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HUMANITAS E O DIREITO ROMANO COMO INSPIRAÇÃO PARA OS

PROCESSOS IMIGRATÓRIOS: CIDADANIA E PRESERVAÇÃO DOS


POVOS NO ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL

FACULDADE DE DIREITO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO


SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP
2023
HUMANITAS E O DIREITO ROMANO COMO INSPIRAÇÃO PARA OS
PROCESSOS IMIGRATÓRIOS: CIDADANIA E PRESERVAÇÃO DOS
POVOS NO ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL

Trabalho de Conclusão de Curso


(Monografia) apresentado a banca
Examinadora da Faculdade de Direito deSão
Bernardo do Campo, para obtenção do grau
de Bacharel em Direito, sob orientação do
Professor-Orientador Hélcio Maciel França
Madeira.

São Bernardo do Campo – SP


2023
HUMANITAS E O DIREITO ROMANO COMO INSPIRAÇÃO PARA OS
PROCESSOS IMIGRATÓRIOS: CIDADANIA E PRESERVAÇÃO DOS POVOS NO
ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado à banca da Faculdade de Direito
de São Bernardo do Campo, para a obtenção
do grau de Bacharelem Direito.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Hélcio Maciel França Madeira


Professor Orientador
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

Professor Avaliador
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

Professor Avaliador
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

São Bernardo do Campo, de de 2023.


AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe, Renata, e ao meu pai, André. Mamãe e papai, quando
pensei em desistir, vocês me relembraram da capacidade, força e potencial que tenho para
ir até o fim, foi por vocês. Obrigada pelo amor, apoio, paciência e motivação que me
deram.
Tia Ju, tio Zé, vovó Sueli e tia Duda, agradeço por serem minha família. Vocês
me acolheram numa fase difícil, mas tornaram tudo mais fácil, como qualquer dia de
domingo com macarronada.
Agradeço à Estela, Sofia e Luna, que deixam tudo mais leve e divertido, pretendo
ser uma irmã e prima exemplo. Agradeço a todos da família que me apoiaram durante
esse processo, amo vocês e me sinto amada todos os dias.
Lucas Medeiros, cujas palavras traduzem os sentimentos mais profundos dos que
amam o mundo clássico, obrigada por despertar meu amor e encanto por Roma.
Ao melhor platônico que já conheci, Thiago Alberione, você me recorda do quão
lúdica e doce pode ser a Filosofia, num ambiente acadêmico tão rígido e cinza.
Rafael Resende, agradeço por reacender minha esperança em finalizar essa tese,
não só pela oraculação, mas por contribuir com seu admirável talento na escrita.
Nunca esquecerei de sua gentileza, Jonathan Esteves, que se dispôs a revisar
apenas pelo valor de nossa amizade. E ao veterano, Leonardo Tesser, cuja impecável
monografia, no meu primeiro ano de faculdade, inspirou-me a escrever meus ideais.
Lucca Zimerer e Malthus Longoni, o que o Dharma uniu, nem a Morte separa
– estarei azucrinando meus irmãos de alma por muitos kalpas, agradeço por me
proporcionarem o que há de mais belo na vida: A pura amizade.
Com jeito solar, Juan Lunardelli, reviveu meu brilho mercurial: agradeço por
valorizar os meus conhecimentos mais incomuns. Você refez os lados positivos de minha
jornada, és incomparável.
Prof. Dr. Hélcio Maciel França Madeira, suas aulas de Direito Romano me
cativaram a continuar o curso. Obrigada por escolher o meu projeto, é uma honra ser
orientada pelo senhor.
E por fim, seja bem-vindo(a)! Agradeço imensamente pelo interesse em meu
trabalho. Horas de sono foram dedicadas para cada detalhe aqui escrito, espero muito que
goste, assim como me apaixonei por ele. Nos vemos na introdução, leitor(a).
"O homem que, afavelmente, mostra o caminho ao errante
Faz como que se lhe acendesse o lume com o seu:
Em nada brilha menos para ele depois que acendeu o do
outro."

Ênio (Cícero, Dos Deveres I, XVI)


RESUMO

O presente trabalho visa defender o Direito Romano e o seu exemplo histórico de


concessão de cidadania, como o Édito 212 de Caracala e demais aspectos de relações
para com os povos, como a aplicação da ius gentium, a interpretatio romana e,
principalmente, a essência da Humanitas formulada por Cícero e seus valores
baseados na paideia grega (aequitas, benevolentia, fides, hospitalitas, pietas). Não
observando somente os problemas inerentes ao atual tratamento indigno para/com os
estrangeiros, proibições e burocracia no processo em se conceder a cidadania, mas
também os extremos dos processos imigratórios que podem levar à despersonalização
sociocultural tanto de quem imigra como do povo local que o recebe.

Palavras-chave: Direito Romano; Direito Internacional; Humanitas; Imigração;


Cidadania.
ABSTRACT

The present work aims to defend Roman Law and its historical example of granting
citizenship, such as the Edict 212 of Caracalla and other aspects of relations with peoples,
such as the application of the ius gentium, the Roman interpretatio and, mainly, the essence
of Humanitas formulated by Cicero and its values based on the Greek paideia (aequitas,
benevolentia, fides, hospitalitas, pietas). Not only observing the problems inherent in the
current unworthy treatment of/with foreigners, prohibitions and bureaucracy in the process
of granting citizenship, but also the extremes of immigration processes that can lead to
sociocultural depersonalization of both those who immigrate and the local people who
receive them.

Keywords: Roman law; International law; Humanitas; Immigration; Citizenship.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9
1. ROMA: HISTÓRIA, RELIGIÃO E CIDADANIA .................................. 11
1.1. Ius Gentium e a Cidadania Universal ....................................................... 15
1.2. Roma Universalis e a constituição da comunidade internacional ............ 19
2. HUMANITAS, PRESERVAÇÃO DOS POVOS E IMIGRAÇÃO .......... 22
2.1. Tradicionalismo ou tradição romana? ...................................................... 24
2.2. Cícero e o conceito de Humanitas ............................................................. 27
2.3. Globalismo, tradição local e herança imigrante ....................................... 30
2.4. Humanitas como solução para a preservação dos povos .......................... 34
3. DIREITO INTERNACIONAL ROMANO: UMA ALTERNATIVA
PARA OS PROCESSOS IMIGRATÓRIOS ....................................................... 36
3.1. O estrangeiro no século XXI ...................................................................... 40
3.2. Burocracia ou despreparo nos processos jurídicos imigratórios? ........... 42
3.3. Nova Ius Gentium: O espírito romano universal e a Nova Roma ............ 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 50
9

INTRODUÇÃO

Não desprezamos nosso passado histórico somente quando nos envergonhamos


e condenamos os erros cometidos, mas quando ignoramos a genialidade dos antigos.
Endeusar o passado não apaga suas falhas, mas tratá-lo com desdém, como se ele não
tivesse nenhuma contribuição a nos dar para os problemas atuais, é igualmente errôneo.
“Por que o Direito Romano?’, “O que Roma pode nos ensinar sobre imigração?”, estamos
cercados de tantas perguntas como essas que assombram você, leitor, provavelmente
enganado pela falácia de que a civilização romana era totalmente imoral e imperialista.
Não é possível responder essas e outras perguntas, que também me
acompanharam da criação do projeto até a finalização do trabalho, sem antes apresentar
a Roma que motivou essa tese. Caso exista um espírito romano universal, não sabemos
ainda o que ele é e como resgatá-lo. Nem mesmo sabemos se é possível definir esse
espírito antes vivo e agora adormecido, mas pungente em cada ocidental. Estamos
desconectados das raízes universais romanas e desconhecemos o que é o Ocidente: não
nos sentimos parte dele, porque não sabemos conceituá-lo. Estamos diante de inúmeras
abstrações, questionamentos que antecedem as teorias raciais modernas que se
contrapõem às discussões de identidade dos costumes romanos, sobre quem era ou ainda
é o romano, o homo occidentalis, ignorando completamente a questão imigratória,
presente desde o começo da história humana, seja ocidental ou oriental. O estrangeiro
ainda ocupa um lugar de contradição, desde o Estado faraônico que era aberto à imigração
– os imigrantes participavam da vida em sociedade, mas eram vistos pelos egípcios como
uma ameaça, embora os papiros hieráticos citassem os estrangeiros como regidos e
protegidos pelas mesmas divindades dos egípcios.
Essa aversão também ocorria entre os romanos, cuja xenofobia não se limitava
a um sentimento cultivado apenas pelos cidadãos comuns, mas se estendia aos cônsules
e césares. A mesma Roma que unia a si tudo o que vencia, que adotava os cultos das
cidades vizinhas e não impunha seus deuses aos vencidos, entender a dualidade humana
sempre foi um desafio, desde a Antiguidade. Se os deuses, tanto egípcios quanto romanos,
igualmente regiam os estrangeiros, a xenofobia nunca foi uma virtude, mas uma reação
instintiva, ou melhor, irracional. Uma reação presente em cada humano ameaçado e
desprotegido, que não se sente seguro em suas próprias fronteiras. Não é possível
domesticar esse medo pela universalidade sem critérios, ignorar a ameaça dos
movimentos nacionalistas ou ceder a seus caprichos, reforçar fronteiras e expulsar um
potencial cidadão. É preciso que o irracional se torne racional, o medo necessita de ser
10

discutido, mas deve ser solucionado por vias lógicas: O ser humano sempre imigrou, o
Brasil foi constituído principalmente por imigrantes, os velhos habitantes da Europa estão
se aposentando e sendo substituídos por imigrantes economicamente ativos. O ius solis e
o ius sanguinis não são mais critérios suficientes, desde a invenção das naus e aeronaves
o cidadão do futuro não está mais restrito a sua polis e seus ancestrais; ele carrega o solo
e os pais em seu sangue, mas se tornou um hierofante de suas tradições para o mundo. E
se o homem se tornou um cosmopolita, não há mais somente sangue e solo, mas o
surgimento de um espírito universal. A possibilidade de uma Ius Universalis ou melhor,
Humanitatis, uma concessão de cidadania baseada na Humanitas de Cícero. Todo homem
é cidadão de uma pólis, mas o homem no ideal ciceroniano é um cidadão universal, pois
ganhou a possibilidade de ser um habitante do mundo pela sua virtude, pertencer a outra
pólis pela sua escolha e após atender aos critérios da cidadania.
É a criação de um novo modelo de ius gentium que pretende minimizar os
problemas advindos da imigração, já que uma sociedade absolutamente aberta e que
aceite qualquer um como um membro se dissolve e perde qualquer resquício de identidade
ou tradição – como mencionado, é uma universalidade sem critérios. Porém, uma
sociedade que não permite nenhum tipo de imigração tende a se esgotar, são os dois
extremos do dilúvio bíblico e da torre de Babel, a dissolução da identidade, e a tentativa
de afirmação absoluta da única identidade. O passado nunca foi isolado e o futuro não
poderia ser diferente, é necessário tratar o fenômeno da imigração como ele é: o futuro
da realidade global. Retomarei nossa conversa nas considerações finais, boa leitura!
11

1. ROMA: HISTÓRIA, RELIGIÃO E CIDADANIA

Ó Roma, ninguém, enquanto viver, poderá te esquecer... Você reuniu diferentes povos em
uma única pátria, sua conquista beneficiou aqueles que viviam sem leis. Ao oferecer aos
vencidos o legado de sua civilização, de todo o mundo dividido você fez uma única cidade.
(Rutilius Claudius Namatianus, “De reditu suo”)1

Assim como Coulanges, inicio a tese enfatizando que, para entender um povo,
suas instituições, leis e costumes, é preciso conhecer suas crenças. 2 Na fundação
mitológica, Rômulo obedece aos auspícios para definir o território de Roma, matando
Remo quando os limites são violados. Eis a importância das fronteiras para os antigos,
pois suas muralhas eram consideradas sagradas, a pátria mantinha os cultos, os lares, os
sepulcros, os deuses e até a existência de um indivíduo. Quando Tito Lívio diz: "Temos
uma cidade fundada de acordo com os auspícios e os augúrios. Nela não há um só recanto
que não esteja consagrado pelo culto dos deuses.”3 significa que Roma e suas cidades
foram fundadas em cultos, já que a cidade era a associação religiosa e política das famílias
e das tribos, as divindades eram compartilhadas entre as gens4. Logo, o cidadão
participava do pacto cívico-cúltico de uma cidade e o se estendia aos lares, reservado
apenas à família ou tribo que habitava a casa, havendo a proibição de um convidado
assistir ou estar nos locais de culto doméstico. O lar, visto como o microcosmo, refletia
no macrocosmo da cidade e vice-versa. Se não pertencer à família acarretava em exclusão
do culto doméstico daquela casa, não pertencer à cidade, ou seja, ser um estrangeiro, te
repelia do culto local; a tradição de Rômulo permanecia na questão fronteiriça, a entrada
de um estrangeiro era como a violação de Remo ao sulco sagrado.

A pátria não foi para o homem somente domicílio. Transpondo suas


santas muralhas, ultrapassando os limites sagrados do território, ele
não encontra mais nem religião, nem vínculo social de espécie
alguma. Por toda parte, fora da pátria, ele está excluído da vida
regular e do direito; por toda parte está sem deus, e fora da vida
moral. Somente na pátria ele tem sua dignidade de homem e seus
deveres.5

1
Tradução minha, I, 52, 63-66.
2
COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. p. 24
3
LÍVIO. Ab urbe condita libri.
4
“A palavra gens (...) significa principalmente um agregado de indivíduos que formam uma união política
e surgiram de uma fonte comum. É assim aplicado ao todo ou a parte de uma comunidade, em ambos os
casos com referência especial à descendência comum. Nacionalidade é definida por Cícero (de Off. 1.17,
53) como consistindo em comunidade de gens, natio, lingua; e neste sentido de origem comum,
característica mais marcante de uma nacionalidade distinta, é constantemente aplicada a povos inteiros,
como nas expressões gens Numidarum, gens Aegyptiorum, e na fórmula jurídica do jus gentium.”
(MURRAY, John. A Dictionary of Greek and Roman Antiquities, London, 1875)
5
COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. p. 310.
12

O culto dos deuses municipais exigia que o contato fosse somente de seus
cidadãos6, os estrangeiros não estavam sob o pacto ritualístico e precisam ser assimilados
pela iniciação. Os deuses, em sua expressão máxima, ainda que representantes de forças
universais, são capazes de se adaptar aos povos em suas expressões locais e, para os
romanos, são diferenciados através de seu culto. Essa diferença se explica pelo fato de
que a religião integral é composta de religiosidades distintas e particulares. Um bom
sacerdote é capaz de conciliar essas diversas particularidades, que são sujeitas à
problemas de assimilação e convivência, principalmente na urbe, o santuário de
associação das famílias e tribos. Preserva-se um espírito municipal fechado que não
conflitue com o espírito universal aberto. A abertura deve ser lenta para que não haja
rompimentos numa estrutura interior pré-existente.

“Nossos sacrifícios solenes têm não só lugares mas também dias


marcados para sua realização. E são esses deuses públicos e privados
que pretendeis abandonar, quirites? Como comparar vossa atitude
com a do jovem e ilustre Caio Fábio, tão admirado pelo inimigo
quanto por vós mesmos, quando desceu da cidadela por entre as
armas dos gauleses para cumprir sobre o Quirinal o sacrifício solene
da família Fábia7?

Quando o culto familiar não foi interrompido nem mesmo na guerra,


como admitis que as cerimônias oficiais do culto e os deuses de
Roma sejam abandonados em plena paz? Que os pontífices e
flâmines sejam mais negligentes em relação aos sacrifícios públicos
do que um simples particular em relação ao culto de sua família? 8

O cidadão na República que temia em desrespeitar os cultos, já cultivava um forte


patriotismo; para o romano, o estrangeiro desconhecia os ritos religiosos, o jeito correto
de repousar as imagens, a relevância de um sacerdote ou sacerdotisa: “Que direi do fogo
imperecível de Vesta e da imagem conservada em seu templo, penhor da autoridade de
Roma? Que seria de vossos escudos, ó Marte Gradivo, e tu, ó Quirino nosso pai? (...)
Quanto ao flâmine de Júpiter, é um sacrilégio passar uma só noite fora de Roma.
Transformareis estes sacerdotes romanos em sacerdotes veinses? Tuas vestais te
abandonarão, ó Vesta?"9 A cidade de Rômulo deveria ser incorruptível – o espírito
municipal, inviolável – entre as razões de a cidadania, durante a República, ser mais difícil

6
COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. p. 310.
7
EURÍPIDES, Troianas, 25-28. — Às vezes o vencedor levava os deuses consigo. Outras vezes, quando
se estabelecia na terra conquistada, arrogava-se o direito de continuar o culto aos deuses ou aos heróis do
país. Tito Lívio conta que os romanos, senhores de Lanúvio “lhes restituíram seus cultos”, prova de que,
pelo simples fato da conquista, os romanos lho haviam tirado; e puseram apenas esta condição: que teriam
o direito de entrar no templo de Juno Lanuvina (Tito Lívio, VIII, 14).
8
LÍVIO. Ab urbe condita libri.
9
Ibidem.
13

de obter para os não romanos, atribui-se à mentalidade antiga de apaziguar os deuses. O


romano não visava somente a conquista de territórios, mas conquistar (Eros, para Diotima
de Mantinea no “Banquete”10 de Platão, é a força divina que nos conecta, a ligação que
rege todas as coisas)11 ao Divino, estabelecer a Pax Deorum12. Camilo ao invocar os
deuses, não apenas rogava por Apolo a favor de Roma, mas também clamava pela
divindade que protegia o inimigo: “Rainha Juno, que tens em Veios tua morada, eu te
rogo: vem conosco, os vencedores; segue-nos até nossa cidade, recebe nosso culto; que
nossa cidade se torne tua!”.13

Um dos traços marcantes da política de Roma é que adotava todos


os cultos das cidades vizinhas. Esforçava-se tanto para conquistar os
deuses como as cidades. Apoderou-se de uma Juno de Veios, de um
Júpiter de Prenesta, de uma Minerva de Falisca, de uma Juno de
Lanúvio, de uma Vênus dos samnitas, e de muitos outros deuses que
não conhecemos. 14

Embora se denote uma hostilidade ao estrangeiro, ele não estava excluído das
relações com Roma, o “asilo no Capitólio”, indicado por Lívio 15, foi criado por Rômulo
para a concessão da cidadania à pessoas estrangeiras, em geral banidas ou fugidas das
cidades vizinhas, e visava aumentar população de Roma. Podemos atribuir aos períodos
de guerra envolvendo Roma o rompimento com a abertura ao estrangeiro, em que a
figura do estrangeiro como inimigo ganha a flexibilidade retorna com a expansão do
domínio romano pelo Mediterrâneo, Roma passa a conceder sua cidadania de forma mais
aberta, ainda que lenta, o anexo das cidades-estados italianas e outras províncias
conquistadas culminou na adoção do Direito Romano, em que os cidadãos passavam a
possuir alguns dos mesmos direitos de um cidadão romano. Essa concessão durou
séculos e não era dada livremente. A Respublica (república, em latim) contabilizava
novecentos mil cidadãos do sexo masculino e, durante o principado de Augusto, o
número já estava em quatro milhões de cidadãos, incluindo mulheres e crianças.16

10
Symposium, 202 d.
11
“...Nevertheless, eros remains always, for Plato, an egocentric love: it tends toward conquering and
possessing the object that represents a value for man. To love the good signifies to desire to possess it
forever. Love is therefore always a desire for immortality. (Tradução minha: “...No entanto, Eros
permanece sempre, para Platão, um amor egocêntrico: tende a conquistar e possuir o objeto que representa
um valor para o homem. Amar o bem significa desejar possuí-lo para sempre. O amor é, portanto, sempre
um desejo de imortalidade”.” (Pope John Paul II, Man and Woman He Created Them: a theology of the
body, translated by Michael Waldstein, p.315)
12
Do latim: Paz dos Deuses, harmonia entre o divino e a humanidade para garantir proteção à Roma e seus
civis.
13
LÍVIO. Ab urbe condita libri, XXII, 1.
14
COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga.
15
LÍVIO. Ab urbe condita libri. I, 8, 4.
16
“Patriciorum numerum auxi consul quintum iussu populi et senatus. Senatum ter legi, et in consulatu
14

Roma aumentava sua população pelas guerras, unia a si tudo o que vencia,
transformava os habitantes das cidades vencidas em romanos. Sua política, elogiada por
Montesquieu, buscava propagar a superioridade romana: Não era uma supremacia
étnica, mas cultural. Roma, antes incompreendida pelos helenos, tornava-se símbolo,
enquanto império, técnica, espírito e até uma Deusa, divindade louvada fortemente pelos
seus vizinhos. Retomando o assunto de cidadania, sua aquisição se dava por nascimento,
adoção, alforria ou por concessão através de magistrados ou pelo próprio imperador. Os
cidadãos romanos que não morassem em Roma eram registrados nas cidades-estados ou
províncias, não havia uma cidadania imperial, já que ela era obtida por registro na cidade
de origem, assim havia o privilégio de uma dupla cidadania. Caso um desses cidadãos
estivesse transitando em Roma, o sistema permitia que não estivesse legalmente ausente
de seu domicílio de origem. A dupla cidadania possibilitava uma circulação mais livre
dentro de suas fronteiras, nunca um regime político foi tão generoso em concessões
como o império, até mesmo para os que nasceram em Roma, muitos deles passaram a
residir em outros lugares. Mesmo que estivessem sob um poder central, Roma deu
autonomia para as cidades-estados que conservaram a sua soberania, o seu direito,
tinham as próprias instituições funcionando normalmente. As cidades cresciam e se
desenvolviam, mas estavam submetidas à política de Roma, restando igualdade na esfera
religiosa17: “Porque era costume em Roma — diz um antigo — dar entrada às religiões
das cidades vencidas, ora repartindo-as entre suas gentes, ora dando-lhes lugar em sua
religião nacional. (...) Roma conquistava os deuses vencidos, e não abria mão dos seus.
Guardava para si seus protetores, e até trabalhava para aumentar seu número. Esforçava-
se para possuir mais cultos e deuses tutelares que nenhuma outra cidade.”18. Roma era
conquistadora no sentido puro da palavra, já que para ser um conquistador19 é preciso
amar ou cobiçar o objeto de conquista. Roma não abominava ou segregava, mas tomava
posse como faz o amante que deseja possuir a consorte de outro homem. Dessa forma,
unia a metrópole à comunidade religiosa, enviava colonos para as cidades conquistadas
e aumentava seu exército, Roma se difundia por toda parte, lentamente se tornando
universal.

sexto censum populi conlega M. Agrippa egi. Lustrum post annum alterum et quadragensimum feci, quo
lustro civium Romanorum censa sunt capita quadragiens centum millia et sexaginta tria millia. Tum iterum
consulari cum imperio lustrum solus feci C. Censonno et C. Asinio cos., quo lustro censa sunt civium
Romanorum capita quadragiens centum millia et ducenta triginta tria millia.Et tertium consulari cum
imperio lustrum conlega Tib. Caesare filio meo feci Sex. Pompeio et Sex. Appuleio cos., quo lustro censa
sunt civium Romanorum capitum quadragiens centum millia et nongenta triginta et septem
millia.”(AUGUSTUS, Res Gestae. VIII.)
17
GROSSO, Giuseppe. Lezioni di Storia del diritto romano, p. 238.
18
COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga.
19
Empregando, mais uma vez, o Eros platônico.
15

1.1. Ius Gentium e a Cidadania Universal

Em Roma, sempre existiu um amplo espectro de mobilidade e, ao mesmo tempo,


a ausência de um conceito de migração. O que explica a indistinção lexical para designar
as duas formas de mobilidade, interna e externa. A migração em Roma, até o século II
a.C., era pensada essencialmente como um movimento de fora da cidade para dentro (ou
vice-versa). O vocabulário latino enfatizava a simples ideia de movimento – migrare,
transferre é usado tanto para a mudança de residência de um cidadão romano, quanto para
a recepção de bárbaros. A partir da metade do período da República, pensava-se em
projetos de lei para concessão de cidadania aos povos latinos e itálicos, um dos projetos,
proposto por Caio Graco em 122 a.C., concedia o status de latino aos itálicos e a cidadania
romana aos latini (latinos). A abertura de Roma ao não romano nasce pela comunhão
cultural com as cidades do Latio, onde Roma tem sua própria origem, incluindo a de
muitos reis e cultos em comum, através da comunhão cultural surge a comunhão jurídica,
diferenciando cada vez mais o latino dos estrangeiros (chamados de peregrini). O projeto
de Graco não foi bem recebido em sua época, sendo reaproveitado pelo tribuno Marco
Livio Druso (rogatio Livia de civitate Latinis et sociis danda), filho do questor Marco
Livio Druso, persuadido pelo senado a interpor veto contra Graco:

XLII. O Senado, vendo isso, temendo que se tornasse tão poderoso


que eles não lhe pudessem mais resistir, determinou tentar um meio
novo de afastar o favor do povo, procurando agradá-lo, concedendo-
lhe coisas que não eram absolutamente razoáveis; um dos
companheiros de Caio, no ofício do tribunado, de nome Lívio Druso,
homem de boa família e mais instruído que qualquer outro em
Roma, no seu tempo, e que resistia àqueles que por suas riquezas e
por sua eloquência eram os mais estimados e tinham mais autoridade
no governo.

Os principais membros do Senado dirigiram-se a ele, rogando-lhe


que passasse para o seu partido e se unisse a Caio, não procurando
forçar o povo, nem contrariar à sua vontade, mas ao invés, cuidasse
em agradá-lo, concedendo-lhe coisas, que não lhes seria bem negar,
e mui razoável incorrer-se em seu desagrado. Lívio ofereceu seu
tribunado para servir em tais coisas aos desígnios do Senado; propôs
leis que não eram para benefício nem honra do governo e que só
tendiam a provocar a emulação e a superar Caio, à força de adular o
povo, fazendo-lhe a vontade e agradando-o, como os que fazem
representar comédias para dar-lhes um passatempo.20

Uma das razões para a concessão – senão a mais importante –, é o problema

20
MILANO, Miguel, 1962.
16

relativo ao vínculo de sujeição dos latini e dos itálicos, as cidades associadas


demonstravam certa resistência ao poder central, restava aos políticos romanos conceder
direitos econômicos e tributários menos importantes. Não somente as instituições
políticas romanas, como também os plebeus, temiam o fim de suas benesses. Medo que
resultou no assassinato de Druso e culminou na guerra social (bellum sociale), em que
membros das cidades itálicas, associadas a Roma, reivindicaram pela expansão de direitos
políticos e jurídicos. A cidadania romana foi então limitada aos itálicos e habitantes de
cidades nas províncias. Desde as primeiras conquistas militares, os romanos concediam
aos vencidos a cidadania total ou parcial, pela sua capacidade de assimilação política.
Quando não havia a concessão de cidadania, os povos conquistados, após a guerra,
permaneciam em suas civitates (cidades), tornando-se civitas foederata (cidade federada):
uma tribo que continha autonomia local, mas obrigações para com o conquistador. Alguns
migrantes também experimentavam uma dupla migração que gerava uma “dupla
cidadania: como os judeus conquistados por Pompeu, que chegaram como escravos a
Roma21 depois libertos e integrados ao corpo cívico romano. Do mesmo modo, os
palmirenses que se estabeleceram em Roma e ganharam a cidadania. Por vezes,
mantinham sua identidade local enquanto proclamavam o seu orgulho de serem romanos,
como se pode verificar em inscrições bilingues. Nota-se que a ius passa a consolidar o
universalismo romano, a crescente flexibilização de cidadania diminui as distinções entre
os civis e latinus. A civitas (usada como equivalente de urbe para Cícero) se torna
potencialmente universal, quando Sêneca transcende a pátria através de uma grande
cidade22, é o universalismo transcendendo a cidadania, o ideal da harmonia em
convivência entre concidadãos. A concepção de pátria universal já estava presente de
forma inconsciente, tanto que, em 212 d.C., quando o édito de Caracala (a famosa
Constituição Antonina), concedeu a cidadania a todos os habitantes do império – com
exceção dos dediticii –, não foi um ato de revolução, mas o ápice jurídico. Ulpiano
testemunha que: "Aqueles que vivem no mundo romano, de acordo com a constituição
do imperador Antonino, foram feitos cidadãos romanos."23
Foi uma confirmação que formalizou uma realidade política que já ocorria em
Roma, mas também uma ampliação ao estender a lei romana aos peregrinos, concedendo
patria potestas24 aos que obtiveram a cidadania romana à título pessoal. Antes da

21
Flavius Josephus, Antiquitates Iudaicae.
22
“Nefas est nocere patriae; ergo ciui quoque, nam hic pars patriae est — sanctae partes sunt, si uniuersum
uenerabile est; ergo et homini, nam hic in maiore tibi urbe ciuis est. (IRA, 2,31,7)
23
ULPIANUS, Digestus, 1,5,17.
24
“A antiga denominação pátrio poder ou patria potestas era utilizada para indicar a autoridade quem
detinha o poder dentro do ambiente familiar. Era ele também quem exercia os poderes das funções sagradas,
17

Constituição Antonina, os imperadores não concediam a patria potestas aos peregrinos


que solicitavam a cidadania romana, mantendo peregrinos e ex-escravos como legalmente
inferiores. Peregrinus, que significa estrangeiro ou não cidadão no Império, após a
constituição de Caracala, passou a significar o cidadão residente em uma cidade ou
província que não era sua. A provisão de Antonino Caracala, sem as subjetivas
especulações de suas razões, indica, pelo seu texto principal, uma motivação político-
administrativa e outra de natureza religiosa. A primeira, pretendeu simplesmente evitar a
numerosa demanda das posses dos direitos de cidadania; a segunda, assimilaria no culto
dos povos imperiais, as divindades tradicionais e novas das províncias do Oriente, Egito
e África Púnica introduzidas na veneração contemporânea romana.
Acompanhando as mudanças migratórias, certas palavras perderam sua dimensão
estatutária para assumir um valor mais sociológico: incola é usado para designar o
cidadão que tem domicílio legal em cidade diferente da sua, ou o nativo que permaneceu
após a colonização, como também poderia ser o bárbaro que pede para se instalar no
território do império, para o último caso, também se utilizou o grego metoikein
(estrangeiro). A mutatio soli, a mudança de solo, que acarretava a perda da cidadania
originária, passou a designar também a simples mudança de domicílio. Da mesma forma,
o termo hospes foi aplicado ao cliente de uma pousada e não mais apenas ao hóspede
estrangeiro.
Caracala é elogiado pela unificação política de todos os habitantes livres do
Império. Desde o antigo poeta Rutilius Claudius Namatianus, um dos últimos literários
pagãos: “Dos diversos povos fizeste uma pátria; seu domínio tem sido bom para os povos
sem lei. E, oferecendo aos vencidos para se unirem em seu direito, você fez a cidade do
mundo”25 (tradução minha), até pelos diversos doutrinadores do direito positivo, por
expressar pragmaticamente o aclamado direito de igualdade entre os homens. Pelo direito
contemporâneo, é impossível ignorar os paralelos com o romano, a Antiguidade clássica
desenvolvia um proto-direito internacional, ainda que não estivéssemos discutindo sobre
as relações entre Estados. O fundamento do universalismo já cravava raízes na realidade
jurídica dos quirites26. Era cidadão quem estivesse sob as leis romanas, o “ser romano”

era considerado o chefe do culto religioso. O pai era visto como o chefe da casa. Exercia o poder de decidir
sobre a vida de seus filhos e sobre a vida de sua esposa. Entre os direitos do pai estava o poder de vender
seu filho, pois esse era visto como sua propriedade. O filho não possuía bens, todo fruto do seu trabalho, os
lucros adquiridos com o seu esforço, e tudo que conquistava era considerado do pai. O pátrio poder
englobava o interesse exclusivo do chefe de família, atribuía aos pais mais direitos do que deveres, detinham
o poder de decisão sobre a vida do filho, esse não podia manifestar vontades, pois era tido como um bem
que o chefe de família possuía” (Nayane Valente de Souza. Poder familiar: os limites no castigo dos filhos,
Brasília, 2011)
25
NAMATIANUS, Claudius Rutilius, De reditu suo, 1,63-66.
26
Como chamavam os antigos romanos, quirites de deus Quirino: a versão deificada de Rômulo.
18

se conceituava por meio dos costumes e pela cultura. Cícero, uma das personalidades
romanas mais célebres, como preceitua o Doutor Juiz Carlos Alexandre Böttcher:
“ressalta a necessidade de respeito não apenas aos cidadãos, mas também aos
estrangeiros, sob pena de ser destruída a sociedade comum do gênero humano”.27 O
desenvolvimento de Cícero da noção de um interesse humano comum28 privilegia sua
teoria filosófica para a contribuição na presente tese. Antes mesmo da discussão na
filosofia, os romanos traduziram sua universalidade para o direito:

Todos os povos que são regidos por leis ou por costumes se utilizam
em parte do seu próprio direito, em parte do direito comum a todos
os homens. Pois o direito que cada povo por si mesmo a si constitui
este é próprio desta mesma civitas e se chama ius civile, como que
um direito próprio desta mesma civitas. Mas aquele que a razão
natural constituiu entre todos os homens, o qual entre todos
igualmente é protegido, chama-se direito das gentes, como que o
direito do qual todos os povos se utilizam. 29

Em “As Divisões da Arte Oratória”, Cícero menciona a divisão do direito em


natural e civil, subdividindo-as em um direito humano e um divino, a separação não
afastava a caráter religioso das leis, mas acrescia um cuidado maior para as questões
sagradas. Na mesma passagem, o autor explica que as leis não escritas, o conhecimento
oral dos costumes e das convenções, estava contido no direito natural. As escritas, cabiam
à esfera civil: “Consiste a nossa sociedade, com efeito, num elo (...) que une os homens
uns aos outros, tornando-se esses laços mais estreitos entre aqueles que pertencem à
mesma nação, e ainda mais íntimos entre aqueles que são cidadãos da mesma cidade. Por
esta razão, desejaram os nossos antepassados que fosse uma coisa do domínio do direito
das gentes enquanto outra, do domínio do direito civil. Aquilo que pertence ao domínio
do direito civil não será necessariamente do domínio do direito das gentes e, não obstante,
aquilo que é do domínio do direito das gentes será também necessariamente do domínio
do direito civil.”30
Enquanto o público pode ser atribuído ao direito fecial (ius fetiale), já o direito
das gentes (ius gentium), seria o primeiro direito internacional privado, concernente aos
princípios e a matéria jurídica ligada à figura do homem enquanto indivíduo,
disciplinando a vida social e suas obrigações.

27
BÖTTCHER, 2013, p. 163
28
CICERO, Marcus Tullius. De Officiis, III, 26.
29
GAIUS, Institutas, D.1.1.9
30
CICERO, Marcus Tullius. De Officiis, III, 69. (Tradução, introdução, notas, índice e glossário de
Carlos Humberto Gomes. Lisboa, Edições 70, 2000.)
19

1.2. Roma Universalis e a constituição da comunidade internacional

“[Catão] Costumava dizer que nossa superioridade política tinha como causa o fato de que
os outros Estados nunca tiveram, senão isolados, seus grandes homens, que davam leis à
sua pátria de acordo com seus princípios particulares;(...).
Nossa República, pelo contrário, gloriosa de uma longa sucessão de cidadãos ilustres, teve
para assegurar e afiançar seu poderio, não a vida de um só legislador, mas muitas gerações
e séculos de sucessão constante. Nunca, acrescentava, se encontrou espírito tão vasto que
tenha abarcado tudo, e a reunião dos mais brilhantes gênios seria insuficiente para abraçar
tudo com um só olhar, sem o auxílio da experiência e do tempo."
(Marcus Tullius Cicero, “De Re Publica”)31

As relações antigas já trabalhavam com os acordos e tratados entre estados, Roma,


ao lidar com seus conflitos, carregava o juramento de superar a inimizade natural presente
entre os povos.32 Afirma Cícero em “Dos Deveres”: “Na república, os direitos de guerra
devem ser preservados acima de tudo. Pois, assim como há dois tipos de conflito – um
por discussão, o outro por violência –, e sendo aquele próprio dos homens e este dos
animais, recorramos ao último quando não for lícito recorrer ao primeiro. Eis por que as
guerras devem ser empreendidas pela causa da paz, a fim de que se viva com justiça.
Alcançada a vitória, poupem-se aqueles que não foram cruéis e desumanos durante as
hostilidades.”33. A obrigação não era somente jurídica, mas também religiosa,
característica forte das relações antigas: a reverência pela religião da Cidade e de outros
povos, a administração sacerdotal nos contatos entre os estados, a sacralidade dos
contratos que se faziam entre os homens, mas precisavam ser cumpridos perante os
Deuses. Um exemplo dessa relação é relatado por Tito Lívio 34, o conflito entre Roma e
Sâmnio (Samnium, região central e meridional da Itália antiga, parte sul dos Apeninos)
que se iniciou no Senado. Os samnitas, aliados de Roma, estavam atacando os sidicínios
(tribo do norte da Campânia). Os sidicínios pediram ajuda aos campânios, mas Campânia
foi derrotada em inúmeras tentativas pelos samnitas. Câmpania, já cercada em suas
muralhas, enviou os representantes de sua embaixada para um pedido de proteção ao
Senado Romano.35

O chefe da embaixada discursou sobre a riqueza natural de Campânia, suas terras


férteis, os templos que a região resguardava, a possibilidade de derrotar os volscos e os
benefícios do acordo para o povo romano, nada impedia Roma de também firmar acordo

31
Tradução de Lucas Medeiros, II, 1.
32
FUSINATO, 1884, p. 78
33
CICERO, Marcus Tullius. De Officiis, I. XI, 34-36
34
LÍVIO. Ab urbe condita libri, VII.29, p.114
35
Ibidem, VII, 115
20

com Campânia.36 O Senado, porém, ainda que considerasse Campânia digna de sua
proteção, relembrou os embaixadores da sacralidade e lealdade envolvida na aliança mais
antiga, um acordo já firmado com os samnitas, e como essa violação se equiparava a um
ato de ofensa contra os Deuses. Os campânios, que já esperavam a recusa do Senado,
foram instruídos a render seu povo e sua cidade ao domínio de Roma.37

“’Uma vez que não quereis encarregar-vos da justa defesa de nossos


interesses contra a violência e a injustiça, defendereis pelo menos os
vossos. Pois o povo campânio, a cidade de Cápua, terras, templos
dos deuses, em uma palavra, todas as coisas divinas e humanas, nós
as entregamos, senadores, às vossas ordens e às do povo romano, e
tudo o que sofrermos daqui por diante vosso povo também sofrerá.’

Ditas essas palavras, todos estenderam as mãos em direção aos


cônsules e prosternaram-se no vestíbulo da cúria, banhados em
lágrimas. Aquele exemplo da instabilidade dos destinos humanos
abalou os senadores. Uma nação poderosíssima e célebre por seu
luxo e seu orgulho, à qual outrora os vizinhos recorriam para pedir
auxílio, perdera a energia a ponto de entregar-se com todos os seus
bens ao domínio de outra nação.”

A rendição coloca em risco a honra de Roma, motivando o Senado a aceitar que


as novas possessões romanas fossem protegidas. Os samnitas, apesar de serem notificados
das decisões, “ordenaram que [os exércitos] marchassem imediatamente para o território
campânio e o arrase"38. Quanto estas notícias chegaram em Roma, os magistrados
enviaram os sacerdotes feciais para negociar e evitar a guerra. Câmpania, que estava sob
o poder romano, ainda assim foi atacada pelos samnitas, ignorando a diplomacia
sacerdotal. Ao enviarem seus exércitos para ataque, quebrou-se o sacro acordo com Roma
– iniciando a Primeira Guerra Samnita. Demonstra-se a importância do ius fetiale para os
assuntos de guerra e paz, Roma surgiu e desenvolveu entre diversos povos que
disputavam por território e tentavam reafirmar sua soberania, seu contexto é
principalmente bélico. Dizer que Roma era sanguinária ou imperialista, é ignorar o fato
de que para os romanos não havia guerra sem os Deuses, sem “aprovação” divina. A
guerra é um assunto público e o que é público está necessariamente ligado à esfera
religiosa, necessitando de validação.

Trago novamente Cícero: “Em verdade, minha opinião é que se deve aconselhar
sempre a paz e mantê-la sem traições. Nesse ponto os nossos antepassados cultivaram de

36
Ibidem. VII, 116
37
Ibidem. VII, 117
38
Ibidem. VII, 118
21

tal forma a justiça que os vitoriosos a quem cidades ou nações se confiavam tomavam-se
seus patronos. Com efeito, a equidade na guerra foi prescrita em termos sacramentais pelo
direito fecial do povo romano. Segundo ele, a guerra só é justa quando levada a efeito por
reclamação ou mediante anúncio e declaração prévia.”39 Sendo a guerra um assunto de
religião, o direito dos sacerdotes feciais é crucial em sua atenção, embora visto como
apenas um ius sagrado ou religioso, desenvolveu princípios e institutos coexistentes,
utilizados e até emprestados do ius gentium40, que regulou desde sempre as relações com
outros povos.

O contato de Roma com outros Estados era norteado por princípios comuns,
mesmo que outros povos já haviam constituído seu próprio “direito externo”, a relação
acordava religiosamente ou através de direitos que toda a Antiguidade seguia41, que ganha
relevância com a expansão romana e a formação do Imperium Romanum. É possível falar
que o ius fetiale se desenvolvia como um direito internacional público – caráter jurídico
de um direito público externo – enquanto complexo de ritos que fazia parte do ius belli
ac pacis Romanorum42. Não afirrmo que o ius fetiale é identificável com o conceito
moderno de “direito internacional” e de ius gentium, sendo um período histórico ausente
de Estados, a concepção de “nação” e um acordo voluntário entre elas, mas sua
assimilação universável é inegável. O direito dos feciais foi estudado durante os períodos
seguintes como ponto de referência, a fim de ser uma das fontes das relações externas
entre diferentes comunidades.43

Os foedera, cidades ou tribos italianas ligadas a Roma por um tratado chamado


foedus44, são um exemplo dessa comunhão entre povos com uma relação religiosa.
Permanecem as gens, contidas dentro da cives que formam o populus – perdurou a
tradição romana, mas abriu espaço aos novos elementos jurídicos de cidadania. Essa
conexão pacífica com Roma exigia que a foederati concedesse proteção militar, o aspecto
bélico desse acordo tornava a guerra justa, visto que apenas uma ruptura do tratado
desencadearia um conflito. Um dos maiores objetivos do uso dos sacerdotes feciais e do
ius fetiale é preservar as relações de amizade pelas vias hieráticas, superando o estado de
guerra nas sociedades primitivas originário, criando-se a primeira noção de comunidade
internacional mantida pela diplomacia.

39
CICERO, Marcus Tullius. De Officiis, I. XI, 34-36
40
VOIGT, 1852, p. 8 e 12
41
FUSINATO, 1884, p. 19
42
BAVIERA, 1898, p. 67
43
ILARI, 1981, p. 21
44
MURRAY, John. A Dictionary of Greek and Roman Antiquities, London, 1875.
22

2. HUMANITAS, PRESERVAÇÃO DOS POVOS E IMIGRAÇÃO

“Humanitas não significa o que dela geralmente se pensa, mas os bons falantes
empregaram-na com exatidão."
(Aulus Gellius, “Noctes Atticae”)45

Dentre as criações romanas, a expressão Humanitas é única, ainda que seja


possível compará-la com a paideia, não há um correspondente ou equivalente exato em
terminologia ou conteúdo no grego. O uso do termo, que indica humanidade, foi utilizado
para distinguir romanos de bárbaros, mas não em um sentido étnico. A Humanitas
distingue comportamentos, exaltando principalmente o eruditionem institutionemque in
bonas artes (cultura e iniciação nas boas artes): o amor ao conhecimento, à educação e
cultura, considerando homines humani, homem ou romano culto, aquele que se dedica
profundamente ao saber. O conceito de “humanitas” não contém uma definição precisa,
já que a palavra abrange uma vasta área semântica, está presente no campo moral, cultural
e filantrópico. De acordo com Luigi Garofalo, “o substantivo evoca, além do dever de
reconhecer e respeitar o outro, (...) a obrigação construir plenamente sua personalidade,
por meio de educação em um nível cultural e um refinamento sensível qualidades
morais.”46

Relaciona-se com a temperança, solidariedade, clemência e traz a ideia de uma


comunidade universal entre homens (membra sumus corporis magni)47; entre outras
virtudes que antecedem os valores cristãos. Como diz Dante em "Da Monarquia", só foi
possível uma igreja universal pela preexistência de um império universal, assim como os
preceitos bíblicos encontraram um solo já fertilizado pela pietas, benignitas e aequitas
(piedade, benignidade e equidade). Além da Humanitas como princípio ético, temos seu
conceito estendido a uma via cultural, o homem romano é aristocrático, pois seu acesso à
cultura o torna superior, a educação o faz cada vez mais homem. É a noção de “homo”
diretamente ligada a justiça e generosidade, como também da piedade humana com o
próximo que a concretiza como um valor social. Por essa razão, alguns estudiosos também
consideram a “humanitas” um conceito antropocêntrico, evocando Protágoras48, em que

45
XVII: “Humanitatem" non significare id, quod volgus putat, sed eo vocabulo, qui sinceriter locuti sunt,
magis proprie esse usos.” (Tradução de Cleuza Cecato, livro XIII).
46
GAROFALO, Luigi. L’humanitas tra diritto romano e totalitarismo hitleriano, in Teoria e Storia del
Diritto Privato, VIII, 2015 p. 5 (http://www.teoriaestoriadeldirittoprivato.com).
47
Do latim: “Todos somos membros de um grande corpo” (tradução minha).
48
“O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são,
enquanto não são.” (Teeteto, 151d-152e)
23

os interesses públicos devem atender ao homem (utilitas publica), inaugurando a noção


moderna dos direitos humanos. A postura contra o estrangeiro, no cenário
contemporâneo, é acompanhada do mito corruptor que o receptor erroneamente atribui ao
migrante. Para esse indivíduo, o estrangeiro violaria o seu “mundo”, que se basea na
identidade existencial do povo em que está inserido. Ainda que seja um medo irracional,
não há uma preocupação em dialogar com esse temerário que existe desde as primeiras
civilizações. Há uma insensibilidade com o estrangeiro, como também há com as
preocupações que fundamentem as resistências e a hostilidade ao estrangeiro. Como
abordei na introdução da tese: Não é possível domesticar esse medo pela universalidade
sem critérios, abordagem que contribui cada vez mais para a ascensão de nacionalismos
e movimentos identitários extremistas. Contudo, é preciso que o irracional se torne
racional, o medo necessita de ser discutido, mas deve ser solucionado por vias lógicas.

Não resolveremos a questão promovendo uma identidade global que homogeniza


a identidade dos povos, há anseios no homem que a cultura ou a sociedade global não é
capaz de suprir, criando uma dissonância interior, motivando o indivíduo a explorar novas
perspectivas em identidades mais estritas. Nossa matriz romana convoca que a
humanidade, como preceito, deve presidir as relações dentro de uma comunidade
organizada, e presidir as leis que tratam das necessidades humanas. As necessidades estão
centradas em uma preservação, e não diluição, das particularidades dos povos, a
multiplicidade é o que constrói a verdadeira universalidade. É a humanização da prática
jurídica, o berço do princípio da dignidade da pessoa humana, orientador da Carta Magna
brasileira.49 De acordo com Rosario Magli: “O homem só o é quando aplica
comportamentos inspirado por princípios de mansidão e generosidade para com seus
semelhantes.”50 A humanidade do direito imperou também nas leis internacionais, como
se observa pela Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada em 10 de
dezembro de 1948, e a DICA (Direito Internacional dos Conflitos Armados) ou Direito
Internacional Humanitário. Percebe-se que o último não se limita a um único Estado, é
uma responsabilidade compartilhada que nos relembra do trabalho dos feciais em
coordenar as antigas relações bélicas. Logo, busquemos por uma universalidade que não
negue o mundo subjetivo dos povos e suas identidades decorrentes, mas que busque
advogar uma unidade fundamentada na multiplicidade desses mundos.

49
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a
dignidade da pessoa humana.” Disponível em:
(https://www.revistahistoriador.com.br/index.php/principal/article/view/205) Acesso em: 05 dez. 2022
50
MAGLIO, Rosario. Humanitas e Diritto: La centralità dell’uomo rispetto alla legge, 2021.
24

2.1. Tradicionalismo ou tradição romana?

O culto ao passado fez Roma se popularizar entre o imaginário fascista. Uma


civilização militar, patriarcal e com forte Estado cria fascínio em mentes já seduzidas pelo
ultranacionalismo, patriarcalismo bélico e discurso antimoderno. O cenário piora quando
Roma se torna um símbolo da supremacia branca para o neonazismo, exaltando o número
de criações e conquistas romanas acima de outras raças. O fascínio vem desde Hitler, que
elogiava a civilização greco-romana e acreditava que sua elite era composta por
nórdicos51: “Não se deve afastar o estudo da história antiga, pois a história romana, bem
apreciada nas suas linhas gerais, é e será sempre a melhor mestra não só para o presente
como para o futuro. O ideal da cultura helénica, na sua típica beleza, deve ser aproveitado.
Não se deve destruir a grande comunidade racial pelas diferenciações entre os vários
povos. A luta que hoje se agita tem o grande objectivo de, ligando a sua existência ao
passado milenar, unificar o mundo greco-romano com o germânico”.52
Para a tristeza dos espectros radicais que a louvam por um passado que não
existiu, e para os que acusam Roma de genocídio, imoralidade e pejorativos que não
refletem sua realidade, a Cidade Eterna não pertence a nenhuma dessas idealizações ou
corrupções. Curiosamente, os dois lados “fetichizam” ou distorcem a ideia de que Roma
estava desvinculada das instituições bases (familias) e que intervia, ditava e moldava a
vida privada dos cidadãos – uma das muitas falácias que antecipei na introdução da tese.
Tanto o fascismo, quanto o nacional-socialismo, foram criações modernas que não
compatibilizam com a noção de traditio (tradição romana), seriam configurações políticas
abomináveis para um romano. Roma é aquilo que os fascistas e nazistas tentaram ser e
não conseguiram, foi apenas uma inspiração estética de força.53 Incapazes de atingir o
poderio militar romano, violaram as liberdades individuais e promoveram perseguições
étnicas, contrariando toda a filosofia ética e política da antiguidade. Aproximaram-se do
culto às tradições, mas não foram tradicionais em sua postura. A tradição romana
corresponde aos costumes dos ancestrais, Cícero afirma que nos costumes dos antigos

51
PEREIRA, M. H. Rocha, 1993, p. 31-44.
52
HITLER, p. 309. (Tradução por Vasco Gil Mantas, Universidade de Coimbra)
53
“Porque havemos de chamar a atenção de todo o mundo para o facto de que não temos passado? É já
suficientemente mau que os Romanos erigissem grandes edifícios enquanto os nossos antepassados ainda
viviam em cabanas de lama; agora Himmler começa a escavar essas aldeias de cabanas de lama e
entusiasma-se com cada caco de cerâmica ou machado de pedra que encontra. Tudo o que provamos assim
é que ainda lançávamos machados de pedra e nos acocorávamos à volta de fogueiras quando a Grécia e
Roma já tinham atingido o mais elevado grau de cultura. Deveríamos fazer o nosso melhor para manter
sossegado este passado. Ao contrário, Himmler faz um grande espalhafato à volta de tudo isto. Os Romanos
de hoje devem rir-se destas revelações.”(Crítica de Hitler relatada por Albert Speer, “Inside the Third
Reich”, Nova Iorque, 1970, p. 94-95. Tradução por Vasco Gil Mantas, Universidade de Coimbra.)
25

romanos (o Mos Maiorum) estaria a glória de Roma, 54 “os antepassados deviam ser
imitados”55 por sua excelência política, padrão de conduta e os feitos históricos
responsáveis pela construção de Roma. Tamanha era a importância dos costumes que
Catão, o Velho, durante sua época de magistrado, dedicou-se a preservar a identidade
romana, afastando os elementos estrangeiros que poderiam adulterá-la. Entretanto, o Mos
Maiorum foi essencial para defender o culto de Cibele, uma deusa estrangeira, mas que
fazia parte da religiosidade dos antepassados romanos – um veículo de integração
internacional. Para Cícero e Catão, o cidadão romano deveria se inspirar e seguir o
exemplo de Cipião, o Africano, considerado um dos maiores generais da história de
Roma, que apresentava tanto as virtudes guerreiras quanto integridade cívica e política.
Não houve, de fato, nenhuma tentativa moderna em resgatar esses valores nos regimes
citados, questiono ainda: Como acusar Roma de imoralidade quando havia um esforço
para manter os bons costumes e louvar as figuras de prestígio?

“Pois ele não somente tinha o coração magnânimo e era exímio em


todas as virtudes, mas, ainda, de singular beleza e de perfeitas
proporções de corpo, de rosto alegre; o que contribui para conquistar
mais facilmente as boas graças de todos. Ele tinha, assim, em sua
maneira de agir, soberana majestade. A glória militar estava unida a
tais dons de espírito e de natureza, que se podia mesmo duvidar se ele
era mais apreciado pelas nações estrangeiras, por suas virtudes civis,
do que admirado por suas virtudes bélicas. Tinha, outrossim, incutido
no coração de todo o povo uma certa superstição, porque, depois que
ele tomara a toga viril, costumava subir todos os dias ao Capitólio,
entrar no templo, sem companhia alguma, de modo que todos estavam
persuadidos de que ele recebia em comunicação, no templo, algo de
secreto, que a outros não se podia revelar, do mesmo que antes
também se pensava que Numa Pompílio tinha sido instruído pela ninfa
Egéria.”56

Quem era considerado um romano? Para Hitler, descontente com o passado


germânico e fã do mundo clássico, os romanos eram arianos57, para os registros históricos,
um romano era um indivíduo que pertencia legalmente a uma cidade romana. Não era
alguém que vive sob o poder romano, como um cidadão de outra cidade ou de uma tribo,
mas alguém que possui a cidadania. Não havia exclusividade racial no que concerne à
cidadania, quando pensamos na abertura da comunidade para a liga latina. Porém,
imaginar que o mundo antigo consistia em uma circulação de pessoas sem organização

54
CICERO, Marcus Tullius. De Re Publica, V, 1.
55
CICERO, Marcus Tullius. De Officiis, I, 33, 121.
56
PLUTARCO, Vida de Cipião, o Africano" em As Vidas dos Homens Ilustres. Trad. Padre Vicente
Pedroso. São Paulo: Editora as Américas S.A. - Edameris, 1963, p. 73-167.
57
PICKER, Henry, 1976, p. 96.
26

administrativa é um anacronismo. Quando o imperador concedia cidadania a um


indivíduo, registrava o contemplado em uma cidade-estado romana. Aqui combato outra
falácia da narrativa anti-imigração: não há evidências concretas que a abertura do Império
Romano para o Mediterrâneo foi a principal causa de sua queda, as cidades-estados
continuaram a operar de forma autônoma, mesmo após o Édito de Caracala.58

Assim em Roma todas as raças se associam e se mesclam: há latinos,


troianos, gregos; logo haverá também sabinos e etruscos. Vede as
diversas colinas: o Palatino é a cidade latina, depois de ter sido a
cidade de Evandro; Capitolino, depois de ter sido a morada dos
companheiros de Hércules, torna-se morada dos sabinos de Tácio. O
Quirinal recebe o nome dos quirites sabinos ou do deus sabino
Quirino. O Célio parece ter sido habitado desde o princípio pelos
etruscos. Roma não parecia uma única cidade; parecia uma
confederação de várias cidades, das quais cada uma ligava-se, pela
origem, a outra confederação. Roma era o centro onde latinos,
etruscos, sabélios e gregos se encontravam.59

A noção de cidadania imperial ou universal está sempre acompanhada do


pertencimento a cidade romana, em que as comunidades viviam em igualdade e
intercâmbio, Roma não abandonava sua tradição oligárquica, mesmo entrando numa
concepção cosmopolita de Estado. John Scheid em “The Gods, the State, and the
Individual” ressalta: “A partir desse momento, um cidadão romano tinha uma dupla
cidadania, à sua pátria natural ou de nascimento, e uma pátria universal, Roma, a senhora
do Mundo. As fontes literárias romanas dificilmente são desprovidas de um
“chauvinismo” cultural, a população romana era extremamente patriota, mas há pouca
indicação na literatura – que se assemelhe à visão da direita contemporânea –, sobre a
imigração representar uma ameaça ao que é nacional, ou até econômica como uma
drenagem de recursos. A concessão de cidadania como fator inclusivo afastou Roma do
exclusivismo e rejeição ao multiculturalismo dos regimes autoritários. Percebe-se esse
fator desde a sua formação com o asilo de Rômulo no Capitólio, tradição ignorada pelo
fascismo italiano. Segundo a professora Luciene Dal Ri60, o universalismo romano
consiste em viver de acordo com o Direito Romano. Não se buscou pureza racial ou
exclusividade étnica, muito menos a destruição da cultura e dos cultos das regiões
conquistadas, mas construir um povo que cultiva o amor pátrio, sabedoria nas atividades
políticas e virtudes na vida pública e pessoal.

58
SCHEID, John, 2016.
59
COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga.
60
DAL RI, Luciene; DAL RI JR, 2013.
27

2.2. Cícero e o conceito de Humanitas

“Sou homem: todas as coisas humanas são de meu interesse.”

(Terentius, “Heautontimoroumenos”)61

Marco Túlio Cícero desde criança se mostrava um estudante prodigioso. Na vida


adulta, foi advogado e entrou para a carreira política como questor, passando para Edil
Curul, pretor, cônsul e governador da província da Cilícia. Seu interesse por filosofia o
levou a atuar como chefe da Academia em Atenas por seis meses, interessando-se também
por escolas estóicas e epicuristas.62 Seu domínio da retórica trouxe prestígio para o acervo
romano, sendo aclamado mesmo antes de seu assassinato. É possível dizer que Roma
permaneceu de pé por tanto tempo graças a Humanitas de Cícero, entre inconstâncias na
vida política e pessoal, a importância de suas obras é inegável, recebendo até um período
com seu nome: o Período Ciceroniano na literatura latina.63

Cícero também apresenta sua ideia com elementos da matriz grega, como o
universalismo estoico, a philanthropia e a paideia. O homem é dotado de uma razão
natural, proveniente de sua natureza que reúne os homens e é a fonte de sua moralidade.64
Essa fonte é extrahumana e divina, um impulso chamado de hormé65, que dirige os
homens para a prática virtuosa e para criação de uma comunidade. Não porque as leis
determinam, mas porque há um sentimento de fraternidade entre integrantes da mesma
espécie, que compartilham os mesmos anseios espirituais, advindas dessa natureza em
comum.66 Desse impulso, desenvolve-se a oikeiósis, outro conceito estóico que explica
que, por meio da consciência de si, o homem se autoconserva e conserva seus
semelhantes, apropriando-se do que é seu e cuidando daquilo que lhe pertence.67 O
homem quando está em estado racional, preza pela ordem e harmonia num movimento
de autoconservação, procuram aquilo que é mais adequado, assim se cumpre o princípio
da justiça, entregar para cada homem o que lhe convém.68 A justiça é o que consolida o

61
“Homo sum: humani nihil a me alienum puto”. TERÊNCIO. Heautontimorumenos 77. Cf. Comedias.
Trad. José Román Bravo.Madrid: Cátedra, 2001, p. 334-335.
62
CHAUÍ, Marilena, 2010. p. 223
63
Merriam-Webster's Encyclopedia Of Literature. 1995. p. 244.
64
CICERO. Da natureza dos deuses. Introdução, tradução e notas de Pedro Braga Falcão. Lisboa. Nova
Veja, 2004.p.77.
65
CICERO. De Finibus Bonorum et Malorum.III, 23.
66
CICERO. Ad Quintum fratrem I, 1, 27, p. 76-77:
67
CHAUÍ, Marilena, 2010. p. 350
68
CICERO. De Finibus Bonorum et Malorum. III, 23
28

Direito como principal ferramenta para uma execução ideal da Humanitas. Apesar da
clara influência estóica em Cícero, o homem ciceroniano não é o sábio eremita que deve
seguir uma rigorosa lista de condutas, mas um simples homem entre os homens, um
cidadão útil para a República. 69 A sua virtude vem do constante aprimoramento, da
dedicação concreta e dinâmica, é uma ética para a praticabilidade, não para especulações
filósoficas. Nada mais romano do que o pragmatismo, enquanto os helenos buscavam a
beleza, os romanos buscavam o que era útil. 70 Agir para ser útil é agir com a virtude, a
favor de sua própria natureza, o que, para Cicero, ferrenho defensor da República71,
significa agir conforme os costumes da civitas. A Humanitas, primeiramente, traz o dever
moral e social de civilidade, solidariedade e hospitalidade, como ministra no “De officiis,
I, 11-12” e em sua carta I, 172 a seu irmão Quinto, Cícero elenca o exercício de clemência,
evitar a crueldade (nihil crudele), ser cortês e agir com doçura e humanidade (omnia plena
clemen-tiae, mansuetudinis, humanitatis). O homem comum sente necessidade de atingir
a perfeição que reflete o verdadeiro bem, eis a noção de philanthropia, amar a
humanidade73 não por sua perfeição, mas pela potência em aperfeiçoar na medida de suas
capacidades e limitações.

Para Cícero, a urbanidade não é um sentimento artificial, porque a vontade de se


agrupar é natural74, os homens se reúnem porque possuem a hormé para sociabilidade,
mediação e o uso da linguagem75 para desenvolver a própria natureza e a política.76 Cícero
considera que o homem é um animal político assim como a máxima de Aristóteles77, em
“De Officis”, deixa claro para seu filho Marco sua influência aristotélica: “(...)
Continuarás a estudar sob a égide do filósofo mais notável do nosso século o tempo que
quiseres (...) mas [apro-veitarás] também com a leitura dos meus escritos, que se afastam
pouco da doutrina dos Peripatéticos78, visto que buscamos, eles e eu, inspiração em
Sócrates e Platão (...).”79. Nasce a ideia de um universalismo político, a superioridade de
um homem não reside em diferenças materiais, como sua quantidade de riqueza, ou pela

69
CICERO, Marcus Tullius. De Re Publica, I, 1-14.
70
COUTO, Célia Pinto, 2015.
71
CICERO, Marcus Tullius. XXV, 39.
72
CÍCERO. Ad Quintum fratrem I, 1, 25, p. 74-75
73
CICERO, Marcus Tullius. De officiis, I, 54.
74
CICERO, Marcus Tullius. De officiis, I, 11-12.
75
CICERO, Marcus Tullius. I, 50-51.
76
CICERO, Marcus Tullius.De Finibus Bonorum et Malorum. III, 29.
77
ARISTOTE, 1982, I, 2, 1253 a, 7-12.
78
Filósofos seguidores de Aristóteles.
79
“Depois de teres seguido, durante um ano, os ensinamentos dados por Crátipo, tendo um mestre de tão
grande autoridade e numa cidade tão rica de exemplos, deves, meu querido filho Marco, ter absorvido
grande número de preceitos e doutrinas. Eu, que cultivo a filosofia e a arte oratória. tanto em latim como
em grego, penso que deves, também, esforçar-te por dominar fluentemente as duas línguas.”
29

sua ancestralidade – propondo uma divisão elitista entre patrícios e plebeus –, mas por
seu caráter e refinamento cultural. 80 A qualidade de sua alma está em seus valores e
práticas, resultantes de sua formação e educação, o que se entende por paideia. Um
homem em condição de servus poderia educar crianças ou aconselhar em questões
políticas, militares ou intelectuais. A escravidão, para Cícero, não anulava a humanidade
de um escravo e não justificava um tratamento indigno ou punição cruel.81 A oposição da
Humanitas ao que Cícero identifica como Barbaritas, o inhumanus82 (equivalente de
barbarus) é a negação de todos os princípios humanos. Quando um homem rejeita a sua
humanidade, age de forma egoísta, sucumbe à vícios e comete crimes. 83 Torna-se um
bárbaro, distante do ideal ciceroniano, a Barbaritas não é exclusiva a um só povo, etnia,
classe social e até gênero. Um homem romano patrício poderia agir como um bárbaro, a
Humanitas se estende a todos da espécie humana que estão em conformidade com a
tradição, como o Mos Maiorum, a ética e as virtudes morais e sociais.

“(…) o sumo bem consiste ou em viver conforme a natureza, isto é,


de uma vida moderada e própria da virtude, ou em seguir a natureza,
vivendo de certo modo sob suas leis e sem nada poupar (enquanto seja
possível) para realizar o que pede a natureza, o que implica numa vida
submetida à virtude e às suas leis.” 84

Novamente, não encontramos correspondentes em nenhum outro idioma do


período, a Humanitas é uma produção romana e um marco de Cícero. Ainda há
incompreensão desse termo que é visto como uma abstração nos dias atuais, pressupondo
uma xenofobia pelo filósofo que, na realidade, é um temerário que sempre acompanhou
os antigos. Cícero nunca separou os humanos e os “inumanos” em romanos e estrangeiros,
a xenofobia da antiguidade não foi causada por teorias filósoficas, mas pelo medo ao
desconhecido. As políticas de expulsão de estrangeiros mais serviam para proteger as
grandes cidades de forma mais sistemática, para controlar o êxodo rural ou o afluxo de
mendigos; ou mais amplamente o território imperial para impedir a entrada de espiões,
ou a partida de cidadãos romanos equiparados a desertores. Não era por motivação étnica
ou xenofóbica, mas uma política de segurança e administração que se fez necessária pelo
grande contingente de migrantes.

80
CÍCERO.De officiis II, 26-27. Cf, p. 86-87
81
CÍCERO. De officiis I, 41. Cf. Dos deveres. p. 30
82
CÍCERO. Pro Sestio 92. Cf. Discursos IV. Trad. José Miguel Baños Baños. Madrid:Gredos, 1994, p.
346-347; De re publica I, 58. Cf. Trad. Álvaro D’Ors. Madrid: Gredos, 1991, p. 73-74.
83
CÍCERO. De officiis I, 62. Cf. Dos deveres. Trad. Carlos Humberto Gomes. Lisboa: 2000, p. 37-38.
84
CICERO, Marcus Tullius De Legibus, I, 56.
30

2.3. Globalismo, tradição local e herança imigrante

A imigração não é um fenômeno novo, a espécie humana imigrou desde o seu


surgimento, há cerca de 150.000 anos85. Graças ao nomadismo persistente, povoamos
todo o planeta. Se fomos nômades por 142.000 anos, o sedentarismo e o processo de
urbanização é um fenômeno mais recente para os grupos sociais humanos. 86 Ocupamos
primeiramente as áreas rurais e somente em 2010, a proporção de habitantes nas cidades
superou o coeficiente de população rural do planeta.87 Nos últimos dois séculos, a
mobilidade humana esteve relacionada mais ao êxodo rural do que a migração
internacional88, contudo, durante o mesmo período, já surgiam as crises migratórias. Em
escala internacional, a crise se originou pelo cenário do colonialismo europeu e a queda
das monarquias, desencadeando as guerras civis e internacionais na África e Oriente,
depois da formação de novos “estados” formados pelas divisões depois da I Guerra
Mundial, ignorando as diferenças étnicas e religiosas dos povos da região. Em um
panorama interno, a urbanização e o êxodo rural também desencadearam largos processos
nacionais e internacionais, devido às revoluções industriais e as exigências econômicas
das metrópoles para com suas colônias. 89

No século XXI, a crise migratória promoveu uma polarização política, uma


separação moral entre os cidadãos de direita, mais nacionalistas e críticos da imigração,
enquanto os cidadãos de esquerda tendem a ser menos nacionalistas e se tornam mais
abertos à imigração. Os eleitores contrários à imigração interpretam os eventos como uma
ameaça aos seus empregos e à segurança do país, apoiando o controle e até fechamento
de suas fronteiras; o lado oposto acredita que os refugiados têm o direito de obter asilo,
principalmente por motivos humanitários. As causas profundas do deslocamento de
pessoas que resultam em migração externa e criam refugiados e solicitantes de asilo estão
relacionadas a conflitos, abusos dos direitos humanos, enormes desigualdades em
oportunidades econômicas e liberdades sociais. Estamos diante de duas reações que,
apesar de antagônicas, não são infundadas: Principalmente com a chegada repentina de
refugiados, em grande número, aumenta-se a competição por recursos econômicos
escassos, como empregos ou casas. Porém, os numerosos registros de pessoas se afogando
no Mediterrâneo ou atoladas na lama na fronteira húngara confirmam o dever moral de

85
SUTCLIFFE, 1998
86
DAVIS, vol. 60, no. 5, pp. 429-437, 1955.
87
ONU, 2015.
88
Ibidem.
89
LUBE, 2019.
31

ajudar as pessoas necessitadas. Os imigrantes são vistos pela ala direitista como uma
ameaça “étnica”, cultural ou simbólica ao “modo de vida” local, induzindo uma reação
negativa entre os cidadãos do grupo majoritário. No entanto, o medo gerado pelo número
de imigrantes pode ter sido criado exatamente pelo grupo minoritário, em países como na
Alemanha, onde muitos refugiados pediram asilo, um estudo90 polêmico percebeu o
aumento de crimes por parte dos jovens imigrantes. O despreparo instituticional para
receber esse grupo minoritário causa um aumento do sentimento anti-imigração entre os
partidos de direita e seus eleitores, já que as políticas de imigração e os debates políticos
são organizados nacionalmente. Não há um apoio internacional apropriado para a
integração dos recém-chegados – que podem ser abordado por meio de uma ação
conjunta – exigindo esforço e comprometimento de longo prazo.

Da mesma forma, a rede de informações também influencia como as pessoas


recebem as notícias sobre a crise, a mídia também é organizada nacionalmente e reporta
na língua de seu país. Mensagens fortemente diferenciadas sobre a natureza da crise, a
extensão da ameaça e a resposta adequada provavelmente levam e levarão cada vez mais
a uma diminuição do apoio à imigração. O fator se acentua entre os cidadãos de direita,
mas não entre os cidadãos de esquerda. Nota-se que enquanto as mídias nacionalistas
incitam o medo, as mídias progressistas suavizam os problemas. Para os partidos de
esquerda, os motivos humanitários bastam para a recepção, com a expectativa de que o
Estado se organize com a segurança e a demanda de novos empregos. O nacionalismo de
direita, todavia, retrata o imigrante como uma ameaça ao supervalorizar a cultura nacional
ou a própria etnia, culminando em xenofobia e até racismo, com a narrativa do grupo
minoritário ser incapaz de conviver com a população local. Esse conflito político-
ideológico ignora os aspectos culturais deste processo. A América Latina foi formada por
grandes fluxos migratórios da Europa e do Oriente, em que hoje fazem parte da cultura
local e possuem ainda comunidades ligadas ao território de seus ancestrais. Do mesmo
modo, alguns desses países ainda recebem cidadãos da América do Sul com direito à
nacionalidade, que levam no fluxo migratório aspectos e costumes dos latinos ao novo
território.91 Entretanto, como explicar o maior acolhimento de refugiados ucranianos do
que refugiados afegãos, haitianos, venezuelanos e sírios? Infelizmente, o racismo parece
ser a única explicação para a imigração branca não ser vista como um problema.

90
Pfeiffer, Christian & Baier, Dirk & Kliem, Sören. Zur Entwicklung der Gewalt in Deutschland.
Schwerpunkte: Jugendliche und Flüchtlinge als Täter und Opfer, 2018.
91
MOYA, J. 2018. v. 35, n. 3, p. 89-104.
32

“Essa mudança demográfica produziu evidentes mudanças


socioculturais e discursivas. Antes da década de 1930, a maior parte
dos discursos e da discriminação etnofóbicos e racistas no sul do
Brasil e no litoral argentino era direcionada aos últimos europeus
chegados, porque compunham a maior parte da classe trabalhadora e
dos pobres. À medida que os recém-chegados de cor se tornaram mais
numerosos e começaram a substituir os imigrantes europeus nos
degraus inferiores da estrutura social, a direção da etnofobia também
começou a mudar.

Cada vez mais, os negros substituíram os imigrantes como a


representação da pobreza, das patologias sociais e do perigo. Mesmo
no leste da Argentina, onde os migrantes eram mestiços e não
afrodescendentes, eles eram frequentemente chamados
de negros ou cabecitas negras. No sul do Brasil, as categorias raciais
tornaram-se mais duais, mais preto e branco, literalmente, do que no
resto do país. Lá e no leste da Argentina, os ‘negros’ tornaram-se cada
vez mais uma espécie de “outro permanente” para os descendentes de
imigrantes europeus.”92

Não é sobre promover uma concessão livre e desenfreada de cidadania, nem no


mundo antigo havia uma circulação de pessoas sem organização administrativa, é
necessário que haja uma administração mais humanitária e estudada do processo
imigratório. Não basta aceitar um grupo migrante sem entender antropologicamente quem
está chegando, como também não é válido travar o fluxo migratório de uma etnia
específica. A falta de suporte internacional pressiona apenas um país, que não consegue
se organizar plenamente como os países que recebem relativamente poucos imigrantes,
uma distribuição correta pode ser economicamente significativa. Há vários exemplos
desse fenômeno que podem ser citados, como o pequeno número de agricultores alemães
que respondia por mais de um terço da produção de café na Guatemala, no início do século
XX.93 Os cristãos palestinos que representavam menos de 2% da população em Honduras,
mas respondiam por mais da metade dos negócios em San Pedro Sula, já na década de
1920, e detêm um número desproporcionalmente alto de estabelecimentos industriais e
comerciais no país, atualmente.94 Os libaneses no Equador, cuja ascendência remonta a
poucas aldeias maronitas, têm sido eleitos para cargos nas administrações locais e
nacionais (incluindo uma vice-presidência e duas presidências), causando reclamações
dos rivais políticos pela “beduinização do Equador”.95 Os imigrantes europeus no México
que representam menos de 1% da população, mas têm desempenhado um papel
dominante na economia e na industrialização do país. Contudo, mesmo nos países latino-

92
MOYA, J. 2009.
93
WAGNER, 1991.
94
GONZÁLEZ, 1992.
95
ROBERTS, 2000.
33

americanos de imigração limitada, a separação entre os descendentes de imigrantes e a


população nativa nunca foi tão acentuada e tensa como na Ásia e na África, em grande
parte devido à existência de classes alta e média nativas de descendência europeia
(hispano-crioulas), o que tornava os recém-chegados menos visíveis. A maior vantagem
da imigração internacional se dá pelo efeito significativo no perfil demográfico do país
receptor. Na Europa, observa-se uma transição demográfica caracterizada por famílias
menores e populações envelhecidas, enquanto em países de baixa e média renda, como
na África e na América Latina, as taxas de fertilidade estão relativamente altas (mas em
declínio) e com taxas de sobrevivência melhores, resultando em populações de jovens em
expansão. A solução para o déficit previdenciário europeu parece estar na recepção da
população jovem migrante. Enquanto não houver uma dedicação real das autoridades
internacionais à questão imigratória, testemunharemos mais movimentos
ultranacionalistas no cenário político.

Como a eleição de Giorgia Meloni96 em 22 de outubro de 2022 para 88º primeira-


ministra da Itália, candidata que sempre se manifestou contra o multiculturalismo, a
imigração de não italianos e não cristãos e também contra o ius soli97. Giorgia é a favor
do bloqueio naval no Mediterrâneo e acredita na existência da “conspiração Kalergi”98,
uma teoria de extrema-direita, antissemita e de nacionalismo branco que acredita em um
plano judaico para destruição de gentios brancos, especificamente italianos europeus99,
com um projeto de migração em massa planejado pela África para a Itália. Presenciar
Roma sob a gestão da primeira-ministra Meloni, é o reflexo da corrupção de seu legado
ciceroniano, numa falha tentativa de manter a tradição, enterrada pelas consequências da
precarização na gestão dos complexos imigratórios, que inflamam partidos de extrema
direita e seus eleitores.

96
“Somos pessoas, não códigos, e vamos defender nossa identidade. Eu sou Giorgia: sou mulher, sou mãe,
sou italiana, sou cristã (…). Tenho vergonha de um Estado que nada faz pelas famílias italianas. Tenho
vergonha de um Estado que defende os direitos dos homossexuais (…).” POLIZZI, Mariana. Giorgia
Meloni, la donna forte de la política italiana. Disponível em:
(https://www.elpaisdigital.com.ar/contenido/giorgia-meloni-la-donna-forte-de-la-poltica-italiana/28956)
em italiano, 2020. Acesso em: 12 dez. 2022
97
Meloni, serve legalità, difenderemo i confini - Ultima Ora. Agenzia ANSA Disponível em:
(https://www.ansa.it/sito/notizie/topnews/2022/11/08/meloni-serve-legalita-difenderemo-
iconfini_dd649d45-46a5-4953-86d2-75bb6d23277e.html) em italiano, 2022. Acesso em: 12 dez. 2022
98
Drogo, Giovanni. Giorgia Meloni contro il terribile Piano Kalergi. nextQuotidiano Disponível em:
(https://www.nextquotidiano.it/giorgia-meloni-contro-il-piano-kalergi/) em italiano, 2016. Acesso em: 14
dez. 2022.
99
Giorgia Meloni: C'è un piano per destrutturare la nostra società attraverso i migranti. Disponível em:
(https://www.fanpage.it/politica/giorgia-meloni-ce-un-piano-per-destrutturare-la-nostra-societaattraverso-
i-migranti/) em italiano, 2019. Acesso em: 13 dez. 2022
34

2.4. Humanitas como solução para a preservação dos povos

Somos compelidos pela natureza a querer ser úteis ao maior número


possível de homens], sobretudo pelo ensino e pela transmissão das
razões da prudência. Então, não é fácil encontrar quem não
transmita a outro o que ele próprio sabe; assim, somos propensos
não apenas a aprender, na verdade, também a ensinar?
(Marcius Porcius Cato, “De Finibus”)

Como mencionado anteriormente, o Direito é a principal ferramenta da execução


ideal da Humanitas, quando suas leis contém justiça em sua composição. Através do
Direito, é possível aplicar faticamente o universalismo político que transcende as
vicissitudes e desigualdades. A lei se propõe a corrigir e/ou eliminar aquilo que impede o
homem de atingir suas potencialidades, como também preservar e/ou multiplicar o que é
benéfico para os que são contemplados por ela. Assim, a aplicação da Humanitas na
realidade jurídica une os iguais, evocando a universalidade do gênero humano, e une os
desiguais promovendo o respeito e a tolerância com as diferenças. O homem ciceroniano
é tolerante, disposto a obter conhecimento não só de sua civitas, mas de outros arcabouços
culturais. O contato dos romanos com outros povos sem a pietas e a clementia não
possibilitaria a ampliação cultural de Roma, que recebeu – desde a sua origem –,
influências e ganhos religiosos, linguísticos e filosóficos dos estrangeiros. A proposta da
Humanitas para a preservação dos povos não pretende idealizar uma Roma sem
xenofobia, pois endeusar o passado não apaga suas falhas, é compreender como a
antiguidade lidou com a diversidade. Os romanos não abandonaram a ideia de sua
superioridade entre os povos, caso houvesse um povo com conhecimento mais avançado,
Roma assimilava para manter a sua grandeza.100 Porém, a postura romana, diante dos
povos conquistados, prova a superioridade acima do colonialismo europeu. Como
comparar genocídios, escravidão racial, extermínio de povos originários, o desprezo pela
cultura local e conversão religiosa forçada? Certamente, já sabemos para qual lado a
balança pesa mais. A construção da identidade de Roma também se deve à integração dos
povos estrangeiros, pois reconheceu a validade dos novos elementos e concebeu culturas

100
“Simultaneamente, podemoschamar de tolerância a posição ativa que os romanos também adotavam, já
no período da República, e da qual Cícero será um dos principais expoentes, de conscientemente
assimilarem elementos culturaisque consideravam benéficos para si mesmos, porque reconheciamcomo
superiores, desenvolvidos. Por vezes era um ato de afirmaçãoda própria grandeza: como se sentiam
superiores, ao reconheceremalgum povo com conhecimentos e habilidades mais avançadas, nãopodiam
ficar para trás. Deveriam logo aprender com eles, para logo ossuperarem, provando-se como destinados a
serem os maiores.” (SANTOS, Igor Moraes. A humanitas de Cícero: ensaio sobre cultura, formação
humana e tolerância na República romana.)
35

diversas em sua formação. Ainda que Catão, em um período de grande influência


helênica, esforçou-se para impedir que a memória romana e italiana não fosse
completamente helenizada, Roma inevitavelmente foi influenciada, mas nunca esqueceu
a tradição de seus Paters. Preservar os povos significa também agir como Roma, a
superioridade também está em aceitar saberes novos e úteis para a civitas. A integração
de estrangeiros não deveria representar uma ameaça se a cultura local está bem
estabelecida, se um povo detém um conhecimento ainda não assimilado pelos receptores,
sejamos conscientes de nossas limitações para adotar uma humanidade ciceroniana, em
que nos tornaremos cidadãos em busca do aperfeiçoamento pessoal, e de melhorias para
a comunidade em que estamos inseridos. Cícero transforma a filosofia em uma
atividade101, uma prática de ordenamento pessoal, para que haja um bom convívio entre
os homens, sejam eles romanos, estrangeiros ou escravos. Se Sócrates se considerava um
cidadão do mundo102, o homem dedicado à prática da Humanitas também habita o mundo
e deseja refiná-lo, sendo o civil ideal para qualquer nação, que respeita contratos e julga
as emoções com razão.

De acordo com Isadora Bernardo: “O sábio para Cícero é o que ensina as virtudes
como justiça, confiança, equidade, pudor, continência, honra, honestidade, fortitude,
religião e direito das gentes por meio das disciplinas. Algumas destas virtudes serão
confirmadas pelos costumes e outras sancionadas pelas leis. Assim, o concidadão sábio é
aquele que defende os interesses públicos, é um homem sábio e político. É dever do
concidadão sábio e político engrandecer as obras do gênero humano por meio de seu
discernimento e trabalho; e isso ocorre por estímulo da própria natureza, uma vez que
essa é uma razão ordenadora.”103 Preserva-se os povos quando se engrandece as obras do
gênero humano, assim como Roma não destruiu as obras dos povos conquistados, mas
concedeu seus costumes, o direito e a cidadania. Todos queriam se tornar cidadãos
romanos, um desejo que ainda se idealiza aos dias atuais, mas não é possível sem reviver
a humanidade proposta pelos antigos em nossas atitudes sociais e políticas. Se a
Humanitas prática se expressa em leis, podemos pensar num Direito Internacional
Romano. Em que, para seu universalismo, basta agir de acordo com seu direito. Se o
espírito romano realmente se faz eterno e ultrapassou suas fronteiras, habitamos a Cidade
Eterna em espírito. Assim como Sócrates, também seremos cidadãos do mundo.

101
BERNARDO, Isadora Previde. O De Re Publica, de Cícero: natureza, política e história. 2012. p.17
102
CICERO, Marcus Tullius. Tusculanae Disputationes . V
103
BERNARDO, 2012. p. 36
36

3. DIREITO INTERNACIONAL ROMANO: UMA ALTERNATIVA PARA


OS PROCESSOS IMIGRATÓRIOS

Voltando para a história de Roma, sabemos que a sociedade romana era marcada
por desigualdades e xenofobia.. Todavia, paradoxalmente, era surpreendentemente aberta
levando em conta os padrões atuais. Em 48 d.C., ocorreu uma discussão no Senado
romano sobre a admissão de membros da aristocracia gaulesa no corpo venerável.
Segundo o senador e historiador romano Tácito, houve oposição à mudança; alguns
senadores diziam que a Itália era perfeitamente capaz de fornecer seus próprios membros,
e que bastava que os italianos do norte fossem admitidos sem ter que recorrer a
estrangeiros que haviam sido, até recentemente, seus inimigos na guerra. Mas, como
Tácito relata, o então imperador Cláudio defendeu a mudança:

“Meus ancestrais encorajam-me a governar pela mesma política de


transferir para esta cidade todo mérito conspícuo, onde quer que seja
o caso. E, de fato, sei, como fatos, que os Julianos vieram de Alba, os
Coruncanii de Camério, os Pórcios de Túscula, e para não investigar
muito minuciosamente o passado, que novos membros foram trazidos
para o Senado da Etrúria e Lucania e do toda a Itália, que a própria
Itália foi finalmente estendida até os Alpes, a fim de que não apenas
indivíduos, mas países e tribos inteiras pudessem se unir sob nosso
nome.
Tínhamos uma paz inabalável em casa; prosperamos em todas as
nossas relações exteriores, nos dias em que a Itália além do Pó foi
admitida para compartilhar nossa cidadania.Lamentamos que o Balbi
tenha vindo da Espanha para nós, e outros homens não menos ilustres
da Gália de Narbona? Seus descendentes ainda estão entre nós e não
se rendem a nós em patriotismo. Tudo, senadores, que agora
consideramos ser da mais alta antiguidade, já foi novidade.”104

Na época dos eventos descritos acima, a cidadania romana havia se estendido a


grande parte da população mediterrânea e podia ser adquirida por pessoas em qualquer
parte do Império, geralmente servindo no exército ou no governo regional. Os mesmos
direitos legais nominais foram concedidos aos habitantes do Egito e da Grã-Bretanha que
eram desfrutados pelos cidadãos da cidade de Roma. Sob o espírito e a letra da lei romana,
a cidadania se tornou uma questão de unidade política. Sejam estrangeiros ou cidadãos,
as fontes literárias e jurídicas, por outro lado, permitem identificar muitas formas de
mobilidade, nas cidades, entre províncias, ou mesmo pelas fronteiras do Império. A
impressão no registro sobrevivente é de um pragmatismo predominante quando se tratava

104
TACITUS, Anais. XI, 24.
37

dessas concessões, o Império deve ser estudado como lugar de forte “cosmopolitização”,
na medida em que se impôs uma concepção cumulativa de identidade, a cidadania romana
era a mais visível e a única puramente jurídica, de modo que as diferenças se tornaram
cada vez mais invisíveis ao longo das gerações. A hegemonia e a influência romana se
estendiam para além das "fronteiras" militares ou administrativas, não apenas pelas zonas
de influência, nos limites das províncias, mas porque consideravam os Estados “clientes”
ou aliados como pertencentes à sua esfera de direito. Falar do Rio Danúbio, ou do Rio
Reno, como mais uma das fronteiras naturais é desconsiderar que foram relevantes rotas
de transporte e comunicação, sendo esse o significado predominante de limes (limites).

Não havia uma distinção entre boa e má migração, embora os imperadores


favorecessem ocasionalmente uma certa imigração (como exemplo, médicos e outras
profissões para o Império), como ocasionalmente expulsavam categorias da população
consideradas indesejáveis. Podemos citar a legislação destinada a prevenir a chegada de
ciganos, que se excedeu entre os bárbaros por Constantino105, entretanto, já estamos em
um período Romano com rejeição e censura aos costumes “pagãos”, com surgimento até
de leis antissemitas num contexto imperial cristão. Em contraste com o imperador Juliano,
que propôs o ressurgimento do Mos Maiorum, a instituição de uma liberdade religiosa,
convidando os judeus de volta para Roma. Os antigos tinham consciência da precariedade
do migrante nas estradas e nos mares, mas também nos locais de diligências ou de
acolhimento onde os seus bens ou sua pessoa poderia ser apreendida, tanto em tempo de
guerra quanto em tempo de paz o risco existiria.106 As medidas protetivas encontradas na
Grécia, o asilo em particular, também existiam em Roma: convenções de amizade ou
hospitalidade pública ou mesmo o reconhecimento de um direito de um povo, tornavam
possível tecer laços jurídicos de reciprocidade entre os povos, formando uma espécie de
"direito comercial internacional" destinada a proteger os migrantes.

Pensemos no serviço militar obrigatório para os não cidadãos do império, que


levou milhares de soldados a viver em territórios remotos durante muitos anos, e mesmo
a aí se instalarem por vezes de forma permanente. Como também os requerentes de asilo
fugindo da escassez, da guerra e da pressão de outros povos: Em 167 durante a primeira
guerra contra os marcomanos, outros povos fugindo dos nômades brandindo a ameaça de
guerra se não fossem bem-vindos foram recebidos por Marco Aurélio. Em 180, por sua

105
JUSTINIANO. Digesto de Justiniano, liber primus: introdução ao direito romano. Tradução de Hélcio
Maciel França Madeira. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro Universitário FIEO-UNIFIEO,
2002.
106
BRAVO, 1998.
38

vez, 12.000 dácios pediram asilo; o governador Júlio lhes deu terras. Há de se citar
também os 300.000 sármatas, expulsos de seu país, "homens e mulheres de todas as
idades", que Constantino instalou em 334 em Trácia, Cítia, Macedônia e Itália, ou os
godos cristianizados que seus companheiros pagãos expulsaram e que Constâncio II
concordou em receber em 348; ou mesmo aqueles godos tervíngeos que fugiram dos
hunos e que o imperador Valente aceitou acolher em 376. 107 Não diremos que havia uma
doutrina romana de mobilidade.

O Direito Romano tem frequentemente respondido aos problemas caso a caso, o


que dá a impressão de uma acumulação fortuita de medidas. No entanto, podemos
identificar dados regulares, criando os paradoxos da imigração: um território imperial era
fluido, mas acompanhado de inúmeras regras destinadas a enquadrar certas categorias de
população, segundo lógicas de pagamento de tributo, proteção ou abastecimento do
império, ou até mesmo prevenir contra a agressão. Sempre houve uma tensão xenofóbica,
visível nos estereótipos relativos aos bárbaros e, ao mesmo tempo, uma integração
contínua deles até a antiguidade tardia. Cícero reconhece as vicissitudes de Roma, mas
não esquece de sua grandeza: as campanhas militares proporcionaram muitos encontros
culturais, possibilitando o intercâmbio e reconhecimento do potencial de outras culturas,
adicionando soluções ao repertório jurídico e político romano, mas o populus Romanus
prevalecia. Se os gregos se limitaram ao seu mundo, os romanos aproveitaram o mundo
além de suas fronteiras.

Os limites de Roma eram sagrados, tudo o que entrasse, ainda que estrangeiro,
deveria ser polido aos moldes da excelência, a unidade da razão humana. Através dessa
unidade, o romano buscava uma universalidade que caminha para a perfeição108, unidade
que se perdeu ainda em sua história tardia – com a censura Agostiniana ao conhecimento
e valores “pagãos”. Os romanos não criaram um Direito Internacional, se minha tese
precisa ser útil para como manda o pragmatismo, é necessário trazê-la para a atualidade:
a possibilidade de criação de um Direito Internacional Romano. Estamos menos
xenofóbicos, porém mais restritivos. Desunidos, porque não nos sentimos parte de uma
unidade. Tal unidade que é mantida pelo Direito, como preceituava Cícero: “a lei
verdadeira é a reta razão, conforme à natureza, – difusa entre todos, constante, eterna –
que chama ao dever ordenando e afasta do mal vetando. (...) Na verdade, não podemos

107
Ibidem.
108
RADFORD. Cicero: A study in the origins of republican philosophy. p.2. Cf De Finibus, II, 20, IV,
25-26; De Legibus, 1, 36, De Finibus, IM, 62, De Officiis, 1, 12-13; De Finibus, UI, 62, IV, 5; De Offciis,
1, 73
39

ser isentos da obediência a essa lei nem pelo senado nem pelo povo, nem devemos
procurar outro comentador ou intérprete dela; nem haverá uma lei em Roma, outra em
Atenas, outra aqui, outra depois, mas em todas as gentes e em todos os tempos uma lei
eterna e imutável.” Se um único Direito mantém a sociedade humana unida, temos a
existência de uma comunidade humana universal. O ius gentium já refletia a noção de um
interesse humano em comum, apesar da fundamentação teológica das inclinações naturais
humanas, o universalismo não é imutável e permite uma contínua adequação das leis.109

O ius fetiale também impulsionou o Direito Internacional contemporâneo, através


das expressões jurídicas com outros povos, novamente, trazendo a professora Dal Ri: “A
importância da atividade externa romana regida pelo ius fetiale durante o período régio
(753-509 a.C.) e aquele republicano (509-27 a.C.) ganha particular importância com a
expansão romana dentro da comunidade latina e posteriormente itálica, sendo sempre
ponto de referência normativo na formação do imperium dos romanos.”110

“A visão romana de comunhão cultural com os povos latinos reflete


uma possibilidade de concepção da cidadania que, embora se
aproxime do atual modelo do ‘estatuto de igualdade’, baseado na
reciprocidade, ou da flexibilização da concessão da cidadania aos
originários de países de língua portuguesa, abre espaço para algo
ainda diferente, concebido mais em uma visão humanística do que
nacional”111

Nesse sentido, a posição adotada é que o ius gentium e o ius fetiale constituem um
direito internacional primitivo e seus elementos desenvolveram a base para o
contemporâneo. Não estamos falando de um direito morto 112, alguns autores,
influenciados por Savigny, consideram que o Direito Romano ainda está vigente na
atualidade, uma das razões estaria entre as bases do direito brasileiro ser romana, um
direito vigente que traz a possibilidade de seu uso para as questões imigratórias,
baseando-se na unidade entre o gênero humano. A proposta de um Direito Internacional
Romano é continuar os frutos de Roma. Chamá-la de “senhora do Mundo” é reconhecer
que Roma hoje está além de seus limites historicamente geográficos, ocupando um
pedaço, ainda que mínimo, do imaginário de cada homem.

109
LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de direito romano. Brasília: Senado Federal, 2006. Cf
S. SCHIPANI, Armonizzazione e unificazione del diritto comune in materia di obbligazioni e contratti in
America Latina, cit., pp. 37-38
110
DAL RI, 2010.
111
DAL RI, Luciene; DAL RI JR, v. 18, n. 2, p. 312, 2013.
112
ORESTANO, R. Introduzione allo studio storico del diritto romano. Torino: Giappichelli, 1963. p.
514-
40

3.1. O estrangeiro no século XXI

“Sou um estrangeiro para a polícia, para Deus, para mim mesmo.”

(Emil Cioran)113

O mundo não está apenas se adaptando aos imigrantes e refugiados, mas também
lida com novos conflitos, crises políticas, economônicas e de saúde, como a pandemia da
COVID-19. A junção desses desafios globais traz também o grande obstáculo da
imigração irregular ou ilegal. Milhões de pessoas com baixíssimas chances de migrar
legalmente para outros países, arriscam suas vidas para se estabelecerem em regiões mais
desenvolvidas. Uma das principais razões subjacentes à migração irregular é que a
procura de migrantes nos países de acolhimento de imigrantes é muito inferior à oferta de
potenciais migrantes que desejam se estabelecer no estrangeiro.114 Muitas vezes,
estreitamente ligados à migração irregular estão o contrabando e o tráfico de seres
humanos. Devido às demandas por mão de obra barata e compatível na exploração sexual,
grupos criminosos estão cada vez mais envolvidos, em praticamente todas as regiões do
mundo.115 Um número crescente de homens, mulheres e crianças está sendo vítima de
engano e maus-tratos, como servidão por dívida, tortura, confinamento ilegal, abuso
sexual e estupro, além de ameaças e violência contra eles, suas famílias e amigos. Nos
últimos anos, os fluxos de migração internacional, especialmente ilegal, desafiaram as
capacidades das autoridades governamentais e organizações intergovernamentais, bem
como as atitudes do público em relação aos imigrantes.

Os governos de praticamente todas as regiões adotaram políticas para limitar a


migração internacional, a fim de restringir os níveis e a composição, reduzindo os fluxos
de refugiados e rejeitando os requerentes de asilo, repatriando os residentes ilegais e
redefinindo ou negando a cidadania a certos grupos. No nível intergovernamental, dois
pactos globais, um referente à migração internacional e outro sobre refugiados, foram

113
CIORAN, E. 2015
114
Cadernos de Debates: Refúgio, Migrações e Cidadania, v.10, n.10 (2015). Brasília: Instituto Migrações
e Direitos Humanos. Disponível em: (https://www.acnur.org/portugues/wp-
content/uploads/2018/02/Caderno-de-Debates-10_Refúgio-Migrações-e-Cidadania.pdf) Acesso em: 22
dez. 2022
115
Brasil. Secretaria Nacional de Justiça. Tráfico de pessoas : uma abordagem para os direitos humanos /
Secretaria Nacional de Justiça, Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação; organização
de Fernanda Alves dos Anjos...[et al.]. – 1.ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em:
(https://www.justica.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-
08/cartilha_traficodepessoas_uma_abordadem_direitos_humanos.pdf) Acesso em: 22 dez. 2022
41

endossados pela grande maioria dos Estados membros da ONU em dezembro de 2018, o
Pacto Global para Migração116 Até o final de 2019, os instrumentos destinados a proteger
os refugiados ou a combater o contrabando de migrantes e o tráfico de pessoas foram
ratificados por mais de três quartos de todos os Estados membros da ONU. Níveis
razoáveis futuros de imigração legal serão insuficientes para absorver até mesmo uma
fração daqueles que desejam emigrar. Consequentemente, a migração irregular
provavelmente aumentará no futuro, refugiados sírios na Europa e refugiados centro-
americanos na fronteira com os Estados Unidos são fortes lembretes de que as pessoas
farão jornadas árduas e perigosas na esperança de uma vida melhor. Com os avanços da
tecnologia moderna, a natureza do trabalho continua a evoluir, com alguns empregos
perdidos e outros criados, como ficou bem evidenciado no passado recente. Espera-se que
a automação, a robótica e a inteligência artificial façam uma mudança tão significativa
quanto a mecanização na manufatura e na agricultura. Alguns observaram preocupações
sobre um possível futuro distópico, caracterizado pela perda maciça de empregos devido
à automação, robótica e inteligência artificial, e delinearam padrões éticos para orientar o
futuro do trabalho. Enquanto outros consideraram a questão de robôs humanóides ou
andróides como solução para populações em declínio e envelhecimento, principalmente
para os países que desejam evitar a imigração para lidar com a redução da força de
trabalho e a crise previdenciária.

Embora a adoção da tecnologia possa causar deslocamento de mão-de-obra a


curto prazo, a história mostra que, a longo prazo, ela cria novas oportunidades de emprego
e desencadeia a demanda por empregos existentes. Embora possa haver trabalho
suficiente para o futuro próximo, espera-se que as mudanças nas ocupações sejam
desafiadoras, exigindo o aprendizado de novas habilidades para o mercado. Mesmo com
funções automatizadas, o emprego nessas ocupações pode não diminuir porque os
trabalhadores podem realizar novas tarefas. Atividades de trabalho como prestação de
serviços médicos e de saúde, cuidado de crianças e idosos e serviços pessoais, têm menos
probabilidade de serem perdidas para a automação pela dificuldade em automatizá-los. A
pandemia do coronavírus destacou as contribuições vitais realizadas pelos trabalhadores
da saúde, como também de serviços migrantes. Nota-se que a força de trabalho da qual
muitas das maiores economias dependem é, em grande parte, composta por trabalhadores
de serviços. Esses trabalhadores incluem migrantes internacionais, em empregos de baixa
remuneração e extenuantes que a maioria dos nativos reluta em realizar.

116
Disponível em: (https://news.un.org/pt/story/2018/12/1650601) Acesso em: 21 dez. 2022.
42

3.2. Burocracia ou despreparo nos processos jurídicos imigratórios?

Prosseguindo com o tópico sobre o migrante em situação irregular. Como as


agências humanitárias, os migrantes são examinados em suas atitudes e reivindicações
em relação às políticas estatais ocidentais sobre migração internacional. Como vimos na
introdução, a Europa admitiu mais de 30 milhões de trabalhadores estrangeiros
temporários entre as décadas de 1950 e 1970. 180 Nesta era de reconstrução do pós-
guerra, os programas de imigração temporária foram incentivados, porque responderam
bem às necessidades setoriais tanto da Europa e economia americana. Os migrantes eram
considerados mão-de-obra importada cuja importação poderia parar a qualquer momento,
dependendo das necessidades de produção. Portanto, a classificação mais relevante do
momento no campo da migração foi aquela que dividiu os migrantes em temporários e
permanentes. Se na Europa a migração respondeu a uma necessidade de curto prazo, a
migração americana respondeu a uma necessidade de longo prazos, explicando o grande
número de migrantes temporários e o número limitado de migrantes permanentes na
Europa naquela época.

A esta categorização feita de acordo com a legalidade de residência em país


estrangeiro, acrescenta-se uma categorização de acordo com a vulnerabilidade das
pessoas em movimento. É desta lógica que deriva a categoria de pessoas protegidas por
motivos políticos, os refugiados. Em plena efervescência nacionalista no continente
africano, o mandato do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados) consistia em identificar as pessoas com necessidade de proteção ao abrigo
da Convenção de 1951117. A distinção que existia a este nível fazia-se de acordo com a
linha de fronteira: se a pessoa que fugiu do conflito ainda estava nas fronteiras de seu
país, torna-se uma pessoa deslocada internamente (IDP). Pelo contrário, se ela estava fora
das fronteiras de seu país no momento da intervenção da ONU, ela era considerada
refugiada e o país de asilo tinha a responsabilidade de oferecer proteção à pessoa em
questão. Assim, além dos migrantes temporários e um número menor de migrantes
permanentes, a Europa recebeu refugiados de origem africana e do Leste Europeu.
Trantando-se de migração temporária ou permanente, já não é discutível que as políticas
migratórias dos países ocidentais sempre responderam a uma necessidade econômica.

117
Disponível em:
(https://www.acnur.org/portugues/convencao-de
1951/#:~:text=A%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas,ap%
C3%B3s%20a%20Segunda%20Guerra%20Mundial) Acesso em: 20 dez. 2022.
43

Além disso, é claro que os migrantes são pressionados a deixar seu país por razões
econômicas, como falta de emprego ou remuneração inadequada. A migração é, portanto,
econômica por natureza. As categorias de migrantes evoluíram, pois, devem corresponder
às políticas de emprego dos países europeus. No início do século XX, a migração
econômica temporária e a migração econômica permanente constituíam dois conceitos
distintos e, no final mesmo século, surgiram novas divisões.

Seguindo a lógica de De Genova 118, a tese se centra na divisão que opõe a


migração econômica legal à migração econômica em situação irregular. Sassen segue o
mesmo raciocínio quando argumenta que as migrações não são processos autônomos que
ocorrem no vácuo, mas, ao contrário, são produzidas. A migração, seja irregular/ilegal ou
legal, não é autogerada, mas produzida e estruturada. O objetivo dos programas de
trabalhadores migrantes na Europa serviu para simplesmente responder às necessidades
de curto prazo das sociedades europeias, a presença da força de trabalho era temporária.
Conforme apresentado na introdução do capítulo, o recrutamento parou completamente
durante os choques do petróleo da década de 1970, forçando os migrantes temporários a
deixarem os países ocidentais. Da noite para o dia, muitos ficaram desempregados e
perderam sua residência legal, além disso, todos os membros de suas famílias que vieram
antes da crise passaram a residir ilegalmente. Dessa forma, podemos ver até que ponto as
políticas migratórias são relativas e em contínua transformação de acordo com as
necessidades econômicas e do mercado de trabalho. A reestruturação do mercado único
europeu iniciada com a queda do comunismo apenas reforçou essa pressão restritiva sobre
o mercado de trabalho temporário.

A "luta" contra a chamada migração "ilegal" se tornou a palavra de ordem tanto


em Bruxelas quanto nos países membros. O fenômeno da migração irregular surgiu e se
desenvolveu rapidamente durante os choques do petróleo. Diante de um fenômeno tão
novo, os países membros dedicaram tempo para desenvolver uma visão política e
conceitos adequados para gerenciá-lo. As leis que regulavam o trabalho e a imigração
eram pouco desenvolvidas na época, inexistentes mesmo em países tradicionais de
emigração, como Itália ou Espanha. Assim, foi apenas na década de 1990 que os conceitos
de migrante "indocumentado", "ilegal", "irregular" e "clandestino" apareceram no
vocabulário do campo da migração. O conceito de migração irregular é um novo conceito
no vocabulário político e humanitário. Mas a sua curta existência não coincide com a
existência de migrantes irregulares enquanto tais. Na ausência de um quadro legal que

118
DE GENOVA, Nicholas P. vol. 31, 2002, pp. 419–47. Disponível em:
(http://www.jstor.org/stable/4132887)
44

defina as categorias dicotômicas de migração legal e ilegal/irregular, era impossível


categorizar os migrantes de acordo com as duas categorias como é feito hoje. Os
migrantes irregulares eram antes chamados de “estrangeiros indesejados”, ou então
“indesejáveis” e “estrangeiros nocivos”. A denominação que mais se aproxima do
conceito atual é a dada por Heek aos migrantes chineses na Holanda nos anos de 1936:
“entradas clandestinas”. Pelo contrário, existe porque é construído pelo discurso político,
social e jurídico. Assim, consideramos que o conceito de migração irregular se
desenvolveu paralelamente às mudanças políticas nos países europeus no final da década
de 1970. A nível político das instituições da UE, a migração irregular tornou-se objeto de
discussão em 1985 com a adoção de Schengen, reafirmada em Tampere e posteriormente
em Amesterdão. Mas a sua utilização tanto a nível europeu como nacional tornou-se
desenfreada após a queda do Muro de Berlim.

A nível internacional, em 1995, a OIM (Organização Internacional para as


Migrações) continuava a confundir refugiados com migrantes no seu relatório. O
migrante irregular não se refere a uma situação de vida totalmente distinta da de outros
migrantes. Os migrantes irregulares estão entre nós, têm uma vida que não é atípica e
trabalham em todos os setores da economia. O conceito de irregularidade refere-se apenas
a certos aspectos da vida do migrante. Hoje, a ONU considera a migração irregular como
uma das formas de migração em maior expansão. De fato, vemos uma negociação
constante entre as condições políticas e apolíticas dos migrantes irregulares. Nessas
condições, a hipótese de partida abre-se para os lugares de negociações e resistências
permanentes realizadas entre dois tipos opostos de subjetivação, ou melhor, entre
subjugação e subjetivação.

Consideramos que o discurso humanitário oscila entre a exclusão e a integração


dos sujeitos em questão. No terreno, encontramos discursos que transmitem conceitos
apolíticos como “vítima” ou “protegido”, bem como aqueles que fazem campanha pela
regularização legal e pleno reconhecimento dos direitos políticos e sociais dos migrantes
irregulares. E mais ainda, a hipótese de partida abre para as consequências da politização
da militância: o acesso a direitos políticos para os migrantes irregulares e a ampliação dos
padrões legais de proteção da pessoa humana. Uma análise do discurso humanitário em
relação ao migrante irregular leva-nos, assim, a sondar o terreno da tensão existente entre
politização e despolitização, ou seja, entre inclusão e exclusão política de certas
categorias de pessoas nas nossas comunidades políticas. Também nos conduz à esfera do
direito ao abrir o debate sobre o abuso do poder soberano, em particular a detenção e o
repatriamento forçado de migrantes irregulares em países em crise política e econômica
45

3.3. Nova Ius Gentium: O espírito romano universal e a Nova Roma

“Somos hoje um povo só, a Nova Roma. Unido pela língua, pela cultura e pela
destinação [...] Somos nós que representaremos a tradição romana no concerto dos
próximos séculos e milênios.”

(Darcy Ribeiro)119

Nos capítulos anteriores, vimos que as crises imigratórias, a situação de quem


imigra e os problemas decorrentes desse deslocamento insistem no panorama mundial,
chamando a atenção não apenas das autoridades, mas também da população e dos
estudiosos acadêmicos. A união entre o Direito Internacional e o Direito Romano não é
recente, desde 1980120, discute-se sobre latinidade, migração e a unidade entre Brasília e
Roma. As discussões sobre latinidade continuam até hoje – não se definiu exatamente o
que é e quem é latino –, justamente por não ser uma classificação racial, pois a região do
Lácio possuía uma diversidade étnica, não limitando o ius Latii121 à região itálica: o
direito latino foi estendido a colônias romanas na Espanha e para a Gália Cisalpina, onde
atualmente se encontra o norte da Itália. Em 1823, surpreendentemente, já se pensava no
Brasil como a Nova Roma, relembrando o discurso de Visconde de Cairú que se referia
ao Rio de Janeiro por Roma Americana122, como também Antonio Vieira que discursava
sobre o sangue romano dos ibéricos que ocuparam as Américas. 123

A ideia da junção Roma-Brasília fomentou a organização de Seminários sobre o


tema, em que se abordou “o nexo entre a independência da América Latina e os valores
da tradição romana” em 1982, iniciando-se os trabalhos em 1984 e, a partir de 1986, a
fixação da data de agosto para a realização dos encontros. Em 1984, o Seminário trouxe

119
D. RIBEIRO, Messaggio in occasione della assegnazione del Premio Roma-Brasilia, em Roma e
America, 1997, III, pp. 337 e ss.
120
CATALANO, Pierangelo, “Princípios jurídicos e esperança de uma futura ‘autoridade pública
universal”, na Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 41, nº. 162, abr./jun., 2004, p. 333.
121
Em latim: direito dos latinos.
122
“Importa pois, que os que devem influir nas classes menos instruídas venham fazer estudos e firmar o
espírito do nosso systema na Roma Americana No discurso de 27 de agosto de 1823 na Assembléia Geral
Constituinte e Legislativa doImpério do Brasil, concernente à instituição de cursos jurídicos, o futuro”;
tratava-se da instituição dos cursos jurídicos.”
123
“Os Portugueses e todos os Espanhóis se podem e devem entender debaixo do nome de Romanos, no
sentido desta profecia, porque Espanha e Portugal foram colónias dos Romanos, e parte não só do Império,
senão do Povo Romano, e verdadeiros cidadãos romanos; ao que não obstava serem de diferente nação,
como se vê em São Paulo, que sendo hebreu, apelou para o César alegando que era cidadão romano e que
só no Tribunal de César podia ser julgado. Além de que muitos Portugueses eram filhos e netos de Romanos
como muitos Romanos de Portugueses, pela união e comércio destas duas nações, assim em Portugal, onde
viviam os presídios romanos, como nas guerras dos mesmos Romanos, onde os Portugueses iam servir e
merecer debaixo de suas bandeiras.”
46

três elementos que confirmam a existência dos laços que unem Roma e Brasília: as
migrações dos homens, a continuidade do direito e concepção da urbs e da civitas que
foram rediscutidos no Seminário de 1986. No Direito Brasileiro, encontramos discussões
sobre o universalismo do “Direito Romano atual”, as legislações dos povos latino-
americanos e uma visão unitária do Direito Romano124, desde sua formação até o Direito
Ibero-Americano. Em 1987, Darcy Ribeiro, antropólogo e sociólogo nacionalmente
aclamado, escreve125 que a lusitanidade, acompanhada do sangue índio e negro, construiu
nas Américas uma latinidade única que somou os talentos de várias raças. Nossa matriz
romana nos leva a sentir que somos parte de um corporis magni, destinados a continuar
o legado que se perdeu na cisão do Império e o desprezo aos costumes ancestrais. Podendo
ser atribuído antes de Constantino, Justiniano e Teodósio, pelos excessos de Nero que
romperam com o costume ancestral de respeitar o local de cultos dos povos estrangeiros.
O histórico de rebeliões judaicas que conflituaram com o imperador Vespasiano
se traduz na complexidade em aplicar a universalidade, principalmente a um povo de
religião étnica, com forte natureza identitária e fechada. Não se expressava um princípio
de tradutibilidade que advogasse com a integração do Império, sem abertura a um
sincretismo ou revolução cultural. Apesar do Império ser uma estrutura universal, nem
todos estavam dispostos a participar dessa estrutura. Se Roma encontrou dificuldades com
o universalismo, no tocante ao reconhecimento de autoridade, mesmo buscando abarcar
outros povos – ao reconhecer suas singularidades, incluindo os cultos dos deuses
estrangeiros – seria arrogância supor que não encontraríamos obstáculos hoje. É um
trabalho de tolerância ciceroniana, até mesmo com aqueles não se sentem inclusos numa
comunidade “gentia”, pelas contínuas opressões que acompanham o povo judeu,
adotando o isolamento como uma medida de preservação. Reconhecer o limite que traz
as particularidades de um povo é não forçar uma integração que corrompa suas
subjetividades, a universalidade também consiste em respeitar essas escolhas. Passando
para as questões jurídicas, verifica-se que a herança romana se estendeu à matéria
obrigacional pelo bona fides (boa-fé) e favor debitoris126 que são amplamente usados. O
que nos impediria de aplicar os princípios romanos para o Direito atual contemporâneo?
A criação de uma Ius Universalis ou melhor, Humanitatis, em que a concessão atenderia

124
LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de direito romano. Brasília: Senado Federal, 2006.
125
Siamo noi i neo-romani “Roma, incarnata in ‘lusitanità’, nelle Americhe si vestì di carne india e di carne
negra per costruire questa enorme latinità, formata oggi da quattrocento milioni di latino-americani e che
nell’anno duemila conterà seicento milioni. Si tratta di un blocco paragonabile solo a quello slavo, a quello
cinese, al neo-britannico. Direi che questo blocco è migliore degli altri, perché è formato da gente di più
razze, che sommano i talenti più profondi dell’umanità, oltre che i difetti” (Tradução minha).
126
SCHIPANI,Sandro.La codificazione. p. 185.
47

a um tratado entre Estados, simulando a diplomacia dos sacerdotes feciais. Um tratado


que exija do migrante a postura de um cidadão ativo na política, dedicado ao
aperfeiçoamento pessoal127 e de melhorias para a comunidade em que está inserido, que
preza pelo bom convívio entre os homens, defensor dos interesses públicos e que
engrandece as obras do gênero humano por meio de seu discernimento e trabalho: o civil
ideal para qualquer nação. Conferindo-o a proteção que todo ser humano em condição de
vulnerabilidade merece, a segurança da parte mais fraca não somente nos contratos, mas
em sua realidade migratória. Retomando Darcy Ribeiro:

“...Eu sou o que vem de volta. Saí de Roma há 2000 anos, nos ofícios
de soldado e de romanizador da Europa. Por 1500 anos acampei na
Ibéria, latinizando a gente bárbara de lá. Foi tarefa dura. Tanto fazê-
los entender e falar latim, com suas bocas estranhas que o deformaram
bastante, como, e sobretudo, mantê-los latinizados. Sucessivas
invasões lá foram ter, querendo ali assentar-se permanentemente.
Principalmente as árabes, que tomaram e mantiveram o poder por um
milênio, tido fazendo para desfazer nossa obra de latinização.
Resistimos.Vencemos.
Há 500 anos atravessei o mar grosso nas naus lusitanas e vim ter aqui
nas terras selvagens do Brasil. O desafio se repetiu, maior ainda.
Agora se tratava de latinizar os índios bravos da floresta, tantíssimos,
os negros, milhões deles que trouxemos da África, outros europeus e
gentes orientais de fala truncada, que tivemos também que
domesticar. (...) Nós o faremos simultaneamente com a tarefa maior
de nos modernizarmos, de dominarmos as mais avançadas ciências e
técnicas para realizar, em grandeza, nosso destino de futura
civilização latina, morena e tropical. Orgulhosa de ser a Nova Roma,
uma Roma melhor, porque lavada em sangue negro e sangue índio”. 128

O espírito romano universal não se resume em subestimar a natureza humana e


avançar para um mundo "sem fronteiras", as fronteiras para um romano eram sagradas,
ou seja, eliminar as organizações administrativas vigentes é perturbar a ordem que garante
o sentimento de autoconservação humano. Um político que reflete o princípio da bona
fides jamais adotaria medidas para comprometer seu próprio povo, espírito que idealiza
uma aliança entre os povos, na medida em que igualmente respeita suas decisões. A
universalidade não consiste em exaurir um país com um grande número de refugiados,
empurrando um problema de escala global para um único território e autoridade. O
acolhimento deve ser voluntário, aderindo ou não a um tratado, se uma nação não deseja

127
CÍCERO. Pro Caelio, 54.
128
Carta para o Prêmio “Roma-Brasília” em 17 de dezembro de 1996. (D. Ribeiro, “Saudações às
autoridades de Roma e a Pierangelo Catalano”, carta agora publicada em Roma e America. Diritto
Romano Comune. Rivista di diritto dell’integrazione e unificazione del diritto in Europa e in America
Latina, 3/1997, pp. 337 s.)
48

receber migrantes ou refugiados, devemos conscientizá-la de que, caso aceite oferecer


ajuda, será amplamente amparada e favorecida internacionalmente. São inúmeras
variáveis: quem está imigrando, quem está recebendo, se há um bom cenário econômico
para recepcionar, se houve uma preparação para acolher o recém-chegado. Ao propor um
nova categoria de obtenção de cidadania, não significa distribuir cidadania livremente,
mas trazer novos padrões éticos, ou melhor, padrões romanos antigos que ainda são
novidade para uma humanidade que desconhece a própria história. Reviver a Humanitas
em nossas atitudes sociais e políticas é traduzir corretamente esse espírito, estamos todos
inseridos na unidade do gênero e da razão humana, apesar das diferenças que formam as
multiplicidades, habitamos um mundo com potencial para aperfeiçoá-lo.

Se chegará o dia em que poderemos derrubar os limites que nos dividem,


certamente não será agora. A intenção do pragmatismo é não perder tempo com
especulações, por mais belas que sejam, como os helênicos perseguem a venustidade em
seus feitos. Embora Roma seja venusiana, a beleza romana está em tornar a vida prática
menos árdua e mais sábia. Como brasileiros, estamos distantes da Nova Roma idealizada
por Darcy, e aparentemente, distantes de uma união com Roma pela atual política italiana,
tomada pelo mito corruptor. O desafio que nos circunda não deve ser tomado como um
desmotivante, mas um impulsionador para nossa transformação. Se a Fortuna favorece os
audazes129, tenhamos a audácia de questionarmos nossos hábitos, valores e instituições
que nos afastam do espírito romano. O homem que se dedica ao aperfeiçoamento pessoal
e de sua comunidade habita a Cidade Eterna em espírito.

Finalizarei o capítulo com sobriedade, para que não haja acusações de um


fanatismo, pondero: Roma não foi perfeita, assim como é a imperfeição humana,
perpetuar Roma é propagar seus bons frutos e também corrigir seus vícios e falhas. Essa
é a conduta que devemos alcançar e que irradia perfeitamente a filosofia de Cícero, que
esse seja o real manifesto dessa tese.

“Nada se encontra mais longe de nós do que esta antiga civilização; é


exótica, extinguindo-se, e os objetos que encontramos nas escavações
são tão surpreendentes como aerólitos. O pouco que passou para nós
da herança de Roma está em nós em doses a que ponto diluídas, e pelo
preço de que novas interpretações! Entre os Romanos e nós, um
abismo foi cavado pelo cristianismo, pela filosofia alemã, pelas
revoluções tecnológicas, científicas e económicas, por tudo o que
constitui a nossa civilização. E é por isso que a história romana é
interessante: obriga-nos a sair de nós próprios e a explicitar as
diferenças que nos separam dela.”130

129
“Audentes fortuna juvat” – Alexandre, o Grande. (VERGILIUS, Eneida. X, 284. Eneida . 29–19 a.C.).
130
VEYNE, P.1989, p. 9
49

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao leitor, primeiramente, espero ter respondido a primeira pergunta da introdução:


um direito prestigiado por ser uma de nossas bases jurídicas decerto tem um valor
inestimável. Igualmente, ter provado que a sociedade romana não era totalmente imoral
e imperialista, após ter apresentado suas figuras mais notáveis, o conceito de Mos
Maiorum e a filosofia ciceroniana, para essa última, também espero ter criado um anseio
para sua alma: a aspiração em se tornar um humano que caminha para a perfeição e o
sumo bem. A definição do espírito romano universal continua enigmática, mas já somos
capazes de enxergar as raízes e conscientes da desconexão em que vivemos. Permanece
adormecido, mas muito mais pungente ao final dessa leitura. Testemunhamos paradoxos
históricos, não só romanos – humanos, sobre a xenofobia e, simultaneamente, o interesse
em conhecer e aproveitar o tesouro de outras culturas. A sede pelo conhecimento está
conosco desde os primeiros anos de vida, uma ânsia comum a todos os povos, já que o
amor pelo saber nos une. Em “Vita Procli”, Marinus menciona131 uma frase muito falada
por Proclus, filósofo neoplatonista, sobre o papel do filósofo não estar limitado a uma só
cidade ou um povo só, mas zelar pelo mundo todo.
Se o filósofo deve ser o hierofante do mundo inteiro, o conhecimento não deve ser
isolado, muito menos as suas expressões. Vivemos um desprezo aos Direitos Humanos,
o aumento da misantropia, a xenofobia, o racismo, o descaso e arrogância moderna com
as produções intelectuais da antiguidade. Infelizmente, também não cessará tão cedo, o
escárnio com as noções de tradição e os costumes, considerados conservadorismo
obsoleto ou um flerte com o fascismo, sem comentar a preservação dos povos, associada
à pureza racial ou étnica, quando seria a conservação identitária que preserva as diferenças
significativas da premissa existencial de um povo. Concluo que a propagação de uma
educação que visa uma cultura de benevolentia, hospitalitas, pietas e clementia
certamente produzirá frutos, a longo prazo, que impedirão aquilo que os feciais
pretendiam evitar em suas campanhas, o estado de guerra e conflito primitivo entre os
homens. Propor a criação de um Direito Internacional Romano, uma nova categoria de
cidadania e a retomada da Humanitas entre o imaginário comum é resgatar o príncipio da
Justiça que deveria nortear as discussões atuais. Se o Direito contemporâneo não está
atendendo às necessidades humanas, busquemos as respostas em nossas fontes primárias.

131
“It was a phrase he much used, and that was very familiar to him, that a philosopher should watch over
the salvation of not only a city, nor over the national customs of a few people, but that he should be the
hierophant of the whole world in common.” MARINUS, The Life of Proclus or Concerning Happiness
(1925) pp.15-55. Disponível em: (https://www.tertullian.org/fathers/marinus_01_life_of_proclus.ht)
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