Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NATAL/RN
2019
ANNY KAROLLYNE COSTA DA SILVA
NATAL/RN
2019
PRÁXIS POLÍTICA DO CENTRO DE REFERÊNCIA EM DIREITOS HUMANOS –
MARCOS DIONISIO: Uma análise a partir da organização social e formação política do
Movimento Nacional da População em Situação de Rua em Natal/ RN
BANCA EXAMINADORA
Este trabalho tem como objetivo geral analisar a práxis política do Centro de Referência em Direitos
Humanos – Marcos Dionísio (CRDH-MD) a partir da organização social e formação política do
Movimento Nacional da População em situação de rua no RN. Para isso discutiu-se a práxis enquanto
categoria teórica e prática, procurando apreendê-la do ponto de vista histórico e dos diversos processos
de construção e desconstrução do termo. Buscou-se também estudar o conceito de práxis e movimentos
a partir da atuação do CRDH-MD como espaço estratégico para a atuação política junto aos movimentos
sociais, enquanto articulador da organização política e formação social do MNPR com vista ao
enfrentamento e prevenção aos contextos de violações na contemporaneidade. Este trabalho encontra-
se amparado em um referencial teórico crítico, que propicia a partir de uma visão de totalidade,
aproximações sucessivas do movimento do real. Do ponto de vista metodologico, a adoção pelo
materialismo histórico dialético permitiu perpassar o debate dos Direitos Humanos como resultado do
processo de lutas. Assim, consistiu na revisão bibliográfica e análise de documentos produzidos pelo
centro, bem como o mapeamento das principais demandas da população em situação de rua. Em suma,
dialogar acerca da práxis política na interlocução com a luta por Direitos Humanos deriva de que os
movimentos sociais podem ser potencializadores da transformação social.
.
ABSTRACT
This final paper aims to analyze the political praxis of the Reference Center on Human Rights - Marcos
Dionísio (CRDH-MD) to be part of the National Population Movement in a street situation in the RN.
For this, the Praxis was discussed as a theoretical and practical category, seeking to apprehend it from
the historical point of view and the various processes of construction and deconstruction of the term.
We also sought to study the concept of praxis and movements based on the role of the CRDH-MD as a
strategic space for political action with social movements, as the articulator of the political organization
and social formation of MNPR with a view to Coping and prevention to the contexts of violations in
contemporaneity. This work is supported by a critical theoretical framework, which provides a vision of
totality, successive approximations of the movement of the real. From the methodological point of view,
the adoption of dialectical historical materialism allowed to cross the human rights debate as a result of
the struggle process. Thus, it consisted of the bibliographic review and analysis of documents produced
by the center, as well as the mapping of the main demands of the population in the street situation. In
short, a dialogue about political praxis in the dialogue with the struggle for Human Rights derives from
the fact that social movements can be potentials for social transformation.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
6. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 59
12
1. INTRODUÇÃO
âmbito local (MNPR-RN), por meio da sua incidência política continuada nos diversos espaços
de participação social, de formação de lideranças, fortalecendo o campo de disputa dos direitos
humanos a partir da ótica da emancipação humana, na qual é fundamental a participação
popular na busca pela transformação social. Como um dos parceiros e articulador, o Centro se
fez presente desde a emergência e fortalecimento do movimento, considerando os desafios,
conquistas e perspectivas de continuidade, pois é preciso ter clareza que a população em
situação de rua não está imune ao caldo conservador da sociedade brasileira, “os invisíveis ou
descartáveis urbanos” naturalizados pela mídia, tem cada vez mais adquirido consciência de
classe e desenvolvido estratégias de resistências e enfrentamento enquanto sujeitos
organizados.
Assim, por entender que a afirmação de uma cultura de respeito aos direitos humanos
está diretamente ligada à mobilização e participação social, com uma metodologia inspirada na
autonomia e participação dos grupos vulneráveis, a defesa dos direito humanos oferece
possibilidades de disputa, de trânsito, de diálogo e requer principalmente a articulação com
sujeitos sociais e instituições, o que tem importância para o acúmulo de forças no interior das
organizações populares.
Partindo desses pressupostos, o interesse em estudar a temática, advém principalmente
das reuniões do GEPOP, da experiência de estágio no CRDH-MD, (grupo de estudo
desenvolvido pelos docentes, discentes, apoiadores que trabalham com a temática da pop rua)
da aproximação com o movimento e participação nas ações de intervenção junto a esse
segmento com o objetivo de promover e ampliar a reflexão sobre essa temática tão complexa.
O intento é estar dialogando sobre uma Cultura de Direitos humanos a partir de uma dimensão
não somente violatória, mas emancipatória e garantidora de direitos.
Este trabalho encontra-se amparado em um referencial teórico metodológico crítico, que
propicia a partir de uma visão de totalidade, aproximações sucessivas do movimento do real.
Dessa maneira, a adoção pelo materialismo histórico dialético permite perpassar o debate dos
Direitos Humanos como resultado dos processos histórico de lutas. No que se refere ao aspectos
metodológicos, realizou-se uma pesquisa bibliográfica que compreendeu os estudos teóricos
que oferecem sustentação às análises críticas sobre as categorias da práxis, movimentos sociais,
direitos humanos e população em situação de rua. Analisou-se,também, documentos elaborados
pelo MNPR, com a Cartilha de Formação, relatório de audiências públicas além de relatos
produzidos pelo Centro ao longo de sua existência.
Portanto, organizou-se a exposição dessa pesquisa em três capítulos assim distribuídos:
O primeiro capítulo, intitulado “Práxis Política e Movimentos Sociais” discute-se os
14
O trabalho é uma atividade humana, porém com finalidade diferente da práxis. Ele
transforma a natureza, com a finalidade de produzir um mundo para os homens. Antes da
interferência humana, a natureza é regida por suas leis próprias. É por meio do trabalho que o
homem transforma o mundo em que vive e transforma a si mesmo. O resultado do trabalho é
um produto final, no qual a finalidade objetiva se materializa. Nesse processo ocorrem fases
distintas, o homem detentor da capacidade teleológica, projeta em sua mente o resultado da sua
ação. O produto final será a objetivação material de sua finalidade subjetiva e da pré-ideação
inicial.
De súbito, é preciso deixar claro que, se por um lado o trabalho inclui a intervenção do
homem, conformando uma atividade produtiva, por outro lado, a práxis é uma atividade de
aperfeiçoamento contínuo da espécie humana e da sociedade, isto é, uma atividade formativa.
Em sua obra o futuro da filosofia da práxis, Konder (1992), ao retomar a origem
etimológica dos termos, chegou à conclusão que o debate acerca da práxis circunda de maneira
oscilante, ora pendendo para a ação prática, de modo a intervir na própria realidade do “mundo
dos homens”, ora para a ação contemplativa, buscando compreender a realidade de cada período
histórico.
Para Marx, na desenvoltura dos seus estudos, foi o materialismo histórico dialético que
permitiu aos homens se tornarem “demiurgo de sua própria história”. Dessa forma, os homens
são produtores das suas representações, sobretudo o homem real, que realiza a produção da vida
a partir do desenvolvimento das forças produtivas e pelas relações correspondentes a essas
forças, entendendo que eles são construtos daquilo que vivem e não do que imaginam ser.
A práxis na perspectiva marxista é compreendida como transformação objetiva do
processo social, como elemento norteador do conhecimento, critério da verdade e finalidade da
teoria. No dicionário do pensamento Marxista, Petrovic apresenta um ponto interessante: o
autor afirma que a práxis é a prática social incorporada de teoria e que Marx a define como a
“meta da filosofia verdadeira (isto é, da crítica a teoria especulativa) e a revolução como
verdadeira práxis”, Cf. Petrovic (2001).
“Por meio da práxis, a filosofia se realiza, se torna prática, e se nega, portanto, como
17
filosofia pura, ao mesmo tempo em que a realidade se torna teórica no sentido de que se deixa
impregnar pela filosofia”,Cf. Vázquez (2007, p.126). Dito isto, entende-se que como essência
humana, o homem é um ser prático, produtor material da sua própria vida e do convívio em
sociedade. A práxis é, assim, o modo como os indivíduos se apropriam do mundo, ou seja, é a
humanização do mundo que se efetiva na medida em que ocorre a socialização da sociedade.
Assim:
Como filosofia da práxis, o marxismo é a consciência filosófica da atividade
humana que transforma o mundo. Como teoria, não apenas se acha
correlacionado com a práxis – revela seu fundamento, condições e objetivos
– como também tem plena consciência dessa relação e, por isso, é um guia da
ação. (VÁZQUEZ, 2007, p. 178).
1
Marx utiliza a dialética Hegeliana como ponto de partida. Todavia, por considerá-lo idealista, opta pelo processo
inverso colocando o materialismo como base de sua dialética, enquanto Hegel concebe o mundo das ideias em sua
base dialética.
18
interdependentes, mas necessárias. Nas palavras de Konder, essa necessidade não é “luxo”, mas
uma característica que diferencia a práxis das atividades meramente repetitivas, cegas e
mecânicas.
Assim, a relação entre teoria e prática é uma relação de unidade dialética, na qual a
teoria não se reduz à prática, mas sua complementaridade e sua efetivação se dão por meio da
ação humana. É nessa intervenção que consiste a práxis, a atividade “revolucionária”,
“subversiva, questionadora e inovadora, numa expressão extremamente sugestiva crítico-
prática”. Como coloca Konder (1992), Para Marx, era preciso superar duas unilateralidades
opostas a do (materialismo e a do idealismo) e pensar simultaneamente a atividade e a
corporeidade do sujeito, reconhecendo-lhe todo o poder material de intervir no mundo
Nesse tônica, são várias as formas de práxis no conjunto da totalidade, da materialidade
da produção e reprodução da vida. Entre elas estão à práxis produtiva, a práxis artística, a práxis
experimental, a práxis criadora e a práxis política
De súbito, é preciso deixar claro que toda práxis é atividade, mas nem toda atividade se
constitui em práxis. Atividade esta que por seu caráter de generalidade, não ultrapassam o nível
meramente natural, isto é, biológicas ou instintivas. Portanto, não podem ser consideradas como
especificidades humanas.
A práxis produtiva refere-se a prática produtiva que o homem estabelece com a natureza,
mediada pelo trabalho. A partir desse intercâmbio, resiste às matérias e as forças naturais,
criando assim um mundo de objetos úteis para atender às suas necessidades, uma vez que é o
um ser ontologicamente social e realiza as transformações determinadas por relações de
produção estabelecidas. Haja vista, a práxis produtiva é fundamental, uma vez que o homem
transforma a natureza e a si mesmo.
Entendida como uma articulação entre a práxis teórica e a práxis produtiva, a práxis
social, que no sentido restrito é a práxis política, é uma atividade prática consciente, na qual o
sujeito tem como objetivo a intervenção transformadora ou conservadora – no homem como
ser social, ou seja, nas relações sociais, econômicas e/ou políticas. É uma dimensão que pode
potencializar as transformações na sociedade, na batalha tanto das ideias quanto da prática, na
medida em que a luta realizada pelos grupos ou classes sociais está ligada à determinada
organização, como é o caso, por exemplo, de movimentos sociais, instituições e partidos. Esses
fatores elaboram repertórios políticos, sendo que a práxis política deve ter como pressuposto a
participação da sociedade.
Como uma forma de ação humana, a práxis política é uma forma reflexiva, no sentido
de que na política, o homem atua sobre si mesmo, sobre sua condição de existência. É o tipo de
20
práxis cujo produto é a modificação direta da sociedade concreta em que vivemos. Silva (2017)
esclarece que na época de Marx e também na nossa, esta ação é tida como uma ação social e
pode gerar frutos de ser coordenada e guiada, isto é, consciente. Assim, acaba justificando a
criação de partidos que lutam entre si, refletindo a luta de classes que encontramos na sociedade.
Nesta tônica, dialogar acerca da práxis política na interlocução com a luta por direitos deriva
do entendimento de que os movimentos sociais podem ser potencializadores da transformação
social. A práxis política tem a potencialidade de se tornar práxis revolucionária, capacidade de
transformar radicalmente a sociedade.
2
Para Galastri (2014) Os grupos subalternos são formados pelo conjunto das massas dominadas, mas sem possuir
agregação de classe. Os grupos subalternos não estão necessariamente unificados em classes sociais, pois, para
que isso ocorresse, deveriam possuir formações, agregados próprios que interviessem politicamente na relação de
forças sociais vigente em determinada formação social.[...] Em seu raciocínio, as classes dominadas formam-se,
enquanto classes, desde que frações dos grupos subalternos estejam organizadas com o objetivo de colocar em
xeque, combater, questionar ou ameaçar algum fundamento material das relações de classe vigentes.
21
Dessa maneira, Como Marx, Gramsci esclarece que a filosofia não é mera produção de
ideias nem privilégio de poucos, uma vez que, na história moderna, as massas populares
conseguiram abrir caminhos para expressar seu pensamento, se organizar politicamente e se
emancipar, estabelecendo uma profunda e indissociável “equação entre ‘filosofia e política’,
entre pensamento e ação, ou seja, uma filosofia da práxis”.
Em sua leitura da realidade traz reflexões que vieram a contribuir com uma filosofia
própria da classe proletária, posicionando-se abertamente em sintonia com as lutas das classes
subalternas. Nas considerações de Gohn (1997) ele foi o autor que mais contribuiu para as
análises e as dinâmicas das lutas e dos movimentos populares. Haja vista, que coloca como
ponto fundamental da filosofia da práxis a formação de sujeitos críticos, despertando a
consciência crítica em um processo de apoderar-se do “conhece a ti mesmo”, questionando os
problemas da sociedade, além de buscar intervir na processualidade histórica. Dessa maneira,
a filosofia da práxis não se consubstancia somente ao mundo do trabalho, mas ao campo da
ética e da formação política.
Nessa perspectiva, Gramsci talvez seja o primeiro marxista ocidental que manifesta um
autêntico interesse eminentemente político pela cultura popular, porque nela se manifestava
uma produção de significados e interpretações do mundo provenientes das classes subalternas",
Cf. Capuzzo (2009, p. 49). Ao tomar a realidade a partir de um concepção de totalidade
22
No âmbito acadêmico, a temática dos movimentos sociais aparece com uma diversidade
de definições e não muito raro, ausência de definições. É perceptível, que as dificuldades
remetem a problemas de ordem ideológica e teórico-metodológica.
Um breve resgate histórico sobre a terminologia, nos permite apreender que o conceito
de movimento social surge pela primeira vez no século XIX e tem a sua denominação pautada
para designar o movimento que envolvia a classe trabalhadora, na relação contraditória entre o
capital e o trabalho. Cunhado pela primeira vez por Lorenz Von Stein, no século XIX, por volta
de 1840, na Alemanha, o termo conclamava a necessidade de um ramo da ciência social que se
voltasse para o estudo dos movimentos sociais da época, como o movimento operário e o
socialismo, emergente, Cf. Silva (2001, p.15).
À vista disso, o debate dos movimentos sociais pelos autores que seguem a análise
marxista, é fundamentado nos movimentos enquanto resultado da contradição existente entre
capital e trabalho, fomentando a luta de classes.
Assim, os movimentos sociais decorrem do conflito entre as classes sociais, tendo uma
dimensão coletiva e não individual, que visam à transformação da sociedade por meio da
supressão do capitalismo. Este paradigma revolucionário teria como base a obra de Marx (1818-
1883) que considera as classes sociais os verdadeiros sujeitos de transformação social.
Ainda por volta do século XX, o conceito de movimentos sociais contemplava apenas a
organização e a ação dos trabalhadores em sindicatos. Com a progressiva delimitação desse
campo de estudo pelas Ciências Sociais, principalmente a partir da década de 1960, as
definições, embora parecessem imprecisas, assumiram uma consistência teórica,
principalmente na obra de Alain Touraine, para quem os movimentos sociais seriam o próprio
objeto da sociologia. Como aponta Poker e Arbarotti (2015), dada a impossibilidade
epistemológica de construir laboratórios devido à natureza do conhecimento que pretende
produzir, as Ciências Sociais encontra nos movimentos a oportunidade de observar sujeitos
históricos em ação, e por meio deles avaliar a realização de experiências acerca das condições
e condicionantes da vida social. Assim, expressam de maneira inconfundível a atuação dos
indivíduos:
Os movimentos são assim situações nas quais fenômenos próprios da vida
social manifestam-se de maneira clara para cientistas sociais; fenômenos estes
que não seriam vistos em ocasiões cotidianas, quais sejam os limites e
possibilidades de atuação de seres humanos sobre si mesmos e sobre a
sociedade em que vivem. (POKER E ARBAROTTI, 2015, p.17)
execução de políticas públicas. Todavia, é necessário lembrar que se por um lado a abordagem
marxista dos movimentos sociais, cuja matriz situa-se no campo capital trabalho, priviliegia o
processo de luta histórica da classa subalterna, por outro lado, isto não significa limitar-se a
análise do movimento operário, ou apenas dialogar a partir de determinações econômicas. É
preciso estar atento, pois a opressão-dominação capitalista, perpassa várias dimensões do ser
social. Como coloca Guimarães e Guerra (2013) o grande diferencial do paradigma marxista
dos movimentos sociais consiste em apreender, para além dos aspectos imediatos, a essência
dos fenomenos e a relação contraditória entre essência e aparencia. Nessa teoria, há também a
preocupação frequente de subsidiar a ação política destes movimentos e assim contribuir para
a práxis revolucionária
Assim, entender o carater histórico da organização política dos movimentos sociais,
requer também enteder o desenvolvimento das forças produtivas inscritas na particularidade de
cada formação social em determinados períodos, que produzem: necessidades, determinações
e desafios. Isto, torna-se fundamental para apreender o real em sua contraditoriedade e na
relação singulariade—universalidade-particularidade.
Sob outro ponto de vista, a expressão novos movimentos sociais designa os movimentos
nos quais os sujeitos se constituem e são mobilizados por força de fatores identitários. A teoria
dos “novos movimentos sociais” questiona a possibilidade da revolução colocada pelo
marxismo. Busca mudanças culturais ao invés de apontar mudanças nas sociabilidade do
capital. Em seus estudos, Gohn (2011) pontua os “novos movimentos sociais”:
[...] foi expressão cunhada na Europa, nas análises de Clauss Offe, Touraine e
Melucci e diz respeito aos movimentos sociais ecológicos, das mulheres, pela
paz e etc. Os novos movimentos se contrapõem aos velhos movimentos
sociais, em suas práticas e objetivos, ou seja, se contrapõem ao movimento
operário-sindical,organizado a partir do mundo do trabalho. (GOHN, 2011,
p.44).
São diversas as conceituações sobre os movimentos sociais, nas muitas obras produzidas
por Habermas (1981, 1984, 1987), encontra-se também uma conceituação e explicação para a
ocorrência dos movimentos sociais. Fundamentado em uma sociologia política Weberiana,
Habermas demonstra que os movimentos sociais decorreriam das transformações da sociedade
provocadas pela modernidade, o que implica a conclusão de que eles, os movimentos sociais,
somente são possíveis na sociedade moderna, e tem origem nas lutas sociais motivadas por
interesses econômicos. Assim como Gonh, autores como Habermas, Claus Offe, Bobbio e
Adam Pzreworski influenciaram as novas análises sobre os movimentos sociais, destacando a
questão do agir comunicativo presente nas ações dos movimentos e suas possibilidades de
geração de novas formas de relações e de produção, contribuindo para resolver problemas em
áreas econômicas.
Outra autora que conceitua movimento social é Scherer-Warren, que afirma que o
movimento social possui a sua base fundamentada na organização de grupos em torno de
libertação, ou seja, a busca da superação de formas de opressão, possibilitando uma sociedade
diferente. Aqui a expressão da práxis é concebida por Sherer-Warren (1984) como “toda ação
para transformação do social, desde que esta ação contenha um certo grau de consciência
crítica.” Neste sentido, a forma de reagir à opressão pode ser tanto de forma ativa, quanto de
forma passiva. Além disso, a autora enfatiza que com o desenvolvimento do debate sobre o
movimento social, o mesmo deixou de fundamentar-se apenas no conflito de classes e passou
a incorporar uma visão de mundo mais heterogênea na busca de liberdades sociais e individuais.
Corroborando com esse entendimento e no ímpeto de construir um entendimento sobre
movimentos sociais, Gohn 2011) elenca que são “ações sociais coletivas de caráter social-
político e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas
demandas”. A autora esclarece que na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias
que variam de simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas,
concentrações, passeatas, distúrbios a ordem estabelecida até os atos de desobediência civil
dentre outras. Para a autora, a caracterização de movimentos sociais:
Podemos inferir que uma das premissas fundamentais a respeito dos movimentos sociais
é que não configuram um processo isolado, destituído da processualidade histórica. Gohn
(2011) deixa claro que os movimentos sociais sempre existiram e crer que sempre existirão, um
vez que não são uma aglutinação de pessoas por força-tarefa, tendo como fundamento a ordem
numérica, mas representam forças sociais canalizadas, como campo de atividades e
experimentação social, fomentadoras de criatividade e inovações socioculturais. Assim, a
autora concorda com as premissas de Touraine (1989), em que elencava os movimentos sociais
como sendo o coração, o pulsar da vida em sociedade, e com isso, expressam energias de
resistência ao velho que oprime ou de construção do novo que liberta.
29
Os movimentos sociais são fenômenos históricos, resultado de lutas sociais que vão
introduzindo mudanças na sociedade, seja para a transformação ou para manutenção e
reprodução do conservadorismo. No processo histórico da luta, a organização da classe
trabalhadora em sindicatos, partidos político e movimentos sociais tem sido de grande
relevância, pois através da práxis política, os trabalhadores passam a problematizar as precárias
condições econômicas e sociais. Para Viola (2008), a grande contribuição desses movimentos
para a sociedade brasileira tem sido a formação de uma nova cultura que se manifesta em novas
formas de organização social e de participação política, para além do tradicional ambiente
institucional.
Como já vimos, várias são as concepções adotadas para explicar os Movimentos Sociais,
nesse trabalho comungamos com o conceito formulado por Montaño e Duriguetto (2011), ao
compreender que o movimento social é perpassado por diversas determinações, e
principalmente conformado pelos próprios sujeitos portadores de certa
identidade/necessidade/reivindicação e pertencimento de classe. Estes se mobilizam por
respostas e alternativas para enfrentar as múltiplas expressões da questão social. Assim, como
esclarece Almeida (2015), os movimentos sociais são formados por um coletivo com identidade
comum, que levantam uma bandeira de luta e disputam seus projetos na sociedade, portanto,
são imbricados por uma ideologia com direção política e pertencimento de classe.
Por essa razão, ao denunciar as contradições inerentes ao sistema capitalista, os
movimentos sociais apresentam-se como um importante espaço político coletivo. Dessa
maneira, a luta dos movimentos sociais é determinada pelo contexto histórico considerando as
relações de produção e reprodução e o processo de organização da classe trabalhadora que
condicionam as relações sociais. Lutando contra a apropriação privada da riqueza socialmente
produzida, expressam não somente os interesses dos segmentos da classe trabalhadora, como
também expressam suas diversas formas de resistência. Por serem marcados por determinadas
conjunturas históricas, as lutas sofrem uma não linearidade, em decorrência dos momentos de
efervescência e de inflexão, porém é preciso deixar claro que em ambos os momentos a latência
do potencial combativo fundamenta as estratégias de luta.
Gohn (2014) define como características de um movimento social: possuir liderança,
30
À vista disso, Arcary (2015) nos leva a reflexão ao dizer que a organização da classe
trabalhadora é afetada pela articulação de três elementos próprios da condição de existência
dessa classe: o fato do proletariado ser economicamente explorado, socialmente oprimido e
politicamente dominado, tornando difícil disputar um projeto hegemônico. É a partir da
observância do movimento do contraditório, que se é dada a possibilidade para o processo
organizativo revolucionário da luta de classe e o alcance de inúmeras conquistas.
Para a análise sobre os Movimentos Sociais na perspectiva aqui trabalhada, dialogamos
também com Guimarães (2011) quando compreendemos os Movimentos Sociais como um dos
sujeitos coletivos presentes na cena política, apresentando forte potencial de mobilização e
articulação da classe trabalhadora, na luta pela hegemonia de um projeto societário
anticapitalista, afinal, a ação revolucionária está nas mãos de sujeitos revolucionários.
Na conjuntura particular do Estado brasileiro, onde se expressam contradições, o
cenário propício para a ascensão/irrupção dos movimentos sociais, como coletivos organizados
para luta de classes, se deu no momento que o país tinha a frente de sua direção os militares no
comando. Como nos alerta Mario, Trindade e Tavares (2018) mesmo sob os riscos e
incompletudes inerentes às classificações de ordem cronológica, é possível identificar três
momentos: a década de 1980, a década de 1990 e os anos 2000.
No primeiro momento é preciso rememorar o contexto anterior ao alvorecer da Nova
31
República. Sob o comando dos militares, ao assegurar os interesses do capital em sua fase
monopolista, o país reforçou ainda mais sua dependência e subordinação presentes desde o
início da sua formação econômica, política e social em relação aos países desenvolvidos.
Observa-se um intenso processo de modificações no cenário urbano e rural do país. Fatores
como a intensa industrialização, a urbanização e o aumento das migrações fez surgir “novos
personagens”, contribuindo com toda a dinâmica das organizações, movimentos, protestos,
novo sindicalismo e efervescência da sociedade civil. Ademais conferindo destaque a luta dos
estudantes, da classe operária em seus sindicatos e as pastorais e comunidades eclesiais de base
(CEBs).
Nesse cenário, a população brasileira se manteve em resistência e luta contra toda forma
de opressão e violação de direitos: os direitos econômicos e sociais de grande parcela da
sociedade, os direitos políticos, os direitos de organização e de expressão, o direito à
privacidade, os direitos jurídicos de defesa das pessoas entre outros. Foi a partir desse momento
que as lutas pelos direitos humanos3 passaram a ganhar a conotação que temos hoje.
Dessa forma, houve uma maior socialização da esfera política e um forte expansão dos
movimentos sociais, principalmente no processo de transição para a democracia, onde os vários
sujeitos entram em cena canalizando suas reivindicações para a esfera pública, Cf. Gohn (2011,
p. 23) coloca o quanto é inegável “que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil,
contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários
direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Constituição Federal de 1988”. O
movimento de oposição e contestação ao regime militar tinha um propósito claro: a defesa dos
valores do Estado democrático e crítica a toda forma de autoritarismo estatal.
Almeida (2015) coloca que esse cenário de forte tensionamento e organização política
vai contribuir com a expressão de diferentes sujeitos políticos. Nesse período cada movimento
social foi forjando sua identidade, suas formas de atuação, pautas de reinvindicações, valores,
seus discursos que o caracterizam e o diferenciam de outros. Foram grupos que constituíram
uma nova forma de fazer política e politizaram novos temas ainda não discutidos e pensados
como constituintes do campo político. Nesse processo, ampliam o sentido e o espaço de se fazer
política”.(Evangelista, 2004, p.35). Medeiros (2015) ainda afirma que nesse período a
3
A temática os Direitos Humanos ganhou espaço de destaque no período da ditadura militar. A repressão permitiu
que fosse conquistado um espaço mesmo nos órgãos de impressa conservadores. Dessa forma, no plano
internacional, comissões compostas por juristas, membros da igreja católica, do meio universitário, dos
movimentos sociais foram incorporando os Direitos Humanos no campo das lutas políticas, dos debates e
principalmente na disputa pelo espaço hegemônico. Ao longo do 3 capitulo deste trabalho, ficará perceptível que
a questão dos Direitos Humanos tem acompanhado os movimentos sociais em busca de democratização da
sociedade, proposto a construção de uma cultura de participação capaz de criar um novo momento histórico.
32
sociedade civil4 organizada por meio dos movimentos sociais e populares, buscará o espaço
para influenciar nas decisões políticas e na construção da Constituinte de 1988. Assim, os
movimentos sociais refletem mais do que reações as privações materiais, pois vislumbram o
potencial político que pode ser construído a partir da criação de espaços públicos de discussão
que aumentam a capacidade de controlar o poder institucionalizado.
Com isso, a transição política para o Estado Democrático que ganhou força na década
de 1980 culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Assim, o processo
constituinte ficou marcado pela sua inovadora abertura à ampla participação, motivada pelos
anseios de redemocratização no país.
Porém, como essa relação é complexa e determinada por condições objetivas, quando o
país adota o modelo econômico neoliberal, na década de 1990, há um rebatimento direto na
força e na organização dos movimentos sociais. Assim, ocorre o enfraquecimento dos
movimentos populares de resistência política, confirmado os reflexos do projeto neoliberal. “Se
a conjuntura é favorável à mobilização popular e a expansão das lutas, a estratégia pode ser
mais ofensiva, se o momento se apresenta desfavorável é marcado por uma retração de forças
populares a estratégia é defensiva, Cf. Faleiros (1985, p.82).
Como tudo nesse sistema capitalista, os movimentos passam a sofrer mudanças na sua
direção. O surgimento dos chamados “novos movimentos sociais”, como explicado ao longo
deste trabalho, entrelaça os princípios da fragmentação, apresentando um distanciamento da
luta de classes, própria dos movimentos sociais combativos, ou dos “velhos” movimentos.
Como ressalta Gohn (1997) os novos movimentos sociais se vinculam a uma condição de
interesses específicos e não mais de coletividade, o que vem a deturpar a questão política e a
militância, que até então, eram questões centrais dos movimentos sociais combativos.
4
Para Correia (2011), a sociedade civil serve-se dos movimentos sociais para conquistar direitos negados ou não
disponibilizados pelo Estado. É nesse contexto de carências, de exclusão e necessidade sociais que se situam as
práticas cotidianas de movimentos sociais, que ainda com certas limitações, são meios potencializadores de novas
formas de se fazer política, de participação social, de construção do processo democrático e de transformação
social.
33
5
Ano de disputa eleitoral, que apresentava o nome do ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva, sindicalista, filiado
ao Partido dos Trabalhadores.
34
referindo-se aos direitos sociais, frutos da luta e da conquista da classe trabalhadora. O direito
é contraditório, pois, ao mesmo tempo em que serve como mecanismo de manutenção do
Capitalismo, é também conquista da classe trabalhadora.
As pessoas em situação de rua sofrem cotidianamente as consequências de um sistema
econômico opressor, que necessita de um exército de miseráveis para a manutenção, produzindo
e reproduzindo a lógica do individualismo e da culpabilização dos sujeitos pelas suas condições
degradantes de vida. Estão expostas às mais diversas formas de violência, travando uma luta
constante pela sobrevivência. Assim, esse fator dificulta, e muitas vezes, impede a busca por
estratégias de resistência, pois é preciso analisar esse fenômeno em suas condições objetivas da
realidade e em suas particularidades, pois o homem tem necessidades emergenciais como
comer, beber, ter um teto, antes de fazer política.
Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, realizada no ano de 2008 pelo
anterior Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), mostrando que os
principais motivos que levam as pessoas estarem em situação de rua estão vinculados ao uso de
álcool e outras drogas, desemprego e vínculos familiares fragilizados ou interrompidos
(Brasil,2008).
Diante de tudo que foi explanado anteriormente, a história nos mostra que somente com
a organização e mobilização da classe trabalhadora é possível a reivindicação na luta pela
consolidação de direitos. O objetivo é retirar o véu da invisibilidade que recai sob essas pessoas,
é descontruir preconceitos e enaltecer valores sociais através da luta, combatendo as diversas
violações de diretos almejando a construção efetivação de políticas públicas que garantam
condições dignas de vida, direito de todo cidadão.
É sob esse contexto, que o Brasil registra, a partir do final da década de 1970, o
surgimento de diversos movimentos sociais inseridos nas lutas pela ampliação dos direitos de
cidadania e da participação política. Já nos anos 1980, a abertura política do país permite
também que despontem as primeiras diligências de organização da população em situação de
rua (PSR) – recebendo, depois, o apoio de organizações internacionais, estudiosos, especialistas
e movimentos religiosos.
Todavia, como assinala Almeida (2015), ao fazermos um resgate histórico é possível
constatarmos que as primeiras iniciativas de trabalhos voltados para a população em situação
de rua, surgiram no início dos anos de 1950, em São Paulo, através das irmãs “Oblatas de São
Bento”, sob o nome de Organização do Auxílio Fraterno, inicialmente com trabalhos
institucionais e posteriormente, na década de 1970, com trabalhos realizados nas ruas da cidade.
Ainda na década de 1970 é criada a Pastoral do Povo da Rua, até os anos 2000 podemos dizer
que as ações voltadas para a população em situação eram majoritariamente realizadas por
entidades religiosas, com algumas iniciativas pontuais do governo.
É entre o fim dos anos 19906e início dos anos 2000, que um grande contingente de
pessoas que vivem em situação de rua promoveram mobilizações com o objetivo de dar
visibilidade à sociedade e aos gestores, as péssimas condições de vida nas ruas. Assim, parcerias
foram se firmando e o debate, através de fóruns, de manifestações, e da participação nos
conselhos de Assistência, foram se ampliando.
6
De acordo com Almeida (2015), nesse período se registra as primeiras iniciativas do processo de
organização política, uma parte da população em situação rua, que trabalhava como catadores de
materiais recicláveis formaram as primeiras associações e cooperativas de catadores. Posteriormente se
organizaram no Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.
38
Após essa chacina as organizações da sociedade civil que atuavam nessa área,
bem como personalidades políticas, técnicos e até alguns gestores públicos
comprometidos com a luta por direitos e dignidade humana direcionaram suas
atuações para reforçar as mobilizações que começam a despontar nos grandes
centros, particularmente em São Paulo e Belo Horizonte, como reação as
perseguições dirigidas à população em situação de rua. Diversos espaços
foram criados e/ou redimensionados com o propósito de dar visibilidade às
condições de vida a que esta população está submetida, bem como para
estimular o processo organizativo. Assim surgiu a ideia da criação de um
movimento nacional, expressa, em 2004, a partir da articulação inicial de
lideranças de São Paulo e Belo Horizonte (SILVA, 2010, p. 20).
Assim, em 2005 durante o 4º Festival Lixo e Cidadania, que acontece durante o segundo
semestre de cada ano, o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) é lançado, já
exibindo a sua expressão de organização no cenário político em várias cidades brasileiras.
Ainda em 2005, se pode mencionar a importância do I Encontro Nacional de População
em Situação de Rua, organizado pela Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Contando com a presença
de representantes de entidades da própria PSR, de organizações governamentais de vários
municípios e do MDS, o principal objetivo foi “fazer uma análise da realidade de vida desta
população no Brasil, com a participação de atores qualificados, e traçar estratégias e diretrizes
para a construção de políticas nacionalmente articuladas” (BRASIL, 2011, p.17).
Em dezembro desse mesmo ano, já como réplica às demandas que são expostas no
encontro, é sancionada a Lei nº 11.258/2005, que altera a Lei Orgânica de Assistência Social
(LOAS), 12 anos após sua promulgação, incluindo nesse setor programas específicos para a
população em situação de rua (BRASIL, 2011). O que veio a contribuir para que no ano 2008,
um representante do MNPR entrasse para o Conselho Nacional de Assistência Social, sendo o
primeiro representante de movimento popular eleito.
Em resposta às pressões e lutas protagonizadas pelo MNPR, podemos dizer que ocorreu
a promulgação de alguns marcos legais, a exemplificar a Política Nacional para a População
39
em Situação de Rua (Decreto 7.053/09). Todavia, o que se observa é que o Estado continua
sendo violador, seja pela omissão histórica promovida contra os “descartáveis urbanos”, seja
pelas ações de cunho criminalizatório e repressivo. ALMEIDA et al (2014). Por mais que o
Movimento grite “não queremos apenas sopa e cobertor!” a invisibilidade social persiste e se
institucionaliza.
Nesse sentido, o caminho escolhido pelo movimento foi à luta organizada unindo forças
e estratégias de ação em defesa dos direitos e por políticas públicas sociais para a população
que está em situação de rua. No caminhar da sua organização, o MNPR após vivenciar algumas
experiências, faz uma análise de suas ações, e apresenta uma carta instituindo os princípios que
fundamentam e direciona a atuação política do movimento em todo território nacional, tais
princípios deverão ser seguidos pelo coletivo, desde as bases, coordenações, individualmente,
sempre que haja atuação na luta encampada pelo movimento.
À vista disso, os princípios7 que orientam sua organização e prática políticas são a
valorização do coletivo, da democracia, da solidariedade e ética, e principalmente do trabalho
de base. Diante de tantas violações de direitos, o MNPR destaca as seguintes bandeiras de luta:
o resgate da cidadania por meio de trabalho digno, salários suficientes para o sustento, moradia
digna e atendimento nos serviços sociais. Assim, utilizam como tática, o debate acerca das
políticas sociais públicas voltadas para essa população, e para além disso, a intervenção através
do controle social e da fiscalização das políticas e serviços que já estão em vigor.
7
Na carta de princípios do MNPR, podemos encontrar a importância da escuta de base e da democracia direta,
com decisões horizontais, acordadas após discussão, assegurando melhoras para toda a coletividade. O princípio
da a.ção direta resguarda a autonomia do movimento e a responsabilidade por suas ações. Por ser apartidário, o
movimento preserva a liberdade de expressão e o apoio mútuo de parceiros. Os princípios da não violência, da
honestidade e transparência, da igualdade e justiça estão comprometidos com a luta por uma sociedade livre de
opressão.
40
assim como outros centros urbanos é perpassada por diversas violações de direitos.
Até hoje na cidade de Natal não existe um censo sobre essa população. Se levarmos em
consideração a conjuntura política atual com a precarização dos serviços e enfraquecimento das
políticas públicas, em que o Estado se demonstra máximo para o capital e mínimo para o social,
o acirramento das desigualdades e o aumento da população em situação de rua tenderá a aumentar.
De acordo com Almeida (2015), no que concerne o território do Rio grande do Norte,
até o início do ano de 2012, sob um contexto de extrema fragilidade no âmbito público, ainda
não existia nenhuma iniciativa de organização da população em situação de rua. Somente a
partir do papel político do centro de referência de direitos humanos8 (CRDH) desenvolvido na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) registram-se as primeiras iniciativas.
Como destaca Almeida (2015) o movimento que desencadeou esse processo de
organização, e de visibilidade da temática da população em situação de rua, no cenário local,
teve o seu início através do evento realizada pelo CRDH/UFRN em 2012, articulada
a outras organizações, que denominado de “Vivências de rua: sou invisível pra
você?” desempenhou de maneira bastante particular um dos fatores determinantes para a
mobilização de um grupo de pessoas que acabaram dando origem a uma organização local,
articulada ao Movimento Nacional da População de Rua. Dessa maneira, a proposição do
evento foi determinante para o processo de mobilização.
Para a jornada de lutas que estava por iniciar, democraticamente foi escolhido um
representante do grupo, que viajou para a Brasília no ano de 2013 com o objetivo de participar
do curso de Formação de Lideranças e de outros momentos que pudessem fortalecer a luta dos
companheiros, como a ida a São Paulo para o encontro que acontece anualmente com a
Presidência da República.
Esses espaços formativos como encontros, seminários, congressos, audiências e
reuniões em diversos locais propiciaram a formação político-organizativa do movimento.
Durante esse referido ano, ocorreram encontros quinzenais 9com um grupo de pessoas em
situações de ruas, inicialmente na sede do CRDH/RN e posteriormente na Ribeira, bairro
próximo a um ponto de concentração dessa população. A pauta dos encontros era dialogar sobre
as dificuldades encontradas e as violações de direitos existentes no serviço público voltados ao
8
Atualmente Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio, o seu papel nos aspectos formativos
desse movimento social na atual conjuntura será abordado ao longo deste trabalho.
9
Segundo os relatos socializados pelo GEPOP- UFRN, grupo que reune pesquisadores da temática (professores,
mestrandos, doutorandos, alunos de graduação) o evento foi realizado na Praça Augusto Severo, no Bairro da
Ribeira, contando com a presença da Coordenadora Nacional da População em situação de rua, profissionais da
rede socioassistencial e da saúde, estudantes de diversos cursos, além dos parceiros como o CRDH/RN, Conselho
Regional de Psicologia, Consultório de Rua.
41
A história dos direitos humanos é perpassada por uma série de contradições. A evolução
conceitual do termo mostra que, durante muitos anos, o seu significado foi associado a uma
concepção teórica universal, colocando-os enquanto algo inerente a condição humana e que,
portanto, deveriam ser garantidos independentemente de esforços do Estado. Todavia, devemos
sempre lembrar que tais direitos são frutos de conquistas, e requer uma compreensão ampla da
processualidade histórica, exercício que talvez facilite entender as dificuldades que encerram
sua realização.
Assim, como coloca Viola (2007), a questão dos Direitos Humanos é uma dessas
questões que pressupõem conhecer o lugar do qual se olha/// e o efeito de colocar em dúvida
conhecimentos e certezas, questioná-los a partir das condições próprias do ambiente em que se
vive.
Formulados nessa esteira, os Direitos Humanos experimentaram três grandes fases que
justificam sua universalidade, indivisibilidade e interdependência na atualidade.
Na teoria hegemônica, o marco que dá início aos Direitos Humanos no século XVIII é
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que se deu a ascensão dos direitos de
primeira dimensão: os direitos civis e políticos, conformando assim o ideal liberal e
individualista do capitalismo. A segunda dimensão é datada da primeira metade do século XX,
em que se observa um rol de direitos quanto ao trabalho e assistência social, sob forte influência
das constituições mexicanas e de Weimar.10 Com as atrocidades da II Guerra Mundial, há a
Declaração Universal dos Direitos Humanos consolidando sistemas de proteção11
internacionais e nacionais. É nesse momento que fica explícito a coexistência dos direitos civis
e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais, deflagrando posteriormente a terceira
dimensão dos direitos e a propagação do Estado de Bem Estar Social. E assim, a terceira
dimensão é aquela dos direitos difusos e coletivos, desta humanidade e das gerações futuras;
defesa ecológica, paz, desenvolvimento, autodeterminação dos povos, partilha do patrimônio
cientifico, cultural e tecnológico. Direitos sem fronteiras, de “solidariedade planetária”, Cf.
Benevides (2007).
10
Weimar foi uma cidade Alemã, cuja o modelo de república aconteceu durante os anos (1919-1933)
11
O Sistema Internacional de Direitos Humanos, o global, tem vinculação com a Organização das Nações Unidas
(ONU) e os Sistemas Regionais, são conformados pelo Sistema Americano, o Europeu e o Africano.
43
No entanto, é preciso esclarecer que essa normatividade não consegue explicar como se
dá a afirmação social dos Direitos Humanos, como se dão suas violações: a falência dos serviços
públicos, o alarmante número de homicídios, o encarceramento em massa, o machismo e o
racismo estrutural e estruturante nas relações societárias brasileira. A visão majoritária se
mostra simplória e superficial, não configura uma teoria apta a orientar uma análise crítica, pois
ele aponta uma linearidade dos direitos, sem contradições fundantes, renegando de certo modo,
a interpretação histórica, as relações sociais e o modo de produção vivenciado em cada uma
dessas gerações de direitos.
Em geral, essa perspectiva idealizada, como explica Valença (2015) busca a plena
realização dos Direitos Humanos a partir do campo da distribuição (ou seja, das políticas
públicas e ações compensatórias do Estado), quando a desigualdade emerge já no campo da
produção, da divisão social do trabalho e consequente da venda da força de trabalho. Dito isso,
visualiza Estados de Bem Estar Social em diversas regiões, desconsiderando as relações sociais
de produção. Como Herrera Flores (2009) ressalta:
De acordo com o pensamento do referido autor, os direitos humanos devem ser vistos
como resultado de lutas da sociedade, não somente como algo positivado. Mas como a
racionalidade da resistência, a traduzir processos que abrem e consolidam lutas. Em seus
estudos o autor nos leva alguns questionamentos. Porque há um ciclo vicioso em que nos
encerra o aparente “simplismo” da teoria tradicional que começa falando dos direitos e termina
falando dos direitos? Será porque não há nada além dos direitos? Serve muito ter cada vez mais
e mais direitos se não sabermos por que surgem e para que são formulados?
Por isso, é preciso entender os direitos humanos como produto da civilização humana,
e não da natureza. Compreendê-los como conquista histórica, na busca pela transformação
concreta da realidade, e não enquanto uma abstração legalista-formal, Cf. Mészáros (2008).
Como esclarece Amaral (2009) mesmo com os pactos internacionais e declarações
universais, a exemplificar a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; Pacto
44
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966; Carta das Nações Unidas
de 1945, Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, os Estados-nação continuam
declarando guerras entre si e violando os mesmos direitos que pactuaram em instrumentos
jurídicos e normativos dos quais são signatários.
Se por um lado são respeitados no plano teórico, por outro, esses direitos na
materialidade da vida cotidiana passam por um conjunto de interesses sociais expressos nos
próprios interesses das classes dominantes que implicam em desrespeito, constantes violações,
processos de desigualdade e exclusão social que permeiam de forma estrutural a sociabilidade
atual. Por isso, é importante afirmar que os Direitos Humanos nascem de um processo histórico
material, marcados pela luta social, institucionalizados em formas de normas mínimas, que só
serão garantidos através da ação política. É a crítica marxista à concepção clássica que
demonstra a insuficiência da idealização, chegando à conclusão que somente a luta é capaz de
provocar mudanças.
Pensando esse processo eminentemente histórico de luta pela consquita de direitos,
Coutinho (2005) sublinha que a luta é tarefa fundamental para tornar os direitos efetivos, pois
somente o reconhecimento legal-positivo não garante a sua materialização. Contudo, revela que
é preciso estar atento a alguns aspectos para não cair em uma abordagem unilateral e
equivocada, como na esfera das políticas sociais: através de suas lutas, os trabalhadores
postulam direitos, que uma vez materializados, são uma indiscutível consquista. Todavia, isso
não anula a possibilidade de que, em determinadas conjunturas, a depender da correlação de
forças, a burguesia use as políticas sociais para desmobilizar a classe trabalhadora, para tentar
cooptá-la. Por isso, é dada a necessidade a instensificação das lutas pela realização da
cidadania12 e o estabelecimento de correlação de força favoráveis aos segmentos sociais
efetivamente empenhados nessa materialização.
Na obra “A reinvenção dos direitos humanos” de Joaquín Flores Herrera, o autor
trabalha uma perspectiva importante para a compreensão dos direitos humanos, do ponto de
vista de uma nova teoria, particularizando-o em três níveis.
O primeiro nível – o “o quê” dos direitos humanos, no ímpeto de fugir do simplismo, o
busca compreendê-los enquanto processos provisórios de lutas que os seres humanos colocam
em prática para ter acesso aos bens necessários à vida, não se confundindo com os direitos
positivados em tratados e convenções.
12
Para o autor, cidadania, democracia e soberania popular são expressões com a mesma significação, pois devem
ser pensadas como processos eminentemente históricos, como conceitos e realidades aos quais a história atribui
permanentemente novas e mais ricas determinações.
45
O segundo nível – O “por que” dos direitos humanos traz em seu bojo a pergunta “do
por que lutamos por direitos humanos?” utilizando-se de um construto histórico, político, social
e econômico para explicar as lutas, pautando-se em bases concretas, isto é, segundo a posição
que ocupemos no marco da divisão do fazer humano, dita se teremos uma maior ou menor
facilidade para ter acesso à educação, saúde, moradia, à expressão, ao meio ambiente e etc.
Assim, demonstrando os injustos e desiguais processos de divisão do fazer humano.
No terceiro nível – o “para que” dos direitos humanos nos faz compreender que as lutas
por tais direitos não são única e exclusivamente por sobrevivência, de caratér imediatista, mas
pela criação de condições materiais concretas em que as práticas sociais se aproximem da
dignidade humana13.
Esquematicamente, o autor resume as bases dessa nova teoria:
1.Devemos começar reconhecendo que nascemos e vivemos com a
necessidade de satisfazer conjuntos culturalmente determinados de bens
materiais e imateriais. Segundo o entorno de relações nas quais vivamos, serão
os bens a que tentaremos ter acesso. Mas em primeiro lugar não são os direitos,
são os bens. 2.Num segundo momento, deve-se ter em conta que temos de
satisfazer nossas necessidades imersos em sistema de valores e processos que
impõem um acesso restringido, desigual e hierarquizado de bens. Esse fato
materializa-se ao logo da história, por meio de marcos hegemônicos de divisão
social, sexual, étnica e territorial do fazer humano.3.A história de grupos
marginalizados e oprimidos por esses processos de divisão do fazer humano é
a história do esforço para levar adiante práticas e dinâmicas sociais de luta
contra esses mesmos grupos. Daí corresponder a nós pôr as frases dos direitos,
mas admitir que a verdade deles reside em lutas raramente compensadas com
êxito. 4.O objetivo fundamental de tais lutas não é outro que poder viver com
dignidade, o que, em termos materiais significa generalizar processos
igualitários (e não hierarquizados “a priori”) de acesso aos bens materiais e
imateriais que conformam o valor da “dignidade humana”.5. E, por fim – se
temos o poder jurídico e legislativo necessários -, estabelecer sistemas de
garantias (econômicas, políticas, sociais e, sobretudo, jurídicas) que
comprometam as instituições nacionais e internacionais ao cumprimento
daquilo conquistado por essas lutas pela dignidade de todas e todos.
(HERRERA FLORES, 2009, p. 32)
13
A ideia de diginidade humana trabalhada pelo autor não é um conceito ideal e abstrato, mas trata-se de um objeto
que se concretiza no acesso igualitário e generalizado aos bens, que fazem com que a vida seja “digna” de ser
vivida.Todavia, para que tal acesso seja igualitário e não hierarquizado é preciso que não hajam pessoas em
situações privilegiadas e outras em situação de subordinação e exploração.
46
14
Milhares deles em defesa da anistia, a ponto de organizar manifestações em defesa das eleições diretas e da
constituinte soberana.
47
“casamento” com os Direitos Humanos. Após 21 anos de Estado de exceção, comandado por
militares e frações da burguesia aliados, de caráter ditatorial, o Brasil reestabelece o Estado
Democrático de Direito, reafirmando a visão de que os direitos são êxitos de lutas dos
movimentos e segmentos sociais, cabendo ao legislador a inserção no texto constitucional de
garantias.
Construir a noção de direitos humanos é atentar para o cenário de acirramento das
expressões da questão social, em que muitas vezes a centralidade do poder público acaba
circunscrita a busca pelo combate a violações, por meio de políticas sociais. Nos últimos
tempos, o que se coloca para a população brasileira é a ineficácia dessas políticas, com o
tradicional modelo assistencialista, focalizador, que esbarrando nas limitações impostas por
uma sociedade baseada na propriedade privada e no consumo, não permite integralmente a
garantia de todos os direitos a todos os cidadãos. Assim, na dimensão pós-violatória nos
deparamos constantemente com os limites e a necessidade da sociabilidade do capital, com a
ineficácia das políticas no combate às violações, além de uma frágil rede de proteção. Dessa
maneira, falar de direitos humanos é levar em consideração as dinâmicas sociais que tendem a
construir condições materiais e imateriais necessárias para conseguir determinados objetivos.
Essa perspectiva nos esclarece que somente a luta pelo combate as violações não é
suficiente, é preciso também construir ações que sejam afirmativas, de promoção e de fomento
de pautas identitárias com conexão a outras dimensões da organização social, que caminhem
na contramão da exclusão e de diversos setores da sociedade brasileira.
No país, data de 1977, a primeira forma institucionalizada de direitos humanos, com a
criação, no âmbito do Ministério da Justiça de uma secretaria responsável por atuar
especificamente nessa temática. Como esclarecido por Souza e Paiva (2015), em termos
cronológicos, posteriormente, no ano de 2003, a instituição passa a ser um órgão integrante da
Presidência da República, denominado Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Apenas em
2010 é que se consta o status de Ministério, por meio de decreto, recebendo até então o nome
de Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República15. Dessa forma, trata-se de uma
instituição responsável por articular de forma interministerial e intersetorial as políticas de
promoção e proteção aos Direitos Humanos no Brasil.
15
No ano de 2015, após um reforma ministerial pela Presidenta Dilma Rousseff, a pasta dos Direitos Humanos foi
unificada com as secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres,
formando o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH). Tal ministério foi
extinto em 2016, por Michael Temer e recriado em 2017, sob o nome de Ministério dos Direitos Humanos. No
governo Bolsonaro, a pasta foi transformada em Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos,
englobando também as políticas indígenas da FUNAI, anteriormente vinculada ao Ministério da Justiça.
48
16
Os Programas Nacionais de Direitos Humanos foram mecanismos que buscaram a implementação dos direitos
humanos na nossa sociedade. Temos o Temos PNDH-1, PNDH-2 e o PDH-3.O primeiro Programa Nacional de
Direitos Humanos (PNDH-1) de 1996 tem uma grande relevância no que tange a política de direitos humanos e o
debate sobre o tema, criado a partir de uma recomendação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena
de 1993, e foi pensado com propostas subdivididas em curto, médio e longo prazo. A incorporação dos direitos
econômicos, sociais e político, foi fruto de uma revisão e atualização no ano de 2002, resultando na publicação do
(PNDH-2.) No que tange a terceira versão, o (PNDH-3) incorporou pautas que tratam da igualde racial, dos direitos
da mulher, do idoso e das pessoas com deficiência entre outros.
49
do ministério17, como o disque 100 e 180. Esses números colocam o Estado em terceiro lugar
no ranking nacional, considerando a proporção por 100 mil habitantes.
Assim, podemos dizer que com a reabertura do CRDH-MD ocorreu o fortalecimento
das ações em parceria com o Observatório da População Infanto-juvenil em Contextos de
Violência, que visam o enfrentamento do extermínio da juventude negra, nos territórios de
maior índice de violência letal desse público, com a realização do monitoramento desses
índices, além de ações de formação de multiplicadores juvenis e dos atores do Sistema de
Garantia de Direitos que atuem com a temática em questão. Atendimentos e encaminhamentos
específicos para promoção da igualdade também são de atuação do Centro.
Àvista disso, uma das frentes de ações volta-se à população em situação de rua. Desde
2012, o CRDH Marcos Dionísio vem trabalhando de modo contínuo e sistemático junto a esses
segmentos, apoiando as ações do Movimento Nacional da População em Situação de Rua
(MNPR/RN) e da Associação Plural Potiguar18, contribuindo para sua formação política e
organização social.
Nessa perspectiva, no que tange ao assessoramento ao Movimento da População em
Situação de Rua em Natal, a implicação do CRDH-MD foi importante no desenvolvimento de
estratégias e fortalecimento político desse segmento social. Como mencionado anteriormente,
na cidade não havia um organização política das pessoas em situação de rua, e após a realização
de ações formativas, foi originada uma articulação política com a criação do Movimento da
População em Situação de Rua de Natal/RN, vinculado ao Movimento Nacional.
No antigo formato de organização do Centro, no ano de 2013, houve um mapeamento
das demandas que vinham sendo acompanhadas e criaram-se quatro núcleos de atuação,
visando atender situações de violações de direitos e construir um fluxo que garantisse uma
agenda política e pragmática. De acordo com Paiva e Souza (2015):
O Núcleo gentileza atuava com a população em situação de rua e com ações
de Direitos Humanos na interface com a saúde mental; O núcleo Pagu atuava
com a violência de gênero, população LGBT e idosos; o núcleo Marighela
atuava com questões relacionadas à tortura, ao extermínio da juventude,
17
O disque 100, ou disque direitos humanos é um serviço vinculado a anterior Secretaria Especial dos Direitos
Humanos. Funciona 24h por dia e atende não apenas denúncias de violência contra crianças e adolescentes, mas
qualquer violação aos direitos e à dignidade humana. Assim, o disque 100 é o canal de recebimento de violações
como: racismo, maus tratos aos idosos, discriminação por orientação sexual, abuso sexual e trabalho infantil,
violações a pop rua, entre outras. O CRDH-MD desde a reabertura tem como objetivo mapear e monitorar as
violações e acionar a rede de serviços, cobrando das instituições informações e encaminhamento dos casos.
O dique 180 é uma Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Trata-se de um serviço de utilidade
pública, gratuito e confidencial, que tem por objetivo receber denúncias de violência, reclamações sobre os
serviços da rede de atendimento à mulher e de orientar as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente,
encaminhando-as para outros serviços quando necessário.
18
A Associação Potiguar Plural é um coletivo de usuários de Serviços de Saúde Mental da cidade de Natal/RN e
agrega também familiares, técnicos e defensores dos Direitos Humanos e da Luta Antimanicomial ,
51
Nesse referido ano, o CRDH-MD por meio desse núcleo, e em parceria com o
MNPR/local, realizou em sua sede o planejamento das ações do movimento para 2013. Neste
calendário de formação interna foram abordadas temáticas como: organização e participação
política, movimentos sociais e direitos humanos, reflexões sobre a Política Nacional para a
população em situação de rua, saúde mental da população em situação de rua, diversidade
sexual, dentre outros.
Todavia, na conjuntura atual de precarização dos recursos, e se comparado à estrutura
anterior, as demandas que chegam ao centro nos anos de 2018/2019 não são mais setorializadas
em núcleos temáticos. O acompanhamento de contextos específicos de violação de direitos
ocorre por meio da assessoria jurídica e atendimento psicossocial. A equipe técnica
interdisciplinar é composta por uma assistente social, uma psicóloga, um advogado e estagiários
das áreas da psicologia, serviço social, direito, história, comunicação social e ciências sociais,
que contribuem na realização de atendimentos e construção de um fluxo, Cf. Paiva e Souza
(2015). As denúncias aos contextos de violações chegam por meio de várias formas: Programa
disque 100, encaminhamentos de outras instituições, demanda espontânea ou através das ações
itinerantes nas comunidades. Dessa forma, o atendimento é realizado a partir do contato com a
própria vítima ou denunciante, que pode solicitar o anonimato ou não. As denúncias podem ser
referentes a contexto de violação individual, ou seja, uma situação de violência em que uma
pessoa em particular esteja inserida (por exemplo, violência contra a pessoa idosa) ou a um
contexto de violação coletiva, situação em que uma comunidade ou um grupo de pessoas
estejam vivenciando, como as violações institucionais contra as pessoas em situação de rua.
Assim, o centro promove ações voltadas para a garantia dos direitos humanos de grupos
populacionais que vêm sendo vitimizados diuturnamente e que possa agregar ações de
acolhimento, encaminhamento e acompanhamento, além do monitoramento dos casos.
Ademais, busca dar uma projeção coletiva aos contextos de violação, realizando atividades
itinerantes, que busquem a problematização e discussão política, por meio de palestras, oficinas,
eventos, audiências públicas e assembleias. Atividades que são realizadas em parceria com
outras instituições e com os movimentos sociais.
Nesse cenário, o Centro vem se posicionando em relação às diversas negativas e
violações de direitos na capital. Segundo a reportagem do jornal local Tribuna do Norte, de 22
de agosto de 2016 “em dois anos, o número de moradores de rua cadastrados no Centro de
52
19
Segundo os serviços socioassistenciais definidos pela Tipificação Nacional, os Albergues são serviços de
acolhimento em abrigo institucional, podendo ser destinado para crianças e adolescentes; adultos e famílias;
mulheres em situação de violência, jovens e adultos com deficiência e idoso. Já o Centro POP, é um Serviço
Especializado para Pessoas em Situação de Rua, classificado como Proteção Social Especial de Média
Complexidade e tem como finalidade analisar as demandas dos usuários, promover orientação individual e
coletiva, além de encaminhar os usuários aos demais serviços socioassistenciais. Ademais, o Centro deve oferecer
espaços de guarda de pertences, higiene pessoal e alimentação, bem como promover documentação civil e
endereço institucional.
53
Dessa maneira, por meio de palestras e diálogos interativos sobre os direitos da POP
Rua, vem assessorando o movimento nos espaços de participação política. O intento nessa parte
da análise não é relatar todos os eventos em que o Centro esteve presente, mas prover uma
reflexão em torno dessa articulação. Nessa perspectiva, o CRDH-MD se fez presente no Dia de
Luta da população em situação de rua. Este aconteceu próximo ao viaduto do baldo, no dia 31
de agosto de 2018, contando com representantes do movimento, sociedade civil, defensoria
pública, entre outros órgãos que reconhecem a importância da luta. Sob a bandeira do
movimento ao fundo, em uma faixa continha: “Chega de omissão. Queremos habitação! A
nossa fome é por direitos”. As diversas falas dos representantes versavam sobre a necessidade
de assegurar a essa população a garantia de direitos, inclusive a moradia. Para isso, cobrando a
elaboração de políticas habitacionais condizentes com a realidade desse segmento. Hoje o
principal acesso à moradia popular é o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), no
entanto, tal política apresenta uma burocracia incompatível: a inserção só é realizada a partir de
uma demanda fechada ou de sorteio. O movimento, exige o mapeamento da comunidade que
será beneficiada, a distância dos conjuntos habitacionais produzidos pelo PMCMV entre outros
requisitos que dificultam tanto o acesso quanto à permanência dessa população à moradia.
Ainda sobre essa temática da moradia, em abril de 2019, o CRDH-MD e toda a
sociedade foi convidada a participar de uma audiência pública na câmara municipal, com o
tema: “Retrato Social das Pessoas em Situação de Rua na Cidade de Natal”. Segundo o relatório
produzido pela equipe responsável pelo evento, diante do crescimento da população em
situação de rua em Natal, o Ministério Público solicitou à Secretaria Municipal de Habitação,
Regularização Fundiária e Projetos Estruturantes (SEHARPE) uma resposta à problemática da
habitação desse segmento populacional. A partir disso, foi criada uma comissão dentro do
Conselho de Habitação e Interesse Social – CONHABINS para estudar o tema e propor
encaminhamentos preliminares de soluções para essa questão que contribuísse com a
elaboração de uma política pública municipal. O relatório20 apresenta os resultados dos estudos
da comissão formada na reunião da CONHABINS, do dia 20 de agosto de 2018.
20
No referido relatório técnico constam a caracterização da população em situação de rua, as reinvindicações do
movimento, reflexões sobre o paradoxo dos imóveis desocupados na capital e o contingente de pessoas em situação
de rua, além de sugestões e encaminhamento preliminares para a problemática da moradia, pactuado com o
movimento. Esse relatório técnico é resultado dos estudos de uma comissão dentro do Conselho de Habitação e
Interesse Social – (COHABINS), ligada à Secretaria Municipal de Habitação, Regularização Fundiária e Projetos
Estruturantes- (SEHARPE).
55
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
democracia.
Como socializado ao longo do trabalho, ficou visível a luta do Centro de Referência em
Direitos Humanos Marcos Dionísio na construção de uma nova práxis política, compreendendo
que os direitos humanos não são um dado, mas um constructo histórico, assim às violações a
estes direitos também o são. Isto é, as exclusões, as discriminações, as desigualdades, as
intolerâncias e as injustiças são um construído histórico, a ser urgentemente descontruído. O
Centro se fez presente desde a emergência e fortalecimento do MNPR/RN, considerando os
desafios, conquistas e perspectivas de continuidade, atuanto tanto na dimensão da promoção e
educação em direitos humanos quanto Destacamos aqui o processo de assessoria, atendimentos,
promoção de eventos e discussões, monitoramento e acompanhamento dos casos de violência.
Todavia, não podemos perder de vista que o CRDH-MD não substitui a rede
intersetorial de políticas e mesmo que venha desenvolvido um trabalho significativo, é um
projeto de extensão que carece de recuso e de uma conjuntura política favorável aos direitos do
conjunto da sociedade. Na atual tendência é fundamental que haja mobilização e luta em defesa
da universidade pública e gratuita e de qualidade, que não seja condicionada somente ao ensino,
mas que consiga manter o seu tripe: ensino, pesquisa e extensão, imprescidivel na produção do
conhencimento para além dos “muros da universidade”.
O que temos observado nos últimos anos é o avanço do conservadorismo, que se espraia
no cotidiano da sociedade brasileira, a luta pelos direitos humanos é alvo de infundadas críticas,
seja pela mídia ligada aos interesses das classes dominantes, atuando de forma sensacionalista,
ou seja, pelo imaginário social que propaga a expressão: “Direitos Humananos para humanos
direitos”, em que os operadores desse discurso associam ao aumento da criminalidade, violéncia
deixando à parte o debate da segurança pública. Nesse cenário de inúmeras violações dos
direitos humanos, a “noção de que nada funciona” também se disseminou na sociedade como
rastilho de pólvora, na tentativa de encobrir uma das perversas formas do Capital: as aspirações
a um governo protofascista, que dissemina o ódio, marcado pela opressão e criminalização à
qualquer movimento contrário ao governo.
Por fim, a frase perpretante de um filme francês “O fabuloso destino de Amélie Poulain”
lançado em 2001, do roteirista Jean Pierre Jeunet, “São tempos dificeis para os sonhadores”,
transpõe o que significa lutar pelos direitos humanos na atual conjuntura, em que a cada
ofensiva do capital exige que os movimentos sociais repensem estratégias políticas e sociais de
confronto, com um compromisso ético e político irrenunciável em prol de uma sociedade aberta
e democrática, edificada em valores como a solidariedade, a liberdade, igualdade e o pluralismo
político.
59
6. REFERÊNCIAS
ARCARY, Valerio. Duas teses sobre a situação internacional. In: ABRAMIDES, Maria
Beatriz. DURIGUETTO, Maria Lúcia, (orgs.). Movimentos Sociais e Serviço Social: uma
relação necessária. – São Paulo: Cortez, 2015
BARBOSA, Rafael. Prefeitura de Natal não tem dados sobre quantidade e características da
população de rua da cidade. G1. Publicado em 16 maio. 2019. Disponível em:
<https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/04/16/prefeitura-de-natal-nao-tem-
dados-sobre-quantidade-e-caracteristicas-da-populacao-de-rua-da-cidade.ghtml> Acesso em
05 de maio de 2019.
BENEVIDES, Maria Victoria. Direitos humanos: desafios para o século XXI. In: SILVEIRA,
Rosa Maria Godoy et al. Educação em direitos humanos: Fundamentos Teórico-
Metodológico. João Pessoa: Editora Universitária, UFPB, 2007.
CARONE, Iray. Curso de Ética e Política no Instituto da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Ética e Política: uma introdução às teorias éticas e políticas. São Paulo, Alesp, 2004.
DURIGUETTO, Maria Lúcia; SOUZA, Alessandra Ribeiro de; SILVA, Karina Nogueira e.
Sociedade civil e movimentos sociais: debate teórico e ação prático-política. Revista Katálysis,
Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 13-21, jan. 2009. Disponível
em:<https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/S1414-49802009000100003>.
Acesso em: 27 de abril de 2019.
ESCLARÍN, Antonio Pérez. A educação popular e sua pedagogia. São Paulo: Edições
Loyola, 2005.
FALEIROS, Vicente de Paula. Saber Profissional e Poder Institucional. São Paulo: Cortez,
1985.
GENEVOIS, Margarida. Prefácio in: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. Educação em
direitos humanos: fundamentos teórico-metodológico. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 2007
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: A constituição da cidadania
dos brasileiros. 6. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011.
____. Conselhos gestores e gestão pública. Revista Ciências Sociais Unisinos, Rio Grande do
Sul, v. 42, n. 1, p. 5-11, jan/abr. 2006. Disponível em:
<http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/6008> Acesso em 21 de
Março de 2019.
____. Sociologia dos Movimentos Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2014. (Questões
da nossa época, 47).
HABERMAS, Jurgen. New social movements. Telos, New York, n. 49., p. 33-37, 1981.
_____. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
MADZA, Aura. Quantidade de moradores de rua aumenta 240 %. Tribuna do Norte. Publicado
em 21 ago. 2016. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/quantidade-de-
moradores-de-rua-aumenta-240/355828. Acesso em 05 de maio de 2019.
MARIO, Camila Gonçalves de; TRINDADE, Thiago Aparecido; TAVARES, Francisco Mata
62
MELUCCI, A. Um objetivo para os movimentos sociais? São Paulo. Lua nova: Revista de
Cultura e Política, n.17, 1989. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451989000200004 Acesso
em: 21 de Abril de 2019.
________. Teses sobre Feuerbach. In: A ideologia alemã. Tradução de Rubens Enderle, Nélio
Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007.
____. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966. Disponível
na Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo - USP. Acesso em:
29 de Abril de 2019.
____. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível na Biblioteca Virtual
de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo - USP. Acesso em: 29 de abril de 2019.
PETROVIC, Gajo. Práxis. In: Tom Bottomore (Ed.). Dicionário do Pensamento Marxista.
(Trad. Waltensir Dutra) Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
2019.
_______________________. Natal oferece atendimento de excelência à população de rua. G1.
Publicado em 02 mar. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-
norte/especial-publicitario/prefeitura-do-natal/natal-a-nossa-cidade/noticia/2016/03/natal-
oferece-atendimento-de-excelencia-populacao-de-rua.html> Acesso em 05 de maio de 2019.
SASSE, Cintia. OLIVEIRA, Jornal do Senado. Edição Especial: pessoas em situação de rua.
Publicado em 28 de mar. 2019. Disponível
em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/especial-cidadania-
populacao-em-situacao-de-rua
SILVA, Maria Lucia Carvalho da. Movimentos Sociais: gênese e principais enfoques
conceituais. In: Revista Kairos. São Paulo, 2001.
SILVA, Maria Lucia Lopes. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São Paulo,
Cortez, 2009.
SOUZA, Cândida de; PAIVA, Ilana Lemos de. Por uma nova política de Direitos Humanos: a
experiência do CRDH/RN. In: Ilana Lemos de Paiva et al. Direitos Humanos e práxis:
experiências do CRDH-RN. Natal, RN: EDUFRN, 2015.
VIOLA, Solon Eduardo Annes. Direitos humanos no Brasil: abrindo portas sob neblina. In:
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-
metodológico. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2007.
VALENÇA, Daniel Araújo. Centro de Referência em Direitos Humanos: elementos para uma
64
práxis política. In: Ilana Lemos de Paiva et al. Direitos Humanos e práxis: experiências do
CRDH-RN. Natal, RN: EDUFRN, 2015.
VIOLA, Eduardo; LEIS, Hector Ricardo. A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971-
1991: do bissetorialismo preservacionista para o multisetorialismo orientado para o
desenvolvimento sustentável. In: HOGAN, D.; VIERA, P. (Orgs.). Dilemas socioambientais
e desenvolvimento sustentável. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
VAZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. São Paulo. Expressão Popular, 2ºEdição,
2011.