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pós-moderno, em particular
sobre certo neoconstitucionalismo
à brasileira
Manoel Gonçalves Ferreira Filho*
1. Introdução
2. O Estado pós-moderno
A modernidade
1
Siqueira Jr., 2008.
2
Quanto à doutrina, 1950 também não marca a definição de qualquer viragem.
3
Chevallier, 2008.
4
O capítulo 1 do livro intitula‑se “La reconfiguration des appareils d’État”, o que de per se revela sua
visão e o quadro das mudanças que prevê.
5
Chevallier, 2008:13. Refere‑se, nesse ponto, às observações de Huntington sobre o “choque das
civilizações”.
6
Chevallier, 2008:155. Aqui, o autor se apoia em Mockle e Conac.
7
Ibid., p. 171. Aqui, o autor se refere a Papadopoulos.
8
Ibid., p. 172. Mas as ONGs não seriam uma nova vestimenta dos grupos de interesse ou pressão?
9
Ibid., p. 173. Nesse passo, Chevallier se arrima em Habermas e outros.
O direito pós-moderno
O entendimento de Canotilho
10
Chevallier, 2008:128. O autor cita aqui Zagrebelsky.
11
Ibid.
12
Para maior entendimento sobre o assunto, ver conferência do autor deste artigo, “Processo legislativo.
Técnicas legislativas e legística”, publicada pelo Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do
Município de São Paulo (Cejur).
4. O neoconstitucionalismo à brasileira
13
Trata‑se de uma conhecida técnica. Houve um jurista brasileiro — anterior ao neoconstitucionalismo
— que a usava com perfeição. Começava suas palestras lançando a premissa maior que lhe convinha,
acompanhada das frases: “Quem não sabe que tal coisa é assim? Quem não o sabe é um ignorante!”.
Assim, punha de pronto os que no auditório poderiam duvidar de sua tese na posição pouco invejável
de ignaros e, em decorrência disto, podia, sem temor de contradição, expor suas ideias, por esdrúxulas
que fossem.
14
Bom exemplo disso é o trabalho de Lênio Luiz Streck, 2009:203 e segs.
15
Quanto a isso, é esmagadora a lição de Humberto Ávila, 2009:187 e segs.
16
Streck (2009), por exemplo, fala sempre de “terrae brasilis” (aliás, num latim que sugere
questionamentos).
17
Luís Roberto Barroso abre um artigo sobre os fundamentos teóricos e filosóficos do direito
constitucional brasileiro, com a invocação: “Planeta Terra. Início do Século XXI. Ainda sem contacto
com outros mundos habitados. Entre luz e sombra, descortina‑se a pós‑modernidade” (Barroso e
Barcellos, 2001:42).
Inadequação da expressão
correntes que com ele competiam e, sem dúvida, grandes filósofos do direito não
eram adeptos dessa doutrina. Para citar alguns, Gustav Radbruch, John Rawls,
Giorgio del Vecchio, Miguel Reale etc.
Tal expressão, em consequência, faz caricatura simplificativa, e simplória, da
realidade jurídica, o que evidentemente serve de expediente para o combate con‑
tra o direito moderno. E, em contraste com os demais traços apontados do pós‑
positivismo, é distorcido esse direito moderno como um direito formalista, cego
para os princípios, maquinal na interpretação e sem dar força jurídica às normas
constitucionais. Tudo isso inexato.
Ora, outro ponto a salientar é exatamente o fato de que o direito moderno não
era cego para valores, nem para a ética. Influente escola alemã da primeira metade
do século passado (alemã, comme il faut, senão não seria levada a sério) foi a da Fi‑
losofia dos Valores (Wertphilosophie), prevalente na escola de Baden, também cha‑
mada de sudocidental alemã, que, inspirada em Windelband e outros, foi liderada
por Gustav Radbruch.18
Aponta este, por exemplo, que “o direito é um fato ou fenômeno cultural, isto
é, um fato referido a valores” (Radbruch, 1974:51). Mais, para ele, a moral é o fun‑
damento da obrigatoriedade do direito (Radbruch, 1974:132‑135).
Lembre‑se, ademais, que, na outra margem do Reno, na mesma época, Ge‑
orges Ripert escrevia o clássico La règle morale dans les obligations civiles, que tanta
influência teve. O mestre francês lembra que as normas jurídicas hão de ajustar‑se
à moral, na medida em que o objeto lícito (moral, pois) é condição de validade de
todos os atos.19
E será necessário recordar o alterum non laedere, de Ulpiano?
18
Leia‑se a substanciosa introdução a seu pensamento, apresentada como prefácio à edição portuguesa
de Filosofia do direito (Coimbra, 1974) pelo tradutor, o eminente professor L. Cabral de Moncada.
19
Ver a atenção dada por Vicente Ráo (1952) a esse jurista.
sobre o assunto. Basta, por síntese, lembrar o art. 4o da Lei de Introdução brasileira
com sua referência aos “princípios gerais de direito”, que o juiz poderia aplicar.
É claro que não contra legem, pois não fora esquecido, o que hoje parece posto de
lado, que a densificação dos princípios, numa democracia, cabe ao Poder Legislati‑
vo, não ao juiz. Este, quando o faz, cria norma ad hoc para o caso concreto, podendo
resvalar para a arbitrariedade.
Além disso, todos os “velhos” mestres da hermenêutica sempre apontaram
que das regras se extraem princípios a elas anteriores e que as subsumem, prin‑
cípios que devem ser aplicados em matérias em que a lei é omissa e nas situações
novas, não previstas pelo legislador.
Carlos Bastide Horbach (2006) traz texto de Carlos Maximiliano (2005:99). Ci‑
tando Jhering, assinala que o intérprete tem a difícil tarefa de “deduzir de disposi‑
ções isoladas o princípio que lhes forma a base, e desse princípio as consequências
que dele decorrem”.
É certo que é bem próprio do neoconstitucionalismo sustentar “a superação
da regra pelo princípio” (Streck, 2009:204). Isso não pode significar outra coisa se‑
não que o aplicador do direito pode ignorar a regra expressa na lei — na lei expres‑
são da vontade geral, portanto da democracia, pelo que lhe parece a conveniente
adequação do princípio ao caso.
Esse menosprezo pela lei contraria o art. 6o da Declaração de 1789, que concebe
a soberania popular manifestando‑se pela lei e sua supremacia: “A lei é a expressão
da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou
por seus representantes à sua formação”.20 Em realidade, o neoconstitucionalismo,
apesar da pretensa valoração dos direitos fundamentais, não parece familiarizado
com essa declaração paradigmática.21
Na verdade, a prevalência do princípio sobre a regra consiste na transforma‑
ção do arbítrio em princípio jurídico, em detrimento da (reacionária...) segurança
jurídica, em detrimento da (superada) democracia representativa...
Ao contrário, as regras normalmente oferecem a precisão necessária para im‑
pedir o arbítrio. E, longe de demandarem sempre um tudo ou nada, podem ser
conciliadas e mesmo corrigidas pela equidade.22
20
Tradução livre: “La Loi est l’expression de la volonté générale. Tous les citoyens ont droit de concourir
personnellement, ou par leurs représentants à sa formation...”
21
A observação é feita em razão da tradução que um dos expoentes desse neoconstitucionalismo dá
sobre o citado art. 6o. Nesta, segundo essa versão, o texto diz: “A lei é expressão da vontade geral
institucionalizada” (grifei). Cf. Barroso e Barcellos, 2001:53, nota 28.
22
Mas quem se recorda, entre os neoconstitucionalistas, da “velha“ equidade?
23
Konrad Hesse (1991) dedica‑se a refutar a tese de Lassalle quanto à “Constituição real”. Está assim no
texto dos neoconstitucionalistas como Pilatos no credo.
24
Ver, por exemplo, as considerações sobre “a noção jurídica de Constituição”, que Paul Bastid
(1985), meu mestre em Paris, apresenta no livro L’idée de Constitution. Em particular, a análise de sua
“supralegalidade” (p. 24).
25
Tradução livre: “Toute société dans laquelle la garantie des droits n’est pas assurée, ni la séparation des
pouvoirs déterminée, n’a point de constitution”.
A nova hermenêutica26
26
Ver, sobre o tema, Barroso e Barcellos, 2006.
27
Carlos Bastide Horbach disseca a nova hermenêutica em Horbach (2006).
28
Por exemplo, a escola de Kantorowicz com a Freirechtslehre.
29
A observação do prof. Georges Vedel, que orientou minha tese em Paris, é por inteiro: “Le juge
constitutionnel n’est une Muse, ni un chef d’orchestre, ni un généralissime. Il est un censeur, non un décideur”
(destaquei). Mathieu e Verpeaux, 1998.
A constitucionalização do direito
30
Maximiliano, 1951.
31
Veja, por exemplo, Perelman (1976).
Observações finais
Como se mostrou no corpo deste trabalho, ainda não existe um novo tipo de
Estado, o que se convencionou chamar de Estado pós‑moderno. Na verdade, isto
é comprovado pelo direito comparado, pois não há diferenças importantes entre
as constituições mais recentes e o modelo do constitucionalismo moderno. Este,
nascido no liberalismo, adaptou‑se sem maiores problemas ao signo do social e,
provavelmente, às exigências da chamada pós‑modernidade. Não há, portanto,
deste ângulo, razão para justificar um constitucionalismo pós‑moderno ou um neo‑
constitucionalismo.
O neoconstitucionalismo
Referências