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https://doi.org/10.58942/rqs.v2n1.

202108

A CRÍTICA DE MARX À FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL

Amaury Meller Filho*


Junior Cunha**

Não é possível ler a obra de Marx (1818-1883) sem considerar a influência de Hegel
(1770-1831) na formulação e desenvolvimento de seu pensamento. Hegel marca presença em
toda a obra de Marx, principalmente em sua primeira fase, nos escritos de Marx ainda jovem. A
Crítica da filosofia do direto de Hegel (2010), escrita por Marx entre 1843 e 1844, portanto uma
obra de juventude, chama atenção pela crítica ao idealismo hegeliano e a proposição do
materialismo como a base do Estado.
Hegel compreendia o real como racional e o racional como real, segue-se daí seu apreço
por seu método da lógica dialética: tese, antítese e síntese, visto pelo filósofo como o melhor
método para análise do real. Marx, por sua vez, situado no que se pode chamar de “esquerda
hegeliana”, ao colocar em foco o desenvolvimento da ciência, a dialética de Hegel e o
agravamento dos problemas econômicos e socias de sua época, propõe a análise do real a partir
de uma visão materialista.
Em a Crítica da filosofia do direto de Hegel e ao longo de suas demais obras, Marx
procurou evidenciar que os coletivos sociais e a própria sociedade, como um todo, se organizam
tendo como base os meios de produção e a sua distribuição entre os indivíduos. As sociedades
modernas são sustentas pela produção e pela apropriação privada da riqueza produzida pelo
coletivo, ou seja, poucos gozam do esforço empreendido por muitos.
Para Marx (1985), a propriedade particular – a propriedade da burguesia – expressa a
apropriação dos meios de produção levada a cabo pelo antagonismo entre as classes, pela
exploração da maioria (operários) por uma minoria (burgueses). A sociedade é dividia em duas
classes que se antagonizam: de um lado há os burgueses, detentores dos meios de produção, e
do outro os operários, detentores apenas da força empregada na produção. E entre as duas
classes há um permanente conflito, de forma visível ou não, em que os detentores dos meios de
produção oprimem os operários.

*
Mestre em Gestão de Conhecimento pela Unicesumar. Graduado em Engenharia Civil pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.
Contato: mellerfilho@gmail.com.
Aluno regular do Mestrado em Filosofia do PPGFil da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Bolsista
**

CAPES). Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.


Contato: juniorlcunha@hotmail.com.

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108 A crítica de Marx à filosofia do direito de Hegel

Divergindo do idealismo hegeliano, Marx vê o Estado como um produto da relação entre


a classe dominante e a classe dominada. Os meios de produção e a posse de propriedades
privadas sustenta o Estado, desse modo, os direitos, as leias e, até mesmo os representantes
ideológicos, favorecem os detentores de riquezas (os burgueses) e não os responsáveis pela
produção da riqueza (os operários).

***

Para Hegel (2009), a sociedade civil e as instituições, como a família, não são possíveis
sem o Estado, ou seja, as instituições e a sociedade civil estão ancoradas na ideia de Estado. A
ideia de Estado é anterior a tudo mais; o Estado, portanto, surge como uma unidade conciliadora,
sintetizando os interesses dos indivíduos, mesmo que os interesses sejam contraditórios.
Marx, em sua Crítica, discorda da posição de Hegel. Para Marx (2010), a sociedade civil
e a família não são a base do Estado e este não favorece o bem comum ou a busca por meios
que levem a superação de conflitos ou a conciliação entre interesses divergentes. A base do
Estado são as relações econômicas e é a partir delas que os diretos individuais são definidos e as
leis formuladas, segundo Marx (2007, p. 75)

[...] o Estado se tornou uma existência particular ao lado e fora da sociedade


civil; mas este Estado não é nada mais do que a forma de organização que os
burgueses se dão necessariamente, tanto no exterior como no interior, para
garantia recíproca de sua propriedade e os seus interesses.

A partir do trecho citado, pode-se concluir que o Estado, segundo a visão de Marx, surge
como um resultado dos interesses da burguesia, sendo, desse modo, um mecanismo de opressão
utilizado pela classe detonadora dos meios de produção. Por meio do Estado, a classe burguesa
valida e conserva a apropriação da riqueza produzida pela classe operária. A validação da
apropriação da riqueza e a conservação dos meios de produção pela burguesia, portanto, dá-se
de forma institucionalizada. O Estado, dado sua base ser sustentada pelas relações econômicas,
cria e concede mais direitos a classe burguesa. E o mesmo acontece no processo de formulação
das leis.
O Estado, portanto, está a serviço da classe burguesa e suas atribuições políticas, ou seja,
os direitos individuais e a leis são uma extensão da propriedade privada. Para a classe operária,
as leis e os direitos não passam de ilusões. De mais a mais, o Estado conta ainda com aparatos
de controle, como a política e os tribunais; e de repressão, como o exército e a polícia. A função

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do Estado, portanto, é validar e conservar os interesses da burguesia, que são o aumento da


riqueza, a preservação da propriedade e a exploração dos operários.
Para Hegel, é direito tudo aquilo que o estado definir com tal. Na visão hegeliana,
portanto, o Estado possui o poder de resolução de conflitos através da positivação de direitos por
meio de normas e leis que imponha e assegure a igualdade de todos os indivíduos. A igualdade,
porém, dá-se apenas no âmbito jurídico, ou seja, são todos iguais perante a lei, mas, no âmbito
econômico, a distribuição de riquezas e a posse de propriedades privadas não segue o mesmo
princípio.
Marx também direciona sua crítica sobre esse ponto acerca dos direitos que, em suma,
não dão igualdade aos indivíduos, se não apenas no âmbito jurídico. Para Marx, os direitos nada
mais são do que uma imposição de normas e leis da classe burguesa à classe operária, com o
único objetivo de proteger suas propriedades privadas e a apropriação das riquezas. A igualdade
dos indivíduos, portanto, é apenas um princípio contratual e não real.
Para Hegel, o Estado tem seu fim na imanência da família e da sociedade civil e, por isso
mesmo, é necessário. Já para Marx, segundo Dutra (2013, 39), “o Estado existe para que as
contradições da sociedade civil continuem e só ilusoriamente, visa ao bem comum, mantendo-
se a serviço da classe dominante”.
Pela perspectiva de Hegel, os indivíduos realizam-se no Estado e a sociedade civil, com
burgueses e operários, se estabelece em uma relação pacífica. No entanto, para Marx, o Estado
pensado por Hegel proporciona soluções apenas políticas aos conflitos resultantes das
divergências entre os burgueses e os operários, como afirma Ramos (1993, p. 57):

[...] a ênfase dada ao Estado por Hegel revela-se como resolução meramente
política para as contradições decorrentes da própria lógica das relações de
produção da sociedade burguesa, a qual, necessitando ocultar os seus
antagonismos reais, traveste-se numa idealização política representada pela
universalização do poder positivo do Estado.

Para Marx, portanto, a sociedade ancora-se sobre uma falsa universalidade e que dá aos
indivíduos a ilusão de igualdade e, com isso, proporciona um estado falso de paz. Por baixo da
camada superficial e ilusória da igualdes ainda há os conflitos entre as classes e os burgueses
continuam a explorar e apropriarem-se da riqueza produzida pela classe operária.
A Crítica de Marx, então, é uma obra que ao invés de propor uma teoria que corrobora
o idealismo hegeliano e, assim, legitima o poder positivo do Estado como um instrumento (falso)
de resolução de conflitos, coloca em evidência que o Estado é, em verdade, um artificio da
burguesia.

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O Estado, segundo o idealismo hegeliano, se apresenta como conciliação dos interesses


e universalização das vontades dos indivíduos, pois, em suma, é pertinente a classe burguesa. É
por meio do Estado que a burguesia pode manifestar politicamente seus interesses, logo, é mais
do que conveniente à classe burguesa que o Estado aparente possuir um caráter universalizante.
Ramos (1993p, 57-58), aponta que:

Com efeito, o Estado aparece como sendo de interesse geral, como uma res
publica, mas na verdade ele é um instrumento de domínio de uma parte da
sociedade, a expressão do domínio no público. Sob a máscara do universal, os
interesses privados (classes) realizam e legitimam a exploração.

O Estado, segundo aponta Marx em sua Crítica, não é a base da família e/ou da sociedade
civil, nem é racional e infinito, como aponta o idealismo hegeliano. O Estado, segundo Marx,
surge das relações econômicas, da exploração e apropriação da riqueza produzida pela classe
operária pela burguesia.

***

A análise da obra Crítica à filosofia do direito de Hegel, escrita por Marx em 1843 e 1844,
mostra-nos que o Estado segundo a compreensão do idealismo hegeliano sustenta instituições,
com a família, e a sociedade civil, enquanto que, para Marx, o Estado é resultado das relações
econômicas da burguesia. Marx, em verdade, não compõe uma teoria do Estado, assim como
Hegel o fez, mas a partir de suas obras pode-se intuir o que o filósofo pensava a respeito. Sua
visão do Estado sendo sustentado pelas relações econômicas contribui com o que hoje
compreendemos como Estado.
O Estado é utilizado pela burguesia como um mecanismo de legitimação, conservação e
proteção de seus interesses. Assim como a propriedade privada, os direitos também são
apropriados pela classe burguesa e utilizados para manutenção da exploração e opressão da classe
operária. O Estado declara que todos os indivíduos são iguais, mas isto se aplica apenas no âmbito
jurídico; no âmbito econômico as diferenças entre as classes são muito claras.
Os Estado, portanto, contribui com os interesses da classe burguesas ao privilegia-los nos
direitos e na formulação das leis. O Estado, em suma, não busca a igualdade (real) entre os
indivíduos ou, ao menos, oferecer soluções aos conflitos existentes no meio social e, assim,
diminuir as desigualdades entres as classes, mas sim, está a serviço dos interesses da burguesia,
que nada mais quer do quer aumentar suas posses e obter ainda mais riquezas.

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REFERÊNCIAS

DUTRA, Eliúde de Oliveira. Crítica de Marx à teoria hegeliana do estado: uma leitura da obra crítica à
filosofia do direito de Hegel. In: Filogênese, v. 6, n. 2, 2013.

HEGEL, Georg W. Friedrich. Princípios da Filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009

MARX, Karl. O Manifesto Comunista. 5. ed. São Paulo: Global, 1985.

MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. Trad. Marcelo Backes, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007.

MARX, Karl. Crítica da filosofia do direto de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. 2. ed.
São Paulo: Boitempo, 2010.

RAMOS, Cesar Augusto. A crítica marxista do estado hegeliano. In: Revista de Sociologia e Política , n.
1, 1993.

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112 A crítica de Marx à filosofia do direito de Hegel

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