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Revista da Faculdade de Direito da UFRGS - n° 29, 2011 91

DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO, REGRA E


"NORMA-OBJETIVO"

Carlos Silveira Noronha*

GENERALIDADES sobremodo à ordem jurídica, ou, mais


CONCEITUAIS ENTRE exatamente, tal interação desabrochou
DIREITO E ECONOMIA com maior vigor desde o momento em
que o Direito cogitou de regulamentar
Retroagem às primeiras manifes- a atividade econômica: 1
tações do mundo científico as relações Convergem os autores em afirmar
entre a Economia, como ciência que é com o advento do Estado social,
explicativa, e o Direito, como ciência cujos albores na ordem política
normativa, como de resto, a Economia começam a se projetar no início do
e o Direito as têm com outras século XX, notadamente com as
províncias do complexo científico. constituições mexicana de 1917 e a
A par desses inter-relacionamentos de Weimar de 1919, que surge nas
de ordem geral, pode-se constatar que Cartas Políticas uma parte especial
é a partir da transição do Estado liberal chamada "Ordem Econômica e
para o Estado social que o fenômeno Social". E, em tal sede, passaram as
econômico passou a interessar Constituições a conter um conjunto

* Professor titular da Faculdade de Direito da UFRGS, em nível de Pós-Graduação


stricto sensu e da Faculdade de Direito das Faculdades Integradas São Judas Tadeu de
Porto Alegre, em nível de graduação; Mestre e Doutor em Direito pela USP; Diretor da
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Diretor do Departamento de Direito Civil
do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul; advogado em Porto Alegre.
1 SOUZA, Washington Pelusio Abbino de- Direito Económico, p. 14, Edição F.B.D.E.,
Belo Horizonte, 1975.
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de princípios e regras de organização a expressão de uma determinada


da vida econômica, cujos conteúdos ideologia que se encontra inscrita no
se afinam com os fins políticos do texto das constituições e que assume
Estado. Exatamente nesse estágio a categoria de "norma-objetivo", na
de transformação do ente estatal, versão de EROS GRAU. 4
começa a oferecer-se campo propício Assim, desponta tal disciplina
para uma disciplina normativa normativa quando o papel do Estado
moldada para regular a atividade se amplia para receber os influxos
econômica do Estado, que passou a da atividade econômica, e isso se dá
denominar-se "Direito Econômico" não mais como na visão marxista,
e que paulatinamente conquista foros que divisa no Direito simples reflexo
de cidadania através de proposições da Economia, nem como ao sabor
conceituais, enunciação de sua de uma visão kantiana-stammlerista,
natureza, fixação de seu método e para a qual as duas disciplinas
determinação do seu objeto. fundem-se em uma só unidade,
Projeta-se, pois, tal disCiplina sendo a primeira forma do conteúdo
jurídica, como uma iniciativa dualista da segunda (v. EROS, Elementos,
resultante da síntese do liberalismo cit. p. 24), mas como predica
radical com a antítese do coletivismo REALE, para quem Economia e
extremado, segundo VIDIGAL2 ou Direito submetem-se a um regime
na versão de COMPARATO, para de recíproca complementaridade,
quem "o Direito deixa-se penetrar mediante um processo de interação
de conteúdo econômico, ao mesmo dialética constante, de modo a "não
tempo em que a Economia toma- se poder afirmar que a primeira cause
se sempre mais administrativa ou o segundo, ou que o Direito seja
regulamentada, isto é, jurídica. 3 "roupagem ideológica de uma dada
Antes de passar a uma forma de produção". 5
conceituação do Direito Econômico, O brado de autonomia do Direito
é mister se observe que essa disciplina Econômico já se faz ecoar no seio
jurídica abriga em seu conteúdo das ciências jurídicas, partindo os

2 VIDIGAL, Geraldo de Camargo, Teoria Geral do Direito Económico, p. 17, Edição


RT, 1977.
3 COMPARATO, Fábio Conder. O Indispensável Direito Econômico, ln: Ensaios e
Pareceres de Direito Empresarial, p. 458, Ed. RT, 1978.
4 GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Económico, p. 23, Ed. RT, 1981.
5 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p. 21, Ed. Saraiva, 1993.
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doutrinadores, que desde alguns anos Em tais conceitos, delineiam-se


para cá o acolhem, para oferecer sinteticamente o objeto do Direito
várias propostas de conceituação do Econômico no complexo do Direito
mesmo Destarte, "Direito Econômico Positivo pátrio e o caráter diferen-
é a disciplina jurídica de atividades ciado das normas que o regulam e
desenvolvidas nos mercados, visando o delimitam.
a organizá-los sob a inspiração
dominante do interesse social"
(VIDIGAL, ob. cit. no 41, p. 44). Para PRINCÍPIOS E
o Prof. WASHINGTON, "Direito REGRAS JURÍDICAS
Econômico é o ramo do Direito que
tem por objeto a regulamentação O ordenamento jurídico estatal
da política econômica e por sujeito não é integrado exclusivamente por
o agente que dela participe. Como regras jurídicas. Outra categoria
tal, é um conjunto de normas de normativa desempenha papel prepon-
conteúdo econômico que asségura derante e definitivo no processo de
a defesa e a harmonia dos interesses inteligência e aplicação do Direito:
individuais e coletivos definidos pela são os princípios jurídicos ou
ideologia adotada na ordem jurídica. princípios do Direito, conceituados
Para tanto, utiliza-se do princípio da sinteticamente na visão de léxico
economicidade" (ob. cit., p. 7). Por francês, "como regras, palavras ou
fim, o Professor EROS conceitua-o construções que servem de base ao
como "o sistema normativo voltado Direito como fontes de sua criação,
à ordenação do processo econômico, aplicação ou interpretação (JERZY
mediante a regulação, sob o ponto WROBLEWSKI. 6 Outro autor
de vista macrojurídico, da atividade francês, de nomeada, coloca em
econômica, de sorte a definir uma relevo os princípios jurídicos nos
disciplina destinada à efetivação seguintes termos: "Les príncipes
da política econômica estatal" (ob. empruntent 'une partie de leur majesté
cit. p. 31). ou mystere que les entoure". 7

6 WROBLEWSKI, Jersy. Dicionnaire Encyclopedique de Théorie et Sociologie du


Droit, p. 317, apudEROS ROBERTO GRAU, A Ordem Económica na Constituição de
1988, n° 34, p. 95, 2a Edição RT, 1991.
7 BOULANGER, Jean. Principes Généraux Du Droit et Droit Positif, ln: Droit
Privé Français au Milieu du no Siecle (Etudes Offertes a Georges Ripert), LGDJ,
Paris, 1950.
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O mesmo J. BOULANGER em cada ordenamento jurídico, ad-


refere o conceito religioso, sobre mitidos implicitamente no respectivo
princípios, de DOMAT, com base sistema, os quais, embora não enun-
no direito natural, e os de PlANIOL ciados em norma explícita, estão aí
e de CAPITANT, com fulcro no contemplados em estado de latência.
direito laico, especialmente no Por isso mesmo, não é de se
direito civil, para concluir que essas pressupor que cada ordenamento
versões de tendência teocrática, e jurídico venha a contemplar todos os
bem assim de ordem filosófica e de princípios gerais do Direito. É certo
ordem laica, ainda que importantes que um determinado ordenamento
para a compreensão dessa categoria jurídico -continua o Professor EROS
normativa, mostram-se insuficientes -contemplará um determinado elenco
para chegar-se a uma noção integral deles; rioutro sistema positivo poderá
sobre "princípios jurídicos", porque estar contemplado elenco diverso
estes ligam-se e se encartam na ordem de princípios gerais do Direito.
jurídica positiva e aos mesmo~ se Exemplo de aplicação in concreto
apela como instrumentos elucidadores dessa última categoria é o relato
e simplificadores da inteligência e feito pelo Professor EROS, extraído
aplicação das regras jurídicas (ob. da obra "La lógica jurídica y la neva
cit., p. 53-54). retórica", 105-108, de PERELMAN,
Cuida-se, pois, de princípios posi- a respeito de fato ocorrido na Bélgica,
tivos do Direito, isto é, de princípios durante a primeira Guerra Mundial.
jurídicos que constituem normas ju- Havendo sido o país ocupado pelo
rídicas ou princípios jurídicos posi- exército alemão e na impossibilidade
tivados, na expressão de EROS RO- de funcionamento da Câmara e do
BERTO GRAU. Há, ainda, os prin- Senado, a legislação passou a ser
cípios gerais do Direito, que embora editada unipessoalmente pelo Rei,
não enunciados em normas jurídicas que se encontrava no Havre, através
explícitas, são muitas vezes tomados de decretos-leis, com o que violava-
pelo intérprete ou pelo aplicador do se o artigo 26 da Constituição da
Direito, para a definição de determi- Nação, segundo o qual o poder de
nadas soluções e decisões jurídicas. legislar, deveria exercitar-se pelo Rei,
São aqueles princípios descobertos Câmara e Senado, conjuntamente.
no ordenamento positivo que, mercê Terminado o conflito, os decretos-leis
de sua consideração decisiva para a editados pelo Rei foram arguidos de
definição de determinadas soluções ilegalidade, por afronta ao referido
jurídicas, resultam positivados. Tais artigo 26 da Constituição belga.
princípios encontram-se subjacentes Porém, a Corte de cassação, amparada
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no artigo 130 daquela Lei Maior, que primum caput), significa cierta
prescrevia: "a Constituição não pode idea de precedencia y procedencia,
ser suspensa, nem no seu todo, nem por lo que se dijo que era el origen
em parte"; concluiu que "na aplicação de alguna cosa o aquello de donde
dos princípios constitucionais, o Rei, procedia. Principio de conocimiento,
que durante a guerra era o único órgão se decia en Ias escuelas, es aquello de
do poder legislativo que conservara que en el orden intelegible procede
sua liberdade de ação, adotou as el conocimiento, como los axiomas
disposições com força de lei que a respecto de Ias verdades de ellos
defesa do território e os interesses deducidas. Principio de derecho es
vitais da nação imperiosamente el pensamiento directivo que domina
demandavam", e reconheceu legiti- y sirve ~e base a la formación de
midade às referidas disposições las singulares disposiciones de
legislativas editadas pelo Rei. 8 Derecho de uma institución jurídica,
Aí está um exemplo concreto, na de un Código o de todo un Derecho
ordem transnacional, de um prinéípio positivo. El princípio encarna el más
jurídico latente na ordem jurídica alto sentido de una ley o institución
belga, que foi descoberto e aplicado de Derecho, el motivo determinante,
pela Corte de Cassação daquele país, Ia razón informadora del Derecho
resultando positivado. (ratio juris), aquella idea cardinal
Mas, como salienta o provecto bajo Ia que se cobijan por la que se
Professor das Arcadas, não se pode, e explican los preceptos particulares,
a toda evidência, confundir princípios a tal punto, que éstos se halian com
gerais do Direito, com princípios aquélia em la propia relación lógica
teoréticas elaborados pela Teoria Geral que la consecuência al principio de
do Direito, em nível conceituai. E em donde se derivan. El principio no es
prol dessa sua doutrina, transcreve la norma misma, pero se orienta hacia
o Professor EROS, exposição de ella, y como se trata de princípios de
DE DIEGO, em que aquele autor Derecho que necessariamente dicen
espanhol faz, de maneira primorosa, o relación al obrar, ellos son normas
destaque entre princípios positivados supremas y fundamentales a las que
e princípios não positivados em última instância debe subordinarse
nos seguintes termos: "Principio la conducta, em cuanto contienen
en general (De primum capere o el gérmen de aquellas regias que

8 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Económica na Constituição de 1988, n° 33, p. 92-94,


2a Edição RT, 1991.
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han de dominar las situaciones analisada, sugere desde logo a ideia


singulares em que socialmente nos de uma relação entre os princípios e
hallemos colocados. Consecuencia as regras jurídicas. Fala a doutrina
dei concepto dado de los princípios em regras jurídicas, mas também se
de derecho es que entre ellos puede refere frequentemente a princípios.
establecerse una gradación, según su São ambas, categorias necessanas
mayor o menor generalidad, desde à compleição inteira da ordem
el principio sumo que tiene razón jurídica. Distingui-las, revela-se
de premier principio y domina toda tarefa de capital importância, porque
la matéria de derecho, hasta aquel os princípios gozam de foros de
inferior y subordinado que disciplina cidadania jurídica e se constituem,
una singular relación o instituclón como _tais, elementos da própria
jurídica. Muchos de estos principias ordem jurídica positiva.
aparecen consignados en las mismas Dessa assertiva, todavia, pode
leyes (ad exemplum, el dei artículo surgir uma objeção. Se a própria regra
1902 del Código Civil espaffol), y jurídica reveste-se da característica
claro es que entonces revisten la de generalidade e tal característica
forma propia de normas jurídicas que é também específica no princípio,
por su función podrían denominarse ambos poderiam ser considerados
definentes o declarativas. No hay sinônimos, porque gozam de um
necessídad de indicar que al respecto elemento identificativo que lhes
de estos últimos la determinación é comum. Mas essa identidade
de su sentido y alcance es cuestión vocabular da característica não deve
de interpretación; frente a ellos, la servir de motivo para a confusão
actividad del aplicador del Derecho ha entre uma e outra categoria jurídica. É
de encauzarse principalmente por la via que existe entre um princípio e uma
de Ia interpretación. La actividad del regra jurídica não só uma gradação
julgador frente a los otros principias de importância, mas também uma
no consignados expressamente en la diferença de natureza, de tal modo que
ley, es otra y distinta". 9 a generalidade de uma regra jurídica
De outro modo, a colocação não deve ser entendida da mesma
de BOULANGER, anteriormente extensão que a generalidade de um

9 DE DIEGO, Clemente F. El Método en la aplicación del Derecho Civil, in Revista de


Derecho Privado. T. III, PP. 292/293, Madrid, 1916, apud EROS ROBERTO GRAU,
A Ordem Económica na Constituição de 1988, n° 43, pp. 1171118, 2a edição, RT, 1991.
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princ1p10, segundo BOULANGER princípios de ordem técnica situam-


(ob. cit., p. 55). se numa posição de subordinação
Com efeito, uma regra jurídica nessa escala hierárquica interior
é geral no sentido. que é estabelecida (BOULANGER, ob. cit., p. 72).
para um número indeterminado de E remata este preclaro jurista
atos ou fatos, mas no que pertine a francês: "Sem os princípios, tudo
certa relação ela é especial, porque se desmorona, tudo se aniquila
não rege senão tais atos ou tais fatos, ( ... ). Na falta de entusiasmo por
tendo em vista que ela é editada ideias puras, o direito sucumbiria
para reger uma situação jurídica de interesse e não seria mais que
determinada. Um princípio, ao con- um material empírico agindo ao
trário, sua generalidade comporta sabor ~as circunstâncias, incapaz
uma série indefinida de aplicações, de assegurar a paz entre os homens
em razão de ser mais amplo, no
"BOULANGER, ob. cit., p. 74).
entendimento do citado autor. Um
E nessa perspectiva, há que
princípio, uma vez descoberto. para
se correlacionar o pensamento de
reger determinada situação, pode
RONALD DWORKIN. Este autor
ser reaplicado em outras situações
estabelece distinções entre regras
concretas, sendo utilizável também
(rufes), princípios (principies) e
para legitimar a aplicação analógica
o que chama diretrizes (policies).
de um texto e, ainda, serve para
Além da classificação que faz das
estabelecer uma solução adequada na
ausência de regra legal, o que leva a normas que compõem os sistemas
doutrina a considerá-lo indispensável jurídicos (em especial, o norte-
elemento de fecundação da ordem americano), este autor observa que
jurídica positiva. Lembra o autor os profissionais do Direito fazem uso
que "La ratio legis n'est pas autre de pautas (standards ), que não atuam
chose qu 'un príncipe", na versão como regras, mas funcionam como
de BOULANGER (ob. cit. pp. 56, 63 princípios .e diretrizes (policies) ou
e 64). outra espéde de pauta. Ao vocábulo
Este autor, confirmando a antiga princípio, propõe DWORKIN
tese de CLEMENTE F. DE DIEGO, uso genérico, advertindo que entre
em 1916, entende que há também uma princípios e diretrizes há que se
hierarquia interna entre os princípios, estabelecer distinções, por exigência
opinando, por exemplo, que os de maior precisão. 10

10 DWORKIN, Ronald- Taking Rights Seriusly (Rules, principies and polices), p. 22,
5a impressão, Duckworth, Londres, 1987.
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Em seguida, faz o autor essa Quanto ao discrime entre prin-


distinção, dizendo: "Eu chamo uma cípios e regras jurídicas, salienta
diretriz aquela espécie de norma que DWORKIN que a sua posição é fruto
traça um objetivo a ser alcançado, em de uma distinção lógica. E procuran-
geral a melhoria de algum aspecto do elucidar o problema, diz textual-
econômico, político ou social da mente: "Ambos os grupos de pautas
comunidade (alguns objetivos são (standards) legais apontam para deci-
negativos, então estipulam que algum sões particulares acerca de obrigação
aspecto atual deve ser protegido particular e em circunstâncias parti-
contra mudança adversa). "Eu chamo culares, mas elas diferem quanto ao
um princípio uma pauta (standard) caráter da direção seguida. As regras
que deve ser observada, não porque são apl!cadas em estilo de tudo ou
ela vai viabilizar ou assegurar uma nada, de modo absoluto. Se ocorrem
determinada situação economtca, os fatos previstos numa regra e sendo
política ou social considerada con- ela válida, em qualquer caso deve ser
veniente, mas porque ela é\·. ~ma
aplicada". Exemplificando, se a regra
exigência de justiça, de imparcialidade
dispõe que um testamento deve ter a
ou de outra dimensão de moralidade".
presença de três testemunhas para ser
Exemplificando, refere que, nessa
válido, não há como tomar-se por vá-
perspectiva, "a pauta (standard)
lido se firmado somente por duas tes-
de que os acidentes de automóveis
temunhas (ver autor e ob. cit., p. 25).
devem diminuir é uma diretriz
Para a doutrina de DWORKIN,
(policy) e a pauta (standard) de que
os princípios jurídicos atuam de
nenhum homem pode tirar proveito
de seu próprio delito são um princípio modo diverso. Segundo a análise da
(DOWORKIN, ob. cit. p. 22). doutrina desse autor, "mesmo aqueles
Como se pode constatar, na que mais se assemelham às regras
doutrina de DWORKIN resulta não se aplicam automaticamente e
evidente a proximidade entre as necessariamente quando as condições
diretrizes (policies) e as normas- previstas como suficientes para sua
objetivo, de que adiante nos ocu- aplicação se manifestam". (... ) "A
paremos e que não escapou à circunstância de serem (os princípios)
costumeira agudez de percepção do próprios a um determinado Direito
Professor das Arcadas, EROS GRAU, não significa que esse Direito jamais
como acima já se referiu. A propósito, autorize a sua desconsideração.
há que se observar, também, que a Trabalhando com o princípio se-
ratio legis constitui um princípio gundo o qual ninguém aproveita
para JEAN BOULANGER (ver ob. sua própria fraude (torpeza),
cit., p. 63). DWORKIN aponta o fato de que, em
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determinados casos, o Direito não se à outra, de modo que, no caso de


opõe a que alguém obtenha proveito conflito entre ambas, deve ,uma ser
da fraude que praticou. O exemplo aplicada, decaindo ou caducando a
mais notável é o .da posse indevida: outra, por inválida (DWORKIN, ob.
aquele que penetrar em prédio alheio cit., pp. 26-27.
reiteradamente, durante largo período
de tempo, poderá obter( ... ) o direito
de cruzá-lo sempre que desejar", AS NORMAS-OBJETIVO
situação que caracteriza, para o
Direito pátrio, a "passagem forçada", a) Noção e evolução da
regulada no artigo 1.285 do Código "norma-objetivo"
Civil Brasileiro de 2002.
A segunda distinção feita por A primeira noção de norma-
DWORKIN, entre princípios e objetivo nasceu na União Soviética,
com os ensaios de CHEBANOV,
regras jurídicas, é decorrente da
de GOLOUNSKI e de LAPTEV,
primeira, ou seja, da distinção lógica.
publicados no início da década
Funda-se essa segunda distinção
de 60. Ao lado de normas-regra,
na concepção de que os princípios
surgem, em especial na legislação
têm uma dimensão de peso ou de pertinente à atividade econômica, as
importância que não ostentam as normas-objetivo, como disposições
regras. Quando concorrem para a normativas de natureza diversa, a
solução do caso vários princípios, respeito das quais o legislador não
deverá o intérprete contrabalançar o enuncia regras de conduta, nem de
peso de cada um deles, aplicando o organização, limitando-se a indicar
de maior valoração. Isto não significa os resultados concretos que devem ser
que o de menor peso ou importância alcançados pelos seus destinatários,
deixe de viger no ordenamento refere o Professor da Faculdade do
jurídico respectivo, pelo simples fato Largo de São Francisco.- 11
de não haver sido aplicado. Tradicionalmente, distinguem-
As regras não possuem entre si se, entre .as normas jurídicas, as
dimensão de peso ou de importância, normas de conduta e as normas
não se podendo afirmar que no interior de organização. Consideram-se
do respectivo sistema normativo, normas de conduta aquelas "cujo
uma regra transcenda de importância objetivo imediato é disciplinar o

11 GRAU, Eros Roberto. Verbete "Norma-objetivo, ln: Enciclopédia Saraiva do


Direito, vol. 54, p. 442-445, Edição Saraiva, S. Paulo.
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comportamento dos indivíduos, ou nem com as definidoras de condutas


as atividades dos grupos e entidades ou comportamentos, nem com as
socxms em geral". Por outro que instrumentam o funcionamento
lado, consideram-se normas de de órgãos ou disciplinam processos
organização aquelas que "possuem de identificação e aplicação de
um caráter instrumental, visando outras disposições normativas, como
à estrutura e funcionamento de ocorre com as normas de conduta
órgãos, ou à disciplina de processos e as de organização da classificação
técnicos de identificação, e aplicação tradicional, mas que se destinam a
de normas, a fim de assegurar uma fixar objetivos a serem perseguidos,
convivência juridicamente ordenada". deixando aos destinatários a busca
Está-se aí diante de uma classificação dos estilos de comportamento e
binômica das normas jurídicas, que formas de organização necessários à
as toma em. consideração segundo o persecução dos referidos fins. A esse
seu conteúdo. 12 novo tipo de normas, que passam
Todavia, modernamente, a 'partir a exercer no ordenamento jurídico
do momento em que o ente estatal papel semelhante ao das obrigações
deixou de ser Estado-ordenamento, de resultado (e não o das de meio)
como mero produtor de ordem, na ordem civil, é que a doutrina da
segurança e paz, para assumir o segunda metade do século passado dá
papel de Estado-social, como a denominação de norma-objetivo.
agente da transformação social e Abandona-se, assim, a classifi-
como conformador da economia, cação binômica tradicional para
começam a surgir no direito positivo alcançar-se uma classificação trinô-
inúmeros exemplos de normas que mica, nova, das normas jurídicas. 13
não mais se dirigem exclusivamente A introdução na doutrina
a regular condutas ou a instrumentar a nacional, e bem assim a especificação
organização de órgãos e a disciplinar e identificação dessa categoria
processos viabilizadores da atividade normativa,' é fruto da pesquisa e
estatal, mas que se destinam a fixar conhecida argucia do Professor
determinados resultados concretos, EROS ROBERTO GRAU, que
incluídos nos escopos do 'Welfare a expôs em sua tese de Livre-
state". Tais normas não se confundem Docência nas Arcadas, intitulada

12 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p. 97, Edição Saraiva, 1993.


13 GRAU, Eros Roberto. Verbete "Norma-objetivo", ln: Enciclopédia Saraiva do
Direito, vol. 54, pp. 442-445, Edição Saraiva, São Paulo.
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"Planejamento Econômico e Regra Para o Professor EROS ROBERTO


Jurídica", publicada em 1978, sendo GRAU normas-objetivo são, dentre
pelo mesmo desenvolvimento em outras, as inscritas no texto do artigo
várias publicações posteriores. 3° da Constituição de 1988; as contidas
Para melhor explicitar e oferecer no texto do artigo 170 do mesmo
praticidade à sua doutrina sobre Estatuto Político. Como exemplos
a atuação da norma-objetivo no no âmbito do direito privado, uma
complexo da ordem jurídica, traça pesquisa mais aprofundada arrolará
o Prof. EROS uma linha analógica inúmeros casos, mas é certo que a regra
entre o Direito e o jogo de xadrez, do artigo 154 da Lei das Sociedades
dando dinamicidade à classificação Anônimas, é um deles; também o
trinômica das normas jurídicas. No artigo 30 da Lei da Reforma Bancária
jogo de xadrez divisam-se três tipos (Lei no -4595/64), que "estabelece os
de normas que o regulam: a) as regras objetivos da Política do Conselho
sobre o jogo (definem as especificações Monetário Nacional". Por fim, no
do tabuleiro), correspondendo, às concerto do Direito Internacional,
normas de organização do jogo; b) encontram-se muitas normas-
as regras do jogo (que estabelecem objetivo nas respectivas convenções,
os comportamentos dos disputantes) como é, v.g., o caso do artigo 189
e que são normas de conduta; e por do Tratado de 1957, da Comunidade
fim, c) as regras sobre o fim do jogo Econômica Europeia. 16
(colocar o adversário em xeque),
pertinentes às normas-objetivo. 14 b) Crítica à doutrina da
No que diz com a aplicação das "norma-objetivo"
normas-objetivo no direito pátrio,
COMPARATO, diz que elas se O primeiro argumento crítico
destinam a regular "a busca da justiça que se poderia desfechar contra essa
social e a valorização do trabalho, categoria de norma é a de que ela
condição da dignidade humana". 15 está despida de sanção e, como tal,

14 GRAU, Eros Roberto. Direito, Conceito e Normas Jurídicas, no 165, p. 150, Edição
RT, 1988.
15 COMPARATO, Fábio Conder. O Poder de Controle da Sociedade Anônima, n° 115,
p. 297, Edição Forense, 1983.
16 GRAU, Eros Roberto. Direito, Conceitos e Normas Jurídicas, ns. 173 a 175, p.
145-147, Edição RT, 1988.
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estaria sufocada pela corrente que com as normas programáticas. Não


inadmite a norma jurídica sem sanção. há superposição entre ambas. As
É de ver que, segundo BOBBIO, a normas programáticas servem de
sanção é elemento constitutivo do instrumento para viabilizar tanto
Direito, presente no ordenamento condutas ou comportamentos quanto
jurídico como um todo, de modo que os fins perseguidos pelas normas-
a norma recebe a sanção pelo só fato objetivo, de tal modo que os dois
de estar integrada ao sistema. Além conceitos coexistem e não se repelem,
disso, se a ausência de sanção fosse eis que colocados em níveis diversos.
incompatível com a juridicidade da Além disso, ambas as noções estão
norma, haver-se-ia de negar caráter sujeitas a critérios diversos. A noção
jurídico a grande número de normas de norma-objetivo prende-se ao
do Direito Constitucional e a todo o critério -do conteúdo; a de norma
Direito Internacional, situação que não programática submete-se ao critério
se harmoniza com os princípios. Por da eficácia. Por fim, a qualificação de
fim argumenta-se, a sanção diz com a norma programática é exclusiva das
vigência e não com a eficácia da norma. normas constitucionais, ao passo que
Uma segunda objeção à presença a norma-objetivo pode proliferar na
da norma-objetivo na ordem jurídica esfera infraconstitucional, argumenta
é a de que esta carece de eficácia. EROS ROBERTO GRAU. 18
Tal carência desaparece, todavia, A vida autônoma da norma-
contanto que se estabeleça a distinção objetivo no complexo do sistema
entre eficácia jurídica e eficácia social. normativo não pode deixar dúvidas
Analisando ambas, assevera JOSÉ ao analista de sua natureza. Em
AFONSO DA SILVA que a eficácia primeiro lugar, há que se verificar
social refere-se ao fato de ser a norma tratar-se de norma que contém, como
realmente obedecida e aplicada, mas as outras elencadas pela teoria geral,
a sua ausência não tem força para um comando abstrato e geral, que
desqualificar juridicamente a norma. 17 se mostra universal em relação à ação
A terceira objeção é no sentido que define· e também universal em
de identificar as normas-objetivo relação ao seu destinatário. 19

17 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 57-58,


Edição RT, 1968.
18 GRAU, Eros Roberto. Direito, conceitos e Normas Jurídicas, cits. ns. 175-180, p.
147-151.
19 GRAU, Eros Roberto. Lei do Plano, in Revista de Direito Público, ns. 53-54, ano
XIII, p. 321.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- n° 29, 2011 103

Reveste-se a norma-objetivo Arcadas: "Bilateralidade atributiva é


da característica da heteronomia o nexo objetivo que põe em relação
comum a normas jurídicas, a que dois ou mais sujeitos, discriminando-
KANT recorre para estabelecer lhes esferas autônomas de ser e de
o discrime entre estas e a norma agir, conferindo-lhes pretensões, que,
moral. Dotada de validade objetiva podendo ser recíprocas ou não, se
e transpessoal, por estar colocada acham sempre providas da garantia
acima das pretensões dos sujeitos da decorrente da objetividade do
relação administração-administrado, enlace"22 , ou, como mais sucintamente
mantém a estrutura de um querer expressou-a o jusfilósofo em outra
geral, irredutível ao querer particular oportunidade: "é uma proporção
de qualquer dos sujeitos, segundo intersubjetiva, em função da qual
REALE. 20 De outro modo, fixadas as os sujeitos de uma relação ficam
diretrizes e prioridades, não restam autorizados a pretender, exigir, ou
ao setor público outras alternativas a a fazer garantidamente algo". Na
perseguir senão as correspond~ntes realidade, a relação vincular que se cria
àquelas fixadas originariamente. Vale entre o Estado e o súdito em razão das
dizer, devem ser perseguidas essas diretrizes ou prioridades por aquele
diretrizes e prioridades, segundo a fixadas em favor deste, tuteladas pela
vontade ou, mesmo, contra a vontade norma-objetivo conferem à mesma a
do ente público, realizando-se em bilateralidade atributiva essencial a
tal perspectiva, a heteronomia toda regra jurídica.
da norma-objetivo, argumenta o Disso se pode concluir que a
Professor EROS. 21 norma-objetivo insere-se como
Por fim, está essa categoria categoria nova, no complexo
de norma dotada também da normativo do Estado, completando-o,
bilateralidade atributiva que, e convivendo harmonicamente com
na doutrina de MIGUEL REALE, as demais classes de normas, como
exoma os sistemas normativos. Ao integrante do trinômio normativo
conceituá-la, diz o jusfilósofo das inicialmente referido.

20 REALE, Miguel. Lições, cit. p. 49.


21 GRAU, Eros Roberto. Lei do Plano, ln: Revista de Direito Público, cit., ns. 53-54,
Edição RT, São Paulo.
22 REALE, Miguel. Filosofia do Direito, vol. 2°, n° 245, p. 586, Ed. Saraiva, 1962;
Idem, Ações Preliminares de Direito, p. 51.
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