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O DIREITO DO TRABALHO NO SÉCULO XXI:

EM BUSCA DE UMA NOVA ESTRUTURAÇÃO

Paulo Roberto Lemgruber Ebert*

INTRODUÇÃO

N
o século XIX, a integração entre os diferentes mercados nem de longe
se equiparava ao quadro atual, e a limitação quanto à livre contratação
de mão de obra era uma discussão formulada eminentemente no plano
interno dos países. O direito do trabalho, surgido nesse contexto, tinha, portanto,
a pretensão de compensar as distorções ocasionadas por um capitalismo ainda
atado ao campo doméstico – ou, quando muito, a um cenário supranacional
restrito –, em razão das limitações tecnológicas de então e das barreiras impostas
pela política externa, que muitas vezes redundavam na deflagração de guerras.
A complexidade assumida pelo capitalismo moderno em decorrência
dos avanços no processo de globalização, da integração econômica entre os
mercados, dos avanços tecnológicos e da ampliação do número de atores no
comércio internacional pôs em xeque a eficácia dos mecanismos clássicos do
direito do trabalho para fazer frente a essa nova realidade, mormente porque nela
a limitação normativa quanto à utilização do labor humano por parte do Estado
pode ser facilmente contornada por intermédio da transferência das empresas e
dos investimentos para outro país detentor de um ordenamento mais tolerante.
Diante disso, cabe perquirir se o direito do trabalho, em sua concepção
compensatória tradicional, tem condições de neutralizar as distorções sociais
ocasionadas pelo atual estágio do capitalismo ou se é necessário conceber uma
proposta de redefinição de suas estruturas, a fim de possibilitar o cumprimento
de tal desiderato.

* Advogado; doutorando em Direito do Trabalho e da Seguridade Social na Universidade de São Paulo


(USP); pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB); pós-graduado
em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

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1 – O DIREITO E AS ESTRUTURAS SOCIAIS. O SISTEMA


CAPITALISTA E O POSITIVISMO JURÍDICO
A análise da tradição jurídica ocidental demonstra que os sistemas legais
das sociedades tendem, ao longo do tempo, a se adaptar às estruturas vigentes
nestas últimas, limitando-se o direito, nesse contexto, a prover o arcabouço
normativo necessário para o desenvolvimento das relações sociais naquelas
condições pré-estabelecidas, sem pretensão de revisá-las em sua essência.
De igual modo, a mirada retrospectiva da história ocidental demonstra
que apenas nos momentos de grave convulsão política e econômica é que se
cogita no desmonte das vetustas estruturas sistêmicas, de modo que o direito,
em tais circunstâncias, encontra condições de colaborar com a reestruturação
das relações sociais segundo os propósitos revolucionários.
No entanto, findo o clamor revisionista e restabelecida a ordem sob novos
paradigmas, o direito tende a retomar aquele papel servil às bases do sistema
social, no fito de conceder-lhe a estabilidade necessária para sua subsistência e
de incrementar suas estruturas, a fim de resguardá-las de eventuais investidas
tendentes ao seu desmonte1.
A visualização de tal tendência assumida pelo direito apresenta-se de
modo límpido na análise histórica das revoluções ocorridas no mundo ocidental.
De fato, os episódios mais significativos ocorridos entre os séculos XVIII e
XX, após terem logrado a promoção de importantes mudanças nas estruturas
políticas de suas respectivas sociedades, trataram de elaborar um ordenamento
jurídico voltado para a consolidação da nova ordem. A par disso, a maioria
desses tais movimentos não logrou – e nem sequer pretendeu – alterar as bases

1 Nesse sentido, Harold Berman assinala que:


“Uma transformação radical de um sistema jurídico é, contudo, paradoxal, já que um dos propósitos
fundamentais do Direito é proporcionar estabilidade e continuidade. Além do mais, o Direito em todas
as sociedades deriva a sua autoridade de algo que está fora de seu âmbito, e se um sistema jurídico
passa por um período de mudanças rápidas, então levantam-se dúvidas sobre a legitimidade das fontes
de sua autoridade. No direito, mudanças repentinas em grande escala – mudanças ‘revolucionárias’
assumem, sem dúvidas, ares ‘antinaturais’. Quando ocorrem, algo deve ser feito para que não voltem
a ocorrer. O Direito deve ser firmemente restabelecido; deve ser protegido contra a ameaça de outra
descontinuidade. Mais mudanças devem limitar-se a incrementos.” BERMAN, Harold. Direito e Re-
volução. A formação da Tradição Jurídica Ocidental, p. 27.

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do sistema capitalista de produção, de exploração de mercados e de distribuição


de riquezas, que permaneceu no cerne de suas estruturas econômicas2.
O viés subserviente do direito às estruturas sociais postas ganhou subs-
tancial reforço a partir do século XIX, com a preponderância da doutrina do
positivismo jurídico na elaboração, na compreensão global e na aplicação
cotidiana dos ordenamentos normativos. Nesse contexto, o direito passou a ser
concebido como o conjunto fechado e autossuficiente das leis existentes em
uma determinada circunscrição territorial, cuja validade independeria dos ele-
mentos valorativos presentes em outros sistemas (ex: moral, política e religião)
ou do conteúdo de seus dispositivos, e cuja racionalidade prática pautar-se-ia
pela subsunção formal dos dispositivos legais aos fatos concretos, conforme
sintetizado por Norberto Bobbio:
“O positivista jurídico assume uma atitude científica frente ao
direito já que (...) ele estuda o direito tal qual é, não tal qual deveria
ser. O positivismo jurídico representa, portanto, o estudo do direito
como fato, não como valor: na definição do direito deve ser excluída
toda qualificação que seja fundada num juízo de valor e que comporte
a distinção do próprio direito em bom e mau, justo e injusto. O direito,
objeto da ciência jurídica, é aquele que efetivamente se manifesta na
realidade histórico-social: o juspositivista estuda tal direito real sem se
perguntar se além deste existe também um direito ideal (como aquele
natural), sem examinar se o primeiro corresponde ou não ao segundo e,
sobretudo, sem fazer depender a validade do direito real da sua corres-
pondência com o direito ideal.
(...)
Com relação ao conteúdo das normas jurídicas, é possível fa-
zer uma única afirmação: o direito pode disciplinar todas as condutas
humanas possíveis, isto é, todos os comportamentos que não são nem

2 O art. 17 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e o item I da Declaração de


Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776, que inspiraram, respectivamente, as revoluções francesa
e norte-americana bem demonstram tal assertiva:
“Art. 17. Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não
ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de
justa e prévia indenização.”
“I
Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos,
dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar
seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a proprie-
dade e de buscar e obter felicidade e segurança.”

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necessários, nem impossíveis; e isto precisamente porque o direito é uma


técnica social, que serve para influir na conduta humana. Ora, uma norma
que ordene um comportamento necessário ou proíba um comportamento
impossível seria supérflua e uma norma que ordene um comportamento
impossível ou proíba um comportamento necessário seria vã.
Este modo de definir o direito pode ser chamado de formalismo
jurídico; a concepção formal do direito define, portanto, o direito exclusi-
vamente em função da sua estrutura formal, prescindindo completamente
do seu conteúdo – isto é, considera somente como o direito se produz e
não o que ele estabelece.”3
Sob a racionalidade positivista, as possibilidades de reformulação das
estruturas sociais pelo direito ficaram ainda mais limitadas, porquanto o con-
teúdo das normas – em especial aquelas voltadas para a regulamentação das
relações entre privados – primou, nos últimos séculos, por refletir as lógicas de
produção e de exploração mercadológica do capitalismo, representadas pelos
institutos das obrigações, dos contratos, do direito comercial, dos direitos reais,
dentre outros.
Nesse contexto, os operadores do direito formados sob a crença de que a
validade das normas consistiria em um elemento de índole meramente formal
limitaram-se a concebê-las como dados aplicáveis à totalidade das relações
sociais enquadráveis em seus enunciados abstratos e gerais e, desse modo, a
aplicá-las de forma acrítica, sem atentar para eventuais distorções presentes
na realidade fática.
Assim, à luz da racionalidade positivista em voga no século XX, o má-
ximo que se logrou alcançar no que concerne à superação de tais desequilíbrios
sistêmicos foi a elucubração de mecanismos normativos destinados a promover
a compensação das distorções do capitalismo sem alterar substancialmente sua
estrutura, a fim de evitar, em última instância, o desencadeamento de processos
revolucionários.
Foram exatamente estes os propósitos que fomentaram o surgimento do
direito individual e coletivo do trabalho e, mais tarde, do Estado de Bem-Estar
Social.

3 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Lições de filosofia do direito, p. 136-145.

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2 – O DIREITO DO TRABALHO COMO UM MECANISMO


COMPENSATÓRIO

2.1 – A estrutura do capitalismo nos séculos XIX e XX e o surgimento


do Direito do Trabalho

Com o incremento da Revolução Industrial no século XIX, o capitalismo


adquiriu um impulso até então não experimentado. A produção em massa de
bens decorrentes das inovações tecnológicas possibilitou a geração de riqueza
em patamares inéditos e a expansão da economia dos países que a protagoni-
zaram. Nesse contexto, a tônica do sistema passou a ser a exploração de novos
mercados (a desaguar no neocolonialismo) e a utilização maciça de mão de
obra nas fábricas.
A classe social detentora dos meios de produção (burguesia), que saíra
vitoriosa das revoluções liberais, forjou os ordenamentos jurídicos das potên-
cias industriais de então segundo seus desígnios. Nesse sentido, as normas
passaram a ter por escopo a facilitação das relações mercantis entre os agentes
econômicos, com base na crença de que estes últimos seriam detentores de um
mesmo grau de autonomia privada e de liberdade individual, sendo, portanto,
iguais perante o direito4.
Contudo, a aplicação de tal construção ideológica nas relações de trabalho
afigurou-se desastrosa. A propalada “igualdade” entre os detentores dos meios
de produção e aqueles que ofereciam sua mão de obra no bojo dos contratos
civis de “prestação de serviços” e de “arrendamento de obras” mostrara-se

4 Nesse particular, Héctor-Hugo Barbagelata destaca que:


“Los Códigos Civiles a imagen y semejanza del francés, concebían las relaciones laborales como rela-
ciones encuadradas lisa y llanamiente en el sistema de las obligaciones y los contratos, destinándoles
apenas unos pocos artículos bajo la rubrica del arrendamiento de servicios y del arrendamiento de obra.
En ese marco, solo respondia a una cierta preocupación humanística la disposición destinada a impedir
que el contrato pudiera generar una situación de esclavitud, o sea, la que establecía expresamente la
nulidad del contrato de por vida.
(...)
Dichos códigos eran mirados como reflejando una especie de derecho común, válido también para las
relaciones laborales, respecto de las cuales en contrato se concebia como la institución por excelencia
dentro de un sistema jurídico basado en la libertad individual.
(...)
Basta una simple ojeada a la forma en que los civilistas encaraban las relaciones laborales para conven-
cerse de que sus tesis están condicionadas por las ideas economicas en boga, así como por la admisión
de la imposibilidad de salirse del Código Civil sin provocar una verdadera catástrofe en el sistema
jurídico.” BARBAGELATA, Héctor-Hugo. Curso sobre La Evolución del Pensamiento Juslaboralista,
p. 82-86.

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uma verdadeira (e trágica) ficção diante da realidade mercadológica de então,


marcada pelo excesso de mão de obra nos polos urbanos e pela consequente
preponderância do empregador na fixação das condições laborais.
De fato, no mundo real, tais trabalhadores encontravam-se submetidos
aos mecanismos da “mão invisível do mercado” – em especial à “lei da oferta
e da procura” –, deparando-se com a inafastável contingência de vender sua
mão de obra a preço vil como única forma de sobrevivência, aceitando, dessa
forma, as ínfimas contraprestações oferecidas pelos detentores dos meios de
produção em troca da prestação de trabalho sob jornadas excessivas e condições
extremamente penosas5.
A situação ora descrita gerou, ao longo do século XIX, graves conflagra-
ções sociais fomentadas, em grande medida, pelo ideário socialista, a apregoar,
em apertadíssima síntese, a desapropriação dos meios de produção e sua des-
tinação à coletividade. Diante de tais vicissitudes, os governos de orientação
liberal-burguesa concederam aos trabalhadores certas concessões, com destaque
para a ampliação da participação política daqueles nos parlamentos, o que viria
a gerar, como consequência, a edição de normas voltadas para a proteção das
condições laborais dos obreiros. Surgiu, assim, o direito individual do trabalho6.
Com a paulatina consagração das normas protetivas dos trabalhadores
nos ordenamentos internos dos países protagonistas da Revolução Industrial,
passou-se a envidar esforços no sentido de promover a regulamentação interna-
cional do trabalho. Tal movimento foi impulsionado, em grande medida, pelo

5 Vide, nesse sentido: LYON-CAEN, Gérard; PÉLISSIER, Jean; SUPIOT, Alain. Droit du Travail, p. 8.
6 A propósito, Palomeque López enfatiza que:
“A legislação operária responde, prima facie, a uma solução defensiva do Estado burguês para, através
de um quadro normativo protetor dos trabalhadores, prover à integração do conflito social em termos
compatíveis com a viabilidade do sistema estabelecido, assegurando, deste modo, a dominação das
relações de produção capitalistas. Não é, por isso, nenhuma casualidade que as primeiras leis operá-
rias versem precisamente sobre aqueles aspectos da relação laboral em que se haviam manifestado os
resultados mais visíveis da exploração dos trabalhadores, abordando, assim, a limitação do trabalho
das mulheres e menores, a redução dos tempos de trabalho, o estabelecimento de salários-mínimos ou,
finalmente, a preocupação pelas condições de segurança e higiene no trabalho e a prevenção dos riscos
profissionais.
(...)
A intervenção do Estado nas relações de produção, através da promulgação de ‘normas protectoras’ das
condições de vida e de trabalho do proletariado industrial e limitadoras da até então absoluta vontade
do empresário na fixação do conteúdo do contrato de trabalho, responde historicamente, como se viu,
à necessidade social de integrar e canalizar o ‘conflito social’ surgido entre novos antagonistas sociais.
O novo corpo normativo integrador haveria de cumprir, pois, a transcendental missão de impor ao con-
flito um canal de desenvolvimento compatível com a permanência e progresso do modo de produção
capitalista e as paredes mestras da sociedade burguesa.” LÓPEZ, Manuel Carlos Palomeque. Direito
do Trabalho e Ideologia, p. 30-33.

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temor de que a edição de legislações operárias por parte de determinados países


pudesse vir a tornar seus produtos menos competitivos no mercado internacional
e pela necessidade de se contrapor aos avanços socialistas7.
Justamente nesse sentido, tanto a própria Constituição da Organização
Internacional do Trabalho, editada em observância ao Título XIII do Tratado
de Versalhes firmado ao cabo da Primeira Guerra Mundial (1919) quanto a
Declaração da Filadélfia, que reforçou as diretrizes daquele organismo na nova
ordem em vias de surgir após a Segunda Guerra Mundial (1944), destacaram
a necessidade de que os Estados venham a assegurar condições de trabalho
justas, a fim de evitar desestabilizações internas que possam conduzir a crises
internacionais potencialmente aptas a comprometer a própria paz mundial8.
Assim, sob os influxos daquelas lutas protagonizadas pelos trabalhadores
e à luz das diretrizes constitutivas da OIT, os ordenamentos jurídicos dos paí-
ses economicamente hegemônicos no século XX alçaram o Estado à condição
de garantia do bem-estar geral, seja por intermédio da imposição de limites à
exploração de mão de obra, ou através da criação de instrumentos de proteção
dos cidadãos contra os riscos sociais (v.g.: velhice, desemprego, incapacidade
laboral) a serem custeados ora pelo erário, ora pelos empregadores.
Com tais mecanismos, o direito e sua racionalidade positivista intentaram
contornar os desequilíbrios sociais causados pela produção em massa e pela
exploração desmesurada do trabalho humano, a caracterizarem o capitalismo
no final do século XIX e ao longo de boa parte do século XX.

7 Vide, nesse sentido:


VON POTOBSKY, Geraldo; DE LA CRUZ, Héctor Bartolomei. La Organización Internacional del
Trabajo, p. 3-4.
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade Sindical e Representação dos Trabalhadores no Local
de Trabalho, p. 34.
8 Segundo Alain Supiot:
“La Constitución de La OIT, adoptada en 1919, afirmaba ya que ‘una paz duradera sólo puede estable-
cerse sobre la base de la justicia social’, pero sin definir esta última ni extraer las consecuencias desde
el punto de vista económico y financiero. Sobre estos dos puntos es donde la Declaración de Filadelfia
resulta inovadora. En primero lugar, proporciona una definición global y comprehensiva de la justicia
social: ‘Todos los seres humanos, sin distinción de raza, credo o sexo, tienen derecho a perseguir su bie-
nestar material y su desarollo espiritual en condiciones de libertad y dignidad, de seguridad económica
y en igualdad de oportunidades’ (art. II a). Y, en segundo lugar, convierte la realización de la justicia
social así entendida en ‘El propósito central de la política nacional e internacional’. En consecuencia,
‘cualquier política y medida de índole nacional e internacional, particularmente de carácter económico
y financiero, deben juzgarse desde este punto de vista y aceptarse solamente cuando favorezcan, y no
entorpezcan, el cumplimiento de este objetivo fundamental’ (art. II c). En la Declaración de Filadelfia,
la economía y el mundo financiero son medidos al servicio de los hombres.” SUPIOT, Alain. El Espíritu
de Filadelfia. La justicia social frente al mercado total, p. 61-68.

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2.2 – O direito coletivo do trabalho e a compensação da


preponderância da vontade patronal nas relações trabalhistas

Tal como as normas destinadas à proteção individual dos obreiros em face


da exploração desmesurada de sua força de trabalho, os preceitos do Direito
Coletivo do Trabalho surgiram no século XIX como uma forma de compen-
sação oferecida pelo direito às agruras impostas aos indivíduos pela estrutura
capitalista erigida após a Revolução Industrial.
Mais precisamente, as normas que asseguraram aos trabalhadores a livre
criação e organização de entidades sindicais, bem como a participação destas
últimas nas negociações coletivas a serem entabuladas com os empregadores
e o próprio direito de greve, tiveram por intuito compensar a desproporção de
forças a permear os trabalhadores individualmente considerados e seus patrões,
por intermédio de mecanismos institucionais destinados a resgatar a igualdade
fática entre os atores sociais, conforme assevera Mario de La Cueva:
“El movimiento obrero plenteó una tesis nueva, que es una justifi-
cación magnífica del derecho colectivo del trabajo: la igualdad no puede
darse entre cada trabajador aislado y su patrono, sino únicamente entre
los dos elementos de la producción, el trabajo, que es la unidad de todos
los trabajadores y el capital. En la imposición de este principio nuevo
radica la grandeza de la lucha obrera: la igualdad de fuerzas y de dere-
chos entre el trabajo y el capital, en espera de la sociedad del mañana,
en la que el trabajo hará del capital el instrumento de una vida mejor
para todos los hombres.
(...)
Mientras la igualdad del derecho civil fue individualista y formal,
la igualdad por la que luchó el movimiento obrero a fin de fundar sobre
ella el derecho colectivo del trabajo, fue la igualdad de la clase trabaja-
dora frente al capital, la igualdad de los factores de la producción, trabajo
y capital, de suerte que en cada empresa la igualdad se daria entre la
comunidad obrera y el patrono, y ahí donde entrara la convención-ley,
entre la totalidad de los trabajadores de la rama industrial o comercial
considerada y el conjunto de los empresários.
Por lo tanto, el derecho colectivo serviria para igualar, mediante
prerrogativas jurídicas, la superioridad económica del capital. El resultado
final a que se llegó, después de la legitimación de los sindicatos, de los
contratos colectivos y de la huelga, fue que las condiciones de prestación
de los servicios tendrían que ser el efecto de un acuerdo de voluntades

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de las dos clases sociales, pero si no se lograba, la actividad de la o de


las empresas se tornaba un imposible.”9
Assim, com arrimo em tal ideário, os trabalhadores conseguiram extrair
do Estado o reconhecimento daqueles direitos, principalmente nos países pro-
tagonistas da Revolução Industrial, com especial destaque para a Grã-Bretanha
e a França. A partir daí, os sindicatos obreiros passaram a constituir uma efetiva
força social no âmbito daqueles estados, capazes não só de assegurar melhores
condições de trabalho aos seus representados por intermédio da contratação
coletiva, como também de atuar como protagonistas de peso no cenário político
em defesa dos interesses obreiros.
Tal papel exercido pelos sindicatos no plano interno e os efeitos de sua
atuação nos custos da mão de obra contribuíram sobremaneira para que a liber-
dade sindical passasse a figurar já no Tratado de Versalhes, de 1919, como um
dos direitos elementares dos trabalhadores, sem o que o equilíbrio internacional
na utilização dos fatores de produção e a própria paz universal não poderiam
ser alcançados. Não por outra razão, o preâmbulo da Parte XIII do referido
instrumento deixa expresso que “a inobservância de qualquer nação em adotar
condições humanas para o trabalho é um obstáculo posto às outras nações que
desejam melhorar as condições laborais em seus próprios territórios”10.
A ideia que subjaz à inserção da liberdade sindical dentre os princípios
a serem tutelados pela OIT é basicamente a mesma que influenciou o elenco
dos demais objetivos constantes do preâmbulo da Parte XIII do Tratado de
Versalhes, qual seja, a de impedir que a coexistência de ordenamentos jurídicos
extremamente protetivos do franco associativismo com outros que não o tute-
lam em igual medida possa afetar negativamente a competitividade daquelas
primeiras economias, comprometendo, em última medida, o delicado equilíbrio
entre as nações existente àquela época.
No início do século XX a obtenção de tal equilíbrio entre as diversas
legislações domésticas em matéria sindical consistia em uma tarefa difícil, mas,
certamente, não tão complexa quanto nos dias atuais. De fato, àquela ocasião,
apenas alguns poucos países da Europa ocidental e os Estados Unidos tinham
na indústria o setor produtivo preponderante, de modo que a carência de uma
legislação protetiva do franco associativismo nas nações de desenvolvimento
tardio ou predominantemente agrárias não comprometia, de modo preocupante,
a competitividade dos produtos industrializados daquelas economias.

9 DE LA CUEVA, Mario. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo, p. 207-225.


10 Disponível em: <http://net.lib.byu.edu/~rdh7/wwi/versa/versa12.html>.

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Some-se a isto o fato de que a mobilidade das finanças e dos meios de


produção àquela época se afigurava extremamente dificultosa e, principalmente,
custosa se comparada às condições atuais, de modo que as instalações fabris
e os demais bens de capital tendiam a permanecer, como regra geral, fixados
em seus lugares de origem. Nesse contexto, as legislações estatais logravam
regulamentar de forma plena as relações coletivas de trabalho, sem o temor de
que os investimentos e os empregos migrassem para outros países detentores
de um ordenamento sindical mais flexível.
Tal situação possibilitou que os idealizadores do Título XIII do Tratado
de Versalhes vislumbrassem a consagração do direito coletivo do trabalho nos
ordenamentos internos como uma medida apta a assegurar, ao mesmo tempo,
o equilíbrio comercial entre as nações e o estabelecimento de padrões huma-
nitários mínimos a serem usufruídos pelos obreiros, como uma compensação
à preponderância dos empregadores na dicção dos elementos integrantes das
relações de trabalho.

3 – A CRISE DO MODELO COMPENSATÓRIO DO DIREITO DO


TRABALHO E SUAS POSSIBILIDADES DE SUPERAÇÃO

O mundo que inspirou o Tratado de Versalhes e a Declaração da Filadélfia


da OIT no primeiro e no segundo pós-guerra definitivamente não é o mesmo
de hoje. Se em 1919 e em 1944 o direito do trabalho e o Estado de Bem-Estar
Social tinham o potencial de compensar com grande eficácia (pelo menos nas
economias mais desenvolvidas) as distorções capitalistas oferecendo aos cida-
dãos empregos estáveis, salários adequados, sindicatos com efetivo poder de
barganha, proteção social e sistemas de previdência, saúde e de educação de
excepcional qualidade, não se pode dizer o mesmo dos dias atuais.
Desde os choques do petróleo na década de 1970, que encerraram aqueles
“trinta anos dourados” do segundo pós-guerra e demandaram tanto dos governos
quanto das empresas programas agressivos de redução de custos, o Estado de
Bem-Estar Social viu-se na contingência de reduzir seu escopo tutelar, não mais
logrando o mesmo grau de compensação de outrora. Nesse contexto, o ideário li-
beral (agora acunhado de “neoliberalismo”) encontrou amplo espaço para difundir
seus principais dogmas: a redução do aparato estatal e a livre atuação do mercado
no intuito de promover a retomada econômica e, nessa esteira, o crescimento.
No campo do trabalho, a crise desencadeada na década de 1970 teve,
igualmente, reflexos profundos. O aumento dos custos operacionais, desenca-
deado pela alta do petróleo e de seus derivados, impôs às empresas o enxu-

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gamento de suas estruturas, o que desaguou, inevitavelmente, na desativação


de unidades e de postos de trabalho. Nesse cenário, as firmas buscaram novos
métodos de produção e a clássica estrutura fordista-taylorista foi cedendo
espaço ao toyotismo e aos seus corolários a propugnarem a desconcentração
produtiva e a adequação mais estrita entre a fabricação de bens e a demanda11.
Paralelamente a isto, a industrialização outrora centralizada nas potências
econômicas da Europa Ocidental, no Japão e nos Estados Unidos ganhou novas
praças com o surgimento dos “tigres asiáticos”, em um primeiro momento, e
dos chamados “países emergentes” – encabeçados pela China –, posteriormente.
De igual modo, a queda do Muro de Berlim e o fim do bloco soviético não
só eliminou o temor socialista que campeou durante a chamada “guerra fria”,
como também possibilitou o surgimento de novos mercados, a concorrerem, a
partir de agora, com as economias tradicionais na captação de investimentos.
E como se já não bastassem tais alterações, tudo isto viria a ocorrer em
um contexto no qual os avanços tecnológicos no campo das telecomunicações
e da informática acabariam por facilitar sobremaneira a mobilidade do capital
e a alocação de recursos de um espaço a outro em tempo real. Desse modo, os
empresários interessados em baixar seus custos de produção passaram a contar
não apenas com novos polos de mão de obra como também com a possibilidade
de sondá-los e buscá-los facilmente.
É claro que em tal contexto, a capacidade do direito do trabalho conce-
bido nos moldes compensatórios clássicos para lidar com tais desafios viria a
ser radicalmente questionada, conforme salienta Patrick Macklem:
“Duas tendências dramáticas estão alterando de forma crescente
a capacidade do direito do trabalho doméstico de promover a justiça
no mundo do trabalho. A primeira delas diz respeito à introdução de
formas flexíveis de produção. O que alguns especialistas têm chamado
de processos de produção ‘pós-fordistas’ estão suplementando e, em
alguns casos, suplantando as formas tradicionais de produção em massa
dependentes do trabalho rotineiro e hierárquico estruturado em regras e
responsabilidades detalhadas. Facilitados, em parte, pelos novos avan-
ços na computação e na tecnologia da informação, tais formas flexíveis
de produção contam com uma força de trabalho versátil motivada por
um espírito de cooperação e generalismo que se volta para a produção
customizada de produtos na medida exata (just in time) para atender a
sempre cambiante demanda por consumo.

11 Sobre o toyotismo e sua diferenciação do fordismo-taylorismo, vide: ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos


do Trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, p. 56-57.

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(...)
A segunda tendência diz respeito ao desabrochar da globalização
econômica, que encontra uma de suas manifestações mais significativas
no recente incremento dos acordos bilaterais, regionais e multilaterais,
especialmente daqueles supervisionados pela Organização Mundial do
Comércio, a promoverem a liberalização do comércio. Ao introduzirem
gradualmente reduções tarifárias recíprocas e ao eliminarem as barrei-
ras de importação não tarifárias, tais acordos passaram a representar a
superestrutura jurídica da nova ordem econômica internacional, onde o
capitalismo opera cada vez mais em escala global e possui a capacidade de
se mover de forma relativamente livre através das fronteiras nacionais.”12
Assim, a década de 1990 foi marcada por um movimento extremamente
representativo a apregoar sua reestruturação à luz da nova realidade econômi-
ca mundial, no sentido de reduzir seu escopo tutelar com vistas a adequar os
ordenamentos jurídicos internos à necessidade de captação de investimentos e
de submeter a contratação e a dispensa de mão de obra às demandas imediatas
das empresas13.

12 No original: “Two dramatic trends are increasingly challenging the traditional capacity of domestic
labor law to promote justice in the world of work. The first relates to the introduction of flexible forms
of production. What some scholars are calling ‘post-fordist’ production processes are supplementing
and in come cases supplanting traditional forms of mass production dependent on routinized labor
hierarchically structured by detailed rules and responsibilities. Facilitated in part by new developments
in computer and information technology, these flexible forms of production rely on an increasingly
versatile labour force, motivated by a spirit of cooperation and generalism, to produce customized
products just in time to meet ever-shifting consumer demand.
The second trend relates to the onset of economic globalization, manifest in the recent spate of bilateral,
regional and international agreements, especially those supervised by the World Trade Organization,
promoting trade liberalization. By gradually introducing reciprocal tariff reductions and eliminating
non-tariff import barriers, these agreements represents the legal superstructure of a new international
economic order, where capitalism increasingly operates on a global scale and possesses the capacity to
move relatively freely across national boundaries”. MACKLEM. Patrick. Labour law beyond borders,
(2002) 606.
13 Nesse sentido, a obra formulada por Luiz Carlos Amorim Robortella em 1994 é bem ilustrativa do
momento pelo qual passava o direito do trabalho naqueles idos.
Propunha ali o autor, em apertada síntese, um “moderno direito do trabalho”, (i) em que os atores
coletivos (empregadores e sindicatos obreiros) teriam uma atuação não apenas conflitiva, mas colabo-
rativa, (ii) em que a autonomia da vontade seria resgatada, por intermédio da possibilidade de novas
modalidades contratuais menos rígidas se comparadas à clássica relação de emprego, (iii) em que seu
escopo não mais se limitaria à proteção dos trabalhadores em face da preponderância dos empregadores,
abrangendo, principalmente, o incremento dos níveis de emprego, (iv) em que os níveis de proteção
seriam relativizados em função do maior ou menor grau de subordinação e (v) em que as relações atí-
picas de trabalho integrariam seu escopo. ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O Moderno Direito
do Trabalho, p. 55-59.

220 Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012


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De fato, é inegável que os fatores ora descritos têm o condão de inter-


ferir na eficácia dos mecanismos protetivos que integram o direito individual
e coletivo do trabalho desde a sua concepção no século XIX. O desafio reside,
justamente, na imposição de limites humanitários à utilização da mão de obra
e na equiparação de forças entre os obreiros e empregadores no novo contexto
assumido pelo capitalismo, marcado – no que concerne aos aspectos produtivos
– pela mobilidade facilitada dos recursos, pela abundante oferta de mão de obra
barata em diversos mercados, pela crescente automação e pela prevalência da
descentralização produtiva.
No entanto, diante de tal realidade, é de se indagar se o direito do tra-
balho – originalmente pensado como um conjunto de normas voltado para a
compensação da exploração desenfreada do labor humano ocasionada pela “lei
da oferta e da procura” através da promoção de standards protetivos – deve ser
simples expressão das renovadas estruturas capitalistas de produção ou se ele, ao
revés, deve buscar sua remodelação no intuito de fazer frente a tais estruturas.
Dito em outros termos, trata-se de indagar se o “moderno direito do
trabalho” deverá buscar a compensação das novas agruras capitalistas por
intermédio da elaboração de normas menos protetivas com vistas à atração de
inversões externas ou se deverá ele, ao revés, atacar diretamente tais estruturas
produtivas a fim de alocar, efetivamente, um nível mínimo de humanidade nas
relações laborais.

3.1 – A globalização e a desconcentração produtiva no centro da crise


do Direito do Trabalho. O dumping social

Para o trabalho humano, a característica mais marcante da globalização


econômica faz-se representada, sem dúvida alguma, pela desconcentração
produtiva. Nessa nova realidade, as empresas se desvencilham, na maior
medida possível, das etapas da fabricação do produto final por intermédio da
subcontratação de outras firmas, no intuito de reduzir seus custos e de tornar os
preços de seus bens mais atrativos. As grandes plantas que concentravam em
suas instalações todas as etapas do processo fabril e contavam com um grande
número de empregados especializados em funções específicas não passam,
agora, de nostálgica memória.
Tal situação é substancialmente agravada na medida em que a desconcen-
tração produtiva tem por pedra de toque, atualmente, a busca de mão de obra
mais barata em países desprovidos de mecanismos eficazes de tutela laboral
e de sindicatos minimamente representativos. Há, portanto, uma nova divisão

Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012 221


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internacional do trabalho, em que as etapas fabris de um mesmo bem foram


pulverizadas pelo globo segundo a lógica do menor custo14.
Nesse novo mundo globalizado, os ordenamentos jurídicos dos Estados
foram rebaixados à condição de “custos” que deverão ser considerados pelos
empresários na conta da produção, de modo a ter peso decisivo nas escolhas
em torno da entrada ou saída de um determinado mercado, em um verdadeiro
sistema de law shopping. Tal lógica subverte integralmente o escopo dos ins-
trumentos internacionais voltados para a tutela do labor humano – em especial
a Declaração da Filadélfia da OIT –, que se pautam pela oposição à mercanti-
lização do trabalho humano, conforme assinala Alain Supiot:
“Al proclamar que ‘el trabajo no es una mercancia’ y al exigir ‘la
ampliación de las medidas de seguridad social para garantizar ingresos
básicos a quienes los necesiten y prestar asistencia médica completa’, la
Declaración de Filadelfia obligava a los Estados a dotarse de un Derecho
Laboral y de La Seguridad Social capaz de garantizar la seguridad física
y económica de los asalariados y de sus famílias, es decir, de establecer
las bases jurídicas indispensables para el funcionamiento de los mercados
del trabajo en el plazo largo de la sucesión generacional.
Estas bases se establecieron a nivel nacional y están siendo des-
manteladas progresivamente en el contexto de la globalización.
(...)
En este Mercado global, el Derecho (...) se considera como un
producto que compite a escala mundial, donde se produciría la selección
natural de los ordenamientos jurídicos mejor adaptados a la exigencia de
rendimiento financiero. En lugar de que la libre competencia se funde en
el Derecho, es el Derecho que debería fundarse en la libre competencia.

14 Segundo Enrique Ricardo Lewandowski:


“Num sentido estrito, a globalização, que se acelerou significativamente a partir do final do último
conflito mundial e mais ainda depois do término da Guerra Fria, configura antes de tudo um fenômeno
econômico. Corresponde a uma intensa circulação de bens, capitais e tecnologia através das fronteiras
nacionais, com a consequente criação de um mercado mundial.
(...)
Trata-se de uma nova etapa na evolução do capitalismo, tornada possível sobretudo pelo extraordinário
avanço tecnológico registrado nos campos da comunicação e da informática. Essa fase caracteriza-
se basicamente pela descentralização da produção, que se distribui por diversos países e regiões, ao
sabor das conveniências e interesses das empresas multinacionais. Cuida-se, em verdade, de uma nova
divisão internacional do trabalho, em que os insumos e a mão de obra, notadamente a especializada,
circulam com desenvoltura entre os diferentes centros de produção, graças à crescente integração dos
mercados.” LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Globalização, regionalização e soberania, p. 50-51.

222 Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012


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(...)
El establecimiento de este ‘mercado de productos legislativos’
debe conducir a la eliminación progresiva de los sistemas normativos
menos aptos para satisfacer las expectativas financieras de los inversores.
Por tanto, la competición a la que se entregan las empresas bajo la égida
de los mercados financieros no debería limitarse a la esfera económica,
sino convertirse en el principio de organización de la esfera jurídica.”15
O resultado dessa “corrida” internacional pelo desmonte do arcabouço
protetivo juslaboralista não poderia ser outro senão a institucionalização do
dumping social, ou seja, a busca frenética pela redução do custo de mão de
obra por parte dos Estados com vistas à obtenção de vantagens na precifica-
ção de seus produtos no concorridíssimo mercado internacional, às custas da
depreciação das condições de vida e de trabalho dos obreiros.
Tal depreciação, de fato, afeta não só os trabalhadores dos países “hos-
pedeiros” das empresas “globalizadas”, como também os obreiros daqueles
países que deixaram de receber (ou de manter) o investimento. Assim, se para
aqueles primeiros o custo reduzido da produção representará o desempenho do
labor em condições precárias, sob jornadas exaustivas e mediante a percepção
de salários irrisórios, para estes últimos a fuga das fábricas redundará não só
em desemprego como também na depreciação do sistema de previdência social,
na redução da arrecadação estatal, no desmonte das estruturas de bem-estar
social e, finalmente, no desmantelamento do direito do trabalho sob o pretexto
de adequação à nova realidade mercadológica16.
Diante da situação ora narrada, observa-se de plano que o direito indivi-
dual do trabalho, concebido em seu nascedouro como um conjunto de normas
positivas voltadas para a compensação das vicissitudes capitalistas existentes

15 SUPIOT, Alain. El Espíritu de Filadelfia, p. 61-68.


16 Segundo o “Informe para a Comissão Europeia” organizado por Alain Supiot e elaborado por juslabo-
ralistas de diversos países europeus ao cabo da década de 1990:
“El auge renovado del neoliberalismo y las teorías sobre la desregulación también han puesto en cues-
tión la jerarquia de intereses sobre la que se basaba la teoría clásica del Estado. El punto de partida de
estas teorías consiste en considerar el derecho como uma fórmula más de regulación, que debe respe-
tar (o mejor, expresar) las leyes del mercado, tal y como son reveladas por la ciencia economica. La
globalización de la economia conduce a otorgar a las leyes del mercado un valor universal, fundando
sobre ellas un ‘império de los negócios’ del mercado que se impone a los Estados-naciones. Estos
sólo se convierten expresión de las solidariedades locales, toleradas en tanto no obstaculicen la libre
circulación de mercancias y de capitales. En esta perspectiva, el verdadero interés general reside en el
respeto universal de las leyes de mercado, y los Estados encarnan simplemente intereses particulares
de las naciones; deben, pues, plegarse a las exigencias superiores del libre cambio.” SUPIOT. Alain et
alii. Trabajo y empleo, p. 238.

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em um mundo pouco integrado e marcado pela concentração da produção nas


empresas, não reúne condições de atender a seus propósitos originários de
formulação de um arcabouço mínimo de proteção dos trabalhadores em face
dos desígnios empresariais.
Vê-se, ao revés, que os Estados passaram a agir no sentido de buscar a
compensação dos efeitos do capitalismo contemporâneo (em especial a des-
concentração produtiva e o law shopping) por intermédio do desmonte de suas
legislações trabalhistas e da precarização das condições de trabalho, a fim de
atrair investimentos aptos a manter seus níveis de emprego e de arrecadação
tributária.
Diante desse quadro, em que a mobilidade do capital é extremamente
simplificada e onde a exploração da mão de obra em mercados carentes de
regulamentação trabalhista é amplamente difundida, o direito individual do
trabalho não pode mais se contentar com soluções compensatórias, devendo, ao
revés, apropriar-se adequadamente dos elementos necessários para fazer frente
às novas estruturas do capitalismo surgidas nas últimas décadas.

3.2 – A crise do sindicalismo e do direito coletivo do trabalho

Os mesmos fatores que ocasionaram a crise do direito individual do


trabalho a partir da década de 1970 colocaram também em xeque o direito la-
boral coletivo e seu propósito de compensar a desigualdade dos atores sociais
(empregados e empregadores) através da concessão àqueles primeiros das
garantias de livre associação, de negociação transindividual e de greve.
De fato, à medida que a crise econômica forçou as empresas a reduzi-
rem seus custos por intermédio da desconcentração produtiva, o ambiente no
qual os sindicatos surgiram e adquiriram os poderes de aglutinação coletiva e
de barganha ao longo do século XX foi sendo paulatinamente desmantelado.
Tal vicissitude fez com que as entidades deixassem de lado a busca por novas
conquistas para assumir uma postura defensiva, voltada para a preservação do
status quo e, em alguns casos, de sua própria subsistência.
O fenômeno ora descrito é plenamente constatável a partir do momento
em que as empresas deixaram de concentrar a elaboração dos bens de transfor-
mação em uma única unidade (fordismo-taylorismo) e passaram a subcontratar
outras firmas para a realização das etapas que não se vinculam diretamente à
montagem do produto final. Com isto, desaparece a solidariedade até então
existente entre os trabalhadores que conviviam lado a lado em uma mesma

224 Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012


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fábrica e participavam de todo o processo produtivo, partilhando de condições


comuns de vida e trabalho.
A pulverização do processo produtivo através da subcontratação, portan-
to, atingiu duplamente os sindicatos. Em primeiro lugar, porque a desativação
de grande parte dos setores fabris culminou com a dispensa de um enorme
contingente de trabalhadores sindicalizados e, em segundo lugar, porque os
empregados das firmas subcontratadas ora não integravam sua esfera grupal e
territorial de representatividade, ora não dispunham de senso de solidariedade
para se unirem à entidade.
Como se já não bastasse, o sindicalismo em seus moldes tradicionais foi
atingido, também, pela difusão das contratações de mão de obra por jornada
parcial e por duração determinada como alternativas às relações típicas de
emprego por tempo integral e duração indeterminada. As referidas formas de
contratação foram incorporadas pelas legislações domésticas com fundamento
na máxima toyotista a apregoar a utilização da força de trabalho na exata medida
da demanda por produção, segundo a metodologia alcunhada de just in time.
Nesse mesmo sentido, as empresas passaram a se valer amplamente do
instituto da terceirização de mão de obra, para aquelas atividades que não se
relacionavam com suas atividades finalísticas, ocasionando, dessa forma, o
convívio entre diferentes categorias de trabalhadores, com diferentes vínculos
e direitos sob uma mesma organização produtiva17.
Nas empresas que se valeram dos empregos a tempo parcial e por dura-
ção determinada, bem como da terceirização de mão de obra, a solidariedade
entre os obreiros tende a desaparecer, na medida em que as expectativas dos
trabalhadores contratados por tais modalidades diferem substancialmente dos

17 Segundo Jorge Luiz Souto Maior:


“A terceirização é (...) apresentada como técnica moderna de produção, fruto da reengenharia admi-
nistrativa das empresas, inseridas num contexto de concorrência global, que lhes exige uma postura de
encurtamento de custos e eficiência produtiva. A partir desses postulados, explica-se que uma empresa,
para ser eficiente e global, deve preocupar-se com suas finalidades próprias, deixando para ‘parceiras’,
outras que sejam periféricas ou menos importantes. E, assim, justifica-se, juridicamente, que uma
empresa contrate (denominada, então, tomadora de serviços), mesmo no interior do estabelecimento
da primeira, em se tratando de serviços desvinculados da atividade primordial desta.
(...)
Em concreto, nesta ‘técnica moderna de produção’, há o impedimento de uma vinculação social do
trabalhador com o meio ambiente de trabalho, onde passa a maior parte de seu dia. Esta desvinculação
inclui pessoas e coisas. Os ‘terceirizados’ são deslocados do convívio dos demais empregados, chama-
dos, ‘efetivos’; usam elevadores específicos; almoçam em refeitório separado ou em horários diversos;
não são alvo de qualquer tipo de subordinação, para, como se diz, ‘não gerar vínculo’.” MAIOR, Jorge
Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho, p. 650-651.

Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012 225


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desígnios dos empregados tradicionais, detentores de contratos de duração


indeterminada e jornada integral.
Diante de tal cenário, os sindicatos passaram a experimentar uma verda-
deira crise de identidade, pois a nova realidade produtiva não só dissolvera sua
esfera representativa originária, como também enfraquecera substancialmente
suas funções de condução da negociação coletiva e de mobilização dos obreiros
em torno da greve. Ora, em um contexto de produção pulverizada e de diferen-
tes tipos de trabalhadores nos mesmos estabelecimentos, quem seriam, afinal,
os integrantes da coletividade representada? Como as entidades defenderiam
seus desígnios diversos e muitas vezes colidentes e poderiam mobilizá-los em
torno de interesses comuns?
As circunstâncias ora narradas explicam as razões pelas quais os sindica-
tos, a partir de então, passaram a assumir uma postura extremamente defensiva
em torno das conquistas obtidas anteriormente, recuando em relação a novos
avanços. De igual modo, tais vicissitudes explicam plenamente as vertigino-
sas quedas de filiação experimentadas pelas entidades desde que as empresas
reformularam seus processos produtivos.
E se já era difícil para os sindicatos atuarem nesse contexto, a situação
só viria a se agravar ainda mais com o incremento da globalização, com a
desconcentração produtiva para além das fronteiras nacionais e com a corrida
frenética pela redução dos custos de produção por parte das empresas diante
da concorrência cada vez mais acirrada. Sob tais circunstâncias, as entidades
representativas deixaram de contar com qualquer possibilidade, ainda que
remota, de agregar os trabalhadores envolvidos no processo fabril em torno de
interesses comuns, o que exige delas um câmbio radical em suas linhas tradi-
cionais de atuação, conforme assevera Rafael Albuquerque:
“Es evidente que el movimiento sindical está atravesando por
circunstancias dificiles. Los cambios profundos de la economia mundial
y los avances incesantes de la tecnologia de punta han disminuído los
índices de sindicación y debilitado la eficácia de las acciones de las or-
ganizaciones de trabajadores. (...) La intensificación de la competencia
y el imperativo de la competitividad ofrece a los sindicatos muy poco
espacio para negociar, lo que de por si les debilita frente a sus actuales
y potenciales afiliados, pues el éxito de la acción sindical se mide por
los resultados que se puedan conseguir en lo que atañe a la protección
social de los trabajadores.

226 Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012


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Por lo demás, las secuelas de la economia del mercado obligan


necesariamente a graves mutaciones en la mentalidad y conducta de la
dirigencia sindical, que deben adaptarse rapidamente a una gran diver-
sidad de estructuras economicas, al instrumento cada día más utilizado
de la subcontratación, a las expresiones de las agencias temporales de
empleo, al trabajo de tiempo parcial y a la contratación precária, al reem-
plazo de los capitalistas nacionales por redes de intercambio financiero,
de servicios tecnológicos complejos y de informaciones destinadas a las
empresas o al consumo individualizado.
La estabilidad en el empleo, las condiciones de trabajo y la protec-
ción social se encuentran seriamente amenazadas como resultado de todos
estos cambios, defendidos y conceptualizados por la doctrina neoliberal
que aboga por un mercado libre en todos los terrenos, con inclusión del
trabajo, que según sus partidários debe ser lo suficientemente flexible por
su directa relación con el nivel de empleo, lo que coloca a los sindicatos
en la defensiva y trae como consecuencia un declive del sindicalismo
reivindicativo, que sin abandonar sus reflejos por la protesta, se muestra
mucho más dispuesto que antaño a la participación con miras de preservar
lo adquirido en el pasado.”18
No entanto, para além da mudança de postura exigida dos sindicatos
diante dos novos desafios carreados pela globalização e pelas alterações subs-
tanciais no processo produtivo, o resgate do nobre papel a eles conferido de
interlocutor efetivo dos trabalhadores na defesa de seus interesses depende da
reestruturação do direito do trabalho frente às novas estruturas capitalistas, sem
o que sua atuação restará cada vez mais comprometida.

3.3 – Por uma reestruturação do Direito do Trabalho nos planos


internacional e doméstico

Do exposto até então, chega-se à conclusão de que o complexo desenho


do capitalismo contemporâneo impõe ao direito do trabalho sua reestrutura-
ção. No entanto, resta perquirir quais seriam as formas e os conteúdos a serem
assumidos por esse novo marco juslaboralista. Limitar-se-ia ele a promover
a flexibilização dos arcabouços domésticos nos moldes positivistas clássicos,
tal como se propunha em ampla medida na década de 1990, ou avançaria em
direção à formulação de novas propostas que se mostrem mais adequadas à

18 ALBUQUERQUE, Rafael. Sindicalismo y globalización, p. 84-85.

Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012 227


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realidade atual, sem abrir mão das pautas humanitárias a integrarem o núcleo
protetivo elementar que lhe confere identidade?
Desde já cumpre ressaltar que a proposta a ser formulada descarta a sin-
gela edição de normas domésticas destinadas à flexibilização ou à eliminação
das garantias legais asseguradas aos trabalhadores e aos seus sindicatos como
mecanismos aptos a promover a reestruturação do direito do trabalho. Tais
soluções, para além de reproduzirem em dias atuais aquela subserviência que
o direito tradicionalmente vem tributando às estruturas econômicas e sociais
postas, limitar-se-iam a compensar efeitos ocasionados pelo capitalismo con-
temporâneo sem interferir diretamente no âmago de tais distorções.
Se o direito do trabalho não logrou acompanhar as mudanças do capi-
talismo, isto ocorreu justamente porque seus artífices o conceberam, desde o
início, como um mecanismo meramente compensatório das distorções sociais
e econômicas existentes no estágio da Revolução Industrial a permear o final
do século XIX e o início do século XX, na crença de que a singela edição de
normas domésticas detalhistas e casuísticas nesse sentido lograria, de per si,
promover a melhoria das condições de vida e de labor dos trabalhadores e
assegurar-lhes, através da liberdade sindical, da negociação coletiva e do direito
de greve, a igualdade de forças em relação ao patronato.
De outro turno, a reprodução de tal lógica pelos intérpretes e aplicadores
do direito do trabalho contribuiu significativamente para sua estagnação evo-
lutiva. De fato, a exegese predominante conferida às normas juslaboralistas
vem se pautando há muito pela estrita subsunção dos dispositivos existentes
às hipóteses fáticas a que elas fazem menção, sem cogitar na extensão de seu
conteúdo protetivo às novas situações carreadas pela evolução do capitalismo
e da globalização.
Desse modo, a proposta a ser formulada nas linhas supervenientes
procurará esboçar mecanismos aptos a interferir diretamente nas estruturas do
capitalismo contemporâneo que representam, justamente, os problemas enfren-
tados pelos trabalhadores e por seus sindicatos na atualidade. Nesse sentido,
partir-se-á do pressuposto de que o intuito protetivo a conferir identidade ao
direito do trabalho desde sua concepção afigura-se ainda válido, devendo ser,
portanto, reavivado no fito de se contrapor eficazmente àquelas vicissitudes.
A reestruturação ora proposta pautar-se-á, assim, pela subsistência do
conteúdo histórico-institucional dos princípios fundamentais que conferem nota
distintiva ao direito do trabalho e pelo restabelecimento de sua eficácia por in-
termédio da adoção de mecanismos internacionais de proteção dos trabalhadores

228 Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012


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mais agressivos em comparação àqueles existentes no atual sistema da OIT,


combinados com a implementação de políticas públicas no plano doméstico
voltadas para o combate à precarização do labor e para o restabelecimento do
poder de barganha dos sindicatos.

3.3.1 – As soluções no plano internacional


Com a intensificação do processo de globalização econômica e com os
avanços tecnológicos que facilitaram sobremaneira a comunicação e a mobili-
dade dos investimentos, a cadeia produtiva foi estendida a novos mercados. Tal
vicissitude ampliou significativamente a concorrência entre os países, gerando
uma verdadeira competição em torno da redução dos custos de produção, o
que vem ocasionando a utilização de formas exploratórias e indignas de mão
de obra, principalmente nos países asiáticos19.
Muito embora tal situação prejudique não só os trabalhadores dos países
receptores dos investimentos predatórios de sua mão de obra como também
os obreiros daqueles países que mantêm um arcabouço protetivo, e seja de
conhecimento público e notório, os instrumentos internacionais atualmente
existentes – em especial aqueles a integrarem o sistema da OIT – carecem
de mecanismos aptos a evitar, ou mesmo a mitigar, práticas nocivas como o
dumping social e o law shopping.
Tal lacuna deveria ser preenchida, antes de tudo, pela implementação das
chamadas “cláusulas sociais” nos tratados firmados pelos países membros da
Organização Mundial do Comércio – OMC, bem como nos acordos bilaterais e
multilaterais, tendo por conteúdo, justamente, a obrigação por parte dos estados
signatários de observância estrita e efetiva àqueles preceitos elencados pela
OIT em sua “Declaração de Princípios Fundamentais”, de 1998, bem como

19 Segundo Patrick Macklem, isto ocorre pelos seguintes fatores:


“Os estados que viabilizam o dumping social possibilitam que as firmas subvalorizem o custo do
trabalho, de modo a competir em quesitos que não se relacionam com a produtividade. A subvaloriza-
ção ocorre quando uma empresa paga aos seus trabalhadores uma remuneração menor do que aquela
paga por outra empresa cujos trabalhadores possuem as mesmas habilidades e os mesmos níveis de
produtividade. Um país que não proíbe a subvalorização ao autorizar as empresas nele sediadas a
desconsiderar os padrões mínimos juslaboralistas, tais como, por exemplo, a igualdade no pagamento
de salário, obtém uma vantagem comparativa em relação aos países que protegem seus trabalhadores
contra a subvalorização.”
No original: “States that facilitate social dumping enable firms to undervalue the cost of labour and
thereby compete in ways that are not related to productivity. Undervaluation occurs when a firm pays
workers less than another firm whose workers possess comparative skills and productivity levels. A
state that fails to prohibit undervaluation by authorizing firms to disregard international labour standards
relating, say, to equal protection for equal work, gains a comparative advantage over states that protect
against undervaluation.” MACKLEM, Patrick. Labour law beyond borders, (2002), 624.

Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012 229


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na “Declaração sobre a Justiça social para uma Globalização Equitativa”, de


2008, e no “Pacto Mundial para o Emprego”, de 200920.
Desse modo, o livre acesso dos produtos oriundos dos países integrantes
da OMC aos mercados consumidores ficaria condicionado à observância, por
parte dos Estados produtores e exportadores, ao direito à liberdade sindical
em seus aspectos individuais e coletivos, ao reconhecimento efetivo do direito
de negociação coletiva, à “eliminação de todas as formas de trabalho forçado
ou obrigatório”, à “abolição efetiva do trabalho infantil” e à “eliminação da
discriminação em matéria de emprego e ocupação”21.
Para além disso, as cláusulas sociais exigiriam, com base nos sobreditos
documentos da OIT, a observância dos países signatários às diretrizes concernen-

20 Segundo Rajib Sanyal:


“As cláusulas sociais são provisões apostas em tratados de livre-comércio internacionais, multilaterais
ou bilaterais, que vinculariam os padrões mínimos de trabalho humano à liberalização do comércio
internacional. Em outras palavras, os países pobres (e os países exportadores) deveriam observar as
pautas laborais internacionalmente reconhecidas para, em contrapartida, terem franco acesso aos
mercados dos países desenvolvidos. A inobservância a tais cláusulas ocasionaria sanções comerciais e
perda do acesso a mercados por parte do país exportador.”
No original: “Social clause refers to a provision in international bilateral and multilateral trade treaties that
would link labor standards to liberalization of international trade. In other words, usually poor countries
(and countries that export) would agree to abide by internationally agreed upon labor standards and in
return would gain trading access to the markets of developed countries. Failure to abide by such labor
standards would result in trade sanctions and loss of market access for the exporting country”. SANYAL,
Rajib. The Social Clause in Trade Treaties. Implications for International Firms, 29:379-389.
21 O debate em torno da adoção das cláusulas sociais nos tratados de livre-comércio teve lugar no âmbito
do GATT e da OMC na primeira metade da década de 1990, opondo, de um lado, os países industria-
lizados e seus sindicatos e, do outro, os países ditos “emergentes” e as empresas multinacionais.
Todavia, a discussão naquele fórum foi “sepultada” em 1995, na Conferência Ministerial da OMC
realizada naquele ano em Cingapura, cuja declaração deixou assente que:
“Nós renovamos nosso compromisso quanto à observância dos direitos laborais, em seu aspecto nu-
clear, reconhecidos internacionalmente. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o organismo
competente para estabelecer e lidar com tais direitos, e nós afirmamos nosso apoio a tal desígnio. Nós
acreditamos que o crescimento econômico e o desenvolvimento é incentivado pelo livre-comércio e
que as medidas de liberalização do comércio futuras contribuirão para a promoção de tais direitos.”
Vê-se, portanto, que o conteúdo da declaração formulada em 1995 reproduz aquela clássica crença liberal
em torno da possibilidade de que o mercado supere, ele mesmo, as distorções do sistema capitalista
por intermédio da atividade econômica e da circulação das riquezas.
No entanto, a experiência acumulada nos últimos dezessete anos demonstra que entre 1995 e 2012 houve
efetivamente um crescimento do livre-comércio acompanhado do enriquecimento de vários países ditos
“emergentes”, em especial os chamados “BRICS”, sem que houvesse, em contrapartida, a mitigação dos
problemas sociais que neles persistem e muito menos o reforço e a consolidação dos direitos laborais.
Pelo contrário, o cenário que se descortina na atualidade é o da subsistência da concentração de renda nas
camadas mais altas da população e da dilapidação cada vez maior das garantias trabalhistas em função,
justamente, do dumping social, acrescido, mais recentemente, do discurso da “crise econômica”.
Vide, nesse sentido: LEARY, Virginia. The WTO and the Social Clause: Post Singapore, 8(1):118-122.

230 Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012


DOUTRINA

tes ao desenvolvimento sustentável, ao respeito ao meio ambiente, à observância


àqueles direitos inerentes à dignidade individual dos trabalhadores (jornada má-
xima, salário adequado ao custo de vida nacional, segurança e higidez do labor,
lazer, etc.), à igualdade de gênero e à proteção dos indivíduos em situação vulne-
rável – em especial os trabalhadores pouco qualificados, os idosos e os jovens22.
A fim de assegurar efetividade às cláusulas sociais, os tratados de livre-
comércio deveriam conter dispositivos aptos a legitimar a adoção imediata,
por parte dos estados prejudicados, de represálias aos países exportadores que
se valessem do dumping social como forma de baratear o custo de exportação
de seus produtos, assegurando-se a estes últimos o amplo acesso aos órgãos
contenciosos da OMC, caso tomem por injustas ou desproporcionais as medidas
impostas pelos países importadores.
Dentre as medidas passíveis de serem implementadas contra os países
praticantes do dumping social, poder-se-ia cogitar no estabelecimento unilateral,
por parte dos Estados prejudicados, de tarifas e alíquotas tributárias majoradas
para os produtos oriundos daqueles mercados, ou, em casos mais extremos,
da proibição quanto à importação de bens daquelas jurisdições onde a mão de
obra é explorada de forma aviltante.
De outro turno, os tratados de livre-comércio deveriam conter dispositi-
vos que estabelecessem, para os Estados signatários, o dever de adotar em suas
legislações internas mecanismos que imponham às suas empresas multinacio-
nais a elaboração de “códigos de conduta”, a definirem os padrões mínimos de
direito do trabalho que serão observados em seus negócios no exterior, tendo
como piso, naturalmente, aquelas diretrizes previstas na “Declaração de Prin-
cípios Fundamentais”, de 1998, na “Declaração sobre a Justiça social para uma
Globalização Equitativa”, de 2008, e no “Pacto Mundial para o Emprego”, de
2009, todas da OIT23.

22 Sobre o conteúdo das cláusulas sociais, Erika de Wet ressalta que estas deveriam levar em conta, pelo
menos, o direito à liberdade sindical e à negociação coletiva, nos termos das Convenções ns. 87 e 98
da OIT, a prevenção contra o trabalho forçado (Convenções ns. 29 e 105), a proibição de discriminação
(Convenções ns. 100 e 111) e a introdução de uma idade mínima para o trabalho (Convenção nº 138).
WET, Erika de. Labor Standards in the globalized economy, 17.3:443-462.
23 Algumas empresas multinacionais, em especial aquelas que operam no ramo do vestuário e se valem
da subcontratação de outras firmas situadas, principalmente, em nações asiáticas e latino-americanas
estabeleceram códigos de conduta após terem vindo à tona as péssimas condições de trabalho a que
estavam submetidos seus “colaboradores” daqueles países, cuja divulgação pela imprensa internacional
causou péssima repercussão em seus maiores mercados consumidores.
Vide, nesse sentido: SANYAL, Rajib. The Social Clause in Trade Treaties. Implications for International
Firms.

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E paralelamente a tudo isso, a OIT e a OMC poderiam articular a criação


de um organismo especificamente voltado para a fiscalização internacional do
trabalho, com poderes de inspeção estabelecidos nos moldes do Estatuto da
Agência Internacional de Energia Atômica da ONU, a fim de auditar em concreto
a observância por parte dos Estados ao conteúdo das cláusulas sociais e dos
“códigos de conduta”, bem como de auxiliar aquelas instâncias supranacionais
no desempenho de suas tarefas arbitrais e contenciosas24.
Com a adoção efetiva de tais medidas no plano internacional, cujo de-
lineamento carece, certamente, de definições mais precisas, a reprodução dos
mecanismos predatórios de dumping social e de law shopping – a integrarem
as estruturas do capitalismo contemporâneo – poderão ser eficazmente inibidos
e não serão mais empecilhos para que os Estados reavivem o escopo tutelar do
direito do trabalho em seus aspectos individuais e coletivos.
De fato, em um mundo onde todos os países (ou, pelo menos, aqueles que
detêm maior relevância no comércio internacional) venham a seguir padrões
mínimos de respeito à dignidade dos trabalhadores e ao livre exercício das
atividades sindicais e reivindicatórias, o capital, mesmo com sua mobilidade
facilitada, não encontrará espaço para obter custos menores de produção por
intermédio da exploração depreciativa da mão de obra humana.

3.3.2 – As soluções no plano doméstico

Uma vez anexadas as cláusulas sociais aos tratados multilaterais de


comércio internacional, caberá aos Estados implementar, no plano interno,
políticas públicas destinadas a promover, primeiramente, a efetiva concretiza-

24 A propósito, Patrick Macklem assinala que:


“Os organismos internacionais vêm há muito se deparando com o grande espaço existente entre a
formulação e a implementação das normas de direitos humanos, e a OIT não é uma exceção a tal regra.
Os padrões mínimos do direito do trabalho, não importa se estabelecidos textualmente de forma ge-
nérica ou específica, demandam instituições não só aptas a monitorar a adequação do Estado às suas
diretrizes, mas também a assegurar a implementação destas últimas. A presença de tais padrões mínimos
nas normas internacionais é uma condição necessária, mas não suficiente para sua implementação. Eles
devem contar com mecanismos institucionais internacionais e domésticos para serem bem-sucedidos
na tarefa de promover um trabalho justo.”
No original: “International institutions have long grappled with the wide gulf between the articulation
and implementation of human rights norms, and the ILO is no exception. International labour standards,
whether generally or specifically worded, require institutions that will not only monitor state compli-
ance but also ensure their implementation. The international presence of such standards is a necessary
but not sufficient condition of their implementation; they must engage with international and domestic
institutional mechanisms to be successful in promoting justice at work”. MACKLEM, Patrick. Labour
law beyond borders, (2002) 606-645.

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ção das diretrizes formuladas naqueles três documentos essenciais da OIT e,


posteriormente, a legítima proteção de suas relações de trabalho em face do
dumping social.
Antes de tudo, os países deverão envidar esforços sérios e efetivos para
eliminar o trabalho infantil e forçado, bem assim as práticas discriminatórias
de qualquer natureza em matéria de emprego, para além de assegurar em sua
plenitude o exercício da liberdade sindical em seus aspectos individual e coletivo
(inclusive no que diz respeito à negociação coletiva e ao exercício de greve), o
gozo dos direitos laborais inerentes à dignidade individual dos trabalhadores e
a tutela do meio ambiente do trabalho.
Nesse sentido, não se concebe que um Estado cujo ordenamento ignora
tais diretrizes e cujas autoridades não demonstram interesse em implementá-las
de modo efetivo possa se valer das cláusulas sociais para restringir o acesso de
outros países a seu mercado. Ter-se-ia, nesse caso, contradição frontalmente
lesiva ao postulado da boa-fé que permeia não só o comércio global como
também as relações entre as pessoas jurídicas de direito público internacional.
Cumpre recordar que, na vigência das cláusulas sociais editadas sob o
influxo das diretrizes principiológicas emanadas da OIT naqueles três docu-
mentos essenciais de 1998, 2008 e 2009, os Estados que não se adequarem a
tais preceitos correrão sérios riscos de ter seu acesso aos principais mercados
consumidores restringido e, em casos mais extremos, até mesmo bloqueado.
Atendidas aquelas diretrizes tutelares por parte do Estado em um nível
satisfatoriamente mínimo, deverá este adotar políticas destinadas a restringir
o acesso ao seu mercado interno por parte dos países que praticam o dumping
social, caracterizado, conforme visto, pela inobservância a qualquer um daqueles
preceitos elementares.
Nesse particular, as medidas a serem adotadas com respaldo internacional
nas cláusulas sociais poderiam consistir na tarifação ou na tributação diferen-
ciada dos produtos oriundos daquelas nações, por intermédio da adoção de uma
tabela que majoraria as alíquotas segundo o grau menor ou maior de observância
àquelas diretrizes consolidadas pela OIT. Desse modo, a vantagem concorren-
cial e a redução dos custos produtivos obtidos pelos países exportadores com
a exploração desumana da mão de obra seriam significativamente reduzidos ou
mesmo eliminados, o que acabaria por desestimular sistematicamente a prática
de dumping social e, por conseguinte, o law shopping.
Em casos extremos, poder-se-ia cogitar até mesmo na proibição de
importação de certos bens oriundos de países que protagonizassem violações

Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 2, abr/jun 2012 233


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extremas ao objeto tutelado pelas cláusulas sociais. Tal hipótese teria lugar, a
título exemplificativo, ao se constatar que um determinado bem é fabricado com
a utilização de mão de obra infantil ou escrava ou que as condições laborais
nas fábricas são extremamente penosas a ponto de colocar em risco efetivo a
vida e a integridade física dos trabalhadores.
De outro turno, as políticas a serem adotadas pelo Estado no resguardo de
suas relações justas de trabalho deveriam estabelecer severas sanções cíveis e
mesmo criminais àquelas empresas sediadas em sua jurisdição que se valerem,
no exterior, de formas de trabalho contrárias àqueles standards mínimos de
proteção, de modo a prejudicar não só os trabalhadores do país receptor como
a coletividade obreira diretamente afetada no plano doméstico e, em última
instância, toda a sua sociedade.
De modo mais preciso, as legislações domésticas (e, naturalmente, os
aplicadores do direito) poderiam classificar tais práticas – em rol exemplificati-
vo – como violação a interesses coletivos e difusos e possibilitar aos sindicatos
obreiros e ao Ministério Público o ajuizamento de ações de indenização por
dano moral coletivo, estabelecendo-se a reversão dos montantes a um fundo
criado especialmente para a concessão de benefícios sociais aos trabalhadores
e à sociedade de maneira geral25.
Em complemento a tais medidas, as políticas estatais em apreço deveriam
condicionar a atuação das empresas que pretendem operar no exterior à adoção
de um código de conduta, a prever que sua atuação para além das fronteiras
nacionais pautar-se-ia, no mínimo, pela observância àquelas diretrizes elemen-
tares elencadas pela OIT em suas declarações de 1998, 2008 e 2009, sob pena
de sanções cíveis e criminais no plano doméstico.
Com a implementação dos mecanismos ora cogitados, em complemento
às cláusulas sociais a serem apostas nos tratados multilaterais de livre-comércio,
o direito do trabalho deixará de ser compreendido como um mero arcabouço

25 O interesse coletivo em questão é aquele titularizado pela coletividade obreira eventualmente preju-
dicada pelos investimentos feitos por parte da empresa no exterior com vistas a reduzir seus custos
produtivos à custa da exploração predatória de mão de obra oferecida pelo país receptor.
A fim de ilustrar tal situação, poder-se-ia pensar em uma firma hipotética do setor de confecções que
encerra uma unidade produtiva em um determinado país e a transfere para outro que tolera ou incentiva
a prática de dumping social. Nessa situação, os empregados demitidos no país de origem seriam os
titulares do interesse coletivo em sentido estrito vilipendiado pela empresa.
O interesse difuso, por sua vez, caberia a toda a sociedade do Estado de origem, que, com a transferência
da empresa para aquele país patrocinador de práticas lesivas aos direitos mínimos dos trabalhadores,
deixou de se beneficiar com o montante dos tributos que seriam arrecadados da firma, caso ela perma-
necesse sob sua jurisdição.

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compensatório das distorções presentes no capitalismo industrial para se


transformar em um verdadeiro conjunto de políticas públicas (no plano inter-
nacional e doméstico) destinado a promover a efetiva superação dos perigos
sociais inerentes à abertura dos mercados e ao atual estágio alcançado pela
globalização econômica.
Não se trata de abandonar o intuito protetivo e nem tampouco o conteúdo
histórico-institucional do direito do trabalho que surgiu no século XIX como
resultado das longas lutas por justiça social e que lhe confere, ainda hoje, a nota
distintiva em relação às demais disciplinas. Pelo contrário, o que se pretende com
tal proposta de reformulação conceitual é vivificar as instituições juslaboralistas
de modo a fazer com que elas sejam aptas não apenas a compensar os defeitos
do capitalismo globalizado a caracterizar os dias atuais como também a atacar
efetivamente as novas estruturas do sistema que surgiram nas últimas décadas
e, desde então, vêm obstando significativamente a melhoria das condições de
vida e de trabalho dos obreiros tanto nos países de industrialização remota como
nos chamados “emergentes”.

CONCLUSÃO

O estágio atingido pelo processo de globalização econômica nos dias


atuais e a mobilidade do capital através das fronteiras tornou, indubitavelmente,
obsoleta a concepção meramente compensatória do direito do trabalho. Diante
desse cenário, a impotência das normas domésticas de cunho laboral e do sistema
normativo de soft law atualmente existente no sistema da OIT para lidar com as
novas distorções do capitalismo ficou patente em face dos efeitos devastadores
que o dumping social causou tanto nas nações de industrialização tardia ou
com certo grau de industrialização há algum tempo (v.g.: subcontratação, altos
níveis de desemprego, precarização do trabalho, desmonte do Estado de Bem-
Estar Social, crise do sindicalismo, etc.) quanto nos países ditos “emergentes”
(v.g.: exploração predatória do trabalho, utilização de mão de obra infantil e
escrava, submissão da vida e da integridade física dos obreiros a altos riscos,
inexistência de representação sindical, etc.).
Para assegurar a função a que o direito do trabalho se propôs no século
XIX – e que se manterá atual não apenas hoje ou amanhã, mas enquanto o labor
humano for objeto de arregimentação – faz-se necessário atacar diretamente as
estruturas do capitalismo hodierno que vêm causando a progressiva dilapidação
das condições de vida e de trabalho dos obreiros em todos os rincões do globo
terrestre submetidos ao jugo do “livre-mercado”.

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E tal ataque àquelas estruturas dar-se-á pela formulação de um sistema


complementar de políticas internacionais e domésticas que, se aplicado em
sua plenitude, terá o condão de neutralizar as vantagens competitivas obtidas
pelos países praticantes do dumping social, de modo a abrir espaço para que
a utilização da mão de obra humana observe standards mínimos de proteção,
onde quer que seja ela empregada.
Não se trata de uma revisão geral do sistema capitalista que, afinal de
contas, é pressuposto do próprio direito do trabalho. A proposta ora formulada
visa apenas (como se isto fosse pouco) promover a reconfiguração daquelas
estruturas assumidas pelo capitalismo nas últimas décadas que, ao permitirem
o livre e desimpedido trânsito do capital mundo afora, trouxeram consigo o
dumping social, o law shopping e, com isto, a tendência à dispersão global da
precarização do labor humano e o enfraquecimento das entidades de represen-
tação coletiva dos trabalhadores.
No entanto, em que pesem as propostas ora formuladas e as dificuldades
inerentes à sua efetiva implementação, a efetividade do direito do trabalho nos
dias atuais depende mais da mudança de postura por parte de seus intérpretes e
aplicadores do que de uma complexa reengenharia internacional e doméstica dos
preceitos juslaboralistas, cuja formulação de nada adiantará se seus cultores se
mantiverem atados a uma racionalidade formalista e casuística no que concerne
à compreensão de seus preceitos e institutos.
Trate-se, nesse sentido, de reconhecer a existência de um conteúdo
histórico-institucional por detrás dos princípios gerais de direito do trabalho
presentes nas principais democracias do globo e que impõe aos seus aplicado-
res/intérpretes o dever inerente à “tomada de posição em conformidade com
seu ethos” diante dos casos concretos a ele submetidos, sempre no sentido de
vivificar aquele conteúdo diante das novas hipóteses que a realidade cambiante
for apresentando, segundo a precisa dicção de Zagrebelsky26.
E muito certamente, o cotejo entre o conteúdo histórico-institucional dos
princípios constitucionais de índole social e as distorções inerentes ao atual está-
gio do capitalismo apontará para a incompatibilidade destas últimas em relação
àquele primeiro. Basta, portanto, vivificar o conteúdo histórico-institucional do
direito do trabalho nas situações concretas e aquelas estruturas restarão abaladas.
Se tal postura vier a ser adotada, a proposta de redefinição conceitual formulada
no presente teria um papel meramente auxiliar nesse sentido.

26 ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil, p. 118-119.

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Pode-se até objetar o que foi dito acima sob a alegação de que as propos-
tas ora formuladas beiram o impossível, senão mesmo o utópico. No entanto,
há de se reconhecer que, ante a complexidade assumida pelas estruturas do
capitalismo nos dias atuais, as soluções fáceis para a neutralização de suas
distorções não se encontram disponíveis.

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