Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Belo Horizonte
2016
Belo Horizonte
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
CDU: 342.76
_________________________________________________________________________
Professor Doutor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (Orientador) – PUC Minas
_________________________________________________________________________
Professor Doutor Gregório Assagra de Almeida – Universidade de Itaúna
_________________________________________________________________________
Professor Doutor André Cordeiro Leal – PUC Minas
_________________________________________________________________________
Professor Doutor Adilson de Oliveira Nascimento – PUC Minas
AGRADECIMENTOS
Às pessoas em situação de rua, por sempre gritarem para quem tem ouvidos.
Aos meus pais Cláudio e Neuza, pelo amor sem medidas e, principalmente,
pelo exemplo de vida. Aos meus irmãos Leonardo e Michel, pelo companheirismo e
amizade. À minha namorada Priscila Silveira, pelo apoio e carinho incondicionais.
Ao orientador Professor Brêtas, pelas lições, incentivos e indispensável
amparo na pesquisa e elaboração dessa dissertação. Eis aqui os alicerces da
catedral científica interminável que o senhor me exortou a construir. Ao Professor
Rosemiro, pelas inestimáveis aulas, arguições e pela teoria que elaborou e serve de
referencial teórico para o presente trabalho. Ao Professor André Leal, maior
incentivador e destinatário da minha gratidão. Aos demais professores do Programa
de Pós-Graduação em Direito, Vicente de Paula Maciel Júnior, Dierle Nunes, Lucas
Gontijo, Bruno Wanderley Júnior e Lusia Ribeiro Pereira, pelos ensinamentos.
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Direito e da Biblioteca
Pe. Alberto Antoniazzi, pelo trabalho diário sem qual o ensino não seria possível.
Aos amigos do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas,
especialmente Alexandre Ferrer, Pedro de Abreu Peixoto, Francisco Dourado, Fábio
Roque, Lauro Mendonça, André Del Negri, Igor Soares, Flávia Penido, Jordânia
Gonçalves, Gil Morato, Luiz Sérgio dos Santos e Evelyn Mendonça.
Aos companheiros de pesquisa no grupo Trabalho da População em Situação
de Rua do Programa Cidade e Alteridade, especialmente Egidia Maria de Almeida
Aiexe, Ana Paula Santos Diniz e Ely Fernandes, pela sincera amizade, apoio,
reflexões e trabalho de campo.
1
CAMARGO, JORACY. Deus lhe pague, p. 4-5.
2
MENEZES, Letícia Lima de Aguiar. Trocas.
RESUMO
ABSTRACT
This research aims to study the use of the procedure of writ of mandamus in the
execution of liquids and certain fundamental rights of the homeless according to the
theoretical framework of neo-institutionalist theory of the process. Despite the
Constitution of 1988 provides the principle of immediate applicability of the norms
defining fundamental rights and guarantees, homeless is deprived of the legal and
economic fruition. Much of the brazilian doctrine still works with ideologies that
reinforce authoritarianism of the judges to the detriment of law and the participation
of homeless in the preparation of judicial decisions, indefinitely postponing the
conformation of reality to the Democratic Rule of Law. In this research, liquidity is
interpreted as self-executive and certainty as unexchangeable of right rather than as
pre-made documentary evidence and undoubted to be handled by the judge. The
homeless is thought as subject of law able to perform their fundamental rights using
the writ of mandamus and not as aphonic recipients of judgments. The writ of
mandamus is theorized as a constitutional institute that is defined by the conjunction
of the principles of legal defense, isonomy, contradictory and immediate applicability
of the norms defining fundamental rights and guarantees.
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................. 17
Introdução
A parábola “Diante da lei” de Franz Kafka, cujo trecho foi transcrito acima,
pode ser imaginada em ambiente físico que abriga a porta, lei, porteiro, camponês e
banquinho no qual ele se senta e espera inutilmente a permissão para a entrada na
lei.
Esta dissertação trata do mandado de segurança como procedimento
constitucional para a execução dos direitos fundamentais líquidos e certos das
pessoas em situação de rua pela autoinclusão em espaços processualizados de
construção de significados e defende a utilização da hermenêutica isomênica para a
destituição da figura da auctoritas do âmago do processo.
A pessoa em situação de rua não deve esperar a permissão para a entrada
na lei, pois a sua autoinclusão já lhe é assegurada independentemente da
permissão do porteiro controlador que se coloca, junto com o camponês, também
fora da lei.
Dessa maneira, a pessoa que está em situação de rua passa de mero
destinatário afônico e errante da lei, sentença judicial ou qualquer outra decisão
jurisdicional, legislativa e administrativa para ser o construtor do mundo no qual vive.
A autonomia na construção dos significados do seu mundo deve ser feita em
espaços processualizados nos quais a precariedade das condições
socioeconômicas da parte litigante não influencie no direito de interpretação do
ordenamento jurídico.
Antes de aplicar o direito, é necessário que o direito seja teorizado e que as
possíveis consequências positivas ou negativas sejam antecipadas. Aplicar o direito,
para só depois teorizá-lo (rectius: dogmatizá-lo) é temeridade, pois tende a
reproduzir indefinidamente a realidade, sem a eliminação de erros e adequação da
realidade ao princípio do Estado Democrático de Direito. Longe de ser ciência, a
dogmática jurídica é forma de dominação e manutenção de privilégios disfarçados
de direitos.
3
KAFKA, Franz. Um médico rural: pequenas narrativas, p. 23.
4
Segundo Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, “a teoria neoinstitucionalista do processo, gerada e
estudada pelo talento, inteligência e invulgar conhecimento filosófico e jurídico de Rosemiro Pereira
Leal, revisitando afirmativas e conclusões secularmente incrustadas na ciência do Direito – e assim
o fazendo de forma rigorosa e inédita – vem exercendo grande influência no pensamento e
formação dos juristas da nova geração, notadamente naqueles que receberam sua qualificada
7
NEIVA, Eduardo. O racionalismo crítico de Popper, p. 246.
8
POPPER, Karl Raimund. O racionalismo crítico na política: coletânea de ensaios, p. 51-52.
9
POPPER, Karl Raimund. A sociedade aberta e seus inimigos, p. 232, 233.
13
CAPONI, Gustavo. Popper: as aventuras da racionalidade, p. 37, 40.
14
ALBERT, Hans. O direito à luz do racionalismo crítico, p. 89-91. O que Hans Albert entende por
racionalismo clássico é, para Popper, pseudo-racionalismo.
15
POPPER, Karl Raimund. Conjecturas e refutações, p. 68.
16
O problema da demarcação, p. 127. O termo conjectura é utilizado no sentido que Popper abordou
as conjecturas científicas, qual seja, “expressão para hipóteses ou teorias científicas”
(Conhecimento objetivo, p. 113).
17
Em capítulo sobre os princípios diretivos da jurisdição no estado democrático de direito, Ronaldo
Brêtas de Carvalho Dias acentua que o princípio do juízo natural é concebido pela doutrina com o
“significado de órgão jurisdicional competente predeterminado ou preestabelecido em lei,
contrapondo-se ao juízo de exceção, este expressamente proibido no texto constitucional”; o
princípio da vinculação da jurisdição ao Estado Democrático de Direito se “origina da ideia de uma
ordem normativa jurídico-fundamental resultante da conexão interna entre democracia e Estado de
Direito, princípios positivamente constitucionalizados, aos quais jungidas todas as funções e
atividades exercidas pelos órgãos do Estado, sem qualquer exclusão (Constituição Federal, artigo
1º)”; o princípio da supremacia da Constituição Federal, cuja observância, “principalmente em
relação às normas constitucionais declaratórias de direitos e garantias fundamentais”, possibilita “o
primado do Estado Democrático de Direito”; o princípio da reserva legal, indicado no artigo 5º,
inciso ll, da Constituição Federal, resulta na “sujeição dos órgãos jurisdicionais às normas que
integram o ordenamento jurídico, sobretudo as normas constitucionais, emanadas da vontade do
povo, porque discutidas, votadas e aprovadas pelos seus representantes, no Congresso Nacional”
para a caracterização da “legitimidade democrática das decisões jurisdicionais”; o princípio do
devido processo constitucional, segundo o qual a “decisão jurisdicional (sentença, provimento) não
é ato solitário do órgão jurisdicional, pois somente obtida sob inarredável disciplina constitucional
principiológica (devido processo constitucional), por meio da garantia fundamental de uma
estrutura normativa metodológica (devido processo legal), a permitir que aquela decisão seja
construída com os argumentos desenvolvidos em contraditório por aqueles que suportarão seus
efeitos, em torno das questões de fato e de direito sobre as quais controvertem no processo” e, por
fim, o princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais que impõe o entendimento segundo
o qual “a fundamentação da decisão jurisdicional, muito longe de surgir apoiada em convicções
pessoais ou em critério salomônicos ou sentimentos vagos de justiça, deverá ser o resultado lógico
da atividade procedimental desenvolvida em torno das questões discutidas e dos argumentos
produzidos em contraditório pelas partes em todas as fases do processo, porquanto são elas, as
partes contraditoras, que suportarão os seus efeitos” (BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias.
Processo constitucional e estado democrático de direito, p. 151, 153, 155, 158-159, 164, 173-174).
18
Seguindo a teoria neoinstitucionalista do processo, Cynara Silde Mesquita Veloso conclui que a
elaboração das súmulas vinculantes não leva em consideração “a epistemologia do Direito
Processual baseada na ciência jurídica e na crítico-jurídico-científica”, ressaltando que, na
perspectiva utilitarista, resultados práticos foram buscados para “a crise da operacionalidade do
Judiciário sem atentar para os princípios do contraditório, da isonomia e da ampla defesa”
(Súmulas vinculantes como entraves ideológicos ao processo jurídico de enunciação de uma
sociedade democrática, p. 346).
19
Para Roberta Maia Gresta, afirmar que dogmática jurídica é ciência hermética não chega a ser
crítica, pois “trata-se apenas do reconhecimento do papel que a própria dogmática se propõe
desempenhar: perpetuar modos de vida já implantados e erradicar conflitos, o que faz ao propiciar
a aplicação de comando de proteção e repressão que, doados pelo Estado, são tomados como
incontestáveis” (Introdução aos fundamentos da processualidade democrática, p. 2).
20
Processo como teoria da lei democrática, p. 171.
21
NEIVA, Eduardo. O racionalismo crítico de Popper, p. 230.
26
Para Popper, a teoria da verdade objetiva, ou seja, a verdade como correspondência aos fatos, tem
grande vantagem, pois permite dizer que “buscamos a verdade, mas podemos não saber quando a
encontramos. Não dispomos de um critério da verdade. Mesmo assim, somos guiados pela ideia de
verdade como um princípio regulador [...]. Embora não existam critérios gerais que nos permitam
reconhecer a verdade [...] existe algo que se poderia chamar de critério de progresso em direção à
verdade”. Além disso, o autor afirma que “só a ideia de verdade nos permite falar com sensatez em
erros e em crítica racional, e só ela possibilita o debate racional – ou seja, o debate crítico à
procura de erros, com o sério propósito de eliminar tanto deles quanto seja possível a fim de
chegar mais perto da verdade. Por isso, a própria ideia de erro – e falibilidade – implica a ideia de
uma verdade objetiva como um padrão que talvez possamos atingir. (Nesse sentido, a ideia de
verdade é reguladora)” (Verdade e aproximação da verdade, p. 183, 187).
27
NEIVA, Eduardo. O racionalismo crítico de Popper, p. 78-79.
P1 TT EE P2
28
Conhecimento objetivo, p. 263.
29
POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária, p. 122, 126.
30
Ao lado da crítica, a epistemologia quadripartite é formada, segundo Rosemiro Pereira Leal, pela
técnica como “atividade humana que abrange a capacidade de conjunção do mundo da realidade
com o mental e a consequente expressão de pensamentos abstratos organizados (teorias)
sobre o contexto dessa realidade”; pela ciência como “atividade que tem por objeto o
esclarecimento da técnica e das teorias e ideologias da técnica” que busca a “produção e o
crescimento esclarecido do conhecimento pela testificação teorizada dos enunciados técnico-
teóricos” e pela teoria como “proposição formalizada oferecida à crítica”. (Técnica processual, p.
15-16. Processo como teoria da lei democrática, p. 182).
com a utilização do método crítico, no qual se põe a “regra suprema a teorizar uma
proibição de vedação de liberdade fiscalizatória, assegurando a todos uma
refutabilidade argumentativa como testabilidade (falseabilidade) permanente de
eficiência sistêmica a prevenir dogmatizações decisórias fundadas na razão a priori
dos operadores do ordenamento jurídico vigorante”.31
Ao lado das já citadas súmulas vinculantes e súmulas impeditivas de
recursos, o denominado julgamento por amostragem, baseado no artigo 543-C do
Código de Processo Civil de 1973 e mantido no artigo 1.036 do Código de Processo
Civil de 2015, pressupõe o acúmulo de procedimentos com idêntica questões de
direito a autorizar um julgamento coletivo que ceifa o contraditório e a crítica, além
de culpabilizar as partes procedimentais por situações litigiosas geradas,
principalmente, por empresas públicas e privadas que desrespeitam
compulsivamente direitos e contratos na certeza da lucratividade deste
comportamento e na complacência dos órgãos estatais competentes pelo exercício
da função jurisdicional.32
As possibilidades de eliminação de erros por meio de testificações
processuais é reduzida, tendo em vista o julgamento coletivo propiciado pela
suposta identidade da matéria de direito. Desta maneira, o julgamento por
amostragem é apenas um exemplo, as decisões dos órgãos estatais competentes
pelo exercício da função jurisdicional não são falseáveis quando há vedação, sob
qualquer pretexto, da ampla defesa, contraditório e isonomia.
A falseabilidade, a falsificação e o falibilismo ocupam lugar de destaque
dentro do método hipotético-dedutivo. Urge diferenciá-los para que não sejam
utilizados indevidamente, pois, em se tratando de ciência, é necessário explicitar os
conteúdos dos termos utilizados.
Não se pretende, com isso, tentar descobrir a essência de algo pela análise
semântica das palavras, mas de tornar claro e preciso em qual sentido os termos
são empregados para possibilitar a testificação das hipóteses aventadas, sem a
pretensão de esgotar ou abranger totalmente do conteúdo dos termos utilizados. Por
isto, se fala em noção e não em conceito do termo para ressaltar a sua
especificidade para o caso em comento.
31
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática, p. 214.
32
BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015.
Código de Processo Civil.
33
Autobiografia intelectual, p. 36-37. Popper chama o critério da demarcação de proposta, pois “as
definições são abreviações – portanto, desnecessárias, mesmo quando convenientes – ou são
tentativas aristotélicas de ‘afirmar a essência’ de uma palavra, ou seja, dogmas convencionais
inconscientes” (O problema da demarcação, p. 121-122). Desta maneira, as noções apresentadas
nessa dissertação se avizinham dos moldes da proposta de Popper, tendo em vista a sua
refutabilidade e provisoriedade.
34
POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica, p. 42-44.
35
NEIVA, Eduardo. O racionalismo crítico de Popper, p. 218-219.
36
CARVALHO, Maria Cecília Maringoni. Popper: as aventuras da racionalidade, p. 65-67.
37
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática, p. 33-34, 196.
38
Tratado da razão crítica, p. 47, 51.
39
Tratado da razão crítica, p. 53-54.
40
Tratado da razão crítica, p. 119-121.
41
Segundo Rosemiro Pereira Leal, o “juiz é a pessoa física representante e atuadora exclusiva do
órgãos jurisdicional (juízo) de que é titular. Lembre-se que, em harmonia às correntes teóricas
modernas, a sentença não é mais ato solitário do juiz, mas decisão do juízo que impessoaliza a
atividade jurisdicional, porquanto, ao se proferir o julgamento no sistema de civil law, não se conta a
sensibilidade do juiz, mas a observância do princípio da legalidade que se lhe sobrepõe por força
constitucional” (Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 258). Portanto, a sentença é
decisão do juízo e não do juiz, como se esse encarnasse a jurisdição.
42
Sobre os tipos de dominação, cf. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva, p. 139-147.
43
LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante, p. 4-5.
46
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática, p. 174-176.
47
Segundo Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, os princípios de direito “devem ser entendidos como
normas jurídicas que exprimem, sob enunciados sintéticos, o conteúdo complexo de ideias
científicas e proposições fundamentais informadoras e componentes do ordenamento jurídico.
Tomando-se por base esta concepção tradicional, pode-se dizer que os princípios jurídicos se
caracterizam como diretrizes gerais induzidas e indutoras do direito, porque são inferidas de um
sistema jurídico e, após inferidas, se reportam ao próprio sistema jurídico para informa-lo, como se
fossem os alicerces de sua estrutura” (Processo constitucional e estado democrática de direito, p.
67-70, 137). Para Rosemiro Pereira Leal, princípio é “referente lógico-jurídico de invariabilidade
perene, estabelecido na Lei Positiva (texto legal), como limite originário da interpretação e
aplicação do direito legalmente formulado. Marco teórico que, introduzido pela linguagem do
discurso legal como referente lógico-dedutivo, genérico e fecundo (desdobrável), é balizador dos
conceitos que lhe são inferentes” (Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 281).
48
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e estado democrática de direito, p.
75-76.
49
Teoria processual da decisão jurídica, p. 195.
50
LEAL, Rosemiro Pereira. Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo
democrático brasileiro, p. 283.
de práticas autoritárias indica que o Estado Democrático de Direito está longe de ser
realidade.
Não se pode ignorar a alta taxa de letalidade das polícias brasileiras e as
chacinas não esclarecidas de populações majoritariamente negras e
financeiramente pobres ocorridas após 1988. Conforme relatório da Anistia
Internacional, estatísticas oficiais apontam que “424 pessoas foram mortas pela
polícia durante operações de segurança no estado do Rio de Janeiro em 2013. No
primeiro semestre de 2014, houve um aumento do número de mortes nessas
circunstâncias, quando a polícia matou 285 pessoas, 37% a mais que no mesmo
período de 2013”.51
Em relatório sobre “casos de homicídios praticados por policiais militares nos
anos de 2014 e 2015 na cidade do Rio de Janeiro, em particular na favela de Acari”,
a Anistia Internacional denuncia que “em um período de dez anos (2005-2014),
foram registrados 8.466 casos de homicídio decorrente de intervenção policial no
estado do Rio de Janeiro; 5.132 casos apenas na capital. Apesar da tendência de
queda observada a partir de 2011, um aumento de quase 39,4% foi verificado entre
2013 e 2014. O número de pessoas mortas pela Polícia representa parcela
significativa do total de homicídios. Em 2014, por exemplo, os homicídios praticados
por policiais em serviço corresponderam a 15,6% do número total de homicídios na
cidade do Rio de Janeiro”. Além disso, como prova da ineficiência do Estado em
julgar os policiais que cometem homicídios, a Anistia Internacional, “ao checar o
andamento de todas as 220 investigações de homicídios decorrentes de intervenção
policial no ano de 2011 na cidade do Rio de Janeiro [...] descobriu que foi
apresentada denúncia em apenas um caso. Até abril de 2015 (mais de três anos
depois), 183 investigações seguiam em aberto”.52
Outro caso inaceitável de violência cometida pelos agentes do Estado e cuja
punição ainda parece distante, ocorreu entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, nos
quais cerca de 493 pessoas, sendo 43 agentes públicos, foram mortas em São
Paulo durante e após os ataques do grupo Primeiro Comando da Capital. A
International Human Rights Clinic – Human Rights Program at Harvard Law School e
a organização não governamental Justiça Global colheram, durante cinco anos,
51
ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2014/15: o estado dos direitos humanos no mundo, p. 73.
52
ANISTIA INTERNACIONAL. Você matou o meu filho! Homicídios cometidos pela polícia militar na
cidade do Rio de Janeiro, p. 4, 6.
53
INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS CLINIC – HUMAN RIGHTS PROGRAM AT HARVARD LAW
SCHOOL; JUSTIÇA GLOBAL. São Paulo sob achaque: corrupção, crime organizado e violência
institucional em maio de 2006, p. 2-3, 20.
54
SILVA, Débora Maria da; DARA, Danilo. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios
para sua superação, p. 85.
55
DARA, Danilo. Mães de Maio – do luto à luta, p. 91-92.
56
Processo constitucional e estado democrático de direito, p. 3.
57
Nas conclusões da sua monografia acadêmica defendida em 5 de dezembro de 2013, o autor desta
dissertação afirma que “não há democracia se a fome, a miséria, a tortura e a humilhação são
constantes na vida do brasileiro pobre e marginalizado. Não há liberdade onde o indivíduo é o que
tem e, se nada tem, nada o é. A dignidade não passa de um vulto, de um sopro, se ocupantes de
cargos públicos eletivos afirmam que a pessoa em situação de rua deve virar ração de peixe ou
que ela não deve ter direitos. Se a celeridade processual e a lentidão da justiça – sobrepondo-se
ao ser humano que morre de frio e do presidiário que é tratado como lixo - são considerados o
maior objetivo e o maior inimigo do direito, respectivamente, os direitos indicados na Constituição
da República são apenas simulacros de uma ordem que sempre está por vir, de um Brasil que se
resume a uma promessa obscena jamais cumprida” (LEITE, Bruno Rodrigues. VirtuaJus, p. 322).
óbvio, pois ele não foi objeto de teorizações – as autoridades culpam aqueles que
sofreram os efeitos da farsa decisória, mas não participarão da sua elaboração, pelo
fracasso da empresa.
Exemplificando: o direito à moradia é negado para a população em situação
de rua e uma das medidas levada a cabo pelo Estado para tentar garantir o direito
fundamental à moradia é a construção de abrigos para o acolhimento das pessoas
em situação de rua. Em Belo Horizonte, as autoridades municipais afirmam que
sobram vagas nos abrigos e as pessoas em situação de rua dormem nos
logradouros públicos por livre e espontânea vontade.63
Contudo, essa afirmação contém erros advindos da desconsideração de
outros fatores que influenciam na decisão de utilizar ou não os serviços dos abrigos,
tais como as condições inadequadas do abrigo, o estabelecimento de horários de
entrada e saída que não coincidem com a rotina de trabalho informal das pessoas
em situação de rua, a falta de segurança e de treinamento dos funcionários que
trabalham nos abrigos.
Ao invés de considerar e incluir esses problemas no planejamento de políticas
públicas, as autoridades municipais preferem culpar as pessoas em situação de rua
pela falta de moradia. Em que pese a criação de abrigos novos e mais adequados,
como a Unidade de Acolhimento Institucional Fábio Alves dos Santos, a execução
de direitos fundamentais em espaços desprocessualizados que vedam a
participação em contraditório e com hermêutica isomênica pelas pessoas em
situação de rua aponta para a continuidade desses erros.64
É fundamental que as políticas públicas sejam construídas gradativamente e
de maneira compartilhada entre o Estado e a população em situação de rua, pois o
monopólio decisional do Estado significaria a execução de medidas que tentam
moldar o comportamento da pessoa em situação de rua dentro do padrão diferente
daquele estabelecido na vivência da rua. Ainda que vise a garantir direitos
fundamentais, a elaboração de políticas públicas pela imposição de condutas
obrigatórias e repressivas é tentativa de homogeneização violenta. Por isto, ao invés
de adequar as pessoas em situação de rua às políticas públicas, as políticas
públicas é que deveriam se adequar às pessoas em situação de rua e essa
63
EVANS, Luciana. Sobram vagas nos albergues, mas desabrigados preferem viver nas ruas de BH.
64
FERREIRA, Pedro. Prefeitura de BH inaugura casa de acolhimento para moradores de rua que
trabalham.
jurisdição do Estado-juiz”.65
A teoria neoinstitucionalista do processo oferece vias para a “redução
(solucão) paulatina [dos conflitos humanos], bem como à perquirição de como é
construída a 'realidade' dentro da qual estaria o homem”, sem a possibilidade de
rendição diante da realidade opressora, perpetuadora e apoiadora de desigualdades
socioeconômicas e jurídicas.66
Na teoria neoinstitucionalista, o processo assume novos significados
desvinculados do instrumentalismo e da figura da auctoritas, para possibilitar a
participação dos sujeitos de direito na elaboração, interpretação, aplicação,
modificação e extinção das leis.
Segundo Rosemiro Pereira Leal, o processo é “núcleo jurídico-autocrítico-
linguístico, é a instituição operatriz do sistema, segundo a proposição teórica que o
identifica como interpretante dos códigos (direitos fundamentais) por ele próprio
instituídos. O processo, nessa perspectiva, é a instituição jurídico-linguística
fiscalizatória de todo o sistema procedimental institucionalizado” e “locus
(interpretante)teórico-jurídico do exercício intertextual do discurso da
constitucionalidade segundo princípios autocríticos (contraditório, ampla defesa,
isonomia) como direitos fundamentais de desconstrução de sentidos
(argumentação)” e a interpretação da Constituição brasileira deve ter como eixo a
“teoria do processo que ofereça compatibilidade com a imediata efetivação
(realização) dos direitos líquidos, certos e prontamente exigíveis e com a
sustentação continuada e incessante dos direitos fundamentais do Processo ali
assegurados”.67
Dessa maneira, a obra de Andréa Alves de Almeida, fruto da sua tese de
doutorado intitulada “Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística”,
ajuda a compreender o processo como espaço metalinguístico de construção de
significados. Segundo a autora, "a epistemologia popperiana de falibilidade do
conhecimento se afasta de qualquer saber que se constrói fundamentado em
princípio primeiro-último, se afasta da crença no conhecimento seguro derivado de
certezas últimas. O único princípio universal que Popper admite é o da crítica como
65
LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural, p.
101-102.
66
LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural, p. 8.
67
LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural, p. 40,
63-64, 77.
68
ALMEIDA, Andréa Alves de. Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística, p. 88.
69
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 281.
70
ALMEIDA, Andréa Alves de. Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística, p. 90,
74
Popper descreve a hipótese sobre os três mundos da seguinte maneira: “primeiro, o mundo dos
objetos físicos ou dos estados físicos; segundo, o mundo dos estados de consciência ou dos
estados mentais, ou, talvez, das predisposições comportamentais à ação; terceiro, o mundo dos
conteúdos objetivos do pensamento, em especial dos pensamentos científicos e poéticos e obras
de arte”. Aprofundando no tema, Popper afirma que “entre os habitantes do meu Mundo 3
encontram-se, mais especialmente, os sistemas teóricos; outros habitantes de igual importância
são os problemas e as situações problemáticas. Afirmo que os habitantes mais importantes desse
mundo são os argumentos críticos e o que poderíamos chamar [...] de estado de discussão ou
estado de discussão crítica; e, é claro, o conteúdo de periódicos, livros e bibliotecas” e que o
Mundo 3 é “em grande medida autônomo, embora atuemos constantemente sobre ele e soframos
sua ação: é autônomo apesar de ser um produto nosso e exercer um intenso efeito de
retroalimentação (feedback) sobre nós, considerados como habitantes do Mundo 2 e até do Mundo
1” (Conhecimento subjetivo versus conhecimento objetivo, p. 57, 58, 62).
75
Processo constitucional e estado democrático de direito, p. 133-134.
76
Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística, p. 32, 186.
77
Discorrendo sobre a teoria da correspondência de Tarski, Popper acentua que “se quero falar
acerca da correspondência entre uma sentença S e um fato F, então tenho de fazê-lo numa
linguagem que se possa falar a respeito de ambos: sentenças tais como S e fatos tais como F [...].
Significa que a linguagem em que falamos para explicar a correspondência deve possuir os meios
necessários para referir-se às sentenças e para descrever fatos. Se tenho uma linguagem que
disponha de ambos esses meios, de modo que possa referir-se às sentenças e descrever os fatos,
então nesta linguagem – a metalinguagem – posso falar acerca da correspondência entre
sentenças e fatos sem qualquer dificuldade” (Conhecimento objetivo: uma abordagem
evolucionária, p. 288).
78
Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante, p. 5.
79
LOPES, Edward. Fundamentos da lingüística contemporânea, p. 65.
80
LEITE, Bruno Rodrigues. VirtuaJus, p. 292. LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil e sociedade
civil. Virtuajus. Belo Horizonte, ano 4, n. 2, 2005, p. 1-2.
83
Segundo Rosemiro Pereira Leal, “o instituto processual do mandamus, na contemporaneidade
constitucional brasileira, adquiriu densidade dentológica de controle de efetividade jurídica das
competências funcionais dos titulares da atividade pública para coibir omissões e afastar
ilegalidades contra o exercício da dignidade econômica (existência digna) assegurada a todos
como direito fundamental econômico líquidos e certo” (Relativização inconstitucional da coisa
julgada, p. 38).
84
GRESTA, Roberta Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática, p. 56-57.
85
O termo povo deve ser entendido consoante lições de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias como
"substrato humano componente da comunidade política do Estado" (Processo constitucional e
estado democrático de direito, p. 75). Conforme dispõe o artigo 1º, inciso ll, a cidadania é
fundamento do Estado Democrático de Direito, estando diretamente relacionada com o indicado no
parágrafo único, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988). Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em posição criticada nesta dissertação
por reduzir a cidadania à capacidade eleitoral, “a cidadania (em sentido estrito) é o status de
nacional acrescido dos direitos políticos (stricto sensu), isto é, poder participar do processo
governamental, sobretudo pelo voto [...]. Nas democracias como a brasileira, a participação no
governo se dá por dois modos diversos: por poder contribuir para a escolha dos governantes ou
por poder ser escolhido governante. Distinguem-se, por isso, duas faces na cidadania: a ativa e a
passiva” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, p. 146). Em
sentido semelhante: MORAES, Guilherme Braga Peña de. Curso de direito constitucional, p. 629.
86
Controle de constitucionalidade do processo legislativo: teoria da legitimidade democrática, p. 77.
87
LEAL, Rosemiro Pereira. Constituição e processo: a contribuição do processo ao
constitucionalismo democrático brasileiro, p. 289.
88
Homo sacer: poder soberano e vida nua, p. 9.
89
LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural, p. 70,
82.
90
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil e sociedade civil. Virtuajus. Belo Horizonte, ano 4, n. 2,
2005, p. 1.
5. Judicialização ou processualização?
91
LEAL, Rosemiro Pereira. Direito processual, p. 76, 78.
92
BARROSO, Luís Roberto. [Syn]thesis, p. 24-25.
94
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada, p. 78-79.
95
[Syn]thesis, p. 25-26.
96
Ativismo judicial, p. 130.
97
VITÓRIO, Teodolina Batista da Silva Cândido. Ativismo judicial: uma nova era dos direitos
fundamentais, p. 141. Apesar de estarem intimamente ligados, a judicialização da política e o
ativismo judicial são diferentes. Segundo o Grupo Interinstitucional do Ativismo Judicial, sob
coordenação de José Ribas Vieira, “as semelhanças, contudo, dão lugar às diferenças quando se
observa que um representa uma dinâmica de proporções macro enquanto o outro está centralizado
em uma única figura. A judicialização da política envolve, assim, um processo de todo o Poder
Judiciário, de cunho essencialmente procedimental. O ativismo judicial, ao contrário, direciona-se
aos atores deste Poder. A judicialização da política [...] pode ser identificada por meio de
instrumentos de proteção judicial, da migração de discussões do Legislativo para o Judiciário
através de impugnações ou, ainda, pela adoção de procedimentos tipicamente judiciais no
Legislativo e no Executivo. Em contrapartida, o ativismo judicial, também descrito, pelos autores,
seria um fenômeno no qual os juízes passam a se interessar por uma atuação política, isto é, de
participar do policy-making” (O Supremo Tribunal Federal em tempos de mudanças: parâmetros
explicativos, p. 181-182). Tanto o ativismo judicial quanto a judicialização pressupõem a expansão
das competências do poder Judiciário e, consequentemente, dos juízes, podendo ocorrer até
contra legem e em detrimento da participação das partes que ocupam lugar secundário nas
hipóteses da judicialização da política e do ativismo judicial.
democracias), seria o mesmo que dizer que o juiz age como parte, pois
representante de um Judiciário homologador das funções do refutado paradigma de
Welfare State. Ao adotar esse ativismo justiceiro (juiz Robin Hood), com o
argumento de fazer “justiça social”, escapa da reserva legal do processo e comete-
se dupla lesão. A primeira: a de remeter as partes processuais à posição de meros
destinatários do Direito (e não coconstrutoras da decisão). Uma outra: a negativa da
simétrica paridade ao cidadão na base de discursividade processual (devido
processo constitucional), desconfigura o princípio do contraditório, eixo teórico-
democrático-fundamental de discursividade isonômica, porque não há contraditório
sem a observância da simétrica e simultânea paridade entre as partes
processuais".98
Portanto, as decisões jurisdicionais não podem ser veículos de concretização
de valores constitucionais e anseios da sociedade pressuposta por uma linguagem
inerente e irrefutável, conferindo ao juiz o protagonismo e monopólio decisórios,
violando justamente os direitos fundamentais que pretende concretizar.
Discorrendo sobre a quebra do dogma do protagonismo do juiz, Dierle José
Coelho Nunes afirma, em valiosas lições, que "a visão de um protagonismo judicial
somente se adapta a uma concepção teórico-pragmática, que entrega ao juiz a
capacidade sobre-humana de proferir a decisão que ele repute mais justa de acordo
com sua convicção e preferência (solipsismo metódico) segundo uma ordem
concreta de valores, desprezando, mesmo em determinadas situações (hard cases),
possíveis contribuições das partes, advogados, da doutrina, da jurisprudência e,
mesmo, da história institucional do direito a ser aplicado". Diante do protagonismo do
juiz no procedimento, o autor propõe "um afastamento completo da idéia de
privilégio cognitivo do julgador (decisionismo) e a implantação de um espaço
discursivo comparticipativo de formação das decisões" e assevera que "a análise do
direito prescinde de pré-compreensões não problematizadas ou problematizáveis
dos ideais de bem viver, que seriam entregues aos critérios de salvação de algum
escolhido, seja este uma instituição de controle central (v. g. o Estado ou Igreja), um
órgão ou uma pessoa", pois "o Estado constitucional democrático assegura,
mediante balizas processuais constitucionais (princípios constitucionais), uma
participação constante e efetiva dos sujeitos de direito, que a estes permite uma
98
DEL NEGRI, André. Revista Brasileira de Direito Processual - RBDPro.
99
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas
processuais, p. 191-192, 196-197.
100
A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural, p. 20.
1. Delimitação
A pessoa em situação de rua não pode ser definida, pois não é possível
estabelecer conceito suficientemente abrangente que envolva a heterogeneidade
das pessoas em situação de rua. Contudo, é possível delimitar alguns traços para,
ainda que precariamente e ad hoc, indicar a noção acerca das pessoas em situação
de rua.
Ademais, a diálise do fenômeno situação de rua não deve cair nos extremos
de culpabilização da pessoa em situação de rua ou de total responsabilização do
Estado. Entre os dois limites, há o caminho que envolve a elaboração compartilhada
de políticas públicas pelo Estado e pela população em situação de rua para que a
realidade seja processualmente teorizada e alternativas viáveis e efetivas sejam
construídas.
Nas palavras de Iacã Machado Macerata, Júlia Neuenschwander Magalhães
e Noelle Coelho Resende, "ao nos referirmos à 'população em situação de rua', na
verdade estamos dando nome a uma totalidade não totalizável. A manobra
discursiva de denominar coletividades de 'população' para todas as categorias já é,
em si, uma generalização mais ou menos arbitrária. A chamada 'população em
108
Do direito a vida à vida como direito: sobrevivência, intervenções e saúde de adultos destituídos
de trabalho e moradia nas ruas da cidade de São Paulo, p. 5-6.
109
Segundo Christian Pierre Kasper, “os moradores de rua são denominados, em várias línguas, a
partir da privação: em inglês homeless, geralmente traduzido por sem teto, wohnungsloser em
alemão, isto é, aqueles que perderam a moradia. O interessante dessas expressões é a ênfase
particular de cada uma: ao homeless falta o home, que não é exatamente a casa, mas o espaço
doméstico, que, aliás, não está sempre ausente das moradias de rua (pelo menos em São Paulo),
como nossa pesquisa tende a mostrar. A denominação comum na França, sans domicile fixe,
comumente abreviado em S.D.F soa, por sua vez, como uma questão de polícia. Possuir um
domicílio fixo tem mais a ver com o controle social do que com o conforto pessoal (ao contrário do
home). O termo comumente usado no Brasil, morador de rua, destaca-se por sua positividade:
não se baseia na carência. Mas, talvez, a privação que o caracteriza é apenas implícita [...]. A rua,
sendo uma ‘terra de ninguém’, morar nela já denotaria um estado de privação” (KASPER,
Christian Pierre. Habitar a rua, p. 47).
110
Relativização inconstitucional da coisa julgada, p. 80.
111
Sobre o complexo de Magnaud, cf. BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e
casos, tanto a lei como a justiça social são utilizadas como fundamento para que o
juiz desconsidere a argumentação das partes, reduzidas a meros espectadores dos
devaneios judiciários.
Por isso, quando se afirma que as diferenças extraprocessuais não
influenciam nos direitos fundamentais das partes no procedimento constitucional, o
que se procura é a autocrítica dos fundamentos do sistema e a autoinclusão pela
própria pessoa em situação de rua, dispensando os intermediários na fruição da lei.
O procedimento que aparentemente viabilize a concretização de direitos
fundamentais à saúde e moradia, por exemplo, da população em situação de rua,
mas que desrespeite a ampla defesa, contraditório e isonomia das partes, constituirá
paradoxo, pois não é possível executar direitos fundamentais pelo procedimento se
a própria decisão jurisdicional viola outros direitos igualmente fundamentais. Diante
deste cenário, haveria mera doação do Estado e a pessoa em situação de rua
continuaria excluída da fruição de direitos fundamentais encaminhada em espaços
processualizados, continuando a depender da boa vontade dos agentes estatais.
Por tais razões, ao se falar em pessoa em situação de rua, se deve ter em
mente que esta pessoa é, primeiramente, sujeito de direito com os atributos da
cidadania encaminhados pelo processo. Com isto, o enfoque é distribuído entre as
condições da população em situação de rua e a sua cidadania, entendida como
direito fundamental de autoilustração e autoinclusão no sistema de direitos
fundamentais.
Sem esse destaque da cidadania, a população em situação de rua seria
considerada população à parte, o que, além de ser falacioso, proporciona a
infantilização das pessoas em situação de rua e a continuação de medidas
assistencialistas e paternalistas. Por conseguinte, o mais adequado seria utilizar a
expressão sujeito de direito em situação de rua ou cidadão em situação de rua.112
estado democrático de direito, p. 160.
112
O autor dessa dissertação criticou, anteriormente, a utilização da terminologia mendigo, pois “o
termo [...] é associado desde a sua origem latina – e ainda hoje o é – a incompetência, falta de
aptidão física, degeneração, focando, deste modo, na situação em que se encontra, segundo o
senso comum” e “se o mendigo, aquele que é desvalido e precisa de ajuda é tratado de maneira
pejorativa, por outro lado, aquilo que lhe é entregue, a esmola, é designado por termo com origem
positiva, remetendo a ideia de caridade, de ajuda e filantropia” (LEITE, Bruno Rodrigues.
VirtuaJus, p. 249-250). A expressão morador de rua, apesar de ser amplamente utilizada, não
revela a precariedade e a degradação da rua. Segundo Patrícia Schuch e Ivaldo Gehlen, “a
ruptura entre a terminologia ‘morador de rua’ e ‘pessoas em situação de rua’ e/ou ‘população em
situação de rua’ foi [...] significativa de toda uma mobilização política que visou, de um lado,
atentar para a situacionalidade da experiência nas ruas e, de outro, combater processos de
2. Situação de exclusão
115
O termo Shoah é utilizado para designar o assassinato em massa de judeus, ciganos e
homossexuais pelos nazistas e seus aliados entre 1933 e 1945, em detrimento de outros termos,
como genocídio e holocausto. Embora a maioria dos termos utilizados sejam insatisfatórios e
repletos de ideologias históricas, políticas e teólogicas, a expressão Shoah, embora tenha
limitações, parece ser a mais adequada. Segundo Leila Danziger, o termo genocídio é
inadequado devido a sua “designação restritiva ao genos – família, tribo ou raça. Sabemos que a
existência dos campos de extermínio, no coração da Europa, não afeta apenas este ou aquele
grupo humano, mas altera, de modo radical, a própria idéia de humanidade”. O termo holocausto
“de origem religiosa [...] empresta caráter voluntário e passivo à morte, aceita em submissão à
vontade divina”. Shoah, por sua vez, significa devastação ou catástrofe em hebraico e, apesar de
conter a “representação deuteronômica da devastação e sentença divinas”, tem o seu conteúdo
religioso “progressivamente esvaziado por historiadores, escritores e teólogos que, em Israel,
recusaram o endereçamento do conceito a suas raízes religiosas e sua interpretação em sentido
metafísico, alterando assim suas pesadas conotações de expiação e castigo” (Revista Digital de
Estudos Judaicos da UFMG, p. 50-53). Para Agamben, o termo Shoah é eufemismo e a utilização
da expressão holocausto “não só supõe uma inaceitável equiparação entre fornos crematórios e
altares, mas acolhe uma herança semântica que desde o início traz uma conotação antijudaica”
(O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha, p. 40).
116
Cf. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, p. 71-147.
que decorre do déficit político reforçado pela discriminação social, não se poderá
estabelecer um patamar mínimo de integração e coesão social".117
As formas de controle da vida e morte das pessoas pelo Estado empregadas
atualmente não são idênticas às de cinquenta ou cem anos atrás. Apesar de vários
traços permanecerem, como a segregação espacial de segmentos populacionais
considerados indesejados (encarceramento da população pobre, internamento
compulsório de dependentes químicos, ocupação armada de favelas na cidade do
Rio de Janeiro pelas forças de repressão do Estado), os métodos e as justificativas
para a utilização desses métodos, se tornaram mais requintados.
Giovani Clark expressou bem o caráter dúbio dessa forma de governar
aparentemente democrática, mas cujos efeitos denunciam a concentração do poder
decisório nas mãos de poucos. Em texto de 2008, que aborda os governos
aparentemente democráticas, Giovani Clark indica que as ditaduras atuais “apoiadas
em aparato ideológico midiático, educacional e repressivo [...] concentram a
propriedade privada produtiva, ampliam as diferenças socioeconômicas, perpetuam
o Estado e reforçam a ilusão do mercado. Assim como modernizam
tecnologicamente a sociedade, multiplicando os ganhos empresariais e dilatando o
número de excluídos”. Comparando os governos atuais com as ditaduras do
passado, o autor afirma que “as ditaduras pós-modernas, como a nossa, geram
milhões de seres humanos descartáveis, implementando o holocausto social a cada
política econômica genocida, efetivadas ao prazer do ‘poder invisível’, ou melhor, do
poder econômico privado”. Além disso, Giovani Clark analisa as técnicas que o
governo utiliza para angariar apoio e para exercer pressão em grupos opositores,
afirmando que “a execução orçamentária pelo Executivo é ainda outro instrumento
de agigantamento de seu poder entre nós. Por intermédio do gasto do dinheiro
público se ativa ou inibe setores da economia, influenciando o processo produtivo,
podendo gerar, assim, a riqueza para alguns e o aparthaid social para muitos, ou
então, a cassação dos privilégios de poucos e a justiça distributiva para todos”.118
Nesse sentido, Giovani Clark ressalta que “os genocídios não foram
extirpados entre os homens. São executados por intermédio das armas de guerra ou
via políticas econômicas que eliminam a crédito ou à vista milhões de pessoas” e
aponta que “as radicais políticas econômicas transferem ganhos dos pobres para os
117
AIEXE, Egidia Maria de Almeida. Direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, p. 196.
118
CLARK, Giovani. Questões polêmicas de direito econômico, p. 28, 31-32.
ricos, sejam eles nações ou indivíduos, via política de juros, crédito ou renda,
executando uma pilhagem visível, através de uma guerra econômica, onde o
resultado é a fome, o desemprego e a morte fatal dos vencidos”. Dessa maneira, as
políticas econômicas, ao que se acrescenta as demais políticas públicas, “podem
aniquilar e soerguer setores, criar cidades mortas ou prósperas, ampliar ou reduzir
diferenças socioeconômicas entre regiões. Aliás, é em virtude delas que elimina-se
povos e etnias [...]. Portanto, as políticas econômicas podem levar à condenação à
morte e à não reprodução, sem a publicação devida e direito de ampla defesa”.119
Por conseguinte, o controle que o Estado exerce sobre as pessoas não se
limita ao método de segregação geográfica de determinada parcela do povo em
prisões, guetos, favelas, clínicas de tratamento compulsório, apesar de usá-lo em
larga escala. Além disso, as condições precárias de sobrevivência de amplas
parcelas da população não devem ser pensadas sob o viés subjetivista da existência
da suposta maldade intrínseca ao ser humano que o leva a desconsiderar o
sofrimento alheio, mas sob a ótica jurídica da existência de normas, procedimentos e
arcabouço ideológicos que fundamentam, justificam e protegem a violação e não
implementação de direitos fundamentais líquidos e certos.120 A definição de políticas
públicas e da alocação de verbas em determinadas regiões, setores e para certos
fins constitui técnica muito mais abrangente, refinada e mortífera do controle sobre a
119
CLARK, Giovani. Questões polêmicas de direito econômico, p. 35-36, 42.
120
Nesse sentido, em tese de doutorado, Orlando Zaccone D’Elia Filho pesquisou o acobertamento e
a impunidade sistemáticos das mortes causadas por policiais na cidade do Rio de Janeiro com o
arquivamento dos chamados autos de resistência. Uma das hipóteses do autor se refere à
existência de “uma política pública, na forma de razões de Estado, a ensejar os altos índices de
letalidade do sistema penal brasileiro, com destaque para aqueles praticados rotineiramente nas
favelas cariocas”, criticada por meio da “pesquisa empírica que reuniu a análise de mais de 300
procedimentos, com pedidos de arquivamento realizados pelo Ministério Público em inquéritos de
homicídios provenientes de autos de resistência, instaurados na capital do Rio de Janeiro, entre
os anos de 2003 e 2009”. Para o autor, “a existência de grupamentos policiais armados, em
diuturna atividade, a exercer o seu poder de criação letal [...] encontra na decisão de
arquivamento dos autos de resistência o locus do efetivo exercício da soberania, enquanto poder
sobre a vida e a morte regulado pelo direito. A tentativa de observar o encontro da vida nua com o
poder soberano, por meio do arquivamento dos autos de resistência, visa a questionar a
existência de um estado de exceção permanente na estrutura do Estado de Direito”. Orlando
Zaccone D’Elia Filho conclui que “estamos diante de uma política criminal com derramamento de
sangue a conta-gotas. O massacre presente nos homicídios provenientes de ‘autos de
resistência’, na cidade do Rio de Janeiro, assim como outros massacres na história, ganha ares
civilizatórios a partir de uma forma jurídica ao construir a figura do inimigo matável” (D’ELIA
FILHO, Orlando Zaccone. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos
na cidade do Rio de Janeiro, p. 24, 27-28, 259). Assim, o assassinato de pessoas se qualifica
como legítima defesa do policial, impunível pelo arquivamento dos autos de resistência,
escancarando o controle exercido pelo Estado sobre a vida e a morte da população com
aparência de legalidade. Cf. MISSE, Michel et alii. Revista de História da Biblioteca Nacional, p.
54-59. ARAÚJO, Fábio. Revista de História da Biblioteca Nacional, p. 60-63.
população.
No caso das pessoas em situação de rua, basta pensar no caráter
emergencial e provisório das políticas públicas, destinadas principalmente a suavizar
certos problemas. Não se nega que estas políticas sejam importantes e que surtam
efeitos positivos a curto prazo, mas, para pensar soluções duradouras para o
problema da vulnerabilidade das pessoas em situação de rua é preciso ir além e
este passo só pode ser tomado com a ampla e irrestrita participação dos principais
interessados: a própria população em situação de rua.
É insuficiente e até temerário que as decisões sobre as políticas públicas que
envolvam as pessoas em situação de rua sejam tomadas solitariamente nos
gabinetes governamentais ou por assembleias compostas por comerciantes, lojistas,
policiais militares e fiscais municipais. Neste caso, o monopólio decisional contribuirá
para a perpetuação de desigualdades socioeconômicas e para a infantilização das
pessoas em situação de rua, vistas como um problema e não como sujeitos de
direito que vivenciam determinados problemas cujas soluções reclamam a
impostergável processualização das políticas públicas.
Apesar de ser percentualmente reduzida, a perpetuação da situação de rua,
bem como das medidas estatais destinadas a aprofundar os fossos de
desigualdades e o sofrimento da população em situação de rua não são meros
acidentes ou erros do Estado. A falta de planejamento de políticas públicas e
investimento em áreas propícias para a construção de alternativas viáveis pela
população em situação de rua faz parte do planejamento estatal. O descaso e o
descuido são propositais e estão imersos na ideologia que não enxerga problemas
no sofrimento evitável dessa parcela da população.
A situação de rua não é um ponto fora da curva ou exceção à regra de
desenvolvimento econômico e distribuição de riquezas, automática e facilmente
reversível pela simples melhora nos índices de desenvolvimento econômico ou no
Produto Interno Bruto que inclua ou reinsira a pessoa em situação de rua à
sociedade, segundo a visão economicista.121
121
Conforme indica Jessé Souza, “a crença fundamental do economicismo é a percepção da
sociedade como sendo composta por um conjunto de homo economicus, ou seja, agentes
racionais que calculam suas chances relativas na luta social por recursos escassos, com as
mesmas disposições de comportamento e as mesmas capacidades de disciplina, autocontrole e
autorresponsabilidade. Nessa visão distorcida do mundo, o marginalizado social é percebido como
se fosse alguém com as mesmas capacidades e disposições de comportamento do indivíduo da
classe média. Por conta disso, o miserável e sua miséria são sempre percebidos como
Em artigo que versa a relação entre vivência das ruas e a questão social no
Brasil, Viviane Souza Pereira parte de "uma perspectiva que entende a emergência
da população de rua como parte integrante das contradições próprias de uma
sociedade assentada na exploração e na opressão" e do pressuposto de que, se
referindo a população de rua, "a existência de segmentos crescentes que se
encontram privados do direito à propriedade da terra e do acesso ao trabalho
compõe uma dimensão estrutural do capitalismo". Apesar de a autora basear sua
hipótese no contexto histórico e no "efeito da histórica desigualdade capitalista",
recaindo no historicismo que indica a existência de leis históricas que guiam as
ações humanas, Viviane Souza Pereira acerta ao afirmar que existência da situação
de rua é regra, e não exceção, do sistema capitalista.122
Portanto, a situação de rua não pode ser considerada exceção, pois a sua
existência e permanência não é acidente de percurso. Esta hipótese dificulta a
necessária e impostergável participação do povo na resolução dos problemas
nacionais com a utilização do processo constitucional jurisdicional, administrativo e
legislativo, facilitando a elaboração de políticas públicas assistencialistas, cíclicas,
eleitoreiras e ineficientes.
Ainda que a execução de direitos fundamentais ocorra com a utilização de
procedimentos judiciais, a inclusão da pessoa em situação de rua será uma doação
estatal e não uma conquista teórica se o processo for instrumento da jurisdição e
acabar levando a desigualdade socioeconômica para o espaço processual na forma
de desigualdade interpretativa com violação do direito ao contraditório, ampla defesa
e isonomia. A inclusão da população em situação de rua deve ser abordada como
autoinclusão pelo processo na fruição de direitos fundamentais e na participação
ostensiva da elaboração de decisões jurisdicionais, legislativas e administrativas.
contingentes e fortuitos, um mero acaso do destino, sendo a sua situação de absoluta privação
facilmente reversível, bastando para isso uma ajuda passageira e tópica do Estado para que ele
possa ‘andar com as próprias pernas’. Essa é a lógica, por exemplo, de todas as políticas
assistencialistas entre nós” (SOUZA, Jessé. Introdução, p. 17).
122
Libertas, p. 173, 174. Maria Conceição d’Incao, em subtítulo de artigo escrito em coautoria com
Alba Zaluar, Delma Pessanha Neves e Maria Lúcia Montes, sugere que “olhemos para os homens
de rua considerando-os como expressão do que se passa com a própria sociedade brasileira”
(Cadernos do Ceas, p. 31). Popper assevera que, para o historicista, “as antecipações científicas
devem basear-se em leis e, tratando-se de antecipações históricas, antecipações de
transformação social, essas leis hão de ser leis históricas”. Para Popper, “as ‘direções’, ou
‘tendências’, que os historiadores vislumbram na sucessão de eventos que é a História, não são
leis; se chegam a ser alguma coisa, são orientações, diretrizes gerais” e a tendência
“diversamente do que acontece com uma lei – não deve, em geral, ser utilizada como base para
fazer previsões de caráter científico” (A miséria do historicismo, p. 28, 65).
123
A criação, em 1967, do bairro de prostituição Jardim Itatinga, localizado na periferia de
Campinas/São Paulo, é exemplo de segregação espacial na cidade de acordo com a atividade
laboral desenvolvida. Segundo Diana Helene, em meio à ditadura militar, o Estado “utilizou o
planejamento urbano como suporte burocrático do terror para introjetar a disciplinarização no
cotidiano das cidades”, com a expulsão das zonas de prostituição, utilizando a “violência policial,
o planejamento urbano e a formação de consenso da opinião pública”. A autora conclui que “a
separação simbólica (e espacial) do bairro em relação ao resto de Campinas é mantido e
continuado pela dinâmica da cidade - sua prática não é aceita, e pouco tolerada, em outras
áreas” (Desafios Antropológicos Contemporâneos, p. 2, 4, 12).
124
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Instrução Normativa Conjunta n°01.
125
LEITE, Bruno Rodrigues; PEREIRA, Alexandre Ferrer Silva. Direitos e garantias fundamentais l, p.
427. Sobre a Instrução Normativa n° 01, André Luiz Freitas Dias e outros afirmam que “o Estado,
além de eximir-se da sua função de garantir condições de vida digna a toda população, tem
utilizado do seu poder de polícia para agravar, ainda mais, as condições de pessoas que se
encontram em contextos de acentuada pobreza e vulnerabilidade social” (Direitos fundamentais
das pessoas em situação de rua, p. 618).
126
Desafortunados: um estudo sobre o povo da rua, p. 167.
127
“Art. 1º. Todo o indivíduo, que não puder ganhar a vida pelo trabalho, que não tiver meios de
fortuna, nem parentes nas condições de lhe prestar alimentos, nos termos da lei civil, e implorar
esmolas, será considerado mendigo. Art. 2º. Nenhum indivíduo poderá pedir esmolas, no districto
da cidade, sem estar inscripto como mendigo, no livro respectivo da Prefeitura. Art. 3º A
inscripção, a que se refere o artigo antecedente, pode ser voluntária, si o interessado a pedir, e
coercitiva, si a auctoridade policial ou a Prefeitura a ordenar; mas em ambas as hypotheses só se
effectuará: 1º. Quando a auctoridade policial, depois de minucioso exame medico, declarar que a
pessoa sujeita a inspecção é incapaz de ganhar a vida pelo trabalho; 2º. Quando a auctoridade
policial, depois de mandar proceder a averiguações, obtiver por ellas a certeza: a) De que essa
pessoa não tem meios de fortuna, nem parentes com a obrigação legal de sustentarem-n’a; b)
Que é natural deste districto e tem nelle família constituida ou residencia ha mais de 2 annos. Art.
4º. Todo o individuo encontrado a mendigar, sem prévia inscripção na Prefeitura, será conduzido à
repartição da policia, afim de ser examinado pelo medico. § 1º. Sendo considerado capaz de
ganhar a vida pelo trabalho, será processado pelos meios legaes; § 2º. Sendo considerado
incapaz de ganhar a vida pelo trabalho, será inscripto coercitivamente como mendigo, para os
effeitos deste regulamento. §3º. Não sendo natural desta cidade, ou não tendo nella familia
constituida, ou residência, ha mais de 2 annos, será remettido para a sede do municipio da sua
naturalidade, ou residencia anterior a 2 annos, com um officio de participação à auctoridade
policial. Art. 5º. Na Directoria de Hygiene da Prefeitura haverá um livro para inscripção de
mendigos. Paragrapho unico. A inscripção consiste no registro individual e numérico e do nome,
filiação, naturalidade, edade, estado, residencia, sexo, signaes caracteristicos e quaesquer
outros esclarecimentos, que sejam necessarios para a identidade do mendigo inscripto e bem
assim a declaração do local que a auctoridade policial lhe destinar para estacionar e da data em
que se effectuar o registro. Art. 6º. Feita a inscripção será entregue a cada mendigo: 1º. Uma
placa com a designação ‘mendigo’ e numero de inscripção, para trazer no peito e por fôrma bem
visível; 2º. Um bilhete de identidade, contendo o numero de inscripção, nome, edade, residencia e
designação do local destinado a estacionar, bilhete este que será assignado pelo dr. Director de
Hygiene. Art. 7º. Nenhum mendigo inscripto no registro poderá implorar esmolas: a) Fora do local
que lhe for designado para estacionamento e dos dias marcados para esmolar [...]; e) Injuriando
ou dirigindo expressões offensivas às pessoas que não derem esmolas [...]; g) Exhibindo feridas
ou chagas, deformidades” (MINAS GERAIS. Colecção das leis e decretos do Estados de Minas
Geraes, p. 548-549). O livro que contém o Regulamento dos Mendigos pode ser encontrado no
Arquivo Público Mineiro, localizado na Avenida João Pinheiro, 372, Funcionários, Belo Horizonte.
128
ANDRADE, Luciana Teixeira. Ordem pública e desviantes sociais em Belo Horizonte (1897-1930),
Para Fábio Luiz Rigueira Simão, a razão fundamental para a criação desses
decretos é a questão da imagem urbana que implicava na limpeza da "paisagem
urbana civilizada [...] de elementos que comprometessem a ordem, bem como a
limpeza e a higiene, quesitos que estavam condicionados à presença de animais e
corpos humanos imundos, vadios ou inválidos pelas ruas, praças e avenidas". Havia,
segundo o autor, a consolidação de uma nova ordem que "partia de duas
preocupações básicas, a saber: a promoção e manutenção da moral pública,
pautada no asseio e na eliminação de atos, lugares, pessoas e comportamentos não
desejados; e o disciplinamento e controle da vida cotidiana dos cidadãos pobres,
compelindo-os ao mundo do trabalho. Era preciso cuidar para que a cidade não
fosse tomada pelo livre trânsito de animais; era preciso regulamentar as vias
públicas, levando à população (ainda envolta a hábitos de uma vida rural) as leis que
haveriam então de ser cumpridas; era também necessário proibir que pessoas
quaisquer realizassem serviços exclusivos do poder público; enfim, o Estado se
impunha como agente de transformação e consolidação de uma ordem nova
desejada e consentida em grande parte por setores proprietários da sociedade belo-
horizontina".129
Em 1900, a regulamentação da mendicância estava atrelada à tentativa do
Estado em manter a cidade limpa e ordenada com a inscrição dos mendigos na
Directoria de Hygiene da Prefeitura e condução coercitiva do mendigo sem inscrição
para a repartição da polícia, com o intuito de realizar exames médicos que
averiguassem a sua capacidade de trabalhar.
A Instrução Normativa n° 01 indica a permanência das ideologias sanitaristas
e de manutenção da ordem pública - presentes no Regulamento dos Mendigos de
1900 -, pois a Instrução foi assinada pelo Comandante-Geral da Polícia Militar de
Minas Gerais, Secretário Municipal de Saúde Interino e Secretário Municipal de
Segurança Urbana e Patrimonial, além do Secretário Municipal de Governo,
Secretária Municipal de Políticas Sociais e Secretário Municipal de Serviços
Urbanos.
Contudo, enquanto o Regulamento dos Mendigos se destinava a disciplinar
os corpos para sua utilização na estrutura produtiva, impedindo a mendicância para
p. 24, 106.
129
SIMÃO, Fábio Luiz Rigueira. Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada, p. 27,
39.
130
Conforme indica Christian Pierre Kasper, a administração da cidade de São Paulo encara a
questão dos moradores de rua sob dois ângulos: como problemas social e urbanístico. Como
problema urbanístico, da “competência dos serviços de limpeza das vias públicas das
subprefeituras”, a ação mais comum do município é o rapa que consiste na apreensão de material
das pessoas em situação de rua pelos fiscais municipais, muito semelhante com o que ocorre em
Belo Horizonte sob a égide da inconstitucional Instrução Normativa n° 01, violadora do direito de
propriedade (artigo 5º, inciso XXll, da Constituição de 1988) e do direito ao devido processo legal
(artigo 5º, inciso LlV, da Constituição de 1988) ao subtrair os bens móveis das pessoas em
situação de rua com base em critérios subjetivos do agente municipal. Segundo o autor “por
aniquilar periodicamente os esforços feitos para habitar a rua, o rapa aparece como uma das
práticas mais brutais para com os moradores de rua” (KASPER, Christian Pierre. Habitar a rua, p.
208-209).
pobreza e do perigo constante de ter seus bens móveis roubados pelo Estado, além
de ser humilhado pela população com domicílio, comerciantes e por agentes do
Estado (fiscais, policiais militares, guardas municipais) a serviço da sociedade
civil.131
Contra essa conjectura sombria, a instituição jurídica do processo proporciona
o rompimento do vínculo que une a decisão sobre as políticas públicas à uma
assembleia restrita ou aos juízes caridosos, em prol da construção de um espaço
realmente democrático cujas garantias do contraditório, ampla defesa e isonomia
possibilitem a participação das pessoas em situação de rua na elaboração,
modificação, extinção e fiscalização de políticas públicas.
Pelo exposto, a diálise da situação deve ser cautelosa, para se evitar a
reprodução de asserções que inferiorizem as pessoas em situação de rua e
legitimem o paternalismo e assistencialismo estatais e a ausência de participação
popular nas esferas jurisdicionais, administrativas e legislativas. A pessoa em
situação de rua é cidadã e, utilizando o processo constitucional, tem o direito de
influenciar a elaboração de políticas públicas que abordem a situação de rua.
violências subjetiva e objetiva não podem ser percebidas do mesmo ponto de vista:
a violência subjetiva é experimentada enquanto tal contra o pano de fundo de um
grau zero de não violência. É percebida como uma perturbação do estado de coisas
'normal' e pacífico. Contudo, a violência objetiva é precisamente aquela inerente a
esse estado 'normal' de coisas. A violência objetiva é uma violência invisível, uma
vez que é precisamente ela que sustenta a normalidade do nível zero contra a qual
percebemos algo como subjetivamente violento. Assim, a violência sistêmica é de
certo modo algo como a célebre 'matéria escura' da física, a contrapartida de uma
violência subjetiva (demasiado) visível. Pode ser invisível, mas é preciso levá-la em
consideração se quisermos elucidar o que parecerá de outra forma explosões
'irracionais' de violência subjetiva".135
As pessoas em situação de rua são atingidas constantemente pelos três tipos
de violência. A violência simbólica atua ardilosamente em afirmativas aparentemente
humanitárias, bem-intencionadas e preocupadas com as pessoas em situação de
rua, mas que se restringem a descrever e a reproduzir a realidade sem, no entanto,
criticá-la e modificá-la.
Por exemplo: as pessoas em situação de rua, na sua maioria dependentes
químicas ou portadoras de distúrbios mentais, são miseráveis, vulneráveis e
invisíveis na sociedade, se proliferando pelas praças, ruas e marquises das cidades,
onde vivem marginalizadas e sem direitos. Diante dessa realidade, o Estado deve
envidar esforços para retirá-los das ruas e reinseri-los (ou incluí-los) na sociedade
por meio de programas sociais, construção de abrigos, clínicas para recuperação de
dependentes químicos e de treinamentos que ensinem as pessoas em situação de
rua a viverem com regras, conferindo-lhes cidadania.
Essa hipótese é defendida, no todo ou em parte, geralmente, por jornais,
agentes estatais e pesquisadores e é constituída por asserções inadequadas, por 8
motivos, abaixo elencados.136
1º.)- Apenas parte da população em situação de rua, como da população no
135
ŽIŽEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais, p. 17-18.
136
Em tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília
e se referindo à população em situação de rua, Theresa Christina Frazão afirma que “no discurso
jornalístico a imagem apresentada é quase sempre negativa e neles a sua voz do morador de rua
é apagada, já que o repórter pede que outros falem por ele” e conclui que “as matérias divulgadas
pela mídia trazem a descrição dos problemas que causam e situações que atravessam os
moradores de rua, sobretudo ao ressaltar a tácita marca da mendicância de ser quase sempre
acompanhada do uso de drogas que vai do álcool ao crack, como marcador da devastação moral,
física e social” (O morador de rua e a invisibilidade do sujeito no discurso jornalístico, v, p. 235).
geral, é dependente química ou é acometida por sofrimento mental e este fato não
implica em inferioridade ou qualquer outra característica negativa que exclua direitos
fundamentais.137
2º.)- A miserabilidade da população em situação de rua se restringe aos
aspectos socioeconômicos, sem relação direta com o âmbito psíquico, físico,
espiritual, pois a pessoa em situação de rua, como qualquer outra, tem história de
vida, paixões, sonhos e desejos. A condição socioeconômica, gênero, idade, cor de
pele e traços físicos não retiram os direitos do sujeito de direito. Há situações
reprováveis de inadimplemento do Estado ou violação de particulares em
decorrência dessas características, mas a afirmação segundo a qual a pessoa em
situação de rua não tem direitos parece mais autorizar do que criticar a violação de
direitos.
3º.)- Para ser mais exato, a população em situação de rua é vulnerabilizada,
pois a responsabilidade pela sua condição não recai apenas sobre ela, se
estendendo ao Estado.
4º.)- A invisibilidade é apenas aparente, pois, apesar da população em
situação de rua ser ignorada, ela não é desconhecida. A população em situação de
rua é, ao mesmo tempo, estranha e familiar (unheimlich); é secreta, mas vem à tona
esporadicamente na forma do pedinte ou de outro tipo incômodo, cuja resposta é,
possivelmente, a agressividade.
O termo unheimlich foi estudado por Freud em texto de 1919 com incursões
na psicanálise, etimologia e literatura. A palavra alemã heimlich é ambígua, pois
significa tanto o que é familiar, doméstico, íntimo, pertencente a casa quanto o que é
oculto, reprimido e escondido. Desta maneira, um dos significados de heimlich
coincide com o significado do seu oposto, unheimlich. Segundo Freud, “a palavra
‘heimlich’ não deixa de ser ambígua, mas pertence a dois conjuntos de idéias que,
sem serem contraditórias, ainda assim são muito diferentes: por um lado, significa o
que é familiar e agradável e, por outro, o que está oculto e se mantém fora de vista”.
138
A ambivalência de heimlich também é aplicável ao presente caso, pois as
137
Segundo censo sobre a população em situação de rua feito em Belo Horizonte e publicado em
2014, cerca de 5,1% dos entrevistados afirmaram sofrer de algum tipo de deficiência mental
(BELO HORIZONTE. Terceiro Censo de População em situação de Rua e Migrantes de Belo
Horizonte, p. 52).
138
FREUD, Sigmund. O ‘estranho’, p. 242-243. Sobre a invisibilidade, Fabrício Maciel e André Grilo
afirmam que “nem só para dormir na rua é preciso ser invisível. Afinal, quem quer ver a miséria
estampada em sua paisagem cotidiana, quem quer encarar diariamente sua aversão (velada, ou
não) pela sujeira e degradação? Assim, para um catador transitar pelos bairros dignos, mexer nos
lixos burgueses, deve respeitar o acordo tácito da invisibilidade. Basta não buscar chamar a
atenção que passará despercebido. Assim, o cidadão de classe média pode evitar o seu
incômodo, e o subcidadão que cata lixo pode evitar a humilhação. Ou melhor, deixá-la latente”
(MACIEL; Fabrício; GRILO, André. A ralé brasileira: quem é e como vive, p. 266-267). Durante 10
anos, Fernando Braga da Costa realizou pesquisa com trabalho de campo semanal sobre o
desempenho do ofício de gari e entrevista com dois ex-garis aposentados pela Universidade de
São Paulo. Em tese de doutorado, o autor afirma que a invisibilidade pública, “desaparecimento
de um homem no meio de outros homens, é expressão pontiaguda de dois fenômenos
psicossociais que assumem caráter crônico nas sociedades capitalistas: humilhação social e
reificação” e é uma construção social e psíquica, tendo “a força de ressecar expressões corporais
e simbólicas dos humanos então apagados. Pode abafar a voz e baixar o olhar. Pode endurecer o
corpo e seus movimentos. Pode emudecer os sentimentos e fazer fraquejar a memória. Faz
esmorecer – em todos estes níveis – o poder de aparição de alguém”. Sobre a reificação,
Fernando Braga da Costa indica que “somente humanos já reduzidos e tidos como objetos podem
parecer impotentes na capacidade de se fazerem interpelar como humanos e de interpelarem
outros humanos como iguais” (COSTA, Fernando Braga da. Móises e Nilce, retratos biográficos
de dois garis: um estudo de psicologia social a partir de observação participante e entrevistas, p.
6-8).
139
Libertas, p. 193.
140
LEITE, Bruno Rodrigues. VirtuaJus, p. 252.
141
MATTOS, Ricardo Mendes; FERREIRA, Ricardo Franklin. Psicologia & Sociedade, p. 47, 51.
142
ALMEIDA, Delano Augusto Corrêa de. Puça: Revista de Comunicação e Cultura na Amazônia, p.
99. Assimilar determinado grupo a doenças, animais e sujeira foi uma das ações realizadas pelos
nazistas para preparar, perpetrar e justificar o extermínio de judeus entre 1933 e 1945. Sobre esse
assunto cf. ARQUITETURA da destruição. Direção: Peter Cohen.
143
FRANGELLA, Simone Miziara. Corpos urbanos errantes: uma etnografia da corporalidade de
moradores de rua em São Paulo, p. 28, 131, 202. Em sentido semelhante, Viviane Souza Pereira
afirma que “a população que vive nas ruas tem práticas, experiências e valores relativos ao
‘habitar a rua’ diferenciados, porque se apropriam, usam e experienciam de várias maneiras os
espaços onde passam a viver. A heterogeneidade da população com vivência de rua pode então
ser apreendida como resultado de visões e percepções de mundo particulares e próprias a cada
tipo de relação e experiência estabelecida com o espaço pública ocupado, onde são introduzidas
novas formas de viver e sobreviver nas cidades, revelando um universo de valores referentes ao
‘mundo da rua’” (Libertas, p. 191).
pode significar, sob viés autoritário típico das ações estatais, a expulsão daquelas
pessoas de certo lugar e não a construção compartilhada em espaços
processualizados de alternativas viáveis para a situação de rua. Incorre em
semelhante equívoco quem afirma, em tom bélico, que a população em situação de
rua deve ser combatida ou enfrentada. O que deve ser combatido é a insubmissão
dos agentes estatais à principiologia constitucional, em prol da participação ativa dos
sujeitos de direito na construção das decisões jurisdicionais, legislativas e
administrativas. Assim, a situação de rua será problematizada processualmente
pelas próprias pessoas em situação de rua.
Essas hipóteses contribuem para a infantilização das pessoas em situação de
rua, retirando a possibilidade de construção do seu próprio mundo. Assim, ao invés
de reconhecer a autonomia das pessoas em situação de rua, a hipótese acaba
resultando na reprodução das desigualdades socioeconômicas.
Segundo Jeanne Marie Gagnebin, na Apresentação do livro de Agamben,
intitulado "O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha", o termo infância
tem origem no latim "infans, que não fala". José Pedro Machado afirma que a origem
etimológica do termo infante é a palavra latina infante, "que não fala; incapaz de
falar, sem eloquência; ainda incapaz de falar, muito criança [...]; de criança,
infantil".144
O direito ainda tem fundamentos místicos que se disfarçam sob o manto de
expressões perniciosas que revelam ideologias, como acesso à justiça, ativismo
judicial, proporcionalidade, equidade, ponderação, senso de justiça e uma infinidade
de outros vocábulos e expressões que escoram os poderes ilimitados dos juízes em
decidir a lide segundo sua própria consciência na busca da concretização dos
valores constitucionais ou da sociedade, sem indicar que sociedade mortífera é
essa.
Se, de um lado, está o infans - preso oportunamente no ambiente
desprocessualizado e cuja participação é vedada na construção da linguagem, uma
vez que essa é pressuposta e oriunda da sociedade igualmente mística e histórica já
pronta e imodificável -, de outro, está o profeta. Assim, o profeta não é aquele que
enxerga adiante, prediz o futuro, mas aquele que ouve o significado da palavra
144
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apresentação, p. 17. MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico
da língua portuguesa: com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos
vocábulos estudados, p. 1225. Cf. MIJOLLA, Alain de (Dir.). Dicionário internacional da
psicanálise, p. 957.
anteriormente e tem como função dizer o que ouviu para os demais, os infans.
Se, no âmbito religioso, o profeta ouve a palavra dos deuses ou de Deus, a
depender da cosmogonia utilizada, no direito, o profeta é o juiz que ausculta os
significados da palavra da própria Lei ou da sociedade como um intérprete
privilegiado para, depois e com a autoridade que a lei lhe conferiu, se reportar à
sociedade infantilizada, incapaz de interpretar os significados que ela própria criou.
Por isso, o termo autoridade pode ser utilizado para se referir tanto à pessoa quanto
ao poder que essa pessoa detém para conferir o significado indubitável (dogma) da
lei e, em ambos os casos, se presta a disfarçar a violência intimamente relacionada
ao direito e que em todo lugar irrompe sob as mais variadas designações, como
manutenção da lei e da ordem, segurança pública, guerra às drogas, unidade de
polícia pacificadora, utilização de força proporcional pelas polícias, autos de
resistência, ativismo judicial, função criadora da jurisprudência, guardião da
Constituição, direito de manifestação sem vandalismo e apreensão de pertences
pessoais.145
A pessoa em situação de rua é tida como afônica, impotente, debilitada e
incapaz de decidir os rumos da própria vida e de construir os significados da lei,
precisando da ajuda de outrem para dirigir a sua vida. Esta ajuda, no entanto, pode
vir sob a forma de mais violência (subjetiva, objetiva e simbólica), reproduzindo a
realidade sem teorizá-la com a população em situação de rua.
Portanto, a violência contribui para a infantilização das pessoas em situação
de rua, não como um dado real, visto que a população em situação de rua não é
infantil, mas infantilizada por estereótipos que vedam o seu reconhecimento como
sujeito de direito e cidadão capaz de construir, processualmente, o seu próprio
mundo.
145
Sobre a inadequação da expressão guardião da Constituição, cf. LEITE, Bruno Rodrigues. Entrar
na Justiça?
146
LEITE, Bruno Rodrigues. VirtuaJus, p. 296-306. AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder
Para o autor, a figura do homo sacer, "apesar de não existir mais nos moldes
do direito romano arcaico, conserva suas características principais e encontra eco,
sob certos aspectos, nos favelados de hoje, nos terroristas, nos baderneiros
mascarados, naqueles que morrem em filas de hospitais devido à ausência de
recursos do Estado para manter o serviço essencial da saúde [...] e em tantos outros
que se veem excluídos (mesmo que teoricamente incluídos) do protagonismo e da
dialogicidade nos cenários judicial, social, político e econômico" e a precária
efetividade da lei torna a pessoa em situação de rua "um indivíduo matável devido à
pequena abrangência dos sistemas de saúde, assistência social e previdência social
somada a sua vulnerabilidade, (pois ele pode morrer de frio [...], fome, problemas de
saúde, entre outros) além da dificuldade na solução de casos de homicídio que
tenham uma pessoa em situação de rua como vítima, tornam, inevitavelmente, sua
morte impune – dificilmente um agente público será responsabilizado por não ter
destinado verbas para o atendimento da população em situação de rua ou um
agressor será condenado pelo crime cometido".147
A comparação entre a população em situação de rua e a figura do homo
sacer também é realizada por José Ourismar Barros, para o qual "o homo sacer, o
homem da vida nua, é apenas o objeto de estudo dos cientistas, a notícia trágica
dos jornalistas, o ponto cego dos juristas e o esquecido dos economistas. O homo
sacer é pelo que ele não é. Não é ser humano, nem santo. Não é sujeito, nem coisa.
Não é homem, nem animal. Não é produtor, nem consumidor". O autor exemplifica o
homo sacer das pessoas em situação de rua com a atenção dada à utilização de
animais em testes para a indústria de cosméticos e a indiferença com a condição
dos moradores de rua.148
soberano e a vida nua, p. 9-12, 14, 16, 66, 73, 76-77, 79-80, 82, 84, 86-87, 186. IHERING, Rudolf
von. El espíritu del derecho romano, p. 189-191, 196-197, 199-200, 202-204.
147
LEITE, Bruno Rodrigues. VirtuaJus, p. 299, 305.
148
BARROS, José Ourismar. Direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, p. 161-162. Na
França, a extrema direita chega a usar argumentos de defesa dos animais para atacar hábitos dos
imigrantes, incluindo pessoas em situação de rua. Em reportagem sobre vídeo que mostra
militantes defensores dos direitos dos animais arrancando um cachorro de pessoa em situação de
rua em Paris, Amanda Lourenço afirma que “o próprio presidente da Causa Animal Norte tem um
discurso extremista. Em 2013, Blanchard postou uma carta de indignação para o presidente da
república, afirmando que o governo não dá a devida importância para os animais, ‘preferindo dar o
dinheiro dos contribuintes franceses aos imigrantes’. Ele reclama ainda especificamente dos
ciganos, enumerando os supostos beneficios dados pelos governantes: ‘Criação de vilas luxuosas
para os Roms, gratuidade de transporte público para os Roms. E quem paga a conta? Os
franceses’” (LOURENÇO, Amanda. Extrema-direita usa maus-tratos a animais como justificativa
para racismo e xenofobia na França). Data venia, apesar da importância da defesa dos animais, a
própria condição humana e os seus sofrimentos evitáveis devem ser problematizados
prioritariamente, pois é paradoxal que determinado país se empenhe em proteger animais, se
esquecendo do próprio humano.
149
FRAZÃO, Theresa Christina Jardim. O morador de rua e a invisibilidade do sujeito no discurso
jornalístico, p. 36. Christian Pierre Kasper também aborda superficialmente a relação entre a figura
do homo sacer e a pessoa em situação de rua (Habitar a rua, p. 199-200).
158
Pilatos e Jesus, p. 69-71. Agamben faz afirmações semelhantes em trechos de outro livro: “como
os juristas sabem muito bem, acontece que o direito não tende, em última análise, ao
estabelecimento da justiça. Nem sequer ao da verdade. Busca unicamente o julgamento” (O que
resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha, p. 28).
159
SATTA, Salvatore. Seqüência: Estudos jurídicos e políticos, p. 23.
160
Direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, p. 146.
161
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e democracia: a ação jurídica como exercício da cidadania.
Virtuajus. Belo Horizonte, 2005, p. 5.
autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".164
O mandado de segurança tem caráter eminentemente processual, pois,
conforme lição de Barbosa Moreira, "a disciplina do mandado de segurança, quando
não se contenha na legislação especial, é necessariamente complementada pelas
normas constantes do Direito Processual comum, isto é, em outras palavras, pelas
normas constantes do Código de Processo Civil". Por isso, o marco teórico de diálise
do mandado de segurança deve ser a teoria processual que, nessa dissertação, é a
teoria neoinstitucionalista do processo.165
164
BRASIL. Lei n°12.016, de 7 de agosto de 2009.
165
Mandado de segurança, p. 84.
166
Curso de direito constitucional, p. 160.
167
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional, p. 170, 172, 174.
168
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional, p. 183-184.
169
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional, p. 252.
170
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional, p. 267-269.
171
DEL NEGRI, André. Teoria da constituição e do direito constitucional, p. 102.
174
Curso de direito constitucional, p. 175-176.
175
LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural, p.
82.
176
LEAL, Rosemiro Pereira. Direito econômico: soberania e mercado mundial, p. 113.
177
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada, p. 23.
178
BRASIL. Decreto-lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942.
179
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e democracia: a ação jurídica como exercício da cidadania.
Virtuajus. Belo Horizonte, 2005, p. 9.
180
KAFKA, Franz. Um médico rural: pequenas narrativas, p. 23-25.
181
ALMEIDA, Gregório Assagra de; ALMEIDA, Flávia Vigatti Coelho de. Direitos fundamentais e a
função do Estado nos planos internos e internacional, p. 232.
182
Por medida concretizadora, o autor entende a “intermediação concretizadora por parte do
legislador” (GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias
individuais: a busca de uma exegese emancipatória, p. 155, 158-159, 180, 182).
184
GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de
uma exegese emancipatória, p. 188.
185
Gregório Assagra de Almeida, Mirna Cianci e Rita Quartieri afirma que o mandado de segurança
tem “aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º, da CF) e, assim, não precisa de regulamentação
infraconstitucional para que seja aplicado, como aconteceu antes da nova Lei do Mandado de
Segurança em relação ao mandado de segurança coletivo, que, mesmo sem regulamentação
infraconstitucional específica, era autoaplicável” (Mandado de segurança: introdução e
comentários à Lei 12.016, de 7-8-2009 (artigo por artigo), com indicação do PLS n. 222/2010, p.
43-44).
186
Relativização inconstitucional da coisa julgada: temática processual e reflexões jurídicas, p. 26-27,
38. Ainda segundo Rosemiro Pereira Leal, “a não conceber a constituição como título executivo
extrajudicial quanto a direitos fundamentais, e se crendo já na existência de uma ‘sociedade’
política de construção anônima (pressuposta e atuante) achada no ato do nascimento do homem e
a ser referenciada como relíquia imorredoura, a comunidade jurídica operadora do sistema nada
mais seria que a ‘sociedade’ dos liberais predestinados (aristotélicos) e não o povo total como
legitimados ao processo no exercício dos direitos fundacionais de ‘paridade fundamental’ para a
edificação paulatina da sociedade democrática processualmente criada, constitucionalizada e
assegurada” (Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo
democrático brasileiro, p. 285).
Por isto, com base nas lições de Rosemiro Pereira Leal, o artigo 5º, §1º,
permite asseverar que a Constituição de 1988 é título executivo extrajudicial, pois a
força executiva a qual se refere o artigo 784, inciso Xll, do Código de Processo Civil
de 2015 é atribuída pela própria Constituição ao dispor sobre a aplicabilidade
imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Por
conseguinte, a execução de direitos fundamentais será feita com base nos artigos
497, 536, 537 e 814 a 823 do Código de Processo Civil de 2015.187
Para possibilitar a operacionalização dos direitos fundamentais, o princípio da
aplicabilidade imediata disposto no artigo 5º, §1º, da Constituição de 1988, deve ser
interpretado em conjunto com o mandado de segurança.
Dessa maneira, os direitos fundamentais não são criados pelos órgãos
estatais competentes pelo exercício da função jurisdicional ou qualquer outra função
no caso concreto, mas pelo constituinte originário e aplicação imediata quer
significar execução imediata, prescindindo de procedimento cognitivo, a ser feita em
hermenêutica isomênica no processo constitucional pelos sujeitos de direito.
constituída
191
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. História e prática do habeas corpus: direito
constitucional e processual comparado, p. 262, 327. PEREIRA E SOUSA, Joaquim José Caetano.
Esboço de hum diccionario juridico, theoretico, e practico, remissivo ás leis compiladas, e
extravagantes, páginas não numeradas.
192
MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e
ações constitucionais, p. 36-37.
193
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Do mandado de segurança, p. 123, 126, 128.
194
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Do mandado de segurança, p. 129, 131.
afirmação jurídica que não pode ser séria e validamente impugnada pela autoridade
pública, que pratica um ato ilegal ou de abuso de direito" não parece acertado, ao
menos após a Constituição de 1988, por violar frontalmente a garantia do
contraditório e ao conferir ao juiz a discricionariedade na definição do que pode ou
não ser contestado.195
Arnoldo Wald afirma que liquidez e certeza do direito resultam no direito
“comprovado de plano, pois não se admite a produção de provas no bojo do
mandado de segurança”. Para o autor, "é preciso que o fato alegado pela parte e em
que baseia o seu direito certo, tenha sido provado documentalmente, de modo
absoluto e evidente [...]. A prova, afirma a jurisprudência, deve ser cabal, completa e
imediata".196
Segundo Arnold Wald, a “evidência concreta é conceito subjetivo e relativo,
variando de juiz para juiz. Aqui, como no direito suíço, o magistrado faz as vezes de
legislador, apreciando em cada caso concreto a clareza meridiana que deve
caracterizar o direito violado. A lei e a jurisprudência se limitam a dar uma diretriz e
uma orientação, deixando ao juiz a solução de cada hipótese. O magistrado, no
exame dos processos que lhe são submetidos, procurará fixar o seu próprio conceito
de direito líquido e certo, assinalando o que para ele se torna evidente, natural,
decorrente dos inabaláveis princípios jurídicos inerentes à nossa civilização. Tal é a
razão pela qual nem sempre se justifica a revolta contra a concessão ou denegação
do mandado. O que é transparente, evidente e cristalino para o advogado pode não
sê-lo para o juiz. São problemas de formação pessoal, de ideologia, de escala de
valores [...]. Assim, vemos que a apreciação do juiz não pode deixar de ser
subjetiva, como o assinalam vários acórdãos”.197
Dessa maneira, apesar de criticar a expressão direito incontestável, Arnoldo
Wald acaba por reforçar a subjetividade do juiz na interpretação da liquidez e
certeza do direito no mandado de segurança. Nessa hipótese, o juiz tem a função de
decidir no caso de obscuridade da lei expressa no termo direito líquido e certo sem a
participação das partes, tratadas como meras destinatárias da sentença.
Em obra de 1954, Carlos Maximiliano pondera que “cabe o Mandado de
Segurança quando se trate de direito translúcido, evidente, acima de toda dúvida
195
BUZAID, Alfredo. Do mandado de segurança, p. 88.
196
WALD, Arnoldo. Do mandado de segurança na prática judiciária, p. 120, 126-127.
197
WALD, Arnoldo. Do mandado de segurança na prática judiciária, p. 130.
razoável, apurável de plano, sem detido exame, nem laboriosas cogitações [...].
Direito certo e líquido é aquêle contra o qual se não podem opor motivos
ponderáveis e, sim, meras e vagas alegações, cuja improcedência o magistrado
logra reconhecer imediatamente sem necessidade de exame demorado pesquisas
difíceis; por outras palavras, é o que nenhum jurista de mediana cultura contestaria
de boa fé e desinteressadamente”.198
Com relação à noção de liquidez, Celso Agrícola Barbi afirma que "o conceito
de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de
um direito subjetivo no processo: a circunstância de um determinado direito subjetivo
realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é
atribuída se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma
incontestável, certa, no processo". Sobre as provas no mandado de segurança, o
autor defende que "a prova assume no processo de mandado de segurança
excepcional relevo, pois [...] a base da definição do que seja direito líquido e certo
repousa na indiscutibilidade dos fatos e, conseqüentemente, na questão
probatória".199
Marcos José Porto Soares e Thalita Andrea Santos Rosa formulam quatro
hipóteses sobre o mandado de segurança, quais sejam, o mandado de segurança é
ação; a liquidez e certeza são condições da ação, embora façam parte do mérito; o
direito líquido e certo é aquele “comprovado logo de plano, não necessitando ser
provado através de formalidades normais processuais” e cabe ao juiz “tomar ciência
de todas as provas, para afirmar, sem dúvida, que o impetrante possui ou não o
direito que busca”.200
Essas hipóteses revelam a confusão sobre a liquidez e certeza, ora definidas
como condição ou requisito da ação, ora como matéria de mérito relacionada ao
plano fático e reservam para o juiz lugar de destaque não compartilhado para a
aferição do caráter induvidoso e evidente dos elementos de prova carreados pelo
impetrante. Forma-se o momento místico no qual o juiz detém poderes sobrenaturais
de clarividência sobre a evidência impassível de crítica acerca da prova que lhe
imprime a convicção e certeza acerca dos direitos alegados.
Em obra de 1976, Sergio Sahione Fadel elabora sete hipóteses sobre a
198
Comentários à Constituição brasileira, p. 146-147.
199
Do mandado de segurança, p. 61, 207.
200
Revista dos Tribunais, p. 183, 189, 190, 193, 200-201.
201
FADEL, Sergio Sahione. Teoria e prática do mandado de segurança, p. 20-23, 26.
202
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Mandado de segurança, p. 81.
203
MACHADO, Hugo de Brito. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 72-73.
Em obra de 1980, Milton Flaks afirma que “direito líquido está no texto
constitucional em reforço de certo, no sentido de apurado ou determinado”.206 José
de Castro Nunes, afirma que a locução direito certo e incontestável da Constituição
de 1934 foi alterada para direito líquido e certo, sem modificação substancial no
“sentido e alcance do instituto”; certo e incontestável significam “suscetível de prova
imediata e demonstração concludente” e líquido “está no texto como reforço da
expressão, mais na acepção vulgar de escoimado de dúvidas, o que equivale a
certo”.207
Em obra de 1969, José Maria Othon Sidou critica a expressão direito líquido e
certo por dois motivos. Primeiro, a expressão é redundante, pois todo direito é certo
e “se o fato é certo (líquido) e sobre êle não se pode levantar uma contestação
razoável, e se, sendo fato, resulta numa ilegalidade ou abuso de poder, há caso
para o mandado de segurança, sempre”. Segundo, a expressão é vaga, pois o
mandado de segurança “não se ergue para apreciar direitos cuja complexidade
exige, por mais sumário que seja seu processo, o concurso de elementos peculiares
a cada relação suscitada”. Assim, o autor equipara certo a líquido e os define como
característica do fato incontestável e não do direito, o que direciona a interpretação
da liquidez e certeza para a existência de prova indubitável.208
Contudo, liquidez e certeza são atributos distintos dos direitos fundamentais.
Segundo Rosemiro Pereira Leal, liquidez é a vedação de inexequibilidade e certeza
206
Mandado de segurança: pressupostos de impetração, p. 129.
207
CASTRO NUNES, José de. Do mandado de segurança e de outros meios de defesa contra atos
do poder público, p. 55, 66.
208
SIDOU, José Maria Othon. Do mandado de segurança, p. 87.
é infungibilidade.209
Dessa maneira, os direitos fundamentais são líquidos, devido ao disposto no
artigo 5º, § 1º, da Constituição de 1988, mas não são certos, necessariamente. Por
exemplo, o direito à indenização compensatória nos casos de despedida arbitrária
ou sem justa causa do trabalhador, indicado no artigo 7º, inciso l, da Constituição de
1988. O direito é fundamental, mas não é certo, pois comporta indenização em
casos nos quais é violado. De igual modo, os incisos V e X do artigo 5º, da
Constituição de 1988 dispõe sobre a indenização por dano material, moral ou à
imagem relacionado ao direito de resposta e à violação da intimidade, vida privada,
honra e imagem das pessoas, respectivamente.210 Nesses casos, o mandado de
segurança não é cabível, pois ausente o direito certo.
que o juiz possa superar a fase preliminar do cabimento ou não do mandado, ele há
de verificar a satisfação prévia desse requisito específico para o acesso ao writ: a
comprovação dos elementos fáticos em que o autor funda a sua pretensão [...]. Pode
dar-se que o direito seja líquido e certo para o efeito de justificar o adentramento
pelo juiz do mérito do feito, uma vez que já se encontra convencido do suporte fático
em que se arrima o autor”, arrematando que “direito líquido e certo é conceito de
ordem processual, que exige a comprovação de pressupostos fáticos da situação
jurídica a preservar. Conseqüentemente, direito líquido e certo é conditio sine qua
non do conhecimento do mandado de segurança, mas não é conditio per quam para
a concessão da providência judicial”.212
Assim, se os fatos forem certos, o direito também será e o juiz concederá o
mandado de segurança diante da ausência de dúvidas relativas às alegações do
impetrante. Novamente, o juiz ocupa posição de destaque e clarividência na procura
solitária e dogmática da verdade evidente para mentes sábias, excluindo as partes
procedimentais da construção da decisão jurisdicional.
A necessidade de prova documental pré-constituída e inequívoca dos fatos
alegados pelo impetrante no procedimento do mandado de segurança foi a
construção jurisprudencial e doutrinária oriunda da Constituição de 1934 com
influências da doutrina brasileira do habeas corpus e, embora persista na Lei n°
12.016/2009, não está em conformidade com a Constituição de 1988.
212
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil
(promulgada em 5 de outubro de 1988), p. 328, 331. Em sentido semelhante: FIGUEIREDO,
Lucia Valle. Mandado de segurança, p. 20-21, 31. Lucia Valle Figueiredo difere de Celso Ribeiro
Bastos e Ives Gandra Martins ao afirmar que “o direito líquido e certo aparece em duas fases
distintas no mandado de segurança”, no início como condição da ação e ao final, na sentença.
217
Em termos semelhantes, Dierle José Coelho Nunes analisa o sistema processual e defende a
releitura que passe pela “percepção da importância da participação ou, melhor dizendo, da
comparticipação que permita o exercício pleno pelo cidadão (economicamente débil ou não) de
sua autonomia pública e privada no processo. Não é o caso de associar-se a novos sacerdotes,
mas simplesmente de reconhecer a importância institucional de todos os sujeitos processuais no
sistema de aplicação da tutela” (Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das
reformas processuais, p. 198).
adotados numa ordem jurídica qualquer”; 7°.)- O Estado é “recinto axiológico de uma
decidibilidade governativa, administrativa e judiciária, comprometida com uma pauta
de valores não juridificados e não processualmente dada à fiscalidade irrestrita”;
8°.)- O processo é “instrumento mórbido de uma jurisdição judicial de resolução de
conflitos emersos da constitucionalidade não cumprida a serviço de uma paz
sistêmica meta-jurídica setencialmente provimentada em critérios jurisprudenciados
por valores de uma eticidade estranha aos destinatários normativos a quem se nega
o acesso processual à execução dos direitos fundamentais já acertados em
cognição constituinte”; 9°.)- A certeza e liquidez do direito se legitimam na “razão
imediata de um guia seguro por idéias de inequivocidade cogitada em níveis de
privilegiada evidência” e, por último, 10°.)- A fruição de direitos fundamentais é
obstruída ou filtrada pela “judicalidade estocada em juízos de verossimilhança,
inequivocidade, relevância e transcedência, valorativos e condicionantes de sua
aplicação imediata assentados em pretextos (topoi) de ineficiência ou precariedade
pressupostamente inerente ao Estado tradicionalmente vivido”.218
Rosemiro Pereira Leal defende a segunda hipótese e afirma que: 1ª.)- A
liquidez e certeza dos direitos fundamentais são atributos “já integralmente
resolvidos e acertados no plano da procedimentalidade constituinte” e cuja base
de validade repousa no processo constituinte e sua legitimidade “pela autopermissão
normativa de sua fiscalidade processual (médium lingüístico) na constitucionalidade
vigente para a execução desses direitos, ainda que seja na contrafactualidade de
uma realidade sustentada pela razão estratégica”, 2ª.)- O Estado Democrático de
Direito é “espaço jurídico-hermenêutico de difusa e irrestrita fiscalidade, correição e
executividade processuais dos conteúdos constitucionalizados”; 3ª.)- Direitos
fundamentais são “direitos fundamentados pelo devido processo como discurso do
decidir juridicamente adotado na criação e aplicação de direitos” e 4ª)- Liquidez
significa autoexecutividade e vedação de inexequibilidade e certeza quer dizer
infungibilidade.219
Dessa maneira, não há de se falar no Judiciário benevolente e sensível que
cria direitos fundamentais quando movimentado por ações afirmativas, pois os
direitos fundamentais já estão acertados pelo legislador constituinte originário.
Portanto, não se pode interpretar o ordenamento jurídico em espaços
218
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada, p. 24-25, 28-29, 31, 33.
219
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada, p. 23, 26, 29, 31.
220
LEITE, Bruno Rodrigues. VirtuaJus, p. 306.
221
PACHECO, José da Silva. Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, p. 217-
218.
222
Sobre a Constituição Federal de 1988 como título executivo extrajudicial, cf. LEAL, Rosemiro
Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada: temática processual e reflexões jurídicas,
p. 26-27, 38. Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo
democrático brasileiro, p. 285.
223
José Maria Othon Sidou afirma que “direito certo e incontestável e ‘direito líquido e certo’ querem
dizer, se o podem dizer, uma só coisa” (Do mandado de segurança, p. 84, 235).
224
FLAKS, Milton. Mandado de segurança: pressupostos de impetração, p. 129-130.
Rosemiro Pereira Leal, André Del Negri afirma que "a expressão direitos
fundamentais, na constitucionalidade democrática [...] pode ser compreendida a
partir de plataformas de produção, porque teríamos o exemplo do plano constituinte
que, ao racionalizar o Direito (debatido e acordado) teria a sua garantia já acertada,
não podendo ser levada a posteriori pela judicialidade, pois estão protegidos pela
coisa julgada constituinte (coisa julgada em razão da decisão do legislador
constituinte)". Por isto, as hipóteses que centram o mandado de segurança, a
liquidez e certeza dos direitos e a prova na figura do juiz carecem de fundamento
teórico consistente após o advento da Constituição de 1988.231
A teoria neoinstitucionalista do processo inova ao conjugar liquidez e certeza,
na interpretação do mandado de segurança, com o artigo 5º, § 1º, da Constituição
de 1988, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”.232 Desta maneira, aplicação imediata não
significa concretização em um instante, mas procedimento executivo que dispensa a
fase de cognição, uma vez que essa já foi realizada no plano constituinte originário.
A vinculação da liquidez e certeza com a aplicação imediata dos direitos
fundamentais é a viga mestra do tratamento que a teoria neoinstitucionalista confere
ao mandado de segurança, permitindo desatar o nó górdio que vinculava o mandado
de segurança à espaços desprocessualizados de interpretação da lei, no qual o juiz
clarividente valorizava o elemento de prova e o direito correspondente assumia, por
simbiose, a liquidez e certeza indubitáveis dos fatos alegados pelo impetrante e que
definia a eficácia das normas constitucionais aprioristicamente pelo sentido inato do
texto legal ou a posteriori pelo juiz de forma solitária e autoritária.
Não basta o juiz proferir a sentença com fundamento na reduzida eficácia da
norma correspondente ou na reserva do possível, como se ambos os argumentos
fossem dogmas, isso é, afirmativas insuscetíveis à crítica. É necessário que todas as
partes envolvidas no procedimento, em hermenêutica isomênica, interpretem a lei
em espaços processualizados abertos à testificação incessante.
A teoria neoinstitucionalista do processo possibilita uma nova leitura do
mandado de segurança e da eficácia das normas constitucionais relativas aos
direitos fundamentais, criando uma conjectura na qual os sujeitos de direito em
situação de rua utilizam o procedimento do mandado de segurança para a execução
231
DEL NEGRI, André. Teoria da constituição e do direito constitucional, p. 304-306.
232
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
233
A utilização da expressão ação mandamental é inadequada, pois a ação é direito e não pode ser
qualificada segundo a eficácia da sentença de procedência proferida no procedimento. A
expressão caso concreto deve ser utilizada com muita cautela. Caso concreto não significa
procedimento no qual os princípios da reserva legal e da legalidade, bem como as garantias do
contraditório, plenitude da defesa e fundamentação racional das decisões jurisdicionais são
flexíveis a ponto de cederem lugar ao solipsismo judicial em prol da mística realização da justiça e
do preenchimento de lacunas no ordenamento jurídico. Nesta dissertação, caso concreto significa
procedimento jurisdicional hipotético e relacionado ao assunto pesquisado, a saber, o mandado de
segurança como procedimento constitucional para a execução dos direitos fundamentais líquidos
e certos da população em situação de rua.
234
LEAL, Rosemiro. Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 208, 321-322.
235
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual
democrático, p. 106.
236
LEAL, André Cordeiro. Direito processual: reflexões jurídicas, p. 83.
237
THIBAU, Vinícius Lott. Técnica processual, p. 49, 54, 56, 59.
réu na sua defesa, é dizer, a proposição das provas surge na fase postulatória do
processo. Segue-se a admissão das provas pelo juiz, quando decide de forma
motivada sobre a pertinência das provas propostas ou requeridas pelas partes, ato
decisório de admissibilidade que ocorre na fase de saneamento do processo, que se
instaura a partir da fase postulatória. Após, as provas admitidas serão produzidas ou
concretizadas pelas partes por meio das respectivas estruturas técnicas
procedimentais normativamente previstas, sempre em contraditório. Por fim, a
valoração das provas, que será feita pelas partes em suas alegações ou razões
finais, ao ensejo dos debates orais, ou pelos memoriais escritos que apresentam,
em substituição aos debates orais, e pelo juízo, em seu pronunciamento
decisório".240
A julgar pela interpretação do direito líquido e certo como produção de prova
indubitável para o juiz acerca dos fatos narrados, as fases que Ronaldo Brêtas de
Carvalho Dias indicou para a estrutura técnica e normativa da prova estariam
prejudicadas e desordenadas. A promiscuidade procedimental que une as fases de
proposição e produção pela parte impetrante e as fases de admissão e valoração
pelo juiz reduz a complexidade do instituto da prova e concentra poderes nas mãos
do juiz que vão muito além das suas competências previamente fixadas em lei.
Com apoio em Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, é possível afirmar que a
única fase da procedimentalização da prova que é reservada exclusivamente ao
juízo é a admissão, que pode ser objeto de recurso, enquanto a proposição e a
produção são exercidas somente pelas partes e a valoração é feita tanto pelas
partes quanto pelo juízo. Nesta hipótese, as provas no mandado de segurança não
se destinam ao juiz, mas ao processo, e não se resumem à juntada de documentos
na petição inicial, mas na produção de provas no espaço procedimental e durante o
tempo e por todas as formas estabelecidas em lei.241
240
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Técnica processual, p. 191.
241
Enquanto Rosemiro Pereira Leal afirma que “o destinatário da prova não é o juiz, mas o juízo” e
defende que a “valoração da prova é, num primeiro ato, perceber a existência do elemento de
prova nos autos do procedimento” e a valorização é “mostrar o conteúdo de importância do
elemento de prova para a formação do convencimento e o teor significativo de seus aspectos
técnicos e lógico-jurídicos de inequivocidade material e formal”, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
entende que “o destinatário principal e direito da prova não é o juiz ou o juízo, mas sim, o próprio
processo” e compreende que a valoração da prova é “a percepção (apreensão intelectiva) da
existência do elemento de prova nos autos do procedimento e (também) o entendimento motivado
dos conteúdos legais e técnicos da prova, estabelecendo-lhes um nexo, liame ou traço de
pertinência com os fatos expostos e debatidos no processo”. Ressalta-se que essas diferenças
são indicadas por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do
processo: primeiros estudos, p. 210, 215. BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Técnica
processual, p. 190, 192).
242
A propósito, Popper afirma que “os enunciados básicos desempenham dois papéis diferentes. De
uma parte, utilizamos o sistema de todos os enunciados básicos, logicamente possíveis, para,
com o auxílio deles, conseguir a caracterização lógica por nós procurada – a da forma dos
enunciados empíricos. De outra parte, os enunciados básicos aceitos constituem o fundamento da
corroboração de hipóteses. Se os enunciados básicos aceitos contradisserem uma teoria, só os
tomaremos como propiciadores de apoio suficiente para o falseamento da teoria caso eles,
concomitantemente, corroborarem uma hipótese falseadora” (POPPER, Karl Raimund. A lógica da
pesquisa científica, p. 92).
Isso não significa que basta ao impetrante alegar que o seu direito
fundamental líquido e certo está sendo negado para o Estado ter que provar o
contrário. Significa que o impetrante deve, no iter procedimental, provar três
afirmações, quais sejam: 1º.)- O direito a ser protegido é líquido e certo, isto é,
autoexecutável (relacionado ao artigo 5º, §1º, da Constituição de 1988, aplicável a
todos os direitos fundamentais indicados no título ll da Constituição de 1988 e em
tratados e convenções internacionais recepcionados pelo ordenamento jurídico
nacional e relativos aos direitos fundamentais) e infungível; 2º.)- O direito não é
amparado por habeas corpus ou habeas data; 3º.)- O direito está sendo negado ou
violado por ilegalidade ou abuso de poder cometido por "autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público", segundo o
artigo 5º, inciso LXlX, da Constituição de 1988, ou "autoridade, seja de que categoria
for e sejam quais forem as funções que exerça", conforme artigo 1º, caput, da Lei n°
12.016/2009. 243 O artigo 373, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015 é
aplicável ao caso em comento, pois a situação de rua dificulta excessivamente ou
impossibilita a produção de provas pelas pessoas em situação de rua, exigindo que
o juízo distribua o ônus da prova de maneira diversa ao indicado nos incisos do
artigo 373.244 Por exemplo, caso a pessoa em situação de rua impetrante do
mandado de segurança alegue que o Estado não utiliza as verbas orçamentárias
243
Importante destacar a distinção entre ilegalidade e abuso de poder feita por Barbosa Moreira,
segundo a qual “o conceito de ilegalidade obviamente se define por oposição, por contraste. É
ilegal tudo aquilo que não é legal, ou seja, é ilegal tudo aquilo que não está de acordo com a lei.
Já o conceito de abuso de poder é mais fluído, é menos facilmente delimitável”, sugerindo que se
pode falar de abuso de poder “quando o ato que vigora não viole, abertamente, nenhum preceito
legal. Contudo, corresponde ao exercício de um poder, uma atribuição de maneira irregular, no
sentido de que a autoridade que pratica o ato o está praticando fora das finalidades próprias para
as quais a lei lhe conferiu aquele poder, ou com excesso de rigor, adotando a providência que não
é proporcional ao resultado que deseja atingir” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Mandado de
segurança, p. 79-80). No caso das pessoas em situação de rua, é possível afirmar que há abuso
de autoridade quando os órgãos estatais competentes pelo exercício das funções executivas e
legislativas definem normas que discriminam e têm como objetivo expulsar as pessoas em
situação de rua dos logradouros públicos da cidade – longe de proporcionar a construção de
alternativas viáveis por meio de políticas públicas elaboradas pelos funcionários públicos e pelas
pessoas em situação de rua –, a exemplo da já criticada Instrução Normativa Conjunta n° 01 do
Município de Belo Horizonte, que determina, no artigo 6º, a apreensão dos pertences não
essenciais à sobrevivência que não puderem ser carregados pelas pessoas em situação de rua,
eufemismo para roubo de coisa alheia móvel (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO
HORIZONTE. Instrução Normativa Conjunta n°01).
244
Segundo o artigo 373, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015, “Nos casos previstos
em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva
dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova
do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por
decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do
ônus que lhe foi atribuído” (BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo
Civil.)
247
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado das ações: ação, classificação e eficácia,
p. 131, 137.
248
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado das ações: ação, classificação e eficácia,
p. 224.
249
A denominada teoria da separação dos poderes estatais já foi refutada e quem o fez recentemente
com precisão técnica foi Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, ao defender a “doutrina da existência
de um poder único do Estado, que se espraia sobre os indivíduos pelo exercício das suas três
fundamentais funções jurídicas, a executiva, a legislativa e a jurisdicional. O Estado deve ser
concebido como ordenação de várias funções atribuídas a órgãos diferenciados, segundo a
previsão das normas constitucionais que o organizam juridicamente. O que deve ser considerada
repartida ou separada é a atividade e não o poder do Estado, do que resulta uma diferenciação de
funções exercidas pelo Estado por intermédio de órgãos criados na estruturação da ordem jurídica
constitucional, nunca a existência de vários poderes do mesmo Estado” (BRÊTAS, Ronaldo de
Carvalho Dias. Processo constitucional e estado democrático de direito, p. 22).
250
Outro posicionamento de Pontes de Miranda que merece críticas se refere à confusão entre
processo e procedimento. Segundo o autor, “processo, de procedere (pro-*zdo), ir dali para frente,
é fato em seguimento, em que há referência necessária a algum fim, pois há processos, químicos
ou biológicos, em que o fim não aparece. Pode haver apenas alcance ou objetivo. No sentido
jurídico, nele há série de ações humanas, que entre si se prendem, para se atingir determinado
fim, que é a prestação jurisdicional, administrativa ou legislativa pelo Estado”. Contudo, segundo
Aroldo Plínio Gonçalves, a palavra procedimento é que tem origem etimológica em procedere,
enquanto “no latim, processos, -a, -um, é particípio passado de procedo, e processos, -us, é
substantivo. A origem de processo é, portanto, do verbo procedo” (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcante. Tratado das ações: ação, classificação e eficácia, p. 297. GONÇALVES,
Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo, p. 51).
251
Conforme alerta Barbosa Moreira, Pontes de Miranda não tinha “o costume de usar a locução
‘sentença executiva lato sensu’. Falava de sentença executiva” (Revista da Academia Brasileira
de Letras Jurídicas, p. 132).
252
SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações
mandamentais, p. 24-27.
Ovídio Baptista da Silva afirma que a ação mandamental tem como finalidade
"obter, como eficácia preponderante da respectiva sentença de procedência, que o
juiz emita uma ordem a ser observada pelo demandado, em vez de limitar-se a
condená-lo a fazer ou não fazer alguma coisa [...]. Nesse tipo de sentença, o juiz
ordena, e não simplesmente condena. E nisso reside, precisamente o elemento
eficacial que a faz diferente das sentenças próprias do processo de conhecimento".
A sentença mandamental seria diferente da sentença executiva, pois "a execução é
ato privado da parte, que o juiz, através do correspondente processo [...] realiza em
substituição à parte que deveria tê-lo realizado. Na sentença mandamental, o juiz
realiza o que somente ele, como representante do Estado, em virtude de sua
estatalidade, pode realizar".253
Entretanto, segundo o autor, a infungibilidade do ato ordenado em sentença
impede que o juiz realize o direito reconhecido, hipótese que comporta exceções,
principalmente nas "ações cautelares, tais como o arresto, o seqüestro e a busca e
apreensão, cuja realização se faz através do órgão judiciário". Além de não conter
uma sentença executiva, Ovídio Baptista da Silva afirma que o mandado de
segurança "não é uma ação condenatória", pois, com esteio em Liebman, a
sentença de condenação não executa na mesma relação processual e "a
condenação não pode conter uma ordem dirigida ao demandado".254
Ao distinguir o papel do juiz do sistema europeu continental e da América
Latina - o juiz bouche de la loi influenciado pelo iudex do direito romano com relação
ao juiz do commom law, o juiz "braço da lei" influenciado pelo praetor romano -, o
autor afirma que não é de surpreender que a "nossa cultura, haja resistido, com
tanta tenacidade, à outorga de poderes de imperium ao juiz, cuja expressão mais
significativa são as ações mandamentais".255
Ovídio Baptista da Silva defende a restauração das "fronteiras originárias que
separavam, em direito romano, as ações condenatórias [...] dos interditos, de modo
que estes readquiram sua primitiva dignidade e possam desfrutar do imperium,
próprio das ações mandamentais", confundindo as competências do juiz indicadas
no ordenamento jurídico brasileiro com imperium do pretor romano e propugnando
253
SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações
mandamentais, p. 336-337.
254
SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações
mandamentais, p. 355, 360.
255
SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil: execução obrigacional, execução real, ações
mandamentais, p. 339.
260
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos
deveres de entrega de coisa: CPC, arts. 461 e 461-A, CDC, art. 84, p. 191-194. A caracterização
da sentença mandamental feita por Eduardo Talamini não é apropriada, pois, conforme anota
Sérgio Muritiba, “há mesmo uma tautologia em tal maneira de configurar a essência da
mandamentalidade, posto que, segundo Talamini, há ordem quando o descumprimento gera
afronta à autoridade estatal e somente há afronta a autoridade estatal quando [a parte litigante]
descumpre a ordem. Desta forma, define-se o que seja ordem não pelo seu conteúdo essencial,
mas sim pela consequência da sua violação, ou seja, pela punição que poderá sofrer o infrator”
(Ação executiva lato sensu e ação mandamental, p. 235). José Miguel Garcia Medina defende
posição semelhante à adotada por Eduardo Talamini ao afirmar que a decisão mandamental é
“aquela que contém ordem, cujo descumprimento pode acarretar o surgimento do crime
respectivo” (Execução civil: aspectos polêmicos, p. 216-217).
261
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos
deveres de entrega de coisa: CPC, arts. 461 e 461-A, CDC, art. 84, p. 448.
262
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos
deveres de entrega de coisa: CPC, arts. 461 e 461-A, CDC, art. 84, p. 300.
265
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada, p. 26, 27, 31, 37.
266
Em sentido semelhante, Barbosa Moreira afirma que “não fica excluída, porém, a hipótese de
determinação feita a terceiro, pessoa física ou pessoa jurídica de direito privado (por exemplo:
empresa jornalística, de radiodifusão ou de televisão, à qual se ordene suspender a publicação ou
transmissão de anúncio encomendado pelo réu)” (Revista da Academia Brasileira de Letras
Jurídicas, p. 157). Nesta dissertação, diferentemente de Barbosa Moreira, o terceiro abrange
pessoa física ou jurídica que executa certo direito fundamental no lugar e com verbas do Estado.
267
O Vicariato Episcopal para a Ação Social e Política de Belo Horizonte/MG dirige o Centro de
Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua em parceria com a Secretaria
Municipal Adjunta de Assistência Social. Assim, as pessoas em situação de rua podem se
higienizar no Centro de Referência que é financiado pelo Estado, mas gerido pelo Vicariato
Episcopal, pertencente a Arquidiocese da Igreja Católica em Belo Horizonte (Vicariato Episcopal
para Ação Social e Política).
268
As medidas sub-rogatórias não podem ser aplicadas nos casos que envolvam obrigação de não
fazer. Esse é o entendimento de Barbosa Moreira, segundo o qual “em certas hipóteses, não há
supor que medida alguma ordenada pelo órgão judicial seja capaz de assegurar ao vencedor
‘resultado prático equivalente ao adimplemento’ É o que sucede todas as vezes que a obrigação
do vencido se caracterize pela infungibilidade da prestação (rectius: do prestador). Assim se dá
em todas as obrigações de não fazer: se o devedor descumpre obrigação dessa espécie,
praticando o ato do qual tinha de abster-se, nada adiantará para o credor que outra(s) pessoa(s) –
ou mesmo a totalidade das outras pessoas! – se abstenha(m) da prática. O que talvez aconteça é
que se possa desfazer o que foi feito [...] ou pelo menos impedir que se continue a fazer o que se
está fazendo, e aí então se concebe a eventual aplicação do regime do art. 461, § 5º” (BARBOSA
MOREIRA, José Carlos. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, p. 155).
269
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva, p. 396-397. Em sentido
contrário, José Miguel Garcia Medina afirma que a tutela mandamental é caracterizada pela
ordem judicial, não sendo necessário “acrescentar-se à ordem qualquer outra medida coercitiva,
com o intuito de, supostamente, atribuir-lhe mais força”. Esse posicionamento não condiz com a
271
Ação executiva lato sensu e ação mandamental, p. 230, 235.
conduta efetiva)". Sérgio Muritiba afirma que até a parte da sentença em que o juiz
imprime a eficácia processual por meio da coerção, o "provimento não tem força
coercitiva, pois não faz uso do poder coercitivo do direito; somente após a pronúncia
do verbo pertinente é que algo de novo se agrega ao comando, passando este a ter
aptidão para constranger [...] podemos afirmar que o juiz, ao pronunciar a expressão
'mando sob pena de...', torna possível a ação de direito material, agora
institucionalizada, constrangendo o demandado para que o mesmo venha adotar a
conduta previamente estabelecida".272
Nessa hipótese, a principal característica da ação mandamental, a saber, a
imposição da conduta indicada na sentença por meio de coerção, ocorre na
sentença, como se o juiz, solitariamente e à semelhança do que ocorria no processo
romano arcaico, fosse capaz de caracterizar o procedimento como mandamental
pela simples pronúncia mágica de certas palavras.273
Conferir esse poder místico ao juiz desconsidera não só a participação das
partes, como também o princípio da reserva legal que impõe a caracterização do
procedimento como mandado de segurança se este observa o artigo 5º, incisos LXlX
e LXX, da Constituição de 1988, a Lei n° 12.016/2009 e o Código de Processo Civil.
Desta maneira, a sentença proferida em sede de mandado de segurança não tem o
condão de, por si só, qualificar o procedimento como mandamental.
As hipóteses de Pontes de Miranda sobre as ações não explicam
adequadamente a proximidade entre o procedimento do mandado de segurança e o
procedimento de execução. A efetivação da sentença proferida em mandado de
segurança ocorre por meio de institutos do procedimento de execução e Pontes de
Miranda, ao defender que a sentença mandamental é caracterizada pela mera
existência de ordem a ser cumprida pelo impetrado no mesmo procedimento é
insuficiente para aclarar como ocorre a efetivação da sentença.
272
MURITIBA, Sérgio. Ação executiva lato sensu e ação mandamental, p. 240-242, 244-245.
273
No pensamento de Sérgio Muritiba, alguns pontos devem ser criticados, dentre os quais a tentativa
de adequação ao “espírito irrequieto e insatisfeito dos consumidores do serviço jurisdicional”; a
defesa de que a distinção entre ação e processo é irrelevante para o objetivo do livro, pois é
“comum na linguagem processual falar tanto em tipos de ações como em tipos de processos,
fundada tal classificação no mesmo critério” e a consideração, claramente sustentada pela
ideologia instrumentalista do processo, que o campo processual é “o instrumento para que o
campo material realize seus objetivos” (Ação executiva lato sensu e ação mandamental, p. 18,
187, 202). Rosemiro Pereira Leal, ao tratar do princípio da oralidade, afirma que “a oralidade é,
nas legislações modernas, atributo do direito fundamental de ampla defesa pela produção da
prova, não se tratando de rito ou postura verbal rigorosamente solene que pudesse conter, em si
mesma, como no ‘processo’ romano arcaico, efeitos magicistas de produzir o direito pela inefável
transubstanciação da palavra” (Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 112-113).
E esse erro irradia para as reflexões de Ovídio Baptista da Silva que tece
duas afirmações contraditórias, a saber, a sentença mandamental contém e não
contém execução e que o ato administrativo do denominado poder Executivo pode e
não pode ser objeto do mandado de segurança. Além disso, Ovídio Baptista da Silva
salienta que o Estado não pode sub-rogar o impetrado na efetivação da sentença.
Celso Agrícola Barbi sustenta, com base no direito francês e italiano, que a
execução por sub-rogação "não é possível quando o executado for o Estado" e que
"o direito brasileiro evoluiu no sentido de não permitir que a Administração escolha
entre praticar o ato e indenizar o dano causado: A Administração tem de cumprir a
ordem ou decisão judicial em forma 'específica', e não pela forma 'reparatória'". Para
obter a execução específica sem a utilização de meios sub-rogatórios, o autor afirma
que o juiz pode "utilizar-se de variados meios, como fixar prazos, ainda que não
constantes de lei, expedir ordem de reintegração, ou ordem que valha pela
declaração de vontade, ordem de entrega de documentos etc." e, nos casos em que
a autoridade coatora se recuse a cumprir a ordem, seria cabível a intervenção
federal, nos termos do artigo 35, inciso lV, da Constituição de 1988, e a aplicação de
sanções criminais.274 Contudo, o autor não leva em consideração que a simples
ordem dirigida ao Estado tem reduzida chance de sucesso se a sub-rogação não for
admitida.
Barbosa Moreira propõe o sistema de classificação das sentenças dividido em
duas classes, quais sejam, declarativa e modificativa. A sentença declarativa "tem
efeito simplesmente certificativo: não influi na situação jurídica preexistente senão na
medida em que lhe agrega uma certeza jurídica oficial" e as sentenças modificativas
"sempre, por sua própria força, independentemente de qualquer atividade
jurisdicional complementar", modificam "a situação jurídica preexistente". Dentro das
sentenças modificativas "teríamos subclasses, a sentença constitutiva e a sentença
executiva, as quais se distinguiriam uma da outra por concernir aquela a direitos
potestativos, esta a uma prestação. Se se quiser aplicar denominação própria à
classe de que elas são subclasses, não parecerá inadequada a de sentenças
274
Celso Agrícola Barbi indica que “o problema não foi ainda solucionado satisfatoriamente na
legislação vigente, sendo necessária a volta ao regime da Lei n° 191 e do Código de Processo
Civil, com criação expressa da figura delituosa, de forma a cortar dúvidas”. O autor fez essa
afirmativa em 1998, antes, portando, do advento da Lei n° 12.016/2009 que, no artigo 26, indica
que “constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem
prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950,
quando cabíveis” (Do mandado de segurança, p. 269, 275, 277-279).
275
Barbosa Moreira critica a concepção segundo a qual a sentença condenatória se “caracterizaria
por uma ‘natural’ insuficiência’ para conduzir à satisfação prática do vencedor”, tendo em vista a
“mudança, operada pela Lei n° 10.444, de 7.5.2002, no regime da entrega de coisa pleiteada com
fundamento em título judicial. A atual disciplina, tal qual se reflete na redação do art. 461-A do
Código de Processo Civil, dispensa nova demanda, nova citação do vencido” (Revista da
Academia Brasileira de Letras Jurídicas, p. 141, 143).
276
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, p. 141,
143. Barbosa Moreira, em artigo de 2006, muda os critérios utilizados para a classificação das
sentenças, afirmando que “decisiva é a linha limítrofe que separa, de um lado, as sentenças
bastantes em si mesmas para proporcionar ao litigante vitorioso toda a tutela a que aspiram
(sentenças meramente declaratórias e constitutivas), e de outro, as que necessitam de atividade
complementar – variável por mais de um aspecto – tendente a adaptar o mundo fático ao dictum
judicial. Nessa perspectiva, não vemos razão para atribuir consequências apocalípticas à
circunstância de levar-se a cabo no mesmo processo ou em processo formalmente diferenciado
essa atividade complementar” (Revista Dialética de Direito Processual, p. 68). Dessa maneira,
Barbosa Moreira parece incluir no segundo grupo, que necessita de atividade complementar, tanto
a sentença executiva quanto a sentença condenatória - essa última, ausente na classificação
indicada no artigo de 2003 – e solucionar a contradição apontada, pois se admite atividade
jurisdicional complementar na sentença executiva.
277
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Mandado de segurança, p. 87.
278
GUERRA, Marcelo Lima. Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois,
p. 603-605.
jurisdicional executiva'".279
Quanto à diferença entre as denominadas sentenças condenatórias e
sentenças executivas, Marcelo Lima Guerra afirma que a sentença condenatória
consiste na "declaração de certeza de um direito preparatório da tutela executiva
desse mesmo direito"; assim, a sentença condenatória pode ser identificada pela
"função instrumental desempenhada em relação à tutela executiva" e, em item
destinado a criticar a classificação quinária das sentenças, o autor refuta a restrição
na noção de sentença condenatória e a denominada "teoria da correlação
necessária entre condenação e meios executivos", pois, ao lado das medidas sub-
rogatórias, "a lei brasileira autoriza, de modo explícito e no próprio processo de
execução, entendido em seu sentido mais estrito, o uso de medidas coercitivas".280
Segundo o autor, a sentença de procedência proferida no mandado de
segurança se inclui na noção de sentença condenatória se o objetivo é a prestação
de tutela executiva ou nas sentenças declaratória e constitutiva se o objetivo é a
prestação de tutelas declaratória e constitutiva, respectivamente. Discorrendo sobre
as tutelas jurisdicionais e o mandado de segurança, Marcelo Lima Guerra afirma que
"é lícito concluir que por meio do processo de mandado de segurança se busca
atender a pelo menos duas das três necessidades de proteção do direito subjetivo
identificadas no início deste trabalho, a saber, a necessidade de alteração da
situação jurídica existente, quando para a proteção do direito líquido e certo é
suficiente a anulação de um ato administrativo, e a necessidade de realização
concreta do direito subjetivo quando a proteção do direito do impetrante requer a
prática de algum ato, ou a realização de alguma prestação por parte da autoridade
coatora, ou da pessoa jurídica a qual esteja ligada. Na primeira hipótese, busca-se,
por meio do mandado de segurança, a prestação de tutela constitutiva,
caracterizando-se, obviamente, a sentença concessiva de segurança, nesses casos,
como sentença constitutiva. Na segunda hipótese, o que se pretende, por meio do
mandado de segurança, é a prestação de tutela executiva e a sentença aí proferida,
nessas situações, sendo sentença que reconhece a existência de direito a ser
concretamente satisfeito, qualifica-se como sentença condenatória".281
279
GUERRA, Marcelo Lima. Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois,
p. 611, 615.
280
GUERRA, Marcelo Lima. Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois,
p. 618, 622.
281
GUERRA, Marcelo Lima. Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois,
p. 639. A sentença no mandado de segurança, em conformidade com a teoria neoinstitucionalista
do processo, prescinde da tutela constitutiva, pois os direitos fundamentais líquidos e certos já
foram indicados pelo constituinte originário (LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização
inconstitucional da coisa julgada, p. 26-27).
282
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais, p.
490. GUERRA, Marcelo Lima. Execução de sentença em mandado de segurança, p. 641-642. Em
sentido contrário, Alfredo Buzaid afirma que “o mandado de segurança é uma ação de
conhecimento que começa com uma petição inicial [...] e termina por uma sentença, que põe
termo ao processo, julgando ou não o mérito”. Barbosa Moreira afirma que "o processo do
mandado de segurança tende à emissão de uma sentença, e como tal o processo é de natureza
cognitiva" e Celso Agrícola Barbi indica que “o mandado de segurança é ‘ação de cognição’, que
se exerce através de um procedimento especial da mesma natureza, de caráter documental, pois
só admite prova dessa espécie, e caracterizado também pela forma peculiar da execução do
julgado” e admite que, nos casos em que é impetrado contra ato judicial para “dar efeito
suspensivo ao recurso interposto que não tenha por lei esse efeito”, o mandado de segurança
“tem caráter de ação cautelar, e não de ação de conhecimento” (BUZAID, Alfredo. Do mandado
de segurança, p. 75. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Mandado de segurança, p. 86. BARBI,
Celso Agrícola. Do mandado de segurança, p. 50-52).
283
GUERRA, Marcelo Lima. Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois,
p. 644-647. BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
284
Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois, p. 646.
285
A classificação das sentenças é feita, portanto, pelo seu conteúdo e não pelos possíveis efeitos.
Neste sentido, a sentença de procedência proferida em sede de mandado de segurança é espécie
de sentença declaradora-executiva por conter ordem para a execução de direito fundamental
líquido e certo contra ilegalidade ou abuso de poder por parte de “autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”, na dicção do artigo 5º, inciso LXlX,
da Constituição de 1988 (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).
Segundo André Del Negri, "em sendo pública a função do juiz, é estranhável falar que ele irá, por
intermédio de sentença, constituir direitos, uma vez que essa decisão judicial é declaradora-
executiva, ou seja, ela declara apenas o cumprimento, não o direito, pois este já foi declarado no
plano constituinte" (Teoria da constituição e do direito constitucional, p. 306).
286
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada: temática processual e
reflexões jurídicas, p. 26-27, 38. Constituição e processo: a contribuição do processo ao
constitucionalismo democrático brasileiro, p. 285. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo
processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, p. 221. MEDINA, José Miguel
Garcia. Execução civil: aspectos polêmicos, p. 210.
287
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento, p. 205.
288
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Revista Dialética de Direito Processual, p. 64.
289
Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de
coisa: CPC, arts. 461 e 461-A, CDC, art. 84, p. 299, 420. A crítica mais contundente feita à
expressão sentença executiva lato sensu vem de Barbosa Moreira, segundo o qual “só tem
sentido acrescentar a qualquer denominação o complemento ‘lato sensu’ caso se conceba a
existência de algo a cujo respeito se possa usar a mesma denominação com o complemento
‘stricto sensu’: ali se estaria aludindo ao gênero, aqui a uma espécie. Quem quer que se refira a
‘sentença executiva lato sensu’ deve, pois, esclarecer em que consiste a espécie ‘sentença
executiva stricto sensu’ e indicar a diferença específica que a caracterizaria. Sem tal cuidado,
aquela expressão soa inexpressiva, para não dizer carente de sentido” (Revista da Academia
Brasileira de Letras Jurídicas, p. 132).
290
No mesmo sentido, Eduardo Talamini afirma que “a enumeração de medidas constante do § 5.º
não é exaustiva – o que se depreende da locução conjuntiva ‘tais como’, que a antecede. Este é o
entendimento assente” e indica, em posição não seguida por essa dissertação por desconsiderar
as garantias do contraditório, da fundamentação racional das decisões jurídicas e o princípio da
vinculação da atividade jurisdicional ao pedido, que “o juiz, além disso, não fica vinculado às
medidas que eventualmente o autor pleiteie [...]. Não se trata, no entanto, de poder ilimitado.
Primeiro, fica afastada a adoção de qualquer medida que o ordenamento vede [...]. Depois,
mesmo no universo de medidas em tese admissíveis, terão de ser considerados os princípios
gerais da proporcionalidade e razoabilidade, que norteiam toda a atuação estatal” (Tutela relativa
aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa: CPC, arts.
461 e 461-A, CDC, art. 84, p. 270).
291
Segundo Carlos Henrique Soares e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias “a prestação da atividade
jurisdicional está adstrita ao pedido. É o que determina o art. 128 do CPC. Assim, não pode existir
sentença que dê mais que o pedido (sentença ultra petita), menos que o pedido (sentença citra
petita) ou fora do pedido (sentença extra petita” (Manual elementar de processo civil, p. 12). Sobre
o mandado de segurança, Gregório Assagra de Almeida, Mirna Cianci e Rita Quartieri afirmam
que “a ele são aplicáveis todas as disposições processuais previstas para as tutelas jurisdicionais
294
As disposições dos artigos 632 a 643 se aplicam subsidiariamente ao artigo 461 no cumprimento
de sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer, por força do artigo 644 do Código de
Processo Civil de 1973. Com relação ao Código de Processo Civil de 2015, as disposições do
Livro l da Parte Especial, na qual os artigos relativos ao cumprimento de sentença que reconheça
a exigibilidade da obrigação de fazer ou de não fazer estão inseridos, são aplicadas
subsidiariamente ao processo de execução, assim como o cumprimento da sentença será feito
com observância do disposto no Livro ll da Parte Especial do Código, denominado “Do Processo
de Execução”. É o que está indicado no artigo 513, caput, “o cumprimento da sentença será feito
segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da
obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código” e no artigo 771, “este Livro
regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-
se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos
realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos
processuais a que a lei atribuir força executiva. Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à
execução as disposições do Livro I da Parte Especial” (BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de
2015. Código de Processo Civil).
parecido mais vantajosa (art. 634, parágrafo único, fine), ressalvado ao exequente o
direito de preferência".295 Na teoria neoinstitucionalista do processo, ouvir as partes
significa que a decisão jurisdicional deve ser fundamentada de acordo com a
argumentação desenvolvida pelas partes em contraditório e não ato meramente
formal de oportunizar a manifestação das partes sem influência decisiva no
procedimento.
Conforme leciona Humberto Theodoro Júnior, "qualquer que seja o título
executivo (sentença ou contrato), o juiz pode autorizar a execução pelo credor ou
por terceiro de sua escolha orientando-se pela previsão ampla que, para os títulos
judiciais, já se achava assentada no artigo 461 do CPC, segundo o qual, na
procedência do pedido de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
determinará 'providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento' [...]. É essa singeleza das execuções dos títulos judiciais (art. 461)
que a Lei n° 11.382/2006 pretendeu estender aos títulos extrajudiciais, no campo da
execução do fato pelo próprio credor, ou preposto, ao revogar todos os parágrafos
do art. 634".296
Não se trata de execução dos direitos fundamentais em um instante, mas em
espaços processualizados nos quais as partes produzam provas, exerçam o
contraditório e construam a decisão jurisdicional que não fique em um dos dois
extremos, a saber, na carência de recursos públicos que impede a efetivação de
direitos fundamentais e a amplitude das discussões processualizadas sobre a
destinação de recursos públicos, de um lado e, de outro, na efetivação de direitos
fundamentais sem planejamento e irresponsavelmente.297
Se o Estado arguir que não há verbas suficientes para se executar
determinado direito fundamental, como o direito à moradia; que juízos de
conveniência e oportunidade guiam os procedimentos policiais de abordagem da
295
Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, p. 9.
296
A reforma da execução do título extrajudicial, p. 39-40. BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de
2015. Código de Processo Civil.
297
Dissertando sobre a importância do planejamento econômico na implementação dos direitos
fundamentais, Roberta Beatriz Bernardes da Silva e Andréa Queiroz Fabri argumentam que “o
planejamento econômico deve prever não só medidas destinadas a corrigir desajustes
monetários, mas principalmente medidas destinadas a implementar os direitos fundamentais do
cidadão [...]. Com todas essas obrigações impostas ao Estado, percebe-se a relevância da
atividade de planejar, pois ela propiciará o controle dos gastos públicos e da atuação estatal” e
defendem que “a elaboração, execução e fiscalização do planejamento devem ser oportunizadas,
de forma irrestritas, ao cidadão, considerado não só destinatário de seus direitos, mas
principalmente seu coautor” (Revista de Direito Público da Economia – RDPE, p. 208-209).
298
Direitos fundamentais e a função do Estado nos planos internos e internacional, p. 232.
299
Só em 2014, a arrecadação do Governo Federal com tributos chegou a cerca de R$ 1,188 trilhão
(FERNANDES, Sofia. Folha de São Paulo). É importante colacionar posicionamento crítico acerca
da relação entre as manifestações populares de junho de 2013 e os gastos do Estado com
eventos esportivos feito por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, segundo o qual “as manifestações
populares tinham por objetivo protestar contra os gastos expressivos feitos pelo Estado brasileiro
nos preparativos do certame esportivo chamado Copa do Mundo, notadamente despesas
elevadíssimas efetuadas nas construções e reformas de mais de uma dezena de estádios de
futebol, ao invés de o Estado empregá-los, prioritária, racional e convenientemente na melhoria
dos serviços públicos em geral, principalmente nos fragilizados setores da educação, da saúde, da
mobilidade urbana e da segurança pública. Nessas questões temáticas, é público e notório, a
carência no Brasil é sempre brutal, aviltante à dignidade da pessoa humana, escandalosa e
manifestamente ofensiva à Constituição que configurou o Estado Democrático de Direito, já que
seu texto obriga o Estado a prestar ao povo tais serviços públicos de forma adequada e eficiente,
o que não vem ocorrendo há muito tempo” (Processo constitucional e estado democrático de
direito, p. 77-79).
300
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março
de 2015. Código de Processo Civil. Em virtude da recalcitrância de parte dos agentes públicos
julgadores em não aceitar os referidos dispositivos em prol da suposta celeridade processual, não
causa espanto as vaias da plateia composta majoritariamente por juízes contra a defesa da
fundamentação das decisões jurisdicionais feita por Lenio Luiz Streck no 3º Congresso da
Magistratura Laboral (RODAS, Sérgio. Revista Consultor Jurídico).
301
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e estado democrático de direito, p.
169-172.
304
Direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, p. 257.
305
Segundo Rosemiro Pereira Leal, “o realismo popperiano nada tem a ver com a frase positivista:
‘realmente é assim, fazer o quê?’. Em Popper, a realidade nunca tem essa autoridade, mesmo a
partir de experiências repetidas e bem sucedidas, porque, em sendo teoricamente enunciada,
sujeita-se à interrogação dos seus respectivos conteúdos lógico-informativos como compromisso
de expansão da crítica que é o âmbito de atuação de uma sociedade aberta (democrática no
sentido de Popper)” (Processo como teoria da lei democrática, p. 197-198).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
18. O artigo 5º, §1º, permite concluir que a Constituição de 1988 é título executivo
extrajudicial, pois a força executiva a qual se refere o artigo 784, inciso Xll, do
Código de Processo Civil de 2015 é atribuída pela própria Constituição ao
dispor sobre a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais. Por conseguinte, a execução de direitos
fundamentais será feita com base nos artigos 497, caput, 536, 537, 814 a 823
do Código de Processo Civil de 2015. Para possibilitar a operacionalização
dos direitos fundamentais, o princípio da aplicabilidade imediata disposto no
artigo 5º, §1º, da Constituição de 1988, deve ser interpretado em conjunto
com as normas do mandado de segurança.
19. O artigo 5º, § 1º, da Constituição de 1988 acolhe princípio que estabelece
diretrizes gerais indutoras do direito e não mero dispositivo que deixa a cargo
do agente estatal definir solitariamente qual é a dimensão dessa
aplicabilidade imediata. O princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e
garantias fundamentais define o instituto do mandado de segurança ao lado
dos princípios institutivos do processo (ampla defesa, isonomia e
contraditório) e é balizador do direito líquido (autoexecutável).
21. Os direitos fundamentais são líquidos, devido ao disposto no artigo 5º, § 1º,
mas não são certos (infungíveis), necessariamente, a exemplo do artigo 5º,
incisos V e X e do artigo 7º, inciso l, da Constituição de 1988. A liquidez e
certeza do direito não são condições da ação ou matérias de mérito, mas
pressupostos, uma vez que são balizados pelo princípio da aplicabilidade
imediata contido no artigo 5º, § 1º, da Constituição de 1988 e não permitem
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Delano Augusto Corrêa de. Morador de rua: da questão social para a
questão midiática. Puça: Revista de Comunicação e Cultura na Amazônia. Belém, v.
1, n. 1, p. 77-102, jan./jun. 2011. Disponível em:
<http://revistaadmmade.estacio.br/index.php/puca/article/view/95/92>. Acesso em:
20 ago. 2015.
ALMEIDA, Gregório Assagra de; ALMEIDA, Flávia Vigatti Coelho de. Os direitos ou
interesses coletivos no estado democrático de direito brasileiro. In: SALIBA, Aziz
Tuffi; GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direitos
fundamentais e a função do Estado nos planos internos e internacional. Belo
Horizonte: Arraes, 2010, p. 209-245.
ALMEIDA, Gregório Assagra de; ALMEIDA, Flávia Vigatti Coelho de. Tutela de
urgência individual e coletiva como garantia fundamental das pessoas em situação
de rua. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et alii (Org.). Direitos fundamentais das
pessoas em situação de rua. Belo Horizonte: D’Plácido, 2014, p. 223-260.
ALVES, Marília Souza Diniz. Acesso à justiça pelas pessoas em situação de rua:
BARROS, José Ourismar. A pessoa em situação de rua e a vida que não merece ser
vivida. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et alii (Org.). Direitos fundamentais das
pessoas em situação de rua. Belo Horizonte: D’Plácido, 2014, p. 153-177.
BRASIL. Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil. Diário Oficial da União, 5 de janeiro de 1916. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071impressao.htm#art1806>. Acesso
em: 16 jun. 2015.
16 jun. 2015
CAMARGO, Joracy. Deus lhe pague: peça em 3 atos. Rio de Janeiro: Serviço
Nacional de Teatro, 1973.
CAPONI, Gustavo A. Karl Popper e a filosofia clássica alemã. In: PEREIRA, Julio
Cesar Rodrigues (Org.). Popper: as aventuras da racionalidade. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1995, p. 21-48.
contra atos do poder público. 8. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro:
Forense, 1980.
COSTA, Fernando Braga da. Moisés e Nilce, retratos biográficos de dois garis: Um
estudo de psicologia social a partir de observação participante e entrevistas. 2008.
403 f. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, São
Paulo, 2008.
DARA, Danilo. Contra a “democradura”. In: SILVA, Débora Maria da et alii. Mães de
Maio – do luto à luta. 2011. Disponível em:
<http://media.folha.uol.com.br/cotidiano/2011/05/06/livro_maes_de_maio.pdf>.
Acesso em: 10 ago. 2015.
DIAS, André Luiz Freitas et alii. O que é seu não lhe pertence: ações de gestão do
espaço público em Belo Horizonte envolvendo a população em situação de rua. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini et alii (Org.). Direitos fundamentais das pessoas em
situação de rua. Belo Horizonte: D’Plácido, 2014, p. 605-620.
EVANS, Luciana. Sobram vagas nos albergues, mas desabrigados preferem viver
nas ruas de BH. Estado de Minas, Belo Horizonte, 19 jun. 2015. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/06/19/interna_gerais,659819/sobram
-vagas-nos-albergues-mas-desabrigados-preferem-viver-nas-ruas-d.shtml>. Acesso
em: 03 set. 2015.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 39. ed. rev. e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Mandado de segurança. 5. ed. rev. atual. e aum. São
Paulo: Malheiros, 2004.
FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. rev., atual. e ampl. Belo
Horizonte: Del Rey, 2009.
<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000320956>. Acesso
em: 20 ago. 2015.
GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. A vida nua e o sujeito de direito. Cult. São Paulo, n.
180, ano 16, p. 28-31, jun. 2013.
IHERING, Rudolf von. El espíritu del derecho romano. México: Oxford University,
2001, v. 1.
KAFKA, Franz. Um médico rural: pequenas narrativas. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy,
2002.
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil e sociedade civil. Virtuajus, Belo Horizonte,
ano 4, n. 2, 2005. Disponível em:
<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/2_2005/Docentes/PDF/processo%20civil%20
e%20sociedade%20civil.pdf>. Acesso em: 28 maio 2015.
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte:
Fórum, 2010.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. rev. e
aum. São Paulo: Forense, 2010.
LEITE, Bruno Rodrigues; PEREIRA, Alexandre Ferrer Silva. Objeto inservível, ser
humano descartado: a Instrução Normativa n° 01 como legislação biopolítica em
Belo Horizonte. In: BOAS, Regina Vera Villas; SALGADO, Ricardo Henrique
Carvalho; SANTOS, Gustavo Ferreira (Coord.). Direitos e garantias fundamentais l.
Florianópolis: CONPEDI, 2015, p. 414-435.
131-152.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
MATTOS, Ricardo Mendes; FERREIRA, Ricardo Franklin. Quem vocês pensam que
(elas) são? - Representações sobre as pessoas em situação de rua. Psicologia &
Sociedade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 47-58, maio/ago. 2004.
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral, princípios fundamentais.
2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MEDINA, José Miguel Garcia. Breves notas sobre a tutela mandamental e o art. 14,
inc. V, e parágrafo único do CPC. In: LOPES, João Batista; CUNHA, Leonardo José
Carneiro da (Coord.). Execução civil: aspectos polêmicos. São Paulo: Dialética,
2005, p. 203-217.
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MINAS GERAIS. Colecção das leis e decretos do Estados de Minas Geraes. Cidade
de Minas: Imprensa Official do Estado de Minas, 1900.
MISSE, Michel et alii. Licença para matar. Revista de História da Biblioteca Nacional,
Rio de Janeiro, ano 11, n. 121, p. 54-59, out. 2015.
MORAES, Guilherme Braga Peña de. Curso de direito constitucional. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2014.
MURITIBA, Sergio. Ação executiva lato sensu e ação mandamental. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica
das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008.
NUNES, Dierle José Coelho et alii. Curso de direito processual civil: fundamentação
e aplicação. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. Rio de
Janeiro: Forense, 1983.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
SIDOU, José Maria Othon. Do mandado de segurança. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1969.
SILVA, Débora Maria da; DARA, Danilo. Mães e familiares de vítimas do Estado: a
luta autônoma de quem sente na pele a violência policial. In: KUCINSKI, Bernardo et
alii. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação.
São Paulo: Boitempo, 2015, p. 83-90.
SILVA, Maria Lucia Lopes da. Trabalho e população em situação de rua no Brasil.
São Paulo: Cortez, 2009.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional,
execução real, ações mandamentais. 5. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, v. 2.
SOARES, Marcos José Porto; ROSA, Thalita Andrea Santos. Liquidez e certeza do
Direito como condição da ação mandamental. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
943, p.183-214, maio 2014.
SOUZA, Jessé. Introdução. In: SOUZA, Jessé et alii. A ralé brasileira: quem é e
como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua
extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A, CDC, art. 84. 2.
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 14. ed. São Paulo, São Paulo:
VITÓRIO, Teodolina Batista da Silva Cândido. Ativismo judicial: uma nova era dos
direitos fundamentais. São Paulo: Baraúna, 2013.
ZAVASCKI, Teori Albino. Título executivo e liquidação. 2. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002.
ŽIŽEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. Tradução de Miguel Serras Pereira.
São Paulo: Boitempo, 2014.