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PAIS DA IGREJA
PAPA BENTO XVI
PAIS DA IGREJA
De Clemente de Roma a Agostinho
Audiências gerais
7 de março de 2007 a 27 de fevereiro de 2008
IGNATIUS PRESS SAN FRANCISCO
Traduçã o para o inglê s de L'Osservatore Romano
Arte da capa:
(Representando os Padres Orientais)
SS. Gregório, o Teólogo, João Crisóstomo e Basílio, o Grande
,
Galeria Tretyakov do inı́cio do sé culo XV , Moscou, Rú ssia.
© HIP / Art Resource, Nova York
(Representando os Padres Ocidentais)
SS. Ambrósio, Agostinho e Jerônimo,
de Carlo di Giovanni Braccesco ( l. 1478-1501)
Ca 'd'Oro, Veneza, Itá lia
© Cameraphoto Arte, Veneza / Art Resource, Nova York
Imagem do brasã o papal de www.Agnus :)
Design da capa por Roxanne Mei Lum
© 2008 por Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano
Todos os direitos reservados
ISBN 978-1-58617-245-9
ISBN 1-58617-139-9
Nú mero de controle da Biblioteca do Congresso 2008926711
Impresso nos Estados Unidos da Amé rica
CONTEÚDO
1. Sã o Clemente, Bispo de Roma
2. Santo Iná cio de Antioquia
3. Sã o Justino, Filó sofo e Má rtir
4. Santo Irineu de Lyon
5. Clemente de Alexandria
6. Orı́genes de Alexandria: Vida e Trabalho
7. Orı́genes de Alexandria: O Pensamento
8. Tertuliano
9. Sã o Cipriano
10. Eusé bio de Cesaré ia
11. Santo Ataná sio de Alexandria
12. Sã o Cirilo de Jerusalé m
13. Sã o Bası́lio (1)
14. Sã o Bası́lio (2)
15. Sã o Gregó rio Nazianzen (1)
16. Sã o Gregó rio Nazianzen (2)
17. Sã o Gregó rio de Nissa (1)
18. Sã o Gregó rio de Nissa (2)
19. Sã o Joã o Crisó stomo (1)
20. Sã o Joã o Crisó stomo (2)
21. Sã o Cirilo de Alexandria
22. Santo Hilá rio de Poitiers
23. Santo Eusé bio de Vercelli
24. Santo Ambró sio de Milã o
25. Sã o Má ximo de Torino
26. Sã o Jerô nimo (1)
27. Sã o Jerô nimo (2)
28. Afraates, “o sá bio”
29. Santo Efré m
30. Sã o Cromá cio de Aquileia
31. Sã o Paulino de Nola
32. Santo Agostinho de Hipona (1)
33. Santo Agostinho de Hipona (2)
34. Santo Agostinho de Hipona (3)
35. Santo Agostinho de Hipona (4)
36. Santo Agostinho de Hipona (5)
1
Sã o Clemente, Bispo de Roma
QUARTA-FEIRA, 7 DE MARÇO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
Nestes ú ltimos meses, meditamos nas iguras de cada um dos apó stolos
e nas primeiras testemunhas da fé cristã que sã o mencionadas nos
escritos do Novo Testamento. Dediquemos agora a nossa atençã o aos
Padres Apostó licos, isto é , à primeira e segunda geraçõ es na Igreja
subsequentes aos Apó stolos. E assim, podemos ver onde começa o
caminho da Igreja na histó ria.
Sã o Clemente, bispo de Roma nos ú ltimos anos do sé culo I, foi o terceiro
sucessor de Pedro, depois de Lino e Anacleto. O testemunho mais
importante sobre a sua vida vem de Santo Irineu, Bispo de Lyon até
202. Ele atesta que Clemente “tinha visto os benditos Apó stolos”, “tinha
estado familiarizado com eles” e “pode-se dizer que tiveram a pregaçã o
dos Apó stolos ainda ecoando [em seus ouvidos], e suas tradiçõ es diante
de seus olhos ”( Adversus Haereses 3, 3, 3). Testemunhos posteriores
que datam entre os sé culos IV e VI atribuem a Clemente o tı́tulo de
má rtir.
A autoridade e o prestı́gio deste Bispo de Roma eram tais que lhe foram
atribuı́dos vá rios escritos, mas o ú nico que certamente é seu é a Carta
aos Coríntios. Eusé bio de Cesaré ia, o grande “arquivista” de origens
cristã s, apresenta-o nestes termos: “Existe uma Epı́stola deste Clemente
que é reconhecida como genuı́na e é de considerá vel extensã o e de
notá vel mé rito. Ele o escreveu em nome da Igreja de Roma para a Igreja
de Corinto, quando uma sediçã o havia surgido nesta ú ltima
Igreja. Sabemos que esta epı́stola també m foi usada publicamente em
muitas igrejas, tanto nos tempos antigos como nos nossos ”( Hist. Ec 3,
16). Atribuiu-se a esta Carta um cará ter quase canô nico. No inı́cio deste
texto - escrito em grego - Clemente lamentou que “os eventos
calamitosos repentinos e sucessivos que nos aconteceram” (1, 1) o
tenham impedido de intervir mais cedo. Esses “eventos calamitosos”
podem ser identi icados com a perseguiçã o de Domiciano: portanto, a
Carta deve ter sido escrita logo apó s a morte do Imperador e no inal da
perseguiçã o, ou seja, imediatamente apó s o ano 96.
A intervençã o de Clemente - ainda estamos no primeiro sé culo - foi
motivada pelos graves problemas que a ligem a Igreja em Corinto: os
anciã os da comunidade, de fato, haviam sido depostos por alguns
jovens concorrentes. O doloroso acontecimento foi recordado mais uma
vez por Santo Irineu, que escreveu: “No tempo deste Clemente, nã o
havendo pequena dissensã o entre os irmã os de Corinto, a Igreja de
Roma despachou uma poderosa Carta aos Corı́ntios exortando-os à paz,
renovando a fé e declarando a tradiçã o que ultimamente recebeu dos
Apó stolos ”( Adversus Haereses 3, 3, 3). Assim, poderı́amos dizer que
esta Carta foi um primeiro exercı́cio do primado romano apó s a morte
de Sã o Pedro. A Carta de Clemente aborda temas caros a Sã o Paulo, que
havia escrito duas cartas importantes aos Corı́ntios, em particular a
dialé tica teoló gica, perenemente atual, entre o indicativo de salvaçã o e
o imperativo de compromisso moral. Em primeiro lugar, veio a alegre
proclamaçã o da graça salvadora. O Senhor nos avisa e nos dá o seu
perdã o, nos dá o seu amor e a graça de sermos cristã os, seus irmã os e
irmã s. E um anú ncio que enche de alegria a nossa vida e dá certeza à
nossa açã o: o Senhor sempre nos avisa com a sua bondade, e a bondade
do Senhor é sempre maior do que todos os nossos pecados. No entanto,
devemos comprometer-nos de forma coerente com o dom recebido e
responder ao anú ncio da salvaçã o com um caminho generoso e
corajoso de conversã o. Em comparaçã o com o modelo paulino, a
inovaçã o acrescentada por Clemente à s seçõ es doutriná rias e prá ticas,
que constituı́am todas as Cartas Paulinas, é uma “grande oraçã o” que
praticamente conclui a Carta.
As circunstâ ncias imediatas da Carta proporcionaram ao Bispo de
Roma amplo espaço para uma intervençã o sobre a identidade e a
missã o da Igreja. Se houvesse abusos em Corinto, observou Clemente, a
razã o deveria ser buscada no enfraquecimento da caridade e de outras
indispensá veis virtudes cristã s. Ele, portanto, chama os ié is à
humildade e ao amor fraterno, duas virtudes verdadeiramente
constitutivas de estar na Igreja: “Visto, portanto, que somos a porçã o do
Santo”, advertiu, “façamos todas as coisas que dizem respeito a
santidade ”(30, 1). Em particular, o Bispo de Roma recorda que o
pró prio Senhor “ ixou por sua pró pria vontade suprema onde e por
quem ele deseja que estas coisas sejam feitas, a im de que todas as
coisas, sendo feitas piamente de acordo com sua boa vontade, sejam
aceitá veis. para ele. . . . Pois seus pró prios serviços peculiares sã o
atribuı́dos ao sumo sacerdote, e seu pró prio lugar apropriado é
prescrito aos sacerdotes, e seus pró prios ministé rios especiais sã o
atribuı́dos aos levitas. O leigo está sujeito à s leis que dizem respeito aos
leigos ”(40, 1-5: pode-se notar que aqui, nesta Carta do inı́cio do sé culo
I, a palavra grega “ laikós ” aparece pela primeira vez na literatura
cristã , signi icando “Membro do laos”, isto é , “do Povo de Deus”).
Desta forma, referindo-se à liturgia do antigo Israel, Clemente revelou
sua Igreja ideal. Ela foi reunida pelo “ú nico Espı́rito de graça derramado
sobre nó s”, que sopra sobre os vá rios membros do Corpo de Cristo,
onde todos, unidos sem divisõ es, sã o “membros uns dos outros” (46, 6-
7) . A clara distinçã o entre o “leigo” e a hierarquia nã o signi ica de
forma alguma oposiçã o, mas apenas esta ligaçã o orgâ nica de um corpo,
um organismo com as suas diferentes funçõ es. A Igreja, de facto, nã o é
um lugar de confusã o e anarquia onde se pode fazer o que se quer a
todo o tempo: cada um neste organismo, com uma estrutura articulada,
exerce o seu ministé rio de acordo com a vocaçã o que recebeu. No que
diz respeito aos lı́deres comunitá rios, Clemente explica claramente a
doutrina da Sucessã o Apostó lica. As normas que o regulam derivam, em
ú ltima aná lise, do pró prio Deus. O Pai enviou Jesus Cristo, que por sua
vez enviou os Apó stolos. Eles entã o enviaram os primeiros chefes de
comunidades e estabeleceram que seriam sucedidos por outros
homens dignos. Tudo, portanto, foi feito “de maneira ordenada,
segundo a vontade de Deus” (42). Com estas palavras, estas frases, Sã o
Clemente sublinhou que a estrutura da Igreja era sacramental e nã o
polı́tica. A açã o de Deus que vem ao nosso encontro na liturgia precede
nossas decisõ es e nossas idé ias. A Igreja é antes de tudo um dom de
Deus e nã o algo que nó s mesmos criamos; conseqü entemente, esta
estrutura sacramental garante nã o só a ordem comum, mas també m
esta precedê ncia do dom de Deus de que todos nó s precisamos.
Finalmente, a “grande oraçã o” confere um sopro có smico ao raciocı́nio
anterior. Clemente louva e agradece a Deus por sua maravilhosa
providê ncia de amor que criou o mundo e continua a salvá -lo e
santi icá -lo. A oraçã o pelos governantes e governadores adquire
especial importâ ncia. Posteriormente aos textos do Novo Testamento, é
a oraçã o mais antiga existente para instituiçõ es polı́ticas. Assim, no
perı́odo que se seguiu à sua perseguiçã o, os cristã os, bem cientes de
que as perseguiçõ es continuariam, nunca cessaram de rezar pelas
pró prias autoridades que injustamente os condenaram. A razã o é
principalmente cristoló gica: é necessá rio orar pelos perseguidores
como Jesus fez na cruz. Mas esta oraçã o conté m també m um
ensinamento que orienta a atitude dos cristã os em relaçã o à polı́tica e
ao Estado ao longo dos sé culos. Ao orar pelas autoridades, Clemente
reconheceu a legitimidade das instituiçõ es polı́ticas na ordem
estabelecida por Deus; ao mesmo tempo, manifestou a preocupaçã o de
que as autoridades sejam dó ceis a Deus, “devotamente em paz e
mansidã o, exercendo o poder que [Deus] lhes dá ” (61, 2). Cé sar nã o é
tudo. Surge outra soberania cujas origens e essê ncia nã o sã o deste
mundo, mas “dos cé us acima”: é a da Verdade, que també m reivindica o
direito de ser ouvida pelo Estado.
Assim, a Carta de Clemente aborda vá rios temas de atualidade
perene. E tanto mais signi icativo porque representa, desde o primeiro
sé culo, a preocupaçã o da Igreja de Roma, que preside na caridade a
todas as outras Igrejas. Com este mesmo Espı́rito, façamos nossas as
invocaçõ es da “grande oraçã o” na qual o Bispo de Roma se faz voz de
todo o mundo: “Sim, Senhor, faze resplandecer o teu rosto sobre nó s
para o bem na paz , para que possamos ser protegidos por sua mã o
poderosa. . . pelo Sumo Sacerdote e Guardiã o das nossas almas, Jesus
Cristo, por quem vos seja gló ria e majestade, agora e de geraçã o em
geraçã o, para sempre ”(60-61).
2
Santo Iná cio de Antioquia
QUARTA-FEIRA, 14 DE MARÇO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
3
Sã o Justino, Filó sofo e Má rtir
QUARTA-FEIRA, 21 DE MARÇO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
4
Santo Irineu de Lyon
QUARTA-FEIRA, 28 DE MARÇO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
5
Clemente de Alexandria
QUARTA-FEIRA, 18 DE ABRIL DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
6
Orı́genes de Alexandria: Vida e Trabalho
QUARTA-FEIRA, 25 DE ABRIL DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
7
Orı́genes de Alexandria: O Pensamento
QUARTA-FEIRA, 2 DE MAIO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
8
Tertuliano
QUARTA-FEIRA, 30 DE MAIO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
9
Sã o Cipriano
QUARTA-FEIRA, 6 DE JUNHO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
10
Eusé bio de Cesaré ia
QUARTA-FEIRA, 13 DE JUNHO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
11
Santo Ataná sio de Alexandria
QUARTA-FEIRA, 20 DE JUNHO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
12
Sã o Cirilo de Jerusalé m
QUARTA-FEIRA, 27 DE JUNHO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
Nossa atençã o hoje está voltada para Sã o Cirilo de Jerusalé m. A sua
vida se tece em duas dimensõ es: por um lado, a pastoral, e, por outro, o
seu envolvimento, apesar de si mesmo, nas acaloradas polé micas que
entã o atormentavam a Igreja do Oriente. Cirilo nasceu em ou perto de
Jerusalé m em 315 DC. Ele recebeu uma excelente educaçã o literá ria que
formou a base de sua cultura eclesiá stica, centrada no estudo da
Bı́blia. Ele foi ordenado sacerdote pelo Bispo Má ximo. Quando esse
bispo morreu ou foi deposto em 348, Cirilo foi ordenado bispo por
Acá cio, o in luente Metropolita de Cesaré ia na Palestina, um ilo-ariano
que deve ter tido a impressã o de que em Cirilo tinha um aliado; assim,
como resultado, Cirilo era suspeito de ter obtido sua nomeaçã o
episcopal fazendo concessõ es ao arianismo.
Na verdade, Cirilo logo entrou em con lito com Acá cio, nã o só no campo
da doutrina, mas també m no da jurisdiçã o, porque ele a irmava que sua
pró pria Sé era autô noma em relaçã o à Sé Metropolitana de
Cesaré ia. Cirilo foi exilado trê s vezes no curso de aproximadamente
vinte anos: a primeira vez foi em 357, apó s ser deposto por um Sı́nodo
de Jerusalé m, seguido por um segundo exı́lio em 360, instigado por
Acá cio, e inalmente, em 367, por um terceiro exı́lio - o mais longo, que
durou onze anos - pelo imperador ilo-ariano Valente. Foi somente em
378, apó s a morte do Imperador, que Cirilo pô de retomar
de initivamente a posse de sua Sé e devolver a unidade e a paz aos seus
ié is.
Algumas fontes daquela é poca lançam dú vidas sobre sua ortodoxia,
enquanto outras fontes igualmente antigas saem fortemente a seu
favor. A mais con iá vel delas é a Carta Sinodal de 382, que se seguiu ao
Segundo Concı́lio Ecumê nico de Constantinopla (381), no qual Cirilo
desempenhou um papel importante. Nesta Carta dirigida ao Romano
Pontı́ ice, os Bispos Orientais reconheceram o icialmente a ortodoxia
impecá vel de Cirilo, a legitimidade de sua ordenaçã o episcopal e os
mé ritos de seu serviço pastoral, que terminou com sua morte em 387.
Dos escritos de Cirilo, foram preservadas 24 famosas catequeses, que
ele proferiu como bispo por volta de 350. Introduzidas por
uma Procatechesis de boas-vindas, as primeiras dezoito delas sã o
dirigidas a catecú menos ou candidatos à iluminaçã o ( fotizomenoi )
[candidatos ao batismo] ; eles foram entregues na Bası́lica do Santo
Sepulcro. Os primeiros (nn. 1-5) tratam, respectivamente, dos pré -
requisitos para o Baptismo, a conversã o da moral pagã , o Sacramento
do Baptismo, as dez verdades dogmá ticas contidas no Credo ou
Sı́mbolo da fé . As pró ximas catequeses (nos. 6 a 18) formam uma
“catequese contı́nua” sobre o Credo de Jerusalé m em tons anti-
arianos. Das ú ltimas cinco chamadas “catequeses mistagó gicas”, as duas
primeiras desenvolvem um comentá rio sobre os ritos do Baptismo e as
trê s ú ltimas centram-se no Crisma, no Corpo e Sangue de Cristo e na
Liturgia Eucarı́stica. Incluem uma explicaçã o do Pai Nosso ( Oratio
dominica).
Isso forma a base de um processo de iniciaçã o à oraçã o que se
desenvolve em paridade com a iniciaçã o aos trê s sacramentos do
Batismo, da Con irmaçã o e da Eucaristia.
A base de sua instruçã o sobre a fé cristã també m serviu para
desempenhar um papel polê mico contra pagã os, cristã os judeus e
maniqueus. O argumento foi baseado no cumprimento das promessas
do Antigo Testamento, em uma linguagem rica em imagens. A
catequese marcou um momento importante no contexto mais amplo de
toda a vida - particularmente litú rgica - da comunidade cristã , em cujo
seio materno se realizou a gestaçã o dos futuros ié is, acompanhada da
oraçã o e do testemunho dos irmã os. No seu conjunto, as homilias de
Cirilo constituem uma catequese sistemá tica sobre o renascimento do
cristã o pelo Baptismo. Diz ao catecú meno: “Fostes apanhados nas redes
da Igreja (cf. Mt 13, 47). Seja levado vivo, portanto; nã o fujas, pois é
Jesus quem te pesca, nã o para te matar, mas para te ressuscitar depois
da morte. Na verdade, você deve morrer e ressuscitar (cf. Rm 6:
11,14). . . . Morra para os seus pecados e viva para a justiça desde hoje
”( Procatechesis 5).
Do ponto de vista doutrinário , Cirilo comentou o Credo de Jerusalé m
com recurso à tipologia das Escrituras numa relaçã o “sinfô nica” entre
os dois Testamentos, chegando a Cristo, centro do universo. A tipologia
seria descrita de forma decisiva por Agostinho de Hipona: “No Antigo
Testamento há um velamento do Novo, e no Novo Testamento há uma
revelaçã o do Antigo” ( De catechizandis rudibus 4,
8). Quanto à catequese moral , está ancorada na profunda unidade com
a catequese doutrinal: o dogma desce progressivamente nas almas, que
sã o assim instadas a transformar o seu comportamento pagã o com base
na vida nova em Cristo, dom do Baptismo. A catequese “mistagó gica”,
por im, marcou o á pice da instruçã o que Cirilo dava, nã o mais aos
catecú menos, mas aos novos batizados ou neó itos durante a semana da
Pá scoa. Ele os levou a descobrir os misté rios ainda ocultos nos ritos
batismais da Vigı́lia Pascal. Iluminados pela luz de uma fé mais
profunda em virtude do Baptismo, os neó itos puderam inalmente
compreender melhor estes misté rios, tendo celebrado os seus ritos.
Principalmente com os neó itos de origem grega, Cirilo fez uso da
faculdade da visã o, que consideraram adequada. Foi a passagem do rito
ao misté rio que valorizou tanto o efeito psicoló gico do espanto como a
vivê ncia da noite de Pá scoa. Aqui está um texto que explica o misté rio
do Batismo:
Vó s desceu trê s vezes à á gua e subiu de novo, sugerindo como sı́mbolo os trê s dias de sepultamento
de Cristo, imitando o Nosso Salvador, que passou trê s dias e trê s noites no seio da terra (cf. Mt
12,40). Com a primeira saı́da da á gua, você celebrou a memó ria do primeiro dia passado por Cristo
no sepulcro; com a primeira imersã o, você confessou que a primeira noite passou no sepulcro: pois
como quem está de noite nã o vê mais, mas quem está de dia permanece na luz, assim na descida,
como de noite, você viu nada, mas ao subir novamente você era como durante o dia. E no mesmo
momento você estava morrendo e nascendo; e aquela á gua da salvaçã o foi ao mesmo tempo seu
tú mulo e sua mã e. . . . Para você . . . o tempo de morrer anda de mã os dadas com o tempo de nascer:
um e ao mesmo tempo efetuou ambos os eventos. (Cf. Segunda Catequese Mistagógica, n. 4)
O misté rio a ser compreendido é o desı́gnio de Deus, que se realiza
mediante a açã o salvı́ ica de Cristo na Igreja. Por sua vez, a dimensã o
mistagó gica é acompanhada pela dimensã o dos sı́mbolos que
expressam a experiê ncia espiritual que “explodem”. Assim, a catequese
de Cirilo, com base nos trê s elementos descritos - doutrinal, moral e,
por ú ltimo, mistagó gico - mostra-se uma catequese global no Espı́rito. A
dimensã o mistagó gica realiza a sı́ntese das duas dimensõ es anteriores,
orientando-as para a celebraçã o sacramental na qual se realiza a
salvaçã o de todo o homem.
Em suma, esta é uma catequese integral que, envolvendo corpo, alma e
espı́rito, permanece emblemá tica para a formaçã o catequé tica dos
cristã os hoje.
13
Sã o Bası́lio (1)
QUARTA-FEIRA, 4 DE JULHO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
14
Sã o Bası́lio (2)
QUARTA-FEIRA, 1 DE AGOSTO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
15
Sã o Gregó rio Nazianzeno (1)
QUARTA-FEIRA, 8 DE AGOSTO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
16
Sã o Gregó rio Nazianzeno (2)
QUARTA-FEIRA, 22 DE AGOSTO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
17
Sã o Gregó rio de Nissa (1)
QUARTA-FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
19
Sã o Joã o Crisó stomo (1)
QUARTA-FEIRA, 19 DE SETEMBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
Este ano é o dé cimo sexto centená rio da morte de Sã o Joã o Crisó stomo
(407-2007). Pode-se dizer que Joã o de Antioquia, apelidado de
“Crisó stomo”, ou seja, “boca de ouro”, por causa de sua eloqü ê ncia,
ainda hoje está vivo por suas obras. Um copista anô nimo deixou por
escrito que "eles cruzam o globo inteiro como lashes de luz". Os
escritos de Crisó stomo permitem-nos també m, como o izeram os ié is
do seu tempo, que os seus frequentes exilados privaram da sua
presença, a viver com os seus livros, apesar da sua ausê ncia. E o que ele
mesmo sugeriu numa carta quando se encontrava no exı́lio
(70 Olympias, Carta 8, 45).
Ele nasceu por volta do ano 349 DC em Antioquia, Sı́ria (hoje Antakya no
sul da Turquia). Ele desempenhou seu ministé rio sacerdotal por cerca
de onze anos, até 397, quando, nomeado bispo de Constantinopla,
exerceu seu ministé rio episcopal na capital do Impé rio antes de seus
dois exı́lios, que se sucederam um pró ximo ao outro - em 403 e 407.
Vamos nos limitar hoje a examinar os anos que Crisó stomo passou em
Antioquia.
Ele perdeu o pai muito jovem e viveu com Antusa, sua mã e, que lhe
incutiu uma sensibilidade humana primorosa e uma profunda fé
cristã . Depois de completar os estudos elementares e avançados
coroados por cursos de iloso ia e retó rica, teve como mestre Libâ nio,
pagã o e o mais famoso retó rico da é poca. Em sua escola, Joã o se tornou
o maior orador da antiguidade grega tardia. Foi batizado em 368 e
treinado para a vida eclesiá stica pelo bispo Melé cio, que o instituiu
como leitor em 371. Esse acontecimento marcou a entrada o icial de
Crisó stomo no cursus eclesiá stico . De 367 a 372, frequentou
o Asceterius, uma espécie de seminá rio de Antioquia, junto com um
grupo de jovens, alguns dos quais mais tarde se tornaram Bispos, sob a
orientaçã o do exegeta Diodoro de Tarso, que iniciou Joã o no literal e
gramatical exegese caracterı́stica da tradiçã o antioquena.
Ele entã o se retirou por quatro anos para os eremitas no vizinho Monte
Silpius. Ele estendeu seu retiro por mais dois anos, morando sozinho
em uma caverna sob a orientaçã o de um “velho eremita”. Nesse perı́odo,
dedicou-se sem reservas a meditar “nas leis de Cristo”, nos Evangelhos
e, sobretudo, nas Cartas de Paulo. Doente, ele nã o pô de cuidar de si
mesmo sem ajuda e, portanto, teve que voltar à comunidade cristã de
Antioquia (cf. Palladius, Diálogo sobre a vida de São João
Crisóstomo 5). O Senhor, explica o seu bió grafo, interveio no momento
certo com a doença para que Joã o pudesse seguir a sua verdadeira
vocaçã o. Na verdade, ele pró prio escreveria mais tarde que se tivesse
escolhido entre as di iculdades do governo da Igreja e a tranquilidade
da vida moná stica, teria preferido o serviço pastoral mil vezes (cf. Sobre
o Sacerdócio 6, 7): era precisamente a isso que Crisó stomo se sentiu
chamado. Foi aqui que ele atingiu o ponto de viragem crucial na histó ria
da sua vocaçã o: um pastor de almas a tempo inteiro! A intimidade com
a Palavra de Deus, cultivada em seus anos de eremité rio, havia
desenvolvido nele uma vontade irresistı́vel de pregar o Evangelho, de
dar aos outros o que ele mesmo havia recebido em seus anos de
meditaçã o. O ideal missioná rio lançou-o assim na pastoral com o
coraçã o a arder.
Entre 378 e 379, ele voltou para a cidade. Ele foi ordenado diá cono em
381 e sacerdote em 386 e se tornou um famoso pregador nas igrejas de
sua cidade. Pregou homilias contra os arianos, seguidas de homilias
comemorativas dos má rtires antioquenos e outras celebraçõ es
litú rgicas importantes: este foi um importante ensinamento da fé em
Cristo e també m à luz dos seus santos. O ano 387 foi o “ano heró ico” de
Joã o, o da chamada “revolta das está tuas”. Em sinal de protesto contra a
cobrança de impostos, o povo destruiu as está tuas do imperador. Foi
naqueles dias de Quaresma e no medo da represá lia iminente do
imperador que Crisó stomo fez suas vinte e duas vibrantes homilias
sobre as estátuas, cujo objetivo era induzir o arrependimento e a
conversã o. Seguiu-se um perı́odo de serena pastoral (387-397).
Crisó stomo está entre os mais prolı́ icos dos Padres: dezessete tratados,
mais de setecentas homilias autê nticas, comentá rios sobre Mateus e
Paulo (Cartas aos Romanos, Corı́ntios, Efé sios e Hebreus) e 241 cartas
existentes. Ele nã o era um teó logo especulativo. No entanto, ele
transmitiu a tradiçã o e a doutrina con iá vel da Igreja em uma é poca de
contrové rsias teoló gicas, provocadas sobretudo pelo arianismo ou, em
outras palavras, pela negaçã o da divindade de Cristo. Ele é , portanto,
uma testemunha con iá vel do desenvolvimento dogmá tico alcançado
pela Igreja do quarto ao quinto sé culo. E uma teologia perfeitamente
pastoral em que existe uma preocupaçã o constante pela coerê ncia
entre o pensamento expresso pela palavra e a experiê ncia existencial. E
isto em particular que constitui o tema central das esplê ndidas
catequeses com as quais preparou os catecú menos para receber o
Baptismo. Ao se aproximar da morte, ele escreveu que o valor do
homem reside no “conhecimento exato da verdadeira doutrina e na
retidã o da vida” ( Carta do Exílio). Ambas as coisas, conhecimento da
verdade e retidã o de vida, andam de mã os dadas: o conhecimento deve
ser expresso na vida. Todos os seus discursos visavam desenvolver nos
ié is o uso da inteligê ncia, da verdadeira razã o, para compreender e
colocar em prá tica as exigê ncias morais e espirituais da fé .
Joã o Crisó stomo estava ansioso para acompanhar seus escritos com o
desenvolvimento integral da pessoa em suas dimensõ es fı́sica,
intelectual e religiosa. As vá rias fases de crescimento sã o comparadas a
outros tantos mares de um imenso oceano: “O primeiro destes mares é
a infâ ncia” ( Homilia 81, 5 sobre o Evangelho de Mateus ). Na verdade, "é
precisamente nessa idade que as inclinaçõ es para o vı́cio ou a virtude
se manifestam". Assim, a lei de Deus deve ser impressa na alma desde o
inı́cio “como uma tá bua de cera” ( Homilia 3, 1 sobre o Evangelho de
João ): Esta é realmente a era mais importante. Devemos ter em mente
como é fundamentalmente importante que as grandes orientaçõ es que
dã o ao homem uma visã o adequada da vida o penetrem
verdadeiramente nesta primeira fase da vida. Por isso, Crisó stomo
recomendava: “Desde a mais tenra idade armai as crianças com armas
espirituais e ensinai-as a fazer o sinal da cruz na testa com as mã os”
( Homilia, 12, 7 sobre I Coríntios ). Depois vem a adolescê ncia e a
juventude: “Depois da infâ ncia é o mar da adolescê ncia, onde sopram
ventos violentos. . . , para concupiscê ncia. . . cresce dentro de
nó s”( Homilia 81, 5 sobre o Evangelho de Mateus ). Por ú ltimo, vem o
noivado e o casamento: “A juventude chega até a idade da pessoa
madura que assume compromissos familiares: é a hora de procurar
uma esposa” ( ibid.). Ele lembra os objetivos do casamento,
enriquecendo-os - referindo-se à virtude e temperança - com uma rica
estrutura de relacionamentos pessoais. Os cô njuges bem preparados
impedem, portanto, o divó rcio: tudo se passa com alegria e os ilhos
podem ser educados na virtude. Entã o, quando o primeiro ilho nasce,
ele é “como uma ponte; os trê s tornam-se uma só carne, porque o
menino reú ne as duas partes ”( Homilia 12, 5 sobre a Carta aos
Colossenses ), e os trê s constituem“ uma famı́lia, uma Igreja em
miniatura ”( Homilia 20, 6 sobre a Carta aos Efésios ).
A pregaçã o do Crisó stomo costumava acontecer durante a liturgia,
“lugar” onde a comunidade se constró i com a Palavra e a Eucaristia. A
assemblé ia reunida aqui expressa a ú nica Igreja ( Homilia 8, 7 sobre a
Carta aos Romanos ), a mesma palavra é dirigida em todos os lugares a
todos ( Homilia 24, 2 na Primeira Carta aos Coríntios ) e comunhã o
eucarı́stica torna-se sinal e icaz de unidade ( Homilia 32, 7 no
Evangelho de Mateus ). Seu projeto pastoral foi incorporado à vida da
Igreja, em que os ié is leigos assumem o ofı́cio sacerdotal, real e
profé tico com o Batismo. Aos ié is leigos, ele disse: “O batismo també m
vos fará rei, sacerdote e profeta” ( Homilia 3, 5 sobre 2 Coríntios). Daı́
decorre o dever fundamental da missã o, porque cada um é em parte
responsá vel pela salvaçã o dos outros: “Este é o princı́pio da nossa vida
social. . . nã o se preocupar apenas conosco! ” ( Homilia 9, 2 sobre
Gênesis). Tudo isto se passa entre dois pó los: a grande Igreja e a “Igreja
em miniatura”, a famı́lia, em relaçã o recı́proca.
Como podem ver, queridos irmã os e irmã s, a liçã o de Crisó stomo sobre
a presença autenticamente cristã dos ié is leigos na famı́lia e na
sociedade é ainda mais atual do que nunca. Rezemos ao Senhor para
que nos torne dó ceis aos ensinamentos deste grande Mestre da fé .
20
Sã o Joã o Crisó stomo (2)
QUARTA-FEIRA, 26 DE SETEMBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje, continuemos nossa re lexã o sobre Sã o Joã o Crisó stomo. Apó s o
perı́odo que passou em Antioquia, em 397 foi nomeado bispo de
Constantinopla, capital do Impé rio Romano do Oriente. Joã o planejou a
reforma de sua Igreja desde o inı́cio: a austeridade da residê ncia
episcopal tinha que ser um exemplo para todos - clé rigos, viú vas,
monges, cortesã os e os ricos. Infelizmente, muitos dos que ele criticou
se distanciaram dele. Atento aos pobres, Joã o també m era chamado de
“o esmoler”. Na verdade, ele foi capaz, como um administrador
cuidadoso, de estabelecer instituiçõ es de caridade altamente
apreciadas. Para algumas pessoas, suas iniciativas em vá rios campos
izeram dele um rival perigoso, mas como um verdadeiro pastor, ele
tratou a todos de maneira afetuosa e paternal. Em particular, ele
sempre falava gentilmente com as mulheres e mostrava uma
preocupaçã o especial com o casamento e a famı́lia. Convidaria os ié is a
participar da vida litú rgica, que tornou esplê ndida e atraente com uma
criatividade brilhante.
Apesar de seu bom coraçã o, sua vida estava longe de ser pacı́ ica. Ele
era o pastor da capital do Impé rio e frequentemente se envolvia em
assuntos polı́ticos e intrigas por causa de suas relaçõ es constantes com
as autoridades e instituiçõ es civis. Entã o, dentro da Igreja, tendo
removido seis bispos da Asia em 401 DC que haviam sido
indevidamente nomeados, ele foi acusado de ter ultrapassado os
limites de sua pró pria jurisdiçã o e, portanto, facilmente se tornou alvo
de acusaçõ es. Outra acusaçã o contra ele dizia respeito à presença de
alguns monges egı́pcios, excomungados pelo Patriarca Teó ilo de
Alexandria, que buscaram refú gio em Constantinopla. Uma discussã o
acalorada entã o irrompeu por causa das crı́ticas de Crisó stomo à
imperatriz Eudoxia e seus cortesã os, que reagiram acumulando
calú nias e insultos contra ele. Assim, procederam ao seu afastamento
durante o Sı́nodo organizado pelo mesmo Patriarca Teó ilo em 403, que
o levou à condenaçã o e ao seu primeiro e breve exı́lio. Apó s o regresso
de Crisó stomo, a hostilidade que instigou pelos seus protestos contra
as festividades em honra da Imperatriz, que o Bispo considerou
suntuosas celebraçõ es pagã s, e pela expulsã o dos padres responsá veis
pelos Baptismos durante a Vigı́lia Pascal de 404 marcaram o inı́cio da
perseguiçã o a Crisó stomo e seus seguidores, os chamados “joanitas”.
Joã o entã o denunciou os acontecimentos em uma carta a Inocê ncio I,
Bispo de Roma, mas já era tarde demais. Em 406, ele foi mais uma vez
forçado ao exı́lio, desta vez para Cucusus na Armê nia. O Papa estava
convencido de sua inocê ncia, mas nã o tinha como ajudá -lo. Um Concı́lio
desejado por Roma para estabelecer a paz entre as duas partes do
Impé rio e entre suas Igrejas nã o poderia ocorrer. A penosa viagem de
Cuco a Pityus, destino que nunca alcançou, pretendia impedir as visitas
dos ié is e quebrar a resistê ncia do exı́lio esgotado: a sua condenaçã o ao
exı́lio foi uma verdadeira sentença de morte! Sã o comoventes as
numerosas cartas de seu exı́lio nas quais Joã o expressou sua
preocupaçã o pastoral em tons de participaçã o e pesar pela perseguiçã o
de seus seguidores. Sua jornada para a morte parou em Comana em
Ponto. Aqui, Joã o, que estava morrendo, foi levado para a Capela do
Má rtir Sã o Basilisco, onde entregou seu espı́rito a Deus e foi sepultado,
um má rtir ao lado do outro (Palladius, Diálogo sobre a Vida de São João
Crisóstomo 119) . Era 14 de setembro de 407, festa do Triunfo da Santa
Cruz. Ele foi reabilitado em 438 por meio de Teodó sio II. As relı́quias do
santo Bispo, que haviam sido colocadas na Igreja dos Apó stolos em
Constantinopla, foram posteriormente, em 1204, transladadas para a
primeira Bası́lica Constantiniana de Roma e agora repousam na capela
do Coro dos Câ nones da Bası́lica de Sã o Pedro. Em 24 de agosto de
2004, o Papa Joã o Paulo II doou grande parte das relı́quias do Santo ao
Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla. A memó ria litú rgica do Santo
é celebrada no dia 13 de setembro. O Beato Joã o XXIII proclamou-o
Padroeiro do Concı́lio Vaticano II.
Diz-se de Joã o Crisó stomo que, quando se sentou no trono da Nova
Roma, isto é , Constantinopla, Deus fez com que fosse visto como um
segundo Paulo, um Doutor do universo. De fato, há em Crisó stomo uma
unidade substancial de pensamento e açã o, tanto em Antioquia quanto
em Constantinopla. E apenas a funçã o e as situaçõ es que mudam. Em
seu comentá rio sobre o Gê nesis, ao meditar sobre os oito atos de Deus
na sequê ncia de seis dias, Crisó stomo desejava restaurar os ié is desde
a criaçã o até o Criador: “E um grande bem”, disse ele, “saber o que é a
criatura e o que é o Criador. ” Mostra-nos a beleza da criaçã o e a
transparê ncia de Deus na sua criaçã o, que se torna assim, por assim
dizer, uma “escada” para subir a Deus para o conhecer. A este primeiro
passo, entretanto, é adicionado um segundo: este Deus Criador é
també m o Deus da indulgê ncia ( synkatabasis ). Somos fracos em
“escalar”, nossos olhos escurecem. Assim, Deus se torna um Deus
indulgente que envia ao homem caı́do, homem estrangeiro, uma carta,
Sagrada Escritura, para que a criaçã o e a Escritura se
completem. Podemos decifrar a criaçã o à luz das Escrituras, a carta que
Deus nos deu. Deus é chamado de “pai terno” ( philostorgios) (ibid. ),
Curador de almas ( Homilia sobre Gênesis 40, 3), mã e ( ibid. ) E amigo
afetuoso ( Sobre Providência 8, 11-12). Mas, alé m deste segundo degrau
- primeiro, a criaçã o como “escada” para Deus, e depois a indulgê ncia
de Deus por meio de uma carta que ele nos deu, a Sagrada Escritura -,
há um terceiro degrau. Deus nã o nos dá apenas uma carta: em ú ltima
aná lise, ele mesmo desce até nó s, se faz carne, torna-se
verdadeiramente “Deus connosco”, nosso irmã o até à sua morte de
cruz. E a essas trê s etapas - Deus é visı́vel na criaçã o, Deus nos dá uma
carta, Deus desce e se torna um de nó s - uma quarta é adicionada no
inal. Na vida e açã o do cristã o, o princı́pio vital e dinâ mico é o Espı́rito
Santo ( Pneuma ), que transforma as realidades do mundo. Deus entra
em nossa existê ncia por meio do Espı́rito Santo e nos transforma de
dentro de nossos coraçõ es.
Neste contexto, em Constantinopla, Joã o propô s em seu
contı́nuo Comentário sobre os Atos dos Apóstolos o modelo da Igreja
primitiva (Atos 4: 32-37) como um padrã o para a sociedade,
desenvolvendo uma “utopia” social (quase uma “ cidade ideal ”). Na
verdade, tratava-se de dar à cidade uma alma e um rosto cristã o. Ou
seja, Crisó stomo percebeu que nã o basta dar esmola, ajudar
esporadicamente os pobres, mas é preciso criar uma nova estrutura,
um novo modelo de sociedade; um modelo baseado na perspectiva do
Novo Testamento. Foi esta nova sociedade que se revelou na Igreja
nascente. Joã o Crisó stomo tornou-se assim verdadeiramente um dos
grandes Padres da doutrina social da Igreja: a velha ideia da “pó lis”
grega deu lugar à nova ideia de uma cidade inspirada na fé cristã . Com
Paulo (cf. 1 Cor 8, 11), Crisó stomo defendia o primado do cristã o
individual, da pessoa como tal, també m do escravo e do pobre. Seu
projeto corrigiu assim a visã o tradicional grega da “polis”, a cidade em
que grandes setores da populaçã o nã o tinham acesso aos direitos da
cidadania, enquanto na cidade cristã todos sã o irmã os e irmã s com
direitos iguais. A primazia da pessoa també m é consequê ncia do fato de
que é verdadeiramente a partir da pessoa que se constró i a cidade,
enquanto na “polis” grega a pá tria prevalecia sobre o indivı́duo, que
estava totalmente subordinado à cidade como um todo. Foi assim que
uma sociedade construı́da sobre a consciê ncia cristã surgiu com
Crisó stomo. E ele nos diz que nossa “polis” [cidade] é outra, “nossa
comunidade está no cé u” (Fp 3:20), e nossa pá tria, mesmo nesta terra,
nos torna todos iguais, irmã os e irmã s, e nos une à solidariedade.
No inal da sua vida, desde o seu exı́lio nas fronteiras da Armé nia, “o
lugar mais remoto do mundo”, Joã o, vinculando-se à sua primeira
pregaçã o em 386, retoma o tema do projecto de humanidade que Deus
prossegue, que lhe era tã o cara: é um projeto “indescritı́vel e
incompreensı́vel”, mas certamente guiado com amor por Ele (cf. Sobre a
Providência 2, 6). Disto estamos certos. Mesmo que nã o possamos
desvendar os detalhes de nossa histó ria pessoal e coletiva, sabemos que
o desı́gnio de Deus sempre se inspira em seu amor. Assim, apesar de
seu sofrimento, Crisó stomo rea irmou a descoberta de que Deus ama
cada um de nó s com um amor in inito e, portanto, deseja a salvaçã o
para todos nó s. Por sua vez, ao longo da sua vida o santo Bispo
cooperou generosamente nesta salvaçã o, nunca se poupando. Na
verdade, ele via o im ú ltimo de sua existê ncia como aquela gló ria de
Deus que - agora morrendo - ele deixou como seu ú ltimo testamento:
“Gló ria a Deus por todas as coisas” (Palladius, op. Cit., 11).
21
Sã o Cirilo de Alexandria
QUARTA-FEIRA, 3 DE OUTUBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
22
Santo Hilá rio de Poitiers
QUARTA-FEIRA, 10 DE OUTUBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
23
Santo Eusé bio de Vercelli
QUARTA-FEIRA, 17 DE OUTUBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
24
Santo Ambró sio de Milã o
QUARTA-FEIRA, 24 DE OUTUBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
25
Sã o Má ximo de Torino
QUARTA-FEIRA, 31 DE OUTUBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
26
Sã o Jerô nimo (1)
QUARTA-FEIRA, 7 DE NOVEMBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje, voltamos nossa atençã o para Sã o Jerô nimo, um Padre da Igreja
que centrou sua vida na Bı́blia: a traduziu para o latim, a comentou em
suas obras e, acima de tudo, se esforçou por vivê -la na prá tica ao longo
de sua longa vida terrena. , apesar do conhecido cará ter difı́cil e
temperamental com que a natureza o dotou.
Jerome nasceu em uma famı́lia cristã por volta de 347 DC em
Stridon. Ele recebeu uma boa educaçã o e até foi enviado a Roma para
aperfeiçoar seus estudos. Quando jovem, ele foi atraı́do pela vida
mundana (cf. Ep. 22, 7), mas seu desejo e interesse pela religiã o cristã
prevaleceu. Ele recebeu o batismo por volta de 366 e optou pela vida
ascé tica. Ele foi para Aquileia e se juntou a um grupo de cristã os
fervorosos que se formou em torno do bispo Valerian e que ele
descreveu como quase “um coro de beatos” ( Chron. Ad ann. 374). Ele
entã o partiu para o Oriente e viveu como um eremita no Deserto de
Chalcis, ao sul de Aleppo (Ep. 14, 10), dedicando-se assiduamente ao
estudo. Ele aperfeiçoou seu conhecimento do grego, começou a
aprender hebraico (cf. Ep. 125, 12) e transcreveu có dices e escritos
patrı́sticos (cf. Ep. 5, 2).
A meditaçã o, a solidã o e o contato com a Palavra de Deus ajudaram a
amadurecer sua sensibilidade cristã . Ele lamentou amargamente as
indiscriçõ es de sua juventude (cf. Ep. 22, 7) e estava profundamente
ciente do contraste entre a mentalidade pagã e a vida cristã : um
contraste que icou famoso pela “visã o” dramá tica e viva - da qual ele
tem deixou-nos um relato - em que lhe parecia que estava sendo
açoitado diante de Deus por ser “mais ciceroniano do que cristã o”
(cf. Ep. 22,30 ).
Em 382 mudou-se para Roma: aqui, familiarizado com sua fama como
asceta e sua habilidade como erudito, o Papa Dâ maso o contratou como
secretá rio e conselheiro; o Papa o encorajou, por razõ es pastorais e
culturais, a embarcar numa nova traduçã o latina dos textos
bı́blicos. Vá rios membros da aristocracia romana, especialmente nobres
como Paula, Marcella, Asella, Lea e outras, desejosas de se
comprometerem no caminho da perfeiçã o cristã e de aprofundar o
conhecimento da Palavra de Deus, o escolheram como seu guia
espiritual e professor na abordagem metó dica dos textos
sagrados. Essas nobres també m aprenderam grego e hebraico.
Apó s a morte do Papa Dâ maso, Jerô nimo deixou Roma em 385 e foi em
peregrinaçã o, primeiro à Terra Santa, uma testemunha silenciosa da
vida terrena de Cristo, e depois ao Egito, o paı́s favorito de numerosos
monges (cf. Contra Ru inum 3, 22 ; Ep. 108, 6-14). Em 386 fez uma
escala em Belé m, onde foi construı́do um mosteiro para homens e um
mosteiro para mulheres pela generosidade da nobre Paula e també m
um hospı́cio para os peregrinos com destino à Terra Santa, «em
memó ria de Maria e José que nã o tinham ali lugar ”(Ep. 108, 14). Ficou
em Belé m até a morte, continuando a fazer um trabalho prodigioso:
comentou a Palavra de Deus; ele defendeu a fé , opondo-se
vigorosamente a vá rias heresias; ele exortou os monges à perfeiçã o; ele
ensinou cultura clá ssica e cristã a jovens estudantes; acolheu com
coraçã o pastor os peregrinos que visitavam a Terra Santa. Ele morreu
em sua cela perto da Gruta da Natividade em 30 de setembro de 419-
20.
Os estudos literá rios e a vasta erudiçã o de Jerô nimo permitiram-lhe
revisar e traduzir muitos textos bı́blicos: um empreendimento
inestimá vel para a Igreja latina e para a cultura ocidental. Com base nos
textos originais grego e hebraico, e graças à comparaçã o com versõ es
anteriores, ele revisou os quatro Evangelhos em latim, depois o Salté rio
e grande parte do Antigo Testamento. Levando em consideraçã o os
textos originais hebraico e grego da Septuaginta, a versã o clá ssica grega
do Antigo Testamento que remonta aos tempos pré -cristã os, bem como
as versõ es latinas anteriores, Jerô nimo foi capaz, com a ajuda posterior
de outros colaboradores, para produzir uma traduçã o melhor: esta
constitui a chamada “Vulgata”, o texto “o icial” da Igreja latina que foi
reconhecido como tal pelo Concı́lio de Trento e que, apó s a recente
revisã o, continua a ser o “o icial” Texto latino da Igreja. E interessante
apontar os crité rios que o grande biblicista seguiu em seu trabalho de
tradutor. Ele mesmo as revela quando diz que respeita até mesmo a
ordem das palavras das Sagradas Escrituras, pois nelas, ele diz, “a
ordem das palavras també m é um misté rio” (Ep. 57, 5), isto é , uma
revelaçã o. Alé m disso, ele rea irma a necessidade de se referir aos
textos originais: “Caso surja uma discussã o sobre o Novo Testamento
entre latinos por causa de interpretaçõ es dos manuscritos que nã o
concordam, voltemos ao original, ou seja, ao texto grego em qual o Novo
Testamento foi escrito. Da mesma forma, com relaçã o ao Antigo
Testamento, se houver divergê ncias entre os textos grego e latino,
devemos recorrer ao texto original hebraico; assim, poderemos
encontrar nas correntes tudo o que lui da fonte ”( Ep. 106, 2). Jerô nimo
també m comentou sobre muitos textos bı́blicos. Para ele, os
comentá rios tinham que oferecer mú ltiplas opiniõ es "para que o leitor
astuto, depois de ler as diferentes explicaçõ es e ouvir muitas opiniõ es -
para ser aceito ou rejeitado - pudesse julgar qual é o mais con iá vel e,
como um especialista em cambista, rejeitar o falso moeda ”( Contra
Ru inum 1, 16).
Jerô nimo refutou com energia e vivacidade os hereges que contestavam
a tradiçã o e a fé da Igreja. Ele també m demonstrou a importâ ncia e
validade da literatura cristã , que entã o se tornara uma cultura real que
merecia ser comparada com a literatura clá ssica: ele o fez ao compor
seu De Viris Illustribus, uma obra em que Jerô nimo apresenta as
biogra ias de mais de um cem autores cristã os. Alé m disso, ele escreveu
biogra ias de monges, ilustrando, ao lado de outros caminhos
espirituais, o ideal moná stico. Alé m disso, ele traduziu vá rias obras de
autores gregos. Por im, nas importantes Epístulas, obra-prima da
literatura latina, Jerô nimo surge com o per il de homem de cultura,
asceta e guia de almas.
O que podemos aprender com Sã o Jerô nimo? Parece-me, acima de
tudo; amar a Palavra de Deus na Sagrada Escritura. Sã o Jerô nimo disse:
“Ignorâ ncia das Escrituras é ignorâ ncia de Cristo”. Por isso, é
importante que todo cristã o viva em contato e em diá logo pessoal com
a Palavra de Deus que nos é dada na Sagrada Escritura. Este diá logo
com a Escritura deve ter sempre duas dimensõ es: por um lado, deve ser
um diá logo verdadeiramente pessoal, porque Deus fala com cada um de
nó s atravé s da Sagrada Escritura e tem uma mensagem para cada
um. Nã o devemos ler a Sagrada Escritura como palavra do passado, mas
como Palavra de Deus que també m nos é dirigida, e devemos procurar
compreender o que o Senhor nos quer dizer. Poré m, para nã o cair no
individualismo, devemos ter em mente que a Palavra de Deus nos foi
dada justamente para construir a comunhã o e unir forças na verdade
em nosso caminho para Deus. Assim, embora seja sempre uma Palavra
pessoal, é també m Palavra que constró i comunidade, que constró i
Igreja. Devemos, portanto, lê -lo em comunhã o com a Igreja viva. O lugar
privilegiado para ler e ouvir a Palavra de Deus é a liturgia, na qual,
celebrando a Palavra e tornando o Corpo de Cristo presente no
Sacramento, atualizamos a Palavra em nossas vidas e a tornamos
presente entre nó s. Nunca devemos esquecer que a Palavra de Deus
transcende o tempo. As opiniõ es humanas vê m e vã o. O que é muito
moderno hoje será muito antiquado amanhã . Por outro lado, a Palavra
de Deus é a Palavra da vida eterna; carrega consigo a eternidade e é
vá lido para sempre. Levando a Palavra de Deus dentro de nó s,
carregamos, portanto, dentro de nó s a eternidade, a vida eterna.
Concluo, portanto, com uma palavra que Sã o Jerô nimo uma vez dirigiu a
Sã o Paulino de Nola. Nele o grande exegeta expressou essa mesma
realidade, ou seja, na Palavra de Deus recebemos a eternidade, a vida
eterna. Disse Sã o Jerô nimo: “Procurem aprender na terra aquelas
verdades que permanecerã o sempre vá lidas no cé u” ( Ep. 53,10 ).
27
Sã o Jerô nimo (2)
QUARTA-FEIRA, 14 DE NOVEMBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
28
Afraates, “o sá bio”
QUARTA-FEIRA, 21 DE NOVEMBRO DE 2007
Praça de São Pedro
Queridos irmãos e irmãs,
Na nossa excursã o ao mundo dos Padres da Igreja, gostaria de vos guiar
hoje a uma parte pouco conhecida deste universo da fé , nos territó rios
onde loresceram as Igrejas de lı́ngua semı́tica, ainda nã o in luenciadas
pelo pensamento grego. Essas igrejas se desenvolveram ao longo do
sé culo IV no Oriente Pró ximo, da Terra Santa ao Lı́bano e à
Mesopotâ mia. Naquele sé culo, perı́odo de formaçã o a nı́vel eclesial e
literá rio, essas comunidades contribuı́ram para o fenô meno ascé tico-
moná stico com caracterı́sticas autó ctones que nã o sofreram in luê ncia
moná stica egı́pcia. As comunidades sirı́acas do sé culo IV, portanto,
representam o mundo semı́tico de onde veio a pró pria Bı́blia, e sã o a
expressã o de um cristianismo cuja formulaçã o teoló gica ainda nã o
entrou em contato com correntes culturais distintas, mas viveu a seu
modo. de pensar. Sã o Igrejas nas quais o ascetismo em suas diversas
formas eremı́ticas (eremitas no deserto, cavernas, reclusos, estilitas) e
o monaquismo nas formas de vida comunitá ria exercem um papel de
vital importâ ncia no desenvolvimento do pensamento teoló gico e
espiritual.
Gostaria de apresentar este mundo atravé s da grande igura de
Afraates, també m conhecido pelo apelido de “o Sá bio”. Ele foi um dos
personagens mais importantes e, ao mesmo tempo, mais enigmá ticos
do cristianismo sirı́aco do sé culo IV. Natural da regiã o de Ninive-
Mossul, hoje no Iraque, viveu durante a primeira metade do sé culo
IV. Temos poucas informaçõ es sobre sua vida; manteve, no entanto,
laços estreitos com o meio ascé tico-moná stico da Igreja de lı́ngua
sirı́aca, da qual nos deu algumas informaçõ es em sua obra e à qual
dedica parte de sua re lexã o. Na verdade, de acordo com algumas
fontes, ele foi o chefe de um mosteiro e mais tarde consagrado um
bispo. Ele escreveu vinte e trê s homilias, conhecidas
como Exposições ou Demonstrações, sobre vá rios aspectos da vida
cristã , como a fé , o amor, o jejum, a humildade, a oraçã o, a vida ascé tica
e també m a relaçã o entre o Judaı́smo e o Cristianismo, entre o Antigo e
o Novo Testamentos. Ele escreveu em um estilo simples com frases
curtas e à s vezes com paralelismos contrastantes; no entanto, ele foi
capaz de tecer discursos consistentes com um desenvolvimento bem
articulado dos vá rios argumentos que tratou.
Afraates pertencia a uma comunidade eclesial situada na fronteira
entre o judaı́smo e o cristianismo. Era uma comunidade fortemente
ligada à Igreja Mã e de Jerusalé m e os seus Bispos eram
tradicionalmente escolhidos entre a chamada “famı́lia” de Tiago, o
“irmã o do Senhor” (cf. Mc 6, 3). Eles eram pessoas ligadas por sangue e
pela fé à Igreja de Jerusalé m. A lı́ngua de Afraates era o sirı́aco, portanto
uma lı́ngua semı́tica como o hebraico do Antigo Testamento e como o
aramaico falado pelo pró prio Jesus. A comunidade eclesial de Afraates
era uma comunidade que procurava permanecer iel à tradiçã o judaico-
cristã , da qual se sentia ilha. Portanto, manteve uma relaçã o estreita
com o mundo judaico e seus livros sagrados. Signi icativamente,
Afraates se de ine como um “discı́pulo da Sagrada Escritura” do Antigo
e do Novo Testamento ( Exposições 22, 26), que ele considera sua ú nica
fonte de inspiraçã o, recorrendo a ela em abundâ ncia para torná -la o
centro. de seu re lexo.
Afraates desenvolve vá rios argumentos em suas exposições. Fiel à
tradiçã o sirı́aca, ele freqü entemente apresenta a salvaçã o operada por
Cristo como uma cura e, portanto, o pró prio Cristo como o mé dico. O
pecado, por outro lado, é visto como uma ferida que só a penitê ncia
pode curar: “O homem ferido na batalha”, dizia Afraates, “nã o se
envergonha de se colocar nas mã os de um mé dico sá bio. . . ; da mesma
forma, aquele que foi ferido por Sataná s nã o deve se envergonhar de
reconhecer sua falta e se distanciar dela, pedindo o remé dio da
penitê ncia ”( Exposições 7, 3). Outro aspecto importante na obra de
Afraates é o seu ensino sobre a oraçã o e, de modo especial, sobre Cristo
como mestre da oraçã o. O cristã o ora seguindo o ensino e o exemplo de
oraçã o de Jesus: “Nosso Salvador ensinou as pessoas a orar assim,
dizendo: 'Orai em secreto Aquele que está escondido, mas que tudo
vê '; e ainda: 'Vá para o seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai que está
em segredo; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará ”(Mt 6,
6). . . . Nosso Salvador quer mostrar que Deus conhece os desejos e
pensamentos do coraçã o ”( Exposições 4, 10).
Para Afraates, a vida cristã está centrada na imitaçã o de Cristo, no
assumir o seu jugo e no seu seguimento no caminho do Evangelho. Uma
das virtudes mais ú teis para o discı́pulo de Cristo é a humildade. Nã o é
um aspecto secundá rio na vida espiritual do cristã o: a natureza do
homem é humilde e é Deus quem a exalta para sua pró pria
gló ria. Afraates observou que a humildade nã o é um valor negativo: “Se
as raı́zes do homem estã o plantadas na terra, os seus frutos sobem
perante o Senhor da majestade” ( Exposições 9, 14). Permanecendo
humilde, també m na realidade terrena em que vive, o cristã o pode
entrar em relaçã o com o Senhor: “O homem humilde é humilde, mas o
seu coraçã o sobe à s alturas. Os olhos de seu rosto observam a terra e os
olhos de sua mente as alturas ”( Exposições 9, 2).
A visã o de Afraates sobre o homem e sua realidade fı́sica é muito
positiva: o corpo humano, a exemplo do humilde Cristo, é chamado à
beleza, à alegria e à luz: “Deus se aproxima do homem que ama, e é
justo ame a humildade e permaneça em um estado de humildade. Os
humildes sã o simples, pacientes, amorosos, ı́ntegros, retos, bons,
prudentes, calmos, sá bios, quietos, pacı́ icos, misericordiosos, prontos
para converter, benevolentes, profundos, atenciosos, bonitos e
atraentes ”( Exposições 9, 14). Afraates frequentemente apresentava a
vida cristã numa clara dimensã o ascé tica e espiritual: a fé é a base, o
fundamento; faz do homem um templo onde o pró prio Cristo habita. A
fé , portanto, torna possı́vel a caridade sincera, que se expressa no amor
a Deus e ao pró ximo. Outro aspecto importante no pensamento de
Afraates é o jejum, que ele entendeu em um sentido amplo. Ele falou do
jejum de comida como uma prá tica necessá ria para ser caridoso e puro,
do jejum entendido como continê ncia com vistas à santidade, do jejum
de palavras vã s ou detestá veis, do jejum de raiva, do jejum de posse de
bens com vistas ao ministé rio, de jejuar desde o sono para estar
vigilante em oraçã o.
Queridos irmã os e irmã s, para concluir, voltamos ao ensinamento de
Afraates sobre a oraçã o. Segundo este antigo “Sá bio”, a oraçã o realiza-se
quando Cristo habita no coraçã o do cristã o e o convida a um
compromisso coerente de caridade para com o pró ximo. Na verdade,
ele escreveu:
Alivia os a litos, visita os enfermos, ajuda os pobres: isto é oraçã o.
A oraçã o é boa e suas obras sã o lindas.
A oraçã o é aceita quando dá alı́vio ao pró ximo.
A oraçã o é ouvida quando inclui o perdã o das afrontas.
A oraçã o é forte quando está cheia da força de Deus. ( Exposições 4, 14-
16)
Com estas palavras, Afraates convida-nos a uma oraçã o que se torna
vida cristã , uma vida plena, uma vida penetrada pela fé , pela abertura a
Deus e, portanto, ao amor ao pró ximo.
29
Santo Efré m
QUARTA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
30
Sã o Cromá cio de Aquileia
QUARTA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
Nas duas ú ltimas catequeses, izemos uma excursã o pelas Igrejas
orientais de lı́ngua semı́tica, meditando sobre Afraates, o persa, e
Efré m, o sı́rio. Hoje, voltamos ao mundo latino, ao norte do Impé rio
Romano com Sã o Cromá cio de Aquilé ia. Este bispo exerceu o seu
ministé rio na antiga Igreja de Aquileia, um fervoroso centro da vida
cristã localizado na Decima regione do Impé rio Romano , a Venetia et
Histria . Em 388 DC , quando Cromá cio assumiu o trono episcopal da
cidade, as comunidades cristã s locais já haviam desenvolvido uma
gloriosa histó ria de idelidade ao Evangelho. Entre meados do sé culo III
e os primeiros anos do quarto, a perseguiçã o de Dé cio, Valeriano e
Diocleciano teve um grande tributo de má rtires. Alé m disso, a Igreja de
Aquileia, como tantas outras Igrejas da é poca, teve que enfrentar a
ameaça da heresia ariana. O pró prio Ataná sio - um porta-estandarte da
ortodoxia de Nicé ia que os arianos haviam banido para o exı́lio -
estivera por algum tempo em Aquilé ia, onde se refugiou. Sob a
orientaçã o de seus bispos, a comunidade cristã resistiu à s armadilhas
da heresia e reforçou seu pró prio apego à fé cató lica.
Em setembro de 381, Aquilé ia foi sede de um Sı́nodo que reuniu cerca
de trinta e cinco bispos da costa da Africa, do Vale do Ró dano e de toda
a regiã o do Decima. O Sı́nodo pretendia eliminar os ú ltimos resquı́cios
do arianismo no Ocidente. Cromá cio, um sacerdote, també m participou
do Concı́lio como perito para o Bispo Valeriano de Aquileia (370/1 a
387/8). Os anos em torno do Sı́nodo de 381 foram a “Idade de Ouro”
dos habitantes de Aquileia. Sã o Jerô nimo, nativo da Dalmá cia, e Ru ino
da Concó rdia falaram nostalgicamente de sua estada em Aquilé ia (370-
73), naquela espé cie de cená culo teoló gico que Jerô nimo nã o hesitou
em de inir “tamquam chorus beatorum”, “como um coro de beatos
”( Cronaca: PL 27, 697-698). Foi neste Cená culo - alguns aspectos que
lembram as experiê ncias comunitá rias dirigidas por Eusé bio de Vercelli
e por Agostinho - que se formaram as iguras mais destacadas da Igreja
do Alto Adriá tico.
Cromá cio, poré m, já havia aprendido em casa a conhecer e amar a
Cristo. O pró prio Jerô nimo falou disso com muita admiraçã o e
comparou a mã e de Cromá cio à Profetisa Ana, suas duas irmã s à s
Virgens Sá bias da pará bola do Evangelho, e o pró prio Cromá cio e seu
irmã o Eusé bio ao jovem Samuel (cf. Ep. 7: PL 22, 341). Jerô nimo
escreveu ainda sobre Cromá cio e Eusé bio: “Os bem-aventurados
Cromá cio e Santo Eusé bio eram irmã os de sangue, nã o menos do que
pela identidade de seus ideais” ( Ep. 8: PL 22, 342).
Cromá cio nasceu em Aquilé ia por volta de 345 DC. Ele foi ordenado
diá cono e, em seguida, sacerdote; inalmente, foi nomeado bispo
daquela Igreja (388). Depois de receber a ordenaçã o episcopal do bispo
Ambró sio, ele se dedicou com coragem e energia a uma imensa tarefa
por causa do vasto territó rio con iado à sua pastoral: a jurisdiçã o
eclesiá stica de Aquilé ia, de fato, se estende desde os atuais territó rios
da Suı́ça, Baviera, Austria e Eslovê nia até a Hungria. O quã o conhecido e
estimado era Cromá cio na Igreja do seu tempo, podemos deduzir de
um episó dio da vida de Sã o Joã o Crisó stomo. Quando o Bispo de
Constantinopla foi exilado de sua Sé , ele escreveu trê s cartas à queles
que considerava os Bispos mais importantes do Ocidente, buscando
obter o apoio deles junto aos Imperadores: escreveu uma carta ao
Bispo de Roma, a segunda ao Bispo de Milã o, e a terceira ao Bispo de
Aquilé ia, precisamente, Cromá cio ( Ep. 155: PG 52, 702). Foram tempos
difı́ceis també m para Cromá cio, devido à precá ria situaçã o
polı́tica. Com toda a probabilidade, Cromá cio morreu no exı́lio, em
Grado, enquanto tentava escapar das incursõ es dos bá rbaros em 407, o
mesmo ano em que Crisó stomo també m morreu.
No que diz respeito ao prestı́gio e importâ ncia, Aquileia foi a quarta
cidade da penı́nsula italiana e a nona do Impé rio Romano. Este é outro
motivo que explica por que foi um alvo que atraiu godos e hunos. Alé m
de causar graves luto e destruiçã o, as invasõ es desses povos
prejudicaram gravemente a transmissã o das obras dos Padres
preservadas na biblioteca episcopal, rica em có dices. Os escritos de Sã o
Cromá cio també m se dispersaram, terminando aqui e ali, e muitas
vezes atribuı́dos a outros autores: a Joã o Crisó stomo (em parte por
causa do inı́cio semelhante de seus dois nomes, Cromá cio e
Crisó stomo); ou a Ambró sio ou Agostinho; ou mesmo a Jerô nimo, a
quem Cromá cio dera considerá vel ajuda na revisã o do texto e na
traduçã o latina da Bı́blia. A redescoberta de grande parte da obra de
Cromá cio se deve a acontecimentos felizes, que só nos ú ltimos anos
tornaram possı́vel reunir um corpus bastante consistente de seus
escritos: mais de quarenta homilias, dez das quais sã o fragmentos, e
mais de sessenta tratados de comentá rio sobre o Evangelho de Mateus.
Cromá cio foi um professor sá bio e um pastor zeloso . O seu primeiro e
principal compromisso foi escutar a Palavra, para depois poder
anunciá -la: baseia sempre o seu ensino na Palavra de Deus e a ela
retoma constantemente. Certos temas sã o particularmente caros a ele:
em primeiro lugar, o mistério trinitário, que ele contemplou em sua
revelaçã o ao longo da histó ria da salvaçã o. Depois, o tema do Espírito
Santo: Cromá cio recorda constantemente aos ié is a presença e a açã o
na vida da Igreja da Terceira Pessoa da Santı́ssima Trindade. Mas o
santo Bispo volta com especial insistê ncia ao mistério de Cristo. O Verbo
Encarnado é verdadeiro Deus e verdadeiro homem: ele assumiu a
humanidade em sua totalidade para dotá -la de sua pró pria
divindade. Essas verdades, que ele també m rea irmou explicitamente
para se opor ao arianismo, terminariam cerca de cinquenta anos depois
na de iniçã o do Concı́lio de Calcedô nia. A forte ê nfase na natureza
humana de Cristo levou Cromá cio a falar da Virgem Maria. Sua doutrina
marioló gica é clara e precisa. A ele devemos descriçõ es evocativas da
Virgem Santı́ssima: Maria é a “Virgem evangé lica capaz de acolher
Deus”; ela é a “ovelha imaculada e inviolada” que concebeu o “Cordeiro
vestido de pú rpura” (cf. Sermo 23, 3: Scrittori dell'area santambrosiana
3/1 , p. 134). O Bispo de Aquileia muitas vezes compara a Virgem com a
Igreja: ambas, de fato, sã o “virgens” e “mã es”. Cromá cio desenvolveu
sua eclesiologia sobretudo em seu comentá rio sobre Mateus. Estes sã o
alguns dos conceitos recorrentes: a Igreja é uma, nasceu do Sangue de
Cristo; ela é uma vestimenta preciosa tecida pelo Espı́rito Santo; a
Igreja é onde se proclama o fato de que Cristo nasceu de uma Virgem,
onde loresce a fraternidade e a harmonia. Uma imagem de que
Cromá cio gosta especialmente é a do navio durante uma tempestade - e
eram tempos tempestuosos, como ouvimos: “Nã o há dú vida”, diz o
santo Bispo, “que este navio representa a Igreja” (cf. . Tractatus 42,
5: Scrittori dell'area santambrosiana 3/2, p 260)..
Como pastor zeloso que era, Cromá cio era capaz de falar ao seu povo
com uma linguagem nova, colorida e incisiva. Embora nã o ignorasse
o cursus latim perfeito , preferia usar o verná culo, rico em imagens de
fá cil compreensã o. Assim, por exemplo, inspirando-se no mar, ele
comparou, por um lado, a captura natural de peixes, que, pescados e
desembarcados, morrem; e, por outro lado, a pregaçã o do Evangelho,
graças à qual homens e mulheres sã o salvos das á guas turvas da morte
e introduzidos na verdadeira vida (cf. Tractatus 16, 3: Scrittori dell'area
santambrosiana 3/2, p. 106). Mais uma vez, na perspectiva de um bom
Pastor, durante um perı́odo turbulento como o seu, devastado pelas
incursõ es dos bá rbaros, ele soube colocar-se ao lado dos ié is para
confortá -los e abrir suas mentes para a con iança em Deus, que nunca
abandona os seus. crianças.
Por ú ltimo, para concluir estas re lexõ es, incluamos uma exortaçã o de
Cromá cio que ainda hoje se aplica perfeitamente: “Rezemos ao Senhor
com todo o nosso coraçã o e com toda a nossa fé ”, recomenda o Bispo de
Aquileia num dos seus Sermões,
vamos orar a ele para nos livrar de todas as incursõ es do inimigo, de todo o medo dos
adversá rios. Nã o olhe para os nossos mé ritos, mas para a sua misericó rdia, para aquele que
també m no passado se dignou a libertar os Filhos de Israel, nã o pelos seus pró prios mé ritos, mas
pela sua misericó rdia. Que ele nos proteja com seu costumeiro amor misericordioso e realize para
nó s o que o santo Moisé s disse aos ilhos de Israel: O Senhor lutará para defendê-los e vocês
icarão em silêncio. E ele quem luta, é ele quem ganha a vitó ria. . . . E para que ele condescenda em
fazê -lo, devemos orar tanto quanto possı́vel. Ele mesmo disse, de fato, pela boca do profeta:
Invoca-me no dia da tribulaçã o; Eu vou te libertar e você vai me dar glória. (Sermo 16, 4: Scrittori
dell'area santambrosiana 3/2, pp. 100-102)
Assim, logo no inı́cio do tempo do Advento, Sã o Cromá cio lembra-nos
que o Advento é um tempo de oraçã o em que é essencial entrar em
contacto com Deus. Deus nos conhece, me conhece, conhece cada um de
nó s, me ama, nã o me abandonará . Avancemos com esta con iança no
tempo litú rgico que acaba de começar.
31
Sã o Paulino de Nola
QUARTA-FEIRA, 12 DE DEZEMBRO DE 2007
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
32
Santo Agostinho de Hipona (1)
QUARTA-FEIRA, 9 DE JANEIRO DE 2008
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
33
Santo Agostinho de Hipona (2)
QUARTA-FEIRA, 16 DE JANEIRO DE 2008
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
34
Santo Agostinho de Hipona (3)
QUARTA-FEIRA, 30 DE JANEIRO DE 2008
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
Depois da Semana de Oraçã o pela Unidade dos Cristã os, voltamos hoje
à importante igura de Santo Agostinho. Em 1986, dé cimo sexto
centená rio da sua conversã o, o meu amado Predecessor Joã o Paulo II
dedicou-lhe um longo e completo Documento, a Carta
Apostó lica Augustinum Hipponensem. O pró prio Papa optou por
quali icar este texto como “um agradecimento a Deus pelo dom que fez
à Igreja e, por meio dela, a todo o gê nero humano”. Eu gostaria de voltar
ao tó pico da conversã o em outro pú blico. E um tema fundamental nã o
só para a vida pessoal de Agostinho, mas també m para a nossa. No
Evangelho do domingo passado, o pró prio Senhor resumiu a sua
pregaçã o com a palavra: “Arrependei-vos”. Seguindo os passos de Santo
Agostinho, poderemos meditar sobre o que é esta conversã o: é algo
de initivo, decisivo, mas a decisã o fundamental deve desenvolver-se,
realizar-se ao longo da nossa vida.
A catequese de hoje, poré m, é dedicada ao tema da fé e da razã o, um
ponto crucial, ou melhor, o tema crucial da biogra ia de Santo
Agostinho. Quando criança, ele aprendeu a fé cató lica com Monica, sua
mã e. Mas ele abandonou essa fé na adolescê ncia porque nã o conseguia
mais discernir sua razoabilidade e rejeitou uma religiã o que nã o era, a
seu ver, també m uma expressã o da razã o, isto é , da verdade. Sua sede
de verdade era radical e, portanto, o levou a se afastar da fé cató lica. No
entanto, seu radicalismo era tal que nã o se contentava com iloso ias
que nã o fossem à pró pria verdade, que nã o fossem a Deus e a um Deus
que nã o era apenas a ú ltima hipó tese cosmoló gica, mas o verdadeiro
Deus, o Deus que dá vida e entra em nossas vidas. Assim, todo o
desenvolvimento intelectual e espiritual de Agostinho é també m hoje
um modelo vá lido na relaçã o entre fé e razã o, sujeito nã o só para os
crentes, mas para todo aquele que busca a verdade, tema central para o
equilı́brio e o destino de todos os homens. Essas duas dimensõ es, fé e
razã o, nã o devem ser separadas ou colocadas em oposiçã o; em vez
disso, eles devem sempre andar de mã os dadas. Como o pró prio
Agostinho escreveu depois de sua conversã o, fé e razã o sã o “as duas
forças que nos conduzem ao conhecimento” ( Contra Academicos III, 20,
43). A este respeito, atravé s das duas fó rmulas agostinianas justamente
cé lebres (cf. Sermões 43, 9) que exprimem esta sı́ntese coerente de fé e
razã o: crede ut intelligas (“creio para compreender”) - crer abre
caminho para a travessia do limiar da verdade - mas també m, e
inseparavelmente, intellige ut credas (“Entendo, para melhor
acreditar”), o crente examina a verdade para poder encontrar Deus e
crer.
As duas a irmaçõ es de Agostinho expressam com e icá cia imediata e
com a profundidade correspondente a sı́ntese deste problema em que a
Igreja Cató lica vê expresso o seu pró prio caminho. Essa sı́ntese foi
adquirindo sua forma na histó ria ainda antes da vinda de Cristo, no
encontro entre a fé hebraica e o pensamento grego no judaı́smo
helenı́stico. Posteriormente, essa sı́ntese foi retomada e desenvolvida
por muitos pensadores cristã os. A harmonia entre fé e razã o signi ica
antes de tudo que Deus nã o está distante: nã o está longe de nossa razã o
e de nossa vida; Ele está perto de cada ser humano, perto do nosso
coraçã o e da nossa razã o, se realmente partirmos para o caminho.
Agostinho sentiu essa proximidade de Deus ao homem com
extraordiná ria intensidade. A presença de Deus no homem é profunda e
ao mesmo tempo misteriosa, mas o homem pode reconhecê -la e
descobri-la no fundo de si mesmo. “Nã o vá para fora”, diz o convertido,
mas “volte para dentro de si mesmo; a verdade mora no homem
interior; e se você descobrir que sua natureza é mutá vel, transcenda a si
mesmo. Mas lembre-se, quando você transcende a si mesmo, você está
transcendendo uma alma que raciocina. Chega, portanto, onde a luz da
razã o está acesa ”( De vera religione 39, 72). E como o que ele mesmo
sublinha com uma declaraçã o muito famosa no inı́cio
das Con issões, uma biogra ia espiritual que escreveu em louvor a Deus:
“Tu nos izeste para ti, e o nosso coraçã o está inquieto até descansar em
ti” (I, 1, 1).
O afastamento de Deus equivale, portanto, ao afastamento de si mesmo:
“Mas”, admitiu Agostinho ( Con issões III, 6, 11), dirigindo-se
diretamente a Deus, “você era mais interior do que a minha parte mais
interior e mais elevado do que o elemento mais elevado dentro de
mim”, interior intimo meo et superior summo meo; de modo que, como
ele acrescenta em outra passagem, lembrando o perı́odo antes de sua
conversã o, “você estava lá antes de mim, mas eu havia me afastado de
mim mesmo. Nã o consegui nem me encontrar, muito menos você
”( Con issões V, 2, 2). Precisamente porque Agostinho viveu esta jornada
intelectual e espiritual na primeira pessoa, ele pô de retratá -la em suas
obras com tanta imediaçã o, profundidade e sabedoria, reconhecendo
em duas outras passagens famosas das Con issões (IV, 4, 9 e 14, 22) , que
o homem é “um grande enigma” ( magna quaestio ) e “um grande
abismo” ( grande profundum ), um enigma e um abismo de que só Cristo
pode iluminar e salvar-nos. Isto é importante: um homem que está
distante de Deus també m está distante de si mesmo, alienado de si
mesmo, e só pode se encontrar encontrando Deus. Dessa forma, ele
voltará para si mesmo, para seu verdadeiro eu, para sua verdadeira
identidade.
O homem, sublinha Agostinho mais tarde no De Civitate Dei (XII, 27), é
social por natureza, mas anti-social pelo vı́cio e é salvo por Cristo, o
ú nico Mediador entre Deus e os homens e o “caminho universal da
liberdade e da salvaçã o”, como meu Predecessor Disse Joã o Paulo II
( Augustinum Hipponensem , n. 3). Fora deste caminho, “que nunca
faltou ao gê nero humano”, diz ainda Santo Agostinho, “ningué m foi
libertado, ningué m será libertado” ( De Civitate Dei X, 32, 2). Como
ú nico Mediador da salvaçã o, Cristo é Cabeça da Igreja e misticamente
unido a ela, a ponto de Agostinho poder dizer: “Tornamo-nos
Cristo. Pois, se ele é o Cabeça e nó s os membros, entã o ele e nó s juntos
somos o homem inteiro ”( In Iohannis evangelium tractatus 21, 8).
Povo de Deus e casa de Deus: a Igreja na visã o de Agostinho está ,
portanto, intimamente ligada ao conceito de Corpo de Cristo, fundado
na releitura cristoló gica do Antigo Testamento e na vida sacramental
centrada na Eucaristia, na qual o Senhor dá nos seu Corpo e nos
transforma em seu Corpo. E, pois, fundamental que a Igreja, Povo de
Deus no sentido cristoló gico e nã o socioló gico, esteja verdadeiramente
inserida em Cristo, que, como diz Agostinho numa bela passagem, “reza
por nó s, reza em nó s, reza por nó s; reza por nó s como nosso sacerdote,
reza em nó s como a nossa cabeça e por nó s reza como o nosso Deus:
reconheçamo-lo, pois, como a nossa voz e a nó s mesmos como sua
”( Enarrationes in Salmos 85, 1).
No inal da Carta Apostó lica Augustinum Hipponensem, Joã o Paulo II
quis perguntar ao pró prio Santo o que diria ao povo de hoje e responde,
em primeiro lugar, com as palavras que Agostinho con iou a uma carta
ditada pouco depois da sua conversã o : “Parece-me que a esperança de
encontrar a verdade deve ser devolvida ao homem” ( Epístula 1,
1); aquela verdade que é o pró prio Cristo, verdadeiro Deus, a quem se
dirige uma das oraçõ es mais belas e famosas das Con issões (X, 27, 38):
Tarde te amei, bela tã o velha e tã o nova: tarde te amei. E veja, você
estava dentro e eu estava no mundo externo e procurei você lá , e em
meu estado desagradá vel eu mergulhei nessas coisas lindas criadas que
você fez. Você estava comigo e eu nã o estava com você . As coisas
adorá veis me mantiveram longe de você , embora se nã o existissem em
você , nã o teriam existê ncia alguma. Você chamou e chorou alto e
quebrou minha surdez. Estavas radiante e resplandecente, puseste em
fuga a minha cegueira. Você estava perfumado e eu prendi a respiraçã o
e agora ofego atrá s de você . Eu provei-lo, e eu me sinto, mas fome e
sede para você . Você me tocou, e eu estou em chamas para alcançar a
paz, que é seu.
Aqui, entã o, Agostinho encontrou Deus e ao longo de sua vida o
experimentou a tal ponto que esta realidade - que é antes de tudo o seu
encontro com uma Pessoa, Jesus - mudou sua vida, como muda a vida
de todos, homens e mulheres, que em cada idade tê m a graça de
encontrá -lo. Rezemos para que o Senhor nos conceda essa graça e,
assim, nos permita encontrar sua paz.
35
Santo Agostinho de Hipona (4)
QUARTA-FEIRA, 20 DE FEVEREIRO DE 2008
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
36
Santo Agostinho de Hipona (5)
QUARTA-FEIRA, 27 DE FEVEREIRO DE 2008
Salão de Audiências Paulo VI
Queridos irmãos e irmãs,
Índice
1. Sã o Clemente, Bispo de Roma
2. Santo Iná cio de Antioquia
3. Sã o Justino, Filó sofo e Má rtir
4. Santo Irineu de Lyon
5. Clemente de Alexandria
6. Orı́genes de Alexandria: Vida e Trabalho
7. Orı́genes de Alexandria: O Pensamento
8. Tertuliano
9. Sã o Cipriano
10. Eusé bio de Cesaré ia
11. Santo Ataná sio de Alexandria
12. Sã o Cirilo de Jerusalé m
13. Sã o Bası́lio (1)
14. Sã o Bası́lio (2)
15. Sã o Gregó rio Nazianzen (1)
16. Sã o Gregó rio Nazianzen (2)
17. Sã o Gregó rio de Nissa (1)
18. Sã o Gregó rio de Nissa (2)
19. Sã o Joã o Crisó stomo (1)
20. Sã o Joã o Crisó stomo (2)
21. Sã o Cirilo de Alexandria
22. Santo Hilá rio de Poitiers
23. Santo Eusé bio de Vercelli
24. Santo Ambró sio de Milã o
25. Sã o Má ximo de Torino
26. Sã o Jerô nimo (1)
27. Sã o Jerô nimo (2)
28. Afraates, “o sá bio”
29. Santo Efré m
30. Sã o Cromá cio de Aquileia
31. Sã o Paulino de Nola
32. Santo Agostinho de Hipona (1)
33. Santo Agostinho de Hipona (2)
34. Santo Agostinho de Hipona (3)
35. Santo Agostinho de Hipona (4)
36. Santo Agostinho de Hipona (5)