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Le Monde diplomatique,
um jornal para pensar
Rio de Janeiro
2002
iii
FOLHA DE APROVAÇÃO
Aprovada por:
Rio de Janeiro
2002
iv
171 p.
AGRADECIMENTOS
À Escola de Comunicação da UFRJ por ter acolhido esta pesquisa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, agradeço
pela bolsa que viabilizou a pesquisa em Paris entre março e setembro de 2001.
A Janice Caiafa, por sua orientação cuidadosa, por suas observações precisas que
interviram em momentos importantes da escritura, por seu incentivo, por suas atitudes
que ensinam tanto quanto seu pensamento. E por sua amizade muito querida. Agradeço.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação da ECO/UFRJ, com atenção a
Emmanuel Carneiro Leão, Ieda Tucherman e Muniz Sodré, agradeço pelas discussões e
reflexões que brotaram em suas aulas e também pelas sugestões de leitura. O Prof.
Aluízio Trinta e o Prof. Carneiro Leão estiveram, além disso, presentes no Exame de
Qualificação deste projeto e agradeço-lhes pelas observações que então fizeram e que
contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.
Sou grata, também, aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação pela ajuda com a
inevitável burocracia.
A todos meus colegas de curso, em especial: Carmem Gadelha, Fátima Régis, Fernanda
Bruno, Fernando Gonçalves, Márcio Gonçalves, Maria Inês Acciolly, William Dias
Braga agradeço pelo convívio e pelas “dicas de sobrevivência”.
Ao Prof. Michel Maffesoli, por ter-me recebido como pesquisadora visitante no Centre
d’Etudes sur L’Actuel et le Quotidien (CEAQ) durante minha estada em Paris, meu
agradecimento sincero.
Aos colegas brasileiros que lá encontrei e me ofereceram apoio: André Barreto, Cris
Freitas, Conceição Golobovante, Fábio Castro, Héris Arnt, Tânia Pitta agradeço.
Meu agradecimento aos jornalistas do Monde diplomatique e aos membros da
associação de leitores Les Amis du Monde diplomatique que me receberam com
generosidade, concederam entrevistas e dividiram comigo suas experiências do jornal.
A Céline Schwob, Eri e Mônica Perrusi, que fizeram de Paris uma cidade de amigos,
agradeço com saudades.
Ana Lúcia Madureira, Cristina Amaral e Jorge Mansur são amigos jornalistas cujas
conversas ajudaram a pensar ao longo deste trabalho e a eles agradeço de coração.
Outros amigos estiveram presentes em tantos momentos e gostaria de agradecer-lhes
carinhosamente: Guará, Joaquim Pinheiro, José Batista, Luciana Pessanha, Luísa Cid,
Luis Gustavo Matta, Rui Piranda, Seth Garfield e Vivian Flanzer — obrigada.
A Fernando Ferrão agradeço, com amor, por cada dia, pela inspiração em conversas
matinais e pelas muitas horas que passou em aviões.
vii
RESUMO
ABSTRACT
The last decades have seen mass communications means assume impressive dimensions
and penetration, comprising what has been called the Media Industry. The process of
media concentration has produced a growing homogeneity of contents, where a way of
life based on the logic of profits prevails . The most insidious and subtle power of such
an immense media machine is to underscore what deserves (and does not deserve) to be
seen, heard, experienced — the construction of a point of view from which to
understand the world, that which Guattari deems “production of subjectivity”.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------- 1
2- A ORDEM É CIRCULAR------------------------------------------------------- 39
2.1- A partícula e a trajetória --------------------------------------------------------- 39
2.2- Uma subjetividade em escala planetária------------------------------- 42
2.3- O burburinho de fundo ----------------------------------------------------------- 50
2.4- Dito e feito, ou a interferência linguagem-mundo ---------------- 52
2.5- O que faz um agenciamento --------------------------------------------------- 55
2.6- Como se forma uma tempestade ------------------------------------------- 64
2.7- Variar variando ------------------------------------------------------------------------ 72
3.5 – Multiplicidades----------------------------------------------------------------------122
3.5.1- Canteiros da cidadania
3.5.2- Outro tipo de interatividade
4- CONCLUSÕES – RAMIFICAÇÕES ----------------------------------147
4.1 - Em busca da multidão. ---------------------------------------------------------152
4.2- P.S. ------------------------------------------------------------------------------------------155
5- REFERÊNCIAS ----------------------------------------------------------------------157
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado.
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
INTRODUÇÃO
Les noms qui designent les choses répondent toujours à une notion de l’ intelligence, étrangère à nos
impressions véritables et qui nous force à éliminer d’elles tout ce qui ne se rapporte pas à cette notion.
Marcel Proust: À la récherche du temps perdu ( À l’ombre des jeunes filles en fleurs)
Mas a imprensa não é uma realidade isolada, insere-se no contexto da mídia, que é
exercício de poderes.
Pois a mídia exerce também poder: o poder de controlar o acesso à tribuna pública;
poder sobre os discursos que circulam ou deixam de circular. Mas também um poder de
dizem: está escrito no jornal, passou na televisão, deu no rádio... E isso convive com a
crise de credibilidade: por mais que as pessoas afirmem não acreditar nos meios de
na tevê etc. É uma referência densa que mais se avoluma quando todos os meios se
repetem uns aos outros: o que se ouve no rádio, vê-se na tevê, lê-se nos jornais e nas
Então: poderes que se exercem sobre a imprensa e na imprensa e tudo o que isso
produz.
Mapear essas forças não é fácil, são muitas e imbricadas. É um arranjo complexo e
trabalho: por um lado ver um uso que se faz, na maior parte dos casos, dos meios de
comunicação. Por outro lado, ver um outro uso que deles se pode fazer, um uso que não
mesmo.
Partimos, no primeiro capítulo da cobertura dada por alguns dos principais órgãos
tais estratégias são, em grande parte, efeitos produzidos pelo próprio campo.
capítulo apresenta, então, um ponto de vista que vem complementar o primeiro. Estudos
de signos) são aqui consideradas em sua relação com os corpos (naturais e artificiais),
onde uns interferem constantemente nos outros, donde se destaca que os meios de
3
coletivos de enunciação.
Monde diplomatique — que aparece como uma maneira singular de fazer jornalismo. É
um jornal imerso no campo jornalístico, como não poderia deixar de ser, portanto está
exposto à pressões que o atravessam. Mas de alguma forma ( não estragarei a surpresa
contando aqui como) se desvia dessas pressões. Além disso, é um jornal que assume
também por uma prática que procura multiplicar os lugares de encontro e pensamento.
de entrevistas, assistindo a suas palestras e pela leitura dos jornais; e junto aos leitores,
São, portanto, muitas as vozes presentes nesta tese e o que eu gostaria realmente é
Mundial. A proposta era reunir num encontro internacional as organizações que vinham
dar um passo adiante das manifestações, no sentido de promover, com esse grande encontro,
uma reflexão em torno de problemas mundiais. A data escolhida, última semana de janeiro;
Fórum Econômico Mundial, que há 30 anos reunia, nessa época, em Davos, na Suíça,
economia mundial, a partir do ponto de vista dos negócios e do lucro. O Fórum Social
Sociedade Civil e dos Espaços Públicos; Poder Político e Ética na Nova Sociedade.”
palestras proferidas por convidados durante as manhãs dos cinco dias de encontro. As
associações inscritas. Calcula-se que o I Fórum Social Mundial tenha levado a Porto
Alegre cerca de dez mil pessoas, das quais quatro mil delegados inscritos de ONGs,
Vejamos qual espaço alguns jornais brasileiros dedicaram ao tema e como abordaram o
acontecimento. Escolhemos para esta breve amostragem inicial, Jornal do Brasil, O Dia, O
Globo e Folha de S. Paulo: os três primeiros por terem públicos e linhas editoriais distintos
no Rio de Janeiro; o quarto, por ser um jornal considerado mais intelectual, de outro estado,
mas também com boa distribuição nesta cidade. Não se fará aqui uma análise exaustiva,
abrangendo todos os jornais, durante todos os dias do Fórum Social Mundial, embora esse
pudesse ser um trabalho rico e interessante, pois consistiria em si uma tese e ultrapassaria
em muito o espaço e a intenção deste capítulo; assim, optamos por uma seleção aleatória dos
dias de publicação.
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1.2 - Eu li no jornal...
Jornal do Brasil
de Política, ao lado de matérias sobre o caso dos prefeitos do PT que indicaram parentes
para cargos de confiança, surge um box com uma foto de Olívio Dutra e a legenda:
“Olívio Dutra apóia a realização do Fórum em Porto Alegre.” Logo abaixo, título e
subtítulo: “Troca de farpas. Fórum Social provoca atrito entre FH e Olívio.” O texto
Olívio Dutra, justificando os gastos de 970 mil reais. Uma chamada final remete à
Será casual essa localização do box, junto às denúncias de nepotismo por parte de
pela imprensa quanto aos efetivos poderes e influências do encontro de Porto Alegre e
A pergunta aqui é: por que essa reportagem sobre Fórum Social Mundial, realizado
encaixaria melhor em Brasil? Ou, pelo assunto, em Economia? E por que o Fórum
Econômico Mundial, em Davos, entra na editoria de Economia (pág. 17: “Davos reúne
O Globo
Traz na primeira página uma pequena chamada sobre o Fórum: “FH e Brizola
criticam Fórum Social”. O texto versa sobre a crítica do Presidente Cardoso aos gastos
rebate acusações sobre verba de R$ 970 mil. Brizola também faz críticas ao evento e ao
PT.” Mais uma vez, o texto começa pela reprodução das críticas de Fernando Henrique
Cardoso, em seguida, relata a resposta do governo gaúcho e passa às críticas feitas por
Cassen, algo sobre o objetivo do encontro: “reunir (...) representantes dos movimentos
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e organizações sociais de 22 países”. Aqui ocorre um erro: no lugar de 122 países, como
era de fato, publica-se “22 países”. Teria Bernard Cassen se enganado? Na mesma
página há uma matéria sobre o Fórum Econômico Mundial: “Órgão Sindical leva
Alegre, as críticas? Por que as manifestações são apresentadas como uma ameaça?
Nesta mesma seção, Economia, Joelmir Betting, em sua coluna, não poupa ataques
“Neoliberalismo? Não sei o que isso significa. Globalização? É sempre mais do que eu
e cujas declarações teriam mais peso “na vida de seis bilhões de terráqueos que os sete
“ongueiros raivosos” são ironizados por (na versão de Betting) acreditarem numa
americano – para Betting, são as únicas que podem afetar a vida da população do
planeta.
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“Perdemos Menos” para falar que, considerando os últimos cinqüenta anos, a década de
1991-2000 só não foi pior em termos de crescimento do que a década de 80. Ou seja, os
anos 90 foram a segunda pior década desde 1951 em termos de crescimento para o
Brasil, ficando na frente apenas da década chamada perdida de 1980. “Que é isso,
estudiosos da pobreza e desigualdade no Brasil”. Nem uma palavra sobre os que foram
convidados.
Sexta-feira, 26 de janeiro
Jornal do Brasil
Mais uma vez, nenhuma menção ao Fórum Social Mundial na primeira página. Por
outro lado, há uma grande foto do Monte Bolgenhang, em Davos, com um letreiro na
alternativo”, com o subtítulo “Fórum Social transforma Porto Alegre no centro mundial
Davos na Suiça.” Outra matéria nessa mesma página narra, sob a foto de Jose Bové, a
diálogo para tentar superar as diferenças entre países ricos e pobres; entre governos
empresas e sociedade civil” e as críticas dos países em desenvolvimento aos ricos, com
Folha de S.Paulo
chama atenção para a soma sem precedentes de investimentos no país em 2000: US$
30,6 bilhões. A previsão de queda nos investimentos para o ano seguinte vem em corpo
globalização. Nesse caso, qual é o sentido do FSM, cuja estrela é Cuba “único governo
A Folha de S. Paulo dedica ainda uma seção especial aos dois Fóruns, chamada
nobre, traz foto de um jovem negro que a legenda indica ser um cantor de música afro a
“Pouso dos EUA deve ser duro, diz economista”; “Opacidade custa caro ao Brasil, diz
estudo” e “Boa notícia é que Brasil não é notícia”. No terço inferior da página, sob o
título “Panorâmica” o FSM é mencionado: há uma foto de Jose Bové, em cuja legenda
lê-se “Jose Bove que saqueou McDonalds na França, em Porto Alegre”; e três notinhas:
“Ídolo”, sobre Ahmed Ben Bella; “Imprensa”, sobre as matérias em espanhol e inglês
conta será paga pelo governo do RS”), “Quando e onde, Quem vai, Números”.
francês sobre o Fórum Social Mundial além de três notinhas, das quais duas são sobre
causando impressão de que o debate sério está em Davos enquanto o encontro de Porto
esquerda estão as matérias sobre o Fórum Social Mundial: “Cuba é ícone de encontro de
Porto Alegre” com subtítulo “Ilha é aplaudida em uníssono na abertura do Fórum Social
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Mundial, em que Benedita da Silva (PT) foi vaiada”. O texto aponta a “politização” da
zapatistas e MST; “sobraram vaias” para “o liberalismo e políticos não muito bem
de países de origem das delegações é sublinhada: “Quando o nome de Cuba foi lido,
houve um quase uníssono de apoio à ilha (...) Pouco depois foi citado o nome dos
Estados Unidos, cujos representantes viajaram 10 horas para participar do fórum anti-
senhor de barba branca, lenço verde na cabeça e bandeira de Cuba no ombro, com a
Mundial; que deve atrair cerca de 10 mil pessoas” está uma “análise” cujo título é
“MST encabula esquerda anti-Davos”. Esse artigo tenta mostrar a existência de duas
organizador” e ONGs “formadas e dominadas por intelectuais e setores afins das classes
médias”, outra “encampada quase apenas pelo MST” seria a favor de “criar focos de
Enfim, a página da direita é dedicada, em sua maior parte, aos discursos de Davos.
e crítica a ONGs”; “Para executivos, brecha digital não diminuiu”. Os textos das três
de Porto Alegre estão presentes também em Davos. O texto da primeira abre com a
pergunta: “A frase ‘a globalização não está produzindo benefícios, pelo menos não de
maneira equitativa’ foi ouvida ontem em Porto Alegre (...) ou em Davos? Errou quem
respondeu Porto Alegre.” A segunda matéria, sobre a fala do Presidente suíço, se inicia
com: “A presença de Porto Alegre em Davos não se limitou a uma relativa semelhança
de discursos.” E a terceira, sobre a brecha digital: “Pode haver um abismo imenso entre
o que pensa (...) Porto Alegre e (...) Davos, mas num ponto pelo menos eles coincidem:
O enviado especial a Porto Alegre, Ricardo Grinbaum, marca uma diferença entre
“Em Porto Alegre, saem hippies e jovens e entram bigodudo e camponês” e no texto:
“...o encontro que chegou a ser tratado como uma reunião mundial da nova esquerda
levaram à sua organização já estão sendo tratadas no Fórum Econômico. Como se não
Social no Sul do Brasil, os “ricos” de Davos não podiam mais ignorar os problemas
sociais.
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Pela primeira vez na semana, o Fórum Social Mundial ganha a primeira página em
três dos quatro jornais pesquisados: trata-se de uma ação do Movimento dos Sem Terra.
Centenas de agricultores, liderados por João Pedro Stédile, haviam no dia anterior
Jornal do Brasil
1a página: foto da France Press, que se repetirá (embora não na capa) na Folha de
S. Paulo, mostrando em primeiro plano, Jose Bové, que parece jogar para o alto pés de
soja arrancados ao solo. A legenda relata: “O francês Jose Bové joga mudas de soja
Dora Kramer, em sua coluna na página 2, sob o título “Fogo às velhas vestes”,
colunista, Roberto Freire teria citado Marx para (transcrevo diretamente): “defender a
Mundial que está ocorrendo em Porto Alegre aprofunde o debate sobre a integração do
mundo, retirando o processo ‘da bitola do mercado e da lógica financeira’ e dando a ele
uma visão humanista de gente e nações.’” Mais adiante a jornalista prossegue citando
contundente”.
1- Dora Kramer sabe que a proposta do FSM coincide exatamente com a sugestão
desta primeira hipótese (ela sabe qual é a proposta do FSM, portanto, sabe que
neutralidade. Por esta via indireta, a crítica se torna mais virulenta, pois embora
Freire seja membro do PPS, durante longo tempo foi do PCB (citado inclusive
põe esquerda (do PCB) contra esquerdas. Tudo isso em nome da “informação”.
Senador, nesse caso deveria ter-se informado mais antes de escrever sobre o
assunto, o que não apresentaria grandes dificuldades, bastava uma visita ao sítio
do Fórum na Internet, ou ler com atenção a matéria que saiu no caderno Idéias
Encontramos na página sete, Editoria Internacional (como nos outros dias), ao lado
de notícia sobre terremoto na Índia, informação sobre o fórum: “Fórum faz críticas às
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página, no meio dos anúncios. O título é: “Bové se une a MST”. O texto fala sobre a
terra”.
Davos”. O texto afirma que o fórum começou “Com a globalização ao fundo, os temas
em debate são todos cruciais e pairam acima das ideologias, credos ou raças.” (...) “com
líderes dos países em desenvolvimento cobrando distribuição mais justa dos benefícios
neoliberalismo. Fórum Social Mundial reúne esquerdas do mundo inteiro para criar
O Globo
Na capa, uma foto de Jose Bové em primeiro plano, com uma plantação ao fundo,
onde se vêem, também, diversas pessoas. Título: “Bové e MST invadem fazenda”.
Subtítulo: “Cerca de 600 colonos destroem soja da Monsanto”. Legenda: “ José Bové,
líder rural francês, convidado do Fórum Social Mundial, arranca soja em terreno da
Monsanto, na cidade gaúcha de Não-me-Toque”. O texto não deixa claro que a invasão
merece três páginas, enquanto Porto Alegre recebe uma, que se detém sobre a invasão
aborda a censura a um dos convidados do fórum, Olivério Medina, ex-porta voz das
FARC; outra fala da presença de Lula: “Lula diz que não é anti-globalização. Presidente
Folha de S. Paulo
A foto de capa mostra João Pedro Stédile, no meio da plantação, segurando pés de
soja arrancados; ao fundo vêem-se outras pessoas. Legenda: “João Pedro Stedile lidera
grupo de sem-terra que destrói lavoura de soja transgênica”. À esquerda da foto, sob a
texto aborda a participação no fórum de líderes do PT, que, segundo o jornal, estariam
ainda duas pequenas chamadas: “Anistia acusa governo suíço de repressão” e “MST
destrói no RS lavoura transgênica”, cujo texto calcula “cerca de 800 sem-terra” e afirma
que o líder do MST disse que seriam destruídas “todas as lavouras comerciais com
sementes transgênicas”.
página (A8) é ocupada por matérias sobre o encontro de Davos. Faz-se aqui uma
acontecimentos) de Porto alegre. As duas páginas seguintes (A9 e A10) versam sobre o
Fórum Social Mundial. Título na página A9: “Enxame político toma vitrine de Anti-
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Saramago; políticos são atraídos pela mídia em Porto Alegre”. Segunda matéria da
página: “Debate é usado para lançar candidatura de Lula.” Um pouco abaixo, ao lado de
uma foto de Marta Suplicy, está o artigo de Contardo Calligaris que critica, novamente,
capa do Jornal do Brasil, da Agência France Press. Título: “MST queima soja
O Dia
Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, no Fórum. Título: “Garotinho quer ação contra
ética na economia.” Abaixo vemos uma foto de duas pessoas: um senhor, lenço verde
no pescoço, curvado para diante e alguém de pé, semioculto por plantas arrancadas. Na
da foto, colocou-se
Duas páginas adiante, Marcelo Auler (que assina também a matéria anterior)
indaga em sua coluna: “Que esquerda é essa?” e fala sobre uma “preocupação” de
assim como no Jornal do Brasil, Roberto Freire é citado, com uma crítica a Jose Bové e
à invasão da fazenda da Monsanto. Aqui, no entanto, “Freire não está entre aqueles que
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criticam o Fórum, nem se diz enciumado com o evento.” Mas...(Porto Alegre) “não
algum ou mais de um desses jornais. Que informação teria ele adquirido sobre o Fórum
Social Mundial? Será realmente “neutra”, desinteressada, a urdidura dos textos que
de mãos dadas: o Fórum Social Mundial foi tratado de modo muito semelhante no
Mundial, merecem amplo espaço e destaque. A crítica, nesse caso, versa sobre a
“politizado”, “ideológico”, “raivoso” e onde não se sabe o que se discute fica esvaziado
Talvez os tempos tenham mudado. Talvez não se ensine mais redação para jornal
desta maneira. Mas lembro-me perfeitamente de uma aula – lá pelos fins da década de
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o professor pedia aos alunos que escrevêssemos uma mesma matéria sob dois pontos de
vista diferentes: “a favor” e “contra”. Não se tratava de uma crítica a certas práticas
escrevessem nas páginas de opinião do jornal. Não, o pedido era claro: a matéria deveria
adequação à linha editorial do veículo, nada que se devesse questionar, apenas um dado
que se devia incorporar ao texto, uma técnica, que o pretendente a jornalista precisava
dominar.
empregadas pela imprensa (em todos os veículos, indistintamente, segundo o autor) para
trabalhar a matéria bruta dos fatos dando-lhes a forma apropriada aos interesses do
errado”, quando se põe a responsabilidade por uma crise verdadeira num acidente ou
falsa; “o boi pelo bife”, dar destaque a um dado positivo (muitas vezes o único) de um
contexto negativo; “o bife pelo boi”, esconder no contexto (o mundo, a América Latina)
um assunto2.
comparação do FSM com o FEM em Davos? A propensão, nos três jornais, a salientar
um objetivo específico. O próprio Biondi alerta que a sua não é uma lista exaustiva, pois
amostragem já é possível identificar outras estratégias dos jornais para vender ao leitor a
ilusão de uma informação completa e neutra: o uso do discurso indireto para fazer
críticas; a diagramação que ilustra com fotos de um evento, textos relativos ao outro; a
distribuição de matérias por editorias que não lhes dizem respeito. Entretanto, esse jogo
de manipulação, posto em prática por este ou aquele personagem da mídia para servir a
certos interesses, é apenas a face mais explícita de uma influência que se exerce de
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forma mais sutil e silenciosa. Estamos diante de um processo amplo que produz, como
mesmo em que prolifera3. Para dar conta desse processo é preciso (tentar) seguir os
como reprodução de um modelo político e econômico que o ultrapassa, mas onde vez
Ignacio Ramonet, a expressão “pensée unique” para delimitar um fluxo de discurso que
ganhava corpo e se impunha como realidade natural a uma toda uma série de campos.
economia. A partir daí é possível tomar, dentro do âmbito da segunda, decisões que
Estado mínimo são alguns dos conceitos que norteiam a nova “política econômica”, que
Ramonet, ao apontar uma “nova vulgata planetária”; todo um novo vocabulário que
passam a circular por todo o mundo, em sua versão mais simplificada, servindo como
Brasil, por exemplo, se dispõem a acabar com os sistemas de proteção social (reforma
análises como a de Neil Fligstein7, que aponta como há mais de um século a maior
parte das trocas mundiais se dá entre países membros da Organização pelo Comércio e
volume de 1913. Ou ainda que 83% da economia mundial não participam das trocas
mundiais; que EUA e Inglaterra foram os países onde mais cresceram as desigualdades
aumento das diferenças salariais dentro de uma mesmo profissão (vedetização) e não à
Pode ser entendido a partir desse quadro o recente surgimento de uma nova
também o caráter prático das manifestações. O que esses movimentos põem em questão
não é a globalização (até porque, no sentido de alcançar além das fronteiras dos países,
grupos sociais. Porque está diretamente implicado e cada vez mais submetido à lógica
comercial, que modifica as relações de força internas ao campo; porque esta lógica pesa
sobre seus profissionais, afetando seu grau de autonomia; porque através da veiculação,
pela primeira vez na impressão, pelo Times de Londres. Na França, embora o primeiro
jornal diário date de 1777 (Le Journal de Paris), foi durante a primeira metade do séc.
surge a máquina que usa papel contínuo; a prensa cilíndrica, que imprime de 12 a 18 mil
exemplares por hora; reduz-se pela metade o preço das assinaturas anuais ( La Presse
cai de 80 para 40 francos); inaugura-se a imprensa popular, com Le Petit Journal que
Poe em seu famoso conto “O homem das multidões”10, aliás, publicado pela primeira
Bourdieu, já nessa época surge uma clivagem entre dois tipos de diários: os
cujo objetivo é atingir o maior número possível de leitores, atraindo, dessa forma, mais
distância, mas também princípios de ordenação como acima, abaixo, entre. Tal espaço
simbólico”. É de acordo com a quantidade de capitais acumulados que detêm (de cada
de seu “capital global”, que os agentes ou grupos sociais se distribuem nele. Dessa
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social é o palco dos afrontamentos entre grupos e/ou pessoas que procuram modificar
relativas.13
mesmo espaço social e, portanto, também se definem uns em relação aos demais. Da
(e privadas). As pressões e sansões internas são aquelas exercidas por outros jornalistas
sujeição às pressões: quanto mais resistir, mais autônomo há de se manter. Essa tensão
intelectual, regido pela lógica profissional15; pólos que se relacionam com dois
grande número de pessoas das mais diversas origens torna-se uma necessidade e passa a
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afetar a escolha do que se vai mostrar: é preciso evitar tudo o que possa causar
desconhecido sempre corre o risco de não ser bem aceito (risco este alto demais para
sabido, já ouvido, ainda que em roupagens que façam crer no seu ineditismo.
são obrigados pela profissão a estar cientes ‘do que acontece no mundo’: por um lado
para buscar furos, por outro, para evitar levá-los. Isso significa que jornalistas assistem-
se, ouvem-se e lêem-se uns aos outros diariamente. E se ninguém pode permitir que o
outro mostre nada sozinho, então todos terminam mostrando a mesma coisa.
entre o que ‘interessa’ e o que ‘não interessa’ obedece a certas categorias perceptivas
que, longe de serem inatas ou evidentes, são construídas pelo próprio campo. O
E não se trata de hipocrisia, salienta o autor. A maior parte dos jornalistas acredita,
de fato, no que faz e se esforça para fazê-lo da melhor forma possível. Acontece que
formadas em grande parte por uma ideologia socialmente aceita. Instalar esse
mecanismo não exige a presença do poderoso dono do capital dentro das redações :
profissionais que ao longo de sua carreira já tenham dado provas suficientes de sua
baseia na acumulação crescente do capital, mas sim sob o aspecto bem mais digestivo
de “sinal dos tempos”, que se poderia traduzir por expressões como “modernidade”,
apenas não se faz a ligação interna das realidades chocantes com a própria ordem do
capitalismo. Ao contrário, tais males são vistos como desvios da organização desejável,
o lugar onde o sistema ainda não alcançou o seu desenvolvimento pleno; não são
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percebidos como sintomas, mas como a doença em si. Ou seja, embora circule um
debate incessante, a análise dos problemas não se estende o suficiente para alcançar os
forças e tensões presentes em cada campo que poderia ser aplicado a manifestações de
espaço social. Podemos, por um instante, buscar pistas neste caminho para tentar
massa em nosso país. As máquinas rotativas que imprimiam 15 mil exemplares por hora
Estados Unidos chegaram ao Brasil no início do século vinte (1902). O diário com
quantia de sessenta e dois mil exemplares. Cerca de 80% da população não era então
uma malha de transportes desenvolvida, que permitisse o escoamento rápido dos jornais
para diversos pontos do país. Por isso, embora aponte uma transição da imprensa
artesanal para a industrial já no início do séc. XX, Nelson Werneck Sodré marca uma
empresas de hoje.
modernidade, que era vivida no Brasil como projeto, uma utopia da modernização — e
isso, segundo Ortiz, pelas mais diversas correntes de pensamento. O autor menciona,
que se pretende construir.”21 Além disso, não havia o desenvolvimento econômico que
tevês foi local, por iniciativa de famílias de industriais, e o alto custo dos aparelhos
limitava o acesso: era um meio “de massa” para um público restrito. Esse contexto
nacional, tanto do ponto de vista político quanto de mercado (graças, não custa lembrar,
surgimento da televisão e expansão do capitalismo em nosso país fez com que o pólo
imprensa não tinha ainda conquistado sua autonomia quando foi deslocada pelo peso
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movida pela disputa pelas verbas da publicidade, a imprensa necessariamente ficou para
Verificador de Circulação (IVC), juntos, tiraram no ano de 2000 (de segunda a sexta
feira), quatro milhões e doze mil exemplares, sendo que o de maior tiragem, A Folha de
S. Paulo, tirou em média 425 mil; enquanto isso, a TV está hoje presente em 40 milhões
e 600 mil lares, ou seja, 98% dos domicílios brasileiros, sendo a que a rede mais
potente, a Globo, chega a 99,86% dos lares -- atingindo 5.444 do total de 5.507
municípios.24 Veremos adiante que ser tragado por esta concorrência não seria (nem é) a
para se compreender melhor a associação cada vez mais estreita entre capital e
um trilhão de dólares em 1995 e a projeção de então para 2001 seria da ordem de dois
trilhões de dólares, nada menos do que 10% de toda a economia mundial.25 Tal volume
de mídia internacionais.26
exemplos desse movimento e podemos citar as duas bilionárias fusões que marcaram o
ter uma idéia do tipo de concentração em jogo, basta saber que esta, a segunda no
ranking mundial, ao longo dos dois últimos anos concluiu acordos com Sony e Yahoo
Estados Unidos, e comprou a USA Networks (tv e cinema) – e esta não é uma lista
exaustiva de operações.27
conteúdos, incluídos aí desde jogos, filmes e notícias até serviços de educação e saúde.
telefone celular...
Que os grandes grupos empresariais busquem o lucro não é surpresa nem novidade
setores de produção cultural. De fato, quando a grande mídia serve aos interesses das
grandes corporações, são seus próprios interesses que está defendendo. Quando difunde
cevar o público para seu próprio mercado. O lucro como objetivo subordina a
Mas não é apenas a grande economia que exerce sua pressão na mídia. O campo
de notícias, até seu monopólio sobre o acesso à tribuna pública dos meios de
comunicação – torna-se também palco (e alvo) de manipulações por parte dos diversos
setores retratados. O fato é que as regras do campo, ou pelo menos as mais básicas
número crescente), tornam-se claras para diversos grupos que são seu objeto contumaz,
de tal forma que tais grupos passam a ajustar o seu comportamento e a elaborar suas
ocasiões procurou expor o assunto, sobretudo diante de casos extremos como a morte de
agosto de 1998 o Jornal do Brasil dedicava ao tema duas páginas de seu Caderno B, sob
o título “Mídia, o coração da ética em jogo.” A abordagem, no entanto, não vai adiante,
como se o simples fato de expor o problema já fosse por si a solução. E depois age o
esquecimento.
Ainda não é tudo. Nem só políticos e pop-stars aprendem a “lidar com a mídia”. O
1994, reúne uma dezena de artigos, na verdade estudos de caso, que destrincham e
de aids desde o seu surgimento e, em especial, a cobertura dada (em fins da déc. 80,
inicio de 90) ao caso da contaminação de hemofílicos pelo vírus HIV através dos
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 36
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
compostos sanguíneos dos quais não poderiam prescindir para viver. Os autores
mídia, num embate de forças, que durou meses, entre um grupo de contaminados, o
Estado, a Justiça, o meio médico e o meio jornalístico, cada qual procurando impor seu
campo jornalístico. No seu caminho, este embate construiu uma opinião pública,
distribuiu culpas e culminou num processo jurídico que condenou três altos funcionários
Menciono esse artigo a título de ilustração, embora outros haja que caberia citar,
desenvolvidas por algumas gangues de Nova York, Boston e Los Angeles para se
junho de 1989.
Encontramo-nos aqui numa tessitura complexa em que já não se pode mais falar
“manipulação da mídia”, em diferentes graus, por aqueles que são notícia ou fontes de
notícia. Como na física atômica, tornou-se impossível sustentar uma separação entre o
tal força – como já nos mostrou a História em mais de uma ocasião. Mas o
aumentar sua velocidade, as lições da história sendo rapidamente tragadas para o buraco
negro da indiferença. É onde nos deparamos, talvez, com o mais profundo e sutil
Por outro lado vimos que, pelo menos em parte, o objeto (os retratados, aqueles
instrumento (a máquina da mídia), o que significa que pode, também, em algum ponto,
poderes estão longe de ser equilibrados, situação que se agrava em nosso país, onde a
1
WHITAKER, 2000.
2
BIONDI, 2000.
3
Podemos mencionar sobre esse tema o trabalho de José Arbex Junior, que em sua tese de doutoramento
pela USP, baseado em sua experiência pessoal como jornalista, investiga a relação entre jornalismo e
história; a experiência direta e a experiência mediatizada; a construção e/ou difusão pela mídia de
metáforas que conformam o mundo; a interferência dos meios de comunicação nos rumos da história.
ARBEX JUNIOR,2001.
4
RAMONET, 1995 “La pensée unique”.
5
“La diffusion de cette nouvelle vulgate planétaire – dont sont remarquablement absents capitalisme,
classe, exploitation, domination, inégalité, autant de vocables péremptoirement révoqués sous prétexte
d’obsolescence ou d’ impertinence présumées – est le produit d’un imperialisme proprement
symbolique.” Bourdieu, P. e Wacquant L. La nouvelle vulgate planétaire, em: Le Monde diplomatique,
maio de 2000.
6
Idem.
7
FLIGSTEIN, 1997.
8
BOURDIEU, 1997.
9
GUILLAUMA, 1990.
10
POE, 1965.
11
BOURDIEU, 1997 (op. cit.)
12
GUILLAUMA, 1990 (op. cit.)
13
BOURDIEU, 1994 (a).
14
BOURDIEU, 1997 (op. cit.)
15
Id.
16
Ibid.
17
RAMONET, 1999 (p.20) e BOURDIEU, 1997 (op. cit. p.30)
18
ACCARDO, 2000
19
SODRÉ, N.W. 1999
20
LATTMAN-WELTMAN, 1996 e ORTIZ, 2001.
21
ORTIZ, 2001 (op. cit pp. 35-36). O autor observa que o ideal de modernização continua ativo em
nosso país, porém, não mais como projeto, uma vez que se realizou ainda que imperfeitamente, mas como
ideologia, no sentido de reforçar a ordem estabelecida.
22
Id.
23
SODRÉ, N.W. 1999 (op. cit. p. X).
24
GRUPO DE MÍDIA, 2001
25
RAMONET, 1999
26
A imbricação entre poderes econômicos e políticos nos meios de comunicação na França foi apontada e
criticada por Serge Halimi em Les nouveaux chiens de garde, Paris: Raisons d’Agir, 1997.
27
MUSSO, 2000; VULSER, 2001; LE MONDE 22 mai 2001, 21 juin 2001 e 13 set. 2001.
28
BOURDIEU, 1994 (b). Traduzido em BOURDIEU, 1997 (op.cit.)
29
Gostaria de salientar que em momento nenhum os autores põem em questão o drama dos hemofílicos,
simplesmente apontam as forças em ação, mostrando inclusive a diferença no desenrolar deste drama em
comparação com outro tão grave quanto, o dos contaminados em transfusões de sangue.
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 39
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
2- A ORDEM É CIRCULAR
Non pas prédire, mais être attentif à l’ inconnu qui frappe à la porte.
O modelo de campo social desenvolvido por Bourdieu opera com uma noção de
outros elementos. É como na lingüística, onde cada termo se define pela proximidade de
outros; Bourdieu inclusive lança mão de uma afirmação de Benveniste para explicar sua
Ou seja, os gostos, os bens, as práticas dos agentes ou grupos, o que Bourdieu chama de
social, são “produzidos por condicionamentos sociais”3 secretados por sua posição no
sistema.
Esse esquema, no entanto, dá impressão de tal equilíbrio que nada foge. Mesmo as
determinado sentido graças a ações e escolhas, pensadas ou não, mas limitadas também
perceptivas? Por que e como são limitadas as escolhas? Ou: como se escapa do “senso
Todas essas indagações ecoam a questão que Foucault põe ao estruturalismo, ou seja,
São encruzilhadas a cada passo que constituem a vida: a qualquer momento pode
incidir uma fagulha de inesperado, há forças que fogem ao controle e mesmo aos
movimentos acontecem precisamente nos lugares esperados, repetindo padrões que lhes
são anteriores, ou seja, quando a reprodução é a constante, não será também esta uma
produção do campo? Quero dizer, não haverá nisso um trabalho efetivo, uma produção
portanto, ser entendida como força inercial, mas como força ativa.)
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 41
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
visões complementares da realidade. Essa noção é utilizada, por exemplo, nos estudos
retilínea, e nessa teoria se baseiam tanto a localização dos corpos pela visão direta e
luz; a partir desse método de observação, no entanto, não se pode atribuir aos quanta de
luz uma trajetória bem definida. “Na verdade, nossa imagem de propagação
fenômenos luminosos.”5
força que o configuram como tal, mas parece não deixar espaço para o inesperado.
reprodução e inauguram novos mundos. Ou, para usar o termo empregado por Guattari,
partículas e as trajetórias). Seria para isso necessário se aventurar num pensamento que
oscilasse entre os dois modos de construção e vivesse na vertigem dessa oscilação entre
precisa mapear tantos quantos puder; mas o próprio pensamento é também trajetória,
dessa forma, além de carregar a poeira de tudo que o produz, está constantemente
afastamento das transformações que nos arrastam, para observar da distância as linhas
que formam o processo, como de um satélite se pode obter um mapa aéreo. A outra
imperativo: entre na circulação geral! Participe! Os grandes riscos são ficar de fora e ser
ultrapassado. Portanto, a circulação deve ser rápida. Cada vez mais rápida. Estudantes
nas universidades querem, no menor tempo possível, ser preparados para o mercado. Os
jovens executivos concluem que não é bom para a carreira ficar mais do que quatro anos
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 43
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
sucesso, cujo modelo se poderia resumir em fama&fortuna. De onde vêm esses saberes
comuns?
Vimos com Accardo, como jornalistas são preparados no campo jornalístico para
da informação. O que explica (ou produz) a voracidade por notícias? Por que preciso
que são precisamente aquelas informações que mais circulam nos jornais, revistas, TV e
XXI. Notas sobre arte, técnica e poderes”7 como um dos mecanismos de alimentação da
ele foi mesmo feito para isso: aplacar de um só golpe a fome ou sede de informação,
emoção, explicação, sensação (e cada vez mais todos esses anseios confundidos). A
saciedade, porém, não dura nem prolifera. Nada se guarda do produto senão a
saciedade.
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 44
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
Dessa forma é o próprio desejo que está acoplado à ordenação circular. Seu lugar
de realização está bem centrado no consumo. Cada nova busca será direcionada a certos
produtos de absorção imediata, que não trazem dificuldade, não oferecem resistência,
não demandam esforço. Mas é preciso que se creia em todo um universo para manter o
imanente”, o motor de uma “máquina desejante” cujo produto é o próprio real. Nesse
sentido, o desejo é uma força vital: livre, sempre encontra brechas, sempre pode
escapar. Por isso, atar o desejo é uma empreitada que exige trabalho constante. “O
problema do socius sempre foi este: codificar os fluxos do desejo, inscrevê-los, registrá-
los, fazer com que nenhum fluxo escorra sem ser tampado, canalizado regulado.”8
(linguagem, escolas, artes, ciência, religião etc.) e também corpos (natureza, arquitetura,
ao nível pessoal, pois inclui instâncias que o ultrapassam, por um lado, na direção dos
grandes sistemas sociais e, por outro lado, na direção de percepções e afetos, sistemas
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 45
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tão heterogêneos. Nos braços dos negócios, ou nas asas dos meios de comunicação (mas
sobretudo na união de ambos), a subjetividade capitalística vai cada vez mais longe,
atravessando países, regiões, cidades, aldeias, e se impõe, por sua redundância, como
sistema capitalista: é preciso liberar para se apropriar e acumular (ainda que hoje a
A grande mídia, que, como vimos no primeiro capítulo, passa por um processo de
com seu objetivo de obter o maior lucro possível, se sobrepõe à lógica profissional, é
circulam ao redor do mundo nos circuitos dominantes da comunicação são como que
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 46
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
filtradas por uma lente, que não distorce propriamente a realidade, mas através de um
jogo de luz e sombras brinca de esconde-esconde com os fatos. Insisto: a mídia não é a
própria lente, à qual poderíamos chamar, como faz Guattari, por seu nome próprio:
amplificação e reprodução desse ponto de vista sobre a vida que se desenvolve num
integrado se tornou tão próxima que Muniz Sodré identificou na aliança entre novas
capitalistas nesse nicho: abre-se espaço para a distribuição dos produtos “duros” da
tecnologia (vivemos atualmente a fase dos equipamentos que reúnem vídeo e áudio,
conteúdos, que podem ser filmes, novelas, notícias, documentários, música, videoclipes,
desenhos animados etc. Estes, por sua vez, são espaços de exibição dos novos
equipamentos, seja diretamente, pela publicidade, seja indiretamente, pelo estilo de vida
crédito).
Sodré aponta, no Brasil, a televisão como o meio de comunicação que faz o nexo
entre a vida cotidiana e a lógica do consumo: o discurso televisivo se cola, por um lado
funcionando como um fio organizador, mas por ser financiado e pontuado pelo fluxo
processo, com ênfase para a televisão, é o tema de “O paraíso via Embratel” de Luiz
década de 1970, essa pesquisa aponta aspectos de interesse para os estudos atuais.
Por exemplo, se a moda dos cabelos curtos para mulheres, trazida pelo cinema na
década de 1920, foi assunto de uma polêmica que durou quatro anos nos jornais locais
da cidade, a moda do rock’n roll (em 1957) produziu uma pequena discussão e
Outro aspecto que importa ao nosso raciocínio reter desse livro refere-se à difusão
viver o lazer e sua relação com o trabalho. As duas esferas eram tradicionalmente
entre o tempo de festejar, caçar, pescar, fazer produtos caseiros e trabalhar a roça. A
(em Ibitinga), introduziram os hábitos da grande cidade e alteraram esse quadro. Não só
lazer e trabalho passaram a formar pólos opostos, como o costume de fazer foi
Diminuiu, quase desapareceu, o hábito de fazer visitas e quando elas ainda ocorriam era
de televisão, não no sentido de se discutir o tipo ou a qualidade das produções, mas sim
horários, o tempo de vigília se alongou noite a dentro, graças à atração pelas novelas
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 49
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transmitidas desde a hora de jantar, o que significa que a conversa familiar ao redor da
desenvolvimento das redes e a febre de interatividade que atingiu toda a mídia desde
novas vias de transmissão de dados. E também é certo que diferentes usos se podem
Trata-se de um texto denso que levanta diversos problemas sobre nosso estado de
convive com o mais completo alheamento; onde a tecnologia mais avançada age sobre
provêm de todos os lados e se cruzam sem nenhuma hierarquia, sem nenhuma ordem
imaginável, ou mesmo iniciar uma nova, que não se tivesse ainda imaginado, sendo que
que leva a uma tendência a delegar esta capacidade a outrem, ou seja, a escolha é tão
farta que se tende a não escolher; o que significa um duplo fortalecimento das “marcas”
mais reconhecidas (na seleção e na autoridade).18 Mais reconhecidas nesse caso, são as
poderes de seleção (do que é ou não importante) e de aval (em que discursos se deve ou
não confiar).
Impossível, a essa altura, não recorrer a Bakhtine: por toda parte ouvimos vozes:
as vozes do tempo, que fazem com que toda enunciação seja, desde o princípio, diálogo,
ainda que interior. Nunca estamos diante da página em branco (já uma voz que retorna:
qual foi mesmo o artista que disse isso?); é ao contrário, um palimpsesto que guarda
ideologia, por definição é o signo: este é o que representa e refrata a realidade, podendo
signos brotam no terreno interindividual, o terreno das relações sociais, sendo portanto
da comunicação social ficam mais claros, por dois motivos: a realidade da palavra é
toda absorvida por seu valor de signo; e a palavra é um elemento comum a domínios
diversos — arte, ciência, religião, estando presente também nas ações ordinárias da
vida cotidiana.
inversão pois exatamente aqui caem as barreiras erguidas por Saussure, em sua
domínios da disciplina.
dizer — a enunciação deixa de ter caráter individual, para se tornar fato social; e todo
enunciado é desde o início réplica. A linguagem não tem origem na concretude das
compreensão.
deslocadas, levadas mais adiante, por Deleuze e Guattari.19 Sim, pensar que nos
movemos de um a outro dizer. Mas escapar da ideologia como forma do contato entre
linguagem e mundo, ou entre enunciados e corpos. A mediação pelo signo nos aprisiona
em relação a um mundo concreto que seria primeiro. Para Deleuze e Guattari, a questão
é toda outra: duas ordens independentes e heterogêneas, a dos signos e a das coisas,
convivem e se articulam de um certo modo, sem que haja de uma a outra subordinação,
Guattari em “Postulados da Lingüística”, está sempre uma ordem, mesmo que não seja
explícita. Não se trata, porém, de uma origem, mas de “uma função co-extensiva da
comandos, a determinação do que deve e do que não deve ser feito e observado. Nesse
transmitir e recompensar as respostas corretas para cada estímulo. Dessa forma, impor
que funcionarão pela vida afora. “A linguagem não é mesmo feita para que se acredite
poesia, a ciência, o pensamento: para que serve? Ordens proliferam e se retorcem como
vermes dentro desse enunciado-sentença. Por “servir” entende-se ter aplicação imediata
por exemplo: de onde brota essa pergunta? Para que, ou a que, serve a própria pergunta?
Está talvez no discurso indireto a resposta. Ou antes, nas palavras de ordem de que
é cevado. É o que apontam Deleuze e Guattari no texto citado acima: que o discurso
informações, mas realizam a ação mesma que pronunciam; frases como: — Eu te batizo
autor verifica que todos os enunciados podem ser encarados como performativos, pois
guardam uma relação intrínseca com ações que se dão na, pela ou com a fala. Da mesma
forma como se faz uma promessa dizendo ‘Eu prometo’, pode-se considerar que uma
afirmação simples — ‘Está um lindo dia’ — oculta o performativo ‘Eu afirmo que (está
um lindo dia)’ que efetua a afirmação. Esta relação interna entre enunciado e uma ação
Eis o que Deleuze e Guattari chamam de palavras de ordem: tal relação interior
que se diz por dentro do que se diz. Quando cada enunciado é ato, não existe pura
transmissão de informação, a língua não tem essa faculdade. O mais importante, porém,
é que por sua ligação com os pressupostos implícitos, os enunciados ficam ancorados
nas circunstâncias de enunciação. “‘Eu juro’ não é o mesmo se for dito em família, na
coisa mas tampouco é o mesmo enunciado.”22 O que permite afirmar que é impossível
existe a Língua como campo separado, isolado; a língua está desde sempre atravessada
A natureza dos atos imanentes à linguagem fica mais clara quando os autores
exemplificam que tipo de ações são efetuadas. O veredicto do juiz não é uma ação que
se exerça diretamente sobre o corpo do acusado, mas uma atribuição que muda
inserido em um outro agenciamento, ficando exposto a novas ações e paixões que (essas
sim) afetarão concretamente o corpo: um novo regime alimentar, uma nova disciplina
o Real. Toda uma situação de corpos, toda uma história de contingências valida o
parágrafo sozinho são apenas possibilidades da língua, mas não formam uma
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Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
isolada; é, ao contrário, um efeito, uma linha que se destaca de toda a trama que forma
corpos). Um e outro não são fechados em si mesmo, não estão apartados, mas se
implicam mutuamente, se ativam, atritam, atiçam. É por isso que Deleuze e Guattari
afirmam que a linguagem de modo algum reflete o real, até porque ela tem sua realidade
corpos é dada pela palavra de ordem — essa variável que determina o pertencimento a
um regime de signos.
De um lado, mistura de corpos, de outro lado, trama de signos: isso parece ainda
bastante estanque. Não há, na verdade, um lado e outro lado, mas multiplicidades que se
sair de seu território; bulir com os limites; esfumaçar o contorno; fazer uma área de
seguida já ocorrerá uma reterritorialização, mas não será no mesmo lugar, a mudança é
irreversível.
plano da expressão e o plano do conteúdo cada qual sua forma e sua substância: uma
propostas por Hjelmslev: se cada plano (expressão/ conteúdo) tem sua formalização
não mais se cola a ele, não mais o representa. Assim, em Deleuze e Guattari, o termo,
Uma historinha ajuda a acompanhar esse movimento. Li-a pela primeira vez no
Grain de Sable no 212, correio de notícias de ATTAC (Ação pela Taxação das
Transações financeiras em ajuda aos cidadãos – falarei sobre essa organização mais
adiante), e pouco tempo depois a reli na coluna de Elio Gaspari (em O Globo de 4 de
mantém em sua página na rede mundial de computadores um setor, “Nike ID”, em que
produzido, desde que devidamente pago, é entregue em três semanas em qualquer ponto
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 57
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
dos Estados Unidos da América do Norte. Essa é a típica operação a que o marketing dá
Um estudante americano, Jonah Peretti, decidiu adquirir um tênis por esse canal.
Definidos modelo, tamanho e cores, conta Peretti que tomou especial cuidado na
“sweatshop”. Pagou US$ 50,00 pela encomenda. Pouco tempo depois recebeu por
correio eletrônico uma carta da Nike dizendo que a personalização pedida não fora
indústria: ser uma marca concorrente; mencionar um atleta ou equipe cujo nome a
empresa não tem autorização para utilizar; conter termos chulos ou gírias inapropriadas;
mencionadas e que de fato desejava ver escrito em seu tênis “sweatshop” como
eletrônicas prosseguiu, Peretti insistindo de um lado, a Nike recusando de outro, até que
signo, pois remete ao enunciado “Just do it” e a toda uma cadeia de enunciações
calçado Nike produz uma interferência no regime de signos do consumo; põe para
variar a palavra de ordem, desfazendo o encanto (não é a toa que foi recusada), e passa a
ligar esse corpo a toda uma trama de expressos em que se podem incluir exploração,
terceiro mundo, desigualdade, trabalho infantil etc. Mas a forma de expressão também
recorta, do lado dos corpos, uma certa organização de conteúdos, pessoas e máquinas, e
uma distribuição destes sobre a Terra. É um movimento que arrasta o conjunto e produz
seus efeitos. Pude verificar que atualmente o sítio da Nike divulga “programas de
trabalho nas fábricas subcontratadas para a produção de seu material. (Não que o
contrário, ele emerge de uma corrente de enunciação que lhe é anterior e que atingiu um
os agenciamentos coletivos de enunciação não são eles mesmos fixos, estão ao contrário
elementos a-significantes — têm uma participação direta nesse processo.26 Mas por que
subjetivação trabalham no nível anterior à separação entre sujeito e objeto. Desse modo,
não se pode separar, por exemplo, o leitor do texto que lê, o observador da imagem que
observa, o ouvinte da música ou história que ouve, pois ambos são arrastados pelo
possíveis. Somente através de uma tomada de poder é que certos territórios existenciais
variações, pois elas são perigosas: interferem na substância das coisas. O agenciamento
central do valor do capital e apresenta como constante esta variável, que atrai sobre si as
sempre o mesmo: ampliar mercado, vender mais, ter mais lucro; é apenas isso; mas isso
capitalística, engrossa com seu coro o agenciamento do capital de tal forma que ele
passa a parecer o único possível. O fundo de consistência sobre o qual se apóia a maior
parte da informação circulante é o das relações capitalísticas. Eis uma das funções que a
narrativa que, embora fragmentária, se amarra cada vez mais fortemente ao nó central,
formando uma rede de malhas finas de onde a fuga é difícil (mas não impossível) e pode
e poético cinema iraniano, isso fica bastante claro. Não é com a mesma disposição que
Da mesma forma, na leitura de poesia, com seu teor de inutilidade, suas áreas de
produzidos na leitura, sempre utilitária, informativa, dos jornais. Sendo que estes estão
cada vez mais dentro do fundo de consistência evocado pela tevê (um dos efeitos da
posição dominante ocupada por esta no campo jornalístico); aliás, toda a indústria da
experiência feita na França com 40 crianças de idade entre quatro e cinco anos. Foi-lhes
apresentado na tevê um comercial contra o fumo, onde a mensagem era bastante óbvia:
um rapaz oferecia a uma moça um cigarro. Ela tomava o cigarro e o esmagava dizendo
crianças responderam que o cigarro era algo bom, portanto deviam fumar. O
produto; o produto é bom para se consumir; portanto devemos fumar. Aqui a questão do
lógica ambiente.
Pensemos nos atuais “reality shows” que fazem a volta ao mundo deixando um rastro de
sucesso de audiência — programas como Big Brother Brasil, Casa dos Artistas, No
Limite e seus equivalentes Loft Story, Les Aventuriers de Koala Lampa, Survivor, Big
Brother etc. São inúmeras as questões levantadas por emissões do gênero (merecem um
de pessoas escolhidas entre milhares de candidatos e que sabem estar sendo filmadas 24
horas por dia; mas vou mencionar apenas a situação: companheiros precisam conviver
Sempre se pode retrucar que é apenas um jogo e esta é a principal armadilha. Pois
são os pressupostos do jogo (ou as palavras de ordem) que ficam intactos: a competição
como modelo de relação com o outro, o dinheiro como valor central, o maior número de
está presente também no próprio comportamento dos jogadores. Embora eles tenham,
eliminação pelos colegas. Dessa forma, fica claro que o apagamento do jogo, e mesmo
Seria possível imaginar outras saídas para o impasse de um participante que não se
coletiva de doá-lo; poder-se-ia também utilizar a exposição pública para outros fins,
está bastante controlada para reduzir tais riscos; no mínimo pela seleção prévia dos
daquele estado, mas o que Deleuze, numa comparação entre TV e cinema, chamou de
função: enquanto a TV estaria colada a uma “função social”, fascinada pela perfeição
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 63
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
elementos em ação, é necessário fazer com que ela funcione (heterogênese). Uma certa
prática é que faz com que os componentes tomem sua própria consistência,
atrito e estranheza, mas não é o que presenciamos com mais freqüência. O efeito de
uma tremenda balbúrdia, congestiona o espaço e tende a sufocar as pequenas vozes que
se poderiam infiltrar nesse ambiente e abrir uma linha de fuga, estabelecer uma ponte
para universos e territórios distantes, inabitados. Seria necessário para isso que se
fazer ouvir.
onipotência — a imprensa é o 4o poder, o que não está na mídia não existe, a imprensa
ergue e destrói mitos —, e a impotência: a imprensa não inventa nada, a mídia apenas
acompanha tendências, a imprensa retrata somente a realidade. Como fugir a esses dois
pólos? Nem uma coisa, nem outra. A imprensa, e os meios de comunicação como um
todo, estão inseridos num agenciamento maior, no qual, entretanto exercem um papel
Já Guattari apontava:
Torna-se necessário, então, entender como se exerce um tal controle, mas também,
Foucault. Formas de poder fazem germinar e florescer formas de saber que lhes servem
de suporte. Mas não se trata de um poder que emane de um foco central. O poder é, em
Foucault, entendido como a correlação entre forças presentes, múltiplas, locais, internas
se ligam por uma linha de força geral que as atravessa, formando uma estratégia ampla e
anônima.
poder. O segredo lhes é mesmo vital e isso explica, segundo Foucault, a preponderância,
interdição-obediência. Pois esta é a forma sob a qual se torna tolerável. Mas o poder,
propõe Foucault, é mais criativo, mais sutil, mais produtivo. A face da justiça seria
apenas a máscara mais aceitável sob a qual se apresentam as relações de poder — que se
faça a justiça. O segredo que não se revela, porém, é que o novo embate de forças se dá
dentro deles).32 O saber, por sua vez, se articula com o poder nos discursos de um modo
como verdadeiros?33
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estratégias de poder diferentes, das quais fazem parte não só o que se diz, segmentos de
discursos, mas também o que se cala, as zonas de silêncio. O problema seria descobrir
“Ce sont des machines à faire voir et à faire parler”, aponta Deleuze em “Qu’est-
ce q’un Dispositif?”36 Máquinas de dar a ver e fazer falar. Trata-se não de uma luz que
produz as próprias figuras, o visível e o invisível, como parte de si. Regime, reger,
exprime transformações incorpóreas que se atribuem aos corpos e que produzirão “um
novo recorte”, voltemos à noção de “globalização”. Notemos que essa simples palavra é
diversos pontos do planeta. A regra é exportar custos, seja pagando mal ao trabalhador
ao capital nos paraísos fiscais, ou as três coisas ao mesmo tempo. Chegamos ao que
circula de fato por toda parte, indiferente a fronteiras e aos corpos: é o capital financeiro
desterritorializar para melhor acumular. É uma circulação restrita aos ricos e à riqueza;
barreiras apenas para o que “não serve” (critério de todo questionável: o fast-food está
por toda parte, desnutre e mata do coração, mas é ascético, não tem impurezas, mata por
poder, para dobrar os que não se submetem, conter os pobres, ou filtrá-los apenas na
impostos aos mercados, tanto no que se refere a ramos de atividades, como à relação
não se detém em seu poder de variar para conservar, que é onde se exerce o controle.
com sua organização gerencial, suas políticas de incentivo, seus bancos de dados. “O
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senhores.”39
distribuição, promoção, publicidade. Mas não são produtos que se vendem no mercado,
nesses dias. São sobretudo “estilos de vida” que se resumem a um único estilo de vida.
Share of mind, diz o jargão. O cliente é visto em seu life time value, que significa: o
quanto ele pode gastar em diversas atividades ao longo da vida (não só no consumo de
bens, mas na educação, saúde, turismo, investimentos, seguros etc.). Não é apenas o
consumo que se produz e reproduz, salientam Hardt e Negri em seu “Império”, mas toda
mundo.40
uma outra justiça, a máquina de guerra surge no agenciamento e age pela estratégia.
torna homogêneo; a máquina de guerra é o que não se reduz, não se anexa, não se
enquadra; uma diferença em si mesmo, ponto de variação que põe em questão os dois
pólos do Estado.
“Será possível que no momento em que já não existe, vencida pelo Estado, a
máquina de guerra testemunhe ao máximo sua irrefutabilidade, enxameie em
máquinas de pensar, de amar, de morrer, de criar, que dispõem de forças vivas ou
revolucionárias, suscetíveis de recolocar em questão o Estado triunfante?”41
poder de sobre-determinação, uma forma que pode ou não ser assumida pelo Estado-
governo propriamente dito e que estaria atualmente, cada vez mais, migrando para as
É certo que, ao propor uma relação de dentro e fora entre Estado e máquina de
guerra (no lugar de com ou contra), Deleuze e Guattari associam as grandes companhias
relação, pois se a forma-Estado se define por sua distância e separação do corpo social,
de concluir que o “mercado” faz hoje esse papel. Os Estados já não são mais os espaços
novas leis, os tratados, os acordos são elaborados por órgãos centralizadores como
Exterior nessa situação é o que não se dobra aos seus imperativos: circulação cada
vez mais veloz e acumulação crescente de lucros. A máquina de guerra será o que
escape e ataque esse enorme espaço estriado. Talvez brote no coletivo, o lugar das
ligações gratuitas e momentâneas, mas como constituí-lo? É onde a função Estado pode
lógica que contabiliza apenas o ganho em dinheiro, e assumindo uma posição ao lado,
mostra como isso de fato ocorreu em Nova York: em determinado momento, no início
abandonavam, por não obter ali o lucro que as move. Ao se colocar ao lado da
discurso indireto é totalmente permeado por palavras de ordem e que estas formam os
regimes de signos presentes a cada momento em uma dada sociedade; além disso,
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e que tanto pode se abrir para a invenção de novas possibilidades de vida, como tomar
Sodré, Milanesi, Cebrian, e Hardt e Negri vimos o peso que a mídia assumiu nesse
processo.
formam uma espessa nuvem de discurso indireto que se difunde de tal forma pela
sociedade que tende a se sobrepor a outras vozes, moldando com sua pregnância o
Nossa pergunta é: como agregar partículas num fluxo que ganhe densidade a ponto
presos nas malhas do tempo: somos filhos da nossa própria época e é difícil
que é mais longo do que nossas vidas; somos nós mesmos produzidos aí dentro; nossas
crenças, nossos pontos de vista, até mesmo naquilo ao que nos opomos. Seria preciso
ativar outros universos incorporais, outros valores referenciais — são estes que dão
escapam ao padrão capitalístico. As linhas de fuga, diz Deleuze, são produzidas dentro
do próprio agenciamento.
O segredo seria fazer variar, variando. Diz-se: “fulano está variando” quando
Mas o que faz a norma senão a redução das variáveis a uma constante? Um padrão é
ninguém. O mundo tem mesmo uma tendência a variar (são multiplicidades por toda
amarrados por palavras de ordem em uma relação constante. Daí dizerem Deleuze e
Guattari que a palavra de ordem carrega uma sentença de morte: decreta-se o fim da
apontar o perigo. A saída para a morte é não aceitar sua determinação, ir mais longe na
tremendas. E qualquer ponto é bom o suficiente para começar a variar, seja no regime
constantes, e é possível até, se isso for longe o bastante, arriscar uma nova relação com
a vida.
inserido no campo jornalístico, sujeito às pressões que delineamos, entrou numa linha
clandestina, subterrânea, ou precária; não: estaria mesmo, de certa forma, mais próximo
da grande imprensa. Um jornal mensal francês, considerado, por alguns, “de elite”: Le
Monde diplomatique. Apesar disso, parece que entrou em variação. Por que caminhos
isso pôde acontecer? Até onde isso funcionou-funciona? Quais conexões se produziram-
produzem?
1
Apud BOURDIEU, 1994 (a)
2
BOURDIEU, 1994 (a)
3
Id.
4
FOUCAULT, 1979
5
BOHR, 1995.
6
ACCARDO, 2000 (op. cit.).
7
CAIAFA, 2000.
8
DELEUZE; GUATTARI, 1976 (p. 50-51)
9
GUATTARI; ROLNIK, 1986
10
Id. p. 27.
11
Ver a esse respeito os trabalhos de CAIAFA, 1991 e 1996
12
SODRÉ, M., 1996
13
Id. p. 156
14
MILANESI, 1978
15
Id. p. 125
16
Ibid.
17
CEBRIAN, 1998
18
Id.
19
DELEUZE; GUATTARI, 1995 vol. 2
20
Id. p. 12
21
AUSTIN, 2000
22
DELEUZE; GUATTARI, 1995, vol.2, p. 21
23
BAKHTINE, 1977, p. 157
24
DELEUZE; GUATTARI, 1995, vol. 1, p.84
25
Apud JÉSOVER, 2001
26
GUATTARI, 1992, p. 14
27
Id. p. 38
28
Ibid. p.39
29
BRUNE, 2000
30
DELEUZE, 1992
31
GUATTARI, 1993, p. 31
32
FOUCAULT, 1988.
33
FOUCAULT, 1979 (op. cit.)
34
FOUCAULT, Michel, 1988 (op. cit.)
35
Idem.
36
DELEUZE, 1989
37
BOURDIEU, 1998 p.44
38
DELEUZE, G, 1992, p. 223
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39
Id.
40
HARDT; NEGRI, A. 2001, p. 50-53 e nota 22 do capítulo “Produção biopolítica”
41
DELEUZE; GUATTARI, 1997
42
CAIAFA, 2001
43
DELEUZE; GUATTARI, 1995, vol. 2
44
BENVENISTE, 1991. De acordo com este lingüista não se pode considerar que as abelhas tenham uma
verdadeira linguagem, pois embora consigam comunicar um fato que presenciaram (a existência de uma
fonte e alimento nas redondezas da colméia), não têm a faculdade de passar a informação adiante após
receber a mensagem. Cada abelha precisa necessariamente ir ao ponto onde está o alimento para depois
voltar à colméia e transmitir a informação.
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Guattari: Caosmose.
Mas mapear a variação não é fácil. Onde começa? Ora, o mapa da variação é um
modelo arborescente, não tem um começo fixo, não se desenvolve num único e certeiro
sentido, não opera por bifurcações e oposições, não se fecha num sistema homogêneo;
ele se espalha para todos os lados, acolhe segmentos heterogêneos, pode desenvolver
linhas rígidas e linhas de fuga. Quando percorrem a obra de Kafka, Deleuze e Guattari
suficiente para se começar um mapa. Porque é um processo que está sendo mapeado e o
3.1.1-Primeiro movimento
nós que amanhecíamos: passava de uma hora da tarde na cidade luz, quando a avião
jornal, mas aquele em cujas páginas surgiu a expressão “pensée unique”, contra a
uniformização da mídia mundial; aquele do qual leitores são proprietários, ao lado dos
aquele que mobilizou através de um editorial, alguns milhares de pessoas para fundar
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novo século começa em Porto Alegre. Todos os que de uma maneira ou de outra
2001, nessa cidade do sul do Brasil, onde acontece o primeiro Fórum Social Mundial.”2
Praga), porém como um passo adiante: uma nova fase de reflexão conjunta e proposição
de caminhos para “um novo tipo de globalização”. Com relação aos poderes
escolha daquela cidade para sediar o encontro, questionada ou ignorada por nossos
jornais, era ao contrário fundamentada por ter Porto Alegre se tornado “uma espécie de
laboratório social que observadores internacionais olham com uma certa fascinação.3”
no entanto, não diziam respeito à atuação do jornal, mas ligavam-se ao seu outro cargo:
pour l’Aide aux Citoyens (ATTAC), cuja proposta era “globalizar a resistência” contra o
políticas públicas em diversos países. Teria sido este o tema de meu trabalho se não
seu papel político na sociedade. Parecia óbvio: a mídia não sendo exterior à sociedade,
nela interferir. E uma de suas interferências mais sutis e profundas, (pensava, a partir
das leituras de Deleuze e Guattari), não seria a influência na forma como as pessoas
(informações de como convém ser e pensar), iluminava aspectos lançados à sombra pela
problemas sociais desse fim de século, começo de outro. Essas foram as considerações
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que me levaram a entrar em contato, via correio eletrônico, com Sr. Cassen, indagando
sobre a possibilidade de me receberem no jornal durante cinco ou seis meses, para que
Uma resposta acolhedora chegava poucos dias depois: “seu tema de tese parece
procurar em janeiro. Talvez nos vejamos em São Paulo, onde irei 2 ou 3 vezes nos
resposta afirmativa foi reiterada. Depois disso, contatar o Prof. Maffesoli que
sur l’Actuel e le Quotidien), obter o financiamento para a viagem e pouco tempo depois
aterrissava em Paris.
O sol era apenas uma trégua. A cidade estava submersa, o rio Sena transbordado
tomara a pista dos carros e o passeio dos pedestres. Os plátanos suportavam a força da
água contra seus troncos; do salgueiro chorão na ponta da Ile de la Cité via-se somente a
uma cidade inteira precisou ser evacuada devido à ascensão diária do nível do rio, que já
seus lares, as lágrimas de senhores diante das câmeras, os feitos heróicos das forças
públicas a salvar os moradores que se viam ilhados, tudo isso me parecia curiosamente
familiar, tantas vezes havia visto, nas telinhas brasileiras, a mesmíssima abordagem de
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outras cheias em outros lugares. O modo TV de encarar a vida como uma sucessão de
França e qualquer cidade no Brasil, desde que submersa; somos todos igualados na
encontrados lá e cá.
públicos funcionavam normalmente, com uma ou outra estação do metrô fechada (como
St. Michel, à beira do rio), e alguma modificação no trajeto dos ônibus. Só os turistas
primavera este ano demorasse tanto a chegar trazendo um pouco mais de sol e calor.
estada, telefonei para Bernard Cassen. Foi uma surpresa e uma decepção ouvir a
secretária me dizendo que ligasse dali a três semanas. Não são nada, diante da vida, três
semanas, mas para quem tem seis meses para dar conta de uma pesquisa, três semanas
soam como a eternidade. Teria talvez viajado? Isso explicaria também a falta de réplica
fim de fevereiro.
abordados no jornal, seja na edição do mês ou anteriores. Em março de 2001, dia 27, às
sete e meia da noite, haveria em Paris uma mesa redonda cujo tema seria “La Culture,
eleitoral (no caso francês, segundo o jornal, pelo presidente Chirac). “Dos bairros em
seus bairros. E “A invasão dos experts da tolerância zero”, de Pierre Rimbert, falava do
surgimento dessa nova figura, o expert em segurança, que, deixando de lado as causas
Plena terça-feira. Fazia noite fechada e a chuva era constante na data marcada para
tornando a sombrinha inútil, era difícil acreditar que haveria quorum. Mas no número
dezessete desta ruazinha estreita, o endereço marcado, havia luz e uma certa
pequena quantidade de livros em formato de bolso, das edições Mille et Une Nuits. O
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francos, um valor bastante acessível, eram “Agir local, penser global. Les citoyens face
lois” e “Avenue du plein emploi”.5 Havia também, mas não como parte da coleção, uma
Porto Alegre (não me lembro de ter ouvido falar deste livro, no Brasil). Na porta de
entrada do salão vê-se a fotocópia de um artigo de jornal em inglês (no alto da página,
vemos apenas um FT. seria talvez o Financial Times? não há referência), onde se fala
do Fórum Social Mundial como uma idéia de Cassen. Nenhuma menção ao grupo de
Quem chegava era recebido à francesa por um senhor nos seus quarenta-e-tantos a
cinqüenta anos. Ou seja, ele estava ali, arrumando os livros, parecendo ocupado, mas se
cumprimentos. Diante de minha dúvida quanto a ser aquela uma reunião de ATTAC ou
de Les Amis, explicou: “On se partage.” Nós nos compartilhamos. “São mais ou menos
quinta, sexta, sétima, décima terceira, décima quarta e décima quinta regiões de Paris
O salão tinha noventa cadeiras. As pessoas iam entrando e notava-se que alguns já
se conheciam, chegavam por vezes aos pares e conversavam entre si. Outros chegavam
calados e sós e assim permaneciam. A atmosfera era descontraída, mas não exatamente
Ahmed Madani
Paris — são áreas pobres, que convivem com problemas como o tráfico de drogas e a
violência, típicos das regiões negligenciadas pelo poder público. Nesses bairros de Paris
mas sua forma financeira, neo-liberal, que caminha no sentido de uma uniformização
Glatin salienta que os Estados Unidos da América do Norte respondem pela 2a maior
dívida externa mundial e apresentam um grande déficit comercial. Dois pontos seriam
copyrights. Por enquanto, diz Le Glatin, a cultura estaria sendo considerada uma
exceção nos entendimentos sobre a liberalização geral dos serviços, mas até quando,
fábrica de produtos culturais com vasta divulgação, inclusive via internet, que, com suas
sedução intensa, especialmente sobre países do terceiro mundo, cuja rotina é muito mais
Le Glatin sugere que um modo de resistir a essa “cultura do instante, sem nenhuma
Ahmed Madani faz o contraponto. “Ce n’est que nous mêmes”. Tudo isso, o
capitalismo, o dinheiro, a banalização somos nós mesmos, está dentro de cada um. O
poder do cinema americano é ser diversão, dar prazer. Ele diz que, como artista, tem a
pretensão de ser Shakespeare, quer fazer vibrarem as almas, e vê essa emoção aflorar
em suas oficinas, nos trabalhos dos jovens da periferia que ao falar de suas próprias
Já passavam das dez da noite quando foi aberto o debate. Havia entre os
participantes gente do meio teatral e cultural, atores, escritores, técnicos, mas também
defendido há dez anos pela França no GATT e na OMC, segundo o qual cada país tem
que oferecia de singular, mas também em seus preconceitos. O dissenso era rico, as
posições tomadas claramente, cada qual defendia seu ponto de vista e o debate se
tornava às vezes bastante acalorado. A meia hora de discussão livre se estendeu e eram
deserta, silenciosa, fria. Mas o metrô funcionava, havia uma estação bem perto e a volta
E pensar que essa gente se reuniu em torno de um jornal. Pensar que saíram
naquela noite para discutir uma questão atual, embora raramente, ou nunca, abordada
pela grande mídia. Pensar que, como esses trinta e poucos, há mais sete ou oito mil
dispostos a contribuir, de uma forma ou de outra, para que não cesse o debate. Para este
pequeno público, nem todo o conforto do sofá e do controle remoto, nem toda a sedução
dos trezentos canais de televisão a cabo, nem a promessa de ver o mundo sem sair da
frente do computador, nem o frio, nem a chuva, nem o dia da semana são mais fortes do
que o desejo de ouvir, refletir, somar idéias sobre a marcha do mundo e, se possível,
com distribuição de senha na entrada, em que leitores e não leitores vão, como ouvintes,
existem em muitos lugares, inclusive no Brasil. Mas havia uma diferença nesse encontro
gratuidade com que as pessoas estavam ali (a conferência não dá certificado ou diploma,
diferença seria o efeito de uma produção menos visível, de um processo mais amplo,
que incluiria todas essas coisas e ainda outras, e se poderia chamar de formação do
coletivo6?
Antes de seguir este fluxo é preciso desacelerar um pouco, tirar o olho do processo
sobre sua própria atuação. Este é mesmo o cerne de seu posicionamento editorial, que se
quer distante tanto dos imperativos do mercado, com a incansável luta pelo público
tal independência é possível, não se trata de uma característica dada a priori, mas um
território forjado palmo a palmo e que se depara com todos os riscos imanentes ao
campo jornalístico.
primeira página do primeiro número: “deve ter caráter internacional, ser rigorosamente
países.” 8
pois, doutor em Direito, fora funcionário da embaixada francesa em Praga entre 1928 e
com este jornal, em 1938, devera-se à sua firme discordância da posição do cotidiano
que não só acreditava que Hitler desejava de fato a paz, como pregava o
oferece uma pista para compreender melhor a proposta de “abster-se de tomar posição”
impressa anos mais tarde no primeiro número da nova publicação mensal. Na década de
1950, com o mundo dividido em dois blocos, o anti-comunismo a pleno vapor, assumir
uma posição neutra era de fato, fortemente político. Outro dado interessante: em 1951,
Monde e fora demitido, mas, por pressão da equipe de jornalistas, voltara, fortalecido, à
ainda que o conjunto da redação do Le Monde adquirisse uma parte de sua propriedade,
A tiragem cresceu dos 5 mil exemplares iniciais, para cinqüenta mil em 1973. Sob a
direção de Claude Julien, o jornal ampliou sua equipe e seu horizonte editorial,
1970 foi difícil para a imprensa francesa. Em 1972, o fechamento de Paris-Jour trouxe
relatórios oficiais, mas não se encontraram soluções. O cotidiano nacional Le Figaro foi
(Dimanche, Madame, TV – este dura pouco, mas volta em 87), e conseguindo dessa
O Le Monde, por sua vez, apesar de também ter lançado, a partir de 1979,
110 milhões de francos e sofria uma distribuição decrescente. Em 1985 André Fontaine
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aumento do preço na bancas (de 4 para 4,5 francos em quatro meses), um acordo com o
investidores).13
É importante contextualizar: nesses vinte anos, do fim dos anos sessenta ao fim
das televisões francesas, com a entrada no campo das forças comerciais. Em 1968, foi
da qualidade dos programas. Três anos depois, o segundo canal de TV passou também a
não se perguntava mais o que o público gostaria de ver na TV, mas se ele tinha ou não
gostado de algo que já vira no ar. Em 1983, a publicidade entrava no terceiro canal
Foi talvez sob o impacto das novas tensões do campo jornalístico que, em 1989,
André Fontaine promoveu ainda uma grande reforma editorial, modificando o formato
autonomia. Ficou estabelecido que a partir de então a única responsável pela linha
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editorial do Monde diplomatique seria sua equipe de redação, que elaboraria também o
diplomatique afirmou cada vez mais a independência de sua linha editorial, colocando-
pensamento dos leitores; enfim, rasgando uma por uma as tábuas de lei do jornalismo de
audiência, inclusive a que dita que um jornal só se torna viável economicamente pela
geral, no início da década de 1990 era preocupante. Televisão, rádio e jornais perdiam
A imprensa sofria de uma queda geral nos números de difusão e via o dinheiro da
publicidade migrar para a TV. Paralelamente, uma alta nos preços de produção e
que contrastavam com a situação ambiente: em seis anos a difusão aumentou 50% (de
cerca de 110 mil em 1989, para mais de 165 mil exemplares em fevereiro de 1996) e o
Em 1994 um homem, octogenário, alemão, judeu não sionista, que vira a fermentação
1936, com 20 dólares no bolso, num navio cargueiro para a Bolívia, sem sequer saber
em que lugar da América do Sul ficava, simplesmente porque aquele era um dos poucos
países no mundo que não fazia restrições na concessão de vistos; esse homem singular,
Gunter Holzmann, escreveu uma carta para o diretor do Monde diplomatique (já, nesta
época, Ignacio Ramonet) pois gostaria de ver uma edição em alemão do jornal e
Em março de 1995, Ignacio Ramonet e Bernard Cassen viajaram para Santa Cruz
para se encontrar com Holzmann, que, aos 82 anos, decidira doar ao Monde
Não seria o suficiente debitar à sorte o acontecimento. Não foi por acaso que
Holzmann resolveu destinar o dinheiro, não a alguma instituição de caridade, não a uma
fundação cultural, mas a esta publicação em particular. De fato, a relação com o Monde
independente, filial do Le Monde S.A., que concordara em vender até 49% das ações da
editorial do jornal. Para começar, seria preciso adquirir ações à empresa matriz até
blocage”, ou seja quem detém tal porcentagem de ações de uma empresa tem o direito
Assim, a equipe do jornal se reuniu numa associação sem fins lucrativos, nomeada
entanto, faltava ainda comprar pouco mais de 21%, para atingir a minorité de blocage,
um volume que equivalia, grosso modo, a dez milhões de francos. A solução encontrada
foi fundar outra associação sem fins lucrativos, reunindo cerca de cinqüenta amigos,
leitores e colaboradores mais próximos e dar início a uma sociedade de leitores, que
Uma proposta rara: cada leitor interessado deveria fazer um aporte mínimo de 600
francos a título de adesão (ou 200 francos para estudantes, convocados do serviço
militar e desempregados) mais 100 francos como anuidade. O texto do apelo deixava
bem claro que, por ser uma associação sem fins lucrativos, Les Amis não distribuiria
dividendos, não daria contrapartida financeira, jurídica ou fiscal alguma, sequer incluía
blocage, foi atingido: Les Amis detinham 20,27% do capital e a Associação Günter
Holzmann, outros 13,13%, somando 33,40%. O segundo objetivo traçado seria alcançar
o máximo de ações colocadas a disposição pela empresa mãe (49%), para facilitar o
acesso a um número maior de leitores, o valor do aporte mínimo de adesão foi baixado
de 600 francos (ou 200 nos casos especiais descritos acima) para 150 francos.23
Mas o que mobilizara tantas pessoas a responder, desde o primeiro apelo? Nada de
no texto do convite.
aos leitores, era: “Médias en Danger.” Ignacio Ramonet alertava para a situação crítica
imprensa”24, solicitando aos seus leitores que se detivessem no apelo lançado no interior
do jornal.
numa filial da editora Le Monde e apresentavam os motivos de tal mudança. Para isso,
e citavam, como exemplo dos interesses econômicos e políticos que se abatiam sobre a
imprensa, o caso recente da cobertura das greves que haviam paralisado o país.
ainda que fatigante possa ser este exercício, para ter meios de refletir sobre a atualidade:
“Quando todas as mídias parecem ser levadas pela velocidade, pela aceleração,
lutas sociais, configurando-se portanto, desde o começo, como uma tomada de posição
política em relação ao que acontecia não só na mídia, mas também nas ruas francesas.
De fato o processo que transformau o Monde diplomatique numa filial, desde o evento
da doação até a criação das duas associações, coincidiu com um momento importante de
Alain Juppé, então primeiro ministro). Em fins de novembro iniciou-se uma greve,
solidariedade, da fraternidade e dos serviços públicos contra o avanço das políticas neo-
liberais em todo o mundo. A maior parte da mídia sustentou, enquanto pode, uma
ao plano.
parte ainda virtual, que no entanto encontrava densidade, visibilidade (deveria dizer
tema básico da edição era apresentado na primeira página: “La grande revolte française
contextualizavam o assunto.
Além disso, em março de 1996, foi publicada uma versão reduzida do apelo aos
leitores de fevereiro. Numa área de texto destacada, onde se fala das respostas recebidas
no curto período e calcula-se quanto falta ainda arrecadar, deparamo-nos com uma
referência clara: “Todos juntos, mostremos que se os cidadãos sabem dizer ‘não’ a
projetos inaceitáveis de sociedade, sabem também dizer ‘sim’ com entusiasmo aos
naturalmente, tem um objetivo. Vemos que o seu desenvolvimento não foi suave, o
aflora de uma situação complexa, com variáveis que vão desde a perseguição nazista
aos judeus, até a realidade política e social na Bolívia. Veremos ao longo deste capítulo
Uma das mais freqüentes críticas formuladas sobre o Monde diplomatique é que
seria um jornalismo “elitista”. Isso porque publica textos mais longos do que o padrão
jornalístico, porque desenvolve raciocínios que tentam abordar cada questão em sua
linguagem que, embora clara, não se cola ao vocabulário utilizado pelas pessoas no seu
dia-a-dia. Seria, então, um jornal “difícil” que só fala com uma minoria privilegiada,
detentora de largo capital cultural. Em outras palavras, essa corrente considera que a
maioria das pessoas não têm capacidade para acompanhar as questões como são
abordadas no jornal.
trabalham por amostragem), que por sua vez servem para definir o valor de venda do
espaço físico do jornal, com o objetivo de comercializá-lo como espaço publicitário. Por
outro lado, existe uma minoria, também numérica, a dos detentores de capital
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sejam criticados por se dirigirem a ela. Vamos adiante com a reflexão, mas guardemos
esse dado curioso: a minoria capaz de ler e pensar é vista com desconfiança; a minoria
Guattari trabalham com o conceito de maioria referencial (ou modelo). Neste caso, a
branco, ocidental se impõe como figura dominante não é porque tenha uma
superioridade numérica, mas porque essas marcas foram extraídas da variação geral e
e maioria não se opõem apenas de uma maneira quantitativa. Maioria implica uma
é avaliada.”28
referencial para todo mundo, não corresponde finalmente a ninguém. Pois a única coisa
constante, como vimos no segundo capítulo, é a variação. O que significa que em algum
ponto, todo mundo tende a variar; ou seja, tende a entrar num “devir-minoritário”.29
jornal não fala com a maioria. Essa é porém uma construção bastante redutora do povo,
povo”, que se soma a uma maioria numérica (a audiência), que passa a constituir a
reflexões, mas a própria tessitura do texto, a maneira como é escrito faz pensar (sem
disso, as imagens, que às vezes são fotos mas em sua maior parte são reproduções de
mas se desenrola ao lado, abrindo espaço para a passagem de ainda outras questões e
reflexões. Um movimento que se faz apesar das pressões atuais em favor da velocidade,
da facilidade e do mercado. Ou melhor, contra elas, pois pôr para pensar com as
fundadora, devemos também questionar a idéia que se propõe de “povo” como um dado
agenciamentos, com os agenciamentos, para o melhor e para o pior. O povo que aparece
como agenciamento (no contato com a câmera, com as luzes, com o palco, com o
apresentador, com a edição, com o tema escolhido, com todos os outros programas que
pequena língua dentro de uma língua maior; é um certo uso que se faz da língua maior e
que a põe inteira em tensão; é um trabalho fértil das pobrezas da língua, uma exploração
dos seus limites. E com essa língua menor, se fala a um povo que não existe, uma gente
futura, que está para ser inventada, e o será, com o texto.31 Não diremos que o Monde
diplomatique faça literatura, mas sim que faz variar o jornalismo, lançando mão de
elementos que lhe são estranhos: é escrito principalmente por colaboradores (ensaístas,
textos longos, densos, que pedem uma lentidão tanto da escrita e quanto da leitura; não
se prende ao presente, imediato, mas avança pelo passado e pelo futuro, sendo, nesse
falaria a um povo potencial, em estado de vir a ser, produzindo-se na conexão com essas
estranhezas.
“Temos muitas pessoas que gostam muito de nós e temos também muitas
pessoas que nos detestam muito, portanto, temos muitas críticas. Grosso modo,
sejamos claros, o Monde diplomatique não é um jornal popular, é verdade, nós
sabemos, fizemos uma pesquisa há dois ou três anos, e sabemos que nossos
leitores são pessoas que têm bac +3, bac +4, bac +5 (baccalauréat mais três, ou
quatro, ou cinco anos de estudos). Mas também é verdade, e isso faz parte da
reflexão que fazemos aqui, em particular, Ignacio Ramonet, é que se informar é
cansativo. E, bem, nossa tese é que é preciso fazer artigos de fundo, que são
talvez de acesso um pouco difícil, mas cabe também ao leitor fazer o esforço para
se informar e não esperar que nós façamos uma pasta onde a informação seria
reduzida ao mínimo. Então, há realmente uma vontade deliberada, não de fazer
complicado, não de fazer chato, mas de fazer verdadeira informação. E a
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entrecruzam, no entanto, o agenciamento aponta ainda para além deles. Sim, porque se
seria interessante investigar o que o põe, por sua vez, a variar. O próprio jornal não é
praticamente o mundo ocidental inteiro está em maior ou menor grau engajado nessa
leis sociais; se os movimentos de resistência também surgem por toda parte; que outros
Bibliotèque National de France (BNF), em sua unidade mais moderna, o site François
taxa anual (ou diária). De acordo com a categoria tem-se acesso a parte da coleção
mas quem chega às dez já encontra fila na porta. Uma fila alegre, multilíngüe e
multicolor, onde se aglomeram pessoas de todas as idades, dos mais variados estilos.
e mesmo referir para outras bibliotecas. Às duas da tarde, lá fora, a fila é de espera de
que vaguem lugares, — muito embora o espaço tenha sido previsto para centenas de
pessoas. Também a BNF é muito procurada, mas oferece aos pesquisadores alguns
confortos extras, como o acesso exclusivo ao Rez de Jardin, com o seu pé-direito
microcomputadores; pensando bem, é a biblioteca dos sonhos, faço dessa meu território.
relatórios sobre a imprensa francesa não deixa dúvidas: este é um tema muito
de estudos que suscita: os anos da ocupação nazista até pouco depois da libertação de
Paris. Foi uma época de graves acontecimentos, com os invasores exercendo um rígido
detenção dos insumos e meios de produção. Mas foi também um tempo de bravura, em
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organização da resistência. A tal ponto crítica foi a experiência que considera-se 1944-
45 como uma espécie de marco zero da imprensa francesa: o desejo era de realmente
Norte da França havia sido tomado por tropas nazistas em quatro semanas, sem que o
exército francês conseguisse detê-los; o governo francês refugiou-se em Tours; Paris foi
parasse a resistência. Uma das primeiras medidas das autoridades alemãs após entrar na
cidade foi regularizar a circulação de jornais e revistas tais quais existiam antes da
posições que existia antes da ocupação. Utilizando-se dos formatos habituais, seria mais
Na zona Norte, ocupada, entre 1940 e 1943 a ação da censura era direta: havia
temas e títulos obrigatórios impostos diariamente; todos os textos, sem exceção, das
críticas teatrais aos folhetins, deviam ser submetidos aos censores alemães, que corriam
por sua vez o risco de ser enviados para o front, caso deixassem passar alguma
responsabilidade era transferida aos chefes de redação, que deviam responder pelas suas
como comerciantes de meias. Mas seu ardor e seu zelo hitleriano surpreendem até
Mas a zona dita livre, sob o governo de Pétain, também devia obediência aos
ditames dos invasores — uma interferência mais discreta até 1942 e, depois disso,
Era também arma poderosa nessa guerra de informação a pressão econômica, realizada
tanto através da detenção dos suprimentos (racionamento de tinta e papel), quanto pela
distribuição de auxílios financeiros aos jornais e agências de notícias mais dóceis (300
milhões de francos até 1943). Na zona ocupada, empregava-se ainda uma espécie de
propaganda) e aplicada pela embaixada alemã em Paris, cujo responsável era Otto
Abetz. Este, admirador da cultura francesa, desde 1930 já realizava encontros e debates,
tendo ampla circulação nos meios formadores de opinião. Sua missão era influenciá-los
em favor da Alemanha. No fim de 1940, com esse objetivo, iniciou uma série de
lhes a maioria das ações. Ao fim da ocupação, seu trust agrupava 22 empresas, três
que representavam por sua tiragem e penetração, cerca de 50% da imprensa parisiense.38
vozes começaram a se fazer ouvir. Primeiro eram solos, como o de Edmond Michelet,
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que escrevia, três dias depois da tomada de Paris “Aquele que não se rende tem razão
sobre aquele que se rende.”39 Aos poucos foram-se agrupando: três ou quatro pessoas
em porta. Logo formou-se uma rede: quem recebia os escritos tratava de copiá-los como
setembro de 1940, assinava de seu próprio nome os apelos à resistência que difundia.40
dominação, diante da morte, reforça o apelo do texto: o nome aqui não é título de
autoria, não encerra uma autoridade, mas é uma singularidade, um ponto de conexão
divulgava notícias das rádios inglesas, seu fundador, Raymond Deiss, um editor de
música, foi preso em 1941 e executado dois anos depois. Em diversas cidades os grupos
iam-se formando: surgiram “L’Homme libre”, em Lille, fundado por dois ex-ministros;
sindicalistas (este durou de julho de 1941 a janeiro de 1944 e chegou a tirar 50 mil
exemplares); e outros como “Résistence”, “La France continue”, “Les Petites Ailes du
diversas profissões, iam aos poucos organizando uma verdadeira malha de informação-
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davam crias ou se agrupavam para aumentar a difusão e ter mais chances romper o
muitas vezes trabalhavam durante o dia num jornal oficial (autorizado pelos invasores) e
clandestinos. O material, escasso e fortemente controlado, era obtido por roubo dos
jornais oficiais, desvio de cargas, fraude de documentos ou, às vezes, atirado de pára-
quedas por aviões vindos de Londres.42 A distribuição, à vezes, contava com o acaso:
o caso do editor Marcel Combe, que imprimia folhetos em alemão para os soldados do
campo de Perjaut e, na distribuição, contava com a ajuda de soldados alemães que eram
mortas, mas o processo continuava. A tal ponto que antes do fim da guerra, os jornais se
Clandestine) e juntos redigiram o esboço das leis que regeriam a imprensa francesa após
a libertação.
domínio estratégico da vida social da corrupção por poderes, não só estatais, mas
deputado Réné Coty, em 1932, que pretendia impedir a tomada de diversos jornais por
dos acionistas com mais de 1/10 das ações, publicação do balanço, controle público das
era o principal objetivo das disposições do Cahier Bleu, que reunia as diretivas
armistício na Zona Norte ou 15 dias após 11 de novembro de 1942, na Zona Sul. Seriam
interditados de participar de qualquer outra publicação. Por outro lado, aos jornais que
houvessem voluntariamente parado de imprimir antes das datas previstas, bem como aos
equipamentos dos jornais fechados seriam postos à disposição desses novos jornais.45
O Cahier bleu discorria também sobre futuro do rádio e do cinema, além de propor
tempo entre a suspensão dos órgãos de imprensa antigos e a organização dos novos.
essencial do Cahier Bleu. Desejava-se, com essas medidas, promover uma espécie de
exigências que visavam garantir a transparência das empresas diante do público: forma
nominativa das ações, cuja transferência só poderia ser feita com a concordância do
legal); proibição de que uma pessoa fosse diretor de mais de uma publicação, entre
outras.47 Por outro lado, foram implantadas, nos anos que se seguiram ao decreto,
O impacto, num primeiro momento, foi evidente. Dos 206 jornais diários
comunicação.
dobrar aos mandos e desmandos fossem do capital, fossem dos governos. Acreditava-se
que uma imprensa economicamente saudável teria mais forças para resistir às pressões.
Méry49 relançava num artigo na revista Esprit, a questão de como manter a longo prazo
sustentar por muito tempo. Segundo o jornalista, expulso o inimigo, reapareciam antigas
não se mostrava tão interessado pela informação política. O fato é que em janeiro de 47
fora revogada a exigência de autorização prévia para publicação, além disso, na época
manutenção dos jornais, o aumento dos custos e a inflação faziam com que alguns
investir na imprensa. O rádio e a tevê também ganhavam força e, embora tenham, por
algum tempo, permanecido como monopólio de Estado, como vimos acima, não
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sucessivas. Bem mais tarde, na década de 1980, com a chegada do partido socialista ao
poder, fez-se uma tentativa de retomar aquelas disposições da Resistência. Em 1984, foi
aprovada uma lei que voltava a incidir sobre o movimento de concentração (uma mesma
empresa não poderia deter mais de 15% da tiragem de cotidianos nacionais, ou 15% dos
das empresas. Em 1986, porém, a maioria no legislativo mudava de mãos, outra lei era
por satélite).
auxílios estatais à imprensa, que incluem incentivos fiscais, tais como a redução da taxa
de postagem e transporte por trem, ou subsídios de até 50% para tarifas telefônicas e
transmissões de fax.
Revue des sciences morales et politiques que se dedicava à discussão sobre papel do
Estado no início do Século XXI, o volume total de ajudas estatais à imprensa escrita
negócios do setor.50 Estudioso da mídia, diretor da agência France Press durante dez
alguns aspectos da presença no Estado francês na garantia de uma imprensa plural, não
imprensa plural e Estado como dois pilares da democracia, e onde esta ligação é vista
França entra em choque com a tradição anglo-saxã do jornalismo, que vê como função
outros países da Europa, como Portugal, Itália, Bélgica, Inglaterra, Dinamarca ofereçam
benefícios sejam concedidos a grupos europeus que passam a atuar no país (condição
imprensa se baseia no fato de não estarem cumprindo suficientemente seu papel: não
consciência de sua importância e é para evitar que sejam extintas que se propõem o
estudo aprofundado dos critérios segundo os quais são distribuídos e o controle dos seus
resultados.51
Voltemos pois à indagação que deu origem a esse passeio através do tempo: o que
permite que surja, na França, uma variação do jornalismo? Vemos que o desenrolar da
história desse país levou, num momento crítico, o Estado francês a se posicionar ao lado
rede com a população, no sentido que vem adensar um agenciamento que se baseia na
debate, onde deixar fluir a expressão de idéias o mais livremente possível torna-se vital.
Nesse caso, a liberdade de imprensa tem um duplo aspecto: por um lado o direito
fontes confiáveis e múltiplas de informação, para que cada um possa elaborar o seu
juízo sobre questões que lhe dizem respeito diretamente. É assim que os auxílios
dedicados à imprensa são na realidade vistos como auxílios aos leitores e passam a ser
questionados quando deixam de se agenciar com estes, tendendo a ser cooptados pelas
forças do capital.
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sensações.53 Uma vez que um elemento ganhe consistência ele renovará toda a
configuração do mapa até então existente e, mesmo que volte a submergir (perca
a qualquer instante. Seguindo esse raciocínio, podemos pensar que, embora tenham sido
menos um grupo de pessoas, que por sua vez se reúnem na forma de um jornal. Mas, já
3.4- Um deslocamento
assinado por Ignacio Ramonet, diretor do jornal. Desde o título “Désarmer les marchés”
ficava claro o assunto de que se tratava e qual ponto de vista se defendia. Os mercados
estariam armados e seriam uma ameaça os povos. Seria preciso, portanto, desarmá-los.
reveladora: ATTAC (Action pour une Tax Tobin d’Aide aux Citoyens, ou, em
susto provocado pela instabilidade das bolsas na Ásia, que por sua vez, fora causada
domina a mídia internacional e cujo poder submete governos aos seus ditames, ameaça
democracias, condena povos inteiros à pobreza extrema, tudo em nome das “virtudes do
Canadá.54
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se queremos evitar que o mundo do próximo século se transforme numa selva onde os
diariamente pelo mundo, em busca de lucro com as diferenças de valores das moedas,
chegava então a US$1,5 trilhão e o autor apontava os efeitos dessa ciranda vertiginosa:
“As sociedades podem tolerar por muito tempo o intolerável? É urgente atirar
supressão dos ‘paraísos fiscais’, aumento da taxação dos ganhos de capital; e taxação
das transações financeiras.”56 O artigo explicava a importância da ação sobre esses três
Tobin arrecadaria, a cada ano, cerca de 166 bilhões de dólares, duas vezes mais do que a
soma anual necessária para erradicar a pobreza extrema até o início do próximo
século.”57
às centenas, a este novo apelo da redação. Em sua edição de janeiro de 1998, o jornal
publicava uma nota sobre o volume de respostas recebidas e pedia às pessoas que
associação. Em 3 de junho do mesmo ano foi fundado ATTAC – Action pour une
Taxation des Transactions Financières pour L’Aide aux Citoyens. Dele faziam parte
órgãos de imprensa.
Nos primeiros seis meses, o número de associados diretos chegava a seis mil
problemas da atualidade e planejar ações de “tomada das ruas”. Além disso criou-se um
Conselho Científico, formado por grupos de pesquisa que se debruçam sobre temas
versões em várias línguas) e abertas listas de discussões. Porém mais do que uma rede
de computadores, tratava-se de formar uma rede humana, onde os que tinham acesso
aos equipamentos fizessem a ponte com os que não o tinham, difundindo assim as
para crescer até o limite máximo acordado de 49%. Como vimos acima, em pouco
menos de dois anos (de fevereiro de 1996 a dezembro de 1997) o primeiro objetivo da
associação de leitores fora atingido, restava pois alcançar o segundo objetivo, o que
deveria ser feito até dezembro de 1999. Um ano antes dessa data, em dezembro de 1998,
Monde diplomatique um artigo propondo aos membros da associação “se engajar mais
relação aos objetivos iniciais da Associação. Se, quando foi lançada em fevereiro de
1996, a sua principal finalidade, definida no estatuto, era “contribuir, por todos os meios
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fato, ao longo dos anos de 1999 e 2000, esse novo caminho seria privilegiado, embora
Associação Les Amis, com membros do seu Conselho Administrativo, com associados e
relação entre as duas associações nascidas nas páginas do Monde diplomatique: alguns
falavam em crise de identidade de Les Amis, outros afirmavam que esta concorria com
Voltarei à questão adiante, mas de toda forma ficou claro que o surgimento de ATTAC,
seu rápido crescimento dentro e fora da França e suas ações incisivas (que passaram a
ser foco da mídia) não foram sem efeitos sobre a associação de leitores Les Amis du
Monde diplomatique.
definira que no ano seguinte realizar-se-ia uma assembléia geral na qual novos membros
para o conselho seriam eleitos, além de se decidirem, pelo voto, as atividades do grupo.
detinham já 45% das ações. A porcentagem máxima seria atingida ao longo do ano
seguinte de forma que, em 2001, a taxa de adesão dos novos membros deixaria de ser
cobrada.
entrevista com Cassen. Não me animava muito pois o telefone parecia ampliar cada vez
involuntária) chega primeiro e com toda força. Na última tentativa, passadas as três
semanas de intervalo que me haviam sido inicialmente solicitadas, não conseguira mais
do que um novo adiamento: que ligasse em duas semanas, dizia a voz do outro lado.
Agora, como das outras vezes, atendia-me a secretária, atenciosa e formal. Percebi,
no entanto, que ela também começava a se perturbar com a situação; prometeu que faria
preferência por algum dia, respondi que não, estaria disponível qualquer dia exceto na
segunda-feira quando teria uma aula às seis da tarde. Retrucou que marcaria o encontro
para um dia qualquer da semana seguinte, às duas ou três da tarde. Perfeito, agradeci.
No dia seguinte recebia uma confirmação: a entrevista fora marcada, estava tudo certo,
arrondissement. Fica perto da Biblioteca Nacional, num bairro que vem sendo
condenados à demolição por toda parte. Faltavam alguns minutos para as seis, quando
andar, a sede do Monde diplomatique. Um escritório moderno; seriam umas seis ou sete
salas, onde não se via nenhum movimento que lembrasse sequer uma redação de jornal.
Quando Cassen apareceu, fazia algum tempo que aguardava na recepção. Veio
pudesse levantar-me recolhendo bolsa, papéis e casaco, desaparecera em uma das salas.
A secretária indicou o caminho. Cassen falava ao telefone celular, atrás de uma grande
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mesa, coberta de papéis, livros e revistas; indicou-me a cadeira em frente; antes que
anterior e atendeu a nova. Era uma entrevista sobre ATTAC, do qual Cassen é
distante “Je vous écoute.” Compreendi que ele não sabia quem eu era e nem o que fazia
CAPES... Resposta surpreendente: não, não há nada que se ver aqui, são pessoas ao
possível, veremos. — E gravar uma entrevista? Não de modo algum, não tenho tempo,
falarei com a equipe, marcarei entrevistas. — Quando devo telefonar? Não telefone, não
Cassen (de fato não houve telefonema algum posterior ao encontro), a pesquisa
pelos quatro grupos de trabalho referentes aos canteiros da cidadania em Paris. Além de
Grenelle, que ora eram organizadas por ATTAC, ora por Les Amis, tendo conhecido,
alto funcionário da securité sociale (que, por isso mesmo, pediu-me depois, em
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entrevista, que não mencionasse seu nome, chamemo-lo M.X), com quem obtive o
uma agenda de entrevistas, o que me animou a usar a mesma via (internet) para entrar
em contato com a equipe de redatores do jornal. Foi curioso observar como todos,
exceto Philippe Rivière, o mais jovem, que tem um interesse particular na informática,
o encontro.
3.5 – Multiplicidades
Segundo o relatório da Assembléia Geral de 2001 de Les Amis du Monde
duas reuniões por mês (sem contar as dos Canteiros da Cidadania). Mas basta conferir
a agenda das edições do ano do jornal para verificar que em diversas cidades ao redor da
França se fizeram, ao todo, entre 35 e 40 reuniões por mês, além de duas a quatro
diplomatique de Paris, seria “Amanhã: quais editores para quais livros” e o local do
jornal não ficava tão clara; talvez uma ligação lateral com as matérias sobre a lógica da
vampirisada pelos mercados”) e francesa (“Na França, a doce traição dos letrados”), na
edição de março.
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seja do grupo de ATTAC da 15o região de Paris. Mais uma vez procurei saber se, afinal,
aquela era uma reunião de ATTAC ou de Les amis. Veio a resposta já conhecida: “On
face externa de tudo isso. (No entanto, uma semana depois, eu ouviria Bernard Cassen
de ATTAC com o Diplomatique, frisando ser coincidência o fato de ele próprio estar
livros e editores não eram as mesmas que estavam no anterior. Havia cerca de 35
participantes, dentre eles, pelo menos duas proprietárias de livrarias de bairro (pequenas
livrarias locais, onde o dono está habitualmente presente e tem uma relação próxima
com os livros que oferece e com seus compradores; muitas vezes são sebos). Os
ele, correm todos os riscos, garimpando talentos, dando oportunidades para escritores
econômicos aos quais os pequenos não podem fazer face. O livreiro via-se numa
situação delicada, pois vendia livros dos dois editores, mas acrescentou ao debate,
reedições etc. E eram discutidos não como problemas distantes e abstratos, mas como
questões práticas, com as quais cada um se deparava no seu cotidiano. Falavam de suas
feroz. A dona de uma das livrarias do bairro fez de sua loja um lugar de encontro para a
oficinas de leitura para crianças e jovens. E com sua pequena e silenciosa atuação
dos meios de comunicação. Não só é diferente o contorno dos problemas, mas também
o âmbito no qual se inscrevem. Por exemplo, nessa discussão sobre livros, livrarias e
sua realização local, a maneira como interferem diretamente na vida cotidiana das
pessoas ali reunidas, como deformam a face dos bairros e da cidade; e contorno do
problema não é feito de indagações sobre como crescer, como lucrar mais, como se
adequar à nova realidade (o que se leria em qualquer revista de business), mas: como
existir de outra forma, como somar forças e opor resistências a esse contexto.
Mas essa não é uma regra, os encontros de Les Amis não são todos iguais. Também
em maio de 2001, dia 28, a palestra de Immanuel Wallerstein, num dos anfiteatros do
discussão era: “Após o liberalismo, quais perspectivas políticas para o séc. 21?”.
esquerda deveria adotar para o futuro. O debate que se produziu, de atualidade candente,
cotidianas.
setor 5 (reunindo 11a,12a e 20a regiões de Paris), uma das reuniões do mês de maio
tratava das “epidemias animais e suas conseqüências.” O ponto de partida era a ESB
Éramos não mais do que dez participantes reunidos numa pequena sala do que
convidados a falar eram dois cientistas e um pecuarista leiteiro (este, François Dufour,
ansiedade).
sobretudo, o que se ignorava) a respeito da ESB, sua causa, sua transmissão e sua
sua alta competitividade e exigências da maior produtividade pelo mais baixo custo. O
Inglaterra nos últimos 20 anos e numa matéria sobre o modelo de agricultura a se adotar
na Europa.
informação confiável sobre um assunto específico que os assustava e, por outro lado,
pedir uma resposta às suas inquietudes. Houve, nesse dia, mais escuta do que debate;
enunciações que emergem em cada situação de encontro não são as mesmas, embora
tevê; também os contextos mundiais a que se referem etc. Como são diversas, as
Amis, que são organizadas no Foyer de Grenelle em conjunto com um dos grupos de
ATTAC, assumem algo do caráter mais ativo deste. Assim, os agenciamentos podem
partida a novas associações, que por sua vez poderão se abrir para novos universos de
secretário geral da associação, Gilbert Haffner, e com uma das pessoas do conselho
“Nós nos vimos com muitos associados, ano passado, tínhamos 8 mil associados
na França, mas também um pouco em outros países — temos grupos na Bélgica,
na Itália, na Inglaterra, em Istambul, na Suíça, no Canadá também —; então,
naquele momento, nos perguntávamos como poderíamos ainda ajudar, não mais
financeiramente, dessa vez, mas de maneira mais ativa, o que faz o Monde
diplomatique, todas essas idéias que são produzidas no Monde diplomatique.
Como poderíamos nos inscrever aí, defender o jornal, defender a imprensa de
opinião livre e, além disso, participar do movimento mundial de contestação da
sociedade liberal e, mais ainda, chegar a participar da elaboração de propostas
alternativas.”
Quando lhe perguntei sobre a relação entre a associação Les Amis e ATTAC,
afirmou que as duas associações são muito próximas, embora ATTAC seja mais
independente do jornal.
“Eles, ATTAC, trabalham mais no plano da ação. Nós somos muito ligados ao
Monde diplomatique. E o Monde diplomatique é um jornal, tem uma linha
editorial, tem uma deontologia, que o impedem, por exemplo, de manifestar nas
ruas, dizer suas opiniões precisas... Não é um partido político, é um jornal. E nós,
nós temos o nome Monde diplomatique em nossa associação, daí que não
podemos ser muito ativos sobre o campo; mas podemos ser estimuladores de
idéias e, mesmo, de ação.”
também presidente de uma das seções de ATTAC em Paris. Na verdade, ele ingressou
complementares.
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novidade na imprensa Francesa, são mesmo, nas palavras de Haffner, “uma fórmula
cotidiano Le Monde têm suas associações de leitores, e algumas rádios também fazem
partir dos temas levantados no jornal é uma característica específica da associação Les
sobre que novos caminhos deveria seguir Les Amis com o despontar no horizonte da
dessas, no entanto, que se baseiam na divulgação das idéias expostas nos artigos
reflexão e produção de idéias, reunindo, para isso, pessoas das mais diversas áreas de
grupos, ficou claro que os Canteiros da cidadania haviam, no entanto, voltado a sua
Sua surpresa quando me apresentei como estudante fazendo uma tese em torno do
Monde diplomatique foi enorme: ela mesma planejava desenvolver esse tema quando
fizesse seu doutorado. Inflamava-se ao falar sobre o jornal: “Quando você falar com os
Revolução Espanhola, a solução tem de ser mais radical... O Monde diplomatique não
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é um jornal revolucionário. Onde é que está escrito isso? Onde? Quem escreveu essa
Economia”, mas o trabalho não fora adiante. Deixara, havia um ano, a associação de
leitores do Monde diplomatique por não concordar com a publicidade que vinha
até aqui na extrema esquerda. Perguntei: podemos nos encontrar? Ela: “claro, daqui a
duas semanas, venha à minha casa.” Poucos dias depois telefonava-me para antecipar a
data. Mas ligava-me em seguida, novamente para desmarcar. “Agora está impossível,
minha mãe doente. Procure-me daqui a dois meses.” Infelizmente voltei ao Brasil sem
que nosso encontro se concretizasse, mas a longa conversa ao telefone já me dera boas
pistas. Sobretudo quanto ao espírito crítico de pelo menos alguns leitores em relação ao
jornal e à associação Les amis. Desconfiava ter encontrado mais uma linha de variação.
formas de luta”. Emmanuel era bombeiro (sapeur-pompier) e seu grupo reunia cerca de
15 pessoas. Em 2000, haviam traçado o plano de levar as discussões para escolas, para
fomentar o debate entre jovens de 16-18 anos, pois ali o acesso a palestras e
conferências era bem mais restrito do que nas universidades. Verificaram que o nome
falassem sobre a tomada de consciência, a nova militância que surge no mundo, a sua
temas, preparar estudos, para em seguida partir para a exposição nas escolas. Assim,
diverso meu encontro com cada um. Ambos haviam desenvolvido uma postura
habitual por correio eletrônico, numa tarde de pequeno sol, numa sexta-feira de maio,
num café da movimentada Place 18 Juin, em Montparnasse, numa situação que não
poderia ser mais parisiense: estudantes de veterinária que haviam tomado a rua em
passeata protestavam, naquela mesma hora, bem em frente ao café, contra a situação de
sua universidade.
texto que o fez se deslocar para Lille a fim de participar da reunião anual de Les Amis
du Monde diplomatique.
“Fiquei surpreso, pensei, aí está, é formidável, estou com sorte... Não sei muito o
que você já sabe, mas vou talvez resumir um pouco: descobri então que essa
Associação estava em busca de qualquer coisa. Que, por um lado, ela existia há
mais ou menos cinco anos, que tinha sido concebida como uma associação de
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que nem tudo é suave no processo. Basicamente, sua proposta inicial, repensar de modo
radical a associação, não encontrou terreno para vingar, nem entre a maioria dos
associados nem entre os líderes (“fiz uma proposta muito aberta; aberta demais, ficou
claro, e nesse sentido a direção do Diplo e dos Amigos teve razão de me dizer, através
Mas, além disso, ele próprio não concordava com a principal atividade
desenvolvida até então por Les Amis, ou seja, a difusão de idéias do jornal em palestras
e debates, e que respondia largamente às aspirações de boa parte dos associados (“uma
boa parte da associação que encontrou nessa forma de atividade algo que a satisfaz, que
consiste em adorar o Sr. Ramonet, ah, o que ele disse, o que ele acaba de falar,
isso não me interessa.”
Dessa forma, tendo encontrado obstáculos que freavam suas iniciativas num
grupo de reflexão dentro do contexto dos Canteiros da cidadania, Francis achou que
essa poderia ser uma estratégia, começar de baixo “para sair um grupo, sobretudo que
não fosse absorvido por Les Amis e que pudéssemos discutir calmamente sem ser
grupo, não para substituir as reuniões mensais pelo encontro virtual, mas para ampliar o
todo o país e de fora dele — o que funcionaria também como uma espécie de
laboratório de pesquisa. (De resto, esse uso da internet como suporte para as discussões
da Associação fora uma das propostas apresentadas por Francis à direção em 1999, sem
O fato é que finalmente a idéia fora aceita e abriu-se um espaço no site de Les
carta a cada responsável dos grupos locais falando sobre a novidade e convidando à
participação. Mas eis que o espaço de debate virtual completava um mês no ar e apenas
uma pessoa — exterior à associação — enviara um artigo sobre o tema. O grupo estava
Seria o perfil dos associados, não se interessam por internet, só querem ouvir os
especialistas, ir a conferências? Seria uma questão cultural, os franceses não têm tempo,
A reunião de junho foi semelhante à de maio: tinham enviado aos diversos grupos
locais mais um convite à participação, dessa vez por correio eletrônico, e dois
representantes haviam respondido: um para dizer que deixara de sê-lo; outro para dizer
despontar então eram: o que fazer? Desistir da internet? Propor outro projeto? Outra
Haveria, em junho, uma reunião do grupo para a qual fora convidada Anne-Cecile
57) da revista bimensal, publicada pelo jornal, Manière de Voir, cujo tema era La
participasse, mas preferia não me apresentar como pesquisadora a não ser no fim do
encontro.
Éramos cinco pessoas diante dos portões fechados do Espace Marx, onde
uma artista plástica), pois o espaço fora reservado com antecedência e deveria estar
disponível. (A Associação Les Amis du Monde diplomatique paga o aluguel dos locais
que os Canteiros da cidadania usam para seus encontros). Com a chegada de Anne-
Cécile Robert, decidimos nos transferir para um café próximo, onde formamos uma
grupo:
“Um certo número dentre nós vinha colocando a questão da fraqueza do Diplo no
que se refere à cultura e agora saiu esta revista, uma revista que completa o Diplo,
mas não tem a mesma constância. Fizemos um levantamento de todos os artigos
do jornal desde junho do ano passado e verificamos que se publicaram apenas
duas matérias sobre teatro, duas sobre música, nenhuma sobre pintura, desenho,
gravura, nenhuma sobre arquitetura... Notamos um desequilíbrio, embora esse
número de Manière de Voir preencha um pouco o problema. Alguns artigos
consideramos pertinentes, outros, como o de Ramonet, na página 6, parecem
esquecer dos artistas que existem e se dedicam à criação e à cultura fora do
sistema do mercado e o grupo se ressente dessa cegueira do jornal.”
feito por uma pequena equipe, “são apenas oito jornalistas e há muito trabalho”. De
fato, diz ela, há uma divisão por centros de interesse, que segue mais ou menos uma
cultural. Ela fala do grande volume de artigos que se acumulam a espera de ser
publicados, e que o espaço do jornal é restrito, que há pressões para escolher o que
entra, questões da atualidade... mas isso não significa que não haja uma preocupação
com a cultura, está presente nas ilustrações, pelas relações com o teatro. Além disso
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 137
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
afirma, uma vez por ano a equipe faz um seminário de balanço do jornal, no último
seminário a lacuna da cultura foi levantada, sendo essa edição de Manière de voir uma
presentes e as lacunas. Se falta espaço no jornal, diz um, por que se dedicaram, em
junho, tantas páginas a um assunto como Loft Story (reality-show da tevê francesa)?
Argumentam que isso reenvia à uma certa concepção da cultura, do ponto de vista da
indústria cultural, necessariamente vendida, mas que cultura não se resume a isso. Se o
Diplo se tornou um ponto de discussão e debate, por que não levar isso mais adiante,
troca seria rica entre jornalistas e leitores. Alertam para o perigo do jornal se ver
Sentem falta de debate nas próprias páginas do jornal. “Não falamos de escrever
matérias, mas nós conhecemos os lugares de criação atuais, nas ruas, nós vemos isso em
A situação da jornalista do Monde diplomatique não era confortável, mas ela ouvia
e respondia com sinceridade. Disse que não se podia exigir uma política cultural do
jornal, “não é um partido, não tem uma política, procura exprimir uma diversidade de
pontos de vista, não ser monolítico... não há consenso.” Mostrou o exemplo dos textos
especialista em comunicação, daí falar sobre indústria cultural. Ele recebe poucas cartas,
disse, escrevam para ele. Loft Story foi uma matéria que deu muita discussão na equipe,
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 138
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
também, há essa liberdade.” Afirmou que deixam o debate surgir no confronto dos
textos, na leitura, não querem fazer matérias do tipo pró-contra; “não queremos levar os
jornal, “saber o que os jornalistas querem e o que os leitores podem trazer”; de outro a
com relação aos leitores-acionistas. Uma conversa densa e longa: durante quase quatro
discordaram, fizeram propostas, críticas e sugestões, num diálogo que começara antes
passividade, quer participar. É preciso portanto delimitar um espaço onde ele possa se
encaixar. Agora, dizem, você será livre para escolher. Quem será eliminado do
golfinhos? Pense, decida, nós queremos que você participe. Será isso, ou aquilo?
escolha”. Que fique bem claro: dentre as opções apresentadas, apenas onde e quando se
é chamado a escolher. Interagir, nesse contexto, é nada mais do que responder aos
Mas a passividade, aponta Caiafa, não é uma figura produzida pelo silêncio da
escuta, ela é uma prostração que resulta da saciedade. E a multiplicação de respostas aos
numa não-escolha (ver acima, segundo capítulo). Haverá talvez um outro tipo de
o confronto é direto e o debate efetivo: não se pode prever o que acontecerá, pois o
processo não é controlado, o jornal não é feito para a resposta. Quando os leitores
com os jornalistas, abrem espaços de pensamento sobre o próprio jornal, que por ser
feito em grande parte por colaboradores externos recebe também deles o ar fresco.
instrumento precisa estar tensa para vibrar e produzir som, e produzir ressonâncias. É
uma tensão que aparece na fala dos jornalistas sobre a proximidade entre o Monde
“Esta é uma coisa que deixamos bem claro desde o começo da Associação: nós
não podemos... O jornal é feito pela redação, não é feito pelos leitores. Não é
porque há um certo número de leitores que querem que nós façamos isso e outros
que nós façamos aquilo... Nós fazemos escolhas, elas são boas, ou talvez não, mas
é impossível que nós estejamos numa situação em que submetamos nossas
escolhas aos leitores e à Associação ela mesma. Ainda que nós ouçamos o que
eles têm a nos dizer, suas sugestões, suas críticas.”
“As relações são as mais ricas possíveis, inclusive Les Amis organizam dezenas e
dezenas de debates na França que animam a vida associativa francesa, a vida
cidadã, tudo isso é ótimo, nós comparecemos a muitas conferências. Então são
essas as relações; bem entendido que de tempos em tempos temos que explicar
que o jornal, mesmo assim, somos nós os profissionais. É parecido com o que eu
lhe explicava, um minuto atrás, que uma equipe não é um soviete, tem um redator
chefe para tomar decisões e tem um diretor, da mesma maneira com Les Amis,
podemos trocar idéias, mas as decisões concernentes à redação, é aqui que as
tomamos, não em outra parte.”
decisivo na medida que na maior parte das grandes mídias os jornalistas não nos
lêem, ou se nos lêem, não fazem referência aos nossos artigos.”
“Não poderíamos funcionar senão com uma redação independente, até mesmo,
sobretudo, dos Amis. Mas o que pensamos que é, as vezes, difícil, porque eles
gostam do jornal, porque têm a impressão de que faz parte de suas vidas, é
importante em suas vidas. Então, às vezes, eles gostariam de influenciar, ou influir
no conteúdo do jornal e, bem, é preciso mantê-los um pouquinho à distância, no
papel... Por outro lado, apreciamos muito dialogar com eles, porque nos dão
idéias. Mas não é a mesma coisa. Conversar com eles nos faz pensar em temas de
artigos em que não teríamos pensado. Então, é verdade, é importante, porque eles
criam uma vida em torno de nós, eles fazem agitação intelectual e social, é
importante para nós porque nos mantém dentro da sociedade em movimento.”
“Os outros têm um contato maior com Les Amis porque eles fazem conferências,
eu faço pouquíssimas conferencias... Mas acredito que é uma sorte extraordinária
que este jornal tenha conseguido conquistar sua independência no momento certo,
acredito que alguns anos depois não teria mais sido possível. E é verdade que as
discordâncias que podemos ter, por exemplo, tivemos uma muito forte com Le
Monde sobre Kosovo, e é possível que se não fosse a transformação (do Monde
diplomatique) em filial, com essa estrutura jurídica que nos garante que a edição
só pode ser modificada com a concordância das duas Associações (de leitores e da
equipe), acredito que o jornal não teria ficado do mesmo jeito.”
plano, como condição da própria existência do jornal, o que faz sentido, pois foi em
defesa dessa mesma independência que o Monde diplomatique fez, um dia, apelo aos
seus leitores e estes, por sua vez, responderam. No entanto, esse é um exemplo do tipo
de diálogo que pode se estabelecer, notamos que as edições que se seguiram ao encontro
de Anne-Cecile Robert com o grupo “Repensar a Cultura” incluem, de fato, artigos que
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Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
de alguma forma preenchem as lacunas apontadas por aqueles leitores: em agosto, “Les
mystère de Van Gogh” (pintura), “Le bonheure est dans le centre comercial”
(urbanismo), entrevista com Jorge Luis Borges; em setembro, “Cuba, entre lassitude et
triche, culture vivante” (grupos europeus de artistas que fogem ao mercado), “L’extrème
droite investit la science fiction” (literatura); em novembro, “Johan Van der Keuken,
Abrir o diálogo sem abrir mão da independência; ouvir os leitores sem produzir
diplomatique tenta manter. Do ponto de vista dos medidores de audiência, essa é uma
posição possível.
básico defendido por toda a equipe e encarado como um território a ser constantemente
neutro daquilo que se passa pelo mundo (exceto no tempo de sua fundação por Béuve-
Méry e, como vimos acima, a neutralidade era então uma tomada de posição diante da
objetivo de estimular o debate, pontos de vista esses que variam em torno algumas
definir como de esquerda, mas tão cheio de nuances quanto a própria esquerda. Isso
linha editorial a ser defendida, embora dentre a equipe do jornal a existência de uma
Alain Gresh:
“Bom, existe uma linha editorial no sentido que somos um jornal crítico, um
jornal crítico da globalização neoliberal, um jornal que foi contra o neoliberalismo
dos tempos de Reagan, um jornal muito crítico da política america, um jornal que
sempre foi muito sensível aos problemas do terceiro mundo, à questão das lutas de
libertação, questão palestina, então há um certo número de coisas que são linhas
editoriais, mas não no sentido de um partido político, há sensibilidades diferentes
que podem se exprimir, há posições diferentes que podem se expressar.”
Maurice Lemoine:
“Eu não diria que há uma linha editorial do Monde diplomatique, diria que há
um campo editorial. Quando dizemos que não há uma linha editorial, queremos
dizer que não é como um partido. Podemos olhar para o Monde diplomatique e
veremos que estamos num campo, vemos em que campo político nos situamos,
mas isso posto, há uma diversidade de autores e de abordagens. Não é único,
inclusive se tivéssemos uma linha, não teríamos os debates que temos sobre
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alguns assuntos, uma parte da equipe concorda e outra é contra... É verdade que
nos interessamos muito pelos problemas do terceiro mundo, que somos contra a
globalização tal qual se desenvolve atualmente, não somos anti-europeus, mas a
construção da união européia tal como se desenvolve apresenta problemas.”
Serge Halimi:
Anne-Cecile Robert:
mas está presente no próprio cerne do jornal: vigora entre os textos publicados, existe
“Bem, nós não nos encontramos por acaso, essa é a alquimia da coisa. é um
jornal que chamam terceiro-mundista, mas essa é uma palavra complicada... seria
mais formado em torno dos valores do socialismo, não o socialismo real, mas um
socialismo a se construir. E a partir daí, o fenômeno é que, se posicionando dessa
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Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
1
DELEUZE;GUATTARI, 1995, v. I.
2
RAMONET, 2001.
3
Id.
4
Le Monde diplomatique, fevereiro de 2001.
5
Agir local, pensar global. Os cidadãos face à globalização; Tudo sobre ATTAC; Paraísos Fiscais, ou as
finanças sem lei; e O futuro do pleno emprego.
6
Emprego aqui a noção de uma subjetividade que se faz coletiva como definida por Guattari:
“multiplicidade que se desenvolve para além do indivíduo, junto ao socius, assim como aquém da pessoa,
junto a intensidades pré-verbais, derivando de uma lógica dos afetos mais do que de uma lógica de
conjuntos bem circunscritos.” GUATTARI, 1992, p.20.
7
NOTRE HISTOIRE, 1999.
8
A NOS lecteurs, Le Monde diplomatique, 1954. “il doit avoir un caractère international, être
rigoureusement objectif, et s’ábstenir de prendre position à l’égard des affaires intérieures de divers
pays.”
9
THIBAU, 1978.
10
BELLANGER et al., 1975-1976.
11
NOTRE HISTOIRE, 1999 (op. cit.)
12
GUILLAUMA, 1990.
13
Id.
14
CHAMPAGNE, 1994.
15
JULIEN ; RAMONET, 1996. A singularidade do acordo é salientada neste informe: “acun autre titre
du groupe Le Monde n’en possède de semblable”. [“nenhum outro título do grupo Le Monde conta com
estatuto similar.”]
16
Veremos adiante que fazer “contra-informação” é um dos objetivos assinalados em entrevista pelos
jornalistas da equipe.
17
LES RAPPORTS du Sénat,, s/ data.
18
JULIEN ; RAMONET, 1996 (op.cit.)
19
HOLZMANN, 2000. Neste livro de memórias, o autor explica que, após ver fracassarem algumas
tentativas de edição do jornal em espanhol, pensa que pode obter sucesso junto ao público germânico. (p.
283)
20
Id.
21
JULIEN ; RAMONET, 1996 (op.cit.)
22
Id.
23
HAFFNER, 1998.
24
RAMONET, 1996. “se mobiliser pour défendre la liberté d’expression et l’independence de la presse”
25
Id. “Les intentions économiques et idéologiques de ces predateurs sont, c’est le moins qu’on puisse
dire, en contradiction avec les interêts des lecteurs-citoyens, comme l’a récemment montré la couverture
médiatique du formidable mouvement social qui a secué la France.”
26
Ibid.“Quand tous les médias semblent emportés par la vitesse, l’acceleration, la fascination de
l’instantanéité, nous disons que l’important c’est de ralentir, de freiner, de se donner le temps d’analyser,
de douter, de réfléchir”
27
JULIEN; RAMONET, 1996.
28
DELEUZE ; GUATTARI, 1995, v. 2.
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 146
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
29
Id.
30
Ibid.
31
DELEUZE ; GUATTARI, 1977.
32
BELLANGER et al., 1975-1976 (op. cit.)
33
DIOUDONNAT, 1981.
34
BELLANGER et al., 1975-1976 (op. cit.)
35
TEXCIER, 1945. “Naturellement ils protestent de leur indépendence. ‘Cent pour cent Français!’
affichent-ils comme les marchand de chaussettes. Mais l’ardeur de leur zèle hitlérien surprend jusqu’aux
autorités occupantes. ‘Nous ne leur en demandons pas tant’, afirment-elles!”
36
BELLANGER et al., 1975-1976 (op. cit. p.20.)
37
Id.
38
DIOUDONNAT, 1981.
39
Apud BELLANGER et al., 1975-1976 (op. cit.) “Celui qui ne se rends pas a raison contre celui qui se
rends.”
40
Id.
41
O contraste entre anonimato e singularidade e a força de contágio criativo desta, na literatura, é
analisado em CAIAFA, 2000 (p. 34 -36)
42
BELLANGER et al., 1975-1976 (op. cit.)
43
LA PRESSE clandestine, 1986.
44
ALBERT, 1998.
45
CAHIER Bleu, 1967.
46
ALBERT, 1998. (op. cit.)
47
BILGEN; LEBEDEL, 1991.
48
ALBERT, 1998. (op. cit.)
49
BEUVE-MERY, 1947.
50
PIGEAT, 2001.
51
Id.
52
GUATTARI, 1992.
53
Id.
54
Processado pela empresa Virginia, do Grupo Ethyl Corporation, sob a alegação de ferir um acordo do
NAFTA, por ter proibido a importação e o trasporte de MMT, um derivado de gasolina extremamente
tóxico, o Canadá foi obrigado a receber o produto tóxico e a pagar uma indenização à empresa. ATTAC,
2000.
55
RAMONET, 1997.
56
Id.
57
Ibid.
58
ATTAC, 2001.
59
PETRELLA, 1998.
60
PETRELLA, 1999.
61
Id.
62
LES AMIS du Monde diplomatique, 2000.
63
DELEUZE ; GUATTARI, 1995, v.1 (op. cit).
64
CAIAFA, 2000.
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 147
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
4- Conclusões – ramificações
Sem dúvida, devemos ser nominalistas: o poder não é uma instituição nem uma estrutura,
não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica
complexa numa sociedade determinada.
estratégia global, que não tem cabeça, mas “toma corpo nos aparelhos estatais, na
em menor tempo. Este é o objetivo que rege as táticas locais, e cujos atores
compartilham, muito embora sejam concorrentes e precisem como tal eliminar-se uns
aos outros. Aliás, é precisamente por compartilhar do mesmo objetivo que os atores se
acumulação dessa táticas locais forma linhas de força que se cristalizam nas mega-
corporações (pensar nas aquisições e fusões de empresas que atravessa o planeta); nos
indústria da mídia) é produzir lucro, seja diretamente, seja indiretamente, e dentro desse
objetivo elas participam do pólo de forças do capital. Ao ser absorvida pelas forças do
nada mais, nada menos do que condição de sua própria existência como indústria. Ou
objetivo geral do lucro e está sujeito às leis da concorrência. Sendo assim, trabalha com
apresentando-o com valor de fato, como leis naturais tão evidentes e inquestionáveis
toda a compreensão aos seus ditames básicos e sufocando ou absorvendo por sua
agem todo o tempo dentro do campo de forças: “por definição não podem existir a não
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 149
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
ser no campo estratégico das relações de poder.”4 É claro: se o poder está por toda parte,
forças e só poderão existir aí. Não significa, porém, que sejam reativas, ou respostas,
“não quer dizer que sejam apenas subproduto”5, como diz Foucault. Não, elas são,
forças, mas exteriores aos conjuntos de forças dominantes; são resistências justamente
porque não se deixam atrair ou determinar pelo peso das forças maiores. Deleuze mostra
produzidas pelo próprio dispositivo (mas nem sempre o são), funcionam como linhas de
fratura.
Neste sentido cabe falar como Deleuze de “máquinas de guerra” como posições de
interioridade é dada pelo Estado, porém compreendemos esse aparelho de Estado como
uma forma que não se cola necessariamente ao Estado-governo e que nos dias atuais é
melhor traduzida por Mercado — isso que é todo-inclusivo (ver acima, o 2o capítulo). A
máquina de guerra é aquela força excêntrica e mutante que pode balançar a distribuição
existente de forças, com as quais ela coexiste “num campo perpétuo de interação.”9
jornalístico, forjando com seus leitores uma conexão que foge aos padrões estreitos do
Simultaneamente, por manter a forma de jornal, por alcançar uma difusão que ultrapassa
dele, são difundidos por jornais de ampla circulação em diversos países), ainda que
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 150
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
termos do conteúdo das matérias e pode ser resumida pela orientação editorial do jornal,
dissidentes, que tenderiam a se dissolver caso ficassem dispersos pelo campo social.
A partir desse território, tais discursos se agenciam com práticas de difusão, como
das maneiras de fazer variar é acrescentar dados, mostrar o que não estava sendo visto,
apontada, oferece uma alteridade ao padrão da nossa época. São linhas lentas que
pedem uma atenção concentrada e lentidão na leitura. Entra aqui uma variável de
esforço, uma diferença com a sociedade de consumo, cujo emblema bem poderia ser, e
por diversos motivos, o controle remoto. O ideal da época é que tudo se faça à distância
desconfortos; para evitar o que não seja conhecido, para permanecer no âmbito das
ginástica passiva.
significa largar de lado muitos elementos, justamente as variáveis. Talvez porque todo
objetivos bem precisos: treinamento para o mercado. Tudo isso nos remete à pergunta-
sentença: “para que serve?” À qual podemos contrapor: que lugar cabe nesse esquema à
treinamento)?
jornalístico, e faz vibrar, para além dele, diversos pontos dispersos de resistências.
Assim, os leitores não são assimilados, mas existem também em suas diferenças, daí
nos grupos dissidentes que se formam a partir dos encontros catalisados pelo jornal; no
fertilizá-lo.
uma multidão que seria a derrocada do poder imperial. Este é apontado pelos autores
como a nova forma assumida pela soberania global na fase atual do capitalismo. Ao
territorial de irradiação de poder, pois não é o domínio de um país sobre outros (embora
única.”11 Não fica claro, no entanto, como a multidão há de se constituir numa força
política contra o Império. Aliás, delimitá-la de cima para baixo é a primeira opção que
os autores recusam por completo: não há poder central que se derrame sobre todos os
súditos unificando-os numa forma coesa, “não existe um imperador Caracalla que dê
cidadania a todos os seus súditos”.12 O contrário é o que propõem: a história das lutas
política” tenham emergido daquelas lutas, não se compreende como, no mundo inteiro,
biopolítica, poderão, a partir de seu isolamento, erguer-se contra o modo de vida que se
impõe como global. Nem mesmo a revelação de um “telos” (como destino) a partir do
sua alegria e para o crescimento de seu próprio poder.”13 Abstrata multidão, que não é
Muito embora as migrações massivas do Sul para o Norte (de todos os sul para
todos os norte referenciais) falem de um desejo de liberdade e embora seja certo que
esse movimento faz furos no corpo mole do capitalismo, corre-se um grande risco em
quando o caminho da liberdade passa por ocupar os piores postos nas indústrias da
agricultura, dos serviços ou do petróleo em não importa qual pólo de riqueza do globo
terrestre. Como dizem os autores, o capitalismo não pode funcionar sem as levas de
imigrantes clandestinos. Não é, portanto, tão certo se o poder imperial não consegue
( e aí está a bolha das bolsas de valores da nova economia para confirmar o perigo).
Imaginar a terra prometida é apenas o começo da viagem, Negri e Hardt sabem disso,
sabem que a multidão precisa “organizar e concentrar suas energias contra a repressão”
essa altura, não saberíamos dizer.”14 No entanto pelo menos uma resposta já foi dada,
produção de sentido, mas de produção da vida; dos modos de vida; dos nexos de vida.
Primeiro: dar a ver que os problemas contra os quais se luta são parte da
riqueza já é suficiente para todos. Terceiro: tomá-las para si, reapropriar-se e para isso é
preciso se afastar da lógica do lucro, recusá-la, inventar outra lógica que nos sirva
(sempre no sentido que Guattari cria para essa palavra: uma multiplicidade que se
solidariedade, ao bem comum. É quando a palavra de ordem vira senha, dizem Deleuze
e Guattari. Ou seja, a palavra de ordem, nesse momento, não assinala mais a morte, mas
ativa sua segunda qualidade: ser um ponto de passagem para a variação contínua.17
abra uma saída dos estratos endurecidos da subjetividade capitalística (as dimensões
nos ajude a entrar num movimento de criação. Seria possível ver aí, como sugere
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 155
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
Caiafa, um lugar “onde algo já seria um pouco diferente do que é, onde uma mudança
4.2- P.S.
observar um modo de ação que, por ser explícito, evidencia as forças em jogo no campo
França, mas, mantidas as especificidades, pode servir de ponto de inflexão para pensar a
mídia em nosso país e, quiçá, servir-nos de inspiração (se algo há desejável que se
globalize, são as soluções coletivas, por que não?) Pode abrir uma janela no ambiente
abafado da mídia brasileira, funcionar como variável, fazer variar aqui também. Pode
ser uma saída para a armadilha da publicidade, que conhecemos bem, pois guardamos a
memória da ditadura militar que mostrou como o poder econômico aliado ao político
tornaria sócio de carteirinha e obteria descontos nos “produtos da TVE.”20 Vê-se que a
proposta era bem diferente de uma associação do tipo de Les Amis du Monde
notícia se provou vazia: hoje, no sítio da emissora na internet, nenhuma menção é feita a
uma tal iniciativa. Outro exemplo: o Jornal do Brasil passou recentemente por uma
reestruturação, foi comprado, junto com o JB Online e a Agência JB, pela Companhia
Burrowes, Patrícia: Le Monde Diplomatique: um jornal para pensar. Tese de Doutorado. 156
Escola de Comunicação – UFRJ, 2002.
numa redução dos custos em 30%, que incluiu uma redução de 40% no “contingente”21
(grupo de pessoas que, dentro de uma coletividade, cumprem determinado fim, segundo
Não resta dúvida de que, aí também, a lógica comercial está em ação. No entanto, o
caso do Monde diplomatique indica fortemente que esta não é a única direção possível.
1
FOUCAULT, 1988, p. 88-89
2
Id. p.95-97
3
BOURDIEU, 1997, op. cit.
4
FOUCAULT, 1988, op.cit., p. 91
5
Id.
6
Ibid.
7
DELEUZE, 1989.
8
DELEUZE; GUATTARI, 1997, op. cit.
9
Id.
10
GUATTARI, 2000, op.cit.
11
HARDT ; NEGRI, 2001 p. 12
12
Id. p. 418
13
Ibid. p. 420
14
Ibid. p. 423
15
Ibid. p. 73
16
FOUCAULT, 1988, op. cit. p.92
17
DELEUZE; GUATTARI, 1995, v. 2, p. 56-57
18
GUATTARI, 2000, op. cit.
19
CAIAFA, 2000, op. cit. p. 72
20
ANTUNES, 2000
21
RIBEIRO, 2002
22
Id.
157
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