Você está na página 1de 2

20/09/2017 Direito, Estado e sociedade sob a óptica de Karl Marx - Jus.com.

br | Jus Navigandi
Entretanto, para Marx essa seria apenas um reflexo de algo superior que existe por trás: a alienação material (econômica). Nesse contexto, Marx argumentava que,
paralelamente às ideias materiais, deveriam nascer as ideias dos homens. O problema é que à maioria deles não é dado o direito de saber que são produtores de
ideias. Esta maioria apenas aceita e interioriza as da classe dominante. Isso porque há uma separação (https://jus.com.br/tudo/separacao) entre o produtor de ideias e
as ideias propriamente ditas. A divisão social do trabalho, ao invés de gerar harmonia social, criou a ideologia, e esta, a alienação. Assim, um trabalhador de uma
fábrica de parafusos, por exemplo, que é responsável apenas por pregar a cabeça dos mesmos, não conseguirá interiorizar ao entrar numa loja que aquilo é produto de
seu trabalho. Isso porque a divisão social do trabalho divide o saber do trabalhador!

Ademais, Marx fala em reificação. Ele afirma que processos inteiros são transformadas em meras coisas alheias aos homens e às suas relações (por exemplo, o
capital que é uma relação, aparece como dinheiro, equipamentos, etc.). O autor conecta, portanto, à alienação e à reificação, o fetichismo da mercadoria, explicando
que elas são instrumentos de dominação, exploração e de opressão burgueses (Chauí, 1984). A classe dominante inventa uma realidade (de pensamentos,
representações) universal, quando na verdade se sabe que ela não é homogênia. Isso porque cada classe possui seus anseios. A questão é que a burguesia expõe de
maneira sutil que suas ideias são úteis para toda a sociedade. O pensamento ideológico é abstrato, imediato e aparente. Os objetos são vistos como se tivessem vida
própria, não sendo questionados de onde vêm (é importante notar que o capitalismo tira o homem do centro das relações e põe o capital). Assim, até sentimentos
humanos pertencem ao mundo financeiro. Quando se acorda pela manhã e se liga a televisão, a primeira notícia que se vê é: a bolsa acordou em choque, ela sofreu
uma queda, está em crise, ou mesmo cambaleia. Só o que falta é ela amar, chorar ou sonhar!

Ele é abstrato porque se afasta de como as ideias deveriam ser, é um produto da consciência. É imediato porque é o que se vê primeiro, como se fosse um cartão de
visitas3. A ideologia se opõe, então, ao concreto, real, e mediato. Ela é um processo de separação entre o saber intelectual e a produção da vida real. Isto porque o
trabalhador não consegue pensar sobre o que tem por trás daquilo que é posto como verdade. Ela inverte e abstrai a realidade, omitindo a base real da história (a
divisão social) ou invertendo-a; troca-se a causa pelo efeito, ou o sujeito pelo objeto (Chauí, 1984).

Em outras palavras, os trabalhadores não só não se reconhecem como autores ou produtores das mercadorias, mas ainda acreditam que elas valem o preço que
custam e que não podem tê-las porque valem mais do que eles.

4. O ESTADO E O DIREITO NA VISÃO DE MARX


O autor concebe o Estado não como curador social que tem por função obter o bem comum da sociedade e proteger os interesses universais, como pensou Durkheim,
nem também como o Estado ético-racional, perene, sem história, superior a sociedade civil, como propunha Hegel. Ele analisa-o relacionado à realidade política como
reflexo da sociedade civil e, portanto, como decorrente de uma luta de classes. O Estado, para o autor, localiza-se na esfera superestrutural, sendo seu surgimento
necessário para ordenar essa luta de classes, amenizando-a. Fazendo isso, o Estado atende aos interesses dos proprietários4, já que a intensificação dos conflitos
pode gerar uma superação da realidade e à classe dominante interessa a permanência da situação vigente.

Para ele, o Estado é o braço repressivo da burguesia. Ele utiliza-se da coerção para garantir a ordem infraestrutural. Marx teoriza que as forças produtivas do modo de
produção capitalista deveriam ser desenvolvidas ao máximo até as contradições entre as classes tornarem-se insuportáveis. Nesse momento, o povo chegaria ao
poder e as decisões seriam tomadas pela própria massa popular. Dentre essas decisões, estaria a socialização das propriedades, enquanto que o Estado, e

consequentemente 
o Direito (já que este é produto daquele) iriam perdendo as suas funções até se extinguirem completamente. Isso porque tais institutos não seriam
mais necessários numa sociedade na qual todas as pessoas estariam numa mesma situação diante da base material (não existiriam mais classes sociais, então não
haveria mais necessidade de algo que regulasse as contradições entre elas).
(https://jus.com.br/)
O Estado é a expressão legal – jurídica e policial – dos interesses de uma classe social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção ou classe
dominante. Ele "não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de um pacto ou contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma
época e de uma sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre o todo social" (Chauí, 2001, p. 411).

O Direito configura-se como fenômeno social, produto também das contradições provenientes da base material. Seu estudo, desse modo, há de ser feito relacionado a
outras ciências (especialmente a Economia), porquanto incorpora valores sociais. Essa tese é veementemente contraposta por Hans Kelsen, eminente jurista
austríaco, de formação positivista, que defendeu a teoria pura do Direito, sob o fundamento de que para a construção de um conhecimento consistentemente científico
o Direito deve abstrair-se dos aspectos políticos, morais, econômicos e históricos (Kelsen, 2000). No entanto, um pensamento coerente e estruturado não admite um
estudo do Direito isolado das demais ciências, de maneira que a teoria pura do Direito de Kelsen sucumbiu ante a clareza com que a palavra Direito designa um
acontecimento que tem conexão com outro conjunto de fenômenos sociais que se inscrevem no contexto do exercício do poder em uma sociedade.

Karl Marx organizou uma tese em que o Direito, como regra de conduta coercitiva, nasce da ideologia da classe dominante, que é precisamente a classe burguesa. O
Direito é percebido como síntese de um processo dialético de conflito de interesses entre as classes sociais, que Marx denominou de luta de classes.

O autor acreditava existir uma influência incrivelmente forte do poder econômico sobre o Direito, atingindo também a cultura, a história e as relações sociais. Assim, a
dominação econômica de uns poucos sobre tantos outros se legitima por intermédio de um Estado de Direito, cujo princípio capital é a lei.

Em suma, "tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não podem ser compreendidas nem por si mesmas, nem pela chamada revolução geral do espírito
humano, mas antes têm suas raízes nas condições materiais de existência" (Marx e Engels, apud Bobbio, 2000, p. 129). Ademais, o Direito não nasce
espontaneamente dessas relações, mas é posto pela vontade. O problema que se verifica é que tal vontade é somente aquela dos que possuem o poder estatal, ou
seja, a vontade da classe dominante, sendo o Direito expresso de um lado pela lei e, de outro, como o conteúdo determinado dessa lei.

5.CONCLUSÃO
A obra de Marx é inegavelmente de suma importância para a Idade Contemporânea, seja na Filosofia, Economia Política, na Sociologia
(https://jus.com.br/tudo/sociologia) ou no Direito. Ela não constituiu apenas um grito de dor do proletariado, já que sua dialética econômica da história denunciou "uma
guerra ininterrupta entre homens livres e escravos, patrícios e plebeus, burgueses e operários, enfim, entre dominantes e dominados" (Marx e Engels, 2000, p. 45),
mas não se restringiu a isso. Propôs uma mudança através da revolução proletária. É então, impossível desconsiderar o pensamento de Marx em seu profundo papel
modificador e crítico da sociedade.

De seus ensinamentos não se pode abstrair uma teoria sistêmica sobre o Direito. Apesar disso, através de seus escritos, evidencia-se um direito de papel decisivo na
fixação das contradições do Sistema Social Ocidental. O Direito coloca-se muito mais que um instrumento pacificador dos conflitos sociais. Isso porque sob sua
perspectiva ideológica verifica-se que o Direito representa um discurso do Poder.

De fato, o Direito, assim como a Justiça, não é um fenômeno universal, conforme a classe dominante insiste em afirmar. Como bem ressalta o professor Roberto
Aguiar, in verbis:

as normas jurídicas e os ordenamentos jurídicos, como todos os atos normativos editados pelo poder de um dado Estado,
traduzem de forma explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o sustentam, as características, interesses, e
ideologia dos grupos que legislam. (Aguiar, 1999, p. 115).

https://jus.com.br/artigos/15111/direito-estado-e-sociedade-sob-a-optica-de-karl-marx 3/7
20/09/2017 Direito, Estado e sociedade sob a óptica de Karl Marx - Jus.com.br | Jus Navigandi
Assim, o Direito não pode ser entendido como um acontecimento neutro e desinteressado nas lutas de classes. Ele não é idealista, mas vinculado à práxis. Prova disso
é que quando ocorre uma revolução, a primeira mudança ocorre na esfera jurídica. Esta irá traduzir outros interesses. Afinal: "ninguém legisla contra si mesmo" (Aguiar,
1999, p. 116).

Ora, as leis beneficiam muito mais os proprietários. Isso se verifica, por exemplo, quando o Ordenamento Jurídico reprime mais os crimes contra as coisas, que
aqueles contra as pessoas, demonstrando que aquelas são mais importantes que os seres humanos.

É preciso recolocar o homem no centro das relações sociais; conceber o Direito como fenômeno parcial e comprometido sim, mas não com as minorias. Isto significa
perceber uma ordem jurídica respaldada nos interesses das maiorias. Tal sistema transformador há de ter uma chance muito grande de ser justo, haja vista que
configuraria uma antítese para a tese do sistema opressor em que vivemos. Até a sua concepção, a postura do conformismo é que não deve ser adotada. Isso porque
a imagem do direito justo pode aparecer na aplicação das leis burguesas, desde que se utilize uma ideia renovadora, envolta ao viés do uso alternativo do Direito.

REFERÊNCIAS
AGUIAR, Roberto A. R. O que é Justiça: uma Abordagem dialética. 5 ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1999.

BOTTOMORE, Tom & NISBET, Robert. História da análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

CARNOY, Martin. Estado e teoria Política. São Paulo: Papirus.

CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001.

CHAUÌ, Marilena. O que é ideologia? 14 ed. São Paulo: Braziliense, 1984.

_______________. Convite à Filosofia. 12 ed. 4ª impressão. São Paulo: Ática, 2001.

COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 1 ed. Vol único. São Paulo: Saraiva, 1999.

CUEVA, Augustin. A concepção marxista das classes sociais. In Debate e Crítica, n°03. São Paulo: Hucites, 1974, p. 83-106.

DELLA CUNHA, Djason B. A perspectiva sociológica no estudo do Direito . Revista do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vol.2.
nº2. Natal: EDUFRN, 1996. p. 101 a 130. Janeiro/junho 1997.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6 ed. Tradução de João Baptista de Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MACHADO NETO, A. L. Sociologia Jurídica. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1987.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Coleção a obra-prima de cada autor.Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000.

____________________________. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

RAMOS, Augusto César. O direito como fenômeno social na visão de Marx. In jusnavigandi (http//:www.jusnavigandi.com.br, 23 de Maio de 2003.

SPINDEL, Arnaldo. O que é Comunismo?. Coleção Primeiros Passos. 7 ed. São Paulo: Braziliense, 1981.

VICENTINO, Cláudio. História Geral. 8 ed. São Paulo: Spione, 1997.

Notas
1

Os restauradores lamentavam a "anarquia" e a destruição das sagradas instituições advindas com o capitalismo e os românticos, que idealizavam a idade Média,
refugiavam-se num passado idílico.
2 Poder-se-ia comparar esta situação com o que aconteceu recentemente no RJ. Lá, um grupo de sem-teto reivindicava - ao invadir um shopping - o direito de

consumir. Ora, eles não queriam ser cidadãos, mas consumidores! Não queriam o fim do sistema opressor, mas desejavam apenas a cidadania pregada pelos novos
liberais.
3Quando se vai a uma loja de roupas, não se vê quantos operários foram explorados, quanto se poluiu a natureza, ou quantos trabalhadores morreram em acidentes
de trabalho. Vê-se apenas as mercadorias.
4Sobre o mesmo assunto: "O poder político sempre foi a maneira legal e jurídica pela qual a classe economicamente dominante de uma sociedade manteve seu
domínio. O aparato legal e jurídico apenas dissimula o essencial: que o poder político existe como poderio dos economicamente poderosos, para servir seus interesses
e privilégios e garantir-lhes a dominação social." Chauí (2001, P. 411).


 (https://jus.com.br/imprimir/15111/direito-estado-e-sociedade-sob-a-optica-de-karl-marx)



Assuntos relacionados: Geral (Sociologia Jurídica) (https://jus.com.br/artigos/geral-sociologia-juridica) • Sociologia Jurídica (https://jus.com.br/artigos/sociologia-


juridica)

https://jus.com.br/artigos/15111/direito-estado-e-sociedade-sob-a-optica-de-karl-marx 4/7

Você também pode gostar