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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO
CURSO DE JORNALISMO

Garota de Ipanema x Garota de Honório: Estratégias


Semióticas de Anitta em “Girl From Rio”
Luiz Eugênio Soares de Castro Filho

Seropédica, Agosto de 2023


LUIZ EUGÊNIO SOARES DE CASTRO FILHO

GAROTA DE IPANEMA X GAROTA DE HONÓRIO: AS


ESTRATÉGIAS SEMIÓTICAS DE ANITTA EM “GIRL
FROM RIO”

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como cumprimento
da Atividade Acadêmica AD473,
Projetos em Jornalismo II, da
Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro, curso de Jornalismo,
como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em
Jornalismo.

ORIENTADORA: Sandra Sueli Garcia de Sousa

Seropédica, Agosto de 2023


LUIZ EUGÊNIO SOARES DE CASTRO FILHO
GAROTA DE IPANEMA X GAROTA DE HONÓRIO: AS ESTRATÉGIAS
SEMIÓTICAS DE ANITTA EM “GIRL FROM RIO”

BANCA EXAMINADORA

Profª Sandra Sueli Garcia de Sousa (Orientadora)

Profª Rejane de Mattos Moreira (Avaliadora)

Profª Cecília Moreyra de Figueiredo (Avaliadora)

Seropédica, Agosto de 2023


Dedico este trabalho a todo universitário inseguro em falar sobre sua artista favorita em
uma monografia. Acredite, é possível e não é fútil.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, aos orixás e aos meus guias espirituais que me fizeram chegar
até aqui.
À minha mãe, por ter me apoiado e confiado no meu tema desde o início,
sempre com uma escuta atenta e elevando a minha autoestima. Obrigado por ser uma
amiga, por ser meu abrigo, e alguém que eu sei que posso contar por toda a vida. Te
amo incondicionalmente e essa conquista fica muito maior dentro do meu coração,
quando penso no que ela significa pra você, meu exemplo de vida. Sempre juntos!
Ao meu pai, por ter me ensinado a escrever aquele texto sobre a borboleta azul,
quando eu ainda era pequeno. Obrigado por me ajudar na transição de menino para
adulto universitário. Te amo!
Ao Pedro, meu grande companheiro, namorado e amigo. Sem você, eu não teria
a força para escrever este projeto. Obrigado por ter me apoiado e me respeitado, sem
pressões, apenas conselhos valiosos e palavras de amor. Que sorte a minha ter esbarrado
com a sua pessoa nessa faculdade e ter construído uma história tão bonita! Te amo para
sempre, eterna duplinha.
Aos meus familiares que tanto me enchem de amor… vovó Célia, vovô Léo,
Carol, Tia Márcia, Tia Mônica, Clarinha e ao Bidu, claro! Vovô Pércio, aonde quer que
o senhor esteja… muito obrigado por ser uma inspiração. Aos meus amigos de
Araruama e Niterói, que sempre acreditaram no meu potencial e fazem parte da família.
Júlia e Maria, obrigado por me ajudarem durante a vida toda e especialmente em 2023,
com trocas e calmarias.
À minha orientadora maravilhosa, Sandra Garcia. Sandrinha, você teve um papel
muito maior do que me orientar neste projeto… Acreditou mais em mim do que eu
mesmo, me aconselhou e me mostrou como focar, de forma leve. Obrigado por ser tão
gentil e atenciosa! (e desculpa os mil áudios desesperados). Máxima admiração! Ao
restante do corpo docente da UFRRJ… Rejane, Cecília e Ivana, vocês moram no meu
coração e eu agradeço imensamente por toda a troca e zelo!
Aos meus amigos da universidade. Nós sabemos que não foi fácil e guardaremos
o que vivemos para sempre! Um abraço especial ao Lucas, meu amigo pra vida toda e à
Isabella, que me ajudou com tanto carinho no processo. Amo vocês, “casinha amarela”!
Por fim, ao melhor “estilo Anitta”, queria agradecer a mim mesmo por não desistir,
persistir e confiar na minha capacidade de realizar a pesquisa. Veio aí! Eu consegui!
RESUMO

Esta monografia propõe uma análise semiótica, de caráter peirceano, do videoclipe


“Girl From Rio”, de Anitta, na intenção de compreender as estratégias utilizadas pela
artista na composição de seu projeto. Para isso, serão estudados os principais elementos
da Semiótica de Charles Peirce, com contribuições dos autores Lúcia Santaella; Márcia
Cristina Pimentel; Aristóteles; Stuart Hall; Ariane Holzbach e Marildo Nercolini; Jeder
Janotti Júnior e Thiago Soares. O objetivo da pesquisa é entender o videoclipe como um
produto midiático, feito para que a música seja mais vendável, ainda que carregue
mensagens simbólicas importantes. Desta forma, apresentamos como Anitta, em
processo de internacionalização da carreira, usou referências específicas em “Girl From
Rio” para alavancar a própria imagem e ajudar a popularizar o gênero musical brasileiro
funk. Ao final da pesquisa, conclui-se que a cantora conseguiu se destacar ainda mais
no exterior e que o videoclipe, de fato, serviu como uma forma de vender o seu
“produto”.

Palavras-chave: Semiótica; Comunicação; Videoclipe; Anitta; Girl From Rio


LISTA

Figura 1: Feed do Instagram de Anitta ……………………………………….. 32


Tabela 1: Informações sobre classe social no Rio de Janeiro …………………. 53
Tabela 2: Informações sobre renda no Rio de Janeiro …………………………. 54
Figura 2: Primeira foto colorida na divulgação do Instagram de Anitta ……......34
Figura 3: Capa do single “Girl From Rio” …………………………………….. 35
Figura 4: Rio de Anitta X Rio da Bossa Nova …………………………………. 39
Figura 5: Anitta na representação da Zona Sul do Rio ………………………… 40
Figura 6: Cenário do Rio Zona Sul abre e Anitta desce do ônibus …………….. 42
Figura 7: Anitta descobre um novo irmão ……………………………………… 44
Figura 8: Anitta e família posam para fotografia ……………………………….. 44
Figura 9: Briga retratada no videoclipe …………………………………………. 46
Figura 10: Anitta comendo churrasco na praia …………………………………. 47
Figura 11: Anitta se bronzeando com fita isolante e “banho de lua” …………… 48
Figura 12: Homem na janela do ônibus no clipe X no documentário …………... 49
Figura 13: Comida na praia no clipe X no documentário ………………………. 50
Figura 14: Beijo no clipe X no documentário …………………………………… 51
Figura 15: Mulheres são exaltadas de forma sensual ……………………………. 52
Figura 16: Anitta x Marilyn Monroe ……………………………………………. 55
Figura 17: Anitta x Carmen Miranda …………………………………………… 56
Figura 18: Anitta nas duas versões ……………………………………………… 57
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ……………………………………………………………… 9
1. IMAGEM E DISCURSO ……………………………………………….. 14
1.1 Semiótica ………………………………………………………………… 14
1.1.1 Signo com relação a si mesmo ………………………………………… 15
1.1.2 Signo com relação ao objeto ………………………………………….. 15
1.1.3 Signo com relação ao interpretante ……………………………………. 16
1.1.4 Objeto dinâmico x objeto imediato …………………………………… 17
1.1.5 Interpretantes …………………………………………………………. 17
1.2 Celebridade midiática …………………………………………………… 18
1.3 Retórica de Aristóteles …………………………………………………. 20
2. IDENTIDADE CULTURAL E VIDEOCLIPE ……………………… . 22
2.1 Identidade cultural …………………………………………………….. 22
2.2 O videoclipe ……………………………………………………………. 24
2.3 Análise de um videoclipe ………………………………………………. 26
3. A GAROTA DO RIO …………………………………………………… 29
3.1 Anitta e o “Girl From Rio” ……………………………………………. 29
3.2 A estética “Girl From Rio” …………………………………………….. 31
3.3 “Girl From Rio” - Canção e videoclipe ………………………………… 37
CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………… 59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……………………………………. 62
INTRODUÇÃO
Analisar a Semiótica do videoclipe “Girl From Rio”, de Anitta, foi uma escolha que
inicialmente partiu de uma experiência bastante pessoal e afetiva. Em 2021, segundo ano com
a pandemia de Covid-19, participei do projeto de extensão “EntreMídias” e tive a
oportunidade de ministrar oficinas sobre Leitura Crítica de Mídia no Audiovisual, debatendo
acerca de videoclipes variados e suas mensagens ao público. Esses encontros aconteceram de
forma online com outros estudantes da UFRRJ e serviram como uma válvula de escape para
um momento tão caótico e assustador em nível mundial.

Na ocasião, a primeira “aula” foi justamente sobre o clipe que é tema deste projeto e
gerou muitos comentários fervorosos, envolvendo críticas e apontamentos interessantes por
mais de uma hora. Grande parte dos oficineiros colocou este encontro em específico como um
dos favoritos. Nunca me esqueci deste momento, principalmente pelo fato de ser um grande
admirador da artista por trás do videoclipe, e por tamanha discussão que ela e sua obra
causaram em uma sala com mais ou menos 20 alunos. Senti que eu precisava amarrar esses
apontamentos e, com ainda mais embasamento e pesquisa, chegar a uma conclusão que, de
fato, pudesse contribuir para o campo da comunicação na academia. Assim, dois anos depois,
revisitei o videoclipe para observar novas questões.

Por conseguinte, optei pela Semiótica Peirceana como metodologia principal desta
monografia, tendo em vista a importância da área para o campo da comunicação social e para
o jornalismo em si. É através desse estudo que os comunicólogos conseguem analisar e
interpretar as diferentes formas de linguagem ao redor do mundo, não apenas em textos
acadêmicos ou jornalísticos, mas nos meios midiáticos. A Semiótica ajuda a desvelar como os
signos e símbolos são usados para construir narrativas e representações da realidade. Ela
permite identificar estratégias retóricas, escolhas linguísticas e visuais, bem como a influência
cultural e social presente no universo da comunicação. Isso é crucial para uma análise crítica
do discurso midiático, ajudando a revelar possíveis vieses, manipulações e estratégias
persuasivas presentes nas mais diversas áreas.

Tendo escolhido o meu objeto, percebi que há poucos trabalhos acadêmicos dentro do
campo da Semiótica a respeito dos videoclipes, fenômenos que há décadas estão em alta nas
redes sociais, principalmente entre os jovens. Fenômenos que surgiram nos anos de 1970
(HOLZBACH, NERCOLINI, 2009) e ainda reverberam em nossa sociedade. Por que não
9
analisá-los? Por que não entender sobre algo que faz parte da cultura popular e conversa com
tantos jovens? A leitura crítica deve-se fazer presente não só em livros e artigos antigos, de
cunho puramente acadêmico, e sim, em lugares plurais para que mais pessoas consigam
entender essas mensagens e refletir sobre o que consomem.

Nesse sentido, no anseio de solucionar minhas indagações e perspectivas, decidi


contribuir para que as discussões sobre a Semiótica alcançassem campos mais
contemporâneos. Por isso, optei por destrinchar as camadas de “Girl From Rio”, um projeto
tão inovador e ao mesmo tempo polêmico, que revela algumas estratégias de Anitta,
personagem incorporada por Larissa de Macedo Machado (PIMENTEL, 2005), para
internacionalizar sua carreira e levar parte da cultura da periferia ao mainstream.

A cantora começou sua carreira com apenas 17 anos na produtora carioca Furacão
2000, performando um funk que mesclava com a estética do pop norte-americano.
Inicialmente conhecida como MC Anitta, ganhou notoriedade por levar um “novo ar” aos
paredões dos subúrbios do Rio, priorizando dançarinas e figurinos diferentes de outros artistas
da mesma empresa. Depois de assinar com a empresária Kamilla Fialho e com a gravadora
Warner Music Brasil, ela conquistou outro patamar, fazendo bastante sucesso a nível nacional
com as canções “Show das Poderosas” e “Meiga e Abusada”. Desde então, tornou-se um dos
maiores nomes do funk/pop brasileiro, com fortes discursos priorizando o gênero que a abriu
portas para a música. Nos últimos anos, após ter gravado seu nome no mercado brasileiro, a
artista se empenhou em internacionalizar a carreira. A canção e o videoclipe “Girl From Rio”
foram algumas das tentativas da cantora em abraçar um novo mercado, sem perder o público
do Brasil.

O objetivo geral da pesquisa é entender o videoclipe e seus signos como um produto


da mídia, algo feito para vender, ainda que tenha mensagens que causem reflexões
importantes sobre a sociedade. No caso de Anitta, que começou cantando funk nas favelas
cariocas e conquistou um espaço significativo no mercado fonográfico brasileiro e latino, sua
mensagem em “Girl From Rio” está relacionada à quebra de estigmas de um Rio de Janeiro
“cartão-postal”, higienizado. Um Rio de Janeiro feito para o gringo ver. A cantora usou da
arte para fazer uma crítica a essa realidade tão distante de parte da população carioca, e para
isso, utilizou de signos que desconstruíssem esses estereótipos. Contudo, todo o trabalho
ainda é uma representação da realidade, faz parte da subjetividade da artista - que nasceu e

10
cresceu em Honório Gurgel, bairro na Zona Norte do Rio -, e é um produto, que também foi
feito para internacionalizar sua carreira.

As estratégias que Anitta, uma cantora da mídia hegemônica, usou para passar sua
mensagem ao público-alvo tiveram relação com referências sofisticadas e takes muito bem
estudados por uma equipe de marketing e comunicação. Meu intuito não é o de aplicar juízo
de valor, mas ressaltar a importância de perceber o contexto midiático por trás da mensagem,
analisar criticamente o que, como e porque está sendo passado. Anitta é uma celebridade
midiática (PIMENTEL, 2005) e construiu um discurso em torno de si e da narrativa do
videoclipe em questão para, além de transmitir uma crítica e fazer questionamentos
pertinentes, vender o seu nome e trabalho.
Neste sentido, a pesquisa visa solucionar a questão do consumo acrítico e passivo para
trabalhos audiovisuais de artistas, aqui sendo Anitta e o videoclipe “Girl From Rio” como
objetos de análise. É importante enxergar o clipe não apenas como um meio de
entretenimento, mas como uma mídia poderosa que detém uma mensagem, faz parte do
discurso de alguém, com algum objetivo. As imagens retratadas no videoclipe representam
uma realidade subjetiva e, portanto, oferecem uma visão seletiva de determinados temas.
Portanto, estereótipos podem ser criados e massificados. Cabe aos pesquisadores da
comunicação destrinchar esses elementos e destacar a importância da leitura crítica da mídia,
proporcionando uma compreensão mais aprofundada e contextualizada dos significados e das
implicações sociais presentes na obra.

Dentre os objetivos específicos, destacam-se: i) avaliar de que forma a “cultura do


funk”, gênero primevo de Anitta, está presente no videoclipe, embora a sonoridade seja
diferente do ritmo; ii) perceber como os discursos de Anitta para além do clipe são
importantes para interpretar a narrativa da obra; iii) entender quais estereótipos sobre
mulheres cariocas a artista quebrou e quais ela criou com a estética de “Girl From Rio”.

A Semiótica de Charles Peirce considera, nesta monografia, os diversos signos


utilizados no videoclipe “Girl From Rio” na intenção de passar uma mensagem - por meio da
comunicação visual. Através dos conceitos iniciais de Primeiridade, Secundidade e
Terceiridade propostos pela primeira tríade de Peirce, analiso os tipos diferentes de elementos
escolhidos pela artista (conscientemente ou não), com relação à sua postura e indumentária
(sin-signo), cores e saturação (quali-signo), passos de dança característicos do funk
(legi-signo), além de outros símbolos que servem como convenção social, como por exemplo,
11
o uniforme dos marinheiros dos anos de 1950 ou o “garota” escrito na blusa da cantora. Este
trabalho também reflete sobre os chamados interpretantes, no que diz respeito aos
espectadores e público-alvo da cantora, além de identificar referências visuais diretas a outros
projetos audiovisuais.

No tocante à estruturação da monografia, o primeiro capítulo é voltado para uma


discussão mais teórica sobre imagem e discurso. Para isso, utilizei a teoria semiótica
peirceana, com análises e interpretações de Lúcia Santaella (1983) sobre o autor, que
contribuíram para o entendimento dos signos específicos usados no videoclipe. Depois de
compreender as profundas nuances da Semiótica de Peirce, desfrutei das contribuições de
Márcia Cristina Pimentel (2005) com o conceito de celebridade midiática, para explicar as
duas personas que o famoso possui, segundo ela. Uma está em frente às câmeras e a outra por
trás, com sua vida pessoal. No caso, a Anitta e a Larissa. Por fim, Aristóteles com a Retórica
complementa o capítulo, elucidando acerca dos diferentes tipos de discursos persuasivos
através do uso da linguagem.

O segundo capítulo segue com o embasamento teórico, trazendo Stuart Hall (1992) e a
ideia de identidade cultural, na qual o autor reflete sobre o sentimento de união e
pertencimento que existe entre ingleses (neste projeto, trazido para uma visão brasileira);
Holzbach e Nercolini (2009) com uma breve história sobre o videoclipe, trazendo
informações a respeito do surgimento e da importância do fenômeno; e Jeder Janotti Júnior e
Thiago Soares (2008) com uma visão mais mercadológica do clipe, explicando as estratégias
que um cantor utiliza para vender sua canção, além de uma análise sobre a relação entre a
letra e os visuais.

A terceira e última parte desta monografia envolve a análise de “Girl From Rio” em si,
destacando detalhes aprofundados do videoclipe, da letra, do marketing que antecedeu o
projeto e toda a estética que rodeia o trabalho. Para isso, realizei uma rápida pesquisa
biográfica sobre Anitta, para entender de onde ela vem, como sua imagem está atrelada ao
mercado fonográfico para o público (tanto brasileiro quanto internacional) e quais discursos
ela utiliza como figura pública. Depois, apliquei a Semiótica Peirceana na capa do single,
destacando os principais elementos, desde a escolha das cores, a posição corporal da cantora,
o ônibus utilizado como paisagem e as cadeiras de plástico - símbolos da periferia. Por fim, a
análise sobre a letra e o videoclipe, examinando takes específicos - comparando os dois
ambientes (Rio “falso” e Rio “real”) que Anitta usa na narrativa, além das diversas referências
12
que ela usa com relação a outras obras audiovisuais, instigando o interpretante dinâmico de
parte de seu público.

Neste capítulo, também discorri sobre o uso da melodia de “Garota de Ipanema”,


grande clássico da Bossa Nova, e o motivo da escolha de uma nova versão para a faixa. A
ideia é compreender os objetivos da artista em sua carreira para ler o videoclipe em questão
como um produto, algo que tem determinado propósito, por mais que passe mensagens
importantes e intimistas. Além disso, apliquei o conceito de celebridade midiática de Pimentel
(2005) para interpretar determinadas escolhas narrativas de Anitta no “Girl From Rio”, como,
por exemplo, o uso da família real como personagens da história. O sentido de identidade
cultural de Stuart Hall (1992) aqui foi relacionado com a “estética” que a artista criou em suas
redes sociais, antes mesmo do lançamento. Ademais, no próprio projeto audiovisual e em
entrevistas da cantora, o sentido de uma cultura carioca/brasileira se faz presente.

A relevância deste trabalho está em ampliar a pouca pesquisa que existe quando o
tema diz respeito a relacionar o videoclipe com a importante questão da Semiótica. Além
disso, cumpre deixar aqui registrada a minha paixão por Anitta e pela cultura pop no geral.
Com a pesquisa em questão, acredito que um novo olhar sobre os estudos semióticos pode se
fazer presente, mesclando a cultura pop e as estratégias de marketing, publicidade e
comunicação que diversos artistas utilizam para vender seus produtos. A linguagem visual é
extremamente importante para esse caminho e a Semiótica, dentro deste contexto, pode
auxiliar na análise da recepção das mensagens, examinando como os leitores, telespectadores
e ouvintes interpretam e atribuem significados aos conteúdos midiáticos.

13
CAPÍTULO 1 - IMAGEM E DISCURSO

1.1 Semiótica

A Semiótica, segundo Lúcia Santaella (1983) “é a ciência que tem por objeto de
investigação todas as linguagens possíveis” (SANTAELLA, 1983, p. 9). Nesse sentido, se
difere da linguística, que analisa apenas a linguagem oral, verbal ou escrita, e se propõe a
entender todos os fenômenos de produção de significação de sentido do nosso cotidiano. O
norte-americano Charles Sanders Peirce - considerado o “pai da Semiótica” - desenvolveu
diversos estudos sobre esses fenômenos, destacando sistemas de comunicação plurais,
envolvendo imagens, gráficos, sons, gestos, tato, cheiro e outras experiências.

“A fenomenologia peirceana começa, pois, no aberto, sem qualquer


julgamento de qualquer espécie: a partir da experiência ela mesma, livre dos
pressupostos que, de antemão, dividiriam os fenômenos em falsos ou
verdadeiros, reais ou ilusórios, certos ou errados. Ao contrário, fenômeno é
tudo aquilo que aparece à mente, corresponda a algo real ou não”
(SANTAELLA, 1983, p. 21)

Assim, Peirce criou três categorias para identificar todo e qualquer fenômeno presente
na vida humana: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Para ele, o primeiro termo está
relacionado à primeira impressão que recebemos no tempo presente, é aquilo que é “genuíno”,
está relacionado ao abstrato e ao sentimento. Já o segundo está relacionado ao caráter factual,
o que está encarnado em uma matéria e traz consciência da existência da “coisa”. Por fim,
“Terceiridade” é a inter-relação entre os dois termos em uma síntese intelectual. É a partir dela
que iremos interpretar e entender, através do nosso contexto social, o objeto de análise.

É importante entender que esses três pilares vão permear e sustentar toda a teoria
semiótica peirceana, já que para o autor todo pensamento é um signo, tal como o próprio
homem. De acordo com Santaella (1983, p. 33), “Peirce leva a noção de signo tão longe a
ponto de que um signo não tenha necessariamente de ser uma representação mental, mas pode
ser uma ação ou experiência, ou mesmo uma mera qualidade de impressão”

“O signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode
funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma
outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no
lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo
14
modo e numa certa capacidade. Por exemplo: a palavra casa, a pintura de
uma casa, o desenho de uma casa, a fotografia de uma casa, o esboço de uma
casa, um filme de uma casa, a planta baixa de uma casa, a maquete de uma
casa, ou mesmo o seu olhar para uma casa, são todos signos do objeto casa.”
(SANTAELLA, 1983, p. 35)

A partir destas definições, Peirce classifica os signos em uma nova tríade: 1 - o signo
consigo mesmo, 2 - o signo com relação ao objeto e 3 - o signo com relação ao interpretante.

“Defino um Signo como qualquer coisa que, de um lado, é assim


determinado por um objeto e, de outro, assim determina uma ideia na mente
de uma pessoa, esta última determinação, que denomino o Interpretante do
signo é, desse modo, mediatamente determinada por aquele Objeto. Um
signo, assim, tem uma relação triádica com seu Objeto e com seu
Interpretante” (PEIRCE, 1958, p. 82 apud DRIGO, 2017, s.p.)1

Deste modo, o signo torna-se o principal elemento dentro da triangulação


signo-objeto-interpretante. Ele é o sinal, é qualquer manifestação fenomenológica em situação
de comunicação, e vai substituir alguma coisa/objeto. Ao escrever, por exemplo, a palavra
“ônibus”, o objeto em si não se faz presente. Contudo, é representado no imaginário de quem
está lendo. A imagem deste ônibus, seja como for, será formada na mente da pessoa que
recebeu essa informação. Neste caso, a palavra funcionou como signo para o objeto,
interferindo no interpretante.

1.1.1 Signo com relação a si mesmo

Dentro da tricotomia dos signos, a categoria “signo com relação a si mesmo”


configura o quali-signo, sin-signo e legi-signo. O quali-signo diz respeito ao seu aspecto e
está relacionado à qualidade. É a maneira como ele aparece (textura, cor, cheiro etc). O
sin-signo diz respeito ao qualissigno corporificado, concreto. Conforme Santaella, “qualquer
coisa que se apresente diante de você como um existente singular, material, aqui e agora é um
sin-signo” (SANTAELLA, 1983, p. 41). Por exemplo, a pintura de uma paisagem. Já o
legi-signo está ligado a normas sociais, o que é considerado “lei” aos olhos da sociedade. Há
uma convenção a respeito do que e como ele representa. Exemplo: as palavras.

1.1.2 Signo com relação ao objeto

1
Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/4955/495557631008/html/#B12. Acesso em: 12 de
julho de 2023.
15
No signo com relação ao objeto (aquilo que é referido por ele), existem, segundo
Peirce, as seguintes classificações: Ícone, índice e símbolo. O ícone está associado à
semelhança física com a ideia que representa. Por exemplo, “a escultura de uma mulher, uma
fotografia de um carro, e, mais genericamente, um diagrama, um esquema” (COELHO
NETTO, 2007, p.58, apud AMARAL 2014, p. 472). Já o índice, como o próprio nome diz, é
um signo que indica uma outra coisa pela qual ele está ligado. Consiste em um vestígio ou
impressão direta de um objeto ou evento. relacionado ao objeto por semelhança ou
proximidade no lugar de representá-lo. Para Santaella (1983), o girassol, por exemplo, é um
exemplo de índice, já que indica a hora do dia a partir da movimentação na direção do Sol.
“Aponta para o lugar do sol no céu, porque se movimenta, gira na direção do sol. A posição
do sol no céu, por seu turno, indica a hora do dia” (SANTAELLA, 1983, p. 41). O símbolo,
por fim, depende de uma convenção social. Seu poder de representação está relacionado a um
pacto coletivo. “Um símbolo é um signo que se refere ao objeto que denota, em virtude de
uma lei, normalmente uma associação de ideias gerais” (PEIRCE, 1977, p.53 apud AMARAL
2014, p. 474). Desta forma, o símbolo é geral, não se tratando de algo singular. Tal como
aquilo que ele representa. Por exemplo, a palavra mulher que pode representar qualquer
mulher, independentemente de suas singularidades. “Assim, o símbolo se relaciona com seu
objeto devido a uma ideia presente na mente do usuário, um hábito associativo, uma lei,
chamada por Peirce de ‘interpretante lógico’” (RIBEIRO, 2010, p. 51).

1.1.3 Signo com relação ao interpretante

Já na relação do signo com o interpretante (mediador da relação entre objeto e signo),


há as categorias rema, dicente (ou dicissigno) e argumento. Conforme Muriel Amaral (2014),
o interpretante “é o momento em que o signo ganha interpretações e formas de representações
mais rebuscadas quanto à compreensão desse signo” (AMARAL, 2014, p. 468). O rema, de
acordo com Peirce, está no campo das hipóteses, é uma conjectura. Tem a ver com a
possibilidade, podendo ou não se verificar. Exemplo: a palavra isolada amarelo. O dicente,
por sua vez, está relacionado à qualidade do real, algo existente e com alguma informação
sobre o signo. É um enunciado que envolve remas na própria descrição, com caráter
interpretativo, por exemplo, a frase “O amarelo deste quadro é bem bonito”. Por fim, o
argumento é um signo interpretado como de razão, de lei. Está relacionado ao juízo e à

16
justificativa. A frase “O amarelo é resultado da sobreposição das cores verde e vermelho” é
um exemplo, já que é uma constatação baseada em estudos específicos e comprovada.

1.1.4 Objeto dinâmico x Objeto imediato

O objeto, dentro da semiótica Peirceana, está subdividido em duas partes: Objeto


dinâmico e imediato. O primeiro diz respeito a ele mesmo, sem relação direta com o signo a
que corresponde. Ele é tal como é, existindo no mundo “real”, para além das significações. Já
o segundo termo está relacionado à forma como ele está representado no signo. Ele pertence
ao signo.

“Se se trata de um desenho figurativo, o objeto imediato é a aparência do


desenho, no modo como ele intenta representar por semelhança a aparência
do objeto (uma paisagem, por exemplo). Se se trata de uma palavra, o objeto
imediato é a aparência gráfica ou acústica daquela palavra como suporte
portador de uma lei geral, pacto coletivo ou convenção social que faz com
que essa palavra, que não apresenta nenhuma semelhança real ou imaginária
com o objeto, possa, no entanto, representá-lo” (SANTAELLA, 1983, p. 37)

Na capa do single “Girl From Rio”, de Anitta, pode-se considerar a própria cantora e o
ônibus por trás dela como objetos imediatos, já que ambos não estão ali de fato e são
representados através da fotografia. Todos os outros elementos na imagem também
configuram uma representação do real (o momento exato em que a foto foi tirada).2

1.1.5 Interpretantes

Peirce também atribuiu ao signo três interpretantes possíveis: Interpretante imediato,


interpretante dinâmico e interpretante final. O imediato seria a “primeira manifestação do
interpretante na mente que o percebe” (AMARAL, 2014, p. 468). Nesse sentido, funciona
como algo mais amplo no campo da interpretação. É tudo aquilo que pode ser entendido na
mente de qualquer pessoa. A partir do momento em que este interpretante ganha um
significado mais subjetivo, mais personalizado, ele é considerado dinâmico. É aquilo que o
signo produz em cada mente singular. Ele pode ser emocional, energético ou lógico. Por fim,

2
Nos próximos capítulos, o single e videoclipe de “Girl From Rio”, de Anitta, serão analisados com
mais detalhes e aprofundamentos
17
o interpretante final está relacionado à maneira como qualquer mente reagiria ao signo, de
acordo com certas condições específicas. Segundo Santaella, o interpretante final:

“Consiste não apenas no modo como sua mente reage ao signo, mas no
modo como qualquer mente reagiria, dadas certas condições. Assim, a
palavra casa produzirá como interpretante em si outros signos da mesma
espécie: habitação, moradia, lar, ‘lar doce-lar’ etc” (SANTAELLA, 1983, p.
38)

Como explicitado anteriormente, o interpretante dinâmico (produção de sentido em


mentes singulares) pode ser dividido em três efeitos produzidos em um intérprete: emocional,
energético e lógico. O efeito emocional traz um sentido de sentimento para o signo, para além
do semântico. Ele mobiliza uma energia emocional, ativando sentidos de afetividade. Um
exemplo são propagandas que usam de uma narrativa dramática ou nostálgica para fazer com
que determinado produto seja vendido. O efeito energético - que está no nível do índice -, por
sua vez, está relacionado a um mecanismo racional ou físico do intérprete, que funciona como
uma resposta ao signo, é uma relação de efeito. Por exemplo, as correlações mentais que uma
pessoa faz ao assistir a uma vídeo-aula. Já o lógico ou simbólico depende de fatores culturais.
O intérprete precisa reconhecer determinadas leis que não estão estabelecidas no próprio
signo. Ele só entenderá o que o símbolo de uma marca de carros significa, por exemplo, se
tiver conhecimento dentro do assunto.

1.2 Celebridade midiática

De acordo com a jornalista e atriz Márcia Cristina Pimentel (2005), o indivíduo


quando se torna uma celebridade da mídia assume duas personas: a do personagem que
incorpora e a sua própria. Ou seja, além de sua vida pessoal (aquela que está por trás das
câmeras e redes sociais), existe a narrativa que constitui a sua imagem perante o público -
imagem esta que alimenta as expectativas e idealizações dessas pessoas. Assim,

“No caso da ‘celebridade’ midiática, ao menos do ponto de vista da


representação, podemos dizer que sua característica principal não é
exatamente a de ser sujeito (ator), nem tão pouco apenas objeto
(personagem). É ambos. Afinal, uma das funções da categoria ‘celebridade
midiática’ parece ser a de gerar padrões de reconhecimento social para o ‘eu’
a partir do ‘outro’ e vice-versa” (PIMENTEL, 2005, p. 196)

18
No caso de Anitta, seu próprio nome artístico já “escancara” a diferença entre a sua
persona midiática e Larissa de Macedo Machado, o nome que consta em sua certidão de
nascimento. Em entrevista ao podcast “Quem Pode, Pod”, transmitida em 16 de maio de 2023
pelo YouTube, a cantora ressaltou que existem dois lados de si mesma e que a Anitta aparece
em momentos estratégicos. A carioca ainda expressou, em terceira pessoa, que a Larissa é
tímida e a persona-midiática é um personagem. Anitta é uma imagem, um produto que
conversa com determinado público para fins específicos. Larissa é quem dá vida ao produto.

“As pessoas não acham que existe um personagem por trás, acham que você
é aquilo 24h. É diferente de um ator, que vai, faz um filme e quando vai pra
casa, as pessoas entendem que era um personagem. Quando você é um
cantor, as pessoas acham que você é aquilo ali o tempo inteiro. As pessoas
vêm me conhecer, elas já vêm achando que sabem que eu sou totalmente”
(ANITTA, 2023)3

Guilherme Terreri Lima Pereira, mais conhecido pelo nome artístico Rita von Hunty
(sua drag queen), também falou sobre a perspectiva de encarnar um personagem durante a
vida. Em entrevista ao podcast “Desculpa Alguma Coisa”, apresentado por Tati Bernardi, no
dia 10 de maio de 2023, o professor disse acreditar que todo mundo é drag queen, porque
todo mundo em algum momento está “montado” para viver determinado papel em sua vida.
Ele usa o exemplo do médico, que usa um jaleco com “doutor” antes do nome, mesmo “sem
ter feito doutorado”. “O nome não é o dele… É doutor. Mas tem doutorado? Então o que esse
doutor está fazendo no seu crachá?” (2023), questionou o artista.4

Pimentel (2005) explica ainda que “a representação da ‘persona midiática’ implica na


identificação da totalidade ‘eu e outro’, ‘eu e massa’ num rosto individualizado e
personalizado” (PIMENTEL, 2005, p. 197), ou seja, é um movimento diretamente
relacionado ao público e o interesse dele na vida do artista. A autora exemplifica com o cantor
Sidney de Magalhães, que tem o nome artístico Sidney Magal.

“Sidney de Magalhães, por exemplo, já deu algumas entrevistas dizendo que


‘o cigano Sidney Magal’ é um personagem, não é ele. Mas como se pode
fazer exatamente essa distinção, se ele, ator, responde às entrevistas
enquanto Sidney Magal, fazendo com que seu personagem agregue os
elementos de sua personalidade, sua vida e seu caráter pessoal? Como o
público pode fazer tal distinção, se o próprio nome do personagem foi

3
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=99-LFAC4KHM. Acesso em: 29 de junho de 2023.
4
Disponível em: https://open.spotify.com/episode/2jvtUNM9a5ctW3uOyhShy5?si=e5a63a1a1899483f.
Acesso em: 29 de junho de 2023.
19
construído para confundir-se com o da sua pessoa, para que um e outro
pareçam ser uma totalidade só?” (PIMENTEL, 2005, p. 197)

Nesse contexto, a autora problematiza a mistura entre o “real” e a construção do real.


Conforme a jornalista, “o mundo da vida e o mundo da ficção se confundem” (PIMENTEL,
2005, p. 197), ao que ela chama de um “problema do espetáculo”.

1.3 Retórica de Aristóteles

Aristóteles foi um filósofo grego que viveu no século IV a.C. e contribuiu para
diversas áreas do conhecimento, incluindo a retórica. Essa, de acordo com o pensador, é a arte
de persuadir e influenciar através do uso da linguagem. Ele acreditava que ela desempenhava
um papel crucial na vida pública, na política e no discurso jurídico.

O sofista escreveu uma obra chamada "Arte Retórica" (ou simplesmente "Retórica"),
na qual ele explorou em detalhes os princípios e técnicas do discurso persuasivo. Seu objetivo
era desenvolver um sistema que permitisse aos oradores convincentes e eficazes utilizarem a
linguagem de forma eloquente.

“Nesta perspectiva, Aristóteles foi o responsável por sistematizar a arte de


persuadir. Em sua Arte Retórica, o filósofo demonstra, de forma categórica,
conceitos e passos da arte de convencer pelo discurso cuja finalidade é trazer
provas, já que o objetivo maior da retórica não é apenas persuadir, mas
diferenciar os instrumentos de convencer”. (FIORINDO 2012, p. 2)

Aristóteles dividiu a retórica em três pilares: ethos, pathos e logos. Para o autor, um
discurso convincente partia desses princípios da persuasão. O primeiro estaria relacionado ao
sentido de caráter, à credibilidade de quem está discursando. Por exemplo, políticos que citam
cargos em que estiveram anteriormente para, de certa forma, “legitimar” a atual posição.

“Persuade-se pelo caráter [= ethos] quando o discurso tem uma natureza que
confere ao orador a condição de digno de fé; pois as pessoas honestas nos
inspiram uma grande e pronta confiança sobre as questões em geral, e inteira
confiança sobre as que não comportam de nenhum modo certeza, deixando
lugar à dúvida. Mas é preciso que essa confiança seja efeito do discurso, não
uma previsão sobre o caráter do orador” (ARISTÓTELES apud
MAINGUENEAU, 2015, p. 13)

20
Já o pathos teria conexão com uma carga emocional, o conteúdo emotivo que pertence
a determinado discurso. É uma fala carregada de vulnerabilidade, que gera empatia (ou o
contrário, mas sempre ligada ao sentimento de quem está ouvindo).

“O pathos seria, portanto, uma tentativa, uma expectativa ou uma


possibilidade contida nos discursos sociais, no sentido de despertar algum
sentimento no alocutário. Nessa linha de raciocínio, o pathos não
compreenderia propriamente as emoções, mas, sim, as suas garantias
simbólicas ou, em termos linguísticos, os seus elementos linguageiros
deflagradores” (ARISTÓTELES apud GALINARI, 2014, p. 279)

Por fim, o logos estaria relacionado ao campo da razão, sendo tudo aquilo que
comprova que o que está sendo dito é verdade. Exemplos: pesquisas, fontes, gráficos e
números.
No próximo capítulo, vamos abordar o conceito de identidade cultural de Stuart Hall
(1992) e verificar como essas questões ajudam no entendimento do videoclipe, aqui lido a
partir das percepções de Holzbach e Nercolini (2009) e Jeder Janotti Júnior e Thiago Soares
(2008).

21
CAPÍTULO 2 - IDENTIDADE CULTURAL E
VIDEOCLIPE

2.1 Identidade cultural

Stuart Hall (1992), importante teórico cultural e sociólogo britânico-jamaicano, reflete


sobre o processo de construção da identidade cultural. Para ele, “as culturas nacionais em que
nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural” (HALL, 1992,
p. 47). Neste sentido, o autor analisa como as pessoas de uma determinada nação se sentem
parte de um todo, similares uns aos outros, ainda que isso não esteja intrínseco em nosso
DNA. Esse sentimento de pertencimento por conta de uma mesma cultura, segundo Hall, está
relacionado ao sentido de representação.

“As identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas
são formadas e transformadas no interior da representação. Nós só sabemos
o que significa ser ‘inglês’ devido ao modo como a ‘inglesidade’
(Englishness) veio a ser representada - como um conjunto de significados -
pela cultura nacional inglesa. Segue-se que a nação não é apenas uma
entidade pública mas algo que produz sentidos - um sistema de representação
cultural. Uma nação é uma comunidade simbólica…” (HALL, 1992, p. 48 e
49)

O autor cita dois outros estudiosos do tema para enfatizar o “poder” que esse
sentimento de identidade nacional tem sobre os indivíduos. Destaca Roger Scruton (1986),
quando ele diz que

“A condição do homem exige que o indivíduo, embora exista e aja como um


ser autônomo, faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a
si mesmo como algo mais amplo - como um membro de uma sociedade,
grupo, classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não
dar um nome, mas que ele reconhece instintivamente como seu lar”
(SCRUTON, 1986, p. 156 apud HALL, 1992, p. 48)

Ele faz referência também à Ernest Gellner (1983), ressaltando que fazer parte de um
grupo (como um país/uma nação) é algo que se tornou quase “inerente” ao ser humano.

22
“A ideia de um homem sem uma nação parece impor uma (grande) tensão à
imaginação moderna. Um homem deve ter uma nacionalidade, assim como
deve ter um nariz e duas orelhas. Tudo isso parece óbvio, embora, sinto, não
seja verdade. Mas que isso viesse a parecer tão obviamente verdadeiro é, de
fato, um aspecto, talvez o mais central, do problema do nacionalismo. Ter
uma nação não é atributo inerente da humanidade, mas aparece, agora, como
tal” (GELLNER, 1983, p. 6 APUD HALL 1992, p. 48)

A análise de Hall também pode ser trazida para a realidade brasileira, tendo em vista a
ideia generalizada que existe na sociedade de que o povo brasileiro é um só. O ditado
“brasileiro não desiste nunca” confirma esta tese. Anitta frequentemente “levanta a bandeira”
de representar o povo brasileiro em entrevistas no exterior. No videoclipe de “Girl From Rio”,
ela faz um recorte ainda mais específico na questão da identidade e se coloca como alguém
para representar o Rio de Janeiro - na intenção de quebrar estigmas para os gringos, porém
consequentemente construindo novos estereótipos.

O autor também utiliza a visão de Benedict Anderson (1983) para afirmar que a
cultura nacional é uma “comunidade imaginada”, ou seja, construção de uma quantidade de
símbolos e representações. Hall explica:

“As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais,


mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um
discurso - um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas
nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais
podemos nos identificar, constroem identidades” (HALL, 1992 p. 50 e 51)

As questões que envolvem a identidade cultural serão discutidas neste trabalho através
de um olhar atento e crítico ao videoclipe “Girl From Rio” de Anitta, já que nele, como dito
anteriormente, pode-se perceber símbolos e discursos que transmitem a ideia de
pertencimento ao Rio de Janeiro. Com esse registro audiovisual específico, a cantora
construiu uma imagem diferente sobre o estado e os cariocas, mirando estratégias comerciais
e pessoais. Anitta se comunicou com determinado público (em grande parte gringo) por meio
da narrativa do projeto.

23
2.2 O videoclipe

O videoclipe é uma forma de expressão artística que combina música e imagem em


um formato audiovisual. Conforme Holzbach e Nercolini (2009, p. 51), “considera-se que o
videoclipe surgiu na década de 70” e se popularizou nas décadas seguintes ao redor do
mundo, principalmente com o surgimento da MTV e MTV Brasil, rede de televisão dedicada
à transmissão de videoclipes musicais e programas relacionados à música e cultura jovem.

“O semanário New Musical Express, importante referência musical européia,


determinou como marco inicial da história do videoclipe feito para a canção
“Bohemian Rhapsody”, da banda Queen (Soares, 2004), produzido em 1975
e dirigido por Gowers e Roseman. O diferencial desse videoclipe é que
ele foi prioritariamente desenvolvido para lançar a música nos meios de
comunicação. O então chamado ‘vídeo promocional’ apresentava efeitos
especiais, um roteiro razoavelmente definido e uma tentativa inovadora de
combinar imagens com as principais batidas da música, provocando variadas
sensações sinestésicas” (HOLZBACH E NERCOLINI, 2009, p. 51)

Ainda de acordo com os autores, depois do Queen, outras bandas se inspiraram e


começaram a tentar produzir registros semelhantes para suas canções. Assim, o videoclipe foi
se popularizando e ganhando cada vez mais consolidação, principalmente com o surgimento
da MTV, que para Holzbach e Nercolini (2009) marcou uma mudança estratosférica na
cultura. O canal, surgido em agosto de 1981, divulgava o trabalho audiovisual de diversos
artistas, permitindo que eles alcançassem um público mais amplo e se conectassem
visualmente com os fãs.

“Dessa forma, a televisão fixou a linguagem do videoclipe e obrigou o


gênero a se adaptar a grades de programação e a uma lógica estrutural
baseada na ideia de fluxo (Williams, 1990). Uma das consequências disso
foi que a gravação musical penetrou inequivocamente na corrente principal
da comunicação de massa” (Armes, 1999, p.169) e mudou, assim, a lógica de
produção e consumo da música. Ao lançar um álbum, além da música
de trabalho e do single, era necessário também pensar na parte “visual” das
canções. A televisão, principalmente a MTV, foi a grande articuladora do
videoclipe no cenário da indústria cultural durante as décadas de 80 e 90”
(HOLZBACH E NERCOLINI, 2009, p. 51)

24
No Brasil, dois acontecimentos foram cruciais para impulsionar e popularizar ainda
mais o gênero do videoclipe: a ampliação do rock nacional e o estabelecimento do programa
dominical Fantástico, da TV Globo, como promotor e produtor desses clipes (HOLZBACH E
NERCOLINI, 2009, p. 51). Os autores elucidam:

“Com a MPB passando a ser considerada um gênero “elitizado e para


adultos” (Eerola, 2005), o rock encontrou um terreno fértil. Entre outros
impulsionadores desse crescimento, pode-se apontar o surgimento de rádios
especializadas que ajudaram a expandir o gênero, a exemplo da Fluminense
FM, da realização de mega-eventos de rock, como a primeira edição do Rock
in Rio,em 1985, e o surgimento de dezenas de grupos de rock por todo país.
Com isso, o BRock ganhou espaço em programas de televisão que não
eram destinados apenas a jovens, como o Cassino do Chacrinha, também da
TV Globo, ajudando a popularizar o gênero. O Fantástico, nesse contexto,
divulgou diversas bandas de rock não apenas realizando entrevistas e
divulgando apresentações, mas especialmente produzindo e arcando com os
custos dos videoclipes que apresentavam” (HOLZBACH E NERCOLINI,
2009, p. 52)

Em outubro de 1990, com a globalização, a MTV chegou ao Brasil e transformou o


videoclipe nacional em um produto massivo. Segundo Holzbach e Nercolini, “em pouco
tempo, o canal, que começou sendo sintonizado apenas em São Paulo e Rio, já chegava
a outros estados” (HOLZBACH E NERCOLINI, 2009, p. 52).

“No campo estético, os videoclipes passaram a ser mais bem produzidos e


tornaram-se elemento importante na construção da identidade das bandas de
forma muito mais expressiva. Mais do que propaganda da música, o
videoclipe agora era encarado como parte importante na criação da imagem
dos grupos” (HOLZBACH E NERCOLINI, 2009, p. 52)

Para além das bandas de rock, outros artistas (solo e grupos) de diferentes gêneros
também beberam da inovação no mercado fonográfico, como Madonna, Michael Jackson e
Britney Spears. Os três se tornaram grandes referências por seus videoclipes marcantes para a
cultura pop, carregados de símbolos que se tornaram icônicos e ultrapassaram gerações. Anos
a frente, com o avanço da internet e surgimento das redes sociais, os registros audiovisuais
desses artistas tiveram uma nova configuração. Atualmente, os videoclipes normalmente são
divulgados no YouTube e amplamente divulgados em outras redes do artista, como o
Instagram, Facebook, TikTok e Twitter. Holzbach e Nercolini (2009) ressaltam que “a
25
internet, assim, está reconfigurando o videoclipe. Através dela a audiência pode atuar,
manusear, modificar e criar linguagens, ampliando os significados criados pela televisão e
pela indústria fonográfica” (HOLZBACH E NERCOLINI, 2009, p. 53), enfatizando a relação
mais ativa e direta com o público-alvo.

2.3 Análise de um videoclipe

Segundo Jeder Janotti Júnior e Thiago Soares (2008), o videoclipe é um fator


preponderante na construção da mensagem que determinado artista quer passar de sua música
e até mesmo da própria imagem.

“A imagem do artista que o clipe sintetiza é articulada a uma proposta de


construção de um discurso imagético galgado nos preceitos universais e que
leve em consideração variáveis dessa construção tanto articulada aos gêneros
musicais que as canções ou os artistas sintetizam quanto as narrativas
particulares dos protagonistas dos videoclipes” (JÚNIOR, SOARES, 2008,
p. 8)

Ao citar John Mundy (1999), eles esclarecem que “o videoclipe “vende” a canção. E
ele é, também, responsável pela música estar “nos ‘olhos’ dos artistas, da gravadora e do
público” (JÚNIOR, SOARES, 2008, p. 5). Desta forma, o registro visual ajuda a construir
uma história e a tornar a canção mais atrativa/vendável.

Os autores afirmam que cada gênero musical possui uma determinada “estética” e
segue uma fórmula no videoclipe (aqui lido como um produto midiático), dentro do contexto
industrial.

“Canções inscritas em gêneros musicais que trazem uma dicção marcada,


como o heavy metal ou o hip hop engajado, têm seus videoclipes
dificilmente distanciados, ora da iconografia masculina, satânica e
marcadamente noturna (nos clipes do heavy metal), ora do universo das ruas,
dos subúrbios, do grafite (no caso do hip hop)” (JÚNIOR, SOARES, 2008,
p. 6)

Com relação à música pop - termo adotado para referenciar às expressões musicais
produzidas e consumidas a partir da configuração das indústrias fonográficas ao longo do
século XX -, Júnior e Soares refletem sobre o “refrão visual”, que segundo eles, seria o
26
momento em que o artista gesticula no videoclipe a parte principal da música - o refrão. “O
refrão, um dos principais elementos constitutivos da canção pop e gancho narrativo para uma
boa parte dos videoclipes, tem como propriedade marcar o momento em que a canção
convoca o ouvinte a um “cantar junto” de maneira mais evidente” (JÚNIOR, SOARES, 2008,
p. 7).
Para eles, no âmbito da música pop, o artista normalmente ignora “as normas de refrão
impostas pela canção e cria o seu próprio momento de convocação do espectador, impondo o
seu próprio ditame narrativo e se projetando para seu destinatário obedecendo às suas próprias
regras” (JÚNIOR, SOARES, 2008, p. 7). Nessa perspectiva, para exemplificar, se Anitta em
“Girl From Rio” canta que “garotas quentes” de onde ela veio “não se parecem com modelos”
no refrão, não necessariamente precisa demonstrar de forma literal esse momento nas cenas.
Neste caso, ela até o faz, mas em cenas diversas e sem seguir uma regra baseada na letra. Em
um take do refrão, logo no início, por exemplo, a cantora está sozinha, fazendo uma pose
(como uma modelo) e usando vestimentas que remetem aos anos de 1950 e 1960, que cobrem
a maior parte do corpo - enquanto canta o verso específico (“não nos parecemos como
modelos”).

Em outro momento, os autores também refletem sobre a construção imagética do


artista não somente com o videoclipe, mas com o material de divulgação de variados projetos,
como a capa de um álbum. Todos imprimem uma estética, um dizer semiótico sobre a
personalidade desse famoso. É importante para conversar com o público-alvo e deixar claro o
objetivo do artista para determinada obra. Nesse contexto, Junior e Soares ainda abordam a
questão do gênero musical - com suas especificidades e mensagens.

“Os “ambientes” futuristas presentes em flyers de festas de música


eletrônica, o design de elementos retrô nos eventos saudosistas de décadas
como 70 ou 80, e a visualização de elementos satânicos nos cartazes sobre
eventos de heavy metal vão construindo uma imagética associativa que, na
maioria das vezes, vai “habitar” álbuns, cartazes e todo o aparato de
divulgação do artista, incluindo o videoclipe. Essa visualização dá indícios
da construção dos cenários onde acontecem os eventos ligados aos gêneros
musicais, de modo que é possível, por exemplo, apontar elos entre garagens,
porões, ambientes escuros e de pouca iluminação com algumas matrizes da
cultura do rock e do heavy metal; o grafite, o muro, o asfalto, com certas
matrizes do hip hop mais engajado…” (JÚNIOR, SOARES, 2018, p. 10)

Nesse sentido, podemos traçar comparativos com a estética do funk, gênero que foi
berço e porta de entrada de Anitta no Brasil. Na capa de “Girl From Rio”, Anitta “brinca”

27
com o imaginário popular ao trazer elementos da periferia carioca como o ônibus com o
escrito “piscinão” (referência ao Piscinão de Ramos) e a cadeira de plástico. Partindo do
princípio que a cantora veio do gênero - que nasceu nas favelas do Rio de Janeiro - e utiliza de
características do mesmo até hoje, a foto, como se verá adiante, transmite uma clara
mensagem ao estilo musical, ainda que a canção não seja funk propriamente dita.

No próximo capítulo, essa análise será ainda mais aprofundada, trazendo outras
considerações específicas sobre o “Girl From Rio”.

28
CAPÍTULO 3 - A GAROTA DO RIO

3.1 Anitta e o “Girl From Rio”

Larissa de Macedo Machado, de 30 anos, nasceu e cresceu na periferia do Rio de


Janeiro, no bairro Honório Gurgel. Ela ganhou fama nacional em 2013 com o hit “Show das
Poderosas” e o nome artístico Anitta, que atualmente domina as paradas musicais ao redor de
todo o mundo. Contudo, sua carreira musical começou quando tinha apenas 17 anos, ao
assinar com a Furacão 2000, produtora e gravadora brasileira especializada em música funk,
fundada nos anos 80 pelo DJ Marlboro.

A empresa, além de se envolver na produção e lançamento de variados artistas como


Tati Quebra Barraco, Valesca Popozuda e MC Marcinho, também promovia festas e bailes nas
favelas cariocas. Ao longo dos anos, a Furacão 2000 desempenhou um papel importante na
disseminação e popularização do funk carioca, contribuindo para a sua consolidação como um
dos principais gêneros musicais do Brasil.

Inicialmente, quando estreou na Furacão 2000, Anitta era conhecida por “MC (sigla
para Mestre de Cerimônias) Anitta”, comum no meio do funk. A carioca rapidamente
conquistou um espaço de destaque dentro da produtora, gravando músicas que foram um
sucesso como “Eu Vou Ficar”, “Fica Só Olhando” e “Proposta”, apresentadas nos DVD’s da
Furacão 2000.

Azeredo (2022, p.9) ao citar Tatiane Leal (2013), afirma que “Anitta e suas músicas,
uma mistura de funk e pop, figuravam entre as mais tocadas de diversas rádios pelo país antes
mesmo da gravação de seu primeiro CD, lançado em julho de 2013”.

No documentário da Netflix “Vai Anitta” (2018), o publicista Paulo Pimenta


comentou sobre a ascensão da cantora no cenário do funk:

“Depois da descoberta, a Anitta começou a fazer shows pela Furacão 2000, e


acredito que o que tenha chamado inclusive a atenção do mercado da música,
na época, foi o fato dela levar para os ‘paredões do funk’ e nos shows de
funk, uma veia pop” (PIMENTA, 2018)5

5
Disponível em:https://www.netflix.com/br/title/80216621?s=i&trkid=258593161 &
vlang=pt&clip=81012453. Acesso em: 29 de junho de 2023.
29
De salto alto, ao lado de suas próprias dançarinas e bastante autoconfiança, Anitta foi
mostrando o seu diferencial artístico e chamou a atenção da empresária Kamilla Fialho, que
também trabalhou na carreira do funkeiro Naldo Benny. Em entrevista ao Vênus Podcast, em
maio de 2022, Kamilla revelou ter pagado R$ 260 mil à empresa Furacão 2000, na ocasião
gerenciada por Rômulo Costa, para que a artista fosse agenciada por ela, em 2012. De acordo
com a empresária, Anitta foi pioneira em usar o ballet de salto no meio do funk, ainda que
outras pessoas duvidassem ou debochassem de sua escolha.6

“A cantora e empresária carioca Anitta apostou desde a sua primeira música


"Eu vou ficar" nos videoclipes e obteve um estrondoso sucesso mundial,
sendo a primeira artista brasileira a alcançar 100 milhões de visualizações no
Youtube em 2015 e ganhar placa de ouro por conquistar 1 milhão de
inscritos no seu canal (VIEIRA, 2017, apud AZEREDO, 2022, p. 9)

Da parceria de Anitta com Kamilla, surgiu o contrato da cantora com a gravadora


Warner Music Brasil e os primeiros sucessos radiofônicos a nível nacional: “Meiga e
Abusada” e “Show das Poderosas”. Nessa época, a cantora começou a se envolver mais ainda
com a cultura pop/mainstream, no quesito imagem e sonoridade. O videoclipe de “Show das
Poderosas”, divulgado em 19 de abril de 2013 no YouTube, alcançou números recordes no
Brasil e consagrou Anitta como um dos maiores nomes do funk/pop nacional.

“Tamanho espírito empreendedor chamou a atenção da empresária Kamilla


Fialho, que tratou de desvinculá-la do rótulo de funkeira, que dificultaria sua
aceitação em um público mais amplo. Fora da Furacão 2000, Anitta tirou do
nome o “MC” característico do funk e ganhou projeção nacional
aproximando-se do pop e investindo em uma imagem mais palatável para o
grande público” (LEAL, 2014, p. 112-113)

Apesar do distanciamento da persona “MC Anitta”, a cantora continuou a performar


sensualidade e passos típicos do gênero em seus shows e videoclipes. Por anos, ela cantou
covers de funk7 e fez questão de “levantar a bandeira” do gênero, seja em entrevistas em
programas de TV ou em parcerias musicais. Em 2016, um discurso da artista no palco do Villa
Mix, um festival de música sertaneja, viralizou nas redes sociais. Na ocasião, Anitta fez um

6
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W7gasirDU2c. Acesso em: 29 de junho de 2023.
7
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HN3n5BuR_UA. Acesso em: 29 de junho de
2023.
30
pronunciamento carregado de emoção, onde prometeu que faria o funk carioca ser respeitado:
“Um dia, eu prometo pra vocês que eu vou fazer o nosso funk carioca ser respeitado [...]
Porque o nosso funk nasceu aqui, foi feito aqui, e ele merece ser respeitado sim” (2016),
explicou a cantora.8

A fala da cantora transmite um sentido de disputa, onde sua persona midiática (a


celebridade) é a protagonista. É alguém que vai fazer, que vai acontecer, vai modificar (ou
pelo menos ajudar) a transformar o aparente menosprezado ritmo carioca. A artista fez uma
promessa pública de “fazer o funk ser respeitado”, que, se analisado, dentro da retórica de
Aristóteles, pode ser considerado como páthos, já que é carregado de emoção e convence a
seus fãs e seguidores de uma missão da cantora: levar o funk para o mundo. Reconfigurar,
“mudar o jogo” desses estereótipos do gênero.

Para o trabalho em questão, é importante analisar esses discursos para entender como
Anitta se coloca no mercado enquanto figura pública. Ela canta e performa ritmos variados,
mas veio do funk carioca e faz questão de enfatizar esse movimento quando pode. Em “Girl
From Rio”, pode-se considerar que o movimento funk está presente, ainda que a canção não
seja pertencente ao gênero, já que a cantora “veio de lá”. Além disso, o videoclipe traz
referências diretas ao subúrbio carioca, de onde o gênero nasceu. Ele tem uma mensagem
clara e objetiva: desmistificar o Rio como o gringo conhece, o Rio romantizado e mostrar o
lado da periferia, o lado de onde veio o funk.

3.2 A estética “Girl From Rio”

Antes de analisar a semiótica do videoclipe de “Girl From Rio”, é importante observar


o material de divulgação que antecedeu a produção. Em 31 de março de 2021, um dia após
completar 28 anos, Anitta compartilhou a primeira imagem com referência ao nome de seu
então novo single. A artista publicou uma foto de si mesma em preto e branco, com uma
legenda que refletia sobre o novo ciclo de sua vida. Ao final do texto, ela escreveu “I’m a girl
from Rio” (Eu sou uma garota do Rio).

8
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8CtwfBR6DEI. Acesso em: 29 de junho de 2023.
31
Nas semanas seguintes, todo dia publicava duas imagens (também em preto e branco),
exibindo partes da “cultura do Rio de Janeiro”, trazendo o sentimento de identidade cultural
de Stuart Hall (1992). O Instagram da cantora ficou tomado por fotos e vídeos variados,
mostrando pessoas e momentos emblemáticos da cidade, como o calçadão de Ipanema nos
anos de 1960; o Cristo Redentor; Astrud Gilberto performando a versão em inglês de “Garota
de Ipanema”, “The Girl From Ipanema” em um programa de TV; Helô Pinheiro, conhecida
por ter sido a musa inspiradora de Tom Jobim e Vinicius de Moraes para mesma canção e
Roberta Close, primeira modelo trans a posar nua para a edição brasileira da revista Playboy.

Figura 1: Feed do Instagram de Anitta

Fonte: Reprodução/Instagram

A escolha da artista em publicar a maioria das fotos promocionais em preto e branco


pode estar relacionada com a estética vintage, que estaria presente depois no videoclipe. É
possível perceber que antes mesmo de lançar o projeto audiovisual, Anitta preocupou-se com
32
a identidade visual do marketing, funcionando em suas redes sociais como uma espécie de
teaser para o produto que estava chegando. Todas as fotografias conversaram com o sentido
de uma “cultura carioca”, já dando indícios do cenário e narrativa de “Girl From Rio”.
Ademais, a escolha do preto e branco pode ter sido feita para enfatizar certos elementos
visuais, como o contraste, a textura e a composição das imagens. Ao eliminar a interferência
das cores, a atenção do espectador é direcionada para os detalhes, expressões faciais, gestos e
outros elementos que se destacam na ausência de cores vibrantes. Isso pode contribuir para
uma apreciação mais profunda da estética e da mensagem transmitida nas fotos (que já
contavam com legendas carregadas de discursos emotivos e/ou históricos).

Em 19 de abril de 2021, Anitta publicou a primeira imagem colorida de seu


videoclipe. Na foto, ela aparece com um biquíni azul, debaixo de um chuveirão no Parque
Ambiental da Praia de Ramos Carlos de Oliveira Dicró, mais conhecido por “Piscinão de
Ramos”, uma praia artificial de areias de tombo em torno de uma piscina pública de água
salgada, instalada no bairro da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O local é referência
para a cultura popular, sendo muito utilizado para o lazer dos cariocas de áreas menos
favorecidas. Na legenda9, para além do contexto histórico, Anitta também explicou: “Meu
primeiro grande show gratuito foi no Piscinão, durante a véspera de Ano Novo de 2012, há
nove anos, marcando a minha carreira para sempre”. Desta forma, a cantora criou um
discurso, que analisado dentro da retórica de Aristóteles, pode-se considerar novamente como
páthos, já que vislumbra um apelo emocional do público, que compreende o motivo do espaço
ser usado como locação. Ela justifica a persona midiática “garota do Rio”, relembrando uma
história pessoal e emocionante de superação. Antes, cantava lá para um número reduzido de
pessoas, hoje canta em lugares como a Times Square, em Nova York.

9
Disponível em: https://www.instagram.com/p/CN2abr1HGoX/. Acesso em: 14 de julho de 2023.
33
Figura 2: Primeira foto colorida na divulgação do Instagram de Anitta

Fonte: Reprodução/Instagram

Finalmente, em 23 de abril, Anitta divulgou pela primeira vez a capa oficial do single.
A imagem traz a carioca em cima de duas cadeiras de plástico azuis, em frente a um ônibus
com os dizeres “Girl From Rio”, “Anitta” e “Piscinão”. Ela veste uma blusa em que se lê
“Garota do Rio”, em português e encara a câmera com a mão esquerda na cintura, como quem
tem domínio e poder sobre si.

“Nesse primeiro momento de divulgação, já podemos analisar que Anitta


busca mostrar a diferenciação de classes sociais que existem no país.
Retratando o ônibus popular como o meio de transporte utilizado, com afeto
e pertencimento que o público o vê, a caminho do Parque Ambiental da Praia
de Ramos, ou Piscinão de Ramos, onde é conhecido por sua superlotação
com classes menos favorecidas economicamente” (AZEREDO, 2022, p. 35)

Com base na semiótica peirceana, analisaremos inicialmente o enfoque cromático,


pois é nele que encontramos um dos principais elementos representativos dos quali-signos
icônicos. A imagem possui três paletas de cores predominantes: azul, amarelo e vermelho, as
primárias. Todas elas estão bem vívidas, saturadas, na fotografia, remetendo a algo que chame

34
a atenção dos olhos de quem está a visualizando. Segundo Almeida (2009), “a cor vermelha
por sua própria composição física, ao corresponder às ondas eletromagnéticas mais curtas,
chama a atenção com mais rapidez e intensidade do que as outras cores” (ALMEIDA, 2009,
p. 10). Já o amarelo e o azul podem se relacionar com o verde do biquíni de Anitta, além de
sua blusa branca, remetendo às cores da bandeira do Brasil. Para alguém que tem o objetivo
de internacionalizar a carreira, levar o “funk” para o mundo, é uma escolha estética bastante
sugestiva.

Figura 3: Capa do single “Girl From Rio”

Fonte: Reprodução/Twitter

Os sin-signos indiciais tratam da singularidade daquilo que é objeto de análise. Neste


caso, observaremos o posicionamento corporal de Anitta, a vestimenta, suas expressões e
características singulares. Como dito anteriormente, a cantora está colocada em cima de duas

35
cadeiras de plástico, olhando por cima de quem a fotografou, com “pose” de confiança e
autodeterminação. A perna direita levemente inclinada e a mão esquerda na cintura mostram
que a artista tem controle sobre si e sobre a narrativa da “Garota do Rio”. Este termo, que
inclusive, está escrito em sua blusa, em português. Neste sentido, as palavras parecem mandar
uma mensagem direta a aqueles que a acusam de se “americanizar”. Embora esteja
“exportando” a música, ela veio do Rio de Janeiro e sempre será a “Garota do Rio” (e não
“Girl From Rio”). A pele bronzeada e o cabelo molhado também transmitem a ideia de um
dia de praia, que conversa com a estética do clipe. Para além do bíquini e da blusa, a cantora
também usa um salto alto, transmitindo certa elegância em ser uma garota do subúrbio,
alguém que é respeitada apesar das dificuldades do cotidiano.

A nível indicial, é possível observar uma referência direta a um sentimento de força,


confiança e amor próprio. A “Garota do Rio” parece determinada, dona de si, batalhadora,
além de propagar a sensualidade e feminilidade que uma mulher carioca transmite, dentro de
estereótipos brasileiros.

Com relação ao símbolo - dependente de uma convenção social -, que traz algo geral e
não singular, podemos analisar a palavra “garota”, que está na blusa de Anitta. A artista optou
por esse termo abrangente, provavelmente para conversar com outras mulheres que vissem a
capa. Ainda que faça referência direta à clássica música “Garota de Ipanema”, os termos
também indicam que qualquer outra figura feminina do Rio de Janeiro poderia estar naquela
capa. O que configura uma garota do Rio?

Ainda analisando com o viés simbólico na semiótica peirceana, o ônibus trazido por
Anitta na capa do single traz uma identidade visual facilmente identificada por moradores do
Rio de Janeiro, acostumados a se locomover pelo transporte público da Auto Viação Jurema,
empresa sediada em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense do estado, que opera linhas
ligando o município à cidade do Rio. O coletivo retratado na imagem, apesar de ter sido
modificado digitalmente (na saturação e escrita), usa as mesmas cores e diagramação do
ônibus que é muito utilizado pelos cariocas, atravessando a Avenida Brasil e, inclusive,
podendo chegar até o Piscinão de Ramos. O interpretante lógico se faz presente na
compreensão de parte dos cariocas que visualiza o símbolo a partir do próprio repertório
cotidiano. Sendo assim, Anitta “conversa” com uma parcela da população que se identifica, se
vê representada. Não por acaso, a capa viralizou nas redes sociais, com fãs e famosos “se
colocando” frente ao ônibus. Artistas como Gretchen, Juliette, e até mesmo o prefeito do Rio
36
de Janeiro, Eduardo Paes, entraram na brincadeira.10 O fato do meme ter se espalhado por
toda a internet comprova a forte adesão popular que a capa do single teve.

3.3 “Girl From Rio” - canção e videoclipe

A melodia de “Girl From Rio” é uma versão autorizada de “Garota de Ipanema”, uma
das canções mais icônicas da música brasileira e que se tornou um símbolo do país ao redor
do mundo. Criada por Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, a faixa se tornou um
marco do movimento da Bossa Nova e foi lançada em 1962, retratando uma bela garota
branca que anda pela Zona Sul da cidade. Segundo Vianna (2012), no jornal O Globo, a
canção se tornou a segunda mais executada de todos os tempos, ficando atrás apenas de
“Yesterday”, dos Beatles.11

“Quando Helô Pinheiro passou ao lado do Bar Velloso, a caminho da praia


de Ipanema, Tom Jobim e Vinícius de Moraes a imortalizaram como imagem
de beleza, juventude e leveza. Em Garota de Ipanema, a menina não toma
conhecimento de seus admiradores, é um objeto de desejo, mas não o seu
sujeito” (AZEREDO, 2022, p. 37)

A canção foi escrita em uma das esquinas mais famosas do bairro de Ipanema, no Rio
de Janeiro, durante uma visita dos artistas a um bar chamado "Velloso". Enquanto observavam
o movimento na rua, Tom Jobim e Vinicius de Moraes foram inspirados pela presença de uma
jovem que passava por ali, chamada Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, mais conhecida
12
como Helô Pinheiro. O contexto em que a música foi escrita reflete a atmosfera cultural e
artística do Rio de Janeiro dos anos 60, período em que a Bossa Nova estava em ascensão. A
letra captura a essência de uma vida carioca descontraída, leve e romântica, de cenário
deslumbrante, tal como outras canções do estilo, como “Corcovado”, também de Tom Jobim e
“Samba de Verão”, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle. Todas trazendo o Rio em um

10
Disponível em: https://portalpopline.com.br/prefeito-from-rio-eduardo-paes-meme-anitta/. Acesso
em: 14 de julho de 2023.
11
Disponível em:
https://oglobo.globo.com/cultura/garota-de-ipanema-a-segunda-cancao-mais-tocada-da-historia-4340
449. Acesso em: 29 de junho de 2023.
12
Disponível em:
https://veja.abril.com.br/coluna/o-som-e-a-furia/garota-de-ipanema-os-60-anos-da-cancao-que-fez-mu
ndo-amar-o-brasil. Acesso em: 12 de julho de 2023.
37
ambiente focado na praia, em que a natureza exuberante e o ambiente de encanto são
destaques.

Em 1963, Astrud Gilberto foi convidada para cantar em inglês na faixa "The Girl from
Ipanema" (versão em inglês de "Garota de Ipanema"), e sua voz suave e delicada conquistou
o público internacional. A canção se tornou um grande sucesso nos Estados Unidos,
alcançando o topo das paradas musicais e rendendo um Grammy13 para o álbum
"Getz/Gilberto", de João Gilberto em parceria com o saxofonista estadunidense Stan Getz.

Não à toa, Anitta - em processo de internacionalização da carreira - decidiu


ressignificar a música, agregando novos valores e sentidos ao clássico, fazendo uma
homenagem e ao mesmo tempo uma crítica social. Embora a Bossa Nova tenha sido um
movimento inovador e influente, alguns críticos argumentam que seu surgimento e
popularização contribuíram para um "embranquecimento" ou "europeização" do samba,
gênero musical de origem afro-brasileira que também veio das periferias. Nesse sentido, em
“Girl From Rio”, a cantora “brinca” com os estereótipos dos anos de 1950 e 1960 do Rio de
Janeiro “bonito”, higienizado, e a visão romantizada da musa carioca. A carioca usa da
dicotomia entre a visão idealizada do Rio e a visão “real” (dentro de seu discurso). Na canção,
ela canta que garotas de onde ela veio, não se parecem com modelos e no videoclipe, exibe
takes de corpos diversos, retratando diferentes mulheres de fora do padrão branco e europeu.
Ela mostra que o Rio de Janeiro não é só o Rio romântico, sereno e encantador da Bossa
Nova, da Zona Sul, indo na contramão das canções clássicas do gênero.

13
Astrud foi a primeira brasileira a ser indicada à premiação musical mais importante dos Estados
Unidos. Além de ganhar na categoria “Música do Ano”, também foi indicada em “Artista Revelação”,
mesma categoria disputada por Anitta em 2023.
38
Figura 4: Rio de Anitta X Rio da Bossa Nova

Fonte: Reprodução/Youtube; conteudo.ebc.com.br)

A maior parte da canção é cantada em inglês, almejando conquistar o público do


exterior, contudo, existem trechos específicos que conversam com a língua portuguesa, na
intenção de trazer ainda mais conexão com cariocas e brasileiros. Estes trechos específicos
podem ser lidos como legi-signos, já que sua compreensão e interpretação dependem das
convenções linguísticas compartilhadas pela sociedade brasileira. Por meio da linguagem, a
música e as falas transmitem mensagens e significados específicos, permitindo que o público
compreenda e se conecte com a mensagem transmitida. Um norte-americano entenderá a
música quase completa, mas precisará ter repertório para compreender os momentos em que
Anitta se comunica na língua nativa.

O início do clipe de “Girl From Rio” traz Anitta caracterizada em indumentárias


antigas que fazem alusão aos anos 1950 e 1960. A artista surge com uma peruca vermelha,
vestida como uma modelo pin-up, enquanto dança e gesticula em frente a uma paisagem
39
pintada da Zona Sul do Rio de Janeiro, que neste caso, funciona duplamente como um ícone
dentro da semiótica peirceana (a fotografia do próprio videoclipe representa a pintura que
representa o local real). Outros elementos, não necessariamente dessas décadas, ajudam a
compor a cena vintage como um carro preto conversível dos anos de 1940 que estaciona no
clássico calçadão da praia de Ipanema.

“Quando analisamos o videoclipe e sua melodia, nos primeiros 40 segundos,


a melodia de Garota de Ipanema começa a tocar, fazendo-nos relembrar de
como era retratada a mulher brasileira. A roupa que Anitta utiliza é um body
listrado retrô, no calçadão de Ipanema e com seus cabelos ruivos em um
penteado clássico dos anos 1940, os famosos victory rolls, penteado
vastamente usado na época em homenagem às turbinas dos aviões enviados à
guerra pelos americanos” (AZEREDO 2022, p. 35)

Figura 5: Anitta na representação da Zona Sul do Rio

Fonte: (Reprodução/YouTube)

Analisando os quali-signos do primeiro cenário do videoclipe, pode-se perceber o uso


excessivo de cores claras, pastéis, pouco saturadas, que aqui servem como uma forma de
retratar a higienização e “invenção” da cidade carioca. Até mesmo a cantora parece estar
“embranquecida”, com a pele suavizada e fazendo gestos graciosos e caricatos, que deixam
tudo muito artificial e engessado. Até os 30 segundos, não há letra, apenas a melodia clássica
e familiar de “Garota de Ipanema”, que pode funcionar como uma tática de memória afetiva
para quem está assistindo - principalmente os norte-americanos (parte de seu público-alvo)
que muito ouviram o clássico da Bossa Nova. A escolha da sonoridade familiar pode
funcionar como uma forma de ativar o interpretante dinâmico de efeito emocional dessas
40
pessoas, na tentativa de se colocar no mercado, tal como Antônio Carlos Jobim ou Astrud
Gilberto.

Finalmente, após cantar o primeiro verso do refrão, o estúdio com a imagem estática
do cartão postal do Pão de Açúcar se abre, enquanto Anitta diz: “Deixa eu te contar sobre um
Rio diferente. O Rio de onde eu vim e não o que você conhece”. Neste momento, o cenário
falso dá lugar a um Rio de Janeiro da periferia, com corpos diversos no Piscinão de Ramos.
As cores estão mais contrastadas e a cantora aparece descendo do mesmo ônibus da capa do
single. Sua vestimenta é colorida e mistura estampas, e funciona como uma mensagem oposta
à visão idealizada do começo. A paleta de cores, composta por tons quentes evoca uma
sensação de energia e vivacidade que está associada à “identidade carioca”.

“Anitta vem reclamar o funk como tesouro da cultura brasileira, mostrando


um clima de simplicidade, alegria e uma parte da vida nas comunidades
cariocas, sem edição de imagem, sem paisagens paradisíacas de cartão postal
– geralmente pensados para o mercado internacional -, e sem os retratos de
violência que são geralmente narrados pelos veículos de comunicação.
Mostra um lado do Brasil que as elites não buscam ver e nem mostrar para o
resto do mundo, como a diversidade, a dança, a beleza e a força de um povo”
(DANTAS, 2021, p. 197 apud AZEREDO, 2022, p. 26)

41
Figura 6: Cenário do Rio Zona Sul abre e Anitta desce do ônibus

Fonte: Reprodução/YouTube

Se considerarmos a mensagem do videoclipe como um discurso, Anitta se coloca em


uma posição de autoridade para falar sobre a cidade, afinal, ela é a “garota do Rio”. Ela veio
de Honório Gurgel, do funk e da periferia. Em uma parte da letra, inclusive, ela canta
“Honório Gurgel forever (para sempre)”. Na visão aristotélica sobre retórica, podemos
considerar o uso do ethos, que dá à artista credibilidade para criticar e falar sobre sua
realidade. Ainda que ela ocupe outros espaços atualmente, construiu esse discurso de origem
em torno de sua figura como celebridade e tomou para si o local de fala. Quem melhor que
Anitta para descrever o “Rio verdadeiro”?

É válido perceber que até mesmo na visão “higienizada” - a que serve como sátira da
artista -, sua persona também é dona de si. A Anitta do Rio da Zona Sul está como figura
principal, contando sobre a sua realidade. As personagens cantam as mesmas frases e
gesticulam de forma similar, independentemente do cenário. É como se as duas funcionassem
como versões diferentes da artista, que levanta a bandeira do empoderamento feminino. Seja o
Rio de Janeiro que for, a figura feminina é exaltada e colocada em forte presença sob seu
próprio território, em um local de autoafirmação e sensualidade. A “Garota do Rio” é a garota
do Rio em qualquer circunstância, sendo caricata ou não. Ela é livre para dançar, beijar, piscar
42
para a câmera e ser autêntica em sua essência. Essa abordagem reafirma a importância da
representação feminina como protagonista, independente do contexto ou estereótipo imposto.
Através dessa identidade forte e multifacetada, Anitta assume o controle de sua imagem e se
posiciona como uma figura inspiradora para outras mulheres, encorajando-as a serem
autênticas e confiantes em sua própria essência, seja qual for o cenário ou a expectativa social.

O pathos também se faz presente, se considerarmos que a Larissa, por trás da


celebridade Anitta, vivenciou experiências parecidas com as que estão relatadas no
videoclipe. Dessa forma, a conexão com uma carga emocional está nas entrelinhas da
mensagem e do discurso da cantora. Principalmente, se destacarmos que a família da vida real
da artista está contracenando no projeto. Para quem acompanha a artista, conhece o seu
histórico e tem repertório sobre sua vida pessoal, o videoclipe é ainda mais eficaz no sentido
de ativar emoções (interpretante dinâmico emocional). Apesar das recorrentes entrevistas
separando “Anitta” de “Larissa”, aqui, ambas as personas (PIMENTEL, 2005) se misturam.

Em outro take do videoclipe, Anitta aparece posando com sua mãe, pai e irmão, em
vestimentas claras e típicas dos anos de 1950, para uma máquina fotográfica antiga. A cantora
veste uma saia rodada, está com a cintura marcada, usando tons delicados e lenço no cabelo.
Aos 55 segundos, ela canta: “Acabei de descobrir que eu tenho um outro irmão. Mesmo pai,
mas de uma mãe diferente”. Nesse momento, o vídeo exibe a artista com uma feição de
surpresa, lendo um jornal de época que diz em letras garrafais: “Anitta tem um outro irmão”.

É interessante analisar que o jornal - aqui funcionando como ícone (sendo


representado através da fotografia do videoclipe) - desempenhava um papel fundamental na
sociedade da época, como uma das principais fontes de informação e formação de opinião.
Nessa ocasião, o veículo impresso era uma das principais formas de acesso às notícias, sendo
amplamente lido e considerado uma fonte confiável de informações. Anitta simboliza com o
periódico a fixação por sua vida pessoal, tal como acontece hoje em dia com as redes sociais e
sites de fofoca. Após ler a notícia “bombástica”, o outro membro da família aparece, sendo
empurrado pela carioca até o local da fotografia. Ele se apresenta ao restante dos parentes e
também se posiciona para a foto.

43
Figura 7: Anitta descobre um novo irmão

Fonte: Reprodução/YouTube

Figura 8: Anitta e família posam para fotografia

Fonte: Reprodução/YouTube

Nessa perspectiva, a cantora mais uma vez mistura sua vida pessoal com a arte, já que
em outubro de 2019, ela compartilhou nas redes sociais que havia descoberto um novo irmão
por parte de pai, Felipe Terra Machado. “Anitta coloca seu relato pessoal por ter descoberto
um novo irmão quando era já adulta, ao mesmo tempo em que retrata a realidade de milhões
de brasileiros que não conhecem seus pais e que esses filhos foram gerados fora de um
casamento” (AZEREDO, 2022, p. 41). Na ocasião, a intérprete de “Girl From Rio” explicou

44
que uma jornalista publicou rumores sobre o assunto e então, a artista decidiu ir atrás de
informações. Por fim, a família decidiu fazer um exame de DNA e confirmou o parentesco.

“Ninguém buscou a gente, eu que fui atrás dele. A mãe dele e o meu pai
perderam contato. A mãe dele viu meu pai na televisão junto comigo, e
comentou que aquele era nosso pai. E ele não nos procurou, porque tinha
medo de a gente achar que ele queria dinheiro, era interesseiro, como todo
mundo ficou comentando” (ANITTA, 2019)14

A escolha de Anitta em retratar no videoclipe um momento tão pessoal de sua vida


íntima (ainda que amplamente divulgado por veículos de comunicação) nos leva novamente
ao páthos de Aristóteles. Principalmente, se levarmos em conta que a cantora utilizou dessa
cena em específico (dentre outras) para divulgar o videoclipe nas redes sociais15. O discurso
pessoal e emotivo novamente gerando adesão popular, curiosidade e efeito afetivo de uma
grande parcela do país para o “Girl From Rio”.

Em entrevista ao Fantástico, transmitida em 02 de maio de 2021, Anitta voltou a falar


sobre o irmão e o motivo de ter o colocado na canção. Segundo a cantora, ela estava no
processo de produção da faixa, em um estúdio com outros produtores, quando descobriu sobre
os rumores de que teria um novo parente. O discurso de apelo emocional serviu como forma
de vender a música como pessoal.

“Quando eu estava no estúdio gravando a música, eu recebi a notícia no


celular de que eu poderia ter um outro irmão, e eu fiquei impactada e eu não
conseguia mais sair do celular, tentando entrar em contato com ele. [...] E os
produtores falaram: ‘Meu Deus, coloca isso na letra’, e ficou super
divertido” (ANITTA, 2021) 16

Na mesma entrevista, Anitta destacou que apesar de cantar em inglês na maior parte
da música, tentou colocar “bastante da cultura brasileira” no projeto. Ela ainda comentou que
a “energia do brasileiro é muito única”, ressaltando ter colocado esse sentido no trabalho
audiovisual. Sob a perspectiva de Stuart Hall (1992) e o processo de construção de identidade
cultural, é possível relacionar a afirmação da cantora com o sentimento de representação e
pertencimento a uma mesma cultura. O estereótipo do brasileiro e a generalização do que

14
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s5qU75NP0f0. Acesso em: 29 de junho de 2023.
15
Disponível em: https://twitter.com/Anitta/status/1386703064258777090. Acesso em: 14 de julho de
2023.
16
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=o21_jUUSMHE. Acesso em: 29 de junho de
2023.
45
seria a “cultura brasileira” se fizeram presentes no discurso da artista, à medida em que
comentava sobre o seu lançamento em uma das maiores emissoras do Brasil, a TV Globo.

Embora o videoclipe de “Girl From Rio” seja uma crítica aos estereótipos de um Rio
de Janeiro higienizado, é possível observar outras representações estereotipadas no trabalho
da cantora. Ao mesmo tempo em que ela luta para quebrar um estigma, ela acaba construindo
novos formatos “caricatos” e controversos. Em uma das cenas, por exemplo, duas mulheres
discutindo na areia são mostradas. Logo depois, uma confusão generalizada entre dois grupos,
com uma pessoa tentando separar a confusão e segurando um copo de cerveja.

“Uma briga é mostrada durante o videoclipe, trazendo que nem tudo "são
flores" e calmaria, como retratado na música de Tom Jobim. Os passos de
danças acelerados e sem harmonia entre si, sendo o oposto do início do clipe
onde os homens e a Anitta dançam em sintonia. O futebol acontece em meio
à praia e esse ponto nos remete a mais um estereótipo reforçado no Brasil,
em que a favela é formada por um povo que não tem condições dignas mas
se divertem” (AZEREDO, 2022, p. 41-42)

Figura 9: Briga retratada no videoclipe

Fonte: Reprodução/YouTube

Anitta, aqui encarnada como uma garota do Rio do subúrbio, aparece fazendo um
churrasco com a família na praia. Sentada em uma cadeira de praia, a artista surge com os
cabelos amarrados de forma bagunçada comendo carnes em um prato de plástico. Novamente,
símbolos da “cultura da periferia”. Ao lado dela, uma lata de cerveja Ipanema - bem
sugestiva, já que toda a faixa é uma referência à “Garota de Ipanema”.
46
Figura 10: Anitta comendo churrasco na praia

Fonte: Reprodução/YouTube

Em outro momento, a cantora surge aderindo ao corpo uma fita isolante, na intenção
de se bronzear mais rapidamente. O take rápido faz alusão direta a outro videoclipe de grande
sucesso da artista, “Vai Malandra” (2017), onde ela aparece usando um “biquíni de fita” e
tomando sol na laje. O símbolo aqui funciona como uma construção visual da marca Anitta.
Ademais, na própria letra da música, a carioca diz em português: “Vai Malandra, gringo canta,
todo mundo canta”, novamente se autoreferenciando e fazendo uma crítica à cultura do
“vira-latismo”, já que o hit de 2017 fez barulho no exterior, se tornando a primeira música em
português a entrar no top 20 do Spotify Global.17

Para além do sentido referencial de sua própria carreira, é possível interpretar a cena
das fitas isolantes como uma leitura do cotidiano nas periferias. Segundo Oliveira (2018), do
El País18, foi Érika Bronze - que inclusive apareceu em “Vai Malandra” - em sua laje no
Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que começou a popularizar os biquínis de fita para
bronzeamento, em 2016. Desde então, a prática ficou famosa nas favelas da cidade carioca.
Em “Girl From Rio”, um videoclipe que usa justamente esses signos da periferia local, a
escolha de Anitta não é aleatória.

17
Disponível em:
https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/vai-malandra-de-anitta-e-1-musica-em-portugues-entre-
mais-ouvidas-do-mundo-no-spotify.ghtml. Acesso em: 04 de julho de 2023.
18
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/10/cultura/1515612703_626750.html. Acesso
em: 29 de junho de 2023.
47
Anitta também aparece fazendo o “banho de lua”, procedimento estético que envolve
o uso de pó descolorante e água oxigenada, juntamente com uma esfoliação corporal, para
clarear os pelos da pele. A ação conversa com a estética praiana e “suburbana” do videoclipe,
mais uma vez, tentando criar laços de representatividade com quem está assistindo e se
identificando.

Figura 11: Anitta se bronzeando com fita isolante e “banho de lua”

Fonte: Reprodução/YouTube

Pelas redes sociais, alguns fãs da cantora apontaram referências a um episódio do


antigo programa jornalístico, “Documento Especial”, transmitido em 1989 pela Rede
Manchete. Na ocasião, o documentário “Pobres Vão à Praia”19 foi exibido em rede nacional,
abordando o deslocamento de moradores da Baixada Fluminense e outros locais periféricos
do Rio de Janeiro até as praias da Zona Sul da cidade, e o preconceito entre os moradores
destes locais, como a Barra da Tijuca. Embora Anitta não tenha confirmado se, de fato, fez

19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kOzGFJZZVe8&t=1s. Acesso em: 30 de junho de
2023.

48
alusões ao programa polêmico, é possível analisar símbolos semelhantes entre ambas as
produções. O programa mostrou a dificuldade que essas pessoas tinham em chegar até a praia
para o lazer, enfrentando no mínimo uma hora de transporte público lotado e, por vezes, até
mesmo usando mais de um coletivo.

Nas imagens, aparecem cariocas pulando a janela para conseguir entrar no veículo,
além de takes de pessoas comendo churrasco na praia - os popularmente conhecidos, de forma
pejorativa, como “farofeiros”. Em “Girl From Rio”, logo no começo do cenário do Piscinão
de Ramos, um homem também pula a janela e a câmera dá um zoom rápido em seu
movimento, trazendo um sentimento semelhante. Ademais, Anitta é filmada com um prato de
carne e farofa - o que também pode ser considerado uma crítica à fala de uma das pessoas
preconceituosas do documentário, que diz que os “sem educação” que comem “farofa com
galinha” vão “matar outras de nojo”.

Figura 12: Homem na janela do ônibus no clipe X no documentário

Fonte: Reprodução/YouTube

49
Figura 13: Comida na praia no clipe X no documentário

Fonte: Reprodução/YouTube

Embora a referência não seja confirmada, é inegável o uso da semiótica até nos
ângulos parecidos de ambas as gravações. Em outro momento, meninas são filmadas tomando
sol de bruços e outras passam produtos para se bronzear, assim como em “Girl From Rio”.
Traçando um comparativo ainda mais evidente, em “Os Pobres Vão à Praia”, um casal
aparece aos beijos, enquanto Anitta também beija um rapaz na praia, durante o videoclipe. As
cenas similares causaram certo burburinho nas redes sociais, sendo o suficiente para que o
discurso de crítica social da artista se fizesse presente. Neste caso, o interpretante dinâmico de
parte dos espectadores teve efeito energético, já que funcionou como uma correlação mental
comparativa desses sujeitos entre as duas filmagens.

50
Figura 14: Beijo no clipe X no documentário

Fonte: Reprodução/YouTube

Em mais um momento do videoclipe, pessoas são exibidas dançando e rebolando, com


movimentos específicos que podem ser considerados legi-signos. Esses movimentos de dança
seguem convenções estabelecidas dentro do contexto cultural do funk (mesmo a música não
sendo parte do estilo) e da cultura carioca, com passos e gestos reconhecidos pelos fãs e pelo
público.

A sensualidade da mulher brasileira - dentro dos estereótipos sociais - é outro ponto


bastante destacado no videoclipe. Corpos magros, gordos, brancos, pretos, são mostrados em
biquínis, enquanto rebolam e dançam. Em um dos takes, apenas as nádegas de uma das
participantes é exibida, com o escrito “Made in Brazil” (Feita no Brasil). O tom sensual
escolhido pela artista foi motivo de crítica por alguns espectadores, já que contribuiu, de certa
forma, para estigmas sobre a brasileira em uma visão internacional. Para Azeredo (2022):

“Anitta traz em seu clipe uma outra realidade do Rio, mas reforça alguns
padrões de beleza, como a mulher depilada e os corpos volumosos com
"bunda e peito grande", imagem que também é vendida para o exterior e
principalmente para o Carnaval com mulheres de roupas curtas e/ou biquínis.
51
Ainda nessa vertente, é possível notar que o bronzeamento com fita e até
mesmo o natural é presente na demonstração das mulheres, outra figura que
é bastante vendida como do Brasil para o exterior” (AZEREDO, 2022, p. 42)

Figura 15: Mulheres são exaltadas de forma sensual

Fonte: Reprodução/YouTube

Em contrapartida, as mesmas cenas podem ser interpretadas como uma forma de


proclamar o empoderamento feminino, tema constante nas músicas e discursos de Anitta. Se a
cantora aparece beijando de língua um rapaz no meio da praia e mostrando o corpo de forma
sensual, ela também passa a imagem de que é dona de si, pode fazer o que quiser, inspirando
outras mulheres que assistem ao projeto. Essa imagem de mulher confiante, independente e
segura de si mesma pode provocar uma resposta emocional nas espectadores que se
identificam com a mensagem. Neste caso, o interpretante dinâmico de efeito emocional
novamente se faz presente.

Outra análise também pode ser feita com relação a quantidade de pessoas pretas no
cenário do “Rio do subúrbio”. A artista canta sobre o Rio de onde ela veio, o Rio de Honório
Gurgel, do Piscinão de Ramos, áreas populares que vão na contramão da Zona Sul da cidade

52
carioca (no clipe, representada com menos pessoas pretas). Nessa perspectiva, é válido
analisar a profunda desigualdade social e racial existente no estado. Ao longo da história, o
Brasil passou por um período de escravidão e discriminação racial que deixou marcas
duradouras, afetando a população negra, que foi subjugada e marginalizada, resultando em
desigualdades persistentes que continuam a afetar a sociedade até os dias de hoje. As últimas
análises sobre essa questão no Rio20 apontam que a Zona Sul da cidade é majoritariamente
ocupada por pessoas brancas e de alta renda, um reflexo dessas raízes racistas.

Tabela 1

Fonte: desigualdadesespaciais.wordpress.com; IBGE 2010

20
Disponível em: https://desigualdadesespaciais.wordpress.com/tag/rio-de-janeiro/. Acesso em: 16 de
julho de 2023.
53
Tabela 2:

Fonte: desigualdadesespaciais.wordpress.com; IBGE 2010

Para além das referências brasileiras, é possível perceber semelhanças de outras obras
do exterior em “Girl From Rio”. Os signos escolhidos por Anitta que remetem à clássicos da
cultura norte-americana podem funcionar, tal como a icônica melodia da canção, também
como uma tática de memória afetiva desse público (interpretante dinâmico de efeito
emocional). Em determinado take, a cantora “brinca” com o fato de ter tido vários
relacionamentos amorosos expostos pela mídia e, novamente, misturando vida pessoal com a
arte, interage com alguns dançarinos vestidos de marinheiros. Cada rapaz segura um coração
de papel vermelho e todos tentam conquistar a artista, que os dispensa. A cena é uma clara
alusão ao famoso filme de Hollywood, “Os Homens Preferem as Loiras” (1953), estrelado
pela icônica Marilyn Monroe. Em um número musical que ficou bastante conhecido
mundialmente, “Diamonds Are a Girl's Best Friend”21, Marilyn também interage com homens
que seguram um coração de papel vermelho e todos estão posicionados em uma escada,

21
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hEyWqVfY4vo. Acesso em: 04 de julho de 2023.
54
exatamente como em “Girl From Rio”. Vale destacar que novamente a artista faz alusão ao
empoderamento feminino, estando em uma posição de escolher os próprios pretendentes.

Figura 16: Anitta x Marilyn Monroe

Fonte: Reprodução/YouTube

Não à toa, Carmen Miranda também pode ter sido referenciada por Anitta. A cantora
foi a primeira brasileira a se internacionalizar a níveis grandiosos, a ponto de atuar em
produções hollywoodianas, representando o país e “levantando a bandeira”, exatamente como
o discurso da carioca. No musical estadunidense "That Night in Rio" (1941), Carmen mostra
toda a sua brasilidade (por vezes caricata) aos gringos e canta sobre o Rio de Janeiro. No
número “Chica Chica Boom Chic”22, ela dança em frente a um cenário falso do Pão de Açúcar
- exatamente como Anitta em “Girl From Rio” - e interage com um motorista de um carro
típico dos anos de 1940, da mesma forma que a brasileira contemporânea. Todos esses
elementos podem contribuir para uma imagem nova, porém “familiar” de Anitta ao público
22
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VvwnAp_HFmg. Acesso em: 04 de julho de
2023.
55
do exterior. Com esse repertório imagético e cultural, Anitta tenta “pescar” a atenção dessas
pessoas para o seu trabalho.

Figura 17: Anitta x Carmen Miranda

Fonte: Reprodução/YouTube

Com relação à sonoridade da canção, é interessante destacar que não é um funk. “Girl
From Rio” mescla elementos da Bossa Nova com o trap, gênero musical enérgico que
combina elementos do hip-hop e da música eletrônica, bastante em alta nos Estados Unidos.
Anitta claramente tentou deixar a música mais “aceitável” dentro do mercado estadunidense,
tendo em vista o histórico xenofóbico do país contra artistas latinos. A estratégia de
“americanizar” um clássico brasileiro para deixar mais palatável aos norte-americanos
conversa com as referências visuais híbridas do videoclipe. A todo instante é um jogo de duas
personas: a Anitta “gringa” e a Anitta de Honório Gurgel, a que quer levar o funk para o
mundo.

Essa dicotomia entre as duas personagens de Anitta se faz presente ao longo de todo o
videoclipe, inclusive, no que diz respeito ao ângulo da câmera e sua própria postura. Em 3:22,
ao analisarmos mais uma vez o sin-signo indicial da artista, temos Anitta centralizada e
56
caracterizada como a persona carioca, deitada em uma canga com a imagem do calçadão de
Ipanema, com “Garota do Rio” escrito em sua blusa. Logo no segundo seguinte, o corte seco
dá lugar à Anitta pin-up, deitada na mesma posição e também centralizada, contudo, de volta
ao fundo “fake” e aos tons pastéis.

Figura 18: Anitta nas duas versões

Fonte: Reprodução/YouTube

No último take do projeto audiovisual, a cantora encara a câmera e ergue levemente a


sobrancelha esquerda, com um ar de autoconfiança e poder. O vídeo termina no mesmo
ambiente em que começou: no Rio “fake” e higienizado. É válido destacar que a miniatura do
videoclipe, que consta no canal oficial da cantora no YouTube, também traz a artista neste
mesmo cenário. Ou seja, apesar de criticar e ironizar o Rio do cartão postal para gringos,
Anitta usa bastante desta imagem para vender o próprio trabalho. Embora esteja liricamente e
visualmente mostrando o “outro lado da moeda” da cidade em que nasceu, também espalha -
57
ainda que satirizando - a visão higienizada. Ambos os cenários fazem parte da persona Anitta
como um produto midiático, já que a mesma deixa claro em seus discursos que quer “levar o
funk para o mundo” e, consequentemente, internacionalizar a carreira. Desta forma, “Girl
From Rio” cumpre com o papel de construir essa mensagem (SOARES, JÚNIOR, 2008) e de
tornar a canção mais vendável (MUNDY, 1999, apud. SOARES, JÚNIOR 2008).

O videoclipe fez com que Anitta fosse indicada e ganhasse na categoria “Vídeo
Favorito” no Latin American Music Awards, um dos principais eventos de premiação da
música latina, em abril de 2022. Dois meses depois, a carioca se tornou a primeira cantora
brasileira a ser homenageada com uma estátua de cera no renomado museu Madame
Tussauds. Na blusa de sua representação, os dizeres “Garota do Rio”23 em português, tal como
no clipe e capa do single. Além disso, a canção entrou no top 200 global da Billboard, parada
musical baseadas em streams e vendas de download mundiais. Assim, podemos dizer que
“Girl From Rio” fez com que Anitta se destacasse ainda mais no mercado norte-americano e
global.

23
Disponível em:
https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2022/06/02/anitta-no-madame-tussauds-de-nova-york-m
useu-inaugura-estatua-de-cera-da-cantora.ghtml. Acesso em: 16 de julho de 2023.
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intuito deste trabalho foi entender o videoclipe como um produto midiático, um
fenômeno que cria, através de signos específicos, diversas sensações em quem está assistindo
e se identificando. Dentro da indústria fonográfica, este recurso é bastante utilizado para fazer
com que o artista e sua música alcancem mais pessoas, ou seja, contém estratégias por trás.
Para exemplificar, foi analisado o clipe “Girl From Rio”, de Anitta, justamente na intenção de
compreender o poder da imagem dentro da comunicação.

A cantora abraçou uma narrativa - baseada nos discursos de sua persona midiática - e
introduziu no projeto em questão, em uma tentativa de internacionalizar a própria carreira e
“levar o funk para o mundo”. Em “Girl From Rio”, a garota do Rio é a menina que veio do
subúrbio carioca, que cresceu na vida e voltou às suas origens, quebrando estigmas e
ressignificando o Rio de Janeiro do cartão-postal, o Rio do gringo.

Para tal análise, foi escolhida como linha de frente a Semiótica de Charles Peirce, já
que o estudo aborda justamente os diferentes signos que existem na comunicação - seja ela
qual for. Através das contribuições de Peirce e interpretações de Lúcia Santaella (1983) acerca
de suas obras, vimos como os conceitos de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade se
aplicam no videoclipe e identificamos elementos essenciais para a compreensão da mensagem
principal do projeto - o Rio de Janeiro “real”, dentro da subjetividade de Anitta. Além disso, a
teoria também serviu como uma maneira de interpretar a capa da música, que antecedeu os
visuais, auxiliando na interpretação de toda a estética “Girl From Rio”, proposta pela artista.

Além da Semiótica Peirceana, a celebridade midiática de Márcia Cristina Pimentel


(2005) foi mais um tema abordado nesta monografia, para compreender a posição de Anitta
frente ao público e a mídia em si. Por este viés, vimos que a artista, apesar de em entrevistas
separar sua persona pública (Anitta) da privada (Larissa), usou da “mistura” de ambas no
videoclipe, trazendo um tom mais pessoal e intimista. Essa escolha tende a aguçar a
curiosidade do público, além de aproximar os fãs que a acompanham pelas redes sociais,
trazendo mais acessos ao trabalho audiovisual.

A Retórica de Aristóteles também contribuiu para o entendimento dos discursos que


Anitta, como pessoa pública, tem com seu público. A artista, de certa forma, convenceu essas
pessoas a assistirem ao videoclipe e com um fio condutor baseado em sua própria história

59
pessoal, “vendeu” o produto a partir da mensagem que construiu. A ideia foi compreender,
independentemente de juízos de valor, que o discurso de uma figura pública é muito
importante para complementar o sentido do clipe.

Stuart Hall (1992) com a ideia de identidade cultural e nacional também agregou ao
conteúdo desta monografia, com o sentido de pertencimento à determinada cultura sendo
trazido para o contexto do Rio de Janeiro e do Brasil. Com exemplos do marketing utilizado
por Anitta na divulgação nas redes sociais da música e clipe “Girl From Rio”, vimos de que
maneira a “cultura carioca” se fez presente na narrativa da artista. Além disso, uma breve
história sobre o videoclipe em si, baseada nos estudos de Holzbach e Nercolini (2009) foi
exposta, para entendermos a complexidade do fenômeno. Por fim, Jeder Janotti Júnior e
Thiago Soares (2008) complementaram a monografia, a fim de esclarecer a visão
mercadológica sobre os videoclipes. Os autores ressaltam que esses projetos audiovisuais são
feitos para impulsionar a música, torná-la mais vendável. Ademais, refletem sobre a relação
da letra com as imagens e a estética que existe desde o momento da divulgação.

Esta monografia foi dividida em três capítulos, sendo os dois primeiros focados na
teoria (com os conceitos da Semiótica, celebridade midiática, Retórica, identidade cultural e
videoclipes), e o terceiro e último na artista Anitta, no videoclipe e canção “Girl From Rio”,
com análises sobre as principais referências percebidas.

Ao fim do trabalho, concluiu-se que o projeto audiovisual da carioca é repleto de


signos que transmitem mensagens que combinam com o discurso de sua persona midiática.
Esses elementos conversam com a estética que Anitta quis “vender” para o exterior,
quebrando estigmas de um Rio de Janeiro “purificado”, mas ao mesmo tempo, reforçando
outros, como a sensualidade da mulher brasileira e carioca. Assim, independentemente das
críticas positivas ou negativas, o videoclipe cumpriu com o papel de “catapultar” a imagem da
artista tanto para o público brasileiro, quanto para o público no exterior.

Com relação aos objetivos específicos, a pesquisa concluiu: i) A “cultura do funk” está
presente em “Girl From Rio” na dança, nos elementos que remetem ao subúrbio carioca, de
onde o gênero nasceu, além da própria artista - que começou sua carreira cantando esse estilo
musical -, como figura principal da narrativa. ii) O discurso de Anitta (em entrevistas, nas
legendas das redes sociais, onde fez o marketing do videoclipe e na própria letra da canção)
corroborou para um maior entendimento da história da obra audiovisual. Com o uso do ethos

60
e pathos aristotélicos, Anitta transmitiu o sentido de garota do Rio, mas de um Rio periférico.
iii) A artista foi na contramão dos estereótipos de um Rio de Janeiro higienizado, mas
reforçou outros estigmas, baseados em sua subjetividade e realidade.

No campo da pesquisa em comunicação, esta monografia pode contribuir com relação


à leitura crítica de mídia, tão importante no mundo contemporâneo. A sociedade é rodeada de
todo o tipo de mídia, e com o constante avanço das redes sociais, esse contato tem ficado cada
vez mais incisivo. Neste sentido, urge a capacidade de interpretarmos os mais variados meios
de comunicação, incluindo os videoclipes, que conversam com grande parte dos jovens, para
refletirmos e debatermos a respeito de assuntos importantes. No caso de “Girl From Rio”, por
exemplo, existe o debate sobre os estereótipos do Brasil, a imagem da mulher carioca, o poder
da representatividade, a importância de ressignificarmos certos símbolos que, para a
modernidade, soam antiquados.

É importante analisar um videoclipe não apenas com olhos de admiração, mas


entendendo o contexto por trás dele e do artista principal. Neste aspecto, a Semiótica é uma
aliada da comunicação, já que distingue os diferentes signos e faz refletir sobre seus impactos
e significados. Com esta monografia, acredito que novas pesquisas sobre videoclipes dentro
do campo da Semiótica podem surgir, transformando o cenário acadêmico, que pouco aborda
o tema. Assim, mais comunicólogos entusiasmados com a cultura pop podem contribuir ainda
mais para a academia da comunicação e do jornalismo, atraindo olhares menos “engessados”.

61
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GUILHERME TERRERI SOBRE RITA VON HUNTY: ‘É PARA PROVOCAR, A MATRIZ


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