigem plataformas de ensino
de um documento de 199649, oferecido pela redação. Naquele momento, dizia-se que o título
faz questão de comprar tudo o que é lançado no mercado (ainda consome sem
98
pensar). Não se cansa de explorar os recursos oferecidos (pode passar horas na
(uma das principais técnicas de marketing utilizadas), mostrando uma preocupação com o
• Pontos fortes:
47 Informática Exame Especial, julho de 1994. p.82. Recuperado por Abel Reis.
48 Os títulos edutainment são CD-ROMs que usam técnicas lúdicas de ensino, parecidos com os jogos eletrônicos. Por essa
• Oportunidades:
direto em português”.
• Riscos:
supérluo”.
(da Britannica), Grolier, Dorling Kindersley. Além desses, as publicações especiais como
NEO Wave, também foram citados. É interessante ressaltar que “existem dois tipos de
editores: aqueles que têm uma linha editorial para desenvolver (...) e aqueles que buscam 99
a ocasião oportuna, aceitando aos poucos as propostas que chegam de desenvolvedores
editores trabalhavam as edições ano a ano; no segundo, estão as publicações que lançavam
Nesse sentido, em 1996, o CD-ROM do Almanaque Abril foi aperfeiçoado, seu preço
diminuiu (de R$115 para R$70, em dois anos) e segundo releases, teria 40% mais textos
e imagens que a edição anterior. Segundo o documento Plan CD, além de ter um “novo
formato” (ou seja, nova interface), ele seria dirigido ao público jovem, em consonância com
o novo foco editorial da publicação impressa. Ele apresentava, então, “navegação mais ágil,
textos mais curtos e hipertexto mais amplo” (o que signiica uma evolução na linguagem
nativa do ME of-line).
anos 1990, através de uma “cronologia dos principais fatos nacionais e internacionais da
década, ano a ano, mês a mês”. Além disso, incluía fotos com áudio, vídeos e animações;
oferecia jogos (ou desaios) interativos50. Outros benefícios do CD-ROM seriam a ferramenta
diz que os entrevistados possuidores de computadores com kit multimídia (leitor de CD-
ROM, placa de som e vídeo) compravam “em média seis CD-ROMs por ano, a um preço
documento airma que “2% dos que têm computadores e 1% dos que pretendem ter disseram
computadores são “altamente desejados”. Abel Reis, lembra que, na época, o público da versão
eletrônica era visto pela Abril como “mais premium” em relação ao impresso, porém, ressalva
100
A partir dos dados acima, é possível perceber a abrangência desse mercado e seu
potencial de expansão dentro dos anos que se seguiriam. Além disso, o documento Plan CD
O desempenho do Almanaque Abril empolgou nos primeiros anos, mas foi instável
tanto na sua data de lançamento anual, quanto nas vendas (tabela 3 e gráico 1). A única
constante foi o declinío no preço da obra multimídia, como pode ser visto no gráico 2. Através
dos gráicos é possível veriicar o recorde de vendas, atingido na edição de 1997, quando 38 mil
unidades foram vendidas a R$66 cada, um retorno de R$ 2,5 milhões para a editora.
50 Como exemplo, na seção mundo, o leitor poderia testar sua memória identificando as bandeiras dos países (depois de
observar por um grupo de bandeiras, ele deveria montar a de um país indicado, usando uma paleta de cores). A versão possuia 1 490
1995 06/1995
1996 -
1997 -
1998 -
1999 03/1999
2000 03/2000
2001 12/2000
2002 01/2002
2003 02/2003
2004 -
2005 -
Fonte: Histórico Editorial. 101
Vendas do AA em CD-ROM
50
38
33
unidades
vendidas
(em mil)
30 29
desempenho
em venda
24.6
23
18
17
10
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
ano
Fonte: produzido pela autora, com dados do Histórico Editorial.
GRÁFICO 2 - PRECIFICAÇÃO
115
100 90
valor
(R$)
70 preço do
66
60 CD-ROM
50 40
0
1994 1995 1996 1997 2002 2004
ano
especialmente após 1998. A diminuição dos preços tem a ver, além das datas de lançamento
instáveis apresentadas na tabela 3, com a concorrência entre os produtos similares nas bancas
de jornal (um canal que tende a baixar o valor dos títulos, apostando na venda numerosa e
repetitiva) e pela popularização da mídia no mercado. Esse fenômeno também é relatado por
Simone Bortolotto, em uma de suas primeiras airmações sobre o Almanaque Abril em CD-
ROM: “no início a publicação eletrônica bancava a impressa”, o que mostra o enorme lucro
da editora com a obra multimídia ao explorar o mercado pioneiramente; porém, ela também
aponta que, com o declínio das vendas e da mídia, o efeito foi o oposto (ou seja, a versão
Além da evidente concorrência com a internet, Bortolotto também cita outros fatores,
que contribuíram para a descontinuidade do AA em CD-ROM. O primeiro deles é a qualidade
tecnológico em relação aos similares internacionais: “havia uma diiculdade em estar no mesmo
nível das obras estrangeiras que usávamos como modelo, como a Encarta51”. Já em um segundo
relata Bortolotto, que ainda completa “dentro da redação do Almanaque, havia uma editora
Conforme Lucila Camargo, “a Editora Abril já sabia há alguns anos que o suporte cairia
em desuso”. Ela mesma airma ter participado de um congresso na Europa, no inal da década
de 1990, onde se discutia a decadência da mídia devido à concorrência com a internet. Mesmo
assim, em 2001, o mercado de ME of-line ainda rendeu lucros à Abril52. Em 2001, estudou-se o
lançamento de um CD-ROM na linha do Quiz do programa Show do Milhão53, porém tal título
não foi produzido. É importante enfatizar que o preço do CD-ROM, apesar de cair ano após
seja, não havia a preocupação com o desenvolvimento de uma linguagem multimídia, o que
certamente foi econômico para a empresa, pois o produto era apenas uma reunião de arquivos
prontos. Apesar do sucesso, Volpe airma que “já em 2005, a caixa não vendeu quase nada,
da linha de produção do CD-ROM. Bortolotto airma que, em 2001, a empresa que produzia
51 A enciclopédia Encarta Online, da Microsoft, foi descontinuada totalmente em 2009 (após nascer em suporte CD-ROM,
em 1993).
52 Algumas ações de sucesso foram feitas com os encalhes, como a venda do software já instalado para uma linha de
computadores “educativos” da marca Samsung. Além disso, foram feitas algumas tentativas de vender para o governo.
53 Na época, os leitores diziam consultar o Almanaque Abril enquanto viam esse programa de TV. (PEREIRA, 2006). Simone
Bortolotto ainda diz que a produção do programa usou a publicação como critério de desempate.
CD-ROMs, através da visualização e busca nos PDFs das páginas publicadas (178 números). É possível encontrar cópias piratas e
gratuitas na internet.
o suporte foi à falência: “felizmente, deu tempo de consertar até o lançamento, arrumamos
fonográica”. Ela diz que fornecedores externos são usados casualmente dentro da editora e
alguns problemas relativos à qualidade de brindes, por exemplo, costumam ocorrer também
Para testar a qualidade do CD-ROM, eram utilizadas duas frentes. Conforme Simone
Bortolotto, primeiro, havia uma avaliação interna, dentro da redação. Depois a obra era enviada
im, era oferecida a dez leitores junto com um questionário avaliativo. Ela identiica a edição de
2003 como uma das que mais avançaram tecnologicamente, pois “o fornecedor era melhor e
para a aquisição das multimídias e novos conteúdos foi diminuindo ano a ano, devido aos
altos custos com direitos autorais, o que causou um empobrecimento gradual na mídia
eletrônica55. Simone Bortolotto enfatiza que o suporte CD-ROM não impactava no custo
104
inal do Almanaque Abril, mas sim os direitos autorais (em especial as mídias feitas fora da
editora), e que devido a essa questão, em 2005, o CD-ROM tinha quase o mesmo conteúdo
que o Almanaque impresso. Nesse ano, a obra multimídia deixa de ser vendida separadamente
e é vendida em um pacote junto com a edição impressa, sem caixa de acrílico, como pode ser
visto na igura abaixo. Junto com os dois volumes do Almanaque e os brindes “almanaque
dos esportes” e “guia da cidadania”, o CD-ROM parecia um extra da edição impressa e não
produto eletrônico parece mesmo um armazenador prático das informações que estão no
papel, facilitando a cópia para trabalhos escolares, por exemplo. Ou seja, as características da
multimídia não foram desenvolvidas e por não apresentar novidades que pudessem melhorar
sua venda independente, ele foi adicionado ao pacote para “agregar valor” ao produto impresso.
Como exemplo desse fenômeno Bortolotto cita uma animação do corpo humano
presente no CD-ROM que era muito apreciada por professores: “em alguns anos, aquela
animação icou com ‘cara de velha’, pois já existiam linguagens mais modernas [como o Flash].
55 Além disso, o título ficou restrito à plataforma Windows. Segundo Bortolotto, havia orçamentos para o lançamento na plata-
forma Macintosh, mas nunca foram realizados. Alguns leitores também se manifestaram para que a obra fosse disponível em Linux.
Para não deixar com essa aparência de conteúdo defasado optou-se por retirá-la, porém sem
uma substituição equivalente”. Ela ainda avalia que esse empobrecimento foi gradativamente
transformando a mídia eletrônica em um brinde da publicação impressa: “no seu último ano,
o CD-ROM não tinha nem capa de acrílico e apresetava muito menos conteúdo multimídia do
que no seu inicio; parecia, junto com os mapas e guias extras, mais um brinde do Almanaque
Abril”. A partir de 2005, a obra multimídia começou a ser vendida encartada na versão
impressa, assim, conforme analisam Bortolotto e Volpe, a sua retirada não foi impactante para
da qualidade do título como decisivo para a sua descontinuidade. Tal visão é corroborada por
Giovanna Castellano (2006), quando diz que “ apesar das inovadoras características estruturais
parecer ser mais um problema do que uma solução, muitos editores ainda se vêem obrigados
a lançar CD-ROMs, mesmo não vendo uma real necessidade em tal empreendimento, além
publicações com CD-ROM encartados, mesmo que poucas ou mesmo nenhuma vez eles sejam
Isso não quer dizer que a produção de um ME of-line seja despropositada. Muitos
leitores, como foi dito, ainda pedem pela volta do AA em CD-ROM. Lucila Camargo56 lembra
que “uma obra de referência depende, fundamentalmente, das formas com que ajuda os leitores
a encontrar a informação que buscam”. Além disso, a multimídia abre novas possibilidades em
algo ligado ao valor de uso dos conteúdos, mas também tem a ver com o valor
106
Último ano do
AA em CD-
ROM: 2005
Considerando a trajetória da publicação e as características do mercado e da
de queda nas vendas, os diretores editoriais consideram a internet a mais interessante saída
para essa obra de referência, dada a popularização desse meio, comprovado por estatísticas
que reforçam o uso cada vez maior e direcionado à busca de informações, estudos e
pesquisa57. Desta forma, é possível airmar que a internet concorre e tende a se tornar
uma alternativa a outras mídias tradicionais, como a TV, o jornal e, em especial, as revista
impressas. Porém, esse que deveria ser um “caminho natural” para a publicação enfrenta
fugazes WebCD e das pequenas versões on-line58, não conseguiu encontrar uma estratégia
Nesse contexto observa-se a tentativa dos diretores editoriais na busca por um projeto que se 107
mostrasse viável comercialmente na internet. Enquanto não se encontrava tal saída, a edição
da internet para o Almanaque Abril são discutidos dentro da editora. Tanto o ex-diretor de
redação, Ricardo Lombardi, como o atual, Fábio Volpe, vêem a passagem para a internet como
relete um movimento de transformação também nas funções do editor, como apontado por
Carbone (2004:357):
57 Na pesquisa realizada em 2006 pelo instituto CETIC.br, a “busca por informações” foi respondida como atividade principal
e de maior interesse entre os internautas entrevistados (85%), sendo que o tema pesquisa científica ocupa o segundo lugar na entre
aqueles com Ensino Superior (65%), Ensino Médio (51%) e Ensino Fundamental (56%). Segundo a pesquisa, “acredita-se que isto se
deve às facilidades propiciadas pela Rede, no que se refere às políticas de acesso livre às informações”. Disponível em www.cetic.br
58 A partir da edição de 1997, quem possuía o CD-ROM poderia atualizar a seção de retrospectiva (WebCD). Em 2000, o AA
apresentou uma versão online, com dados de 1997 a 2000. A partir de 2002, o CD-ROM se aproxima da internet apenas por meio de
indústria editorial apenas na fase inal da criação da cadeia de valor. (...) Até agora
um caso paralelo, famoso no mercado editorial, e que foi acompanhado pelos diretores do
Almanaque e da Editora Abril: o caso da enciclopédia Britannica. Ele foi relatado por vários
estudiosos da área como Paolo Ferri (2004) e torna-se então pertinente para o estudo de caso
A Britannica era uma das maiores e mais bem sucedidas enciclopédias do mundo,
108 quando decidiu digitalizar seu conteúdo e, nesse empreendimento, foi pioneira. Já em 1981
CDs lançados, a Britannica vai se tornando, de fato, multimídia. Em 1995, ela apresentava
dois CDs com fotos, ilustrações, vídeos e áudio e assim chegou até a versão em DVD-ROM,
em 1999. Nesse momento, ela decide levar todo o seu conteúdo para a rede, com acesso
totalmente livre e gratuito. Seu intuito era que os rendimentos com publicidade cobrissem o
das vendas do produto impresso aumentar. No entanto, o resultado foi inverso, nenhum
Esse foi um relexo do otimismo exagerado com a nova economia, que gerou a
Britannica online seria acessada por quem pagasse uma assinatura (de US$ 60 anuais).
Para tornar essa opção atrativa, a empresa oferece não só o conteúdo da enciclopédia, mas
outros como atlas, linha do tempo, conteúdos temáticos59. Nessa última instância, Ferri
(2004:298) ressalta que “a Britannica garantia a qualidade de seu banco de dados, organizados
Portanto, com esse caso, é possível identiicar uma das novas fronteiras da Editoração:
prover conteúdos digitais. Com a abrangência cada vez maior da internet no Brasil, poucos
editores podem “se dar ao luxo” de ignorar novos conceitos e mercados que surgem para a
área. Atualmente, nessa campanha, os jornais estão conseguindo empreender mais do que
os periódicos (que ainda apresentam sites aquém do potencial da mídia digital). A área
Percebe-se claramente nessa área o papel dos editores como provedores de conteúdo,
interessados cada vez mais pelos resultados de pesquisas em tecnologia, fruição e educação a
Nesse sentido, Paola Carbone (2004:299) sintetiza uma das mais signiicativas
processos:
fee-based.
ainda sofre muita resistência por parte dos leitores/consumidores dentro da internet. Há uma
cultura do digital livre enraizada no País e também citada pelos entrevistados, o que explica
59 É importante lembrar que esse não foi um caso isolado, todas as enciclopédias que nasceram ou migraram para o CD-ROM
– não apenas a Compton´s (Britannica), mas a Encarta e a Grolier – foram, com maior ou menor sucesso, transpostas para a internet,
60 Pensadores que apresentam as mudanças de paradigma econômico, social e comunicacional da sociedade da informação
ou pós-industrial. São autores de, respectivamente, A Era do Acesso (Ed. Makron, 2001), A Sociedade em Rede (Ed. Paz e Terra, 2007)
de conteúdo”.
Editora Abril procurou construir um projeto para o seu Almanaque na internet. Simone
Bortolotto relata que foram feitas propostas de modelo de negócio para a transposição da
publicação, durante todo o ano de 2007. Uma das mais ambiciosas foi o desenvolvimento
banco de dados, onde fosse possível encontrar todo e qualquer tipo de informação: tabelas,
imagens, texto, sons. Para tornar possível e atraente tal oferta, era preciso ter maior volume e
Abril. Optou-se então por usar todo o acervo do DEDOC da Editora Abril. “Iniciou-se um
trabalho de indexação exaustivo que resultou em um banco de dados onde era possível
encontrar sempre um resultado para as pesquisas simuladas por nós”, lembra Bortolotto.
comercialização que o tornasse rentável – o que seria um dos principais desaios desse novo
portal. Simone Bortolotto, airma que se optou pelo modelo fee-based, (como o caso da
110
Britannica), até mesmo com a estipulação de três tipos de assinatura (trimestral, semestral e
anual): “chegou-se a pensar em valores, um semestre de assinatura sairia R$10 por mês, por
fracassou e o portal não saiu dos limites da Editora Abril ironicamente por uma questão
entre si. Em suma, diversas revistas não aceitaram dividir seu acervo com a internet e ainda
sob o nome do Almanaque Abril, que é apenas uma entre as centenas de publicações da casa.
Por esse motivo interno, o projeto foi vetado, mas a vontade de encontrar uma solução, não.
Fábio Volpe, avaliando o projeto, revela que ainda faltam subsídios mercadológicos
mais concretos que permitam conhecer o público projetado para o Portal do Almanaque Abril –
o que parece ser fundamental para deinir os recursos necessários para tal empreendimento e a
de risco e que exige um ritmo de atualização diferente: “a grande questão que permanece é que
não se sabe se as pessoas pagariam para ter uma informação coniável. E quanto ela vale? Não se
sabe ao certo, também, qual deveria ser o modelo oferecido: venda de conteúdo premium, como
viabilidade da venda do projeto para o governo ou para sistemas educacionais. Durante essa
procura, outra empresa do grupo Abril, a Editora Ática, encomendou um novo projeto para que
o Almanaque Abril “engrossasse” o conteúdo de sua nova plataforma didática on-line (o sistema
de ensino Ser62), porém sem a possibilidade de altos investimentos. A redação propôs, então, um
modelo que não tivesse custos editoriais relevantes para ser realizado. Há três anos, essa parceria
entanto, há uma importante ressalva, Volpe lembra que existem funcionários da Abril em
Nova York, incumbidos de pesquisar o rumo das publicações similares ao Almanaque Abril,
em especial aquelas que foram à internet. Com essa atenção, talvez se encontre um modelo
Já para Abel Reis, a questão vai além dos modelos de negócio: o desenvolvimento
pretende se inserir, no caso a internet. Desse modo existiriam outras possibilidades para a
publicação, cuja vocação seria de repositório de fatos e curiosidades úteis para estudantes,
mais diversidade. Pensando no conteúdo tratado e oferecido pelo AA, a Abril poderia ter
sido o grande Google brasileiro, no sentido de que ela tem o objetivo de disseminar a todos,
62 Disponível em www.ser.com.br.
63 Volpe lembra que são conteúdos didáticos editados de forma jornalística. Apenas as biografias e sugestões de links foram
Por enquanto, a publicação segue garantida pelo suporte impresso, como dito
obras de referência nos últimos anos, em especial com dicionários e livros para o estudo de
Direito e Medicina, que possuíam diversas versões em CD-ROM: quase todas retornaram
às prateleiras das livrarias, impressas. Desse modo o público as percebe como um produto
também é uma boa oportunidade de estabilizar os preços em um patamar mais alto, já que
É possível identiicar alguns motivos para esse fenômeno de “volta ao papel”, contra
Cultural ou “de massa”. Nessa área, existem três tipos de empresa editorial, todas identiicadas
(como a Abril) e a quotidiana (de jornais como O Estado de São Paulo). As duas últimas,
devido ao ritmo de atualização, tem uma característica mais jornalística. Apesar de ser
Essa característica resulta em um certo engessamento dentro do setor, apontado por Eletti
(2003:11): “(...) a realização de um produto editorial oferece poucas margens à economia de
escala e à inovação do processo, enquanto a inovação do produto è muito mais rígida que nos
outros setores industriais”. Assim, apenas nas fases de reprodução e distribuição é possível
gerar uma grande vantagem competitiva sobre as demais empresas. Por isso a tendência
Abril, possuindo a maior distribuidora do País e com parque gráico próprio. O domínio da
distribuição e promoção em bancas de jornal, por exemplo, é identiicado por Eletti (2003:54)
como uma política de marketing, que até hoje premiou as grandes empresas líderes desse
tipo de canal: “... [essas empresas] apostaram e apostam na difusão de produtos a baixo preço,
apesar da sua saturação. São estratégias que utilizam a conjuntura econômica nacional e
mundial para reduzir custos e aumentar a margem de lucro. Volpe airma, por exemplo, que
para os próximos anos estuda-se a impressão do Almanaque Abril na China, pois com o
mercado e o preço do produto (R$30) estagnados, a linha de receita não tende a subir, a não ser
pelo corte do custo de produção. Por outro lado, ele acredita na estabilização das vendas do AA
avaliado internamente através do aumento de vendas das revistas dirigidas a esse público64.
Vale lembrar que, na fase de distribuição dos produtos, os of-line têm o mesmo canal
que os da antiga editoração, ou seja, são vendidos nas bancas de jornal ou livrarias. Já os
produtos on-line não têm separação entre plataforma de produção e distribuição: o mesmo
local onde o conteúdo é produzido é também consumido, como no caso dos sites hipermídia.
A partir das características do ponto-de-venda é possível inferir que dentre os três tipos de
113
produtos editoriais, os of-line são os que possibilitam menos interação com o conteúdo,
no momento da compra. Carbone (2004:344) corrobora para essa análise, enfatizado que
2. Colecionismo e biblioilia
Outro fator que se mostra cada vez mais relevante para os impressos é a biblioilia e
o colecionismo, que são experiências de consumo ligadas ao livro como objeto (hábitos de
uso que relacionam o leitor com os produtos, de modo afetivo, também mostrando certo grau
de fetichismo, como postulado por Marx). Fábio Volpe, por exemplo – apesar de perceber
o rumo do Almanaque Abril para a internet como obrigatório – acredita na continuação de
uma edição impressa da obra, mas em uma valorizada “versão de colecionador” (com tiragem
64 Denominadas dentro da editora Abril como revistas de “alto consumo”, são produzidas com tiragens altíssimas, pior quali-
dade gráfica e são em geral semanais ou quinzenais. Direcionadas ao público feminino, têm preço de capa baixo e temas populares
também identiicado por Eletti (2003:57, grifo nosso) como uma das grandes vantagens dos
modos a sua utilização, apesar dos dispositivos de leitura serem cada vez mais
em termos econômicos e, não menos importante, a população ique cada vez mais
de suporte tecnológico.
diz que “o vigor da biblioilia, insensível à revolução eletrônica, prova que o livro permanece
É importante ressaltar que, apesar dos fatores citados a favor dos impressos, o
fenômeno iniciado pelas mídias eletrônicas of-line trouxe novos modelos de negócios,
114
produtos, serviços e tecnologias para a Editoração. Aparentemente, o mercado dos ME of-
line atingiu sua máxima expansão, como lembra Eletti (2003:98), “a produção de novos títulos
interatividade).
Além desse setor, as inovações empreendidas pelos editores procuram criar, estimular
e suprir uma demanda tecnológica, facilitando o acesso aos novos suportes de leitura e enim,
abastecendo o mercado para esses dispositivos. Desse modo, a criação do mercado de e-books
acontecerá quando todos puderem e quiserem comprar um aparelho, que além disso, tenha
uma oferta abundante e diversiicada de títulos. Ou seja, para o leitor, a vantagem desses
novos suportes tem de ser muito evidentes (claras e imediatas) em relação às mídias habituais.
“a Editora Abril. apesar de ter uma vocação para a experimentação, não tem apetite para
sua visão, a editora não consegue resolver como será sua passagem para estar deinitivamente
no mundo digital:
partes do Brasil, com conteúdo e mídia. Porém exatamente por isso, essa estrutura
a torna muito mais lenta para fazer movimentos de inovação. É uma posição
curiosa, porque a Abril é um gigante que ainda não encontrou seu destino no
linguagem, que hoje é trabalhada pela Globo e pela Record em seus portais, contamina
a internet”. Para Reis, faltam conteúdos audiovisuais que possam formar um ativo para a
editora. É interessante notar que esse foi um dos principais recursos multimídia com que
115
a editora teve de lidar no empreendimento do CD-ROM do Almanaque Abril. Atualmente
observação leva a um impasse, pois o conteúdo da editora e sua estrutura são riquíssimos,
porém existe pouco desenvolvimento sobre a linguagem nativa do digital, o que poderia ter
É preciso ter então outra visão editorial, um alargamento do projeto (o que inclui
nas publicações impressas remete à idéia de que é preciso saber muito sobre muita
coisa e o digital não é assim. É um desaio mais profundo, talvez isso explique a
65 Também lembrado por Abel Reis no projeto da editora em ter um provedor de internet próprio, em fins de 1994, que se
então, para a Editora Abril, uma atenção “quase epistemológica” à sua própria missão: “ser
maior crescimento dos mercados de comunicação e educação”66. Desse modo, ela poderia
serviços e produtos, já criado dentro da cultura digital, e que está para ser desenvolvido:
com as fases iniciais de mercado de seus produtos digitais, eles tendem, então, a
Essa é uma das barreiras no setor, também apontada por Abel Reis, para quem
apresenta como tendência, é a personalização do luxo de informação (seja por parte dos
leitores, como dos editores). Além disso, a inserção da realidade virtual em plataformas
celulares e do wireless.
satisfação eicaz de uma real necessidade”. Nesse sentindo, Abel Reis reforça o argumento
de que as mídias digitais tem que desenvolver-se dentro de seu meio, para serem melhor
tem de mostrar seu valor ao leitor, assim eles pagarão o preço que considerarem
justo. Se a pessoa percebe que a compra não agrega ou que é algo facilmente
encontrado de outra forma, ela não vai pagar por isso. Desse modo, o formato
publicitário na internet tem de ser mais inteligente, mais do que um banner na tela.
Com essa visão, é possível perceber o atual estágio marketing oriented do mercado de
comunicação, que inclui o editorial. Nesse âmbito, a valorização e a idelização dos leitores à
marca Abril, e ao seu Almanaque, é hoje o maior patrimônio construído em anos de tradição
material, dando mais chances à editora na adaptação e construção de seu conteúdo nas mais
117
118
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
suas implicações comunicativas, sociais, econômica e política, dentro dos jogos de poder).
e enriquecer as discussões sobre a evolução das mídias, através das experiências do passado
recente, que não gozaram da devida atenção, talvez por serem consideradas efêmeras. Por
isso, o principal foco desse trabalho está na transição entre plataformas editoriais, tendo em
vista que cada meio tem sua especiicidade, modo de produção e desenvolvimento, além de
hábitos de uso e fruição próprios. Isso se dá pela natureza do suporte que, quando eletrônico,
igualmente instáveis, mais adaptadas ao momento. Parece incoerente que o projeto de tais
estruturas continue tendo base no método cartesiano, pois assim corre-se o risco de diminuir
meio eletrônico permitiria. Superar a visão do projeto como solução tecnológica ou gestão
econômica é um dos principais desaios dos produtores editoriais, como Adriano Solidoro
(2004:150) dimensiona ao analisar a metodologia do projeto:
parte pelo modo de pensar dos seus desenvolvedores – em estruturar os novos meios
conforme o uso e a produção dos antigos. Em todo caso, busca-se camular o meio do
leitor, para que ele possa fruir os conteúdos do modo mais natural e intuitivo possível,
da Editoração (do impresso ao eletrônico on-line). Sobre esse cenário encontramos, como
apontado por Ana Elisa Ribeiro (2006), duas vertentes: a européia – que com sua tradição
livreira se preocupa com a “morte do livro”, tendo Roger Chartier como expoente – e a
McLuhan, na produção de Jay Bolter. Nessas duas vertentes não encontramos a polarização
120 entre apocalípticos e integrados, mas como se lê e o que se lê, respectivamente.
eletrônicos atingiram a atual relevância devido aos graduais avanços de sua linguagem,
ter mudado o foco: o leitor agora deve buscar a informação e não apenas recebê-la, através
do movimento de aquisição de conteúdos chamado pull. Isso não signiica que, antes da
vários textos, incluindo canções e ilmes. Porém, isso exigia um esforço de acesso, com maior
ou menor grau de diiculdade, mas que agora são trazidos em abundância, de forma integrada
a um único suporte e com bem menos tempo despendido na realização das pesquisas.
meio).
• são consultáveis de maneira interativa, seja pela rede, ou por um suporte físico,
transposição. Os títulos de entretenimento seguiram o rumo dos videogames (um setor que
mercado de nicho tão especíico, competindo com muitos outros produtos informativos
plataformas on-line.
Dada essa facilidade das obras de referência, não foi espantoso ver diversas
arriscaram-se na internet. Esse caminho também foi visto no Brasil, quando o CD-ROM
da Microsot. Tal pioneirismo e os desaios encontrados pelos seus primeiros editores foi
atentado por esse estudo de caso, que procurou discutir as decisões dos produtores em
anos. Como lembra Castro (1977:89 apud DUARTE, 2005:219) “mesmo no estudo de caso, o
interesse primeiro não é pelo caso em si, mas pelo que ele sugere a respeito do todo”.1
O que chama a atenção no caso do CD-ROM do AA é que a Editora Abril, com toda
teve grande sucesso. Porém, com o declínio do suporte físico e a airmação da internet
nas pesquisas escolares, a mesma empresa não foi capaz de encontrar uma saída para a
publicação, que inicia uma curva descendente em vendas tanto na versão impressa, quanto
em CD-ROM.
1 CASTRO, Cláudio de Moura. A prática da pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1977.
Sem ter desenvolvido uma consistente empresa de New Media ao longo dos 12 anos
pré-existentes e que atualmente buscam formas de retomar as vendas, apenas com a versão
impressa. Existe um esforço da editora em encontrar seu lugar na internet, através de sites
de suas revistas e portais correlatos a elas. Porém, mesmo consciente do futuro cada vez
menos rentável dos impressos periódicos, ela mantém esse tipo de produto como seu foco
salvar o Almanaque Abril se tornam cada vez mais urgentes – visto que a pesquisa pelo
Google e Wikipédia se difunde assim como o acesso à internet no Brasil – porém, elas são
a compreensão do meio digital e que evitem a improvisação de sites (com reutilização dos
Novos produtos em novos meios trazem novos problemas. A busca por um Portal
do Almanaque Abril é uma idéia interessante, mas se o foco agora é o serviço, ele teria de ser
percebido imediatamente como vantajoso para os leitores, se ele pretende ser pago. A solução
122 apresentada foi a enormidade de conteúdos disponíveis na editora. Mas como se dará a
interatividade dos leitores com essas informações? Os conteúdos multimídia serão garantidos
e distribuídos em igual medida e atualização? Já que a maior parte do acervo da editora são
textos e imagens, como será captado o recurso audiovisual: os leitores poderão colaborar? Se
sim, quem irá selecionar os relevantes: o público ou o editor? Percebe-se, então, que o papel
do editor, de selecionar a informação e disponibilizá-la da melhor forma, tem seu valor, mas
na internet ele deve ir além. Isso signiica trabalhar com hipertextos e multimídia do modo
mais integrado possível, mas também buscar preencher o cotidiano do leitor nos múltiplos
viva do espírito do tempo. Sem estrutura ixa, unindo conteúdos tão diversiicados, ele tem
foi um momento feliz na história da evolução das mídias digitais no Brasil. Ele era,
então, o próprio zeitgeist: um CD-ROM que, por unir e sintetizar a linguagem televisiva,
mídias eletrônicas da pós-modernidade, com sua percepção fragmentada e que não tenta
buscar verdades absolutas. Sobre essa nova fase na história dos meios de comunicação, Lev
revigorantemente novos.
eletrônico deve atentar não apenas na pertinência social do título (por quê? O que?), mas
também nas suas características de fruição e leitura, que se aliam aos estudos das ciências 123
cognitivas e design de interação: o como será lido e por quem, de onde o produto multimídia
não pode se destacar e de onde será possível obter subsídios para a atividade decisional.
airmar que um novo tipo de editor surge, com uma formação mais abrangente, que inclui
editores digitais certamente serão vistos como uma evolução dos editores
preços, que culminou em sua descontinuidade. Além dessa constatação a partir de dados
mercadológicos, nota-se que a pertinência social do CD-ROM decresce por três fatores
principais:
mídia se tornar cada vez menos prática e perder seu hábito de uso em pesquisas);
título não priorizou a linguagem hipertextual e multimídia do suporte CD-ROM. Ela viu esse
novo meio como um repositório mais prático e eiciente de acessar o conteúdo que já estava
presente no impresso. Talvez essa percepção tenha se estabilizado pela tradição editorial
impressa tanto do título quanto de seus produtores. Ela talvez fosse outra, caso se criasse um
pensamento sobre as naturezas de linguagem dos meios editoriais digitais, como ilustra Paola
do que de conteúdos.
distribuição. Além disso, os mercados saturados se tornam cada vez mais marketing oriented,
isso signiica mudança de foco de produto para serviços e maior investimento nos bens
(busca) eiciente para melhorar a performance do leitor na realização de suas tarefas, além da
impressos, por exemplo, têm um mercado cada vez mais sólido e uma tradição que ainda
inspira status social. O conhecimento impresso ainda transmite uma sensação canônica ou
pelo menos estável e duradoura. Para Umberto Eco, por exemplo, ele é o melhor modo de se 125
conservar a produção intelectual, pois as novas mídias se mostraram todas instáveis e ainda
(não apenas como modismos tecnológicos, mas como opções conscientes de oferecimento de
bens culturais), percebendo que cada suporte tem sua especiicidade, seu tempo e espaço de
fruição. Kevin Kelly (2007, grifo nosso), fundador da revista Wired, sintetiza a discussão:
maneira de pensar sobre algo. Cada invenção permite outra forma de ver
a vida. Cada ferramenta, material ou mídia adicional que inventamos
pessoas que podem encontrar seu lugar único no mundo. (...). Assim, sua
desconstrói o que os editores produzem no papel: copiando, colando e editando ela mesma,
Almanaque Abril, independente do suporte, faria esse trabalho, de modo acessível e pronto
para ser usado. Além disso, seu valor está em sua tradição de gênero editorial: cheia de
126 curiosidades, com uma estrutura divertida e atual acima de tudo. É preciso saber, então,
rede, que deve procurar não apenas oferecer um conteúdo de qualidade ao leitor, mas uma
elo identitário entre o leitor e a imagem da marca Almanaque Abril, que hoje é feito apenas
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sempre a um novo arranjo de elementos, já que novos universos nascem de seus fragmentos.
Massimo Canevacci (no livro Sincretismos: uma exploração das hibridações culturais, de
Certeau, que, conforme observa Silviano Santiago (em A viagem de Lévi-Strauss aos trópicos,
de um produtor esquizofrênico.
Já Sherry Turkle, no livro On the life screen, de 1995, airma que um modo de
que aqueles que usam o planejamento excessivo: “O bricoleur seria como o pintor que dá um
passo para trás a cada pincelada, olha a tela, e apenas depois dessa contemplação, decide o 135
que fazer em seguida.”
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