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Falta e Vícios da Vontade:

Direito Português v. Direito Francês


Civil Law

Joana da Silva Geraldes Pinto Simões


TAN2, PAN2
Nº 63313

Direito Comparado
2020
Índice
Introdução ...............................................................1

O subsistema romano-germânico – Civil Law ......2


- Génese ............................................................................. 2

- Contextualização histórica e características ................... 2

Direito Português v. Direito Francês .....................4


- Metodologia de comparação jurídica .............................. 4

a) Falta e Vícios da Vontade – delimitação do objeto .... 5

b) Tertium comparationis – análise dos termos a


comparar ............................................................................ 6

c) Síntese Comparativa ................................................... 9

Conclusão...............................................................10

Bibliografia ............................................................11

Direito Comparado
2020
Introdução
Este trabalho escrito insere-se no âmbito da disciplina de Direito
Comparado, lecionada pelo Prof. Doutor Nuno Pissarra (regente) e pelo Prof.
Doutor João Lemos Esteves (assistente), na Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa, no ano 2020.
Tal como o nome da cadeira indica, está em causa, neste trabalho proposto,
uma comparação entre o sistema legal português e o sistema legal francês, no que
toca à falta e vícios da vontade no negócio jurídico.
Para procedermos a tal comparação, será necessário recorrer a uma certa
metodologia, que mais adiante será explicada. As convergências e divergências
encontradas serão expostas, depois do objeto de comparação ser bem definido. Para
finalizar, apresentarei a conclusão deste trabalho.
Não obstante, mostra-se relevante iniciar a composição com uma breve
apresentação do subsistema romano-germânico, nomeadamente a sua origem,
contextualização histórica e características, já que ambos os sistemas legais em
causa integram o mesmo.
Para rematar, será apresentada a bibliografia com todas as obras de diversos
autores que possibilitaram a realização do presente trabalho, servindo como fontes
de informação e esclarecimento intelectual.
Ora, vejamos, então:

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O subsistema romano-germânico – Civil Law
- Génese
O termo Civil Law deriva das palavras latinas “ius civile”, pelas quais os
romanos designavam as leis que apenas os cidadãos considerados como tal, ou
“civilis”, tinham originalmente o privilégio de usufruir. Diz-se, por vezes, que os
países adotantes de Direito Civil, isto é, Civil Law, são aqueles que basearam o seu
sistema jurídico, maioritariamente, naquele que agora conhecemos como Direito
Romano. Esses países integram, atualmente, o subsistema romano-germânico.
Ao longo de vários séculos foram feitos esforços para organizar e agrupar
as normas e princípios que nasceram com este sistema jurídico latino, dando origem
ao famoso Corpus Iuris Civilis; houve, também, tentativas de compilar as várias
decisões judiciais resultantes de casos reais, especialmente aquelas que portaram
maior impacto.
Durante vários séculos, o Direito Romano foi eclipsado em muitas partes da
Europa. No entanto, reapareceu em tempos diferentes e de várias maneiras, foi
modificado e reinterpretado, e nos séculos XVIII e XIX tinha adquirido a
consideração dos juristas e estudiosos europeus. Gradualmente, foi recebido
primeiro em Itália, depois em França, Espanha e Portugal, a seguir na Holanda e,
por fim, na Alemanha.

- Contextualização histórica e características


O subsistema romano-germânico engloba a maioria dos países da Europa
Ocidental, entre eles França e Portugal, e, desde o fim da guerra fria, também a
generalidade dos países da Europa Oriental.
Sabendo agora que o Direito Romano “constitui a matriz fundadora deste
subsistema” (Patrícia Jerónimo, “Lições de Direito Comparado”, 1ª ed., 2015 -
ELSA UMINHO, página 68), abordaremos sucinta e brevemente fatores históricos
que explicam a formação e as características estruturantes do mesmo – além da
receção do “ius civile” pelas universidades europeias, atentaremos na Revolução
Francesa de 1789 e no movimento de codificação inaugurado no século XIX.
Ora, o Corpus Iuris Civilis constituiu o objeto de estudo de Direito nas
universidades europeias que, posteriormente, foi aplicado como Direito subsidiário

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em vários reinos europeus no final da Idade Média e início da Idade Moderna,
servindo de base e inspiração ao movimento de codificação que se deu na Europa
no século XIX, criando os corpos de leis próprios de cada Estado que viriam a
regular as respetivas sociedades.
No que toca à Revolução Francesa de 1789, esta é usualmente retratada
como a revolução da liberdade, símbolo do triunfo dos ideais liberais e
democráticos, já que representou um corte radical com o Antigo Regime,
desfazendo as velhas estruturas de privilégios e lançando as bases para a edificação
de sistemas jurídicos assentes na vontade geral da nação e protegidos contra
iniquidades e abusos de poder.
Uma das características do subsistema romano-germânico, nomeadamente
o quadro de fontes de Direito, é explicado pela influência desta Revolução, já que
com ela foi proclamada a Declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão,
que no mesmo contexto se regia pela “supremacia da lei (entendida como expressão
da vontade geral) e a subordinação da jurisprudência à condição de mera fonte
mediata, sem qualquer eficácia normativa”.
Outra característica atual deste subsistema, que se fundamenta nos avanços
jurídicos trazidos pela Revolução de 1789, diz respeito ao plano metodológico, na
medida em que a realização prática do Direito foi reduzida a uma operação lógica
de aplicação, por dedução, de uma norma geral e abstrata a um caso concreto. Desta
forma, “a solução para os litígios concretos em tribunal passou a ser procurada nas
disposições previamente fixadas pelo legislador”.
Por sua vez, o movimento de codificação, inaugurado com o Código Civil
de Napoleão, de 1804, disseminado pela Europa durante o século XIX, espelha uma
característica distintiva do subsistema romano-germânico atual: a centralidade
atribuída à função legislativa. Neste contexto, a preferência pela organização dos
diferentes regimes jurídicos dos tradicionais ramos do Direito em Códigos, constitui
um traço exclusivo do nosso subsistema.
Concluindo, o problema das fontes de Direito é solucionado de forma seme-
lhante em todos os países que integram o subsistema romano-germânico, exis-
tindo, contudo mas naturalmente, diferenças de pormenor. No entanto, a primazia
dada à lei é comum a todos os Direito que integram este subsistema, isto é, a pri-
mazia dada às “disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes”
(art. 1º, nº 1 e 2, Código Civil português).
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Direito Português v. Direito Francês
Já sabemos que ambos os sistemas legais de Portugal e França integram o
subsistema romano-germânico e que, por isso, detêm características em comum.
No entanto, portarão, certamente, as suas diferenças.
Cabe, agora, encontrar e explicar essas semelhanças e distinções
relativamente à vontade de contratar, mais especificamente, os seus vícios e falta
dela. Como já foi dito na introdução, recorrerei a uma metodologia específica que
me permitirá comparar os dois sistemas legais de forma mais coesa e exata ou, pelas
palavras do Prof. Dário Moura Vicente, que “permite distinguir uma investigação
de Direito Comparado das comparações mais ou menos empíricas que
quotidianamente se fazem na resolução das mais diversas questões jurídicas”
(“Direito Comparado”, vol. 1, página 41).
Avançaremos, então.

- Metodologia de comparação jurídica


Na sua obra referida supra, o Professor Dário Moura Vicente distingue
vários métodos comparativos, sendo o que nos interessa aquele que consiste na
análise funcional de certas regras e institutos jurídicos.
Independentemente do método adotado, o autor afirma que pelo menos três
operações intelectuais distintas devem ser realizadas: a) a delimitação do objeto de
comparação, b) a análise dos termos a comparar, e c) a produção de uma síntese
comparativa entre esses termos e identificação das respetivas causas.
A primeira operação reflete a sua importância na medida em que desta
depende, em larga medida, o êxito da comparação. É que, veja-se, certos conceitos
são conhecidos em alguns ordenamentos jurídicos e desconhecidos noutros, não
bastando, por isso, uma delimitação do objeto de comparação meramente
conceptual. Assim, a doutrina dominante tem recomendado que esta delimitação
obedeça a um critério funcional: parte-se de um problema social e procura-se
determinar quais as formas pelas quais esse problema é resolvido noutro sistema
jurídico.
No que toca à análise dos termos a comparar, importa decompor o tertium
comparationis em subquestões específicas relativamente aos quais, posteriormente,
se indagarão as soluções apresentadas pelos sistemas jurídicos a comparar, neste
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caso, de Portugal e França. Para determinar tais soluções, é necessário ter em conta
os diferentes elementos formativos desses sistemas (sejam os legislativos,
jurisprudenciais, doutrinários, ou outros).
Na síntese comparativa interessa enunciar as semelhanças e diferenças
encontradas no processo de comparação, para de seguida as explicar à luz dos
fatores que as determinam.
Posto isto, esperando que esta explicação tenha tido um efeito clarificador,
adotaremos o procedimento agora descrito ao longo da comparação jurídica que se
seguirá.

a) Falta e Vícios da Vontade – delimitação do objeto


Tanto no Direito Português como no Direito Francês, a matéria da falta e vícios
da vontade insere-se no ramo do Direito Privado, mais especificamente, no Direito
Civil.
No entanto, possuem, nos Códigos Civis respetivos, nomenclaturas diferentes,
e não só: enquanto que no Código Civil português esta matéria se dá pelo nome
Falta e vícios da vontade (subsecção V), inserida no Livro I “Parte Geral”, Das
relações jurídicas” (Título II), Capítulo I respeitante ao “Negócio Jurídico”, secção
I (arts. 240º e ss), no Código Civil francês este conteúdo aparece como Os defeitos
do consentimento, no Livro III, em “Fontes das obrigações” (Título III), Capítulo
II respeitante à “Formação dos Contratos”, secção 2 (arts. 1130 e ss.).
Ora, é possível notar que, enquanto no nosso sistema legal esta matéria se insere
no ordenamento do negócio jurídico, no Direito Francês este não existe. Enquadra-
se, por isso, diretamente no âmbito das fontes de obrigações, mais especificamente,
na formação de contratos.

Podem manifestar-se algumas dúvidas no porquê de defeitos de consentimento


(sistema legal francês) surgirem como equiparáveis à falta ou vícios da vontade de
contratar (sistema legal português), já que as expressões “consentimento” e
“vontade” poderão parecer um pouco distantes.
São-no porque a exigência do consentimento total deriva do princípio da
autonomia da vontade: uma vontade alterada não seria uma vontade autónoma.
Para ser legalmente eficaz, o consentimento deve emanar de um livre arbítrio
saudável e esclarecido.
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Obedecendo ao critério funcional referido no ponto anterior (metodologia), está
na altura de identificar o problema aqui em causa. Parece óbvio que será identificar
situações em que exista deficiência na vontade das partes contraentes, com base nas
disposições legais de cada Código Civil e, posteriormente, indicar as devidas
consequências, tendo em conta que os dois sistemas legais pressupõem regimes
diferentes de nulidade/anulabilidade, que mais à frente veremos.
O objeto de comparação trata-se, mediatamente, de situações em que a
autonomia privada de um indivíduo, por corresponder a uma determinada vontade
exteriorizada por obra humana, é sujeita a vários vícios que levam à sua deficiência
(ou falta), e que, por isso, pressupõem consequências diferenciadas, consoante o
grau de erro ou de privação de autonomia.

b) Tertium comparationis – análise dos termos a comparar


A liberdade contratual constitui o elemento nuclear do princípio da autonomia
privada: os particulares são livres de contratar, pertencendo-lhes, no caso de o
fazerem, o poder de fixarem, em termos vinculativos, a disciplina aplicável ao
contrato: de acordo com o art. 1102º do Code Civil, “cada um é livre de contratar
ou não contratar, escolher o seu cocontratante e determinar o conteúdo e a forma
do contrato nos limites fixados pela lei”; de acordo com o art. 405º do Código Civil
português, “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente
o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código
ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
No entanto, ambos os sistemas legais impõem limites a esta autonomia. O art. 280º
do CC português, estabelece que “é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física
ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”, assim como o “(...)
negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”. Por sua vez, o
art. 1102º do Code Civil refere que “a liberdade contratual não permite derrogar às
regras abrangidas pela ordem pública”, e que “os contratos devem ser negociados,
formados e cumpridos de boa-fé” (art. 1104º).
Compreendemos, então, que a liberdade contratual e a autonomia da
vontade são dois elementos idênticos nos sistemas legais português e francês (com
as devidas limitações). Importa perceber quando é que esta última se constitui de
forma deficiente, ou até quando não se constitui de todo.

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No Direito Português, alguns autores incidem os vícios da vontade em dois
planos:
- quando o processo que leva à tomada de decisão do sujeito autónomo é
perturbado: há um vício na formação da vontade, que pode ir desde a simples falta
de vontade até à ausência de liberdade;
- quando a vontade em si se formou devidamente, mas algo interfere
aquando da sua exteriorização, de tal modo que a declaração não corresponda à
vontade real do sujeito.

No plano dos vícios da formação da vontade, encontramos ainda dois


subplanos que se designam como ausência da vontade e vontade deficiente.
Dentro do primeiro, encontramos a coação física, a falta de consciência da
declaração, e a incapacidade acidental. Na vontade deficiente, insere-se a coação
moral, o erro sobre a pessoa ou sobre o objeto, o erro sobre os motivos, o erro
sobre a base do negócio e, por fim, o dolo.
Já no que toca às divergências entre a vontade e a declaração, é possível
distinguir as intencionais das não-intencionais. Falamos da simulação, da reserva
mental e das declarações não-sérias (intencionais); do erro na declaração, do
erro na transmissão da declaração e do erro de cálculo ou de escrita (não-
intencionais).

No Direito Francês, encontramos diferenças na organização e identificação


destes vícios. Neste sistema legal, o art. 1128º do Code Civil dispõe que para um
contrato ser válido é necessário, entre outros requisitos, o consentimento das
partes – como já vimos, o consentimento total deriva do princípio da autonomia da
vontade.
O art. 1130º estipula que “o erro, o dolo e a violência viciam o
consentimento quando são de uma natureza que, sem eles, uma das partes não teria
celebrado contrato ou teria celebrado contrato mediante termos substancialmente
diferentes”. Estes vícios, segundo o artigo 1131º, são uma causa de nulidade
relativa do contrato.
Ora, dentro daquilo que é considerado um “erro” no artigo 1130º do Code
Civil, encontramos algumas modalidades:

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i) Um erro tal que pode excluir o consentimento, servindo como obstáculo
à formação do contrato – erro obstáculo. Pode comportar um erro sobre o objeto ou
sobre os motivos que levaram as partes a contratar. Veja-se que, neste caso, a
doutrina francesa tende a considerar que este erro destrói, por completo, o
consentimento, não bastando o vício do mesmo como consequência, que é o caso
do Direito português: este considera que existe, de facto, vontade, apenas se
encontra deficiente. Para existir nulidade relativa, no sistema legal francês, é
necessário que o motivo não seja estranho às qualidades essenciais da prestação
devida ou do contratante; no sistema legal português, exige-se uma essencialidade
e cognoscibilidade sobre o motivo e, ainda, que exista uma efetiva estipulação,
expressa ou tácita, tornando a validade do negócio dependente da verificação da
circunstância sobre que incidiu o erro, para que se possa proceder à anulabilidade.
Já sobre o erro sobre o objeto, enquanto no Direito Francês está em causa apenas a
identidade do objeto, no Direito Português, além da identidade, está em causa
também as suas qualidades, e o conteúdo do negócio.

ii) Um erro que vicia o consentimento. Estamos a falar, por exemplo, do


erro sobre a substância. A jurisprudência francesa exige a essencialidade sobre a
mesma para que exista este tipo de erro: esta essencialidade determina que sem a
substância, ou com a deficiência desta, a(s) parte(s) não se teria(m) vinculado.
Falamos, também, do erro sobre a pessoa. O sistema legal francês só admite
nulidade se a pessoa sobre o qual incide o erro seja uma qualidade essencial da
prestação. Diferenciando-se dessa posição, no Direito Português o erro sobre a
pessoa resulta de uma desconformidade entre o conhecimento ou a perceção que a
parte tem da pessoa da outra parte ou das suas qualidades e a verdade, dando, nessas
circunstâncias, origem à anulabilidade.

iii) Um erro indiferente, que apresenta indiferença no que toca à validade


do contrato. Este diz respeito, por exemplo, ao erro sobre as qualidades não
substanciais, ou a um erro de apreciação económica.

Avançando para “o dolo e a violência” referido no mesmo artigo do Code


Civil, é importante explicar que aqui se inserem os dois tipos de coação existentes
no ordenamento jurídico português: coação moral e coação física.
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Ainda que não faça uso desta distinção entre uma e outra, o Código Civil francês
faz referência à coerção, aliada à violência, o que nos permite aproximar estes dois
institutos.
É de ter em conta que ambos os Direitos assumem a existência de dolo,
ainda que o Direito Francês apenas pressuponha a nulidade e o Direito Português
subentenda a anulabilidade acumulável com a indemnização dos danos causados.
Podemos, ainda, associar a simulação, um instituto jurídico português, ao
art. 1137º do Code Civil: “O dolo é um ato por parte de um contratante para obter
o consentimento do outro através de manobras ou mentiras”. Ambos os sistemas
legais pressupõem a nulidade.
O Direito Francês ainda admite como violência, ou seja, como motivo para
nulidade do contrato, quando alguém, “abusando do estado de dependência em que
se encontra o seu cocontratante, obtém deste um compromisso que o mesmo não
teria subscrito na ausência de tal coerção e do qual obtém uma vantagem
manifestamente excessiva”.

c) Síntese Comparativa
Depois de analisados os termos, segue a síntese entre as semelhanças e
diferenças encontradas ao longo deste processo comparativo.
Ora, apercebi-me de várias características comuns ao sistema legal francês
e ao sistema legal português aquando do estudo sobre o subsistema romano-
germânico. Estas características baseiam-se na História e ideologias fundadoras
destes dois Direitos. Ambos se regem pelo Direito Civil, codificado e alicerçado no
princípio da autonomia privada – esta encontra-se limitada pela lei e pela ordem
pública, tanto em Portugal como em França; nestes dois sistemas impera a
supremacia da lei; também é reconhecido, por ambos, que um vício da vontade
pressupõe uma desconformidade entre a vontade real de um indivíduo e a vontade
exteriorizada pelo mesmo, e que essas deficiências podem ser fruto de dolo e culpa,
ou apenas de erro humano não intencional, diferenciando-os.
No que toca às divergências, reparei que, enquanto o sistema legal português
abrange várias situações jurídicas em apenas um tipo de erro (o erro sobre o objeto),
o sistema legal francês atribui o esse estatuto (“erro”) a várias circunstâncias que

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incidem sobre a mesma matéria, o que torna mais difícil a identificação do próprio
erro.
Neste contexto, vemos no Código Civil português um reconhecimento mais
exato das diferentes modalidades de vícios existentes no nosso ordenamento
jurídico, até porque estes (não todos, mas na maioria) se encontram identificados
expressamente. Contrariamente, os erros reconhecidos pelo sistema legal francês
encontram-se mais implícitos, apresentando alguma redundância nas disposições
legais que lhes dizem respeito.
Existe outra diferença que é importante realçar. O regime de nulidade ou
anulabilidade regente em Portugal, e o regime de nulidade relativa ou nulidade
absoluta regente em França, estando apenas em causa nomenclaturas diferentes. No
Direito Português a invalidade desdobra-se nessas duas modalidades: a nulidade de
um ato declara-se, reconhece-se; um ato anulável pode ser anulado ou não,
conforme seja ou não exercido o direito potestativo de anulação. No Direito
Francês, usa-se a contraposição equivalente entre nulidade absoluta e nulidade
relativa .

Conclusão
Concluo, depois deste processo de comparação jurídica que não se revelou
nada fácil dada a complexidade legislativa, jurisprudencial e doutrinária existentes
em ambos os sistemas jurídicos português e francês, que estes detêm mais
características comuns do que detêm diferenças, no tocante à falta e vícios da
vontade de contratar.
Embora possuam algumas diferenças, dada a base romano-germânica é
sempre possível encontrar convergências, já que se regem pelos mesmos princípios-
base do Direito.
No entanto, já demonstrei o meu agrado e preferência pelo sistema legal
português, cujo entendo ser mais exato e esclarecedor que o sistema legal francês,
em termos de codificação e linguagem legislativa.

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Bibliografia

Moura Vicente, Dário. (2008) – Direito Comparado, vol. 1. Almedina.


Coimbra.

Menezes Cordeiro, A. (2014) – Tratado de Direito Civil II: Negócio


Jurídico. 4ª Edição. Almedina, Coimbra.

Jerónimo, P (2015) – Lições de Direito Comparado. 1ª Edição. ELSA


UMINHO. Minho.

Dainow, J. (1966) – The Civil Law and The Common Law: Some
points of comparison, The American Journal of Comparative Law, vol.
15. 3ª Edição. The Oxford University Press. Reino Unido.

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