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DIREITO CONSTITUCIONAL

Exame de recurso – 15 de junho de 2021

TÓPICOS DE CORREÇÃO DAS RESPOSTAS

I – 4 valores (2+2)
Diga se estas afirmações são verdadeiras ou falsas e justifique a sua resposta
com base nos seus conhecimentos e nas disposições constitucionais relevantes:
1. O princípio da proteção da confiança não pode ser invocado como fundamento
de inconstitucionalidade de normas retrospetivas.

Resposta: A afirmação é falsa. É pela apreciação de normas retrospetivas à luz dos


critérios que densificam o princípio da proteção da confiança que a conformidade
constitucional das mesmas é decidida.

Exigia-se a compreensão do que são normas retrospetivas – e a sua diferenciação


face a normas retrospetivas.

Era fator de valorização da resposta a explicitação dos critérios que o Tribunal


Constitucional Português desenvolveu nesta matéria (em particular, desde o
Acórdão 287/90, de 30 de outubro.
2. A Constituição portuguesa exige, para a revisão constitucional, a observância de
um procedimento diferente do exigido para a elaboração das leis ordinárias.

Resposta: a afirmação é verdadeira. As leis constitucionais (leis de revisão


constitucional) obedecem a um procedimento diferente.
Três aspetos fundamentais cuja referência era necessária:
(1) A iniciativa compete apenas aos Deputados. Está excluída a iniciativa do
Governo ou a iniciativa popular, ao contrário do que sucede com a
generalidade dos atos legislativos parlamentares.
(2) A aprovação exige uma maioria de dois terços dos Deputados em
efetividade de funções.
(3) O Presidente da República não pode recusar a promulgação. O poder de
veto de que goza, previsto no artigo 136º da Constituição está excluído para
leis constitucionais.
Eram fatores de valorização a referência a outras particularidades das leis
constitucionais – nomeadamente os limites circunstanciais e materiais.
II – 4 valores
O modelo português de fiscalização da constitucionalidade, previsto na
Constituição atualmente em vigor, define-se como um modelo misto.
Explique a razão desta qualificação, a génese e evolução do sistema de
controlo da conformidade de atos normativos com a Constituição.

Resposta: O sistema é misto – difuso na base e concentrado no topo – porque todos


os juízes têm o poder-dever de fiscalizar a constitucionalidade das normas
jurídicas aplicáveis aos casos que tiverem de julgar e ao Tribunal Constitucional
cabe a última palavra em matéria de constitucionalidade.

Dá-se uma confluência do modelo americano, ou modelo difuso, com o modelo


austríaco, ou modelo concentrado.

O modelo difuso caracteriza-se por o controlo de constitucionalidade disperso


pelos diferentes tribunais e não concentrado numa instância única. Está previsto
nas Constituições Portuguesas desde 1911 e encontra expressão no atual artigo
204º da Constituição da República Portuguesa.

O modelo concentrado consiste numa justiça constitucional em que a fiscalização


da constitucionalidade das leis fica reservada a um único órgão, criado
especificamente para esse efeito: o Tribunal Constitucional. Entre nós, esta
instância judicial só foi criada na sequência da revisão constitucional de 1982.

Era fator de valorização da resposta a referência ao sistema de controlo da


constitucionalidade que vigorou entre 1976 e 1982.
III – 12 valores ( 2+3+3+2+2)
O Governo, munido de uma autorização legislativa, pretende alterar a Lei n.º 15-
A/98, de 3 de abril, que rege os casos e os termos da realização do referendo de âmbito
nacional. É enviado, para o efeito, ao Presidente da República (PR), um decreto para ser
promulgado como Decreto-Lei autorizado.
Tendo dúvidas quanto à constitucionalidade do diploma, o PR veta-o
imediatamente.
Descontente com atuação do PR, o Primeiro-Ministro (PM), numa conferência
de imprensa, diz que com ela não se conforma, afirmando que se trata “de uma grave
quebra na relação de confiança e de apoio que deve existir por parte do PR em relação
ao Governo” (palavras suas).

Com base nos dados fornecidos, responda de uma forma completa e jurídico-
constitucionalmente sustentada às seguintes questões:

1. Terá o Governo competência para introduzir alterações à Lei n.º


15-A/98, de 3 de abril, por via de um Decreto-Lei autorizado?
2. Poderia o Presidente da República ter vetado o aludido decreto, com
fundamento na respetiva inconstitucionalidade, nos termos em que o
fez?
3. À luz do sistema de governo acolhido na Constituição da República
Portuguesa, diga se concorda com a afirmação do PM.

Respostas:

1. Terá o Governo competência para introduzir alterações à Lei n.º


15-A/98, de 3 de abril, por via de um Decreto-Lei autorizado?

- A Lei n.º 15-A/98, de 3 de abril, que rege os casos e os termos da


realização do referendo de âmbito nacional, diz respeito a matéria de
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República
– art. 161.º/c e 164.º/b
- O regime do referendo deve, assim, ser disciplinado exclusivamente
por lei orgânica do Parlamento – art. 166.º/2 – com as consequências
daqui decorrentes, nomeadamente o seu caráter de lei de valor
reforçado – art. 112.º/3
- O Governo, apesar de ser um órgão de soberania com competência
legislativa (art. 198.º), não poderia introduzir alterações ao diploma em
causa
- A Lei de autorização legislativa emanada pela AR padece de
inconstitucionalidade e, consequentemente, também o Decreto-Lei
autorizado é inconstitucional (inconstitucionalidade consequente)
(fator de desvalorização: confundir a criação do regime do referendo
com a iniciativa do referendo – art. 115.º/1)

2. Poderia o Presidente da República ter vetado o aludido decreto, com


fundamento na respetiva inconstitucionalidade, nos termos em que o
fez?

- Art. 136.º: o PR exerce um controlo de defesa da Constituição: à luz do


princípio da prevalência da Constituição (art. 3.º), o PR tem o dever de não
colaborar no procedimento de formação de um ato do Estado contrário à
Lei Fundamental – trata-se de um controlo que se manifesta por via do veto
por inconstitucionalidade
- O PR exerce, ainda, um controlo político autónomo, por via do exercício
do veto político
- Apenas as leis da AR, os Decretos-Leis e os Decretos-Regulamentares do
Governo estão sujeitos ao regime do veto presidencial, considerando que só
eles dependem de promulgação
- Em causava estava o veto por inconstitucionalidade, o qual é
necessariamente precedido de um juízo de inconstitucionalidade do TC (art.
278.º e 279.º - fiscalização preventiva da constitucionalidade)
- Neste caso, o PR poderia: (i) promulgar; (ii) desencadear a fiscalização
preventiva da constitucionalidade (neste âmbito, ou o TC se pronunciava
pela inconstitucionalidade e o PR estaria obrigado a vetar, ou não se
pronunciava e poderia então o PR optar entre a promulgação ou o exercício
do veto político); ou poderia ainda (iii) exercer o direito de veto político

(fator de valorização: estando em causa uma lei orgânica, o pedido de


fiscalização da constitucionalidade pode ser efetuado também pelo PM ou
por um quinto dos Deputados em efetividade de funções – art. 278.º/4)

3. À luz do sistema de governo acolhido na Constituição da República


Portuguesa, diga se concorda com a afirmação do PM.

- O sistema de governo enquanto forma como se estruturam os órgãos do


poder político soberano do Estado (elenco desses órgãos, composição,
competência, interrelação, modo de funcionamento, processo de designação
e estatuto dos seus titulares)
- A tipologia dos sistemas de governo em regimes democráticos: sistema
parlamentar, presidencialista, semirpresidencialista e diretorial
- Acolhendo a CRP o sistema semipresidencialista, perante a confluência da
componente parlamentar e da componente presidencial, a sobrevivência (e
a constituição) do Governo depende da confiança parlamentar; existe uma
dualidade no Executivo, com distinção de funções entre o Chefe de Estado e
o Chefe do Governo; e o Governo é politicamente responsável perante o
Chefe de Estado (cumulativamente com a sua responsabilidade perante o
Parlamento). O Chefe de Estado dispõe de amplos poderes, entre os quais o
de veto
- O direito de veto que pode ser exercido pelo PR não representa, então,
uma “grave quebra na relação de confiança e de apoio que deve existir por
parte do PR em relação ao Governo”.
Suponha agora que a alteração da Lei n.º 15-A/98, de 3 de abril, foi
desencadeada pela Assembleia da República e que foi aprovada, em votação final
global, por 100 deputados em efetividade de funções. Alcina América, aluna de Direito
Constitucional, entende que, por estar em causa uma lei “particularmente importante”,
não estavam reunidas as condições para que a mesma fosse aprovada naqueles termos.
Por outro lado, Alcina América estranha ainda não ter encontrado no “jornal oficial” a
publicação da mesma.

4. Que maioria será constitucionalmente exigida para aprovação desta lei


“particularmente importante”?
5. Terá Alcina América razões para estranhar a falta de publicação da lei
no “jornal oficial”?

Respostas:

1. Que maioria será constitucionalmente exigida para aprovação desta lei


“particularmente importante”?

- A aprovação das leis é feita, em princípio, por maioria simples – art.


116.º/3 – basta-se com um número de votos favoráveis superior ao dos
desfavoráveis
- Porém, estando em causa uma lei orgânica, é estabelecido pela CRP um
procedimento mais exigente de formação legislativa: as leis orgânicas devem
ser votadas em plenário na especialidade (art. 168.º/4) e é exigida uma
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções na aprovação
final global (art. 168.º/5)
- Considerando que são 230 os deputados (art. 148.º), e tendo votado apenas
100 deputados em efetividade de funções, não poderia o diploma ter sido
aprovado.

2. Terá Alcina América razões para estranhar a falta de publicação da lei


no “jornal oficial”?
- O Diário da República é o “jornal oficial” da República
- Art. 119.º/1/c – princípio da publicidade dos atos: no DR são publicados
todos os atos que, nos termos do art. 112.º/1, são considerados atos
legislativos – o diploma em causa deveria, portanto, ser publicado no DR
- A Constituição estabelece como consequência decorrente da falta de
publicidade a ineficácia jurídica – art. 119.º/2: a ausência de publicidade
não afeta a validade do ato, mas sim a sua oponibilidade em relação a
terceiros

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