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socialismo
Evgeni Bronislávovich Pachukanis
1927
Nota Introdutória
★★★
Uma análise marxista dos problemas de uma teoria geral do direito não é de
maneira nenhuma meramente uma questão acadêmica. Uma época
revolucionária se diferencia de períodos de desenvolvimento pacífico, gradual,
pelo fato de que se torna necessário formular todos os problemas da maneira
mais abrangente possível. Nem os conceitos fragmentários, nem mesmo uma
abordagem correta de um ou outro problema em particular é o suficiente para a
ação revolucionária; em vez disto, é necessária uma orientação geral, uma
abordagem correta que faça possível a solução de um problema em todos os
seus aspectos.
Os direitos civis, como o Art. 1 declara, são protegidos pela lei, com a
exceção daqueles casos em que estes direitos são exercidos em contradição
com seus “propósitos socioeconômicos”. Mas o que é o “propósito
socioeconômico” de um direito civil? A resposta a isto pode ser encontrada no
Art. 4, onde a garantia da capacidade jurídica civil é justificada pelo propósito de
desenvolver as forças produtivas. A ideia subjacente a ambas formulações é
simples e clara. O Estado proletário permite a propriedade privada e o
intercâmbio privado, mas com o propósito exclusivo de desenvolver as forças
produtivas. Isto não é nada mais que a tentativa de traduzir para a linguagem
jurídica a ideia sobre a qual repousam as bases da Nova Política Econômica.
Não é difícil elencar uma série de requisitos legais deste tipo, cuja satisfação
(e, em conformidade, a tutela de dado direito) não possa ser considerada do
ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas, mas que possam ser
consideradas com naturalidade e devem ser consideradas pelo tribunal do ponto
de vista da justiça ou da troca justa. Mas concluímos disto que, garantindo e
protegendo os direitos da legislação Civil, o Estado proletário não pretende, de
modo algum, desenvolver as forças produtivas em todos os âmbitos. Nestes
tempos, simplesmente não havia alternativa a este método de proteger direitos
da legislação Civil, por conta do desenvolvimento insuficiente da economia
planificada e do fato de que as tarefas da seguridade social e da previdência
social não estavam plenamente completas.
Este é um lado do problema. Mas, por outro lado, o critério sobre [o que
constitui] o desenvolvimento das forças produtivas, tendo sido estabelecido
pelos juristas [burgueses], imediatamente tomaram um certo tom de absoluto.
Comentários zelosos sobre o nosso Código Civil prontamente atribuíram ao
conceito de desenvolvimento das forças produtivas um caráter neutro em relação
às classes e à política. Seguiu-se um tipo de fusão da nossa lei soviética com as
tendências da convenção verbal do capitalismo, refletidas nas legislações
estrangeiras. Este simples método de converter a propriedade privada em uma
“função social” nada tem em comum com a nossa situação, que foi definida ao
tempo da introdução da NEP por duas circunstâncias: um desejo de ir de
encontro às necessidades econômicas do campesinato (uma livre disposição
dos excedentes como o “plano cooperativo”) e a disposição de “pagar pela
ciência” (concessões, alugueis e outras formas de capitalismo estatal).
Nós lidaremos apenas com estes dois pontos. Contudo, seria possível
alegar um número infinito de tópicos relacionados a outros ramos do direito que,
da mesma forma aguda, levantam problemas de caráter geral, que precisaram
não apenas de um entendimento nítidos dos objetivos sociais de classe e
problemas políticos, mas um não menos profundo entendimento das
características particulares da forma jurídica. Separar um entendimento de outro
se torna cada vez mais perigoso. A prática de nossas agências administrativas
soviéticas, que consiste no fato de que o setor executivo destas instituições
terem empregado pessoas no cargo de “comissários legais”, conselheiros
jurídicos especiais – em 99% das vezes sendo estes os velhos especialistas –
não podem nos levar senão a um triste resultado. Uma questão ordinário com a
qual se acorrerá aos conselheiros jurídicos: “Pode uma coisa ser feita, sob o
ponto de vista jurídico?” – esta questão parte da presunção ingênua de que tudo
consiste em pesquisar o decreto apropriado ou o artigo apropriado dentro do
Código. De fato, a conclusão demandada não é, de jeito nenhum, consequência
de um deus ex machina. Em 75 de cada 100 casos, um conselheiro jurídico
consciente deve perguntar de volta: “Mas o que você pensa? Pode tal coisa ser
feita, do ponto de vista político?” Pois toda questão séria da administração está
conectada com a forma jurídica não apenas pela aparência externa, mas pela
sua própria essência. Aquele que não entende a natureza de classe da questão
será, então, incapaz de oferecer qualquer coisa que não seja uma análise pífia
de uma brecha, sob seu ponto de vista jurídico, ou simplesmente corromper a
sua natureza. O extremo descaso pela forma jurídica – que permanece entre
muitos juristas – se vinga contra nós, e se vinga da maneira mais dialética,
desenvolvendo um formalismo sem sentido e um burocratismo. Mas, até o
momento em que a formulação jurídica seja considerada uma parte integrante
da natureza política e sócio-econômica da atividade do Estado, uma questão que
não pode ser deixada em “mãos desconhecidas”, até lá, uma abundância de
formalismos inanimados e ocos será inevitável entre nós.