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O RAMO E A ÁRVORE - A PROPÓSITO DO DIREITO

DA UNIÃO EUROPEIA, NOTAÇÃO SOBRE


BOTÂNICA JURÍDICA

Maria Luísa Duarte*

I - Sobre o significado da metáfora "ramo do Direito"

1. A linguagem própria do Direito socorre-se, amiúde, de expressões


metafüricas que facilitam a comunicação de uma ideia ou a identificação
de um conceito. Tal acontece com a conhecida fórmula "ramo do Direito".
Com ela, designamos um conjunto de normas que, em torno de princípios
comuns e por referência a certas técnicas jurídicas de regulação, disciplinam
uma área juridificável da vida social 1 - v.g. Direito Administrativo, Direito
do Trabalho, Direito Comercial, Direito da Família, Direito Constitucional,
Direito Processual, Direito Penal.

2. A qualificação de um agregado coerente de normas como ramo do


Direito representa, contudo, apenas uma etapa de um processo de classifi-
cação e de sistematização no universo das normas jurídicas que se inicia, a
montante, com a descoberta dos ordenamentos jurídicos e se prolonga, a
jusante, com o reconhecimento de áreas de nornzatit1idade híbrida, de vin-
cada confluência entre diferentes ramos do Direito (v.g. Direito Bancário 2;
Direito da Vida 3 ; Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Territó-

*Agregada e Doutora em Direito; Professora da Faculdade de Direito da Universidade


de Lisboa.
1
Cfr. Maria Luísa DUAilTl', Introduçiio ao Estudo do Direito. S1111uÍl'ios dese111>0/vidos, Lis-
boa, AA!:'DL, 2003, p. 1.+3.
2 Cfr. António Menezes Co1mEIRO, "Direito Bancário Privado", in Act,1s do Co11grcSS<'

Co111c111orntivo do 150. º <111Íl'er.«Írio do 3'111w de Portug<JÍ, Coimbra Editora, 1997, p. 19 e segs.


·1 Cfr. Paulo ÜTEilO, Direito da Vida. Relatório sobre o pY<\~rc1111<1, contelÍdos e 111étodos de
msi110, Coimbra, Almedina, 2004, p. 17.

Revista de Direito Público, n.º 1 Uaneiro/junho de 2009): 247-255.


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rio 4), e de 11ormativídade eme~1;e11te, sob a forma de subramos (v.g. Direito do


Comércio Electrónico em relação ao Direito Comercial; Direito da Saúde
ou Direito Autárquico em relação ao Direito Administrativo).

3. O exercício de taxinomia jurídica através do método da ramificação


goza de uma arreigada tradição no ensino do Direito, com a vantagem de
delimitar áreas relevantes de especialização no que toca à criação e aplicação
do comando jurídico, tarefa que se torna cada vez mais dificil no cenário
labiríntico de uma normatividade eruptiva e múltipla.A técnica da ramifica-
ção impõe ao jurista particulares deveres de cuidado no sentido de prevenir
tanto a confusão entre o ramo e a árvore como, o que seria ainda mais grave,
a catalogação de um ramo desligado da árvore que o suporta.

4. O enlace que propomos entre o Direito e a Botânica (em rigor,


a Dendrologia como subramo), ajuda-nos a expor o equívoco muito fre-
quente de classificar o Direito da União Europeia como um ramo do
Direito. O Direito da União Europeia não é um ramo do Direito, como,
por razões afins, não o é o Direito Internacional Público. A tentativa de
reduzir o Direito da União Europeia à dimensão de ramo do Direito parte
de uma visão unidimensional e estadocêntrica sobre a produção normativa
e a legitimação das fontes que foi, há muito, substituída pelo paradigma do
pluralismo normativo. A questão, note-se, não é apenas de rigor teórico-
-sistemático. Uma adequada percepção sobre o Direito da União Europeia
como expressão de uma ordem jurídica própria e autónoma condiciona, de
modo directo, as opções a tomar no que se refere ao seu lugar nas estruturas
curriculares do ensino do Direito em Portugal.

II - O Direito da União Europeia como expressão de uma ordem


jurídica própria

5. A ordem jurídica do Estado soberano não colide com a existência


de outras ordens jurídicas, de origem não estadual (v.g. Direito Canónico)
ou criadas ainda por referência ao Estado, como acontece com o Direito

4
Cfr. Marcelo Rebelo de SousA/Sofia GALVÃO, lntmduçào ao Estudo do Direito, Lisboa,
Lex, 2000, p. 316.
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Internacional Público e com o Direito da União Europeia.A ordemjurídica


nacional coexiste com o ordenamento internacional e com o ordenamento
eurocomunitário 5 , com os quais mantém tanto relações de coordenação
como relações de (auto )vinculação, tendo por base a ideia estrutural do plu-
ralismo jurídico() / 7 .

6. Embora a Const1tuicão conserve a sua valência de norma pn11wr1a


sobre a jl111ção jurídica, já não ocupa - pelo menos, sozinha - o vértice de
um sistema construído como uma pirâmide. O pluralismo instalou-se no
patamar normativo superior, com vários ordenamentos superiores - consti-
tucionaL internacional e comunitário - a disputar a aplicação preferente das
respectivas normas 8 .

7. A emancipação do Direito da União como expressão de um ordena-


mento autónomo resulta tanto de uma exigência própria, intrasistemática9 ,

õ Usamos o adjcctivo eurncomunitário para designar um fenómeno normativo que já


não é apenas comunitário, impregnado pela teleologia política da União Europeia: por outro
lado, a expressão europeu pode ser equívoca, porque é comum ao espaço ocupado pelo
Conselho da Europa. Adoptámos, por isso, o termo curocomunitário que, com fidelidade,
identifica a singularidade do actu,11 modelo jurídico da União, de génese comunitária e de
base europeia - v. Maria Luísa DcARTE, União h"uropei,1 e Direitos F1mda111mtais - 110 l'SJh1\0 da
i11tcl'1101'111,1tiPid,11fe, Lisboa, AAFDL, 2006, p. 311.
" Cfr. Norbcrto 130!lB!O, T(·oria Grncrnl dei Dcrcc/1<>, Madrid, Debate, 1996, p. 255.
7 O pluralismo jurídico é també·m o ponto de partida da análise de Peter IIABERLE, para

o qual a ideologia que preconiza o ''monopólio d,i Esl'ado" em matéria de tlmtcs jurídicas é
incompatível com o conceito de "Estado n>11stit11cio11,1/ coopcmlÍl'o" que, de forma progressiva,
abre as portas da ordem jurídica interna ,1 procedimentos jurídicos e à interpretação da norma
jurídica a nível internacional ou supra estadual. E conclui: "a j(l/'111a 111<1is i11tc11sa de afra11ç.ir a
coopemç,)o imc1'11<1n'o11<1/ é <1 que se dcsc111'oli'l' 110 seio da [J11iilt> Europeia qua11do se trata da criaç<lo e
da exegese jurídica" (in P/11rnlis1110 y Ct>11stit11ció11. Est11dios de TcorÍ<1 Co11stitucio11c1/ de /,1 SNicd,1d
a/iierta, Madrid, Ternos, 2002, p. 288-289).
8 Neste sentido, v. J. J Gomes CANOTILHO. Dircitt> Co11stit11cio11<1' e Teoria d,1 Co11stit11i-

çilo, 7" ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 695.


<>Para o Tribunal de Justiça, os tratados institutivos "dil'crs,1111c11tc dos tmtados i11tc1'11acio-
11t1is ordinários i11stit11írm11 u111a 1101'11 ordc111 jul'Ídica (. .. ) u111.1 ordc111 jurídirn própria que'\ Ílltl;~rada 110
sistc111a j11rídin> dos I-istados-mc111/iros" [(v. Acórdão lJCE, de 15 de Julho de 1964, Proc. 6/64.
Cvsltl e. H11c/, Rec. 1%4, p. 1141 (edição especi,11 portuguesa, p. 549)J.
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como do reconhecimento que a Constituição do Estado-membro garante à


autonomia e eficácia da norma eurocomunitária 10 .
De harmonia com a relevância certificativa que reconhecemos à juris-
prudência comunitária e às cláusulas constitucionais sobre a limitação da
soberania por facto de norma com.unitária, o ordenamento jurídico da
União Europeia ostenta as propriedades típicas de uma ordem.jurídica autó-
noma e consolidada:
a) Sistema de fontes - diversidade e autonomia caracterizam as for-
mas de revelação da normatividade no espaço de regulação confiado à União
Europeia. Sob o império do critério formal, recorrendo à figura adoptada
pela geometria Kelseniana, no topo da pirâmide normativa da União Euro-
peia estão os tratados institutivos (i), a seguir o Direito Internacional Público,
geral ou convencional (ii) e, na alargada e robusta base da pirâmide, encon-
tramos os actos, típicos e atípicos, de fonte interna e derivada (iii), incluindo,
entre outros, regulamentos, directivas, decisões, declarações, acordos interins-
titucionais. A jurisprudência dos tribunais da União Europeia, em especial
a proferida pelo Tribunal de Justiça, não sendo uma fonte formal, projecta,
contudo, um.a influência determinante no modo como será interpretada
e aplicada a norma comunitária. O factor jurisprudencial, ligado a uma
assumida e consistente visão integracionista por parte do Juiz comunitário,
constitui um elemento adicional de identidade própria do sistema de fontes.
b) Hierarquia de normas - a doutrina tem acentuado a impor-
tância da hierarquia entre normas como pressuposto que viabiliza o fun-
cionamento de um agregado de normas como sistema ou ordenamento
jurídico 11 . A hierarquia é critério fundamental de estruturação das relações
que se estabelecem entre as múltiplas regras jurídicas em que se decompõe
a ordem jurídica.
No caso específico da União Europeia, não podemos deixar de atribuir
aos tratados institutivos e aos princípios gerais, através dos quais, por exem-
plo, se garantiu a protecção dos direitos fundamentais, uma dupla função,

w Assinale-se a este propósito a fünção de reconhecimento associada ao artigo 7 .º, n.º


6 e, cm especial, ao artigo 8. 0 , n.ºs 3 e 4, da Constituição Portuguesa. Sobre o seu alcance e
limites, v. Maria Luísa DUARTE, União Europeia ... , cit., p. 275 e segs.
11 Neste sentido, entre outros, v. J. Dias MARQUES, Íll.trod11ção ao Estudo do Direito, 2ª

ed., Lisboa, 1994, p. 206; Paulo ÜTERO, Lições de Introd11ção ao Estt1do do Direito, Lisboa, I
vol., 2.º Tomo, 1999, p. 327.
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equivalente à da Constituição nos sistemas estaduais: por um lado, delimitam


e fundamentam as possibilidades de produção normativa pelo decisor polí-
tico da União e, por outro lado, como referências paramétricas de validade,
prevalecem em caso de conflito internormativo.
Embora a versão vigente dos Tratados não estabeleça critérios expressos
sobre a hierarquia dos actos comunitários, cumpre assinalar que uma tal rela-
ção hierárquica resulta, implicitamente, da noção de violação de lei inscrita
no artigo 230. 0 , parágrafo segundo, do Tratado CE, largamente confirmada
pela prática institucional1 2 . O Tratado de Lisboa abandonou a classificação
proposta pelo Tratado Constitucional de leis europeias, mas, no essencial,
mantém a distinção entre actos legislativos e actos não legislativos (v. artigos
289. º, 290. ºe 291.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
c) Unidade - a energia unitária de um sistema jurídico depende da
verificação de três critérios, que são complementares e interdependentes:
1) a origem do sistema jurídico repousa na e:i,..'1.stência de uma norma fun-
damental e pressuposta (unídade.fimdaciona0; 2) as normas do sistema expri-
n1em, no essencial, uma Ideia de Direito comum, concretizando, assim, prin-
cípios e valores conciliáveis (unidade valorativa); 3) o sistema encerra em si
a capacidade para prevenir ou superar as antinomias e contradições entre
regimes jurídicos (unidade lógícojorma0 13 .
O ordenamento jurídico da União Europeia existe e funciona sob a
lógica da unidade, na tripla acepção referida. Os Tratados institutivos, e atra-
vés deles a vontade soberana dos Estados-membros balizada pelas respectivas
Constituições, preenchem a função originária da norma fundamental. Por
outro lado, os Tratados dão corpo a um conjunto de princípios e valores
que conforem coerência à acção comunitária, num quadro de abertura que
possa sempre acomodar os princípios estruturantes do Estado de Direito de
inspiração europeia (v.g. a protecção dos direitos fundamentais; o princípio
da democracia representativa; o modelo social europeu). Neste sentido, a
unidade valorativa do sistema jurídico comunitário surge como a expressão
consequente do modelo em construção da União de Direito.

-----·---
12 Cfr. Maria Luísa DUARTE, Direito da Unfrio Emopeia e tfos Comunidades Ellropeias,
Lisboa, Lex, 2001, vol. l, tomo l, p. 228 e segs.
13 Sobre esta acepção de unidade do sistema jurídico, v. Maria Luísa DUARTE, Introdu-

ção ... , cit., p. 131 e segs.


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Por último, a resposta aos problemas do conflito de normas resulta


tanto da aplicação dos critérios clássicos (v.g. critério hierárquico; crité-
rio cronológico; critério da especialidade) como da adopção de critérios
específicos, ajustados à natureza própria do ordenamento eurocomunitário.
A este propósito, devemos referir o critério da competência que determina a
prevalência da norma comunitária em conflito com a norma interna, desde
que aquela corresponda à regulação de uma matéria confiada pelos Estados-
-membros ao decisor da União. Por outro lado, importa ainda ter em conta
o papel desempenhado pelo Tribunal de Justiça, especialmente no quadro do
processo de questões prejudiciais, no sentido de assegurar uma interpretação
e aplicação uniformes da norma comunitária (v. artigos 68.º e 234.º do Tra-
tado CE; artigo 35.º, n.º 3, do Tratado UE).
d) Plenitude - a vocação para a plenitude não exige do sistema jurídico
uma solução para todas as situações potencialmente reguláveis pelo Direito;
no caso específico do ordenamento da União Europeia esta ideia assume
contornos bem definidos, dado que estamos a falar de um sistema baseado
no princípio fundamental da competência de atribuição e limitado pelo
princípio da subsidiariedade (v. artigo 5. º do Tratado CE). Com respeito pela
repartição material de competências entre o decisor nacional e o decisor da
União, o sistema curocomunitário garante uma resposta adequada às neces-
sidades de regulação. Exemplo particularmente ilustrativo desta capacidade
integradora e criadora do sistema é a doutrina jurisprudencial sobre o dever
de protecção dos direitos fundamentais que, dado o silêncio dos Tratados
sobre a questão, foi justificado à luz dos princípios gerais de Direito 14 .

III - A árvore jurídica eurocomunitária - conhecer o tronco para


saber tratar os ramos

9. Por ser a expressão de uma ordem jurídica - própria, autónoma e


pluridimensional - o Direito da União Europeia não se esgota no programa
de um única disciplina, ainda que, por hipótese, contemplada com fatia
generosa de tempo lcctivo no respectivo plano de curso. Não é um problema
de tempo, é uma questão elementar de coerência científica e pedagógica.
É certo, importa recordá-lo, que é possível conceber uma disciplina dedicada

14 Cfr. Maria Luísa DUARTE, U11icl<> E11ropcias ... , cit, p. 34 e segs.


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ao conhecimento de um só ordenamento jurídico. Por razões de aprofün-


damento da perspectiva de direito com.parado, podemos integrar o Direito
Inglês ou o Direito Chinês nas estruturas curriculares do curso de Direito.
Seria sempre, nestes casos, uma abordagem muito sumária, centrada nos tra-
ços mais distintivos do sistema jurídico em análise. Este método permite um
conhecimento geral, mas não serve o propósito de um tratamento rigoroso
e aprofundado das várias componentes estruturais do sistema.
Por seu lado, o Direito Internacional Público é leccionado como dis-
ciplina autónoma, o que não prejudica o interesse do estudo de matérias
mais específicas em disciplinas como o Direito Internacional dos Direitos
do Homem, o Direito Internacional Penal ou o Direito Internacional do
Ambiente.

10. Em relação ao Direito da União Europeia, tendo em conta, por um


lado, o seu alargado espectro de regulação material e, por outro lado, a eficá-
cia directa e prioridade aplicativa das respectivas normas na ordem jurídica
portuguesa, não deve o seu estudo ficar limitado a uma visão con1.pactada e
unidimensional, através de uma única disciplina; ainda mais negativa seria a
eventual opção de, dispensando uma disciplina autónoma, reduzir o ensino
do Direito da União Europeia às referências avulsas que, no domínio das
disciplinas materiais, são feitas às normas de fonte eurocomunitária (v.g. no
Direito Comercial, no Direito Bancário, no Direito do Trabalho, no Direito
Administrativo, no Direito do Ambiente). Um estudo acurado do tronco da
árvore não dispensa um olhar atento sobre os ramos que nele se apoiam; do
mesmo passo, o interesse exclusivo pelos ramos prejudica o exacto conheci-
mento da respectiva especificidade reguladora, resultante da identidade que
lhe é conferida pelo tronco comum.

11. O chamado Direito Institucional (Constitucional na visão prospec-


tin de alguns) compreende o estatuto jurídico do poder na União Euro-
peia. incluindo as matérias relativas aos meios de tutela judicial (Conten-
cioso da União Europeia) e à protecção dos direitos fundamentais. Esta é
·.1ma matéria cuja filiação juspublicista não merece qualquer dúvida, pelo
-iue se compreende o seu tratamento, sistemático e científico, como Direito
~;úblico. É, também, o tronco de uma árvore cuja robustez depende tanto
.5.J profimdidade de raízes que incorporam os valores comuns do Estado
.:,_· Direito como da quantidade e vitalidade dos seus ramos, representativos
_;__;__, várias áreas de regulação jurídica: direito económico, direito da con-
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corrência, direito fiscal, direito aduaneiro, direito administrativo, direito das


sociedades, direito do consumo, direito da propriedade intelectual, direito da
comunicação social. .. O bloco de normatividade da União Europeia está
em constante expansão e evidencia uma vocação tentacular. Neste quadro,
será dificil - senão mesmo impossível - encontrar no Direito dos Estados-
-membros áreas ou institutos jurídicos que tenham logrado uma imunidade
ao "vírus" da regulação comunitária.

12. A inexorável "europeização" dos ordenamentos jurídicos nacionais,


condicionada, mas não travada, pelo princípio da subsidiariedade, determi-
nou a expansão do Direito Material da União Europeia. Dependendo da
idade e do desenvolvimento destes ramos e subramos da árvore jurídica da
União, o seu conhecimento é transmitido ora como parte do conteúdo das
disciplinas dedicadas ao direito interno ora como disciplinas autónomas -
v.g. Direito Administrativo da União Europeia 15 , Direito da União Econó-
mica e Monetária, Direito da Concorrência da União Europeia.

13. Poderá ser comum o Direito da União Europeia, mas o seu ensino
deve incorporar a pressuposta articulação com o Direito do Estado-membro
que enquadra a formação do jurista. Com efeito, a aplicação interna da
norma eurocomunitária reclama, na generalidade das situações, a interven-
ção dos órgãos nacionais competentes, através de meios - políticos, legislati-
vos,judiciais ou administrativos - previstos no direito interno. Daqui resulta,
com toda a evidência, a necessidade, tanto no plano científico como no
plano pedagógico, de um ensino do Direito da União Europeia que se faça
em estreita ligação com o Direito do Estado-membro com o qual coabita.
Não se trata de "nacionalizar" o ensino do Direito da União, mas antes de o
coni.pletar com indicações fundamentais sobre as especificidades do sistema
jurídico nacional que condicionam a plena eficácia da norma comunitária.

14. Importa, por outro lado, não descurar o papel das disciplinas ditas
auxiliares ou complementares, como sejam a Ciência da Política Europeia,
ou a Teoria da Integração Económica. Bem se compreende a sua importância
quando o que se pretende é conhecer, de modo rigoroso e aprofundado, um

15 Cfr. Maria Luísa DTJARTE, Direito Ad111i11istmtú10 da U11iii<' Europeia, Coimbra Editora,
2008.
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Í sistema jurídico que, mais do que qualquer outro, vive dos impulsos políticos
1 dos actores europeus, maxime os Estados-membros; um sistema jurídico que
começou por constituir o regime da integração dos mercados e das eco-
nomias dos Estados-membros mas, desde o Tratado de Maastricht, alargou
o respectivo escopo de regulação às matérias de acção política em sentido
estrito (v.g. Política Externa, Política de Defesa, Direito dos Estrangeiros).

15. O ensino do Direito da União Europeia deve ocupar um espaço


obrigatório nos planos curriculares de qualquer curso de Ciências Jurídicas,
sob a forma, pelo menos, de duas disciplinas, uma centrada nos aspectos
jurídico-institmcionais (Direito da União Europeia) e outra virada para os
aspectos jurídico-económicos do processo de integração (Direito da Inte-
gração Económica). Impõe-se, por outro lado, a criação de disciplinas de
opção para cobrir as mais variadas áreas de ramificação do Direito da União
Europeia, a par da reformulação dos programas das disciplinas de direito
nacional para dar conta dos efeitos da regulamentação de fonte euroco-
munitária. O trajecto de aproximação à árvore jurídica da União Europeia
prolonga-se para além da formação básica da licenciatura, com a frequência
de cursos de especialização e/ ou cursos de actualização.

16. Em suma, a árvore jurídica da União Europeia apresenta uma copa


cada vez mais densa, quer sob a forma de ramos (do Direito) fortes e autóno-
mos quer sob a forma de crescimentos que se desenvolvem no ecossistema
próprio do pluralismo dos ordenamentos jurídicos, seguindo uma lógica de
expansão horizontal e intersistemática do agregado normativo. Uma árvore
com este porte não se oferece a uma única área do saber jurídico. Na ver-
dade, convoca um conhecimento interdisciplinar e renovado - fortalecido
pelo domínio rigoroso das matérias que caracterizam a sua existência jurí-
dico-institucional, alimentado pela análise sempre actualizada de uma nor-
matividade em constante devir que exprime a ambição integracionista do
decisor da União Europeia.

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