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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

DÉBORA LOURRÂNIA SILVA DOS SANTOS

Como é que você nunca ouviu falar?


Análise do impacto da música Sulicídio no imaginário do rap nacional

Natal - RN

2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

DÉBORA LOURRÂNIA SILVA DOS SANTOS

Como é que você nunca ouviu falar?


Análise do impacto da música Sulicídio no imaginário do rap nacional

Projeto Experimental apresentado em cumprimento às


exigências das atividades da disciplina Projeto Experimental
em Publicidade e Propaganda (PUB0001) do Curso de
Comunicação Social com habilitação em Publicidade e
Propaganda, requisito básico para obtenção de grau.

Orientador: Prof. Dr. Antonino Condorelli

Natal - RN

2018
AGRADECIMENTOS
O primeiro agradecimento por este trabalho estar se concretizando eu devo à minha
mãe, Dilza. Ela que me deu o rap como herança desde que estive na sua barriga, me
alimentou com muito amor e me inspira com toda a sua força. Ela e meu irmão Danilo, me
ensinaram ainda criança que o rap é muito mais que um gênero musical. Ganhei uma visão de
mundo, autoestima, causas para defender, e muito mais. Agradeço também a meu primo
(quase irmão) Rodrigo por tanta confiança depositada e todas as nossas extensas conversas
sobre o quanto o rap é incrível. Agradecimentos especiais devo também à minha irmã Luana
e minha avó Creuza, por todo o amor, carinho e cuidado que me proporcionam.

Agradeço imensamente aos meus poucos e maravilhosos amigos e amigas por todo o
afeto, paciência, amor e boas energias, mesmo os mais distantes. Foi de extrema importância
saber que eu tinha vocês por mim independente de qualquer coisa. Em especial: Lordana
Fontineli, Louise Soares, Ana Neves e Clemilson Morais. E também a esses dois que moram
no meu coração e me proporcionam valiosos diálogos que vão para muito além do rap:
Leozinho do B.A e MC Nigro. Amo muito todos vocês.

Aos amigos e colegas que me ajudaram de alguma forma com informações, opiniões,
feedbacks e apoio para que este trabalho fosse construído, meu muito obrigado. Em especial:
Jamisson Pinheiro. Sou muito grata pela sua ajuda. Você é uma inspiração.

Agradecimentos especiais a todos os docentes que me encorajaram ao longo da vida


acadêmica, desde o ensino básico até a faculdade. Não sei o que teria sido da minha vida hoje
se eu não tivesse encontrado sempre um professor que acreditou no meu potencial e me
ajudou a seguir em frente e conseguir entregar o primeiro diploma universitário da história da
minha família. Meu muito obrigado especial ao professor e orientador Antonino Condorelli,
por ter acreditado no projeto, pela paciência, confiança e por me acalmar nos momentos mais
críticos.

E por fim, não poderia deixar de agradecer ao Hip Hop. Obrigado por salvar minha
vida, por correr nas minhas veias, por tudo que me proporcionou e continua proporcionando e
por continuar salvando a vida dos meus irmãos e irmãs. Se estou aqui hoje é por você.
“É necessário sempre acreditar que o sonho é possível, que o
céu é o limite e você, truta, é imbatível, que o tempo ruim vai
passar, é só uma fase, e o sofrimento alimenta mais a sua
coragem”.
A Vida é Um Desafio - Racionais MC’s
RESUMO
A ampliação no consumo do rap como gênero musical no Brasil evidenciou alguns
fenômenos de mercado. A centralização do rap nacional e consequente invisibilização sofrida
pelo rap nordestino passa a ser uma pauta discutida no momento em que a concorrência desse
mercado é questionada, em 2016, pela faixa Sulicídio. A música colocou essa questão diante
dos olhos da cena, e despertou um grande número de comentários no ciberespaço. Estes se
mantiveram e se modificaram ao longo do tempo, ao passo que a cena do rap nacional refletia
diante da causa apontada pelos versos: a luta do nordeste por espaço na cena e nesse
mercado. Assim, a repercussão online da música foi analisada nesta pesquisa buscando
compreender em que nível e que tipo de impacto ocorreu na percepção dos consumidores do
gênero em relação ao rap feito não apenas no Nordeste, mas em todo o país, para além do
eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Através de uma análise de conteúdo categórico-temática, os
comentários foram selecionados, classificados e analisados. A interconexão a partir de sua
basilar participação na formação das comunidades virtuais e o natural poder destes elementos
na articulação de uma inteligência coletiva guiaram as análises do que foi construído como
imaginário da cena sobre a música. Em um estudo mais profundo do comportamento dos
internautas na plataforma Facebook, a dinâmica das conversações em rede é investigada e
também em observância à relevância desse tipo de comunicação para visibilização,
articulação de grupos com interesses e opiniões comuns, e potencial ferramenta de construção
e transformação de um conhecimento coletivo.

Palavras-chave: Rap; Centralização; Sulicídio; Nordeste; Visibilização.


ABSTRACT
The increase in consumption of rap as musical genre in Brazil evidenced some market
phenomena. The centralization of national rap and the consequent invisibility suffered by rap
made in northeastern region of Brazil becomes a topic discussed at a time when a competitive
market is questioned in 2016 by the music track Sulicídio. The song brought this issue to
light in the rap scene and aroused many comments in cyberspace. These remained and
modified over time, while the national rap scene reflected to the cause pointed out by the
verses: a northeast’s fight for space in the scene and in that market. Therefore, an online
repercussion of music was analyzed in this research trying to understand in what level and
what kind of impact occurred in the perception of the consumers of the genre in relation to
the rap made not only in the Northeast, but throughout the country, beyond Rio de Janeiro
and Sao Paulo. Through a categorical-thematic content analysis, the comments were selected,
classified and analyzed. The interconnection from its basilar participation in the formation of
virtual communities and the natural power of these elements in the articulation of a collective
intelligence guided the analysis of what was constructed as imaginary of the scene about the
music. In a deeper study of the behavior of Internet users on Facebook, the dynamics of
network conversations was investigated with the relevance of this type of communication for
visibility, articulation of groups with common interests and opinions, and potential tool for
the construction and transformation of a collective knowledge.

Keywords: Rap; Centralization; Sulicídio; Northeast; Visibility.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................8

2. DO BRONX A SÃO BENTO E O GRITO DO NORDESTE BRASILEIRO..............11

2.1 Os 4 elementos primários.................................................................................................11

2.2 A gênese do hip hop..........................................................................................................15

2.3 O rap dentro do hip hop..................................................................................................20

2.4 O hip hop no Brasil e a velha escola...............................................................................23

2.5 A “nova escola” e a geração “pós nova escola” no rap nacional..................................29

2.6 Os conflitos da geração “pós nova escola” e a bomba nos versos de Sulicídio...........36

3. AS MÍDIAS SOCIAIS E A CONSTRUÇÃO DE UM CONHECIMENTO

COLETIVO COMUM NO CIBERESPAÇO......................................................................50

3.1 A importância dos motores da cibercultura para a discussão e exposição do

imaginário social.....................................................................................................................51

3.2 A cibercultura e a atividade dos consumidores de rap nas comunidades virtuais.....56

4 AS CONVERSAÇÕES NO CIBERESPAÇO E O IMPACTO DE SULICÍDIO NO

IMAGINÁRIO DO RAP NACIONAL.................................................................................60

4.1 Fundamentos metodológicos para análise do discurso expresso no ciberespaço por


meio de comentários no Facebook........................................................................................61

4.2 Os diálogos estabelecidos no Facebook e o conhecimento coletivo em favor da causa


evidenciada em Sulicídio........................................................................................................63

4.2.1 A análise - Sulicídio em evidência a partir dos comentários no Facebook..............66


CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................125

REFERÊNCIAS...................................................................................................................127

ANEXOS...............................................................................................................................130
8

1. INTRODUÇÃO
Pode-se dizer que o rap ganha raízes a partir da particular capacidade humana de
musicalizar a realidade, transformar a música em um mecanismo de comunicação. Sendo um
dos elementos da cultura hip hop mais difundidos nos meios de comunicação de massa na
atualidade, este vem cada vez mais dominando o mercado mainstream de música no mundo.
Porém, o rap teve seu começo bem distante dos holofotes. Nascido em meados de 1970 no
Bronx, bairro da periferia norte-americana, a essa altura povoado predominantemente por
negros e latinos vivendo em situações de violência e degradação (SALLES, 2010), o hip hop
e seus elementos surgem como um entretenimento que seria a válvula de escape dessa dura
realidade. Apesar disso, o rap, como gênero musical se desenvolve com uma carga de fortes
posicionamentos sociais, o que se tornou uma marca característica do gênero no mundo e
também no Brasil. Esse caráter engajado e politizado veio atrelado a uma série de estigmas e
marginalização desse fazer artístico, processos sofridos não apenas pelo rap, mas por toda a
cultura hip hop. Entretanto, nada em toda a sua trajetória como gênero musical pareceu
impedir que este tenha se tornado hoje tão popular, discutido e ouvido atualmente nos quatro
hemisférios (TEPERMAN, 2015).

É possível constatar que desde o seu surgimento, o rap tem adquirido amplas
proporções, graças à intensificação do cenário global. A difusão mundial do estilo e
seus efeitos localizados, certamente, são resultados de uma dinâmica própria; nela
ocorrem deslocamentos específicos vindos dos setores mais pobres do espaço e
destinados aos centros gravitacionais de consumo urbano, formando enclaves
minoritários que levam à ―pluralização de culturas e identidades nacionais (HALL,
2006, p.81 apud NATHANAILIDIS, 2011, p. 03).

A carga simbólica que o rap carrega é reiterada quando pensamos no hip hop a partir
de sua origem, como um movimento que mudou radicalmente a forma como os sujeitos se
mostravam à sociedade, como se expressavam dentro de uma cultura própria, como
pensavam politicamente, e como consumiam e/ou produziam tendências. Um movimento
que, representou primariamente o entretenimento das comunidades, posteriormente adquiriu
caráter politicamente engajado e militante, e conseguiu hoje dominar o lucrativo mercado
fonográfico a partir de diversos fluxos comunicacionais e mercadológicos. “O rap se mostrou
efetivamente uma trilha sonora das periferias e uma filosofia de vida para muitas pessoas que
viviam uma realidade de exclusão social e contextos de violência urbana e pobreza”
(SANTOS & SILVA, 2012, p.24).
9

Com o passar dos anos, o rap nacional passou por diversas reconfigurações ao longo
de sua existência, tanto no que concerne à estética sonora quanto aspectos ideológicos e cada
geração, desde a gênese da cultura, contribuiu à sua maneira para que a cena crescesse e se
fortalecesse. Uma considerável quantidade de artistas, vindos das mais diversas realidades,
passaram a almejar conseguir “viver de rap”. Isso passou a ser uma meta muito mais evidente
e ganhou um forte auxílio a partir do advento das novas tecnologias nos últimos anos.
Teperman (2015, p. 139) destaca que “a relativa melhoria no nível de renda, a
democratização do acesso à Internet banda larga e à tecnologia em geral, associadas à maior
escolarização, são algumas das mudanças recentes que impactaram a trajetória de produtores
e consumidores de rap” no Brasil.

A partir do surgimento até a atual expansão da Internet, o meio possibilitou uma


completa mudança nos paradigmas comunicacionais. Todo o aparato móvel de acesso às mais
diversas ferramentas tecnológicas, tais como smartphones e notebooks, permitem hoje que a
interação interpessoal se estabeleça de forma cada vez mais rápida e facilitada. Nesse novo
contexto, é possível perceber que para além do aspecto comunicacional, há uma amplificação
na capacidade de conexão e, consequentemente, de redes sociais criadas, expressas e
fortalecidas no chamado ciberespaço. Com toda essa nova realidade significativamente
acessível, artistas das mais novas gerações dentro do rap conseguiram dialogar muito mais
abertamente com temáticas como dinheiro, fama e especialmente mídia, não apenas falando
sobre TV e rádio, mas especificamente a Internet. Nesse sentido, Teperman (2015, p.149)
observa que muitos MC’s passam a declarar sua preocupação e empenho em fazer com que o
rap ocupe maiores espaços no campo cultural brasileiro, evidenciando seu lado empreendedor
e ganhando gradativamente espaço no mercado musical, tendo em vista que para conseguir
viver de rap seria preciso se autopromover, de fato, e mostrar suas produções musicais como
produtos mercadológicos.

O rap se tornou não apenas mais plural - no que diz respeito às várias bandeiras
político-ideológicas que se associam ao gênero - como tendeu a baixar a guarda com
relação às instituições que representam o status quo, como mídia e mercado. Além
das eventuais particularidades estilísticas, e sem prejuízo de certa carga crítica que
carrega em suas letras, a chamada nova escola se caracteriza pela fluência com que
trata o rap como negócio (TEPERMAN, 2015, p. 117).

Em observância a esse novo paradigma vivenciado pelo rap no Brasil, o gênero em si


se tornou um mercado cada vez maior com o surgimento das novas gerações, ao passo que
10

revelou certos aspectos de desigualdade na “concorrência”. Desde seu princípio no país, o rap
se manteve, como em um monopólio, dominado pelos artistas do Sudeste, especificamente o
eixo Rio de Janeiro - São Paulo, apesar de que em todo o país jovens rappers também
almejavam ter sucesso através de sua música. Considerado berço do rap por ter recebido os
primeiros contatos do hip hop vindo dos EUA, São Paulo concentrou ao longo do tempo toda
uma estrutura necessária e digna desse título. O eixo mostrou para o mundo vários dos
rappers que são vistos hoje como ídolos maiores dentro do rap nacional. Vários outros artistas
foram conseguindo seu lugar na cena ao longo das gerações, alguns escreveram seus nomes
eternamente dentro do rap, mas em sua grande maioria, ainda eram nomes
predominantemente vindos da região Sudeste do país.

Vários fatores e responsáveis podem ser considerados ou excluídos no contexto de


dificuldade de ascensão de um rapper nascido fora do eixo, a depender dos pontos de vista
pelos quais se observa a trajetória do rap no Brasil. O fato é que o gênero vivia uma real
centralização no eixo Rio de Janeiro - São Paulo, que passou a ser naturalmente normalizada
pela visão dos consumidores e demais envolvidos na construção da cena nacional. Todo esse
processo que atravessou anos, teve um ponto de atenção com o lançamento da música
Sulicídio. Escrita e produzida por nordestinos, a faixa acendeu polêmicas, despertou reflexões
e foi amplamente comentada no ciberespaço. Os diálogos e opiniões expressas na Internet
serviram como um termômetro para que se pudesse entender e se incluir nas discussões sobre
a grande problemática apontada e escancarada na música.

A Internet, como um dos maiores responsáveis por grande parte dos fenômenos que
enxergamos hoje no mundo da música, e consequentemente do rap, consegue pautar
agendas, ampliar discussões sobre pautas identitárias, evidenciar instabilidades e dar
visibilidade. Assim, o ciberespaço foi o local em que um processo começou a partir de
Sulicídio, ecoou ao longo do tempo e expandiu as barreiras do online. Em uma atmosfera
consideravelmente pública (ANTOUN & MALINI, 2013) o ciberespaço constitui o ambiente
perfeito para que se estabeleçam as mais diversas articulações, compartilhamento e
cooperação a partir de um conhecimento comum. Tudo isso representa um dos fatores
especialmente relevantes para este estudo, tendo em vista que fala-se aqui sobre uma
dinâmica inteira estabelecida no ciberespaço, de conversações e partilha de informações
sobre um tópico comum: o rap, mais especificamente Sulicídio e todas as suas implicações.
Fala-se aqui em um grito do Nordeste por espaço na cena e no mercado do rap nacional.
11

Com base nisso, este projeto se propõe a investigar o impacto de Sulicídio para o rap
nacional como mercado e como elemento da cultura hip hop, por meio de uma análise da
repercussão a partir dos comentários e diálogos gerados na Internet após o lançamento da
música. Parte-se da hipótese, a ser comprovada, de que a produção teve, de fato, sua
contribuição para uma mudança no imaginário do rap nacional, abrindo portas e visibilizando
artistas de todo o país, ampliando percepções, e posicionando positivamente o rap nordestino
dentro desse mercado.

2. DO BRONX A SÃO BENTO E O GRITO DO NORDESTE BRASILEIRO


Pretende-se neste capítulo fazer uma importante contextualização do hip hop desde a
sua gênese, perpassando os elementos de representatividade como movimento cultural de
entretenimento e politicamente engajado, sua singularidade e também a coesão de seus
elementos dentro da cultura. A partir disso, nos voltaremos para a trajetória do elemento do
hip hop de maior visibilidade no mundo hoje: o rap. Entendendo este como pertencente a essa
realidade maior e também como gênero musical de grande rentabilidade na indústria
fonográfica atual. Dessa forma, partir das origens é de grande importância nessa busca por
esclarecer como o cenário do rap nasceu e se consolidou, para enfim culminar no contexto
que circunda os artistas e a produção musical de Sulicídio no Brasil, foco deste estudo.

2.1 Os 4 elementos primários

O termo hip hop, de acordo com Salles (2010, p.29) constitui “uma forma de
organização sociocultural que envolve a música, no caso, o rap (DJ e MC), dança (break) e
artes plásticas (graffiti)” além de toda a indumentária, gírias, e ideologias que caracterizam
mundialmente o hip hop.

O rap é a voz da cultura e abrange dois dos quatro elementos: DJs e MCs.

Os DJs (disc jockeys), originalmente eram as pessoas no comando da programação


musical das rádios, que selecionavam os discos e em que ordem esses seriam tocados.
Atualmente fazem um trabalho semelhante, mas com uma diversidade de técnicas sonoras
muito mais complexas que marcam o som hip hop (SALLES, 2007, p.29). Hoje, DJ é o rótulo
dado ao responsável pelo comando das pick-ups (equipamentos utilizados para as
performances de discotecagem) e da animação da festa. Ao longo da história do hip hop, é
possível perceber que esta começou sendo uma cultura fundamentalmente de DJs. Eles eram
12

as estrelas, principais atrações nos bailes, e mantiveram essa posição de destaque por muito
tempo, até finalmente os MCs roubarem a cena.

Figura 1 - DJ Stanley discotecando

Foto cedida pelo fotografado

Os MCs (masters of ceremony), são aqueles que “falam”, ou no caso, pronunciam


versos, frequentemente rimados, enquanto a música é tocada pelos DJs. Salles (2007, p. 29)
explica que, especialmente no Rio de Janeiro, o termo MC foi utilizado primeiro associado ao
funk para denominar os artistas do gênero no Brasil. Apesar de alguns artistas de rap ainda se
denominarem MCs, especialmente na cultura underground, passou-se a utilizar
predominantemente a designação “rapper” no mundo inteiro. Colombo, Paula e Silva (2010,
p.32) explicam que no começo do hip hop os MCs eram completamente ofuscados pelos DJs.
Os MCs se resumiam às pessoas que recebiam o microfone dos DJs e diziam algo para
animar as pessoas dentro do ritmo da música, além de dar avisos e recados durante a festa.
Porém, com o passar do tempo as técnicas na produção das rimas foram sendo melhor
elaboradas e, a partir das oportunidades cada vez mais frequentes dadas pelos DJs, os MCs
foram ganhando popularidade e um papel essencial para conseguir aplausos da multidão. A
atividade foi evoluindo e posteriormente gerou as batalhas de MCs, onde a partir de tradições
13

como o toasting 1 e as dozens 2 , e demais jogos de improviso verbal, tiveram grande


protagonismo no desenvolvimento do rap no mundo.

Figura 2 - MC Nigro e MC Doggie (da esquerda para a direita) durante batalha de rimas

Foto: Kali Yuga Mob

O breakdance (ou breaking) é uma dança de passos “quebrados e robóticos”


desenvolvida com base nos chamados break beats3 dentro das músicas. A dança consiste na
execução de passos que reflitam nuances que a música rap apresenta (PIMENTEL, 1999 apud
SALLES, 2010, p.32) e exige muito esforço e originalidade de cada b-boy/b-girl (como se
intitulam os dançarinos de break) em virtude do caráter híbrido da dança e da demanda por
cada um apresentar um estilo próprio e característico de se expressar através dela. Salles
(2010, p. 32) destaca a influência dos protestos contra a Guerra do Vietnã4 no breaking e
consequentemente em muitos de seus passos. Alguns destes simulariam situações reais
vividas na guerra, como, por exemplo, o movimento chamado headspin (giro de cabeça), em

1
Tradicional brincadeira africana de rimas. A palavra vem do verbo “toast” (brindar) e simula uma espécie de
brindes às avessas, onde se fazem difamações ao invés de homenagens, sob a forma de longas histórias rimadas
sobre o cotidiano muitas vezes com versos violentos, obscenos e/o misóginos (TEPERMAN, 2015).
2
Desafio verbal afro-americano traduzido livremente como “dúzias” onde as crianças se provocam com insultos
rimados ao “desafiante” ou a sua família, muitas vezes sob a forma de trava-línguas (TEPERMAN, 2015).
3
Partes das músicas em que a batida ganha relevo, fundamentadas no recorte e repetição ou alteração de
velocidade de uma célula rítmica escolhida pelo DJ (SALLES, 2010, p. 32)
4
Ocorrida no período entre 1959 a 1975. A guerra que envolveu inicialmente o Vietnã do Norte e o Vietnã do
Sul, posteriormente contou com a intensa participação do exército norte-americano entre 1965 a 1973.
14

que o(a) b-boy/b-girl executa giros repetidos com a cabeça apoiada no chão e as pernas para
cima, fazendo uma alusão às hélices dos helicópteros utilizados em combate.

Figura 3 - B-boy Vert dançando breaking

Foto cedida pelo fotografado

O grafite (graffiti) é a expressão hip hop sob a forma de artes plásticas. São pinturas
feitas com latas de spray em superfícies como paredes, trens e camisetas. Esse elemento
representa hoje uma forma artística para alguns, mas ainda é vista como vandalismo por
outros. Esse pensamento mais negativo em relação ao grafite remonta à sua origem, na
década de 70, quando foi criado por jovens de Nova York que pintavam seus nomes (o que
ficou conhecido como “tag” pelo grafiteiro) e desenhavam personagens em vagões de trens e
metrôs, paredes e becos, fazendo destes expressões de suas raivas e descontentamentos
sociais. (SALLES, 2010, p.32). Além disso, a cultura do pixo também carrega grande
marginalização por trabalhar apenas com as tags e não se utilizar de cores (apenas o preto),
ao contrário dos tradicionais grafites. Hoje o grafite ganhou grande aprimoramento das
técnicas utilizadas nos desenhos, cores e formas, e em alguns circuitos artísticos acabou
sendo reconhecido definitivamente como uma forma de expressão artística legítima.
15

Figura 4 - Artista CJ grafitando

Foto: Acervo próprio

Ao longo do tempo, o grafite foi deixando de ser tão autorreferencial e não mais se
basear em letreiros, e hoje dá atenção maior para personagens, desenhos mais elaborados e
conceituais. Passou a se direcionar bem mais para o público em geral do que para os próprios
grafiteiros, como acontecia nas décadas de 70 e 80. Atualmente, é frequente ver grafiteiros
fazendo trabalhos mais comerciais e em casos mais esporádicos expondo sua arte em
renomadas galerias nacionais e/ou internacionais de arte.

2.2 A gênese do hip hop

Teperman (2015, p. 16) considera a gênese do hip hop a partir especificamente de


duas ondas de imigração para os EUA. A primeira a se considerar seria a vinda de centenas
de africanos de diversas origens no período escravocrata, que com a herança de tradições
musicais europeias levadas pelo colonos ingleses, levou os descendentes desse período (afro-
americanos) a liderar diversas revoluções musicais posteriores a este período, tais como
blues, jazz, rock, reggae, funk e obviamente o rap. A segunda influência migratória
considerada pelo autor e reforçada por Alves (2008), vem após o final da Segunda Guerra
Mundial com a profusão dos imigrantes jamaicanos, porto-riquenhos e cubanos que
buscavam na América melhores condições de emprego. A partir disso, estes se estabeleceram
em locais com o custo de vida consideravelmente baixo e passaram a conviver todos entre si.
16

O Bronx, um dos cinco distritos de Nova York (junto de Manhattan, Brooklyn,


Queens e Staten Island), considerado na concepção do hip hop como um bairro de população
predominantemente negra e latina, vivia na época um período desastroso de sua história. A
região sul do Bronx até a década de 60 era uma área de classe média e habitada
significativamente por pessoas brancas, em especial judeus. Porém, entre 1955 e 1963, com o
projeto mal sucedido da enorme via expressa Cross Bronx Expressway, acabou sendo gerado
um isolamento do bairro e os imóveis nas imediações foram desvalorizados brutalmente. A
partir do que foi considerado um dos piores desastres de planejamento urbano da história, o
perfil étnico dos moradores mudou na velocidade em que a região entrava em decadência. Da
classe média branca, que tinha recursos financeiros para fugir da destruição, o Bronx passou a
ser um bairro dominado por negros e demais imigrantes pobres, que foram morar nos imóveis
vagos abandonados. Com o tempo e a falta de interesse na região, os proprietários pararam de
fornecer manutenção aos prédios e alguns se tornaram impossíveis de vender ou negociar,
aumentando ainda mais a decadência urbana, especialmente pela alternativa encontrada por
estes para se aproveitar da situação: incêndios criminosos. Gangues eram pagas para
incendiar as propriedades e conseguir assim que o seguro pagasse pela suposta perda do
proprietário. Isso potencializou a situação de pobreza crítica dos moradores atuais, pois
muitas vezes não eram avisados da fraude imobiliária e, quando não perdiam as vidas,
perdiam todos os pertences com o fogo. Com a proporção e frequência dos incêndios
aumentando, as autoridades não conseguiam investigar todas as situações e se viam, assim,
obrigadas a pagar e consequentemente incentivar a ilegalidade. E foi no Bronx em chamas
que o hip hop nasceu.

Nesse contexto, especialmente técnicas vindas da Jamaica foram se aperfeiçoando,


ganharam influências dos demais imigrantes e dominaram as periferias norte-americanas
começando pelo Bronx, a partir, principalmente dos raros momentos de lazer dessa população
imigrante e pobre. Nesse sentido Teperman (2015, p. 17) destaca que

Nos finais de semana dos meses de verão, alguns desses imigrantes acoplavam
poderosos equipamentos de som a carrocerias de caminhões e carros grandes
(os chamados sounds systems), tocavam discos de funk, soul, reggae, e com
isso criavam um clima de festa nas ruas. Inspirados nos disc jockeys que
animavam programas de rádio, se autodenominavam Djs. Além disso, usavam
um microfone para “falar” com o público, não só entre as músicas mas também
durante a música, como mestres de cerimônia (TEPERMAN, 2015, p. 17).
17

A ocasião da lendária block party “Back to School Jam” promovida em 11 de Agosto


de 1973 pelo DJ de origem jamaicana Kool Herc 5 no prédio 1520 da Sedgwick Avenue
(Bronx), é considerado até hoje o começo de tudo. Com o objetivo de arrecadar dinheiro com
sua irmã, Cindy Campbell - vista por muitos como a “mãe” do hip hop -, a festa veio a
carimbar para sempre a data mundialmente como o nascimento do hip hop e reforçar o Bronx
como berço da cultura. O peso do acontecimento, certamente, não era mensurável na época,
mas enquanto Clive Campbell misturava trechos de canções e criava técnicas com os discos,
se transformava, sem saber, no Kool Herc, o primeiro DJ a realizar samples6 na história. Herc
também foi pioneiro em usar a técnica de repetir ciclicamente um mesmo trecho curto,
criando o que passou a se chamar posteriormente de breakbeat (batida com breque), tendo em
vista que o DJ brecava o disco e voltava o vinil do ponto anterior para recomeçar a música, e
assim impedir que a festa desanimasse. A partir disso, os dançarinos que mostravam maior
habilidade em dançar nessa música repleta de “breaks” foram chamados de b-boys e b-girls
ou break-boys/break girls. Enquanto isso seu amigo Coke La Rock se tornava na mesma
ocasião o primeiro MC da história do hip hop, ao soltar frases sobre a música que estava
sendo tocada.

Apesar de os elementos já estarem em desenvolvimento separadamente por todo o


Bronx na época, o termo “hip hop” foi estabelecido inicialmente pelo músico, produtor
musical e DJ Afrika Bambaataa 7 , que segundo Alves (2008, p. 62) estaria fazendo “uma
referência consciente ao recurso mais frequente utilizado para a transmissão da literatura e da
cultura nos guetos, valendo-se da tradição oral”. Porém, a teoria mais aceita e também citada
por vários autores seria de que o DJ usou a expressão “hip hop” fazendo alusão ao modo de
dançar popularmente difundido entre os jovens da época, no caso, saltar (hip) e movimentar
os quadris (hop) e reuniu assim todos os elementos (MCs, DJs, Break e Grafite) dentro da
mesma nomenclatura. Bambaataa também foi o criador da Zulu Nation, primeira organização

5
Clive Campbell verdadeiro nome do DJ. Apelidado de “Hercules” por sua aparência física e desempenho no
basquete, posteriormente passou a usar apenas “Herc” e/ou “Kool Herc”. Considerado um dos grandes pioneiros
do hip hop no mundo e influenciador de outros DJs, seus contemporâneos, que viriam a compor e dar o tom para
o hip hop da forma que conhecemos hoje.
6
Samplear remete à atividade de copiar fragmentos de produções já gravadas e remixa-las em novas bases.
Muito utilizada pelo rap desde a sua origem, a técnica foi ganhando Aperfeiçoamentos e hoje é amplamente
difundida no gênero.
7
Nome artístico de Kevin Donovan, DJ nascido no Bronx, conhecido como o “pai” do hip hop, por ser o
primeiro a adotar o termo. Bambaataa influenciou vários gêneros para muito além do rap com hits como "Planet
Rock", feito a partir de uma mixagem da faixa “Trans-Europe Express” da banda de música eletrônica alemã
Kraftwerk, marcando uma verdadeira revolução musical dentro e fora do gênero.
18

comunitária de hip hop, que visava combater a violência entre gangues, acrescentando o
chamado “quinto elemento” ao hip hop: o conhecimento. Teperman (2015, p. 27) afirma que
o quinto elemento pode ser considerado a partir de um contraponto à redução do rap a um
mero produto mercadológico, sendo este também um potencial instrumento de transformação
social.

Fochi (2007, p. 63 apud MENDONÇA JÚNIOR, 2014, p. 32) reforça explicando que

O hip hop é muito mais que música e dança, muito mais que pular e requebrar -
significado literal da tradução em inglês do termo. Ele busca conscientizar,
educar, humanizar, promover, instruir e divertir os moradores da periferia, além
de reivindicar direitos e o respeito a esse povo (FOCHI, 2007, p. 63 apud
MENDONÇA JÚNIOR, 2014, p. 32).

Em virtude da explosão de brigas entre gangues disputando territórios que levava a


diversas mortes no Bronx na época, Afrika Bambaataa teve uma atitude decisiva na luta por
uma resolução para esse problema. O próprio Bambaataa, que havia sido membro e líder de
gangue, sempre gostou também de colecionar discos, e já organizava e discotecava em festas
no Bronx desde a década de 70. Sobre isso, Rocha, Domenich e Casseano (2001, p.127)
comentam que “em 1970, Bambaataa se associou ao projeto Bronx River, uma divisão da
gangue de rua Black Spades, e começou a revolucionar a maneira de divulgar o estilo que
vinha criando: passou a organizar festas de rua (Block Parties) para a comunidade do Bronx”.

O DJ atribuiu seu maior interesse pelo que se desenvolvia como hip hop graças a
Kool Herc no começo dos anos 70. Com o trágico destino de grande parte dos companheiros
de gangue e amigos, Bambaataa resolveu fundar a primeira ONG que buscava reverter a
situação de extrema violência vivida na época. Pelo fato de Bambaataa já ser uma figura
conhecida entre as gangues, a ONG ganhou grande número de membros rapidamente. Ao
fundar a Zulu Nation, ele visava aproximar esses jovens do hip hop e de sua ancestralidade.
Rocha, Domenich e Casseano (2001, p.127) explicam que Bambaataa convivia
frequentemente com a juventude nas ruas do Bronx, em Nova York, durante esse período de
reivindicações e protestos. Assim, conseguiu aos poucos propor que as gangues “trocassem”
os conflitos reais pelo embate artístico, dando origem às emblemáticas batalhas de
breakdance. “Bambaataa percebeu que a dança seria uma forma eficiente e pacífica de
expressar os sentimentos de revolta e de exclusão, uma maneira de diminuir as brigas de
gangues do gueto e, conseqüentemente, o clima de violência” (ROCHA, DOMENICH e
CASSEANO, 2001, p.17).
19

É perceptível que grande parte da essência de “agressividade” e competitividade


acirrada presente nas “batalhas de breakdance” (pode-se observar esse caráter também nas
batalhas de rimas dos MC’s) advém desse começo e da iniciativa de transplantar as disputas
das ruas para o hip hop. A Zulu Nation organizava festas e reuniões periódicas para passar
diversos conhecimentos sobre o hip hop para os membros, apontando alternativas para sair
das gangues e das drogas.
Enquanto os elementos dominavam os bailes do Bronx, o rap também foi evoluindo e
ganhando seu espaço com os demais. Nessa época, possuía um caráter basicamente voltado
para a diversão e entretenimento. Em entrevista disponível na Revista Raça 8 , Bambaataa
explica mais sobre o começo, as influências e a sua própria participação.

Inicialmente, o hip hop surgiu como resultado de outros acontecimentos


musicais como o Reggae Dance Hall e o Calypso, que estavam sendo feitos na
Jamaica. A poesia de Last Poets, Watts Prophets, Gil Scott Heron, Gary Byrd,
Sly Stone, James Brown, Jocko, Murray The K, Cousin Brucie, Eddie O Jay,
Muhammad Ali, Malcolm X, Mother Goose, entre outros, já tinha algum tipo
de rap em suas canções, mas foi comigo, com o DJ Kool Herc e o Grandmaster
Flash que o hip hop começou a se tornar o que ele é hoje. Ele começou nas
comunidades negras, que envolve toda a família dos latinos também. (...) É
uma extensão do funk e da soul music, e cada pessoa que nomeei ajudou a
formá-lo. Existem quatro entidades que defino como a essência do hip hop: os
b-boys e as b-girls,os DJs, os MCs e o grafite. Ao unir meu conhecimento com
a Zulu Nation, conseguimos nomear o hip hop como cultura. Ninguém disse
que o movimento que iniciamos se chamava hip hop, ninguém o reconheceu
como um movimento mundial. Mas ele nasceu no Bronx, em Nova Iorque.
(BAMBAATAA, 2016, online)

Considerado também um “discípulo” de Kool Herc, um outro DJ, citado por


Bambaataa, foi responsável por somar e criar grande parte das técnicas que vieram a
revolucionar a sonoridade do hip hop e deixá-lo mais próximo do que conhecemos hoje. Seu
nome é Grandmaster Flash9. Dentre muitas dessas contribuições podemos citar o remix em
vinil e o back-to-back, repetição rítmica sequencial do mesmo trecho usando dois vinis iguais
nas pick-ups, o que permitiu a passagem de um disco para o outro sem haver quebras no som;
e também o aperfeiçoamento do scratch, técnica da utilização da agulha dos toca-discos
“arranhando” o vinil. Esta última, com sua origem creditada ao DJ Grand Wizzard Theodore,
também residente no Bronx na época e criador de diversas outras técnicas de manipular os
discos e performar enquanto discotecava. As contribuições técnicas destes levaram o mundo
8
Revista Raça. Afrika Bambaataa e a origem do hip hop. Disponível em <https://revistaraca.com.br/afrika-
bambaataa-e-a-origem-do-hip hop/> Acesso em 06 Ago 2018
9
Nome artístico adotado por Joseph Saddler que a partir do sul do Bronx no início dos anos 70 foi considerado
um dos inovadores originais de Hip Hop. Nos primórdios do gênero, ele manipulou a música colocando seus
dedos no vinil, aperfeiçoou a batida em loop e descobriu muitas das batidas mais icônicas ainda comumente
usadas hoje. Hoje, ele é a voz de toda uma geração de pioneiros do hip hop dos anos 1970.
20

inteiro a se interessar em criar performances diferentes ao discotecar. Além disso, outro


aspecto de grande relevância para o começo do hip hop reside também no fato de que, assim
como Kool Herc, vários desses DJs passaram a entregar o microfone para que pessoas da
festa e dançarinos pudessem rimar ou improvisar falas acompanhando a música tocada. Por
vezes aconteciam provocações que eram estimuladas a serem respondidas, em uma espécie
de prelúdio de batalha de MCs e da dinâmica do rap.

2.3 O Rap dentro do Hip Hop

A partir das famosas festas onde os DJs dominavam como estrelas, os MCs
começaram a aperfeiçoar as falas, que se transformaram em pequenos versos, que foram
crescendo cada vez mais. Mais adiante, os MCs passaram a pensar os versos com
antecedência e levá-los previamente escritos, apesar de que a grande maioria ainda preferia
fazer suas performances de forma improvisada (técnica conhecida até hoje como freestyle).
Entretanto, apenas no final dos anos 70 as oportunidades para a gravação de discos de rap
começaram a aparecer para os MCs, que a essa altura se dedicavam ainda mais,
individualmente e em grupos, a animar as festas com suas rimas e ganhavam timidamente um
espaço de destaque no hip hop. Apesar disso, grande parte destes ainda não viam como uma
boa ideia a gravação de discos, pois percebiam muito mais sentido no que faziam dentro do
contexto da festa, ao vivo. Nessa mesma época, os DJs passaram a associar complexas
técnicas que vinham sendo desenvolvidas aos versos dos MCs formando o rap como música
propriamente dita.

Teperman (2015, p.21) comenta que o Sugarhill Gang, grupo composto por três
jovens e inexperientes MCs da época, foi o primeiro grupo de rap a gravar um disco da
história do gênero, já por volta de 1979. O grupo basicamente foi criado com esse objetivo
pela cantora, compositora e produtora Sylvia Robinson e seu marido Joe Robinson, que
criaram o selo Sugar Hill Records especificamente para lançar o single “Rapper’s Delight”.
O disco ganhou grande repercussão apesar de ter enfrentado problemas com direitos autorais
tanto no que diz respeito ao sample utilizado, (“Good Times” do grupo Chic) quanto sobre a
famosa letra, que em determinado trecho dizia: “I said hip hop, the hippie to the hip hip hop
and you don’t stop”, e teria sido supostamente um plágio de versos já antes ditos por MCs
como Coke La Rock e Grandmaster Caz.

Até o lançamento do Rapper’s Delight, o rap era produzido e registrado em fitas


cassetes, em procedimentos caseiros e por vezes ilegais, por meio de gravações em festas e
21

clubes. A distribuição passou a ser, de forma amadora, feita de mão em mão pelo bairro, onde
rapidamente jovens circulavam com seus enormes aparelhos de som, conhecidos como
Boombox10, no ombro ouvindo as fitas.

A partir daí, o gênero que começou despretensiosamente a partir de rimas


improvisadas e samples feitos em discos já existentes para animar as festas, se desenvolveu
com uma carga de fortes posicionamentos sociais e raciais. Teperman (2015, p. 27) afirma
que “é preciso considerar um aspecto crucial dessa manifestação: sua ligação com as lutas do
chamado movimento negro”. O autor destaca que a partir dos anos 80 o gênero tendeu a se
politizar e deixar o “quinto elemento” ainda mais evidente, algo que não era temática nos raps
produzidos anteriormente.

A Zulu Nation e seus ideais foram de grande relevância dentro do rap no aspecto
musical e também como produtor de significado para os primeiros consumidores do gênero.
O rap sempre teve um papel importante na estruturação de uma identidade negra e reforço a
uma afirmação e valorização desta, seja pela vestimenta, dança, ou a própria estética musical,
nas batidas e na forma particular de cantar (TEPERMAN, 2015, p. 27). Dos griôs africanos,
perpassando a tradição jamaicana do toast, aos Last Poets, e ideais vindos de ícones como os
Black Panthers e Malcom X, o rap recebeu influências e incorporou em sua essência toda a
luta e militância que passou a caracterizá-lo.

Salles (2010, p.28) explica que em seu começo o rap era o som que embalava e
dominava grandes festas do Bronx. Mas, já na década seguinte a cena muda, e vai se
desenvolvendo o rap politizado. Este assumia uma postura militante e politicamente
engajada, e se mostrou bastante conveniente e significativo para a população afro-americana
da época, especialmente no Bronx, que vivia em meio à situações de extremo descaso por
parte do poder público e violência. Tella (1999 apud MENDONÇA JÚNIOR, 2014, p. 32)
afirma que o rap pode ser visto como a expressão musical do hip hop surgida em um contexto
de decadência urbana, que transformou a diversão em denúncia e protesto, dentro do contexto
étnico, social e econômico vivido nos EUA na época.

10
Grandes aparelhos de som considerados responsáveis por “democratizar” a música no guetos a partir do final
da década de 70, uma vez que era possível compartilhá-la com todos, em qualquer lugar. O mesmo permitia
ouvir música em qualquer lugar, e possuía entrada para fitas cassetes, era recarregável com baterias ou plugado
à tomada. O boombox era um aparelho muito potente, e virou febre nas grandes metrópoles. Símbolo dos guetos
norte-americanos, a boombox foi um dos agentes pelos quais surgiu a música de rua recente, em especial o rap..
O impacto causado pela boombox influenciou a maneira como se produzia e consumia música nessa época.
22

Teperman (2015, p. 17) explica o contexto de degradação e abandono que deu origem
ao rap classificando o Bronx como um “barril de pólvora”, em virtude da crescente violência
urbana e conflitos brutais das gangues somados com a escassez de espaços de lazer e cultura
em um bairro negro ainda se recuperando dos conflitos raciais da década de 60. Assim, o rap
nasce como uma válvula de escape das terríveis condições urbanas que a juventude vivia
naquele contexto, e posteriormente veio a se tornar uma expressão de revolta e protesto.

A música feita pelos DJs, e que incorporou os MCs posteriormente, começou como
uma alternativa à disco music, que dominava os bailes da época, mas não dialogava com a
comunidade jovem. O conhecido e anteriormente citado DJ Grandmaster Flash, na época já
veterano, junto do grupo The Furious Five, lançou pela Sugar Hill Records em Julho de 1982,
um disco chamado “The Message”. Grandmaster Flash se torna aí um dos primeiros a adotar
a postura de discussão e reflexão sobre a realidade e as injustiças observadas ao seu redor.

Broken glass everywhere/ People pissing on the stairs, you know they just don't care/
I can't take the smell, I can't take the noise/ Got no money to move out, I guess I got
no choice/ Rats in the front room, roaches in the back/ Junkie's in the alley with a
baseball bat/ I tried to get away, but I couldn't get far/ Cause the man with the tow-
truck repossessed my car/ Don't push me, cause I'm close to the edge/ I'm trying not
to lose my head/ It's like a jungle sometimes, it makes me wonder/ How I keep from
going under. (Trecho da música “The Message” de Grandmaster Flash & The
Furious Five, 1982)11

Contudo, Teperman (2015, p, 29) afirma que “a virada” veio por meio do grupo
Public Enemy, extremamente conhecido na cena mundial pela concepção do rap politizado. O
grupo ao lançar o disco “It takes a nation of millions to hold us back” (“É preciso uma nação
de milhões para nós segurar”) se posicionou dentro da causa e reforçou os ideais ao ser
convidado para compor a trilha sonora do clássico filme Do the right thing (“Faça a coisa
certa”) do diretor Spike Lee. Para o icônico filme uma icônica trilha sonora, a célebre faixa
“Fight the Power”, se tornou clássico dentro do rap e slogan da causa negra a partir de então.
O Public Enemy participou de um período que partiu do final da década de 80 e início dos
anos 90, classificado até hoje como a Golden Era do hip hop. Caracterizada pela grande
11
Tradução: “Vidro quebrado por toda parte/ Pessoas mijando na escadaria, simplesmente não ligam/ Eu não
aguento o cheiro, não suporto o barulho/ Não tenho grana pra me mudar, acho que não tenho escolha/ Ratos na
sala da frente, baratas na de trás/ Um drogado, em um beco com um taco de beisebol/ Eu tentei fugir, mas não
pude ir muito longe/ Porque o cara do reboque, guinchou meu carro/ Não me pressione, pois estou no meu
limite/ Estou tentando não perder a cabeça/ Isso é como uma selva, às vezes, me faz pensar/ Como é que
consigo continuar”.
23

quantidade de rappers em ascensão e que passaram a fazer grande sucesso com sua música, a
“era dourada” foi uma época de produções e artistas muito influentes para o rap no mundo
inteiro, especialmente nos EUA. A Golden Era ganhou força pela diversidade, exemplar
qualidade e inovação estética, variados assuntos retratados nas letras, especialmente a
questão da afrocentricidade e militância política, e também pelos ótimos samples utilizados.
Além do Public Enemy, podem ser citados grupos/artistas como Run-DMC, KRS-One, Eric
B. & Rakim, Big Daddy Kane e A Tribe Called Quest, sendo apenas alguns dos pioneiros
desse período. Anos depois, com o surgimento do que foi chamado de Gangsta Rap, a
Golden Era continuaria, porém com um posicionamento mais contundente com relação à
questões como violência urbana, repressão policial, drogas e criminalidade. Salles (2007)
conceitua esse estilo de fazer rap a partir de suas características, tais como as batidas mais
pesadas, letras com uma linguagem incisiva e por vezes hostil, repleta de gírias, xingamentos
e palavrões. “O nome tem origem numa corruptela do termo gangster, e o mundo violento
que cantam é a expressão de uma realidade brutal” (SALLES, 2007, p. 34). Alguns dos
nomes de rappers/grupos mais famosos desse período, já em meados dos anos 90 que podem
ser citados são: Wu-Tang Clan, Bone Thugs-N-Harmony, Ice T, N.W.A, Mobb Deep, NAS,
Tupac, Notorious B.I.G., dentre outros. Fugindo do politicamente correto, o gangsta rap teve
grande sucesso nos EUA e influenciou fortemente alguns dos rappers brasileiros de várias
gerações.

A partir do que já é quase unanimidade entre os fãs do gênero no mundo inteiro, a


palavra “RAP” representa “ritmo e poesia” (rhythm and poetry), e por alguns brasileiros é
decifrado também como “revolução através das palavras”. Definições que só reforçam ainda
mais não apenas o caráter musical e artístico como também militante e revolucionário que
sempre pesou sobre os ombros do gênero e que se consolida na sua chegada ao Brasil.

2.4 O hip hop no Brasil e a velha escola

Dentre os vários produtos culturais nascidos nas tantas periferias brasileiras é notável
o quanto alguns destes vem se tornando objetos de estudos, reflexões e consumo por públicos
consideravelmente heterogêneos. Muito disso explicado pela ascensão cada vez maior de
artistas vindos desse tipo de realidade ao estrelato (OLIVEIRA & ARAUJO, 2015), o que foi
um fluxo natural também na trajetória do hip hop no país. Um dos primeiros elementos do
hip hop a chegar e dominar o nosso país não foi o rap, mas sim a dança, não necessariamente
o break da forma que conhecemos hoje, mas uma espécie de precursor deste. As primeiras
24

manifestações da cultura hip hop nas nossas terras remontam a década de 70, com os famosos
“bailes blacks”, embalados pelas batidas do Soul e do Funk. Teperman (2015) destaca o nome
de Nelson Triunfo (hoje conhecido por ser embaixador e “pai” do hip hop no país), integrante
do grupo de dança Funk & Cia, como responsável por movimentar a incipiente cena hip hop
através do breaking. Triunfo, que é nordestino vindo de Pernambuco, consagrou, já nos anos
80, a rua Vinte e Quatro de Maio (centro de São Paulo) onde hoje se localiza o marco zero do
hip hop no Brasil.

Figura 5 - Nelson Triunfo e dançarinos de rua no começo dos anos 80 na Praça


Roosevelt

Foto: Cauê Angeli12

Um dos vínculos mais importantes entre o hip hop e o Brasil no começo de sua
trajetória no país remete às equipes que organizavam os bailes black nas periferias do Rio de
Janeiro e São Paulo entre as décadas de 70 e 80. Lá os jovens teriam a oportunidade de fugir
do racismo cotidiano e se divertir nas pistas de dança improvisadas onde tocava-se funk e
posteriormente, já nos anos 80 o rap (Teperman, 2015, p.31). Tais encontros possibilitavam
também a troca de informações sobre a cultura negra e as novidades do rap norte-americano.

12
Rollingstone. Ícone perdido da cultura black brasileira, Nelson Triunfo enfim celebra o merecido
reconhecimento. Disponível em <https://rollingstone.uol.com.br/galeria/icone-perdido-da-cultura-black-
brasileira-nelson-triunfo-enfim-celebra-o-merecido-reconhecimento/> Acesso em 15 Out 2018
25

Nelson Triunfo relata como foi o começo de tudo e a introdução do hip hop no país no
documentário “Marco Zero do Hip Hop”.13

Eu cheguei em São Paulo era época de soul e tudo. A gente se encontrava ali nos
anos 70 aqui em cima do Viaduto do Chá. Todos os negros vinham na sexta-feira,
ligavam os Opalas, deixavam a fita cassete rolando lá. (...) Ao a gente chegar nesse
lugar nós vimos que aqui tinham umas pedras grandes e que isso proporcionava mais
movimento, tipo a gente deslizar pra lá, pra cá, rodar de costas… Foi no início de 83,
aí tudo começou a acontecer. (...) Era uma ideia que a gente nem sabia que ia se
concretizar em uma outra linguagem já se tratando de danças de rua. (...) Na virada
de 84 pra 85 mudou a corporação, estavam uns policiais novos que já pegavam mais
pesado com a molecada aí descobriram a São Bento.

De forma paralela, a dança já vinha se popularizando no país, e artistas como Michael


Jackson que ao utilizar passos de break em suas performances contribuiu para essa
popularização, assim como campanhas publicitárias e programas de TV que passaram a expor
a dança de passos quebrados e robóticos como atrações, mesmo que de forma estereotipada.

Salles (2007) comenta os primeiros registros do hip hop a partir dos b-boys e b-girls.

No Brasil, o rap se consolidou no final da década de 80. Os primeiros rappers aqui


surgiram de equipes de breakdance que se encontravam no centro de São Paulo,
primeiro na Praça Ramos, em frente ao Teatro Municipal, depois na rua 24 de maio e,
finalmente, na Estação São Bento do metrô paulistano, que acabou se tornando uma
espécie de santuário do hip hop no Brasil (SALLES, 2007, p. 28)

A trajetória de início do rap no Brasil se deu por volta da década de 80. Todavia, o
gênero só veio a ganhar considerável espaço na indústria fonográfica na década seguinte.
Segundo Salles (2010, p.28), os primeiros rappers surgidos no país vieram de equipes de
breakdance que frequentavam a praça Ramos, depois a rua 24 de maio, e mais tarde a
Estação São Bento de metrô, ambos os locais em São Paulo. A São Bento viria a se tornar o
novo ponto de encontro dos simpatizantes e participantes do movimento que se iniciava na
época, e é considerado um verdadeiro santuário do hip hop no Brasil. O b-boy Banks, notório
integrante do grupo Backspin, comenta sobre a migração 14 influenciada pela repressão e
truculência policial, e explica que a 24 de Maio foi onde começaram os “heróis” do hip hop.

(...) foram os primeiros que, em uma época que ainda não tinha nem passado
processo de democracia no país, eles iam lá desafiavam a ditadura com os blacks, tá
ligado? (...) O João Break e o Luizinho eram b-boys aqui também, aqui do centro e
eles descobriram esse point aqui [Estação São Bento de Metrô], que era de punks. E

13
Marco Zero do Hip Hop. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=3uoZ7ztjSDI> Acesso em 16
Jul 2018
14
Marco Zero do Hip Hop. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=3uoZ7ztjSDI> Acesso em 16
Jul 2018
26

aí, eles começaram a chamar tanto a rapaziada que colava na 24 como outros b-boys
que eles conheciam.
Importantes nomes que viriam a influenciar o rap como um todo no país e se
consolidaram como ícones da velha escola do rap nacional como Mano Brown, Ice Blue, Edi
Rock e KL Jay, integrantes dos Racionais MC’s frequentaram e se uniram na famosa Estação
São Bento, assim como Thaíde e DJ Hum que ganharam destaque na época após a autoria da
faixa de abertura da coletânea “Hip Hop Cultura de Rua” em 1988, primeiro álbum de rap a
ganhar repercussão nacional. Ainda no mesmo ano, surge a segunda coletânea que
movimentou o rap nacional na época, chamada de “Consciência black”. O disco, que já conta
com a presença dos Racionais MC’s, foi um degrau importante para o grupo que lançou o
sucesso “Pânico na Zona Sul”, até hoje considerado um clássico dentro do gênero. A música
viria a ser lançada novamente no álbum “Holocausto Urbano”, que conta também com mais
cinco faixas, entre elas “Racistas Otários” e “Hey Boy”. Ambas de forte posicionamento
social e político, intercalando o tom de apelo e de afronta às classes privilegiadas.

Hey boy o que você está fazendo aqui?/ Meu bairro não é seu lugar/ E você vai se
ferir/ Você não sabe onde está/ Caiu num ninho de cobra/ E eu acho que vai ter que
se explicar/ Pra sair não vai ser fácil/ A vida aqui é dura/ Dura é a lei do mais forte/
Onde a miséria não tem cura/ E o remédio mais provável é a morte/ Continuar vivo é
uma batalha/ Isso é se eu não cometer falha/ E se eu não fosse esperto/ Tiravam tudo
de mim/ Arrancavam minha pele/ Minha vida enfim (...). (Trecho da música Hey
Boy, do grupo Racionais Mc’s, 1990)

Por volta de 1997 ao abrir o show do Public Enemy, o Racionais MC’s se mostrava
ainda mais relevante para o cenário do rap nacional, tendo em vista o alinhamento dos
discursos adotados pelo grupo brasileiro e também pelo grupo norte-americano. Ao lançar o
álbum clássico “Sobrevivendo no Inferno”, os Racionais levaram o gênero para um outro
patamar. Considerado uma “aula” de história, política e luta por direitos, o disco bateu
recordes de vendas sem qualquer tipo de aparição midiática do grupo. Este álbum em
específico foi incluído em 2018 pela UNICAMP - uma das faculdades mais prestigiadas do
país - na lista de leituras obrigatórias para o vestibular a partir de 2020.

Salles (2007, p. 29) reforça aspectos importantes sobre os Racionais MC’s e sua
trajetória.

Esse sucesso, até porque se construiu à revelia da grande mídia, atraiu a atenção de
diversos setores da sociedade – como a própria mídia, as grandes gravadoras, os
intelectuais. Na verdade, muita gente se surpreendeu com o fato de grupos surgidos
em favelas paulistas, com uma linguagem politizada e virulenta, tornarem- se
referência para sua gente e, ao mesmo tempo, trilhas sonoras de carros importados
circulando pelos bairros nobres dos principais centros urbanos do país (SALLES,
2007, p. 29).
27

Muitos outros nomes do rap em São Paulo e estados como Distrito Federal e Rio de
Janeiro se destacaram na época. Um importante nome do rap carioca ficou conhecido não
apenas pela produção musical, mas também pela criação de uma das mais importantes
posses15: MV Bill , um dos criadores da CUFA (Central Única das Favelas) junto do produtor
Celso Athayde e da rapper Nega Gizza. MV Bill ficou conhecido também pelo caráter
político presente nas suas letras e conseguiu se tornar uma referência do gênero no país, além
disso, com o projeto da CUFA, que ficou nacionalmente conhecido, o rapper criou o Prêmio
Hutúz, onde revelava e destacava artistas e organizações ligadas ao hip hop em todo o país.

É necessário destacar que os participantes dessa primeira geração, hoje nomeada


como “velha escola”, foram responsáveis pelos primeiros passos do hip hop já como uma
cultura de rua. Tudo isso foi combustível para que as letras adquirissem conotações cada vez
mais críticas especialmente com relação às temáticas sociais e da causa negra. A ideia era um
genuíno e necessário enfrentamento ao sistema. Rocha & Domenich (2001, p. 33) ressaltam
que “o rap é a arte do hip hop que tem o maior poder de sedução sobre o jovem da periferia”,
corroborando com a ideia do rap como ferramenta de formação de uma identidade e até
mesmo de autoestima, o ideal de transformar o constrangimento das condições vividas em
consciência de cidadania efetiva.

Certamente, até os dias atuais, é notável o cenário de desigualdade social e racial que
enfrenta-se no Brasil, e somado aos diversos episódios de corrupção, acaba por potencializar
aspectos alarmantes como o déficit na educação de base e a falta de conhecimento sobre
cidadania e acesso à justiça das populações mais carentes. E foi neste (in)fértil terreno que
que o rap se desenvolveu e também fez morada. O objetivo dos rappers brasileiros da velha
escola, em geral, não era de parar na gravação dos discos. Muitos sempre promoveram
palestras e ações sociais nas periferias onde residiam com temáticas que giravam em torno de
racismo, uso de drogas e violência policial. Shusterman (1999: 160 apud Salles, 2007, p. 43)
reafirma esse papel social ao afirmar que os rappers faziam questão de repetir constantemente
que sua função ia para além de artistas e poetas, chegando a um patamar de “investigadores
atentos da realidade e professores da verdade”.

15
União de rappers ou grupos de rappers com o objetivo de articular ações sociais nas periferias.
28

Nesse sentido, foram surgindo ONG’s e posses, espalhando a forte formação


identitária, pregando auto estima e força para que os seus companheiros conseguissem se
levantar diante das dificuldades impostas pelo sistema.“Malandragem de verdade é viver”,
dizem os Racionais MC’s em sua faixa “Fórmula Mágica da Paz”. Em observância ao
pensamento generalizado de que ser negro e pobre em uma periferia era praticamente um
rótulo obrigatório para ser visto como um marginal e criminoso, visar reverter esse quadro
fazia parte da luta de muitos rappers.
"Dá os dólares, senão vai pro inferno"/ É isso que eu tento evitar com meu verso/
Que defende quem não pode se defender/ Que tá do lado de quem assalta pro filho
comer/ Não aceno bandeira, não colo adesivo/ Não tenho partido, odeio político/ A
única campanha que eu faço é pelo ensino/ E pro meu povo se manter vivo/ Não
enquadrar o boy de carro importado/ Abaixar o revólver, procurar um trabalho (...)
(Trecho da música “A minha voz está no ar”, do grupo Facção Central, 1999).

A forte ideologia sociopolítica que o rap adquiriu ao longo do tempo no Brasil serviu
perfeitamente como uma extensão da Zulu Nation de Bambaataa. Recusar os estigmas e lutar
contra o racismo se tornaram focos dentro do hip hop como movimento no país. Rocha,
Domenich e Casseano (2001, p. 18) reforçam essa visão sobre o rap afirmando que “sua
principal arma seria a disseminação da ‘palavra’. Por intermédio de atividades culturais e
artísticas, os jovens seriam levados a refletir sobre sua realidade e a tentar transformá-la”.
Cada lugar uma lei, eu tô ligado/ No extremo sul da zona sul tá tudo errado/ Aqui
vale muito pouco a sua vida/ Nossa lei é falha, violenta e suicida/ Se diz que me diz
que não se revela/ Parágrafo primeiro na lei da favela, legal/ Assustador é quando se
descobre que tudo deu em nada e que só morre o pobre/ A gente vive se matando
irmão, por quê?/ Não me olhe assim, eu sou igual a você/ Descanse o seu gatilho,
descanse o seu gatilho/ Entre no trem da malandragem, meu rap é o trilho. (Trecho
da música “Fórmula Mágica da Paz” dos Racionais MC’s, 1997)

Nessas circunstâncias, o gênero nasceu, se desenvolveu dentro das periferias e se


tornou característico das classes mais baixas. Entretanto, foi posteriormente adotado pela
juventude das classes mais favorecidas, que vieram também a se tornar produtores e
consumidores de rap, apesar de todo o imaginário de preconceito associado à violência que o
hip hop no geral viveu durante muitos anos no Brasil e no mundo.
Ainda que São Paulo seja considerado o berço do hip hop no país, e o Sudeste como
um todo ter ganho maior notoriedade dentro do rap como gênero musical, muitas
manifestações da cultura já estava acontecendo no país inteiro ao longo das décadas de 80, 90
até os anos 2000. Seria em muito reducionista não falar que em dezenas de cidades brasileiras
já eram vividas experiências consideráveis com os elementos do hip hop, particularmente
com o rap, apesar de ainda ser um cenário bastante incipiente.
29

2.5 A “nova escola” e a geração “pós nova escola” no rap nacional


Os próximos tópicos tem por objetivo falar especificamente dos acontecimentos mais
recentes dentro do cenário do rap no Brasil. Pela ausência de bibliografia que disserte com
detalhes e o aprofundamento necessário sobre essa parte da temática, as informações expostas
aqui são fruto de vários anos de vivências e pesquisa pessoal sobre a cultura, além da
contribuição sob a forma de diversos diálogos com demais consumidores e produtores de
longa data, que alinharam diversos pontos aqui, possibilitando, assim, que esta parte
específica da pesquisa nascesse.

Para além de compor um movimento tão expressivo como é o hip hop, o rap entrou
para o circuito de gêneros musicais com maior potencial de geração de receita pela gigante
indústria fonográfica, e hoje mobilizam uma legião de fãs em todo o mundo, inclusive no
Brasil. Porém, como em qualquer mercado existe concorrência e se destacam apenas alguns
poucos. Com isso em mente, os rappers no país inteiro têm buscado oportunidades e investido
em aspectos como novas sonoridades, técnicas vocais, novas formas de escrever, outras
temáticas a serem abordadas nas letras, dentre outros. Contudo, é um fato bastante conhecido
entre os consumidores do rap nacional, que a região Sudeste do país desde a velha escola, em
especial o eixo Rio de Janeiro - São Paulo, sempre teve o domínio hegemônico do gênero no
Brasil quando se fala em repercussão do trabalho dos artistas. Não é necessário pensar muito
ou ser um grande fã do gênero para conseguir lembrar ou citar algum nome, como Racionais
MC’s, Marcelo D2, Emicida, ou qualquer outro que quase inevitavelmente será de um
rapper/grupo do eixo Rio de Janeiro - São Paulo. O rap sempre teve sotaque, mas apenas
paulista ou carioca.

Enquanto os precursores iam se tornando a “velha escola”, uma “nova escola” ia se


formando depressa no rap nacional. Rappers nascidos em diversos estados do Brasil,
inclusive no ainda invisibilizado cenário nordestino, começavam a rimar em batalhas no
circuito underground ou mesmo em outros contextos. Muitos sonhavam em repetir o sucesso
de seus ídolos da old school. A partir daí, com o grande esforço típico que se exige de alguém
que busca viver de música em um país como o Brasil (ainda por cima de um gênero
carregado de estereótipos e estigmas), alguns rappers conseguiram conquistar seu espaço
frente ao público consumidor. Entretanto, de uma maneira geral, o sucesso daqueles que
vinham principalmente da região Sudeste do Brasil, ainda reafirmava a prerrogativa de que
nascer na região Sudeste ainda lhes concedia maior vantagem frente às demais regiões.
30

Pode-se considerar o rapper Kamau16 como uma espécie de importante demarcação da


ascensão de uma nova geração frente à velha escola da qual ele também é parte. No caso em
uma tentativa muito simplista e didática de separação entre a chamada “velha escola” e uma
“nova escola” no rap nacional. Kamau, que iniciou sua carreira em 1997, já dividiu palco e
fez gravações com várias gerações do rap, e é hoje reverenciado por artistas desde a velha
escola até os mais atuais. Contudo, foi em 2008, com seu primeiro álbum de estúdio lançado,
chamado “Non Ducor Duco” (escrita da bandeira paulistana e significa “Não sou conduzido,
conduzo”), que Kamau colocou seu nome na cena. O álbum foi (e continua sendo)
amplamente aclamado por grande parte dos artistas e consumidores do gênero, e foi eleito
pela Rolling Stone um dos 25 melhores discos dentro do rap nacional 17 em seu ano de
lançamento e melhor disco de hip hop pela Rádio Cultura Brasil. Non Ducor Duco ao mesmo
tempo que “fecha” a velha escola com uma sonoridade mais tradicional (Boom bap18), abre a
nova escola já apresentando certa variação na temática de suas letras (deixando a postura
sisuda de lado em algumas faixas), na construção das rimas e expressiva maturidade artística.
Chegando no que ficou conhecido na época, com “nova escola” um importante nome
a ser citado é o do rapper paulista Emicida 19 , que notadamente vinha se destacando no
circuito de batalhas de MCs. Esse fato deu, inclusive, origem a seu apelido e nome artístico, a
partir de um neologismo da união entre “MC” e "homicida", em virtude de suas constantes
vitórias nas batalhas. O rapper lançou seu trabalho de estreia em 2009, a mixtape20 intitulada
“Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe”. Seu primeiro

16
Nome artístico de Marcus Vinicius Andrade e Silva, um rapper, compositor, beatmaker e skatista paulista.
Iniciou sua carreira em 1997, já fez parte do grupo carioca Quinto Andar, extinto em 2005. É visto hoje como
referência por muitos dos MCs veteranos e também por alguns em destaque na cena atual.
17
Per Raps. “Faixa a Faixa” – Non Ducor Duco por Kamau. Disponível em
<https://perraps.wordpress.com/2009/04/09/non-ducor-duco-faixa-a-faixa-por-kamau-parte-um/> Acesso em 09
Out 2018
18
Estilo de produção no rap que remete a uma onomatopeia para os sons de bateria (“boom bap”) proeminentes
no hip hop da costa leste dos anos 90.
19
Nome artístico de Leandro Roque de Oliveira, rapper, compositor e fundador junto de seu irmão Fióti
(Evandro Roque de Oliveira) da gravadora independente, agência de shows, editora e também marca de roupas
Laboratório Fantasma, construída inteiramente com dinheiro ganho a partir do hip hop.
20
Dentro do rap o conceito de mixtape e conhecido como uma compilação de músicas reunidas com grande
unicidade sonora garantida por meio de efeitos sonoros como scratches, algo semelhante a um álbum, mas em
geral, mais curto e sem necessariamente grande elaboração e coesão entre as faixas.O que antes tinha como
suporte as fitas cassetes, frequentemente distribuídas ilegalmente, hoje se adaptaram às novas tecnologias e
rappers passaram a produzir mixtapes sob a forma de CD’s e mais atualmente são ouvidas nas plataformas de
streamings..
31

trabalho mais sólido se tornou um marco dentro do gênero na sua geração por aspectos como
formato da produção (mixtape), músicas mais curtas e com coesão entre si (características
desse tipo de formato), e especialmente pela forma de distribuição, que mostrou uma grande
visão de negócio por parte de Emicida. A mixtape era vendida sempre em shows e eventos da
cena rap paulista pelo próprio artista a valores muito acessíveis para a periferia, dando assim
rápida popularidade a ele e às músicas.
O rapper conseguiu sucesso não apenas pela grande habilidade técnica em improvisar,
como também na interpretação, escrita das letras (lírica) e elaboração das batidas (beats) e
especialmente pelo modo profissional que passou a gerenciar sua própria carreira. Apesar
disso, o rapper ainda sofreu algumas críticas em seu começo, do público mais conservador,
acostumado às letras de cunho mais combativo, por mais que o artista não fugisse disso, não
mostrava esse viés em todos os seus trabalhos. Emicida hoje é considerado uma das maiores
revelações do hip hop do Brasil dos anos 2000, foi indicado e venceu vários prêmio musicais,
teve, em vários de seus clipes e músicas, sucesso de visualizações na Internet, além de ter
inspirado, influenciado e dado oportunidades a diversos outros rappers das gerações seguintes
em sua gravadora independente Laboratório Fantasma.
Outro grande sucesso da mesma geração foi o artista também paulista Criolo21, que
começou com o nome “Criolo Doido” e lançou seu primeiro álbum em 2006, intitulado
“Ainda há tempo”. Nessa época se posicionava mais próximo da estética que o público do
gênero simpatizava, e chegou a fundar o projeto “Rinha dos MCs” que além das batalhas de
freestyle, promovia shows semanais, exposições de graffiti e de fotografias. Criolo assim
como Emicida teve enorme repercussão em seu trabalho, ganhou várias indicações e levando
prêmios para casa, chegando a realizar, inclusive, trabalhos como ator. Ficou conhecido
também por negociar muito mais abertamente com outros gêneros, chegando até a cantar ao
lado de artistas como Caetano Veloso, Milton Nascimento e Ney Matogrosso, ampliou sua
estética nas músicas e também o posicionamento de sua carreira.
“O hip hop sempre se alimentou de outros elementos culturais, mas, por algum
motivo, em algum momento, ficou estereotipado como uma cultura que se retroalimenta e
não se conecta com as outras", afirmou Emicida em entrevista22 ao G1 em 2017, reiterando a

21
Nome artístico de Kleber Cavalcante Gomes, cantor, compositor e também ator. Criolo hoje dialoga um
pouco menos com certas fatias do público que consome rap, mas conseguiu deixar a sua marca na cultura e
sempre tem grande e positiva repercussão em seus trabalhos dentro deste e dos mais diversos públicos.

22
Brasil todo é obrigado a escutar e aplaudir um único gênero, diz Emicida sobre sertanejo. Disponível em
32

importância da busca por novas sonoridades para fortalecer o gênero. Nessa geração, foram
surgindo ainda mais artistas, e alguns tiveram grande sucesso e foram grandemente
reverenciados dentro do gênero. Muitos trouxeram interessantes contribuições e expandiram
as fronteiras para fora do rap.
Salles (2007) que em seu livro Poesia Revoltada ainda não tinha visto a diversidade
de rappers que viriam a se destacar no país nos anos seguintes, já falava sobre essa
diversidade de estilos que timidamente se mostravam evidentes.
Hoje em dia não é possível falar num estilo único de rap. Há rappers que insistem na
fórmula DJ e MC, e outros que preferem atuar acompanhados por bandas; há aqueles
que condenam de forma veemente as drogas, e aqueles que as defendem
fervorosamente (o grupo carioca Planet Hemp, por exemplo). Isso nos permite
imaginar categorias nas quais pudéssemos estabelecer estilos de rap diferentes entre
si (SALLES, 2007, p. 33).

Com todas estas mudanças acontecendo, e como é possível imaginar, o tempo não
parou para o rap. Essa geração chamada de “nova escola” também foi se consolidando, ao
passo que surgiu uma espécie de geração “pós nova escola” dentro do rap. Assim, em menos
de dez anos de ascensão, alguns dos rappers da nova escola já tinham seu lugar de destaque
no altar das grandes referências. Muitos destes assim como a velha escola influenciaram e
apoiaram em grande medida jovens rappers que foram surgindo em todo o país nesta geração
“pós nova escola”.
A essa altura, o mundo do rap já era consideravelmente diferente do que no contexto
da Estação São Bento de Metrô em diversos aspectos, como o social, político e também
tecnológico. As novas tecnologias da informação foram se propagando ao longo dos anos e
timidamente auxiliavam os jovens rappers em suas carreiras principiantes. Novas formas de
trocar informações condicionadas pelo advento e democratização do uso da Internet,
inclusive no contexto das periferias, foram modificando desde a forma que os participantes da
cena rap no Brasil se comunicavam, até o modo que se consumia a música, de fato. Em todos
os gêneros, foi notável o quanto a indústria fonográfica conseguiu se desenvolver graças ao
crescimento no uso de plataformas como o YouTube, a realização de downloads23 em sites
especializados, e o desenvolvimento das plataformas de streaming 24 de música, tais como

<https://g1.globo.com/musica/noticia/brasil-todo-e-obrigado-a-escutar-e-aplaudir-um-unico-genero-diz-
emicida-sobre-sertanejo.ghtml> Acesso em 04 Out 2018
23
Realização de cópia de uma informação/arquivo, podendo ser em diversos formatos, de maneira remota
através do uso de um computador ou dispositivo móvel de acesso à Internet.
24
Transmissão de dados através de rede.
33

Spotify, Deezer e Apple Music. No começo de 2018 os streamings já contabilizavam cerca de


176 milhões de usuários25 que, efetivamente, pagavam para consumir música.
A indústria fonográfica foi crescendo e no mesmo fluxo a popularização do rap, em
particular da geração “pós nova escola”26, foi impulsionada e atraiu com isso um público
consumidor maior e mais heterogêneo. Grupos de rap como Haikaiss (SP) e Cone Crew
Diretoria (RJ) foram apenas dois casos que a (r)evolução tecnológica beneficiou em grande
medida. Estes já fazem parte dessa geração “pós nova escola” quando falamos em
repercussão em larga escala do trabalho, já que cronologicamente alguns artistas dentro dessa
geração começaram no rap amadoramente já na mesma época que artistas como o Emicida,
mas só vieram a colher os frutos do sucesso na era dos views da Internet. Haikaiss e Cone
Crew Diretoria passaram por um caminho que alguns outros rappers e grupos também
trilharam na carreira dentro da sua geração, tendo em vista que vivenciaram grandes
mudanças dentro do gênero e com as novas tecnologias. Fala-se aqui em uma esperada fase
de transição estética e ideológica, começando com sonoridades do clássico boom bap, falando
de temáticas que ainda contornavam a periferia como repressão policial, crime, pobreza, até
finalmente chegar na fase atual do trap 27, com posicionamentos mais abertos sobre temas
como dinheiro, drogas, festas, fama e mídia. Muitos dos rappers dessa geração passaram a
abordar diferentes assuntos em suas letras, realizar parcerias com outros gêneros e apostar em
variações na construção das rimas e das batidas.
Tranquilidade na nave, tamo suave a vontade/ Demorô, é só me chamar que tem rap
até mais tarde/ Tem festa na laje e é só os amigo que invade/ E já que é só os amigos,
hoje é só os amigos de verdade/ Quem fecha, fecha, quem não fecha braço/ Hoje é
melhor até sair voado, porque quem não fecha vai pras frechas/ Me desculpa, esse é

25
Streaming de música torna-se principal fonte de renda do setor pela 1ª vez, diz relatório. Disponível em
<https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/streaming-de-musica-torna-se-principal-fonte-de-renda-do-setor-
pela-1-vez-diz-relatorio.ghtml> Acesso em 09 Out 2018
26
Será utilizada aqui esta nomenclatura para fazer referência e explicar melhor a atual geração de rappers ativos
na cena nacional e que vieram a ser conhecidos já se beneficiando amplamente das novas tecnologias para
produção e divulgação de seus trabalhos. Não é possível fazer essa “divisão” a partir de anos ou décadas
específicas, em virtude de vários aspectos particulares do rap como gênero musical cercado de estigmas e a
partir de sua relação complexa com os meios de comunicação de massa.
27
Subgênero do rap originado por volta dos anos 2000. Para alguns o trap teria derivado do dirty south, forma
de produção de rap da região sul dos EUA na época, tendo como alguns dos expoentes rappers da old school
norte-americana como Scarface, T.I, Lil Jon, o grupo Three 6 Mafia, dentre outros, mas se popularizou ainda
mais com a new school. O trap hoje é caracterizado a partir da construção descompromissada das letras, ou seja,
o conteúdo lírico é menos elaborado e foge quase que completamente do teor politizado. Se utiliza extensamente
de onomatopeias, sintetizadores, bumbos e sub-graves em tempos duplos ou triplos, construindo uma atmosfera
mais densa, frequentemente com fortes efeitos na voz dos rappers (o mais conhecido seria o produzido pelo
programa autotune). Atualmente, é praticamente impossível imaginar o rap no Brasil e no mundo sem o trap, é
uma tendência dominante na estética do gênero e contribuiu em muito, também, para a expansão de público,
pela sonoridade que chega, por vezes, a flertar com o pop e com a música eletrônica.
34

o papo/ Esse é o papo reto, mano, igual acordo de tráfico/ Mas sem caô, hoje eu só
quero paz e amor/ Um beck de Amsterdã? aham/ Ficar tranquilo meu parceiro,
chapando até de manhã (Trecho da música “Rap Cerva Erva e Muita Larica” do
grupo Cone Crew Diretoria, 2015).

Vale destacar neste ponto que esse fenômeno de mudança do discurso em algumas
músicas de rap já era algo corrente nos EUA no período Gangsta Rap da Golden Era,
conforme comentado anteriormente.

Outro fenômeno de grande relevância para a geração pós nova escola, que explodiu
rapidamente no rap nacional e se expandiu graças à Internet, foi a tendência de cyphers28. A
empresa Pineapple Storm, que começou apenas como produtora de roupas, foi uma das
grandes responsáveis no que viria a dominar o imaginário da atual massa consumidora de rap.
A mesma que começou na cena patrocinado rappers da atual geração, posteriormente
associou-se ao Brainstorm Studios e lançou o canal Pineapple StormTV no YouTube, que
hoje conta com cerca de 2.871.425 inscritos 29 . Com isso, o canal passou a produzir suas
próprias séries de cyphers, a exemplo de: “Poetas no Topo” (foram feitas 4 produções),
“Poetisas no Topo” e “Poesia Acústica” (rendeu 5 produções), esta última, obtendo grande
receptividade por um grande público, a essa altura mais heterogêneo de dentro e fora do rap,
mas também recebeu duras críticas pelo público mais conservador do gênero, tendo em vista
que a produção se afasta em muito da estética mais “tradicional” de rap, utilizando de versos
mais românticos e um instrumental com violão.

Ana capricorniana, você acha que me engana/ Desculpa mas não quero ver você
partir/ Vai embora com minha blusa, só pra deixar outra sua/ Ninguém pode saber
que você teve aqui/ Quem é que tem coragem pra falar de amor?/ Quem é que tem
coragem de ser o que é?/ Fiz essa no meu quarto, minha casa não tem laje/ E a única
montagem é seu sorriso sem cor, amor (...) (Trecho da música “Poesia Acústica 3 -
Capricorniana” dos artistas Sant, Tiago Mac, Lord, Maria e Choice)

28
O conceito de cypher tomou uma outra conotação dentro do contexto da nova geração do rap nacional, mas
sua origem tem duas teorias. Uma destas provém do break, a dança que é também um dos elementos da cultura
hip hop teria utilizado a palavra cypher muito antes do rap para designar a roda onde cada dançarino pudesse
entrar e mostrar seus passos sem cunho competitivo, e esta teria apenas sido “transferida” ao elemento irmão.
Outra teoria amplamente aceita vem a partir dos EUA e da chamada Five Percent Nation. Fundada no Harlem
por volta de 1690 pelo líder americano Clarence 13X antigo membro da Nação do Islã, pregava, partindo de seu
nome, que os membros (chamados de Five Percenters ou 5%ers) seriam os cinco porcento das pessoas no
mundo que teriam o conhecimento sobre a verdade da existência e deveriam reproduzir essa verdade e acabar
com a tirania do mundo. Com o nascimento do rap numa realidade próxima nas periferias negras dos EUA,
muitos rappers tiveram contato com a Five Percent e muitos membros da Five Percent se tornaram rappers
Artistas como Jay Z, Guru, Ice-T e o grupo Wu Tang Clan beberam na fonte de alguns preceitos da Five
Percent. A palavra cypher surgiu nesse contexto e era um dos códigos do grupo para representar a união entre a
sabedoria e o entendimento, e não necessariamente se relacionava com rimas, em seu começo. Mais adiante o
termo passou a ser utilizado dentro do rap para apresentar rimas inéditas podendo ser freestyle ou não. Tudo
feito ao vivo com um DJ e uma batida produzida em estúdio.
29
Dado atualizado em 13 de Outubro de 2018
35

O canal tem se dedicado a clipes bem produzidos e os tem observado alcançar


milhares de views no YouTube, sem contar os consumidores que passaram a ouvir as músicas
nos streamings. Além disso, a marca teve ainda mais sucesso no que diz respeito à venda das
roupas e demais produtos com o seu logo de abacaxi, e despertou o interesse de vários grupos
de artistas em participar de suas produções. A Pineapple StormTV se tornou responsável
também por uma sequência de produções intitulada “Perfil”. Cada artista convidado teria um
clipe para uma música de sua autoria, e muitos artistas dessa nova geração foram abraçados
pelo grande público e conseguiram certa repercussão a partir disso. Foram feitos perfis
também com artistas já conhecidos pelos consumidores do gênero, e chegaram até e a
convidar grandes nomes da velha escola para contribuir com o projeto, como Kmila CDD e o
veterano MV Bill. Assim, as cyphers, perfis e tantas outras produções feitas pela Pineapple
StormTV, se tornaram febre entre os consumidores, lançaram tendências, bateram recordes
de visualizações no YouTube, se tornaram assuntos, despertaram polêmicas e o interesse de
muitos. A empresa e o abacaxi de sua identidade visual passou a representar uma espécie de
símbolo da comercialização massiva do rap nacional e do que a Internet trouxe e ainda
poderia trazer para essa geração pós nova escola. Além disso, sendo feitas pela Pineapple ou
por outras produtoras o rap começou, nesta nova era, um processo de abertura ainda maior do
que o imaginado algumas décadas atrás. Cyphers como “Machocídio” e “Quebrada Queer”,
foram muito relevantes por colocar mulheres e LGBTs em evidência e surpreendendo o
público do gênero, que sempre carregou ao longo de sua história traços machistas e
homofóbicos, como um reflexo da sociedade, mas que agora demonstrava maior esforço em
se livrar de vez dos estigmas.

Posto isso, é completamente perceptível a mudança de paradigmas dentro do rap


nacional com a democratização do acesso à Internet, avanços tecnológicos que propiciaram
um maior aperfeiçoamento das produções tanto no vocal quanto no audiovisual e na
ampliação das discussões. A Internet foi indiscutivelmente benéfica para o rap, muitos
artistas ascenderam, fizeram o rap chegar ao mainstream, passaram a viver de seu trabalho.
Porém, a predominância de quem conseguia chegar ao sucesso ainda era, essencialmente, do
Sudeste. E é partindo deste aspecto singular do rap que a cena brasileira se desenvolve ao
longo das décadas e finalmente leva o nordeste, em 2016, a gritar por espaço na cena e neste
mercado.
36

2.6 Os conflitos da geração “pós nova escola” no rap e a bomba nos versos de
Sulicídio
Berço de grandes artistas considerados revolucionários dentro da música nacional,
como Chico Science (PE), Luiz Gonzaga (PE) e Raul Seixas (BA), Zé Ramalho (PB), Djavan
(AL), Fagner (CE), Gilberto Gil (BA), o Nordeste nunca deixou a desejar musicalmente e
sempre se mostrou um exímio celeiro de talentos. Com o rap não poderia ser diferente. No
entanto, levando em consideração o cenário percorrido, e que o gênero sempre viveu desde a
sua chegada no Brasil, é notável a invisibilidade que rappers nordestinos enfrentavam frente
ao Sudeste. Se observarmos pelo prisma mercadológico, é possível presumir que o sucesso de
grupos e artistas de outras regiões, e especialmente do Nordeste, do país nunca foi algo
corrente.
RAPadura Xique-Chico 30 (CE) pode ser citado como um dos poucos rappers
nordestinos a ter reconhecimento dentro do rap no país, isso já nos anos 2000. Hoje
conhecido apenas como Rapadura. Com treze anos, o artista se se mudou com a família para
Brasília/DF e começou a compor com quatorze. Em Brasília, Rapadura fez uma parceria com
o rapper GOG31 na conhecida faixa “A quem possa interessar” no ano de 2006, e foi sua
primeira aparição na cena, fazendo o mesmo ser visto efetivamente. O rapper lançou seu
primeiro trabalho de estúdio em 2010 intitulado “Fita Embolada de Engenho - Rapadura na
boca do povo”, seguindo o formato de mixtape com poucas faixas e conseguiu considerável
repercussão com o trabalho. Rapadura chegou a vencer o Prêmio Hutúz em 2007 na categoria
"Grupo ou Artista Solo Norte/Nordeste", e em 2009 no mesmo prêmio foi escolhido como
um dos três melhores cantores/grupos do Norte/Nordeste da década. O artista se tornou figura
carimbada no rap pela vestimenta típica e caricata de um nordestino com itens como chapéu
de palha e chinelo de couro, que se tornaram características do visual do artista e pelas letras
que também refletiam a realidade do Nordeste e a saudade de sua terra natal. Além disso, a
estética de suas produções misturavam o rap com outros ritmos nordestinos como embolada,
repente, coco, maracatu, cantigas de roda, baião e forró, bem como gêneros mais urbanos
como jazz, soul, e o samba-rock.

30
Nome artístico de Francisco Igor Almeida do Santos, rapper, compositor e produtor cearense. O rapper
cearense ganhou o apelido ainda criança pelo doce homônimo típico do nordeste que era seu favorito na época.
31
Nome artístico de Genival Oliveira Gonçalves rapper, cantor, e escritor brasiliense. Foi um dos pioneiros do
rap no Distrito Federal e é um grande nome da velha escola do rap nacional.
37

Ainda assim, a repercussão do Nordeste no cenário do rap nacional ainda era mínima,
apesar de que muitos outros nomes já estavam trabalhando com o gênero em vários estados
da região desde a velha escola. Como reflexo da carência de reconhecimento por parte da
cena artistas e grupos de grande relevância seguiam invisíveis para consumidores e
produtores de eventos do gênero, mas os nordestinos seguiam influenciando gerações de
rappers do Sudeste que vieram a ter grande sucesso no país. Um exemplo perfeito para
explicar esse fenômeno é o grupo cearense Costa a Costa.
O Costa a Costa é um grupo de rap criado em 2005 no Ceará pelos artistas Don L32,
que na época morava na região leste de Fortaleza, e Nego Gallo, da região oeste. A partir
dessa união das costas leste e oeste da cidade surgiu o nome do grupo, que veio a contar
depois com os integrantes Junior D, Preto B e DJ Flip Jay. Misturando ritmos como
reggaeton, brega, xaxado, funk e salsa com o rap, o som do Costa a Costa era algo original e
até revolucionário quando visto ao lado do rap feito no Brasil na época. O único trabalho
sólido do grupo foi lançado em 2007, a mixtape “Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de
Costa a Costa” pelo selo independente Dunego Records, que rendeu cerca de 25 mil cópias
distribuídas em todo o país. Com a mixtape o grupo ganhou dois Prêmios Hutúz incluindo o

de melhor grupo do Norte/Nordeste da década, em 2009. Em uma realidade de extrema


pobreza e no corrente contexto de violência e criminalidade que os rappers do Costa a Costa
viviam, a música era produto do meio. Narrando experiências e expondo os sonhos de
consumir, de serem lembrados, reconhecidos e ocupar espaços. Os artistas se posicionavam
de uma maneira distinta do que era pregado no gênero até então. Os paradigmas quebrados
pelo Costa a Costa na periferia de Fortaleza viriam a moldar significativamente, a partir dali,
o cenário do rap nacional da época.
Lançamos o trabalho sem medo de ser a gente mesmo, de sermos ambiciosos, e
impulsionamos nossa geração a fazer o mesmo. O rap brasileiro estava se perdendo
num sentimento de desistência que começou a virar uma apologia à derrota, como se
o legal fosse ser fodido e assumir a posição de vítima (Don L em entrevista à Revista
Folha de São Paulo online)33

32
Nome artístico de Gabriel Linhares Rocha rapper e compositor. Nascido em Brasília Don L se mudou aos 4
anos com a família para Fortaleza/CE e aos 16 anos saiu de casa. Enfrentando diversas dificuldades, o artista
vendeu CDs piratas na rua, morou em área de invasão e posteriormente em um barraco construído com suas
próprias mãos na Favela do Marrocos. Durante um breve período se envolveu com tráfico de drogas, mas ao
mesmo tempo conheceu o rap e passou a se dedicar à música desde então.
33
‘Faço música para cafetinar a realidade', diz o rapper cearense Don L. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/12/1564173-faco-musica-para-cafetinar-a-realidade-diz-o-
rapper-cearense-don-l.shtml> Acesso em 09 Out 2018
38

As misturas de sonoridades e certos posicionamentos explícitos nas letras pode não


parecer novidade quando se olha para o que já foi exposto sobre a nova escola no sudeste.
Porém, se olharmos a cronologia, o Costa a Costa foram pioneiros em vários aspectos, de
fato. Em 2007 a mixtape “Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de Costa a Costa” foi lançada
oficialmente, mas já em 2006 estava sendo vendida pelos integrantes do grupo, de mão em
mão no porta-malas de um Opala. “A gente parava num barzinho qualquer, rolava o som e
vendia pra quem curtisse. Foi aí que notei que o som batia forte na mente da rapaziada”,
afirma Don L em entrevista ao portal Rap Nacional Music34 sobre a estratégia de venda da
mixtape. Na ausência de uma gravadora, o grupo liberou a mixtape também para download
na Internet e enviava também pelo correio para várias partes do país. Nego Gallo, em
entrevista para o portal O Povo35, conta como o Costa a Costa já se virava das maneiras que
podia para fazer o trabalho ser conhecido.
Hoje o mercado da música se resume a shows, não é a venda de CDs, e a gente já
estava entendendo isso em 2007. A ideia de fechar com uma gravadora ou grande
selo naquele momento, para a gente, era muito distante. O Costa a Costa apostou na
Internet e enviava a mixtape para vários lugares do País.

Táticas essas que viria a ser utilizada pelo rapper paulista Emicida com sua também
mixtape “Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que eu cheguei longe” três anos
depois. Porém, o trabalho do rapper do Sudeste teve uma repercussão muito maior do que o
caso do Costa a Costa. Outra influência entre o rapper paulista e o grupo cearense, além do
modo de distribuição do primeiro trabalho, foi justamente o próprio formato mixtape, sendo
esta uma produção consideravelmente mais barata, em virtude da simplicidade e pela
ausência de masterização e demais elementos mais complexos exigidos para um álbum.
Emicida lançou sua mixtape em 2009, com uma repercussão bem maior, inspirado no
formato já produzido e distribuído anos antes pelo Costa a Costa.
Nesse cenário, enquanto artistas mais visibilizados do Sudeste eram tidos como
inovadores e aclamados ou criticados pela negociação mais aberta com a mídia, o Costa a
Costa participava em 2007 do programa Central da Periferia, com apresentação da Regina
Casé na Rede Globo de Televisão, algo que muitos participantes da cena do rap nacional não
imaginavam que poderia acontecer na época. Isso até em 2013 grandes nomes da velha escola

34
Disponível em <https://www.rapnacionalmusic.com.br/2015/05/confira-o-novo-clipe-de-don-l-verso-livre-
no1-giramundo-anotacoes.html> Acesso em 9 Out 2018
35
Referência no rap nacional, cearenses do Costa a Costa celebra 10 anos. Disponível em
<https://mobile.opovo.com.br/jornal/vidaearte/2017/10/referencia-no-rap-nacional-cearenses-do-costa-a-costa-
celebra-10-anos.html> Acesso em 09 Out 2018
39

como Edi Rock (integrante do Racionais MCs) e Dexter (Ex integrante do 509-E) irem na
grande emissora e aparentemente refutar a visão corrente disseminada nas décadas anteriores
de que o rap não se envolveria com as grandes mídias. Não é difícil concluir que os artistas
da nova escola e da atual geração pós nova escola, já não enfrentam nenhum problema no que
concerne esse diálogo com as grandes mídias, tendo em vista todo o percurso que o gênero
vem trilhando e também do novo público consumidor que a medida que cresce se diversifica.
O interesse pela cultura das periferias e o poder de consumo aumentou a medida que a
tecnologia conectou fontes de criação e expressão dentro da cultura hip hop.
Contudo, esse cenário ideal de evolução e democratização do rap no Brasil há muito
vinha sendo algo quase completamente voltado apenas para a região Sudeste. Grupos como o
Costa a Costa, sendo inspiração para vários artistas que vieram após a velha escola, com uma
sonoridade diferenciada, discurso e postura mais aberta sobre ganhar dinheiro e aparecer na
mídia, formato de produção e distribuição inovador para a época, ainda assim não colhiam os
frutos e não conseguiam se posicionar de forma igual nesse mercado. O Nordeste seguia
invisibilizado. Foi neste cenário que a geração “pós nova escola”, especialmente em um
cenário de grande insatisfação dos artistas nordestinos com a atual indústria do rap nacional,
com o grande público, falta de estrutura para aperfeiçoamento do trabalho e especialmente
descaso por parte de contratantes regionais, que a música Sulicídio foi produzida e lançada.
Sulicídio, objeto de enfoque neste estudo, foi lançada oficialmente em 29 de Agosto de 2016
no YouTube e demais plataformas de streaming, e rapidamente estava sendo compartilhada
em sites de redes sociais36 como o Facebook. A música foi uma composição dos rappers
Diomedes Chinaski37 (PE) e Baco Exu do Blues38 (BA), em colaboração com os produtores
Mazili (PE) e Sly (BA) e surgiu em um momento bem específico do rap como produto
midiático na Internet.
Diomedes Chinaski, nascido em Pernambuco, retirou seu nome artístico “Diomedes”
de um quadrinho do escritor brasileiro Lourenço Mutarelli, e “Chinaski” inspirado em um
alter ego do escritor norte-americano Charles Bukowski. Nascido em uma família que

36
Será utilizado aqui o termo “sites de redes sociais” para definir as ferramentas que proporcionam a publicação
e a construção de redes sociais, amplamente intituladas de redes sociais digitais, mídias sociais, dentre outros
termos. Esse termo específico foi escolhido a partir da definição de Recuero (2012) apenas com o objetivo de
padronização deste estudo.
37
Nome artístico de João Vittor de Souza Passos, rapper e compositor nascido na região metropolitana de
Recife/PE.
38
Nome artístico de Diogo Álvaro Ferreira Moncorvo, rapper e compositor nascido em Salvador/BA.
40

sempre simpatizou com a música, começou a compor aos 11 anos inspirado pelo cantor
Cazuza, mas foi através dos Racionais MC’s que conheceu o rap e percebeu que poderia
compor letras com relevância social e falar sobre a sua realidade, ao contrário do que sempre
observou em outros gêneros musicais. Iniciou sua carreira na cena através da Liga dos MCs,
também chamado de Duelo Nacional de MCs, principal competição brasileira de batalhas de
rimas, onde os melhores MCs de cada estado duelam para decidir quem será o melhor do país
naquele ano. O rapper participou pela primeira vez em 2009 e foi para o Rio de Janeiro onde
venceu o Nacional e foi eleito o melhor MC. Naquele mesmo ano viria a formar o grupo de
rap Chave Mestra junto dos rappers Aton (Faraó), Moral, Zaca de Chagas e da Orquestra
Imaginária. Diomedes que sempre se posicionou como líder do grupo, de certa forma, e
percebeu que as letras que o Chave Mestra apresentavam para o público recifense ainda não
eram compreendidas totalmente em sua essência lírica. Muito disso em decorrência de outros
elementos que compunham a dinâmica sócio-cultural da região, dentro de uma realidade das
periferias de Pernambuco, onde os jovens sempre se ativeram muito mais ao brega-funk, e se
preocupavam com questões como a violência e rivalidade entre bairros. A partir disso,
assumidamente inspirado na mixtape do Costa a Costa, Diomedes junto do Chave Mestra
começou a fazer um rap que viria a retratar a vida daqueles personagens reais e exaltar a
cultura regional, conseguindo de forma descompromissada, sem ditar o que seria certo ou
errado, grande popularidade na região e tornando Diomedes Chinaski um dos rappers mais
influentes do rap Pernambucano. O artista viria a seguir seu projeto solo junto do Chave
Mestra, até dedicar-se integralmente a esta e vir a lançar vários projetos de grande
repercussão, mas tudo isso apenas após Sulicídio.
Baco Exu do Blues, nascido na Bahia, teve seu nome artístico “Baco” dado por um
amigo baiano fazendo referência ao boêmio deus do vinho e da loucura na mitologia grega; o
“Exu” veio como referência ao orixá39 homônimo; e o “Blues” veio a carimbar o nome a
partir do gosto do rapper pelo gênero musical. Filho de uma mãe professora de literatura,
sempre simpatizou com a leitura e assimilou muitas informações que só vieram a enriquecer a
lírica da sua música. Começou a compor ainda muito jovem devido a uma dificuldade em se
expressar oralmente. Posteriormente uniu-se a um grupo de 10 amigos no breve projeto
Universos, em que misturavam o rap com vários elementos instrumentais e também
sonoridades de tambores africanos. Porém, por diversos fatores, incluindo a inexperiência dos

39
Designação genérica das divindades cultuadas pelos iorubás do Sudoeste da atual Nigéria, Benin e do Norte
do Togo, trazidas para o Brasil pelos negros escravizados dessas áreas e aqui incorporadas por outras religiões.
41

músicos e dificuldade de divulgar o trabalho, o grupo encerrou as atividades. Baco participou


depois também do grupo D.D.H. (Direto Do Hospício) junto do rapper Mobb e do DJ Sly. O
grupo chegou a lançar um trabalho no YouTube com o mesmo nome do grupo em Abril de
2016, já no contexto de lançamento de Sulicídio, que viria a acontecer ainda naquele mesmo
ano. Baco pouco tempo depois iniciou sua carreira solo e viria a lançar seu primeiro álbum,
intitulado “Esú” em Setembro de 2017. Com este, o rapper obteve enorme sucesso em todo o
país pela originalidade, presença marcante de elementos regionais da Bahia e de matriz
africana, e pelas letras com muitas referências espirituais, sobre racismo, fraquezas e paixões.
Com referências a Paulinho da Viola, ao escritor Jorge Amado, Chico Science e Nação
Zumbi, James Brown, Tim Maia, ao Racionais MC’s, dentre muitas outras, o rapper inovou e
conseguiu inédito reconhecimento dentro da cena a partir daquele ponto. Esse foi apenas um
dos fatores que levaram grande parte dos consumidores do gênero a olharem para a música
Sulicídio como uma pensada e consideravelmente agressiva “estratégia de marketing” de
Baco e Diomedes para se promoverem a partir da polêmica faixa.
A forma que Sulicídio foi composta é caracterizada dentro do rap como uma faixa
“diss”, redução da palavra em inglês “disrespect” que significa “desrespeito”, mas no Brasil
é utilizada também a redução a partir do vocábulo em inglês sem tradução 40 . Dentro do
gênero, esse tipo de produção musical tem o caráter de ataque verbal a outro rapper ou grupo,
frequentemente citando nomes em meio a palavrões e ameaças, sendo estas metafóricas ou
literais, o que, de certa forma, bebe da fonte das tradicionais batalhas de rima. Músicas diss
são frequentemente feitas durante contextos de confronto pessoais, em que conflitos reais
entre rappers são travados e mantidos em músicas diss de ataque e de resposta. Muitos
rappers que não costumam apostar na tendência de resolver embates dessa forma acreditam
que uma carreira pode ser destruída ou mesmo que vidas possam ser perdidas a partir de um
verso ou uma linha equivocada. Nos EUA, a cultura de lançar diss para outros artistas é
bastante forte, nomes conhecidos de várias gerações do rap norte-americano como Ice Cube,
Tupac, NAS, Eminem, Jay Z e 50 Cent já lançaram diss para seus “adversários”. Vários
conflitos já foram resolvidos após trocas de diss, enquanto outros permanecem acesos após
anos.

40
Rap na veia. Diss no rap nacional. Disponível em <http://www.rapnaveia.com.br/discussao-e-deb> acesso em
09 Out 2018
42

Com diversas afirmações dos consumidores de rap como de “golpe de marketing” e


“causar a discórdia” na cena do gênero no país, em pouco tempo após o lançamento os dois
rappers nordestinos já recebiam convites para entrevistas a alguns sites e canais conhecidos
do gênero na Internet e a repercussão da música já parecia estar rendendo algo mais do que
apenas polêmicas. Nas entrevistas, Diomedes Chinaski e Baco Exu do Blues, sempre
questionados sobre Sulicídio, explicaram um pouco sobre as motivações da música, de uma
forma geral.
Vamos imaginar que o rap nacional é um mercado e tem várias lojas. A gente só
queria botar a barraca da gente, só isso. E eu acho que agora a gente botou. Pronto,
só isso. Simples! (...) E é isso, a gente só queria trabalhar e colocar nossa mini
lojinha no mercado do rap nacional.41

Além disso, fizeram algumas retratações em trechos que haviam “passado do ponto”
ou utilizado de linguagem imprópria, em um exercício de autocrítica. Os dois principais
trechos admitidos pelos artistas como dignos do arrependimentos foram quando foi posta a
questão de portadores do vírus HIV (soropositivo) em um verso impensado de ataque, que
soou como insensível para grande parte do público, e em outra linha quando inserem a
palavra “traveco” com uma conotação pejorativa e homofóbica, deixando evidentes certas
mazelas que ainda caminham próximas à sociedade e consequentemente refletem nesse tipo
de produção musical. Entretanto, Diomedes chegou a destacar, ainda em entrevistas, que uma
parcela dos consumidores que ouviu e se incomodou com Sulicídio se ateve apenas aos
trechos controversos e, em sua grande parte, metafóricos, para acusá-los de “separar” o rap
no país e negativar ainda mais a conotação da faixa.

É muito fácil crucificar a gente, culpar a gente como: “ah, vocês desgraçaram o rap
nacional”. Será que a gente é tão grande assim? Eu não acho que a gente seja tão
grande a esse nível. Quer dizer que a gente é muito grande quando é negativamente,
quando é positivamente a gente não é grande. (...) “ah, os caras acabaram com a
união, fechou as portas”. Que portas a gente fechou? Não conheço essas portas. “ah,
o rap é união”, que união? Qual? Onde? (Diomedes Chinaski em entrevista ao canal
no YouTube Rap Box, 2016)42

Apesar de tudo isso, apenas no Youtube em seu upload oficial feito no canal do rapper
Baco Exu do Blues, a música já contabiliza 7.858.638 visualizações43, sem contar dados com

41
Rap Box. Ep. 110 - Diomedes Chinaski - Trocando ideia. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=X5ISR0iPaPo&t=1s> Acesso em 10 Out 2018
42
Rap Box. Ep. 110 - Diomedes Chinaski - Trocando ideia. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=X5ISR0iPaPo&t=1s> Acesso em 10 Out 2018
43
Dado atualizado em 14 de Outubro de 2018
43

downloads, replicações em outros canais não oficiais ou número de consumidores ouvindo


nas plataformas de streaming. Sulicídio conseguiu chamar a atenção e se tornou um hit,
apesar de todas as polêmicas que a cercavam. O próprio nome da faixa em si, já causa
considerável estranhamento e incômodo em alguns. Criado a partir de um neologismo com as
palavras “homicídio” e “Sul”, apesar da crítica ser ao supostamente “superestimado” cenário
do Sudeste, o nome veio de uma espécie de generalização de resposta às já sofridas por
nordestinos. Em entrevista44, Diomedes comentou a escolha do nome e lamentou ter soado
negativo partindo da intenção inicial, que teria um sentido puramente musical.

Quando a gente pensou num nome - Sulicídio. Aquilo ali surgiu de uma brincadeira,
por que quando se fala dos rappers de São Paulo, Sudeste, da nova escola que iam
fazer esses shows, nesses eventos específicos, por uma generalização de linguagem,
as pessoas falavam “ah, os rappers do Sul, os caras do Sul”, que nem as pessoas
falam “ah, tu é do Norte”. Sulícidio foi tipo, “ah, vocês mataram porque vocês
lançaram um som com uma lírica mais foda do que no som que os caras lançou esse
ano”. Então, seria matar os caras no mercado, no lance musical, tipo “essa música
matou”. Daí surgiu esse nome, e eu mandei pro artista gráfico e ele faz a aquela arte,
e de repente a música tá na rua e depois disso que vem a se pensar (…) (Diomedes
Chinaski em entrevista ao canal do YouTube Rap Box, 2016)

Figura 6 - Captura de tela do YouTube mostrando a arte gráfica da música Sulicídio

A arte gráfica utilizada para divulgar a faixa retratando as regiões Sul e Sudeste do
país como uma mancha formada por sangue, e também causou diversos comentários

44
Rap Box. Ep. 110 - Diomedes Chinaski - Trocando ideia. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=X5ISR0iPaPo&t=1s> Acesso em 10 Out 2018
44

negativos, levando Diomedes a também admiti-la como “irresponsável”, apesar de que assim
como o nome não se tinha a intenção negativa absorvida pelo público da região “alvo”. Em
entrevistas concedidas ao Rap Box, famoso canal do gênero no YouTube, meses após o
lançamento de Sulicídio, Diomedes Chinaski e Baco Exu do Blues já foram questionados
pelo entrevistador e comentaram sobre o começo da articulação em torno do lançamento e as
reais motivações, do que começou apenas com o desejo de fazer uma faixa colaborativa. O
contexto descrito por Baco e Diomedes, nestas e em inúmeras outras entrevistas, girou em
torno de algumas motivações basilares e recorrentes que centralizavam cada vez mais o
cenário do rap no país. No mesmo passo, tais motivações saturavam e frustravam não apenas
os dois artistas, mas grande parte da cena do rap nordestino, e talvez até de outros estados de
fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Dentre estas principais motivações estava a grande
insatisfação dos artistas nordestinos com contratantes da própria região, que, ao promover
eventos do gênero, demonstravam interesse apenas em contratar artistas de fora como
atrações principais (predominantemente do Sudeste) e frequentemente deixavam os rappers
da região escanteados ou em segundo plano. Outra forte motivação relatada refere-se ao fato
da atual massa consumidora mais jovem do gênero no país supostamente vir medindo a
qualidade das produções musicais por números de views em plataformas como YouTube.
Contribuindo, assim, para o monopólio do gênero por parte de artistas do Sudeste, impondo
um raciocínio em espiral de “quem é visto é lembrado”, em que sempre os mesmo nomes
eram os visibilizados. Posto isso, Baco e Diomedes, que buscavam apenas retratar as
insatisfações comuns, chegaram confrontando toda a indústria do rap nacional sobre o
descaso e desvalorização vivido pelos artistas do gênero no Nordeste.

“Contratantes respeitem meu grande time pois o crime compôs cada vírgula”, afirma
Diomedes Chinaski em um dos trechos da faixa. A faixa vinha para explicitar o pensamento
generalizado na cena fora do eixo de que haveria uma supervalorização do rap produzido no
Sudeste, em detrimento de artistas no mesmo nível ou até de um nível mais alto, que por
estarem fora do Sudeste não alcançavam o mesmo reconhecimento e/ou oportunidades.
Aspecto que traz a reflexão de que, apesar do rap e todo o hip hop ser algo que visa
essencialmente discutir a marginalização que lhe sempre foi atribuída, existe dentro do rap
um pensamento, de certo modo, meritocrático enraizado. Ao contrário do que é destacado
pelos artistas nordestinos, de que não se vive a mesma conjuntura no eixo Rio de Janeiro-São
Paulo e fora dele, observando o próprio tamanho das cidades, o porte da indústria no que
concerne questões empresariais, de estúdios e até casas de shows. Diomedes Chinaski e Baco
45

Exu do Blues perceberam que admitir o contexto não os diminuiria, e com Sulicídio viam a
possibilidade de mostrar todo o talento para um público dentro do rap que antes não
conseguia olhar para fora da caixa que as fronteiras regionais representavam.

O pensamento dos autores de Sulicídio era de que as portas do mercado estavam


fechadas e continuariam dessa maneira, mas ainda assim precisavam gritar sua insatisfação,
afirmando a autoestima do Nordeste. Citando diversos nomes de artistas paulistas e cariocas,
que representavam suas motivações específicas, como Nocivo Shomon (SP), Doncesão (SP),
Nog, integrante do grupo Costa Gold (SP), Dalsin (SP), Filipe Ret (RJ) e Felp22, integrante
do grupo Cacife Clandestino (SP), a letra de Sulicídio personifica o que é questionado e
também faz um contraponto de enaltecimento da própria cultura nordestina. Colocando os
rappers citados em posições de inferioridade e constrangimento, Sulicídio se utiliza de uma
linguagem agressiva e bate de frente com a indústria, fugindo de qualquer polidez nas letras.
Diomedes e Baco pareciam não ter tido receio de represálias ou consequências e colocaram o
pé na porta do rap nacional, se impondo como artistas completamente capazes de chegar ao
sucesso e agradar o público do rap nacional com um nível igual ou até proeminente se
comparado a certos rappers de sua mesma geração. Diomedes chega a citar o conterrâneo
nordestino e integrante do Costa a Costa, Don L (CE) em um verso que o enaltece em
detrimento do renomado rapper carioca Filipe Ret.

Meus irmãos querem ser o que são/ E não existe nada que os irmãos não podem!/ O
dobro do que Dalsin fez, Chinaski já fez, mais de uma vez/ Chover no deserto, só
aceito o trono/ Ou abre espaço ou vai abrir o reto/ Ret arrotou, Don L matou/ A vida
mostrou que existe um só caminho/ Nordeste no topo, do topo, do topo/ Fazendo
dinheiro e viajando o Brasil! (Trecho da música Sulicídio dos artistas Baco Exu do
Blues e Diomedes Chinaski, 2016)

A estratégia de lançar uma diss foi algo significativamente forte e foi


consideravelmente mal interpretada por muitos. Os rappers afirmam que o objetivo não era
atacar especificamente os artistas citados, e sim utilizá-los como exemplos para o que vinha
acontecendo, e fazer o público repensar a centralização. Apesar disso, como é comum em
situações que os artistas são citados em uma diss, alguns rappers do Sudeste se manifestaram
e lançaram diss de resposta à Sulicídio. Algumas das respostas mais conhecidas foram do
rapper paulista Nocivo Shomon, “Disscarrego” e a do grupo também paulista Costa Gold
intitulada “SulTáVivo”. Nocivo Shomon teve seu nome citado em Sulicídio por Diomedes
Chinaski, mas nenhum dos membros do Costa Gold foi colocado na letras, o que não
46

impediu, que de forma indireta os mesmos se sentissem ofendidos pela contundência com que
todos os rappers do eixo Rio de Janeiro-São Paulo foram colocados na letra.

Sem amor pelos rappers do Rio/ Nem paixão por vocês de São Paulo/ Vou matar
todos a sangue frio/ E eu tenho caixão pra caralho/ Minha lírica, cítrica, implica e
complica e aplica esses caras no funeral/ Exceto o merda do Nocivo Shomon/ O
resto nem é nada pessoal. (Trecho da música “Sulicídio” dos artistas Diomedes
Chinaski e Baco Exu do Blues, 2016)

Não apenas os artistas se incomodaram com os polêmicos versos de Sulicídio. Em


pouco tempo após o lançamento, foram inúmeros comentários e ofensas em plataformas
como o Youtube e também nas mídias sociais, explicitando racismo e preconceito com o
Nordeste vindo de consumidores de rap, especialmente do Sudeste. Diversos destes
menosprezavam o sotaque, as gírias e a própria cultura nordestina, alguns se utilizando,
inclusive, do estereótipo sobre falta de água no sertão, apesar de ter sido o próprio Sudeste
que enfrentou forte crise no abastecimento hídrico nos últimos anos, esclarecendo o caráter
da falta de informação dos autores das ofensas.
47

Em entrevista ao Portal RND (Rap Nacional Download), o rapper Baco falou sobre os
comentários preconceituosos após o lançamento de Sulicídio 45 , e deixa claro que vieram
colocar em xeque a massa consumidora de rap que teria “fechado os olhos” para tudo que era
diferente do que vinha sendo feito no eixo Rio de Janeiro-São Paulo ao longo da trajetória do
rap no país.

“[os comentários] só provam o quanto o som foi importante e fez vários


preconceituosos aparecerem. [O som] mostrou, inclusive, que o público de rap, além
de machista e preconceituoso, é xenofóbico. Sei que alguém vai pensar que atacamos
primeiro, mas entendam que há décadas comentários como esses são usados pra
diminuir meu povo. Esse som é pra todo nordestino se auto afirmar, e esse é o
primeiro passo. Aos nordestinos que estão falando que fechamos portas, eu pergunto
se algum dia elas estiveram abertas. Tentem entender a importância desse som:
esqueça seu rapper favorito por um segundo e olhe pro Nordeste.”

Apesar dos nobres motivos, segundo os próprios Baco e Diomedes, nenhum deles
imaginava que Sulicídio pudesse ter tamanho poder de despertar alguma mudança, impacto
positivo ou mesmo reações tão odiosas na cena. Ambos apenas visavam se expressar e
chamar atenção, levantando a voz com orgulho das produções nordestinas, diante do que foi
considerado injustiça e desrespeito ao trabalho feito por eles e tantos outros rappers na
região. Ainda assim, meses depois do lançamento de Sulicídio e ainda com os ânimos
exaltados em meio à calorosas discussões na Internet sobre a música, o selo do canal Rap

45
Uma lista de comentários xenófobos e preconceituosos em geral sobre “Sulicídio”. Disponível em
<https://noisey.vice.com/pt_br/article/bnjxnq/sulicidio-diomedes-chinaski-baco-comentarios-xenofobos>
Acesso em 10 Out 2018
48

Box lançou em seu canal no YouTube uma cypher que estendeu e elevou o diálogo. Intitulada
de “Expurgo”, a música contou com os rappers Baco Exu do Blues, Diomedes Chinaski,
RAPadura e Nissin, (integrante do grupo carioca Oriente), e permitiu que os autores de
Sulicídio lançassem luz à várias discussões abertas a partir das polêmicas, discutindo as
premissas da música de uma forma mais artística, e justificando, de certo modo, mais
abertamente as intenções.
De um lado um público jovem/ maldita massa despolitizada/ As vezes uns tão
radical, mas base teórica nada/ Nunca invejei ninguém, na verdade ataquei a
estrutura/ Uma grande manobra arriscada/ como Bukowski em literatura/ Chinaski, o
aprendiz, filho de Lula, não de Ustra/ Fui infeliz atacando Mc's? Não! questionei a
indústria/ Direto do gueto, do gueto, do gueto do gueto, do gueto, do gueto/Riqueza
pro gueto, riqueza pros pretos. (Trecho da música “Expurgo” dos artistas Diomedes
Chinaski, Baco Exu do Blues, Rapadura e Nissin, 2016)46

Diomedes esclarece na cypher seu pensamento sobre a estrutura e a nova geração que
consome o gênero no país. Destaca também que Sulicídio foi tanto um ataque quanto um
questionamento à indústria do rap e não especificamente aos MCs citados, classificando
ainda a música como uma “manobra arriscada”.

Faz de mc's divindades, tenho dívidas pra pagar/ Foda-se sua vaidade/ Foda-se seu
backstage, foda-se da sua vaidade/ Riram do meu sotaque, Sulicídio não foi um
ataque/ Foi um foda-se ao público/ Esses moleques não são de verdade (...) (Trecho
da música “Expurgo” dos artistas Diomedes Chinaski, Baco Exu do Blues, Rapadura
e Nissin, 2016)

Baco Exu do Blues também se aproveita da cypher para elucidar mais sobre Sulicídio
e a onda de preconceito que sofreram, e ainda, firmemente se posiciona com grande
insatisfação para com o público e os artistas supostamente “endeusados” do Sudeste. Da
música, surgiram conhecidos bordões que viraram conhecidos gritos de autoestima dentro da
cena nordestina, como “Nordeste, não teste!”, sem falar na sua primeira linha, que inicia um
importante questionamento voltado a todo o mercado produtor e consumidor do rap no país:
“Como é que você nunca ouviu falar?”, o que de alguma forma questionava todo o status quo
da cena no país. Há quem diga que não apenas o Nordeste foi “beneficiado” com Sulicídio,
como também vários outros artistas de diversas partes do país que dentro da geração pós nova
escola ainda batalhavam sem sucesso por visibilidade, desafiados pelo monopólio do gênero
no Sudeste. Grupos como o mineiro D.V Tribo, composto pelos artistas Fabrício Fbc, Hot
Apocalypse, Clara Lima, Djonga e Oreia, acompanhados do beatmaker e produtor musical
46
Rap Box. CypherBox 1 - Diomedes Chinaski, Nissin, Baco Exu do Blues & Rapadura - "EXPURGO" [Prod.
Leo Casa1]. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=oYRRcve4goY> Acesso em 15 Out 2018
49

Coyote Beatz, que declarou grande apoio ao que foi feito pelos rappers nordestinos. Em
entrevista também ao canal Rap Box ainda em 2016, Fabrício Fbc afirma que “O rap no
Brasil precisa disso, e isso tá se expandindo, tá ligado? (...) Dentro do rap tem que rolar uma
treta assim porque chega em outros lugares, chegam outros pensamentos pra os MC’s
evoluírem (...). Por isso que o conflito é necessário para a evolução de muitos”47. Nesse
contexto, considerada por alguns até hoje, 2 anos depois, um divisor de águas no cenário do
rap nacional. Sulicídio proporciona um leque de razões para se buscar entender o quão
importante foi, que nível o impacto da música alcançou, e o que teria conseguido conquistar a
partir do que veio contestar no rap nacional.

3. AS MÍDIAS SOCIAIS E A CONSTRUÇÃO DE UM CONHECIMENTO


COLETIVO COMUM NO CIBERESPAÇO
A cultura hip hop e todos os seus elementos sempre conviveu, ao longo de suas mais
de quatro décadas de existência, com criminalização e preconceito, especialmente por ter sido
durante todo esse tempo um artefato cultural fora dos padrões da indústria de massa. Seu
caráter questionador, contestador e, em um amplo sentido, real, representava barreiras para
que sua difusão ocorresse para o grande público, e com isso, passou a evoluir dentro do
circuito underground de cultura. Tratava-se de algo “da rua”, produzido e consumido pela
rua, como é comum ouvir fãs do hip hop afirmarem, se referindo à mesma como fruto
legítimo de indivíduos periféricos e marginalizados. Benvindo (2011, p. 3) destaca que,
especificamente “o rap foi tratado por muito tempo como um produto cultural de qualidade
questionável e, em virtude disso, encontrava dificuldade de ter seus produtos veiculados nos
grandes meios de comunicação de massa”.

Contudo, apesar de todo o histórico de estigmas atrelados, o hip hop foi abraçado
dentro e fora das periferias no mundo todo, e especificamente o rap ganhou notável destaque
frente aos demais elementos. Atualmente, o gênero alcançou uma posição privilegiada na
indústria musical mainstream, chegando a ser eleito em 2015 o gênero mais consumido no
48
mundo pela plataforma de streaming musical Spotify , devendo muito disso,
surpreendentemente, à visibilidade midiática conquistada ao longo dos últimos anos. Esse

47
Rap Box. EP. 109 - D.V Tribo - Trocando ideia. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=vRU25WNrCs8> Acesso em 10 Out 2018

48
Rap é o gênero mais ouvido do mundo, segundo Spotify. Disponível em
<https://billboard.uol.com.br/noticias/rap-e-o-genero-mais-ouvido-do-mundo-segundo-spotify/>
50

fenômeno foi exatamente o que permitiu uma expansão do rap para outras esferas sociais e
consequentemente que fosse abraçado por diferentes públicos, também em decorrência das
reconfigurações estéticas sofridas com o tempo.

Ao falar em mídia aqui é importante olharmos não (apenas) para os tradicionais


veículos de comunicação de massa (TV, rádio, revistas, jornais), mas especialmente para a
Internet, um dos meios mais jovens e, consideravelmente o mais democrático. O rap como
gênero imerso em uma lucrativa indústria musical no Brasil conseguiu constituir uma sólida
cena, e muitos dos rappers brasileiros souberam com grande perspicácia se aproveitar das
inúmeras possibilidades positivas que o advento das novas tecnologias, como a Internet,
trouxeram.

Nesse contexto, em observância ao atual fenômeno de constante troca de informações


e formação de grupos na Internet a partir de interesses e visões comuns, o ciberespaço, e
especialmente as mídias sociais serão expostas e discutidas aqui para que seja possível falar
sobre a repercussão e possíveis impactos de Sulicídio no cenário e no imaginário dos
consumidores do rap nacional. Tendo em vista que este estudo se debruça indiretamente na
forma como o rap vem sendo produzido, distribuído, divulgado, e diretamente na forma como
vem sendo consumido e, especialmente, discutido na atualidade, o episódio protagonizado
pelo rap nordestino e representado pela música Sulicídio será observado a partir do prisma da
cibercultura.

3.1 A importância dos motores da cibercultura para a discussão e exposição do


imaginário social

Para iniciarmos a discussão sobre a problemática, com atenção à importância do


conteúdo produzido no ciberespaço sobre Sulícidio para este estudo, Pierre Lévy (1999) trará
importantes esclarecimentos conceituais. Segundo Lévy (1999) o ciberespaço pode ser
definido como um novo meio de comunicação interpessoal que surge a partir da Internet - a
interconexão dos computadores ao redor do mundo - em que a partir disso emerge e se
transforma.

O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da


comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga,
assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao
neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 17).
51

O autor, popular pelas discussões dos mais amplos aspectos da cibercultura e


consequências de sua emergência, permanece em muito atual, apesar de sua obra ser do final
dos anos 90, ou seja, consideravelmente distante de toda a revolução que as novas tecnologias
nos trouxeram nas décadas seguintes. Lévy (1999, p. 25) aponta em primeira instância para o
fato de que a cibercultura nos abriu para possibilidades culturais e sociais que jamais
poderiam ser pensadas sem sua presença, condicionando a nossa sociedade, hoje mais
conectada do que nunca. Uma destas possibilidades advindas da cibercultura e mais
relevantes para este estudo é o relacionamento interpessoal e a comunicação que quebra as
barreiras geográficas e também de tempo. O ciberespaço é o ambiente perfeito para que
membros de um mesmo grupo possam se coordenar, cooperar, além de alimentar e consultar
uma memória comum em tempo real (LÉVY, 1999, p. 49). Nele, vários fenômenos ocorrem
simultaneamente e representam os princípios fundamentais da cibercultura, dentre estes a
interconexão, as comunidades virtuais e a inteligência coletiva, todos expostos e discutidos
por Lévy (1999).

A música Sulicídio, conforme destacado, foi lançada exclusivamente em plataformas


online de compartilhamento de música (YouTube, e demais streamings como Spotify, Deezer
e Apple Music), além de ter sido também amplamente replicada de forma “não oficial” em
plataformas como o Facebook, seja em perfis pessoais, páginas e também grupos de
discussão do gênero. A partir disso, todo o cenário do rap no país tomou ciência do que havia
sido lançado por dois rappers do nordeste e passou a se comunicar e expor suas opiniões
sobre o episódio onde fosse possível, nesse caso, no ciberespaço. Nesse âmbito Lévy (199, p.
105) comenta que “as realidades virtuais compartilhadas, que podem fazer comunicar
milhares ou mesmo milhões de pessoas devem ser consideradas como dispositivos de
comunicação ‘todos-todos’, típicos da cibercultura”. Ou seja, ao considerarmos os principais
aspectos da comunicação estabelecida no ciberespaço, sendo esta comunitária, interativa e
recíproca, nos deparamos com um universo extremamente democrático em que qualquer um
pode contribuir para sua construção e expansão. Neste, é impossível que se consiga retornar a
um esquema comunicativo “um-todos”, “de um centro emissor de direção a uma periferia
receptora” sem que se empobreça o ambiente do ciberespaço (LEVY, 199, p. 126).

Para que esse padrão comunicativo se estabeleça da forma que conhecemos, e que foi
tão providencial no contexto de Sulicídio, devemos compreender cada princípio, partindo da
basilar interconexão, caminhando pelas comunidades virtuais até chegar ao mais complexo
estágio que é a inteligência coletiva. Levy (1999, p. 133) destaca que
52

Interconexão geral, comunidades virtuais e inteligência coletiva são aspectos de um


universal por contato, um universal que cresce como uma população, que faz crescer
aqui e ali seus filamentos, um universal que expande com a era. Cada um dos três
aspectos constitui a condição necessária para isto: não há comunidade virtual sem
interconexão, não há inteligência coletiva em grande escala sem virtualização ou
desterritorialização das comunidades no ciberespaço. A interconexão condiciona a
comunidade virtual, que é uma inteligência coletiva em potencial (LEVY, 1999, p.
133).

É notável a interdependência de cada um dos aspectos para existir e compor o


ciberespaço. A interconexão, que é por definição do próprio autor a chave para abrir a
comunicação na era da Internet, se mostra mais do que necessária para suprir um constante e
generalizado desejo por onipresença e onisciência. Os indivíduos buscam estar sempre por
dentro de todas as informações de seu maior interesse e também manter contato com pessoas
(muitas vezes distantes fisicamente), para assim abrir diálogos e discussões sobre tais
interesses comuns. Lemos et al. (2003) ressaltam alguns pontos importantes para
compreender o surgimento e contexto da cibercultura, bem como da sua presença na nossa
realidade. Segundo os autores, “a Internet é um ambiente, uma incubadora de instrumentos de
comunicação e não uma mídia de massa, no sentido corrente do termo”, o que reflete
diretamente no ideal de um espaço de comunicação de certa forma independente das mídias
tradicionalistas, e que por conseguinte mostra o caráter de transformação no fluxo
comunicacional, trazendo conversações e interações completamente distintas do padrão dos
veículos de massa. Os autores complementam o raciocínio ao propor, nesse sentido, o
princípio da “liberação de pólo de emissão”, em que com essa nova comunicação
bidirecional, discursos anteriormente abafados pelo mass media, hoje são ouvidos e dão
origem a “novas formas de relacionamento social, de disponibilização da informação e na
opinião e movimentação social da rede” (Lemos et al., 2003, p. 19). A partir disso, é possível
estabelecer também uma conexão com o conhecido termo “prosumer”, neologismo utilizado
para descrever o novo papel dos consumidores na sociedade pós-moderna, que agora, na era
da cibercultura, produzem conteúdos, tendências, possuem voz mais ativa, além de se
relacionarem entre si de uma forma também diferente.
Dentre as plataformas em que é possível encontrar e ter acesso à música Sulicídio
desde seu lançamento, algumas possibilitam que os consumidores possam interagir entre si e
outras não. O YouTube e o Facebook, duas das mais populares plataformas dentro de seus
segmentos (um com o compartilhamento de vídeos e o outro como o site de rede social com
maior número de usuários no mundo), disponibilizam locais específicos para os comentários
dos usuários e total interação entre estes. Assim, como é possível imaginar, Sulicídio foi tema
de diversos diálogos nestas duas plataformas, especificamente no upload oficial no canal do
53

rapper Baco Exu do Blues no YouTube, e em grupos de discussão e páginas do gênero no


Facebook. Nesse sentido, é importante refletir sobre como o rap impacta e é impactado por
discussões estabelecidas na Internet, e como os fãs do gênero conseguem se mobilizar no
ciberespaço em prol de ideias e ideais, nesse caso, falando sobre as discussões em volta dos
versos de Sulicídio. Não necessariamente tomando a conotação negativa do verbo “discutir”,
mas no sentido pragmático, realizando análises mais detalhadas do assunto e expondo
opiniões com base no que vai sendo apresentado pelos demais membros da comunidade
virtual e seus próprios repertórios. A dinâmica de comunicação e de negociação presente no
ambiente virtual faz surgir um público totalmente participativo e auto organizado, e que é
cada vez mais exigente e comunicativo dentro, principalmente das redes sociais expressas na
Internet (ANTOUN & MALINI, 2013).
É um fato que, nas últimas décadas, com o advento da Internet e das mídias sociais, a
comunicação passou a ser feita, predominantemente, por meio de aparatos tecnológicos como
computadores e/ou smartphones. Recuero (2011, p. 16) atribui todas essas mudanças nas
formas da sociedade se mobilizar e se organizar, para além da conversação e construção de
identidades, à Comunicação Mediada pelo Computador (CMC49). Assim, além do aspecto
comunicacional, há uma amplificação na capacidade de conexão e, consequentemente, de
redes criadas e expressas no ciberespaço (RECUERO, 2011). A autora afirma que esses
novos fenômenos de articulação das mídias sociais para mobilização de grupos

representam aquilo que está mudando profundamente as formas de organização,


identidade, conversação e mobilização social: o advento da Comunicação Mediada
pelo Computador. Essa comunicação, mais do que permitir aos indivíduos
comunicar-se, amplificou a capacidade de conexão, permitindo que redes fossem
criadas e expressas nesses espaços: as redes sociais mediadas pelo computador.
(RECUERO, 2011, p.16)

Compreendemos, a partir disso, a importância cada vez maior da interconexão e da


formação das comunidades virtuais para amplificação da comunicação e como motor para as
discussões, especialmente, em sites de redes sociais tais como o Facebook. Recuero (2011)
afirma também o importante aspecto de construção e expressão de uma identidade por parte
destes atores no ambiente virtual (ciberespaço), os entendendo como elementos primários de
uma rede social, onde representam as pessoas envolvidas na qual se analisa. “Como partes do
sistema, os atores atuam de forma a moldar as estruturas sociais, através da interação e da
constituição de laços sociais” (RECUERO, 2011, p. 25). Mais importante a se destacar aqui,

49
Área de estudo dos processos de comunicação humanos realizados através da mediação das tecnologias
digitais (RECUERO, 2012).
54

são os aspectos específicos desse tipo de rede, pois os atores e suas conexões (laços sociais)
são os dois elementos que compõem uma rede social em qualquer caso, porém, tratamos aqui
de redes sociais expressas no ciberespaço, em que “devido ao distanciamento entre os
envolvidos na interação social os atores não são imediatamente discerníveis. Trabalha-se
assim, com representações dos atores sociais, ou construções identitárias no ciberespaço”
(RECUERO, 2011, p. 25), em que dependendo da plataforma, um mesmo indivíduo pode
expressar-se de diferente maneiras por inúmeras razões. Recuero (2011, p. 26) destaca assim
um dos fatores mais relevantes desse tipo de estudo, que é a forma pessoalizada que os atores
se expressam nessas redes, com maior liberdade no que concerne apropriações e uma
individualização que funciona como um outro “eu”. O espaço, afinal, é totalmente propício
para que isso ocorra, sendo ao mesmo tempo tão privado quanto público, permitindo assim
que as análises do que é expresso sejam consideravelmente esclarecedoras. “Entender como
os atores constroem esses espaços de expressão é também essencial para compreender como
as conexões são estabelecidas. É através dessas percepções que são construídas pelos atores
que padrões e conexões são geradas” (RECUERO, 2011, p. 27).

Os diversos padrões comunicativos, a essência e a forma como ocorrem as interações


e os diálogos, além, principalmente, da forma como as discussões conseguem construir um
conhecimento comum dentro do coletivo nas comunidades virtuais, são o que há de mais
importante para este estudo, onde se pode começar a entender o que Lévy (1999) vem a
chamar de inteligência coletiva. Sendo o ciberespaço facilitador de uma comunicação
interativa e comunitária em tempo real, e que pela virtualização e desterritorialização,
características das comunidades virtuais, a inteligência coletiva ganha um local privilegiado
nessa realidade (LÉVY, 1999).

Uma comunidade virtual representa sempre uma inteligência coletiva em potencial,


em que, observando pelo prisma do objeto de estudo, podemos fazer um paralelo com uma
espécie de construção de uma percepção coletiva do contexto que fez com que Sulicídio fosse
lançada. Enxergando assim, as comunidades virtuais como exploradores de novas formas de
opinião coletiva, capazes de expandir os limites do ciberespaço. Lazzarato (2006, p. 183 apud
MALINI & ANTOUN, 2013, p. 20) fala sobre a formação de uma inteligência coletiva,
destacando-a como elemento mais relevante no ciberespaço no contexto atual. A partir da
revolução causada pela Internet, os dispositivos de formação de opinião pública e de
compartilhamento de informações estariam dando lugar a novas formas de organização e de
percepção comum, além de outras expressões de inteligência comum. Assim, estaríamos
55

vivendo um processo de universalização desta nova forma cultural (cibercultura), que está
cada vez mais entrelaçada no nosso dia a dia, dominando nossas relações, formas de
comunicação, produção e compartilhamento de conhecimento. Com isso em questão, devido
ao seu caráter público e interativo, o ciberespaço constitui a atmosfera perfeita para este que é
um de seus principais motores, especialmente a permitir que se estabeleçam as mais diversas
articulações e organizações sociais, compartilhamento e cooperação. A inteligência coletiva
representa um dos fatores especialmente relevantes para este estudo, tendo em vista que
falamos aqui sobre uma dinâmica inteira estabelecida no ciberespaço de conversações e
partilha de informações sobre um tópico comum: o rap, mais especificamente, Sulicídio e
todas as suas implicações.

3.2 A cibercultura e a atividade dos consumidores de rap nas comunidades


virtuais
O ciberespaço, declaradamente um território virtual utilizado para troca de
informações, mobilização em ações coletivas e produção de conteúdos, hoje é também um
local de constante interação entre consumidores de música e muito propício para discussões
neste sentido. O rap, gênero de enfoque deste estudo e fortemente consumido no Brasil, não
foge dessa regra e é tópico central em uma infinidade de comunidades virtuais feitas para
exposição de conteúdos, opiniões, interação e diálogo entre os consumidores nas mais
diversas plataformas. Rocha; Domenich & Casseano (2001, p.92) citam o sociólogo José
Carlos Gomes da Silva para explicar a relação do rap com as novas tecnologias e como o
gênero se apropria desta. “Apesar de o rap lidar com a tecnologia que está na mídia, ele dá
sentido específico para essa tecnologia e a adapta ao seu contexto: O rap usa os mesmos
materiais com que a mídia trabalha para falar de outro assunto e não daquilo que a mídia está
divulgando” (In ROCHA; DOMENICH & CASSEANO, 2001, p.92)

Antoun & Malini (2013) reafirmam a definição do ciberespaço como um ambiente


virtual comunitário e participativo que contempla vários grupos de discussão, as conhecidas
comunidades virtuais (LÉVY, 1999). A partir destes espaços, a comunicação passa a
proporcionar significativa atuação e engajamento dos internautas que lá se unem em prol de
interesses comuns. Maia (2011, p. 14) reforça ao afirmar que o ciberespaço possui “caráter
midiático diferenciado” por permitir para além do simples consumo de conteúdos disponível
na rede, que os internautas também produzam e disponibilizem os seus próprios conteúdos e
informações sobre determinado tema. É, de fato, surpreendente observar esse fenômeno
acontecer com o rap atualmente, especialmente quando voltamos o olhar para o histórico do
56

gênero com os veículos de comunicação. Viveu-se, desde a velha escola, um longo dilema de
visibilidade midiática, oscilando entre glamourização e demonização no discurso dos grandes
veículos de comunicação (HERSCHMANN, 2005); além de um processo de negociação
bastante fechado com as mídias de massa. Isso tudo até as gerações seguintes conseguirem
reverter gradativamente o quadro e se incluir com força total na era digital e no mercado.
Oliveira (2015, p. 16) acredita que “esse reconhecimento por parte da mídia acontece,
justamente, no momento em que músicos, artistas e produtores identificaram a existência de
público ávido por conhecer expressões musicais criadas nas periferias globais”. Teperman
(2015, p.117) complementa falando sobre o fato do gênero ter baixado gradativamente a
guarda em relação às instituições como a mídia e o mercado, o que é destacado pelo autor
como uma forte característica da chamada “nova escola” do rap, especificamente a fluência
em tratar do gênero como um negócio, de fato, a imersão no mundo, e consequentemente na
Internet.

A Internet se tornou a principal plataforma de divulgação de artistas e eventos, assim


como de informação em geral. Em portais dedicados ao gênero, nos websites dos
artistas, em sites de música e vídeo como Deezer, YouTube e SoundCloud e,
sobretudo nas redes sociais Facebook, Twitter e Instagram, o fluxo de informações é
intenso e contínuo. O mundo virtual não é independente do mundo “real”, em que
shows e festas de rap seguem acontecendo e movimentando multidões - mas
tampouco esse mundo “real” poderia existir hoje sem o apoio da rede (TEPERMAN,
2015, p.96).

O ciberespaço como um todo contribuiu em muitos aspectos para potencializar a


expansão do rap consideravelmente, e, em especial, as comunidades virtuais conseguiram
unir toda uma sólida rede de consumidores do gênero em torno de frequentes e importantes
discussões. O conteúdo construído dentro destas comunidades é o que há de mais espontâneo
e revelador sobre o imaginário dos participantes. Isso é de grande importância, pois “de um
certo modo, são as conexões o principal foco do estudo das redes sociais, pois é sua variação
que altera as estruturas desses grupos” (RECUERO, 2011, p. 30). Nesse espaço, todas as
afirmações e opiniões expressas são utilizadas para que o indivíduo seja interpretado de uma
maneira específica, e de certa forma, “julgado” pelos demais integrantes da comunidade
virtual, tendo em vista a ausência de maiores informações presentes em uma comunicação
presencial como entonação e expressões faciais. Faz-se necessário, assim, que os atores
tenham perfis mais completos sobre si dentro da comunidade virtual, algo que os melhor
identifique, que os represente e facilite essa decodificação pelos demais membros da
comunidade virtual durante a interação.
57

Essas palavras, constituídas como expressões de alguém, legitimadas pelos grupos


sociais, constroem as percepções que os indivíduos têm dos atores sociais. É preciso,
assim, colocar rostos, informações que gerem individualidade e empatia, na
informação geralmente anônima do ciberespaço. Este requisito é fundamental para
que a comunicação possa ser estruturada (RECUERO, 2011, p. 27).

Goffman (1967 apud RECUERO, 2012, p. 59) fala sobre "representações do self" a
partir dos aspectos associados à construção de uma identidade muito própria de cada
indivíduo no ciberespaço. Estas seriam essencialmente o que referencia os participantes que
interagem dentro das comunidades virtuais, montando cuidadosamente as personalidades e
impressões visíveis aos demais, através de certas “performances de identidade”.

Se voltarmos a refletir sobre o contexto e os versos de Sulicídio, é possível presumir o


alto volume de diálogos em comunidades virtuais sobre as polêmicas que cercaram a música.
Até hoje, dois anos depois de seu lançamento, ainda é possível que os consumidores do
gênero possam retomar essas discussões por características dos próprios locais onde estas se
estabelecem. Recuero (2012, p. 51) atribui este aspecto ao chamado “contexto ampliado”,
permitindo que diálogos possam ser “recuperados, buscados e atualizados por novas
interações, gerando conversações que podem estender-se por largos períodos de tempo”.

Antoun & Malini (2013, p. 177) destacam que os usuários da Internet não apenas
podem se conectar com quaisquer informações antigas da mesma forma que podem fazer
com informações atuais, como também têm o poder de determinar o alcance que essa
informação terá na atualidade por meio de replicações das mais diversas formas em diferentes
plataformas e comunidades virtuais. Nesse sentido, os autores ainda reforçam ao explicar que
o valor dessa nova comunicação “é cada vez mais calculado através da abrangência atingida
por replicações, replies, menções, comentários, curtições e compartilhamentos de conteúdos”,
e assim consegue alcançar esferas ainda mais abrangentes e sair das timelines mundo digital
afora (ANTOUN & MALINI, 2013, p. 216).

Conforme já exposto, o Facebook é uma das principais plataformas hoje que


permitem o compartilhamento de conteúdos multimídia em geral, e especialmente textual,
possibilitando uma interação facilitada. A ferramenta é uma das mais conhecidas na formação
das comunidades virtuais na atualidade. Recuero (2014, p. 114) fala sobre algumas
características do Facebook, especificamente voltadas para conversações e formação de redes
sociais.

Ele [o Facebook], como muitos sites de rede social, é uma ferramenta apropriada
simbolicamente para construir o espaço social no cotidiano dos atores, gerando
práticas que ressignificam seus usos. Dentre essas apropriações, está a conversação.
58

Essa prática, geralmente focada nas trocas que acontecem entre falantes, passa a ser
um uso dessas ferramentas, que são adaptadas para ferramentas primariamente
textuais, muitas vezes assíncronas, através da criação de convenções e novos
sentidos entre os atores.

Os atores, nesse caso, os consumidores de rap que tiveram acesso à música Sulicídio,
por alguma razão se dispuseram a discutir sobre em comunidades virtuais, demonstrando
assim que, estas “não são reconstruídas pelas ferramentas, e, sim, apropriadas pelos atores
sociais que lhes conferem sentido e que as adaptadas para suas práticas sociais” (RECUERO,
2012). Por esta razão e diversas outras expostas neste estudo, a plataforma foi escolhida para
ser o banco dados de onde os diálogos serão extraídos e analisados, a partir de todos os
aspectos que lhe são característicos. Herring (1996, p. 3 apud RECUERO, 2012, p. 33),
destaca um destes quando cita que a comunicação mediada pelo computador (CMC) possui
uma linguagem semelhante à escrita, por ocorrer por meio de digitação. Porém, é muito mais
rápida e informal assim como a linguagem falada, propiciando que elementos singulares e
diferentes formas de expressão sejam encontrados apenas nesse tipo de interação. Diversos
códigos, elementos e convenções particulares desse tipo de interação foram estabelecidos,
gerando o que Recuero (2012, p. 36) chama de “escrita oralizada”, onde os contextos são
discutidos de uma certa maneira previamente negociada dentro da comunidade, que cria a
partir disso novas apropriações que mudam de acordo com a ferramenta utilizada.

Um dos aspectos mais relevantes das conversações estabelecidas no ciberespaço a


serem destacados aqui por Lévy (1999) é a comunicação independente de barreiras
temporais. Uma conversação em comunidades virtuais, como exemplo, não precisa
necessariamente ocorrer no mesmo momento em que todos os participantes estejam “online”,
“ao contrário, são unidades temporais elásticas, que podem ser estendidas pelo tempo
desejado pelos interlocutores, cujo contexto precisa ser adaptado para essas trocas no tempo”
(RECUERO, 2012, p. 50). Fala-se assim de dois tipos de comunicação mediada pelo
computador: síncrona e assíncrona.

A conversação síncrona e aquela que é caracterizada pelo compartilhamento do


contexto temporal e midiático. Ou seja, são conversas;oes que acontecem entre dais
ou mais atores através de uma ferramenta de CMC, e cuja expectativa de resposta dos
interagentes e imediata. A conversação assíncrona e uma conversação que se estende
no tempo, muitas vezes através de vários softwares. Com isso, o sequenciamento da
conversação e diferente, país esta espalhado no tempo (RECUERO, 2012, p.51).

Para compreender o diferencial maior entre as duas formas de CMC, podemos dizer
que “formas síncronas são aquelas que possuem o potencial para a interação ‘em tempo real’
dos participantes, enquanto as assíncronas são aquelas ferramentas que não possuem esse
59

potencial” (BARON, 2002 apud RECUERO, 2012, p. 50). Grandes exemplos para ilustrar
tais conceitos dentro do Facebook são os comentários (assíncrona) e o chat (síncrona).
Destaca-se, aqui, que a comunicação assíncrona dentro da plataforma será o enfoque deste
estudo, tendo em vista que os comentários feitos em postagens possibilitam conversações que
podem ser estendidas por tempo indeterminado e não exigem resposta imediata
necessariamente. Dessa forma, esses diálogos se mostraram mais proveitosos para os
objetivos desta pesquisa, especialmente por representarem conversações muito mais públicas,
permanentes e rastreáveis do que qualquer outra, podendo, assim, serem vistas por qualquer
pessoa que esteja vinculada à ferramenta. Recuero (2014, p. 120) em seus estudos específicos
sobre a plataforma e a utilização dos comentários conclui que estes são práticas tidas como
evidentemente conversacionais dentro desse tipo de comunidade virtual. Trata-se de uma
ação “visível tanto para o autor da postagem quanto para os demais comentaristas, atores que
‘curtam’ e compartilhem a mensagem e suas redes sociais. É uma ação que não apenas
sinaliza a participação, mas traz uma efetiva contribuição para a conversação” (RECUERO,
2014, p. 120). Assim, por meio de amostras significativas do que foi discutido, apontado e
acordado pelos usuários do Facebook que consomem o rap nacional, e que tiveram contato
com a música Sulicídio, é possível buscar diálogos essencialmente problematizadores e
igualmente esclarecedores em virtude do tema principal, do contexto e principalmente do
grande alcance da rede. A Internet torna possível saber o que o Brasil (e do mundo) inteiro
considerou relevante o suficiente para ser comentado e compartilhado para os demais
membros da comunidade virtual sobre Sulicídio. O que foi expresso nas comunidades virtuais
certamente não foi “dito” por acaso ou sem pretensões. Os usuários buscavam ser ouvidos, de
alguma forma, e compreendidos em suas falas. Busca-se opinar da forma que seja, positiva
ou negativamente, tentar entender os demais integrantes, ou mesmo ampliar seu
conhecimento sobre a problemática. Os comentários permitem que tais diálogos supram essas
necessidades e muitas outras, contribuindo para que a apropriação e as próprias
características evidenciadas aqui sejam capazes de “delinear redes, trazer informações sobre
sentimentos coletivos, tendências, interesses e intenções de grandes grupos de pessoas”
(RECUERO, 2012, p. 17).

4. AS CONVERSAÇÕES NO CIBERESPAÇO E O IMPACTO DE SULICÍDIO


NO IMAGINÁRIO DO RAP NACIONAL
O patamar que o rap se encontra hoje na indústria musical o fez alcançar números
inéditos através de uma grande massa heterogênea de consumidores e seguidores do gênero.
60

Esse processo de “rotinização” do rap acabou por provocar uma espécie de diluição na carga
crítica que caracterizou o gênero por tantos anos. É importante entender que determinados
aspectos se mantêm vivos, mas as mudanças que o rap sofreu contribuíram fortemente para
que o público fosse ampliado e sua pulverização a nível nacional fosse maior, considerando
toda a sua pluralidade (SALLES, 2007, p. 97). O rap cresceu de forma nunca antes imaginada
por seus precursores no Brasil, e vários aspectos tem sua parcela de relevância para todo o
impacto dessa expansão na trajetória de produtores e consumidores do gênero. A
democratização do acesso à Internet e demais tecnologias certamente é um desses.

O ciberespaço, se tornando um lugar de tamanha relevância para o posicionamento do


rap nacional como mercado, terá um de seus aspectos principais utilizados como base para
este estudo. As conversações em rede possibilitadas através da interconexão e que possui
potencial para a formação de uma inteligência coletiva (LÉVY, 1999) são o que hoje
influenciam diversos padrões da nossa cultura, espalham informações com grande velocidade
e também constroem fenômenos. É por meio destas que grupos se organizam e constroem
potencial para que a nossa cultura possa ser (re)interpretada e (re)construída.

4.1 Fundamentos metodológicos para análise do conteúdo expresso no


ciberespaço por meio de comentários no Facebook

Optou-se aqui pelo estudo do impacto de Sulicídio partir de Bardin (2011) seguindo a
metodologia de análise de conteúdo dos comentários feitos por usuários na plataforma
Facebook, seguindo uma abordagem parte qualitativa e parte quantitativa para coleta,
organização e análise dos dados. Segundo Kauark et.al (2010, p. 26), a abordagem qualitativa
lida com os fenômenos considerando-os a partir da relação dinâmica e indissociável entre a
subjetividade de cada indivíduo e o “mundo real”. Interpretar devidamente os fenômenos e
atribuir significados a estes são consideradas premissas básicas do estudo qualitativo, sempre
de maneira descritiva e analisando os dados a partir de induções (KAUARK et.al, 2010).
Porém, Carlomagno & Rocha (2016, p. 177) reafirmam o âmbito quantitativo que esse tipo
de análise pode abranger quando falamos sobre a forma de sistematizar os dados com os
quais se trabalha durante a pesquisa.

Algumas pessoas podem achar que quantitativo refere-se somente àquilo que mede
apenas e tão somente quantidades (como a frequência simples do número de curtidas
em uma página do Facebook ou do número de matérias publicadas por um jornal) e
que, quando se coletam dados que se referem a qualidades, como, por exemplo, o
viés positivo ou negativo de matérias jornalísticas, os assuntos/temas de um
programa televisivo ou os argumentos utilizados em algum meio, então, por se
61

referirem a qualidades deste objeto, o estudo seria qualitativo. Não é.


(CARLOMAGNO & ROCHA, 2016, p. 177)

A metodologia de análise de conteúdo é definida por Bardin (2011, p. 44) como “um
conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Nesta pesquisa, o método segue uma
trajetória quantitativo-categórica, consistindo em um processo de identificação e
quantificação dos conteúdos dentro das categorias projetadas sobre estes; mas especialmente
verificando aspectos predominantes e característicos da abordagem qualitativa (temático-
categórica), a partir da observação e análise das opiniões expressas. Bardin (1977 apud
CAVALCANTE et al 2014, p. 14) complementa afirmando que incorporar a questão dos
significados e intencionalidade é tipicamente qualitativo dentro da análise de conteúdo. Além
disso, esta é frequentemente aplicável no estudo das relações, representações, percepções e
opiniões dos seres humanos sobre algo (TURATO et al, 2008 apud CAVALCANTE et al,
2014, p. 14), reafirmando a adequação de ambas as abordagens da metodologia para o
presente estudo.

A análise de conteúdo segue aqui o percurso padrão, que vai desde a categorização,
inferência, descrição e interpretação dos dados. Bardin (2011) explica que nesse tipo de
metodologia analisa-se os temas presentes no que foi enunciado, funcionando assim por meio
de operações de desmembramento do texto nas devidas categorias projetadas sobre os
conteúdos. Porém, “não se têm em conta a dinâmica e a organização, mas a frequência dos
temas extraídos do conjunto dos discursos, considerados dados segmentáveis e comparáveis”
(BARDIN, 2011, p. 222). De uma maneira geral, a análise de conteúdo ocorre de forma
bastante sistemática cronologicamente. Bardin (2011) explica que a primeira etapa, a pré-
análise, visa operacionalizar as ideias iniciais por meio da escolha do local de onde os
conteúdos analisados serão retirados, definindo assim o corpus da pesquisa. Em seguida, por
meio da exploração destes conteúdos, a análise propriamente dita acontecerá, em primeira
instância, de forma quantitativo-categórica, e, por fim, temático-categórica. Assim, após a
interpretação do conteúdo analisado, se terá acesso ao resultados finais.

Nesse contexto, aplicando a metodologia proposta por Bardin (2011), foi feita uma
análise das conversações estabelecidas sobre Sulicídio no ciberespaço, mais especificamente
no Facebook. Cavalcante et al (2014, p. 16) afirma que o processo de categorização busca-se
avaliar expressões ou palavras significativas que sirvam como parâmetro de separação e
organização do conteúdo. Aqui, foram selecionados comentários mais antigos possíveis desde
62

o lançamento da música (2016) até os mais recentes (2018), para que a amostra se tornasse
mais espaçada, diversificada e efetiva aos objetivos do estudo. O corpus da pesquisa é
basicamente o que foi expresso pelos consumidores de rap que tiveram contato com a
produção em questão, e a seleção dos comentários foi feita rigorosamente em determinadas
páginas e grupos de discussão do gênero.

4.2 Os diálogos estabelecidos no Facebook e o conhecimento coletivo em torno da


causa evidenciada em Sulicídio

A pesquisa feita aqui se utiliza do Facebook como fonte para coleta dos dados que,
nesse caso, serão os comentários expressos sobre Sulicídio desde seu lançamento em
conhecidas páginas e grupos dedicados a falar sobre rap. Foram os escolhidos: RND (Rap
Nacional Download), Rap Nacional, Rap Cru, RAP RJ e ODB (Ol' Darth Bástarde). Cada
uma das páginas/grupos possuem moderadores 50 diferentes e até mesmo abordagens
específicas e distintas entre si sobre o mesmo tema, causando um certo potencial de
diferenciação no nível e no teor das discussões a depender da fonte.

Os comentários mostram toda uma participação efetiva a partir da disposição em


comentar sobre o tema. Recuero (2014) afirma que esse comportamento de comentar em uma
publicação dentro do Facebook é algo a acontecer apenas quando os usuários tem algo
“considerável” a dizer, entrando totalmente no caráter subjetivo da interpretação do que seria
relevante a ser dito naquele contexto sobre o tema por cada internauta 51 . Esse tipo de
comunicação assíncrona e pública é considerada essencialmente conversacional a partir de
todos esse elementos que caracterizam essa nova dinâmica proporcionada pelo ciberespaço
(RECUERO, 2014). Esse raciocínio é reforçado por Antoun & Malini (2013, p. 214) ao
afirmarem que as redes sociais expressas no ciberespaço “operam dentro de uma esfera
pública midiática curiosa: não é o veículo de comunicação que constitui o público, mas o
público quem faz o veículo comunicacional. A conversação do público constitui o meio”.

50
Pessoas que administram as páginas, estabelecem regras e são responsáveis pelo cumprimento destas. Não
necessariamente são apenas os criadores, mas são pessoas escolhidas por estes para a função.

51
Opta-se aqui por utilizar o termo “internauta” para designar os usuários da Internet, e especificamente do
Facebook, seguindo o que é adotado por Maia (2011) visando uma padronização dentro deste estudo.
63

Os dados obtidos durante as análises aqui evidenciaram o que Recuero (2012, p. 18)
chama de “elementos de apropriação dos grupos sociais de ferramentas com potencial
comunicativo”, tendo em vista que essas conversações não são determinadas pela existência
desse novo meio, mas foram sendo construídas de acordo com a situação e o contexto. Nesse
caso, o contexto é a própria postagem - recurso básico do Facebook - , seja imagem ou vídeo
acompanhado de conteúdo textual, muitas vezes se utilizando de questionamentos para
estimular, de fato, a discussão dos demais usuários sobre o tema. Sendo assim, a CMC aqui é
fundamentalmente um sistema técnico em função de uma prática social que contribuiu para
trocas informacionais.

A partir do que afirma Janis (1982 [1949], p. 53 apud CARLOMAGNO & ROCHA,
2016, p. 175), uma análise de conteúdo dessa natureza classifica “sinais” que ocorrem dentro
desse tipo de comunicação seguindo categorias observadas como adequadas pelo
pesquisador. Nesse caso, a partir da análise da amostra de comentários expressos nos anos de
2016, 2017 e 2018 (até o dia 22 de Julho). Um total de 358 comentários foram utilizados na
análise ao longo desse período e separados em duas grandes categorias polarizadas (positivas
e negativas), no caso, “contrários” e “favoráveis” em relação à causa abordada na música.
Cada categoria abrange em sua essência determinadas abordagens discursivas que as dão
sentido e fundamentam, seguindo o quadro abaixo.

Quadro 1 - Categorias e abordagens dos comentários

CATEGORIAS DOS COMENTÁRIOS ABORDAGENS

Contrários ● Meritocracia
● “Guerra” despropositada na cena
● Enfraquecimento da cena

Favoráveis ● Descentralização da cena


● Qualidade musical da produção

As categorias foram pensadas de forma a resumir os conceitos e/ou ideias


estruturantes que os usuários expuseram. Toda a amostra de comentários foi separada a partir
do ano (2016 - 2017 - 2018), e será analisada em uma série temporal, notabilizando as
64

mudanças nas percepções dos internautas a partir das categorias e de certos aspectos e fatos
frequentemente citados correlatos à música.
Foi observado inicialmente que, ao longo dos anos, os discursos dos usuários foram
bastante específicos, assim como as estratégias discursivas utilizadas para expor
posicionamentos contrários ou favoráveis à proposta da produção. Alguns acontecimentos
ocorridos antes do lançamento de Sulicídio são pequenos pontos que vão sendo costurados
timidamente até a chegada mais incisiva dos versos da faixa diss. Pode-se citar o próprio
momento que as novas tecnologias proporcionaram, com a democratização da produção e
distribuição musical, abertura nas discussões levando a um fluxo de empoderamento cada vez
maior, além da facilitação na busca por informações sobre artistas de fora do eixo. Sulicídio
foi o “marco”, o acontecimento que se posiciona como tema das discussões, mas outros
episódios ainda em 2016, logo após a faixa ser lançada, também puderam ser lidos aqui como
pontos importantes pois serviram como auxílios na argumentação dos internautas durante as
discussões sobre o tema e tiveram seu papel de destaque na assimilação do público em
relação às motivações que levaram a Sulicídio.
Logo no primeiro contato com as opiniões, é importante estabelecer um paralelo com
Recuero (2012, p. 28) ao destacar que diálogos dessa natureza “evocam uma série de
elementos, pertencentes tanto ao plano daquilo que é dito, quanto também ao do modo como
é dito e as circunstâncias que são relevantes”. Partindo da ideia de que tudo que expressamos
advém de informações absorvidas previamente ao longo da vida, o nosso repertório é que vai
nos auxiliar na percepção e interpretação de tudo aquilo que é dito pelos outros, e a constituir
nossa opinião a partir do que consideramos que deva ser transmitido aos demais (RECUERO,
2012). Isso vai permear toda essa pesquisa e é de extrema relevância como reflexão.
O teor das postagens que geraram os comentários analisados a seguir foram diversos.
Alguns se tratavam apenas do link do YouTube que levaria para a música na plataforma
acompanhado ou não de algum tipo de questionamento, buscando opiniões dentro do grupo e
esperando engajamento. Em outros casos, a postagem não contava com conteúdo audiovisual,
mas apenas questionava com suporte textual sobre algum aspecto da problemática, sobre os
rappers envolvidos ou sobre a qualidade musical da produção. As figuras 7 e 8 exemplificam
algumas dessas postagens feitas em anos diferentes.
65

Figura 7 - Captura de tela de postagem no Facebook sobre Sulicídio em 2016

Figura 8 - Captura de tela de postagem no Facebook sobre Sulicídio em 2017

4.2.1 A análise - Sulicídio em evidência a partir dos comentários no Facebook


66

● 2016
Começando com os comentários feitos em 2016, uma das primeiras percepções se
refere ao desconhecimento de uma parte destes internautas e consumidores do gênero sobre
os rappers responsáveis pelas rimas de Sulicídio: Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski, o
que levou a enxurrada de críticas tanto pessoais aos rappers quanto direcionadas à produção
em si.

Se utilizando de certa agressividade no discurso, através de xingamentos e até mesmo


de preconceitos, alguns dos internautas se mostraram veementemente contra a proposta da
música, especialmente em decorrência de famosos e respeitados rappers do eixo Rio de
Janeiro-São Paulo terem seus nomes citados. O posicionamento contra ou a favor de Sulicídio
a partir da perspectiva de fã dos rappers do eixo criticados em Sulicídio foi algo recorrente, e
em alguns casos, basilar na argumentação contrária à música. O que é considerado
completamente dentro do esperado, tendo em vista o anonimato que Baco e Diomedes viviam
67

no contexto de 2016, ao contrário de praticamente todos os nomes citados, que já possuíam


uma base significativa de fãs e admiradores de seu trabalho a nível nacional. É de grande
relevância a compreensão de que membros de comunidades virtuais em contextos como esse
colocam totalmente suas particularidades em evidência, demonstrando o seu lado humano.
“Seu estilo de escrita, suas zonas de competências, suas eventuais tomadas de posição,
obviamente deixam transparecer suas personalidades” (LÉVY, 1999, p. 128).
Alguns outros comentários compreenderam a música como uma diss para todas as
gerações de rappers do eixo, e/ou seguem em partes o mesmo padrão, ressaltando um
“oportunismo” por trás da produção, por meio de uma visão de que esta teria causado a
desunião e uma “guerra” completamente despropositada no rap nacional. Grande parte dos
internautas deixaram claro o incômodo e a sua reprovação ao fato de expor nomes de outros
rappers na letra. Apesar de esta ser uma prática consideravelmente comum em uma faixa diss,
surpreendeu negativamente e foi utilizado como fundamento por uma quantidade
considerável de comentários contrários a Sulicídio.
68
69

Ainda nessa pequena amostra já é possível observar o quanto a maior parte dos
comentários iniciais desaprova a proposta e desconhece totalmente os rappers nordestinos,
utilizando de expressões como “rap de rede social” para definir a produção, e acusando esta
de ser apenas uma “briguinha de Internet”. Alguns dos comentários chegam, inclusive, a
referenciar famosas frases como “unido a gente fica em pé, dividido a gente cai”, e “rap é
compromisso” trechos de músicas do ídolo da velha escola do rap nacional, Sabotage 52, de

52
Nome artístico do rapper e compositor Mauro Mateus dos Santos, nascido na zona sul de São Paulo, e
considerado até hoje por todas as geração dentro do rap nacional como um dos maiores expoentes da história do
gênero no país. Sabotage lançou seu primeiro e único álbum de estúdio chamado “Rap é compromisso” no ano
de 2000, considerado ainda um clássico e amplamente aclamado. O álbum teve uma de suas faixas presentes na
trilha sonora do filme “O Invasor” (2002) do diretor Beto Brant, além de ter participado também como ator e
consultor no filme “Carandiru” (2003) de Héctor Babenco. O rapper chegou a ser consagrado em respeitadas
70

forma a destacar que Sulicídio estaria, de alguma forma, violando o “compromisso” que o
gênero deveria ter com sua própria ideologia e consequentemente enfraquecendo a cena. Essa
espécie de “cobrança” de dentro da própria cena pode ser observada a partir do que Levine,
Locke, Searls & Weinberger (2000 apud Antoun & Malini, 2013, p. 157) apontam sobre a
Internet como um local de maior empoderamento da demanda participativa e produtiva. Este
fator seria responsável pela forma de expressão das opiniões dos internautas ser hoje muito
mais aberta e honesta sobre as suas temáticas de interesse, o que nesse caso se reflete em uma
crítica a essa suposta quebra ideológica provocada por Sulicídio dentro do rap.

premiações do gênero como o Hútus, e compôs dezenas de trabalhos que se tornaram hinos para a juventude em
periferias em todo o país. Sabotage foi morto a tiros em 2003 aos 29 anos deixando uma legião de fãs e três
filhos em grande tristeza. Treze anos após seu assassinato, foi lançado seu álbum póstumo homenageando e
renovando o compromisso do artista com rap e consequentemente com a periferia.
71

Enquanto alguns internautas deixaram claro seu desejo por uma diss de resposta, uma
das mais comentadas veio cerca de 2 meses após Sulícidio. O rapper paulista Nocivo
Shomon, citado na música respondeu aos ataques com a faixa “Disscarrego”. A diss de
72

resposta também foi citada por alguns dos internautas dentro das discussões, especialmente
em posicionamentos contrários à causa defendida na música, sendo exaltada em detrimento
da própria letra de Sulicídio. Porém, esta também foi munição para os internautas que
comentaram em favor da proposta da música, destacando que não houve respostas à altura e
que a faixa teria sido uma estratégia adequada de inserção do Nordeste dentro do que foi
chamado de “rap game”.
73
74

Muito foi falado sobre o rapper Rapadura como símbolo de uma visão meritocrática
dentro da cena, a partir de um prisma reducionista da proposta, ignorando todo o percurso do
gênero no país e a trajetória ímpar da carreira do rapper. O argumento meritocrático se
pautava no sucesso de nível nacional que Rapadura teria alcançado sem precisar de uma faixa
como Sulicídio, e, dessa forma, qualquer rapper “bom” poderia repetir essa fórmula.
Rapadura representava nesse contexto nada mais do que uma figura que alimentou o
imaginário estabelecido até então. Esse fator surge aqui, como a maior parte das inferências
que permeam esta análise, a partir de um olhar mais atento aos padrões revelados pelos
internautas. Isso permitiu que certos elementos de composição de alguns grupos dentro da
comunidade virtual fossem identificados, direcionando certas abordagens nas argumentações
para a devida classificação e compreendendo melhor o que as fundamenta. Recuero (2011, p.
22) descreve esse aspecto como característico desse tipo de estudo, em que se deve estar
atento de forma preliminar aos padrões expressos no ciberespaço.

Atrelado a isso, enquanto alguns comentários mostravam certa admiração pelos


rappers autores de Sulicídio, ainda discordavam da produção e reforçavam o pensamento de
mérito dentro do rap, outros ainda citaram uma falta de talento ou de trabalho como
justificativa para a falta de visibilidade dos rappers de fora do eixo. Em comum, todos estes
se encaixavam dentro de um grupo, a essa altura dominante, contrário Sulicídio.
75
76

De um outro lado, os comentários de cunho mais favorável apareciam timidamente


em 2016. Alguns destes chegam afirmando que a admiração pelos mesmos rappers citados
em Sulicídio não representaria um impedimento para que simpatizassem com a produção.
Surgem comentários elogiando a qualidade musical da produção, estimulando os demais a
pesquisar um pouco mais sobre a problemática de centralização do rap no país e seguem os
77

recursos discursivos de defesa da música mostrando considerável compreensão da causa,


considerando a música como necessária para “abrir a mente” do público consumidor,
contribuindo para colocar o rap nordestino na cena.
78
79

Essa visão mais favorável e gradativa mudança na percepção de alguns internautas em


relação a Sulicídio foi crescendo, ainda em 2016, a partir da comparação com as faixas diss
de resposta, entrevistas e alguns outros eventos subsequentes. Um mês após Sulicídio ser
lançada, o famoso canal do YouTube RapBox, projeto idealizado pelo respeitado produtor
musical Léo Casa1, lançou um vídeo onde Léo explica uma nova iniciativa do canal que viria
a ilustrar um dos primeiros e importantes impactos de Sulicídio dentro da cena. O canal abriu
suas portas para que consumidores e rappers de cada Estado do país pudesse ir lá indicar seu
trabalho e assim conseguir ser visibilizado pelo canal.

Depois do Sulicídio, a repercussão que teve essa parada toda aí, eu fiz um post na
nossa fanpage do RapBox perguntando os raps do Norte e do Nordeste. Mano, o
bagulho ficou insano, teve três mil comentários e não dá pra ler tudo, né. E eu
pensei: “pô, se tem tudo isso no norte e nordeste, tem nos outros estados e tem pra
tudo que é lado do Brasil”. Então eu tive uma ideia de fazer uma pesquisa sobre os
raps do Brasil, estado por estado. É isso que a gente vai fazer (...). Se você quiser
indicar um grupo, se você tem um grupo ou se você é um artista solo coloca aqui na
descrição o nome do grupo, cidade e o link do seu trabalho, e a gente vai usar esses
links como pesquisa. Por exemplo, a gente vai chamar alguém do Maranhão e vai lá
nessa descrição e vai ver os links de quem postou lá o som do Maranhão. (Léo Casa1
53
para o canal do YouTube RapBox, 2016)

O produtor Léo Casa1 não parou por aí. Em novembro de 2016, poucos meses após
Sulicídio e também posteriormente a essa iniciativa impulsionada pelo lançamento, convidou
Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski para entrevistas ao canal Rap Box, em datas
distintas. Em quase uma hora de conversa, ambos acabaram sendo questionados sobre o

53
YouTube. Sulicídio React. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=81Goy2Zw7ew> Acesso em
15 Out 2018
80

polêmico lançamento da diss. O posicionamento do entrevistador, consideravelmente


contrário à proposta da música, muniu em grande medida os internautas que se expressaram
com pensamentos semelhantes. Além disso, tudo que foi dito em ambas as entrevistas foi
também utilizado pelos internautas para discutir a temática. O que não se esperava é que o
próprio produtor fosse pauta também para os comentários favoráveis a Sulicídio. Leo Casa1
se tornou uma espécie de símbolo do impacto positivo de Sulicídio na cena, tendo em vista
uma declarada mudança na visão do produtor sobre a iniciativa54. O mesmo ainda produziu e
lançou no RapBox um clipe de Diomedes e um do rapper Baco na mesma data de lançamento
das entrevistas e posteriormente viria a convidá-los novamente para a cypher “Expurgo”,
famosa por contar com a participação do rapper Rapadura e por ser uma explicação mais
detalhada da causa defendida em Sulicídio.

54
Rap Box. EP. 109 - D.V Tribo - Trocando ideia. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=vRU25WNrCs8> Acesso em 10 Out 2018
81
82

Os internautas passaram a estabelecer embates mais frequentes entre os comentários


favoráveis e contrários a Sulicídio, mudando o caráter homogêneo de posicionamentos
iniciais predominantemente contrários à produção, um fluxo que ressalta cada vez mais os
comentários favoráveis dentro de um processo de apreensão que se estende nos anos
seguintes. Aqui, podemos observar o aspecto defendido por Lévy (1999, p. 128), de que as
83

comunidades virtuais ao prolongar a interconexão, agregando indivíduos em grupos a partir


de conhecimentos e interesses comuns possibilita inevitáveis conflitos e ocasionais
discordâncias.

A vida de uma comunidade virtual raramente transcorre sem conflitos, que podem
exprimir-se de forma bastante brutal nas contendas oratórias entre membros ou nas
flames durante as quais diversos membros “incendeiam” aquele ou aquela que
tenham infringido as regras morais do grupo. Por outro lado, afinidades, alianças
intelectuais, até mesmo amizades podem desenvolver-se nos grupos de discussão,
exatamente como entre pessoas que se encontram regularmente para conversar
(LÉVY, 1999, p. 128).

Ao observarmos o contexto e as motivações que cercam o lançamento de Sulicídio,


seria consideravelmente espantoso não encontrar situações de atrito e certa animosidade entre
aqueles que se sentiram atingidos negativamente pelos versos e aqueles que se posicionaram
como apoiadores da causa expressa na música. Cada pessoa ou grupo se manifesta dentro da
comunidade virtual para expressar como se sente sobre a situação em questão e opinar dentro
da discussão, assim como ocorreria em um contexto da “vida real”. Porém, temos como um
dos principais desafios da CMC não se saber ao certo quem é a audiência que vai receber
aquela mensagem, e consequentemente a percepção que essa audiência terá do que for dito. É
reforçado, assim, que “essas redes conectam não apenas computadores, mas pessoas”, de fato
(RECUERO, 2011, p.17), nesse caso, chamados de “atores” dentro do ciberespaço e da
abordagem de estudo de redes sociais na Internet embasada por Raquel Recuero (2011).

● 2017
Ainda sendo sucessivamente postada e comentada dentro dos mais diversos grupos e
páginas no Facebook, em 2017 Sulicídio ainda não tinha se tornado obsoleta. Muito pelo
contrário. A quantidade de comentários e o nível das discussões só mostravam o quanto os
internautas de todo o país estavam dispostos a se posicionar em relação à problemática, e
assim os diálogos continuaram. Abrindo conjecturas sobre as motivações e alternativas para
evidenciar a centralização do rap no país, os diálogos pareciam por vezes mais complexos e
mostravam certa assimilação maior da causa.
84
85

Os embates, que a essa altura não haviam se tornado menos frequentes, passaram a
abordar mais profundamente questões, antes simplificadas, em meio a comentários favoráveis
e contrários. Alguns dos argumentos que fundamentaram remetiam ao caráter incisivo da
faixa ao tratar da centralização do gênero, qualidade musical da produção e até mesmo
voltando a questionar a polêmica prática de citar nomes de outros MCs da cena, tão
comentada em 2016.
86
87

Durante algumas das discussões, um aspecto específico da amostra de 2017 deve ser
destacado em relação a 2016. Enquanto no ano de lançamento de Sulicídio, ainda com a
proposta dos versos totalmente nebulosa, quem se posicionava de maneira favorável ainda era
minoria nos comentários e quando não estava quase na neutralidade era “silenciado” pelos
88

demais internautas totalmente contrários à faixa, em 2017 o cenário se mostra visivelmente


diferente e ressalta o quanto os comentários favoráveis ficam mais frequentes e já tentam, de
alguma forma, inibir os contrários através de vários recursos argumentativos e, por vezes,
tom irônico. Esse fenômeno pode ser observado a partir do que Recuero (2011, p. 31) afirma
sobre ação de um internauta depender da reação de um outro. Nesse caso, a percepção do que
está sendo dito vai depender do que foi dito, de fato, orientando consequente a formação de
uma expectativa. Nesse caso, a expectativa se refere à concordância. Enquanto em 2016 essa
expectativa vinha sendo frequentemente atendida e os comentários contrários a Sulicídio
dominarem as conversações, em 2017 a situação muda e os conflitos se “invertem”.
89

Nesse ponto, o uso do termo “revolucionário” para descrever Sulicídio, e a expressão


“rap game”, popularizada pelos fãs do gênero para descrever o atual mercado e estratégias
dos rappers para ter visibilidade, ou mesmo sugerir expressões que mostrem a música como
90

algo realmente relevante para a cena, desperta notável intensidade nos comentários contrários
à faixa. A ideia destes era primariamente de expor um posicionamento que tirasse a
legitimidade do que foi dito. Nesse sentido, esse atrito se deve a problemas na “negociação”,
apontada por Recuero (2012, p.115), como necessária à organização da conversação dentro
das comunidades virtuais para que os internautas consigam legitimar seus discursos. Ao
passo que esse tipo de argumentação favorável a Sulicídio foi amplamente utilizada, uma
parte discordava frontalmente e a cooperação se tornava inviável. Mas, assim como Boyd e
Heer (2006 apud RECUERO, 2012, p.57) afirmam, nesse tipo de conversação pública é
necessário que o internauta imagine que tipo de audiência vá chegar até sua
mensagem/comentário e que percepção terá do que foi dito. Parece notável o desinteresse de
grande parte dos comentários aqui em negociar essa percepção, mas todos os envolvidos
parecem ter uma noção para que tipo de público se está comunicando.
91
92
93

Em alguns comentários, a visão meritocrática tão exposta em 2016 permanece em


2017, porém a amostra é mais equilibrada com comentários favoráveis e que tentam
desconstruir essa abordagem argumentativa dos internautas que se posicionam contrários à
música.
94

Citando nomes da geração pós nova escola que teriam se destacado dentro de todo
esse contexto pós Sulicídio, alguns dos comentários favoráveis mantém o embate e tentam
argumentar que a faixa ainda teria muito mais impacto do que os internautas contrários à sua
proposta conseguiam enxergar. Em resposta, a qualidade musical dos artistas do Nordeste foi
um dos aspectos criticados e questionados, bem como a estratégia de fazer de Sulicídio uma
faixa diss, o que teria supostamente influenciado outros artistas a perpetuar a “briga” dentro
do rap nacional. Nesse sentido, Antoun & Malini (2013, p. 215) auxiliam na compreensão ao
afirmar as redes sociais expressas na Internet como regidas por uma relação emissão-
recepção coberta de subjetivação. Toda essa enorme quantidade de informações, contrárias e
favoráveis, sobre o tema que correram de forma acelerada nas chamadas “timelines” do
Facebook contribuem para o exercício do poder que cada perfil tem de intervir com sua
opinião sobre o que é afirmado, configurando um campo muito mais susceptível à formação e
permancência de conflitos (NEGRI & HARDT, 2005 apud ANTOUN & MALINI, 2013, p.
247).
95
96

No decorrer dos meses, alguns internautas já começavam a introduzir aspectos


importantes na discussão, ao afirmar que passaram a ouvir e acompanhar, de fato, não apenas
os artistas autores de Sulicídio, mas também vários outros rappers menos visualizados de fora
do eixo. A relevância da música para o cenário atual do rap foi sendo destacada ao ser citada
como um elemento verdadeiramente descentralizador dentro do cenário do rap nacional, no
sentido de abrir os olhos do público e o mercado para demais artistas de fora do eixo.
Observando aqui que os perfis a comentar com opiniões semelhantes entre si representam
uma comunidade unida por essa visão e posicionamento comum sobre a problemática,
segundo Antoun & Malini (2013, p. 214) essas informações acabam por traduzir legítimas
“quantidades sociais” ao expor desejos e convicções comuns dentro desses grupos em relação
97

ao tema. É apontada aqui novamente a relevância dessa mudança no teor das opiniões dentro
das comunidades para os objetivos deste estudo, quando comparamos ano a ano.
98
99
100
101

Grandes nomes da velha escola do rap nacional também serviram de suporte para a
argumentação de um dos internautas. Este se posiciona de forma favorável à produção e se
utiliza da autoridade e visão entusiasta dos renomados artistas em relação à produção para
embasar sua tomada de posição e tirando a legitimidade de qualquer posicionamento
contrário.

No mesmo passo que os comentários favoráveis se tornam mais evidentes e os


embates mais heterogêneos se compararmos com 2016, ainda houve repetições em
argumentos contrários. Como por exemplo, olhar a música como uma “escada” ou “golpe de
102

marketing” para ascender ao sucesso de maneira meramente irresponsável. Contudo, é


notável que até mesmo os internautas que se colocam contra Sulicídio, além de também
elogiar a qualidade musical, ainda conseguem dissertar mais sobre as motivações. Um destes
até cita a entrevista dos rappers ao canal do Rap Box no Youtube como uma das fontes de sua
“pesquisa” sobre o tema.
103

Se utilizando de um tom provocatório na argumentação, um dos internautas combate


o argumento visto por ele como “obsoleto” e se coloca em favor de Sulicídio, usando de uma
generalização ao ressaltar certa “ignorância” do público consumidor do rap nacional da
atualidade.
104

Um dos mais importantes diálogos dentro da amostra é iniciado a partir de um


internauta declaradamente contrário à produção com o argumento de que os rappers teriam
perdido definitivamente a possibilidade de ganhar espaço na cena nacional, claramente em
razão dos nomes de rappers do Sudeste terem sido citados.

Nesse diálogo, um dos pontos que o tornam tão relevante é algo que até aquele
momento ninguém tinha como imaginar. O rapper Diomedes Chinaski se mudaria em 2018
para São Paulo em virtude do sucesso que conquistou após Sulicídio e, segundo este, para
investir ainda mais no seu trabalho. Assim como o Baco Exu do Blues, que, apesar de
permanecer na Bahia, hoje dialoga de maneira totalmente aberta com rappers e consumidores
do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, fazendo shows e participações frequentes. Trazer esse
paralelo entre um fato atual (2018), e algo dito um ano após seu lançamento é importante
quando se analisa o impacto total da produção para a inserção desses rappers nordestinos no
mercado.
105

Os diálogos com argumentos mais simplistas quando existentes não perdem seu valor
na análise, mas reforçam a dinâmica plural dos comentários sobre a problemática no período.
Quando um internauta inicia afirmando que a música teria “entrado para a história” é algo a
causar bastante atrito com aqueles que se mostram contrários à produção, e que veem essa
afirmação como uma hipérbole equivocada. Já do lado favorável, ao citar as frases “amam
MC’s e não o hip hop” e “para atingir os fiéis têm que atingir os deuses deles”, um dos
internautas faz referência a trechos rimados pelo rapper Baco Exu do Blues na música cypher
“Expurgo”55, e critica quem se posiciona contrário a Sulicídio por mero incômodo aos nomes
do eixo citados. O hip hop deveria ser maior que os MCs “endeusados”.

55
Rap Box. CypherBox 1 - Diomedes Chinaski, Nissin, Baco Exu do Blues & Rapadura - "EXPURGO" [Prod.
Leo Casa1]. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=oYRRcve4goY> Acesso em 15 Out 2018
106

Ainda em 2017, um dos aspectos significativos revelados nos comentários vieram de


alguns posicionamentos favoráveis à faixa, mas que, apesar disso, abrem importantes
problematizações com relação à letra. Conforme destacado anteriormente, durante
entrevistas, Diomedes e Baco chegaram a fazer certas retratações consideradas necessárias
com relação a aspectos da letra, e hoje fazem questão de trocar determinados termos quando a
mesma é cantada em shows. Versos como o que cita “fãs soropositivo” e o trecho em que se
utilizam da palavra “traveco” de forma transfóbica, foram campeões em polêmica e
despertaram profundo incômodo até mesmo em quem compreendeu a reivindicação proposta
na música. Outro ponto igualmente relevante e também cobrado por um dos internautas
remete à invisibilização ainda vivida também pelas mulheres dentro do rap nacional, outra
mazela social que reflete diretamente também no hip hop.
107

Nesse sentido, novamente certos acontecimentos para além da música em si


colaboraram para munir os internautas que comentaram durante 2017. Um ano depois, e
apesar de alguns discursos contrários ainda se repetirem quase da mesma forma que se
mostraram em 2016, notadamente o teor dos diálogos parece ter seguido um fluxo de
mudança em favor da proposta. A assimilação de uma faixa considerada por alguns como
“revolucionária” e um “divisor de águas” certamente não seria instantânea, especialmente
108

quando se fala no público consumidor de rap. A essa altura, já é possível afirmar uma certa
diversidade presente na comunidade de fãs de rap no Brasil, algo que foi sendo construído
com base nas diferenciações presentes no gênero e que foi aumentando com o passar das anos
e surgimento das novas gerações.

● 2018
Dois anos após o lançamento de Sulicídio e ainda era possível coletar material
considerável sobre a produção, reforçando o equívoco do grupo de comentários contrários
feitos nos anos anteriores, que viam a música como algo “passageiro” e que não merecia
tamanha repercussão. Em 2018, a assimilação já parecia consideravelmente maior, e as
discussões continuaram acontecendo seguindo o fluxo de 2017, onde os internautas que
argumentam em favor da produção mostram maior reflexão sobre os versos e seu contexto.
109

Nessa espécie de agenda dentro do rap nacional, que naturalmente acompanhou a


pesquisa e foi sendo munição para os comentários ao longo do tempo, um acontecimento não
poderia deixar de ser citado em 2018. Ainda no começo do ano a cena se deparou com a
notícia de uma suposta participação de Diomedes Chinaski, um dos autores de Sulicídio, em
110

uma música do rapper Predella, integrante do grupo paulista Costa Gold56. O grupo, que teve
o nome de alguns integrantes citados na diss, foi o primeiro a respondê-la em 2016 com a
faixa “SulTáVivo”. Com essa surpreendente colaboração os internautas se dividiram nos
comentários relembrando o eco de Sulicídio.

56
Rap RJ. Predella e Diomedes Chinaski se unirão em inédita. Disponível em
<https://www.canalraprj.com.br/predella-e-diomedes-chinaski-se-unirao-em-inedita/> Acesso em 25 Out 2018
111
112

A partir de uma atitude claramente pacífica de finalizar a possível intriga que


Sulicídio deixou desde 2016 (alimentada no ciberespaço e nas diss de respostas), Diomedes
113

Chinaski provocou o público e colocou a faixa novamente na pauta das discussões. A


argumentação mais agressiva, irônica e impaciente ficou mais frequente nos comentários
tanto favoráveis quanto contrários à música. Alguns dos favoráveis, por vezes citando
novamente as entrevistas concedidas ao Rap box, explicavam em detalhes a intenção dos
polêmicos versos para os internautas que ainda reprovavam repetindo os discursos dos
períodos anteriores. Aqui, é visível o que Antoun & Malini (2013, p. 212) chamam de
“agenda informativa”, formada pelos intenautas que tiveram contato com outros dados para
além da própria música em si, e que acabaram por ajudá-los de alguma forma a compreender
melhor a mensagem da mesma. Dessa forma, essas informações absorvidas por outras fontes
são repassadas como uma estratégia argumentativa de persuadir os demais, fundamentando
melhor o posicionamento favorável.
114
115

Os nomes dos autores de Sulicídio foram ainda mais citados durante os diálogos de
2018, tendo em vista as mudanças em suas carreiras após toda a repercussão da música. Baco
Exu do Blues ganhou o público com o aclamado álbum “Esú” 57 em 2017, seguiu com
participações e singles de sucesso e lançou um novo álbum em 2018 intitulado “Bluesman”;
Diomedes também fez diversas participações, viu a agenda de show crescer e em 2018 lançou
uma das mixtapes mais comentadas do ano intitulada “Comunista Rico” 58 . Os rappers
nordestinos que gritaram por espaço na cena em 2016 hoje tinham seus nomes comentados a
partir de outros aspectos e se distanciavam em muito do anonimato de 2016.

Em entrevista concedida a Revista O Grito em Abril de 2018, Diomedes Chinaski,


que ganhou a manchete “Holofotes: Diomedes Chinaski quer derrubar barreiras do rap BR”,
ainda é questionado sobre Sulicídio, e permanece a falar sobre as motivações com a mesma
contundência.

57
Estadão. Baco Exu do Blues surge com um dos maiores discos do ano. Disponível em
<https://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,baco-exu-do-blues-surge-com-um-dos-maiores-discos-do-
ano,70002131326> Acesso em 25 Out 2018

58
Folha PE. Rapper Diomedes Chinaski apresenta nova mixtape no Recife. Disponível em
<https://www.folhape.com.br/diversao/diversao/musica/2018/09/28/NWS,82893,71,581,DIVERSAO,2330-
RAPPER-DIOMEDES-CHINASKI-APRESENTA-NOVA-MIXTAPE-RECIFE.aspx> Acesso em 26 Out 2018
116

Eu queria mostrar que a cena rap poderia ficar muito mais dinâmica, complexa e com
uma grande variedade de artistas em vez de só Oriente, Haikaiss, Costa Gold, Cacife
Clandestino, Cone Crew. E não tem um preto aí, tá ligado? Não significa que o som
dos caras não prestem, mas não era só questão de talento, tinha a ver com privilégio
social, um esquema que naturalmente colocou eles lá e não deu espaço para outros
que também mereciam estar nessa cena. (...) Agente precisava arrombar a porta para
que houvesse direito a pelo menos um livre comércio. E tem mais: o rap estava muito
saturado, os temas eram só “fumar um”, “pegar uma praia”, “ficar com as meninas”,
porque os caras só vivem isso. Quando a música saiu eles começaram a responder
nas redes sociais e o negócio foi ficando grande. Mas, veja bem, a gente aqui fazia
rap há vários anos e só conseguia no máximo umas dez mil visualizações, isso
quando era um bagulho que tinha estourado. Ai de repente veio “Sulicídio” e o clipe
já teve sete milhões de visualizações no YouTube. (...) Os caras continuaram fazendo
as paradas deles, mas hoje, a cena tem mais artista dentro, e negros inclusive, porque
tem Baco, tem BK, tem Djonga, de BH. Tem o lance do canal da Pineapple fez a
série de vídeos Poetas no Topo, tem as cyphers da ADL (Além da Loucura) do Rio
que estourou com “Favela Vive“, tem Luiz Lins, aqui de Pernambuco. E o público
também aumentou porque agora está acompanhando o pessoal que está estreando e
não só os famosos. Então a treta de “Sulicídio” chamou a atenção até de gente que
não ouvia rap nacional. E hoje, muitos artistas que a gente atacou compreende o que
aconteceu. Se a gente tivesse feito uma letra cheia de amor, carinho, dizendo que a
gente tava lutando, ninguém ia dar atenção. Tinha que chamar mesmo de filho da
puta, dizer que ia matar. (Diomedes Chinaski em entrevista a Revista O Grito,
2018)59

59
Revista O Grito. Holofotes: Diomedes Chinaski quer derrubar barreiras do rap BR. Disponível em
<http://revistaogrito.com/holofotes-diomedes-chinaski-quer-derrubar-barreiras-do-rap-br/> Acesso em 23 Out
2018
117

O quesito qualidade musical da produção e do trabalho dos artistas Diomedes e Baco


também surge como tema em uma parte da amostra em 2018. Dentre posicionamentos
contrários e favoráveis, o quesito “chamar atenção” é frisado por um dos internautas, e pode
ser lido aqui como algo a contribuir como efeito de Sulicídio na cena.
118

O nome do rapper cearense e ex integrante do grupo Costa a Costa, Don L, surge em


alguns momentos para ilustrar um exemplo de artista nordestino que, apesar dos vários anos
de carreira, conseguiu considerável sucesso nacional após Sulicídio.

Grandes nomes da nova geração do rap norte-americano também foram pautados por
internautas que os utilizaram na argumentação favorável a Sulicídio. Junto disso, veio o
raciocínio de que quase dois anos já deveria ser mais do que suficiente para total aceitação do
grito do Nordeste por espaço na cena, independente da polêmica provocada. Isso se deve ao
paralelo presente em um dos versos de Sulicídio, citado em 2018 e também em parte das
amostras dos períodos anteriores, onde Baco Exu do Blues faz referência a uma famosa diss
do rapper norte-americano Kendrick Lamar: “Exu do Blues não é Kendrick, Control”. A faixa
diss intitulada “Control” lançada em 2013 ficou conhecida na cena rap dos EUA em razão do
rapper Kendrick Lamar ter citado outros nomes famosos: “That goes for Jermaine Cole, Big
KRIT, Wale, Pusha T, Meek Millz, A$AP Rocky, Drake, Big Sean, Jay Electron', Tyler, Mac
Miller/ I got love for you all but I'm tryna murder you niggas”60. Esta foi feita dentro da
proposta de uma diss tradicional em que o rapper se auto afirma sobrepondo seu talento ao
dos demais, semelhante ao que Sulicídio propôs três anos depois no Brasil. É importante
frisar aqui a prática de referenciar elementos contextuais considerados relevantes para a
conversação como algo corrente. Recuero (2012, p. 55) aponta que “são, também, práticas
conversacionais, intertextuais e coletivas de criação de contextos que favorecem a
emergência da conversação em si”. Esse é um dos aspectos mais recorrentes neste estudo,
tendo em vista a grande quantidade de referências tanto presentes na música em si, quanto
citadas nos comentários a partir dos acontecimentos pré e pós lançamento de Sulicídio.

60
Tradução: “Essa vai para Jermaine Cole, Big KRIT, Wale, Pusha T, Meek Millz, A$AP Rocky, Drake, Big
Sean, Jay Electron ', Tyler, Mac Miller/ Eu tenho amor por todos vocês, mas eu estou tentando matar todos
vocês”
119

Em um um grupo de comentários favoráveis seguintes, já é perceptível o quanto


Sulicídio conseguiu mudar a percepção dos internautas ao longo do tempo. Alguns ilustram
isso ao apontar a faixa como responsável por uma mudança real na pauta da própria
comunidade virtual. O coletivo Damassaclan (formado pelos grupos Haikaiss, Costa Gold,
Família Madá, Cortesia da Casa e pelos os rappers Bitrinho, Flow MC, Dalsin, DonCesão,
Tubaína, ZRM, Guerrilheiros, Pizzol, Syro, Jonas Bento, Ursso) e o grupo 1Kilo, ambos do
eixo Rio de Janeiro-São Paulo, são citados negativamente no diálogo para ilustrar uma certa
“monotonia” na cena que teria sido quebrada com a chegada de Sulicídio. O nome do grupo
pernambucano “Faces do Subúrbio” também surge como argumento de um internauta
aparentemente discordando da influência de Sulicídio. Porém, este logo é refutado no diálogo
por uma resposta que incita a reflexão de um real desinteresse por grupos de fora do eixo no
período pré Sulicídio. Nesse ponto, mais uma vez é ressaltado a relevância de elementos
contextuais (RECUERO, 2012) para a interação se estabelecer de forma inteiramente
compreensível na conversação.
120

Além disso, assim como em 2017, ainda surge em 2018 uma autocrítica dentro da
cena. Os comentários, predominantemente a favor de Sulicídio, questionam uma certa
estagnação e até desvio ideológico do próprio público consumidor de rap na atualidade.
Novamente, surge com certa indignação o questionamento para aqueles que ainda não teriam
121

compreendido Sulicídio, algo praticamente inaceitável em 2018, de acordo com estes


comentários.

A amostra de 2018 foi consideravelmente menor quando comparada aos anos


anteriores, até mesmo em virtude do tema ter sido comentado apenas em situações pontuais e
o número de postagens a esse respeito ter diminuído naturalmente. Um fator relevante aqui é,
de fato, como Sulicídio conseguiu se manter em pauta durante tanto tempo, especialmente
122

quando refletimos sobre a quantidade de informações que consumimos hoje nos mais
diversos âmbitos do cotidiano. No rap, esse processo se mantém com a frequência cada vez
maior de lançamentos e as diversas plataformas de consumo musical, é de se destacar o fato
da faixa ter se mantido consideravelmente atual nas discussões dentro da cena do rap
nacional. Assim como se iniciou em 2017, o processo de aumento dos comentários favoráveis
continuou a evidenciar maior e mais complexa compreensão da real intenção dos rappers
nordestinos com a produção e seu impacto nos rumos da cena.
123
124

Com as abordagens argumentativas e a compreensão sobre Sulicídio ficando mais


profunda, o ano de 2018 abarca uma quantidade de comentários bastante representativa do
entendimento sobre a faixa. Afirmações que definem a música como um “golpe de
marketing” ou “escada para o sucesso” surgem em posicionamentos contrários e favoráveis,
enquanto uma parcela já bem mais entusiasta insiste em considerá-la como “revolucionária” e
um “divisor de águas”, construindo, assim, um resumo da totalidade da amostra de 2018. Esta
pode ser considerada como fruto de uma construção ocorrida ao longo de todos os períodos
anteriores e que neste ponto já se apresenta com maior densidade e maturidade. A percepção
125

da imagem dos autores da faixa foi também sendo construída a medida que o rap nordestino,
de uma maneira geral, foi se tornando assunto nos comentários e consequentemente sendo
visibilizado. Pode-se dizer também que, para além do Nordeste, outros artistas e regiões
conseguiram se inserir ou ter maiores chances de conquistar seu lugar dentro do mercado e da
cena do rap nacional, que a essa altura parecia estar com os olhos mais abertos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O rap, objeto primário desta pesquisa, foi analisado a partir da visão dos próprios
participantes da cena do gênero no país, com base em seus próprios comentários sobre a
temática. Inicialmente, foi possível observar o quanto todas as mudanças na forma de fazer
rap puderam contribuir para a negociação midiática mais aberta e movimentação do gênero
como mercado, de fato. Surgiram outras vertentes, parcerias com artistas de diferentes
gêneros, outras temáticas foram sendo abordadas, outras formas de desenvolver rimas e
batidas, tudo isso são marcas de uma nova era (a pós nova escola), que só tende a expandir
ainda mais o consumo e consequentemente abrir os olhos do mundo para o rap. A ampliação
da visibilidade das periferias nos meios de comunicação, com destaque para a Internet, pode
ser visto como um significativo aspecto nesse processo. Toda a repercussão que o rap vem
conquistando, com sua base de consumidores cada vez maior e mais heterogênea, contribuiu
aqui para que a pesquisa se desenvolvesse sob a perspectiva deste como gênero imerso em
um crescente e lucrativo mercado.

Sulicídio se apresentou como uma iniciativa dos rappers nordestinos para se incluir
nesse mercado, que antes parecia não fornecer espaço para aceitá-los como “concorrência”.
Em um contexto de centralização do rap nacional e, por efeito, invisibilização e
desvalorização do trabalho dos rappers de fora da região Sudeste, os versos incisivos e
interpretados amplamente como desrespeitosos, vieram como uma “bomba” na cena. A partir
de toda a repercussão sobre a faixa no ciberespaço, muito foi falado sobre um suposto
“golpe” ou estratégia de marketing; um degrau para alcançar o sucesso através de outros
rappers famosos de forma desrespeitosa; uma guerra despropositada e desnecessária no rap
nacional, e muitas outras críticas vieram atingir os responsáveis pela produção. Porém, todo o
contexto, a agenda vivida na cena, as justificativas e afirmações que embasaram as opiniões
em relação a Sulicídio tornaram esta pesquisa possível e relevante. De 2016 a 2018, Sulicídio
conseguiu seguir sendo motivo de comentários nas comunidades virtuais onde a cena do rap
nacional seguiu encarando de frente uma problemática que antes não era assunto. Ao longo
126

do tempo, percepções foram notavelmente modificadas e ampliadas. Sulicídio mostrou que


não era apenas uma música “desrespeitosa”, e conseguiu mostrar que seu propósito ia para
além dos nomes de rappers do eixo citados, e ameaças, a diss, era direcionada ao público, aos
produtores, à toda a cena que parecia fechar as portas para o rap nordestino, e para todos os
demais que que não se concentravam no Sudeste.

Muito já foi falado sobre o dilema de visibilidade midiática do gênero; sobre o


conteúdos de suas letras; abordagem e engajamento político-social e racial, dentre outros
aspectos. Contudo, poucas vezes as pesquisas acadêmicas se voltaram para a forma como o
rap vem sendo produzido, distribuído e/ou divulgado na atualidade. Este estudo, buscou
entender como o imaginário coletivo do rap nacional recebeu os ácidos versos de Sulicídio, e
que tipo de impactos a produção teria na cena.

Dessa forma, foi possível aqui observar todo um percurso de mudança no teor dos
comentários sobre a música dentro do ciberespaço, em paralelo com acontecimentos fora do
ambiente online, que evidenciaram um fenômeno real de visibilização, não apenas para o
Nordeste. O rap nacional pareceu se abrir mais para além do que vinha sendo produzido e
consumido no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, e Sulicídio se colocou em uma das
problemáticas mais comentadas na história do gênero no país. Seus impactos para além do
que foi comentado na Internet saem do ambiente online e mostram potencial para abrir portas
e descentralizar o cenário do rap no país. Alguns dos acontecimentos a partir do lançamento
de Sulicídio, quando observados junto do que foi comentado sobre a faixa na Internet,
mostram transformações legítimas na cena, comprovando a hipótese deste estudo e de muitos
outros consumidores do gênero que a consideram até hoje um “divisor de águas” para o
gênero no país. Pode-se dizer que a reflexão despertada por Sulicídio talvez tenha sido um de
seus maiores e mais duradouros impactos no rap nacional.
127

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TEPERMAN, Ricardo. Se liga no som: as transformações do rap no Brasil. Editora


Companhia das Letras, 2015

ANEXOS

Capturas de tela de comentários do Facebook sobre Sulicídio coletados para essa pesquisa:
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