Você está na página 1de 237

Novaes e Okumura

A ditadura do capital financeiro tem produzido consequências nefastas para a educação


da classe trabalhadora. Essa nova forma de ditadura – chamada pelos intelectuais da di-

São enfocados temas perenes na


história educacional brasileira como a
reita de globalização ou sociedade do conhecimento – permite aos grandes grupos edu-
cacionais faturar milhões de dólares diariamente no setor educacional, além obviamente
de reproduzir os valores do modo de produção capitalista.
Introdução à política
Introdução à política educacional em
tempos de barbárie traz importantes refle-
relação entre a questão agrária e a edu-
cação, além das transformações históri-
cas inconclusas em seus desdobramentos
No caso brasileiro, a ditadura empresarial-militar se metamorfoseou em ditadura do
capital financeiro. Ainda que as lutas sociais e educacionais dos anos 1980 tenham sido
intensas, as rédeas da transição não saíram das mãos da burguesia e dos militares, blo-
educacional em tempos xões que abordam diferentes temáticas
da política educacional. Oportunamen-
te, a referência teórica central consiste
democráticos no âmbito da escola pú-
blica.
Ademais, parte dos capítulos dis-
queando a “redemocratização” do país. A eleição de Collor, os governos neoliberais de
FHC e até mesmo o lulismo, elevaram a mercantilização da educação a novos patamares
e impediram a realização de algumas conquistas da Constituição de 1988.
de barbárie na vasta obra de sociologia histórica de
Florestan Fernandes (1920- 1995) que -
além de estar entre os grandes intelectu-

Introdução à política educacional em tempos de barbárie


cute períodos e problemáticas mais es- A “proclamação da República” em 1889 não veio acompanhada de reforma agrária, ais brasileiros – atuou intensamente na
pecíficas: a construção da república e a ex-escravos foram marginalizados, sem oportunidades de emprego, educação e sem um Henrique Tahan Novaes luta em defesa da educação pública ao
educação; a educação pública na Cons- lugar digno para morar. Enfim, a educação continuou sendo elitista e para poucos. Por longo de sua vida.
tituição de 1988; os desafios da forma- sua vez, a revolução de 1930 industrializou parcialmente o país, produziu uma tímida Julio Hideyshi Okumura Henrique Tahan Novaes e Ju-
ção docente num país subdesenvolvido; reforma educacional, mas novamente as propostas de massificação da educação pública lio Hideyshi Okumura realizam análi-
o ensino médio e a politecnia; incluindo de qualidade foram abortadas. Educadores como Anísio Teixeira que defendiam a mas- ses que partem das particularidades do
também questões próprias da terceira sificação da escola pública foram marginalizados e até mesmo chamados de “comunis-
capitalismo dependente, regido pelos
década do século XXI como a educação anseios de uma débil burguesia nati-
tas”.
à distância e a precarização do trabalho va respaldada pelo regime autocrático
Em países de capitalismo dependente como o Brasil, problemas crônicos da política
docente sob o neoliberalismo. e subserviente aos ditames dos países
educacional como o subfinanciamento da educação pública, a precarização do traba-
centrais. Aliados à matriz escravocrata,
lho docente, o analfabetismo funcional, o ensino superior elitizado não serão resolvi-
estes aspectos da realidade social brasi-
dos dentro dos marcos do capitalismo. Podem ser até superficialmente amenizados em
FABIANA RODRIGUES | FE- UNICAMP leira são base tanto para uma profunda
governos populares, mas possuem determinações profundas que impedem sua solução dependência tecnológica no decorrer
dentro da órbita do capital. do avanço das relações produtivas sob o
Procuramos abordar neste livro – dialogando especialmente com os iniciantes – os pro- capitalismo, quanto para uma reiterada
blemas clássicos do Brasil – agora potencializados e escancarados pela pandemia e pelo colonização cultural.
ultraneoliberalismo - que impedem a universalização da educação pública, gratuita e de Os autores demonstram que, sem
qualidade, ou em outro sentido, procuramos identificar os fatores que permitiram ao considerar as especificidades desta for-
Brasil um grande destaque nos rankings de mercantilização da educação e de barbárie mação histórica, não é possível compre-
educacional. ender os limites da política educacional
As temáticas educacionais possuem determinações profundas – em geral negligencia- vigente, nem tampouco o bloqueio ao
das nos debates educacionais: matriz colonial-escravocrata, exportação de commodities, acesso à educação pública como parte de
grande propriedade da terra, industrialização hiper-tardia e frágil, subemprego e con- uma contrarrevolução permanente que
trarrevolução permanente. conflagra um quadro de miséria educa-
cional.

Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Introdução à política educacional
em tempos de barbárie

Henrique Tahan Novaes


Julio Hideyshi Okumura
Henrique Tahan Novaes
Julio Hideyshi Okumura

Introdução à política educacional


em tempos de barbárie

Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – FFC
UNESP - campus de Marília

Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso

Conselho Editorial Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -


Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente) UNESP/Marília
Adrián Oscar Dongo Montoya Graziela Zambão Abdian
Célia Maria Giacheti Patrícia Unger Raphael Bataglia
Cláudia Regina Mosca Giroto Pedro Angelo Pagni
Marcelo Fernandes de Oliveira Rodrigo Pelloso Gelamo
Marcos Antonio Alves Maria do Rosário Longo Mortatti
Neusa Maria Dal Ri Jáima Pinheiro Oliveira
Renato Geraldi (Assessor Técnico) Eduardo José Manzini
Rosane Michelli de Castro Cláudia Regina Mosca Giroto

Ilustração de capa: grande pilha de livros e elementos ilustrativos do contexto atual de precarização da educação tombando
para a esquerda. A mercantilização como prioridade representada nos códigos de barras; o reinado do capital financeiro no
pequeno touro de ouro e no Ensino à Distância cada vez mais lucrativo. E por fim, os interesses do agronegócio dominando
o território brasileiro. Ilustradora: Lara Aiolfi: finalista do curso de design na Universidade Federal do Espírito Santo.
Contato: laraaiolfi@gmail.com

Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES

Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC

Novaes, Henrique Tahan.


N935i Introdução à política educacional em tempos de barbárie / Henrique Tahan Novaes,
Júlio Hideyshi Okumura. – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica,
2021.
240 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-189-8 (Digital)
ISBN 978-65-5954-188-1 (Impresso)

1. Educação. 2. Políticas públicas. 3. Educação - História. 4. Capital e trabalho. 5.


Liberalismo. I. Okumura, Júlio Hideyshi. II. Título.

CDD 370.193
Copyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Ciências

Editora afiliada:

Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP


Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
A revolução liberal [de 1930] poderia ter sido uma oportunidade de
ouro para a formação de um partido burguês radical. No entanto, isso
estava fora de questão, pois não existia uma burguesia radical... Logo
os inconfidentes vitoriosos se esquecerão das suas promessas
democráticas e do seu movimento emergirá uma ditadura, o Estado
Novo. O pequeno interregno foi importante para o Brasil. O
conservantismo sofrerá os primeiros abalos sérios. Os trabalhadores
logo serão identificados pela minoria burguesa reacionária como um
perigo em si. O Estado Novo aproveita inteligentemente o pânico
burguês. Constrói o edifício da ‘paz burguesa’ por meio de um
ministério do trabalho, de líderes sindicais pelegos, de ‘políticos de
esquerda’ cooptados e de uma legislação restritiva sobre os direitos dos
trabalhadores. Correlatamente, compensa o medo e completa a sedução
das classes dominantes promovendo a reconciliação política entre as
oligarquias tradicionais e as novas oligarquias industriais
(FERNANDES, 2018, p. 48).

A sociedade brasileira tem uma dívida secular com a população


trabalhadora, relegada, desde os primórdios do País, a não receber
conhecimentos, senão aqueles que fossem necessários ao trabalho
produtivo no campo e nos espaços urbanos. Mais tarde, com séculos de
atraso em relação aos países europeus colonizadores, o ideal
educacional, necessário à produção capitalista, implantou-se, de modo
escasso e limitado, apenas nas funções de ler, escrever, contar e aprender
um ofício. Manteve-se sempre, por artifícios legais e administrativos, a
meia-educação para a população (CIAVATTA, 2011, p. 35).
Sumário

Prefácio | Maria de Fatima Felix Rosar....................................................9

Introdução...........................................................................................15

Capítulo 1............................................................................................25
Questão agrária e questão educacional: qual a relação?

Capítulo 2............................................................................................47
A formação da frágil República brasileira e sua dimensão educacional
(1889-1964)

Capítulo 3............................................................................................63
A metamorfose da ditadura empresarial-militar em ditadura do capital
financeiro: implicações na mercantilização da educação

Capítulo 4............................................................................................87
Limites da Constituição de 1988 e conquistas formais do campo
educacional: um balanço a partir de Florestan Fernandes

Capítulo 5..........................................................................................121
A formação política e o trabalho das professoras e dos professores

Capítulo 6..........................................................................................143
A política educacional de integração do ensino técnico ao ensino médio:
politecnia ou escolas de dia inteiro?
Capítulo 7..........................................................................................159
Educação à distância e precarização do trabalho docente virtual no
neoliberalismo

Capítulo 8..........................................................................................181
Contrarreforma do Estado e o papel do chamado terceiro setor na
mercantilização da educação

Considerações finais............................................................................211

Referências.........................................................................................213

Sobre os autores.................................................................................233
Prefácio

Os habitantes das periferias das metrópoles, empobrecidos pelo


capitalismo e, predominantemente negros, sofrem duplamente os efeitos da
opressão, do preconceito e da pandemia, sendo atingidos pela desigualdade
estrutural, balas perdidas, ações deliberadas das polícias dedicadas a eliminar
“inimigos”, grande parte deles criados em seu imaginário, condicionadas a
praticar crimes contra a população indefesa das favelas.

Essa realidade, agravada pela execução da necropolítica pelo governo


federal durante a pandemia, precisa ser compreendida, de modo histórico e
crítico. Assim, o esforço coletivo dos que se encontram nas universidades, na
condição de professores e estudantes, é o de buscar meios para intensificarem
o seu trabalho de intelectuais orgânicos comprometidos com as lutas sociais
das classes populares e com a construção da democracia socialista.

O Prof. Henrique Tahan Novaes e o Prof. Julio Hideyshi Okumura


em ação cooperativa com a Editora Lutas Anticapital têm se dedicado a
produzir obras fundamentais para essas lutas. Essa constatação deixa evidente
o seu propósito ideológico, político e pedagógico, qual seja: fomentar um
debate vigoroso com professores e estudantes dos cursos de graduação e pós-
graduação, fazendo o uso inteligente das armas que dispõem os pensadores
críticos. Essas armas referem-se ao processo de construção do pensamento
articulado com a realidade, de modo a identificar as possibilidades de
enfrentar-se os ataques virulentos desferidos pelo capitalismo, nesses anos de
pandemia provocada pelo vírus letal.

Aproveitando-se da necessária e inevitável retração das atividades em


todos os setores e, sobretudo, do imperativo do isolamento social, que
obrigou a implantação do ensino remoto em todos os níveis, o governo
federal materializa, mediante a ação dos agentes do Estado capitalista, uma

9
sucção ainda mais violenta da resistência das classes populares, ampliando o
desemprego, a miséria e o desalento, ao mesmo tempo que se locupleta dos
recursos públicos, produzindo a antipolítica nas áreas da saúde, educação,
segurança e proteção social e meio-ambiente, além da política
macroeconômica, sintonizada com o mainstream que privilegia o rentismo,
do qual se desdobram as ações de negação das políticas concernentes aos
direitos sociais.

Este livro – Introdução à política educacional em tempos de barbárie -


oportuniza aos leitores uma imersão na história da educação brasileira
articulada com o movimento da constituição do capitalismo no Brasil, bem
como da instituição do regime republicano pelo qual se definiu o país como
uma república federativa integrada pelos entes federados: União, Estados e
Municípios. Destaca, como fez Florestan Fernandes, a característica
fundamental da burguesia antinacional e antipopular que emerge da condição
histórica dada, como enfatizam os autores, na página 9. “Acreditamos que
para compreender a política educacional brasileira é preciso compreender
evidentemente as particularidades do capitalismo: a) capitalismo dependente,
b) matriz colonial-escravocrata, c) autocracia, d) contrarrevolução
permanente”.

Para que se torne cognoscível essa realidade histórica, tão complexa


como adversa, do ponto de vista das classes populares, Novaes e Okumura
fazem uma opção teórico-metodológica que se explicita tanto pelas referências
adotadas, a partir de sociólogos reconhecidamente marxistas, Fernandes e
Ianni, que renovaram o campo da sociologia no Brasil, como também pelas
categorias de análise apreendidas no processo de desenvolvimento do
capitalismo no país. Assim, de modo orgânico, ao configurarem conteúdo e
forma dos capítulos contidos neste livro, fazem destaque à questão agrária,
claro, porque a terra da qual se apropriaram os invasores portugueses, foi
expropriada dos povos originários, razão pela qual permanece, até o presente,
insolúvel a posse dos territórios habitados pelos indígenas e quilombolas.

10
Ora, essa herança maldita do processo de colonização do Brasil
mostra-se ampliada, na segunda década do século XXI, pela ação do governo
federal que não somente nega a propriedade da terra aos seus verdadeiros
proprietários, como incentiva o agronegócio, representado pelos latifundiários
e exploradores clandestinos de áreas indígenas e quilombolas, a extrair
ilegalmente madeira retirada de árvores seculares, na região Amazônica, além
de estimular o garimpo predatório em terras de tribos centenárias. Sabe-se que
essas ações nefastas não ocorrem sem resistência dessa população violentada,
sistematicamente, que, no entanto, conta com o apoio de organizações
nacionais e internacionais que lutam em defesa desses povos e de seus
territórios.

Também compõem esse bloco de resistência os pesquisadores e


educadores militantes envolvidos com a concepção e a prática de outras
formas de agricultura conscientes e saudáveis, a partir da agroecologia
cultivada principalmente nos assentamentos do MST e nas áreas em que se
encontram agricultores dedicados à agricultura familiar, numa perspectiva de
trabalho coletivo e associado em cooperativas. Por essa razão, ao tratar da
questão agrária, os autores articulam a questão educacional, indicando a
perspectiva de superação dos limites de escolarização dessas comunidades,
uma vez que o Estado brasileiro permanece negando a educação de qualidade,
gratuita e laica aos trabalhadores do campo e das periferias das grandes
metrópoles.

A partir desse modo de apreensão da realidade, tomando os


fundamentos do capitalismo como ponto de partida, para desvelar a dialética
entre a escola destinada à elite e a escola destinada aos trabalhadores
empobrecidos, os autores apresentam a luta encetada pelos educadores, desde
a década de 30, depois seguidamente na década de 50 e nas que se sucederam
no século XX, e também no século XXI, destacando a efetiva luta liderada
pelo intelectual orgânico da classe trabalhadora, professor, pesquisador e
político, Florestan Fernandes, que imprimiu em suas obras e na sua militância

11
diária as marcas de um pensador revolucionário, ainda que esse perfil tenha
resultado de uma construção histórica iniciada nos marcos da sociologia
institucionalizada na academia, com Durkheim e Weber, e depois superada
com a elaboração do pensamento marxiano.

Tendo sua vida abreviada, Florestan Fernandes nos deixou um legado


de valor incomensurável, o qual os autores buscam assimilar e socializar, ao
tempo em que elaboram os capítulos, destacando reflexões fundamentais de
suas obras. São evidentes as contribuições de Fernandes no capítulo em que é
tratado o período da ditadura empresarial-militar e depois quando se realiza a
luta pela elaboração da Constituição de 1988. São identificadas as suas
conexões com o próprio modo pelo qual vai se estabelecendo no Brasil um
processo de subordinação, cada vez mais profunda, ao sistema mundial do
capital, com sua face ora “aparentemente” favorável à democratização dos
direitos fundamentais dos trabalhadores, como ocorreu, ainda que de modo
relativo, durante os governos denominados de “democrático-populares”, ora
como ocorre na atualidade, com a crueldade explícita do sistema no qual
predomina a hegemonia do capital financeiro. Esse sistema não tem nenhum
compromisso com a sustentabilidade do meio ambiente e nem mesmo com a
condição de sobrevivência das populações periféricas e do campo, portanto,
destaca-se o quadro real de um país em que, historicamente, o capital não
remunera o trabalhador, em níveis que garantam a reprodução da própria
força de trabalho, dada a oferta ilimitada de braços garantida pela
concentração fundiária secular.

Diante desse contexto, em que os autores deixam às claras as entranhas


do país, destaca-se a urgência de ações para incentivar e contribuir, de forma
decisiva, com a formação de novas gerações de educadores militantes,
dispostos a compreenderem a realidade e elaborarem em profundidade o
pensamento histórico e crítico, no qual se integra a práxis revolucionária.
Aliadas à essa práxis, é preciso conceber a esperança e a determinação de se
construir, coletivamente, novas perspectivas para a educação das classes

12
populares e sua formação em nível médio e superior, capaz de erradicar o
misticismo reacionário amplamente disseminado pelos segmentos alinhados
ao obscurantismo e aos elementos de caráter totalitário. Por essa razão, a
realidade exige uma necessária e contundente contraposição a ser
materializada pelo desenvolvimento da ciência, da cultura e da arte, a partir
de uma concepção integral dos seres humanos em suas possibilidades de
transformação pessoal e social, no curso das lutas sociais anticapitalistas em
direção ao socialismo.

Este livro é, sem dúvida, um instrumento que poderá ser utilizado nos
cursos de formação de novas gerações de jovens profissionais da educação,
contribuindo, de fato, para o fortalecimento da compreensão do sentido
histórico dessas lutas e da urgência em realizá-las em defesa da vida e do resgate
da humanidade para um projeto de outro futuro possível, em que a natureza
e a produção social, em seu conjunto, sejam bens compartilhados entre todos
os seres humanos que habitam a Terra.

Maria de Fatima Felix Rosar

São Luís (MA), 22 de junho de 2021

13
14
Introdução

A mundialização do capital vem produzindo barbárie desde os anos


1970. A ascensão de governos neoliberais, o desmantelamento da
sociedade soviética e a crescente luta entre duas grandes potências —
Estados Unidos e China — têm trazido consequências perigosíssimas para
a reprodução da vida no planeta Terra.
Crimes ambientais de grande impacto, aquecimento global,
desemprego estrutural, desemprego qualificado, favelização, aumento da
miséria e da pobreza, e a existência de uma ditadura do capital financeiro
são alguns dos traços mais característicos da mundialização do capital ou
do que estamos chamando de barbárie.
O Brasil, que em alguma medida se industrializou de 1920 a 1970,
volta a ser no final do século XX uma colônia perfeita: sem fábricas,
desindustrializada, totalmente subordinada à divisão internacional do
trabalho no mundo globalizado.
Podemos dizer — baseando-nos em Octavio Ianni — que a
ditadura de 1964 antecipa o que viria a ser a barbárie mundial. Torturas e
perseguição à esquerda, esvaziamento da democracia parlamentar,
desmatamento e implementação da chamada Revolução Verde,
crescimento do analfabetismo funcional e da mercantilização da educação,
trabalho precário e subemprego são traços característicos da ditadura
brasileira que vão se espalhar por todos os cantos do planeta, com distintos
ritmos e profundidade, mas com uma tendência geral de aprofundamento
da barbárie promovida pelo capital financeiro.
Nos anos 2000 nos tornamos um país de condomínios e casebres,
fábricas com superexploração do trabalho e motoristas de Uber mal pagos
em todas as esquinas.

15
Neste livro, procuramos argumentar que a política educacional
brasileira, como parte das políticas públicas, atua decisivamente para
manter a educação como privilégio de poucos, como já nos alertou o
republicano Anísio Teixeira, ou para estimular a transformação da
educação em mercadoria. No momento em que o povo entrou na escola
pública, atuou aquilo que Luiz Carlos Freitas chama de exclusão por
dentro, o povo entrou na escola mas não aprendeu a ler, escrever, fazer
uma conta básica de matemática ou interpretar um texto.
Exploramos alguns dos determinantes sociopolíticos que
conformam a política educacional brasileira, como:
1. Poder do latifúndio: partimos do pressuposto de que o enorme
poder do latifúndio — agora travestido de agronegócio — tem
papel decisivo no impedimento de uma política educacional que
inclua e ofereça uma educação pública de qualidade para as
maiorias. Ao que tudo indica, o Brasil do agro necessita do
analfabetismo e do analfabetismo funcional para perpetuar seu
poder.
2. Mercantilização da educação: somos o país que mais deu espaço
para o crescimento da educação enquanto mercadoria a partir dos
anos 1960. As razões para a mercantilização devem ser buscadas
especialmente nas estratégias adotadas pela ditadura empresarial-
militar e pelos governos subsequentes.
Acreditamos que para compreender a política educacional
brasileira é preciso antes compreender as particularidades do nosso
capitalismo, marcado por ser um: a) capitalismo dependente, b) de matriz
colonial-escravocrata, c) autocrático e d) de contrarrevolução permanente.

16
Somo um país de capitalismo dependente. Formamos uma
burguesia antinacional e antipopular, que não realizou e não vai realizar as
tarefas republicanas das revoluções burguesas radicais.
As classes proprietárias não chamaram o povo para participar das
decisões fundamentais dos rumos do país. Especialmente na
independência do país, na abolição da escravatura, na Proclamação da
República, as transições se deram de forma autocrática, de cima para baixo,
sem participação popular.
Em teoria, o Brasil aboliu o trabalho escravo e se tornou
independente no século XIX. No entanto, continuamos sendo um
subsistema do modo de produção capitalista, com traços claros de
dependência tecnológica e cultural conformando nossa política
educacional. Em última instância, nossa economia ainda se baseia na
exportação de produtos primários.
A abolição do trabalho escravo trouxe a igualdade formal entre ex-
escravos e a nova mão de obra importada, mas não promoveu políticas
públicas (habitacionais, educacionais, de qualificação da força de trabalho
etc.) para inserir os ex-escravos e seus filhos na sociedade capitalista. Deu-
se, então, uma forma bastante específica de integração do negro e do
mestiço na sociedade de classes. Enfim, as transições políticas se deram sem
rupturas.
Florestan Fernandes também destaca outra característica do
capitalismo no Brasil: a necessidade de uma contrarrevolução permanente.
A aliança entre oligarquias rurais e industriais, a articulação de uma ampla
aliança para manter este gigante país intacto, a formação de uma
democracia frágil, restrita e constantemente suspensa por golpes militares,
tentativas de golpe ou autogolpe certamente determinam os rumos da
nossa política educacional. A contrarrevolução permanente obstaculiza a

17
criação de condições de trabalho decentes na educação pública, e direta ou
indiretamente favorece a mercantilização da educação.
Para Florestan Fernandes, formamos uma democracia regulada
repressivamente — com eleições rituais ou decididas pelo poder
econômico, sob tutela militar, um presidente forte (“imperial”) e uma
burguesia intolerante — que levou a uma espécie de monopólio do poder
burguês, que teme explosões sociais que possam colocar em xeque esta
frágil democracia e a miséria social que a sustenta (FERNANDES, 2019).
Os ideais anarquistas, socialistas e comunistas se difundiram no
seio das massas populares e trabalhadoras desde a intensificação da
imigração em fins do século XIX e no início do XX. O comunismo se
espraiou na década de 1920 com a fundação do Partido Comunista,
abalando de alguma forma o monopólio absoluto do poder. Muitas dessas
ideias circularam no país porque estávamos passando por um processo de
urbanização, industrialização e formação de empresas estatais.
No entanto, é preciso sublinhar que nossa industrialização foi
hipertardia, truncada, restringida e dependente. Os países imperialistas já
marchavam para a Segunda Revolução Industrial, e nós mal havíamos
começado a internalizar a indústria têxtil. Isso certamente impediu a
concretização das conquistas das revoluções burguesas radicais em nossas
terras.
Nos dias de hoje, os países avançados marcham para a Quarta
Revolução Industrial, e o Brasil continua baseando sua economia na
exportação de produtos primários. Cada vez mais todos os bens
tecnológicos necessários para a reprodução das pessoas em nosso território
vêm de fora ou são feitos por corporações transnacionais instaladas em
território nacional.

18
Importante historiador da educação, Dermeval Saviani diz que o
século XX foi bem longo para a educação brasileira: embora tenha
começado de fato em 1889, as grandes mudanças educacionais foram
retardadas, deixadas para o período 1920-40.
Também nos parece longo porque deixou marcas profundas. As
questões educacionais não resolvidas ao longo do século XX permanecem
nas costas da classe trabalhadora, como o grande fardo do nosso tempo, o
fardo da barbárie brasileira.
A abolição do trabalho escravo no final do século XIX, a produção
cafeeira, a importação de mão de obra espanhola e italiana, o nascimento
de indústrias, a formação do Estado nacional (concursos públicos que
levaram à formação da burocracia e à criação das empresas estatais), as
guerras mundiais, a crise de 1929, e o surgimento de sindicatos e partidos
de esquerda trouxeram novos ventos para o país, que se arejou um
pouquinho.
No entanto, procuraremos mostrar que o peso da nossa formação
histórica, isto é, a miséria da sociedade de classes de matriz colonial-
escravocrata, produziu a nossa miséria educacional no século XX.
Reformas educacionais — tímidas para os padrões das revoluções
burguesas radicais — aqui se enquadravam perfeitamente. A política
educacional, surgida em grande medida no Brasil República, serviu para
calibrar perfeitamente as necessidades que brotavam das classes
proprietárias nativas e estrangeiras. Foram criadas escolas para poucos,
enquanto o povo-massa permanecia na ignorância. Em outras palavras, o
povo-massa permaneceu fora da escola.
Se, por um lado, essas reformas educacionais da República Velha
produziram contradições, por outro, elas também deram origem à escola
pública e a um franzino sistema público universitário para as camadas

19
intermediárias e abastadas, que passaram a ir menos para fora do país para
estudar.
Mas, em última instância, ainda foram reformas educacionais
extremamente excludentes. Elas bloqueavam o acesso do povo à educação,
oferecendo apenas alfabetização e qualificação rápidas para adaptação do
povo às necessidades industriais e culturais do período.
Vimos na epígrafe deste livro que Maria Ciavatta resume nossa
tragédia educacional, chamada por ela de “meia-educação”. Vale frisar que:
“o ideal educacional implantou-se, de modo escasso e limitado”. Nesse
sentido, é possível dizer que nestas terras, onde impera uma “dívida
secular” com o povo, a política educacional mais importante do século XX
foi a política de bloqueio ao acesso à educação pública.
E quando os filhos da classe trabalhadora de fato entraram na
escola, lá pelos anos 1970, em plena ditadura, marco da barbárie no país,
entraram numa escola estatal que foi passando progressivamente por um
processo de precarização. Mais escolas foram criadas, mais professores se
tornaram assalariados do estado, porém, a ditadura não criou as condições
de trabalho adequadas para a educação da classe trabalhadora. Pior, a
educação passou a ser determinada pela Doutrina de Segurança Nacional,
no contexto da Guerra Fria.
Afirmamos neste livro que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) de 1961 criou as condições gerais para o nascimento dos
empresários da educação, e isso certamente impactou na destruição
sistemática da educação pública, na mercantilização e, mais recentemente,
na desnacionalização e financeirização da educação.
É possível afirmar que, no ano que escrevemos este livro — 2021
—, o Brasil é um espaço importante para a reprodução dos capitais

20
educacionais de grandes corporações transnacionais, de editoras a
universidades estrangeiras.
Por último, mas não menos importante, cabe destacar que os
autores dos principais livros sobre história da educação e da política
educacional tendem a superestimar as conquistas educacionais e
subestimar a tragédia educacional brasileira. Em geral, suas análises estão
presas aos avanços das leis educacionais e às conquistas formais obtidas com
elas. Evidentemente que este livro caminha em outra direção, sem ignorar
a positividade de algumas leis.
No marxismo, têm florescido muitas pesquisas sobre a temática,
especialmente sobre o ensino superior. Poderíamos citar aqui, por
exemplo, os estudos do professor Roberto Leher. A partir da intepretação
da obra de Florestan Fernandes, ele tem se preocupado em analisar os
entraves que impossibilitaram a real universalização da educação pública,
gratuita, laica e unitária no Brasil e, ao mesmo tempo, possibilitaram a
máxima mercantilização da educação no país. Leher, além de tantos outros
autores em que nos baseamos neste livro, em geral marxistas, tem
contribuído para a compreensão e, com isso, para a transformação radical
das bases educacionais brasileiras.

***

Este livro retoma e de alguma aprofunda alguns dos debates


iniciados no nosso Livro de Bolso A tragédia educacional brasileira (2019,
Editora Lutas anticapital), que foi pensado para dialogar com jovens que
estão dando os primeiros passos na sua formação teórico-política, além de
professores iniciantes. Neste sentido, parte do material aqui apresentado
não é original. Algumas das ideias já publicadas agora são aprofundadas.

21
Como não poderia deixar de ser, este livro parte de um acúmulo
anterior, de conceitos que estruturam a forma como construímos nosso
conhecimento. Eles fazem parte de nossos escritos sobre movimentos
sociais do campo, agroecologia, ensino superior, educação e pensamento
educacional de Florestan Fernandes. Um dos autores é professor da
disciplina Política Educacional desde 2011.
Não podemos deixar de destacar que o capítulo 6 contou com a
participação de Filipe Bellinaso, doutorando em Educação na Faculdade
de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP), em Marília (SP), e especialista no tema e
docente da rede estadual paulista. E o capítulo 7 contou com a participação
de Bruno Mercurio, mestre em Educação também pela mesma instituição
e orientador educacional do Centro Paula Souza.
Esperamos, com isso, contribuir para o debate da política
educacional brasileira. Como já dissemos, a compreensão dos principais
determinantes sociopolíticos que bloqueiam a universalização da educação
pública, gratuita, laica e de qualidade é o eixo deste livro. A luta pelo
controle da educação pelo povo e a construção de uma educação para além
do capital, tendo em vista a emancipação do trabalho e a superação da
barbárie, poderão ser um desdobramento inevitável — do ponto de vista
político — de educadores e educadores que resistem à mercantilização da
educação, ao lerem este livro.
O capítulo 1 chama-se “Questão agrária e questão educacional:
qual a relação?” e é uma espécie de síntese das primeiras aulas da disciplina
de Política Educacional, na qual um dos autores trabalha a formação da
sociedade brasileira e, principalmente, o peso da questão agrária no
bloqueio à educação pública no Brasil. Acreditamos que, enquanto houver
agronegócio, não haverá educação pública. Os dois não podem conviver.

22
O capítulo 2 chama-se “A formação da frágil República brasileira
e sua dimensão educacional (1889-1964)”. Nele, observamos, tomando
aqui emprestado um conceito de Florestan Fernandes, que há uma
conspiração contra a escola pública no Brasil. Abordamos as políticas
educacionais dos momentos decisivos deste período, como parte da luta de
classes.
O capítulo 3 chama-se “A metamorfose da ditadura empresarial-
militar em ditadura do capital financeiro: implicações na mercantilização
da educação”. O objetivo deste capítulo é sintetizar essa transição sem
transição que houve no Brasil, e a nova onda de mercantilização da
educação dos anos 1990, como parte da mundialização do capital.
O capítulo 4 chama-se “Limites da Constituição de 1988 e
conquistas formais do campo educacional: um balanço a partir de
Florestan Fernandes”. Nele, abordamos as lutas educacionais dos anos
1980, a participação de Florestan Fernandes na Assembleia Nacional
Constituinte e suas reflexões sobre as positividades da Constituição, bem
como as manobras políticas que travam um maior avanço legal e real no
Brasil.
O capítulo 5 chama-se “A formação política e o trabalho das
professoras e dos professores”. Nele, dialogamos com Florestan Fernandes
sobre a necessidade de engajamento dos professores nas lutas sociais para
superar nossa desigualdade social e as lutas dos professores dentro dos
muros da escola: que se ensina, como se ensina etc.
O capítulo 6 chama-se “A política educacional de integração do
ensino técnico ao ensino médio: politécnica ou escolas de dia inteiro?”.
Tendo como pano de fundo o debate travado nos capítulos anteriores,
observamos que no Brasil é muito pouco provável que haja um ensino
médio integrado para as maiorias. Mesmo reconhecendo algumas

23
positividades e avanços do decreto de 2004, procuramos mostrar seus
limites, especialmente a partir da crise de 2008.
O capítulo 7 chama-se “Educação à distância e precarização do
trabalho docente virtual no neoliberalismo”. Nele, abordamos o avanço da
EAD e suas implicações na precarização do trabalho docente. Afirmamos
neste capítulo que, em países periféricos e dependentes, num ambiente de
avanço do neoliberalismo, a EAD colabora decisivamente para a má
formação de professores, para a precarização do trabalho docente e para a
mercantilização da educação.
Por último, mas não menos importante, gostaríamos de agradecer
à Fapesp pelo Auxílio à pesquisa (Processo 2020/01666-6), o Programa de
Pós-Graduação em Educação da UNESP pela viabilização da publicação
deste livro e a Professora Maria de Fátima Felix Rosar pelas palavras
carinhosas e análise histórica precisa neste prefácio, os membros do grupo
de Pesquisa Organizações e Democracia, além de nossas alunas e alunos.
Boa leitura e boa reflexão sobre a política educacional brasileira em
tempos de avanço da barbárie!

24
Capítulo 1
Questão agrária e questão educacional:
qual a relação?

O Brasil é um país de capitalismo dependente e associado. De


acordo com Frigotto (2005) temos um capitalismo particular —
“esquisito”, “ornitorrinco” nos termos de Oliveira (2003) — com um
sistema educacional público frágil, desintegrado e relativamente pequeno
frente às imensas necessidades da população.
Para Frigotto (2005), as classes proprietárias brasileiras não
quiseram ou não puderam — em função da sua inserção associada e
dependente na divisão internacional do trabalho — construir um sistema
educacional público de qualidade no século XX, voltado para as maiorias
trabalhadoras.
Nosso país não fez reforma agrária e urbana (FERNANDES,
1986). Quando houve lutas por terra e melhores condições de trabalho no
campo, estas foram duramente reprimidas. Boa parte dos nossos
“cidadãos” moram em barracos, favelas, casebres e puxadinhos de baixa
qualidade.
Cerca de metade da população economicamente ativa não tem
carteira assinada, vivendo de bicos, trabalhos temporários,
“empreendedorismo”, na informalidade e mais recentemente em trabalhos
terceirizados e uberizados (ANTUNES, 2019). Para piorar nossa tragédia,
a mercantilização da educação, da saúde e de outras esferas da vida
caminharam a passos largos nas últimas décadas de avanço do
neoliberalismo (LOMBARDI, 2016).

25
Uma rápida radiografia do ensino médio nos mostra sua persistente
crise e a baixa escolaridade do povo brasileiro. Há problemas crônicos,
como subfinanciamento da educação pública, condições de trabalho
docente inadequadas, falta de professores, plano de carreira insuficiente,
não pagamento do piso salarial, formação inadequada dos professores para
a disciplina que ministram, salas superlotadas, alimentos de baixa
qualidade nutricional, ausência de laboratórios, internet intermitente e
computadores ruins (GERMANO, 2002; PALUDETO, 2018).
Inúmeras avaliações nacionais e internacionais têm mostrado que
os alunos do 3º ano do ensino médio não aprendem os conteúdos
correspondentes. Eles apenas adquirem os conhecimentos do 8º ou 9º ano
do ensino fundamental (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA,
2002). Além disso, uma parcela é obrigada a abandonar os estudos para
sustentar a família (KUENZER, 2011, VENCO; BRAZOROTTO,
2018). No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o
Brasil está classificado na posição número 66, o que significa um péssimo
desempenho.
Venco e Brazorotto (2018) destacam que apenas 10% da
população brasileira concluiu o ensino médio, enquanto países centrais
como a Alemanha têm cerca de 40% da população com o ensino médio
completo. De acordo com Nelson Piletti (2016):

As sucessivas crises do ensino médio — acho que não seria incorreto


falar de uma única e persistente crise, prolongando-se ao longo de toda
a nossa história, alimentada até mesmo pelas frequentes mudanças a
que foi submetido esse grau de ensino — conferem certa razão a Darcy
Ribeiro quando afirma que ‘a crise da educação brasileira não é um
problema, é um programa’.

26
A posse e o uso da terra no Brasil sempre foram um tema seminal.
No entanto, poucos pesquisadores estudaram a relação direta ou mediada
que existe entre a questão agrária e a questão educacional, principalmente
sobre a necessidade da produção de miséria, da produção de analfabetismo
ou de analfabetismo funcional no país.
Procuramos situar nossa análise sobre a importância do bloqueio à
educação pública de qualidade dentro de uma reflexão mais ampla sobre a
questão agrária, sem com isso reduzir a questão educacional à questão
agrária, afinal, a questão brasileira é a síntese de múltiplas determinações.
Mesmo assim, tudo indica que a questão agrária é um determinante com
grande peso no bloqueio a educação pública para as maiorias.

A questão agrária no Brasil: fonte de miséria,


desigualdade social e analfabetismo

Funeral de um lavrador
Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estarás mais ancho que estavas no mundo
Estarás mais ancho que estavas no mundo
É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo
Porém mais que no mundo te sentirás largo

27
É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada, não se abre a boca
(BUARQUE, 1968)

Prado Jr. (2014), um clássico do pensamento social brasileiro,


identifica na grande exploração comercial a principal chaga do Brasil. Sem
destravar a questão agrária, é bem provável que os demais problemas do
país jamais sejam resolvidos: dependência, questão social, questão urbana,
questão educacional etc.
Para ele, a produção de açúcar no Brasil era um subsistema do
sistema capitalista na época das “grandes navegações”. Nascemos para o
capitalismo como um grande fazendão produtor de mercadorias estranhas
às nossas necessidades, tendo como base o trabalho escravo. Em suas
palavras:

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a


colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa
comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o
mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um
território virgem em proveito do comércio europeu. É esse o verdadeiro
sentido da colonização tropical, de que o Brasil é umas das resultantes,
e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como
no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos
(PRADO JR., 2011, p. 28).

28
No século XX, a estrutura concentrada e o avanço do capital em
terras virgens jogaram milhares de pessoas nas favelas, regulando o salário
para baixo no campo e na cidade, e fazendo com que a imensa maioria do
povo vivesse na miséria, num país continental, que tem sol e terras aráveis.
Se, nos anos 1940, era fácil diferenciar burguesia industrial de
burguesia agrária, a questão agrária hoje certamente é mais complexa.
Bancos, mineradoras, empreiteiras, fundos de pensão se tornaram grandes
proprietários de terras (DELGADO, 1984). Ao mesmo tempo, grandes
corporações transnacionais compraram terras para produzir álcool,
complexificando ainda mais a questão agrária. Novas fronteiras agrícolas
estão sendo abertas, em regiões virgens do capitalismo, expandindo as
relações de produção capitalistas e criando uma espécie de acumulação
primitiva permanente (NOVAES; MACEDO; CASTRO, 2019).
A partir dos anos 1960, principalmente com o golpe empresarial-
militar, há uma grande reestruturação do campo. Os militares chamaram
o avanço destrutivo do capital de “nova fronteira agrícola” e, no caso da
Amazônia, “Integrar para não entregar”. Ianni (2019), no livro A ditadura
do grande capital, nos mostra o avanço destrutivo do capital rumo a novas
regiões e fronteiras. Mostra também o surgimento de novas corporações
no Sul e Sudeste (abate de porco, frango e boi), além da instalação de
grandes corporações transnacionais produtoras de agrotóxicos, adubos
sintéticos, tratores e implementos agrícolas, pilares da Revolução Verde.
São construídas novas rodovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas,
tendo em vista a criação das condições de produção do grande capital. O
autor mostra também a convivência de formas de trabalho arcaicas no
campo (como o trabalho análogo ao escravo) e o surgimento de um novo
proletariado rural.
Lima Filho (1996) e Fernandes (1986) observam que o Brasil não
resolveu e não irá resolver a questão social dentro dos marcos do

29
capitalismo. Ao contrário, a questão social torna-se questão de polícia,
como certa vez afirmou um presidente da República. Observam também
que o Brasil construiu uma democracia frágil, restrita e constantemente
suspensa. Diante disso, Frigotto (2005) observa que, se a nossa República
é frágil, nossa democracia é frágil e restrita, e consequentemente nossa
educação pública também o é.
Teixeira (1968), um liberal de esquerda, defensor ferrenho da
escola pública (que aos olhos de hoje seria taxado de “comunista”),
percebeu o peso político do latifúndio no bloqueio à formação do sistema
público de ensino. Xavier (1990) também nos dá pistas interessantes sobre
o peso político do latifúndio no bloqueio à formação de um sistema
educacional republicano.
Se, no início da República, os latifundiários e boa parte da Igreja
Católica uniram forças para impedir a formação do sistema público de
ensino, a partir dos anos 1970, as grandes corporações educacionais passam
a entrar também na fileira dos opositores à formação de um sistema
público e universal de educação, pois desejavam a máxima mercantilização
da educação. Mais recentemente, setores hegemônicos das igrejas
neopentecostais e outras alas do neofascismo entraram nessa esteira.
Silva (2013) observa que os latifundiários atuaram em todos os
momentos decisivos da nossa história para impedir qualquer tipo de
reforma agrária, retardaram até o último momento a abolição da escravidão
e, no século XX, de acordo com Prado Jr. (2014) impediram a melhoria
das condições trabalhistas no campo. Defensores do fim da escravidão,
como Joaquim Nabuco, foram chamados de esquerdistas e comunistas.
Em plena República, revoltas por terra, como por exemplo a “comuna
mística” de Belo Monte-Canudos, foram duramente reprimidas, com um
verdadeiro arsenal de guerra entre países.

30
Chico Buarque (1965), em Funeral de um lavrador, resumem de
forma poética e musical a tragédia causada pelo latifúndio: há democracia
no Brasil, desde que se realize abaixo da terra. Abaixo da terra, os lavradores
têm direitos, podem ter a terra dividida. João Cabral chega a dizer, no
enterro Severino, que há muita terra para corpos franzinos e de baixa
estatura.
O drama da fome e da miséria causados pelo latifúndio também
recebeu a atenção de José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de
Queiroz, entre outros escritores. Na pintura, merece destaque o genial
Candido Portinari. A não realização da reforma agrária, a violência
dissimulada das classes proprietárias e a constituição de um subpovo foram
observadas de forma magistral por Luis Fernando Verissimo na crônica
Provocações (VERÍSSIMO, 1999):

“A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou.


Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por
especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.

Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta
de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.

Foram lhe provocando por toda a vida.

Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da
roça. Mas aí lhe tiraram a roça.

Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que
era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde
não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.

Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu


uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em
fila. E a ajuda não ajudava.

Estavam lhe provocando.

31
Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.

Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que
a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.

Terra era o que não faltava.

Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra
que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era
provocação. Mais uma.

Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para
valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse
conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar
provocação.

Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no
próximo ano… Então protestou.

Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu espantado, as pessoas


dizerem, horrorizadas com ele:

– Violência, não!”

Da mesma forma, Glauber Rocha, um dos representantes do


Cinema Novo, fez uma instigante denúncia da realidade nacional, marcada
por fome e miséria:

De Aruanda a Vida Secas [filmes representativos do Cinema Novo], o


cinema novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou
os temas da fome: personagens comendo terra, personagens comendo
raízes, personagens roubando para comer, personagens matando para
comer, personagens fugindo para comer, personagens sujas, feias,
descarnadas, morando em casas sujas, feias, escuras: foi essa galeria de
famintos que identificou o cinema novo com o miserabilismo, hoje tão
condenado pelo Governo do Estado da Guanabara, pela comissão de
seleção para festivais do Itamarati, pela crítica a serviço dos interesses

32
oficiais, pelos produtores e pelo público, este último não suportando
as imagens de própria miséria. Esse miserabilismo do cinema novo
opõe-se à tendência do digestivo, preconizada pelo crítico-mor da
Guanabara, Carlos Lacerda: filmes de gente rica, em casas bonitas,
andando em automóveis de luxo; filmes alegres, cômicos, rápidos, sem
mensagens e de objetivos puramente industriais. [...] É uma questão de
moral que se refletirá nos filmes, no tempo de filmar um homem ou
uma casa, no detalhe que observar, na moral que pregar: não é um
filme, mas um conjunto de filmes em evolução que dará por fim ao
público a consciência de sua própria miséria. [...] O cinema novo é um
projeto que se realiza na política da fome, e sofre, por isto mesmo, todas
as fraquezas consequentes de sua existência (ROCHA, 2004, p. 433).

Na economia, certa vez Celso Furtado (2009) afirmou que o


problema do Nordeste era a cerca, e não a seca. Era possível conviver com
o semiárido. Era possível conviver com a seca, mas não com a cerca. A
fome e suas causas foram retratadas exaustivamente por Josué de Castro
(1967), no seu clássico livro Geografia da Fome.
Darcy Ribeiro também demonstrou em Sobre o óbvio a relação
entre a questão agrária e a questão social, e dentro desta a questão
educacional. Para as classes proprietárias de terras era importante manter
o povão na mais profunda ignorância e miséria. Primeiro, porque o
latifúndio não necessita de muita mão de obra qualificada. Segundo,
porque do ponto de vista político, em países como o Brasil, uma escola
pública de qualidade poderia “conscientizar” o povão sobre os seus
problemas fundamentais, entre eles a posse e o uso da terra, isto é, a questão
agrária e as lutas para superação do problema agrário brasileiro (RIBEIRO,
2019).
Florestan Fernandes observa que sempre foi um risco para a
burguesia retirar o povão do submundo, dando direitos de “cidadania”

33
(FERNANDES, 2006). No contexto atual, se a favela resolver descer,
ninguém segura. As revoltas populares, como fruto de demandas seculares
represadas, podem rapidamente se converter numa revolução (SAMPAIO
JR., 2013; LIMA FILHO, 1996).
Nelson Werneck Sodré chega a conclusões parecidas, explorando
essencialmente a concentração de poder político, do qual o povo estaria à
margem ou pelo qual seria manipulado (SODRÉ, 2019). No século XX,
em certos momentos da nossa história em que houve eleições, o povo pode
até votar, mas votava “democraticamente” nos representantes do capital.
Tendencialmente as classes economicamente dirigentes se tornam as
classes politicamente dirigentes, mesmo por meio do voto popular.
Paulo Freire alerta que, nos anos 1960, quando todas as nações
desenvolvidas e parte das subdesenvolvidas já tinham inserido as massas na
escola, o Brasil persistia com taxas altíssimas tanto de analfabetismo como
do que viria a ser chamado de analfabetismo funcional (FREIRE, 1992).
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira participaram da luta pela
formação dos sistemas públicos nos anos 1930-40. Mais tarde, ao lado de
Florestan Fernandes e outros, participaram também das campanhas “Em
defesa da escola pública” dos anos 1960 e foram derrotados, tanto na LDB
de 1961 quanto com o advento do golpe empresarial-militar de 1964. A
força contrária à formação de um sistema público era tão grande que
Fernandes (2020) chegou a chamá-la de “A conspiração contra a escola
pública”, em uma das seções do seu livro Educação e sociedade no Brasil.
Nos anos 1930, a proposta dos Pioneiros da educação 1 foi
considerada pelas classes proprietárias de terras muito perigosa. A política

1Manifesto lançado em 1932 por um grupo de 26 educadores e intelectuais propondo princípios e bases para
uma reforma do sistema educacional brasileiro. Redigido por Fernando de Azevedo, foi assinado entre outros
por Anísio Teixeira, M. B. Lourenço Filho, Heitor Lira, Carneiro Leão, Cecília Meireles e A. F. de Almeida
Júnior.

34
educacional de Vargas, dentro dos marcos da industrialização nacional,
inseriu parte das massas na escola, mas contraditoriamente serviu
significativamente para inserir as camadas intermediárias da sociedade na
educação básica (CASTANHO, 2011). As camadas intermediárias e os
filhos das classes proprietárias entraram nas poucas universidades públicas.
O povão seguiu analfabeto funcional ou analfabeto, no máximo alcançando
um curso de qualificação para trabalhar na indústria.
De acordo com Sanfelice (2007)

Do golpe político de 1930 ao golpe de 1964, a sociedade brasileira


vivenciou profundas transformações que a foram constituindo numa
sociedade mais moderna, dentro da lógica de desenvolvimento do
modo-de-produção capitalista. A urbanização e a industrialização, por
exemplo, como fenômenos acoplados, demonstram bem isso.
Pode-se dizer que aquela emergente modernização trouxe consigo a
necessidade objetiva, pelo menos por parte de determinados grupos
e/ou classes sociais, de discutir e definir questões supraestruturais para
que essas pudessem, uma vez reformadas, corresponder de forma mais
adequada às novas características estruturais. Uma dessas questões era,
exatamente, a da educação. Que educação o projeto de modernização
econômica passava a exigir? Quem deveria se responsabilizar por
oferecê-la? Qual seria o papel do Estado nesse processo? Quais sujeitos
deveriam recebê-la?
Os interlocutores essenciais da discussão, no âmbito das elites
econômicas ou culturais, representavam basicamente o velho e o novo.
O velho Brasil pré-1930 tinha como sua expressão maior, em questões
educacionais, a Igreja Católica. O novo, emergente a duras penas no
interior do velho, se fazia representar, grosso modo, por intelectuais
identificados genericamente como liberais e outros homens da
administração pública. Foram anos e anos de embates que levaram os
envolvidos a uma produção literária imensa sobre suas posições, seus
argumentos, princípios e opções filosóficas ou ideológicas. Também

35
aconteceram ações políticas, legislativas, administrativas, manifestações
públicas e outras.

Com o golpe militar de 1964, interrompe-se definitivamente o


tímido sentido público da educação pública que se tentou construir no
período anterior. Há uma expansão precarizada da educação básica,
estímulo ao ensino médio pago e a criação das condições gerais de
reprodução ao ensino superior privado (GERMANO, 2002). As políticas
de Educação de Jovens e Adultos (EJA), com certo grau de politização nos
anos 1950-60, são convertidas no despolitizado Movimento Brasileiro de
Alfabetização, o Mobral (VENTURA, 2011). No contexto da Guerra Fria,
visando combater o pensamento comunista, é implementada a educação
moral e cívica.
Se pudéssemos sintetizar a tragédia educacional brasileira no século
XX, formamos uma massa de analfabetos, ou com baixa escolarização e
qualificação, que em geral trabalham na informalidade ou em indústrias
de “baixa” tecnologia. O acesso à universidade pública no século XX foi
restrito, só alcançado de forma tímida com a política de cotas nas
universidades públicas. Depois de uma forte política educacional nos anos
1970, para a expansão da educação superior como mercadoria, relançada
novamente nos governos FHC e no lulismo, chegamos aos dias de hoje
com 90% dos jovens brasileiros — dos que conseguem chegar no ensino
superior — matriculados nas universidades privadas.
É possível depreender, a partir da leitura de O legado educacional
do século XX, de Saviani (2006), que a questão educacional não foi resolvida
no século XX. Existem travas políticas bastante fortes, entre elas
certamente o peso do latifúndio-agronegócio, que impediram a formação
de um sistema de educação público de qualidade, gratuito e laico.

36
Ventura (2011) e Algebaile (2009) também exploram a relação
entre as questões políticas, sociais e educacionais a partir do materialismo
histórico. Elas certamente concordariam com o argumento da meia-
educação de Ciavatta. Além de deixar uma certa parcela da classe
trabalhadora sistematicamente fora dos sistemas educacionais (“exclusão”),
quando a “incluiu”, incluiu através de expansões precarizadas, em que o
que predomina é a baixa qualidade do sistema educacional, ou seja, uma
forma de inclusão excludente nos sistemas educacionais. Nos termos
Ciavatta (2011), o ideal educacional implantou-se de modo escasso e
limitado, deixando uma dívida educacional secular. Para Minto (2015),
face à miséria capitalista brasileira se conformou uma educação da miséria.
Do ponto de vista político, Oliveira (2001) afirma que em média
de 20 em 20 anos têm que haver um golpe no país para botar ordem no
galinheiro. Os golpes e os militares são necessários para arrumar a casa e
limpar o terreno, com o objetivo de impedir que as classes despossuídas
saiam do porão e reclamem direitos, principalmente nos momentos que se
organizam para reivindicar direitos. Colocar partidos de esquerda na
ilegalidade, deputados na ilegalidade, é mais comum do que imaginamos.
Uma espécie de contrarrevolução permanente, segundo Florestan
Fernandes.
A Proclamação da República foi conduzida pelos militares. 1930
foi uma revolução com ampla participação militar, neste caso, positiva. Em
1937 Getúlio dá um golpe. Em 1954, haveria um golpe, mas Vargas saiu
da vida para entrar na história. Em 1957, houve nova tentativa de golpe.
Já está cientificamente provado que os latifundiários tiveram um enorme
peso na promoção do golpe de 1964 (DREIFUSS, 1981). Suas associações
de classe atuaram para promover o golpe, junto à Agência Central de
Inteligência dos EUA (a CIA), à Igreja Católica e à burguesia industrial
nativa. Em 1984, tivemos outro golpe, o golpe das “Indiretas já”. A

37
Constituição de 1988 não resolveu as dívidas seculares, ainda que
apresentasse algumas parcas vitórias para os trabalhadores (SILVA, 2013;
FERNANDES, 1986).
A TV Globo elege Collor em 1989 por meio de ampla
manipulação, o que não deixa de ser um golpe midiático. Para Florestan
Fernandes, a transição gradual, lenta e segura significou na verdade a
“institucionalização da ditadura”, e mais uma vez a questão social — e,
dentro dela, a questão educacional — foi bloqueada (FERNANDES,
1986).
Nas condições normais de temperatura e pressão, era para Aécio
ter sido eleito em 2014, mas o povo não o quis. Em 2016, tivemos um
novo golpe, mais difícil e complexo de ser compreendido. A democracia
brasileira, que sempre foi frágil e restrita, mais uma vez foi suspensa por
Temer, o presidente terceirizado. Em 2018, tivemos a prisão política de
Lula. Chegamos então às eleições de 2018. Certamente Bolsonaro não era
o plano A das classes proprietárias brasileiras. No entanto, Alckmin e
Meirelles não decolaram. O capitão reformado que homenageou Brilhante
Ustra na votação do golpe de 2016, com grande ajuda da Cambridge
Analytica e corrupção partidária, torna-se presidente.

Nova questão agrária e colapso ambiental

Passados 500 anos da implantação das primeiras capitanias


hereditárias, a questão agrária guarda muito da sua essência: somos um país
de grandes propriedades rurais, produtor de produtos primários
(commodities) para o mercado externo, com predomínio de trabalho
semiescravo (RODRIGUES, 2020), chamado generosamente de
uberizado ou terceirizado. O pouco que havia de indústria no país foi

38
destruído (SAMPAIO JR., 2013). Nos tornamos uma colônia moderna
em pleno século XXI, agora anexada aos Estados Unidos.
Desde o período da “redemocratização”, os movimentos sociais do
campo têm feito uma crítica à posse e ao uso da terra no Brasil, gravada a
ferro e fogo pelo latifúndio e pela superexploração do trabalho, além da
produção de commodities para o mercado externo (ZIEGLER, 2013;
MACEDO, 2015). Observam como este circuito de produção de
mercadorias gera fome e subnutrição num país rico em terras e sol. Muitos
pesquisadores também analisaram como o agronegócio comanda a política
no Brasil e nossa inserção subordinada e dependente no capitalismo
mundializado.
Criticam a industrialização da agricultura, que além de criar um
vasto negócio para o capital financeiro, coloca o Estado a serviço da criação
das condições gerais de produção e reprodução do agronegócio, cria um
grande mercado de agrotóxicos, adubos sintéticos, tratores, implementos
agrícolas e sementes transgênicas. Além disso, subordinam os camponeses,
que são tragados pelo canto da sereia da Revolução Verde, e acabam
endividados, trabalhando para o banco.
August de Saint-Hilaire, botânico e naturalista francês, veio ao
Brasil numa expedição em 1816. Ficou impressionado com as saúvas, que
são capazes de destruir uma árvore gigante em menos de 24 horas. Se
tivesse a oportunidade de conhecer o agronegócio brasileiro, ficaria
impressionado com sua capacidade de destruir ecossistemas, rios, florestas,
bacias hidrográficas, matar gente e populações inteiras em menos de um
ano. Para Mario de Andrade: ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas
acabam com o Brasil. Poderíamos dizer que para Caio Prado Jr.: ou o Brasil
acaba com o latifúndio ou o latifúndio acaba com o Brasil. Para os nossos
propósitos, é possível deduzir que, enquanto a questão agrária não for
resolvida, a questão educacional também não será.

39
O pesquisador Ariovaldo Umbelino de Oliveira traça uma relação
bastante precisa entre a questão agrária e a questão social:

[...] o Brasil tem uma estrutura fundiária violentamente concentrada e


um desenvolvimento capitalista que gera um enorme conjunto de
miseráveis. Os dados disponíveis na década de 90 revelavam que havia
no Brasil, mais de 32 milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria
absoluta, ou seja, quase 7 milhões de famílias (18% do total)
classificadas como indigentes. E mais, 38% das famílias, ou seja, mais
14 milhões foram classificadas como pobres. A lógica contraditória tem
sido uma só, o desenvolvimento capitalista que concentra a terra, ao
mesmo tempo, empurra uma parcela cada vez maior da população para
as áreas urbanas, gerando nas mesmas uma massa cada vez maior de
pobres e miseráveis. Mas, ao mesmo tempo, esta exclusão atinge
também o próprio campo. Certamente, a maioria dos filhos dos
camponeses com superfície inferior a 10 hectares jamais terão condição
de se tornarem camponeses nas terras dos pais, a eles caberá apenas um
caminho: a estrada. A estrada que os levará à cidade, ou a estrada que
os levará à luta pela reconquista da terra (OLIVEIRA, 2007, p. 133-
134).

Os programas Fome Zero e Bolsa Família atenuaram de alguma


forma o drama da pobreza e da miserabilidade. Mas bastou uma crise
mundial como a de 2008, o baixo crescimento dos anos 2010, o golpe de
2016 e as ações sociais da extrema direita desde então para voltarmos à
nossa essência miserável.
Nas últimas décadas, assistimos aterrorizados aos crimes
socioambientais que se multiplicam no Brasil. Para recordar apenas alguns
fatos: os assassinatos de Chico Mendes e Doroty Stang, os massacres de

40
Corumbiara e Eldorado dos Carajás, a escalada de assassinatos de
indígenas, quilombolas, sem-terra e posseiros, os crimes das mineradoras
em Bento Gonçalves e Brumadinho, o derramamento de óleo no
Nordeste, os incêndios planejados na Amazônia.
O capital, com suas técnicas de manipulação da mente, nos faz
lembrar a última fofoca de uma pessoa famosa, e esquecer rapidamente o
sentido geral desses crimes humanitários e ambientais. Também nos leva a
crer que o colapso socioambiental deve ser resolvido dentro dos marcos da
sociedade do capital, sem questionar o enorme poder das corporações
transnacionais e do Estado na destruição das condições de existência na
terra.
Temos lutado, nos marcos da relação entre questão agrária, questão
educacional e questão ambiental, radicalmente contra as ações do capital e
de seu “mercado verde”, impulsionado inclusive por grandes corporações
transnacionais. Nos distanciamos da perspectiva do ecocapitalismo, que
tende a ignorar a questão agrária e a estimular ações no campo da
responsabilidade social empresarial. Nos distanciamos do cooperativismo
promovido pelo capital, que se move em função da reprodução ampliada
do capital (NOVAES; MAZIN; SANTOS, 2015).
Pesquisadores militantes de universidades públicas, além de outros
pensadores sociais da esquerda brasileira, têm produzido informações
sistemáticas sobre a política agrária no Brasil e no mundo, as lutas de
resistência de trabalhadoras e trabalhadores camponeses, o prenúncio de
formas alternativas de trabalho, educação e vida, que poderão desembocar
numa sociedade para além do capital.
Surgidas das entranhas do sociometabolismo do capital, as novas
formas de produção e de vida têm um enorme potencial emancipatório e
podem avançar, mas também podem rapidamente se esgotar, caso

41
trabalhadores do mundo inteiro não saiam da defensiva e do isolamento,
em geral produto de lutas dispersas e fragmentadas, num contexto de nova
fase do assalto neoliberal.
Uma das facetas da tragédia educacional brasileira, que perdura no
século XXI, é a destruição do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA).
O PRONERA foi uma conquista do povo brasileiro em pleno
governo Fernando Henrique Cardoso, no ano de 1998. Foi uma barricada
erguida exatamente quando a devastação neoliberal ganhava força.
Representou uma pequena abertura na história brasileira, no que se refere
à possibilidade de amenizar a questão educacional, permeada por
problemas crônicos como o analfabetismo no campo, o analfabetismo
funcional, a baixa qualificação do povo, o baixo acesso às bibliotecas, a
dificuldade na aquisição de livros e, mais recentemente, de computadores
e de internet, como vimos nas linhas acima.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
hoje é plenamente comandado pelo agronegócio, sendo que o presidente
anterior era um militar. O atual presidente é fruto do agronegócio. Melo
Filho é economista pela Universidade de Brasília (UnB). Foi
superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR)
no Paraná e é sócio da empresa Seleção Guzerá Agropecuária Ltda.,
proprietária de duas fazendas (a Fazenda Canoas, em Minas, e a Fazenda
da Barra, na Bahia). É filho do ex-governador do Rio Grande do Norte e
ex-senador Geraldo Melo. No atual cenário de domínio do Executivo e do
Legislativo pela extrema direita, e do imenso poder econômico e ideológico
do agro, são raras as possibilidades de se questionar a posse e o uso da terra,
a produção de commodities para o mercado externo, enfim, o sentido da
produção e os principais determinantes na nossa miséria.

42
As lutas para a manutenção do PRONERA — por pressões externa
(de movimentos sociais e partidos de esquerda) e interna (servidores
públicos compromissados com a educação pública e a reforma agrária
agroecológica) — certamente farão parte das lutas dos próximos dias e
anos. Ainda não encontramos o caminho para travar essa luta no momento
atual, pois não podemos sair às ruas para protestar contra Bolsonaro, que
agora foi rebaixado a subpresidente.

Colapso da economia mundial,


coronavírus e Bolsonaro

A longa estagnação econômica, as reformas do Estado que


destruíram os serviços públicos, a ditadura do capital financeiro e, mais
recentemente, a crise desencadeada pelo coronavírus escancararam as
mazelas geradas pelo capitalismo mundializado. Escancararam também o
conflito entre duas superpotências pelo controle da economia mundial:
China, em ascensão, e Estados Unidos, em decadência.
A democracia alimentar se tornou bastante singular: ou você passa
fome, ou você se torna subnutrido, ou se entope de alimentos envenenados
e industrializados e se torna obeso. Essas são as possibilidades
democráticas, fique à vontade, pode escolher, isso é uma democracia
alimentar!
A crise do coronavírus mostrou na prática que o assalto neoliberal
ao Estado destruiu os sistemas públicos de saúde, que agora não conseguem
suportar a enorme demanda de tratamento intensivo. Mostrou que a classe
trabalhadora vive em casebres apertados, mal ventilados, escuros, onde as
pessoas vivem amontoadas e empilhadas, passando fome.

43
Nossas crianças não têm o que comer, pois a escola está fechada.
Quando está aberta, muito provavelmente irão comer macarrão com
salsicha. Elas não têm saneamento básico: diarreia, mal-estar, dor de
cabeça, vermes, enjoos e vômitos fazem parte do cotidiano dos filhos da
classe trabalhadora. Nas favelas comandadas pelo tráfico, metade dos dias
letivos são cancelados.
Neste contexto de exceção permanente, corporações transnacionais
imediatamente pedem socorro ao Estado, a começar pelas empresas de
aviação. O valor das ações da Azul, da Gol e da Latam caíram 70% em
menos de dois meses. O valor de mercado da Petrobras caiu 60% em dois
meses. Cidades inteiras da Itália, que dependem do turismo, estão vazias.
Calcula-se que o produto interno bruto (PIB) brasileiro vá recuar de 10%
a 15%.
Os trabalhadores informais, que vendem o almoço para comprar a
refeição da noite, terão sua renda drasticamente reduzida. A recomendação
é de que as pessoas fiquem isoladas em casa, que não haja aglomeração.
Uma das mensagens que circulava pelos grupos de WhatsApp dizia:
“Mantenha distância de 1 metro” e logo em seguida mostrava o metrô em
São Paulo com as pessoas apinhadas, lutando para entrar e sair. No Rio de
Janeiro, trabalhadoras e trabalhadores lutando para entrar e sair do trem,
também amontoados.
No momento em que escrevíamos este capítulo, parte das agências
formativas do capital estavam paradas, como escolas públicas, shoppings,
universidades, igrejas etc. Em compensação, um verdadeiro bombardeiro
de desinformações está sendo produzido nos canais de televisão,
WhatsApp, Facebook e Instagram. Aqueles que não podem trabalhar em
casa são obrigados a percorrer longas distâncias em transportes públicos
precários, para chegar ao trabalho.

44
E, para piorar, não podemos sair às ruas para protestar contra o
moribundo subpresidente, que acaba de cometer crime de
responsabilidade, ao incitar atos de rua, quando o ministro da Saúde já
havia indicado a suspensão de aglomerações. Seus seguidores fanáticos e
insanos saem às ruas com cartazes dizendo: “Foda-se”. Reale Jr. (2020)
afirmou em entrevista que Bolsonaro pode ser julgado por insanidade
mental, o que está previsto na Constituição. Bolsonaro exige que o Brasil
não pare, mostrando mais uma vez sua alta dose de irracionalismo.
No dia 29 de março de 2020, em reunião para administrar a crise,
foi voto vencido pelos militares e por Mandetta, depois de insistir mais
uma vez que todos voltem à normalidade. Na prática, desde a Reforma da
Previdência, comandada por Rodrigo Maia e Paulo Guedes, Bolsonaro já
não é mais presidente. E, agora, o general Braga Netto torna-se ministro
da Casa Civil, na prática Presidente da República (como representante da
Junta Militar), ao lado de Guedes, Moro e Rodrigo Maia, que dividem o
poder com ele, num típico acordão para evitar nova turbulência de
renúncia ou impeachment.
No final de 2019 países como Equador e Chile foram sacudidos
por revoltas populares, que começaram pela subida do preço dos
combustíveis e do transporte público. No Chile, a classe dominante mostra
toda sua crueldade, ao matar e prender manifestantes. Este país entrou
num ciclo que, ao que tudo indica, é irreversível. As reformas do Estado
que levaram a salários de fome, aposentadoria de em média um terço do
que se recebia quando trabalhava, inclusive abaixo do salário-mínimo, a
deterioração salarial, a mercantilização da educação e da saúde conduziram
o povo chileno a tomar as ruas novamente. O presidente e o Parlamento,
por sua vez, tentam emparedar essas lutas e conduzi-las para dentro das
instituições, numa tentativa desesperada de conter os protestos.

45
O golpe de Estado na Bolívia teve requintes de crueldade. Está mais
para um golpe típico do século XX do que para as novas formas de golpes
que teremos no século XXI. Trata-se de um golpe militar clássico, para
impedir que o Movimento ao Socialismo (MAS) voltasse ao poder.
Assassinatos em massa de indígenas foram perpetrados pelo Exército,
ameaças a familiares, queima de casas de políticos, atuação da Igreja
Católica, das igrejas neopentecostais, e claro, de Bolsonaro, seus militares,
em cooperação com a CIA. Da mesma forma que no Brasil, a direita
convocou eleições democráticas para maio de 2020, desde que Evo Morales
e suas lideranças não concorram. Felizmente, os bolivianos, muito mais
rápidos que nós na reversão de golpes, conseguiram se reerguer.
Os trabalhadores argentinos acabaram de eleger um presidente
peronista, dando um certo alento ao povo. Conseguiram extirpar
momentaneamente a força de Maurício Macri e eleger uma dupla
presidencial do campo popular. No entanto, como todo governo de
conciliação, não terá condições de realizar as demandas represadas nos
últimos 45 anos. A construção de lutas anticapital num terreno
parcialmente favorável, mas também inibidor deverá ser avaliada por nós
nos próximos anos.

46
Capítulo 2
A formação da frágil República brasileira e sua dimensão
educacional (1889-1964)

A Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 se deu


sem grandes rupturas. Apareceu no imaginário popular como mais um
desfile militar, e o povo ficou sem saber o que estava acontecendo (LIMA
BARRETO, 1922). No ano anterior houve a abolição formal do trabalho
escravo, mas a grande propriedade da terra permaneceu intacta (PRADO
JR., 2011). Os republicanos brasileiros fizeram um “malabarismo”
enorme: eram a favor da abolição do trabalho escravo, mas não tocaram
no tema da grande propriedade da terra.
Os historiadores marxistas veem na Proclamação da República
uma vitória do povo brasileiro, porém ressaltam que nela houve mais
continuidades do que descontinuidades. Podemos relembrar a autocracia
política (DEO, 2017), em que as decisões são tomadas “de cima para
baixo”, sem participação popular, a ausência de uma reforma agrária, a não
emancipação econômica da nação, e sem “integração do negro na
sociedade de classes”, para usar os termos de Fernandes (1978). Enfim, a
República Velha preservou muitos dos traços crônicos da formação social
brasileira.
Lima Barreto tinha bastante desconfiança em relação à
possibilidade de a República inserir as massas na escola num país como o
Brasil. Para este escritor, aliás bastante atual, o Brasil não fez um acerto de
contas com o seu passado. O livro Triste fim de Policarpo Quaresma, ao fim
e ao cabo, é uma caricatura precisa das contradições da República Velha:
os escravos “libertos” são jogados a própria sorte, os imigrantes “roubam”

47
o lugar do povo, a terra não é repartida, os cortiços não são superados, a
miséria continua fazendo parte da realidade brasileira, os militares ocupam
os cargos de melhor remuneração no Estado, o coronelismo e compadrio
no serviço público seguem com força, a corrupção dá a tônica do Estado,
as eleições seguem fraudulentas, há repressão aos estudantes e aos
movimentos populares nascentes (LIMA BARRETO, 1911). Enfim, a
República Velha pouco alterou os traços fundamentais da sociedade
brasileira.
Policarpo Quaresma tem muitas ideias para fazer o Brasil dar certo,
chega a propor uma reforma agrária para os “desvalidos da sorte” (e esta dá
certo!), propõe que a língua brasileira seja o tupi-guarani. Propõe também
educação de qualidade para o povão. Ele, que era o mais nacionalista de
todos os militares, acaba sendo fuzilado por traição à pátria (LIMA
BARRETO, 1911). Uma visão bastante pessimista, mas muito realista e
atual sobre as dificuldades de romper com as marcas gravadas a ferro e fogo
pelo nosso passado colonial, e fazer o Brasil dar certo.
Uma das marcas mais importantes da República Velha é
certamente o genocídio de Belo Monte-Canudos. Mal havia começado a
República, e os militares empreenderam uma grande campanha para
exterminar o povoado de Belo Monte, liderado por Antônio Conselheiro,
que fundou “a comuna mística” (MACEDO; MAESTRI, 2004). O
Exército “republicano” teve que organizar cinco expedições para acabar
com o povoado. Nas primeiras quatro expedições, o Exército sofreu
derrotas acachapantes. Um verdadeiro arsenal de guerra foi montado para
reprimir Canudos da quarta para a quinta expedição. Os melhores
armamentos da época foram importados para exterminar o povoado.
Mas, se é verdade que o Brasil é um país de grandes continuidades,
há descontinuidades na continuidade desse período. Entre as contradições
externas, Sodré (1963) destaca as duas guerras mundiais e a grande crise

48
de 1929. Elas foram decisivas para permitir a industrialização do país, a
formação do nosso Estado e o florescimento de ideais nacionalistas,
representados principalmente na figura de Getúlio Vargas. Entre as
contradições internas, podemos destacar o surgimento de uma burguesia
industrial nativa, as lutas internas pelo trabalho assalariado livre, a
propagação de ideias nacionalistas, o surgimento do tenentismo, a
formação do movimento sindical e de novos partidos políticos, e as novas
propostas de educação pelos liberais, republicanos, anarquistas, socialistas
e comunistas.
Florestan Fernandes vê neste longo processo uma revolução social.
E observa que o mesmo não ocorreu na educação. Desde o final do século
XIX:

[...] estamos envolvidos em um mesmo processo de revolução social,


que afeta nossa filosofia de vida, nosso regime de trabalho, nosso
sistema econômico, nossa ordem política e a estrutura social da
comunidade nacional. No entanto, através dos vários episódios
sucessivos, que encadearam nesse mesmo processo a abolição da
escravatura, a universalização do trabalho livre, a Proclamação da
República, sedições político-militares, a industrialização ou a
urbanização de várias regiões do País, nunca se tentou ajustar o sistema
nacional de ensino a uma era de revolução social (FERNANDES,
[1966] 2020, p. 96).

Candido (1984) vê uma positividade educacional na Revolução de


1930. Num país em que a cultura era uma espécie de propriedade das
oligarquias rurais e de seus filhos, há positividades na expansão das escolas
médias, do ensino técnico e na criação das universidades. Para ele, houve
sem dúvida aumento ponderável de escolas médias, bem como do ensino
técnico sistematizado. E a situação se tornou mais favorável no ensino

49
superior, onde a criação das universidades (a partir da de São Paulo, em
1934) alterou o esquema tradicional das elites (Candido, 1984, p. 28-
29).
Porém, é preciso destacar que no início da República os
latifundiários e boa parte da Igreja Católica juntaram forças para impedir
a formação do sistema público de ensino, gratuito e de qualidade. A
burguesia industrial lutou pela formação de um sistema educacional à sua
imagem e semelhança. Num país miserável, se formou uma educação
miserável (MINTO, 2015).
Todos os possíveis “excessos” e “arroubos” nas propostas
educacionais foram eliminados, adequando a educação à nossa
particularidade miserável, sem grandes ajustes do sistema nacional de
ensino a uma era de revolução social (FERNANDES, [1966] 2020).
É preciso lembrar que a Igreja Católica tinha muita desconfiança
com relação à Proclamação da República. A formação de um Estado laico
e a promoção de educação pública significariam a perda do controle da
“educação” e de sua influência no Estado. Dizem que uma das reações da
Igreja foi a construção do Cristo Redentor (1922-1931).
Fora do espectro marxista, mas com certa influência do marxismo,
o pesquisador Nagle (2013) fez um amplo estudo sobre a formação dos
sistemas educacionais estatais e as reformas nacionais no período de 1889-
1930.
Chegamos a criar “templos da civilização” no início da República,
segundo Souza (1998). Escolas em locais bastante visíveis, em geral
próximas à prefeitura, escolas-modelo, que supostamente iriam irradiar a
educação republicana. Mas esses templos republicanos eram para poucos
(CASTANHO, 2011), e não chegamos a difundir a educação para as
massas, elas ficaram de fora, apenas contemplando (NOVAES, 2020).

50
Ribeiro (2019) destaca as negatividades da República Velha. Ele
observa as artimanhas das classes proprietárias nesse período para impedir
a formação de um sistema público de educação. Uma delas é a
descentralização: uma típica ação contra a educação.
Saviani (2006) chega a conclusões parecidas. A educação foi
atribuída aos Estados da federação, ou seja, ela não iria acontecer, uma vez
que as oligarquias regionais tinham pouco interesse em educar as massas.
Para ele, mais uma vez é abortada a possibilidade de educar o povo.
Nas palavras de Darcy Ribeiro, carregadas de ironia para demostrar
a sagacidade educacional das nossas “elites”, as oligarquias entregaram a
educação fundamental exatamente aos menos interessados em educar o
povo: o governo municipal e estadual. E prossegue:

Pois bem, prestem atenção, e se edifiquem com a sabedoria que os


nossos maiores revelam neste passo: ao entregar a educação primária
exatamente àqueles que não queriam educar ninguém — porque
achavam uma inutilidade ensinar o povo a ler, escrever e contar — ao
entregar exatamente a eles — ao prefeito e ao governador — a tarefa
de generalizar a educação primária, a condenavam ao fracasso, tudo
isso sem admitir, jamais, que seu imposto era precisamente este
(RIBEIRO, 2019, p. 45-46).

Teixeira (1986), um liberal de esquerda, defensor ferrenho da


escola pública, foi taxado no período de 1920-60 de comunista e, se
estivesse vivo, seria hoje novamente estigmatizado. Ele percebeu de alguma
forma o peso político do latifúndio no bloqueio à formação do sistema
público de ensino na República Velha e o peso das forças da “conspiração”
no período 1930-60. Percebeu também o papel da ditadura de 1964 no
bloqueio à implantação desse sistema público. Já há indícios fortes que ele

51
foi uma de suas vítimas. Anísio Teixeira é certamente o liberal que mais
sofreu derrotas. Foi derrotado em seus projetos na Bahia, Rio de Janeiro,
na LDB de 1961 (como veremos mais à frente), na UnB e, obviamente, na
grande derrota do golpe de 1964, que custou a sua vida.
Ribeiro (2019) demonstrou em Sobre o óbvio a relação entre a
questão agrária e a questão social e, dentro desta, a questão educacional.
Para as classes proprietárias de terras era importante manter o povão na
mais profunda ignorância e miséria. Primeiro, porque o latifúndio não
necessita de muita mão de obra qualificada. Segundo, porque, do ponto
de vista político, em países como o Brasil, uma escola pública de qualidade
poderia conscientizar o povão sobre os seus problemas fundamentais, entre
eles a posse e o uso da terra, isto é, a questão agrária e as lutas para
superação do problema agrário brasileiro (NOVAES, 2020).
Xavier (1990) também nos dá pistas interessantes sobre o peso
político do latifúndio no bloqueio à formação de um sistema educacional
republicano. A calibragem da educação de acordo com as necessidades
educacionais e de qualificação da força de trabalho, num capitalismo
dependente e associado como o Brasil, foram analisadas por ela. As
propostas dos pioneiros foram consideradas um “excesso” para as
necessidades da burguesia industrial nascente e, obviamente, para os
latifundiários. Ciavatta concordaria com Xavier, pois considera que o ideal
educacional se implantou de modo escasso e limitado (CIAVATTA,
2011).
Na mesma linha, Leher (2012), a partir da intepretação da obra de
Florestan Fernandes, tem se preocupado em analisar os entraves que
impossibilitaram a real universalização da educação pública, gratuita, laica
e unitária no Brasil.

52
As reformas educacionais propostas nos anos 1930 pelos assim
denominados “pioneiros da educação” foram consideradas muito à
esquerda das expectativas das classes proprietárias e seus intelectuais
orgânicos, que ocupavam postos no Executivo, no Legislativo e no
Judiciário. Os intelectuais orgânicos da Igreja Católica foram os primeiros
a deixar o grupo dos pioneiros e a romper com a proposta. As tentativas de
reforma educacional de Anísio Teixeira nos anos 1920 foram bloqueadas
(NAGLE, 2013), não havendo clima social para sua implementação.
A política educacional do primeiro governo Vargas (1930-1945),
dentro dos marcos da industrialização nacional, inseriu parte das massas
na escola, mas contraditoriamente serviu em grande medida para inserir as
camadas intermediárias da sociedade na educação básica (CASTANHO,
2011). As camadas intermediárias e os filhos das classes proprietárias
entraram nas poucas universidades públicas. O povo seguiu analfabeto, ou
na melhor das hipóteses, conseguia fazer um curso de qualificação para
trabalhar na indústria nascente, que crescia a taxas elevadas.
De acordo com Frigotto (2011), Antônio Candido prefere
caracterizar os ideais educacionais dominantes na década de 1930 como
estando no campo da “reforma ampla” e não de uma “revolução
educacional”. Nas palavras de Candido:

Tratava-se de ampliar e ‘melhorar’ o recrutamento da massa votante e


de enriquecer a composição da elite votada. Portanto, não era uma
revolução educacional, mas uma reforma ampla, pois [n]o que
concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou. Nós
sabemos que (ao contrário do que pensavam aqueles liberais) as
reformas da educação não geram mudanças essenciais na sociedade,
porque não modificam a sua estrutura, e o saber continua mais ou
menos como privilégio. São as revoluções verdadeiras que possibilitam
as reformas de ensino em profundidade, de maneira a torná-lo acessível

53
a todos, promovendo a igualitarização das oportunidades. Na América
Latina, até hoje isto só ocorreu em Cuba a partir de 1959
(CANDIDO, 1984, p. 28)

E pondera que:

[...] quinze ou vinte anos após o movimento revolucionário de 1930, e


apesar do progresso havido, as oportunidades mais modestas ainda
eram irrisórias, bastando mencionar que no decênio de 1940 os índices
mais altos de escolarização primária (isto é, o número de crianças em
idade escolar frequentando efetivamente escolas) eram os de Santa
Catarina e São Paulo, respectivamente 42% e 40% (CANDIDO,
1984, p. 28).

É preciso mais uma vez insistir com a bela síntese de Maria Ciavatta
– já analisada em outras passagens deste livro. Para nós, Ciavatta fez um
balanço preciso da nossa tragédia educacional ao longo de vários séculos:

A sociedade brasileira tem uma dívida secular com a população


trabalhadora, relegada, desde os primórdios do País, a não receber
conhecimentos, senão aqueles que fossem necessários ao trabalho
produtivo no campo e nos espaços urbanos. Mais tarde, com séculos
de atraso em relação aos países europeus colonizadores, o ideal
educacional, necessário à produção capitalista, implantou-se, de modo
escasso e limitado, apenas nas funções de ler, escrever, contar e
aprender um ofício. Manteve-se sempre, por artifícios legais e
administrativos, a meia-educação para a população (CIAVATTA,
2011, p. 35).

54
De fato, “[n]o que concerne ao grosso da população a situação
pouco se alterou” (CANDIDO, 1984, p. 28) e para Ciavatta (2011), nossa
“meia-educação” produziu uma “dívida secular”. Esses eram os principais
motivos — para Florestan Fernandes — para a realização de cruzadas em
defesa da escola pública, gratuita, laica e de qualidade, conforme veremos
a seguir.

As lutas em defesa da escola pública


nos anos 1950-60

A luta pela escola pública, gratuita, laica e universal vinha sendo


travada desde o final do século XIX e se intensificou nas décadas de 1920-
30. Infelizmente, por não haver avanços expressivos e significativos, ainda
está nas agendas políticas da esquerda como uma das prioridades para o
desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária no século XXI. A
contrarrevolução de 1964 varreu do mapa a esperança de um pacto dos
trabalhadores com a burguesia nativa ou uma “democratização” crescente
da sociedade brasileira.
Nosso capitalismo dependente e associado não permitiria uma
“revolução democrático-burguesa”. Ao contrário: a burguesia nativa era
autocrática, antinacional e antipopular. Ela não iria realizar as tarefas das
burguesias nacionais, como a de construir um sistema educacional público,
um sistema de saúde pública, a de melhorar as condições de trabalho, de
fazer a reforma agrária, de acabar com a pobreza e a miséria etc.
Ao que tudo indica, o golpe empresarial-militar de 1964 permitiu
a Florestan Fernandes aprimorar a percepção das particularidades do
Brasil, da nossa autocracia e da necessidade de uma revolução socialista.

55
A “Campanha em Defesa da Escola Pública” foi proposta e
construída em função da indignação provocada em diversos grupos da
sociedade brasileira frente ao projeto substitutivo escrito pelo deputado
federal Carlos Lacerda, da União Democrática Nacional (UDN), no ano
de 1958. O documento trazia uma série de pressupostos privatistas vindos
dos grupos compostos pelos donos das escolas privadas (confessionais e
leigas) que buscavam representatividade e espaços nas diretrizes e bases da
educação nacional (ZANETIC, 2006).
Nesse contexto, Florestan Fernandes e seus orientandos, Fernando
Henrique Cardoso e Octavio Ianni, deixaram o gabinete de pesquisa da
Universidade de São Paulo (USP) — “lugar que serve somente aos
interesses das classes dirigentes e para elaboração de pesquisas de essência
exclusivista contida ao ambiente e às regras impostas ao ensino superior no
Brasil” (FERNANDES, 2019, p.33) — para se aproximarem e dialogarem
com o povo e suas reais necessidades nas ruas e em auditórios por todo o
país.
Por causa desse levante, Florestan Fernandes e seu grupo, junto aos
liberais, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Roque Spencer Maciel,
Laerte Ramos de Carvalho, além dos dirigentes do jornal Folha de S.Paulo,
vão contra as propostas do “Substitutivo Lacerda”, com suas investidas e
intenções privatistas. As demandas levantadas por Lacerda iam ao encontro
dos desejos das escolas particulares. Para Florestan Fernandes, não
passavam de empresas que queriam transformar um direito do cidadão em
mercadoria com vistas somente ao lucro, focalizando uma fatia dos
investimentos oriundos do Estado.
Apesar das demandas defendidas pelo grupo de Florestan
Fernandes serem mais radicais, se aliaram aos pioneiros da educação
pois as propostas destes permitiriam o desenvolvimento da nação e do
Estado democrático (OKUMURA, 2019).

56
Florestan Fernandes comenta que os debates e ações organizadas
pelo grupo pareciam uma verdadeira “cruzada”, chegando a arrastar uma
delegação dos participantes até a capital brasileira, Brasília. A delegação
tinha como objetivo abordar, primeiro, o Congresso e, depois, buscar o
apoio do presidente João Goulart para frear a tramitação do projeto
educacional privatista (OKUMURA, 2019).
As reivindicações preconizadas pelo grupo encabeçado por
Florestan Fernandes objetivavam, em primeiro lugar, a qualidade e a
eficácia do ensino por meio de melhores condições para a escola pública,
visto que vivemos num país subdesenvolvido e dotado de recursos
escassos para a educação. Com a exclusividade da destinação da verba
pública ao ensino público, porém, se poderia produzir um ensino de
mais qualidade, sem restrições econômicas, raciais e religiosas, aos
indivíduos de toda a camada popular. Em segundo lugar, havia a
pretensão de impedir que o Estado democrático continuasse aprisionado
pelos interesses particularistas de classe na esfera educacional, tendo mais
autonomia na nas ações administrativas e políticas, e diante da
improdutividade e destinação dos recursos oficiais direcionados à
educação nacional (FERNANDES, [1966] 2020).
Florestan Fernandes e seu “grupo” lutava por melhores
condições básicas para a formação do Estado democrático. Ele entendia
que, frente à realidade educacional brasileira, havia a necessidade de
profundas transformações, a qual denominava de “revolução
educacional”.
Para ele, a presença da escola particular (naquele momento, em
grande medida, era representada por escolas confessionais) no Brasil não
era um problema, pois ele respeitava o trabalho realizado por essas
instituições. Contudo, a questão fulcral era a proposta que visava à
destinação da verba pública às escolas privadas, em detrimento da

57
oportunidade de expansão do atendimento escolar público e do
desenvolvimento da qualidade educacional brasileira, que poderia ser
melhorada e tornada mais acessível à população. Isso só ocorreria se a
verba pública fosse exclusivamente destinada ao setor público. É preciso
salientar que, naquele momento, o peso da educação privada ainda era
pequeno, nada comparado ao que viria a acontecer nas décadas
seguintes.
A campanha também visou esclarecer a importância da questão
educacional aos educadores e à população. Visou impedir a degradação
do sistema público e a crescente dominação dos jovens por meio de
ideologias explicitamente religiosas, enfatizando a necessidade de ofertar
uma formação com bases democráticas (ensino laico) por parte da escola
pública.
Para Florestan Fernandes, os pressupostos da campanha tinham
fundamental importância porque evidenciavam, além das questões
principais aqui já citadas: a) o direito ao acesso à educação pública, de
qualidade e laica e b) o papel do Estado democrático na intervenção no
processo histórico brasileiro, tratando o acesso à educação não como
privilégio de poucos, mas como direito de instrução numa sociedade
letrada, democrática, tecnológica e industrial.
Ele analisa as possíveis consequências da vitória do projeto de
Carlos Lacerda, alertando que a dispersão dos recursos oficiais,
destinados à educação brasileira, iria prejudicar diretamente o
desenvolvimento necessário para um projeto de democratização do
ensino.
Florestan adverte que, sem a exclusividade o Estado, não teria
meios para atender às necessidades educacionais da população, tendo em
vista a consolidação de uma sociedade democrática e mais igualitária.

58
Sem tal exclusividade na destinação da verba pública, mais uma vez
perderíamos a chance histórica de criar as condições objetivas para a
efetivação desse projeto. Além de contemplar diretamente interesses
vindos dos proprietários das escolas privadas (confessionais e leigas), a
distribuição de novas oportunidades educacionais mais justas ou
qualitativas se tornaria impossível.
O subaproveitamento dessa oportunidade de avanços
educacionais no Brasil resultará no aprofundamento da desigualdade,
pois a população pobre não tem condições de ir e permanecer na escola
nem mesmo quando há acesso gratuito nos arredores de seus lares, pois a
condição de vida desses grupos não os permite acesso e permanência
estudantil por falta de subsídios que o Estado poderia ofertar
(FERNANDES, [1966] 2020).

A contrarrevolução de 1964 e as campanhas em


defesa da escola pública nos anos 1980-90

Para Florestan Fernandes, a contrarrevolução de 1964 é o


momento decisivo da nossa história. O golpe empresarial-militar
interrompe definitivamente o tímido sentido público da educação que se
tentou construir na frágil democracia brasileira.
De lá para cá, há uma expansão precarizada da educação básica, o
empresariamento da gestão educacional, o estímulo ao ensino médio pago
e a criação das condições gerais de reprodução ao ensino superior privado
como mercadoria (GERMANO, 2002; RODRIGUES; BRAGA, 2018).
As políticas de educação de jovens e adultos, com certo grau de politização
nos anos 1950-60, são convertidas no despolitizado Movimento Brasileiro
de Alfabetização (Mobral).

59
No contexto da Guerra Fria e da implementação da doutrina de
segurança nacional, que visava combater o pensamento comunista, é
implementada também a educação moral e cívica, e multiplicam-se os
acordos com o império estado-unidense. Há um grande impulso ao ensino
superior privado, e as universidades públicas passam por um amplo
processo de reestruturação, que visa adequá-las à nova fase do capitalismo
mundial (NOVAES, 2019).
O combate da classe trabalhadora e dos intelectuais militantes nas
trevas durou 21 anos. Muita gente morreu, foi torturada, foi para o exílio,
inclusive Florestan Fernandes. A criação das Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), as lutas pela terra, o “novo” sindicalismo, as lutas contra a
carestia, as lutas dos seringueiros, do movimento negro, as lutas pelas
Diretas Já, as lutas pela redemocratização, a criação do Partido dos
Trabalhadores (PT) etc. não foram suficientes para acertar contas com a
ditadura. Ao contrário, ela se institucionalizou, produzindo uma transição
sem rupturas.
Mesmo assim, era preciso se reerguer e tentar mais uma vez fazer o
Brasil dar certo. A década de 1980 foi a década das lutas pela educação. E
novamente estará lá o nosso Sísifo, Florestan Fernandes, empurrando a
pedra em defesa da escola pública, gratuita e de qualidade. Ele participou
direta ou indiretamente dos Fóruns em Defesa da Escola Pública e de todas
as batalhas na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88, como
deputado constituinte.
O Florestan dos anos 1980 certamente teve ganhos teóricos
fundamentais. Voltou mais vigoroso teoricamente. Afirmamos, em
Okumura e Novaes (2019), que há uma evolução dialética do pensamento
de Florestan e de suas lutas nos anos 1980-90. Esta evolução, ao mesmo
tempo preserva elementos do seu pensamento dos anos 1930-50, também
os aprimora, produzindo uma evolução na forma de pensar e de

60
sistematizar a particularidade da realidade brasileira e a urgência de uma
revolução em um país de capitalismo associado como o Brasil.
Infelizmente, Florestan Fernandes faleceu em 1995, aos 75 anos,
para uns de erro médio, para outros, por uma parada cardíaca. De lá para
cá, a questão educacional brasileira ganhou uma nova complexidade e ares
de uma tragédia aprofundada.
Se, no início da República (1889), os latifundiários e boa parte da
Igreja Católica juntaram forças para impedir a formação de um sistema de
ensino público, gratuito, laico, universal e de qualidade, a partir dos anos
1970, as grandes corporações educacionais passam a entrar também na
fileira do que Florestan chama de forças privatistas, em franca oposição a
formação de um sistema público e universal de educação. Mais
recentemente, corporações transnacionais de educação, institutos,
fundações, ONGs, setores hegemônicos das igrejas neopentecostais e os
neofascistas entraram nessa esteira, enquanto parcelas dos fragilizados e
cambaleados partidos de esquerda, da Igreja Católica, dos intelectuais
militantes e dos movimentos sociais organizados defendem a escola
pública, gratuita e de qualidade.
No final dos anos 1950, Florestan percebeu muito rapidamente “a
conspiração contra a escola pública”, daí a atualidade do seu texto. Devido
à sua inserção nas lutas daquele tempo histórico e à sua pesquisa
educacional, Florestan conseguiu delinear a questão educacional brasileira,
ainda que sem a precisão que só alcançaria nos anos 1980.

61
Capítulo 3
A metamorfose da ditadura empresarial-militar em ditadura
do capital financeiro: implicações na mercantilização da
educação

O Brasil viveu uma aceleração da história no final dos anos 1950 e


início dos anos 1960. Netto (2015) não considera este rico período de lutas
sociais, anterior ao golpe de 1964, como um período pré-revolucionário.
Ele prefere utilizar os termos “democratização” e lutas pela construção de
um capitalismo com direitos sociais e mais autônomo.
Lima Filho (2019), por sua vez, acredita que o Brasil passou uma
por revolução conservadora, principalmente a partir de 1930, e que esta
rapidamente se converteu numa longa contrarrevolução, iniciada em 1964
e que dura até hoje, podendo ser dividida em etapas ou fases.
A ditadura empresarial-militar (DEM) recompôs o poder do
capital internacional, recompôs o poder do latifúndio e,
consequentemente, destruiu as organizações da classe trabalhadora. Do
tripé que sustentou a ditadura: empresa estatal, capital estrangeiro e capital
“nacional”, certamente o capital estrangeiro, mesmo com o aparente
nacionalismo dos militares, saiu mais forte (CAMPOS, 2009).
A DEM dizimou as lutas no campo, as Ligas Camponesas e os
sindicatos rurais. Estrangulou o movimento estudantil, quebrou o ciclo de
formação de novos intelectuais públicos e criou uma safra de intelectuais
assépticos, nos termos de Netto (2015).
Em função do seu peso político na América Latina, a DEM
brasileira articulou com a CIA golpes militares em outras países da região.

63
Essa ação, conhecida como Operação Condor, foi decisiva para a operação
de novas contrarrevoluções no Cone Sul (DREIFUSS, 1981).
Nos anos 1970, o projeto Brasil Grande Potência demandou uma
política educacional que articulasse alfabetização, qualificação de força de
trabalho e formação do que chamamos gestores do capital.
Esta política educacional foi importante para formar uma mão de
obra qualificada e dócil, bem como quadros técnicos intermediários, numa
divisão do trabalho explorado-alienado cada vez mais complexa, num país
de capitalismo dependente e associado.
Se, nos anos 1970, predominava a formação de uma mão de obra
adestrada, típica do regime de acumulação taylorista-fordista, hoje, com o
avanço do regime de acumulação flexível, predomina a perspectiva da
“pedagogia das competências”, típica do regime de acumulação flexível e
financeirizado.
Este capítulo aborda a nova onda de mercantilização da educação
nos anos 1990, no contexto das reformas do Estado e da mundialização do
capital, procurando evidenciar a continuidade desse processo em relação a
política educacional da DEM.

A ditadura empresarial-militar e
sua política educacional

O golpe de 1964 rompeu drasticamente as lutas sociais no campo


da cultura e da educação. Para Netto (2015), a partir de 1968, há uma
ação sistemática da contrarrevolução brasileira no campo cultural-
educacional. Um dos casos mais emblemáticos da neutralização é o da
Universidade de Brasília (UnB), que sofreu uma grande derrota em 1965

64
(NOVAES, 2019). Cerca de 80% dos professores pediram demissão
depois que a ditadura intensificou suas investidas na universidade.
Lembremos que a UnB foi criada por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira
dentro de um projeto de universidade para a emancipação nacional. Ela
reuniu uma boa parte dos melhores intelectuais da época. Era certamente
um contraponto ao projeto elitista e conservador da USP.
Não só na UnB, mas em praticamente todas as universidades
públicas do país, a ditadura interrompe o ciclo de formação de novos
intelectuais públicos. A ditadura de fato interrompeu a formação de uma
jovem intelectualidade, em contato com as gerações anteriores. E formou
uma geração de pesquisadores assépticos frente à gritante questão social
brasileira. Segundo Câmara de Souza (2018, p. 81-82):

Em 1964, a ditadura instalada com o golpe militar traria anos difíceis


para a UnB. Na verdade, a instituição brasiliense já era tida por setores
extrauniversitários como um foco do pensamento esquerdista, visão
essa que só se acirrou com os militares. E, por estar mais perto do
poder, foi uma das mais atingidas. Universitários e professores foram
taxados de subversivos e comunistas. Comentava-se que havia uma
tendência marxista na UnB, liderada pelos professores mais jovens e
idealistas.
O campus foi invadido e cercado por policiais militares e do Exército
várias vezes durante o ano. No dia 18 de outubro de 1965, depois da
demissão de 15 docentes acusados de subversão, 209 professores e
instrutores assinaram demissão coletiva, em protesto contra a repressão
sofrida na universidade. De uma só vez, a instituição perdeu 79% de
seu corpo docente.

Outro caso emblemático de neutralização de propostas


educacionais transformadoras se dá com a interrupção das
experimentações de Paulo Freire no Nordeste. O educador popular

65
tentava, dentro do projeto nacional-desenvolvimentista do período,
alfabetizar as massas “politicamente”, problematizando a realidade do
povo, com vistas à sua conscientização.
Nos anos 1980, Freire se tornou um dos intelectuais mais lidos no
mundo. Pernambucano, conciliava os ideais de justiça da Igreja Católica
com as transformações sociais, e lutou incansavelmente, sobretudo nos
anos 1960, para combater o analfabetismo, nossa maior chaga social
(NOVAES, 2020).
Ainda no campo da neutralização, destacaríamos o impacto do
golpe nas ações da União Nacional dos Estudantes (UNE). A UNE, dentre
outras ações, se juntou ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)
e à editora Civilização Brasileira para criar a coleção “Cadernos do Povo
Brasileiro”. De fácil acesso, com uma linguagem mais popular e crítica, os
cadernos faziam parte da ação militante da entidade para politizar os
debates daquele momento, levando cultura, política e conhecimento para
o povo (LOVATTO, 2010).
Tivemos a oportunidade de estudar o primeiro caderno: “Que são
as ligas camponesas?”, de Francisco Julião. Trata-se de um livro curto,
didático, com linguagem fácil, dentro da realidade de um povo que não
foi alfabetizado e que traz à baila a questão agrária e as lutas pela reforma
agrária no mundo e no Brasil. Obviamente os cadernos foram eliminados
pela DEM.
Nos anos 1960, também foram ensaiadas mudanças para o ensino
médio. Mendonça (2014) destaca, por exemplo, os Centros Vocacionais
criados no Estado de São Paulo. Baseados na pedagogia do meio, visando
à promoção do que seria chamado nos anos seguintes de
interdisciplinaridade e trabalho em grupo, foram estabelecidos nos
municípios de Jundiaí, Batatais, Americana e São Paulo. Evidentemente,

66
boa parte dos professores dos centros vocacionais foram taxados de
“comunistas”, sendo obrigados a viver numa longa clandestinidade ou a
sair do país.
Em síntese, as reivindicações do movimento operário e popular nos
anos 1960 de alguma forma tocavam nos problemas crônicos da formação
social brasileira, como a necessidade de reformas agrária, urbana,
educacional, e de superar a dependência econômica.
Essas reformas tinham em vista algo que se mostrou
posteriormente impossível: a construção de um capitalismo mais
autônomo e com direitos sociais. Essas lutas estavam longe de reivindicar
uma revolução socialista, ainda que existissem naquele momento setores
do movimento popular e democrático que lutassem por ela (NETTO,
2015; LIMA FILHO, 2019).
A DEM recompôs a hegemonia do capital, que vinha sendo de
alguma forma ameaçada. Também atualizou o poder do latifúndio. O
“avanço da fronteira agrícola”, nos termos dos militares, ou a ampla
reestruturação produtiva do campo, foi nada mais nada menos que uma
nova fase da acumulação primitiva permanente no Brasil de terras virgens,
com o assassinato de indígenas e pequenos agricultores. Para arquitetar essa
“atualização” e efetivar-se, essa reestruturação produtiva do campo
“convidou” a indústria da revolução verde: adubos, agrotóxicos, tratores e
implementos agrícolas. Nesse período, inúmeras corporações
transnacionais produtoras tratores e implementos agrícolas, adubos
sintéticos, agrotóxicos se instalaram no país (NOVAES; MACEDO;
CASTRO, 2019).
Para nós, as grandes obras de construção civil tiveram um peso
significativo na política reestruturação do nosso capitalismo e,
consequentemente, na política de emprego e de educação-qualificação da

67
DEM. Estas grandes obras de infraestrutura, de atração de multinacionais
e de fortalecimento da burguesia nativa tiveram uma incidência
significativa na política de formação.
Era difícil manter a DEM sem gerar emprego para as massas
trabalhadoras e sem dar oportunidades educacionais para uma parcela da
classe trabalhadora. Nesse sentido, a proposta keynesiana dos militares
levou a criação de usinas hidrelétricas de grande porte, rodovias, política
habitacional através do Banco Nacional da Habitação (BNH), obras
estratégicas na Amazônia, obras de infraestrutura, entre outras.
As políticas de atração de grandes corporações transnacionais em
alguma medida geraram emprego e ascensão social para uma parcela da
classe trabalhadora. Essa política econômica sinalizava para a política
educacional a necessidade de formar gestores do capital, quadros
intermediários das empresas e força de trabalho qualificada e
semiqualificada. Era comum, nesse período, um trabalhador entrar numa
empresa, melhorar de salário e conseguir um certo grau de “ascensão
social”.
No entanto, contraditoriamente, predominou nesse período
formas de arrocho salarial e de mordaça aos sindicatos. É bastante
conhecido o livro de Humphrey (1980), “Fazendo o ‘milagre’: controle
capitalista e luta operária na indústria automobilística brasileira”, que faz
referência à forma como foi feito o “milagre econômico”: assassinatos de
lideranças, impedimento do funcionamento dos sindicatos e ausência de
reajustes salariais, levando a uma deterioração brutal do poder de compra
da classe trabalhadora.
Nesse sentido, a tragédia educacional brasileira do período é parte
da ampla tragédia social. Um rápido balanço socioeconômico da ditadura
nos leva a crer que houve aumento do poder das corporações

68
transnacionais, crescimento econômico com concentração de renda,
arrocho salarial, crescimento das favelas, piora das condições de vida dos
camponeses, indígenas, seringueiros e posseiros, crescimento do
subemprego, entrega de riquezas ao capital estrangeiro, multiplicação do
analfabetismo e do analfabetismo funcional numa nova escala.
Essa reestruturação do capital teve uma grande incidência na
política educacional da DEM. Simultaneamente, essa política educacional,
que mantém inalterada a essência da nossa tragédia educacional, era
necessária para a reestruturação do capital que se operava, como veremos
nas páginas a seguir.
A ditadura do grande capital, ao mesmo tempo em que enquadra
as atividades culturais e o pensamento crítico dentro da Doutrina de
Segurança Nacional (neutralização), também cria novas necessidades
educacionais, sendo uma política educacional típica da DEM, sobretudo a
partir de 1968.
Num primeiro momento, a política educacional da ditadura do
grande capital é parte do projeto Brasil Grande Potência, que trouxe novas
demandas de alfabetização, de qualificação da força de trabalho, de
formação de gestores do capital, bem como de pesquisa nas universidades
e centros públicos de pesquisa para adaptação tecnológica nas empresas
estatais.
Num plano mais geral, ela é resultado dos Acordos MEC-USAID
— isto é, entre o Ministério da Educação e a Agência dos Estados Unidos
para o Desenvolvimento Internacional — e das ações do Banco Mundial
e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil, que
condicionam empréstimos a reformas do Estado. Roberto Leher (1999),
importante estudioso da educação, escreveu um artigo sugestivo chamado
“Um Novo Senhor da Educação? A política educacional do Banco

69
Mundial para a periferia do capitalismo”. Nele, observa — e, do nosso
ponto de vista, acerta — que o Banco Mundial se tornou o
“superministério da educação do capitalismo”. Como o capitalismo é um
modo de produção mundial, as diretrizes educacionais nascem dessas
grandes agências do capital monopolista e são irradiadas para todas as
partes do mundo e, evidentemente, para todos os ministérios da educação,
ainda que implementadas de forma distinta (KUENZER, 2007).
Os países imperialistas, que controlam a economia mundial,
obviamente implementam essas diretrizes de acordo com seus interesses
imperialistas. Países dependentes, como Brasil, México e Congo, irão
implementar essas políticas educacionais em doses cavalares: reforma do
Estado, privatização, melhor “desempenho” dos servidores públicos,
municipalização da educação fundamental, criação de um mercado do
ensino superior etc. Do ponto de vista dos princípios educacionais,
ganham força as pedagogias do “aprender a aprender”, “pedagogia das
competências”, pedagogias baseadas no empreendedorismo, e não mais na
relação capital-trabalho assalariada “clássica” do período anterior.
Como se sabe, há no Banco Mundial, no FMI, na Organização das
Nações Unidas (ONU) etc., intelectuais orgânicos do capital, inclusive
vindos dos países dependentes, que concebem as grandes políticas
educacionais do capital monopolista-financeirizado.
Também é preciso lembrar que, no Brasil, antes do golpe, o
Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de
Ação Democrática (IBAD) foram agências formativas muito importantes
da sociedade civil. Elas foram fundamentais para a criação de um clima
“anticomunista” e antirreformas de base, sendo fundamentais nos
primeiros anos do golpe empresarial-militar (DREIFUSS, 1981).

70
Foram produzidos muitos relatórios para os países periféricos,
como receitas de bolo. O recado desses relatórios era muito simples e direto:
Não cabe ao Estado ter ensino superior público, este deve estar nas mãos
da “iniciativa privada”. Como veremos mais adiante, esse tipo de
proposição veio — como uma onda mais forte — nos relatórios do Banco
Mundial dos anos 1990, no contexto da Reforma do Estado (MINTO,
2015; KUENZER, 2007).
No nosso entender, a política educacional da DEM teve alguns
eixos, nem sempre coordenados ou articulados, mas que tinham uma certa
unidade. Entre eles, destacamos quatro: a) a privatização da educação: a
educação como mercadoria; b) a readequação da universidade pública ao
projeto Brasil Grande Potência; c) a expansão precarizada da educação básica
e o aprofundamento da política educacional dual; e d) a educação moral e
cívica. Não poderemos desenvolver pormenorizadamente cada uma dessas
dimensões da política educacional da DEM. Fugiria aos propósitos deste
capítulo. No entanto, cabe aqui uma análise bastante sumária.

a) A privatização da educação: a educação como mercadoria


A política educacional da DEM foi muito bem-sucedida no quesito
mercantilização da educação. Em geral, os estudos sobre neoliberalismo
costumam mostrar o exemplo do Chile, experiência realizada a fórceps,
através de uma ditadura militar sanguinolenta, que implementou uma
política educacional que transforma a educação em mercadoria. Mas esses
estudos escondem que o Brasil é um dos países que, já nos anos 1970, tem
uma política educacional privatista, portanto “neoliberal”. Criamos um
grande mercado do ensino médio e superior. Há no Brasil o surgimento
de grupos educacionais privados, que passarão a se destacar no novo ciclo
privatista brasileiro, com grande estímulo por parte das ações do Estado.

71
De fato, foi na ditadura que se formou um mercado educacional.
Esse mercado ganha novo impulso e ao mesmo tempo é impulsionado
pelos governos FHC, Lula e Dilma. Destacamos aqui o importante estudo
de Lalo Minto (2015), certamente um divisor de águas na compreensão da
educação, especialmente da educação superior miserável num país como o
Brasil.
Na verdade, desde 1961, há muitos incentivos e assistência aos
grupos educacionais privados. Nos anos 1970, ganham força os mercados
do ensino superior e médio pagos (GERMANO, 2002; MINTO, 2015).
A DEM criou empresários “nacionais” da educação bastante fortes. É claro
que muitos desses vão vender suas empresas e seus sistemas nos anos 2000
para corporações transnacionais da educação, mas essa já é uma outra
história.

b) A readequação das universidades públicas ao projeto Brasil Grande


Potência
A Doutrina de Segurança Nacional levou à perseguição e à tortura
de sindicalistas e militantes de partidos políticos. Na universidade, levou à
expulsão e à prisão de intelectuais que defendiam a democracia e/ou o
socialismo. Poderíamos citar aqui o exílio Celso Furtado, Octavio Ianni,
Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Um dos casos mais
emblemáticos é o de Caio Prado Jr. O concurso que iria prestar foi
cancelado e, “curiosamente”, seus livros eram parte da bibliografia
obrigatória.
A Doutrina de Segurança Nacional censurou músicas, filmes, peças
de teatro, livros e acabou com um ambiente frutífero nas universidades,
em geral frequentado pelas camadas intermediárias da sociedade brasileira
nos anos 1960. Certamente, esse tipo de política cultural tem um impacto

72
significativo na vida universitária, que não está centrada única e
exclusivamente na transmissão de conhecimento, mas numa vivência e
experimentação de democracia, em atividades culturais diversas que de
alguma forma contribuíam para pensar e para “resolver” os problemas
crônicos do país.
Ao mesmo tempo em que neutralizou as atividades culturais e
educacionais que pregavam a democratização do país e até mesmo o
socialismo, a DEM fabricou — indiretamente — intelectuais da ordem,
intelectuais assépticos e bem-comportados. Essa nova safra de docentes
liberais será importantíssima para a consolidação das diretrizes liberais no
final do século XX, no período de “redemocratização” do país.
No caso das escolas técnicas, elas serão vitais para a criação de
professores despolitizados e de alunos que não se importam com os grandes
problemas nacionais, separando “técnica” de “política”.
Em outras oportunidades, escrevemos sobre “os últimos
intelectuais brasileiros”. Certamente a reestruturação das universidades
públicas promovida pela DEM conformou gerações de docentes bem
comportados, alienados, nada preocupados com as particularidades do
Brasil e com seus problemas crônicos (NOVAES, 2019). Netto (2015) os
chama de “intelectuais assépticos”.
O produtivismo, estimulado desde ali, mas com ventos mais fortes
a partir dos anos 1990, teve impactos significativos na produção de ciência,
em geral irrelevante para a resolução dos grandes problemas nacionais.
Ao mesmo tempo, a DEM precisava formar uma tecnoburocracia
para o projeto Brasil Grande Potência, como visto anteriormente.
Corporações transnacionais aqui se instalavam e precisavam de mão de
obra qualificada, trabalhadores intermediários e gestores do capital. No
capitalismo, as universidades públicas e as faculdades públicas são espaços

73
privilegiados de formação de quadros para o capital. O Estado, como
“capitalista coletivo”, forma os quadros e a força de trabalho necessárias
para as empresas capitalistas.
No contexto da DEM, as universidades públicas formaram as
camadas intermediárias, e pequenas parcelas dos filhos da classe
trabalhadora que “milagrosamente” conseguiram ali entrar, dentro de uma
visão de que seus alunos servem aos propósitos da “nação”. Saíram neste
período safras e safras de engenheiros, advogados, químicos,
administradores, economistas, advogados, contadores, tecnólogos, enfim,
tecnoburocratas ou gestores do capital, obviamente com uma visão de
mundo anticomunista, estimulada pela Doutrina de Segurança Nacional.
Essas camadas intermediárias que chegaram a essas instituições ganhavam
mais que os trabalhadores e desempenhavam um papel distinto do da classe
trabalhadora, em geral com status, salários e formação inferiores. Mesmo
não sendo os proprietários dos meios de produção, em grande medida, se
colocavam contra os trabalhadores e os sindicatos.
Em termos absolutos, houve uma expansão das universidades
públicas. Mas, em termos relativos, a educação pública continuou sendo
bastante elitista, para poucos.

c) A expansão precarizada da educação básica e o aprofundamento da


política educacional dual

Acreditamos que a DEM ampliou, ao menos na lei, o direito à


educação, que passou de 4 para 8 anos. No entanto, como não poderia
deixar de ser, não criou as condições adequadas para a oferta de uma
educação pública de qualidade.

74
Houve, sim, uma “expansão precarizada” do ensino médio.
Pesquisadores da área nos mostram que a degradação das escolas e, em
consequência, a degradação do trabalho docente se deram em função de
prédios ruins, salários baixos, muitos alunos por professor, proletarização
da profissão docente etc.
A precarização do trabalho docente, tema típico dos anos 1990-
2000, na verdade, já está colocada com a expansão precarizada realizada
pela ditadura (RODRIGUES; BRAGA, 2018). A DEM inseriu parte dos
filhos da classe trabalhadora na escola pública, mas realizou essa expansão
sem criar condições de trabalho mínimas para os professores. Essa
precarização do trabalho docente se dá em um quadro mais amplo de
precarização da vida da classe trabalhadora em geral: migração e criação
de cidades insuportáveis de se viver, sem saneamento, casas pequenas e
insalubres, transporte público caro e de baixa qualidade etc.
A política educacional da DEM reforça e recoloca em novos
patamares algo que já existia no país: a dualidade educacional. Um tipo de
escola e de conteúdo para os filhos das camadas médias e proprietárias, e
outro tipo de escola e de conteúdo para a classe trabalhadora, isto é, para
os “desvalidos da sorte”, como eram chamados antigamente.
Lembremos que, nos anos 1930-40, nossa burguesia, direta e
indiretamente, através de seus intelectuais orgânicos, como Roberto
Simonsen e Robert Mange, cria o Instituto de Organização Racional do
Trabalho (IDORT) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI), uma instituição totalmente controlada pelos capitalistas, que
proporciona uma formação rápida para o mercado de trabalho. Pior, os
trabalhadores não decidem o que se ensina nem como se ensina
(BATISTA, 2015).

75
Depois de fazer a reforma universitária em 1968, a DEM passou a
construir a reforma da educação básica. A lei 5.692 foi criada pelos
militares em 1971. Ela obrigava a profissionalização do ensino médio
(SANTOS, 2019). Para Luiz Antonio Cunha (1991), especialista não
marxista do tema, é possível afirmar que houve um profundo fracasso com
a implementação da lei 5.692, ao tentar profissionalizar o ensino médio.
De qualquer forma a política educacional era determinada — não
exclusivamente — pelas taxas de crescimento econômico do período. O
Brasil crescia, mas havia concentração de renda. Delfim Netto afirmou que
era preciso primeiro fazer crescer o bolo, para depois distribuir. No fim das
contas, as classes proprietárias acabaram comendo o bolo inteiro sozinho.
Germano (2002) destaca também que neste período os países
centrais estavam transitando do regime de acumulação taylorista-fordista
para o regime de acumulação flexível. No entanto, a política educacional
ainda estava baseada nos princípios educacionais do regime de acumulação
taylorista-fordista, que formava os filhos da classe trabalhadora através da
memorização de conhecimentos, da segmentação bastante rígida do
trabalho, da oferta de qualificação rápida e bastante verticalizada (patrão
manda, trabalhador obedece), a fim de operar máquinas simples.

A metamorfose da ditadura: implicações na


mercantilização da educação

O sistema educacional brasileiro passa por profundas


transformações nos anos 1990, como resultado da reestruturação do nosso
capitalismo, marcadas pelas premissas neoliberais e pela chamada
globalização, por nós chamada mundialização do capital. Também é
preciso sublinhar mais uma vez que a DEM se transformou em ditadura

76
do capital financeiro (DCF). Portanto, mundialização do capital e DCF
podem ser consideradas sinônimos.
Essa atualização de uma forma específica de ditadura (empresarial-
militar) para outra forma de ditadura do capital, agora com ampla
hegemonia financeira teve consequências claras para o aprofundamento da
tragédia educacional brasileira no último quarto do século XX.
Fazendo uma rápida digressão, nos anos 1970, o Brasil se tornou
um grande mercado educacional, principalmente do ensino superior. Da
mesma forma, as universidades públicas começam a passar por um
processo de privatização indireta, principalmente a partir da multiplicação
de fundações e de cursos pagos nos anos 1990. A proposta militar, baseada
no tripé empresa nacional, empresa estrangeira e Estado, teve um grande
vencedor: o pé do capital internacional ganhou de lavada, produzindo uma
nova fase da internacionalização subordinada da economia brasileira.
Do ponto de vista político, acreditamos que a transformação da
DEM em DCF se dá sem rupturas, impedindo a gestão democrática dos
sistemas educacionais. A transição gradual, lenta e segura dos anos 1980
absorveu e virou de ponta cabeça as lutas sociais travadas pelo movimento
operário e popular nos anos 1980. Para piorar, “devolveu” as demandas da
população por democratização da escola na forma de uma autocracia mais
virulenta.
De acordo com Okumura (2019), as demandas populares por
gestão democrática da educação, defendidas por Florestan Fernandes na
Assembleia Nacional Constituinte, no contexto das lutas educacionais dos
anos 1980, foram na verdade transformadas pela nossa burguesia em uma
gestão tecnocrática ou uma nova gestão autocrática.
A tese de Maria de Fátima Felix Rosar (2013) caminha na mesma
direção. A bandeira de participação nos rumos da educação se transformou

77
em pseudoparticipação, principalmente porque os ministros da Fazenda já
haviam fixado os parcos recursos para a educação pública. As lutas para
diminuir o poder dos diretores na escola se transformaram numa nova fase
de autoritarismo dos mesmos. A crítica à centralização dos sistemas
escolares e as demandas por descentralização se transformaram em
neocoronelismo e neonepotismo. E, por falar em tragédia, a
descentralização gerou um presente de grego para os municípios, em geral
sem estrutura e sem recursos para cuidar da educação infantil e do ensino
fundamental. A crítica feita pelos educadores de esquerda à teoria do
capital humano foi devolvida pelos gestores do capital na forma de
pedagogia das competências. Sistemas educacionais privados (apostilas,
assessoria a professores etc.) passam a ser vendidos para escolas públicas,
uma nova mercadoria rentável. Não bastasse toda essa tragédia, a luta nas
escolas por formas de trabalho não alienadas para os estudantes se
transformou em cooperativismo (salve-se quem puder) e
empreendedorismo nas escolas.
Os Centros Cívicos Escolares da ditadura, se transformaram
legalmente em “Grêmios Livres” em 1985. No entanto, a nova lei não foi
suficiente para transformar entidades estudantis totalmente tuteladas na
época da ditadura em entidades “livres” no período da redemocratização.
Os grêmios estudantis continuaram cumprindo a função de manutenção
da alienação cultural e política dos estudantes (CHAGAS, 2020).
Obviamente, o poder decisório na escola continuou nas mãos dos
diretores, que são verdadeiras personificações do Estado e do capital lá na
ponta. Nesse sentido, Freitas (2008) tem razão ao destacar que a forma
escolar forma, ou seja, a escola é fundamental para “ensinar relações
sociais”, de subordinação, hierarquia, de mando, onde os jovens
experimentam as relações sociais, “antecipando” ou os preparando para as
relações de produção capitalistas. Mesmo quando os alunos não aprendem

78
nada (em termos de conteúdo), estão aprendendo relações sociais
capitalistas.
As lutas da segunda metade dos anos 1970 e do início dos anos
1980 foram fundamentais, mas não conseguiram romper com os
fundamentos da DEM (FERNANDES, 2006). Surgiram muitas lutas pela
redemocratização do país, que combinavam a bandeira da volta a
democracia no país com a das lutas pela terra, por habitação popular, lutas
dos atingidos por barragens, dos negros, dos professores do ensino
superior, bem como com o ressurgimento das comissões de fábrica, o novo
sindicalismo e o surgimento do PT, entre outros. Ao que tudo indica, a
impossibilidade de criação de um sistema educacional democrático deriva
dessa transição gradual, lenta e segura da DEM para a DCF.
No campo cultural-educacional, ocorreram o I Congresso
Brasileiro de Educação (Campinas), os Fóruns em Defesa da Escola
Pública, e inúmeras lutas em defesa da educação pública foram travadas.
Mas as rédeas da transição não escaparam das mãos dos militares e da
burguesia. As lutas travadas pelos movimentos sociais não foram
suficientes para barrar a transição gradual, lenta e segura, impossibilitando
o nascimento da gestão democrática da educação.
Chegamos a ter, na abertura política com distensão, a eleição de
prefeitos populares e suas propostas educacionais, em 1982. Em Minas
Gerais, intelectuais marxistas ou com influência marxista chegaram a fazer
parte de secretarias da educação. Em Belo Horizonte, em Piracicaba e no
Rio de Janeiro, tentou-se implementar políticas educacionais mais
próximas ao princípio de estado de bem-estar social, mas estas eram
experiências limitadas (CUNHA, 1991).
Persistiu, nesse período, a forma autocrática e coronelística da
formação social brasileira: diretores indicados por ditadores, diretores

79
indicados por prefeitos, e estavam presentes todas as formas de compadrio
da política nacional. Nomes de caciques ou pais de caciques políticos
regionais eram atribuídos às escolas (GERMANO, 2002). Raros foram os
estados e os municípios onde os diretores foram eleitos e/ou concursados.
Cabe destacar também que se operou nesse momento uma
verdadeira “invasão” das teorias gerencialistas nas escolas públicas. Em
Minas Gerais, chegaram a cunhar o nome Pedagogia da Qualidade Total,
e estimular a utilização dos conceitos e das práticas do regime de
acumulação flexível na gestão das escolas e do sistema educacional.
É preciso lembrar que a reforma educacional era parte de uma
ampla reforma do Estado, a cargo do Ministério da Administração e
Reforma do Estado (MARE), então nas mãos do ex-tucano Bresser Pereira
(SANFELICE, 2010). Para este, era preciso modernizar o Estado
brasileiro, inserindo parâmetros como: metas, desempenho, formas de
remuneração alternativas e estímulo à produtividade, típicos das empresas
capitalistas. Além disso, passa a se trabalhar com o princípio do “público
não estatal”, que abrirá um grande espaço no campo educacional para
processos de privatização indireta e precarização do trabalho docente.
Fundações, institutos e ONGs ganham enorme poder — como
aparelhos privados de hegemonia — na formulação, implementação e
avaliação de políticas públicas educacionais. Todos pela Educação,
Instituto Ayrton Senna, Fundação Lehman, entre tantas outras, passam a
controlar espaços estratégicos do Estado.
No bojo da contrarreforma do Estado, houve nesse período a
multiplicação de ONGs que passaram a receber crianças, obviamente em
espaços totalmente inadequados e em condições educacionais
insustentáveis. Prefeituras — ao invés de construir escolas públicas de
qualidade e pagar professores com planos de carreira dignos — passam a

80
oferecer vouchers para os pais colocarem seus filhos em escolas particulares.
Criam-se aqui oportunidades para empresários da educação e uma
desresponsabilização da oferta de educação pública de qualidade.
Também é preciso sublinhar que o Brasil passou, nesse momento,
por um amplo processo de privatização. As burguesias nativas souberam
construir o consenso de que as empresas estatais e os funcionários públicos
são ineficientes e não trabalham. Para dar um exemplo, Collor numa de
suas propagandas de TV para a eleição de 1989, mostra um elefante gordo
e lerdo para simbolizar as empresas estatais brasileiras “ineficientes” e um
funcionalismo público com privilégios e que “não trabalha”.
Do ponto de vista econômico, a transição sem rupturas da DEM
para a DCF se dá através da modernização das corporações empresariais nos
anos 1990. Elas vão se complexificando, abrem seu capital na bolsa de
valores, e são obrigadas a competir “de igual para igual” com a abertura
comercial e a valorização do câmbio promovida nesse período. Fundos de
pensão ganham um novo status no Brasil e investidores bilionários passam
a ganhar rios de dinheiro, especulando no país.
Grupos empresariais da educação criados na ditadura vão expandir
seus negócios nos anos 1990 (LEHER, 2012; LOMBARDI, 2016), mas é
nos anos 2000 que a educação vai se desnacionalizar e financeirizar com
maior força (GALZERANO; MINTO, 2018).
Na dimensão do mundo do trabalho, a DCF levou à coexistência
do regime de acumulação taylorista-fordista, que predominou no período
1920-80, com o regime de acumulação flexível e financeirizado. Como
parte desse processo, há no meio rural uma espécie de acumulação
primitiva permanente, que leva ao saque e roubo de terras pelos
capitalistas, num processo ininterrupto. Da mesma forma, o assalto

81
privatizante das empresas estatais, vendidas a preço de banana, não deixa
de fazer parte desta acumulação primitiva permanente.
É preciso lembrar também que o mundo do trabalho, em termos
mundiais, passava por uma grande reestruturação. Novas tecnologias
criadas pelo capital levaram à compressão do espaço-tempo. Agora, um
produto pode ser fabricado em qualquer lugar, e qualquer atendente
indiano de call-center pode estar conectado com um consumidor dos
Estados Unidos. Inovações tecnológicas, de produtos e processos de
trabalho, jogaram milhares de trabalhadores na fila do desemprego e
inundaram o mercado capitalista com novas mercadorias. O avanço da
microeletrônica sacudiu a indústria automobilística, e o surgimento de
corporações como Amazon, Alibaba etc., fruto dessas novas tecnologias,
mudaram o comércio mundial.
Neste contexto, a juventude periférica do Norte ao Sul do país, que
estuda em escolas precárias, com famílias desestruturadas — em que pais e
mães não encontram facilmente emprego com carteira assinada —, não
encontrará um posto no disputado mercado de trabalho. Nos anos 1980-
90, multiplicam-se pelo país todas as formas de subemprego, trabalho
informal e trabalho precário. O Estado passa a difundir as práticas do
empreendedorismo e do cooperativismo (com viés bastante pragmático).
São realizados inúmeros cursos de reciclagem para trabalhadores tentarem
encontrar uma forma de sobrevivência, fora dos marcos da relação
assalariada.
Aqui, é importante frisar que a política educacional e a política de
qualificação acompanham a desestruturação do mercado de trabalho. Elas
são muito fortemente determinadas pelas mudanças do mundo do
trabalho num país onde o capitalismo é dependente e associado.

82
A miséria e o desemprego crescem vertiginosamente, a ponto de
termos, em 1999, penúltimo ano do longo século XX, 19% da população
economicamente ativa desempregada, e 32 milhões de pessoas abaixo da
linha da pobreza, segundo as estatísticas oficiais. Outro fator importante
dos anos 1990 é o crescimento das igrejas evangélicas, que chegaram em
todas as pontas de todas as periferias do país, em parte em função dessa
miséria brasileira, em parte pelos “equívocos” da Igreja Católica, que
condenou a teologia da libertação, por sua ação direta e sua visão
transformadora da miséria. Essas igrejas passam a lucrar bilhões,
constituindo-se como um “setor industrial” importante na economia do
amparo e do desespero no Brasil. Estava pronto o caldo político perfeito
para a sustentação de vereadores, prefeitos, governadores e presidentes
demagogos ultraliberais. Estes souberam manipular as massas que, em
geral, não passaram por uma educação política e vivem em uma situação
de extrema vulnerabilidade. Foge ao nosso objetivo analisar o Brasil no
século XXI, mas essa ampla massa de miseráveis será fundamental para
eleger um presidente neofascista, genocida e irracional como Bolsonaro,
depois do curto e trágico ciclo do melhorismo lulista.
Eric Hobsbawm (1996), um dos maiores historiadores marxistas
do século XX, afirma no seu livro “A era dos extremos”, que o Brasil é o
melhor exemplo do que ele chama de era dos extremos. Um verdadeiro
abismo social se produziu no nosso país: poucos ricos e muitos pobres;
mansões e casebres; altos salários de um lado, e uma massa de trabalhadores
vivendo com um salário-mínimo ou de bicos, enfim, com a precarização
total do trabalho e da vida, de outro lado.
É neste livro que Hobsbawm também vai afirmar que iremos sair
da era dos extremos e entrar na “era do desmoronamento”. Preferimos
chamar de era da barbárie (NOVAES, 2018), mas o significado dos dois

83
termos é muito parecido e acreditamos que esse será o legado histórico da
questão social brasileira para as lutas no século XXI.
Na dimensão política, partidos conservadores passaram a ganhar
eleições nos anos 1970, destruindo as conquistas da classe trabalhadora no
pós Segunda Guerra Mundial. O capital e esses partidos políticos (como
personificações do capital) operam também uma grande mudança
ideológica-terminológica, que deu origem a uma espécie de novo
dicionário do capital.
Trabalhadores viram colaboradores, consultores, empreendedores
e time. Agrotóxicos se transformam em defensivos agrícolas, latifúndio vira
agronegócio, dentre tantas outras (NOVAES, 2018).
Na dimensão ideológico-educacional, a pedagogia das
competências, centrada em dimensões como trabalho em equipe, vestir a
camisa, inovar, conectar a teoria com a prática, passam a fazer parte do
dicionário político-ideológico das escolas profissionalizantes nos anos
1990.
Para finalizar, é possível dizer que o regime de acumulação flexível
levou a uma reestruturação do sistema escolar brasileiro. Lúcia Bruno
(2011) levanta uma importante hipótese: com o fim do Estado nacional
nos anos 1990, cabe agora às regiões onde há “polos avançados” da
economia demandar educação de qualidade. Consequentemente, vastas
regiões do país identificadas como “polos atrasados” deixam de contar com
a possibilidade de uma escola adequada para as maiorias, contribuindo
certamente para a ampliação dos bolsões de miséria e para a desigualdade
educacional num país gigante e cheio de complexidades como o Brasil.
Diante disso, é possível afirmar que a escola pública torna-se central na
produção de conformismo numa sociedade que não gera emprego ou que
gera no máximo formas de trabalho extremamente precarizadas.

84
O problema desse novo regime de acumulação é que, se na DEM,
que tinha como base o regime de acumulação taylorista-fordista, os jovens
qualificados conseguiam emprego com carteira assinada, em geral em
função das altas taxas de crescimento econômico do país, no regime de
acumulação flexível e financeirizado, o sucesso e a ascensão social da
juventude não estão garantidos. Baixas taxas de crescimento econômico,
desnacionalização da economia, abertura comercial, crescimento dos
fundos de pensão, processos de privatização colocam em xeque a famosa
bandeira: “Estude e se qualifique, que você terá sucesso”. Estudar e se
qualificar não é mais garantia de nada.
Para nós, esses são os traços mais gerais da tragédia social e da
tragédia educacional brasileira no final do século XX, que serão transferidos
como um pesado fardo para a classe trabalhadora brasileira e mundial no
século XXI.

85
Capítulo 4
Limites da Constituição de 1988 e conquistas formais
do campo educacional: um balanço a partir de
Florestan Fernandes

Introdução

A educação é o principal dilema histórico do Brasil, afirma


Florestan Fernandes (1989). O autor lança tal consideração pelo fato de
ter vivido intensamente a luta pelas melhorias da escola pública no país, ao
longo de praticamente meio século. Ele mesmo comenta que sua relação
com a temática e seus dilemas se inicia na década de 1940, quando
pesquisou sobre o folclore no bairro do Bom Retiro, em São Paulo,
trabalho que focalizava compreender a “[...] formação e a função do
dinamismo autônomo de socialização das crianças” (FERNANDES, 1995,
p. 5). No final da década de 1950, dedicou-se veementemente à
Campanha em Defesa da Escola Pública — momento em que lutou contra
as investidas que representantes das escolas privadas (leigas e confessionais)
e setores da Igreja Católica, encabeçados pelo deputado Carlos Lacerda, da
União Democrática Nacional (UDN), que se colocavam politicamente a
favor, sobretudo, de que a verba pública fosse destinada também ao setor
privado.
Mais tarde, na década de 1980, prosseguiu em sua defesa da
destinação de recursos públicos exclusiva para escolas públicas, como
deputado federal pelo PT, nos debates na construção da Constituição de

87
1988 e, por fim, nos diálogos e discussões a respeito da Lei de Diretrizes
de Bases da Educação (9.694/1996) (FERNANDES, 1976).
O incansável militante, ao analisar sua atuação nos períodos de
1940 a 1960 e de 1980 a 1990, comenta que suas experiências como
parlamentar lhe mostraram que o empenho pela estagnação das condições
da educação brasileira está ligado diretamente aos interesses das elites
conservadoras e suas representações. O discurso adotado por esses sujeitos,
ressalta o autor, estão carregados de pensamentos democratizantes (e cheios
de ideias iluministas), entretanto, utilizam seu poder de manipulação por
meio do Estado para viabilizar seus negócios, com a simplória
argumentação de que suas ações trarão certo favorecimento para o
desenvolvimento econômico e, consequentemente, melhorias na educação
(FERNANDES, 1995).
Ou seja, para Fernandes (1989), esses grupos trabalham sempre
para manter seus privilégios como classe dominante e, por essa razão,
historicamente se mobilizam ora dentro dos limites de atuação do Estado,
ora de modo violento, dependendo da conjuntura. Isso ocorreu em
diversos momentos da história brasileira, por exemplo, no golpe de 1964,
momento em que a burguesia nativa 2 e o imperialismo coordenaram de
forma truculenta e impositiva ações para a tomada do poder, como ocorreu
em grande parte da América Latina (FERNANDES, 2015). A educação,
nesse processo, era um dos elementos que se fazia presente na agenda e nos
interesses desse grupo.

2 Fernandes (2005) chama a burguesia brasileira de “burguesia nativa” pelo fato de o grupo historicamente não
ter tido — assim como as burguesias dos países representantes do capitalismo central não tiveram — a intenção
política de fomentar o desenvolvimento estrutural de posicionamento nacionalista, focalizando a formação de
uma nação soberana. Logo, a “burguesia nativa” não poderia receber o nome de “burguesia nacional” ou de
“burguesia brasileira”, pois seus intentos não correspondiam a tal postura, estando, pelo contrário, sob o
direcionamento cultural, político e econômico de projetos imperialistas.

88
Este capítulo visa analisar a participação de Florestan Fernandes na
Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), especialmente no que se
refere a suas propostas educacionais e a seu pensamento educacional.3
Em 2018, a Constituição completou trinta anos. Naquele ano,
foram feitas inúmeras reflexões sobre a Assembleia Nacional Constituinte
(ANC), suas conquistas legais e entraves históricos.
Adotamos três conceitos centrais na obra de Florestan desde o final
dos anos 1950 (LEHER, 2012): a) a superação dos resquícios coloniais que
ainda permanecem vivos na sociedade brasileira, b) a luta dos trabalhadores
da educação e a formação da autoconsciência dos de baixo, e c) a defesa da
verba pública somente para a escola pública.
A Constituinte de 1987-1988 foi palco de intensas lutas pelo
avanço da educação brasileira, em geral como resultado das lutas
impulsionadas pelo Fórum em Defesa da Escola Pública. Sua expressão
como marco histórico reverbera na realidade atual, pois ainda é a Carta
Magna de 1988 que conduz legalmente o Estado brasileiro.
Florestan Fernandes foi um dos importantes personagens desse
momento da história recente do Brasil. Representante da classe
trabalhadora e dos esquecidos, sua atuação se destacou tanto por sua pessoa
como por sua luta ao longo toda uma trajetória de militância. Não
obstante, a raridade desse tipo de intelectual público se reforça não apenas
pela participação de Florestan nesse momento decisivo da história
brasileira — em que soube aproveitar a abertura histórica e as
potencialidades da ANC — mas também por sua percepção precisa de que
a chamada redemocratização não se concretizaria, e muito menos de que

3 As duas principais obras de Florestan Fernandes sobre o tema educação são: “Educação e sociedade no Brasil”

(1966) e “O desafio educacional” (1989). Ambas estão sendo utilizadas na presente pesquisa. Um dos estudos
em que o autor cita números para embasar seus argumentos encontra-se em outra obra de 1989, cujo título é
“A reforma educacional” (FERNANDES, 1989, p. 124).

89
as classes proprietárias perderiam o controle da transição (NOVAES;
OKUMURA, 2020).
Espera-se, assim, que o presente texto possa contribuir para
reflexões sobre o pensamento educacional de Florestan Fernandes — e,
principalmente, para a formulação de ações conscientes orientadas à
resolução dos graves problemas da educação brasileira —, oferecendo ao
leitor algumas bases para compreendê-los e transformá-los.

Florestan Fernandes na Constituinte (1987-1988):


candidatura e início dos trabalhos

No rescaldo da ditadura empresarial-militar, era praticamente


obrigatória a criação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Florestan
Fernandes foi eleito, em 1986, deputado federal constituinte pelo PT, com
mais de 50 mil votos 4, numa campanha em que suas propostas levavam o
conteúdo histórico de sua militância. 5 Soares (1997) comenta que esse fato
expressa a importância e a influência que o antigo professor da USP tinha
sobre os eleitores, identificados não somente com estudantes e colegas de
universidade, mas com toda a população. A vitória nas urnas representava
sua luta histórica como intelectual que encabeçou manifestações a favor da
escola pública, lutou contra ditadura, sofreu o exílio e não se entregou às
imposições do regime. Florestan Fernandes representava uma postura
combativa e consciente ante os dilemas brasileiros.

4 É importante ressaltar que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, nessa oportunidade, teve 650 mil votos. Sua
expressiva eleição teve o êxito de levar outros colegas do PT a participarem da ANC de 1987-1988. Os
deputados federais constituintes petistas, no
total, foram dezesseis: Benedita da Silva (RJ), Eduardo Jorge (SP), Florestan Fernandes (SP), Gumercindo
Milhomem (SP), Irma Passoni (SP), João Paulo (MG), José Genoíno (SP), Luiz Gushiken (SP), o próprio Lula
(SP), Olívio Dutra (RS), Paulo Delgado (MG), Paulo Paim (RS), Plínio de Arruda Sampaio (SP), Virgílio
Guimarães (MG), Vítor Buaiz (ES) e Vladimir Palmeira (RJ) (CERQUEIRA, 2004).
5 Os negros, os índios, as mulheres, os idosos, as pessoas com deficiência física e intelectual e os GLS — sigla

utilizada na época para gays, lésbicas e simpatizantes (FERNANDES, 2006).

90
Em sua candidatura, as propostas para a educação estavam
sintetizadas em duas:
A privatização do público tem sido uma tradição milenar no Brasil,
em todas as esferas de atividades, da economia à educação, como
praxe de um capitalismo selvagem de origem colonial. Chegou a hora
de a Constituição colocar um ponto final nessa tradição, proibindo a
transferência de renda das classes trabalhadoras e despossuídas para as
classes dominantes e capitalistas, por vias diretas ou indiretas, forjadas
através dos gastos e orçamentos do Estado. Dinheiro público para
serviços públicos, como a estatização correspondente do sistema
escolar, do sistema de saúde, do sistema bancário, do sistema de
transporte, do sistema de moradia popular etc.

A igualdade dos cidadãos perante a lei possui um corolário inevitável:


a igualdade das oportunidades educacionais. Democracia exige
educação das elites e das classes dominantes para aceitar como iguais
e como parceiros (no plano do contrato ou no da vida pública)
aqueles que lhes são socialmente ‘inferiores’. Democracia exige
também educação das classes trabalhadoras e destituídas, tanto para
se verem como ‘cidadãos’, membros prestantes da nação e do Estado,
quanto para serem desiguais, preservarem sua identidade de classe,
raça, de etnia ou de ‘pobres’. O ideal burguês de uma Constituição
niveladora já foi ultrapassado. As contradições econômicas da
sociedade capitalista têm de conviver com as outras contradições, que
não podem ser eliminadas formalmente ou por meio de ficções
constitucionais bem-intencionadas. Por isso, a Carta Magna terá de
prever a revolução educacional, que não foi consumada até hoje, após
quase um século de suposto convívio republicano. A ditadura agravou
de tal maneira os problemas educacionais que existiam na década de
1960, e as transformações recentes da economia, da sociedade civil,
da modernização cultural e social ou da posição do Brasil no mundo
foram profundas, que se impõe reedificar todo o sistema educacional,
de alto a baixo. A comercialização e a tecnificação do ensino e das
pesquisas, a degradação do prestígio e dos salários dos professores, a
obsoletização das escolas em todos os graus e a massa de estudantes

91
pobres com várias carências exigem que escola e sociedade sejam
pensadas como realidade interdependentes. Só nessa esfera, tão
negligenciada no passado, o Congresso Constituinte precisará revelar
uma capacidade criadora com mil facetas. E essa tarefa complexa é
muito difícil nesta transição para o século XXI, na qual só ‘educar
para a liberdade’ é para uma ‘sociedade democrática’ falaciosa, no que
se confundia educação com dominação cultural e ideológica, escola
como equivalente da fábrica, produzindo a cabeça de milhões de
dominados e de subalternizados. Hoje, trata-se de educar para que o
cidadão conviva e conflite com o trabalhador e, assim, as contradições
entre o ser e o vir-a-ser engendrem, historicamente, uma revolução
democrática permanente (FERNANDES, 2006, p. 185).

As demandas educacionais dos anos 1950, advindas


principalmente das mobilizações da Campanha em Defesa da Escola
Pública, em 1959, reaparecem em seu programa político como deputado
constituinte.
A destinação da verba pública somente para o setor público está
presente como ponto fundamental seja em 1959, seja em 1986. Por qual
motivo? Pelo fato de o Brasil não ter condições estruturais para atender a
toda a população no que tange ao acesso à escola e à permanência
estudantil. Para Florestan Fernandes, esse seria o primeiro passo concreto:
dar ao setor público condições para atender e ofertar oportunidades de
permanência na escola à toda população.
A Campanha em Defesa da Escola Pública de 1959 também
levantou o debate sobre as formas pedagógicas hegemônicas e obsoletas
que vinham sendo aplicadas no Brasil, sobre o aprofundamento do
mercado educacional, sobre a pesquisa que o período empresarial-militar
(1964-1985) instaurou, e, principalmente, sobre o problema histórico da
democracia brasileira.

92
O professor e militante histórico das causas educacionais trazia em
seu discurso toda sua bagagem intelectual e prática para tão importante
momento. Certamente, concordando com Soares (1997), sua figura foi
aceita, eleita e seguida por diversos grupos, que, em algum momento,
foram representados em suas falas, lutas e pesquisas.
A divisão dos grupos de trabalho da ANC foi pensada da seguinte
forma: haveria oito comissões temáticas e uma comissão de sistematização.
As oito comissões temáticas foram subdivididas em 24 comissões, que
seriam responsabilizadas pela condução dos debates e pela escrita do
processo de elaboração da Constituição. Entre elas, Florestan Fernandes
participou da subcomissão de educação da família, educação, cultura e
esportes.
Essa sistematização do rito 6 e dos processos de trabalho, apesar das
contradições relacionados aos diversos interesses políticos, seria
fundamental para que todas as representações participassem efetivamente
e, sobretudo, para que as demandas políticas específicas vindas dos partidos
fossem contempladas nas propostas das mesas temáticas.
Assim, iniciou-se a jornada que levaria mais de um ano e muitas
lutas para a tomada de espaços políticos na nova Carta Magna. Esta regeria
esse novo momento em que o país ultrapassava 21 anos de ditadura e
vislumbrava a possibilidade de recomeçar e de reconstruir-se sobre bases
legais democráticas.

6 O ritual que regeria o processo de elaboração da Constituição de 1988 foi pensado e acordado para que

houvesse coerência na sistematização do texto. A Constituinte de 1987-1988 iniciou-se com as delimitações e


as deliberações do regimento interno. Sua estrutura organizativa se pautava em dois pontos fundantes: o
alinhamento da organização e o direcionamento dos trabalhos. Ou seja, primeiro se definiu como seriam os
processos, as etapas, os formatos das propostas, as distribuições de cargos e as funções dos parlamentares, a
participação, os instrumentos e os processos para a votação e, em seguida, quais seriam os limites da soberania
do documento, suas possíveis alterações, seu relacionamento efetivo com o Poder Executivo em geral e de que
forma o documento seria compatível com o funcionamento concomitante do Congresso Nacional
(NOGUEIRA, 2010).

93
A necessidade de superação dos resquícios coloniais

A educação no Brasil é, historicamente, um instrumento de


exclusão e legitimação do status quo. Para Fernandes (1988, p. 32), “[...] o
principal dilema com que se defronta a Assembleia Nacional Constituinte
de 1987-1988: [é] o da educação”. Os privilegiados monopolizavam as
oportunidades escolares e dominavam a cultura. Por essa razão, esse dilema
é, a priori, uma questão política.
Fernandes (1989), frente a tal afirmativa, destaca que o
aprofundamento da dependência econômica brasileira ocorrida após o
golpe de 1964, fruto das relações de dominação impostas pelo
imperialismo norte-americano, deixaram ainda mais frágil a situação de
dependência econômica, política e cultural nos países da periferia do
capital. Entre esses aspectos, situa-se a educação.
A necessidade de rompimento com os traços ainda coloniais e de
dominação cultural imperialista — produto das relações servis tidas desde
o século XVI — e, mais recentemente, de dominação econômica imposta
pelos países de capital central, para Fernandes (1989), era uma das
principais problemáticas do período.
Tanto que, na sessão da ANC de 13 de agosto de 1987, Florestan
Fernandes destaca a necessidade de todos os cidadãos terem acesso a uma
escola comum, ou seja, o acesso ao mesmo formato de escola,
independentemente da classe social. Em outras palavras: a democratização
do acesso à educação — a abertura do acesso a massas à escola — e a
modificação sistemática do acesso aos conteúdos de modo igualitário —
sem discriminação social e econômica. Essa mudança seria fundamental
para superar nossos traços coloniais e de fato conquistar a democracia. Sem

94
educação pública de qualidade, não haveria democracia e nem
redemocratização
Como uma das características históricas da educação no Brasil foi
a exclusão, a falta de oportunidades iguais não apenas prejudicou as
questões educacionais como também intensificou a miséria, a fome e as
possibilidades da classe trabalhadora e dos oprimidos de tomar consciência
de sua própria condição como classe explorada. Com essa lógica de
reprodução das desigualdades e das condições subalternas, sem a
provocação de rupturas ou avanços democráticos, o sistema escolar seguiria
a serviço dos privilegiados. Para o deputado, a função do sistema escolar,
nesse sentido, sem as mínimas condições estruturais de atender à classe
trabalhadora e lhe ofertar a oportunidade de estar no sistema, seria a de
formalizar a continuação desse tipo de sociedade que prega a igualdade em
sua essência, mas que, nas condições concretas, ainda está presa a um
passado regido pela lógica escravocrata e, ao mesmo tempo, acorrentada
num discurso liberal ludibriador que compreende, prega e conceitua a
democracia à sua maneira.
Há, portanto, uma necessidade de criar possibilidades legais para
que haja condições estruturais de a população ser atendida e permanecer
na escola. No quesito da prática pedagógica, é necessário que a escola esteja
atrelada a um movimento que vise à independência nacional, política,
econômica e cultural, e que dê subsídios para que a comunidade escolar,
primeiramente, se emancipe desses laços excludentes e reprodutores do
passado e, segundamente, dê bases para o fomento de um cenário que
almeje à revolução democrática e educacional permanente. Para Fernandes
(1988), mesmo sabendo que não havia um cenário para que a revolução
socialista ocorresse, a revolução educacional seria a base para o engendro
das demais revoluções.

95
Diante dessa questão, ele propõe, como projeto de dispositivo
constitucional que:

Art. A Educação Escolar é um direito fundamental, universal e


inalienável. Todos devem ter oportunidades iguais de acesso à
Educação Escolar e a seus frutos, ao desenvolvimento pleno da
personalidade humana, à aquisição de aptidões para o trabalho, à
formação de uma consciência social crítica e à preparação para a vida
em sociedade democrática (FERNANDES, 1988, p. 119).

No artigo proposto, Florestan Fernandes evidencia que o acesso à


educação é um direito de todos. A conquista legal desse direito seria um
grande avanço para a os de baixo. Além do acesso, Fernandes (1988), para
garantir melhores condições de permanências estudantil, propõe que as
famílias de baixa renda, para terem condições de manter seus filhos na
escola, acessem a escola (desde a pré-escola até a universidade) e recebam
subsídios (material escolar, transporte, alimentação, assistência
pedagógica, médica, odontológica etc.).
O analfabetismo, outro ponto problemático enfrentado pela
população pobre, foi contemplado em suas propostas. Fernandes (1988)
comenta que a marginalização cultural, o analfabetismo e a miséria fazem
parte dos principais problemas do Brasil e que expressam as reais
condições da grande maioria da população frente aos avanços trazidos
pela tecnologia, as formas e relações de trabalho moderno e suas
necessidades formativas, sobretudo, como forma para que trabalhadores
e pobres alcancem autonomia para compreender e ter condições de lutar
por seus direitos e sua emancipação.
As propostas de Florestan Fernandes na Constituinte de 1987-
1988 são, ao mesmo tempo, exigências ainda presentes, vindas da

96
dramática condição histórica do Brasil. Para ele, se o país não provocasse
tais transformações estaria condenado a reproduzir mais uma vez uma
educação com estrutura e qualidade apenas para alguns notáveis, ou seja,
uma educação para uma elite intelectual pensante e dominadora, e outra,
como já mostra a história do país, voltada a manter os de baixo na
condição de subalternos.
Percebe-se que as propostas, os debates e pensamento levantados
por Florestan Fernandes estão atrelados a um conceito fundamental em
sua teoria: o de “revolução dentro da ordem e contra a ordem”
(FERNANDES, 2005), pois estão calçadas em proposições progressistas
e socialistas. Nesse sentido, considera-se fundamental esclarecer que esses
dois pontos devem ocorrer juntos: são duas formas de atuação diferentes,
mas que devem acontecer organicamente em conjunto e de modo
permanente.
O autor compreende que, no processo político vivenciado na
construção da Constituição de 1988, há possíveis brechas que a própria
contradição do capital e o reflexo da ditadura produzem dialeticamente.
Ainda que houvesse falta de esperança devido à expressiva representação
dos setores conservadores na ANC e no controle da sociedade brasileira,
Florestan Fernandes tinha plena consciência de que a resistência dos
partidos de esquerda (ou centro-esquerda) era importante e poderia frear
os intentos advindos da articulação dos grupos opositores.
Também é importante destacar que Florestan não era ingênuo a
ponto de acreditar que mudanças legais levariam necessariamente a
mudanças profundas na sociedade. Evidentemente que as conquistas
legais seriam importantes, mas só poderiam ser efetivadas por meio de
uma verdadeira pressão social dos de baixo.

97
Em complemento ao tópico aqui abordado, a próxima seção trata
da segunda categoria: a luta dos trabalhadores da educação e a formação
da autoconsciência e a autoemancipação dos de baixo.

A luta dos trabalhadores da educação e a formação da autoconsciência


e a autoemancipação dos de baixo

Na ANC, Florestan Fernandes também defendeu o avanço das


lutas dos trabalhadores da educação e o avanço de sua consciência.
Voltaremos a este ponto no capítulo seguinte, mas é preciso
adiantar que, para Florestan, a escola não é somente um local concebido
e construído historicamente para dar acesso ao conhecimento e para a
interação e a socialização humana mas também pode ser um espaço
oportuno para despertar a consciência — do eu e do nós — como
indivíduos e coletivo nas diversas dimensões: cultural, econômica,
histórica e política. A escola, por essa razão, pode ter a função de ampliar
os horizontes intelectuais e criativos de seus alunos por meio da
construção do conhecimento, fazendo da educação um instrumento para
lidar com a vida e para atuar conscientemente na sociedade. Para
Fernandes (1989), a escola e o professor não têm a função de adestrar os
alunos como se fossem máquinas operadas por controles de outrem. Para
que haja uma formação de fato democrática, frisa o autor, faz-se
necessário que as relações (professor/aluno, escola/aluno e aluno/aluno)
sejam pautadas pelo comportamento democrático, visando à
emancipação popular. Não há possibilidade, nesse sentido, de formar o
cidadão para uma democracia vindoura, mas na própria relação cotidiana
tida nas atividades escolares. Nesse sentido, a democracia deve ser
exercitada na escola, para além de sua teorização ou necessidade fora dela.

98
Se a escola tivesse essas intenções e práticas, a formação do
trabalhador — objetiva e historicamente marcada pela opressão e pela
exclusão social — possibilitaria relações mais libertadoras, pois ofereceria
a ele condições ao menos para pensar, refletir e criticar sua realidade.
Fernandes (1989) compreende que os avanços legais seriam fundamentais
tanto para garantir a oferta desse tipo de formação como para haver êxito
e avanços nesses pontos, conforme já se destacou.
O processo constituinte no qual estava participando, mesmo com
algumas possibilidades de progressos, devido à mobilização dos
movimentos organizados pela sociedade civil, não romperia
abruptamente com a lógica sistematizada pelo modo de produção
capitalista, pois as instituições e suas estruturas são aparatos de dominação
próprios da sociedade burguesa. Também é necessário sublinhar que o
mundo caminhava para um aprofunda-mento do neoliberalismo e para o
desmantelamento da sociedade soviética.
Fernandes (1989) demostra claramente que não havia condições
materiais para a deflagração de uma revolução que possibilitasse a
transição para outro modo de produção. Naquele momento, no que se
refere à questão educacional, estava aberta a possibilidade de progressos
legais (que o autor denomina “revolução educacional”) e de uma
revolução democrática. Criar condições amplas para que a classe
trabalhadora não só acessasse mas permanecesse, pensasse, criasse e
refletisse uma escola e uma universidade de acordo com seus intentos
políticos como cidadãos seria já uma grande conquista para a educação
brasileira.
Dois pontos fundamentais nessa categoria, que aparecem nas
oportunidades de fala, no pensamento e nas propostas de Florestan
Fernandes na ANC de 1987-1988 são: a importância da luta de
professores, alunos, funcionários e grupos organizados como defensores

99
da educação pública, e a possibilidade da autoemancipação da classe
trabalhadora pelo acesso e pela condução de sua própria educação.
Na sessão da Assembleia Nacional Constituinte do dia 23 de março
de 1987, apesar de todas as dificuldades, Florestan parabeniza as
importantes conquistas que os profissionais da educação obtiveram, entre
elas, a isonomia salarial para os funcionários e professores universitários.
Colocando-se como apoiador da causa, Florestan comenta que esses grupos
se mostraram dispostos a ir até as últimas consequências para obter suas
solicitações. Como se trata de uma questão de justiça, na concepção de
Florestan, o parlamento deveria apoiar esses grupos e tratá-los como
prioritários, pois eles expressam a luta histórica da defesa tanto da escola e
da universidade públicas como da ciência nacional.
Na sessão da ANC de 23 de novembro de 1987, Florestan observa
a importância da participação e da iniciativa popular na construção e nos
debates da nova Constituição. As audiências públicas serviam como
espaço para a efetivação da participação, pois permitiam que os grupos
organizados — representantes de diversas instituições e mobilizações —
levassem a público suas propostas e as debatessem. Foi nesse espaço que
puderam propor e expor suas demandas educadores, intelectuais,
estudantes e profissionais da educação que vinham se organizando em
coletivos como, por exemplo, a Associação Nacional de Educação
(ANDE), a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
(ANDES), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd), o Centro de Estudos Educação e Sociedade
(CEDES), o Centro do Professorado Paulista (CPP), a União Nacional
dos Estudantes (UNE), o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea
(CEDEC) etc.
A população aguardava uma nova Constituição que trouxesse
significativas transformações. Entretanto, segundo Florestan, as portas do

100
Congresso Nacional foram se fechando para o povo. Isso ocorreu pelos
avanços que as propostas vindas dos movimentos estavam causando dos
debates temáticos. Fernandes (1988) denuncia a atuação e a postura
truculenta da ANC pelo fato de haverem sido tomadas decisões sem sequer
levar em conta as diversas propostas vindas dos movimentos sociais,
associações e grupos organizados, frutos da mobilização da sociedade civil.
Diante disso, Florestan questiona publicamente a representação da
Constituinte, perguntando se ela de fato estava atendendo às expectativas
do povo e se enfrentava os principais problemas que dizem respeito à
modernização do Estado. E considera que, devido ao comportamento de
bloqueio da participação efetiva do povo, as demandas e esperanças das
massas ficaram longe do projeto constituinte (FERNANDES, 1988).
O grande erro da exclusão da participação da iniciativa popular
estava no método utilizado no processo de debate e de escrita, após a etapa
que das subcomissões. Florestan comenta que houve muitas reflexões de
alto rigor científico e pedagógico que as instituições (ANDES, UNE, CPP
etc.) e os representantes das nações indígenas e dos negros apresentaram.
Contudo, entre a sistematização dessas ricas contribuições e a efetivação
do anteprojeto, não havia a possibilidade nem o espaço para incluí-la
democraticamente e criteriosamente. Florestan comenta nessa sessão que
o anteprojeto da subcomissão já estava estruturado pelo relator, assim, não
havia espaços para inclusão ou modificação. Em suas considerações sobre
essa problemática, Fernandes (1988, p. 45) afirma que, “quando se fala em
transição democrática, fala-se também na continuidade da herança
ditatorial. Fala-se de uma maneira branda em entulho autoritário, ou, de
uma forma mais severa, em uma ordem ilegal”. Ou seja, a aparência
democrática “vendida” em todo o processo constituinte, na realidade, em
sua essência, estava coberta de trejeitos autoritários e resquícios dos 21 anos
de ditadura empresarial-militar.

101
A participação dos grupos populares foi aos poucos bloqueada e
asfixiada pelos representantes da elite brasileira. Florestan, esperançosa-
mente, nessa sessão lutava pelo resgate da participação das representações
e grupos no processo constituinte. Ele tinha clareza de que, sem essa
mobilização desses grupos — que representavam a oposição —
dificilmente os resultados da Constituição seriam exitosos.
Tal fato relatado por Florestan descreve como a mitigação da
democracia acontece no interior do Estado “democrático”. A escola, para
Fernandes (1966; 1977; 1989) era uma dessas representações, pois, além
de não oferecer condições de acesso e de permanência para todos, ainda
servia como um dos aparatos do Estado, que, de modo sistematizado,
domina politicamente os de baixo.
Em outra oportunidade, na sessão da Assembleia Nacional
Constituinte de 24 de abril de 1987, Florestan se mostra indignado pela
falta de consideração do Congresso Nacional para com os professores que,
lutando civilizadamente em prol da melhoria da educação brasileira,
tiveram sua entrada no parlamento bloqueada (FERNANDES, 1988).
O bloqueio ocorreu pelo fato de os professores, em manifestações
e em greve, irem a Brasília para reivindicar por melhorias na escola pública
e nas condições de trabalho. Para isso, eles lutavam pela definição
orçamentária em nível federal de 18% e 25% para os Estados e municípios;
pela aposentadoria aos 25 anos de contribuição aos professores; pela
necessidade de estruturação do plano de carreira; por direitos de piso
salarial; pelo direito de sindicalização de funcionários públicos; pela
estabilidade para os profissionais da educação com tempo de trabalho
acima de cinco anos; pelo direito de integralidade do 13º salário; pela
gratificação de 1/3 de salário referente às férias; pelo direito de as entidades
entrarem com ações coletivas em nome de seus associados etc.
(PINHEIRO, 2015).

102
Observando a luta dos profissionais da educação, Fernandes (1988,
p. 77) comenta sobre a triste condição do professor brasileiro:

É preciso que se entenda a luta dos professores, a amargura dessa luta,


a humilhação dessa luta. Aqueles que dão tudo de si para educar filhos
de outros pais, aqueles que sacrificam o seu tempo, o seu ser, para
reproduzir o conhecimento, para criar uma sociedade democrática
dentro de um mundo rústico e selvagem, são reduzidos a um salário de
fome, são tratados como miseráveis, não encontram quem os ouça,
nem entre os donos das escolas particulares, nem no Estado,
proprietários das escolar públicas, nem mesmo o Governo biônico do
Distrito Federal, um homem ilustrado mas que, ao mesmo tempo,
deslustra a sua condição de intelectual ao se recusar a entender o
significado dessa greve e a necessidade de dar fim a esta situação que
vivemos.

Os professores, apesar das barreiras impostas, traziam suas


solicitações e bandeiras em manifesto pela educação pública brasileira. A
militância política dos docentes, para Fernandes (1988), assemelhava-se a
uma batalha de guerra, pois a qualquer momento eles podiam ser
violentados fisicamente pelo governo “democrático”.
Na sessão da ANC do dia 7 de maio de 1987, como previsto pelo
autor, o desrespeito pelos professores chegou ao extremo. Quando o
professor se mobiliza em busca de mudanças, é recebido com violência pelo
Estado. A possibilidade de diálogo entre as partes — professores e Estado
— é recebida, por parte do Estado, com rispidez, a fim de oprimi-los a
amedrontá-los. Para Fernandes (1988), essa postura autocrática expressava,
de modo explícito, a permanência da ditadura empresarial-militar (1964-
1985) que, naquele momento, travestia-se com roupagens de “Nova
República”.

103
Para Fernandes (1989), o professor no Brasil — país da periferia
do capital — não pode atuar somente como mero mediador entre as
estruturas do Estado e o aluno, não pode somente ensinar o ABC e
reproduzir uma ordem estabelecida. Precisa, antes de mais nada, ser um
cidadão rebelde, representante da classe trabalhadora e que atua
profissionalmente de modo a provocar, politicamente, as mudanças sociais
necessárias para a construção da revolução democrática e educacional.
Nesse sentido, o professor seria um dos principais representantes a compor
essas revoluções.
Nas práticas escolares, o papel do professor seria o de dar a
possibilidade de o educando, por meio das ações e do acesso aos conteúdos,
formar sua consciência, ou seja, a possibilidade de o filho do trabalhador
se compreender como classe. Para buscar esse objetivo, o professor precisa
educar o trabalhador para que este possa ter condição de participar
democraticamente como cidadão e, ao mesmo tempo, compreender sua
posição econômica, política, histórica e cultural como classe, bem como as
imposições que a educação capitalista lhe impõe (FERNANDES, 1989).
Fernandes (1989) comenta que, na formação dos sujeitos nas
relações escolares, pela evidente intencionalidade dominativa e excludente
imposta aos oprimidos, para haver mudança, seria necessário promover,
inicialmente e via democracia (revolução dentro da ordem), a formação da
consciência e da autoemancipação da classe trabalhadora diante sua
realidade concreta.
A educação socialista e democrática, aplicada nas escolas, seria a
forma de construir uma sociedade mais igualitária. Para Okumura (2019),
a luta pela educação democrática empreendida por Florestan é fruto de
consequências históricas, tidas nesse momento como reflexo das atuações
educativas do período ditatorial. Em suas palavras:

104
A colonização das ‘cabeças e corações’ refletidos na perpetuação e
aprofundamento do modo de produção, posição que transcendeu toda
a história da educação no Brasil, e acentuou-se no período ditatorial
(1964-1985), para que houvesse a reconstrução do sentido nas relações
escolares, Florestan Fernandes suscita o importante debate sobre os
fundamentos e práticas pedagógicas utilizadas no contexto da educação
escolar. A autoemancipação pedagógica seria uma das principais
formas de desalienação da classe trabalhadora e dos oprimidos de se
esquivar do projeto sistêmico de reprodução de sua desfavorável
posição (OKUMURA, 2019, p. 131).

Para Fernandes (1988), o “pacote educacional e pedagógico”,


instituído pelo acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência
dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na
sigla inglesa), foi um dos exemplos do que tornou a educação brasileira
“escrava” das imposições imperialistas norte-americanas.
Para o autor, não havia dúvidas de que o controle da escola e da
ciência produzida nos países da periferia do capital estava na agenda das
políticas de dominação cultural, política e econômica que, nesse período,
encontrou abertura para sua aplicação.
Frente aos fatos, Fernandes (1988, p. 122), por meio de um projeto
de lei, propõe que:

Art. A escola é uma unidade básica do Sistema de Educação Brasileiro


e a sala de aula um ponto de partida e o ponto terminal do ensino como
atividade pedagógica. Nelas todos são agentes e todos possuem papéis
ativos na experimentação pedagógica, como processo recíproco de
transformação do educador e do educando. Cabe à escola e à sala de
aula papéis dinâmicos e específicos: a vinculação de algumas formas de

105
trabalho manual, de atividades recreativas e de práticas esportivas ao
ensino, como condição de amadurecimento concomitante das
potencialidades perceptivas e cognitivas do aluno como fato de
incremento dos laços de camaradagem e de solidariedade humana; a
associação dos vários tipos de conhecimento, do folclore, às artes, às
ciências e às filosofias como base de elaboração de um horizonte
intelectual equilibrado; a formação da consciência social democrática
do cidadão e a construção de uma cultura cívica civilizada; a
identificação, a crítica objetiva e o combate ao preconceitos sociais
contra os indígenas, o negro, os brasileiros estigmatizados por serem
oriundos de regiões rústicas ou subdesenvolvidas, os pobres, os
favelados, os portadores de deficiência física ou mentais, as mulheres,
os idosos, os filhos ilegítimos e os menores abandonados, os transexuais
etc.; a inculcação do repúdio às práticas discriminatórias
correspondentes, abertas ou encobertas; o estudo e a explicação da
história real ou verdadeira do Brasil, com a explicitação dos crivos
ideológicos que fomentaram uma consciência falsa da formação e do
desenvolvimento da sociedade brasileira, com a exaltação do homem
branco e das classes dominantes e o menosprezo do indígena, do negro
e do branco ou mestiços pobres; a difusão do conhecimento dos povos
do Terceiro Mundo e em particular da América Latina, a compreensão
do papel da luta de classes na transformação da sociedade moderna e
na conquista da autonomia do Brasil em todas as esferas da organização
da economia da sociedade e da cultura.

A proposta ressalta o ambiente escolar e a sala de aula como as


principais fontes geradoras de relações democráticas, de formação da
coletividade e da fraternidade entre indivíduos e grupos. Esses espaços, na
visão do autor, com base na atuação intencional pedagógica, a cultura e a
consciência democrática na formação dos cidadãos. Nessa atuação, por
exemplo, as formas de discriminação e o pensamento individualista seriam
extenuados pelas relações igualitárias provocadas pelas experiências
democráticas. Paralelamente, Florestan Fernandes inclui em seu projeto a
necessidade de o povo brasileiro compreender sua realidade por meio dos

106
fatos passados por seus antecessores. Assim, a tomada de consciência por
parte da classe trabalhadora seria possibilitada pelo entendimento das
contradições do modo de produção capitalista, e pela observação de suas
próprias histórias e relações objetivas cotidianas.
Okumura (2019, p. 132-133), analisando a proposta de Florestan,
em relação a seu pensamento educacional na década de 1980, comenta
que:
As proposições citadas acima são reflexo de seu pensamento sobre o
papel da escola pública nos anos 1980. Diferente da ideia de ser
somente um espaço que promova a formação democrática do cidadão
crítico e participativo, a escola teria que ser um local onde a classe
trabalhadora pudesse tomar a direção do seu saber, conduzisse e
produzisse suas práticas e conteúdos educacionais, e alcançasse sua
autoemancipação pela consciência de classe revolucionária.

Com o intuito de viabilizar a autonomia administrativa da escola,


Fernandes (1988, p. 123) propõe a criação dos Conselhos Escolares:

Art. Ficam criados os Conselhos Escolares, que funcionarão como


órgão de assessoria e como elementos de ligação entre a comunidade
escolar, a administração da escola e o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Educacional. Em sua composição deverão estar
representantes, paritariamente, os professores, os alunos, os
funcionários, e/ou representantes da Associação de Pais. Sua
composição e atribuição deverão ser reguladas pela Lei e Diretrizes de
Bases da Educação Nacional.

Todas as representações são citadas em seu projeto de lei para que


houvesse a possibilidade de ações democráticas na decisão no âmbito da
administração escolar. A participação efetiva de profissionais da educação,

107
alunos e pais (comunidade escolar) estava balizada com o mesmo peso e
poder de deliberação. Em complemento a essa proposta, Fernandes (1988)
inclui a necessidade de os representantes da escola serem eleitos pela
comunidade:
Art. Os diretores e vice-diretores, os reitores e os vice-reitores das
escolas ou dos estabelecimentos de ensino de todos os níveis e graus são
eleitos pela comunidade escolar, entre candidatos selecionados e
indicados pelo Conselhos Escolares.

Parágrafo único. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


garantirá os direitos dos diretores e supervisores efetivos e da escolha
dos já concursados e regulará o provimento dessas funções através de
eleições.

A proposta compunha mais um mecanismo “dentro da ordem”


que possibilitaria experiências democráticas à comunidade escolar. Nesse
processo, a legitimação da representação do grupo traria ao coletivo o
fortalecimento político e, em diálogo com seu pensamento educacional,
maiores viabilidades de transformar o ambiente escolar num espaço
apropriado e regido pela classe trabalhadora.
Em consonância com as demandas históricas das lutas
empreendidas pelos professores por melhores condições de trabalho na
profissão docente, pelo desenvolvimento da ciência e da universidade no
Brasil, e pela autonomia pedagógica das escolas, Fernandes (1988, p. 123)
propõe que:
Art. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Educacional indicará,
em conformidade com o que for estabelecido pela Lei de Diretrizes de
Bases da Educação Nacional: 1º) como se organizarão as diversas
categorias de carreiras unificadas no magistério, garantindo a isonomia
salarial, a provisão de cargos e funções por concurso público de títulos
e provas, salários condignos e condições e eficientes de trabalho,

108
aposentadoria com proventos integrais e direitos à sindicalização; 2º) a
íntima associação do ensino à pesquisa, especialmente na universidade,
de modo a assegurar um padrão mínimo comum de qualidade em
todas as instituições, a promover a expansão da pesquisa em todos os
campos do saber e através dela conquistar a autonomia cultural,
artística e tecnológica do País e contribuir para a melhoria das
condições de vida, trabalho e participação política da maioria da
população brasileira; 3º) como as comunidades escolares, através das
Conselhos Escolares, orientarão a seleção, a produção, a tradução e a
edição de livros didáticos, com vistas a resguardar sua qualidade e a
consagrar os princípios do pluralismo intelectual.

Parágrafo único. A aposentadoria integral dos professores ocorrerá aos


25 (vinte e cinco) anos de trabalho e a aposentadoria proporcional aos
20 (vinte) anos de trabalho.

Nessa oportunidade, Florestan trata de pontos fundamentais, que


representavam sua luta histórica pela educação brasileira: a necessidade de
melhores condições de trabalho para a atuação docente tanto em salário
quanto em qualificação formativa; a necessidade de a universidade atuar
como instituição que não somente forma e faz pesquisas visando à atuação
do mercado mas que tenha tais ações como norte para o desenvolvimento
do país, buscando autonomia cultural, artística e tecnológica; e a
necessidade de as representações eleitas pelas escola poderem pensar e
escolher os materiais didáticos que comporão suas práticas pedagógicas
frente à sua realidade e respeitando o pluralismo de ideias, o que seria
condição fundamental para a formação científica e democrática
(FERNANDES, 1966, 1989, 1995).
Sobre isso, é importante destacar que o sociólogo vivenciou a
crescente precarização das condições de trabalho dos docentes. Florestan
faleceu em agosto de 1995, portanto, não acompanhou todas as políticas
educacionais que viriam a ser implementadas no governo de Fernando

109
Henrique Cardoso (1995-2003). Entretanto, era possível perceber que elas
não iriam solucionar as péssimas condições de trabalho da educação
brasileira. Para viabilizar a busca de autonomia nacional das universidades,
Fernandes (1988, p. 124) propõe em seu projeto que:

As universidades receberão suas dotações orçamentárias em tempo


hábil para projetar seus programas de ensino, pesquisa e expansão, em
termos da mais completa autonomia pedagógica, cientifica e técnico-
administrativa.

Como ex-professor da USP — e, por isso, ciente das condições


internas da instituição e de suas necessidades —, o autor salienta na
proposta que a verba pública destinada à universidade brasileira seria
administrada e aplicada conforme as deliberações e o planejamento
efetivados pela própria instituição.
Pode-se afirmar que as propostas de Florestan Fernandes estão
alicerçadas nos conceitos de “revolução dentro da ordem” e de “revolução
contra a ordem”. Todas as ações feitas dentro da legalidade — ou por meio
dos avanços mediados pelo Estado burguês — seriam caracterizadas por
“revoluções dentro da ordem”, por exemplo, a proposta da autonomia
administrativa das universidades. Já as propostas atreladas ao conceito de
“revolução contra a ordem” — ou seja, as ações que possibilitavam avanços
no sentido de superar o modo de produção capitalista — seriam aquelas
que possibilitariam à classe trabalhadora pensar, refletir, estruturar e
praticar tanto sua própria educação como mudanças profundas no mundo
do trabalho, tendo em vista sua emancipação.
Por exemplo, quando o autor propõe a possibilidade de as
representações escolares serem eleitas e de terem uma composição
equitativa e deliberativa, abre condições para que os sujeitos atuem na

110
escola e busquem compreender sua posição como classe, pois, do contrário,
as imposições colocadas de cima para baixo pelo Estado, não as
possibilitariam. Esse exemplo, por assim dizer, seria de início “dentro da
ordem”, com pretensão futura de atuação “contra a ordem”.
O ambiente escolar pensado pelo autor seria o local no qual o
desenvolvimento intelectual dos filhos da classe trabalhadora pudesse se
dar sem os ditames das práticas pedagógicas impostas pelo “ideal”
hegemônico. Assim, as crianças e os jovens não se submeteriam — mesmo
inconscientemente — à reprodução sistemática do capital. Para Fernandes
(1989), era crucial a ruptura dessa corrente para que a escola se tornasse
uma instituição em que os oprimidos buscassem a formação da
autoconsciência e a autoemancipação (cultural, intelectual e política). Se
assim fosse, o cenário concreto para a construção de uma sociedade mais
justa se mostraria possível.
Vale salientar que Florestan Fernandes tinha plena consciência das
contradições do capitalismo brasileiro. Ele não coloca as proposições como
um idealista, mas como marxista que compreende a conjuntura e sabe de
seus limites estruturais diante da realidade concreta. Como parlamentar,
suas colocações e propostas foram expostas como oposição, e sua atuação
se limitava aos ritos constituídos pelo Estado. Certamente, quando se lê
seu pensamento como intelectual e militante, é visível seu posicionamento
marxista.
Na próxima seção, será abordada a última categoria proposta na
presente pesquisa: a verba pública somente para a escola pública.

111
Verba pública somente para a escola pública

Para Florestan Fernandes, não há de fato um Estado democrático


sem que o acesso e as condições de permanência na escola para todos sejam
estabelecidos. Retomando a luta pela escola pública nacional — militância
que vinha desde a Campanha em Defesa da Escola Pública, de 1959 —,
em mais de uma oportunidade, ele coloca em pauta essa emergência: verba
pública para a escola pública (ou o setor público).
Por razão do estacamento da expansão da escola pública, para
Fernandes (1989), não havia motivos razoáveis para que a verba pública se
destinasse, como forma de auxílios ou bolsas, às escolas privadas. Na
década de 1960 — contexto cujos debates precederiam a construção e a
elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional —
, emergem argumentos que preconizavam que o cidadão teria o direito de
escolher o tipo de escola que seus filhos iriam frequentar. Contra esses
argumentos, Fernandes (1989, p. 20-21) comenta que:

No parecer, com que me honrou o Sr. Relator, vem dito que é


necessário manter esse princípio de atribuir recursos públicos a escolas
privadas, de uma forma direta ou por bolsas de ensino, para garantir o
pluralismo educacional. Ora, o pluralismo educacional não depende
da verba pública. Ao contrário, ele exige que, ao lado da escola pública,
exista a escola confessional e também a escola que vive de seus lucros,
que comercializa o ensino, que transforma o ensino em mercadoria.

Em resposta aos opositores, Fernandes (1989, p. 21) diz que:

Devo lembrar a todos que arcaica e superada é a posição de se pretender


que o ensino confessional seja alimentado pela verba pública, pelos

112
recursos públicos, porque vem desde o início da República o combate
da Igreja Católica contra a expansão do ensino público. E foi na década
de [19]30 que os grandes intelectuais da Igreja Católica desenvolveram
uma campanha tenebrosa contra os pioneiros da Escola Nova. Esses
mesmos representantes de um pensamento pedagógico obsoleto
aliaram-se às escolas privadas comercializadas para oferecer, em 15 de
janeiro de 1959, um desastrado substitutivo ao Projeto de Diretrizes
de Bases da Educação Nacional, que era, verdadeiramente, inovador e
necessário.

Para Fernandes (1989), a nova Constituição deveria canalizar suas


forças para deliberar ações que, por meio das leis, contemplassem o setor
público, e não o contrário. Como representantes do povo, os deputados
estavam presentes para pensar embasamentos legais sistematizados em prol
da construção da democracia e, certamente, do desenvolvimento da escola
pública, no que tange à sua estrutura de atendimento, à sua qualidade e à
garantia da permanência dos estudantes da classe trabalhadora. Estrutura,
qualidade e permanência estas que dependiam da verba pública para
efetivar-se.
Desse modo, a escola pública, gratuita, de qualidade e para todos
seria condição indispensável para que houvesse avanços democráticos. A
nova Constituição, como principal documento da esfera legal do país, se
caminhasse por outras vias, não daria o primeiro passo para resolver um
problema educacional histórico do Brasil. Diante desse dilema, Florestan
Fernandes, na sessão da ANC do dia 24 de junho de 1987, ressalta a
importância do tema e se mostra horrorizado pelos encaminhamentos que
a Comissão de Sistematização apresentava ao problema. Ele denuncia a
posição dos colegas, dizendo que:

113
O que está acontecendo não é o pior dos desfechos, mas a notícia que
vem num jornal, segundo a qual a exclusividade de recursos públicos
para a escola pública teria sido eliminada e ter-se-ia introduzido o
tráfico antidemocrático, anti-república e antieducacional de destinar à
escola privada, comercial, mercantil ou confessional uma parte dos
recursos públicos, de associar o Estado ao desenvolvimento do sistema
público e, ao mesmo tempo, do sistema privado de ensino. Isso
representa um golpe moral no crescimento da democracia no Brasil
(FERNANDES, 1988, p. 85).

Outra consequência dessa deliberação, de acordo com Fernandes


(1988), era a de não conseguir criar condições para a luta contra o
analfabetismo de jovens e adultos, e contra a evasão escolar. Sem verbas
exclusivas para a educação, seria impossível viabilizar o mínimo de
desenvolvimento nesse setor. Também aproveita para ressaltar que o
expressivo crescimento do setor privado escolar se sustenta, em
contrapartida, pelo sucateamento e pelo ofuscamento do setor público nas
últimas décadas. Para o autor, sobretudo no período ditatorial, a indústria
do ensino e o ensino confessional no Brasil cresceram fortemente,
enquanto condições concretas do ensino público se deterioraram.
Fernandes (1988) aponta que as condições das escolas públicas
brasileiras eram lamentáveis. Os representantes dos grupos de investidores
do mercado educacional e parte da Igreja Católica estavam ambos atrelados
aos interesses das escolas particulares (confessional e leiga) nesse cenário de
disputas pela destinação da verba pública. Se esta de fato fosse conquistada
por eles, para o autor, as possibilidades de construção de uma “revolução
educacional e democrática” se comprometeria por falta de recursos, pois
não há possibilidade de atender às demandas das escolas brasileiras — setor
evidentemente deficitário — sem o acesso a esses recursos de modo
integral.

114
Em vista disso, nas propostas que encaminhou aos relatores,
Fernandes (1988, p. 120), focalizando a resolução desse problema, propõe
que:
Art. O ensino privado, leigo ou confessional, é livre em todos os graus
no Território Nacional. As entidades privadas de ensino devem dispor
de meios próprios de autofinanciamento, submeter-se aos padrões
oficiais de organização, qualidade e promoção vigente no ensino
público e observar as modalidades de supervisão e fiscalização fixadas
pelos órgãos competentes da União, dos Estados, do Distritos Federal
e dos Municípios. Elas e suas mantenedoras ou proprietárias estão
taxativamente excluídas do acesso aos recursos públicos destinados à
educação escolarizada e de isenções ou concessões fiscais de qualquer
natureza.

Essa proposta representava a luta histórica dos defensores da escola


pública no Brasil desde a década de 1930. Também coadunava com o
acúmulo dos debates que os movimentos sociais de educadores
(professores, alunos, intelectuais e funcionários) e grupos organizados da
educação. 7 Pensando na qualidade da oferta de ensino e na condição dos
trabalhadores vinculados ao setor privado e à forma de gestão das escolas
privadas, Fernandes (1988, p.120) propõe que:

Art. O reconhecimento dos estabelecimentos privados de ensino só


poderá ser concedido quando os órgãos competentes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios tiverem comprovado sua
capacidade material, financeira e pedagógica de atenderem suas
funções educacionais e desde que se disponham: 1ª) a garantir aos seus

7 “Os participantes da IV Conferência Brasileira de Educação reivindicam, assim, que a nova Carta
Constitucional consagre os princípios de direito de todos os cidadãos brasileiros à educação, em todos os graus
de ensino e do dever do Estado em promover os meios para garanti-la. Ao mesmo tempo, se comprometem a
lutar pela efetivação destes princípios, organizando-se nas suas entidades, exigindo compromissos dos
candidatos às Constituintes a nível federal e estadual e cobrando o cumprimento de medidas propostas para a
democratização da educação.” (ANDE; ANPED; CEDES, 1986).

115
professores padrões salariais equivalentes aos das escolas públicas do
mesmo grau, estabilidade no emprego e participação direta dos
docentes nas decisões pedagógicas e administrativas essenciais para as
atividades educacionais e, quando for o caso, de ensino e extensão; 2ª)
a praticar uma gestão democrática dos estabelecimentos, mediante a
criação de um conselho deliberativo, do qual participem,
paritariamente, os representantes do corpo docente, do alunado e/ou
associação de pais.

Visando à garantia de recursos para a promoção da expansão da


escola pública e sua manutenção, Fernandes (1988, p. 121),
complementando as propostas correlatas à regulamentação da existência da
escola privada e de seu funcionamento, propõe que:

A União aplicará nunca menos de 13% (treze por cento) e os Estados,


o Distrito Federal e os Municípios 25% (vinte e cinco por cento), no
mínimo, de sua receita tributária global na manutenção e desenvolvi-
mento do ensino público gratuito.

§ 1º A Lei estabelecerá os mecanismos através dos quais serão


fiscalizadas a arrecadação e a aplicação desses recursos e as sanções ou
penalidade, a que estarão sujeitas as autoridades responsáveis pela
inobservância parcial ou total desse preceito constitucional.

Na Constituinte brasileira de 1946, de acordo com Horta (2005),


havia a previsão da destinação dos recursos públicos para a educação
pública de no mínimo 10% de responsabilidade da federação e 20% dos
Estados e municípios oriundos da renda dos impostos. No governo
ditatorial, na Constituição brasileira de 1967, não houve especificações em
porcentagem vinculadas à educação nem a nenhuma outra pasta. Como
consequência desse posicionamento político, a educação basicamente

116
desapareceu dos orçamentos da União. Os pressupostos legais aos fundos
de ensino voltariam a instituir-se apenas em 1996, com a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB).
Florestan Fernandes, porém, propunha a inclusão da delimitação
dos recursos mínimos à educação pelo Estado, até então suprimida pelos
governos antecessores, já na nova Constituição. Com essa garantia legal, a
democratização do acesso à escola e a permanência escolar teriam maior
possibilidade de efetivação.
Outra medida projetada por Fernandes (1988, p. 122),
corroborando a ampliação progressiva do acesso à escola e dos avanços
qualitativos dos serviços oferecidos a população, estabelece que:

Art. A Lei de Diretrizes e Bases estabelecerá medidas que visem


eliminar progressivamente a escolarização parcial, precária e de baixa
qualidade que prevalece em todos os tipos de escolas no pré-escolar e
nos três graus de ensino. Ao mesmo tempo serão tomadas medidas para
aumentar a permanência das crianças e dos estudantes nos
estabelecimentos de ensino pré-escolar e do Primeiro, Segundo e
Terceiro Graus, transformando-se todos os tipos de escola em
comunidades existenciais de vida, nas quais a criança, o professor, o
estudante e os funcionários convivam oito horas por dia.

Para Fernandes (1988), as propostas elencadas em seu projeto de


lei expressavam nada menos que as necessidades reais da dramática
realidade nacional. Ao mesmo tempo, se aceitas, representariam a
esperança inflamada nos corações do povo. A nova Constituição poderia
trilhar dois diferentes rumos: ou reproduzir os velhos costumes,
excludentes e carregados da histórica indiferença aos oprimidos, ou abrir
possibilidades de construção de um país democrático.

117
Um projeto educacional que possibilitasse a igualdade, a liberdade
e a emancipação do povo brasileiro dos fantasmas do passado e das garras
da dominação imperialista seria o grande desafio posto para os deputados
federais constituintes. As transformações sociais não são consequências
naturais da história, mas fruto de lutas políticas concretas que impedem
ou possibilitam os avanços necessários. Florestan Fernandes participa desse
processo, levando consigo sua consciência e postura emancipadoras à ANC
de 1987-1988.

Considerações finais

Este capítulo procurou apresentar o debate educacional na ANC e


analisar a contribuição de Florestan Fernandes à mesma, expondo o
balanço que ele fazia das possibilidades e limitações de esse processo fazer
o Brasil dar certo, principalmente em função do poder do chamado centrão,
bloco de forças conservadoras identificado com os partidos brasileiros de
centro-direita.
Acredita-se que pesquisas como esta podem ajudar a compreender
melhor um dos momentos mais decisivos da história brasileira, o qual,
lamentavelmente, teve um desfecho ruim, no entendimento de Florestan
Fernandes.
Resgatar o pensamento educacional de Florestan e apresentar sua
participação nos anos 1980 é fundamental para compreender o período e
lutar pela educação pública de qualidade, num momento de avanço da
extrema direita, que defende a mercantilização da educação e chama os
professores de doutrinadores, desviando o foco da questão principal, que é
a necessidade de melhoria das condições de trabalho na escola pública e a
exclusividade da verba pública para a escola pública.

118
Os anos 1980 foram um dos momentos mais vibrantes da história
do país. Isso, por um lado, levou Florestan Fernandes a ter uma certa
esperança sobre a abertura histórica para o país e as possibilidades de uma
ANC popular. No entanto, como deputado constituinte, ele logo percebeu
um refluxo da ditatura no final dos anos 1970 e nos anos 1980. Por outro
lado e contraditoriamente, como sociólogo, Florestan também percebeu
que o refluxo foi muito breve, e que esta abertura histórica em pouco
tempo se fechou ou iria se fechar. As manobras do centrão na Constituinte,
a eleição manipulada de Fernando Collor de Mello e a eleição de Fernando
Henrique Cardoso rapidamente fecharam o circuito de novo
(FERNANDES, 2014), represando a demanda secular do povo por uma
educação pública, de qualidade e emancipatória.

119
Capítulo 5
A formação política e o trabalho
das professoras e dos professores

Faz parte da situação de um país subdesenvolvido a existência de uma


infinidade de situações nas quais o professor precisa estar armado de
uma consciência política penetrante. Ele é uma pessoa que está em
tensão política permanente com a realidade e só pode atuar sobre essa
realidade se for capaz de perceber isso politicamente [...] O professor
precisa se colocar na situação de um cidadão de uma sociedade
capitalista subdesenvolvida com problemas especiais e, nesse quadro,
reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades, que só
poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente, se conjugar uma
prática pedagógica eficiente a uma ação política da mesma qualidade
(FERNANDES, 2019).

Florestan Fernandes (1920-1995), depois de experienciar o exílio


no final da década de 1960 e de sentir na pele a ditadura empresarial-
militar (1964-1985), comenta, em análise das suas próprias ideias sobre a
educação brasileira, que, quando ainda era acadêmico na USP, nas décadas
de 1950 e 1960, sua percepção sobre a educação carregava “[...] as ilusões
que me levaram ao curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, dotada de um sentido iluminista e, contraditoriamente,
voltada para a transformação socialista do homem da civilização e da
sociedade” (FERNANDES, 2019, p. 75).
Nesse momento, havia uma dualidade em suas ações:
imaginariamente, em sua prática política, Florestan representava a classe
trabalhadora e os oprimidos, mas, na vida acadêmica, em seu exercício

121
laboral diário como pesquisador, estava preso às regras impostas pela
universidade e às suas limitações, que vão contra qualquer possibilidade de
radicalismo intelectual ou de práticas que se correlacionassem ao
socialismo (FERNANDES, 1989).
Seu pensamento educacional expressado na década de 1980, como
observam Leher (2012), Rodrigues e Braga (2015), é fruto de experiências,
leituras e interpretações sobre o Brasil e seus dilemas históricos que estavam
em alto grau de maturidade.
Concordamos também com os autores acima no entendimento de
que um dos resultados desse aprofundamento teórico sobre as condições
sociológicas, econômicas, políticas e históricas do Brasil, além dos avanços
na compreensão da realidade educacional brasileira e de seus problemas, se
deu através da intensificação da sua participação política, que culminou
em sua candidatura como deputado federal constituinte pelo PT, em
1986. Portanto, na década de 1980, os enfrentamentos políticos e suas
atividades como publicista em diversos jornais, foram fruto de intensa
inserção nas lutas do seu tempo histórico.
A maioria das contribuições de Florestan Fernandes sobre a
temática educacional estão aglutinadas nos livros “O desafio educacional”,
de 1989, “A transição prolongada: o período pós-constitucional”, de 1990,
e “Tensões na educação”, publicado também de 1990. Trata-se de textos
publicados em jornais, entrevistas e palestras.
É possível afirmar que a educação sempre esteve em suas
preocupações como pesquisador, professor e militante. Por esse motivo,
em nossa concepção, no decorrer do processo de aprofundamento do
entendimento sobre o tema, não houve rupturas, 8 mas avanços em suas

8Diferentemente de uma das leituras mais bem elaboradas e contundentes sobre a obra de Florestan Fernandes
foi feita por sua orientada, a alemã Bárbara Freitag (1987), a qual afirma haver uma ruptura epistemológica no
pensamento do autor, separando-o em dois momentos: um primeiro como “acadêmico-reformista” —

122
compreensões sobre a realidade educacional brasileira, compreensões estas
construídas pela sua própria experiência científica e empírica.
Consideramos que o pensamento de Florestan Fernandes sobre a
educação brasileira concebido na década de 1980 tem semelhanças com o
da década de 1960, porque já estava presente em seus discursos e textos a
necessidade de uma escola de qualidade, laica, em todos os níveis e para
todos.
Suas reflexões sobre o tema estavam concatenadas em três pontos:
a necessidade de nos desprendermos do modelo de sociedade com traços
culturais coloniais vindos do antigo regime servil (1822-1889); a
necessidade de a educação ser democrática no seu sentido estrutural e
comportamental (relacional); e a necessidade de o Estado destinar verba
pública somente à educação pública.
Porém, nos anos de 1980, há uma evolução do seu pensamento.
Para Fernandes (1989), a conquista dos direitos sociais só poderia se dar
por meio de uma revolução, e não simplesmente pela projeção da ciência
aplicada e pela democracia, visão esta em grande medida adquirida pela
leitura de Karl Mannhein (1893-1947).
Mais precisamente, os avanços democráticos na área da educação
não seriam conquistados por meio de planejamentos estruturados pelo
Estado e por conquistas institucionais, mas pela luta articulada da classe
trabalhadora e oprimida, como ficou nítido com o golpe de 1964.
Em outras palavras, através da leitura do sentido do golpe
empresarial-militar (1964-1985), Florestan Fernandes afirma que

inspirado nas obras de Karl Mannheim e expresso no campo da educação, principalmente, no movimento
Campanha em Defesa da Escola Pública em 1960 —, e um segundo como “político-revolucionário” —
inspirado nas leituras de textos de cunho socialista e nas obras de Marx, Engels e Lênin — evidenciado na sua
atuação como publicista e deputado constituinte pelo PT na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88.
Discordamos, assim como Leher (2012), que houve uma ruptura em sua obra.

123
qualquer desenvolvimento oriundo das necessidades do “de baixo” não
estava na agenda política das classes dirigentes.
Nos anos 1980-90, o fio condutor do pensamento educacional de
Florestan está embasado em ideias socialistas. Fernandes (1989) entendia
que a articulação da militância política dos oprimidos seria fundamental
para que houvesse uma revolução democrática e educacional, pois,
somente pela via legal, não haveria os avanços necessários para essa
importante conquista.
Dois pontos adicionais que perpassam as ideias educacionais de
Florestan Fernandes na década de 1980 são o da formação política do
professor e seu trabalho; e o da necessidade da formação da autoconsciência
e da autoemancipação dos “de baixo”, conforme vimos no capítulo
anterior.
Junto a isso, a defesa de que a verba pública deveria ser destinada
exclusivamente à escola pública era ponto fundamental para o desenrolar
as demais conquistas no campo educacional. Lamentavelmente, não
poderemos dar a ênfase necessária a este tema aqui, mas é preciso destacar
que a defesa dessa bandeira nem sequer passa pela cabeça das classes
proprietárias brasileiras no atual momento histórico. De qualquer forma,
é preciso lembrar que essa bandeira apareceu nas lutas dos educadores
republicanos tanto nos anos 1950 como nos anos 1980. 9
Adentrando no primeiro ponto, para Fernandes (1989), há duas
principais questões a serem debatidas sobre a formação política do
professor e o seu trabalho: a tradição cultural brasileira do trabalho do

9 A história mostrou que a apropriação dos fundos públicos pelos empresários da educação é fundamental para
a reprodução da educação enquanto mercadoria. E num plano mais amplo, já é possível afirmar que o capital
financeiro bloqueia a destinação de fundos públicos para a educação pública. Basta lembrar as ações recentes
do capital, num contexto de golpes de novo tipo, através de suas personificações no Estado (Legislativo,
Executivo e Judiciário), como a “PEC do fim do mundo” e a inviabilização de campanhas como a dos “10%
do PIB para a educação”.

124
professor e o caráter político da atividade do professor numa sociedade de
classes de capitalismo dependente e associado.
Fernandes (1989) inicia sua argumentação dizendo que o
movimento das transformações educacionais, econômicas e culturais que
ocorreram na Europa no período colonial não foram transferidas para o
Brasil. Por esse motivo, a tradição cultural brasileira sempre foi fechada,
excludente e caracterizada pelo um elitismo cultural expresso
objetivamente pelo acesso ao conhecimento como forma de ilustração das
elites. Nesse dilema social, ainda perdura a lógica imposta no próprio
sistema educacional.
A formação da elite política e administrativa foi fortalecida quando
as escolas superiores foram construídas após a vinda da corte portuguesa
ao Brasil. Desde então, a reprodução dos intelectuais que atuam na política
e nas atividades administrativas foi alimentada através do acesso exclusivo
que a própria classe dominante, intencionalmente, teve aos institutos
formativos (FERNANDES, 1989).
O professor, nesse momento, era formado para ser reprodutor e
transmissor neutro da cultura letrada. A relação com os estudantes, por
esse motivo, estava distante de ser uma interação criativa e emancipadora.
O intelectual formado por essa escola era, portanto, “domesticado” e, ao
passar pela escola e se formar, ou fazia parte da elite ou a servia como
mediador, como é o caso dos professores primários, para a continuidade
da dominação cultural e política (FERNANDES, 2019).
Essa prática exclusivista foi refeita em diversos momentos, mesmo
no século XX. O grande problema é que a formação cívica da população
em geral sempre foi deficitária. Essa tradição cultural empobrecedora
serviu às classes dominantes e desapropriou a nação de uma formação
democrática (FERNANDES, 2019).

125
O professor, nesse mesmo sentido, nunca foi inserido num
contexto formativo de interações democráticas diante da sociedade. Seu
papel era somente de ferramenta de reprodução da dominação, mesmo
que, na maioria das vezes, fizesse parte das camadas inferiores da sociedade.
Seu trabalho junto à comunidade escolar era autoritário, mecanizado e
hierarquizado (FERNANDES, 1989).
Fernandes (2019) comenta que esse tipo de democracia
estabelecida no Brasil, bastante frágil e restrita, era uma democracia que as
classes dominantes desenhavam e comandavam, ou seja, era uma
democracia feita e pensada de privilegiado para privilegiado.
Florestan comenta ainda que essa “[...] cultura cívica era a cultura
de uma sociedade de democracia restrita, inoperante, na relação da minoria
poderosa e dominante com a massa da sociedade” (FERNANDES, 2019,
p. 55).
Fernandes (2019) elenca o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, de 1932, como um dos grandes momentos que suscitaram a
necessidade de pensarmos, refletirmos e praticarmos uma educação
diferente para atender às transformações acarretadas pelo advento da
República e pelo desenvolvimento do capitalismo na década de 1930.
Contudo, mesmo com os grandes ideais vindos dos pioneiros da
educação, a formação política do professor no Brasil sempre ficou aquém
do desejado. No itinerário formativo do professor, abordava-se psicologia
da educação, sociologia da educação, história da educação, didática geral,
biologia educacional, administração escolar etc., mas a formação política
do profissional docente não era incorporada.
Por isso, Florestan destaca que “o professor, quanto mais inocente
sobre estas coisas, seria mais acomodável e acomodado” diante sua
realidade concreta (FERNANDES, 2019, p. 55). E conclui que, na

126
ausência de uma formação política que estruturasse os pensamentos
críticos do professor como cidadão que participa ativamente da sociedade
democrática e capitalista, seu trabalho acabou sendo orientado eticamente
pela importância da neutralidade das suas ações.
Fernandes (2019) diz ainda que a sua geração foi excessivamente
afetada por essa concepção de cientista e de professor. Ou seja, de um lado
está o professor e, de outro, o cidadão. Entretanto, para Florestan, o que
prevalece sobre a atuação do professor é o ser cidadão, pois, diferente disso,
sem o fortalecimento da figura do cidadão da atividade de professor,
qualquer forma de dominação e manipulação seria facilmente incorporada
à sua função.
O ser cidadão seria essencial na prática docente para que o
professor entendesse sua realidade e a importância do seu papel ante a
comunidade que o rodeia. Para Florestan, o professor precisa ser não só
um “professor-cidadão” mas um “ser humano rebelde”.
Fernandes (2019), utilizando sua própria experiência de vida para
explicar essa relação democrática de um professor com postura cidadã,
comenta que sua relação de professor e aluno com Fernando de Azevedo
na universidade teve essa característica, pois ele o admirava como escritor
e pesquisador, mas não concordava com suas ideias e, mesmo assim, sua
relação com ele era de extremo respeito. Azevedo, aliás, estimulava que
Florestan pensasse por si próprio.
A atuação do professor-cidadão deve acontecer em dois âmbitos.
Dentro da escola, como professor que tem plena consciência do seu
importante papel como educador num país subdesenvolvido e de caráter
exclusivista; e fora da escola, como cidadão. Sobre esse assunto, Fernandes
(2019, p. 69-70) discorre que:

127
O professor não pode estar alheio a esta dominação. Se ele quer
mudança, tem que realizá-la nos dois níveis — dentro da escola e fora
dela. Tem que fundir seu papel de educador ao seu papel de cidadão
— e se for levado, por situações de interesse e por valores, a ser um
conservador, um reformista ou um revolucionário, ele sempre estará
fundindo os dois papéis.

A fusão dos papéis de educador e de cidadão deve, portanto, fazer


parte da vida do professor, independentemente dos seus valores.
Portanto, Fernandes (2019) observa que, em função dessa tradição
cultural e histórica que envolve o trabalho do professor no Brasil, para que
haja avanços na formação democrática, faz-se necessário que o professor
exerça conscientemente a sua atividade com bases em sua formação cidadã
e rebelde. Para o caso do professor revolucionário, sua atuação deve ser
“fundida” dentro e fora da escola, para que ele conheça e tenha consciência
de sua realidade, da realidade dos alunos e da comunidade escolar e,
consequentemente, tenha condições emancipatórias de romper todos os
laços de dominação cultural e deixe de ser mero instrumento de
reprodução da sociedade de classes.

O caráter político da atividade do professor


num país de capitalismo dependente

O segundo ponto articulado ao debate levantado por Florestan


Fernandes sobre o tema é o caráter político da atividade do professor numa
sociedade de classes subdesenvolvida.

128
Para Fernandes (2019), há grandes diferenças quando compa-
ramos um professor que leciona numa sociedade desenvolvida e abastada
de recursos, na qual o alunado não se preocupa com questões elementares
para sobrevivência, com um professor de uma sociedade subdesenvolvida,
que não oferece condições mínimas ao seu povo, como é o caso do Brasil
e de outros países da América Latina.
Utilizando-se de um exemplo de proposta pedagógica
emancipatória com bases críticas nas quais refletia sobre as necessidades do
seu próprio povo, Fernandes (2019, p. 57) cita a atuação de Paulo Freire, 10
com sua pedagogia do oprimido, diante das condições da população
atendida, quando criou uma “pedagogia desopressora ou pedagogia da
libertação, pois a atuação do educador no contexto foi de iniciar um
processo de liberdade”.
A atuação do professor para a transformação da sociedade, por via
institucional ou não, num país subdesenvolvido como o Brasil, deve ser
pensada sobretudo politicamente. Para Florestan, a ação de pensar
politicamente tem que estar articulada com a realidade prática. Sobre a
atuação do professor, ele afirma que:

Pensar politicamente é alguma coisa que não se aprende fora da prática.


Se o professor pensa que sua tarefa é ensinar o ABC e ignorar a pessoa
dos seus estudantes e as condições em que vivem, obviamente não vai
aprender a pensar politicamente ou talvez vá agir politicamente em
termos conservadores, prendendo a sociedade aos laços do passado, ao
subterrâneo da cultura e da economia (FERNANDES, 2019, p. 71).

10 Paulo Freire (1921-1997) foi um dos mais importantes educadores brasileiros do século XX. Seu principal
livro, a “Pedagogia do oprimido”, foi publicado no ano de 1968. Além da sua preciosa obra educacional, Freire
é intitulado patrono da educação brasileira. Para conhecer mais sobre sua importante biografia e obra, indica-
se o livro de Ana Maria Araújo Freire, de 2006.

129
Portanto, a ação que possibilita a transformação e a mudança
provocada é em si um processo inerentemente político, não podendo
ignorar “a pessoa dos seus estudantes e as condições em que vivem”
(FERNANDES, 2019, p. 72). Florestan salienta que todos os
posicionamentos políticos, sendo eles conservadores ou progressistas,
querem mudanças: mas uns as querem para manter sua dominação, e
outros, para promover transformações conforme seus ideais de progresso.
Por essa razão, como toda transformação acontece por meio de
lutas políticas, o papel do professor é o de pensar em mudanças,
principalmente, com essa perspectiva. Fernandes (2019, p. 74) diz que, em
sua formação, “não basta que [o professor] disponha de uma pitada de
sociologia, uma outra de psicologia, ou de biologia educacional, muitas de
didática, para que se torne um agente de mudanças”, mas que seu trabalho,
intencionalmente, em contato com as problemáticas vindas da realidade
concreta da comunidade escolar (professores, alunos, funcionários e
comunidade do entorno), seja político.
Fernandes (2019, p. 75), quando enfatiza a atuação política do
professor, observa que estamos diante de uma realidade que não pode ser
comparada, por exemplo, à de Cuba — onde, naquele contexto, a
preocupação era com a formação do “novo” homem —, mas, sim, diante
de uma realidade onde a preocupação seria a “[...] de encontrar o homem
na situação brasileira, de desobjetificar e se humanizar o ser humano que
vai à escola desposado das condições mínimas para passar pelo processo
educacional”. Ou seja, a criança e o jovem brasileiro não têm casa
adequada, saneamento básico, praça no bairro, seus pais não têm carteira
assinada etc.

130
Florestan salienta também que o professor deve inicialmente
compreender o seu aluno como um ser igual, que somente tem condições
financeiras piores que a dele, e que deve encontrar meios de ofertar as
mínimas condições para que ele possa acessar e permanecer na escola.
Mesmo sendo uma ação a priori assistencialista, para Fernandes
(2019), este simples ato já cria uma certa ruptura, pois nessa relação entre
educador e educando, foi percebido que aquele ser, fundamentalmente,
precisa ser acolhido, compreendido e transformado, dentro dos seus
limites.
Outra importante iniciativa do professor como ser político, para
Florestan, é a de lutar por melhores condições estruturais e administrativas
da educação, ou seja, que professores, alunos e funcionários formem uma
comunidade e que se engajem para lutar por melhores condições escolares.
Fernandes (2019, p. 73) tece estas observações a partir do
movimento dos educadores, alunos, funcionários e pesquisadores na
década de 1980: “Eles querem expandir-se como uma comunidade,
quebrar aquelas barreiras, que antes introduziram diferenças de classes não
efetivas nas relações de estudantes e professores”, porém, pelas forças
políticas, são barrados pelas atuações da mídia, do próprio Estado que,
essencialmente, insiste em operar de forma conservadora e repressora.
Retomando o fio da meada, problemas fundamentais, como os
salários baixos, a dominação educacional imposta pelo imperialismo
(como no acordo MEC-USAID) 11, a necessidade de investimento e
valorização do ensino público, a educação como um direito para todos etc.

11 Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). Para

conhecer mais profundamente o tema, indicamos os livros “A USAID e a educação brasileira: um estudo a
partir de uma abordagem crítica da teoria do capital humano”, de José Oliveira Arapiraca (1979), e “Estado
militar e educação no Brasil (1964-1985)”, de José Wellington Germano (2002).

131
são elementos que demonstram a importância e a necessidade da atuação
política do professor, fora dos muros da escola.
Sua ação política deve resultar em engajamento consciente dentro
da escola e fora da escola, como instrumento intelectual “crítico diante da
realidade e para, nessa realidade, desenvolver uma nova prática, que vá
além da escola” (FERNANDES, 1989, p. 170).
Fernandes (2019, p. 78-79) reforça esse aspecto do professor como
ser político dizendo que:

Então, faz parte da situação de um país subdesenvolvido a existência


de uma infinidade de situações nas quais o professor precisa estar
armado de uma consciência política penetrante. Ele é uma pessoa que
está em tensão política permanente com a realidade e só pode atuar
sobre essa realidade se for capaz de perceber isso politicamente [...] O
professor precisa se colocar na situação de um cidadão de uma
sociedade capitalista subdesenvolvida com problemas especiais e, nesse
quadro, reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades,
que só poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente, se conjugar
uma prática pedagógica eficiente a uma ação política da mesma
qualidade.

A necessidade da formação da autoconsciência e autoemancipação dos


“de baixo”

Assim, vamos ao segundo ponto: a necessidade da formação da


autoconsciência e a autoemancipação dos “de baixo”.
Introduzimos o assunto utilizando esse comentário do autor para
afirmarmos que o professor, mesmo que sua atuação seja numa instituição

132
escolar burguesa, como pertence ao mesmo sistema contraditório gerado
pelo modo de produção capitalista, também é passível de transformações.
Sobre isso, Fernandes (2019) destaca dois pontos principais: a
necessidade de pensarmos uma educação que sirva à classe trabalhadora, e
uma escola que sirva como espaço de formação política.
Se a educação socialista fosse consolidada, não haveria a
necessidade de lutar contra a desigualdade nem contra a opressão, pois,
numa sociedade socialista, não há a relação de oprimido e opressor pelo
fato de não existir desigualdade de classes. Contudo, como Florestan está
tratando da educação dos “de baixo” no modo de produção capitalista, a
luta pela conquista da democracia e contra a reprodução da dominação é
uma situação de enfrentamento constante na atual conjuntura escolar, se a
classe trabalhadora e os oprimidos quiserem vislumbrar uma outra
sociedade (FERNANDES, 2019).
O ideal, na perspectiva da educação socialista, é o professor, o
estudante e a escola como instituição conduzirem sua própria pedagogia, e
as deliberações serem direcionadas pelo coletivo, democraticamente.
Fernandes (2019) enxerga que é possível pensar e refletir utilizando as bases
da pedagogia socialista dentro do capital, mas praticá-la em sua
integralidade só seria viável se houvesse uma vitória revolucionária do
proletariado, e a eliminação da desigualdade de classes.
Por essa razão, Fernandes (2019) deixa clara a importância da
democratização do ensino e da necessidade de permanência estudantil,
pois, como não há condições concretas para desenvolver uma pedagogia
socialista, existe a necessidade de o filho da classe trabalhadora estar e
permanecer na escola.
O problema é que sistema educacional pensado e articulado pela
burguesia nativa se concretiza através dos currículos e da ideologia

133
hegemônica de caráter burguês, sem possibilitar nunca aos trabalhadores
condições de acesso e permanência estudantil, muito menos de fomento a
uma revolução socialista. As medidas controladas pelo Estado, se assim
conduzidas, ofereceriam transformações superficiais que não modifi-
cariam os principais dilemas educacionais brasileiros concretos. A falta de
acesso à escola, as dificuldades de permanência do aluno e as más condições
de ensino seriam, no máximo, minimizados por meio de reformas pontuais
e controladas.
Para Fernandes (1989), por essas razões, a conquista da educação
democrática plena seria o primeiro passo, fundamental para a classe
trabalhadora e os oprimidos obterem bases mínimas para abrir seus
horizontes intelectuais, preparar-se para a vida e o mundo do trabalho.
Entretanto, uma vez que a educação é institucionalizada e
sistematizada historicamente pela classe dominante, outro grande
problema a ser resolvido é de que os conteúdos ministrados na escola
servem como ferramentas que deformam e adestram os jovens, buscando
convertê-los em máquinas operadas e dirigidas à distância por um controle
opressor.
Romper os privilégios de acesso e permanência na escola que a
burguesia nativa mantém como fonte de segregação social e de perpetuação
do controle cultural, econômico e político, para Fernandes (1989), é a
primeira barreira a ser quebrada para que os “de baixo” possam se libertar
das sofridas amarras do passado.
Ou seja, a conquista da democracia plena era condicionante, na
leitura da realidade concreta feita por Florestan, para obter acesso a direitos
e para possibilitar as mobilizações dos oprimidos em formar sua
autoconsciência e autoemancipação.

134
A revolução democrática na educação, mesmo com esse problema
agregado, seria o primeiro passo histórico, a priori via democracia, para que
existissem condições estruturais para a criação de uma escola que fosse
capaz de servir aos trabalhadores, sem aprisioná-los, de forma excludente,
a situações de subalternidade. O acesso à escola democrática ofertada pelo
Estado, mesmo com suas contradições, poderia prover a todos uma
educação que possibilitasse o desprendimento dos resquícios culturais
vindos dos períodos que antecederam a constituição da República (1889),
gerando as bases para a autonomia e a emancipação (FERNANDES,
2019).
Florestan, como vimos, tinha plena clareza de que acessar e
permanecer na escola era basilar para que os membros da classe
trabalhadora pudessem se formar e participar ativamente como cidadãos
democráticos na sociedade. Contudo, preconiza também que os
trabalhadores, incluindo os educadores (professores), além de construir
uma educação fundamentada em bases democráticas, para se libertar do
domínio ideológico imposto pela lógica reprodutora capitalista opressora,
teriam que apoderar e conduzir sua própria educação como classe
trabalhadora, de acordo com a realidade local e histórica (FERNANDES,
2019). Defende, ainda, que:

O filho do trabalhador não pode ser submetido a uma reprodução


sistemática, ou seja, a escola reproduz o trabalhador através dos seus
filhos. É preciso quebrar esse elo. É preciso que o trabalhador encontre
condições de autoemancipação intelectual, cultural e política e que,
portanto, seja tirado desse nexo através do qual o trabalhador é
incorporado à reprodução da ordem do modo de produção capitalista
(FERNANDES, 1989, p. 150).

135
O elo que prendia ao formato escolar que reproduzia
sistematicamente a subalternidade do filho do trabalhador, para Florestan
Fernandes, seria quebrado se houvesse meios de buscar a autoemancipação
intelectual, cultural e política para que os “de baixo” conseguissem
encontrar espaços que lhes permitissem pensar, criar e conduzir a sua
própria educação. Um dos principais condutores dessa transformação seria
o professor.
Aqui entramos no segundo ponto. A escola não tem somente a
função de ensinar instruções organizadas por meio de um currículo, ela é
um espaço de socialização da comunidade, e de despertar da consciência,
do indivíduo e do coletivo, nas dimensões políticas. A politização da classe
trabalhadora e dos oprimidos, para Fernandes (2019), deve começar na
escola desde a tenra idade.
Nesse sentido, a escola seria um dos principais locais que
possibilitaria que os horizontes intelectuais do professor, do estudante, dos
funcionários e da comunidade local fossem abertos, devido a seu amplo
atendimento e obrigatoriedade. Isso tornaria a educação e as relações
coletivas instrumentos formativos para a transformação da sociedade.
Nesse quadro, a atuação do professor, como mediador entre os
conteúdos ministrados, e o alunado seria fundamental para formar o
estudante, filho da classe trabalhadora, sem o alienar, deformar e adestrar
como se fosse um objeto a serviço exclusivo do capital.
Conforme Fernandes (1989, p. 149), o papel do professor seria o
de:
[...] libertar o trabalhador da opressão, da condição de oprimido, de
modo que o proletário possa ter uma relação libertária, crítica e
revolucionária com sua situação de existência material, social e moral.

136
A postura do professor junto à comunidade escolar (alunos,
funcionários e comunidade), além de promover relações e criar ambientes
de formação democrática que reforcem o rompimento com os laços do
passado colonial como alicerce das interações, seria um meio para formar
um coletivo consciente das suas condições e de esclarecer seu papel numa
sociedade de classes.
A riqueza do espaço escolar público é priorizada, na concepção de
Florestan, porque é um dos lugares que grande parte dos filhos da classe
trabalhadora e os oprimidos acessam, e porque, dentro do sistema
capitalista, não há outras oportunidades de organização concreta já
sistematizadas como a escola.
Conforme Fernandes (1989), a escola faz parte das instituições
burguesas solidificadas no sistema capitalista e, por sua própria contradição
inerente, se bem conduzida pela comunidade escolar, pode ser uma das
principais ferramentas de autoemancipação dos “de baixo”.
Fernandes (1989, p. 240) afirma ainda que, “[...] o elemento
central da educação está na escola e, dentro da escola, na sala de aula, há
esse binômio: sala de aula e escola”. As amarras de uma sociedade
hierarquizada, autocrática e repressiva poderiam ser reformuladas a partir
de um processo educacional que transferisse para dentro da escola e da sala
de aula um caráter libertador e emancipador, de forma que a classe
trabalhadora e os oprimidos pudessem se reconhecer dentro do processo
social, cultural, político e econômico numa sociedade de classes, por meio
das ações educacionais e do convívio democrático, fomentado pelas
interações no ambiente escolar.
O processo educacional acontece fundamentalmente dentro da
escola e na sala de aula. Por esse motivo, é preciso que as diretrizes
educacionais estejam conectadas às ideias democráticas de educação e

137
deem bases formativas para que o educador possa exercer seu papel de
fomentador da consciência crítica, emancipadora e criativa junto aos seus
alunos e à comunidade escolar.
Um conceito fundamental trabalhado por Fernandes (2019, p. 72)
é o de “mudanças antecipadas”, que ocorrem “em primeiro nível de uma
instituição e podem avançar em relação às transformações da sociedade
global, percorrendo depois outras esferas da sociedade”.
Se ele estiver certo, os educadores com formação política
revolucionária têm que estabelecer uma dialética entre mudanças na
“instituição escolar” e na “sociedade global”. Algo recorrente na obra de
Fernandes é a defesa de que os professores não precisam “esperar” a grande
revolução, mas antecipar, desde já, as mudanças que podem ocorrer num
primeiro nível na instituição, necessariamente conectadas com as grandes
transformações na “sociedade global”. 12

Fernandes (1989, p. 237) enxerga então no processo educacional a

[...] cadeia para que os excluídos e oprimidos adquiram uma


consciência de que a sua libertação depende de sua consciência crítica
e que essa consciência crítica pode passar por um tipo de educação que
não seja conformista, mas sim ativista e militante.

Fernandes (1989) compreende que a revolução educacional jamais


viria através da constituição de leis, pelo fato de elas estarem — guardadas
algumas pequenas vitórias — a serviço da reprodução e da conservação do

12O conceito de “mudança antecipada” pode servir tanto para as escolas estatais que saem na frente na luta por
transformar a escola estatal em escola pública, arrancando do Estado as decisões fundamentais, quanto para as
escolas de movimentos sociais, que promovem mudanças antecipadas no que se refere à criação da escola do
futuro, ou à educação para além do capital. Ver, por exemplo, Rodrigues, Novaes e Batista (2014).

138
sistema social vigente. Para que houvesse a possibilidade de construir uma
revolução, seria necessário que a revolução democrática avançasse,
estabelecendo condições de criar escolas (em todos os níveis) capacitadas
para servir aos trabalhadores, sem formá-los para submissão e em condições
indignas, mas que lhes possibilitasse receber uma formação política e
técnica útil para vida, para a emancipação e, principalmente, para que eles
sempre reconhecessem a sua identidade e o seu papel social, das finalidades
que delineiam as relações de classe diante as transformações da sociedade
capitalista.
A escola que interessa aos trabalhadores e oprimidos é, para
Fernandes (1989, p. 150):

Uma escola que ofereça ao trabalhador condições de desenvolvimento


intelectual independente. O filho do trabalhador não pode ser
submetido a uma reprodução sistemática, ou seja, a escola reproduz o
trabalhador através dos seus filhos. É preciso quebrar esse elo. É preciso
que o trabalhador encontre condições de autoemancipação intelectual,
cultural e política e que, portanto, seja tirado desse nexo através do qual
o trabalhador é incorporado à reprodução da ordem do modo de
produção capitalista.

Portanto, o espaço escolar que Florestan Fernandes preconiza em


suas propostas é aquele que oferece ao trabalhador condições para pensar
a sua própria existência, seus dilemas reais e cotidianos, as contradições da
sociedade de classes e sua função histórica dentro dela, quebrando o
paradigma de imposição cultural reproduzido pela instituição escolar. O
filho da classe trabalhadora necessita encontrar formas de autoconsciência
e de autoemancipação intelectual, política e cultural para conseguir romper

139
as correntes que o aprisiona à lógica imposta pelo modo de produção
capitalista.
Nesse sentido, o ambiente escolar deveria ser um organismo vivo
que educa sua comunidade com bases democráticas. A escola que não é
construída e direcionada pelos seus agentes não expressa os valores da
realidade do próprio entorno e, consequentemente, faz o papel de
opressora e reprodutora da ideologia hegemônica. Essa escola, em vez de
representar as necessidades objetivas da comunidade e de formar cidadãos
críticos, preparados para o trabalho (científico e tecnológico) e politizados,
aliena os filhos da classe trabalhadora e perpetua as condições de exclusão,
autoritarismo e mandonismo vindas de vestígios das relações sociais
oriundas do regime servil. Além disso, a escola com tais características
coaduna-se com os interesses do capital internacional de controlar e
dominar cultural, política e economicamente os países pertencentes à
periferia do capitalismo.
Para Fernandes (1989, p. 131), “uma escola que não seja capaz de
funcionar como comunidade educacional não educa professor, não educa
o estudante e não educa o funcionário. Deseduca todos”. Ou seja, se o
ambiente escolar e suas propostas não forem condizentes com a formação
de base democrática, se forem impostos por modelos transplantados de
fora, e não pensados pelos próprios sujeitos que a ocupam, eles não
formarão cidadãos para viverem numa sociedade moderna e dita
“democrática”. Pelo contrário, alienarão a classe trabalhadora, tendo como
base a exclusão histórica imposta em nossa sociedade pelas classes
opressoras.
Por esses motivos, a interação viva e democrática do coletivo
escolar é fundamental para a formação na democracia, e não somente para
uma possível democracia vivenciada fora na sociedade como um todo. O
ambiente escolar opressor que, historicamente, foi constituído na escola

140
burguesa nativa, era um dos grandes problemas da nossa educação. Não
basta ter escola para todos, se esta continua com a mesma cultura
exclusivista na qual o aluno vindo das periferias não consegue se enxergar
como pertencente ao espaço estrutural, curricular e pedagógico proposto.
A construção da escola em sua integralidade é função dos atores que nela
vivem, pensam e a constituem, ou seja, a classe trabalhadora e os oprimidos
(FERNANDES, 1989).
Fernandes (1990) reforça que um sistema escolar com esses traços
é uma forma política de dominação social e de disseminação da ideologia
hegemônica burguesa. Nesse formato, a escola tem o papel de perpetuar e
reproduzir a dominação de classe e de enfraquecer, consequentemente, a
formação da consciência e luta dos trabalhadores por outra forma de
sociedade mais igualitária e justa.
Como os modelos pedagógicos e culturais estabelecidos no
ambiente escolar ainda representam concepções que nada têm a ver com a
realidade brasileira, Florestan deixa claro que o rompimento dessa prática
opressora seria uma conquista necessária para que a classe trabalhadora e
os oprimidos pudessem ter mínimas condições de se reconhecer como
classe e, consequentemente, ter consciência para buscar sua própria
emancipação política, social, cultural e econômica.
Florestan tinha em mente um projeto socialista de sociedade,
diferente do pensamento e das propostas advogados por ele na década de
1960. A ideia de que a revolução educacional viria por meio da conquista
da democracia plena, por um processo natural e através do planejamento
científico intencional, foi abortada, principalmente pela compreensão do
sentido do golpe de 1964.
A partir daí, Florestan tinha plena ciência de que qualquer tipo de
avanço, sejam os conectados aos ideais republicanos e democráticos, sejam

141
os conectados à revolução e à construção do comunismo, seriam
conquistados e solidificados pelo engajamento político dos “de baixo”.
Por último mas não menos importante, aos olhos de hoje, é
possível dizer também que Florestan percebeu claramente que, ao invés de
uma marcha inevitável para a redemocratização ou criação de uma Nova
República, o Brasil vivia uma nova etapa da “contrarrevolução
prolongada”, com ações e golpes que deram continuidade ao grande golpe
de 1964. Ele viveu as manobras das classes proprietárias que impediram as
eleições diretas, e as manobras que impediram a eleição de Lula em 1989.
Viveu a farsa da ira de Collor e o grande pacto para colocar Fernando
Henrique Cardoso no poder. Para sua sorte, faleceu muito antes da política
de conciliação do lulismo, do golpe de 2016 e da prisão política de Lula,
cenas da nova etapa da “contrarrevolução prolongada”.

142
Capítulo 6
A política educacional de integração do ensino técnico ao
ensino médio: politecnia ou escolas de dia inteiro?

O debate a respeito de uma proposta de ensino politécnico se


intensifica no Brasil nos anos 1980, especialmente como resultado do
refluxo da ditadura empresarial-militar e das possibilidades de uma
redemocratização.
A ampla movimentação de educadores e dos setores populares, a
Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição de 1988 de alguma
forma favoreceram o debate em torno de um projeto para uma nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O primeiro projeto de
LDB, apresentado pelo deputado Octávio Elísio (PMDB/MG), em 1988,
“[...] sinalizava a formação profissional integrada à formação geral nos seus
múltiplos aspectos humanísticos e científico-tecnológicos” (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 3).
Como forma a) de atenuar a dicotomia entre formação geral e
formação profissional, b) de propor uma alternativa educacional radical,
foi recuperado até mesmo o conceito de politecnia. De acordo com Saviani
(2003, p. 140):

Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das


diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo
moderno. Está relacionada aos fundamentos das diferentes
modalidades de trabalho e tem como base determinados princípios,
determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela formação
politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando esses fundamentos,

143
esses princípios, o trabalhador está em condições de desenvolver as
diferentes modalidades de trabalho, com a compreensão do seu caráter,
sua essência.

Tal proposta previa a organização do ensino médio sob as bases da


politecnia, sem propor a criação de uma infinidade de formações
específicas, que atendessem a todas as demandas do capital, “[...] mas sim
de incorporar no ensino médio processos de trabalho reais, possibilitando-
se a assimilação não apenas teórica, mas também prática, dos princípios
científicos que estão na base da produção moderna” (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 14).
No entanto, diante do avanço da crise estrutural do capital
(MÉSZÁROS, 2000), há uma ofensiva do capital — chamada de
neoliberalismo — que impõe uma contrarreforma do Estado, tornando os
países latino-americanos ainda mais dependentes do FMI e do Banco
Mundial, e tendo como consequência o aumento da disparidade entre
países centrais e periféricos.
A contrarreforma se dá a partir dos governos de Fernando Collor e
de Fernando Henrique Cardoso, iniciando o desmonte do Estado, com
reformas em sua estrutura que promoveram desemprego e subemprego
estruturais, além de um gigante processo de privatização, sob a justificativa
de adaptar o Brasil ao contexto da chamada globalização. Ao mesmo tempo
em que desmonta as políticas sociais, o Estado se torna máximo para o
capital financeiro.
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente da
República, em uma aliança entre PSDB e PFL, indicando uma nova
ofensiva conservadora. Em 1995, o senador Darcy Ribeiro (PDT/RJ)
apresenta um projeto substitutivo, resultante dos acordos com o governo
FHC. O então ministro da Educação, Paulo Renato Costa Souza, o

144
sanciona sem nenhum veto (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA,
20002).
Darcy Ribeiro, um dos grandes intelectuais mais importantes dos
anos 1960 e um dos principais intelectuais latino-americanos, manchou
sua história ao dar este substitutivo de presente para a burguesia. Este
substitutivo desprezou em grande medida todo o acúmulo teórico e de
propostas dos anos 1980, ou seja, passou por cima das lutas sociais do
período.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira foi
outorgada em 1996. No ano seguinte, e como parte das diretrizes
neoliberais, o Decreto n. 2.208/1997, regulamenta a reforma da educação
profissional, prevista no parágrafo 2º do artigo 36 e nos artigos 39 a 42 da
nova LDB. Essa regulação configura a educação profissional em três níveis:
básico, técnico e tecnológico. Com ela, o nível técnico poderia ser
oferecido de forma concomitante ao ensino médio ou subsequente a esse,
após sua conclusão.
As diretrizes adotadas na reforma da educação profissional
certamente dificultam a universalização da educação e promovem uma
formação profissional aligeirada, típica dos países dependentes. As
consequências para o ensino superior são drásticas. Não cabe mais à
universidade produzir novos conhecimentos, promover a independência
tecnológica ou a autonomia do país, tal como se defendia nos anos 1960.
Cabe aos setores mais avançados da indústria — em geral,
raríssimos — desenvolver tecnologias, enquanto a base da economia
permanece fundamentada na exportação de produtos primários, que busca
no mercado mundializado os pacotes tecnológicos, todos eles filhos da
revolução verde.
Com a produção de conhecimento restrita a alguns centros
universitários, capazes de desenvolver ou adaptar os pacotes tecnológicos
produzidos nos países centrais à realidade local, e de formar uma elite

145
dirigente, as universidades públicas e a pesquisa científica deixam de ser
necessárias ou disfuncionais.
Segundo Leher (1999), a reforma da educação profissional na
década de 1990 molda:

as escolas aos ‘imperativos da globalização’ e a avaliação centralizada


garante o controle estatal da atividade docente. Formalmente, todos
podem usufruir as benesses da globalização e as condições de
governabilidade estariam asseguradas. Este é o mapa das ideias que
institui um verdadeiro apartheid educacional planetário, sob a batuta
do Banco Mundial (LEHER, 1999, p.29).

Roberto Leher tem razão, pois de fato o Banco Mundial se torna


uma espécie de superministério da educação na fase da mundialização do
capital. A implementação de suas diretrizes e princípios geram um
verdadeiro apartheid educacional planetário, sendo o Brasil um exemplo
perfeito disso.
Ao contrário de países imperialistas — como a Alemanha — que
precisam formar mão de obra qualificada de alto nível, pesquisadores para
desenvolver tecnologias e criar patentes, além de gestores do capital para
administrar as grandes corporações do país, não há grande demanda no
Brasil por formação de mão de obra qualificada ou para o desenvolvimento
de tecnologias.
Segundo Santos (2017), a nova LDB “[...] tratou de esquartejar
ainda mais a histórica dicotomia educativa capitalista à moda brasileira”
(SANTOS, 2017, p. 230). O parágrafo 4º do artigo 36 deixa aberta a
possibilidade de a iniciativa privada expandir seus negócios nesse setor. Ao
abrir esse nicho para a iniciativa privada, o governo atende a dois objetivos
de orientação neoliberal: o primeiro refere-se a isentar o governo de custear

146
uma formação técnico-científica articulada ao ensino médio, modelo de
formação que exige mais recursos do orçamento público; o segundo abre a
possibilidade de o empresariado lucrar com a educação do trabalhador
(SANTOS, 2017), ou seja, de mercantilizar a educação.
Ramos (2011) argumenta que a reforma educacional promovida
pela nova LDB propõe-se a resolver os problemas educacionais através do
reforço dos elementos tecnicistas na educação e do paradigma da pedagogia
das competências, mas considera que esses não são problemas apenas de
ordem pedagógica:

O que a reforma não considerou, entretanto, é que os problemas que


se propôs a resolver não são exclusivamente pedagógicos. Antes,
possuem determinações políticas, por um lado, e epistemológicas, por
outro. A não compreensão dessas determinações desencadeou
inúmeras inovações, sem promover a compreensão do problema na sua
essência e em sua superação (RAMOS, 2011, p. 775).

A reforma da educação profissional promovida pelo Decreto


2.208/1997 sofreu diversas críticas de educadores e das organizações dos
trabalhadores, entre elas, a de que aprofundaria a dicotomia entre
formação propedêutica e para o trabalho, pelo viés produtivista. Segundo
Ciavatta e Ramos (2011, p. 11), as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) pregavam um currículo baseado em competências, que tende
“[...] a uma abordagem condutivista do comportamento humano e
funcionalista de sociedade, reproduzindo-se os objetivos operacionais do
ensino coerentes com os padrões taylorista-fordistas de produção”.
A retomada desse debate em torno da nova política educacional
para a educação profissional se dá a partir dos primeiros meses de governo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), um governo que

147
temos chamado de melhorista, pois de alguma forma incorpora as
demandas históricas da classe trabalhadora sem, contudo, alterar os
fundamentos da exploração do trabalho.
A insatisfação com o Decreto n. 2.208/1997 por parte de diversos
seguimentos progressistas da sociedade civil, ligados a educadores,
estudantes e trabalhadores levou a pedidos de revogação do referido
decreto e à tentativa de construção de uma lei e de uma nova política
educacional que previsse a integração entre a formação geral e a profissional
no ensino médio.
A Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC),
vinculada ao Ministério da Educação, promoveu dois seminários nacionais
com o objetivo de ampliar o debate, um intitulado “Ensino médio:
construção política”, e outro, “Seminário nacional de educação
profissional: concepções, experiências, problemas e propostas”. Os
seminários foram realizados, respectivamente, em maio e em junho de
2003. As contribuições levantadas neles fomentaram o debate, produzindo
um amadurecimento sobre o tema.
Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 2), mantiveram-se
“[...] as contradições e disputas teóricas e políticas sinalizadas desde o início
do processo, culminando no Decreto 5.154/2004, de 23 de julho de
2004”.
Três posições demarcaram o debate em torno de uma nova política
educacional. A primeira propunha a revogação do Decreto 2.208/1997 e
a elaboração de uma política de ensino médio e educação profissional,
tendo em vista que a LDB contemplava as mudanças propostas, além de
compreender que a efetivação das mudanças através de um novo decreto
equivaleria a dar continuidade ao método impositivo adotado pelo
governo anterior.

148
A segunda posição, de caráter mais conservador, propunha a
manutenção do Decreto 2.208/1997, vislumbrando alterações mínimas.
Por fim, a terceira posição partilhava da ideia da revogação do referido
decreto, associada à promulgação de um novo (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005).
Já era possível perceber que o governo Lula seria de caráter
reformista e que não iria promover mudanças estruturais que pudessem se
colocar contra o capital, mas, ainda assim, um grupo de educadores — que
envolveu direta e indiretamente os autores acima citados: Gaudêncio
Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos — viu a possibilidade de
construir uma lei mais favorável para a educação da classe trabalhadora:

[...] sem negar nossas posições teóricas e compreendendo que


estávamos num governo que se move no âmbito de uma democracia
restrita, que as sucessivas versões da minuta de decreto que recebeu o
número 5.154/2004 foram geradas, com uma complexa acumulação
de forças, com a participação de entidades da sociedade civil e de
intelectuais. O documento é fruto de um conjunto de disputas e, por
isso, mesmo, é um documento híbrido, com contradições que, para
expressar a luta dos setores progressistas envolvidos, precisa ser
compreendido nas disputas internas na sociedade, nos Estados, nas
escolas. Sabemos que a lei não é a realidade, mas a expressão de uma
correlação de forças no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Ou
interpretamos o decreto como um ganho político e, também, como
sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar com o
status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses
definidos pelo mercado (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005,
p. 4).

Num país de características autocráticas como o Brasil, deve-se


questionar se o decreto é a melhor saída para mudanças positivas. A opção

149
pela construção de um novo decreto, em meio as contradições contidas
nessa via, foi justificada, pois os educadores envolvidos acreditavam que os
princípios seriam distorcidos, caso passassem pelo parlamento.
De qualquer forma, acreditamos que o Decreto n. 5.154/2004, na
prática, não substitui o Decreto 2.208/1997. Ele, de alguma forma,
permite a integração entre formação geral e formação profissional no
ensino médio, mas não elimina a mercantilização da educação e não
contribui para a superação da educação de caráter capitalista. É evidente
que um decreto mais radical dependeria de uma pressão popular que não
estava sinalizada naquele momento e de mudanças radicais no mundo do
trabalho, isto é, que alterassem o sentido do trabalho.
Dessa forma, o novo decreto é expressão da capacidade das
camadas privilegiadas em manter seus interesses, bem como dos limites do
lulismo e dos educadores progressistas brasileiros, que geraram pequenas
positividades, mas também contribuíram a permanência de muitas marcas
negativas da educação brasileira.
Frigotto (2016) destaca acertadamente o peso dos interesses da
burguesia local, que além de nunca ter desenvolvido um projeto de nação
e de ser submissa aos interesses do capital estrangeiro, sempre esteve
interessada na manutenção de seus privilégios, fosse por meio de ditaduras
militares, fosse por meio de golpes institucionais.

[...] há, por parte da classe burguesa brasileira, por seu braço político,
jurídico e burocrático uma resistência ativa e permanente às reformas
estruturais e um sistemático protelar das medidas efetivas de garantia
do direito universal à educação básica pública, assim como do direito
à saúde pública (FRIGOTTO, 2016, p. 59).

150
Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), o ensino médio
integrado ao técnico é uma condição social e histórica necessária para
construção de um ensino médio unitário e politécnico, mas não se
permitiu um maior avanço.

Portanto, o ideário da politecnia buscava e busca romper com a


dicotomia entre educação básica e técnica, resgatando o princípio da
formação humana em sua totalidade; em termos epistemológicos e
pedagógicos, esse ideário defendia um ensino que integrasse ciência e
cultura, humanismo e tecnologia, visando ao desenvolvimento de todas
as potenciali-dades humanas. Por essa perspectiva, o objetivo
profissionalizante não teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos
interesses do mercado, mas constituir-se-ia numa possibilidade a mais
para os estudantes na construção de seus projetos de vida, socialmente
determinados, possibilitados por uma formação ampla e integral
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 10).

Os formuladores da proposta compreendem a politecnia a partir


da conceituação adotada por Saviani (2003), reconhecendo seus limites e
o longo debate que envolve a utilização dessa categoria. Todavia, justificam
a opção política adotada por eles por conter os elementos de uma educação
politécnica e os germens para sua construção:

Entenda-se, entretanto, que a educação politécnica não é aquela que só


é possível em outra realidade, mas uma concepção de educação que
busca, a partir do desenvolvimento do capitalismo e de sua crítica,
superar a proposta burguesa de educação que potencialize a
transformação estrutural da realidade (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2005, p. 15).

151
Esses intelectuais têm razão ao verificar a necessidade de a esquerda
brasileira conectar a luta aqui e agora com a luta de longo prazo
(estratégia). É possível começar a construir a educação politécnica desde já,
sem esperar outra realidade ou a existência de condições supostamente
mais favoráveis. No entanto, subestimam o peso da estratégia lulista, que
ao nosso entender impede a articulação da mudança atual com o horizonte
de uma sociedade sem classes, e superestimam e distorcem o peso “da
resistência ativa e permanente às reformas estruturais e um sistemático
protelar as medidas efetivas de garantia do direito universal à educação
básica pública, assim como o direito à saúde pública” (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 16).
Para nós, a superação da tragédia educacional brasileira só é
possível, se a estratégia educacional fizer parte de um amplo movimento
nacional e internacional de superação do modo de produção capitalista,
isto é, de emancipação do trabalho, a fim de possibilitar o desenvolvi-
mento de todas as potencialidades humanas, estéticas, políticas, físicas,
mentais etc. Nesse sentido, Mészáros (2002) observa acertadamente a
necessidade de alterações concomitantes no mundo do trabalho e no
mundo da educação.
O ensino integrado, vislumbrado pelos formuladores do Decreto
5.154/2004, é apresentado enquanto uma proposta que une todas as
dimensões da vida; assim, o trabalho é concebido como mediador das
relações entre o homem e a natureza. Ao passo que a formação omnilateral
expressa-se na integração de todas as dimensões da vida no processo
educativo.
Formulado em 2007, o documento-base “Educação profissional
técnica de nível médio integrada ao ensino médio” sugere uma solução
transitória, de médio ou longo prazo, mas que, segundo seus formuladores,
contemplaria as dimensões científicas, tecnológicas, culturais e para o
trabalho. Para eles, no decreto existem fundamentos para o

152
desenvolvimento de uma base unitária de formação geral integrada a uma
formação técnica de nível médio, permitindo, ao jovem, a inserção no
mercado de trabalho e o exercício da chamada cidadania ativa (BRASIL,
2007).
No nosso entendimento, a política educacional de integração do
ensino técnico ao médio possui inúmeros limites e não permitiu a
formação de trabalhadores que tivessem uma perspectiva mais crítica ao
que Mészáros (2002) chama de sociometabolismo do capital.
Para os autores do decreto, tal proposta torna-se viável por
estabelecer a travessia para uma para uma nova realidade, “[...] numa
perspectiva que não se confunde totalmente com a educação tecnológica
ou politécnica, mas que aponta em sua direção porque contém os
princípios de sua construção” (BRASIL, 2007, p. 24).
Segundo Ferretti (2016, p. 82), o desenrolar desse processo teve
dois diferentes desfechos. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio representaram um avanço considerável, um “[...]
documento afinado com as bases teóricas, filosóficas e políticas da escola
unitária na perspectiva da formação politécnica e omnilateral”, construído
coletivamente, a partir da participação democrática de diversos atores
presentes na escola, fazendo com que o documento vá além de uma mera
peça burocrática. Nós acreditamos, ao contrário, que Ferretti superestimou
essa possibilidade, principalmente porque o golpe de 2016 e o avanço da
extrema direita impediram a implementação da chamada travessia, se é que
de fato a mesma poderia ocorrer com a possível existência de novos
governos de tendência lulista.
Com relação à educação profissional, o desfecho foi bem diferente:
[...] apesar do empenho dos educadores, ficaram, mercê do parecer da
Câmara de Educação Básica do CNE [Conselho Nacional de
Educação], marcadas pelo hibridismo entre a concepção político-
educacional pautada pela formação politécnica e omnilateral e a

153
fundamentada na formação por competência (FERRETTI, 2016, p.
85).

A revogação do Decreto n. 2.208/1997 possui um sentido


simbólico e ético-político, uma vez que representava o ideário do projeto
neoliberal e de “[...] afirmação e ampliação da desigualdade de classes e do
dualismo na educação” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p.
21).
O Decreto n. 5.154/2004 não reverte, por si só, os retrocessos
promovidos na década anterior, e, ainda, revelaria contradições que
indicam a persistência de forças conservadoras, as quais atuam pela
manutenção de seus interesses, e a timidez de um governo melhorista de
origem popular, no sentido de promover rupturas e reformas estruturais
em direção a um projeto anticapital.
O caráter contraditório da construção do decreto de 2004 resulta
do embate entre diversas forças do campo progressista e conservador, como
é natural na luta de classes. Desse embate, resultou um documento híbrido,
que não supera o decreto anterior, mas introduz algumas positividades e
permite uma convivência pacífica e curiosa entre empreendedorismo e
omnilateralidade.
Santos (2017) reforça que o objetivo da integração seria aumentar
a escolarização e melhorar a qualidade da formação de jovens e de adultos
trabalhadores. Contudo, o documento-base “Educação profissional:
concepções, experiências, problemas e propostas” (BRASIL, 2003),
segundo Marinho (2003 apud SANTOS, 2017, p. 233), reforça “[...] a
ideia de reduzir a educação profissional a fins e valores do mercado, ao
domínio de métodos e técnicas da produtividade”.
Na prática, uma das consequências do decreto é a
profissionalização precoce dos filhos de trabalhadores, enquanto os filhos

154
das classes proprietárias podem se dar ao luxo de qualificar-se somente no
ensino superior, para se tornarem gestores do capital (MERCURIO,
2021).
Ao mesmo tempo e contraditoriamente, o decreto permitiu a uma
pequena parcela da classe trabalhadora — que poderíamos chamar de
aristocracia da classe trabalhadora — uma formação de melhor qualidade
em institutos federais e centros estaduais de educação profissional. Esses
jovens puderam entrar no ensino superior ou obter uma qualificação que
lhes permitiu melhores oportunidades no mercado de trabalho. Não
podemos deixar de lembrar que, principalmente nos institutos federais, os
alunos contam com professores com dedicação exclusiva, que têm
mestrado e doutorado, e que isso de alguma forma permite uma educação
de qualidade para uma parcela da classe trabalhadora, se comparada com a
oferecida pela escola pública de massa.
Mas não podemos deixar também de destacar que os projetos
político-pedagógicos dos institutos federais são no mínimo curiosos. Num
parágrafo, afirmam que a educação deve ser integral, omnilateral e
politécnica. No parágrafo seguinte, afirmam que a educação deve
promover o desenvolvimento local, estar a serviço da promoção de arranjos
produtivos locais e do empreende-dorismo.
Como não poderia deixar de ser, o novo decreto não resolve a
questão da dicotomia, ao manter a possibilidade de separação entre ensino
propedêutico e educação profissional. Ramos (2011) reconhece os limites
presentes na legislação, mas também suas positividades. Para ela:

O texto da lei se limita a admitir que a articulação entre o ensino médio


e a educação profissional possa ocorrer de forma integrada, o que
significa a formação básica e a profissional acontecerem numa mesma
instituição de ensino, num mesmo curso, com currículo e matrículas

155
únicas. Discussões e propostas de educadores, porém, vão mais longe.
Ao defenderem a proposta de Ensino Médio Integrado, resgatam
fundamentos filosóficos, epistemológicos e pedagógicos da concepção
de educação politécnica e omnilateral e de escola unitária baseado no
programa de educação de Marx e Engels e de Gramsci. Tais
fundamentos convergem para uma concepção de currículo integrado,
cuja formulação incorpora contribuições já existentes sobre o mesmo
tema, mas pressupõe a possibilidade de se pensar um currículo
convergente com os propósitos da formação integrada — formação do
sujeito em múltiplas dimensões, portanto, omnilateral — e da
superação da dualidade estrutural da sociedade e da educação
brasileiras (RAMOS, 2011, p. 775).

Mesmo reconhecendo a matrícula única para o ensino médio


integrado a educação profissional, o Parecer n. 39/2004, do Conselho
Nacional de Educação (CNE), estabelece que os conteúdos do ensino
médio e da educação profissional são de natureza distinta (SANTOS,
2017), reforçando a dicotomia entre formação propedêutica e profissional.
Ao manter a possibilidade de oferta do ensino técnico subsequente e
concomitante, o referido parecer preserva o nicho de interesse do setor
empresarial, garantindo a manutenção da venda de um modelo de
formação aligeirada aos trabalhadores e seus filhos, bastante lucrativo.
No fim das contas, e de forma bastante coerente com o projeto
conciliador do lulismo, o decreto agradou tanto os interesses do mercado
quanto os interesses de parte dos setores populares e, em menor medida,
dos docentes do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), que
precisavam de um ambiente propício e de uma lei para tentar promover a
educação omnilateral.
Santos, Ribeiro e Sabino (2020) vão mais longe ao criticar as
políticas governistas do período, afirmando que:

156
Na medida em que acenam para o trabalhador com o aumento de uma
suposta empregabilidade, as políticas governistas, independentemente
de sua origem partidária e mesmo das diferenças entre si, coadunam-se
com os interesses neoliberais que, por sua vez, resguardam as
prerrogativas empresariais (SANTOS; RIBEIRO; SABINO, 2020, p.
48).

Não podemos deixar de destacar que o ajuste do currículo aos


interesses do mercado traz consigo um vocabulário repleto de expressões
que impõem uma visão ideológica, em que o novo trabalhador deve estar
disposto a se transformar para garantir sua sobrevivência (SANTOS;
RIBEIRO; SABINO, 2020). Colaborador, empreendedor, consultor,
vestir a camisa, inovar, inovação, são termos que passam a fazer parte do
dia a dia das escolas.
Em síntese, em que pesem as poucas possibilidades de uma efetiva
integração, ocorreram poucos avanços nesta política educacional. O
decreto garante a continuidade dos nichos de mercado que interessam aos
conglomerados empresariais do setor educacional. Apesar da possibilidade
de uma educação mais progressista, tem-se, em síntese, uma demonstração
das políticas educacionais conciliatórias promovidas ao longo dos governos
Lula e Dilma, que garantiram a manutenção dos campos de influência e
de interesse da burguesia, culminando no golpe institucional de 2016 e,
posteriormente, na eleição de um governo de extrema direita, em 2018,
que destrói completamente as políticas sociais positivas que restavam.
Na ausência de alterações concomitantes (Mészáros, 2002) no
mundo do trabalho e no complexo educacional, o decreto de 2004 permite
no máximo a formação de um trabalhador de luxo para algumas parcelas
do capital. Em outras palavras, na ausência de reformas radicais ou de uma
revolução, alterações positivas nas leis educacionais se esvaem no ar.

157
Apesar dos enormes retrocessos vivenciados nos últimos quatro
anos, Frigotto (2016, p. 67), em suas análises sobre a primeira década de
vigência do Decreto n. 5.154/2004, aponta que “a percepção da relevância
de buscar-se avançar na perspectiva do Ensino Médio integrado vem
ganhando mais espaço”, ressaltando que houve um ligeiro aumento no
número de matrículas no ensino médio integrado da rede federal, o qual
alcançou a marca de 30,7% das matrículas em 2017. No entanto, adverte
que: “[...] na realidade brasileira, o Ensino Médio integrado, na perspectiva
da educação omnilateral e politécnica é algo inaceitável à classe burguesa
brasileira e seus intelectuais” (FRIGOTTO, 2016, p. 66).
Enfim, para Santos (2019), o que “[...] se registra ao longo da
história da educação no capitalismo é a negação da formação integral como
‘aquela que une cabeça (intelecto), corpo (mãos) e fantasia (espírito)’”
(SANTOS, 2019, p. 54, grifo do autor). O Brasil continua figurando entre
os campeões nos rankings de analfabetismo e analfabetismo funcional.
Continua sendo bom nos rankings de negacionismo e nos rankings de
produção de ignorância. Nos rankings de mercantilização da educação,
estamos entre os melhores. Nos rankings do Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes (PISA), estamos nas últimas posições, o que
mostra uma vez mais que a nossa educação, nos marcos da sociedade do
capital, jamais será de qualidade para as massas e será sempre um privilégio,
nos dizeres de Anísio Teixeira.
O golpe de Estado de 2016, a PEC do Fim do Mundo, a atuação
das forças de extrema direita nos governos Temer e Bolsonaro nos mostram
— mais uma vez — que Florestan Fernandes estava certo. Pequenas
demandas e pequenas vitórias da classe trabalhadora rapidamente são
revertidas. Quando o povo luta e demanda seus direitos, como vimos nos
últimos 40 anos, ele é jogado na lona e há a supressão da democracia. Mais
uma vez em nossa história, o circuito se fechou.

158
Capítulo 7
Educação à distância e precarização do
trabalho docente virtual no neoliberalismo

Introdução

Apesar de, nos últimos anos, muitos estudos mostrarem que a


iminência de uma nova pandemia ocorrer era real, é possível afirmar que a
Covid-19 pegou o mundo de surpresa. Somado ao seu rastro de destruição,
ela obrigou as relações sociais e de trabalho a se adaptarem a uma nova
realidade, ao chamado novo normal. Home office, reuniões virtuais, aulas
síncronas, aulas assíncronas, utilização de novas ferramentas de trabalho,
entre outros elementos, passam a fazer parte do cotidiano de trabalhadoras
e trabalhadores das mais diversas áreas.
Por mais que grande parte dessas transformações tenha chegado à
grande maioria das pessoas por causa desse novo normal, nenhuma delas se
dá como novidade no modo de produção capitalista, muito pelo contrário.
Dentro das mudanças das facetas do capitalismo, em busca de sustentar o
processo de acúmulo do capital e de obtenção do lucro, essas
transformações já se davam como meios pelos quais se introduziam as
novas lógicas do capital. Um dos grandes exemplos disto, é a educação a
distância (EAD).
Não obstante o fato de que sua consolidação tenha se dado ao
longo dos últimos 10 ou 20 anos, a existência de uma modalidade de
ensino a distância não é nenhuma novidade, ainda mais no que diz respeito
ao seu papel essencial dentro do desenvolvimento de uma educação

159
neoliberal (NOBLE, 2000). Mészáros (2004) evidenciou que as evoluções
tecnológicas dentro do capitalismo ocorrem por interesses do capital, e não
de acordo com as necessidades da sociedade — por mais que o discurso
ideológico afirme que a EAD é uma aliada na democratização do acesso ao
ensino (UNICEF, 1990). O que se pode observar é que essa modalidade
de ensino cada vez mais se expande no setor privado (INEP, 2017), como
uma grande máquina virtual de acumular capital.
Na medida em que a EAD se articula diretamente com os
princípios e diretrizes neoliberais, as consequências para o trabalho docente
podem ser vistas através de um contínuo processo de precarização. Há 150
anos, Marx (2017) afirmou que a introdução de maquinaria nas fábricas
pelos capitalistas trazia graves consequências ao trabalhador. Seguindo a
mesma tendência, o contínuo crescimento da EAD nos revela que essa
evidência se torna completamente atual, como procuraremos observar
neste capítulo. A EAD tem exercido o papel de dar continuidade ao
processo de precarização do trabalho docente e faz parte de um processo
mais geral de precarização do trabalho.
Nesse sentido esse capítulo tem como objetivo analisar esta
modalidade de ensino como parte da expansão do capital e a partir disso,
utilizar as experiências de EAD realizadas ao longo dessa pandemia para
refletir, averiguar e analisar algumas facetas de precarização presentes nesta
modalidade de ensino.

O que é a educação a distância?

O conceito de EAD, como não poderia deixar de ser, vem sendo


intensamente debatido. Moore e Kearsley (2008) estão entre os primeiros
pensadores a buscar conceituar a EAD, focando, sobretudo, na separação

160
espacial entre professor e aluno. Dessa forma tal modalidade se
caracterizaria pelo fato de que “alunos e professores estão em lugares
diferentes durante todo ou grande parte do tempo em que aprendem e
ensinam” (MOORE; KEARSLEY, 2008, p.1).
Já para Peters (2006), o elemento central para compreender a EAD
se pauta pela racionalização do trabalho, em suas palavras: “Educação a
distância é um método de transmitir conhecimento, competências e
atitudes que é racionalizado pela aplicação dos princípios organizacionais
e de divisão do trabalho” (PETERS, 2009, p. 25).
No que diz respeito à produção teórica sobre o tema no Brasil,
Belloni (2012) vê na maior autonomia do estudante um dos elementos
centrais do que constitui a EAD. Também é preciso destacar não somente
a separação espacial do processo de aprendizagem mas também a separação
temporal, visto que as novas tecnologias permitem à EAD lançar mão de
um ensino assíncrono.
Poderíamos afirmar provisoriamente que se entende por EAD uma
modalidade de ensino na qual professor e aluno, ao longo do processo de
ensino e aprendizagem, se encontram separados espacial e/ou
temporalmente.

Uma breve história da educação a distância

Inúmeros estudos foram produzidos sobre a ascensão das


corporações no século XX. São bastante conhecidos os estudos de Lênin
(1870-1924), no livro “Imperialismo fase superior do capitalismo” (2021),
em que ele mostra a ascensão do capital monopolista.

161
Corporações como General Eletric, Ford, entre tantas outras filhas
da segunda revolução industrial, criaram carros, ônibus, aviões, tanques de
guerra, sistemas elétricos para fábricas e cidades, máquinas de lavar roupa,
utensílios domésticos, cinemas etc.
No século XIX, Marx (1818-1883) narrou as positividades e
negatividades da primeira revolução industrial na Inglaterra, na época do
capitalismo concorrencial. A Inglaterra foi o primeiro país a revolucionar
a indústria têxtil. O brilhante Charles Dickens nos mostra em seus livros
fábricas sujas, escuras, mulheres trabalhando 16 horas por dia, crianças
trabalhando 14 horas por dia, e homens totalmente entregues ao trabalho
por um mísero salário.
Jeremy Bentham (1748-1832) é um dos idealizadores do
panóptico, um sistema visual que permite ao chefe da prisão ou da fábrica
ver todos os pontos do espaço e assim tentar controlar o que está
acontecendo. Charlie Chaplin é certamente o comediante de maior
genialidade do século XX. Conseguiu explorar os dramas da humanidade
com uma habilidade rara, nos fazendo rir em cenas nas quais deveríamos
chorar.
Numa das cenas do filme “Tempos modernos”, o operário
interpretado por Chaplin não tem direito sequer de fumar tranquilamente
um cigarro no banheiro. Seu chefe estava vendo várias câmeras ao mesmo
tempo e abriu a do banheiro. Mandou Chaplin voltar a trabalhar
imediatamente! Prenúncio do panóptico digital muito em moda na
arquitetura e nos sistemas de controle das fábricas chinesas nos dias de
hoje?
A implementação da maquinaria na primeira revolução industrial
não se deu sem resistência por parte da classe trabalhadora. O movimento
luddita ou luddismo, como preferem alguns, teve papel fundamental na

162
resistência à introdução da maquinaria. Ele atuou num momento em que
os sindicatos ainda eram efêmeros e pouco eficientes. Os trabalhadores
quebravam máquinas — ou, no termo francês, sabotavam-nas — ao jogar
o tamanco (sabot/madeira) nelas.
A partir dos anos 1960, o mundo passou por uma nova revolução
industrial, que deu novo impulso ao crescimento das corporações, cada vez
mais transnacionais e financeirizadas. Poderíamos destacar aqui a
revolução computacional, a máquina-ferramenta de controle numérico e a
crescente automação dos sistemas fabris. São conhecidas as lutas do
movimento sindical para controlar o desenvolvimento e uso dessas
tecnologias em países como Suécia, Noruega e Dinamarca, bem como as
lutas dos trabalhadores japoneses para impedir a introdução total e
irrestrita de máquinas de controle numérico e seus sistemas de trabalho em
equipe just in time, polivalente, marcados pelo autocontrole do
trabalhador, pelo uso de estoques mínimos etc.
As lutas contra a energia nuclear, contra os automóveis, agrotóxicos
e transgênicos passaram a fazer parte da história das lutas da classe
trabalhadora e das camadas intermediárias contra a introdução dessas
novas tecnologias.
Uma rápida busca na internet da expressão “luddismo moderno”
vai permitir ao leitor verificar que dificilmente alguém quebra
intencionalmente seu próprio computador, mas há formas de resistir ao
desenvolvimento e controle absoluto das novas tecnologias digitais.
Campanhas contra o Big Brother nas cidades, isto é, contra câmeras por
todos os lados; lutas de movimentos sociais contra viveiros de sementes
transgênicas; lutas pelo software livre, entre outras, fazem parte do novo
luddismo.

163
Lembremos que os primeiros computadores fizeram tremer o
sistema elétrico da Califórnia. Eles ocupavam praticamente um quarteirão.
Os primeiros correios eletrônicos eram de uso militar. Para os padrões de
hoje, os computadores eram lentíssimos, grandes e pouco eficientes, mas
evoluíram rapidamente. Nos anos 1990, no contexto da Nova Guerra Fria,
agora contra os chineses, a internet deu uma grande oportunidade aos
EUA, ao gerar um gigantesco mercado pelas redes.
As indústrias de fibra ótica, microcomputadores, celulares
integrados a câmeras, e-mails, WhatsApp, Facebook, Instagram, televisores
modernos, não só permitiram que novas indústrias e novos serviços
surgissem mas também potencializaram os setores já existentes. Acabaram
com o cartão de ponto, no qual você para de trabalhar e esquece o seu
trabalho. Em outras palavras, acabaram com a fronteira entre trabalho e
tempo livre. Agora trabalhamos 24 horas.
Nos anos 2000, estavam dadas todas as condições para o
surgimento de um perfeito panóptico digital. A diferença para as primeiras
estruturas panópticas é que agora não há um chefe ou patrão que olha
tudo, os computadores se encarregam disso e, obviamente, fornecem dados
para as agências de inteligência. Não é preciso muito esforço para saber
que tudo que fazemos vem sendo vigiado. O camarada Google sabe mais
que nossa família sobre nossos hábitos de consumo, preferências políticas,
preferências alimentares etc. Corporações capturam tudo o que você faz e
como faz.
Mas daí veio a pandemia, que permitiu o crescimento exponencial
de um mercado já existente, o mercado das videoconferências, da EAD, do
ensino remoto etc., aquecendo a compra de serviços de internet e de
aparelhos, como câmeras, computadores, entre outros.

164
No que se refere aos sistemas educacionais, lembremos que as
classes possuidoras, através do Estado capitalista, tiveram uma enorme
dificuldade de se apropriar do conhecimento dos trabalhadores-professores
no século XX, seja nos sistemas públicos, seja nos privados.
A chamada liberdade de cátedra ou controle total da aula pelo
professor foi um dos poucos campos em que o capital não conseguiu
penetrar nem expropriar conhecimento. Entretanto, a padronização das
aulas, a oferta de manuais e livros didáticos ao Estado, a utilização de
câmeras e sistemas computacionais, como Google Meet, Google
Classroom, Microsoft Teams e Zoom, têm levado ao descobrimento das
rotinas das salas de aula, as quais, durante muito tempo, foram
consideradas um mistério pelo Estado e pelas corporações, em geral em
função da baixa permeabilidade ou da dificuldade de controle sobre o que
se ensina, como se ensina e como se avalia.
É possível afirmar que a história da educação a distância, de certa
forma, é a história dos meios de comunicação em massa. Com isso, para
muitos teóricos —como Peters (2006) e Alves (2005) —, o
desenvolvimento da EAD pode ser dividido em três partes: a) a da
correspondência; b) a da telecomunicação; e c) a da informática e da
internet.
Apesar de já existirem evidências históricas de que existia um
ensino sistemático via correspondência em meados do século XVIII, é
consenso entre os pesquisadores que as primeiras formas instituciona-
lizadas de uma modalidade de ensino a distância via correspondência
tenham corrido na metade do século XIX.
No século XIX, enquanto o ensino via correspondência se
espalhava em muitos países da Europa, aqueles que já estavam fazia um
tempo nessa jornada passaram a explorar a radiodifusão como instrumento

165
de ensino. Na Inglaterra, através da BBC, em 1928, iniciaram-se um
conjunto de programas educativos para adultos. Não demorou muito para
que a televisão também passasse a ser utilizada. No caso brasileiro, a
televisão foi um marco na EAD, sobretudo através de programas de
alfabetização de adultos e dos chamados telecursos.
Por fim, a fase mais recente da EAD foi a que lhe proporcionou
crescer e se consolidar. Ela se dá através do uso da evolução da informática
(popularização dos computadores) e da internet. É nesse momento
histórico que tal modalidade de ensino passa a crescer cada vez mais, de
forma exponencial. Com isso, não demorou muito para que tal
modalidade de ensino passasse a ser mencionada em documentos oficiais
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), sobretudo na “Conferência mundial sobre educação para
todos” (UNESCO, 1996) e no relatório realizado sobre encomenda da
UNESCO, intitulado “Educação: um tesouro a descobrir” (DELORS,
1996).
Acompanhando esse movimento, também ocorre o processo de
legitimação legal da EAD no Brasil, tendo seu marco no ano de 1996 com
a nova LDB, a qual pode ser entendida como um “estatuto de maioridade
para a educação a distância no Brasil” (GIOLO, 2008, p.2).
Após isso, a EAD passou a ganhar espaço e a se consolidar cada vez
mais no país. Aos poucos, passou a ter mais legitimidade com um conjunto
de decretos que foram lhe permitindo se desenvolver, sobretudo quando
essa modalidade de ensino passa a ser utilizada em larga escala pela rede
privada, tornando-se parte do processo de privatização, precarização e
degradação da educação (BELLINASO, 2020). No nosso entendimento,
é preciso observar o contexto político-econômico que leva à expansão da
EAD. A compreensão do ambiente político e social onde se dá essa
expansão é fundamental para avaliar se esta vai levar à precarização e à

166
degradação do trabalho docente ou se, ao contrário, levará à expansão da
educação de qualidade, à disseminação e à socialização de conhecimento
que melhora as condições de vida da população.

Educação a distância e neoliberalismo

Basicamente, a EAD é constituída sobre dos pilares: educação e


tecnologia. Mediante tal fato, cabe aqui fazer uma pequena observação
sobre cada uma dessas dimensões, de forma isolada. A primeira dimensão,
a educação, quando olhada em seu papel dentro do modo de produção
capitalista, é possível notar sua função estratégica em instruir e condicionar
o pensamento ideológico hegemônico.

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos,


serviu — no seu todo — ao propósito de não só fornecer os
conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em
expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um
quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não
pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma
‘internalizada’ (isto é, pelos indivíduos devidamente ‘educados’ e
aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação
hierárquica e implacavelmente impostas (MÉSZÁROS, 2008, p. 35).

No mesmo caminho, quando olhamos as tecnologias, é possível


notar que seu desenvolvimento não ocorre de acordo com as necessidades
humanas, mas, sim, de acordo com os interesses do capital (NOVAES,
2007). Por mais que a inserção de novas tecnologias no trabalho esteja
sempre associada a um processo neutro de modernização, Mészáros (2004,
p. 266) evidencia que não se passa de um discurso ideológico:

167
A ideia de que a ciência segue um curso de desenvolvimento
independente, de que as aplicações tecnológicas nascem e se impõem
sobre a sociedade com uma exigência férrea, é uma simplificação
demasiadamente grosseira e com objetivos ideológicos.

Além do mais, com a solidificação do capital, as tecnologias passam


a exercer uma função exclusiva para a manutenção de todo o sistema, nesse
sentido, como próprio Marx (2008) afirma, o desenvolvimento
tecnológico é responsável por um papel fundante no processo histórico das
relações sociais produtivas. Seu desenvolvimento não levou à diminuição
da carga de trabalho em geral, e tem produzido inúmeros crimes
ambientais, como podemos ver no caso da revolução verde (NOVAES,
2007).
Dessa forma se torna importante refletir se, dentro do modo de
produção capitalista, onde tanto educação e tecnologia estão diretamente
ligadas aos interesses do capital, a EAD não é apenas mais umas das
múltiplas formas encontradas pelo capital para ampliar a acumulação e
manter a ideologia hegemônica. No linguajar da administração de
empresas, a EAD é uma bela oportunidade de novos negócios.
Especialmente em países periféricos e dependentes, num ambiente
de avanço do neoliberalismo, é muito provável que a EAD contribua para
a má formação de professores, para a precarização do trabalho docente e
para a mercantilização da educação.
Da mesma madeira em que o capitalismo passa por constantes
transformações em sua estrutura, os sistemas educacionais, como parte
fundamental desse modo de produção, também passam por um conjunto
de mudanças. Nos dizeres de Minto (2006, p. 85):

168
O campo educacional [...] tende a ser cada vez mais apropriado pelo
capital como espaço privilegiado para a acumulação, utilizando-se, por
isso mesmo, de mudanças fundamentais em sua estrutura e
condicionando sua relação com o Estado. Assim, a ideologia
dominante tende a produzir novos conceitos, cujo intuito é legitimar a
base social desta nova forma de exploração, escamoteando seus reais
fundamentos.

Sendo assim, é possível compreender que a expansão e


consolidação da EAD não se dá por acaso, mas como parte de um conjunto
de mudanças de restruturação do capital na educação na sua fase
mundanizada. Ainda de acordo com Minto (2009, p. 13):

A implantação das práticas de EAD na educação superior erguem-se


sobre a mesma base da reestruturação capitalista, que pressupõe: maior
concentração do capital, precarização das relações de trabalho, restrição
de direitos à classe trabalhadora, ampliação das taxas de lucro,
ampliação progressiva do tempo de exploração da força de trabalho e
crescente produtividade etc. No campo da educação superior, as
chamadas tecnologias da EAD apresentam-se hoje como uma das
principais fronteiras de expansão, em especial, do setor privado de
ensino. Tornado meio preferencial de expansão de áreas fundamentais,
como a formação de professores para a educação básica, o EAD amplia
enormemente as possibilidades de investimentos produtivos no ensino,
potencializando, com isso, as expectativas de lucros no setor.

Se torna evidente que existem interesses do capital na contínua


implementação e desenvolvimento da modalidade de EAD, sobretudo
quando relacionado ao momento histórico de sua consolidação com a
conjuntura político-econômica que estava em movimento, o fim da Guerra
Fria, o avanço e consolidação das políticas neoliberais.

169
No que se diz respeito à América Latina, e consequentemente ao
Brasil, de acordo com Dos Santos (2000), a expansão de tal pensamento
político-econômico teve seu marco após as decisões tomadas no Consenso
de Washington (1989), o qual determinou um conjunto de medidas
políticas econômicas e sociais para os países latino-americanos. Nesse
sentido, as diretrizes de implementação do neoliberalismo voltadas para a
questão educacional podem ser divididas em três pilares: a mercantilização
da educação strictu sensu (fortalecimento de escolas, cursos, universidades
etc. de caráter privado); o estreitamento da relação público-privado (órgãos
como a ONU, Banco Mundial, e demais instituições privadas passam a
ditar diretrizes na EAD, especialmente para a promoção de sistemas
tecnológicos no setor público e privado); e o processo de aligeiramento da
formação (cursos técnicos, tecnólogos, especializações etc.), sem currículos
muito rígidos para uma sociedade instável, dinâmica, sem postos de
trabalho fixos e eternos.
Vale frisar que não é mera coincidência que, nessa conjuntura
histórica, as políticas e diretrizes de incentivo à EAD por parte da
UNESCO ocorram no mesmo período da consolidação das políticas
neoliberais nos países periféricos.
Com o discurso da modernização da educação, da neutralidade
tecnológica e da sociedade do conhecimento (NOVAES, 2007) e,
principalmente, com o discurso de que a EAD permitiria a democratização
do acesso à educação, essa modalidade de ensino esteve presente em quase
todos os documentos educacionais emitidos pela entidade naquela época.
Basta ver a “Conferência Mundial Sobre Educação para Todos:
satisfação das necessidades básicas de aprendizagem” (1990); “Declaração
de Nova Délhi sobre Educação para Todos” (1993); “Educação: um
tesouro a descobrir” (1996); “Declaração de Salamanca” (1998); entre
outros. Em quase todos esses documentos, há uma espécie de fetichismo

170
da EAD, que supostamente iria resolver os problemas educacionais na
sociedade do conhecimento.
Nesse sentido, a EAD passa a exercer um papel extremamente
importante para o avanço das políticas neoliberais para a área da educação,
tornando-se não somente um meio importante para a realização do
aligeiramento das formações mas também um espaço de crescente
mercantilização da oferta de ensino.
Cabe destacar aqui a contribuição do historiador da tecnologia
David Noble. Noble (2000) demonstra com clareza a expansão da EAD
como parte da expansão dos interesses do capital. Na passagem abaixo, ele
realiza um resgate histórico do desenvolvimento dessa modalidade de
ensino, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Para
ele:
Antes de fincar o pé na universidade, o ensino por correspondência
começou como uma empresa comercial. Um dos estabelecimentos mais
antigos, particular e com fins lucrativos, foi construído na Pensilvânia no
final dos anos 1880. Seu fundador, Thomas J. Foster, criaria, em seguida,
a International Correspondence Schools, que iria tornar-se uma das
maiores e mais duradouras empresas desta fértil indústria. Em 1924, estas
empresas comerciais, que visam principalmente um público em busca de
qualificações profissionais para o comércio e indústria, puderam orgulhar-
se de ter recrutado um número de estudantes quatro vezes maior que os
estabelecimentos de ensino superior e de formação profissional juntos. Já
em 1926, os Estados Unidos computavam mais de trezentas destas escolas,
cujo rendimento anual ultrapassava os setenta milhões de dólares
(NOBLE, 2000).

171
Quantidade e baixa qualidade da EAD no Brasil

De acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira (INEP), entre cursos totalmente a distância,
semipresenciais, públicos, privados, latu sensu, stricto sensu etc., no ano de
2000, havia somente 1.682 matrículas. No ano de 2010, por sua vez,
foram registradas 930.179 matrículas. E, em 2017, foram registradas
1.756.982 matrículas, praticamente o dobro de 2010, antes mesmo de
terminar a década.
Outro número interessante para ser mencionado, que se conecta
diretamente com a discussão do item anterior, é o de que, no ano de 2000,
no Brasil, aproximadamente todas as ofertas que se utilizavam em alguma
porcentagem da EAD eram de caráter administrativo e público. No ano
de 2010, as ofertas de EAD do setor privado já beiravam os 50%; em 2017,
elas não só ultrapassaram esse limiar como já estavam próximas dos 70%.
Em seu censo referente ao ano de 2018, alguns dos dados
apresentados pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)
são extremamente interessantes de serem mencionados para compreender
a realidade da EAD no Brasil. O censo contou com a participação de 259
instituições formadoras, sendo que 70% delas já possuem mais de 10 anos
de atuação.
Os dados muitas vezes contradizem discursos ideológicos sobre a
EAD, como o de que a mesma ajudaria ribeirinhos, pequenos produtores
e povos da floresta. Quando olhamos para a distribuição dessas
universidades, 45% estão localizadas no Sudeste, e apenas 5% no Norte,
números que praticamente se repetem no que diz respeito à distribuição
de matrículas. Em geral, entre os cursos que utilizam minimamente
alguma forma de EAD até os que são completamente a distância, foram

172
registradas 9.374.647 matrículas em 2018, um crescimento de 22% em
relação ao ano anterior. No que se diz respeito aos cursos totalmente a
distância, foram relatadas 2.358.934 matrículas, o que significa um
aumento de 71% (ABED, 2019).
Com relação ao perfil do aluno da EAD no Brasil, o censo nos
oferece alguns dados: cerca de 60% são mulheres, a faixa etária média é dos
26 aos 40 anos, e na sua grande maioria já trabalham. Por fim, o único
dado que se mantém ao longo dos anos, é o da alta de evasão desse tipo de
curso, que fica na média dos 25%.
Um elemento que nos fornece base tanto para ressaltar a
consolidação da EAD no Brasil como para reforçar sua relação com o
neoliberalismo é o fato de a maior empresa privada de educação ser
brasileira, a Kroton. Por mais que suas instituições não carreguem seu
nome no outdoor, no ano de 2014, a soma de alunos inscritos em sua rede
(Anhanguera, UNIC, UNOPAR, UNIDERP etc.) chegava a 1 milhão,
tendo como um dos seus pilares de crescimento a EAD.
Todos esses elementos nos levam a afirmar que a EAD já tinha seu
espaço marcado e em contínua expansão antes mesmo da pandemia e que,
consequentemente, já era possível notar os seus impactos na educação em
geral e no trabalho docente. A realidade concreta do professor nessa
modalidade de ensino, sobretudo nos cursos privados em larga escala, pode
ser resumida em uma palavra: precarização.
Esse processo de precarização do trabalho na EAD pode ser visto
em diversas dimensões. Podemos iniciar pela da forte e hierarquizada
divisão do trabalho, que por sua vez é acompanhada de uma fragmentação
da docência (BELLINASO, 2020). Com o objetivo de tornar o processo
educativo mais produtivo, a EAD tende a fragmentar as múltiplas

173
atividades exercidas pelo professor em atividades isoladas, agora executadas
por diferentes sujeitos.
Na medida em que ocorre essa subdivisão das funções docentes,
sobretudo, a separação entre planejamento e execução, isso faz com que o
professor cada vez mais perca a dimensão do todo, separando-o cada vez
mais do verdadeiro sentido do trabalho humano.
A EAD cria ilusões que muitas vezes ocultam dimensões da
precarização. O discurso ideológico de que a fragmentação e a mecanização
do trabalho diminuem o trabalho não é novo, muito menos seu
desmascaramento. Se Marx (2017) já evidenciava isto, é notável que a
EAD proporciona tanto um aumento da jornada de trabalho como a
intensificação dela.
Esta é prolongada por diversos fatores, entre eles: a) a necessidade
de se atualizar ao conteúdo e a tecnologia (FIDALGO, 2007); b) a
separação entre lar e trabalho (FIDALGO, 2007); e c) a fragmentação do
trabalho docente, com a qual algumas atividades se tornam apenas “bicos”
(MILL; SANTIAGO; VIANA, 2008).
A intensificação pode ser notada sobretudo nas proporções
enormes que a EAD adota em contrapartida ao do ensino tradicional
(NEVES; FIDALGO, 2008), seja através do aumento do número de
alunos a serem atendidos, seja pelo simples fato de que os meios
tecnológicos fazem com que muitas vezes o professor tenha que dar a
mesma resposta repetitivamente aos alunos, o que não ocorreria
presencialmente (BELLINASO, 2020).
Somam-se a isso outras dimensões da precarização do trabalho
docente na EAD, como a simplificação do trabalho (ALMEIDA; WOLFF,
2008); a polivalência (BELLINASO, 2020); a ausência de direitos de
trabalhistas (BENINI, 2012); novos impactos na saúde dos profissionais

174
(MILL; SANTIAGO; VIANA, 2008); a despreocupação com os novos
gastos proporcionados pela EAD (MILL; SANTIAGO; VIANA, 2008); a
perda da autonomia de trabalho (PETERS, 2006).
Nesse sentido, é importante ter em mente que não só o processo
de consolidação da EAD mas também sua utilização pelas corporações
educacionais já faziam parte de pilares bem pavimentados da educação no
Brasil antes da pandemia. Contudo, o novo normal nos fornece elementos
para olhar para esse processo e poder analisar essa conjuntura histórica, não
de forma isolada, mas como parte da expansão do capital rumo a novos
setores e campos. No caso da EAD, é bem provável que a pandemia tenha
potencializado a expansão desse ramo da educação e a criação de um
ambiente favorável para o ensino híbrido nas instituições públicas,
conforme veremos nas páginas a seguir.

EAD e pandemia no Brasil

A EAD e a pandemia vieram para ficar no Brasil? Ao que tudo


indica, sim. Se, por um lado, a crise da saúde é resultado de um desgoverno
que durante muito tempo apoiou remédios ineficazes para a Covid-19, e
que até mesmo questionava a necessidade de vacinação, as corporações
educacionais têm um ambiente de negócios favorável para a sua expansão.
Não podemos deixar de mencionar a multiplicação das vendas de câmeras,
notebooks, televisores de alta definição, como parte desse mercado.
A realidade concreta mostra a expansão contínua das atividades
educacionais via EAD. As chamadas lives, que até então eram pouco
utilizadas nas universidades públicas, se tornaram não só uma possibilidade
para superar o distanciamento mas também, ao que tudo indica,
continuarão sendo utilizadas no ensino híbrido.

175
Vale ressaltar que existe todo um terreno preparado para que isso
ocorra. Um exemplo disso é a Resolução do Conselho Estadual de
Educação de 2016, que já permitia que parte das disciplinas oferecidas nas
graduações presenciais pudessem ser realizadas via EAD (BRASIL, 2017).
Dessa forma, tem-se todo o respaldo legislativo para a continuidade de
muitos desses avanços.
De acordo com Adriano Albano, diretor e proprietário de nove
unidades da UNICESUMAR — a quarta maior universidade do país,
atingindo 300 mil alunos —, a pandemia proporcionou uma valorização
do ensino híbrido e da própria EAD, mostrando que essa modalidade de
ensino, pode ter resultados iguais ou até mesmo melhores do que os do
modelo presencial. Em suas palavras: “Antigamente, via-se a EAD como
uma alternativa acessível, em função do valor mais baixo. Mas, hoje, em
função de todo o avanço, é uma alternativa de qualidade” (ECONOMIA
SC, 2021). Nesse sentido, Albano acredita na EAD, seja em sua forma
plena, seja na híbrida, como um progresso necessário para o pós-pandemia.
Esse movimento ocorre não apenas na educação privada mas
também no setor público. A Universidade de São Paulo e a Universidade
Estadual de Campinas já declararam que preveem manter a EAD para
alguns cursos no pós-pandemia. De acordo com membros da reitoria
dessas universidades, a pandemia teria mostrado que essa modalidade de
ensino poderia ser utilizada para as disciplinas e para os momentos de
ensino que eles chamam de “mais teóricos” (PINHO, 2021).
Na mesma tendência, a diretora-superintendente do Centro Paula
Souza (CPS), Laura Laganá, afirmou recentemente que:

O ensino híbrido veio para ficar e deve avançar de forma consistente,


fundamentada e efetiva. Nós devemos estar preparados para essa
demanda que exige um novo olhar para as práticas pedagógicas,

176
reorganização de currículos, capacitação contínua e maior
conectividade nas escolas (CPS, 2020).

É fato que a EAD pode ter aplicabilidades que levem à


democratização do acesso ao ensino, além de proporcionar eventos que as
barreiras espaciais não permitem, e de servir de apoio para conjunturas
históricas semelhantes às quais vivemos atualmente. No entanto, essa
modalidade não pode ser enxergada como uma finalidade em si mesma,
mas, sim, como um meio para determinadas situações em específico. O
que se pode observar que não ocorre na realidade concreta brasileira.
Conforme foi abordado ao longo desse capítulo, a EAD no Brasil
cresce de forma contínua cada vez mais atrelada aos interesses do
neoliberalismo, sobretudo como um importante mecanismo de produção
de mais-valia e de acumulação de capital, fazendo com que o impacto para
o trabalhador docente seja um único: a precarização.
A luta pela educação no Brasil deve ser em grande medida a luta
contra esse avanço descontrolado da EAD, que não é colocada como um
instrumento para as exceções, mas cada vez mais ocupa o lugar do ensino
presencial, que, por sua vez, vem tendo quedas de investimento ao longo
dos anos, sobretudo no setor no público.
Somado a isso, a luta dos trabalhadores docentes também deve ser
a luta contra o avanço desenfreado EAD, sobretudo como parte das
políticas educacionais neoliberais e como parte das estratégias das
corporações educacionais, que precarizam o trabalho docente.
Num país como o Brasil, rasgado por inúmeras contradições como
analfabetismo e analfabetismo funcional, falta de saneamento básico,
multiplicação de favelas e casebres por todos os cantos do país, mas, acima
de tudo, pela instabilidade de renda e de trabalho para o povo, não é

177
preciso muito esforço para perceber que o ensino remoto vai agravar nosso
abismo educacional, gerar experiência-aprendizado para as corporações
expelirem professores das universidades privadas, “otimizarem” e terem
acesso ao valioso conhecimento da sala de aula nas universidades públicas.
Inúmeros secretários de educação declararam publicamente em
2020 que menos de 20% dos alunos estão frequentando as aulas virtuais,
ou seja, um pequeno desastre! Em universidades como a Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, concentradas no interior e
com alunos muito humildes, a tragédia educacional do ensino remoto será
visível. Se os reitores das universidades federais e estaduais tivessem bom
senso, o ano deveria ter sido cancelado. Atividades de extensão sobre a
pandemia e vinculadas à compreensão da barbárie deveriam ser o foco.
Nas universidades privadas, robôs passam a substituir professores.
Aulas são trocadas por palestras de autoajuda. Num contexto de
crescimento do exército industrial de reserva de professores, não há muito
o que fazer. As corporações sabem que são muitos os professores à
disposição e que estes podem ser rapidamente substituídos por alguém
disposto a ganhar menos.
A luta sindical nas universidades públicas contra o ensino remoto
tem surtido algum efeito. Poderíamos citar aqui as inúmeras denúncias
sobre a precariedade do ensino remoto, sobre o papel das corporações no
controle dos sistemas educacionais e a mercantilização da educação, a
necessidade de suspensão do calendário, o fosso educacional entre ricos e
pobres etc.
No entanto, a maior parte dos professores, em geral céticos,
acreditam que devemos enquadrar um ano anormal dentro da normalidade
e tocar o barco, tentar fazer o melhor possível para não prejudicar ainda
mais nossos alunos. Dizem que de qualquer forma vai haver prejuízos,

178
temos que escolher o mal menor, que seria tentar dar aulas e não perder o
ano.
Por último, mas não menos importante, cabe sublinhar que, num
contexto de nova avalanche neoliberal, é pouco provável que crianças e
jovens trabalhadores de um país como o Brasil aprendam algo via ensino
remoto. Ao contrário, o panóptico digital vai aprender como controlar
melhor os sistemas educacionais, automatizar os sistemas de ensino e,
obviamente, ganhar rios de dinheiro reais num mundo virtual.

179
Capítulo 8
Contrarreforma do Estado e o papel do chamado terceiro
setor na mercantilização da educação

Introdução

O mundo do trabalho tem passado por profundas transformações


desde os anos 1970. Trabalho precário, flexibilizado, uberizado, entre
tantas outras denominações estão sendo usadas para caracterizar as
mudanças no mundo do trabalho.
Para os propósitos deste capítulo, o regime de acumulação flexível
leva a uma contrarreforma do Estado. As empresas estatais e as funções do
Estado que permanecem em suas mãos passam a ganhar um novo
significado, cada vez menos público e cada vez mais mercantilizado com a
contrarreforma do Estado. Políticas de privatização direta e indireta,
multiplicação das parcerias público-privadas, políticas de contratação
precária de servidores públicos fazem parte da contrarreforma do Estado.
É especialmente no Brasil República que surgem os primeiros
aparelhos privados de hegemonia (APHs), tais como a Sociedade Rural
Brasileira (SRB), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), entre
tantos outros que poderíamos destacar.
No entanto, desde os anos 1980, como parte da contrarreforma do
Estado, estamos assistindo a uma multiplicação exponencial de novas
associações, fundações, institutos e ONGs, que deram origem ao chamado
terceiro setor, tudo isso como parte da contrarreforma do Estado. Nesse

181
contexto, a esfera estatal passa a ser satanizada como burocrática,
ineficiente, desfinanciada e corrupta, para justamente ocorrer a
santificação de um setor supostamente mais ágil, eficiente democrático e
popular.
Do nosso ponto de vista, novos personagens entram em cena na
concepção, implementação e avaliação das políticas educacionais. Ao que
tudo indica, a ascensão das grandes corporações transnacionais — através
de suas fundações, institutos e ONGs, leva a um controle cada vez mais
direto da concepção, implementação e execução da política educacional.
Este capítulo pretende debater o papel dessas instituições na disputa da
hegemonia do complexo educacional e, em especial, na concepção de
educação profissional.

A contrarreforma do Estado e a mundialização do capital

A análise do Estado é uma forma de conhecer a sociedade. Se é verdade


que a sociedade funda o Estado, também é inegável que o Estado é
constitutivo daquela. As forças sociais que predominam na sociedade, em
dada época, podem não só influenciar a organização do Estado como
incutir-lhe tendências que influenciam o jogo das forças sociais e o
conjunto da sociedade. É claro que o Estado não pode ser organizado senão
em conformidade com as tendências da sociedade, mas pode ser levado a
privilegiar uma ou outra direção, conforme os desígnios dos que detém o
poder. As forças sociais que predominam na sociedade tendem a
predominar no poder estatal, conferindo à sociedade esta ou aquela
direção. Sob vários aspectos, a análise do Estado é uma forma privilegiada
de conhecer a sociedade (IANNI, 1989, p. 240).

182
De acordo com Ianni (1989), o Estado não é um órgão apenas de
mediação nas relações de classe, mas um elemento de preservação do
predomínio de uma sobre outra classe. Para o autor, a função primordial
do Estado é a garantia das condições de produção e expropriação.
Entretanto, com os processos de estatização ocorridos no século XX, o
Estado também se inseriu nas condições de produção (Ianni, 1989, p.
258), o que se convencionou chamar Estado-empresário.
O Estado também é uma “poderosa agência de indução de
investimentos, alocação de recursos, dinamização das forças produtivas,
organização das relações sociais de produção, transferência de renda,
planejamento indicativo e impositivo, lugar de violência organizada e
concentrada na sociedade” (IANNI, 1989, p. 258).
No período que vai de 1945 a 1973, o Estado capitalista adquiriu
algumas características públicas que foram impulsionadas ao mesmo tempo
pela pressão dos trabalhadores que não permitiram que o padrão de
exploração chegasse ao extremo, e pelas necessidades do capital, que,
naquele momento histórico, necessitava de trabalhadores-consumidores,
empresas estatais etc. Isso deu origem ao que se chamou “controle social
do capital”.
Diante da Revolução Russa (1917), da crise de 1929, das duas
guerras mundiais e das lutas sociais na Europa, surgiu o Estado de bem-
estar social (EBES) na Europa. Przeworski (1989) acredita que o EBES
surgiu num momento histórico de predominância das ideias de Keynes.
Lembremos que John Maynard Keynes advogava a necessidade de
intervenção pública como forma de evitar o colapso total do sistema
capitalista, engendrado pela busca da “eficiência” individual das empresas
versus o desgoverno da produção como um todo. Przeworski (1989) não é
um autor marxista, mas optamos por utilizá-lo neste capítulo, ao menos
momentaneamente.

183
Foi neste momento que, de vítima passiva dos ciclos econômicos,
o Estado tornou-se quase da noite para o dia uma instituição por meio da
qual a sociedade podia regular as crises a fim de manter o pleno emprego
(PRZEWORSKI, 1989). Ao mesmo tempo, usava-se do déficit para
financiar as obras públicas produtivas durante as depressões, através de
políticas anticíclicas.
Deve-se lembrar também que foram criadas políticas que
permitissem o acesso de uma parcela dos trabalhadores aos bens de
consumo do regime de acumulação taylorista-fordista. É nesse momento
que esta parcela de trabalhadores passa a fazer parte dos cálculos da
demanda efetiva. Além disso, aplicando medidas pautadas pela teoria do
bem-estar, atenuava os efeitos concentradores de renda advindos do mal
funcionamento do mercado.
As empresas estatais que outrora foram fundamentais para garantir
a reprodução ampliada do capital no regime de acumulação taylorista-
fordista passaram a ser taxadas, a partir de 1973, de ineficientes, corruptas,
lentas, a pretexto de atender o que os administradores chamam de “novas
oportunidades de negócio”, isto é, uma nova onda de acumulação de
capital que veio a ser atendida através de processos obscuros de
privatização, desregulamentação e mercantilização da vida. Em suma, as
privatizações e outras transformações no Estado foram impulsionadas para
sanar parcialmente a crise de acumulação originada nos anos 1970.
A contrarreforma do Estado na América Latina, realizada por
governos conservadores que subiram ao poder principalmente nos anos
1990, período da chamada redemocratização, destruiu muitas das parcas
conquistas das trabalhadoras e trabalhadores. Para Jinkings (2007), as
transformações recentes do capitalismo mundial apontam para
movimentos simultâneos de privatização e de desregulamentação da vida
social e econômica, de ataque aos direitos democráticos e de fortalecimento

184
dos aparatos coercitivos do Estado, caracterizando um Estado cada vez
mais penal.
A adoção de políticas de segurança de tolerância zero nos Estados
Unidos (das quais são exemplos a Lei Patriota, as torturas em Guantánamo
etc.) é expressiva destes movimentos constitutivos da globalização do
capital, sob o predomínio do capital financeiro, que convertem amplos
segmentos sociais em deserdados das condições básicas à sobrevivência.
Cada vez mais distanciado das políticas sociais emancipatórias e
comprometido com o capital transnacional, o Estado neoliberal apresenta-
se crescentemente fortalecido em seus mecanismos repressivos e de
assistencialismo, fenômeno que alguns autores analisam como a
“emergência do Estado penal” em substituição ao chamado Estado de
bem-estar social, que, aliás, jamais existiu no Brasil.
Ao mesmo tempo em que vivenciamos a perda do controle da
moeda, a diminuição do investimento público, processos de privatização e
desnacionalização (muitos deles inconstitucionais) etc., vimos o aumento
da criminalização dos movimentos sociais, o crescimento do número de
presos e presídios, a diminuição ou degeneração planejada de muitos
serviços públicos (escolas, creches, universidades, etc.), processos de
terceirização e de contratação precária pelo Estado, diminuições ou
congelamentos de salário, aumento da corrupção etc. Os trabalhadores
tentaram resistir, mas não conseguiram frear esse processo.
Apesar de ter início nas décadas de 1970-80, é a partir dos anos
1990 que as empresas brasileiras se internacionalizam, seja através de uma
política mais agressiva das empresas que sobraram, seja através da venda do
seu patrimônio ou de grandes parcelas de seus ativos para o capital
internacional. Isso para não falar nas empresas públicas que foram
saqueadas, principalmente nos setores de telecomunicações e energia.

185
Calcula-se esse montante em aproximadamente 112 bilhões de reais, em
valores de 2002.
Vivemos neste período inúmeros processos de fusões e aquisições.
Basta ver que, entre as 500 maiores empresas instaladas no Brasil, a grande
maioria são corporações multinacionais. Também é principalmente na
década de 1990 que as grandes corporações passam a se beneficiar e ao
mesmo tempo estimular a reprodução financeira do capital. Esse processo
levou a uma ruptura na definição de setor produtivo e improdutivo. É
nesse período que os bancos começaram a ganhar lucros astronômicos. No
governo FHC essa tendência se firma, e no governo Lula ela se reforça. Ou
seja, universaliza-se o domínio do capital financeiro sobre a produção
material e seus inevitáveis corolários enquanto capital fictício em país de
capitalismo subordinado: corrupção, especulação, desnacionalização e
desindustrialização.
Segundo Sauviat (2005), se na realidade o novo poder acionário
pouco desestabilizou o poder de controle dos administradores de empresa,
o mesmo não ocorreu com os assalariados. Estes suportaram o vigoroso
poder coercitivo daquele. Em face do objetivo fixado — de maximização
do valor acionário para responder às exigências dos mercados e à
intensificação da concorrência —, não são os interesses dos assalariados
criadores de riquezas e da valorização do capital humano como fator
possível de competitividade que guiam a política dos dirigentes da
empresa. Ao contrário, estes privilegiam esquemas que vão ao encontro das
“preferências” dos investidores, tais como a redução de custos, a
reestruturação dos grupos em torno de segmentos de atividade mais
rentáveis, os programas recorrentes de recompra de ações etc.
Esse novo contexto levou a uma segmentação crescente do
mercado de trabalho e ao aumento das desigualdades no estatuto e na
remuneração dos assalariados. As empresas inovadoras, simbolizadas pelas

186
companhias do Silicon Valley, não escaparam dessa tendência. Elas
também têm sua parcela de empregos precários, ao lado de empregos que
beneficiam os segmentos mais educados da mão de obra, no plano seja dos
mercados internos, seja dos mercados profissionais, cada vez mais
internacionalizados. Trata-se de trabalhadores precários bem remunerados
enquanto estão empregados, mas cuja vida profissional é comandada pela
obrigação de gerar permanentemente essa precariedade.
Assim, uma empresa como a Microsoft emprega 6 mil
trabalhadores temporários ao lado de 20 mil regulares, que chamam a si
mesmo de permatemps (SAUVIAT, 2005, p. 126-127). Permatemps são
trabalhadores classificados com temporários ou provisórios que recebem
salários menores e menos benefícios do que os empregados regulares, ainda
que executem as mesmas tarefas e permaneçam durante anos na mesma
empresa.
Chesnais (2005) também procura identificar os atores-chave da
finança mundializada. Para ele, são principalmente as instituições
financeiras não bancárias, também chamadas de investidores
institucionais, fundos de pensão, fundos de aplicação coletivos e sociedades
seguradoras, assim como empresas financeiras especializadas, que gravitam
em torno delas. A centralização das rendas não investidas na produção e
não consumidas (agrupadas sob a etiqueta muito enganosa de “poupança”)
permitiu que essas instituições se tornassem proprietárias-acionistas de um
novo tipo de empresa, e que detivessem, ao mesmo tempo, elevados
volumes de títulos da dívida pública, de forma a tornar governos seus
devedores.

Certamente [...] a liberalização e a mundialização financeira deram aos


mais importantes proprietários de ações e obrigações — as grandes
fortunas de família [...] mas sobretudo os investidores institucionais (e

187
os administradores que neles existem em abundância) — os meios de
influir sobre a repartição da renda em duas dimensões essenciais: a
distribuição da riqueza produzida entre salários, lucros e renda
financeira, e a da repartição entre a parte atribuída ao investimento e a
parte distribuída como dividendos e juros. Como as duas
determinações da repartição afetam o nível do investimento e
comandam o emprego e o crescimento, é difícil imaginar um poder
maior da finança (CHESNAIS, 2005, p. 27).

A mundialização do capital foi nefasta para a classe trabalhadora.


A maioria das grandes corporações passou a terceirizar os serviços de faxina,
portaria, alimentação etc. Até mesmo a sede das corporações passa a ser
terceirizada. Como nos lembra Fix (2007, p. 143), em seu livro sobre a
reorganização do espaço em São Paulo, se antes da reorganização “pelo
menos dois terços eram ‘sede própria’, propriedade da empresa usuária do
edifício, hoje a maioria está nas mãos de investidores, que alugam para
empresas, multinacionais e bancos, entre outros”. E continua: “a liquidez
passou a ser de tal modo relevante que os bancos preferiram se desvencilhar
dos ativos imobiliários, leiloar os imóveis e passar a ocupá-los na condição
de locatários” (FIX, 2007, p. 143).
A partir dos anos 1990, a crise da sociedade brasileira se agudiza.
Entre os sintomas do aprofundamento dessa crise, podemos destacar a
escalada das drogas, o aumento assustador de condomínios para proteger a
classe dominante, o aumento das vendas de remédios para depressão, o
número de malabaristas, ambulantes e jovens limpando-sujando os vidros
dos carros etc. Em Campinas, importante cidade do interior paulista, o
aumento da depressão na classe média é visível, bastando a um observador
desatento ficar meia hora em qualquer farmácia do bairro Cambuí.
De acordo com Pochmann (2015), 20 mil famílias controlam 40%
do PIB brasileiro, e 10 mil famílias controlam nossa dívida pública. O

188
Brasil é um paraíso para 10 mil famílias, toda a economia é arquitetada
para atender e beneficiar os rendimentos desse grupo de poder, além de
outros setores da oligarquia e das multinacionais.
Dos Santos (2000) acredita que não só o Brasil mas os outros países
da América Latina realizaram ou tentaram realizar reformas profundas nos
anos 1960. No caso brasileiro, o suicídio de Getúlio Vargas postergou o
golpe militar em 10 anos, fato este que se consubstanciaria na renúncia de
Jânio Quadros e na ascensão de João Goulart. Se Juscelino Kubitschek
representou a primeira morte da nação, a ditadura militar de 1964
significou o aprofundamento da desnacionalização e a extinção das forças
de esquerda brasileiras. Trata-se evidentemente de uma ruptura histórica.

A multiplicação de ONGs, fundações e institutos: terceiro setor


e educação mercantilizada
Podemos exemplificar a contrarreforma do Estado com a
caracterização de um Estado fundamental no Brasil, o de São Paulo. Foi
no governo Mario Covas (1995-2001) que São Paulo privatizou o
Banespa, a Comgás, a CPFL, a CESP-Tietê, a Eletropaulo, a Telesp, entre
outras. Todas elas vendidas a “preço de banana”, como se diz no linguajar
popular, e com subsídios de bancos estatais para a compra do patrimônio
intencionalmente desvalorizado. Foi no governo comandado pelo PSDB
que houve a concessão das rodovias (com pedágios caríssimos) e a venda
das ferrovias.
A contrarreforma do Estado vem destruindo sistematicamente o
sistema educacional público. No que se refere ao ensino fundamental, uma
das faces da contrarreforma do Estado — neste caso, dos municípios — é
o crescimento de ONGs, fundações e escoletas contratadas para prestar um
serviço público.

189
Bedinelli (2009) fez uma reportagem para a Folha de S.Paulo com
um título sugestivo: “São Paulo põe creche em cima de loja de construção”,
na qual informa que, de cada dez creches criadas pela prefeitura à época,
nove eram administradas por ONGs com verba pública. Vejamos o texto
na íntegra:

Para chegarem a uma das sete salas de aula da creche Vitorino, na Vila
Progresso (zona leste de São Paulo), as 151 crianças enfrentam uma
escadaria, já que a unidade funciona sobre uma loja de materiais de
construção, num prédio antes usado como conjunto comercial.

Como opção de lazer, só uma varanda com brinquedos, onde ficam


também os botijões de gás industrial utilizados pela cozinha. A
Vitorino é uma das creches terceirizadas criadas na gestão Gilberto
Kassab (DEM) — a terceirização é a maior aposta do prefeito para
diminuir a fila de espera, que hoje é de 67 mil crianças.

De cada dez creches criadas na atual gestão, nove são administradas por
ONGs com verba pública. Nas últimas duas semanas, a Folha visitou
18 creches conveniadas nos extremos sul e leste de São Paulo e
descobriu casos como o da Mão Cooperadora, na Vila Natal (zona sul),
que também funciona sobre uma loja de materiais de construção que
vende, inclusive, botijões de gás.

O convênio com a creche foi assinado na gestão anterior, mas


renovado, após fiscalização, por Kassab. A prefeitura informou que irá
vistoriar a unidade, que será fechada se houver alguma irregularidade.

Uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município) de julho


do ano passado apontou que essas entidades têm professores menos
preparados — há nelas um professor com formação universitária para
cada 59,5 alunos; nas unidades gerenciadas pela prefeitura, a taxa é de
um para 4,8 crianças.

Os educadores dessas ONGs não podem ser treinados pela prefeitura,


já que não são funcionários públicos, explica Salomão Ximenes,

190
advogado da Ação Educativa e do Movimento Creche para Todos,
ONGs ligadas à questão da educação.

As creches administradas pelas organizações também recebem menos


verba — em dezembro do ano passado, por exemplo, a prefeitura
gastou R$ 83 milhões com as então 1.243 creches da cidade. Apenas
46% desse dinheiro foi para os convênios, que, na época, gerenciavam
72% das creches.

Segundo a Secretaria da Educação, das 397 creches criadas desde o


início da gestão José Serra/Kassab, em 2005, só 25 são da prefeitura —
94% são administradas por organizações. O dado inclui creches de
administração indireta (gerenciadas por ONGs em prédios da
prefeitura) e conveniadas (administradas por ONGs em prédios
particulares).

Ao todo, hoje existem 641 unidades conveniadas, algumas


funcionando em locais considerados inapropriados por educadores
para crianças pequenas. A Vitorino, segundo a prefeitura, ‘garante
todos os ambientes exigidos para o funcionamento de uma creche’.

Em parte dos locais visitados pela Folha, as creches funcionam em casas


adaptadas para as crianças, cuja única opção de lazer são varandas e
garagens. Uma deliberação do Conselho Municipal de Educação de
São Paulo, de 1999, afirma que as creches devem ter, obrigatoriamente,
áreas verdes e espaços que possibilitem às crianças atividades de lazer.

‘É como prender uma criança num presídio. Ela fica o dia todo dentro
da mesma sala, com as mesmas crianças, com o mesmo adulto e não
têm uma experiência diversa’, diz a professora da Faculdade de
Educação da USP (Universidade de São Paulo) Tizuko Kishimoto.

Para a professora Maria Letícia Nascimento, da mesma faculdade,


espaços como os vistos pela reportagem prejudicam a possibilidade de
as crianças se expressarem.

Há, no entanto, creches conveniadas com bons espaços, como a Jardim


Shangrilá, no Grajaú (zona sul), que funciona em uma ampla chácara,
com quadra e área verde.

191
Para Ximenes, a criação de creches conveniadas pode ser positiva, desde
que elas sigam as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação.
O órgão recomenda, por exemplo, que a área externa para atividades
corresponda a pelo menos 20% do total da área construída e tenha
pisos variados, como grama, terra e cimento.

Para Kishimoto, a prefeitura tem que intensificar a fiscalização desses


espaços. ‘[Essa situação] é fruto de pouca ou nenhuma fiscalização. O
primeiro dispositivo seria exigir formação de professores, o segundo,
um espaço físico [adequado]’, diz. ‘Agora nada disso é feito, cada
instituição coloca as crianças onde quiser.’

Outro lado
Para o secretário municipal da Educação, Alexandre Schneider, a opção
pelos convênios com entidades não governamentais é consequência da
dificuldade em adquirir terrenos. ‘Como não há terrenos, a saída é o
convênio’, afirma.

Para ele, o ideal é misturar políticas — hoje, a secretaria constrói 14


creches. ‘Não dá para ser só creche direta, só conveniada, nem só
aluguel.’

‘Aluguel’ é o nome dado ao novo plano da prefeitura: fazer parcerias


com empresas para que elas construam os prédios e os aluguem para a
prefeitura, que administraria as creches ou faria convênios com ONGs.
Esse é o segundo plano de parcerias com empresas. O primeiro, na
forma de PPP (Parceria Público-Privada), está parado há dez meses, a
pedido do TCM.

Segundo a prefeitura, portaria de outubro de 2007 determina uma série


de características que as creches conveniadas devem seguir, incluindo a
existência de áreas externas para o lazer das crianças. Para os convênios
firmados antes da portaria, as entidades têm até janeiro de 2010 para
se readequarem.

192
Cinco das unidades visitadas pela Folha firmaram convênios depois da
portaria — quatro têm varandas como área externa. A secretaria
afirmou que vai vistoriar esses locais.

Na creche Vitorino (zona leste), onde a reportagem encontrou botijões


industriais de gás na área de lazer das crianças, a prefeitura afirmou que
existe um abrigo de gás, fechado com grades que garantem a ventilação
e impedem o contato com as crianças. Mas já foi pedido para que o gás
seja mudado de local, o que deve ocorrer no início da semana que vem.

A creche, diz a secretaria, está localizada em uma região carente de


imóveis regularizados, e o prédio onde ela está instalada — na parte
inferior, funciona uma loja de materiais de construção — é de boa
qualidade (BEDINELLI, 2009, grifos da autora).

Na mesma linha dessa reportagem, Adrião et al. (2012) e Borghi,


Adrião e Garcia (2011) identificaram novas modalidades de precarização
do trabalho e de privatização da educação pública através das parcerias
público-privadas. Para Borghi, Adrião e Garcia (2011, p. 288):

[...] o que mais chama a atenção são os novos arranjos que vêm se
firmando para além da tradicional subvenção às instituições privadas
sem fins lucrativos. Os municípios que adotaram o Programa Bolsa
Creche — Hortolândia e Piracicaba — fazem convênios com
instituições privadas com fins lucrativos, subsidiando-as a partir de um
valor per capita.

Já nos municípios de Altinópolis, Itirapina, São Paulo e Ribeirão


Preto, as instituições privadas conveniadas são consideradas “sem fins
lucrativos”, podendo ser filantrópicas, confessionais ou comunitárias. 13

13“Para Mizuki e Silveira (2009), em que pese o fato de a subvenção de recursos financeiros às instituições
privadas para a oferta de vagas em educação infantil ser uma opção do poder executivo municipal, não se pode
deixar de dizer que a pressão pelo atendimento, exercido institucionalmente pelo MP [Ministério Público], tem

193
Borghi, Adrião e Garcia (2011, p. 291) destacaram também a
ausência de plano de carreira para as trabalhadoras dessas creches
conveniadas, e o fato de que, no que se refere a “análise das funções
docentes” na rede privada de municípios pequenos, “não havia funções
docentes, o que pode indicar que o atendimento em creches seja realizado
por monitoras”. E concluem:

O que se pode perceber é uma tendência em instituições privadas de


municípios pequenos que o atendimento em creches seja realizado por
monitoras. Nos municípios maiores — Piracicaba, Ribeirão Preto e São
Paulo —, tal tendência não se verifica na análise da evolução das funções
docentes em creches nas redes municipal e privada (BORGHI; ADRIÃO;
GARCIA, 2011, p. 290)

Tendo em vista os gastos municipais, chama a atenção do leitor


que as cidades de Piracicaba e Hortolândia — municípios que adotaram o
Programa Bolsa Creche — tiveram uma boa “economia” com a adoção do
programa, isto é, o valor per capita destinado às instituições privadas
conveniadas é bem menor que o valor gasto na rede municipal (BORGHI;
ADRIÃO; GARCIA, 2011). 14
Apesar do foco dos trabalhos acima não ser exatamente as
condições de trabalho nas creches, é possível perceber uma tendência de
avanço da precarização do trabalho pedagógico nos municípios do Estado
de São Paulo. Para nós, mais trabalhadoras em creches conveniadas do que

contribuído para o estabelecimento de parcerias, pois esta forma se constitui em um mecanismo mais ágil e
barato” (BORGHI; ADRIÃO; GARCIA, 2011, p. 290, grifo nosso).
14 É preciso ressaltar que as propostas de privatização de creches, rodovias, portos e aeroportos etc. não se

limitam mais aos governos do PSDB. As coalizões partidárias comandas pelo PT, pelo PSB, entre outros
partidos, também têm aprofundado a contrarreforma nos níveis municipal, estadual e federal. Qualquer
semelhança entre os projetos não é mera coincidência.

194
em creches municipais, convênios “ágeis e baratos”, trabalho realizado por
“monitoras” sem formação pedagógica e sem condições de trabalho para
estimular o desenvolvimento das crianças e ausência de plano de carreira
são agora temas recorrentes nos municípios paulistas.
De acordo com Soares (2003), estamos assistindo a uma
globalização do capital, do trabalho precário e da pobreza. Cada um cuide
do seu como puder, de preferência com Estados fortes para sustentar o
sistema financeiro, e falidos para cuidar do social. Para ela, a reestruturação
do capital concentra o capital e fragmenta o social.
Outro especialista no tema, Montaño (2002) observa também que
as ONGs são devidamente financiadas com recursos públicos. Como parte
da contrarreforma do Estado, temos hoje ONGs dos mais diversos tipos,
tamanhos e finalidades. Programas nacionais e regionais são substituídos
por programas locais (da cidade ou, muitas vezes, de um ou dois bairros)
incapazes de dar cobertura suficiente, e de impacto praticamente nulo
quando se trata de grandes contingentes populacionais em situação de
pobreza ou miséria. Montaño (2002) ainda destaca que estamos vivendo
no reino do minimalismo, onde pequenas soluções ad hoc são apresentadas
como grandes exemplos pelo governo e pela mídia.
Os governos nacionais desobrigaram-se totalmente da
responsabilidade pela implementação de programas sociais, delegando-os
a governos locais em parceria com as ONGs ou outras organizações sociais
(preferencialmente aquelas mais próximas dos prefeitos), ou simplesmente
entregando os serviços mais lucrativos (como os de assistência médica) ao
setor privado tout court (SOARES, 2003; DAGNINO, CAVALCANTI,
COSTA, 2016).
De acordo com Montaño (2002), os estragos causados pelas
políticas neoliberais são gigantescos. As estratégias usadas para

195
supostamente compensar esses estragos nem sequer conseguiram minimizá-
los. Ao contrário, as reformas eliminaram os direitos sociais duramente
conquistados no passado, produzindo um grande retrocesso histórico.
O livro de Montaño (2002) faz uma crítica radical ao chamado
terceiro setor, o debate hegemônico que o sustenta, seus pressupostos e
promessas, o fenômeno que se oculta por trás dessa denominação
ideológica e a sua funcionalidade para com o projeto neoliberal, no novo
enfrentamento da questão social, como parte do atual processo de
reestruturação do capital.
Montaño (2002) adverte que é o Estado neoliberal que promove o
chamado terceiro setor, principalmente na esfera legal e financeira. Para
ele, a contrarreforma do Estado leva à perda de direitos da cidadania, à
precarização, à focalização, à remercantilização e à refilantropização da
questão social. É possível notar uma maior hegemonia burguesa no âmbito
estatal, no mercado e no espaço da produção. Montaño (2002) destaca —
com um certo tom de ironia — que nessa nova concepção sociedade todos,
harmonicamente, buscam o bem comum e em oposição ao Estado (tido
como burocrático e ineficiente), e ao mercado (segundo setor, orientado
para o lucro).
A multiplicação de ONGs facilita a hegemonia do capital e traz
desdobramentos fundamentais para a luta de classes. A segmentação da
realidade e das lutas em esferas ou setores autonomizados, desarticulados da
totalidade social promovem uma maior dificuldade para o enfrentamento
da questão social, especialmente para os movimentos sociais anticapital.
O mérito do livro de Montaño (2002) é o de justamente conectar
a análise da reestruturação produtiva do capital com a contrarreforma do
Estado. Para ele, o consenso de Washington proporcionou a flexibilização
dos mercados e das relações de trabalho, e o afastamento do Estado das

196
suas responsabilidades sociais e de regulação do capital e trabalho. A
questão social deixou de ser exclusiva do Estado, passando a ser
responsabilidade dos próprios sujeitos, que devem exercer sua cidadania.
De fato, estamos diante de uma nova questão social e de problemas muito
mais complexos que a classe trabalhadora deverá enfrentar no século XXI.
Como vimos na introdução deste capítulo, a esfera estatal passa a
ser satanizada como burocrática, ineficiente, desfinanciada, corrupta para
justamente ocorrer a santificação de um setor supostamente mais ágil,
eficiente democrático e popular. Surge então uma nova divisão de trabalho.
A partir do tripé constitucional da seguridade social — previdência, saúde
e assistência, de forma muito clara, porém, não casual — o “setor”
empresarial se volta para atender as demandas nas áreas da previdência
social, educação e da saúde, enquanto o “terceiro setor” dirige-se
fundamentalmente à assistência social, notadamente nos setores carentes.
Montaño (2002) observa que o objetivo de retirar do Estado (e do
capital) a responsabilidade de intervenção na questão social e de transferi-
los para a esfera do terceiro setor não ocorre por motivos de eficiência (como
se as ONGs fossem naturalmente mais eficientes que o Estado), nem
apenas por razões financeiras (de reduzir os custos necessários para
sustentar esta função estatal). O motivo é fundamentalmente político-
ideológico: retirar e esvaziar a dimensão do direito universal do cidadão
quanto a políticas sociais (estatais) de qualidade; criar uma cultura de
autoculpa pelas mazelas que afetam a população, e de autoajuda e ajuda
mútua para seu enfrentamento; desonerar o capital de tais
responsabilidades, criando, por um lado, uma imagem de transferência de
responsabilidades e, por outro, a partir da precarização e focalização (não-
universalização) da ação social estatal e do terceiro setor, uma nova e
abundante demanda lucrativa para o setor empresarial. Por isso, esse

197
debate soa aos ouvidos de Ulisses como um canto de sereia, que o empurra
às profundezas do mar.
Ele também adverte que o chamado terceiro setor surge no interior
dos interesses do grande capital, mas também de uma fração de esquerda
resignada, com eventual “intenção progressista”, porém, inteiramente
funcional ao projeto neoliberal (MONTAÑO, 2002).
Se é verdade que a luta de classes pode alterar parcialmente as
funções do Estado, principalmente nos contextos onde a classe
trabalhadora conquista alguns direitos, com a reestruturação produtiva e a
contrarreforma do Estado, o capital praticamente tomou o Estado de
assalto. Os espaços para a classe trabalhadora colocar suas demandas na
agenda do Estado se tornam cada vez menores.
Para Coutinho (2007, p. 19):

[...] a partir de finais dos anos 1980, a ideologia neoliberal em ascensão


apropriou-se da dicotomia maniqueísta entre Estado e sociedade civil
para tornar demoníaco de uma vez por todas tudo o que provém do
Estado (mesmo que agora se trate de um Estado democrático e de
direito, permeável por demais às pressões das classes subalternas) e para
fazer a apologia acrítica de uma ‘sociedade civil’ despolitizada, ou seja,
convertida num mítico ‘terceiro setor’ falsamente situado para além do
Estado e do mercado.

Montaño (2002) também adverte que, ao esquecer as conquistas


sociais garantidas pela intervenção e no âmbito do Estado, e ao apostar
apenas ou prioritariamente nas ações dessas organizações da sociedade civil,
zera-se o processo democratizador. Volta-se à estaca zero, e começa-se tudo

198
de novo, só que numa dimensão diferente: no lugar da luta de classes,
temos atividades de ONGs e fundações; no lugar da contradição capital-
trabalho, temos a parceria entre classes por supostos “interesses comuns”:
no lugar da superação da ordem como horizonte, temos a confirmação e a
humanização desta.
No que se refere ao papel do terceiro setor no complexo
educacional, tema deste capítulo, a principal particularidade da atuação
das ONGs, fundações e institutos é a de que elas têm um enorme poder
ideológico: constroem muito bem ideologias educacionais sobre a
possibilidade de ascensão social e geração de empregabilidade, defendendo
que o conhecimento e as competências adquiridas são passaporte garantido
para a entrada no mercado de trabalho e a ascensão social.
Entretanto, é preciso destacar que a ideologia da empregabilidade
esconde os determinantes da possibilidade ou não de encontrar emprego
no regime de acumulação flexível. Até os anos 1970, de acordo com as
teorias keynesianas, era o investimento produtivo que gerava emprego.
Como vimos na seção anterior, a mundialização do capital, as
políticas de austeridade e a desregulamentação da relação capital-trabalho
praticamente impedem a geração de emprego com direitos sociais para as
maiorias trabalhadoras. Países europeus, como Espanha e Grécia,
enfrentam o desemprego qualificado: as pessoas têm qualificação, mas não
conseguem emprego. Em muitos casos, os países até crescem, mas não
geram emprego.
Como parte do processo de mundialização do capital, um novo
dicionário do capital da educação foi criado. Termos como
empregabilidade, flexibilidade, competências, sociedade do conhecimento,
indústria 4.0, empreendedorismo, sustentabilidade, responsabilidade

199
social, aprender a aprender passam a dar a tônica do debate na educação
em geral, em especial na educação profissional.
A palavra trabalhador é substituída por colaborador, agrotóxico
por defensivos agrícolas, latifúndio por agronegócio. Não há uma
secretaria de educação, em geral assessorada por um instituto, que não use
essas palavras mágicas nos seus diagnósticos, para supostamente indicar a
solução de problemas sociais.
A multiplicação de fundações, institutos e ONGs produz a ilusão
de que os direitos sociais estão progredindo, quando, ao contrário disso,
fenômenos como analfabetismo, analfabetismo funcional e abandono da
escola se multiplicam em todos os cantos do planeta Terra.
A formulação, implementação e avaliação das políticas
educacionais passam progressivamente para as mãos do chamado terceiro
setor. Como ele não consegue regular todo o sistema educacional estatal,
passa a direcionar o sentido das escolas estatais e, em alguns casos, a
controlar diretamente esses sistemas educacionais.
Associações como a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG),
poderosa entidade do agro, passam a determinar o que ensinar, como
ensinar e os propósitos da educação. Em muitas escolas públicas, onde
claramente estão os filhos da classe trabalhadora, as alunas e alunos já
aprendem, desde muito cedo, que o agronegócio é a solução para os
problemas do país. Passam, portanto, a internalizar de forma cada vez mais
direta as necessidades ideológicas do capital.
Gramsci (2007) tem um conceito fundamental que pode nos servir
neste momento: o de aparelhos privados de hegemonia (APH). Os
proprietários dos meios de produção tendem a controlar os postos
estratégicos da sociedade e do Estado. Mas tudo leva a crer que a

200
contrarreforma do Estado permite uma atuação muito maior do capital no
controle do próprio Estado.

Como vimos no início deste capítulo, de acordo com Ianni (1989),


sempre houve disputa pelo controle do Estado. No entanto, com a
contrarreforma do Estado, a classe trabalhadora perde cada vez mais o
controle ou a possibilidade de reivindicar seus direitos nessa luta. O Brasil
sempre teve uma democracia frágil, restrita e constantemente golpeada.
Podemos depreender que a contrarreforma do Estado fragiliza ainda mais
a nossa democracia.
Como parte dessa tendência mais geral é preciso destacar o
deslocamento da função da universidade pública. Uma ala dos professores
das universidades públicas, a dos professores privatistas, ganha força nesse
movimento de multiplicação de ONGs, fundações e institutos, e não
raramente ajudam a criar estas instituições. Nos dias de hoje, é impossível
não ver professores de universidades públicas, mas, em especial das
particulares, como participantes ou até mesmo sócios do chamado terceiro
setor.
No fundo, atuam como mercadores da educação, trazendo as boas
novas da privatização educacional. Professores-consultores, professores-
empreendedores, professores-inovadores ganham força e passam a circular
livremente nos corredores, defendendo o que estamos chamando de
contrarreforma do Estado.
Aqui cabe uma breve retrospectiva histórica. Até os anos 1970,
havia no Brasil os APHs que poderíamos chamar de clássicos. Sociedade
Rural Brasileira (SRB), CNA, FIESP, FIEMG, CNI são instituições
centenárias da sociedade civil.

201
Dreifuss (2002), no livro “1964: A conquista do Estado”, mostra
com enorme precisão todas as entidades da sociedade civil que
participaram ativamente da construção do golpe de 1964, dando destaque
especial ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e ao Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). De lá para cá surgiram outros
institutos, fundações e ONGs muito mais poderosos, que certamente estão
golpeando a escola pública de qualidade para as massas trabalhadoras. Uma
entidade poderosíssima da sociedade civil é o Todos pela Educação, APH
que merece ser melhor estudado pela academia.
Ao lado do Todos pela Educação, também surgiram APHs como
o Instituto Ayrton Senna, a Fundação Lemann, o Instituto Millenium, a
Fundação Santander e a Fundação Itaú. Esses novos aparatos passam a ter
um papel fundamental na agenda da educação privada, especialmente, na
agenda das reformas da escola estatal. Eles ditam o que deve ser mudado,
como deve ser mudado e para que mudar. Colocam na agenda do Estado
temas como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a reforma do
ensino superior e a implementação da pedagogia das competências, tendo
em vista a modernização da sociedade brasileira.
Em termos gerais, no nosso entendimento, a privatização gradual,
lenta e segura da escola estatal produzida pela contrarreforma do Estado
está produzindo efeitos drásticos para a nossa sociedade.
No entanto, até o presente momento, os liberais, os neoliberais e
ultraneoliberais não conseguiram demonstrar cientificamente as virtudes
das reformas educacionais. Ao contrário, estudos científicos sérios como os
de Freitas (2018), Leher (2020) e Shiroma e Evangelista (2021), entre
tantos outros, nos mostram que há resistência às reformas neoliberais,
mesmo diante de um grande aparato ideológico de convencimento de que
o Estado é ineficiente e deve ser substituído pela iniciativa privada. Mais
do que isso, mostram que a contrarreforma do Estado cria novos

202
problemas sociais de maior envergadura e que estão longe de realizar uma
educação pública de qualidade e o paraíso liberal da liberdade do
indivíduo. Em suma, não é possível afirmar que a contrarreforma do
Estado melhorou a qualidade geral da educação pública no Brasil.
O caso chileno é eloquente a esse respeito. O neoliberalismo foi
implementado a fórceps, depois de um golpe militar. Após anos de certa
calmaria e de uma aparente adesão à agenda neoliberal, a classe
trabalhadora chilena, parcelas das camadas intermediárias, trabalhadores
educacionais e estudantes estão reagindo. Podemos destacar aqui o caso
dos estudantes e de parcelas da classe trabalhadora realizaram verdadeiras
rebeliões populares, com destaque para a rebelião de 2019, que quase
derrubou Sebastián Piñera. Se não fosse a pandemia, certamente esse
presidente teria caído.
O que querem os chilenos? Basicamente, direitos sociais. Direito à
aposentadoria, à educação pública de qualidade, o fim da municipalização
e da mercantilização da educação, a democratização da democracia chilena,
uma nova constituição, direitos das mulheres, a nacionalização do cobre
etc. Mesmo sem ainda conseguir apontar para uma sociedade para além do
capital, as lutas recentes no Chile indicam a necessidade de construção de
um Estado de bem-estar social.

O caso do ensino médio integral no Ginásio Pernambucano

Um dos institutos que têm ocupado as páginas das reformas


educacionais dos últimos 15 anos é o Instituto de Corresponsabilidade pela
Educação (ICE), cujo caso merece ser sublinhado. A reforma
paradigmática no Ginásio Pernambucano, executada pelo ICE, será
analisada brevemente por nós.

203
É nos anos 2000, logo após o decreto de 2004, que a política de
ensino médio integral se materializa no Brasil. Nesse contexto, o Ginásio
Pernambucano passa por algumas transformações.
O Ginásio Pernambucano é uma das instituições educacionais
mais antigas do país, senão a mais antiga. Lá estudaram José Lins do Rego,
Celso Furtado, entre outros intelectuais importantes do início da
República e dos anos 1960. Com o avanço da ditadura empresarial-militar
e a massificação precarizada da educação, o Ginásio foi deixando de ter seu
lugar de destaque na sociedade pernambucana. Vejamos o que diz o site
do ICE, que explora tanto seu mito fundador, seu engajamento nas
transformações educacionais, seu empenho na promoção de uma educação
pública de qualidade, como o caso do Ginásio Pernambucano:

A história do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE)


nasceu de um ‘acaso’ e da trajetória de retomada do ensino de
qualidade em Pernambuco.

O acaso
A nossa história começa em 2000, com a retomada da educação de
qualidade em Pernambuco. A mobilização de um ex-aluno do Ginásio
Pernambucano — uma das mais antigas e importantes escolas do país
—, sensível ao seu estado de deterioração, reuniu a sociedade civil em
favor da educação pública pernambucana e iniciou o trabalho de
recuperação do prédio onde ele estudou e no qual também estudaram
personalidades como ex-presidente Epitácio Pessoa, Ariano Suassuna e
Clarice Lispector, entre outras.

Mesmo sendo uma edificação histórica, cuidar da estrutura física foi a


parte mais fácil. Para isso, a Associação dos Amigos do Ginásio
Pernambucano foi fundamental ao instalar o ambiente de parceria
entre a sociedade civil e a Secretaria Estadual de Educação. O mais

204
complexo foi resgatar o padrão de excelência, marca do Ginásio
Pernambucano durante décadas. Como ponto de partida, o ICE
concebeu um programa de educação denominado PROCENTRO,
inaugurando um novo modo de ver, sentir e cuidar da juventude.

O caso
O ‘acaso’ transformou-se num ‘caso’ que vislumbrava uma ‘causa’
muito maior: desenvolver inovações em conteúdo, método e gestão
para enfrentar os desafios do ensino médio oferecendo um novo
modelo de educação pública de qualidade à juventude.

Para isso, o ICE mobilizou dois parceiros notáveis: Antonio Carlos


Gomes da Costa, referência no cenário da infância e da juventude no
Brasil, e Bruno Silveira, estrategista e apoiador da mudança do
panorama legal da grande causa nacional para a infância e a
adolescência. Nos anos 1980, ambos colaboraram intensamente no
Artigo 227 da Constituição Brasileira e no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Juntos, conceberam a essência do modelo que
reposicionou o Ginásio Pernambucano como referência em educação
de qualidade, seguindo novos paradigmas em pedagogia e gestão.

A causa
O Ginásio Pernambucano foi o ponto de partida da Causa da
Juventude com a concepção de um modelo de educação inovador
denominado Escola da Escolha e cujo foco é o jovem e a construção do
seu projeto de vida. Após o desenvolvimento do modelo e da
consolidação da política pública em Pernambuco, o ICE iniciou a sua
expansão junto às secretarias de educação estaduais e municipais nas
cinco regiões brasileiras e continua com intenso trabalho de
mobilização para a realização da sua visão. Hoje a Escola da Escolha
atende o ensino médio e o ensino fundamental (ICE, 2021a).

205
O presidente do ICE é Marcos Antônio Magalhães, vejamos seu
currículo:

Engenheiro elétrico formado pela Universidade Federal de


Pernambuco com pós-graduação em Telecomunicações em Eindhoven
(Holanda). Desenvolveu carreira profissional na Royal Philips
Electronics, ingressando em 1971 e em 1997 assumiu a presidência
executiva da Philips na América Latina. Em 2007 assumiu a
presidência do conselho consultivo da Philips na América Latina,
terminando seu mandato em 2009. Fundou em 2003 o ICE —
Instituto de Corresponsabilidade pela Educação — onde permanece
como presidente. Atua também como presidente do IQE — Instituto
de Qualidade no Ensino. Membro fundador do movimento “Todos
pela Educação” e membro do conselho internacional do World Fund
for Education (ICE, 2021b).

Qual a solução encontrada por um ex-aluno, Marcos Magalhães, o


presidente do ICE? Implantar no Ginásio Pernambucano o modelo
estado-unidense de escola charter, que nada mais é do que a gestão privada
de uma instituição pública.
De acordo com Amaral (2020), as reformas educacionais de
Pernambuco foram difundidas para quase todas as regiões do país, em
especial pelas mãos do ICE. São Paulo e Ceará foram alguns dos Estados
que contrataram consultorias do ICE para implementar a política de
ensino médio integral. Outras fundações e institutos também se apoiaram
no ICE para disseminar a contrarreforma educacional.
O modelo do Ginásio Pernambucano, que deveria ser motivo de
orgulho dos reformadores empresariais da educação, naufragou em 2015-
16. Foi nesse momento que o Brasil foi sacudido por ocupações escolares
em todas as regiões do país. Os estudantes do Ginásio Pernambucano

206
fizeram uma ocupação e se colocaram contra as reformas educacionais
implementadas (PEREIRA NETO, 2021).
Outro caso intrigante de política educacional para a promoção do
ensino médio integral é o defendido no Ceará. O Estado criou, com
recursos do Banco Mundial, uma rede própria de ensino médio integral.
Essas escolas possuem em grande medida melhores condições de trabalho
para a prática educativa e, claro, rendem muitos votos, especialmente num
Estado castigado pela fome, pela miséria e pela seca. Tem prédios
melhores, professores em tempo integral, salários um pouco melhores que
a média etc., mas sem deixar de combinar essa melhoria com a tendência
à precarização do trabalho.
Mas o que mais chama a atenção do leitor no caso cearense é a
fachada marxista dos princípios e fundamentos dessas escolas, combinada
com princípios da Tecnologia Empresarial Socioeducacional (TESE) da
Odebrecht, em grande medida baseada no empreendedorismo e na
qualificação de mão de obra (BELMINO, 2020; AMARAL, 2020).
Esse tipo de mistura de princípios contraditórios também vem
ocorrendo com uma certa recorrência nos institutos federais. Como vimos,
o instituto federal tem como fundamento princípios gramscianos, mas, lá
na ponta, nas unidades dos institutos, é possível observar uma mescla
bastante curiosa entre omnilateralidade e empreendedorismo, politecnia e
pedagogia das competências.

Considerações finais

Bruno (1997), depois de fazer um balanço do avanço das


corporações transnacionais e suas estruturas de poder, faz as seguintes

207
perguntas sobre as lutas educacionais do futuro: “Diante deste quadro de
transformações tão amplas e profundas, em que as fronteiras não servem
mais para demarcar espaços econômicos nem soberanias políticas plenas,
como pensar a questão das políticas educacionais?” (BRUNO, 1996, p.
44). E prossegue:

Como desenvolver ações coletivas contra uma estrutura de poder


transnacional, cuja dinâmica de funcionamento ainda não
compreendemos com clareza e frente à qual as formas de lutas
tradicionais têm tão pouca ou nenhuma eficácia? Como se contrapor
às novas formas de exercício do poder no interior das organizações
onde a própria forma de organização técnica do trabalho já inclui em
si mesma formas de controle que são acionadas pelo próprio
trabalhador? Refiro-me não apenas aos novos instrumentos de trabalho
computadorizados, em que são registrados cada gesto ou atividade
mental do trabalhador, ritmo e frequência, mas também às formas
participativas de trabalho, onde os trabalhadores passam a controlar
uns aos outros?

Melhorar a qualidade da educação vai muito além da promoção de


reformas curriculares, implica, antes de tudo, criar novas formas de
organização do trabalho na escola, que não apenas se contraponham às
formas contemporâneas de organização e exercício do poder, mas que
constituam alternativas práticas possíveis de se desenvolverem e de se
generalizarem, pautadas não pelas hierarquias de comando, mas por
laços de solidariedade, que consubstanciam formas coletivas de
trabalho, instituindo uma lógica inovadora no âmbito das relações
sociais (BRUNO, 1996, p. 45, grifo nosso).

Dal Ri e Vieitez (2011) argumentam mais ou menos no mesmo


sentido. Eles fazem um balanço do avanço das lutas dos trabalhadores
docentes e dos estudantes na fase atual do capitalismo e defendem a gestão
democrática:

208
[...] há sempre a possibilidade de que a perspectiva da luta evolua da
defesa da escola estatal para a defesa da escola realmente pública, ou
seja, uma escola governada pelos seus usuários, os trabalhadores. A
menção a esta possibilidade não é inopinada, pois no passado recente,
como assinalado, a luta pela institucionalização da gestão democrática
na educação, independentemente da clareza de propósitos com que foi
formulada ou dos resultados obtidos, estava orientada por essa
perspectiva (DAL RI; VIEITEZ, 2011, p. 165).

E prosseguem:

Portanto, não é implausível que no futuro, o substrato da proposição


de gestão democrática, ou seja, a questão de quem governa ou
governará a educação, reapareça sob outra ótica. Neste caso, a luta pelo
controle do sistema escolar ou alguma variante conceptiva de trabalho
associado na escola, passará a fazer parte do movimento, em
substituição à subalternidade de assalariados ou assalariados virtuais
(alunos), e poderá povoar o imaginário dos atores escolares. Porém, a
plausibilidade desta perspectiva dependerá, também, de que no
movimento social geral prospere igualmente no sentido da utopia da
transcendência social, anticapitalista ou socialista (DAL RI; VIEITEZ,
2011, p. 165, grifos dos autores)

Mészáros (2004) acredita que a transcendência do trabalho


alienado é o tema mais urgente neste novo milênio. Ele defende a
necessidade de universalização do trabalho enquanto atividade vital do ser
humano (positividade do trabalho). Certamente, quando Mészáros se
refere à universalização do trabalho, quer nos dizer que todos devemos
trabalhar, desde que seja um trabalho não explorado, um trabalho que nos
enriqueça enquanto ser humano, uma atividade cheia de sentido, e não um
trabalho embrutecedor, degradante.

209
Mészáros (2002) também não se refere a um igualitarismo tosco,
mas à igualdade substantiva do “a cada um segundo as suas capacidades, a
cada um segundo as suas necessidades”. No projeto de construção de uma
sociedade para além do capital, o trabalho educacional desalienado estará
umbilicalmente ligado às lutas anticapital do seu tempo histórico.
Mészáros (2002) defende ainda a superação do Estado capitalista
por formas de controle social, e aqui a educação para além do capital ganha
papel de destaque. Certamente Mészáros se colocaria contra os processos
de privatização da educação que vimos neste capítulo. Longe de inaugurar
uma suposta democratização da sociedade frente ao Estado opressor e
totalitário, a multiplicação de ONGs, fundações e institutos só aumenta a
ditadura direta e indireta da mercadoria.
Por último, mas não menos importante, a educação para além do
capital na América Latina somente poderá brotar de alterações
concomitantes no mundo do trabalho e no mundo da educação. E, para
isso, uma tarefa fundamental será a eliminação das fundações, institutos e
ONGs que estão controlando a política educacional.

210
Considerações finais

A expectativa de arrancar das nossas classes proprietárias um


sistema educacional público de qualidade, com investimentos significa-
tivos para o fortalecimento da educação pública parece que
definitivamente ter chegado ao fim.
Não que as lutas pelos fundos públicos para a educação pública
(revolução dentro da ordem) devam deixar de fazer parte da agenda das
lutas sociais, mas cada vez mais ganha centralidade a revolução contra a
ordem, o que justifica a importância de compreendermos a questão agrária
brasileira, o papel da formação política dos professores, e a conjugação de
ações conscientes dos professores na escola e na sociedade.
A luta pela educação emancipatória nos dias de hoje exigirá da
classe trabalhadora atingida pelo capital a retomada das rédeas
educacionais, dentro de uma luta mais ampla pelo controle social da
produção e da reprodução da vida.
Devem ser erguidas bandeiras como a da gratuidade da educação,
a da gestão democrática do sistema educacional, a da desmercantilização
completa da educação e da vida, a da educação anticapital, a do uso dos
fundos públicos para a promoção da educação pública, a de melhores
condições de trabalho para os educadores, a da relevância da pesquisa
científica, e a de um novo sentido ao ensino e extensão nas universidades
públicas.
Nada mais nada menos que colocar na ordem do dia o sentido da
educação pública e a necessidade de convertê-la em educação para além do
capital, como parte de uma estratégia radical e abrangente de construção
de uma sociedade para além do capital. Mészáros (2002; 2005) é enfático

211
a esse respeito. Para ele, deve haver alterações concomitantes no mundo da
educação e no mundo do trabalho, obviamente tendo em vista a alteração
radical do sentido do trabalho.
Marx (2012) dizia que o financiamento da educação deve ser
público, mas que o Estado não pode educar o povo. Podemos dizer, então,
que o controle do que ensinar, como ensinar, como avaliar deve estar nas
mãos do povo, e não nas mãos do capital e nas suas personificações que
habitam os ministérios, secretarias da educação e, mais recentemente,
fundações, institutos e ONGs.
Como parte da luta pela desmercantilização completa da educação,
a conversão do trabalho assalariado docente em trabalho associado será um
dos maiores desafios. E, ao mesmo tempo, a completa erradicação da
educação enquanto mercadoria rentável também deverá fazer parte das
nossas lutas.
A difusão de escolas próprias e até mesmo a criação de sistemas
próprios de educação para além do capital pelos movimentos sociais
também deve ser lembrada, como parte da transição para outro modo de
produção e reprodução da vida.
Por último, mas não menos importante, acreditamos que a luta
pela conversão da educação em educação para além do capital no espaço
nacional deve estar em sintonia com as lutas anticapital internacionais, não
só para combater o coronavírus e o pandemônio, mas para combater o
capitalismo financeirizado, ou seja, a barbárie.

212
Referências

ABED (Org.). Associação Brasileira de Educação a Distância. Censo


EAD.BR: relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil 2018.
Curitiba: InterSaberes, 2019. Disponível em
<http://abed.org.br/arquivos/CENSO_DIGITAL_EAD_2018_PORTU
GUES.pdf>. Acesso em 13.ago.2021.

ADRIÃO, T.; GARCIA, T. G.; BORGHI, R.; ARELARO, L. R. G. As


parcerias entre prefeituras paulistas e o setor privado na política
educacional: expressão de simbiose?, Educação & Sociedade, v. 33, p. 533-
549, 2012.

ALMEIDA, Sergio Antunes de; WOLFF, Simone. Novas tecnologias e o


trabalho docente na modalidade ensino a distância. In: Seminário
Estudos do Trabalho, 6, 2008, Marília. Anais... Marília: UNESP, 2008.
Disponível em: <http://flacso.redelivre.org.br/files/2012/07/236.pdf>.
Acesso em: 13.ago.2021.

ANDE; ANPED; CEDES. Carta de Goiânia. In: Educação & Sociedade,


ano VIII, número 25, dezembro de 1986, p. 5-10.
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. São Paulo: Boitempo,
2019.

ARAPIRACA, J. O. A USAID e a educação brasileira. Um estudo


a partir de uma abordagem crítica do capital humano, Rio de
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Dissertação de Mestrado, 1979.

ALVES, G. L. O trabalho docente na escola moderna: formas históricas.


Campinas: Editores Associados, 2005.

BATISTA, Eraldo. Trabalho e educação profissional nos anos 1930 e 1940.


Campinas: Autores Associados, 2015.

213
BEDINELLI, T. São Paulo põe creche em cima de loja de construção.
Folha de S.Paulo, São Paulo, 18.mai.2009. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u567478.shtml>.
Acesso em 15.ago.2021.

BELLINASO, Filipe. Educação a distância (EAD) e o trabalho docente: o


aumento da precarização. 2020. 116 p. Dissertação (mestrado) -
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e
Ciências, Marília, 2020.

BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. Campinas: Autores


Associados, 2012.

BELMINO, W. G. Um estudo ontomaterialista sobre a função social das


escolas estaduais de educação profissional do Ceará. 2020. 196 f. Tese
(Doutorado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal
do Ceará, Fortaleza, 2020.

BENINI, Elcio Gustavo. Política educacional e educação a distância: as


contradições engendradas no âmbito do trabalho docente. 2012. 284 p.
Tese (Doutorado em Pedagogia) - Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul. PPGEdu/CCHS/Campo Grande/MS, Campo Grande, 2012.

BORGHI, R. ADRIÃO, T. GARCIA, T. As parcerias público-privadas


para a oferta de vagas na educação infantil: um estudo em municípios
paulistas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 92, n. 231, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Educação profissional técnica de nível


médio integrada ao ensino médio: documento-base. Brasília: MEC, 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Educação profissional: concepções,


experiências e propostas. Brasília: MEC, 2003.

214
BRUNO, L. Poder e administração no capitalismo contemporâneo. In:
OLIVEIRA, D. A. (Org.). Gestão democrática da educação. Petrópolis:
Vozes, 1997.

BRUNO, Lúcia. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil.


Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, set./dez.2011, p. 545-562.

BUARQUE, Chico. Funeral de um lavrador. 1965.

CÂMARA DE SOUZA, Dilmo. A evolução do ensino no Brasil. Rio de


Janeiro: Gramma, 2018.

CAMPOS, Fábio Antonio de. A arte da conquista: o capital internacional


no desenvolvimento capitalista brasileiro (1951-1992). 2009. 227 p.
Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Economia, Campinas, 2009.

CANDIDO, Antonio. A revolução de 1930 e a cultura. Novos Estudos


CEBRAP, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 27-36, abr.1984.

CASTANHO, Sérgio. Transformações históricas da escola pública no


Brasil ou como chegamos à escola estatal que temos? In: LOMBARDI, J.
C.; SAVIANI, D. (Orgs.). História, educação e transformação: tendências
e perspectivas para a educação pública no Brasil. Campinas: Autores
Associados, 2011, p. 87-108.

CASTRO, Josué. Geografia da fome. São Paulo: Brasiliense, 1967.

CERQUEIRA, Laurez. Florestan Fernandes: vida e obra. São Paulo:


Expressão Popular, 2004.

CHAGAS, Marcos Rogerio Jesus. Os grêmios estudantis e as mobilizações


secundaristas em Bauru no ano de 2015. 2020. 175 p. Dissertação

215
(mestrado profissional) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
Estadual Paulista, Marília, 2020.

CHESNAIS, F. Introdução. In: CHESNAIS, F. (Org.) A finança


mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 25-34.

CIAVATTA, Maria. A reconstrução histórica de trabalho e educação e a


questão do currículo na formação integrada: ensino médio e EJA. In:
TIRIBA, Lia; CIAVATTA, Maria (Orgs.). Brasília: Liber livro/UFF,
2011, p. 225-256.

CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino médio e educação


profissional no Brasil: dualidade e fragmentação. Retratos da Escola,
Brasília, v. 5, n. 8, p. 27-41, jan./jun. 2011.

CPS. Seminário do CPS debate desafios da educação híbrida. Centro


Paula Souza, 30.mar.2021. Disponível em
<https://www.cps.sp.gov.br/seminario-do-cps-debate-desafios-da-
educacao-hibrida/>. Acesso em 13.ago.2021.

CUNHA, Luiz Antonio. Educação, Estado e democracia no Brasil. São


Paulo: Cortez, 1991.

DAL RI, N.; VIEITEZ, C. A educação no movimento social: a luta


contra a precarização do ensino público. In: LIMA, F. C. S.; SOUZA, J.
U. P.; CARDOZO, M. J. P. B.. (Orgs.). Democratização e educação
pública: sendas e veredas. São Luís: Editora da UFMA, 2011, p. 133-165.

DAGNINO, Renato; CAVALCANTI, P.; COSTA, G. (orgs.). Gestão


Estratégica Pública. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2016. 496 p.

DELGADO, Guilherme Costa. Capital financeiro e agricultura no


desenvolvimento recente da economia brasileira. 1984. 313 f. Tese

216
(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, Campinas, 1984.

DELORS, Jacques et al. Educação: um tesouro a descobrir: relatório para


a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI. São Paulo: Cortez, 1996.

DEO, Anderson. Autocracia burguesa e questão agrária no Brasil. In:


PIRES, J. H.; NOVAES, H. T.; LOPES, J. A.; MAZIN, A. D. (Orgs.).
Questão agrária, cooperação e agroecologia. Uberlândia: Navegando
Publicações, 2017, v. 3, p. 23-50.

DOS SANTOS, T. A teoria da dependência: balanços e perspectivas. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis:


Vozes, 1981.

ECONOMIA SC. O futuro da educação a distância após a pandemia.


Economia SC, 6.abr.2021. Disponível em
<https://www.economiasc.com/2021/04/06/economia-sc-drops-o-
futuro-da-educacao-a-distancia-apos-a-pandemia/>. Acesso em
13.ago.2021.

FERNANDES, Florestan. Tensões na educação. Marília: Lutas anticapital


2021.

FERNANDES, Florestan. A conspiração contra a escola pública. Marília:


Lutas anticapital, 2020.

___________. Reflexões sobre a construção de um instrumento político. São


Paulo: Expressão Popular, 2018.

217
___________.. A formação política e o trabalho do professor. Marília:
Lutas anticapital, 2019.

___________. Poder e contrapoder na América Latina. 2. ed. São Paulo:


Expressão Popular, 2015.

___________. Circuito fechado. São Paulo: Globo Livros, 2014.


FERNANDES, Florestan. O circuito fechado. São Paulo: Globo, 2006.

__________. Pensamento e ação: o PT e os rumos do socialismo. São


Paulo: Globo Livros, 2006.

___________. A revolução burguesa no Brasil: ensaios de interpretação


sociológica. São Paulo: Globo Livros, 2005.

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de


interpretação sociológica. 5. ed. São Paulo: Globo, 2005.

FERNANDES, Florestan. A transição prolongada: o período pós-


constitucional. São Paulo: Cortez Editora, 1990.

___________. O desafio educacional. São Paulo: Cortez, 1989.

__________. O processo constituinte. Câmara dos Deputados, Centro


de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, 1988.

___________. Nova República?. São Paulo: Global, 1986.

___________. A integração do negro na sociedade de classes. 3. ed. São


Paulo: Ática, 1978.

___________. A sociologia no Brasil. São Paulo: Vozes, 1977.

218
___________.A sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Zahar,
1976.

FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo:


Dominus, 1966.

FERRETTI, Celso João. Reformulações do ensino médio. Holos, Natal,


v. 6, p. 71-91, 2016.

FIDALGO, Nara Luciene Rocha. A lógica produtivista e tecnologias


digitais no trabalho docente universitário: novos tempos e espaços de
conformação da subjetividade. 2007. 49 p. Projeto de Pesquisa
(Doutorado em Programa de Pós-graduação em Educação) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.

FIX, M. São Paulo cidade global: fundamentos financeiros de uma miragem.


São Paulo: Boitempo, 2007.

FREITAS, L. C. de. A reforma empresarial da educação: nova direita,


velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

FREIRE, Ana Maria Araújo. Paulo Freire Uma História de Vida. São
Paulo: Villa das Letras, 2006.

FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1992.

FREITAG, Bárbara. Democratização, universidade e revolução. In:


D'INCAO, Maria Angela (Org.). O saber militante: ensaios sobre
Florestan Fernandes. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: UNESP,
1987, p. 163-180.

FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova


direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

219
FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e mudanças no mundo do
trabalho e o ensino médio. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; RAMOS,
Marise; CIAVATTA, Maria. (Orgs.). Ensino médio integrado: concepções
e contradições. São Paulo: Cortez, 2005.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Os circuitos da história e o balanço da


educação no Brasil na primeira década do século XXI. Revista Brasileira
de Educação, v. 16, n. 46, 2011, p. 235-254.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Uma década do Decreto 5.154/2004 e do


PROEJA: balanço e perspectivas. Holos, Natal, v. 6, p. 56-70, 2016.

FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. A


gênese do decreto n. 5.154/2004: um debate no contexto controverso da
democracia restrita. Revista Trabalho Necessário, ano 3, n. 3, p. 1-26,
2005.

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo:


Companhia das Letras, 2009.
GALZERANO, Luciana; MINTO, Lalo. Capital fictício e educação no
Brasil: um estudo sobre a lógica contemporânea da privatização. EccoS
Revista Científica, São Paulo, n. 47, p. 61-80, set./dez. 2018.

GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil. São


Paulo: Cortez, 2002.

GIOLO, Jaime. A educação a distância e a formação de professores.


Educação e Sociedade, v. 29. n.105, p. 1211-1234, set./dez. 2008.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2007.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos extremos. São Paulo: Companhia das


Letras, 1996.

220
HUMPRHEY, John. Fazendo o “milagre”: controle capitalista e luta
operária na indústria automobilística brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980.

IANNI, Octavio. A ditadura do grande capital. São Paulo: Expressão


Popular, 2019.

IANNI, O. Estado e capitalismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.

ICE. Marcos Antônio Magalhães. Instituto de Corresponsabilidade pela


Educação, Recife, 2021b. Disponível em
<https://icebrasil.azurewebsites.net/staff_trusted/tste/>. Acesso em
16.ago.2021.

ICE. Sobre o ICE. Instituto de Corresponsabilidade pela Educação. Recife,


2021a. Disponível em <https://icebrasil.org.br/sobre-o-ice/>. Acesso em
16.ago.2021.

INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio


Teixeira. Sinopses Estatísticas da Educação Superior 2017. Brasília: INEP.
Disponível em <http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-
superior>. Acesso em 13.ago.2021.

JINKINGS, I. Sob o domínio do medo: controle social e criminalização


da miséria no neoliberalismo. 2007. 2016. Tese (Doutorado) -
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
KUENZER, Acácia. A formação de professores para o ensino médio:
velhos problemas, novos desafios. Educação & Sociedade, Campinas, v.
32, n. 116, p. 667-688, jul./set. 2011.

KUENZER, Acácia. Ensino médio e profissional: as políticas do Estado


neoliberal. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

LEHER, R. Ler a crise, ler a mercantilização da educação. In: SANTOS,


M. R. S dos; MELO, S. D. G; GARIGLIO, J. A. (Orgs.). Políticas,

221
gestão e direito à educação superior: novos modos de regulação e
tendências em construção. v. 1. Belo Horizonte: Fino Traço, 2020, p.
41-64. (Coleção Edvcere).

LEHER, Roberto. Florestan Fernandes e a defesa da educação pública.


Educação & Sociedade, v. 33, n. 121, out.-dez.2012.

LEHER, Roberto. Um Novo Senhor da educação? A política educacional


do Banco Mundial para a periferia do capitalismo. Outubro, São Paulo,
v. 1, n. 3, p. 19-30, 1999.

LÊNIN, Vladimir. Imperialismo fase superior do capitalismo. São Paulo:


Boitempo Editorial, 2021.

LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Os bruzundangas. Rio de


Janeiro: 1922.

LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Triste fim de Policarpo


Quaresma. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1911.

LIMA FILHO, Paulo Alves. Os devoradores da ordem: exclusão social


no capitalismo incompleto. In: GALEAZZI, M. A. (Org.). Segurança
alimentar e cidadania: a contribuição das universidades paulistas.
Campinas: Mercado das Letras, 1996, p. 45-77.

LIMA FILHO, Paulo Alves. Pensando com Marx (I). Marília/São Paulo:
Lutas anticapital/Aramarani, 2019.

LOMBARDI, José Claudinei. Crise do capitalismo e educação: algumas


anotações. In: LOMBARDI, J. C. (Org.). Crise capitalista e educação
brasileira. Uberlândia: Navegando, 2016, p. 13-33.

LOVATTO, Angélica. Os Cadernos do povo brasileiro e o debate


nacionalista nos anos 1960: um projeto de revolução brasileira. 2010. 385

222
f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.

MACEDO, José Rivair; MAESTRI, Mário. Belo Monte: uma história da


Guerra de Canudos. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

MACEDO, Rogério Fernandes. A destruição em massa: a tragédia da


fome e da degradação dos hábitos alimentares. In: NOVAES, H. T.;
SANTOS, J.; PIRES, J. H. (Orgs.). Questão agrária, cooperação e
agroecologia, vol. I. São Paulo: Outras Expressões, 2015.

MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo editorial, 2007.

MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. São Paulo: Boitempo


editorial, 2012.

MENDONÇA, Sueli. Golpe militar e educação: a extinção das


experiências educacionais história nova e ginásios vocacionais. In: LIMA
VIEIRA, Rosângela de (Org.). Ecos da ditadura na sociedade brasileira
(1964-2014). 1. ed. Marília/São Paulo: Oficina Universitária/Cultura
Acadêmica, 2014, p. 41-58.

MERCURIO, B. M. C. Integração do Ensino Técnico ao Médio na


Habilitação Profissional em Agropecuária no Centro Paula Souza:
Limites e Contradições. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista,
Marília, 2021.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo:


Boitempo, 2008.

MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.

223
MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. Revista Outubro, v.2, n.
4, p. 7-15, 2000.

MILL, Daniel Ribeiro; SANTIAGO, Carla Ferreti; VIANA, Inajara de


Salles. Trabalho docente na educação a distância: condições de trabalho e
implicações trabalhistas. Revista extraclasse, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p.
56-73, 2008.
MINTO, Lalo Watanable. A educação da miséria: particularidade
capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões,
2015.

MONTAÑO, C. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente


de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002.

MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a distância: uma visão


integrada. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo:


Edusp, 2013.

NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social. 15. ed. São Paulo: Cortez,
2015.

NEVES, Viana de Salles Inajara; FIDALGO, Fernando Selmar. Docente


virtual na educação a distância: condições de trabalho na rede privada de
ensino. Seminário Nacional de Educação profissional e tecnológica, v. 1, p.
1-9, 2008.

NOBLE, David. Ensino à distância, lucros e mediocridade. Le Monde


Diplomatique Brasil, 1.abr.2000. Disponível em
<https://diplomatique.org.br/ensino-a-distancia-lucros-e-
mediocridade/>. Acesso em 13.ago.2021.

224
NOGUEIRA, André Magalhães. Assembleia Nacional Constituinte de
1987-88. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coords.). Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC,
2010. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br.> Acesso em: 11 abr.2021.

NOVAES, Henrique Tahan; OKUMURA, Julio Hideyshi. A tragédia


educacional brasileira. Marília: Lutas anticapital, 2019.

NOVAES, Henrique Tahan. Mundo do trabalho associado e embriões de


educação para além do capital. Marília: Lutas anticapital, 2018.

NOVAES, Henrique Tahan. O fetiche da tecnologia: a experiência das


fábricas recuperadas. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

NOVAES, Henrique Tahan. Posfácio: Questão agrária, questão


educacional e as lutas pela manutenção do PRONERA. In:
RODRIGUES, Sonia da Silva (Org.) Pronera: gestão participativa e
diversidade de sujeitos da educação do campo. Marília: Lutas anticapital,
2020, p. 200-233.

NOVAES, Henrique Tahan. Reatando um fio interrompido: a relação


universidade movimentos sociais na América Latina. 2. ed. Marília: Lutas
anticapital, 2019.

NOVAES, Henrique Tahan; MACEDO, Rogério Fernandes; CASTRO,


Fabio. A atualidade da acumulação primitiva: roubo e cercamento de
terras nos séculos XX e XXI. In: NOVAES, H. T.; MACEDO, R. F;
CASTRO, F. (Orgs.). Introdução à crítica da economia política. 1. ed.
Marília: Lutas anticapital, 2019, v. 1, p. 365-394.

NOVAES, H. T.; MAZIN, A. (Org.) ; SANTOS, L. (Orgs.) . Questão


agrária, cooperação e agroecologia. São Paulo: Outras Expressões, 2015.

225
OLIVEIRA, Francisco de. Memórias do despotismo. Revista de Estudos
Avançados 14 (40), 2000, p. 49-63.

OKUMURA, Julio Hideyshi. Florestan Fernandes na Assembleia Nacional


Constituinte (1987- 88): debates, propostas e pensamento educacional.
2019. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Filosofia e
Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2019.

OKUMURA, Julio Hideyshi; NOVAES, Henrique Tahan.


Apresentação. In: FERNANDES, Florestan. A formação política e o
trabalho do professor. Marília: Lutas anticapital, 2019, p. 7-10.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de produção capitalista,


agricultura e reforma agrária. São Paulo: FFLCH, 2007, 184p.

OLIVEIRA, Francisco de. O ornitorrinco: a crítica à razão dualista. São


Paulo: Boitempo, 2003.

PALUDETO, Melina. A reforma do ensino médio e a destruição da


escola pública. In: MACEDO, R.; NOVAES, H.T.; LIMA FILHO, P.
A. (Orgs.). Movimentos sociais e crises contemporâneas. Marília: Lutas
anticapital, 2018, vol. 3, p. 200-222.

PEREIRA NETO, Ivo. “Ninguém saiu daqui sem uma experiência


única”: as ocupações secundaristas de 2016 e o caso do Ginásio
Pernambucano. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal
Rural de Pernambuco, 2021. 64 p.

PEREIRA, George. A educação profissional e o ensino médio no Brasil:


meandros, contradições e descaminhos da proposta de integração no
Ceará. 2020. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Filosofia e
Ciências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Marília, 2020.

226
PETERS, Otto. Didática do ensino a distância: experiências e estágio da
discussão numa visão internacional. São Leopoldo: Editora Unisinos,
2006.

PILETTI, Nelson. Reforma do ensino médio: lições da história. Blog da


Revista Espaço Acadêmico, 4.nov.2016. Disponível em
<https://espacoacademico.wordpress.com/2016/11/04/reforma-do-
ensino-medio-1-licoes-da-historia/>. Acesso em 2.ago.2021.

PINHEIRO, Camila Mendes. O Fórum Nacional “Em Defesa da Escola


Pública” e o princípio de gestão democrática na Constituição Federal de
1988. 2015. 234f. Dissertação – (Mestrado em Educação). Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e
Ciências, Marília, 2015.

PINHO, Angela. USP e Unicamp preveem manter ensino a distância em


parte dos cursos após pandemia. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2.abr.2021.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2021/04/usp-
e-unicamp-preveem-manter-ensino-a-distancia-em-parte-dos-cursos-
apos-pandemia.shtml>. Acesso em 13.ago.2021.

POCHMANN, Marcio. Atlas da exclusão social no Brasil, dinâmica da


exclusão social na primeira década do século XXI. 2. ed. São Paulo: Cortez,
2015.

PRADO JR., Caio. A revolução brasileira e a questão agrária no Brasil. São


Paulo: Companhia das Letras, 2014.

PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:


Companhia das Letras, 2011.

PRZEWORSKI, A. Capitalismo e social-democracia. São Paulo:


Companhia das Letras, 1989.

227
REALE JR, Miguel. Miguel Reale Jr. Defende que junta médica avalie
sanidade mental de Bolsonaro. https://politica.estadao.com.br/
noticias/geral,miguel-reale-junior-defende-que-junta-medica-avalie-
sanidade-mental-de-bolsonaro,70003234895. Obtido em março de
2020.

RAMOS, M. N. O Currículo para o Ensino Médio em suas diferentes


modalidades: concepções, propostas e problemas. Educação & Sociedade,
Campinas, v. 32, n. 116, p. 771-788, jul/set 2011.

RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio. Marília: Lutas anticapital, 2019.

ROCHA, Glauber. Revolução do cinema novo. São Paulo: Cosac Naify,


2004.

RODRIGUES, Fabiana C.; NOVAES, Henrique T.; BATISTA, Eraldo


L. Movimentos sociais, trabalho associado e educação para além do capital.
São Paulo: Outras Expressões, 2014.

RODRIGUES, Fabiana. Florestan Fernandes: a campanha em defesa da


escola pública e os aprendizados sobre a formação social. In:
OKUMURA; J.; NOVAES, H.T. (Orgs.). A conspiração contra a escola
pública. Marília: Lutas anticapital, 2020, p. 71-86.

RODRIGUES, Fabiana; BRAGA, Lucelma. Da proletarização dos


professores na ditadura empresarial-militar aos desafios educacionais da
transição democrática: as contribuições de Florestan Fernandes sobre a
formação política do professor. Germinal, Salvador, v. 10, n. 1, p. 308-
315, mai.2018.

ROSAR, Maria de Fátima Felix. Administração escolar: um problema


educativo ou empresarial?. Campinas: Autores Associados, 2013.

228
SAMPAIO JR., Plínio de Arruda. Notas críticas sobre a atualidade e os
desafios da questão agrária. In: STÉDILE, João Pedro. (Org.). Debates
sobre a situação e perspectivas da reforma agrária na década de 2000. São
Paulo: Expressão Popular, 2013, p. 189-240.

SANFELICE, José Luís. A política educacional do Estado de São Paulo:


apontamentos. Nuances, ano XVII, v. 17, n. 18, p. 146-159, jan./dez.
2010.

SANFELICE, José. O Manifesto dos Educadores (1959) à luz da


história. Revista Educação e Sociedade, 2007, vol. 28, n. 99, p. 542-557.

SANTOS, José Deribaldo dos. A profissionalização imposta por decreto:


notas sobre a reformulação neoliberal na educação dos trabalhadores
brasileiros. Germinal, Salvador, v. 9, n. 3, p. 230-240, dez. 2017.

SANTOS, José Deribaldo dos. Educação profissional: crise e precarização.


Marília: Lutas anticapital, 2019.

SANTOS, José Deribaldo dos; RIBEIRO, Ellen Cristine dos; SABINO,


Thiago Chaves. As oscilações em torno do conceito de técnica e de
tecnologia na precarização da educação profissionalizante. In:
MAGALHÃES, D. R.; DIAS, J. A. (Orgs.). Memória com história da
educação: desafios eminentes. 1. ed. Uberlândia: Navegando Publicações,
p. 37-52, 2020.

SAUVIAT, C. Os fundos de pensão e os fundos mútuos: principais


atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In:
CHESNAIS, F. (Org.) A finança mundializada. São Paulo: Boitempo,
2005, p. 109-132.

SAVIANI, Demerval. A nova lei da educação: trajetória, limites e


perspectivas. 8. ed. São Paulo: Autores Associados, 2003.

229
SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do “longo século XX”
brasileiro. In: SAVIANI, D.; ALMEIDA, J.S.de; SOUZA, R.F. de;
VALDEMARIN, V.T. (Orgs.) O legado educacional do século XX no
Brasil. 2ª ed. Campinas: Autores Associados, 2006.

SHIROMA, E.; EVANGELISTA, O. Educação já! A premência do


capital educador. In: BATISTA, E.; MULLER, T.; ORSO, P. (Orgs).
Escola pública diante do avanço destrutivo do capital. Marília: Lutas
anticapital, 2021, p. 211-248.

SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia Marcondes de;


EVANGELISTA, Olinda. Política educacional. 2. ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002.

SILVA, José Gomes da. A reforma agrária no Brasil. In: STÉDILE, João
Pedro (Org.). A questão agrária no Brasil: o debate na esquerda (1960-
1980). São Paulo: Expressão Popular, 2013, p. 197-224.

SOARES, Eliane Veras. Florestan Fernandes: o militante solitário. São


Paulo: Cortez, 1997.

SOARES, L. T. O desastre social. Rio de Janeiro: Record, 2003.

SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. São Paulo:


Brasiliense, 1963.

SODRÉ, Nelson Werneck. Quem é o povo no Brasil?. Marília: Lutas


anticapital, 2019.

SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola


primária seriada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo:
Editora UNESP, 1998.

230
TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1968.
UNICEF. Declaração mundial sobre educação para todos: Conferência de
Jomtien - 1990. Jomtien, 5-9.mar.1990. Disponível em
<https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-
todos-conferencia-de-jomtien-1990>. Acesso em 13.ago.2021.

________. Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro. Brasília:


SESI/UNESCO, 1999. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-a-
Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-de-hamburgo-sobre-educacao-
de-adultos.html> Acesso em 03 mar. 2020.

________. Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos. Nova


Delhi, 1993. Edição publicada no Brasil em 1998. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-a-
Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-de-nova-delhi-sobre-educacao-
para-todos.html> Acesso em: 03 mar. 2020.

________. Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas


na área das necessidades educativas especiais. Salamanca, 1994. Edição
publicada no Brasil em 1998. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf> Acesso em:
03 mar. 2020.

________. Educação para Todos: o compromisso de Dakar. 2000.


Edição publicada no Brasil em 2001. Disponível em: <
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-a-
Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-de-dakar.html> Acesso em: 03
mar. 2020.

VENCO, Selma Borghi; BRAZOROTTO, Cintia. A quem se destina a


política de educação profissional nos Institutos Federais? In: VENCO,

231
Selma; ASSIS, Ana Elisa S. Q. (Orgs.). Brasil e Alemanha: diálogos sobre
educação. Curitiba: CRV, 2018, v. 1, p. 69-84.

VENTURA, Jaqueline. A trajetória histórica da Educação de Jovens e


Adultos trabalhadores. In: CIAVATTA, Maria; TIRIBA, Lia. (Orgs.).
Trabalho e Educação de Jovens e Adultos. Brasília/Niterói: Liber
Livro/Editora UFF, 2011, v. 1, p. 57-97.

VERÍSSIMO, Luis Fernando. “Provocações.” Plenos Pecados. São


Paulo: Objetiva, 1999. 31-34.

XAVIER, Maria Elizabete S. P. Capitalismo e escola no Brasil: a


constituição do liberalismo em ideologia educacional e as reformas do
ensino (1931-1961). Campinas: Papirus, 1990.

ZANETIC, João. Florestan Fernandes e a defesa da educação pública.


Revista Adusp, p. 6-14, jan.2006. Disponível em
<https://www.adusp.org.br/files/revistas/36/r36a01.pdf>. Acesso em
2.ago.2021.

ZIEGLER, Jean. Destruição em massa: geopolítica da fome. São Paulo:


Cortez, 2013.

232
Sobre os autores

Henrique Tahan Novaes

Docente da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Marília
(SP), onde leciona no programa de pós-graduação em Educação. Na
licenciatura em Ciências Sociais dá a disciplina política educacional e na
Pedagogia disciplinas sobre movimentos sociais e educação.
É autor dos livros: O fetiche da tecnologia: a experiência das fábricas
recuperadas (20007), A relação universidade-movimentos sociais: reatando
um fio interrompido (2012), O retorno do caracol à sua concha: alienação e
desalienação em cooperativas e associações de trabalhadores (2014) e Mundo
do trabalho associado e embriões de educação para além do capital (2018),
pela editora Lutas anticapital.
Atualmente, desenvolve pesquisas e projetos de extensão sobre produção
destrutiva, cooperação, agroecologia e escolas de agroecologia e mais
recentemente sobre a política de integração do ensino técnico ao médio do
Centro Paula Souza.
É um dos coordenadores do curso itinerante de aperfeiçoamento
Movimentos sociais e crises contemporâneas (UNESP), que já está em sua 11ª
edição. Coordena também o minicurso itinerante Questão agrária,
cooperação e agroecologia, em sua 7ª edição.
Foi ainda coordenador do curso pós-médio em Agroecologia, em parceria
com o Centro Paula Souza, os Movimentos Sociais do Campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

233
Atualmente, coordena o curso técnico em Agropecuária, integrado ao
ensino médio, com ênfase em agroecologia e agrofloresta, com essas
mesmas entidades.
Contato: hetanov@gmail.com

Julio Hideyshi Okumura

Graduado em Pedagogia, é mestre em Educação pela UNESP, com a


dissertação Florestan Fernandes na Assembleia Nacional Constituinte (1987-
88): debates, propostas e pensamento educacional. Possui pós-graduação lato
sensu em Educação de Jovens e Adultos pela Faculdade de Tecnologia
(FATEC) de São Paulo.
Atualmente, cursa doutorado em Educação, também na UNESP, onde
pesquisa o tema Revolução “dentro da ordem e contra a ordem”: o pensamento
educacional de Florestan Fernandes (1960-80).
É ainda professor na escola pública do município de Marília (SP) e nos
cursos de Administração e de Pedagogia da Faculdade de Ensino Superior
do Interior Paulista (FAIP).
Contato: julio.hideyshi@gmail.com

234
Pareceristas

Este livro foi submetido ao Edital 001/2021 do Programa de Pós-


graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:

Adriana Pastorello Buim Arena Jose Deribaldo Gomes dos Santos


Alberto Luiz Pereira da Costa Lalo Watanabe Minto
Alexandre Filordi de Carvalho Lia Leme Zaia
Américo Grisotto Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Ana Claudia Saladini Luciano Mendes de Faria Filho
Ana Maria Klein Márcia Lopes Reis
Angelica Pall Oriani Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
Carlos Bauer Maria de Fatima Felix Rosar
Carlota Boto Maria José Viana Marinho de Mattos
Celia Regina Rossi Maria Lucia Marques
Cinthia Magda Fernandes Ariosi Marta Sueli de Faria Sforni
Claudia Cristina Ferreira Mauro Castilho Gonçalves
Cristina Maria Carvalho Delou Nadia Aparecida Bossa
Daniel Ferraz Chiozzini Nilza Sanches Tessaro Leonardo
Domingos Leite Lima Filho Ofelia Maria Marcondes
Erika Porceli Alaniz Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues
Francismara Neves de Oliveira Rita Melissa Lepre
Genivaldo de Souza dos Santos Sandra Aparecida Pires Franco
Giza Guimarães Pereira Sales Simone Wolff
Joana Tolentino Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva
Virgínia Pereira da Silva de Ávila

Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2021 do


Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO

Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno – CRB 8/8211

Revisão e Normalização
Heloisa Brenha Ribeiro

Ilustração da Capa
Lara Aiolfi

Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva

Assessoria Técnica
Renato Geraldi

Oficina Universitária Laboratório Editorial


labeditorial.marilia@unesp.br

Formato
16x23cm

Tipologia
Adobe Garamond Pro

Você também pode gostar