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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI

COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

Samantha Ellen de Souza

Ativismo digital: uma análise do processo de comunicação no blog da


colunista Nina Lemos no Portal Uol

SÃO JOÃO DEL-REI

2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI

COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

Samantha Ellen de Souza

Ativismo digital: uma análise do processo de comunicação no blog da


colunista Nina Lemos no Portal Uol

Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Graduação em


Cumunicação Social - Jornalismo, da Universidade Federal de São
João del-Rei, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharela
em Cumunicação Social - Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Ademir de Oliveira

São João del-Rei


2022
AGRADECIMENTOS

A Deus, minha inesgotável fonte de luz e inspiração, por ter me dado saúde e força para
superar as dificuldades.

À minha mãе, Sonete Souza, heroína quе, nаs horas difíceis, de desânimo е cansaço, sempre
esteve disposta a me apoiar e incentivar.

Ao mеu pai, Eli Antônio de Souza, quе sempre mе amparou e é meu grande exemplo de
força, honestidade, amor e, acima de tudo, humildade.

Ao meu irmão, João Victor de Souza, por estar sempre presente e me dar forças a todo
momento.

Meus agradecimentos аоs meus amigos, em especial, à Ana Luiza Vieira Morais,
companheira dе trabalhos е irmã nа amizade. Amiga que fez parte dа minha formação е qυе
irá continuar presente еm minha vida por muitos anos.

À Universidade Federal de São João del-Rei, seu corpo docente, direção e administração que
oportunizaram a janela que hoje me possiblita vislumbrar um horizonte superior.

Ao meu orientador Luiz Ademir de Oliveira, pelo suporte, amizade, apoio, incentivo,
confiança e correções atentas.

A todos оs professores do curso de Jornalismo da UFSJ por proporcionarem a mim о


conhecimento, nãо apenas científico, mаs а manifestação dо caráter, da empatia е da
afetividade nо processo dе formação. Sou grata pelo tanto qυе sе dedicaram а mim, nãо
somente pоr terem mе transmitido os conhecimentos previstos nos planos de aula, mаs por
terem feito de mim uma pessoa mais crítica e atenta aos discursos que me cercam. А palavra
mestre, nunca fará justiça аоs professores dedicados e humanos, аоs quais, sеm nominar, terão
оs meus eternos agradecimentos.
RESUMO: No atual contexto, a internet pode funcionar, muitas vezes, como uma ampliação
do espaço público, em que há a expectativa de se tornar uma arena democrática para vozes
dissonantes. Em várias circunstâncias, blogueiras ativistas fazem o deste ciberespaço para a
propagação do movimento feminista, empregando em seus discursos pautas decorrentes de
experiências sociais intrínsecas à sua história, expressão de opiniões e pensamentos,
estabelecendo-se como uma espécie de diário pessoal. O artigo visa verificar como ocorre o
processo de comunicação em um blog de caráter feminista. Para isso, iremos analisar as
postagens do mês de outubro de um blog da colunista Nina Lemos no Portal Uol. Propõe-se,
portanto, um exercício analítico sobre a rede comunicativa que é gerada, a partir das seguintes
categorias de análise: título, temática, personagens citados e valência e expressões utilizadas.

Palavras-chave: Ciberespaço; Comunicação e Gênero; Blog Feminista; Feminismo.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................6
2 Comunicação, Gênero e Poítica...................................................................................7
3 Estudo de Caso: o blog como esfera alternativa para o ativismo midiático..........11
3.1 Proposta de Pesquisa: problema, justificativa e objetivos...................................12
3.2 Objetos de Pesquisa.................................................................................................13
3.2.1 Blog Universa e Portal Uol...................................................................................13
3.2.2 Nina Lemos e Portal Uol......................................................................................14
3.3 Percurso Metodológico............................................................................................15
3.3.1 Pesquisa Bibliográfica..........................................................................................15
3.3.2 Pesquisa Documental............................................................................................15
4. Análise de Conteúdo da Coluna Nina Lemos..........................................................19
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................29
5 REFERÊNCIAS6 ANEXOS

1. Introdução
O surgimento da internet e a sua consolidação nos anos 90 e, posteriormente, a
emergência da web 2.0 possibilitou que o ciberespaço se transformasse num espaço múltiplo,
rompendo as fronteiras entre público, privado e íntimo. Habermas (1984) já apontava, em seu
livro “Mudança estrutural da esfera pública”, que foi lançado em 1962, sobre a mistura entre
tais esferas e, numa perspectiva ainda crítica, acreditava que isso poderia levar a uma
decadência da vida pública. No entanto, em seus estudos mais recentes, a partir dos anos 80,
quando criou a teoria da ação comunicativa, passou a acreditar no potencial democrático da
mídia e, posteriormente, da própria internet. Posteriormente, autores como Rousiley Maia e
Wilson Gomes (2008) trataram especificamente das possibilidades de se desenvolver embates
políticos e democráticos no espaço virtual, mas fazem a ressalva de que o potencial
democrático da internet esbarra justamente, no caso do Brasil, na dificuldade imposta pela
exclusão digital, já que parte da população não tem acesso às mídias digitais. Além disso, a
democracia não se tornaria mais intensa somente pelo incremento da tecnologia, mas é um
processo social, político e cultural.
Os conglomerados de mídia continuam expandindo o seu poder, mesmo com a era da
web 2.0, como ocorre, por exemplo, com a Globo, que expandiu hoje seus negócios para
portal de notícias (Portal G1), canal de streaming (Globoplay) e intensificou as estratégias de
narrativa transmidiática articulando as mídias tradicionais às redes sociais (telejornais e
telenovelas são continuadamente veiculadas nas redes sociais da Globo). No entanto, em
contraposição às mídias hegemônicas, a internet possibilitou que surgissem mídias
alternativas. Afonso de Albuquerque e Eleonora Magalhães (2016) conceitua estes canais de
Blogosfera Progressista Ampliada (BPA), que, até 2018, chegaram a mais de 230 blogs e sites
vinculados, principalmente, a posturas mais de esquerda e visões contra hegemônicas.
Perderam força com a ascensão da extrema direita ligada à vitória de Jair Bolsonaro (PL), mas
muitos ainda se mantêm, até pelos baixos custos de um site, de um blog.
Nesse sentido, partindo deste debate, a internet pode ser compreendida como um
espaço de disputas simbólicas e, em certa medida, um espaço democrático, em que blogueiras
ativistas, por vezes, fazem uso deste ciberespaço para a propagação do movimento feminista,
empregando em seus discursos pautas decorrentes de experiências sociais intrínsecas à sua
história, expressão de opiniões e pensamentos, estabelecendo-se como uma espécie de diário
pessoal. Logo, o universo virtual permite o estabelecimento de um espaço de troca e de
compartilhamento de experiências e pontos de vista; além da tentativa de conscientização dos
problemas sociais vivenciados e proposições de luta contra os poderes instituídos às minorias.

6
Uma observação a ser feita é a possibilidade de se questionar sobre a efetividade dos blogs em
relação à disseminação de ideias sobre o movimento social feminista, uma vez que estas são
perpassadas pela percepção social e política inerentes à cada blogueira e às suas
singularidades.
Nesse ínterim, a proximidade entre blogueiras e leitores é permitida pelas redes sociais
e pela frequência ativa de postagens, o que permite a construção de relações que vão além da
dimensão tecnológica e estabelecem-se no espaço físico de ação do movimento social. Apesar
da relevância das ações restritas ao espaço físico, a plataforma virtual constitui-se, no cenário
contemporâneo, como ferramenta primordial de ampliação e difusão das ideologias de um
movimento.
Os novos movimentos sociais se apropriaram vastamente das
tecnologias da comunicação para ampliarem sua voz e sua
visibilidade e ainda o fazem. A manifestação feminista foi deslocada,
expandida e fragmentada pelas tecnologias da comunicação.
(LEMOS, 2009, p. 20).

Considerando, portanto, a importância da apropriação das tecnologias alternativas de


comunicação pelos movimentos sociais, esta pesquisa escolheu estudar 18 postagens de
outubro de 2022 presentes no blog de Nina Lemos, no Portal Uol. A jornalista utiliza de
acontecimentos corriqueiros e episódios marcantes para dar a sua opinião pautada em
feministas, sempre em prol das necessidades das mulheres no que se refere às desigualdades
de gênero.

2. Comunicação, Gênero e Política

Para analisar os blogs em questão, é importante conceituar gênero e aprofundar o


debate sobre o que se entende a respeito de feminismo. Mesmo com os avanços que as
mulheres alcançaram desde a década de 70 do século XX, a sociedade patriarcal ainda é
hegemônica, e o machismo e a misoginia se fazem presentes em várias instâncias sociais e no
cotidiano das pessoas, revelando que ainda há muito a ser conquistado. Os dados sobre
feminicídio são assustadores. Conforme reportagem do Portal G1, levantamento do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública mostra que mais de 100 mil meninas e mulheres sofreram
violência sexual entre março de 2020 e dezembro de 2021, no período da pandemia.1
1
DA REDAÇÂO. Brasil teve um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas em 2021
Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que mais de 100. Portal G1. Distrito Federal, 07
de março de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/dia-das-mulheres/noticia/2022/03/07/brasil-teve-um-
estupro-a-cada-10-minutos-e-um-feminicidio-a-cada-7-horas-em-2021.ghtml. Acesso em 04 de maio de 2022.

7
Na política, em 2018, o Brasil elegeu apenas 77 das 513 vagas de parlamentares para o
Congresso Nacional, o que representa apenas 15% do total, mesmo sendo as mulheres mais de
50% das eleitoras. Em 2020, foi eleita apenas uma prefeita das 27 capitais brasileiras – a de
Palmas, Cínthia Ribeiro (PSDB). A única mulher a chegar à presidência, Dilma Rousseff
(PT), sofreu um processo de impeachment, em 2016, que é reconhecidamente justificado por
sua “falta de habilidade política” para lidar com políticos e ter agravado uma crise
institucional no país. Isso, além de não fundamentar um processo jurídico para o
impeachment, reforça o forte caráter misógino dos ataques sofridos pela ex-presidenta. Em 14
de março de 2018, a então vereadora Marielle Franco (PSOL) foi assassinada brutalmente a
tiros no centro do Rio de Janeiro. Defensora dos direitos humanos, mulher, negra e lésbica,
bateu de frente com o crime organizado e as milícias e o universo masculino. Até hoje, o
crime não foi solucionado.
As eleições de 2022 não trouxeram dados animadores, já que a situação da baixa
representatividade feminina se mantém. Além disso, a onda bolsonarista de extrema direita
revelou que tem força suficiente e garantiu maioria no Congresso (a bancada do PL elegeu 99
deputados federais, sendo 17 deputadas) e no Senado (elegeu duas ex-ministras – Damares
Alves e Tereza Cristina). Na Câmara dos Deputados, em 2023, o número de mulheres
parlamentares subiu de 77 para 91 (15% para 17,7%), mas somente 33% vinculadas a partidos
de centro-esquerda. No caso do Senado, serão 14 das 81 integrantes (17,3%), mas com nomes
bastante conservadores, como Damares Alves.
Neste contexto de polarização em que, apesar das lutas feministas se fazerem atuantes
no Brasil, mas diante de uma crescente onda conservadora, é que se faz necessário o debate
sobre feminismo, gênero e mídia. A socióloga Heleieth Saffioti (2004, p. 45) define gênero,
de maneira sucinta, como a construção social do masculino e do feminino. Ademais, a autora
afirma que a elaboração social do sexo deve ser ressaltada, sem, contudo, “gerar a dicotomia
sexo e gênero, um situado na biologia, na natureza, outro, na sociedade, na cultura”.
(SAFFOTI, 2004, p. 108). Percebe-se aqui a presença de uma distinção entre as duas
categorias: o sexo apresentando uma orientação genética, que seria corporalmente
identificável, ao passo que o gênero seria socialmente construído. Logo, o gênero remeteria às
relações desiguais de poder que resultam na construção do papel social do homem e da
mulher por meio das diferenças sexuais” (CABRAL; DIAZ, p. 142, 1998).
Scott (1995, p. 86) afirma que o “gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e é uma forma primeira de significar

8
as relações de poder”. Desse modo, percebe-se que a caracterização do que é ser mulher ou
ser homem vai além dos limites do corpo, pois trata-se de definições políticas, sociais e
culturais.
A sociedade, costumeiramente, atribui valor às características masculinas e femininas,
divide os papéis sociais de homens e mulheres e produz uma relação de poder entre os
gêneros, em que os homens têm poder sobre as mulheres. As relações de gênero são produto
de um processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo de toda a vida,
reforçando a desigualdade existente entre homens e mulheres, principalmente em torno a
quatro eixos: a sexualidade, a reprodução, a divisão sexual do trabalho e o âmbito
público/cidadania. (CABRAL; DIAZ, p. 142, 1998).
Passamos por grandes mudanças sociais nas últimas décadas, com as mulheres
adquirindo direitos, conquistando cada vez mais seu espaço. Dentre os direitos conquistados,
pode-se citar, como exemplo, a conquista do voto feminino, a criação da pílula
anticoncepcional, a sanção da Lei do Divórcio (1977) 2, a criação do Conselho Estadual dos
Direitos da Mulher (1979)3, a Criação da Lei Maria da Penha (2006) 4 e a aprovação da Lei do
Feminicídio (2015)5.
Porém, o sistema patriarcal ainda está muito presente em nossa cultura, desvalorizando
a mulher e contribuindo com a manutenção da violência e das relações assimétricas de poder.
Em um sentido amplo, pode-se afirmar que “sempre que as mulheres - individual ou
coletivamente - criticaram o destino injusto e muitas vezes amargo que o patriarcado lhes
impôs e reivindicaram seus direitos por uma vida mais justa estamos diante de uma ação
feminista” (GARCIA, 2011, p. 13).
Dessa maneira, ressaltamos a importância do feminismo como o movimento político,
social e ideológico que busca a desconstrução do machismo e do patriarcalismo para que os
papéis sociais desempenhados pelos indivíduos não sejam determinados como superiores ou
inferiores de acordo com o seu gênero. Enquanto o machismo mantém as condições de
desigualdades e promove as violências, o feminismo propõe a emancipação das mulheres
buscando a garantia de direitos, dignidade e igualdade material, independentemente do
gênero. (ALVES e PITANGUY, 1985, p. 4). É importante salientar que o feminismo não é

2
A partir do ano de 1977, o divórcio se tornou uma realidade no Brasil.
3
Trata-de um órgão colegiado de deliberação coletiva, de composição paritária entre o Governo e a sociedade
civil organizada, que tem a finalidade de propor e fiscalizar, em âmbito estadual, as políticas para as mulheres,
assegurando-lhes o exercício pleno de seus direitos, sua participação e integração no desenvolvimento
econômico, social, político e cultural.
4
Foi sancionada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
5
Prevê circunstância qualificadora do crime de homicídio e inclui o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
9
um bloco monolítico ou homogêneo, pois assume diversas facetas e traz um universo
complexo de análise. A título de exemplos, há o feminismo negro, o feminismo
interseccional, o feminismo indígena, o feminismo radical, o feminismo liberal, o feminismo
marxista, o feminismo anarquista (anarcofeminismo), o transfeminismo, entre outras vertentes
do feminismo. Mas, em geral, o feminismo não é o contrário de machismo, pois defende a
igualdade de gênero, e não a ocupação do lugar de opressão por parte das mulheres.
(SANTOS, 2019, s/p).
Quanto às ondas do Movimento Feminista, surgem no século XVIII e ganham uma
nova dimensão com as redes sociais a partir de uma horizontalização do movimento. “O
feminismo normalmente é estudado e compreendido em três ondas” (NATALINO, 2021,
p.16). O primeiro manifesto feminista surgiu na França, no contexto da Revolução Francesa,
com a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã” e a primeira onda vai até meados da
década de 1930, e o seu marco é a conquista do voto feminino em vários lugares do mundo
ocidental. A segunda onda é marcada pela discussão dos contraceptivos nos anos 1960 e pela
ligação do feminismo às outras mobilizações sociais da época. Natalino (2021, p.16), com
base em Fraser (2007, p. 292), aponta que a segunda onda do movimento feminista tem três
fases. A primeira, segundo a autora, é definida pela redistribuição daquilo que o feminismo
defende e nasceu dos movimentos sociais dos anos 60. A segunda fase tem origem no fim do
século XX, vinculado ao reconhecimento da política de identidade e ressalta o valor da
diferença entre gêneros. Na terceira fase do feminismo, que é mais atual e se desenvolvia na
1ª década do séc. XXI, ocorre a sua inserção em outros países e se junta a outros movimentos
sociais que buscam uma política integrada e com equilíbrio sobre a redistribuição, o
reconhecimento e a representação. Ao tratarmos da terceira onda, a partir do final do século
XX e início do século XXI, não se tem consenso conceitual, mas é fato que as mulheres
perpetuaram a luta pelos seus direitos, tendo conquistas asseguradas por lei. A causa feminista
é tratada de forma mais complexa e global. Pontos que diferenciam as mulheres entre si, como
raça, classe, sexualidade, nacionalidade, formaram o chamado feminismo interseccional. A
partir de 2019, como um conceito em construção, tem-se a quarta onda do movimento
feminista, que alcançou as redes sociais. Gerou mudanças nas organizações e protestos,
principalmente com o ativismo digital. É necessário enfatizar que o movimento feminista
reconhece o papel da mídia na reprodução de estereótipos de gênero. Assim, a crítica ao modo
como as mulheres eram representadas nos meios de comunicação, em especial na segunda

10
metade do século XX, acompanhou o processo organizativo do movimento. (NATALINO,
2021).
Ao abordar a importância da criação ou reapropriação da mídia, Leila Barsted aponta
que na década de 1970 novos espaços foram surgindo para amplificar a voz das mulheres, a
partir de meios variados: revistas, boletins, jornais alternativos, luta por espaço dentro da
grande imprensa, do rádio, da televisão e do cinema. Para ela, “os veículos de comunicação se
apresentam inseridos numa estratégia de educação do movimento feminista, de recriação da
identidade social da mulher e de resgate de nossa história” (WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p.
1 apud BARSTED 1983, p. 16).
Ao considerarmos a atual condição da mulher brasileira, identificamos as disparidades
que podem ocorrer quando consideramos a raça dentro da categoria gênero. Para Patricia Hill
Collins (1990), uma das principais autoras do feminismo negro, é preciso refletir sobre a
“intersecção” das desigualdades, em que uma mesma pessoa pode se encontrar em diferentes
posições quando levamos em conta suas características (gênero, raça, classe, geração).

3. Estudo de caso: o blog como esfera alternativa para o ativismo midiático


Os blogs surgiram em agosto de 1999 com a utilização do software Blogger, da
empresa do norte-americano Evan Williams e se tratava de mais uma alternativa para
publicação massiva de textos on-line, uma vez que a ferramenta dispensava o conhecimento
especializado em computação. Além disso, a ferramenta abarca a interação de múltiplas
semioses, a exemplo de textos escritos, de imagens (fotos, desenhos, animações) e de som
(músicas, principalmente). O site do estadunidense Dan Gillmor, criado em 1999, pode ser
considerado um dos primeiros casos de blog alimentado por um jornalista na web
(ORIHUELA, 2006). Em seu espaço on-line, Gillmor (2004) postava sua coluna sobre
tecnologia, também publicada no jornal San José Mercury News, um jornal do Vale do
Silício.
Nesse contexto, temos o ciberespaço, que é um espaço existente no mundo de
comunicação em que não é necessária a presença física do homem para constituir a
comunicação como fonte de relacionamento. Como afirma Lévy (1999, p. 17), o ciberespaço
é “o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores”.
Contudo existe uma diferença fundamental a ser considerada: “As grandes tecnologias digitais
surgiram como a infraestrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de

11
sociabilidade, de organização e de transação, mas também novo mercado de informação e do
conhecimento.” (Lévy, 1999, p. 32).
A título de exemplo, tem-se os blogs feministas, uma vez que estes valorizam o
subjetivo e disseminam saberes a partir de um posicionamento prévio. Os ideais feministas
presentes nesses blogs encontram na web um suporte de mídia necessário e os autores têm a
possibilidade de escrever da forma que acharem mais apropriada sobre cada assunto que
abordam em seus espaços, liberdade essa que corrobora com os valores praticados pelo
feminismo.
Woitowicz e Pedro (2010, p. 1) apontam, no artigo intitulado “Feminismo e ativismo
midiático, o feminismo como estratégia de ação política”, que a história do feminismo tem
relação com a história da mídia alternativa, uma vez que as mulheres, desde cedo, perceberam
a necessidade de se fazerem ouvir, apostando em um discurso de contra-informação, que
assumiu, em alguns momentos, o duplo papel de denunciar e de mobilizar as mulheres na
defesa dos seus direitos e na conquista da cidadania.
Além disso, percebe-se que inúmeros grupos que compõem o movimento feminista
contam com veículos de comunicação, nos mais diversos formatos e suportes (impresso,
sonoro, audiovisual, on-line), “que atuam em uma lógica de contra-informação, promovendo
o debate e apresentando as reivindicações das mulheres”. (WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p.
1).
Atualmente, a ideia de mídia alternativa não contempla apenas o aspecto de oposição
política, mas também outras expressões – por vezes menos ‘combativas’ – de diferentes
grupos sociais que buscam manifestar ideias, projetos e lutas por meio da comunicação.
(PERUZZO, 2004 apud WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p. 1). Desse modo, o alternativo teria
o papel de gerar mensagens com concepções diferentes ou opostas às difundidas pelos meios
dominantes ou hegemônicos. E, mais do que isso, tais produções alternativas reforçam a
liberdade de expressão das minorias sociais e do direito de comunicar como parte das lutas
pela cidadania.
Assim, para além de uma lógica meramente instrumental, a mídia ocupa um lugar
central na resistência às múltiplas formas de opressão. A produção midiática das organizações
feministas que compreendem este artigo toma como referência estes aspectos da mídia
alternativa, em que se destaca o papel dos meios como instrumentos de articulação das lutas
das mulheres. (WOITOWICZ; PEDRO, 2010, p. 1).

3.1 Proposta de Pesquisa: problema, justificativa e objetivos


12
Esta pesquisa tem por objetivo verificar como ocorre o processo de comunicação um
blog de caráter feminista. Para isso, serão analisadas 11 postagens do mês de outubro de um
blog da colunista Nina Lemos no Portal Uol. Propõe-se um exercício analítico sobre a rede
comunicativa que é gerada, a partir das seguintes categorias de análise: título, temática,
personagens citados e valência e expressões utilizadas.
Considerando que, se por um lado, a imprensa apaga dizeres sobre o feminismo e
evidencia discursos patriarcalistas, as redes sociais virtuais constituem-se como um espaço de
confronto a esses discursos hegemônicos. Isso porque a popularização da internet contribuiu
para fazer circular massivamente discursos de valorização do feminismo. (LIMA, 2013, p.10).
Logo, a nossa pergunta de pesquisa é a seguinte: como se estabelece o processo
comunicacional de um blog com caráter feminista em um portal de grande alcance midiático?
O Portal Uol é a maior empresa brasileira de conteúdo, tecnologia, serviços e meios de
pagamentos digitais, já atinge cerca de 103,6 milhões de usuários únicos e abarca 86% de
alcance na internet brasileira, garantindo a liderança da audiência entre os produtores de
conteúdo do país. Os dados são do ranking Multiplataforma da ComScore.
Este trabalho se justifica mediante o potencial das redes sociais para a luta feminista
contemporânea no Brasil. Diante disso, pode-se dizer que os blogs feministas, neste contexto,
constituiriam uma forma de ativismo que integra as lutas do movimento. Logo, “torna-se
importante refletir sobre as produções midiáticas existentes e projetar a necessidade de pensar
a mídia alternativa como um espaço de mobilização, visibilidade e fortalecimento das
demandas feministas”. (WOITOWICZ; PEDRO, 2010).
Quanto aos objetivos da pesquisa em andamento, o objetivo geral é analisar como
ocorre o processo comunicacional em um blog feminista brasileiro. Os objetivos específicos
são: (1) identificar os discursos textualmente articulados nas postagens dos blogs, a partir das
escolhas lexicais; (2) examinar que representações sobre o feminismo constroem os discursos
protagonistas; (3) analisar como essas representações reproduzem ou contestam relações de
poder.

3.2 Objetos de pesquisa


Como forma de transformar o presente trabalho em uma pesquisa tangível, faremos a
análise dos conteúdos escritos pela jornalista Nina Lemos, veiculados no Portal Uol, em
outubro deste ano (2022). No que diz respeito aos materiais produzidos até então pela
colunista, nota-se os seus enfoques ideológicos, bem como políticos, a partir dos trabalhos

13
disponibilizados por ela. A amostra de postagens analisadas, que cobre o mês de outubro de
2022 (05/10 a 31/10), reúne textos diversificados que foram selecionados por meio do
mecanismo de busca do blog Universa.

3.2.1 Blog Universa e Portal Uol


Em julho de 1995, o grupo Folha iniciou as suas atividades no novo modelo de veículo
comunicacional inovador no Brasil, a internet. O primeiro endereço da empresa nesta nova
esfera foi o Folha Web, precursora para a criação do Portal Uol. Os assuntos naquele
momento eram poucos, onde apenas editoriais de ciências e tecnologia circulavam no
ciberespaço restrito. Em outubro do mesmo ano, o grupo Folha logo expandiu o formato de
interação e lançou o portal de notícias Universo Online, cujo foco era no jornalismo digital. A
facilidade de reunir informações e transmiti-las para uma gama de usuários permitiu que o
empreendimento partisse para mais reinvenções do protótipo e, consequentemente, alcançasse
o lucro. Assim, houve o surgimento de segmentos alternativos com diferentes temáticas e
finalidades, como Shopping Uol, PayUol, entre outras porções que completam a plataforma
até os dias de hoje. O característico site da marca alavancou as práticas do webjornalismo que,
por sua vez, evolui constantemente. Universa é um formato de portal vertical 6 que se
assemelha a um anexo, provindo do Portal Uol. Intitulado intencionalmente como uma
palavra do gênero feminino, esse segmento faz referência ao nome original Universo Online,
porém dando a entender que se trata de um espaço com recortes direcionados para as
mulheres. Os assuntos que eram poucos, em meados dos anos 90, se transformaram em
muitos, e são voltados exclusivamente para grupos de minorias. O cardápio de entretenimento
e apoio da Universa transmite um cuidado com o usuário ao tocar em temas como raça,
sexualidade, política, violência, autoestima, maternidade e empoderamento, além de conter
colunas de opiniões que conversam desde tópicos ordinários a problemáticas sociais. A
criação deste blog tem como finalidade ser uma ferramenta para estimular a independência e o
protagonismo feminino na vida das próprias mulheres.

3.2.2 Nina Lemos e Portal Uol


Nina Lemos é uma jornalista e colunista nascida no Rio de Janeiro/RJ, em 1971.
Formada pela UFRJ, a sua vida profissional seguiu o rumo da moda ao chegar em São Paulo e
começar a atuar como repórter em desfiles. Com o passar do tempo, Nina desenvolveu
projetos autônomos sobre questões de relacionamentos e gêneros humanos, onde deu origem

14
ao 02 Neurônio. Este trabalho abriu portas para que ela ingressasse como colunista na Folha
de S. Paulo, em 2000. No ano seguinte, Lemos também se tornou repórter especial nas
revistas Trip e Tpm, onde permanece até hoje e como um grande destaque. Paralelamente, a
jornalista passou pela rádio e editou blogs independentes, além de focar em planos
particulares. A sua estadia no grupo Folha chegou ao fim em 2011, quando ainda participava
do caderno Ilustrada. Em 2012, Nina alçou voo para o grupo Estado, onde colaborou como
colunista para o caderno E+, do periódico O Estado de São Paulo. A empresa aproveitou o seu
envolvimento para escalá-la como blogueira do site principal da marca. O flerte de Lemos
com o webjornalismo perdura até os dias de hoje, devido a sua participação como colunista no
blog Universa, pertencente ao Portal Uol. A jornalista utiliza de acontecimentos corriqueiros e
episódios marcantes para dar a sua opinião pautada em feministas, ponderando, assim, sempre
em prol da causa das mulheres.

3.3 Percurso Metodológico


Serão adotados como procedimentos metodológicos: (1) Pesquisa bibliográfica; (2)
Pesquisa documental; e (3) Análise Crítica do Discurso.

3.3.1 Pesquisa Bibliográfica


Antônio Carlos Gil (1995) explica que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir
de material já elaborado, constituído principalmente de livros, artigos científicos, teses,
dissertações e monografias. Apesar de que, em quase todos os estudos, é exigido algum tipo
de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes
bibliográficas. O autor, a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de
permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que
aquela que poderia pesquisar diretamente. É também indispensável nos estudos históricos.
Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados senão com base em
dados secundários. Para a presente pesquisa, foram definidos os seguintes eixos temáticos: (a)
Comunicação, Gênero e Interseccionalidade; (b) Internet, Blogosfera e Feminismo.

3.3.2 Pesquisa Documental


Quanto à pesquisa documental, Antônio Carlos Gil afirma que muitos dados
importantes na pesquisa social provêm de fontes de “papel”: arquivos históricos, registros
estatísticos, diários, biografias, jornais, revistas etc. As fontes de “papel” muitas vezes são

15
capazes de proporcionar ao pesquisador dados suficientemente ricos para evitar a perda de
tempo com levantamentos de campo, sem contar que em muitos casos só se torna possível a
investigação social a partir de documentos. Como são em grande número, citamos os
principais: os registros estatísticos, os documentos escritos e a comunicação de massa e
digital. Hoje, principalmente, com a capacidade de armazenamento da internet, tornou-se
uma rica fonte documental. Por exemplo, um aluno que queira ter acesso a programas
televisivos, mas na época não gravou. Há grandes chances de encontrá-los, dependendo do
tempo que se passou, na internet, em algum portal. O mesmo ocorre com blogs, como
“Blogueiras Feministas” e “Blogueiras Negras”, que serão analisados nesta pesquisa. Para a
presente pesquisa, pretende-se coletar dez postagens de cada blog supracitado. Após isso,
será feita uma análise dos conteúdos expressos nas mensagens, o que possibilitará verificar o
posicionamento do ‘blogueiro’ diante de determinados assuntos, permitindo avaliar a forma
de atuação dos dois blogs.
Para a análise, é importante criar categorias para classificar o formato, tornando
possível um agrupamento dos dados e a indicação de tendências. As categorias de análise são
apresentadas a seguir:
1 - Análise do conteúdo das mensagens: Uma mensagem poderá ser informativa
direta, informativa indireta, opinativa, irônica, propositiva, conter uma avaliação moral, uma
avaliação crítica ou um posicionamento político;
2 - Hipertextualidade das mensagens: Os links para outros sites são importantes,
pois permitem que os usuários tenham acesso a outras informações, como também possibilita
ao autor fazer referência a outros acontecimentos, indicar leituras e distintas fontes de
informações por meio das conexões da rede. O número de links para outros blogs é um
indicador de hipertextualidade, pois dentro da cultura dos blogs é muito comum os
‘blogueiros’ referenciarem-se, criando um debate que ultrapassa os limites do blog e envolve
um amplo número de participantes;
3 - Temas abordados e comentários: Também serão monitorados os temas
principais, os subtemas das mensagens e o número de comentários que recebeu. Este
estudo permite identificar a agenda do blog e verificar quais são os temas que despertam o
maior número de comentários.

3.3.3 Análise Crítica do Discurso (ACD)


A partir do lançamento de um trabalho teórico dos britânicos Roger Fowler, Bob

16
Hodge e Gunther Kress, em 1979, intitulado Language and Control, nasce a Análise Crítica
do Discurso, doravante ACD, que é denominada assim porque “tenta revestir-se de uma
prática social transformadora da sociedade, dando aos analistas um relevante estatuto de
interventor social por meio de seu trabalho de análise.” (MELO, 2009, p. 9). Em outros
termos, Melo (2009, p. 9) pondera, de modo claro e sumarizado, que a ACD é “uma forma de
investigação das formações discursivas que engendram as relações de poder, as
representações e identidades sociais e os sistemas de conhecimento e crença”.
A ACD caracteriza-se como sendo uma abordagem teórico-metodológica da
linguagem na modernidade que, nutrida nas Ciências Sociais, volta-se para os modos como a
linguagem figura na vida social e apresenta um conjunto de métodos para a análise linguística
de dados empíricos, entendendo o texto (escrito, oral, visual) como unidade mínima de
análise. Ademais, a ACD se propõe a investigar criticamente a desigualdade social como é
expressa, indicada, constituída, legitimada, pelos usos da linguagem. Trata-se de “uma forma
de análise de discurso e texto que reconhece o papel da linguagem na estruturação das
relações de poder na sociedade”. (WODAK, 2003).
Wodak (2003, p. 35) elenca algumas premissas da ACD, que são articuladas em Kress
(1989), são elas: I) a linguagem é um fenômeno social; II) não apenas indivíduos, mas
também instituições e grupos sociais com significados e valores específicos que são
expressos sistematicamente por meio da linguagem; III) os textos são unidades relevantes da
linguagem na comunicação; IV) leitores ou ouvintes não são destinatários passivos em seu
relacionamento com textos; V) existem semelhanças entre a linguagem da ciência e a
linguagem das instituições.
Na presente pesquisa, o foco de interesse é a abordagem de ACD desenvolvida por Norman
Fairclough, que defende a articulação entre a Linguística e a Ciência Social Crítica. Não
pretendemos, de forma alguma, restringir a ACD ao trabalho de Fairclough; pelo contrário,
trata-se de, reconhecendo a heterogeneidade, perceber, também, a necessidade de um foco
específico para o desenvolvimento de pesquisas. A vertente desenvolvida pelo linguista
britânico Norman Fairclough apresenta “um método enquadrado que o autor concebe como
Teoria Social do Discurso, pois para ele, a ACD é uma forma de analisar as relações entre o
discurso e outros elementos da prática social.” (MELO, 2009, p. 12).
Este trabalho segue a proposta teórico-metodológica elaborada por Fairclough (2001),
na obra Discurso e Mudança Social, que propõe um modelo tridimensional de análise,
contemplando a investigação das dimensões da prática textual, da prática discursiva e da

17
prática social. Nesse sentido, “os textos, as práticas discursivas e as práticas sociais consistem
nas principais dimensões a serem investigadas em nossa análise, pois consideramos que o
discurso é construído e gera sentidos a partir dessas dimensões”. (RESENDE; RAMALHO,
2006, p. 58).
Esse modelo tridimensional está presente no capítulo intitulado “Teoria social do
discurso” e visa “reunir a análise orientada linguisticamente e o pensamento social e político
relevante para o discurso e a linguagem.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 89). Ainda, de acordo
com Fairclough (2001, p. 89), essa abordagem está voltada para uma investigação da
mudança discursiva em sua relação com a mudança social e cultural.
A ACD, como pode ser visto em Fairclough (2001, p. 90), propõe considerar o uso da
linguagem como “forma de prática social e não como atividade puramente individual ou
reflexo das variáveis situacionais”. Nesse sentido, segundo Araújo (2004), o significado é
produzido não por vontade de um sujeito unitário, não por determinação do sistema
linguístico ou por relações socioeconômicas, mas por intermédio de sistemas de
poder/conhecimento que são impostos pelas instituições sociais, que organizam textos e que
criam as condições de possibilidade para diferentes atos linguísticos.
Tais colocações, conforme Fairclough (2001, p. 91), apontam para a necessidade de
distinguir alguns aspectos constitutivos do discurso. Primeiramente, o discurso é um modo de
ação e de representação, isto é, por meio do discurso as pessoas agem sobre o mundo e sobre
os outros, mas também representam o mundo e as outras pessoas por meio de determinados
pontos de vista. Ademais, visualizar o discurso como prática social implica “uma relação
dialética entre o discurso e a estrutura social”. Segundo Fairclough (2001, p. 92), essa relação
dialética é necessária para evitar algumas ênfases indevidas: “de um lado, na determinação
social do discurso e, de outro, na construção social do discurso”.
A ACD de Norman Fairclough é “baseada na suposição de que a língua é uma parte
irredutível da vida social dialeticamente conectada a outros elementos de vida social, de
forma que não se pode considerar a língua sem levar em consideração a vida social.”
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 3). Assim sendo, Fairclough (2003, p. 4) afirma que percebe a
análise de discurso como algo que oscila entre um foco em textos específicos e um foco
naquilo que ele chama de “ordem de discurso”. De acordo com o autor, ordem de discurso é a
organização e o controle social da variação linguística, e os seus elementos (discursos,
gêneros, estilos) são, correspondentemente, categorias não puramente linguísticas, mas que
fazem o corte através da divisão entre linguagem e ‘não-linguagem’, entre o discursivo e o

18
não-discursivo. (FAIRCLOUGH, 2003, p. 16).
Ao retomar o enquadramento dos estudos discursivos críticos, salientamos que esta
pesquisa assume caráter emancipatório e posicionado, e abarca não apenas a descrição
linguística de um texto, mas, também, os traços linguístico-discursivos constituídos nele, que
revelam formações e posicionamentos ideológicos.
Conforme Fernandes (2014, p. 94), sob forte influência da linguística sistêmico-
funcional (LSF), o texto é visto como “detentor de traços e pistas de rotinas sociais que,
muitas vezes, passam despercebidas em consequência do processo de naturalização”.
Investigar como a linguagem atua na vida social possibilita entrever a “universalização e a
naturalização de discursos e de interesses particulares e a vinculação de textos particulares e
certas ideologias.” (VIEIRA; MACEDO, 2018, p. 68).
Fairclough (2003, p. 14) afirma que os agentes sociais tecem textos e configuram
relações entre elementos de textos. Além disso, o autor menciona a presença de algumas
limitações estruturais nesse processo, por exemplo, a gramática (natural) de uma língua
permite certas combinações e ordenamentos de formas gramaticais e não outras; e se o evento
social é uma entrevista, há convenções de gênero que a organizam. Apesar disso, Fairclough
(2003, p. 14) salienta que “os agentes sociais têm grande amplitude de liberdade na
composição e na tecitura dos textos”. Resende e Ramalho (2006, p. 29), agrupam as
categorias analíticas propostas em Discurso e Mudança Social para cada uma das dimensões
da Análise de Discurso:
Na dimensão intermediária, temos a prática discursiva, que “focaliza os processos
sociocognitivos de produção, distribuição e consumo do texto, processos sociais relacionados
a ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares.” (RESENDE; RAMALHO,
2006, p. 28). Nesta dimensão, Fairclough (2001) propõe a investigação de textos no que se
refere à produção, à distribuição e ao consumo destes, analisando aspectos como força
ilocucionária, coerência, intertextualidade e interdiscursividade. Nesta dimensão, busca-se
responder as seguintes questões de caráter sociocognitivo: “Quem escreve?”, “Para quem?”,
“Em quais circunstâncias?”, e “Por quê?”.
Quanto ao desenvolvimento do processo de investigação da prática social, os autores
Chouliaraki e Fairclough (1999) desenvolveram um enquadre baseado em etapas para análise
em ACD: a primeira etapa consiste no reconhecimento de um problema que, em geral, baseia-
se em relações assimétricas de poder; a segunda corresponde à identificação de obstáculos
que dificultam a superação do problema; a terceira equivale à função do problema na prática,

19
isto é, qual o papel do problema dentro das práticas discursivas e sociais; a quarta etapa
consiste na identificação de possíveis maneiras de superar o problema; por fim, a quinta e
última etapa estabelece que toda pesquisa em ACD deve realizar uma reflexão sobre a análise.
Em síntese, com a ADTO, Fairclough (2001) entende qualquer evento discursivo
como simultaneamente um texto, uma prática discursiva e uma prática social. Logo, “temos a
dimensão da análise linguística, da análise do processo interacional e da análise de
circunstâncias organizacionais e institucionais da sociedade.” (MELO, 2009, p. 13).

4. Análise de Conteúdo da Coluna Nina Lemos


1. Data
2. Título
3. Temática
4. Personagens e valência
5. Expressões mais utilizadas

Quadro 1 – Coluna Nina Lemos: temáticas e personagens


Data Título Temática Personagens citados e Expressões
valências utilizadas
05/10/202 Crise em casamento de Celebridades, Gisele Bundchen Casamento
2 Gisele prova: casamento, (Positiva) Divorciar-se
sobrecarga feminina divórcio e Tom Brady Dedicar-se à família
não poupa ninguém sobrecarga de (Negativa) Bruxa má
trabalho Benjamim, Jonh e Vivian
(filhos – Neutra)
07/10/202 Tiago Ramos agride e Celebridades, Tiago Ramos (Negativa) Reality show
2 chama de louca; até reality show e Mãe de Neymar (Neutra) A Fazenda
quando 'A Fazenda' violência de Neymar (Neutra) Louca
aceitará isso? gênero Bárbara Borges (Positiva) Vaca
Tati Zaqui (Positiva) Piranha
Kerline (Positiva) Machismo
Shayan Hagbin (Negativa) Agressões
Ana Prado (Neutra) Tóxico
Lucas Santos (Positiva)
Vini Buttel (Negativa)
Deolane Bezerra (Negativa)
Déborah Albuquerque
(Neutra)
11/10/202 Thiago Brennand Celebridades, Thiago Brennand (Negativa) Homem perigoso
2 mistura delírio violência de Alliny Helena Gomes Delírio misógino
misógino com certeza gênero e (Positiva) Branco
de misoginia Heterossexual
impunidade Armamentista
Conservador
Família tradicional
11/10/202 “Vou lutar pelo Celebridades, Bruno Fernandes (Negativa) Pensão
2 garoto”: ex-goleiro feminicídio e Eliza Samudio (Positiva) Assassinato
Bruno se fazer de paternidade Sônia Fátima (Positiva) Prisão domiciliar
vítima é Bruninho (filho - Neutra) Paternidade
revoltante Esquartejada
Teste de DNA

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Pesadelo sem fim
Feminicida
14/10/202 “Nova Amber Heard”: Celebridades, Angelina Jolie (Positiva) Violência Doméstica
2 Angelina misoginia, Brad Pitt (Negativa) Misoginia
sofre com misoginia separação Amber Heard (Positiva) Descredenciar
em disputa Johnny Depp (Negativa)
com Brad Pitt

17/10/202 Psicóloga do SUS: Vítimas, Natália – psicóloga (Neutra) “Pintou um clima”


2 “Todo dia Pedofilia, Bolsonaro (Negativa) Idoso boa-praça
atendo vítima de quem Abusos Vulnerabilidade
acha que
pintou um clima”
19/10/202 Assédio à Bárbara Jornalista, Bárbara Coelho (Positiva) Abusador
2 Coelho: certeza da Abuso, Presidente Bolsonaro Impunidade
impunidade opera Impunidade (Negativa) Vítima de assédio
cabeça de abusadores Abusador – não cita o nome moral online
(Negativa)
20/10/202 Vítima de abuso Celebridade, Xuxa (Positiva) Meninas bonitinhas
2 infantil, Xuxa tem Vítima de Bolsonaro (Negativa) Síndrome de
razão em se abuso Damares e Michelle (Neutra) Estocolmo
revoltar com Bolsonaro "Pintou um clima"
"Prostitutas"
25/10/202 Simone Tebet e Marina Política, Simone Tebet (Positiva) Palanques
2 dão aula e provam que Mulheres Marina Silva (Positiva) Política democrata de
lugar de mulher é nos Bolsonaro (Negativa) Centro
palanques "Vagabunda"
Coagir a ação
política das mulheres
31/10/202 Nós, mulheres que Presidente, Bolsonaro (Negativa) "Ele Não"
2 gritamos “Ele Violência, Luna (Positiva) Misógino e
não”, finalmente Discurso de homofóbico
respiramos Ódio Declarações
aliviadas machistas

Na coluna “Crise em casamento de Gisele prova: sobrecarga feminina não poupa


ninguém”, publicada no dia 05 de novembro de 2022, assinada pela colunista Nina Lemos,
aborda as relações conjugais de celebridades marcadas pela desigualdade de gênero. Ela traz a
informação de que o casal formado pela modelo bem-sucedida brasileira Gisele Bundchen e o
seu casamento em crise com o jogador norte-americano Tom Brady. Afirma que eles estão se
separando, porque Brady teria descumprido uma promessa, a de que se aposentaria para
cuidar mais da família: os dois filhos que teve com a modelo (Benjanin e Vivian) e o enteado
John. No entanto, ao contrário de Gisele, que largou a carreira para se dedicar à vida familiar;
Brady tem se recusado a fazer isso, um dos motivos que levaram aos atritos e possível
separação.
Nina ressalta que isso evoca a desigualdade de gêneros e ao mesmo tempo como
lugares ou marcadores sociais são socialmente instituídos, mesmo no caso de celebridades
como Gisele Bundchen. Ao homem, é dada a liberdade de escolher quando parar e a sua
carreira profissional é mais importante que a vida familiar. Já à mulher, mesmo se tratando de
21
uma das modelos mais bem-sucedidas na história da moda e do universo das celebridades, é
delegada o papel tradicional de “mulher, recatada e do lar”, chavão que ficou famoso com a
frase, na época, direcionada à Marcela, esposa de Michel Temer.
Em função da crise conjugal, muitos fãs do casal passaram a divulgar mensagens
ofensivas à Gisele Bundchen, enquadrando-a como a vilã, por não respeitar a carreira do
marido. Nina aponta a misoginia e o fato de que, para estas pessoas, naturalizou-se o papel da
mulher que deve ser “companheira” dos maridos e, quando é preciso fazer o “sacrifício” de
largar a carreira profissional, isso cabe às mulheres e não aos homens, afinal o “lugar da
mulher” é o de mãe, cuidadora da casa e dos filhos. Apesar de ser uma das celebridades mais
ricas da atualidade, nem tal questão tira da modelo brasileira os estigmas atribuídos à mulher
tradicional.
Na coluna “Tiago Ramos agride e chama de louca; até quando 'A Fazenda' aceitará
isso?”, de 07 de outubro de 2022, Nina Lemos faz uma análise das atitudes machistas,
agressivas em relação às mulheres no reality show da TV Record. Ela inicia aponta o
comportamento misógino do participante Tiago Ramos, que se tornou conhecido como o ex-
namorado da mãe de Neymar. Numa das edições do programa, ele atacou a cantora Tati
Zaqui, também participante, vinculando as atitudes das mulheres como o lugar de “histéricas,
loucas, drogadas”.

Ele usou as seguintes palavras para atacar a cantora Tati Zaqui: "Você é louca, você é drogada", disse,
depois que a colega esbarrou nele. Chamar uma mulher de louca é uma das formas mais clássicas de
machismo. Isso porque quando um homem fala que uma mulher é louca, desequilibrada e outros
adjetivos, ele está dizendo que ela é praticamente uma histérica. É como se não fossemos capazes de
responder pelos nossos atos.

Brigas, ofensas, mulheres sendo chamadas de piranhas e de loucas. A atual edição do programa "A
Fazenda" já pode ser considerada uma das mais tóxicas da história do programa (conhecido com um
reality onde a baixaria corre solta). Na edição de 2022, em um momento em que tanto se fala de
feminismo, o machismo parece ser liberado no reality. E vem de todos os lados (NINA LEMOS,
Portal UOL, 07 de novembro de 2022).

Nina Lemos avalia a postura machista de vários participantes, inclusive de mulheres


que agrediram outras participantes recorrendo a expressões machistas, como foi o caso da
advogada Deolane Bezerra, que numa briga com Déborah Albuquerque acionou uma postura
misógina para agredir a outra participante.

"Se eu te encontrar lá fora eu te quebro. Sua piranha do c*". Na briga, as duas gritaram se provocando:
"poderosa!" "Não, poderosa é você!". Sim, um termo que era para ser feminista e de união de
mulheres foi usado pelas duas para se atacarem mutuamemente. Triste (NINA LEMOS, Portal Uol, 07
de outubro de 2022).

22
A colunista enfatiza que reality show como “A Fazenda” são espaços em que a
misoginia, o machismo e as agressões contra as mulheres e as minorias são permitidos, até
como forma de alavancar audiência. Isso demonstra que a violência de gênero, além de se
tornar visível no programa de maior audiência da Record, é algo que agrada ao público, que,
ao assistir ao reality show e se engajar em defesas de participantes machistas, estão
compartilhando de posições tão agressivas como a dos que estão em cena. Neste caso, a
violência, que deveria ser proibida pela emissora, também é vista por parte do público como
algo “naturalizado”, em que mulheres podem ser chamadas de “loucas, vadias, piranhas” até
mesmo por outras mulheres.

Brigas, ofensas, mulheres sendo chamadas de piranhas e de loucas. A atual edição do programa "A
Fazenda" já pode ser considerada uma das mais tóxicas da história do programa (conhecido com um
reality onde a baixaria corre solta). Na edição de 2022, em um momento em que tanto se fala de
feminismo, o machismo parece ser liberado no reality. E vem de todos os lados (NINA LEMOS,
Portal UOL, 07 de outubro de 2022).

Devemos lembrar aqui a capa sintomática da revista IstoÉ, em abril de 2016, quando a
então presidente Dilma Rousseff (PT), a primeira mulher a ocupar a Presidência da
República, foi alvo de ataques misóginos. Na capa, intitulada “As explosões raivosas da
Presidente”, Dilma aparece na capa, com um semblante raivoso, sugerindo que estava
gritando e tendo um “ataque histérico”. Ao longo da reportagem, Dilma é colocada como
sendo uma autoridade desequilibrada e sem condições emocionais de comandar o país no
atual período de crise do governo.
Nas redes sociais, em resposta à matéria, a hashtag #IstoÉMachismo foi usada por
usuários e acabou se tornando um dos assuntos mais comentados na época. Jornalistas e
grupos feministas engrossaram o coro contra a revista na web. As críticas repousam no
argumento de que a matéria reforça o estereótipo machista que relaciona as mulheres ao
descontrole emocional, logo, inapropriadas para assumir cargos políticos e de liderança.
Na coluna “Thiago Brennand mistura delírio misógino com certeza de impunidade”,
de 11 de outubro de 2022, Nina Lemos retoma um caso de agressão do empresário Thiago
Brennand contra a modelo Alliny Helena Gomes, em uma academia de ginástica, para pontuar
que se trata de um comportamento recorrente do empresário.
Além disso, é evidenciada a certeza de impunidade por parte do empresário quando ele
afirma o seguinte: "Vocês mexeram com a pessoa errada. Vocês morrem de inveja. Sou
branco, heterossexual inegociável, armamentista e conservador” (NINA LEMOS, Portal UOL,

23
11 de outubro de 2022). Por meio desta fala, é possível analisar que o empresário faz uso de
características de grupos privilegiados socialmente por estarem dentro de um padrão social.
Nesse ponto, com base na análise Nina Lemos, ele não está totalmente equivocado, homens
brancos, heterossexuais e ricos como ele costumam mesmo ter privilégios. Um dado que
comprova isso é que, em 2019, a taxa de homicídios por cem mil habitantes brancos foi de
29,2, enquanto a dos não negros foi de 11,2, de acordo com o Atlas da Violência de 2021. De
acordo com a pesquisa, os negros representaram 77% das vítimas de assassinato no país em 2019. Essa
prevalência é, historicamente, um dado frequente em estudos sobre a violência no Brasil, o que é
preocupante na avaliação dos autores do estudo, porque persiste a cada nova edição do Atlas. Mas é
importante levar em conta que o empresário é acusado de crimes sérios e é investigado pela
polícia por crimes e está foragido. Ser branco e conservador não muda esse fato.
Na coluna “Vou lutar pelo garoto’: ex-goleiro Bruno se fazer de vítima é revoltante”,
de 11 de outubro de 2022, o ex-goleiro Bruno, acusado de matar Elisa Samudio, em 2010, faz
declarações solicitando o direito de se aproximar de Bruninho. E o garoto de quem ele fala é
seu filho com a mulher que ele foi condenado por matar. E o motivo de ele matar Elisa seria
justamente pelo fato de ela cobrar que Bruno assumisse a paternidade do menino.
Bruno cumpre prisão domiciliar e chegou a fazer uma live para celebrar o
cancelamento do pedido de prisão contra ele, por falta de pagamento de pensão ao filho com
Eliza. O pedido foi revogado depois de Bruno quitar o valor decidido pela justiça. Parte do
dinheiro foi conseguido graças a uma vaquinha feita com seus fãs. Em análise feita por Nina
Lemos, ela aponta que, Bruno, em seu perfil no Instagram, onde tem mais de 100 mil
seguidores, várias pessoas dizem que o que fazem com ele "não é justo". Ele seria um coitado,
vítima de duas mulheres más (Elisa e sua mãe). Neste caso, em específico, nós temos a figura
de Bruno que, perante a justiça, seria um criminoso, mas que, ao construir uma imagem de
vítima nas redes sociais, acaba ganhando legitimidade, credibilidade e apoio de pessoas que, a
princípio abominariam o feminicídio.
Temos, então, dois momentos da figura do goleiro Bruno: primeiro momento ele seria
o “lobo”, responsável por assassinar a mãe do seu filho. E, em um segundo momento, temos a
imagem da “ovelha”, já que o goleiro deixa de lado o papel de assassino e, via discurso,
consegue incorporar o papel do pai que reivindica o direito de ser presente na vida do filho.
Logo, os fãs estariam ancorados na imagem da “ovelha”, já que, em nossa sociedade, um dos
valores é que o de pai que buscar estar presente na vida do filho está fazendo algo que vai
além do básico, ele é visto como um ser extraordinário, ou seja, que vai além do comum.

24
Na coluna “Nova Hamber Heard’ Angelina sofre com misoginia em disputa com Brad
Pitt”, de 14 de outubro de 2022, trata a respeito da separação e de polêmicas envolvendo o
casal de celebridades Brad Pitt e Angelina Jolie. Nina aponta que Jolie chegou a fazer
denúncia de violência doméstica contra Brad Pitt e foi chamada de mentirosa, assim como
Amber, que, ao denunciar Deep pelo mesmo crime, foi descredibilizada. Com base nisso,
Nina Lemos aponta que uma mulher que denuncia violência doméstica precisa de
acolhimento, não de pedradas.
A problemática de violência contra a mulher é cultural e a forma como a sociedade se
posiciona em relação ao problema é o que permite a naturalização desse tipo de violência, o
silenciamento das vítimas e a responsabilização destas pela(s) violência(s) que sofreram.
Logo, é preciso levar em consideração a influência dos padrões sociais na representação do
estupro, pois abordá-lo como simples consequência de uma insatisfatória condição torna
impossível a sua resolução.
Na coluna “Psicóloga do SUS: ‘todo dia atendo vítima de quem acha que pintou um
clima”, de 17 de outubro de 2022, uma psicóloga discute a repercussão da expressão “pintou
um clima”, proferida por Jair Bolsonaro, ao se referir a meninas de 14 anos vindas da
Venezuela, dia 14 de outubro de 2022. Diante deste cenário, falas de autoridades públicas que
prezam pela espetacularização e erotização de um tema doloroso para muitas famílias,
reforçam estereótipos e contribuem para o fortalecimento da cultura do estupro.
O tema da exploração e violência sexual de crianças e adolescentes tem um custo alto
para a sociedade brasileira que não consegue garantir a proteção necessária para um
desenvolvimento seguro de meninas e meninos durante a infância e adolescência. De acordo
com os dados do “Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no
Brasil”, produzido pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a
Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2017 e 2020, foram
registrados 179.277 casos de estupro ou estupro de vulnerável com vítimas de até 19 anos –
uma média de quase 45 mil casos por ano. Crianças de até 10 anos representam 62 mil das
vítimas nesses quatro anos, ou seja, um terço do total. A maioria das vítimas são meninas, que
representam quase 80% dos casos. Na maior parte das vezes, elas têm entre 10 e 14 anos,
sendo 13 anos a idade mais frequente.
Na coluna “Assédio à Bárbara Coelho: certeza da impunidade opera cabeça de
abusadores”, de 19 de outubro de 2022, retrata uma situação de assédio vivenciada pela
jornalista Bárbara Coelho, na qual um homem se masturbou com a foto dela. Além disso, ele

25
grava um vídeo do ato e posta nas redes sociais. E ainda marca a mulher que está sofrendo
esse assédio, para que ela veja. Neste caso, Nina Lemos faz uma análise do ocorrido
apontando que é assustador como nos últimos tempos os homens resolveram assumir que se
valiam da impunidade para praticar crimes. Ela ainda problematiza a divulgação de conteúdos
ofensivos na internet e retoma a fala do ex-presidente Jair Bolsonaro na qual ele afirma que
“pintou um clima” com as garotas Venezuelanas. Tal situação aponta para a banalização do
assédio e a impunidade referente ao crime. Dados realizado pela Controladoria-Geral da
União (CGU), em julho de 2022, chama a atenção para os números relativos às 633 denúncias
de assédio sexual: 432 dessas chegaram ao fim sem punição dos agressores, fatia que
representa 65,7% do total. Isso significa que a maior parte das denúncias de assédio sexual na
esfera pública chegam ao fim sem punição.
A coluna “Vítima de abuso infantil, Xuxa tem razão em se revoltar contra Bolsonaro”,
de 20 de outubro de 2022, começa falando a respeito de um vídeo gravado pela celebridade
Xuxa Meneghel no qual ela narra os abusos que sofreu e pede para que as pessoas levem a
sério o que foi dito pelo presidente e não votem nele. Nina Lemos observa que a
apresentadora recebe muitas críticas nos comentários do vídeo, inclusive, ela é culpabilizada
por ter sofrido o abuso. Nesse caso, pode-se perceber que as mulheres, vitimadas dos crimes
de abuso sexual possuem a tendência de serem culpabilizadas por parte da sociedade devido
ao seu comportamento, pois suas palavras passam por um juízo de valoração nesses crimes e
ela acabam, muitas vezes, sendo questionadas e condenadas pela sociedade. A vítima, então,
é punida, enquanto o outro/ agressor sai ileso, sem maiores consequências.
Na coluna “Simone Tebet e Marina dão aula e provam que lugar de mulher é nos
palanques”, de 25 de outubro de 2010, Nina Lemos pontua a força e a entrega de duas
mulheres nas eleições de 2022: Marina Silva, da Rede, e Simone Tebet, do MDB. Tal fato
evidencia a competência destas mulheres para assumirem cargos políticos, mas, em
contrapartida, a representatividade feminina na política ainda é muito inferior à dos homens e
isso precisa ser revisto.

26
Conforme o gráfico acima, houve um aumento considerável na participação das
mulheres na candidatura das eleições de 2014 a 2020: em 2014 elas representavam 31,05% e
em 2020 elas representavam 33,54%. Mas a participação destas ainda é inferior. Para mudar
essa realidade, é fundamental o estímulo ao lançamento de mais candidaturas femininas,
especialmente de mulheres negras, indígenas e de identidades LGBTQIA+.
Na coluna “É como mudar o cabelo’: Anitta é irresponsável ao banalizar plásticas”, de
27 de outubro de 2022, Nina Lemos problematiza uma declaração da cantora Anitta na qual
ela compara as plásticas ao ato de mudar o visual do cabelo. Tal comparação é perigosa, pois
a plástica é vendida, muitas vezes, como um processo indolor, tipo mudar o cabelo, que pode
ser parcelado a perder de vista e é feita muitas vezes, por profissionais despreparados.
“Plásticas são cirurgias, incomparavelmente mais complexas e arriscadas do que fazer mechas
coloridas no cabelo”. (NINA LEMOS, Portal UOL, 27 de outubro de 2022). Além disso, a
fala da cantora é ainda mais problemática porque a repercussão é maior, tendo em vista que
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ela é uma figura pública. Logo, a responsabilidade social é ainda maior quando se trata de um
assunto como este.
Durante a quarentena, assuntos como Lipo HD ou LAD, silicone, rinoplastia e
harmonização facial dominaram as redes sociais, principalmente o Instagram. Isso porque
dezenas de digital influencers aderiram à onda de cirurgias plásticas e procedimentos
estéticos. E, fazendo jus às suas profissões, acabaram por influenciar seus milhões de
seguidores. Boa parte dos influenciadores realizam os procedimentos em permuta, ou seja,
não pagam pelas cirurgias em troca da divulgação da clínica de estética e do médico aos seus
milhões de seguidores. Por se tratar de uma parceria ou propaganda, muitas vezes, eles não
abordam sobre os riscos dos procedimentos, as dores do pós-operatório, as complicações de
cicatrização, os gastos envolvidos, e outros aspectos negativos do processo. E isso aponta para
o fato de que, na tentativa de se encaixar num padrão de beleza "ideal", milhões de pessoas,
principalmente mulheres, recorrem a intervenções estéticas caras e perigosas. Muitos desses
procedimentos podem gerar complicações e, até mesmo, levar à morte, principalmente
quando são feitos por profissionais não especializados ou com materiais proibidos para o
corpo humano.
Na coluna “Nós, mulheres que gritamos ‘Ele não’, finalmente respiramos aliviadas”,
de 31 de outubro de 2022, Nina Lemos analisa alguns comentários e posturas machistas,
homofóbicas e preconceituosas do ex-presidente Jair Bolsonaro e aponta a vitória do Lula
como uma forma de alívio. Evidencia-se nesta coluna o fato de Bolsonaro reforçar a ideologia
patriarcal e fomentar o desenvolvimento de práticas e discursos políticos que limitem a
compreensão da sociedade em relação a gênero.

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4. Considerações finais
Esta pesquisa auxiliou na compreensão dos processos de reprodução de uma
determinada prática social – em especial, a prática do machismo – que se realiza e/ou é
naturalizada, muitas vezes, por meio do discurso. A partir disso, surge a necessidade de
(re)pensarmos nas questões de gênero, na perpetuação das desigualdades sociais e,
consequentemente, no discurso hegemônico que estará sempre elegendo uma visão de
mundo e contribuindo para a reprodução de práticas de estupro que são estabelecidas
como fazendo parte da ordem natural das coisas. O reconhecimento de outras formas de
observar e significar o mundo nos leva a repensar tais práticas e os fatores pelos quais
elas são reproduzidas.
Por meio das colunas analisadas, verificou-se a predominância de temáticas voltadas
para a violência contra a mulher, o machismo, a homofobia, a representatividade da
mulher na política e a pressão dos padrões estéticos na sociedade contemporânea. Tais
temáticas presentes em um portal de grande alcance são capazes de alcançar fóruns de
discussões, geram uma apropriação de espaço e fomentam o debate. E isso é
fundamental para que haja uma mudança, mesmo que paulatina, via discurso.

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6. ANEXOS

Os anexos estão disponíveis no link abaixo:

https://drive.google.com/drive/folders/1fYrJmK95jdgfEB-n1D0LJXJYMjCVyHt1?
usp=share_link

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