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SEMINÁRIOS
SEMINÁRIO DE TOPOLOGIA
Coordenação: Ligia Gomes Víctora
Sexta-feira, 18h15 às 20h15, quinzenal
A LÓGICA DA REPRESENTAÇÃO
Coordenação: Luis Fernando Lofrano de Oliveira
Quinta-feira, mensal, 20h15. Início: 21 de março. Santa Maria, RS
O PAI
Coordenação: Sidnei Goldberg
Terça-feira, semanal, 12h. São Paulo/SP
GRUPOS TEMÁTICOS
AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE
Coordenação: Gerson Smiech Pinho
Quinzenal, 2ª e 4ª sextas-feiras do mês,16h15. Início: 08 de março
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
E OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE
Coordenação: Heloisa Marcon
Sexta-feira, 16h, mensal. Blumenau/SC. Início em março
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO
Coordenação: Larissa Costa Beber Scherer
Terça-feira, quinzenal, 19h30. Novo Hamburgo/RS. Início em abril
GRUPOS TEXTUAIS
LEITURAS LACANIANAS
Coordenação: Márcia Goidanich e Rossana Oliva Braghini
Segunda-feira, quinzenal, 16h30. Passo Fundo/RS. Início: 18 de março
NÚCLEOS DE ESTUDO
OFICINAS
TOPOLOGIA
Coordenação: Ligia Víctora
Sábado, 10h, semestral
LETRAVIVA
Atividade da Comissão da Biblioteca, com leitura e discussão de trabalhos
elaborados por colegas da APPOA
Semestral
SARAU
LINHAS DE TRABALHO
5. Psicanálise e Justiça
Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro e Márcia H. de M. Ribeiro
Encontros a combinar
5.1 Rodas de Conversa: Psicanálise e Justiça
Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro e Márcia H. de M. Ribeiro
Encontros a combinar.
6. Psicanálise e Educação
Coordenação: Roséli M. O. Cabisatani e Gerson Smiech Pinho
6.1 Rodas de Conversa com o SINPRO
Coordenação: Roséli M. O. Cabistani
Encontros bimensais
EVENTOS DO ANO
PERCURSO DE ESCOLA
TURMA XII
Terceiro semestre: Narcisismo e identificação
Quarto semestre: O sintoma
TURMA XIII
Primeiro semestre: Inconsciente
Segundo semestre: Édipo e castração
TURMA IV
Terceiro semestre:
Direção da Cura I e II
Psicanálise e Intersecções I
Latência, Puberdade e Adolescência
Quarto semestre:
Direção da Cura III
Psicanálise e Intersecções II
Infância e Adolescência na contemporaneidade
Estudo em Cartéis
Roséli M. O. Cabistani
Esse sujeito, suspenso de suas certezas, que se deixa marcar pelo acon-
tecimento, não é o sujeito senhor de si, forte, autônomo e inatingível, igno-
rante do fato de que não é o único autor de sua história.
A possibilidade de a educação resgatar sua função de produzir laço
social passa pela inclusão da dimensão da experiência, processo através do
qual ela poderia retomar seu caráter formador e transformador. A ciência
moderna, cartesiana, desconfia da experiência, afirma Bondía (2002). A
experiência transformada em elemento do método torna-se experimento,
“uma etapa no caminho seguro e previsível da ciência”. Com isso perde-se
“o que nos acontece”, o saber da experiência e o conhecimento são separa-
dos. Há uma inflação de informações e conhecimentos e pouco lugar para a
singularidade da experiência. Efeitos derivados da ‘unificação do mercado
em escala universal’, que tornou-se possível devido à universalização que o
discurso da ciência introduziu. Discurso científico e discurso capitalista
unidos no mesmo processo. Surge com isso o que se chama mercado de
saber, onde as pessoas não são somente tocadas pelos objetos de consumo
exteriores, mas, internamente, pelo saber, guindadas à posição de objeto de
consumo, que através das mídias globalizadas nos chega como meio para
adquirir um saber total sobre tudo.
Confrontando informação e experiência, podemos afirmar que se o
experimento é genérico, a experiência é singular, produzindo diferença e
pluralidade, o que a torna especialmente valiosa para a educação, pois
seu compartilhamento é o que a legitima e faz laço social. Costa (2000)
argumenta que é a transmissão da experiência que confere autoridade ao
vivido. É preciso o endereçamento a um outro, o que justamente aponta à
insuficiência do sujeito que enuncia e à insuficiência do Outro. Ao pen-
centar que é provável que também não falem mais. O que não é o mesmo
que dizer que eles se tornaram mudos, mas que eles sentem a maior dificul-
dade de se integrar no fio de um discurso que distribui alternativamente e
imperativamente cada um em seu lugar: aquele que fala e aquele que escuta.
O que quer dizer isso? Que a palavra possui em si mesma uma autori-
dade. Não se trata mais da autoridade de alguém que costuma se lamentar
que falta, mas de falar para ocupar um lugar no discurso social e disso
estamos todos carentes. Ao abandonar a autoridade da palavra, não pode-
mos mais escrever e não podemos mais ler. Não é isso que acontece com
nossos alunos e com os próprios professores muitas vezes?
Dessa pobreza simbólica, Dufour conclui que, como os alunos foram
impedidos de se tornarem alunos, por estarem mal instalados na função
simbólica, da palavra, os professores estão cada vez mais impedidos de
exercer seu ofício. O que vemos crescer assombrosamente são os atos vio-
lentos dentro da escola e fora dela, uma vez que quando a palavra perde
seu valor, o que surge é o uso da força e da coerção.
Referências bibliográficas
BONDIA, Jorge Larrosa. “Notas sobre a experiência e o saber da experiência” Revista Brasileira de Educação, Belo Horizonte,
n.19, p20-28, jan./abril.2002.
COSTA, Ana Maria Medeiros. “Autoridade e Legitimidade”. In: KHEL, Maria Rita, et al. Função Fraterna. Rio de janeiro: Relume
Dumará, 2000.
DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Rio de Janeiro: Companhia
de Freud, 2005.
EIDAM, Heinz. “Educação e maioridade em Kant e Adorno”. In: DALBOSCO, Cláudio Almir, Flickinger, Hans Georg. Educação e
maioridade: dimensões da racionalidade pedagógica. São Paulo: Cortez; Passo Fundo: Ed. UPF, 2005. p.104-137.
FREUD, Sigmund. “Projeto para uma psicologia científica” (1895). Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund
Freud. Rio de janeiro: Imago, 1980. V. 1.
Rose Gurski
1
Este artigo é uma parte da conferência “Três tópicos para pensar (a contrapelo) o mal-estar na educação”, proferida por ocasião
do 9° Colóquio Internacional do LEPSI e 4° Congresso da RUEPSY, em outubro de 2012, na USP.
3
Para outros detalhes acerca do conceito de mestre não-todo, ver Pereira (2008) e Kupfer (2000).
de que algo de nossos feitos continua na geração que chega. Tomando essa
questão, não é difícil perceber o quão distantes ficam os traços efêmeros da
contemporaneidade frente à natureza daquilo que a educação representou
ao longo da história. Especialmente porque nosso tempo tem sido pródigo
na descartabilidade e no tom fugidio das relações. Segundo Bauman (2002),
jogar fora é a verdadeira paixão de nosso mundo.
Compreendemos, assim, que a durabilidade não constitui mais ne-
nhum apelo na direção da educação, pelo contrário, o novo como novidade
passou a importar mais que qualquer tradição de pensamento. Questão
muito bem enunciada em Monsieur Lazhar (Falardeau, 2011), um filme
canadense, cujo enredo parte do suicídio de uma professora na escola e,
entre outras questões, revela o choque frente à tradição de transmissão dos
bens culturais e a demanda de funcionalidade do ensino posta na atualidade.
Mr. Lazhar é um professor argelino que pede asilo político no Canadá
e, ao transmitir aos alunos, clássicos da cultura, como Balzac e Molière,
acaba sendo repreendido pelas várias instâncias escolares que pedem, na
literalidade, que ele não eduque os alunos, apenas ensine.
Após mostrar o suicídio de uma professora que ocorre dentro dos muros
da escola, aos poucos, a narrativa vai revelando, no dia-dia, todo o apaga-
mento do lugar do professor como autoridade, a famosa desautorização
docente (Pereira, 2008). Ou seja, algo do lugar do suposto saber na relação
transferencial com o professor modificou e, talvez, como disse Baudelaire
(1996), em relação à Modernidade: não há mais volta neste processo. O
declínio da tríade Deus-Rei-Mestre parece realmente desvelar certa pane na
relação com o Outro como sintoma do laço social atual. Questão que, além
de emprestar outras nuances à fisiologia da transferência com os lugares de
autoridade, parece revelar certa crise do sujeito com a dimensão do tempo.
Referências bibliográficas
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
BAUMANN, Zigmunt. Desafios Educacionais da Modernidade Líquida. In: Revista Tempo Brasileiro, 148: 41/58, jan-mar. 2002, p.
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BENJAMIN, Walter (1933). Experiência e pobreza. In: _________. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas I. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 114-119.
______. (1935). Paris, a capital do século XIX. In: Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2006, p. 39-51.
______. (1936). O Narrador. In: _____. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.
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_______. (1940). Sobre o conceito de história. In: _________. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas I. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 222-232.
______. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. Obras Escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 1989.
GURSKI, Rose. Três Ensaios sobre Juventude e Violência. Escuta: São Paulo, 2012.
GUTIERRA, Beatriz Cauduro Cruz. Adolescência, Psicanálise e Educação: o mestre “possível” de adolescentes. São Paulo:
Avrecamp, 2003.
KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.
KRAEMER, Sonia. Educação a contrapelo. In: Revista Educação – Especial Benjamin pensa a educação. São Paulo: Segmento,
n° 7, 2008, p. 16-25.
KUPFER, Maria Cristina Machado. Educação para o Futuro: Psicanálise e Educação. São Paulo: Escuta, 2000.
LACAN, Jacques. (1964). Seminário 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
MATTOS, Olgária. Benjaminianas – cultura capitalista e fetichismo contemporâneo. São Paulo: Unesp, 2010.
McGUIGAN, F. J. Psicologia Experimental: uma abordagem metodológica. São Paulo: EPU, 1976.
O professor-sintoma
Wo Es war, soll Ich werden (onde isso estava, deve eu vir a ser)2 é uma
máxima freudiana, que guarda um princípio ético que o postula à sua clíni-
ca – e que orienta nossos trabalhos. Temos aqui o preceito que pretende
evocar, a um só golpe, o lugar e o aparecimento da subjetividade como tal.
A tradução literal dessa máxima não é simples, resultando, de acordo com
nossas investigações, em mais de vinte modos diferentes de apresentá-la.
Na Edição brasileira das obras completas (Imago), por exemplo, consta “onde
estava o id, ali estará o ego”, já que os termos Es e Ich, em alemão, signifi-
cam, respectivamente, isso e eu, em português, ou id e ego, em latim –
1
Psicanalista, Pós-doutor em Psicologia, Psicanálise e Psicopatologia Clínica e Professor da UFMG. O presente artigo fundamenta
a palestra proferida pelo autor no âmbito da 8ª Roda de Conversa do PPGE/IP-UFRGS/ APPOA/Simpro-RS (set/12), e revisa ideias
contidas em seu livro Acabou a autoridade? (2011).
2
Freud (1933, p.102). Essa máxima, recuperada com perícia por Lacan em vários momentos (p.ex., 1955, p. 418-419), é bastante
debatida por outros psicanalistas e pensadores como, p.ex., Kehl (2002), Matteo (2006), Little (2007) e Pereira (2003).
3
A nosso ver, a imprecisão ainda não foi sanada na recente e tão esperada versão dos textos freudianos, traduzidos diretamente
do alemão por Paulo César de Souza, exímio conhecedor da língua saxônica. Sua versão diz: “Onde era Id, há de ser Eu”; o que
faz a frase traduzida da edição anterior da Imago parecer mais acertada. Cf. Freud, O mal-estar na civilização e outros textos (1930-
1936), São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
O sintoma
O sintoma não é um sinal de uma doença, como habitualmente se
pensa a partir da ordem médica, mas um fenômeno subjetivo constituído
pela realização deformada do desejo. Nesse sentido, ele é aquilo que mescla
restrição e satisfação, interdição e gozo, pois, se há alguma realização de
desejo, esta se dá de maneira enviesada. Logo, o sintoma é para o sujeito,
ao mesmo tempo, aquilo que não anda bem, já que lhe causa sofrimento,
mas também aquilo que lhe cabe bem, já que ele passa a gozar com seu
sintoma.
Para Freud, o termo adquire um sentido radicalmente novo, quando o
considera – no caso da neurose – uma pantomima do desejo, um simula-
cro, que carrega consigo uma mensagem cifrada. “Não podemos descrever o
medo como sintoma”, diz o autor ao analisar a fobia, e acrescenta: “é o
deslocamento (de algo para o objeto do medo) que tem o direito de ser
chamado de sintoma” (Freud, 1926, p. 125). Entretanto, o autor acreditou
que através da interpretação ou da decifração de tal deslocamento se conse-
guiria alguma suspensão do recalque, a ponto de o sujeito surgir como ser
de desejo, não mais escravo do seu sintoma ao suprimi-lo ou deslocá-lo.
Mas, longe disso, Freud conheceu o osso da resistência. Há algo do sinto-
ma que não cede à decifração e se mostra aderente à fixação. Isso o leva a se
perguntar por que razão o sintoma é tão resistente, a que conclui: “sabemos
que o sintoma é resultado de um conflito, e que surge em virtude de um
novo método de satisfazer a libido. As duas forças nele, por assim dizer, se
reconciliam” (Freud, 1917, p. 419).
Existe, portanto, um ponto real, um ponto de gozo libidinal que tem a
qualidade de uma compulsão, diz o autor. Esse ponto é aquele cuja realida-
de psíquica, e não a material, é, em suas palavras, a realidade radical (ibid,
p. 430). Tal realidade manifestada no sintoma parece definitivamente não
ceder à decifração simbólica, pois há algo nele que “retorna a um tipo de
autoerotismo difuso” (ibid, p. 428), isto é, ao instante em que sujeito e
objeto estão indiferenciados. Autoerotismo difuso, realidade radical, resis-
O professor-demônio-sintoma
De maneira muito genuína, um professor apresentou-se bastante vital
tanto em sua função quanto para falar sobre si em nossas intervenções. Ad-
mitiu que a mulher, a patroa, diz ele, sempre mandou em sua vida, que
sempre se deixou controlar. Foi levado ao magistério de maneira forçada pela
ex-esposa e por uma diretora da escola em que primeiro trabalhou como
professor. Ele acredita que a educação é coisa de mãe e a escola também. Em
suas palavras: “Eu acho que o ensino, em si, é muito da ordem de ser mãe,
de aconchegar o outro...; eu acho que a educação ainda tem muito a ver com
a mãe, tem de ser mãezona, o professor”. E revela também: “Sempre tive um
receio da escola, sempre; eu sou um aluno ainda, muito ainda [...]. Eu sem-
pre me escondo, é uma dificuldade que eu tenho de lidar com ela...”. Ela?
Escola, mulher e mãe parecem se embaraçar na fala desse professor, a
ponto de refletir na história que ele próprio conta aos alunos, estrategica-
mente, sob a forma de novela, em capítulos, para que os mesmos sintam-se
motivados em suas aulas. “A história é muito sedutora”, diz ele, e envol-
vem personagens como a mulher, o homem e o demônio. A cada dia, e im-
provisadamente, ele a conta um pouco mais: “É na hora, na hora, cada dia eu
conto de uma forma, dou sempre uma sequência. Nem sei como. Aí eu jogo:
quem é mais inteligente o homem ou a mulher? Aí, vira um auê, vira uma
votação. Vamos ver quem descobre, quem tem propostas, entre o demônio, a
mulher e o homem; e eles têm de fazer a proposta, e o demônio acha uma
maneira... de sempre querer ser a mulher; a mulher tem o poder, a força, e ela
consegue manipular o demônio o tempo todo, e eles não acham... saída [sa-
ída? – pontuamos]. É, na minha história, na minha história”.
Não é improvável admitir que temos aqui um elemento essencialmente
clínico, por demais singular e que revela um modo muito peculiar de
docência. O professor parece dizer que, ao construir uma história, que pa-
rece ser a sua (na minha história), ele atualiza o poder manipulador da
mulher, que faz do homem um submisso, como ele mesmo julgou a si.
Talvez ele requeira à sua história uma mulher (fálica) para manipular o
demônio, que pode ser ele mesmo; ou talvez seja ela o próprio demônio, já
que este “acha uma maneira de sempre querer ser a mulher...”. O fato é que
parece não haver saída para a sua história, fazendo-o se deparar com o mais
real de si mesmo, com o mais singular, com algo a que se sinta concernido.
Seu modo de docência teria nesse ponto algo em si de mais real e que,
como tal, poderia fazer o sujeito comparecer, o sujeito werden (vir a ser). E
o que é o mais real do sujeito senão o seu próprio sintoma – esse dado
formidável da experiência analítica? Esse professor estaria entre aqueles
poucos que fazem de sua mestria um sintoma?
Ora, presumimos que sim. Falamos aqui dessa pantomima do desejo
ou disso que as pessoas têm de mais real. O sintoma desse professor parece
guardar algo estrutural que de maneira alguma poderia ser interpretado,
suprimido ou erradicado, já que não é uma verdade suscetível à significa-
ção. Lacan com Joyce possibilita-nos concluir que, para além de Freud, a
prótese-sintoma, isto é, o sintoma que institui um Eu substituto para o
irlandês, resulta em sua atividade de escritor. Sua escrita-sintoma não é
para ser decodificada, mas, antes, é para inscrevê-lo no mundo de maneira
decididamente singular. Se for assim, como em Joyce, acredito que certos
professores – muito poucos, a exemplo do professor-demônio – elevem seu
ofício à condição de prótese ou a um modo de ser do seu próprio sintoma.
Eis a mestria como sintoma ou um saber-fazer com ele que fariam werden
(vir a ser) certos professores no mundo como... professores.
Referências bibliográficas
Freud, S. “Conferências introdutórias” In: Obras Psicológicas. Rio de Janeiro: Imago, (1917)1980, v. 16.
_____. “Inibição, sintoma e ansiedade” In: Obras Psicológicas. Rio de Janeiro: Imago, (1926) 1980, v. 20.
_____. “Novas conferências introdutórias” In: Obras Psicológicas. Rio de Janeiro: Imago, (1933) 1980, v. 22.
Kehl, M. R. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
Lacan, J. “A coisa freudiana” In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, (1955)1998.
_____. “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, (1960)1998.
_____. O seminário. Livro 23. O sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, (1975-76) 2008.
Little, M. A resposta total do analista às necessidades do seu paciente. In: Revista da APPOA. Porto Alegre, n. 32, jan/jun, 2007.
Disponível em: http://www.appoa.com.br/download/Revista323.pdf?PHPSESSID=7ff0bac702990c82145bab54c52ff632. Acessado
em 30 nov 2012.
Pereira, M. R. O avesso do modelo – bons professores e a psicanálise. Petrópolis: Vozes, 2003.
______ et al. Acabou a autoridade? Professor, subjetividade e sintoma. Belo Horizonte: FinoTraço/Fapemig, 2012.
1
Psicóloga, Especialista em Educação Inclusiva, Mestre em Psicologia Clínica e Doutora em Educação. Pós-doutoranda em
Educação. Membro da Enlace – Clínica e Projetos Interdisciplinares
Referências bibliográficas
BAUMANN, Zygmunt. Vida para consumo – a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
MRECH, Leny. Mudanças nas formas de saber e os novos laços sociais nas instituições educativas. In: MRECH, Leny; PEREIRA,
Marcelo (ORGS.). Psicanálise, transmissão e formação de professores. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. p. 13-26
PEREIRA, Marcelo; PAULINO, Bárbara; FRANCO, Raquel. Acabou a autoridade? Professor, subjetividade e sintoma. Belo Horizonte:
Fino Traço, 2011.
Convocação
Acaçapado no chão, a cabeça entre os joelhos, as tíbias comprimidas
pelos braços – o direito coberto por uma capa verde, o esquerdo, por uma
capa rosa –, o homem é rodeado pelos manifestantes. Está vestido de cinza,
com tecido que lhe cola ao corpo sem deixar nenhuma prega. O homem
levanta-se devagar, hesitante, dobra e desdobra os joelhos repetida e
ritmadamente. Seus braços também vibram ligeiramente, abrindo e fechan-
do-se. Logo percebe-se que as capas têm forma de asa: abaixo da direita lê-
se papa, da esquerda, maman. À medida que o homem se ergue, imitando
o nascimento, primeiros passos, de um pássaro, as pessoas à sua volta se
1
Psicólogo (UFRGS), Mestre em Antropologia (EHESS-Paris), Mestre e Doutorando em Psicanálise (Université Paris VII). Psicólogo
clínico no Centre Médico-Psycho-Pédagogique de Montgeron, região parisiense. mlucemadeira@gmail.com
2
“Papai, mamãe: não se mente para as crianças”.
O argumento Contra
O psiquiatra de crianças e psicanalista, diretor do Departamento de
Psicanálise de Crianças e Adolescentes do Hospital Pitié-Salpêtrière,
Christian Flavigny é o principal ícone psi dos Contra. Ele publicou no
último mês de novembro o livro intitulado Eu quero papai E mamãe, no
qual afirma que o casamento homossexual produz a falsificação da famí-
lia, pois os homossexuais estariam “fora dos laços de filiação”. Para ele, o
casamento homossexual estabeleceria um corte na genealogia da criança,
descosturando sua linhagem e fraudando sua origem.
Flavigny sustenta que os laços diretos de filiação “garantem a inter-
dição do incesto”. Ademais, “o pai homossexual encarna o fato de que a
criança está privada de ter mãe, e isso faz com que ela se desestime”, diz
ele. Seus argumentos são, aliás, amplos e implicam frequentemente todo o
tipo de adoção, pois declara que mesmo os padrastos não podem “assumir
o papel de transmissão da paternidade”.
Com propósitos semelhantes, Pierre Levy-Soussan, psiquiatra e psica-
nalista consultado pela Assembleia Nacional, propõe que crianças adotadas
por casais homossexuais seriam “sem domicílio afetivo”, cunhando pala-
vra-chave dos Contra. A expressão retoma a fórmula francesa usada aos
moradores de rua – sem domicílio fixo. Ou seja, assim como é recorrente
nos debates sobre moradores de rua, Levy-Soussan aponta ao risco da
autorização do casamento homossexual talhar o laço social. Qualquer as-
sociação à imagem do passarinho bambo que ficaria sem papai nem ma-
mãe não é mera coincidência.
Assim, se por um lado, podemos nos alegrar com a convocação da
psicanálise ao debate e, ademais, que ela seja debatida por profissionais
experientes, por outro, a posição de predição na qual estes se situam causa
constrangimento. Tais leituras melancólicas, generalizadoras – e, por isso,
avessas ao trabalho psicanalítico –, vão ao encontro da pletora de concep-
ções prêt-à-porter produzidas por psis e afins. Uma delas, porta, por exem-
Prós e Desconfiados
Os Pró defendem o casamento homossexual sustentando que é o olhar
dos cuidadores que tece a sexualidade, a noção de origem, a história dos
filhos. Insistem, ademais, em salientar a prática clínica, afirmando que há
priscas eras recebem crianças adotadas por casais homossexuais e que estas
não parecem sofrer mais que as outras; e que não se pode estabelecer gene-
ralização que lhes defina sintomas específicos ou aguçados.
Cabe notar que um número considerável de psicanalistas preferiu não
tomar partido entre Prós e Contras. Desconfiar da demanda que coloca o
psicanalista em lugar de saber, de expertise, que o autorize a apontar e
predizer o que é adequado ou não para a sociedade parece salutar. Isso não
significa, necessariamente, indiferença frente ao contemporâneo e às dis-
cussões políticas, nem repúdio aos partidários. Não significa, outrossim,
calar face às concepções da psicanálise que por estes são empregadas.
Deste modo, vale ressaltar que, há menos de dois anos, os psicanalis-
tas franceses estavam em polvorosa pela publicação do livro de Michel
Onfray, o qual, baseado exatamente em leituras parecidas com as dos Con-
tra – porém, ainda mais rasteiras –, tratava Freud de misógino, anti-semita,
perverso, instigador do nazismo. A obra tornou-se o livro de não-ficção
mais vendido na França em 2010!4
3
Ver: Le collectif pas de zero de conduite, 2011.
4
Ver MADEIRA, p. 14-15.
5
LEVI-STRAUSS, p. 60-79.
6
Ibidem, p. 99.
ganharão contorno nas organizações sociais. Neste ponto, ele faz outro
salto, almejando afastar-se da consideração simplista de que a sociedade
primitiva seria regressiva, tosco rascunho da nossa alma tão civilizada.
“Compreendemos melhor as estruturas das sociedades primitivas as com-
parando às atitudes sociais de nossas próprias crianças; mas os primiti-
vos não se enganariam se empregassem o mesmo método e nos compa-
rassem com elas.”7
Nossos anseios, tais quais foram calcados na infância, terão repercus-
são no modo como concebemos o laço social e as instituições. Teceremos
nosso fantasma do laço social, e, com ele, nossas idealizações, mais ou
menos individuais ou reivindicadoras. É determinada idealização do laço
social, notadamente da tríade mãe-pai-criança, de preferência consanguí-
neos, que os Contra veem posta contra a parede. A imagem da criança –
homem-pássaro – sendo acolhida de ambos lados, deduz a deficiência dos
homossexuais em abrigarem seus filhos afetivamente, e é esse argumento
que os psicanalistas Contra findam, surpreendentemente, por empregar.
O que parece em questão é menos a idealização dos filhos dos Contra, do
que a dos seus próprios pais – e consequentemente deles mesmos enquan-
to pais. É essa idealização que é aparentemente protegida, e não as crianças
em si. As crianças, aqui, talvez estejam em posição contrária: elas são os
escudos das auto-idealizações de seus pais.
Referências bibliográficas
LE COLLECTIF PAS DE ZERO DE CONDUITE. Les enfants au carré ? Une prévention qui ne tourne pas rond! Paris, Erès, 2011.
LÉVI-STRAUSS, Claude [1947]. Les structures élémentaires de la parenté. Paris, Maison des Sciences de l’homme, 1981.MADEIRA,
Manoel. “Por que tanto circo?” In: Revista Norte, Agosto/Setembro 2010.
7
Ibidem, p. 111 (Tradução minha).
Bibliotecas: catedrais
do devaneio
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GOULEMOT, Jean Marie
Tradução de Maria Leonor Loureiro
São Paulo, Editora Unesp, 2011
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