Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sem dúvida, há que se reconhecer um grande mérito de Kelsen. Com sua corajosa
coerência, ele levou ao absurdo a metodologia do neokantismo com seus dois
princípios. De fato, verifica-se que o “puro” princípio do dever-ser, livre de todas as
impurezas do ser, do factual, de todas as “escórias” psicológicas e sociológicas, em
geral não tem nem pode ter definições racionais. Pois, para o dever-ser puramente
jurídico, ou seja, incondicionalmente heterônomo heterônomo, até mesmo fim é algo
estranho e indiferente. O “tu deves afim de que”, de acordo com Kelsen, já não é o “tu
deves” jurídico. – pág. 70.
[...] um conceito como o do direito não pode ser exaustivamente compreendido por uma
definição que segue as regras da lógica escolásticas per genus et differentia specifica. –
pág. 73
Não há fronteira entre o direito como norma objetiva e o direito como justificação
social. A norma de caráter geral não se distingue de sua aplicação concreta;
consequentemente, isso acaba por confundir as ações do juiz e do legislador. – pág. 76.
Marx, portanto, concebi a transição para o comunismo desenvolvido não como uma
transição para novas formas de direito, mas como a extinção da forma jurídica em geral,
como uma extinção dessa herança da época burguesia que se destina a sobreviver à
própria burguesia. – pág. 79.
[...] o direito, considerado em suas determinações gerais, como forma, não existe
somente na cabeça e nas teorias dos juristas especialistas. Ele tem, paralelamente, uma
história real, que se desenvolve não como um sistema de ideias, mas como um sistema
específico de relações, no qual as pessoas entram não porque o escolheram
conscientemente, mas porque foram compelidas pelas condições de produção. O homem
se transforma em sujeito de direito por força daquela mesma necessidade em virtude da
qual o produto natural se transforma em mercadoria dotada da enigmática qualidade do
valor. – pág. 83.
Para o pensamento que não extrapola os limites das condições de existência burguesa,
essa é uma necessidade que não pode ser percebida de outro modo que não o da
necessidade natural; é por isso que a doutrina do direito natural, conscientemente ou
inconscientemente, está na base da teorias burguesas do direito. A escola do direito
natural é não apenas a mais viva expressão da ideologia burguesa, em uma época em
que a burguesia surgia como classe revolucionária, formulando de maneira aberta e
clara suas demandas, mas também é a escola que oferece a mais profunda e nítida
compreensão da forma jurídica. Não é por acaso que o florescer das doutrinas de direito
natural quase coincide com o advento dos grandes clássicos da economia política
burguesa. – pág. 83
A relação jurídica é, para usar um termo de Marx, uma relação abstrata, unilateral; nessa
unilateralidade, ela se revela não como um resultado do trabalho racional da mente deu
m sujeito, mas como um produto do desenvolvimento da sociedade. – pág. 85.
[...] temos duas épocas de ápice do desenvolvimento dos conceitos jurídicos gerais:
Roma, com seu sistema de direito privado, e os séculos XVII-XVIII da Europa, quando
o pensamento filosófico descobriu o significado universal da forma jurídica como uma
oportunidade de realizar a vocação da democracia burguesa. – pág. 86.
[...] os conceitos jurídicos gerais podem entrar, e de fato entram, como parte de
processos ideológicos e de sistema ideológico – e isso não é alvo de nenhuma
controversa -, mas, para eles, para esses conceitos, é de certo modo impossível revelar a
realidade social mistificada. – pág. 88
[...] o direito, enquanto conjunto de normas, não é nada além de uma abstração sem
vida. – pág. 97.
O direito como um fenômeno social objetivo não pode esgotar-se na norma nem na
regra, seja ela escrita ou não. A norma como tal, ou seja, o conteúdo lógico, ou deriva
diretamente de uma relação já existente ou, se é dada na forma de uma lei do Estado,
representa apenas um sintoma por meio do qual é possível prever com certa
probabilidade o surgimento em um futuro próximo das relações correspondentes. Mas,
para afirmar a existência objetiva do direito, não basta conhecer seu conteúdo
normativo, é necessário, antes, saber se o conteúdo normativo tem lugar na vida, ou
seja, nas relações sociais. – pág. 98 e 99.
O estudo científico, ou seja, teórico, pode se basear apenas nos fatos. Se as relações se
formarem realmente, significa que se criou um direito correspondente; se uma lei ou
decreto forem apenas promulgados, mas as relações correspondentes não surgirem na
prática, significa que houve uma tentativa de criar o direito, mas essa tentativa não foi
bem-sucedida. – pág. 99.
O direito, historicamente, começou com o litígio, i.e., com a ação judicial [...] A
dogmática jurídica se esquece dessa sucessão histórica e começa de repente com o
resultado pronto, com a snormas abstratas, com as quais o Estado, por assim dizer,
preenche todos os espaços sociais, atribuindo características jurídicas a todas as
condutas aí existentes. – pág. 104.
O poder estatal confere clareza e estabilidade à estrutura jurídica, mas não cria seus
pressupostos, os quais estão arraigados nas relações jurídicas, ou seja, de produção. –
pág. 104.
Como marxista, não coloquei nem poderia colocar a tarefa de formular uma teoria da
“dogmática jurídica pura”. – pág. 115.
Toda relação é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica, o
elemento mais simples e indivisível, que não pode mais ser decomposto. – pág. 117.
[...] a propriedade tem pouco em comum, do ponto de vista lógica, com o principio
orgânico e natural da apropriação privada como um desdobramento da força pessoal ou
como condição de consumo e de uso pessoal. [...] A propriedade capitalista da terra não
pressupõe nenhum tipo de ligação orgânica entre a terra e o proprietário; aliás, ela é
concebível apenas se estiver sujeita à livre transmissão de uma mão para a outra, à livre
transação da terra. – pág. 132.
A relação jurídica não pressupõe por sua própria “natureza” um estado de paz, assim
como o comércio, a princípio, não exclui o assalto à mão armada, mas anda de mãos
dadas com ele. – pág. 139
A diferença entre a doutrina do direito natural e o mais novo positivismo jurídico está
apenas no fato de que o primeiro percebe com mais clareza as conexões lógicas entre o
poder abstrato do Estado e o sujeito abstrato. – pág. 148.
O Estado jurídico é uma miragem, mas uma miragem totalmente conveniente para a
burguesia, pois substitui a ideologia religiosa em decomposição e esconde das massas o
domínio da burguesia. A ideologia do Estado jurídico é mais conveniente que a
religiosa, porque ela, além de não refletir a totalidade da realidade objetiva, ainda se
apóia nela. A autoridade como “vontade geral”, como “força do direito”, na medida em
que se realiza na sociedade burguesa representa um mercado. – pág. 148.
Se um homem se encontra em poder de outro, se é um escravo, seu trabalho deixa de ser
criador e substância de valor. A força de trabalho de um escravo, assim como a de um
animal doméstico, transfere para um produto apenas determinada parte dos custos de
sua própria produção e reprodução. – pág. 152 e 153.
A ideia de valor supremo e de igualdade entre pessoas humanas tem uma longa história:
da filosofia estóica, ela chegou ao cotidiano dos juristas romanos, aos dogmas das
igrejas cristã e, em seguida, às doutrinas do direito natural. [...] Mas qualquer que seja a
roupagem que essa ideia assuma, nela não é possível descobrir nada além da expressão
do fato de que diferentes tipos concretos de trabalho socialmente úteis se reduzem ao
trabalho em geral, uma vez que os produtos do trabalho, começam a ser comercializados
como mercadorias. – pág. 154 e 155.
O dever jurídico, não sendo capaz de encontrar para si um significado autônomo, oscila
eternamente entre dois limites extremos: a imposição externa e o dever moral “livre”. –
pág. 164