Você está na página 1de 19

Análise dos Poderes Presidenciais em Portugal, Brasil e

Estados Unidos

Sophia Viana Guedes Vargas Novoa, nº 61696

Direito Comparado 2020/2021

Docentes: Professor Doutor Dário Moura Vicente e Professor Doutor Miguel da Câmara
Machado

2º ano, Turma B, Subturma 17

1
Declaração de originalidade e autoria do trabalho

Eu, Sophia Viana Guedes Vargas Novoa, declaro que este


trabalho foi feito exclusivamente por mim e que qualquer
opinião de outros autores está devidamente assinalada em
formato de citação. Declaro igualmente que cumpri com
todas as regras científicas de autoria.

2
1. Introdução

O presente trabalho está centrado no tema dos poderes presidenciais em Portugal,


Estados Unidos e Brasil. A figura do Presidente da República possui atualmente uma
grande relevância, uma vez que o Presidente é o representante do povo e fica encarregado
de dirigir e governar o país. Em tempos de pandemia, as decisões tomadas pelo
governante refletem diretamente no bem-estar da população.

Os poderes presidenciais são abordados de maneira diferente consoante o sistema


de governo do país. No Brasil e nos Estados Unidos, o Presidencialismo é a forma de
governo adotada nas suas respectivas Constituições da República agora vigentes. Neste
sistema, o Presidente é eleito democraticamente pelo povo e, consequentemente tem
poderes significativos e relevantes, como por exemplo a liderança do Estado e do
Governo. Dessa forma, o Governo e o Presidente não respondem politicamente perante o
Parlamento, tendo em vista que sua formação ou eleição não dependem deste. O equilíbrio
do Presidencialismo está no facto de o Parlamento, em razão de uma discordância política,
não poder demitir o Presidente e o Governo, ou vice-versa.

Diversamente, em Portugal vigora o Semipresidencialismo. Neste sistema, o


Presidente também é eleito por sufrágio universal, tendo poderes notáveis e podendo
exercê-los. Aqui o Governo é responsável politicamente perante o Parlamento e o
Presidente, uma vez que sua formação e existência depende dos mesmos. Uma das
vantagens desse sistema é o maior equilíbrio que ele promove, visto que há uma maior
desconcentração de poderes. Todavia, é importante referir que o nível de atividade e
influência do Presidente varia de acordo com o país.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é fazer um enquadramento geral dos


principais poderes dos Presidentes nos países acima referidos, e, posteriormente, verificar
e como estes poderes têm sido exercidos durante a pandemia, sistematizando a
importância da atuação do Presidente nesse período difícil, que possui grandes desafios a
serem enfrentados na área da saúde pública e da economia. Será também apreciado se
existe a possibilidade de os Presidentes serem responsabilizados politicamente consoante
a prática de determinados atos ilegais. Assim, passamos para a análise comparativa.

2. Poderes do Presidente de Portugal

3
O Presidente da República português, no exercício de suas competências, é
caracterizado como moderador, árbitro e garante da Constituição. Por ser eleito
directamente pelo povo, o Presidente tem poderes relevantes e efectivos, podendo exercê-
los ao abrigo de sua legitimidade democrática. Suas competências podem ser vinculadas,
condicionadas ou livres, mas neste trabalho iremos destacar aquelas cujo exercício possui
um impacto maior e mais importante no cenário político.

Dentre todos os poderes presidenciais, o poder de dissolução da Assembleia da


República, previsto no art. 133º/al. E da CRP, é o mais significativo, visto que pode ter
como consequência a alteração de toda a configuração política do país. De acordo com o
art. 172º/1, esta faculdade não pode ser exercida nos seis meses posteriores à eleição da
Assembleia ou no último semestre do mandato do Presidente (limites temporais) e durante
o estado de sítio ou do estado de emergência (limites circunstanciais), sob pena de o ato
jurídico ser inexistente. Todavia, não há limitações de natureza material, ou seja, o
Presidente pode demitir a Assembleia pelo motivo que lhe aprouver, ainda que o faça
contra a vontade do Governo ou do Parlamento. Ademais, o Presidente, se exercer esta
competência, deve marcar a data das novas eleições parlamentares (art. 133º/6),
adquirindo, portanto, a rédea do cronograma político.

De acordo com o professor Jorge Reis Novais¹, o poder de dissolução da


Assembleia da República seria a chave para o equilíbrio do semipresidencialismo
português. Isto porque ao mesmo tempo que a Assembleia pode demitir o Governo, o
Presidente pode dissolver a Assembleia. Entretanto, o ato do Presidente não fica sem
contrapeso, pois após o exercício deste poder o povo é chamado para eleger novamente o
Parlamento. Assim, se com o resultado das eleições a composição maioritária da
Assembleia for a mesma da anterior, então o Presidente ficará politicamente
enfraquecido, visto que sua atuação será vista como sendo desnecessária e como
causadora de instabilidade política. Todavia, se a maioria parlamentar for diferente da
anterior o status do Presidente será fortalecido, uma vez que o exercício de sua
competência terá sido prudente e conforme a vontade da população. Resulta-se daqui que
o povo é o árbitro desta situação.
________________
¹ NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas Políticas e dos Sistemas de Governo. AAFDL Editora, 2017,
pg. 271-280.

4
Outra competência que vale a pena destacar é o poder de demissão do Governo,
previsto no art. 133º/al. G da CRP. Ao contrário do que acontece com o poder de
dissolução da Assembleia, esta competência está fortemente limitada e condicionada
pelos pressupostos do art. 195º/2, tornando seu exercício extremamente difícil. Conforme
o referido artigo, o regular funcionamento das instituições democráticas deve estar
gravemente comprometido e a demissão do Governo deve constituir a única efetiva
possibilidade de solucionar esta crítica situação. Além disso, antes de exercer este poder,
o Presidente deve ouvir o Conselho de Estado. Entretanto, apesar de existirem muitos
limites, é o Presidente quem deverá ponderar se todos os pressupostos foram ou não
preenchidos.

O Presidente da República pode ainda, consoante o art. 178º/1 da CRP, pedir a


fiscalização da constitucionalidade dos diplomas submetidos a ele para ratificação, desde
que o faça nos oito dias seguintes à recepção do diploma (art. 178º/3). Se uma norma
constante do diploma for considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional,
então fica o Presidente obrigado a vetar o diploma e a devolvê-lo para o órgão que o
aprovou (art. 279º/1). De acordo com o art. 179º/2, o decreto só poderá ser promulgado
se a norma inconstitucional for expurgada ou se a Assembleia da República o confirmar
por maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à 116 Deputados.

Caso a última hipótese do número 2 do art. 179º se concretize, surgirá um conflito


entre o Tribunal Constitucional e a Assembleia da República sobre se há ou não
inconstitucionalidade. Aqui quem terá a última palavra será o Presidente, pois de acordo
com o art. 136º/5 ele poderá vetar ou promulgar o diploma. Se optar pelo veto estará a
amparar o parecer do Tribunal Constitucional, mas se decidir promulgar sustentará a
decisão da Assembleia. É importante referir que se o diploma for promulgado isto não
significa que a inconstitucionalidade foi sanada, podendo o mesmo ser objeto de
fiscalização sucessiva abstracta. Com esta competência, mais uma vez o papel do
Presidente de árbitro e de garante da Constituição entra em evidência.

A exposição feita não esgota o elenco dos poderes presidenciais. O Presidente tem
ainda funções como presidir o Conselho de Estado (art. 133º/al. A), nomear o Primeiro-
Ministro (art. 133º/al. F), exercer as funções de Comandante Supremo das Forças
Armadas (art. 134º/al. A), requerer a fiscalização sucessiva abstracta e por omissão (art.
134º/al. H), ratificar tratados internacionais (art. 135º/al. B), entre outras. Dessa forma,
feito este enquadramento geral, cabe acrescentar que os Presidentes portugueses, ao longo
5
da história, têm escolhido atuar verdadeiramente como garantes do texto constitucional
em vez de agirem ativamente no poder Executivo.

2.1. Quais competências o Presidente tem exercido durante o estado de


emergência?

A possibilidade de existência de um estado de emergência está expressamente


prevista no art. 19º da CRP, que estabelece em quais condições o cenário emergencial
pode ser declarado, sua a duração máxima e quais são os seus limites. De acordo com o
art. 134º/al. D, compete ao Presidente declarar o estado de emergência. Porém, antes de
exercer esta competência, deve ser realizada uma audição com o Governo e a Assembleia
da República deve aprovar tal declaração (art. 138º/1).

Dentre os limites determinados pelo art. 19º estão o dever de respeito dos direitos
previstos no nº 6 desse artigo, dever de respeito ao princípio da proporcionalidade;
necessidade de fundamentar a declaração e de nela especificar os direitos que foram
suspensos (nº5), etc. Todavia, uma das maiores limitações consiste na impossibilidade do
Presidente utilizar seu poder de dissolução da Assembleia durante a vigência de um estado
de emergência (art. 172º/1). Esta proibição existe devido a gravidade do cenário
emergencial. Tendo em conta que são restringidos direitos fundamentais, é necessário o
controle desta situação pela Assembleia, de forma a impedir também a centralização do
poder no Presidente e no Governo.

Em março de 2020, o Presidente da República declarou, através do Decreto n.º 2-


A/2020, o primeiro estado de emergência no objetivo de assegurar o controle da doença
Covid-19. Neste decreto, o Presidente suspendeu alguns dos direitos fundamentais
previstos pela Constituição, como o direito de propriedade, direito de deslocação, direito
de resistência, entre outros. Entretanto, a abrangência de cada suspenção varia em cada
direito. Após um tempo, o Presidente acabou por renovar várias vezes o estado de
emergência, promulgando decreto com conteúdo parecido com do Decreto n.º 2-A/2020.
Cabe ressaltar que nunca antes havia sido declarado em Portugal um estado de emergência
e, portanto, tanto o Presidente como o Governo não tinham experiência em como
enfrentar a situação emergencial.

6
2.2. O Presidente português pode ser responsabilizado criminalmente?

O Presidente pode ser responsabilizado criminalmente desde que preenchidos os


pressupostos do art. 130º da CRP. Esta responsabilização pode provir da prática de crimes
comuns, previstos no Código Penal, ou de crimes de responsabilidade, enumerados nos
artigos 7º e seguintes da Lei n.º 34/87 de 16 de julho. De acordo com o art. 130º, a
responsabilização ainda pode ocorrer por crimes praticados no exercício das funções
presidenciais (nº 1 e seguintes) e por crimes estranhos ao exercício de suas funções.

Quanto aos crimes praticados no exercício das funções presidenciais, consoante o


art. 130º/2 da CRP, é a Assembleia da República quem aprecia se uma determinada
conduta do Presidente preenche ou não os pressupostos necessários para se justificar uma
acusação de prática de crimes cometidos durante a realização das funções presidenciais.
Além disso, tal proposta de acusação deve ser feita por 1/5 dos Deputados em efetividade
de funções e aprovada por 2/3 dos Deputados. A existência destas limitações serve para
evitar que o Presidente seja continuamente acusado pela Assembleia devido à
discordâncias políticas.

Uma vez aprovada a acusação, o caso será julgado pelo Supremo Tribunal de
Justiça (art. 130º/1). De acordo com os professores Jorge Miranda e Rui Medeiros²,
durante este período o Presidente fica impedido temporariamente de exercer suas funções
como garante da Constituição, devendo ser substituído pelo Presidente interino (art.
132º/1). No julgamento, o Presidente, assim como qualquer outro cidadão, está protegido
pelas garantias do processo criminal previstas no art. 32º da CRP. Se o Supremo Tribunal
de Justiça absolver o Presidente, este retomará o exercício de suas funções. Porém, se for
condenado, será destituído do cargo e ficará impossibilitado de se reeleger, consoante o
art. 130º/3. É possível ainda estabelecer uma pena de prisão, mas quanto a esta o
Presidente só poderá cumprir após o Tribunal Constitucional verificar a perda do cargo
(art. 223º/2 al. B).

Quanto à crimes estranhos ao exercício de suas funções, o Presidente responde


após o fim do seu mandato e perante os tribunais comuns (art. 130º/4). A partir deste facto

______________

² MIRANDA, Jorge e MEDEIROS Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Vol. II. Pg. 366-367.

7
é possível afirmar que, durante seu mandato, o Presidente não pode ser preso em flagrante
ou preventivamente, de forma a preservar a dignidade de sua posição. O Presidente
também não pode promulgar, quanto aos crimes que é acusado, leis de anistia,
descriminalização ou de redução de penas. Aqui, o Presidente também será protegido por
todas as garantias que um cidadão comum obtém e caso seja condenado, não sofrerá
sanções políticas.

3. Poderes do Presidente dos Estados Unidos

O cargo de Presidente dos Estados Unidos é um dos mais poderosos e influentes


do mundo, uma vez que tem ao seu dispor significativos e efetivos poderes de governação
do país. Todavia, a Constituição norte-americana atribui poucos poderes específicos ao
Presidente. Grande parte das competências do Presidente não se limitam ao texto
constitucional e provém da jurisprudência, dos costumes, de leis ordinárias e dos poderes
inerentes.

O principal poder do Presidente é o de comando das Forças Armadas dos Estados


Unidos, previsto no artigo II, secção 2 da Constituição. Entretanto, este poder não é
explicitado e delimitado pela Constituição, sendo muitas vezes objeto de uma
interpretação expansiva (doutrinal ou jurisprudencial). Dessa forma, apesar de a
competência de declarar guerra pertencer ao Congresso (artigo I, secção 8), é o Presidente
quem planeja a estratégia militar e rege os militares, podendo ainda chamar para prestar
serviço federal a Guarda Nacional dos estados.

Ademais, consoante o artigo I, secção 7 da Constituição, cabe ao Presidente


aprovar ou vetar os projectos de lei aprovados pelo Congresso. Caso opte pelo veto, o
projecto apenas se transformará em lei se 2/3 dos membros de cada casa do Congresso o
confirmar. A maior parte das inciativas de projectos de lei é feita pelo poder Executivo,
podendo o Presidente abrir uma secção especial para deliberar aquelas propostas que o
Congresso ignorou.

No entanto, como já referido acima, parte das competências do Presidente provém


dos chamados poderes inerentes, os quais são retirados das declarações vagas ou de
conceitos indeterminados presentes na Constituição, estando implícitos nos poderes
expressos. Um exemplo clássico de poder inerente é o Privilégio Executivo, que consiste

8
na possibilidade de o Presidente e outros funcionários do poder Executivo, quando haja
uma legítima justificação, impedirem que certas informações cheguem ao conhecimento
do Congresso, dos tribunais e público. Este poder não está expressamente previsto na
Constituição, tendo seu fundamento na separação de poderes prevista no artigo II e sendo
interpretado como um limite da influência do Congresso no executivo.

Existem várias outras competências que o Presidente pode exercer, como a


nomeação dos chefes de todos os departamentos e órgãos executivos, nomeação de juízes
federais e embaixadores, negociação com governos estrangeiros, conclusão de tratados,
etc. Cabe ainda referir que no exercício de seus poderes o Presidente pode proferir ordens
executivas, as quais são diretrizes emitidas por estes no objetivo de instruir os
funcionários do governo e estabelecer as políticas que o Executivo irá seguir. Tais ordens
tem o valor de lei e servem para demonstrar, mais uma vez, a influência do Presidente no
cenário político.

3.1. Quais competências o Presidente tem exercido durante o estado de


emergência?

A Constituição dos Estados Unidos não estabelece um regime específico para o


estado de emergência, nem diz como e quando este pode ser declarado. Os poucos poderes
relacionados com este cenário são atribuídos ao Congresso. Porém, entende-se que é
possível retirar do texto constitucional poderes presidenciais de emergência inerentes,
através da interpretação extensiva de determinadas declarações vagas. Assim, devido a
falta de regulamentação constitucional, o Congresso aprovou, em 1976, a chamada Lei
Nacional de Emergências, a qual viria a definir as regras gerais do procedimento a ser
seguido durante um estado de emergência.

De acordo com essa lei, o Presidente tem competência para declarar o estado de
emergência (título II da lei de 1976), mas deve o fazer através de uma declaração formal
onde estejam especificados as justificações e os poderes que serão utilizados durante esta
situação emergencial (título III). No título IV dessa lei, vem especificado que a cada seis
meses o Presidente deve informar ao Congresso sobre todas as despesas realizadas com
o estado de emergência. Se não houver renovação, o estado de emergência caduca após
um ano.

9
Muitas das regras impostas pela Lei Nacional de Emergência não foram
cumpridas. Desde sua aprovação, o Congresso nunca se reuniu para votar o fim de um
estado de emergência e várias renovações desta situação ocorreram sem suficiente
justificação, de tal forma que hoje, nos Estados Unidos, vigoram trinta estados de
emergência diferentes. Consequentemente, o Presidente pode utilizar os 123 poderes
previstos em leis ordinárias para serem utilizados em cenários emergenciais. A lei que foi
criada para limitar o abuso de poder nesses períodos difíceis, acabou por permitir que o
Presidente tivesse competências quase ilimitadas.

No contexto pandêmico atual, o Presidente dos Estados Unidos declarou, em


março de 2020, o estado de emergência em todo o país, alegando que o orçamento
disponível para as despesas com a pandemia será de 50 milhões de dólares. Junto desta
declaração, o Presidente invocou a Lei Nacional de Emergência e a Lei Stafford. Esta
última lei serve principalmente para as situações decorrentes de desastres naturais, mas
também pode ser utilizada em cenários emergenciais. Com a Lei Stafford, os estados terão
acesso a alguns dos fundos federais.

O Presidente ainda afirmou que, em caso de necessidade, utilizaria a Lei de


Produção de Defesa, que permite ao Governo administrar a produção e distribuição de
produtos considerados essenciais. Ao abrigo desta lei, o Presidente pode obrigar as
empresas a assinar contratos de serviços e materiais essenciais, estimular a produção de
determinados bens, controlar salários e preços, entre outros. O Presidente estabeleceu
outras medidas para enfrentar a pandemia, como por exemplo a proibição da entrada nos
Estados Unidos por estrangeiros residentes em determinados países. Todavia, são as leis
acima referidas que demonstram a grande força que o Presidente detém durante o estado
de emergência.

3.2. O Presidente norte-americano pode ser responsabilizado


criminalmente?

A Constituição norte-americana nada diz sobre a responsabilidade criminal do


Presidente, porém, em seu artigo I prevê a possibilidade de um processo de impeachment
para caso sejam cometidos traição, suborno ou outros crimes considerados graves e
contravenções. De acordo com o artigo I, secção 1, a Câmara dos Representantes dará

10
início ao processo ao acusar o Presidente de ter praticado um dos crimes acima descritos.
Após a acusação, o Comitê Judiciário da Câmara deverá elaborar os artigos do
impeachment com a justificação da abertura do processo e, posteriormente, enviar ao
plenário da Câmara a resolução.

Em plenário, a Câmara dos Representantes votará cada artigo do impeachment,


bastando apenas um dos artigos ser aprovado por maioria simples para prosseguir com o
processo. A seguinte etapa ocorre no Senado, onde decorrerá o “julgamento” de
impeachment. É importante referir que até o resultado do julgamento ser revelado, o
Presidente continua no cargo, não podendo ser afastado. Consoante o artigo I, secção 3,
só haverá condenação se 2/3 dos membros do Senado votarem nesse sentido. Uma vez
condenado, o Presidente será destituído de seu cargo (artigo II, secção 4).

As consequências da condenação são poucas, sendo, portanto, o impeachment um


processo essencialmente político. Nos Estados Unidos é raro ocorrer o impeachment, em
parte devido a difícil interpretação do termo “crimes considerados graves e
contravenções”, que acaba por limitar os motivos da abertura do processo para os casos
de traição e suborno. Na história do país, apenas dois Presidentes foram alvo de
impeachment, sendo eles Andrew Johnson e Bill Clinton, porém nenhum foi destituído
do cargo, visto que a condenação não foi aprovada pelo Senado.

4. Poderes do Presidente do Brasil

No Brasil, o Presidente da República exerce a chefia do Poder Executivo,


auxiliado pelos Ministros de Estado, conforme determina o artigo 76º da Constituição da
República de 1988. Sua função principal é administrar a coisa pública, por meio de atos
de chefia de Estado, chefia de Governo e de Administração. Na prática, o Presidente da
República constitui o representante do povo com maior relevância e poderes na nação
brasileira.

O artigo 84º da atual Constituição brasileira estabelece as competências privativas


do Presidente da República. Suas atribuições estão enumeradas em vinte e sete incisos
contidos neste artigo. Em regra, sua competência é exclusiva, ou seja, apenas o Presidente
pode exercer estas atribuições, ou durante algum impedimento transitório, por aquele que
o substituir no cargo. O parágrafo único do art. 84º autoriza a delegação das atribuições

11
dos incisos VI (“dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da
Administração Federal, quando não implicar aumento de despesa”), XII (“conceder
indulto e comutar penas”) e XXV (“prover e extinguir os cargos públicos federais”).
Apesar de extensa, a enumeração não é taxativa, pois o inciso XXVII remete a outras
atribuições previstas na Constituição Federal.

O Poder Executivo da União se concentra na figura do Presidente da República.


O Presidente tem direito de nomear e exonerar seus auxiliares, exercer o comando
supremo das Forças Armadas e praticar os atos de governo durante a integralidade do seu
mandato, ainda que sem apoio da maioria do Congresso Nacional brasileiro, que é
composto pela Câmara dos Deputados Federais e pelo Senado Federal. Isso porque no
Brasil, sendo o sistema de governo o Presidencialismo, não existe a possibilidade de o
Poder Legislativo, ordinariamente, afastar o Presidente da República de suas funções. Por
outro lado, o Presidente da República tampouco pode dissolver o Congresso Nacional.

A responsabilidade do Presidente da República se encontra estabelecida


diretamente com o povo e não com o Parlamento. Essa relação direta é atribuída ao fato
de seus poderes serem recebidos pelo voto direto, devendo a prestação de contas sobre a
condução das políticas governamentais também ser dada ao povo. Com isso, podemos
concluir que é a legitimidade democrática do Presidente que fundamenta sua grande
quantidade de poderes.

4.1. Quais competências o Presidente tem exercido durante o estado de


emergência?

Considerando o momento histórico desta pandemia de dimensão global, torna-se


relevante mencionar a atribuição do inciso IX do artigo 84º da Constituição brasileira que
prevê que o Presidente da República tem a competência para decretar o estado de defesa
e o estado de sítio. Ambos representam situações de restrição aos direitos fundamentais
dos cidadãos, previstos no artigo 5º, em nome da preservação do próprio Estado. Tais
regimes excepcionais estão descritos nos artigos 136º a 141º, porém não chegaram a ser
decretados no Brasil, desde que entrou em vigor a atual Constituição da República em 05
de outubro de 1988.

12
No entanto, com o surgimento da pandemia da Covid-19, o Governo Federal
implantou diversas medidas típicas de estados de excepção, com o objetivo de enfrentar
a emergência de saúde pública de importância internacional. Inicialmente, em fevereiro
de 2020, o estado de emergência foi decretado pelo Presidente da República, remetendo
ao Congresso Nacional projeto de lei que resultou na aprovação da Lei 13.979/2020. Em
seguida, em março de 2020, com o avanço do número de casos confirmados de
contaminação com a Covid-19, inclusive de vítimas fatais, o Congresso Nacional
reconheceu o estado de calamidade pública, a pedido do Presidente da Repúb1ica, por
meio de Decreto Legislativo nº 06/2020.

No caso brasileiro, a decretação do estado de calamidade pública está relacionada


à necessidade de aumento considerável dos gastos públicos para fazer face à doença e
suas consequências econômicas. O artigo 65º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar 101/2000) prevê que o Presidente da República seja dispensado de
cumprir metas fiscais, expressamente na hipótese de ocorrência do estado de calamidade
pública reconhecida pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo. Dessa
forma, considerando o Decreto Legislativo citado acima, o Presidente da República
brasileiro não responderá por crime de responsabilidade administrativa por não
cumprimento de metas fiscais nem por ultrapassar os limites de gastos previstos em lei
orçamentária.

Ainda sobre a importância do reconhecimento do estado de calamidade pública


no Brasil, tem-se o art. 167º, § 3º, da Constituição, na parte que trata do Orçamento, que
dispõe “a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a
despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou
calamidade pública, observado o disposto no art. 62º.” Também, quanto à tributação, o
artigo 148º diz que “a União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos
compulsórios: I- para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade
pública, de guerra externa ou sua iminência.”

Cumpre frisar que o Presidente da República do Brasil exerceu e vem exercendo


bastante o seu poder regulamentar durante esse tempo da pandemia, editando toda sorte
de normas para o combate à enfermidade, a preservação da atividade econômica e a
manutenção da ordem social. Exemplos disso são a instituição de programa emergencial
de suporte a empregos, dilação de prazos para pagamento de impostos, pagamento de

13
benefício denominado auxílio emergencial à população de baixa renda, incremento dos
recursos para a saúde pública, compra de vacinas etc.

Por fim, ressalte-se a excepcionalidade das medidas adotadas pelos Governos em


países no mundo todo para conter a pandemia da Covid-19, principalmente as quarentenas
e o isolamento social, visto que implicaram na restrição de muitos direitos e garantias
fundamentais resguardados pelos ordenamentos jurídicos pátrios, justificando-se por
determinado período de tempo e enquanto perdurada sua causa.

4.2. O Presidente brasileiro pode ser responsabilizado criminalmente?

O processo pelos crimes de responsabilidade também é conhecido como Processo


de Impedimento ou “Impeachment”. Trata-se de infrações político-administrativas,
decorrendo do próprio sistema de governo republicano esta possibilidade de
responsabilização dos governantes, que têm de prestar conta aos cidadãos de sua gestão
à frente da Administração Pública.

No Brasil, o artigo 85º da Constituição relaciona as condutas do Presidente da


República que configuram crime de responsabilidade, nos seguintes termos: “São crimes
de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição
Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das
unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV -
a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão
definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”

Pode-se observar que a matéria é tratada de forma genérica pelo legislador


constitucional, que deixou para lei federal definir as condutas típicas, bem como
estabelecer as normas do procedimento e julgamento. O art. 52º, inciso I, da Constituição
Federal entregou a competência para o Senado Federal julgar o Presidente da República
por crimes de responsabilidade, após a autorização de dois terços dos parlamentares da
Câmara dos Deputados, consoante art. 51º, inciso I, da CRFB/1988.

O processamento e julgamento são realizados pelo Senado Federal, mas o


Presidente do Supremo Tribunal Federal é quem preside a sessão de julgamento, sem que

14
tenha direito a voto. Após a instauração do processo no Senado Federal, o Presidente da
República fica suspenso de suas funções pelo prazo máximo de cento e oitenta dias. Se
este prazo vencer, ele retoma as funções, sem prejuízo da sequência do processo. O
Senado Federal só pode condenar o Presidente da República se for por dois terços dos
seus membros, sendo sua decisão absolutamente definitiva. As penas podem ser a perda
do cargo e a inabilitação por oito anos para o exercício de funções públicas.

Quanto aos crimes comuns, na vigência do mandato presidencial de 4 anos, o


Presidente só pode ser responsabilizado por atos praticados no exercício da função da
Presidência da República ou em razão dela. Trata-se de cláusula de irresponsabilidade
penal relativa ou temporária prevista no art. 86º, § 4º, da Constituição Federal de 1988,
que diz que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser
responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” Isso porque ele dispõe
de imunidades processuais, cujo objetivo é preservar a independência do Poder
Executivo.

5. Síntese Comparativa

Em síntese, com o que neste trabalho foi exposto, é possível perceber que ao
mesmo tempo que os ordenamentos jurídicos apresentam algumas semelhanças quanto
ao tema, há também grandes diferenças. As similitudes se devem ao facto da influência
que cada ordenamento jurídico tem sobre o outro. O Direito Brasileiro tem elementos
inspirados tanto no ordenamento jurídico dos Estados Unidos como no de Portugal, mas
também influenciou o direito português. Quanto as diferenças, estas podem ser atribuídas
ao facto dos países pertencerem a sistemas de governo distintos, como já foi mencionado
acima, mas elas decorrem principalmente do facto de estarem em causa diferentes
famílias jurídicas.

Portugal e Brasil fazem parte da família romano-germânica, a qual tem a lei como
principal fonte do direito. Aqui a jurisprudência tem um papel menor e existe um grande
esforço para criar leis gerais e abstractas, sendo a codificação um movimento presente
nesse sistema. Por esse motivo, nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro, tanto
a figura do estado de emergência como as consequências da prática de crimes de
responsabilidade, estão meticulosamente regulados nas leis. Acrescenta-se, porém, que
apesar de pertencerem à mesma família, o direito desses países ainda apresenta
15
características significativamente diferentes. Isto ocorre, em parte, pelo facto de o direito
brasileiro ser influenciado também pelo direito norte-americano, como já foi supracitado.

Em relação aos Estados Unidos, este pertence à família do Common Law. Nesta
família, a jurisprudência é a fonte de direito central e essencial. As leis possuem um papel
subsidiário e, quando existem, servem para regular situações específicas, não possuindo
as características de abstracção e generalidade. Isto explica o facto de a Constituição
norte-americana ser breve e não muito específica quanto a vários assuntos, incluindo o
processo de impeachment e os poderes do Presidente quanto a declaração de estado de
emergência.

Por fim, procuramos aqui demonstrar apenas a importância da figura do


Presidente, principalmente em tempos de pandemia, e o alcance de seus poderes, mas
também enfatizar que cada sistema tem seus mecanismos de defesa contra crimes de
responsabilidade cometidos pelos Presidentes. É necessário afirmar que o objetivo do
trabalho não foi estabelecer que um direito é melhor que o outro. Cada ordenamento
jurídico tem suas especificidades, suas deficiências e seu ponto de equilíbrio.

6. Grelha Comparativa

Portugal Estados Unidos Brasil

Sistema de Semipresidencialismo Presidencialismo Presidencialismo


Governo
Família Jurídica Romano-Germânica Common Law Romano-
Germânica
Poderes no Estado Expressamente Pouco Expressamente
de Emergencia previstos nos art. 19º, especificado na previsto no art.
134º/al.D e 138º/1 da Constituição. 84º, inciso IX, e
CRP Regulado na Lei nos art. 136º a 141º
Nacional de da Constituição
Emergência
Responsabilidade Sim, art. 130º da CRP Processo de Processo de
Criminal Impeachment Impeachment

16
Bibliografia

CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa


Anotada. Vol. II, 4ª edição revista. Coimbra: Wolters Kluwer e Coimbra Editora, 2010;

MIRANDA, Jorge e MEDEIROS Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Vol. II. 2ª


edição. Almedina, 2018;

NOVAIS, Jorge Reis. Semipresidencialismo, Teoria Geral e Sistema Português. 2ª


edição. Almedina, 2018;

NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas Políticas e dos Sistemas de Governo. AAFDL
Editora, 2017;

OTERO, Paulo. Direito Constitucional Português. Vol. II. Almedina, 2010;

VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado. Vol. I. 4ª edição, revista e atualizada.


Almedina, 2020;

JERÓNIMO, Patrícia. Lições de Direito Comparado. 1ª edição. 2015. Disponível em:


https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/53976/3/JERONIMO,%20Patricia,
%20Licoes%20de%20Direito%20Comparado.pdf ;

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª edição. São Paulo:
Saraiva Educação, 2020;

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 30ª edição. São
Paulo: Saraiva, 2011;

MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito


Constitucional. 13ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018;

BANDEIRA, Regina Maria Groba. Sistemas de Governo no Brasil, na França e nos


Estados Unidos da América. 2015;

17
GRIFFIN, Stephen M. Executive Power in the U.S. Constitution: An Overview. 2015.
https://www.researchgate.net/publication/267269129_EXECUTIVE_POWER_IN_THE
_US_CONSTITUTION_AN_OVERVIEW ;

The Powers of the Presidency. Disponível em:


https://courses.lumenlearning.com/boundless-politicalscience/chapter/the-powers-of-
the-presidency/ . Acesso em: 28/04/2021;

HIGA, Marília Beatriz Leal Salvador Conti. Os Poderes do Chefe de Estado nas Ordens
Jurídicas Brasileira e Norte-Americana: Uma Análise do Ponto de Vista do Direito
Comparado;

CARVALHO, Josilaine Dias Virmieiro de. Direito Público Comparado: Os Poderes dos
Chefes de Estado de Portugal e do Brasil;

Panorama do Governo dos EUA. Bureau de Programas de Informações Internacionais


Departamento de Estado dos EUA. 2013. Disponível em:
https://photos.state.gov/libraries/amgov/1077041/ramosoc/1312_Outline_of_US_Gover
nment_Portuguese_digital.pdf ;

FRANCO, Vasco Seixas Duarte. Semipresidencialismo em Portugal: Poderes


Presidenciais e Interação com o Governo (1982-2016). 2017. Disponível em:
https://run.unl.pt/bitstream/10362/43931/2/TESE%20%28I%20Volume%29.pdf ;

ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de Coalização: o Dilema


Institucional Brasileiro. Disponível em:
https://politica3unifesp.files.wordpress.com/2013/01/74783229-presidencialismo-de-
coalizao-sergio-abranches.pdf ;

TRIGUEIRO, Oswaldo. Os Poderes do Presidente da República. Disponível em:


https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/12443 . Acesso em:
28/04/2021;

FRIEDMAN, Joshua L. Emergency Powers of the Executive: The President’s Authority


When All Hell Breaks Loose. Disponível em:
https://www.law.csuohio.edu/sites/default/files/academics/jlh/friedman_final_version_o
f_article-2.pdf .

18
19

Você também pode gostar