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Pachukanis, Evguéni B. Teoria Geral do Direito e Marxismo.

São Paulo: Boitempo,


2017.

O camarada P. I. Stutchka definiu com bastante propriedade minha abordagem da teoria


geral do direito como “uma tentativa de aproximação da formado direito e da forma da
mercadoria”. P. 60

esses conceitos jurídicos mais gerais e simples são resultado de uma elaboração
lógica das normas de direito positivo e representam um produto superior e mais recente
de uma criação consciente, quando comparados com as relações jurídicas que se
formam espontaneamente e as normas que as expressam. P. 67

Uma teoria geral do direito que não pretende explicar nada, que, de antemão, recusa a
realidade factual, ou seja, a vida social, e lida com as normas, não se interessando nem
por sua origem (uma questão metajurídica!) nem pela ligação que estabelecem com
certos materiais de interesse, só pode, evidentemente, pretender o título de teoria no
mesmo sentido usado, por exemplo, para se referir à teoria do jogo de xadrez. Tal teoria
não tem nada a ver com ciência. Ela não se ocupa de examinar o direito, a forma
jurídica como uma forma histórica, pois, em geral, nãotem a intenção de pesquisar o
que está acontecendo. Por isso, podemos dizer,usando uma expressão vulgar, que
“desse mato não sai coelho”. P. 71

a teoria marxista deve não apenas examinar o conteúdo material da regulamentação


jurídica nas diferentes épocas, mas também oferecer uma interpretação materialista da
própria regulamentação jurídica como uma forma histórica determinada. P. 72

Só a sociedade burguesa capitalista cria todas as condições necessárias para que o


momento jurídico alcance plena determinação nas relações sociais. P. 75
Uma vez dada a forma da troca de equivalentes, está dada a forma do direito e, assim, a
forma do poder público, ou seja, estatal, que graças a isso permanece por algum tempo
nessas condições, mesmo quando já não existem mais divisões de classes. A extinção do
direito, e com ela a do Estado, acontece apenas, de acordo com Marx, “quando o
trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira
necessidade vital”. P. 79

Marx, portanto, concebia a transição para o comunismo desenvolvido não como


uma transição para novas formas de direito, mas como a extinção da forma jurídica em
geral, como uma extinção dessa herança da época burguesa que se destina a sobreviver
à própria burguesia.

Além disso, Marx revela a condição fundamental, enraizada na própria economia,


da existência da forma jurídica, que é justamente a igualação dos dispêndios do
trabalho segundo o princípio da troca de equivalentes, ou seja, ele descobre o profundo
vínculo interno entre a forma do direito e a forma da mercadoria. Uma sociedade
que, devido às condições de suas forças produtivas, é forçada a conservar a relação de
equivalência entre o trabalho gasto e a remuneração, que ainda remotamente lembra a
troca entre valores e mercadorias, será forçada a conservar também a forma do
direito. P. 79/80

Do mesmo modo, o direito, considerado em suas determinações gerais, como forma,


não existe somente na cabeça e nas teorias dos juristas especialistas. Ele tem,
paralelamente, uma história real, que se desenvolve não como um sistema de ideias, mas
como um sistema específico de relações, no qual as pessoas entram não porque o
escolheram conscientemente, mas porque foram compelidas pelas condições de
produção. O homem se transforma em sujeito de direito por força daquela mesma
necessidade em virtude da qual o produto natural se transforma em mercadoria dotada
da enigmática qualidade do valor. P. 83
Uma das premissas fundamentais da regulamentação jurídica é, portanto, o antagonismo
dos interesses privados. Isso é, ao mesmo tempo, uma premissa lógica da forma jurídica
e uma causa real do desenvolvimento da superestrutura jurídica. O comportamento das
pessoas pode ser regulado pelas mais diferentes regras, mas o momento jurídico dessa
regulamentação começa onde têm início as diferenças e oposições de interesse. P. 94

Do mesmo modo que a riqueza da sociedade capitalista assume a forma de uma enorme
coleção de mercadorias, também a sociedade se apresenta como uma cadeia ininterrupta
de relações jurídicas. P. 97

O método jurídico formal que concerne somente às normas, somente àquilo “que está de
acordo com o direito”, pode preservar sua autonomia apenas dentro delimites bastante
estreitos, e precisamente apenas enquanto a tensão entre o fato e a norma não
ultrapassar um grau máximo determinado. Na realidade material, a relação prevalece
sobre a norma. Se nenhum devedor pagasse suas dívidas, a regra correspondente
deveria, então, ser considerada realmente inexistente, e se quiséssemos, a qualquer
custo, sustentar sua existência, deveríamos, de uma maneira ou de outra, fetichizar essa
norma. Fetichizações assim são abundantes nas diversas teorias do direito e se baseiam
em reflexões metodológicas extremamente sutis. P. 98

A dogmática jurídica se esquece dessa sucessão histórica e começa de repente com o


resultado pronto, com normas abstratas, com as quais o Estado, por assim dizer,
preenche todos os espaços sociais, atribuindo características jurídicas a todas as
condutas aí existentes. De acordo com essa representação simplificada, nas
relações de compra e venda, empréstimos, garantias etc., o momento fundamental e
determinante revela-se não no próprio conteúdo material econômico, mas no imperativo
que se dirige em nome do Estado a cada indivíduo em particular; esse ponto de vista
do qual parte o jurista prático, contudo, é inadequado para a investigação e a
explicação da estrutura jurídica concreta e, em particular, para a análise da forma
jurídica e suas definições mais gerais. O poder estatal confere clareza e estabilidade à
estrutura jurídica, mas não cria seus pressupostos, os quais estão arraigados nas
relações materiais, ou seja, de produção. P. 104

O sujeito como titular e destinatário de todas as pretensões possíveis e a cadeia de


sujeitos ligados por pretensões recíprocas são o tecido jurídico fundamental que
corresponde ao tecido econômico, ou seja, às relações de produção da sociedade,que
repousa na divisão do trabalho e na troca. P. 109

O capital financeiro valoriza muito mais o poder forte e a disciplina do que “os direitos
eternos e inalienáveis da pessoa humana e do cidadão”. O proprietário capitalista, que se
transforma em um entesourador de dividendos e de lucros da Bolsa, não pode tratar sem
certa dose de cinismo “o sagrado direito à propriedade”. P. 110

A condição real para essasuperação daforma jurídica e da ideologia jurídica é um estado


social em que se erradica a própriacontradição entre os interesses individuais e sociais.
P. 112/113

as relações sociais entre as pessoas no processo de produção adquirem aqui a forma


reificada dos produtos do trabalho, que se relacionam uns com os outros pelo valor.
P. 119

Erigindo-se de maneira grandiloquente, o contrato é uma parte constitutiva da ideia de


direito. P. 127 – NA VERDADE, ESSE LIVRO É BASICAMENTE SOBRE A
RELAÇÃO CONTRATUAL

Na troca, para usar as palavras de Marx, um possuidor de mercadorias “só pode se


apropriar da mercadoria alheia e alienar a sua própria mercadoria em
concordância com a vontade do outro”[e]. É justamente esse pensamento que
pretendem expressar os representantes das doutrinas do direito natural ao tentar
justificar a propriedade como um contrato primordial. Eles têm razão,naturalmente,
não em pensar que tal contrato teve lugar em algum momento histórico, mas no
sentido de as formas naturais ou orgânicas da apropriação terem adquirido “razão”
jurídica nos atos recíprocos de aquisição e alienação. No ato da alienação, a realização
do direito de propriedade como abstração se torna realidade. Qualquer emprego de uma
coisa está ligado ao aspecto concreto de sua utilização como meio de consumo ou como
meio de produção. P. 129

DISCUSSÃO SOBRE A PROPRIEDADE PRIVADA SER A POSSIBILIDADE DE


SUA TROCA:

A FUNÇÃO SOCIAL DA SOCIEDADE GARANTE A VELOCIDADE E


CONTINUIDADE DA ACUMULAÇÃO.

LIMITAR A DESAPROPRIAÇÃO, COMO NO BRASIL, APENAS À


INDENIZAÇÃO PELO VALOR REAL DO IMÓVEL É GARANTIR QUE ESSA
ACUMULAÇÃO SE DÊ MESMO EM ESTADO IMPRODUTIVO (ACUMULAÇÃO
POR DESPOSSESSÃO).

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