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GAMPOPA SÖNAM RINCHEN

A PRECIOSA GUIRLANDA DO

CAMINHO SUPREMO

Tradução a partir da versão em inglês e do original em Tibetano


Lama Wangdu e sangha SP

Centro Budista Tibetano Kagyu Pende Gyamtso


www.kalu.org.br
2
Sumário

PREFÁCIO (EDIÇÃO AMERICANA) .................................................................................................. 6


PARTE I - AS INSTRUÇÕES DE GAMPOPA: A PRECIOSA GUIRLANDA DO CAMINHO
SUPREMO..................................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1 - AS DEZ CAUSAS DE LAMENTAÇÃO ..................................................................... 12

CAPÍTULO 2 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS............................................................................. 13

CAPÍTULO 3 - AS DEZ COISAS EM QUE CONFIAR ....................................................................... 14

CAPÍTULO 4 - AS DEZ COISAS A SEREM ABANDONADAS .......................................................... 15

CAPÍTULO 5 - AS DEZ COISAS A NÃO ABANDONAR................................................................... 16

CAPÍTULO 6 - AS DEZ COISAS A SEREM RECONHECIDAS OU COMPREENDIDAS ........................ 17

CAPÍTULO 7 - AS DEZ COISAS A SEREM PRATICADAS ............................................................... 18

CAPÍTULO 8 - AS DEZ COISAS PARA SE PERSISTIR .................................................................... 19

CAPÍTULO 9 - AS DEZ EXORTAÇÕES ......................................................................................... 20

CAPÍTULO 10 - OS DEZ DESVIOS ............................................................................................... 21

CAPÍTULO 11 - AS DEZ CONFUSÕES DE UMA COISA COM OUTRA ............................................. 22

CAPÍTULO 12 - AS DEZ COISAS INFALÍVEIS............................................................................... 23

CAPÍTULO 13 - AS QUATORZE COISAS INSENSATAS ................................................................. 24

CAPÍTULO 14 - AS DEZOITO FALTAS INTERIORES DE UM PRATICANTE DO DHARMA................ 26

CAPÍTULO 15 - AS ONZE COISAS INDISPENSÁVEIS .................................................................... 28

CAPÍTULO 16 - OS ONZE SINAIS DA SANTIDADE ....................................................................... 29

CAPÍTULO 17 - AS DEZ COISAS INÚTEIS .................................................................................... 30

CAPÍTULO 18 - AS DEZ COISAS PELAS QUAIS SE CAUSA A PRÓPRIA INFELICIDADE .................. 31

CAPÍTULO 19 - AS DEZ COISAS PELAS QUAIS SE CAUSA A PRÓPRIA FELICIDADE ..................... 32

CAPÍTULO 20 - AS DEZ COISAS PERFEITAMENTE PURAS........................................................... 33

CAPÍTULO 21 - AS DEZ DESORIENTAÇÕES DOS PRATICANTES .................................................. 34

CAPÍTULO 22 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS........................................................................... 35

CAPÍTULO 23 - AS DEZ COISAS DESNECESSÁRIAS .................................................................... 36

CAPÍTULO 24 - AS DEZ COISAS SUPERIORES ............................................................................. 37

CAPÍTULO 25 - AS DEZ COISAS NAS QUAIS O QUE QUER QUE SEJA FEITO É EXCELENTE .......... 38

CAPÍTULO 26 - AS DEZ QUALIDADES DO DHARMA GENUÍNO ................................................... 39

CAPÍTULO 27 - AS DEZ COISAS QUE SÃO APENAS NOMES......................................................... 41

CAPÍTULO 28 - AS DEZ COISAS QUE ESTÃO ESPONTANEAMENTE PRESENTE COMO GRANDE


FELICIDADE .............................................................................................................................. 42

3
PARTE II - COMENTÁRIOS DE KHENPO KARTHAR RIMPOCHE ..................................... 44
CAPÍTULO 1 - AS DEZ CAUSAS DE LAMENTAÇÃO ..................................................................... 45

CAPÍTULO 2 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS............................................................................. 48

CAPÍTULO 3 - AS DEZ COISAS NAS QUAIS DEVEMOS CONFIAR ................................................. 52

CAPÍTULO 4 - AS DEZ COISAS A SEREM ABANDONADAS .......................................................... 59

CAPÍTULO 5 - AS DEZ COISAS PARA NÃO SEREM ABANDONADAS ............................................ 63

CAPÍTULO 6 - AS DEZ COISAS A SEREM RECONHECIDAS OU COMPREENDIDAS ........................ 77

CAPÍTULO 7 - AS DEZ COISAS A SEREM PRATICADAS ............................................................... 81

CAPÍTULO 8 - AS DEZ COISAS PARA SE PERSISTIR .................................................................... 85

CAPÍTULO 9 - AS DEZ EXORTAÇÕES ......................................................................................... 88

CAPÍTULO 10 - OS DEZ DESVIOS ............................................................................................... 90

CAPÍTULO 11 - AS DEZ CONFUSÕES DE UMA COISA COM OUTRA ............................................. 97

CAPÍTULO 12 - AS DEZ COISAS INFALÍVEIS............................................................................. 102

CAPÍTULO 13 - AS QUATORZE COISAS INSENSATAS ............................................................... 105

CAPÍTULO 14 - AS DEZOITO FALTAS INTERIORES DE UM PRATICANTE DO DHARMA.............. 108

CAPÍTULO 15 - AS ONZE COISAS INDISPENSÁVEIS................................................................ 112


CAPÍTULO 16 - OS ONZE SINAIS DE SANTIDADE ..................................................................... 117

CAPÍTULO 17 - AS DEZ COISAS INÚTEIS .................................................................................. 120

CAPÍTULO 18 - AS DEZ COISAS QUE CAUSAM A PRÓPRIA INFELICIDADE................................ 130

CAPÍTULO 19 - AS DEZ SITUAÇÕES DE GRANDE BONDADE POR SI MESMO ............................. 133

CAPÍTULO 20 - AS DEZ COISAS PELAS QUAIS SE CAUSA A PRÓPRIA FELICIDADE ................... 135

CAPÍTULO 21 - AS DEZ DESORIENTAÇÕES DOS PRATICANTES ................................................ 137

CAPÍTULO 22 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS......................................................................... 139

CAPÍTULO 23 - AS DEZ COISAS QUE NÃO SÃO NECESSÁRIAS .................................................. 141

CAPÍTULO 24 - AS DEZ COISAS SUPERIORES ........................................................................... 143

CAPÍTULO 25 - AS DEZ COISAS NAS QUAIS O QUE SE QUER QUE SEJA FEITO É EXCELENTE.... 145

CAPÍTULO 26 - AS DEZ QUALIDADES DO DHARMA GENUÍNO ................................................. 147

CAPÍTULO 27 - AS DEZ COISAS QUE SÃO APENAS NOMES....................................................... 150

CAPÍTULO 28 - AS DEZ COISAS QUE ESTÃO ESPONTANEAMENTE PRESENTES COMO FELICIDADE


............................................................................................................................................... 152
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 153

4
5
Prefácio (Edição americana)
A Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo é uma coleção de vinte e oito pontos de
aconselhamento aos praticantes do Budhadharma em todas as etapas de prática, pelo
professor do século doze e fundador da linhagem Kagyu do budismo tibetano, Gampopa.
Os comentários do Venerável Khenpo Karthar Rinpoche foram apresentados oralmente
aos seus estudantes no Karma Triyana Dharmachakra (KTD), o Monastério Karma Kagyu
em Woodstock, Nova York, no final do ano de 1991. Os ensinamentos foram traduzidos
pelo Lama Yeshe Gyamtso.

Gampopa viveu entre 1079 e 1153 DC1. Ele nasceu no Tibet Central e formou-se médico,
mas quando sua família foi abatida por uma epidemia, ele prometeu à sua mulher, ainda
no leito de morte, que se tornaria monge e devotaria sua vida ao budismo. Gampopa
recebeu a ordenação sob o nome de Sonam Rinchen aos vinte e seis anos de idade e
recebeu os treinamentos na linhagem Kadampa, originada por Atisha.2 Essa tradição
ensinou-lhe um caminho graduado para a iluminação, enfatizando uma sólida base de
autodisciplina e meditação básica do hinayana, assim como treinamento em amor-
bondade, compaixão e a visão da vacuidade no nível mahayana. Posteriormente ele
encontrou o grande yogue Milarepa e tornou-se seu principal discípulo. O professor de
Milarepa, Marpa, o tradutor, havia trazido o vajrayana ou ensinamentos tântricos dos
mahasiddhas da Índia, incluindo as Seis Yogas de Naropa, num sistema chamado
mahamudra: “O Grande Selo”3. Gampopa então combinou a tradição Kadampa com a
tradição dos mahasiddhas da Índia. Ele estabeleceu um monastério em Gampo Dar (daí
o seu nome), onde reuniu um grande número de estudantes, que posteriormente fundaram
as várias escolas da linhagem Kagyu. Em particular, a linhagem Karma Kagyu surgiu a
partir de seu estudante Dusum Kyenpa, o primeiro Karmapa, fundador do Monastério de
Tsurphu, a presente morada do décimo-sétimo Karmapa, Sua Santidade Orgyen Trinle.

1
Vide Jampa Mackenzie Stewart, The Life of Gampopa, Ithaca: Snow Lion, 1995.
2
Vide Jamgon Kongtrul, The Great Path of Awakening, Boston: Shambala, 1987.
3
Vide O Nono Karmapa, Mahamudra, Eliminating the darness of ignorance,
Dharamsala, Library of Tibetan Works and Arquives, 1978 e Jamgon Kongtrul, Cloudless
sky, Boston: Shambala, 1992.
Os outros trabalhos principais de Gampopa são: O ornamento da preciosa liberação4 e
Os Quatro Dharmas de Gampopa.

O Venerável Khenpo Karthar Rinpoche tem sido o abade do KTD em Woodstock desde
a sua fundação em 1978 e é o diretor espiritual de vários centros afiliados. Ele nasceu no
Khanm, no leste tibetano, em 1924. Foi ordenado monge aos doze anos de idade e recebeu
treinamento no Monastério Thrangu. Ele ensinou no Monastério Rumtek no Sikkim,
Índia, depois de deixar o Tibet em 1959 juntamente com Sua Santidade o Décimo-sexto
Karmapa e em 1975 foi reconhecido como sendo um Choje Lama ou Mestre do Dharma
Superior. O primeiro livro do Rinpoche, Caminhos do Dharma foi publicado pela Snow
Lion em 1992.

Lama Yeshe Gyamtso nasceu no Canadá e foi estudante de Kyabje Kalu Rinpoche. Ele
completou dois retiros de três anos sob a orientação do Lama Norla. Por muito tempo foi
tradutor de Kyabje Kalu Rinpoche, Khenpo Karthar Rinpoche e outros lamas e também
tem dado ensinamentos. Ele é conhecido por sua clareza e precisão na comunicação dos
ensinamentos do dharma.

David McCarthy é um estudante antigo do Khenpo Karthar Rinpoche que tem trabalhado
ao longo dos últimos anos no projeto de transcrição dos ensinamentos do Khenpo Karthar
Rinpoche. Gostaríamos de agradecer a Michael Erlewine por seu apoio a David durante
seu trabalho sobre este texto. Eu sou Professora Emérita de Física da Universidade de
Albany e tenho sido estudante do Khenpo Karthar Rinpoche por alguns anos.
Anteriormente, editei o livro do Rinpoche, Caminhos do Dharma, publicado pela Snow
Lion em 1992. Nosso reconhecimento e gratidão à Pat Dinkelaker e John Fudjack de
Troy, Nova York, que transcreveu a maioria dos áudios e ajudou na edição. Gostaríamos
também de agradecer a Robert Walker pelas inúmeras sugestões de edição e a Willian D.
Roth, diretor do Instituto Karma Kagyu, por patrocinar meu trabalho neste projeto.

O texto tibetano A Preciosa Guirlanda foi extraído de blocos de madeira produzidos no


Monastério Rumtek. Lama Phunsok Bist, o umze, digitou o texto e por isso fazemos os
nossos agradecimentos. Nossa tradução do texto raiz foi feita no verão de 1995, no KTD.
Uma tradução anterior deste texto foi incluída no Yoga Tibetana e as Doutrinas Secretas,

4
Gampopa, The Jewel Ornamento f Liberation, tr. By Herbert V. Guenther, Boulder:
Prajna, 1971; e Gampopa, Gems of Dharma, Jewels of Freedom, tr. Por Ken e Katia
Holmes, Forres, Escócia: Altea, 1995.
7
de Evans-Wentz, e recentemente tomamos conhecimento de uma tradução independente
feita por Eric Pema Kunsang.5

Em trabalhos budistas, como de hábito, existem várias expressões e sânscrito e em


tibetano, além de referências a conceitos budistas. Fizemos a tentativa de explicar alguns
termos não usuais, todavia, como já existem vários livros de dharma disponíveis,
entendemos que não seria necessário incluir um glossário neste trabalho. Muitos leitores
conhecerão vários termos e ideias básicas e, para aqueles que não tiverem familiaridade,
vários livros budistas contém glossários budistas, incluindo o livro Caminhos do Dharma
de Khenpo Karthar Rinpoche.

Esperamos que as palavras de Gampopa e os comentários de Khenpo Karthar Rinpoche


beneficiem muitos estudantes do Buddhadharma.

Laura M. Roth

5
W.Y. Evanz-Wentz, ed., Tibetan yoga and secret doctrines, Londres: Oxford, 1958, p.
67; e Gampopa, The Precious Garland of the Sublime Path, Boudenath: Ranjung Yeshe,
1995.
8
PARTE I - AS INSTRUÇÕES DE GAMPOPA: A PRECIOSA
GUIRLANDA DO CAMINHO SUPREMO

Comentários Ven. Khenpo Karthar Rinpoche

O autor da Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo foi o Senhor Gampopa, também


conhecido como Dagpo Rinpoche ou Senhor Sonam Rinchem. Senhor Gampopa é
considerado o pai da tradição Kagyu – a raiz e a base de sua existência. Sua atividade
neste sentido iniciou-se numa vida anterior na qual era o boddhisattva Chandra Prabha
Kumara ou “Luz-da-lua-jovial”, estudante do Buddha Shakyamuni. O Senhor Buda
predisse no Samadhiraja Sutra que durante a era da decadência6 a encarnação de Luz da
lua jovial propagaria os ensinamentos deste sutra, que corresponde ao verdadeiro
significado do mahamudra. Por meio de sua aspiração enquanto boddhisttva e pelas
bênçãos do Senhor Buddha Shakyamuni, Luz-da-lua-jovial renasceu como Senhor
Gampopa, no Tibet e criou o que conhecemos hoje coo sendo a linhagem Kagyu.

Em sua vida como Senhor Gampopa ele compôs uma variedade de shastras ou
comentários dos ensinamentos do Senhor Buda. Os dois mais notáveis são O Ornamento
da Preciosa Liberação e A Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo. Particularmente
em relação a esses dois, mas mesmo em relação aos seus outros trabalhos, Gampopa disse
que, no futuro, aqueles que tivessem uma forte fé nele, estudar os seus textos seriam como
estar na sua presença, recebendo seus ensinamentos diretamente. Ele disse que apesar dos
alunos do futuro não terem a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, ele não poderia
transmitir nada além do que já está contido nestes textos.

O texto A Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo começa com as seguintes palavras


em sânscrito: namo ratna guru, que significam: “Eu rendo homenagem ao precioso
lama”. Essa homenagem é dirigida aos gurus-raiz, principalmente ao Senhor Jetsun
Milarepa, assim como para seus outros gurus que corporificam as qualidades que ele irá
apresentar. No texto tibetano que se segue, ele rende homenagens aos detentores da
imaculada linhagem de prática, cujo esplendor irradia como os raios de luz do sol por
todo o espaço, em virtude de possuírem as três qualidades. A primeira delas, exterior, é

6
A era da decadência é o período caracterizado pela degeneração da visão e da conduta.
9
que eles se engajam na conduta correta capaz de produzir a sua própria liberação e a dos
demais. A segunda é que eles interiormente realizaram o sentido vasto e profundo, como
o oceano, do dharma. Terceiro, suas aspirações de beneficiar os seres alcançaram a
maturação, possibilitando a eles, de fato, ajudar os demais seres.

Nesse ponto, Gampopa suplica para que os detentores da imaculada linhagem de prática,
detentores de qualidades inconcebíveis, cubra em seu esplendor, tanto a si quanto seus
seguidores. Ele se referia tanto aos seus discípulos diretos quanto àqueles do futuro que
vierem a praticar na sua tradição.

Depois, Gampopa explica que os gloriosos ensinamentos Kagyupas representam as


instruções preciosas na visão correta, meditação e conduta. Ele mesmo escutou tais
instruções, refletiu sobre elas apropriadamente e, não somente a isso, colocou-as em
prática. Arrebatado por um sentimento de compaixão por todos os seres, ele apresentou
essas instruções para seus alunos e seguidores futuros. Ao escrever esse texto, Gampopa
exibe a sabedoria de compaixão definitiva, realizando a atividade dos detentores da
linhagem dos Budas, diretamente beneficiando os seres sencientes.

10
NAMO RATNA GURU

A conduta perfeitamente pura é o ornamento dos lamas da preciosa linhagem Kagyüpa.


São eles que liberam do terrível oceano do samsara, tão difícil de atravessar.
Tomo refúgio, prosternando-me diante dos santos lamas da imaculada linhagem da
prática. Suas vastas aspirações perduram e realizam-se espontaneamente e as ondas de
sua graça são inesgotáveis como o grande oceano. Oro-vos para que me recubra de todo
vosso esplendor.

Tendo mantido por muito tempo em minha mente as palavras originárias desses lamas
Kagyüpas, compus essa preciosa guirlanda do caminho supremo. Estas valiosas
instruções são destinadas aos afortunados direta ou indiretamente ligados a mim.

11
CAPÍTULO 1 - AS DEZ CAUSAS DE LAMENTAÇÃO

Aqueles indivíduos que aspirarem alcançar a liberação e a omnisciência da budeidade


devem, desde o início, relembrar as dez causas de lamentação:

1. Engajar esse corpo humano puro, difícil de obter, em ações não virtuosas e negativas é
lamentável.

2. Esse corpo humano puro, (dotado) das (8) liberdades e (10) aquisições, difícil de obter,
deixá-lo perecer em ações mundanas em desconformidade com o dharma, é lamentável.

3. Nesta época degenerada, desperdiçar essa breve existência humana com atos
insensatos, é lamentável.

4. Deixar a mente em si, cuja natureza é o dhamakaya livre de fabricações, afundar na


lama das confusões do samsara é lamentável.

5. Deixar o santo lama, que guia ao longo do caminho antes de alcançar o despertar, é
lamentável.

6. Deixar que esse barco, os votos e compromissos que permitem alcançar a liberação,
sejam destruídos pelo poder das circunstâncias, paixões e da desatenção é lamentável.

7. A realização e a experiência alcançadas pela graça do lama, deixar esvaírem-se pela


selva das ações mundanas é lamentável.

8. Vender as profundas instruções orais dos mestres realizados aos profanos, indignos de
recebê-las, é lamentável.

9. Todos os seres sencientes, que foram nossos bondosos pais e mães, rejeitá-los e
abandoná-los com uma mente hostil, é lamentável.

10. As três portas no desabrochar da juventude, deixá-las recair na indiferença ordinária,


é lamentável.

Essas são as dez causas de lamentação

12
CAPÍTULO 2 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS

As dez coisas necessárias:

1. É necessário ser independente para não se deixar levar por conselhos;

2. É necessário praticar com fé e diligência, de acordo com as instruções do santo lama;

3. É necessário selecionar as instruções do lama de maneira inequívoca, compreendendo


a distinção que há entre instruções apropriadas e inapropriadas.

4. É necessário desempenhar as instruções do lama com sabedoria, fé e diligência.

5. Utilizando-se da plena atenção, da vigilância e da prudência, é necessário conservar


sem máculas o corpo, a palavra e a mente.

6. É necessário ser estável e independente na prática, possuindo coragem e a armadura da


diligência.

7. É necessário não ter apego, sem se deixar levar facilmente pelos outros.

8. Utilizando a preparação, execução e conclusão, é necessário perseverar sem descanso


na reunião das duas acumulações.

9. Com amor e compaixão, é necessário voltar a mente para a realização direta ou indireta
do bem dos seres.

10. Unindo sabedoria, compreensão e realização, é necessário não se enganar,


considerando os objetos do conhecimento como possuindo alguma substancialidade
dotada de características próprias.

Essas são as dez coisas necessárias.

13
CAPÍTULO 3 - AS DEZ COISAS EM QUE CONFIAR

As dez coisas em que confiar:

1. Confiar no santo lama que possui realização e compaixão.

2. Confiar no local de meditação isolado, prazeroso e abençoado.

3. Confiar em companheiros estáveis com os quais se está de acordo com a visão,


meditação e conduta.

4. Confiar na moderação lembrando-se dos defeitos dos objetos de subsistência.

5. Confiar imparcialmente nas instruções da linhagem dos siddhas.

6. Confiar em substâncias, medicamentos, mantras e na interdependência profunda como


sendo benéficos para si e para os outros.

7. Confiar em alimentos adequados à sua constituição e no caminho para liberação.

8. Confiar no dharma e no caminho da conduta que beneficia a experiência.

9. Confiar nos discípulos afortunados que possuem fé e respeito.

10. Confiar na plena atenção e consciência por meio dos quatro modos de conduta.

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CAPÍTULO 4 - AS DEZ COISAS A SEREM ABANDONADAS

Essas são as dez coisas a serem abandonadas:

1. Abandonar os Mestres cujas ações misturam-se com os oito dharmas mundanos.

2. Abandonar o séquito e as más companhias prejudiciais à mente e a experiência.

3. Abandonar lugares e eremitérios de grande distração e prejudiciais (à prática).

4. Abandonar o sustento obtido por meio furto, roubo, fraude e ocultação.

5. Abandonar ações e atividades prejudiciais à mente e a experiência.

6. Abandonar a comida e a conduta que prejudiquem a sua base.

7. Abandonar o desejo e o apego que prendem à avareza e à busca pelo prazer.

8. Abandonar a conduta desatenta que acarreta a perda de fé pelos outros.

9. Abandonar as ações de idas e vindas sem sentido.

10. Abandonar (a atitude) de esconder os próprios defeitos e revelar os dos outros.

15
CAPÍTULO 5 - AS DEZ COISAS A NÃO ABANDONAR

Essas são as dez coisas a não se abandonar:

1. Sendo a compaixão a raiz da realização do bem alheio, não abandone.

2. Sendo as aparências, a irradiação da própria mente, não as abandone;

3. Sendo os pensamentos, o jogo da vacuidade (dharmata), não os abandone.

4. Sendo as emoções perturbadoras a revelação da sabedoria, não as abandone.

5. Sendo os objetos de desejo, o adubo das experiências e da realização, não os abandone.

6. Sendo os sofrimentos e as doenças um mestre espiritual, não os abandone.

7. Sendo os inimigos e os obstáculos uma incitação ao reconhecimento da verdadeira


natureza dos fenômenos (dharmata), não os abandone. Se desaparecerem
espontaneamente, isto é realização. Não os rejeite.

8. Sendo o caminho do método o que conduz ao conhecimento transcendente, não o


abandone.

9. Não abandone a atividade física que pode ser colocada a serviço do dharma.

10. Não abandone a intenção de realizar o bem alheio, mesmo que se disponha de poucos
meios.

16
CAPÍTULO 6 - AS DEZ COISAS A SEREM RECONHECIDAS OU COMPREENDIDAS

Em seguida, vêm as dez coisas que devem ser conhecidas ou compreendidas.


Considerando que o conjunto anterior; “as coisas que não devem ser abandonadas” devam
ser colocadas em prática, estas devem apenas ser compreendidas.

1. Uma vez que as aparências exteriores são confusão, reconheça-s como sendo ilusórias.

2. Uma vez que os fenômenos mentais internos são desprovidos de uma existência em si
(self), reconheça-os como sendo vazios.

3. Uma vez que os pensamentos surgem de forma condicionada, reconheça-os como


sendo adventícios.

4. Uma vez que o corpo e a palavra, compostos por elementos, são compostos, reconheça-
os como sendo impermanentes.

5. Uma vez que o prazer e o sofrimento dos seres sencientes surgem do karma, reconheça
a lei da causalidade como sendo infalível.

6. Uma vez que o sofrimento é causa de renúncia, reconheça-o como sendo um amigo-
espiritual.

7. Uma vez que o prazer e o conforto são a raiz do samsara, reconheça o desejo-apego
como sendo Mara.

8. Uma vez que as distrações são condições prejudiciais à acumulação de mérito,


reconheça-as como sendo obstáculos.

9. Uma vez que os obstáculos incitam à prática da virtude, reconheça os inimigos e


obstrutores como sendo seu lama.

10. Uma vez que, na verdade última, todas as coisas são desprovidas de natureza própria,
reconheça todos os fenômenos como sendo o mesmo.

17
CAPÍTULO 7 - AS DEZ COISAS A SEREM PRATICADAS

As dez coisas a serem praticadas:


1. Tendo se engajado na via do dharma, sem se juntar ao bando de profanos, pratique
segundo o dharma.
2. Tendo abandonado a sua terra natal, sem se enraizar de novo entre os homens, pratique
o não apego.
3. Confiando no mestre, abandonando todo orgulho, pratique de acordo com as suas
instruções.
4. Tendo-se treinado na escuta e na reflexão, sem ensinar aquilo que conhece apenas
teoricamente, pratique o que foi aprendido.
5. Tendo surgido na mente a realização, sem cair na indiferença e na negligencia pratique
sem distração.
6. A experiência da meditação tendo surgido, pratique sem se abandonar às distrações das
multidões.
7. Uma vez engajados nos compromissos, sem deixar que corpo, palavra e mente tornem-
se negligentes, pratique as três instruções.
8. Quando se desenvolveu a sublime mente do despertar, sem se preocupar consigo
mesmo, pratique para o bem dos outros.
9. Uma vez engajados no caminho dos mantras (Mantrayana), sem deixar o corpo, a
palavra e a mente em estado ordinário, pratique a meditação nas três mandalas.
10. Na juventude, sem perambular sem rumo, pratique os exercícios espirituais aos pés
de um santo mestre.

18
CAPÍTULO 8 - AS DEZ COISAS PARA SE PERSISTIR

As dez coisas para se persistir:

1. Os principiantes devem persistir a escuta dos ensinamentos e na reflexão do seu


sentido.

2. Quando a experiência aparece, persistir na prática da meditação.

3. Enquanto esta experiência não for estável, persista no isolamento e no retiro.

4. Se a dispersão e a agitação predominam, persista no domínio da mente.

5. Se o torpor e a opacidade predominam, persista em expandir e tonificar a mente.

6. Enquanto a mente não for estável, persista na realização posterior7.

7. Tendo-se dedicado à absorção meditativa, persista na fase de pós-meditação.

8. Quando se encontram numerosas circunstancias desfavoráveis, persista nas três formas


de paciência.

9. Quando o apego e o desejo são muitos fortes, persista no emprego de meios poderosos
para combatê-los.

10. Se o amor e a compaixão são muito frágeis, persista no cultivo da mente do Despertar.

7
“Realização posterior” aqui significa a fase pós-meditação.
19
CAPÍTULO 9 - AS DEZ EXORTAÇÕES

Essas são as dez exortações:

1. A reflexão sobre a dificuldade de obter as liberdades e aquisições é uma exortação à


prática do dharma.

2. A reflexão sobre a impermanência e a morte é uma exortação à pratica da virtude.

3. A reflexão sobre a infalibilidade da lei da causalidade é uma exortação ao abandono


dos atos nocivos.

4. A reflexão sobre os defeitos do samsara é uma exortação a se atingir a liberação.

5. A reflexão sobre o sofrimento dos seres sencientes presos ao samsara é uma exortação
ao cultivo da mente do despertar (bodhicitta).

6. A reflexão sobre a confusão inequívoca dos seres sencientes é uma exortação à prática
da escuta dos ensinamentos e a à reflexão sobre o seu sentido.

7. A reflexão sobre a dificuldade de abandonar os hábitos que mantém os seres na ilusão


é uma exortação à prática da meditação.

8. A reflexão de que nesta época degenerada as emoções perturbadoras são muito fortes
é uma exortação ao emprego dos antídotos.

9. A reflexão de que nesta época degenerada as circunstancias adversas são uma exortação
à paciência.

10. A reflexão de que se pode desperdiçar a vida em várias distrações é uma exortação a
diligencia.

Essas são as dez exortações.

20
CAPÍTULO 10 - OS DEZ DESVIOS

Estes são os dez desvios:

1. Se você tem pouca confiança e muito conhecimento, isso é o risco para se tornar um
falador.

2. Se você tem muita confiança e pouco conhecimento, isso é o risco de esforço inútil.

3. Se você tiver muita energia e poucas instruções, isso é o risco de defeitos e erros.

4. Se você não eliminou previamente suas superimposições8 por meio da escuta e da


contemplação, isso é o risco da meditação sobre a escuridão mental.

5. Se uma nova instrução não é colocada em prática, isso é o risco de se tornar um


estudioso do dharma fatigado.

6. Se sua mente não estiver treinada no método - grande compaixão - isso é o risco para
o caminho do veículo menor.

7. Se sua mente não estiver treinada no conhecimento - vacuidade - isso é o risco no


caminho do samsara.

8. Se os oito dharmas mundanos não são superados, isso é o risco de que qualquer coisa
que você faça se torne um ornamento mundano.

9. Se aldeões tem muita confiança e interesse em você, isso é o risco de ter que agradar
pessoas comuns.

10. Se você tem grandes qualidades e poder, mas uma mente instável, isso é o risco de se
tornar um artista de rituais da vila.

Esses são os dez desvios.

8
“Superimposições” aqui significa acrescentar algo às aparências que está realmente
presente, como a permanência, a presença de um “self” ou a existência inerente dos
fenômenos.
21
CAPÍTULO 11 - AS DEZ CONFUSÕES DE UMA COISA COM OUTRA

Essas são as dez confusões de uma coisa por outra:

1. Pode haver confusão entre fé e desejo.

2. Pode haver confusão entre amor-bondade e apego.

3. Pode haver confusão entre a essência da vacuidade e a vacuidade que é conceitualizada


pelo intelecto.

4. Pode haver confusão entre dharmadhatu e a visão nihilista.

5. Pode haver confusão entre simples experiência e realização.

6. Pode haver confusão entre praticantes que são realizados e aqueles com experiência
relativa.

7. Pode haver confusão entre praticantes virtuosos e impostores.

8. Pode haver confusão entre sidhas e charlatões.

9. Pode haver confusão em beneficiar os outros e beneficiar a si próprio.

10. Pode haver confusão entre professores qualificados e enganadores.

22
CAPÍTULO 12 - AS DEZ COISAS INFALÍVEIS

Essas são as dez coisas infalíveis:

1. Deixar sua casa sem apego a nada, tomar os votos monásticos, sem ter um lar, é
infalível.

2. Ter o santo guru, seu professor, em alto estima, constantemente no alto de sua cabeça,
é infalível.

3. Combinar a escuta, reflexão e prática do dharma é infalível.

4. Ter uma visão correta e humildade é infalível.

5. Ter uma mente aberta e um comprometimento estrito é infalível.

6. Ter conhecimento e modéstia é infalível.

7. Ter recebido farta quantidade de instruções e ser diligente na prática é infalível.

8. Ter experiência e realização e não ser arrogante é infalível.

9. Ser um praticante independente e solitário e saber estar em harmonia na companhia de


outros é infalível.

10. Ter desapego em relação ao próprio benefício e ser hábil em beneficiar os outros é
infalível.

23
CAPÍTULO 13 - AS QUATORZE COISAS INSENSATAS

Essas são as quatorze coisas insensatas:

1. Ter obtido a existência humana e não se lembrar do santo dharma é tão insensato
quanto retornar de mãos vazias de uma ilha coberta de pedras preciosas;

2. Tendo se engajado na via do dharma, é insensato estabelecer-se como chefe de família:


é agir como a mariposa que se precipita na chama;

3. Viver ao lado de um praticante do dharma e permanecer sem fé, é tão insensato como
morrer de sede na beira de um lago;

4. O dharma não utilizado como antídoto ao apego egocêntrico e aos quatro principais
atos nocivos é desprovido de sentido, como um machado abandonado, inutilizado, ao pé
da árvore;

5. Receber instruções orais liberadoras sem utiliza-las como antídoto às emoções


perturbadoras é tão insensato como transportar, doente, um saco de remédios e não fazer
uso deles;

6. Aquele que, hábil no uso de metáforas, é incapaz de reconhecer o seu significado, é tão
insensato como um papagaio recitando orações;

7. Fazer oferendas com o produto de roubo ou escroqueria é insensato: é como lavar a


pele de carneiro apenas com água;

8. Causar mal aos outros seres com o objetivo de fazer oferenda as três (jóias) raras e
sublimes (Buda, dharma e sangha) é tão insensato como oferecer a uma mãe a carne de
seu filho;

9. Modificar o comportamento, praticar a paciência e suportar a adversidade com a única


finalidade de realizar, nesta vida, um fim egoísta é insensato: é comportar-se como o gato
que espreita o rato;

10. Realizar uma prática de dharma de grande amplitude para obter respeito e boa
reputação é tão insensato quanto trocar a joia que realiza todos os desejos por roupas e
comidas;

11. Tendo recebido numerosos ensinamentos, deixar a mente em estado ordinário é


mostrar-se tão insensato como o médico acometido por uma doença;

24
12. Ter adquirido uma grande erudição em termos de instruções liberadoras sem ter
realizado verdadeiramente a experiência da meditação é tão insensato como o homem
rico não utilizar a chave de seu tesouro;

13. Explicar aos outros o sentido de práticas sem tê-las internalizado é tão insensato como
o cego que tanta guiar outros cegos;

14. Tomar as experiências, frutos do emprego dos meios hábeis como sendo o resultado
final da prática, sem procurar o sentido da verdadeira natureza de todas as coisas, é tão
insensato quanto aquele que confunde latão e ouro.

25
CAPÍTULO 14 - AS DEZOITO FALTAS INTERIORES DE UM PRATICANTE DO
DHARMA

As dezoito faltas interiores de um praticante do dharma:

1. Retirar-se na solidão, mas permanecer preocupado com as coisas mundanas é uma falta
para um praticante do dharma.

2. Guiar uma comunidade, mas preocupar-se com os seus próprios interesses é uma falta
para um praticante do dharma.

3. Sendo versado nos ensinamentos do dharma e não se abster de cometer atos nocivos é
uma falta para um praticante do dharma.

4. Ter recebido importante instruções liberadoras e deixar, contudo, seu ser no estado
ordinário é uma falta para um praticante do dharma.

5. Embora manifestando uma conduta ética pura, conservar grandes desejos é uma falta
para um praticante do dharma.

6. Embora tendo obtido uma boa realização, conservar a mente indisciplinada é uma falta
para o praticante do dharma.

7. Tendo entrado na via do dharma, não abandonar o apego e a aversão das atividades
mundanas é uma falta para um praticante do dharma.

8. Abandonar as atividades mundanas para cultivar a prática do dharma, mas depois


retornar às atividades deste mundo é uma falta para um praticante do dharma.

9. Ter compreendido o sentido de um ensinamento e não o colocar em prática é uma falta


para o praticante do dharma.

10. Ter feito a promessa de praticar e não a cumprir é uma falta para um praticante do
dharma.

11. Dedicar-se plenamente à prática do dharma e, mesmo assim, não melhor a sua conduta
é uma falta para um praticante do dharma.

12. Embora dispondo de alimentos e roupas em quantidade suficiente, preocupar-se ainda


com isso é uma falta para um praticante do dharma.

13. Despender o poder decorrente de suas práticas virtuosas curando doentes ou evitando
“si”, é uma falta para um praticante do dharma.

26
14. Ensinar ensinamentos profundos em troca de alimento ou riqueza é uma falta para um
praticante do dharma.

15. Vangloriar indiretamente a si mesmo e denegrir os outros é uma falta para um


praticante do dharma.

16. Dar instruções aos outros, enquanto se está em desacordo com o dharma é uma falta
para um praticante do dharma.

17. Não conseguir permanecer na solidão e também não saber como permanecer na
presença dos outros é uma falta para um praticante do dharma.

18. Não saber resistir ao bem-estar nem resistir ao sofrimento é uma falta para um
praticante do dharma.

27
CAPÍTULO 15 - AS ONZE COISAS INDISPENSÁVEIS

As onze coisas indispensáveis:

1. Inicialmente, uma firme confiança reforçada por um grande medo da morte e do


renascimento é indispensável;

2. É indispensável ter um bom Lama para conduzir-nos ao caminho da Liberação;

3. O conhecimento que permite a compreensão do dharma, é indispensável;

4. O ardor à prática, sustentado pela coragem e pela resistência, é indispensável;

5. Cultivar sem complacência as duas acumulações e a prática das três instruções é


indispensável;

6. O ponto de vista justo que permite realizar a natureza essencial de todo objeto de
conhecimento é indispensável.

7. A meditação na qual a mente permanece onde é colocada é indispensável.

8. Um modo de vida no qual todos os atos são integrados à prática é indispensável.

9. Praticar as instruções que permitem combater os riscos de erro, condições adversas,


obstáculos e demônios, para que elas não permaneçam letra morta, é indispensável.

10. Ter adquirido a certeza que permite morrer sem medo, no momento em que a mente
se separa do corpo, é indispensável.

11. Obter o resultado da prática - os três corpos espontâneos de Buda -, é indispensável.

28
CAPÍTULO 16 - OS ONZE SINAIS DA SANTIDADE

Os onze sinais da santidade:

1. Ter pouco ciúme e orgulho é um sinal de santidade.

2. Ter poucos desejos e saber contentar-se com objetos de qualidade inferior, é um sinal
de santidade.

3. Não ter orgulho, soberba, nem ostentação é um sinal de santidade.

4. A ausência de hipocrisia e de dissimulação é um sinal de santidade.

5. Em qualquer ação, examiná-la com atenção e cumpri-la com circunspecção e


determinação é um sinal de santidade.

6. Manter a disciplina de conduta como se preserva a pupila dos olhos é um sinal de


santidade.

7. Manter os votos e os engajamentos de iniciação, pública e privadamente, é um sinal de


santidade.

8 . Considerar com imparcialidade equânime todos os seres e permanecer fiel aos amigos
é um sinal de santidade.

9. Suportar sem se irritar os atos nocivos dos outros é um sinal de santidade.

10. Permitir que o outro triunfe, tomando a derrota é um sinal de santidade.

11. Diferir, em pensamentos e comportamento, dos seres apegados ao mundo é um sinal


de santidade.

29
CAPÍTULO 17 - AS DEZ COISAS INÚTEIS

Essas são as dez coisas inúteis:

1. Por mais cuidado e atenção que se dedique ao bem-estar deste corpo ilusório, é inútil
porque, sendo impermanente, ele será destruído.

2. Por mais cobiça que se tenha por riquezas, é inútil, porque, no momento da morte,
parte-se nu e de mãos vazias.

3. Por mais cuidado que se tenha em construir uma bela residência, é inútil, porque, no
momento da morte, você morrerá sozinho, o próprio corpo é colocado fora de casa.

4. Não importa o que se deixa com amor aos filhos e sobrinhos, é inútil, porque, no
momento da morte, eles não poderão nem por um instante nos ajudar.

5. Não importa o que se faça por afeição para agradar aos próximos e amigos, é inútil
porque, no momento da morte, parte-se só e sem amigos.

6. Ter numerosos filhos e sobrinhos para assegurar a sucessão é inútil, porque eles
mesmos são impermanentes e os bens herdados serão, de qualquer modo, dispersados.

7. Esforçar-se, nesta vida, em expandir propriedades e autoridades, é inútil porque, no


momento da morte, parte-se sem esperança de retorno.

8. Engajar-se com confiança na via do dharma sem modificar a conduta é inútil, porque
conduziria ao renascimento nos domínios de existência inferior.

9. Quaisquer que sejam os conhecimentos adquiridos pela prática da escuta e da reflexão,


serão inúteis se não forem praticados, porque não conseguirão integrar às circunstâncias
da morte o caminho que conduz ao Despertar.

10. Se não se tem fé e respeito é inútil permanecer, ainda que por muito tempo, ao lado
de um mestre espiritual, porque as qualidades de sua superioridade e a sua influência
espiritual não poderão ser transmitidas.

30
CAPÍTULO 18 - AS DEZ COISAS PELAS QUAIS SE CAUSA A PRÓPRIA INFELICIDADE

Essas são as dez coisas pelas quais se causa a própria infelicidade:

1. Estabelecendo um lar sem ter os meios de subsistência, semelhante ao idiota que toma
veneno, causa-se a própria infelicidade.

2. Se, esquecido do dharma, comete-se atos nocivos, tal como o louco que se precipita
num abismo, causa-se a própria infelicidade.

3- Enganando o próximo, causa-se a própria infelicidade como se sentasse para um festim


envenenado.

4- O desmiolado que tenta guiar um grande número de pessoas causa a própria


infelicidade, como uma velha cuidando do rebanho.

5- Se, sem desenvolver a nobre preocupação com o bem alheio, pleno de tendências
profanas, esforça-se em obter uma felicidade egoísta, é como uma pessoa vagando pelas
estepes do Norte e causa-se a própria infelicidade.

6- Ao empreender tarefas irrealizáveis causa-se a própria infelicidade como uma pessoa


fraca tentando carregar um fardo pesado demais.

7- Desconsiderar com orgulho o santo Lama e os ensinamentos do Vitorioso é como o


poderoso que negligencia os conselhos de seus conselheiros e causa a própria infelicidade.

8- Demorando-se nas cidades e postergando, por interesse pelas atividades mundanas, a


prática do dharma, causa-se a própria infelicidade, como o animal selvagem que desce
aos vales (arriscando ser perseguido e morto).

9- Se, negligenciando a preservação do conhecimento primordial da mente, deixa-se levar


pelo espetáculo do mundo condicionado, causa-se a própria infelicidade.

10- Ao utilizar indevidamente as oferendas feitas ao Lama e às Três (Joias) Raras e


Sublimes, causa-se a própria infelicidade, como a criança que leva brasa à boca

31
CAPÍTULO 19 - AS DEZ COISAS PELAS QUAIS SE CAUSA A PRÓPRIA FELICIDADE

As dez coisas pelas quais se causa a própria felicidade:

1. Ao abandonar a aversão e o apego dos profanos para consagrar-se ao santo dharma,


causa-se a própria felicidade;

2. Ao deixar lar e amigos, para confiar-se a um santo homem, causa-se a própria


felicidade;

3. Ao abandonar a agitação do mundo para praticar o estudo, a reflexão e a meditação,


causa-se a própria felicidade;

4. Ao deixar as pessoas das cidades e as relações para permanecer na solidão, causa-se a


própria felicidade;

5. Ao cortar todos os laços com os objetos dos sentidos para ancorar-se firmemente no
não apego, causa-se a própria felicidade;

6. Ao contentar-se com posse modestas e ao abandonar toda ambição, causa-se a própria


felicidade;

7. Ao cumprir exatamente as promessas, mantendo-se independente, causa-se a própria


felicidade;

8. A não se apegar às alegrias efêmeras desta vida e dedicando-se a realizar a felicidade


estável do Despertar, causa-se a própria felicidade;

9. Ao abandonar o apego ao que é material para meditar na vacuidade, causa-se a própria


felicidade;

10. Ao praticar as duas acumulações, não deixando o corpo, palavra e a mente no estado
ordinário, causa-se a própria felicidade;

32
CAPÍTULO 20 - AS DEZ COISAS PERFEITAMENTE PURAS

As dez coisas perfeitamente puras:

1. Ter confiança na lei da causalidade constitui o ponto de vista perfeitamente puro dos
seres de capacidade inferior.

2. Realizar que todos os dharmas, internos e externos, são as quatro uniões9, constitui o
ponto de vista perfeitamente puro dos seres de capacidade intermediária.

3. Realizar que o objeto contemplado, aquele que contempla e a realização em si são


indiferenciados, constitui o ponto de vista perfeitamente puro dos seres de capacidades
superiores.

4. Permanecer focalizado sem distração no suporte escolhido constitui a meditação


perfeitamente pura dos seres de capacidade inferior.

5. Permanecer absorvido na contemplação das quatro uniões constitui a meditação


perfeitamente pura dos seres de capacidade intermediária.

6. O objeto da meditação, o sujeito que medita e a própria prática sendo indiferenciados;


permanecer na não-conceitualização constitui a meditação perfeitamente pura dos seres
de capacidades superiores.

7. Manter a disciplina de conduta como quem guarda a pupila dos próprios olhos constitui
a conduta perfeitamente pura dos seres de capacidade inferior.

8. Ter a experiência de todos os fenômenos como sendo ilusão ou sonho constitui a


conduta perfeitamente pura dos seres de capacidade intermediária.

9. Permanecer no não-agir, em todas as circunstâncias, constitui a conduta perfeitamente


pura dos seres de capacidades superiores.

10. A diminuição e a pacificação de todas as emoções perturbadoras e do apego ao “eu”


constitui o sinal perfeitamente puro de êxito para os seres das três categorias.

9
“As quarto uniões” são aparência e vacuidade; consciência lúcida e vacuidade; prazer
e vacuidade e lucidez e vacuidade.
33
CAPÍTULO 21 - AS DEZ DESORIENTAÇÕES DOS PRATICANTES

Estas são as dez desorientaçõess dos praticantes:

1. Não confiar em um guru que pratica adequadamente o dharma genuíno, mas seguir um
charlatão de fala macia é extremamente desorientador.

2. Não buscar as instruções da linhagem oral dos siddhas, mas enfatizar inutilmente o
aspecto intelectual do dharma é extremamente desorientador.

3. Não passar a vida humana em contentamento com quaisquer aparecimentos que surjam
no momento, mas elaborar planos com base na presunção de que as coisas permanecerão
iguais é extremamente desorientador.

4. Não refletir sobre o significado do dharma enquanto viver sozinho, mas ensiná-lo em
meio a um extenso séquito é extremamente desorientador.

5. Não usar o excesso de posses para oferendas e generosidade, mas acumular riqueza e
bens com ganância e por meio de fraude é extremamente desorientador.

6. Não guardar apropriadamente o samaya e votos, mas descuidadamente deixar de lado


os três portões é extremamente desorientador.

7. Não se familiarizar com realização da verdadeira natureza das coisas, mas consumir a
vida com várias atividades sem importância é extremamente desorientador.

8. Não domar a própria confusão, mas imprudentemente e tolamente tentar domar a mente
dos outros é extremamente desorientador.

9. Não nutrir a experiência que nasce na mente, mas cultivar formas de alcançar grandeza
nesta vida é extremamente desorientador.

10. Agora, quando condições auspiciosas se reúnem, não se engajar em diligência, mas
se deleitar em indolência é extremamente desorientador.

34
CAPÍTULO 22 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS

Essas são as dez coisas necessárias:

1. No início, a fé genuína que surge do medo do nascimento e da morte é necessária, como


a atitude de um cervo que fugiu de uma armadilha;

2. No estágio intermediário, é necessária uma diligencia tal que, quando chegar o


momento da morte, não haverá razão para arrependimentos, como a atitude de um
fazendeiro na colheita;

3. No final, uma mente feliz que não pode morrer é necessária, como a atitude de uma
pessoa que completou um grande esforço;

4. No início, um reconhecimento de urgência é necessário, como alguém que foi


traspassado por uma flecha;

5. No estágio intermediário, a meditação sem distrações é necessária, como os intensos


sentimentos de uma mãe cujo único filho morreu;

6. No final, o reconhecimento de que não há nada a fazer é necessário, como a atitude de


gado libertado por ativistas;

7. No início, a geração de certeza em relação ao dharma é necessária, como o sentimento


de uma pessoa faminta que encontra boa comida.

8. No estágio intermediário, a geração de certeza em relação à própria mente é necessária,


como a atitude do lutador que adquiriu a jóia;

9. No final, a geração de certeza para a não-dualidade é necessária, como a exposição da


fraude de um impostor;

10. A resolução de se estabelecer na talidade é necessária, como um corvo voando de um


navio.

35
CAPÍTULO 23 - AS DEZ COISAS DESNECESSÁRIAS

Essas são as dez coisas desnecessárias:

1. Se se realizou que a própria mente é a vacuidade, não é mais necessário praticar a


escuta e a reflexão;

2. Se se realizou que a mente é desprovida de mácula, não é mais necessário praticar a


purificação dos atos nocivos.

3. Se se permanece no caminho natural, não é mais necessário praticar as duas


acumulações.

4. Se se mantém a mente em seu estado natural, não é mais necessário utilizar o caminho
dos meios e da meditação.

5. Se se realizou que os pensamentos são dharmata, não é mais necessário meditar na


não-concepção.

6. Se se reconhece as emoções perturbadoras como sendo desprovidas de raízes, não é


mais necessário utilizar os antídotos.

7. Se se realizou que os fenômenos visuais e auditivos são ilusões, não é mais necessário
rejeitá-los ou conferir-lhes uma realidade.

8. Se o sofrimento é reconhecido como siddhi, a busca por prazer é desnecessária.

9. Se se reconheceu que a mente é não-nascida, não é mais necessário praticar a


transferência de consciência.

10. Se tudo o que se faz é para o benefício dos outros, a preocupação com o próprio
benefício é desnecessária.

36
CAPÍTULO 24 - AS DEZ COISAS SUPERIORES

Essas são as dez coisas superiores:

1. Um corpo humano dotado com as liberdades e recursos é superior a todos os outros


seres sencientes dos seis reinos.

2. Uma pessoa dotada com o dharma é superior a todas as pessoas comuns que não tem
o dharma.

3. Este veículo do significado essencial é superior aos caminhos de todos os outros


veículos.

4. Um instante de conhecimento oriundo de meditação é superior o todo o conhecimento


que surge da escuta e da reflexão.

5. Um instante de virtude não-conceitual é superior a todas as virtudes compostas que


existem.

6. Um instante de samadhi não conceitual é superior a todos os samadhis conceituais que


existem.

7. Um instante de virtude sem mácula é superior a todas as virtudes maculadas que


existem.

8. O surgimento de um instante de realização é superior a todas as experiências que


surgem na mente.

9. Um instante de conduta não conceitual é superior a toda a conduta virtuosa conceitual


que existe.

10. Estar sem fixação em qualquer coisa é superior a toda a generosidade material que há.

37
CAPÍTULO 25 - AS DEZ COISAS NAS QUAIS O QUE QUER QUE SEJA FEITO É
EXCELENTE

A seguir estão as dez situações nas quais, não importa o que você faça, é excelente:

1. Se um indivíduo cuja mente se voltou para o dharma abandona as atividades, é


excelente. Se ele ou ela não as abandona, também é excelente.

2. Se um indivíduo que cortou as superimposições na mente medita, é excelente. Se ele


ou ela não medita, também é excelente.

3. Se um indivíduo que cortou o envolvimento em coisas desejáveis age sem paixão, é


excelente. Se ele não agir dessa forma, também é excelente.

4. Se um indivíduo que realizou diretamente o dharmata dorme em uma caverna vazia, é


excelente. Se ele ou ela lidera uma grande comunidade, também é excelente.

5. Se um indivíduo que reconhece aparências como ilusórias vive sozinho em retiro, é


excelente. Se ele ou ela vagueia por toda a terra, também é excelente.

6. Se um indivíduo que realizou liberdade da mente abandona coisas desejáveis, é


excelente. Se ele ou ela participa delas, também é excelente.

7. Se um indivíduo dotado com bodhicitta pratica em solitude, é excelente. Se ele ou ela


beneficia outros em uma comunidade, também é excelente.

8. Se um indivíduo cuja devoção é sem flutuação permanece na presença do seu ou sua


guru, é excelente. Se ele ou ela ali não permanece, também é excelente.

9. Se, para um indivíduo que ouviu muito e entendeu o significado do que ele ou ela
ouviu, surjam siddhis, é excelente. Se obstáculos surgem, também é excelente.

10. Se um iogue que atingiu a suprema realização possui sinais de siddhi ordinário, é
excelente. Se ele ou ela não os possui, também é excelente.

38
CAPÍTULO 26 - AS DEZ QUALIDADES DO DHARMA GENUÍNO

Estas são as dez qualidades do Dharma genuíno:

1. O surgimento no mundo das dez virtudes, as seis perfeições, todas as vacuidades, os


fatores do despertar, as quatro nobres Verdades, os quatro dhyanas, as quatro absorções
sem forma, o amadurecimento e aspectos liberadores do mantra, e assim por diante, são
qualidades do dharma genuíno.

2. O surgimento no mundo de linhagens respeitosas de monarcas humanos, de brâmanes,


de chefes de família, os seis tipos de deuses do reino do desejo (como os quatro grandes
reis), os dezessete tipos de deuses do reino da forma, e os quatro tipos de deuses sem
forma, são qualidades do dharma genuíno.

3. A presença e o surgimento no mundo dos que entraram na corrente, os que retornarão


apenas mais uma vez, dos que não retornarão mais, dos arhats, pratyekabuddhas e Budas
totalmente oniscientes, é uma qualidade do dharma genuíno.

4. O surgimento do benefício espontâneo dos seres sencientes pelos dois corpos formais
– a compaixão auto manifestada - até que o samsara seja esvaziado, devido ao poder da
bodhicitta e das aspirações, são qualidades do dharma genuíno.

5. Uma vez que todos os excelentes meios de sustentar seres sencientes surgem
inteiramente através do poder das aspirações dos bodhisattvas, essas são qualidades do
dharma genuíno.

6. Visto que a felicidade transitória e breve que se experimenta em migrações mais baixas
em estados inferiores é devido ao mérito de ações virtuosas, esta é uma qualidade do
dharma genuíno.

7. Quando a mente de uma pessoa má se transforma em dharma genuíno e ele ou ela se


torna uma pessoa sagrada, respeitada por todos, isto é uma qualidade do dharma genuíno.

8. Quando alguém que, ao se envolver descuidadamente em transgressões, acumulou as


causas para se tornar combustível para os fogos do inferno, transforma sua mente em
dharma genuíno e alcança à felicidade dos estados superiores e da liberação, esta é uma
qualidade do dharma genuíno.

9. O prazer e respeito que todos sentem por alguém que simplesmente tem fé, ou mesmo
interesse, inclinação, ou apenas conservam os costumes no dharma, é uma qualidade do
dharma genuíno.
39
10 - O surgimento de abundantes meios de sustento para aqueles que abandonam todas
as posses e, saindo de casa, se tornam desabrigados e se escondem em eremitérios
isolados, é uma qualidade do dharma genuíno.

40
CAPÍTULO 27 - AS DEZ COISAS QUE SÃO APENAS NOMES

As dez coisas que são apenas nomes ou denominações:

1. Uma vez que a natureza da base é indescritível, “base” é apenas um nome.

2. Uma vez que no caminho não há nada a ser percorrido e ninguém a percorrê-lo,
“caminho” é apenas um nome.

3. Uma vez que na maneira como as coisas são, não há nada para ser observado e nenhum
observador, “realização” é apenas um nome.

4. Já que no estado natural não há nada em que meditar e nenhum meditador,


“experiência” é apenas um nome.

5. Já que na natureza última não há nada a ser feito e nenhum praticante, conduta é apenas
um nome.

6. Uma vez que, em última análise, não há nada a ser guardado e nenhum guarda,
“samaya” é apenas um nome.

7. Uma vez que, em última análise, não há nada a ser acumulado e nenhum acumulador,
as “duas acumulações” são apenas nomes.

8. Uma vez que, em última análise, não há nada a ser purificado e nenhum purificador, os
“dois obscurecimentos” são apenas nomes.

9. Uma vez que, em última análise, não há nada a ser abandonado e nenhum renunciante,
“samsara” é apenas um nome.

10. Já que, em última análise, não há nada a ser realizado e nenhum realizador, “fruição”
é apenas um nome.

41
CAPÍTULO 28 - AS DEZ COISAS QUE ESTÃO ESPONTANEAMENTE PRESENTE COMO

GRANDE FELICIDADE

Estas são as dez coisas que estão espontaneamente presentes como grande felicidade:

1. Uma vez que a natureza da mente de todos os seres sencientes é o dharmakaya, ela é
espontaneamente presente como grande felicidade.

2. Uma vez que na base, o domínio do dharmata, não há elaborações de características,


ela é espontaneamente presente como grande felicidade.

3. Uma vez que na realização que transcende o intelecto e está além dos extremos não há
elaborações de divisão, ela está espontaneamente presente como grande felicidade.

4. Uma vez que na experiência livre de atividade mental não há elaborações conceituais,
ela é espontaneamente presente como grande felicidade.

5. Uma vez que na conduta sem-esforço livre de ação não há elaborações de aceitação e
rejeição, ela é espontaneamente presente como grande felicidade.

6. Uma vez que no dharmakaya – espaço e sabedoria indivisíveis - não há elaborações do


apreendido e do apreender, ele é espontaneamente presente como grande felicidade.

7. Uma vez que no sambhogakaya – compaixão auto manifestada – não há elaborações


de nascimento, morte, transferência ou mudança, ele é espontaneamente presente como
grande felicidade.

8. Uma vez que no nirmanakaya – compaixão auto surgida – não há elaborações de


percepção de aparências dualísticas, ele é espontaneamente presente como grande
felicidade.

9. Uma vez que no dharmachakra da doutrina não há elaborações da visão de um eu ou


de características, ele é espontaneamente presente como grande felicidade.

10. Uma vez que na atividade de compaixão infinita não há parcialidade ou período, ela
é espontaneamente presente como grande felicidade.

Isso conclui A Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo, uma coleção de ensinamentos


imaculados recebidos pela graça dos mestres Kadampas da tradição do glorioso
Dipankara [Atisha], pai e filho [Dromtonpa], aclamados como sendo os iluminadores da
doutrina da região norte dos Himalaias, e pelos mestres dotados da sabedoria imaculada
e por yidans como Jetsum Drolma, e do rei dos Jetsuns, Milarepa, o detentor do néctar-

42
coração dos siddhas eruditos como Marpa de Lodrak e dos seres supremos Naro e Maitri,
renomados na Índia como sendo o sol e a lua. Esse texto foi escrito por Sonam Rinchen,
o meditador de Nyi, de Dakpo, à Leste, detentor dos tesouros das instruções Kadampa e
mahamudra.

Colofão

Nas palavras do Senhor Gampopa: “Para todos os indivíduos do futuro devotos a mim
que considerem que não puderam me encontrar: Por favor, leiam os meus tratados A
Guilanda Preciosa do Caminho Supremo e O Ornamento da Preciosa Liberação. Será o
mesmo que me encontrar pessoalmente. ” Uma vez que ele disse isso, oh afortunados
devotos do Senhor Gampopa, sejais diligentes na propagação desses textos.

[Dedicatória ao patrocinador dos blocos de madeira, Tsering Dondrup]

O grande sol da vitória dos ensinamentos,

Dzamling Dragpa, de auto da compaixão pelos seres,

Compôs a preciosa guirlanda do caminho supremo.

De forma a servir os ensinamentos nesta vida,

Por essa razão, no longo prazo, que todos os nossos queridos pais mães que preenchem o
espaço,

Possam alcançar as duas aspirações e realizar o verdadeiro estado de Buda,

E espalhar os ensinamentos do Vitorioso em todas as direções, por meio da explicação e


da prática,

Esses blocos de madeira foram produzidos no monastério do Karmapa;

Onde permanecem. Possam eles guiar os devotos.

Sarva mangalam.

43
PARTE II - COMENTÁRIOS DE KHENPO KARTHAR
RIMPOCHE

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44
CAPÍTULO 1 - AS DEZ CAUSAS DE LAMENTAÇÃO

Gampopa diz que aqueles que quiserem obter a liberação, bem como o estado de
onisciência ou a completa budeidade, devem se lembrar constantemente das dez causas
de lamentação.

A primeira das dez causas de lamentação é a má-conduta. O ponto aqui é que a única
causa possível para se experimentar uma existência humana, que é a base para a prática
do dharma, é manter uma conduta ética pura. Uma vez que raríssimos seres preservam,
de alguma forma, uma conduta moral genuína, muito poucos alcançam uma existência
humana. Em geral, as pessoas não praticam o que é virtuoso, mas se engajam naquilo que
é nocivo – má-conduta. Até que se renuncie à má-conduta, a pessoa jamais alcançará a
liberação do sofrimento ou mesmo livrar-se dos domínios inferiores de existência, o que
dirá da omnisciência, e não terá qualquer habilidade para beneficiar os demais. Portanto,
a primeira coisa a se lamentar é uma má-conduta.

A segunda causa de lamentação é desperdiçar a preciosa existência humana, dotada das


oito liberdades e dez aquisições10. De fato, é importante considerar que somente um ser
dotado dessa preciosa existência humana, com essas dezoito características, dispõe das
habilidades para a prática do dharma. A primeira causa de lamentação envolve a conduta
que impede um nascimento humano. Aqui, estamos preocupados nas ações que nos
impedem de obter uma existência humana particular denominada “preciosa existência
humana”, dotada das oito liberdades e dez aquisições.

A terceira causa de lamentação é a distração sem sentido e as ocupações sem sentido. A


época em que vivemos é chamada “era decadente”. Dentre os aspectos dessa decadência
está o fato de que nossa vitalidade é muito fraca. Existem poucos fatores que nos mantém
vivos, mas muitos que nos conduzem à morte. Além disso, a morte pode ocorrer muito
rapidamente e por um grande número de causas. Assim, é importante lembrar-se que não

10
As oito liberdades são: não ter nascido nos infernos, como espírito faminto, animal,
semideus ou deus, não ter cometido ações hediondas, num kalpa negro ou não ser
mudo/surdo. Quanto às dez aquisições, cinco são aquisições pessoais: ter um corpo
humano, com todos as faculdades, ter nascido num local onde o dharma exista, ter
encontrado o dharma, ter confiança no dharma; e cinco são circunstâncias exteriores: o
Buda ter ensinado, os seus ensinamentos estarem disponíveis, poderem ser praticados,
existir queles que possam ensiná-los e haver as condições necessárias para a sua prática.
45
há tempo a perder. Portanto, a terceira causa de lamentação são as atividades de mera
perda de tempo, ou seja, distrações.

A quarta causa de lamentação é o vício pela conceitualização e as aflições subsequentes.


É dito que a verdadeira natureza da mente como ela é – a mente em si – é o dharmakaya.
Todas as qualidades do dharmakaya estão espontaneamente presentes em nós. Elas são o
que realmente somos. Entretanto, ao não reconhecermos isso, tendemos a seguir os
pensamentos viciados que surgem na mente. Somos capturados pelas aflições mentais
que eles produzem e isso o reconhecimento da mente.

A quinta causa de lamentação é a situação na qual rapidamente desenvolvemos um


desgaste na relação de confiança pelo professor e na prática de suas instruções. É
importante compreender que a única base possível, a partir da qual podemos alcançar a
liberação do intenso sofrimento do samsara, é receber e praticar as instruções especiais
dos nossos lamas. Desconsiderar o valor de se receber e praticar tais instruções para
engajar-se em vários tipos de atividades sem sentido é a quinta causa de lamentação.

A sexta causa de lamentação é a situação na qual o praticante danifica ou destrói qualquer


um dos três votos. Em geral, diz-se que o único recipiente por meio do qual podemos
cruzar o oceano de sofrimento samsárico e alcançar o domínio da grande felicidade, o
domínio da liberação, o estado de budeidade, é o excelente vaso dos três tipos de votos
ou compromissos. Eles são: 1) o voto exterior da liberação individual (voto pratimoksha);
o voto interior (voto de boddhisatva)11, e 3) os votos vajrayana ou samaya. Permitir que
esses três votos sejam danificados por meio de intensas aflições mentais (klesha) ou mero
descuido é causa de lamentação.

A sétima causa de lamentação é descontinuar a prática após ter alcançado uma pequena
realização por meio da confiança num amigo espiritual ou guru. Tendo alcançado alguma
realização, você pode tornar-se facilmente distraído por atividades mundanas,
abandonando as instruções e a prática e, assim, impedindo um desenvolvimento maior da
experiência e realização.

11
Boddhicitta, “a mente do despertar” combina amor-bondade e compaixão ilimitada por
todos os seres sencientes com a sabedoria que reconhece a natureza de todos os
fenômenos como sendo vazios de uma existência inerente.
46
A oitava causa de lamentação é a situação na qual não tendo uma realização genuína,
mas tendo ouvido uma grande quantidade de ensinamentos profundos dos siddhas da
linhagem, você repete suas instruções a muitas pessoas visando atrair estudantes e tornar-
se rico, popular e poderoso. Você engana muitas pessoas fingindo ter realização. Essa é
a oitava causa de lamentação.

A nona causa de lamentação é a atividade que prejudica outros seres sencientes. Isso deve
ser evitado, uma vez que todos os seres sencientes têm sido nossos pais e, enquanto nossos
pais, têm sido extremamente bondosos conosco. Outra razão é que a boddhicitta
altruística é a espinha dorsal do caminho para a liberação. Portanto, é necessário abrir
mão de toda a conduta rancorosa e especialmente aquelas que verdadeiramente
prejudicam os outros. É importante lembrar que a geração e aplicação da boddhicitta
dependem inteiramente da interação com os demais seres sencientes. Portanto, é
necessário ter todos os seres sencientes como objetos de compaixão e realmente gerar
compaixão por esses seres.

A décima causa de lamentação é a procrastinação, e o que se perde é o corpo, palavra e


mente – as três portas. Especialmente quando se é jovem, com o corpo é forte, a mente
clara e a palavra flexível, você não se engaja na prática do dharma porque se sente
impelido às atividades mundanas. Enquanto faz isso, você pensa, “Eu vou praticar o
dharma quando for mais velho, quando as coisas se acalmarem um pouco”. Então, não
praticando quando se é jovem, você vê que quando fica mais velho não pode praticar
porque não tem o hábito de fazê-lo. Você já não é mais tão forte como antes, é mais difícil
aprender as coisas e daí por diante. Esse tipo de procrastinação é definitivamente causa
de lamentação.

Essas são as dez causas de lamentação.

47
CAPÍTULO 2 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS

Gampopa em seguida apresenta as dez coisas necessárias, para uma correta prática do
dharma.

A primeira delas constitui em manter o comprometimento à prática do dharma até a sua


conclusão, seja de forma geral ou especifica, qual você esteja fazendo no momento. Se
você não possuir tal comprometimento, você facilmente será levado por opiniões,
conselhos e conversa de outros, e acabará não concluindo aquilo que começou. Para
manter um forte comprometimento, você deve saber com detalhes e precisão os pontos
essenciais da pratica que esta fazendo. Esse comprometimento vai crescer ao
considerarem-se as dez causas de lamentação.

A segunda coisa necessária é por meio da fé e diligência realizar as vontades e instruções


do seu lama. Fé é praticar e cumprir com satisfação, as instruções dadas pelo lama, pelo
fato de reconhecer os benefícios de fazê-la. Diligência é, com entusiasmo, realizar
efetivamente as instruções dadas, na qual se tem confiança. Através desta forte fé e
intensa diligência você é capaz de colocar as instruções do seu lama realmente em prática.

A terceira coisa necessária é praticar perfeitamente, com habilidade e compreensão, as


instruções do seu lama. Embora as instruções não possuam defeito, a forma que você as
emprega pode sim ser defeituosa. Por exemplo, se você tentar praticar o mantra secreto,
sem qualquer renúncia do samsara e sem ter gerado a boddhicitta, embora as instruções
do mantra secreto sejam profundas e imaculadas, a sua prática será totalmente ineficaz e
não gerará qualidade alguma. Por isso é importante colocar o dharma em prática com
habilidade e com a compreensão da sua sequência correta.

A quarta coisa necessária é preservar na prática uma forte confiança nos ensinamentos e
a visão correta sobre os seus significados. Significa colocar as instruções do lama em
prática, sem confundir o seu significado, de acordo com as intenções do lama de como
ela deve ser realizada. Sherab (ou prajna em sânscrito) – que significa conhecimento
transcendente - vem da perspectiva de que só através de uma visão (“insight”) inquisitiva
sobre o significado das instruções que recebeu, você será capaz de praticá-las
apropriadamente.

Além disso, essa pratica deve ser prolongada até você gerar a extensão das qualidades
que o seu lama possui, adquirindo a mesma realização que ele. Pela fé inabalável ou

48
confiança no valor e eficácia, você persevera na pratica. Então, a quarta coisa necessária
é a perseverança correta na pratica através da visão e confiança.

A quinta coisa necessária a se manter inclui a plena atenção (“mindfulness”), a vigilância


e a prudência. Você deve estar consciente da conduta que deve ser adotada ou
abandonada. Você deve estar atento e alerta na medida empregada da atenção.
Finalmente, a partir da plena atenção e vigilância, você deve ter o cuidado de reparar
quaisquer falhas ou desvios.

Se você aplicar estas três qualidades, seu corpo, fala e mente serão puros dos defeitos de
conduta defeituosa. Por outro lado, se você não tiver a plena atenção, você não vai
lembrar-se do que deve ser adotada ou abandonada. Se não tiver a vigilância, nada em
sua conduta lhe permitirá ver atentamente o que você está fazendo. Mesmo se você se
lembrar do que deveria fazer, não será capaz de realizar, porque você estará perdido.

Se não houver prudência, quando você começa a se perder na conduta com defeito, não
terá maneira de trazê-la de volta, por não ter o hábito da atenção plena ao que você está
fazendo.

O resultado da falta destas três qualidades são que seus votos e o samaya serão
prejudicados. Portanto, antes de se reunir com os inimigos da distração, você deve cercar-
se com a armadura da plena atenção, vigilância e prudência, de modo que quando você
for "atacado" não será destruído.

A sexta coisa que é necessária também são compostas de três pontos: a armadura do
comprometimento, a coragem e a estabilidade na prática. Através da armadura do
comprometimento, você não renúncia o seu compromisso com a prática. Através da
coragem, os obstáculos e problemas que surgem durante a vida ou durante a prática não
afetam a você. Você não permite que esses obstáculos e problemas, o afastem da prática,
faça-o desistir de praticar. Através do seu comprometimento e coragem, você cria uma
estabilidade em sua prática que é inabalável e sem medo, e impede que você seja afastado
da prática por força de circunstâncias inesperadas. Se você se permite ser desviado da
prática pelo menor incidente que seja, por obstrução ou a sua interrupção então você é
pior do que qualquer pessoa mundana. Pessoas em atividades mundanas têm grande
paciência diante de interrupções e obstáculos. Portanto, é muito importante para os
praticantes do dharma mostrarem o mesmo comprometimento e coragem.

A sétima coisa necessária é estar livre do apego (tchag mei) e da ausência de vício (zhen
mei). A frase tibetana para este significado, literalmente; “não deixe o seu anel de nariz
49
ser pego por outros”. As vacas têm em seu nariz uma argola, para ser facilmente levadas,
através de uma corda. Se você é livre de qualquer tipo de apego ou vício de lugares
específicos, de pessoas, dos seus bens, de experiências prazerosas dos cinco sentidos, ou
de objetos desejáveis que possam ser experimentados pelos cinco sentidos, então você
está no controle de si mesmo e ninguém pode controlá-lo. No entanto, ter apego às
condições agradáveis e situações particulares é o mesmo que ter uma argola no seu nariz,
com uma corda amarrada, e na outra extremidade uma pessoa puxando, para onde quer
que ela queira que você vá. Apenas quando você possui uma argola ao redor de sua
própria cabeça, sem deixá-la sobre o controle de ninguém, é que você poderá praticar o
dharma.

A oitava coisa necessária é que sua prática deve ser abraçada pela tríplice excelência. A
primeira das três excelências é a pura motivação. No início de qualquer sessão de prática
deve-se gerar o pensamento ou intenção que por meio dessa prática todos os seres
sencientes possam ser levados ao estado de Buda completo. A segunda excelência é que,
durante o corpo principal da sessão, você mantenha sua mente em um estado livre de
elaboração, livre de elaboração conceitual da prática. A terceira excelência é no final selar
com a dedicatória, não somente pelo mérito acumulado da sessão, mas também pelo
mérito acumulado por todos os seres sencientes dos três tempos: passado, presente e
futuro. Todo mérito é dedicado para a liberação completa e onisciência de todos os seres.
Se a sua prática é abraçada por essa tríplice excelência no início, no meio e no fim,
resultará na dupla acumulação de mérito e sabedoria. Através da motivação correta,
meditação e dedicatória, você terá acumulação de mérito. Marcando toda a prática com o
selo da não conceitualização, que é livre de elaboração, você realizará a acumulação de
sabedoria.

A nona coisa necessária é o firme desenvolvimento da bondade-amorosa e compaixão,


por meio do qual você beneficia outros em ambas as formas, direta e indireta. Bondade
amorosa é o desejo de que todos os seres sencientes possam ter a felicidade e as causas
da felicidade. Através da bondade amorosa, você se engaja na conduta, que é necessária,
para trazer, a curto prazo, benefício direto para os seres. Em longo prazo, de forma
indireta, você faz as aspirações de que, por meio de sua prática, todos os seres sencientes
possam vir a atingir a felicidade suprema do estado de Buda. A compaixão é o desejo de
que todos os seres sencientes fiquem livres do sofrimento e das causas do sofrimento.
Com esta motivação, você beneficia os seres sencientes diretamente, liberando-os a partir

50
de situações de sofrimento e, indiretamente, por meio da aspiração de que sua prática seja
a causa de liberação total de todos os sofrimentos do samsara.

A décima coisa necessária é por meio da aplicação da sabedoria ou insight (sherab),


evitar o defeito de reificação. Consiste em primeiro lugar, compreender intelectualmente
e, segundo, realizar ou adquirir a experiência direta, que todas as coisas que percebemos
não possuem substancialidade e nem características inerentes. O primeiro é entender que
todas as coisas que percebemos não passam de meras experiências; são, em si, apenas
elaborações mentais ou fabricações. O segundo é a realização plena de que a verdadeira
natureza ou modo de ser de todas as coisas é livre de elaboração, ou seja, livre de qualquer
mácula que pudesse ser produzida por suas aparentes características.

Este texto está dividido em capítulos contendo dez itens cada, e nós já passamos pelos
dois primeiros. Uma compreensão apropriada de cada capítulo depende da memória do
anterior. O entendimento do segundo capítulo depende da compreensão do primeiro e
conforme seguimos adiante nos próximos capítulos, se faz necessário o entendimento dos
anteriores. Por exemplo, se você estudar um dos capítulos do final do texto, eles não farão
muito sentido caso se desconsidere o conteúdo do material que os precede. Portanto, peço
que não se esqueçam desses dois primeiros capítulos contendo dez itens cada.

51
CAPÍTULO 3 - AS DEZ COISAS NAS QUAIS DEVEMOS CONFIAR

Em seguida, discutirei as dez coisas em que devemos confiar, a fim de gerar as qualidades
associadas com a prática do dharma. Desta forma, as virtudes que cultivamos na prática
do dharma irão florescer e não serão prejudicadas ou atingidas por quaisquer defeitos.

A primeira coisa em que devemos confiar é um santo lama que possui realização e
compaixão. O lama deve possuir realização, porque um mestre que não tem realização ou
experiência efetiva é como uma pintura da água, que não pode saciar a nossa sede, ou
uma pintura do fogo, que não pode nos aquecer. Portanto, o lama deve possuir compaixão.
Se a lama só tem realização, mas não tem compaixão, ele ou ela não irá ensinar ajudando
os seres sencientes a desenvolver qualidades virtuosas e abandonar os defeitos. Assim, a
primeira coisa em que devemos confiar é num lama que possui tanto realização como
compaixão.

A segunda coisa em que devemos confiar é num local solitário, prazeroso e esplendoroso
para praticarmos. Tendo recebido completamente as instruções do lama com as
qualidades descritas, temos que confiar em tal ambiente, a fim de colocar essas instruções
em prática.

O ambiente deve ter quatro características: em primeiro lugar, deve ser um lugar de
solidão. Devemos estar isolados das distrações, caso contrário não seremos capazes de
praticar. Em segundo lugar, ele deve ser agradável, e isso significa um lugar onde não
estejamos afligidos por frio ou calor excessivo ou outras coisas que perturbam a mente e
o corpo, criando obstáculos para a prática. Em terceiro lugar, deve ser esplendoroso, o
que significa um lugar que tem sido envolvido pelo esplendor dos siddhas da linhagem.
Se possível, é melhor um ambiente onde os grandes praticantes do passado já tenham
praticado nele. Caso contrário, um lugar solitário e agradável já é suficiente. Em quarto
lugar, o ambiente deve ser um deserto ou lugar selvagem. O termo tibetano é gompa, que
também significa mosteiro. Mas aqui isso não significa um mosteiro formal, onde há
stupas e onde lamas e monges estão vivendo. Isso significa um lugar que está a uma
distância razoável de outras habitações, e não no meio de uma cidade onde existem
distrações.

A terceira coisa em que devemos confiar é em companheiros que estão em harmonia


com nós mesmos, na conduta e na força de vontade. A primeira característica, a harmonia
na visão, significa que as pessoas com quem vivemos e praticamos devem ter o
compromisso, assim como nós, de alcançar a liberação. A segunda, a harmonia na

52
conduta, significa que os nossos companheiros e amigos também adotam todas as
condutas apropriadas, quer seja a de um monge completamente ordenado, um novato ou
um discípulo leigo. A terceira característica, ter uma boa atitude, significa que eles
estejam livres da paranóia que criam situações de desarmonia intensa, que o conflitam
com os objetivos da prática. Em outras palavras, não devemos viver com pessoas que
estão constantemente pensando: "Ele está com raiva de mim. Ela está com ciúmes de
mim. Eu não gostei do jeito ele que disse isso. Eles estão causando problemas. Seria
melhor me livrar deles”, e assim por diante. Eles não devem ter de uma mentalidade que
cria desarmonia. Assim, a terceira coisa em que devemos confiar é em companheiros que
possuem essas três características. Se depender desses companheiros, ao invés destes
serem fontes de distração nossos companheiros nos ajudarão a alcançar a libertação, e nós
poderemos fazer o mesmo.

A quarta coisa que devemos confiar é no modo de vida moderado, tendo reconhecido os
defeitos dos excessos. Se não formos moderados na forma em que exigimos os alimentos,
roupas, etc, vamos enlouquecer buscando estas coisas. Moderação consiste em ter roupas
suficientes e abrigo para não congelar ou ficarmos sem-teto, e comida o suficiente para
não morrer de fome. O objetivo é usar essas condições externas para nos manter a fim de
praticar. Devemos evitar preocupações excessivas questionando se as coisas são
prazerosas ou não, por exemplo, o sabor da comida que comemos. É recomendado que
tomemos o nosso sustento, como se fosse um medicamento. Quando você está tomando
remédio para curar uma doença que você não pensa "Gosto deste medicamento O gosto
é bom, é doce Eu não gosto deste remédio; isso não tem um gosto muito bom." Você o
toma, porque ele vai curar a doença. Da mesma forma, você deve comer e beber para
sobreviver, para que você seja capaz de praticar, e não para apreciar o sabor da comida.
Além disso, se você está constantemente tentando adquirir melhor comida, a melhor
roupa, e assim por diante, o esforço de tentar adquirir essas coisas cria uma grande
dificuldade. Então, se você os adquiri, eles se tornam fontes de distração, pois sua mente
está voltada para apreciá-los, ao invés de praticar o dharma. Você acaba sendo
atormentado pelo apego. Assim, é importante ser cuidadoso e atento com o uso dos
recursos externos.

Foi dito pelo Buda que se você comer mais do que precisa, torna-se um obstáculo à
meditação. Você começa a se sentir pesado, e muito de sua energia é dirigida para o
processo de digestão que não restará nada para a meditação. Recomenda-se que você
preencha um terço do seu estômago com comida, um terço com líquido, e se deixe um

53
terço vazio. A questão não é medir a quantidade de comida consumida, mas simplesmente
que esta seja apropriada para o consumo e que seja regular.

A quinta coisa é que devemos confiar imparcialmente nas instruções da linhagem dos
siddhas. Isto significa que não devemos ser demasiadamente seletivos. Não devemos
pensar, "Eu vou escolher isso, mas vou deixar aquilo de fora. Posso esquecer isso. Aquilo
não se aplica a mim. Eu não preciso disso. "Isso significa ter um respeito imparcial e
veneração para todas as instruções autênticas que vêm das linhagens diferentes de yogis
despertos. É importante receber formalmente a transmissão (lung) e a instrução (tri) para
o qualquer tema que estivermos estudando. No entanto, também é adequado ler textos de
instruções profundas que encontrarmos. É bom fazê-lo de maneira imparcial porque neste
momento não sabemos o que irá desencadear a nossa realização. Entre as instruções que
encontrarmos, nós ainda não sabemos qual delas que pode gerar a compreensão da
natureza da mente. Portanto, é importante não rejeitar qualquer instrução autêntica que
surge em nosso caminho.

A sexta coisa é que devemos confiar em substâncias, remédios, mantras, e várias


condições que são benéficas para nós mesmos e para os outros. Não devemos desenvolver
a atitude: "Eu sou um yogi de grande realização e, portanto, eu não preciso de nada. Se
eu ficar doente eu não preciso de remédios, eu não preciso ter cuidado em qualquer coisa
externa...". Enquanto você não tiver aperfeiçoado sua realização, de alguma forma você
está à mercê de seu corpo, que é composto por quatro elementos. Portanto, você tem que
gerar as condições que sustentam o equilíbrio destes elementos, tudo aquilo que traz boa
saúde. Você não deve rejeitar um tratamento médico correto, tampouco outros métodos
profundos que são benéficos para sua saúde.

Da mesma forma que você não deve negar essas coisas para os outros. Você não deve
pensar que não há benefícios para os outros ou que seja algo superficial ou sem
importância proporcionar remédios, alimentos e outras coisas, porque tudo isso tem um
genuíno benefício para os demais se forem adequadamente administrados. Você não deve
pensar: "Eu sou um yogi, seguindo a tradição de yoga. Posso rejeitar a ciência. Posso
rejeitar a medicina. Estas são coisas mundanas de nenhum significado duradouro." Na
verdade, todas estas coisas que podem ser de grande benefício não devem ser rejeitadas.

A sétima coisa é que temos de confiar no alimento adequado com nosso estado de saúde
e constituição, e métodos que praticam aquilo que está de acordo com as nossas
capacidades.

54
No que se refere a comida, não é importante realmente gostar da comida que você come.
Se um alimento é doce e delicioso, mas prejudicial para a sua saúde, você deve evitá-lo.
Se você encontrar um alimento desagradável, mas muito benéfico para a sua saúde e
longevidade, você deve confiar nele.

Em relação à prática do dharma, esta deve ser de acordo com a sua compreensão e
habilidades. Se alguém tem uma atitude muito limitada, pavor dos atos profundos e da
profunda compreensão dos bodhisattvas é melhor que essa pessoa a pratique o veículo
menor, porque ele ou ela será naturalmente atraído para a paz de libertação e desejará
escapar dos sofrimentos do samsara. Seria inapropriado para essa pessoa ir diretamente
para a prática Mahayana. Da mesma forma, alguém que chegou ao ponto de ser capaz de
praticar o Mahayana, mas que não tem fé ou compreensão real do Vajrayana ou mantra
secreto, deveria praticar o Mahayana, e em particular o Sutrayana. Os ensinamentos
Vajrayana são especialmente profundos e podem levar ao estado de unidade, o estado de
Vajradhara12 em uma vida, mas isso não pode acontecer com alguém que não tem fé
neles e não tem nenhum conhecimento sobre seu verdadeiro significado. Por esta razão,
embora o estado último de Buda eventualmente seja atingido através da prática do mantra
secreto, o Buda não ensinou apenas um veículo. Ele ensinou todas os diversos métodos e
estágios, para que os seres sencientes de várias capacidades possam gradualmente
amadurecer até o ponto onde possam praticar esses ensinamentos últimos.

O oitavo é que temos de confiar em técnicas de meditação e modos de conduta que


realmente ajudam a nossa experiência na prática. Devemos praticar de tal forma que
estejamos com nossa atenção verdadeiramente focada na prática que estamos fazendo, e
não misturar essa prática com outras coisas que são inapropriadas ao contexto.

Por exemplo, se você está praticando a meditação da tranquilidade ou shamata, é


importante que você continue com a prática até que você gerar a certeza sobre o seu
benefício e uma certa estabilidade da mente, até o ponto em que você pode partir para a
prática da introspecção ou meditação vipasana. No entanto, se no meio da prática shamata
você começar a executar uma análise associada com a prática vipasana, então você
destruirá sua prática incipiente de shamata. Você não chegará a lugar algum, porque você
não está praticando o que você se propôs a praticar.

12
Vajradhara é o Buda Dharmakaya, considerado a origem da linhagem Kagyu.
55
Da mesma forma, se você estiver fazendo uma prática simples, que não depende de
análise extensa, não é apropriado envolver-se em uma análise complexa, ainda que isso
possa parecer correto. Ou então, se você estiver envolvido em uma prática que depende
de algumas análises, se descartar essa análise e simplesmente descansar em um estado de
simplicidade, isso prejudicaria a sua prática, mesmo que isso seja adequado em outra
circunstância. No que diz respeito ao modo de conduta, é importante o que você faz, sua
postura física e assim por diante, devem ser adequadas à prática que esteja fazendo. O
exemplo mais óbvio é, quando você está fazendo a primeira parte das práticas
preliminares13, ngondro, você não se senta como na a prática shamata; no lugar disso faz
prostrações e assim por diante. Além disso, você recita a oração de refúgio enquanto você
está fazendo as prostrações, e não pratica shamata. É importante que todos os aspectos
de sua prática sejam harmoniosos e unificados.

A nona coisa em que confiar é nos estudantes dignos que têm fé e respeito, e essa
confiança deve ser em alguém que, tenha atingido algumas qualidades associadas ao
caminho, e está atuando como um amigo ou mestre espiritual para os demais. Quando o
mestre começa realmente a possuir essas qualidades, é preciso que ele decida em quais
situações e quando é apropriado ensinar. A decisão não deve ser baseada em quantas
pessoas se pode reunir para ensinar, e o quanto você poderia dizer-lhes. Deve-se escolher
o que se diz e para quem, com base no que é realmente adequado e necessário para a
audiência.

De um modo geral, os alunos do dharma devem ter os três tipos de fé. O primeiro é a fé
de clareza, é uma noção clara do valor do dharma, portanto, uma natural e sincera
apreciação por ele. A segunda é a fé do desejo, é o desejo intenso de alcançar as
qualidades dos Budas e boddhisattvas. O terceiro tipo é a fé da confiança, que é a
convicção do aluno de que o dharma é a melhor maneira de viver, e que a prática é uma
forma digna de utilizar o tempo. No que se refere ao respeito, os alunos deverão ser
capazes de reconhecer seus próprios defeitos e valorizar as qualidades de seu mestre.

13
Ngondro são as preliminares ou as práticas fundacionais do vajrayana. As quatro
preliminares comuns ou os quatro pensamentos que dirigem sua mente para o dharma
são a contemplação sobre a preciosa existência humana, impermanência, causa e efeito
associado ao karma e sofrimentos do samsara. As quatro preliminares especiais são:
prosternações para tomada de refúgio e geração da boddhicitta, prática de purificação de
Vajrasattva, oferenda de mandala e acumulação de mérito e prática de guru yoga para
recebimento de bênçãos da linhagem.
56
Respeito no contexto do dharma, significa que os alunos devem considerar o seu
professor da mesma forma que eles consideram um médico, que prescreve o remédio
apropriado para alguém que está sofrendo de uma doença grave.

Para o mestre é importante abandonar dois extremos. Um é pensar: "Eu sou um yogi que
transcendeu as atividades mundanas. Portanto, não importa quantos alunos qualificados
se aproximam de mim eu não vou dizer-lhes qualquer coisa, porque eu estou além dessa
comunicação com outras pessoas." Se os alunos qualificados aparecerem e você está
qualificado para ensinar, você deve fazê-lo. O outro extremo é pensar: "Eu sou um yogi
com algumas qualidades. Portanto, eu deveria ensinar o que puder para todos que
conheço." O perigo do segundo extremo é que, quando você ensinar as pessoas que não
tem nenhum respeito pelo dharma, isso será desperdiçado porque as pessoas não serão
beneficiadas pelo ensinamento. Não só não serão beneficiadas, na verdade a falta de
respeito pelo dharma e pelo mestre crescem à medida que o tempo passa, por receberem
o ensinamento sem fé e respeito. Assim, ensinar sem os devidos cuidados é uma maneira
muito eficaz de criar condições para si mesmo e para os outros, de renascimento nos
reinos inferiores.

A décima coisa sobre a qual temos de confiar é manter contínua consciência e plena
atenção ao longo dos quatro tipos de atividades. Os quatro tipos de atividades são: comer,
dormir, andar e sentar. Devemos estar conscientes de que estamos fazendo em todas as
situações, com destaque para essas quatro.

É particularmente importante proteger todos os nossos votos nosso samaya, sejam eles
quais forem. Devemos considerar a proteção de votos e samaya do jeito que
consideraríamos a proteção de uma joia extremamente valiosa que nos foi confiada. Se
soubermos que em algum lugar lá fora existem ladrões à espera de uma chance de roubar
esta joia, estaremos constantemente atentos para evitar que a joia seja roubada. Da mesma
forma, para manter nossa disciplina devemos sempre observar nossas mentes, porque os
ladrões que roubariam a joia da nossa disciplina são as aflições mentais que surgem na
mente. Quando aflições mentais assumem a mente, começam a produzir conceitos e
pensamentos aflitivos, que levam a atos negativos. Desta forma, é especialmente
importante observar a mente em todos os momentos.

Há duas explicações comuns e incomuns de como manter contínua consciência e plena


atenção ao longo das quatro atividades. A explicação comum é: quando se estiver
comendo, fazê-lo moderadamente, como foi explicado antes. Quando você dormir, fazê-
lo com a intenção virtuosa de se levantar na manhã seguinte e usando todo o seu tempo
57
para a prática do dharma. Quando você está andando, ter o cuidado para evitar pisar em
insetos ou prejudicar outros seres sencientes. Ao sentar-se, tome cuidado para não
esmagar os insetos escondidos sob as almofadas, ou prejudicar quaisquer seres. Essa é a
forma como a consciência comum é dirigida.

A atenção incomum do mantra secreto é baseada nestes preceitos mencionados, mas


acrescenta-lhes outras práticas: Quando você está comendo, considerar o seu corpo como
a mandala de todos os Vitoriosos, e oferecer seu alimento a eles como substâncias de um
banquete. Quando você está indo dormir, meditar sobre a luz clara associada com o sono,
o que pode fazer recitando um mantra, repousando a mente em um estado de não-
conceitualização ou não-fabricação, e assim por diante. Quando caminhar, visualizar o
seu guru raiz acima do seu ombro direito imaginado que você o está circumbulando. Ao
sentar, visualizar o seu lama raiz acima de sua cabeça em todos os momentos. O ponto de
ambas as explicações comuns e incomuns é preservar contínua consciência e a plena
atenção em todos os momentos, porque estes são a fundação ou base de todo o dharma.

Estas são as dez coisas nas quais deve-se confiar, desde o início de sua prática do dharma,
até a realização da fruição completa. Dentre elas, a primeira naturalmente, é o mestre
correto. Devemos confiar nestas dez coisas de modo a nunca nos separarmos delas, assim
como corpo nunca está separado de sua sombra.

58
CAPÍTULO 4 - AS DEZ COISAS A SEREM ABANDONADAS

A primeira delas é um professor ou um mestre cujas ações estão todas misturadas com
os oito dharmas mundanos14. Embora esses professores possam dar explicações muito
profundas e terem muito conhecimento, todos eles estão preocupados e dirigem suas
ações para a aquisição de bens para si próprios e seus seguidores, receberem elogios,
bajulações e ficarem famosos. Eles estão muito preocupados com a perda de seus bens
pessoais, evitam qualquer forma de crítica e situações nas quais as pessoas não vão adulá-
los. Eles têm muito medo em terem uma má reputação. Embora eles pareçam bem e falem
bem, e tenham informações de muitos aspectos do dharma, não tem realização e não são
professores genuínos. Por essa razão devem ser abandonados.

A segunda coisa que deve ser abandonada é o “séquito” e companheiros que prejudicam
o seu estado mental e a sua prática. “Seguidores” são os estudantes, caso você seja um
professor, e se você está numa posição de autoridade, aqueles sob sua autoridade
espiritual ou mundana. Companheiros significam amigos, pessoas com quem você vive,
família, e assim por diante. É importante ficar longe de pessoas que representem
obstáculos a sua prática e gerem aflição mental, pois não são uteis. Há um ditado
tradicional na linhagem Kagyu, “Fique longe do seu local de nascimento”. Isto é porque
no local de nascimento normalmente há pessoas a quem você está apegado e pessoas a
quem você tem grande aversão. Por esta razão os iogues têm tendência a vaguear, partir
para lugares onde as pessoas não os conheçam. Por que as pessoas não os conhecem, há
poucas interrupções em suas práticas. Você pode pensar que é necessário continuar
associado às pessoas a que você tem apego, mas não é esse o caso. Você não pode
realmente ajudá-las, pois se elas prejudicam sua prática, elas estão se prejudicando e a
você também. No final, você acaba prejudicando a elas e a si próprio.

A terceira coisa que deve ser abandonada são os lugares nos quais há muitas distrações
ou perigos. Mesmo que você tenha abandonado seu lugar de nascimento, se você for para
um local onde haja um monte de coisas mundanas que você pode fazer em vez de praticar,
onde há muitas experiências desejáveis que você pudesse ter do que a prática, isto será
um obstáculo para a prática. Na verdade, isto não é melhor do que estar em seu local de
nascimento. Por outro lado, mesmo que você esteja em um local solitário, este pode ser

14
Os oito dharmas mundanos são: ganhos e perdas; prazer e dor; elogio e culpa e fama e
infâmia.
59
um local onde haja o perigo de não obter alimento e água saudáveis, ou o perigo de
grandes animais carnívoros ou pequenos animais venenosos. Num local onde há perigo
para a vida ou saúde você não será capaz de praticar por causa do medo e ansiedade. Esse
medo vai impedir que relaxe e, sem uma mente relaxada, a prática não progredirá.

A quarta coisa que deve ser abandonada é a subsistência que vem com o roubo, fraude,
trapaça e desonestidade. Furto se refere a surrupiar algo de forma escondida. Roubo se
refere a obter algo através da força. Fraude se refere a fingir qualidades que não tem, isto
é, fazer que alguém lhe dê algo como presente, fingindo ser digno da oferenda. Ocultação
se refere a esconder defeitos que você tem, a fim de obter apoio. Estas quatro maneiras
impróprias de obter alimento e outras condições necessárias para viver como um
praticante, devem ser abandonadas. Da mesma maneira, é preciso abandonar toda forma
de subsistência que vem de atividades impróprias por parte de outros. Mesmo que uma
pessoa lhe dê algo sem nenhuma atitude errada de sua parte, se ela roubou ou obteve isto
por um delito e você sabe disto, então você não deve aceitar; você não deve participar
disto. O que deve ser pedido são alimentos e apoio sem transgressão, de forma honesta e
direta. Quando se está praticando o dharma, é apropriado receber de terceiros presentes,
oferendas, alimentos, ou o que você precisar para viver, desde que estejam dispostos a
dar. Até pedir esmolas é apropriado, mas é preciso ser honesto e direto sobre o que se está
fazendo. Se não tem comida, pode dizer “Não tenho comida. Você pode me dar alguma?
e, caso queiram, te darão; mas isso não deve ser fruto de fraude ou engano.

A quinta coisa que deve ser abandonada é o trabalho e atividade que prejudicam nosso
estado mental e nossa prática. É conveniente estar engajado em trabalhos e atividades
meritórias, como a construção, reforma, ou fazer oferendas para monastérios, imagens de
Buda etc. A atividade física relacionada com méritos é boa, porque beneficia a mente em
longo prazo. Mas as atividades sem sentido que nos distraem e arrastam a mente para
baixo devem ser evitadas.

A sexta coisa que deve ser abandonada é alimento, conduta e atividade que são
prejudiciais para a nossa saúde. Nossos corpos físicos possuem as oito liberdades e as dez
aquisições extremamente preciosas. Elas são as bases para a nossa existência humana.
Podemos prolongar nossas vidas no máximo que pudermos. Então devemos fazer uso
dessa oportunidade para praticar o dharma. Por isso é importante evitar alimentos e
atividades que possam causar doença ou colocar-nos em risco de morte prematura.

A sétima coisa que deve ser abandonada é fixação e apego a objetos de desejo ou
situações que nos prendem a nossa própria ganância. Isto significa estar apegado a
60
aquisição e proteção de bens, diversões, riqueza, fama etc. Ambos incluem o sentimento
de que precisamos destas coisas e a ansiedade que sentimos do perigo da perda, porque
ambas são fixações nestas coisas e as experiências associadas com elas. Nossa fixação
nestas condições significa que não somente suas presenças não ajudam no crescimento
de nossas qualidades, mas irão provocar a diminuição delas no decorrer do tempo. Por
esta razão é importante evitar lugares e pessoas a quem estamos indevidamente apegadas
ou indevidamente fixadas.

A oitava coisa que deve ser abandonada é a conduta descuidada, que é causa de outras
pessoas não terem fé no dharma. Isto não se refere às atividades que são diretamente
prejudiciais para os outros e que já foram discutidas anteriormente. Nesse caso, referem-
se às situações nas quais o praticante tem uma experiência real, ou mesmo alguma
realização no sentido último do dharma e, portanto, tem pouca ansiedade sobre o que as
outras pessoas podem pensar dele. Eles são inclinados a agir de maneira estranha. Mas
não é apropriado para esses praticantes exibirem suas realizações de alguma forma que
seja, porque as outras pessoas, estando envolvidas no dharma ou não, verão estas ações
como defeitos. Elas não pensarão, “Esta pessoa age estranhamente; deve ter realização. ”
Elas pensarão, “Mesmo os mais sérios praticantes do dharma, pessoas que supomos que
têm realização, parecem ter defeitos pessoais.”. Isto fará com que desprezem não apenas
o praticante, mas também ao dharma em si. Isto leva outros seres sencientes a acumular
o karma negativo extremamente prejudicial de abandonar e injuriar o dharma. Portanto,
é importante ter uma conduta simples, disciplinada e correta, não importa quão alta seja
sua experiência e realização.

A nona coisa que deve ser abandonada são atividades sem propósito que não são
benéficas para nós e outros. Isto significa: abandonar viagens sem propósito – por
exemplo, visitar um grande oceano ou uma alta montanha somente para fins turísticos.
Estas coisas são uma perda de tempo e você não tem tempo a perder. Assim, se você
percebe que uma atividade ou ação específica não tem um beneficio verdadeiro para você
ou qualquer outra pessoa, você deve evitar isso.

A décima e última coisa que deve ser abandonada é ocultar seus próprios defeitos e
proclamar e divulgar os defeitos dos outros. É importante não tentar ocultar nossos
próprios defeitos, por meio da discrição. Além disso, não se focar nos defeitos dos outros,
fazendo-os claros para os outros. Devemos sempre aspirar beneficiar os outros no máximo
que pudermos e nos comportarmos de acordo com essa aspiração. Nosso objetivo é
sermos capazes de eliminar nossos defeitos, e não os esconder. Ajudar outros a eliminar
61
seus defeitos, e não os expor. Não devemos nos tornar arrogantes. A base da arrogância,
o modo de mantê-la e a causa do seu surgimento, é ocultar nossos próprios defeitos e
expor o dos outros. A diferença entre o praticante genuíno do dharma e uma pessoa
mundana é que, pelo modo mundano, ocultamos nossos próprios defeitos e divulgamos o
dos outros; já no caminho do dharma, ocultamos os defeitos dos outros e expomos os
nossos.

Estas são as dez coisas que devem ser abandonadas.

62
CAPÍTULO 5 - AS DEZ COISAS PARA NÃO SEREM ABANDONADAS

Em seguida, as dez coisas para não serem abandonadas. Para começar, por ser a raiz de
todos os benefícios que somos capazes de dar aos outros, a compaixão não deve ser
abandonada.

A segunda coisa que não deve ser abandonada são as aparências. Visto que as aparências
são a manifestação da natureza da mente, não é necessário abandoná-las. Tilopa apontou
isso quando disse: "Não é pelas aparências que você está acorrentado, mas pela fixação a
elas. Então abandone essa fixação”. Não é o que você experimenta que causa confusão, e
sim a sua fixação na experiência como sendo algo inerente ao que aparenta ser. Portanto,
somente essa fixação precisa ser abandonada, não a experiência em si.

A terceira coisa que não deve ser abandonada é o pensamento, porque é o jogo da
natureza última ou dharmata. Como é dito na oração linhagem Kagyu, "A natureza do
pensamento é o dharmakaya." Se formos capazes de olhar diretamente para a essência do
pensamento, então, qualquer pensamento que surja é auto-liberado. Se pudermos colocar
isso em prática, não há necessidade de tentar remover pensamentos ou abandoná-los de
qualquer forma.

A quarta coisa que não deve ser abandonada se aplica principalmente àqueles com
realização. Aflições mentais são indicações de sabedoria e, portanto, não devem ser
abandonadas. A presença em nossa experiência de estupidez, aversão, orgulho, desejo e
ciúme indica a presença em nosso contínuo da sabedoria do dharmadhatu, a sabedoria
como um espelho, a sabedoria da equanimidade, a sabedoria discriminativa, e a sabedoria
da atividade. Visto que as aflições mentais são apenas a manifestação das sabedorias que
são a sua própria essência, alguém que tenha realização para experimentar isso
diretamente, não precisa abandoná-las.

É importante analisar essa afirmação, pois pode parecer muito estranho. A pouco tempo
atrás foi dito que se deve abandonar definitivamente as aflições mentais, e agora é dito
que você não tem que abandoná-las. Isso não é uma contradição, mas a demonstração da
diferença de maturidade dos praticantes, nos diversos níveis de ensinamentos. A
abordagem para iniciantes, em que é preciso abandonar as aflições mentais, é como a
necessidade de escadas para aqueles que desejam chegar ao segundo andar; por não terem
asas, precisam subir um lance de escadas. O processo de subir escadas é como o processo
de subjugar as aflições mentais. Aquele que têm asas, como um pássaro, não precisa usar
escadas, pode voar diretamente até o segundo andar. Ter asas corresponde a ter a

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realização de ser capaz de aplicar a profunda sabedoria do mantra secreto. Assim, esses
dois conselhos não são contraditórios, mas são direcionados para indivíduos com
diferentes níveis de prática.

O quinto ponto nessa seção está na mesma categoria que a quarta. Os objetos de desejo
que aparecem através dos cinco sentidos não devem ser abandonados, porque eles são a
água e o adubo da experiência e realização. Para um praticante com alguma realização e
experiência mais forte, não há fixação grosseira em sua existência inerente imputada. Não
há fixação grosseira à sua suposta existência inerente. Não há um apego grosseiro ao ego
e, na ausência disso, não há um sentimento ou conceito inerente de propriedade. Para
certos iogues e ioguinis não importa quantas coisas o cercam, não importa o quanto de
riqueza ou prosperidade eles experimentem, eles não têm um sentimento de identificação
de posse dessas coisas. É como se houvesse belos animais selvagens vagueando em torno
deles. Se nós vemos os animais selvagens, nós não sentimos: "Esse é o meu tigre" ou
"Esse é o meu veado." Nós podemos aprecia-los, mas não há nenhum apego a neles.

Por exemplo, quando ofereceram a Jetsun Milarepa alimentos nutritivos e muitos


saudáveis, foi de grande benefício para aumentar sua realização, mas ele não desenvolveu
qualquer apego ao gosto dos alimentos. Não era uma questão de saciar o seu desejo, era
uma questão de fortalecer seu corpo. Da mesma forma, os praticantes avançados podem
usar comidas e bebidas como substâncias de festa. Existem práticas em que a roupa que
vestem é consagrada como a armadura de mantra. Essas práticas são adequadas para
praticantes avançados, com alguma experiência direta. É importante entender que as
diferentes recomendações desse texto, são oferecidas aos praticantes de diferentes níveis.

A sexta coisa que não deve ser abandonada são as doenças, sofrimentos e dores, pois eles
são excelentes professores. Quando nos distraímos e nos engajamos em coisas erradas,
ou quando simplesmente não estamos atentos, ou quando a renúncia não é algo estável,
algumas vezes um pouco de sofrimento pode nos lembrar, direta e efetivamente, do que
não deve ser esquecido, o que deve ser renunciado, e o que é realmente sofrimento. Por
exemplo, se experimentamos um pouco de dificuldade física como seres humanos, então
devemos considerar o quanto deve ser desagradável renascer nos reinos inferiores, onde
o sofrimento é muito pior. Isto deve nos inspirar a tentar não renascer nos reinos
inferiores. Então, estas situações difíceis não devem ser evitadas, porque em alguns
momentos podem ser de muita ajuda.

De acordo com Shantideva, nossas experiências de sofrimento podem ser benéficas, pois
elas nos entristecem, e a tristeza nos traz de volta para nós mesmos e corta o nosso
64
orgulho. Com a perda de nossa arrogância grosseira somos capazes de experimentar
compaixão genuína pelos outros. Nós pensamos, “Se estou sofrendo tanto assim, se isto
é desagradável, quanto isto pode ser para os outros? ” e, assim, avaliamos o sofrimento
dos outros. Isto nos leva a deixar as coisas erradas e o que é prejudicial para nós e para os
outros, e nos leva para o que é naturalmente agradável e virtuoso. Então, há algum
benefício nestas experiências.

A sétima coisa que não deve ser abandonada são inimigos e obstáculos, pois eles nos
incitam a praticar. Do ponto de vista Mahayana, a base para a nossa realização, a
realização da natureza última, é cultivar qualidades como a paciência. O único caminho
possível para se cultivar a virtude da paciência através de situações em que lidamos com
algum infortúnio ou efetiva agressão. Por esta razão, pessoas agressivas conosco são
nossos ajudantes na prática, e desde que elas surjam naturalmente, é dito que são
incentivos naturais para a prática. Eles são também os incentivadores que nos dirigem
para a realização da verdadeira natureza de todas as coisas, que é a budeidade.

No entanto, se os inimigos e os obstáculos desaparecem espontaneamente, é sinal de


realização (siddhi) e você não deve rejeitar o resultado. Se situações desagradáveis
sumirem, mesmo quando você não faz nenhum esforço para removê-las, você não deve
tentar trazê-las de volta. Se você tem mérito e realização, em muitos momentos isto pode
causar situações em que outros são agressivos com você e são pacificados naturalmente.
Quando isto acontece, você não deve pensar que algo errado aconteceu. Por exemplo,
quando o rei tentou matar Acharya Nagarjuna com uma variedade de espadas cortando
seu pescoço, o rei não foi capaz de ferir Nagarjuna porque ele não tinha o karma para ser
ferido. Do mesmo modo, alguém com realização não encontrará muitos inimigos e
obstáculos, e isto é sinal do siddhi; é o sinal de realização. Só porque a presença de
inimigos não é algo necessariamente ruim, a falta de inimigos também não
necessariamente o é.

A oitava coisa que não deve ser abandonada é o progresso metódico e gradual em seu
estudo e prática, pois é isto que nos eleva à altura à compreensão última. Não devemos
pensar que o progresso gradual através dos vários estágios ou veículos de prática deve ser
abandonado por parecer não ser o sentido final dos ensinamentos do Buda. Tal
pensamento é incorreto. Todas as grandes escolas e siddhas do passado começaram
aprendendo no vários estágios e veículos dos ensinamentos do Buda, e a partir destas
bases, chegaram finalmente ao conhecimento definitivo associados ao Vajrayana. Para o
nosso próprio progresso, devemos praticar de uma maneira que irá gradualmente
65
amadurecer nossa compreensão do dharma. Há muitos estágios para isto e eles devem ser
cultivados. Da mesma forma, não devemos abandonar ou rejeitar as várias apresentações
do dharma que são feitas em estilos e níveis diferentes, porque estas são apropriadas para
as necessidades e disposições dos diferentes seres.

A nona coisa que não deve ser abandonada são as diferentes práticas que envolvem
atividades físicas, por que elas são práticas genuínas que amadurecem a mente e são
benéficas. Isto significa não abandonar as prosternações, circumbulações, e outras
práticas externas do dharma porque isto realmente nos beneficia; elas realmente trazem
resultados.

A décima coisa que não deve ser abandonada é a intenção de beneficiar os outros, mesmo
quando você não tem muitas habilidades para beneficiá-los neste momento.
Frequentemente, quando as pessoas começam a praticar elas pensam, “Qual é o benefício
de dizer, “Estou fazendo esta prática para beneficiar outros. Eu ajudarei outros no futuro
dessa ou daquela maneira? Uma vez que, de fato, não estou fazendo nada que beneficie
aos seres neste momento, qual o significado disto? Eu não posso fazer nada para ajudar
alguém”. De fato, há o mesmo potencial para que esta atitude altruística produza
resultados concretos, como há na semente para produzir a flor. Se você diz que não há
benefício no altruísmo, é como dizer que a semente não gerará a flor. Como o altruísmo
em si não é benéfico para os outros, a semente não é a flor. Uma semente não é mesmo
um broto. No entanto, sem a semente não existe a possibilidade de ter broto, folhas e
flores; então é importante iniciar com a atitude e intenção pois assim você se tornará de
grande e vasto benefício para outros.

Ao iniciar o caminho ninguém pode realizar os atos grandiosos de um boddhisatva.


Quando Buda gerou pela primeira vez a intenção de realizar a suprema iluminação ele
ainda era incapaz de fazer muito pelas pessoas. Com o correr do tempo, então, ele se
tornou extraordinariamente capaz de ajudar outros. Atualmente, as pessoas têm muitas
dúvidas a respeito disto. Quando instruções são dadas dessa maneira, como as instruções
sobre a boddhicita, as pessoas normalmente dizem, “Que uso tem isso? Eu não posso
fazer nada”. É importante não abandonar o altruísmo somente porque você não percebe
sua capacidade de fazer muita coisa agora.

Estas são as dez coisas a que não devem ser abandonadas.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

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P: Eu tenho uma pergunta sobre as formas comuns e incomuns da plena atenção. Será que
elas se aplicam quando nós começamos a comer, a cair no sono, ou começamos a andar,
ou através do todo processo de caminhar ou comer? Elas estão presentes no início ou no
contínuo?

R: Se você praticar as formas comuns ou incomuns de desenvolvimento da plena atenção,


deve ser o mais contínuo possível. Claro, por se envolver em uma variedade de atividades,
não é possível permanecer continuamente absorto em uma determinada contemplação ou
em uma meditação particular. No entanto, deve fazê-lo no início de qualquer atividade, e
fazê-lo sempre que vem à mente como a atividade continua, se está comendo, andando,
ou em qualquer outra atividade. Quanto mais continua a fazê-lo, melhor. Não é o caso de
você simplesmente gerar uma visualização ou contemplação no início, e em seguida,
esquecê-la.

P: Eu não tenho certeza se entendo os três tipos de fé. Eu acredito que o primeiro tipo é a
fé da clareza e o segunda tipo é a fé do desejo. Isso quer dizer que o desejo de se tornar
iluminado, ou há mais do que isso?

R: Sim, está correto. Pode haver alguma confusão sobre o termo "desejo". Esse tipo de
fé, a fé do desejo, é reconhecer o valor da obtenção da liberação e onisciência ou estado
de Buda. O pensamento: "Eu realmente quero atingir esse estado, portanto, vou fazer o
que for necessário para alcançá-lo", é diferente do convencional ou desejo mundano, em
que eu quero experiências agradáveis de todos os tipos. A fé do desejo não é com base
em um erro ou um equívoco, se baseia no querer aquilo que realmente vale a pena.
Embora a forma do pensamento seja em um sentido paralelo ao desejo convencional, o
objeto é completamente diferente.

P: “Das dez coisas a serem abandonadas”, a oitava é; abandonando as atividades que


causam a perda de fé no dharma. Você poderia esclarecer a que se refere a nossa própria
perda de fé no dharma ou a perda de fé no dharma dos outros através de ver nossas ações?

R: O oitavo ponto das dez coisas a serem abandonadas é abandonar conduta estranha que
faz com que outras pessoas tenham desrespeito pelo dharma. Isso pode ocorrer quando
você tem algum tipo de experiência na prática que o leva a sentir um desejo de agir de
uma forma estranha. Nesse caso, isso irá prejudicá-lo, porque será enganoso, e vai
prejudicar aos outros. Ou você pode ter algum grau de realização que leva a agir de uma
forma estranha. Isso não pode prejudicá-lo, mas pode prejudicar outras pessoas, porque
outras pessoas não podem ver a sua realização, elas só podem ver o que você está fazendo.

67
Se você fizer as coisas que parecem estranhas ou impróprias para elas, elas vão assumir
que há algo de errado com você e, uma vez que se supõe que você é um praticante
exemplar, há algo de errado com as instruções ou o caminho que o levou a se comportar
de tal maneira. Você está fazendo com que os seres sencientes tenham desrespeito pelo
dharma, que os afasta do dharma, e isso é uma tremenda fonte de karma ruim para eles.
A responsabilidade de alguém com realização é manter e fomentar o buddha-dharma,
para fazer com que este floresça. É ser um professor exemplar para os outros. Se agir de
tal maneira, o que não deve ser feito, você não está mantendo suas responsabilidades.

P: Gostaria de saber se você poderia dar alguns exemplos?

R: Eu posso dar um exemplo de mim mesmo. Estou sempre falando sobre como são
importantes a bondade amorosa e a compaixão, enquanto estou comendo carne durante
todo o dia.

P: Você comentou sobre muitos pontos fortes trazidos por Gampopa, nesse texto. Para
nós, é possível ou necessário colocar todos esses pontos em prática?

R: Primeiro de tudo, Gampopa dá uma variedade de instruções e gera um grande número


de pontos nesse texto, e não se destina apenas a uma pessoa. Ele contém métodos e
instruções destinadas a orientar os indivíduos a partir do início do seu caminho até que
atinjam o estado completo de Buda. Ele também contém instruções destinadas a diferentes
tipos de pessoas. Você tem que fazer a distinção entre estudar o texto e colocá-lo em
prática. No contexto do estudo e análise do texto deve ser lido do começo ao fim, em sua
totalidade, e chegar a um coeso entendimento definitivo. Por outro lado, quando colocar
em prática, você seleciona partes do texto como conselhos pessoais, apropriados à sua
situação. No contexto de prática, não é importante passar por todo o texto do começo ao
fim e lembrar cada coisa dele.

P: Na primeira estancia, das dez causas de perda, o termo "sem sentido" foi utilizado em
termos de atividade sem sentido e distrações sem sentido. Isso significa que muitas das
coisas que fazemos devem ser evitadas, como assistir TV, ouvir música, ou tirar uma
soneca? É isso que é chamado de "atividade sem sentido"?

R: De um ponto vista convencional ou mundano, claro, quando você está muito cansado
do trabalho e de todos os tipos de atividades que você é obrigado a realizar, talvez seja
realmente necessário relaxar. Normalmente no mundo, não consideramos isso uma perda
de tempo, ver um espetáculo de algum tipo, tirar um cochilo ou simplesmente relaxar. A
questão aqui é que não temos muito tempo para praticar, e não queremos desperdiçar o
68
pouco tempo que temos. Tendo se comprometido a gastar um determinado período de
tempo diário praticando o dharma, em vez disso, usou o tempo para relaxar e se divertir,
seria definitivamente uma atividade sem sentido, uma causa de perda ou desperdício.

P: A pergunta que eu tenho diz respeito ao desenvolvimento de coragem e confiança na


prática do dharma, em face aos obstáculos. Eu sou um chefe de família, trabalho, e tenho
um filho. Não tenho o hábito de praticar todos os dias. Eu sei que a prática constante é
importante. Contemplando os quatro pensamentos como é feito no início de prática do
ngondro, sensibilizando-nos para o fato de que essa é uma preciosa vida humana, que
tudo é impermanente, que a lei do karma é verdade, e que não devemos nos apegar aos
prazeres mundanos. No entanto, por ser continuamente impulsionado por padrões
habituais, é difícil ter tempo para fazer a prática formal. Qual é a melhor maneira de lidar
com isso e tornar-se um forte praticante?

R: De uma forma ou de outra, todos temos que lidar com essa situação. A principal coisa
em trabalhar com isso é, como disse anteriormente, não deixar ninguém se apossar de sua
“corda de nariz”, significa estar no controle de sua própria direção e suas próprias
decisões. Alguém que tem uma total convicção sobre os quatro pensamentos que
transformam a mente não terá qualquer dificuldade em praticar dharma. Se você achar
que, apesar de compreendê-los, você não consegue praticar porque as coisas sempre ficam
no caminho, indica que você não confia neles completamente ou está afligido por medos
e expectativas. Embora tenhamos estudado a impermanência e os defeitos do samsara,
tendemos, por um longo tempo, a manter interiormente a esperança de que nunca vamos
morrer, dando uma sensação de espaço, de tempo de espera para a prática. Apesar de ter
estudado os defeitos do samsara, dentro de nós existe a dúvida se realmente é tão ruim
assim, e a dúvida faz com que seja fácil adiar a prática. Se alguém tem total convicção
sobre a validade dos quatro pensamentos que transformam a mente, ele ou ela não terá
qualquer dificuldade em praticar.

O fato de você ter acesso ao dharma, estando envolvidos em tais práticas, indica que você
acumulou muito de mérito no passado, significa também, pela quantidade de méritos, que
você pode construir o hábito de praticar o dharma em relação ao hábito de não praticar.
Pensando que o dharma está em tudo, pensando em outras coisas como nos quatro
pensamentos que transformam a mente, pensando "Eu tenho que encontrar tempo para
praticar", indica o hábito prévio de prática do dharma, é algo para dar confiança a si
mesmo; algo que pode ser construído e desenvolvido.

69
Quanto à prática, a principal a ser praticada é o ngondro, que chamamos de preliminares.
Na verdade, ngondro é um termo equivocado, pois implica em ser um tipo secundário de
prática ou preliminar, ou seja, algo que começamos fora do caminho para irmos até a
prática real. Normalmente as pessoas têm a ideia que, ao terminarmos o ngondro, vai ser
muito melhor, muito mais eficaz, e certamente, muito mais interessante. Mas isso é
incorreto, pois os temas trazidos e as técnicas apresentadas no ngondro são a essência de
todo o dharma, não são realmente preliminares. Em particular, a base e a essência de toda
a prática do dharma são o refúgio e a geração de bodhicitta. Bodhicitta é a remoção de
obscuridades. Bodhicitta é a realização da iluminação.

As outras práticas mais centrais são; a prática de Vajrasattva que é a remoção de


obscuridades, os vários padrões habituais e confusões que impedem a prática do dharma
e são as razões pelas quais temos que praticar em primeiro lugar. Depois, o acúmulo de
mérito por meio da oferenda de mandala, que leva diretamente ao abandono do apego ao
ego - a falsa imputação de um eu inerentemente existente -; por isso que se diz que o
dharma é tudo. Finalmente, o guru yoga, que é a melhor forma para aperfeiçoar todas as
qualidades e remover todos os defeitos. A essência do dharma é a percepção de que a sua
mente, em sua natureza, sempre foi e sempre será o próprio dharmakaya. E é o guru yoga
que desperta esse tipo de experiência e realização.

Se você entender a eficácia e a profundidade do ngondro terá prazer e respeito, e será


capaz de praticá-lo, tanto quanto possível. Agora, se você tem um monte de
responsabilidades, por exemplo: o trabalho, uma casa, uma criança para cuidar, e assim
por diante, o seu tempo é mais limitado do que a de alguém sem responsabilidades. Mas
não importa quantas responsabilidades que você venha ter, se realmente quiser praticar,
vai definitivamente achar pelo menos algum tempo para isso, e o desejo de prática leva à
criação de oportunidades para fazê-lo. Caso contrário, se não houver um desejo forte e
intenso para a prática o mais rápido possível, você encontrar-se-á procrastinando. A causa
da procrastinação é simplesmente uma falta de motivação, e a maneira de superar o hábito
da procrastinação é a própria prática. Quanto mais você praticar, mais você vai querer
praticar, e você criará um hábito crescente, que reforça a si mesmo. Assim, a melhor coisa
para você fazer é continuar a praticar, seguir em frente, e que é, em si, a solução para o
problema de não ser capaz de praticar. Não há outra solução necessária. Quanto mais você
praticar, mais você irá beneficiar, não apenas a si mesmo, mas a todo mundo que entra
em contato com você, especialmente os seus filhos e aqueles que vivem com você.

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P: Você disse que não devemos abandonar nosso inimigo porque ele deve nos ensinar a
paciência. Suponha que um homem tem uma esposa que não o deixa estudar o budismo
ou se associar com lamas e professores, e não deixará que ensine a seus filhos o budismo
porque ela e as pessoas ao seu redor são católicos. Esse homem deve abandonar seu
inimigo da mesma forma que os tibetanos deixaram o Tibet após a invasão chinesa, ou
deve praticar o budismo quieto e pacientemente em sua casa e não falar para seus filhos
do budismo até que, talvez no futuro, a chance surja para ele assim o fazer?

R: Eu não posso afirmar o que tal pessoa deve fazer. Se essa pessoa puder ser paciente
com o que sua esposa possa fazer, esta é a melhor coisa, pois a paciência é o caminho
mais efetivo para o desenvolvimento de nossas qualidades. Por outro lado, se ele não
puder ser paciente com a situação e isto o levar a agressão de sua parte, bem como a ter
problemas, então será difícil dizer que é particularmente bom. Os detalhes específicos
desta situação são muito importantes, então eu não posso dizer em geral que ele deve ficar
ou deve partir. Isto varia de caso a caso.

De fato, há dois tipos de conselhos neste contexto que entram em jogo e eles podem
parecer, em princípio, contraditórios. Um diz para não abandonar seus inimigos porque
ajudam a desenvolver a paciência. O outro diz para abandonar companhias nocivas pois
eles obstruem o dharma. Não é uma contradição. Alguém capaz de ser paciente com a
agressão dos outros, especialmente em situações que não é possível evitá-los, pode usar
a agressão de outros para promover a prática da paciência. Se a agressão é muito forte
para se manter paciente e isso impedir sua prática do dharma, então é melhor se afastar
desta situação.

Quanto à situação dos refugiados tibetanos, durante a invasão muitos saíram para serem
capazes de praticar o dharma em outro lugar, enquanto outros simplesmente fugiram para
salvar suas vidas. Em geral, desde essa época, eles se envolveram em atividades
correspondentes com as razões de suas vidas. Aqueles que deixaram para praticar o
dharma, praticaram muito e, aqueles que saíram simplesmente para sobreviver, fizeram
o seu melhor para sobreviver e enriquecer, se possível.

Esta é a situação geral. A respeito do que uma pessoa específica deve fazer neste tipo de
situação que você descreveu, não posso dizer de antemão.

P: O compromisso estável significa que quando estou praticando Hevajra eu não posso
mudar para o Kalachakra? Se estou entoando um mantra, quantas vezes devo entoá-lo
antes de mudar para outro?

71
R: Isto depende de cada indivíduo. Alguém que tem fé ou pleno conhecimento e
reconhece que todas as deidades encarnam as qualidades completas e poder da budeidade
precisa praticar apenas uma deidade. Não é um ponto particular importante qual ela é,
pois trata-se da deidade na qual ela ou ele tem completa confiança. Alguém que não tenha
essa compreensão, mas vê as coisas numa perspectiva conceitual, pensando que é
necessário praticar uma deidade para ter riqueza, outra para obter a iluminação, outra para
atividade vigorosa, outra, ainda, para a pacificação e, assim por diante, terá que praticar
deidades diferentes para obter os respectivos resultados. Alguém que tenha o profundo
conhecimento que elas são todas as mesmas, realizando uma, realizará todas.

P: Estou fazendo esta pergunta para um amigo que pratica o budismo da Terra Pura. Ele
pergunta se há algum método especial no Vajrayana que leva ao renascimento em
Dewatchen15, e exatamente quantas vezes devemos entoar um mantra específico para
garantir o renascimento em Dewatchen?

R: Há uma diferença entre o sutra e a apresentação tântrica da prática de Amitabha nos


métodos que eles são aplicados. A raiz e a intenção de ambas são as mesmas - obter
renascimento em Dewatchen, a Terra Pura. A principal diferença é que no contexto da
prática do sutra, consideramos nós mesmos como seres comuns e mantemos nosso
conceito comum do corpo, palavra e mente. Reconhecemos a presença de Amitabha no
centro do seu reino puro e suplicamos para ele. Isto é algo como se alguém estivesse na
prisão suplicando a um indivíduo poderoso de fora para fazer o possível para tirá-lo da
prisão. Isto é basicamente a visão sutra.

Na visão tântrica, a súplica para Amitabha é exatamente a mesma, mas em vez de trazer
para a mente que Amitabha está em Dewatchen, realmente visualizamos o reino de
Dewatchen, incluindo Amitabha, em frente de nós enquanto ele está presente na nossa
própria experiência. Também, não nos consideramos sendo comuns, mas consagramos
nosso corpo como uma deidade, nossa palavra como mantra, e assim por diante. Seguindo
com a analogia acima, é como se para nos livrarmos do nosso aprisionamento, não
apelamos apenas para alguém de fora nos livrar da prisão, mas também desenvolvemos o
poder em nós mesmos que nos capacita a sair.

15
Dewatchen ou Sukhavati, em sânscrito, é a Terra Pura onde o Buda Amithaba reside.
72
A razão para a diferença de aproximação é a visão. Um aspecto da visão Vajrayana é que
todos os corpos e reinos dos Budas, como de Amitabha, já estão espontaneamente
presentes em nossa mente. Podemos experimentá-los externamente apenas por causa da
sua presença espontânea dentro de nós, e este tipo de liberação pode ocorrer com a reunião
de condições internas e externas. Por exemplo, o sol é algo fisicamente externo a nós,
mas para vermos o brilho do sol temos que ter olhos, e nossos olhos tem que estar abertos.
Do mesmo modo, a liberação dentro do reino de Sukhavati é considerada, do ponto de
vista Vajrayana, a ser realizada por meio da interdependência de condições externas e
internas. No que diz respeito a recitação de mantras, diferentes mantras e práticas
associados com este ciclo. Não seria possível dizer que temos que recitar um número
específico para obter o renascimento em Dewatchen.

P: Como sabemos se somos adequados para a prática mahayana ou vajrayana? A prática


vajrayana é muito perigosa? Se quebrarmos os votos cairemos no inferno vajra?

R: Em geral, as pessoas se encontram com os professores, que ensinam nos diferentes


veículos, de acordo com as suas próprias disposições e na medida de seus próprios
méritos. Quanto ao que é adequado aos indivíduos praticarem entre os diversos veículos,
eu diria que elas devem praticar o que os seus professores, aqueles a quem se tornem
naturalmente ligados, enfatizam; deveriam ensinar o que está em conformidade com a sua
própria confiança e visão sobre o dharma. Isto não é somente verdadeiro com respeito ao
mahayana e vajrayana, isto é verdadeiro em todos os níveis de ensinamentos budistas -
hinayana, mahayana, vajrayana, e assim por diante. Basicamente, você pode praticar o
que você quiser, o que surge naturalmente para você, e para onde sua inclinação está
voltada. O ponto principal é seu interesse e confiança nos ensinamentos, assim você deve
praticar qualquer ensinamento que você tiver a maior confiança.

A respeito do perigo do vajrayana, é verdade que ele tem grande eficácia e pode ser
também perigoso. O vajrayana apresenta um caminho para pessoas com grande
conhecimento, que são capazes de serem muito cuidadosas e metódicas em suas práticas.
Apresenta um caminho por meio do qual estas pessoas podem, usando os excelentes
métodos do vajrayana, obter o despertar de muitas maneiras efetivas. É verdade que se
alguém não tem esse tipo de conhecimento, não é diligente, e especialmente carece de fé
e devoção, ela ou ele poderá violar o samaya, os compromissos do vajrayana.

Na prática, porém, é preciso fazer uma distinção entre dois tipos de iniciação, uma vez
que o samaya ou compromisso da iniciação foram aceitos. Podemos distinguir entre a
iniciação que é uma benção, e o que é chamado de iniciação último e real. Através da fé
73
e confiança no lama, você deverá receber dele ou dela uma benção de iniciação que
envolve várias substâncias, vasos e assim por diante coisas que serão colocados sobre sua
cabeça e mantras recitados para você. A função disto é plantar uma semente para sua
futura liberação, baseado sobre o processo de iniciação e sua própria abertura e fé nele.
Este processo e método têm sua característica especial e qualidade do vajrayana e é muito
benéfico para os indivíduos envolvidos. Devemos distinguir entre este e a iniciação
última, no qual o estudante, no momento que recebe a iniciação, gera a sabedoria
associada com a iniciação através do entendimento completo de tudo que está
acontecendo. Se alguém recebeu a iniciação última e então não faz nenhum uso dela e
não pratica, mas só está envolvido em atividades mundanas e vira as costas para o
dharma, então esta pessoa poderia certamente quebrar o samaya.

Há, é claro, a forma comum de iniciação de benção, entretanto, quando as pessoas


recebem esta iniciação, em geral não entendem nada do que está acontecendo. Não
entendem exatamente o que deve ser praticado e o que deve ser rejeitado, estão se
comprometendo talvez para receber o mantra, visualizar a deidade, e assim por diante.
Em termos práticos, é pouco provável que as pessoas em tais situações vão se prejudicar
com o Vajrayana.

P: Você poderia explicar a diferença entre um voto comum e o samaya?

R: Voto ou dompa em tibetano, e samaya, ou damtsig, são basicamente termos diferentes


para a mesma coisa. Em geral, o termo dompa, que normalmente é traduzido como voto,
é usado nas discussões sobre o sutra, e o termo damtsig ou samaya é usado no contexto
do tantra. O termo dompa significa "aquilo que segura" no sentido de nos proteger da
perda ou enfraquecimento das qualidades do caminho que adquirimos, e nos protege da
invasão de obstruções exteriores – por isso mantém e protege. Uma metáfora para isso é
um cinto. O motivo de atar-se com um cinto é para impedir que sua roupa fique solta. Por
exemplo, se você usa o cinto para manter uma chuba fechada, ele também impede a chuba
de cair, segurando a chuba fechada, mas também protege o seu corpo do vento, do sol e
de tudo o mais, ao manter a chuba fechada. Votos ou dompa são assim. Eles atam, e
atando, eles protegem. Este termo é, basicamente, o que é usado nos sutras ou é comum
a ambos sutra e tantra.

O termo usado na maioria das vezes em tantra é damtsig, que literalmente significa
"palavra que obriga" ou "comando". A analogia aqui é com a palavra de comando de um
rei, cuja desobediência significará certamente a morte. A ênfase está no perigo de ignorar
as prescrições e as proibições do samaya, mas o perigo não vem do medo da punição
74
como acontece com um rei, mas porque samaya é uma expressão natural da qualidade do
ensinamento vajrayana. Não é um comando arbitrário imposto a nós; é simplesmente as
regras que devem ser seguidas para que as qualidades não se transformem em defeitos.
Por exemplo, se você estiver viajando em um automóvel, existem certas regras que devem
ser seguidas para evitar que você se mate. Se você estiver viajando em um avião, há mais
regras porque as qualidades e a eficácia do veículo são maiores. Se pular de um avião
você morre, e se pular fora do Vajrayana, você irá para o inferno vajra. O rigor ou a
ferocidade da samaya é diretamente proporcional às qualidades do Vajrayana.

P: O décimo ponto sobre as dez coisas necessárias para praticar o dharma fala sobre a
aplicação de uma realização ou compreensão que não possua o "defeito da reificação".
Eu realmente não entendi o que o defeito da reificação significa, e eu estou interessado
em saber mais sobre o que podemos fazer para evitá-lo.

R: Em primeiro lugar, o texto-raiz a partir do qual esta explicação é derivada tem a


declaração: "É preciso que a nossa visão de todas as coisas não se desvie para a reificação
ou a falsa imputação de solidez e o hábito de tomar por inerentes as características
presentes; e nós evitamos isso, por meio do conhecimento, compreensão e realização".
Isto significa que, em relação a tudo o que vivenciamos, devemos transcender a ego-
apreensão ou, mais precisamente, a falsa imputação de um “eu” inerentemente existente;
a falsa imputação de solidez ou realidade de nossas experiências. Isto é verdade não só
com as coisas em geral, mas também com a nossa atitude em relação ao dharma e a prática
do dharma. Quando estamos meditando sobre uma divindade, se nos fixarmos na solidez
daquela meditação e considerarmos a divindade como algo com uma existência física
externa, com um corpo de carne e osso que se pareça com essa divindade particular, então
há um equívoco. Esse ponto de vista não vai levar à realização. Se há uma fixação sobre
as características ou forma da divindade como sendo qualquer coisa que não seja uma
expressão da sabedoria que a divindade corporifica, não vai levar à realização a que a
prática deveria levar. É o mesmo quando estamos considerando reinos puros. Se pensar
que o reino de um Buda é algo que existe em um lugar específico e é feito de objetos
sólidos com formas, tal como experimentamos o mundo; se nos fixarmos numa imputada
solidez e em imputadas características daquele reino, isso não vai levar para a liberação
naquele reino, porque simplesmente perpetua nossa forma ordinária de experiência.

Diz-se que a forma de uma divindade, e, por conseguinte, a forma do reino daquela
divindade é um corpo de luz cuja essência é sabedoria. Luz aqui não significa luz física;
75
significa uma presença que é totalmente insubstancial. A divindade ter o aspecto da
sabedoria significa que a forma é simplesmente a personificação da sabedoria, eficácia e
atividade para o benefício dos seres. Portanto, diz-se que a forma da divindade é como
raios de luz do arco-íris, e a essência da divindade é a própria sabedoria. Em última
análise, no entanto, esta declaração refere-se ao fato de que a nossa compreensão final
deve ser a realização da vacuidade, que é absolutamente sem qualquer tipo de elaboração,
sem qualquer realizador e realização, qualquer tipo de atitude intelectual ou
posicionamento algum. Assim, o ponto final é a transcendência da mente conceitual.

76
CAPÍTULO 6 - AS DEZ COISAS A SEREM RECONHECIDAS OU COMPREENDIDAS

A primeira coisa a se compreender é que as aparências externas são as manifestações da


nossa confusão. Devemos reconhecer que a nossa forma de experimentar o mundo não
tem qualquer validade ou verdade inerente. A nossa forma de experimentar o mundo é
baseada numa perspectiva egocêntrica; na falsa imputação de uma auto existência
inerente. Portanto, imputamos uma verdade ou realidade de nossa experiência do mundo,
que é igualmente falsa, porque as coisas que nós experimentamos são simplesmente a
exibição de nossa própria mente. Se reconhecermos isso, as nossas experiências são, em
si, a auto liberação. E, assim, não haverá fixação sobre o que nós experimentamos. A
forma de experimentarmos o mundo é como ver o reflexo da lua na água. Não é mais
válido dizer que o que experimentamos é uma realidade objetiva do que dizer que o
reflexo da lua é outra lua, ou seja, que há uma lua no céu e outro na água. Isto é válido na
medida em que é uma experiência, mas em si não é a lua, e sim um reflexo.

Nós experimentamos coisas dessa forma em virtude de nossos hábitos e por influência de
nossas ações passadas. Reconhecer isso é reconhecer o mal ou engano oculto na forma
como experimentamos as aparências. Para ilustrar a diferença entre o reconhecimento
disso ou não, suponha que alguém diz que fora desse país, para além de uma cadeia de
montanhas, existe um reino magnífico cheio de coisas deliciosas. Se ainda não o viu, não
pode concebê-lo, por não ter a experiência disso. Trata-se de algo que você apenas ouviu
falar. Você pode acreditar ou não, mas não tem uma ideia definitiva sobre isso. Alguém
que realmente tenha estado lá saberia. Da mesma forma, quando você reconhece o fato
de que a forma que você experiência o mundo não tem uma validade inerente, além de
ser simplesmente a sua maneira de experienciá-lo, a fixação por ele diminui.

O segundo ponto é que, uma vez que a mente em si (interna, em oposição à aparência
externa) não tem existência inerente, deve ser reconhecida como vazia. Ao reconhecer o
vazio ou ausência de existência inerente da mente, três tipos de fixações podem ser
dissipadas. Trata-se da fixação na mente como sendo um eu (self) , fixação na mente como
algo real, e fixação na mente como algo sólido.

O terceiro ponto é que os pensamentos surgem a partir da união de diversas condições, e


devem ser reconhecidos como adventícios, significa que subitamente aparecem e
desaparecem, e não de forma inerente à natureza da mente. Esse reconhecimento é
importante, porque se nós acreditamos que os pensamentos são reais e sólidos; a fixação
aos pensamentos produz por esse equívoco, um acúmulo de karma, por meio do poder
dos pensamentos.
77
A quarta coisa a ser entendida é que este corpo e fala, que são produzidos a partir dos
elementos, são coisas compostas. Elas não são coisas unitárias e, portanto, são
impermanentes. Ao reconhecer a impermanência e a natureza composta do nosso corpo
e fala, a tendência a se fixar sobre eles como coisas permanentes e sólidas são dissipadas.

A quinta coisa a ser entendida é que as experiências vividas pelos diversos tipos de seres
vivos, de prazer e sofrimento surgem do karma, a partir de suas ações anteriores. Portanto,
deve ser compreendido que os resultados das ações são infalíveis, o que você fizer, vai
produzir certo resultado, que será vivido por você. O que você experimenta é
definitivamente um resultado de suas próprias ações anteriores.

O sexto ponto é que o sofrimento e a doença são um motivo de renúncia estável para um
praticante de dharma, portanto, deve ser entendido como um tipo de professor valioso.
Primeiro de tudo, a experiência da doença e do sofrimento, se for vivida com consciência
por um praticante, é uma das causas de sua felicidade futura, pois irá esgotar o karma que
o produziu. Se a doença não for experimentada agora, e o karma amadurecer-se mais
tardiamente, a experiência de sofrimento será muito mais intensa, com um período de
tempo muito mais longo. Além disso, a doença e o sofrimento exortam o praticante à
renúncia, porque eles mostram que há karma negativo. Portanto, como praticante, você
deve regozijar-se na presente experiência do sofrimento, e também usá-lo para continuar
a sua renúncia, ao reconhecer que isso significa que você ainda possui karma que poderia
levá-lo a um enorme sofrimento futuro.

O sétimo ponto é que como apego ao prazer e felicidade é a raiz do samsara, devemos
saber que esse apego é devaputra-mara, ou lhai bu'i du em tibetano - significa que o
demônio é o filho dos deuses16. As experiências dos três reinos do samsara17 surgem do
apego ou fixação na experiência de prazer e na tentativa de adquiri-la. Intoxicação com

16
Maras são obstáculos para a prática do dharma. Esses “maras” ou obstáculos são
personificações de Mara, o tentador, o demônio ou diabo. Os quatro maras são: skandha-
mara, a crença de que os cinco agregados (forma, sentimento, percepção, conceitos e
consciência) constituem o “eu”; kleshas-mara, as emoções perturbadoras; mrityu-mara,
morte e devaputra-mara, sedução pelo prazer da meditação.
17
Os três reinos do samsara são os domínios do desejo, forma e sem forma. O domínio
do desejo inclui seis esferas dos deuses e, além disso os domínios dos infernos, espíritos
famintos, animais, humanos e semideuses. O reino da forma inclui dezessete domínios
dos deuses e a reino sem forma incluem os quatro mais altos domínios divinos.
78
esta experiência do prazer é a causa dos sofrimentos do samsara. Portanto, este tipo de
experiência deve ser reconhecido como o devaputra-mara.

O oitavo ponto é que, uma vez que as distrações e diversões são impedimentos para a
acumulação de mérito, devem ser entendidas como obstáculos para a prática do dharma.
Se dedicamos o nosso tempo para distrações e diversões sem sentido, interrompendo a
nossa prática, é uma forma de procrastinação da nossa prática. Isso interrompe nossa
prática, fazendo como as coisas tomem muito mais tempo para serem concluídas. Isso
rouba a nossa acumulação de mérito e, portanto, deve ser entendido como algo que
devemos evitar.

A nona coisa a se compreender é que os obstáculos para a prática que surgem através de
circunstâncias súbitas ou condições, como ações agressivas por outros, doenças, etc, são
exortações para o cultivo da virtude. Portanto, esses inimigos e obstrutores devem ser
conhecidos como nossos professores, nossos lamas. Como foi dito antes, se pudermos
passar por condições adversas para o desenvolvimento do amor e da compaixão para com
os outros, especificamente, com a atitude de que "qualquer sofrimento similar ao meu que
os outros seres tenham que enfrentar, que somente eu tenha que suportá-los", então, as
condições adversas, de fato, acabam por fomentar a prática do dharma. Em particular,
quando outras pessoas estão sendo agressivas com você, do seu ponto de vista, pode
parecer agressão, mas se você olhar para o seu efeito final sobre a ótica do praticante, é
como alguém dizendo: "Se você não sair do samsara, vai ter que lidar com essa situação
novamente”. É uma exortação à renúncia e uma exortação à prática. Assim, a partir do
próprio ponto de vista, e a partir do efeito final sobre você, as pessoas agressivas são
realmente seus professores.

O décimo ponto é que uma vez que todas as coisas não têm a natureza inerente, devemos
saber que todas as coisas, sem qualquer exceção que seja, possuem a mesma natureza,
que é a equanimidade. Normalmente, na experiência de pessoas sem a realização da
natureza ultima, há uma grande diferença entre as coisas, por um lado, que são distintas
entre si, e por outro, a natureza de todas as coisas, que é a mesma. Essa natureza é a
ausência de uma essência de suas características. No entanto, quando essa mesma
natureza é reconhecida, verifica-se que não existe qualquer diferença entre "coisas", de
um lado, que são distintas entre si e, de outro lado, a "natureza" de todas as coisas, que é
a mesma. Essa natureza é a ausência de uma essência para suas características. Entretanto,
quando essa natureza em si é reconhecida, vê-se que não há diferença entre as coisas e
sua natureza. O convencional e o absoluto são os mesmos, porque qualquer coisa é a
79
expressão da sua natureza, e a natureza de cada coisa é a mesma. Portanto, uma vez que
cada coisa exprime a mesma natureza, cada coisa em sua natureza é a mesma.

É isso que é para ser entendido aqui. Esta décima coisa a ser entendida é direcionado
principalmente para praticantes experientes, que têm alguma realização, e para eles é algo
não apenas para ser compreendido, mas para ser praticado e realizado. Para os iniciantes,
é algo que deve ser entendido como um conceito ou uma ideia.

Estas são as dez coisas a serem conhecidas ou compreendidas. A compreensão dessas


coisas que chega por meio do raciocínio inferencial, no contexto de estudo e reflexão, é
bastante diferente da realização direta do seu significado, que só pode vir por meio da
prática de meditação. Compreender por si só não é uma base suficiente para as decisões
morais, para decidir o que aceitar e o que abandonar. Devemos saber a diferença entre um
reconhecimento conceitual e a realização definitiva.

80
CAPÍTULO 7 - AS DEZ COISAS A SEREM PRATICADAS

A lista anterior era de dez coisas a serem conhecidas e, em seguida, temos as dez coisas
que realmente devemos praticar.
A primeira é que, tendo entrado pela porta do dharma, não se deixe levar pelo
comportamento de rebanho como nas atividades humanas insignificantes, mas pratique o
dharma adequadamente. Uma vez que tenhamos começado a prática do dharma, é
importante contar com as condições apropriadas que apoiarão a nossa prática inicial do
dharma, como ficar em um ambiente solitário onde a prática é possível, e nos cercar de
companheiros que irão nos ajudar. Não devemos nos permitir ser atraídos para um monte
de atividades insignificantes e distrativas. Isso pode acontecer com muita facilidade no
início, nos impedindo de fazer pleno uso da nossa entrada na prática do dharma. É
importante, desde o início de nossa prática até o dia da nossa morte, fazer pleno uso da
oportunidade que é o dharma, criando condições que favoreçam a prática, como o
ambiente, companheiros, e assim por diante.
A segunda coisa a ser praticada é, tendo abandonado o seu local de nascimento, não se
estabeleça muito firmemente em qualquer lugar. Em outras palavras, pratique sem apego.
Como foi dito antes, é importante abandonar o seu local de nascimento, o lugar pelo qual
você está mais conectado, com a aspiração correta de desejar transcender o
aprisionamento do samsara. Você pode deixar o local de seu nascimento, mas se você
não abandonar o apego, você vai recriar os vínculos associados à sua terra natal em algum
outro lugar. Você vai se identificar com um ambiente específico e se acomodar nele, o
que não é melhor do que estar preso à sua terra natal. É importante que, não importando
onde você esteja, manter uma falta de apego.
A terceira coisa a ser praticada é, confiando em um autêntico guru, abandonar a
arrogância, e praticar de acordo com o comando dele ou dela. Ao confiar em um
professor, deve-se respeitar a validade de seus ensinamentos e instruções e não ter o tipo
de atitude arrogante que o faz pensar interiormente que você sabe mais. Diz-se que as
qualidades não podem restar sobre a dura esfera de ferro da arrogância. As pessoas muitas
vezes têm uma atitude de pensar assim: "Meus professores sabem muito sobre o dharma,
mas eu não vou tomar os seus conselhos sobre as coisas mundanas. Quando se trata de
decisões realmente sérias, eu não confio tanto neles." Se você tem uma desconfiança tão
grande assim sobre seus gurus, que surgem a partir de uma espécie de arrogância, não há
possibilidade de você gerar em si as qualidades deles e desenvolver o tipo de compaixão
que eles encarnam.

81
A quarta coisa a ser praticada é, depois de ter treinado sua mente através da escuta e da
contemplação, ou através do estudo e análise, não basta apenas estar envolvido em falar
sobre isso, mas realmente colocar o que você entendeu em prática. Receber instruções ou
chegar a um entendimento e apenas repeti-lo aos outros não vai fazer nenhum bem. Tudo
que faz é criar ecos. Quando você está com fome e você tem comida, você só vai aliviar
a fome na medida em que você realmente comer. Todo o propósito de possuir alimentos
é que são para ser consumidos, a fim de aliviar a fome de alguém. Da mesma forma, você
deve realmente colocar em prática e fazer uso de qualquer instrução que você receba e
qualquer coisa que você vir a compreender através da análise.
A quinta coisa a ser praticada é que, se a experiência ou realização é gerada em seu
contínuo mental, não fique satisfeito com apenas isso, mas continue a praticar sem
distração. Com frequência é possível ter algum tipo de experiência ou leve realização e
achar que isso é o suficiente, que mais diligência e prática são desnecessárias. Isso está
errado. É como tentar esfregar dois pedaços de madeira para fazer fogo, e quando eles
começam a soltar fumaça, achar que isso é o suficiente. A fumaça é uma indicação de que
se você continuar a fazer fricção, você obterá uma fogueira, pois a fumaça em si não é
fogo; fumaça não é o suficiente. As indicações de sucesso que você experimenta em suas
práticas não são indicações de que você não tem necessidade de praticar mais; eles são
indicações que se você praticar ainda mais diligentemente, você vai chegar a algum
resultado ou fruição. Portanto, a experiência e a realização devem estimulá-lo a um
esforço adicional e não para abandonar o esforço.
A sexta coisa a ser praticada é que quando a prática tiver, em certa medida, entrado em
seu contínuo mental, não se perca em distrações sem sentido em meio a muitas pessoas,
mas continue a prática. Por exemplo, depois de ter terminado um período de retiro, se
você entrar em um estado de completa distração e perder muito tempo, então, com o
passar do tempo, o benefício recebido a partir da prática, as indicações de uma prática
bem sucedida, e as mudanças em sua personalidade que são marcas de prática, vão
diminuir, e sua distração e negligência aumentarão. Finalmente, se não se afastar dessa
direção, você vai se dar conta que não tem ficado a menor impressão de qualquer tipo de
benefício deixado pela prática que tem feito. O ponto é que se você pratica, você tem que
continuar praticando. Você não pode parar e ser apenas descuidado.
A sétima coisa a ser praticada é, depois de ter se entregue ao compromisso de uma certa
disciplina e modo de conduta na presença do khenpo, ou upadyaya, ou preceptor no caso
de vinaya, ou o mestre vajra no caso de samaya, não deixe suas três portas – seu corpo,
fala e mente – decaírem em descuido e preguiça, mas continuamente pratique os três
82
treinamentos em conformidade com os compromissos que você fez. Os três treinamentos
são disciplina pessoal ou moralidade, meditação e a aquisição de sabedoria e
compreensão.
A oitava coisa a ser praticada é, tendo gerado bodhicitta – a intenção de atingir o supremo
despertar – não pratique apenas para seu próprio benefício, mas execute todas as
atividades, e especialmente toda a prática, para o benefício de outros. Em conexão com
isso, muitas pessoas vêm a mim e dizem: "Eu não posso tomar o voto de bodhisattva,
porque eu sou realmente mais preocupado comigo mesmo. Eu não posso simplesmente,
de uma hora para outra, renunciar esse pensamento e fingir que eu estou preocupado
apenas com as outras pessoas”. De certa forma esta é uma observação válida, mas quando
você toma o voto do bodhisattva não há a expectativa de que você imediatamente, em um
instante, se torne perfeito. Você tem que continuar trabalhando, ou fazendo o que quer
que você precise fazer para sobreviver, mas você deve praticar o dharma o máximo que
você possa, e praticá-lo para o benefício dos outros. Lentamente, por incutir tal
motivação, a preocupação para com os outros vai crescer, o treinamento relacionada com
o voto de bodhisattva vai se enraizar em você.
A nona coisa a ser praticada é, depois de ter entrado pela porta do mantra secreto através
receber a iniciação, não deixe o seu corpo, palavra e mente em um estado ordinário, mas
pratique o estabelecimento de seu corpo, palavra e mente como sendo as três mandalas.
Isto significa reconhecer que o seu corpo é a divindade, que a palavra e todos os sons são
o mantra, e que tudo o que ocorre na mente é a extensão da sabedoria. O ponto é manter
a atitude que o seu corpo, palavra e mente são o corpo, palavra e a mente de todos os
Budas.
Em seguida, a décima coisa a ser praticada é que, quando se é jovem, não se deve perder
tempo vagando sem sentido, mas praticar com austeridade na presença de mestres
autênticos. Quando as pessoas são jovens tendem a ir passear, a viajar e buscar novas
experiências. Por exemplo, no Tibet, quando as pessoas eram jovens, muitas vezes
gastavam muito tempo indo em peregrinação para as dezoito regiões e assim por diante.
É verdade que estes são lugares que têm grandes bênçãos, porque eles foram consagrados
pelos siddhas do passado, mas ir para as diversas montanhas, e assim por diante, envolve
uma boa porção de dificuldades e trabalhos. Seria melhor, quando você é jovem e tem
uma mente clara e um corpo forte, fazer uso dessas faculdades, não em tais atividades,
mas para ficar em um lugar e praticar na presença de professores, o que, em geral, envolve
as mesmas dificuldades.

83
Estas são as dez coisas a serem praticadas.

84
CAPÍTULO 8 - AS DEZ COISAS PARA SE PERSISTIR

Em seguida, as dez coisas para se persistir, ou as dez coisas sobre as quais devemos ser
diligentes.

A primeira é ser diligente em ouvir ou contemplar, ou estudar e analisar. Quando você é


um iniciante, por não saber absolutamente nada sobre o dharma, não se pode praticar,
porque não se sabe o que praticar e como praticar. No início, é importante se concentrar
em adquirir as informações necessárias e certificar-se do entendimento.

A segunda coisa a ser persistente é, tendo gerado a experiência e os conhecimentos


básicos que vem da aquisição de informação e análise, enfatizar a prática da meditação.

No contexto da prática da meditação, o terceiro ponto é, até você alcançar a estabilidade,


pratique na solidão. Estabilidade significa em sua prática, um estágio em que a sua mente
não é afetada de forma alguma por qualquer tipo de condições ou circunstâncias externas,
de qualquer natureza, e não é afetado também por nenhum tipo de pensamento ou emoção
que pode ocorrer na mente. Até atingir esse grau de estabilidade, é necessário praticar na
solidão.

No contexto de uma prática intensa, o quarto ponto é, se achar que sua mente divaga
muito e está constantemente distraída pelos objetos, e se achar que é vítima da excitação
ou agitação da mente, então, seja diligente relaxando sua consciência para pacificar essa
agitação.

O quinto ponto é, se por outro lado achar que é presa do torpor e confusão mental, então
eleve a sua consciência. Isso significa, por exemplo, endireitar sua postura e ligeiramente
intensificar a aplicação de consciência. Dos dois defeitos que são mencionadas aqui, o
primeiro, jingwa, o que significa leseira ou torpor, é um estado de depressão física e
mental ou sonolência, não necessariamente depressão emocional e a segunda, mukpa, ou
confusão mental, é uma falta de clareza mental.

O sexto ponto é, até que sua mente se torne estável, enfatize o mesmo posicionamento.
Mente estável refere-se ao estado em que a mente não é afetada por pensamentos, o estado
em que a mente pode dirigir-se a um objeto sem que haja qualquer tipo de obstáculos
surgidos dos pensamentos recorrentes. Até você chegar a esse estágio, deve se concentrar
no mesmo posicionamento, o que neste caso significa a prática da meditação ou shamata.

O sétimo ponto é, quando você se tornou estável no mesmo posicionamento, em seguida,


enfatize a pós-meditação. Pós-meditação aqui, não significa não praticar, significa a
classe de práticas formais que são feitas a fim de acumular mérito; são mais estruturadas
85
do que shamata básico ou meditação da tranquilidade. O ponto aqui é, quando nós
ganhamos alguma tranquilidade, devemos então aplicar isso para a acumulação de mérito,
a fim de que nossa prática de tranquilidade não se torne apenas a absorção dos reinos sem
forma.

O oitavo ponto é, se parece haver muitas condições adversas, concentre-se em aplicar


diligentemente os três tipos de paciência. Quando as coisas não vão bem com qualquer
aspecto de sua prática ou de sua vida, deve-se aplicar apropriadamente o tipo de paciência,
ao invés de tentar fugir das circunstâncias.

O primeiro tipo de paciência é a aceitação do sofrimento. Isso significa aceitar a


experiência do sofrimento que você está passando, e não tentar fugir dela ou negá-la, mas
trabalhar com ela diretamente. O segundo tipo de paciência é a certeza sobre o dharma.
Isso significa ser paciente com a profundidade do dharma, que pode não ser muito fácil
de entender, e ser paciente com o processo de crescimento para compreendê-lo. O terceiro
tipo é, literalmente, "a paciência que não pensa absolutamente em nada", significa, a
paciência de não tornar as coisas como sendo algo relevante. Refere-se a situações em
que alguém é agressivo com você, significa não reagir por intrigas; não pensar, "Fulano
de tal fez (ou disse) isso, o que devo fazer (ou dizer) de volta?", bem como não elaborar
estratégias ou manobras complicadas, mas só pensar: "Bem, isso não é grande coisa, eu
não tenho que fazer nada sobre isso”.

O nono ponto é, se você tem um grande apego e fixação em alguma coisa, então com
força ou violência reverter esse apego. Isso significa concentrar-se em transcender
qualquer forma particular de apego que atormentam a maioria. Há um exemplo para esse
caso. Havia um professor Kadampa e, num dado momento, alguém chegou pedindo-lhe
sua comida, ou seja, sua farinha de cevada torrada ou tsampa. Ele não tinha muito tsampa,
e foi originalmente dando a essa pessoa um punhado, porque quando olhou para o que
tinha, pensou que era tudo o que poderia poupar. Percebeu, ao medi-lo daquele jeito, que
estava muito ligado a este alimento, então deu tudo ao mendigo o que tinha, apenas para
ser capaz de cortar diretamente essa postura de avareza.

Finalmente, se você achar que não tem muita bondade e compaixão, então concentre-se
em desenvolver a bodhicitta. Você deve considerar cuidadosamente os benefícios da
bodhicitta, uma vez que é a única causa possível do estado de Buda, e os defeitos de não
possuir a bodhicitta, pois sem ela não há nenhuma possibilidade do despertar. Portanto,
considere a necessidade de se engajar no processo de desenvolvimento da bondade-
amorosa e compaixão. Motive-se a si mesmo e analise a situação. Compreenda que não
86
importa como possa parecer, a raiz de todo o sofrimento é na realidade o desejo de realizar
em benefício próprio os nossos próprios objetivos, e a raiz de toda a felicidade é a
renúncia a essa preocupação; diz respeito ao desejo de realizar em benefício dos outros.
Tendo compreendido essas coisas como elas são explicadas nos textos Mahayana,
devemos cultivá-las da melhor maneira possível.

Estas são as dez coisas a serem feitas de forma diligente, ou as dez coisas para enfatizar
em situações específicas.

87
CAPÍTULO 9 - AS DEZ EXORTAÇÕES

Em seguida, vêm as dez exortações.

A primeira delas é, pensando na dificuldade de se obter a liberdade e os recursos da


existência humana preciosa, exorta-se para a prática do dharma sagrado. Considere-se
que a única base possível para a realização da existência humana preciosa é ter acumulado
uma quantidade inconcebível de mérito sobre um período longo e inconcebível de tempo,
e por isso é muito, muito duro alcançá-la, e muito improvável que pudéssemos alcançá-
la sem o esforço intencional através do cultivo da virtude. Pensar dessa maneira nos exorta
à prática de dharma.

Em segundo lugar, pensando na morte e impermanência, exortamos a praticar da virtude.


Considere, ainda, que esta existência humana preciosa que possuímos agora, que é tão
rara, não dura muito tempo, portanto, não há tempo a perder. Se quisermos fazer uso dela
e se quisermos obtê-la novamente, devemos praticar a virtude tanto quanto possível. Estas
considerações levam a realmente se envolver na prática.

Em terceiro lugar, pensando na infalibilidade dos resultados das ações, exorta-se a


abandonar as transgressões. Uma ação negativa não só causa dano aos outros, mas
também a si mesma, porque produz um resultado desagradável na experiência futura do
executor da ação. E uma ação virtuosa não só ajuda os outros, mas vai certamente ajudá-
la no futuro. Se considerar e tiver confiança nisso, naturalmente irá evitar tudo o que é
nocivo.

Em quarto lugar, considerando-se os defeitos do samsara, exorta-se para a atingir a


liberação. Lembre-se que não importa em qual dos seis estados de existência18 tenhamos
nascido, é uma experiência inteiramente composta dos três tipos de sofrimento19.
Pensando realmente sobre o quão ruim é o samsara, você naturalmente irá desenvolver a
motivação para ser liberado daquele estado de existência, e você vai realmente se
envolver nos métodos que levam à liberação.

18
Os seis estados de existência são: seres dos infernos, espíritos famintos, animais,
humanos, semideuses e deuses.
19
Os três tipos de sofrimento são: sofrimento do sofrimento, o sofrimento da mudança e
p sofrimento da existência condicionada.
88
Em quinto lugar, pensando que você não está sozinho em seu sofrimento, que todos os
seres sencientes dentro do samsara passam por um sofrimento terrível, exorta-se a
cultivar bodhicitta.

Em sexto lugar, pensando que as atitudes de todos os seres sencientes estão incorretas ou
equivocadas, exortam-se a serem diligentes a ouvir e contemplar. Ao reconhecer o fato
de que a forma como todos nós vemos a nossa experiência é equivocada ou imprecisa,
você reconhece a necessidade de estudar e analisar a informação que é adquirida por meio
do estudo.

Em sétimo lugar, pensando em como é difícil extirpar o hábito da confusão que temos
cultivado durante um período de tempo sem começo, exorta-se a praticar a meditação.

Em oitavo lugar, pensando que, nestes tempos degenerados as aflições mentais tornam-
se mais e mais fortes, exorta-se a aplicar o remédio ou antídoto específico para cada um.

Em nono lugar, pensando que nesses tempos degenerados em que vivemos há muitas
condições adversas, exorta-se a aplicar a paciência. Diz-se que a paciência é
especialmente necessária em tempos ruins ou degenerados porque há tantas condições
adversas que aumentam os casos de pessoas que prejudicam os outros. Tê-la em tais
circunstâncias, é dito ser a mais importante qualidade no dharma. Portanto, torna-se cada
vez mais necessário o cultivo da paciência.

Em décimo lugar, pensando que a constante distração desperdiçará toda a sua vida
humana, exorta-se a ser diligente.

Estas são as dez coisas para usar como exortações.

89
CAPÍTULO 10 - OS DEZ DESVIOS

Em seguida, estão os dez desvios.

O primeiro deles é que, se você tem pouca confiança, mas é muito intelectual, arrisca-se
a se tornar um grande falador. Se entender o dharma intelectualmente, mas não tiver
muita fé, você não vai praticá-lo realmente, e, consequentemente, o seu entendimento se
tornará um mero aglomerado de palavras.

O segundo risco é que se, por outro lado, você tiver uma grande quantidade de fé, mas
não tiver muita compreensão, então vai se arriscar a conceber tudo de forma literal e,
assim, avançar cegamente, ou esforçar-se com intensidade sem saber o que está fazendo.
Isto significa que você não terá nenhum reconhecimento do significado do que está
praticando, e, assim, não será realmente capaz de atingir a liberação que a prática poderia
proporcionar.

Em terceiro lugar, se tiver muita energia, mas lhe faltarem instruções, corre o risco de
fazer as práticas com defeitos e erros. Você pode ser muito diligente na sua prática, mas
não receber instruções de professores qualificados, incluindo conselhos como: "quando
isto é feito, isso pode acontecer, e se aquilo acontecer, então você deve fazer tal coisa; se
esta experiência surge, então não se preocupe, só significa que você deve proceder de
maneira tal", e assim por diante. Se não tiver tais instruções, vai ser enganado por suas
próprias experiências, e desviar-se para o engano e a ruína.

Em quarto lugar, se você previamente não cortar os equívocos através do estudo e


análise, ou escuta e contemplação, a prática de meditação tornar-se-á simplesmente o
cultivo do estado de escuridão mental ou estupidez. Isto seria como apenas estar sentado
e tentando não pensar, apenas se fechando e se isolando.

Em quinto lugar, se você não colocar imediatamente em prática o seu entendimento do


dharma, vai se tornar um estudioso fatigado. Quando você chegar a um entendimento de
algo ou receber algumas instruções práticas, se não as utilizar imediatamente, o desejo de
usá-las se torna cada vez menor ao longo do tempo. Você se torna mais e mais cansado
e começa a pensar menos e menos no valor do dharma e das instruções que recebeu.
Você continua a receber mais e mais instruções e adquirindo mais e mais conhecimento
ou informação, mas permanece apenas como informação, e tem cada vez menos vontade
de praticar. Por outro lado, se imediatamente põe em prática as instruções que recebe, o
seu desejo de praticá-las aumenta. Quanto mais prática você fizer, mais o seu respeito
pelas instruções e a compreensão do seu verdadeiro valor irá aumentar.

90
Sexto, se você não treinar no aspecto do método, cultivando a compaixão, então, ao se
preocupar apenas com seu próprio benefício e com sua própria liberação, há o risco de se
desviar para o veículo menor. Isto significa que se não gerar uma intenção pura por ter
compaixão e genuíno interesse em benefício dos outros, não importa que prática esteja
fazendo, ela ainda será do veículo inferior, uma vez que é a motivação que as distingue.
Mesmo que se esteja praticando o mantra secreto, que é certamente o veículo maior,
fazendo pujas, visualizando divindades, recitando mantras, e assim por diante, se não tem
compaixão, então não é realmente o mantra secreto. Essa situação se parece um pouco
com a de alguém que tem uma arma muito poderosa que poderia disparar uma bala com
muita precisão a longa distância, mas dispara apontando para o chão. Assim, é essencial
ter o compromisso e compreender a importância de enfatizar o benefício de outras pessoas
na sua motivação para a prática.

Em sétimo lugar, se não treinar sua mente no aspecto da sabedoria, que é a compreensão
correta da vacuidade, o que quer você pratique será simplesmente o cultivo de mais
samsara. Se não chegar a um entendimento da vacuidade, então o que você fizer terá a
marca do apego e uma crença persistente em sua própria existência inerente como sua
motivação básica ou ponto de partida. Tendo isso como base, não importa o que você
pratique, se é o mantra secreto mais profundo ou qualquer outra coisa, isso só vai
aumentar o cultivo do ego.

Em oitavo lugar, se você não transcender ou derrotar os oito dharmas mundanos,


qualquer prática será apenas um ornamento mundano. Se a motivação para a sua prática
é o desejo de adquirir bens, fama, respeito e serviço, e o medo que estes possam diminuir,
então a prática do dharma irá conduzir a uma ligeira obtenção de tais coisas, tal como um
belo ornamento sem significado, que não leva a nada.

Em nono lugar, se as pessoas em aldeias ficam muito interessadas e tem muita fé em


você, pode se desviar e tornar-se alguém que só atende aos desejos das outras pessoas.
Este ponto é expresso em termos de uma situação que pode surgir no Tibet: se você é um
praticante e deixar moradores ter muita fé e interesse em você, só vai se tornar um escravo
da popularidade. Isto significa que se você atender demasiadamente as solicitações de
outras pessoas, este é o lugar onde sua mente estará, e sua prática vai degenerar em
simplesmente tentar agradá-los.

Em décimo lugar, se tiver gerado algumas qualidades e poderes pessoais por meio de sua
prática, mas a sua mente não se estabilizou – ter adquirido algumas qualidades em sua
prática, mas não as ter estabilizado ou maturado, permitindo permanecer na solidão,
91
concentrando-se em apenas praticar, – então pode se tornar alguém que vagueia em torno
das aldeias fazendo pequenos pujas para agradar as pessoas e adquirir oferendas.

Estes são os dez tipos de desvios.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

P: Foi dito que o sofrimento e as enfermidades são bons professores. Devemos então parar
de ter compaixão por aquelas pessoas que têm doenças e sofrem?

R: É necessário ter compaixão quando outras pessoas estão doentes e sofrendo porque,
do seu próprio ponto de vista, a aspiração de olhar para o sofrimento dos outros e desejar
que seu sofrimento possa ser absorvido em seu próprio sofrimento para que não tenham
mais que passar por eles, é a base para o desenvolvimento e caminho da bodhicitta. No
que diz respeito ao seu próprio sofrimento, você deve ver isso como uma demonstração
dos resultados de ações negativas, e isso irá inspirá-lo a evitar transgressões e cultivar a
virtude. Mas com relação ao sofrimento dos outros, é importante ter a forte intenção de
fazer tudo o que puder para aliviar seu sofrimento. Se você realmente tem a capacidade
de fazer isso fisicamente, você deve fazê-lo. Se não, você deve aspirar a desenvolver a
capacidade de aliviar o sofrimento de todos os seres, e dedicar a virtude e o mérito de
qualquer prática que você faça, qualquer mantra que você recite ou meditações que você
pratique e assim por diante, isso tudo para aliviar o sofrimento de todos seres e, em
particular, aqueles seres que entram em contato com quem estão manifestamente
sofrendo. Quando você vê pessoas doentes ou sofrendo, você não deve pensar: "Bem, isso
é um bom professor para eles. Estou feliz que eles tenham isso", porque essa atitude só é
útil quando é aplicada às suas próprias experiências, não para as dos outros.

P: Em relação aos diferentes estágios de lidar com a agressão, parece que seus
ensinamentos estão basicamente dizendo para desistir dos apegos e dos oito dharmas
mundanos; fama, respeito, riqueza, ganho e perda. Nesse contexto, se você tem fé nos
professores e fé na prática, embora você não tenha tido muita experiência, me pergunto
se a ideia deve ser, em certo sentido, não se preocupar e não se importar com o que as
pessoas dizem, contanto que você continue praticando e mantendo o relacionamento com
seus gurus?

R: Sim

92
P: Nos dias de hoje as pessoas vão dizer que isso é loucura.

R: Se você tem uma confiança estável no dharma, pode simplesmente esquecer a


agressividade dos outros, porque o terceiro tipo de paciência, a paciência de não dar
grande importância às agressões dos outros, consiste apenas em não pensar em nada disso.

P: Apenas solte e não se preocupe com as consequências?

R: Se você é um praticante, não precisa pensar nisso em absoluto. Você não precisa se
preocupar com as consequências futuras, você não tem que tentar descobrir ou imaginar
qual poderia ser sua motivação, ou qualquer coisa assim. Apenas esqueça isso.

P: Então você apenas faz sua prática e mantém sua motivação tão pura quanto você possa?

R: Sim, você só precisa se preocupar com sua própria motivação e não com a dos outros,
porque se começar a pensar sobre quais são as motivações das outras pessoas, talvez não
seja capaz de defini-las. Além disso, se você tentar corrigir a motivação deles ou a
maneira que eles olham para as coisas, embora seja possível que possa ser capaz de ajudar,
é mais provável que vai só reforçar mais suas aflições mentais.

P: Você falou sobre lidar com sua mente de maneiras diferentes de acordo com os
diferentes yanas ou veículos. No hinayana, você tenta cortar seu próprio sofrimento, no
mahayana você percebe que outras pessoas estão sofrendo e você tenta fazer coisas para
o benefício dos outros, e então no vajrayana, você vê sua mente como o dharmakaya ou
sabedoria. Quando você passa por esse processo, dos dois primeiros yanas, no momento
em que você se torna um praticante vajrayana, você pode ver sua mente como ela é e tem
mais espaço ao seu redor para seus pensamentos? Seus pensamentos mudam ou eles se
mantem essencialmente na mesma natureza, então, seria apenas a maneira que você
trabalha com eles quando surgem que é diferente?

R: A gradação de abordagens correspondentes aos diferentes veículos é como você disse.


Quanto à situação de um praticante vajrayana, existem dois tipos de praticantes de
vajrayana: um praticante vajrayana no nome e um verdadeiro praticante vajrayana.
Quando começamos a praticar o vajrayana, somos apenas praticantes vajrayana no nome.
Não temos qualquer nível de realização vajrayana; que virá por meio da prática. Diz-se
93
que não há necessidade de fazer cessar os pensamentos e que isso, na verdade, seria
impossível. No entanto, no caso de um praticante de arya - alguém que atingiu pelo menos
o primeiro nível de bodhisattva, ou bhumi, temos que distinguir a presença ou ausência
de pensamento de acordo com o seu comprometimento com a meditação de colocação
contínua ou com a pós -meditação. Então, é como ter asas, ele ou ela transcende um monte
de besteiras. No entanto, os pensamentos não cessam para um praticante vajrayana
autêntico. Tal praticante vê a natureza dos pensamentos serem auto-liberados e vê que
não podem prejudicar a sua realização. Um autêntico praticante vajrayana é alguém que
realmente alcançou as realizações correspondentes aos veículos anteriores e gerou as
qualidades que esses veículos incorporam e, além disso, está começando realmente a
desenvolver as qualidades do caminho vajrayana.

P: Então, no vajrayana, o caminho é reconhecer a natureza dos pensamentos cada vez que
surgem?

R: Isso seria muito bom, mas também seria muito difícil. Basicamente o que é enfatizado
é, quando uma forte aflição mental ou klesha surge, olhar diretamente para a essência ou
natureza daquela aflição mental, e vê-la ser auto-liberada. Não é tanto qualquer
pensamento, mas uma forte aflição mental, que é tratada dessa maneira.

P: Esta pergunta tem a ver com fixação mental. Em geral, ela aparece a partir dos
ensinamentos de que qualquer ideia conceitual sobre o mundo é uma fixação mental. Mas
na prática da meditação, quando a mente se torna fixada no mesmo pensamento distraído
repetidas vezes, a forma de trabalhar com aquela fixação é apenas olhar continuamente
para aquilo como ‘pensando’, e então gradualmente ela se liberta de sua natureza
conceitual? Por exemplo, quando eu estou tentando visualizar Tchenrezig, em certos
momentos o mesmo pensamento se intromete várias vezes, como um disco quebrado.
Após algum tempo eu percebo, “Isto é pensar”. Eu continuo a retornar para a visualização,
mas quanto mais eu tento, mais os pensamentos continuam surgindo.

R: Bem, isso é como o treinamento no estágio de criação. No começo você gera uma
visualização, e então você fica distraído, e então você retorna para a visualização, e aí
novamente você fica distraído e você volta, e assim por diante. Essa experiência surge
para todos no começo desse tipo de treinamento. Para lidar com isso, vários métodos ou
abordagens para a visualização são apresentados, a fim de que o praticante possa evitar
94
essa síndrome de disco quebrado. Por exemplo, digamos que você está visualizando uma
deidade no espaço à sua frente. Às vezes você dirige sua atenção para a presença da
deidade e para a forma inteira, e outras vezes você passa pelos detalhes da aparência,
começando do topo da cabeça até embaixo, e então de baixo para cima, e assim por diante.
Por meio de tais métodos, em algum momento sua mente começa a se tornar treinada e
domada no contexto daquela visualização, e então ela virá a repousar mais na
visualização. Até você se tornar treinado, você ainda terá que passar pela experiência de
se distrair e retornar à técnica, que é neste caso a visualização. Ao começar a visualizar
divindades, frequentemente as pessoas tem a experiência de esquecer, no sentido mais
básico dessa palavra, como é a divindade, tendo realmente que tentar lembrar o que eles
estão vestindo, quais são seus ornamentos e assim por diante. Para treinar as pessoas, há
visualizações adicionais, como projeção e retirada de raios de luz, bem como várias
maneiras de clarificar a visualização da forma da divindade, como começar a partir do
interior e sair, ou a partir do exterior para o interior. Há também visualizações mais
complexas, por exemplo, uma em que raios de luz são projetados do coração da divindade
e faz oferendas a todos os Budas e bodhisattvas, e então os raios de luz são trazidos de
volta, saem novamente e transformam todos os seres sencientes na divindade, purificando
seus obscurecimentos. A função de todas estas (visualizações) é permitir que a mente do
praticante repouse dentro da estrutura da visualização.

P: Eu tenho uma pergunta sobre a visão da vacuidade. O shentong é a visão última do


vazio? Além disso, eu me lembro que você disse uma vez nos ensinamentos sobre “O
Profundo Significado Interior”20 que árvores não tem senciência, mas alguns budistas que
estudaram o Sutra Avatamsaka dizem que cada objeto tem senciência. Quais são as visões
corretas de senciência e vacuidade?

R. Existem evidentemente diferentes interpretações das palavras dos sutras. Seções do


Sutra Avatamsaka que possam ser interpretadas em outro lugar, da forma que você sugere,
tradicionalmente não têm sido interpretadas dessa maneira no Tibet. Do ponto de vista do
sutra, não se considera que objetos inanimados tenham consciência. Do ponto de vista do

20
O Profundo Significado Interior (Zab mo nang don) é um ensinamento do Terceiro
Karmapa, Rangjung Dordje. Khenpo Karthar deu ensinamentos sobre esse texto em 1990
no KTD.
95
tantra, os cinco elementos dos quais os objetos inanimados são compostos são em sua
natureza os cinco budas femininos, as cinco consortes, e elas são da natureza da sabedoria.
Portanto, embora não seja afirmado nos sutras que objetos inanimados têm consciência,
nos tantras é dito que tudo é da natureza da sabedoria. No que diz respeito ao “vazio do
outro” ou posição shentong ser ou não a declaração final e última da vacuidade, em geral,
há dois aspectos para se determinar o status das coisas vivenciadas. Quando se determina
que as aparências que experimentamos não têm existência ou natureza inerentes e,
portanto, estão vazias de possuir sua própria natureza individual que as torna o que elas
são, então isso é chamado de "a determinação da auto-vacuidade " ou rangtong. Além
disso, quando se determina que a vacuidade, a natureza que é a falta da existência inerente
de todas as coisas, não é meramente uma total ausência de nada, mas é ao mesmo tempo
a presença espontânea de todas as qualidades do despertar - os corpos e reinos de todos
os Budas - então, uma vez que a natureza é vazia de impurezas que sejam outras que não
ela própria, isso é chamado de "vazio de outra determinação" ou a abordagem shentong.
As duas visões, portanto, não são particularmente conflitantes. Quanto, a saber, se é ou
não é este tipo de abordagem a última dentre os ensinamentos do Buda, há muitas
asserções diferentes sobre qual interpretação das palavras do Buda é, afinal, a mais
profunda. Do ponto de vista dos ouvintes e dos realizados solitários - os shravakas e os
pratyekabuddhas - a realização da existência não-inerente do eu pessoal é o significado
final e último dos ensinamentos do Buda. Aderindo a essa posição, eles atingem o estado
de um arhat. Do ponto de vista daqueles que aderem à escola cittamatra, essa é a posição
última; e do ponto de vista daqueles que aderem a qualquer das escolas do caminho do
meio, eles são as posições últimas/finais. Portanto, não posso dizer que a visão shentong
é a última/final e é superior às outras aos outros. Se você considerar a visão do mantra
secreto como a visão mais elevada e o destino final dos ensinamentos do Buda, então
pode-se dizer que entre os pontos de vista do sutra, é a visão shentong que mais se
aproxima da visão do mantra secreto ou vajrayana. Nesse sentido, é útil porque uma
compreensão da visão shentong é uma boa maneira de obter acesso à visão do vajrayana.
Ao invés de ver uma dessas várias apresentações como última/final e excluir outras, é
mais útil, do ponto de vista vajrayana, vê-las como passos em uma escada.

96
CAPÍTULO 11 - AS DEZ CONFUSÕES DE UMA COISA COM OUTRA

O próximo capítulo está relacionado às dez situações em que se pode confundir uma coisa
com outra. Refere-se a dez situações em que duas atitudes podem ser similares em
aparência, mas são muito diferentes em seu efeito e natureza e, portanto, podem
facilmente ser confundidas uma pela outra.

A primeira delas é que é possível confundir a fé e o desejo. Quando você tem fé em


alguém, isso é bom, é prazeroso. Quando você está pessoalmente ligado a alguém, você
também se sente bem. É possível confundir uma coisa pela outra na sua atitude com seus
professores. A fé nos professores é a valorização do fato de que através de sua realização,
compreensão e compaixão, ensinam o caminho que conduz à liberação e onisciência. É
um interesse neles e no que eles ensinam, um respeito por eles e pelo método.

Por outro lado, o apego, o desejo, ou a fixação pessoal pelos professores acontece por se
estar atraído por eles e se ter prazer por sua raça, sua aparência, pelo fato de que eles
podem ser jovens, ou algo efêmero ou superficial em sua personalidade.

Em segundo lugar, é possível confundir apego por bondade genuína e compaixão. Amor
e compaixão se distinguem de apego quando são igualmente aplicados aos seus amigos e
seus inimigos. O amor genuíno e compaixão não fazem distinção com base na sua relação
com o objeto de compaixão. Eles são o desejo de que todos os seres sencientes, sem
exceção tenham a felicidade e as causas da felicidade, e o desejo de que todos os seres
sencientes, sem exceção, sejam livres do sofrimento e das causas do sofrimento. A tônica
dessas duas atitudes é que não há nenhuma esperança envolvida de qualquer natureza de
retorno ou qualquer tipo de satisfação pessoal como resultado da felicidade dos outros.

No caso do apego por alguém, você deseja o bem a essa pessoa, mas ele está baseado em
uma identificação com ele ou ela como "meu amigo, meu filho, minha filha”. Essa
identificação e sentimento de propriedade ou de territorialidade estão relacionados com
querer algum tipo de retorno. Você desfruta da felicidade dessa pessoa por ter uma
identificação com ele ou ela, e, portanto, em essência, é apenas o desejo para seu próprio
benefício. Tal apego pode muito facilmente se transformar em aversão, raiva e ódio. Esta
é a diferença entre a compaixão e o apego.

Terceiro, é possível confundir a natureza vazia de todas as coisas com a vacuidade


conceitualmente imputada. Isto é, podemos confundir a vacuidade genuína com uma ideia
de vacuidade. A vacuidade genuína, a verdadeira natureza de todas as coisas, está além
97
de qualquer tipo de elaboração, significa que está além de qualquer tipo de descrição ou
apreciação conceitual. Ela não pode ser encontrada através do pensamento. Portanto,
quando pensamos sobre a vacuidade e geramos um conceito ou ideia sobre isso, tudo o
que podemos fazer é negar aspectos da nossa experiência e chamar essa negação de
vacuidade. Não há nenhuma experiência direta da vacuidade em tal raciocínio. Raciocínio
pode ser útil, mas não pode levar a uma experiência direta da própria natureza. Ele só
pode conduzir à negação parcial de conceitos errôneos. A vacuidade verdadeira
transcende não só a existência ou a afirmação da existência, mas também a não existência
ou negação da existência. A vacuidade é inconcebível e, portanto, deve-se distinguir de
uma ideia conceptual dela.

Em quarto lugar, é possível confundir o domínio dos fenômenos, o dharmadhatu, e a


visão niilista. Porque o dharmadhatu é a natureza de todas as coisas, ele transcende o fato
de ser uma coisa interdependente. Não é ocasionado por causas e condições. Não é um
produto e não é um fenômeno composto. Isto é muito diferente da visão de que não há
interdependência e, portanto, nenhuma continuação dos resultados produzidos por nossas
ações presentes e passadas. É possível confundir estes dois. Algumas vezes, quando a
natureza do dharmadhatu é apresentada, o entendimento parcial dessa natureza pode levar
ao equívoco de que não há algo como karma.

Houve uma vez um mestre eminente, um nascimento anterior do Dodrupchen Rinpoche,


que deu um ensinamento no qual expôs sobre o dharmadhatu. Um dos monges presentes
entendeu mal a visão do dharmadhatu e pensou que isso significava que não havia
resultados das ações e que era permitido fazer qualquer coisa. Ele saiu e matou uma cabra.
Então Dodrupchen Rinpoche perguntou-lhe: "Você é uma pessoa do dharma e um monge,
como você poderia matar uma cabra?" Ele respondeu: "Você disse que eu não existo, a
cabra não existe, e o ato de matar não existe. Portanto, pensei que não haveria nenhum
problema." Dodrupchen Rinpoche estava tão angustiado pelo fato do seu ensinamento ter
levado a tal mal-entendido que ele entrou em retiro e não ensinou durante anos.

Quinta estância: é possível confundir experiência e realização. Uma variedade de


experiências pode surgir durante a sua prática. São indícios de que a prática é bem-
sucedida e está surtindo algum efeito sobre você. Tais experiências, tais indicações ou
sinais são bastante diferentes da realização. As experiências por sua própria natureza
decaem e desaparecem, enquanto que a realização não se desfaz e não pode desaparecer.
Se você se fixar em uma experiência e direcionar sua prática em direção a ela, quando a
experiência desaparecer você vai ficar sem nada, e certamente sem nenhuma realização.
98
É muito comum que as pessoas confundam estes dois. A diferença é extrema porque na
realização todos os defeitos foram abandonados e o poder da sabedoria expandiu-se ou
floresceu. É bastante comum para pessoas que têm algumas experiências durante a
prática, assumir que atingiram realização. Eles assumem que são siddhas, e, portanto, se
envolvem em condutas que eles ouviram que são apropriadas para siddhas. Então, é claro,
quando eles morrem, vão para os reinos inferiores.

Em sexto lugar, é possível confundir um bom monge ou monja por um falso. Bons
monges e monjas abandonam o que é prejudicial para si e para os outros, e cultivam o
modo de conduta prescrito no Vinaya ou disciplina. A maneira como monges devem
aparecer também é determinado: há determinadas vestes que são usadas de maneira
particular, certas cores, certos implementos que são mantidos, certas coisas que são
abandonadas, e assim por diante. Isto é muito detalhado, e um bom monge ou monja
manterá tudo isso. Um falso pareceria o mesmo por fora, usando as mesmas vestes, e
pareceria exatamente igual na conduta, se você apenas olhasse para ele ou ela. A diferença
é que um bom monge ou monja se comporta da mesma maneira se alguém está ou não
olhando. Ele ou ela é o mesmo em público ou privado. Um falso é sempre muito bom
quando os outros estão olhando, mas quando ninguém está olhando, não é tão bom.

Sétimo, é possível confundir alguém que, tendo realizado manifestadamente a natureza


de todas as coisas, erradicou toda confusão, com alguém que foi levado por Mara e
enlouqueceu. Quando as pessoas realmente percebem diretamente a natureza de todas as
coisas, finalmente, elas não têm medo. Não têm medo de nada. Não têm nenhuma
hesitação. Não têm necessidades pessoais; não se preocupam absolutamente consigo.
Portanto, a maneira como eles podem agir é bastante incerto. Nós não podemos dizer que
eles vão agir de uma forma ou de outra. Por outro lado, a forma de agir de alguém que
ficou louco porque algo deu errado em sua prática poderá ser igualmente incerta. Não se
pode realmente dizer a diferença do nosso ponto de vista.

Oitavo, é possível confundir um siddha e um charlatão. Tendo realizado completamente


a natureza de todas as coisas e purificado todas as contaminações, os siddhas fazem uma
variedade de coisas para o benefício dos seres sencientes. Por exemplo, eles podem fazer
previsões. Siddhas podem dizer que daqui a vinte anos tal e tal coisa vai acontecer. As
pessoas acham que as ações dos siddhas são bastante úteis e agradáveis; é útil saber dessas
coisas. Por conseguinte, há também charlatães que, vendo que as pessoas acham os
siddhas muito atraentes, fingem ser siddhas e fazem previsões - dizendo o que vai
acontecer daqui a vinte anos, e que no passado certas coisas aconteceram e assim por
99
diante, a fim de ganhar louvor e ficar ricos. Assim, é possível confundir siddhas e
charlatães.

Nono, é possível confundir alguém que está envolvido em benefício de outros com
alguém que está envolvido em seu próprio benefício. Bodhisattvas e iogues realizados
irão fazer tudo o que puderem para beneficiar os seres sencientes com o seu corpo, fala e
mente. Eles produzem um grande número de benefícios, e dedicam todo o mérito
acumulado do bem que fazem a todos os seres sencientes. Eles não têm nenhuma
esperança de qualquer tipo de resultado ou ganho pessoal através do bem que fazem.

Por outro lado, há pessoas que fazem uma quantidade de boas ações com o fim de atrair
seguidores, ganhar riqueza e poder. Por exemplo, houve uma vez um lama tibetano que
foi para Ladakh. Ele não era muito conhecido, então não tinha muitos seguidores e não
recebeu muitas oferendas. Quaisquer que tenham sido as oferendas que recebeu, ele as
usou para oferecer lamparinas e fazer oferendas de festim e assim por diante, com o
propósito de acumular mérito. Quando as pessoas ouviram falar sobre isso, ficaram muito
impressionadas com ele, a coisa era evidentemente real, então começaram a fazer um
monte de oferendas para ele. Uma grande quantidade de pessoas reunidas em torno dele,
uma cidade inteira de alunos. Desta forma, acumulou muito dinheiro a ponto de ir direto
de volta ao Tibet. Foi um investimento calculado ao fazer pequenas oferendas iniciais.
Ele sabia o que estava fazendo, que tudo o que oferecia estava indo para o campo de
méritos, as pessoas poderiam oferecer muito mais, ele poderia simplesmente pegar o
dinheiro.

Décimo, é possível confundir um professor habilidoso com um enganador ou professor


desonesto. Professores hábeis fazem o que podem e dizem o que é necessário para
possibilitar que as pessoas entrem na prática do dharma e para ajudar seus alunos a evitar
dificuldades e obstáculos desnecessários. Um professor que faz isso é um professor muito
útil e excelente. Professores genuínos desse tipo não têm nenhuma preocupação com
qualquer tipo de benefício que virá para eles. Eles não têm fixação sobre o que acontece
e não há expectativa no que diz respeito à atitude dos seus alunos em relação a eles.

Por outro lado, há pessoas que agem de maneira um tanto similares, pelo menos na
aparência, mas escondem seus próprios defeitos e fingem ter qualidades que eles
realmente não possuem. Usando desse engodo, eles manipulam as pessoas para realizar
algum tipo de intenção própria, tais como a aquisição de riqueza ou seguidores, ou ambos.
É possível confundir estes dois tipos de professores.

100
Estas são as dez situações em que duas coisas têm a mesma aparência em primeiro lugar,
mas não são, de fato, o mesmo.

101
CAPÍTULO 12 - AS DEZ COISAS INFALÍVEIS

O próximo será as dez coisas infalíveis.

A primeira delas é, não ter apego a nada, deixar o lar. Deixar o lar para não ter lar. Isto
significa deixar a vida mundana - deixar de ser um proprietário - e não ter apego, isto é,
não tentar ter um lar fora da sua ordenação.

Há caminhos diferentes para que uma pessoa possa entrar numa ordenação renunciada. A
abordagem realmente pura e correta é, não ter apego de nenhuma forma. Não somente
abandonar a vida mundana, mas também evitar recriar um ninho ou lar na ordenação.
Também há a possibilidade das pessoas se ordenarem por razões sociais, ou se ordenarem
para ter um lar próprio, uma situação segura no monastério. Embora haja a possibilidade
deles se corrigirem, a motivação inicial não é correta.

Tendo gerado a renúncia genuína, a segunda coisa infalível é respeitar seu mestre - o
amigo espiritual que é um guru autêntico - tanto que você pode levá-lo ou levá-la sobre
sua cabeça como o pano que prende o coque alto. Refere-se à prática de prender o cabelo
em um coque alto, e para que ele não solte, colocar um pano branco ao seu redor.
Atualmente, neste país não amarramos os coques com um pano, mas o ponto é respeitar
tanto seu mestre que você sempre o leva sobre sua cabeça.

Terceiro, é infalível combinar as três práticas da escuta, reflexão e meditação. Sempre


que você adquirir informações do dharma por meio de estudos ou ensinamentos, você
deve imediatamente investigar seu significado, analisá-lo até que fique claro, e então
aplicá-lo em sua prática de meditação. Você não pode meditar sem receber a informação,
nem pode esperar até que tenha aperfeiçoado totalmente toda a aprendizagem antes de
começar a prática. Portanto é importante imediatamente colocar em prática tudo o que
aprender e analisá-lo até entendê-lo corretamente.

Quarto, é infalível ter um ponto de vista elevado e uma conduta humilde. Significa que
devemos preservar um ponto de vista insuperável do veículo superior, o vajrayana, e
praticar este caminho adequadamente, mas praticá-lo no contexto da conduta correta
como é indicado no hinayana ou veículo inferior. Deveríamos ter a conduta de acordo
com o vinaya, vestir a roupa apropriada e assim por diante. Devemos combinar a
compreensão profunda com a conduta correta que está de acordo com o vinaya.

Quinto, é infalível ter uma mente aberta, mas um compromisso estreito. À maneira de
kyebu dampa ou indivíduos exaltados, o melhor caminho para fazer coisas é não se
comprometer com coisas muito vastas, não falar tão alto do seu compromisso. Se no início
102
você faz um compromisso enorme, você não o manterá, e então seu compromisso será
como desenhar na água. O melhor jeito de fazer as coisas é ter um pequeno compromisso,
cumpri-lo, e não desistir até a sua morte. Assim gradualmente se faz muito. Manter um
compromisso modesto é como escavar algo na pedra. Alguém que esculpe pedras mani,
(pedras mani21 são pedras esculpidas com o mantra "Om mani peme hung", o mantra de
Tchenrezig, o bodhisattva da Compaixão), por exemplo, pensará uma coisa por vez
enquanto esculpe, mas ele ou ela continua fazendo isso por um longo período, no final
um número imenso delas terá sido feito. Embora pareça um projeto pequeno, acrescenta
algo muito significativo ao longo do tempo.

Sexto, no contexto da escuta e reflexão, é infalível ter uma visão ampla e pouco orgulho.
É importante aplicar todo "insight" que podemos trazer para o processo da escuta e
contemplação, mas fazê-lo sem arrogância.

Sétimo, no contexto da prática, é importante ser rico em instruções e perseverar na


aplicação. Isto significa receber uma variedade de instruções, perseverar e prolongar na
aplicação de qualquer prática particular na qual estejamos engajados.

Oitavo, novamente no contexto da prática, é infalível ter experiência excelente e


realização, mas sem orgulho ou vaidade. É possível que alguém que começa a ter
experiências meditativas pense, "Essas pessoas são tolas mundanas e eu sou um grande
praticante", que é arrogância e orgulho. Ele ou ela deve estar intoxicado por esta
experiência e iludido pela vaidade, pensando, "Agora sou um arya. Estou próximo da
budeidade ou estado búdico. (A realização última) está logo ali". É importante evitar este
tipo de reações na experiência da meditação.

Nono, é infalível ser independente na solidão e relaxado no meio de muitos. Significa ser
capaz de ficar só em retiro e cuidar de si, não se perturbar com a falta de companhia ou
coisas como roupas ou alimentos insuficientes. Você é forte e autossuficiente e capaz de
praticar sozinho. Mas ao mesmo tempo, você é capaz de estar com outros quando
necessário, estar no meio de qualquer reunião de praticantes sem paranoia e sem pensar,
"Não serei capaz de ficar com eles, será um verdadeiro aborrecimento lidar novamente

21
Pedras mani são pedras esculpidas com o mantra “Ohm mani Peme Hung”, o mantra
de Tchenrezig, o boddhisattva da compaixão.
103
com essas pessoas." Você deve relaxar e conviver com outras pessoas. Você deve ser
capaz de lidar com ambas situações, e se puder fazer isto, você é um praticante genuíno.

Finalmente, é infalível não ter apego em seu próprio benefício, e ser habilidoso em
beneficiar outros. Não haverá erro se você for sensível às necessidades dos outros e se
dedicar àquilo que beneficia o próximo. Entretanto, fazer isso sem esperar por qualquer
tipo de ganho ou retorno para si.

Estas são as dez coisas sem erro.

104
CAPÍTULO 13 - AS QUATORZE COISAS INSENSATAS

Em seguida, há quatorze coisas que são totalmente insensatas.

A primeira delas é a de ter obtido um corpo humano, mas não lembrar ou pensar no
dharma. Isto é tão insensato como uma pessoa pobre que vai ao uma ilha coberta com
diversos tipos de joias, mas parte da ilha de mãos vazias, sem levar nada.

Em segundo lugar, tendo entrado na porta do dharma através da ordenação, para em


seguida voltar à vida mundana é tão insensato quanto uma mariposa sendo atraída pela
chama de uma vela e voar de encontro a ela.

Em terceiro lugar, para alguém sem fé, residir na presença de um grande mestre que é
um verdadeiro tesouro do dharma é tão inútil quanto alguém morrendo de sede na beira
de um lago.

Em quarto lugar, saber muito sobre o dharma, porém não fazer com que o conhecimento
leve à abandonar os quatro violações profundas da disciplina moral22 ou tornar-se um
antídoto para nossa postura egocêntrica é tão insensato como colocar um machado no
tronco de uma árvore e não usá-lo para cortá-la.

Em quinto lugar, as instruções que não são utilizados como um antídoto para os kleshas
ou aflições mentais são tão inúteis como uma pessoa doente transportando um saco de
remédios, sem fazer uso deles.

Sexto, qualquer terminologia filosófica na qual treinamos o nosso discurso, mas que não
foi absorvida em nosso contínuo mental, é tão inútil quanto as recitações de um papagaio.

Sétimo, ter tomado algo que não é dado, por meio de furto, dominância, roubo, enganação
ou dissimulação, e então dá-lo generosamente a outros ou usá-lo para fazer oferendas é
tão inútil quanto pegar sua peça de roupa de pele de carneiro e afundá-la na água. Não é
tão fácil entender esse exemplo, porque nós não temos tais coisas. De toda forma, uma
peça de roupa de pele de carneiro que é preparada de forma tradicional pode ser suja e
mesmo assim parecer macia. Entretanto, se você tentar limpá-la colocando-a na água,
quando ela secar se tornará dura, rígida e totalmente inútil.

22
As quatro violações da conduta moral: matar, roubar, mentir, comportamento sexual
incorreto.
105
Oitavo, prejudicar seres sencientes e então oferecê-los às Três Joias é tão inútil quanto
cortar em pedaços a carne de uma criança e então oferecê-la à mãe da criança. Isto refere-
se a prática de sacrifício animal que era feita no Tibet antes do advento do Budismo. Não
chamamos isto necessariamente de uma prática Bon, porque os Bonpos não fazem isto.
Isto é algo que acontecia lá e ocasionalmente acontece em alguns lugares e mesmo
atualmente. É considerado tão inútil oferecer tais coisas aos Budas e bodisattvas quanto
seria oferecer um corpo assassinado de um filho à sua mãe.

Nono, ser hipocritamente bom e paciente para satisfazer nossos próprios objetivos nesta
vida é tão inútil quanto o comportamento suave de um gato esperando para saltar sobre
um rato. Hipocrisia aqui se refere a fingir-se moral quando não se é, e paciente refere a
esperar por uma oportunidade para se tornar rico ou atingir algum objetivo mundano. É
como o cauteloso, suave e tranquilo comportamento de um gato que está tentando atrair
um rato com o propósito de matá-lo.

Décimo, engajar-se em vários atos virtuosos para se tornar famoso ou rico ou honrado
nesta vida é como trocar uma joia que realiza desejos por um pequeno bocado de farinha.
Nós podemos fazer tais coisas como produzir e oferecer estatuas, ou outras coisas
geralmente virtuosas, mas podemos fazê-lo apenas para ganhar o respeito de outros ou
para atrair pessoas para que, então, possamos nos tornar ricos ou estimados dentro de uma
comunidade. A virtude em si é como uma joia que realiza desejos, mas fazer tal coisa e
dedicar para nosso próprio benefício é como trocar aquela joia a fim de obter uma
refeição. Quando dedicamos o mérito que acumulamos para o benefício de todos os seres
ele se torna inesgotável como uma joia que realiza desejos, mas não o dedicar
devidamente é como trocar aquela jóia por algo que não durará muito tempo.

Décimo-primeiro, recebendo uma grande quantidade de instruções, mas deixar a sua


própria mente indomada é tão inútil quanto a morte de um médico por uma doença
incurável. A analogia não é muito exata ou óbvia aqui, mas o ponto é este: Se você
aprendeu muito do dharma, e colocou uma grande quantidade de tempo e esforço na
aquisição de informações, mas não se empenhou em praticar, isso não vai ajudá-lo. Isso
pode ajudar outra pessoa, mas não você. Isso é como a situação de um médico que está
aflito por uma doença que não pode ser curada. Um médico é alguém que aprendeu muito,
mas se ele ou ela tem um tipo de doença que a medicina não pode responder, então não
há nada que o médico possa fazer, não importa o quanto habilidoso ele ou ela seja na
medicina. Não está se dizendo que há alguma coisa de errado em ser um médico, mas o
ponto é que o estudo ou o próprio aprendizado não pode, por si só, mudar tudo.
106
Décimo-segundo, aprender com as instruções, mas não ter nenhuma experiência na
pratica é como possuir um tesouro de riqueza a qual não se tem a chave.

Décimo-terceiro, ensinar dharma quando não compreendeu o seu significado é tão inútil
quanto para uma pessoa cega conduzir outra pessoa cega.

Décimo-quarto, considerar a experiência que surge a partir de métodos de prática como


supremo, e não a utilizar para a buscar a genuína realização da natureza última da mente,
é tão inútil quanto pegar um latão e dizer que é ouro. Isto se refere principalmente ao
acúmulo de mérito23. Se você estiver satisfeito com o acúmulo de mérito e as experiências
ou benefícios que surgem, e você não reconhecer a natureza de todas as coisas, então você
não pode alcançar o verdadeiro estado de Buda. Assim, quando você se envolver em
práticas de acumulação de mérito, é extremamente importante ter a intenção de acumular
tal mérito, a fim de reconhecer a natureza última e atingir o estado de Buda completo. O
ponto aqui é que o método - a acumulação de mérito - tem de ser combinada com a
sabedoria, que neste caso é a compreensão profunda, por meio da experiência, do que
você está buscando. Se método e sabedoria não estão unidos, a sua acumulação de mérito
não é mais eficaz do que pegar uma pedra amarela ou pedaço de latão e supor que é ouro.

Essas são quatorze coisas que são totalmente inúteis ou insensatas. A função dessas
instruções é para que você possa diferenciar entre o que é dharma e o que não é, para ter
uma ideia sobre como aplicar, como praticar, que tipo de motivação se deve ter, o que
acontece quando a motivação correta está presente e o que acontece se não estiver.

23
No mahayana é enfatizado que a prática da compaixão, descrita como um método ou
um meio hábil, leva a acumulação de mérito. No vajrayana, as práticas em si também
geram vasto mérito, e são descritas como método. Em ambos os casos é importante
combinar método e sabedoria.
107
CAPÍTULO 14 - AS DEZOITO FALTAS INTERIORES DE UM PRATICANTE DO
DHARMA

A próxima categoria refere-se às dezoito faltas interiores dos praticantes. Faltas interiores
aqui significam ações ou características que não estão de acordo com o objetivo de uma
pessoa, neste caso o praticante. Por exemplo, se alguém é reconhecido como um
estudioso, mas é analfabeto, ou se alguém é conhecido por ser bonito, mas não tem nariz,
esta é uma discordância entre o nome e a realidade. Assim se alguém é reconhecido como
um praticante, mas não pratica, esta é uma discordância entre o nome e a realidade.

A primeira destas faltas interiores é viver solitariamente e ainda assim apenas buscar
sucesso nesta vida. O propósito de viver solitariamente é direcionar todos os seus esforços
para a realização da liberação e onisciência. Se em vez disso, enquanto vive solitário,
você direciona todo seu esforço para a realização de riqueza, fama, trabalho e conforto,
então isto é uma falta interior do praticante.

Segundo, ser o líder de uma comunidade, como um monastério ou algum tipo de


organização do dharma, e ainda não cuidar dela e não ter como alvo sua preservação, mas
trabalhar só para alcançar o que parece pessoalmente benéfico para você, é uma falta
interior dos praticantes do dharma.

Terceiro, ser versado no dharma, mas não evitar atos nocivos é uma falta interior dos
praticantes do dharma. Ter o aprendizado que vem de ouvir e contemplar, mas não
colocar isso em prática, evitando atividades que prejudicam os outros, é uma contradição
do aprendizado e do comportamento e, portanto, uma falta interior dos praticantes.

Quarto, é uma falta interior do praticante possuir uma grande quantidade de instruções,
mas permitir que seu contínuo mental permaneça em estado ordinário. Isso significa ter
recebido, compreendido, e possivelmente memorizado uma grande variedade de
instruções, mas sua mente permanece indomada por meio da prática.

Quinto, é uma falta interior dos praticantes, ser nobre em sua disciplina física, mas ter a
mente sob o poder do desejo. Isto significa na verdade não domar a mente internamente
e observar uma disciplina moral/ética externa ou fisicamente.

Sexto, é uma falta interior do praticante ter uma variedade de experiências excelentes ou
intensas na meditação, mas ainda não ter dominado as aflições mentais.

Sétimo, é uma falta interior do praticante ter atravessado a porta do dharma, mas não
estar livre do apego e da aversão que afetam uma pessoa não treinada/não-praticante. Isso

108
significa embarcar na prática do dharma, não tendo abandonado ainda o ciúme, a
ganância e a mesquinhez.

Oitavo, é uma falta interior do praticante abandonar as atividades mundanas e entrar na


prática total do dharma, mas depois, pouco a pouco, voltar involuntariamente para a
agricultura, que significa voltar às atividades mundanas que foram abandonadas. Quando
as pessoas renunciam ao mundo, se sua renúncia não é completa, o que por vezes acontece
é que, no início, serão renunciantes puros e praticantes do dharma, mas a seguir, quando
se tornam mais velhas, começarão a rastejar para as suas atividades antigas.

Nono, entender o significado do dharma e não praticar é uma falta interior do praticante.

Décimo, assumir um grande compromisso por um período de prática e então não o manter
é uma falta interior do praticante do dharma. Por exemplo, dizer na presença de seu
mestre, "eu ficarei em retiro por três anos", ou cinco anos ou o que seja, e depois não ser
capaz de fazê-lo, é uma falta interior.

Décimo-primeiro, não fazer nada além do dharma e mesmo assim não aprimorar sua
conduta é uma falta interior. Isto se refere a estar numa situação como um retiro, onde
não há absolutamente nada para fazer além da prática, e ainda estar preocupado com
comida, roupas e coisas do tipo.

Décimo-segundo, uma vez que, quando praticamos o dharma, alimentos e roupas


surgirão naturalmente pelas bênçãos das Três Joias e pelo poder de nossa prática, é uma
falta interior para um praticante preocupar-se demasiado de onde virão essas coisas. Isto
quer dizer que não deveríamos ter pensamentos como, "O que comerei amanhã? O que
vestirei?"

Décimo-terceiro, dedicar todo o pequeno poder e mérito obtido a partir da prática para
proteger magicamente os outros de doenças e de "si" é uma falta interior do praticante.
Quando uma família tem um filho que morre, há uma preocupação por parte dos pais que
a próxima criança venha a morrer também. Isto é chamado de "si" em tibetano. Pessoas
nesta situação podem pedir por algum tipo de benção para evitar que isto aconteça.
Dedicar sua prática para esses benefícios temporários e perder de vista o objetivo final,
que é domar suas próprias aflições mentais e desenvolver a capacidade de domar as
aflições mentais dos outros e, por fim, estabelecê-los todos no estado de Buda, é uma falta
interior do praticante. Isto não é dizer que é impróprio ajudar as pessoas se você tem a
capacidade genuína de fazê-lo. O que é apontado como defeito aqui é fazer estas coisas

109
para que as pessoas digam que você tem muito poder mágico e é muito digno de respeito,
em outras palavras, fazer isto para adquirir reputação ou seguidores.

Décimo-quarto, transmitir ensinamentos profundos para obter alimentos e riqueza é uma


falta interna do praticante. Ensinar indiscriminadamente tudo o que você sabe, quaisquer
textos que você estudou, e todas as práticas que você pode explicar, simplesmente para
obter posição e riqueza, e assim por diante, é uma falta. Atualmente isto ocorre muito; na
verdade, isso é o que todos nós fazemos.

Décimo-quinto, é uma falta dos praticantes se elogiar e louvar indiretamente suas


capacidades, e criticar ou injuriar os outros. Por exemplo, você pode dizer, "Sou um
simples professor. Não tenho muitas qualidades, mas minha linhagem é muito, muito
profunda e tem grandes bênçãos que são totalmente inquebrantáveis. Meus mestres são
assim e assim, isso e aquilo, e são muito poderosos." Então você contaria histórias destes
mestres que os tornam muito interessantes e impressionantes, e continuaria com, "Apesar
de eu ser completamente simples, as instruções que tenho são de grande profundidade".
Então, falando de outros mestres, você diria. "Eles têm qualidades extraordinárias; eles
são muito sábios e realizados. No entanto, sua linhagem é um pouco engraçada. Certa vez
isso e isso aconteceu, e então um destes mestres fez isso e isso." Falando desta forma,
embora pareça que estamos nos colocando por baixo e valorizando os outros, de fato
estamos fazendo o oposto, e isto é uma falta interior dos praticantes.

Décimo-sexto, apresentar aos outros as instruções recebidas, mas permitir que seu
contínuo mental permaneça imaturo e em desacordo com o dharma, é uma falta dos
praticantes. Como foi dito antes, pessoas que recebem instruções podem se tornar como
ecos - algo como: o que quer que vá, volta novamente - mas nada está realmente
acontecendo. Nesta situação, quaisquer instruções que você receba, embora você entenda
seu significado, você passa adiante sem praticá-las. Alguém assim não desenvolve as
qualidades que atribuímos ao nome "praticante".

Um praticante do dharma é alguém que, tendo recebido as instruções, pratica-as para que
ele ou ela mude. As aflições mentais começam a diminuir, e a compaixão e a bondade
aumentam. Isto é o que significa ser uma pessoa do dharma. Alguém que apenas entende
as coisas e as repassa não é realmente um praticante do dharma, porque ele ou ela não
tem as qualidades que podemos atribuir a esse nome.

A décima-sétima falta do praticante é não conseguir permanecer solitário, e ainda ser


incapaz de conviver com outras pessoas quando você vive com elas. Isto é o oposto de

110
uma das dez coisas sem erro descrita anteriormente, quando foi dito que você deve ser
capaz de permanecer em retiro solitário e também, quando apropriado, conviver
harmoniosamente no meio de uma comunidade de praticantes. Neste caso, apesar de ter
prometido praticar em retiro, quando você está no retiro você não consegue praticar
porque está preocupado por não ter uma determinada quantidade de comida ou roupa que
pensa precisar, e você está com medo de estar muito quente ou muito frio ou coisas assim.
Então, quando você não está em retiro, mas está com outras pessoas, você está
constantemente discutindo com elas e brigando por coisas insignificantes, de modo que
você não pode se dar bem com ninguém. Alguém assim não é um verdadeiro praticante.

Finalmente, é uma falta interior do praticante ser incapaz de resistir ao bem-estar ou ao


sofrimento. Se você se entrega totalmente às circunstâncias agradáveis ou condições
confortáveis então você perde sua mente para esse prazer ou esse conforto e,
paralelamente, quando alguma circunstância exterior faz com que você se sinta um pouco
desconfortável ou é desagradável você é imediatamente lançado num poço de depressão,
então você não é um verdadeiro praticante.

Estas são as dezoito faltas interiores dos praticantes.

111
CAPÍTULO 15 - AS ONZE COISAS INDISPENSÁVEIS
Em seguida, estão as onze coisas24 sem as quais não há como praticar o genuíno dharma.

Primeiro, se você não possui desde o início de sua prática a fé estável ou a confiança que
vem do medo sincero e genuíno dos sofrimentos do nascimento e da morte, não há como
praticar o dharma. A única coisa que pode motivar uma prática correta do dharma é esse
reconhecimento da miséria do ciclo contínuo de nascimento e morte. Somente por meio
desse reconhecimento você pode ter uma confiança estável em um autêntico mestre e em
suas instruções, e só com essa confiança que você pode realmente vir a compreender e
praticar o dharma.

Em segundo lugar, mesmo que você tenha uma confiança muito estável, não há uma
maneira de praticar o dharma sem um guru autêntico que realmente possa direcioná-lo
no caminho que o levará à liberação.

Em terceiro lugar, embora tenha o tal professor, se você não tem a percepção do que é a
correta compreensão do significado do dharma, então não há como praticar.

Quarto, mesmo se tiver uma compreensão genuína sobre o significado do dharma, se


não possuir a diligência que combina um compromisso como uma armadura impenetrável
com uma genuína coragem, não há como praticar. Armadura, aqui, significa o
comprometimento consigo mesmo, tão forte que a partir do inicio da prática não importa
o que aconteça ou quanto tempo passe (tenha passado), você nunca vai se afastar da
prática diligente.

Em quinto lugar, se você tiver uma atitude na qual qualquer que seja a prática dos três
treinamentos, em reunião com as duas acumulações, que você tenha feito, isso lhe parecer
o bastante, não há nenhuma forma de praticar o genuíno dharma. Você nunca pode estar
satisfeito com a quantidade que tenha feito. Como mencionado anteriormente, os três
treinamentos são a disciplina pessoal, a meditação, e a aquisição de conhecimento ou
compreensão correta, e as duas acumulações são o mérito e a sabedoria. É importante
nunca se contentar com qualquer medida desses treinos e acumulações que você tenha
realizado.

24
No título deste capítulo contido nos blocos de madeira esculpidos com o texto tibetano
há referência a “doze coisas” mas, de fato, parecem haver apenas onze coisas listadas
neste capítulo.
112
Por exemplo, é impróprio se, tendo terminado a cem mil oferendas de mandala, pensar;
"Isso é mérito suficiente, eu posso parar aqui", ou tendo recitado o número prescrito de
mantras, se pensar, "Isso é suficiente." Na verdade, seu objetivo não é apenas terminar
uma determinada prática ou acumular certo número de mantras, mas obter a total
onisciência da budeidade. Pensar: "Este tanto é o suficiente, eu fiz o suficiente", é tão tolo
quanto para alguém que decidiu "Eu vou andar daqui até aquela cidade”, caminhar dez
passos, ou uma centena ou mesmo milhares de passos, e então dizer: "Bem, isso basta."
Até chegar lá, até terminar o que você está tentando fazer e cumprir o seu compromisso,
não será suficiente.

Em sexto lugar, se você não tiver a visão do que é a correta compreensão da natureza de
todas as coisas, então não há nenhuma forma de praticar. A fim de alcançar o fruto da
prática do dharma é necessário compreender e apreciar a natureza de todas as coisas.
Especificamente, devemos compreender o fato de que a sabedoria e as qualidades da
fruição estão espontaneamente presentes na base, que é a nossa situação no momento. É
somente devido a presença de tanta sabedoria e qualidades que é possível remover os
obscurecimentos habituais e aflitivos que se escondem. Portanto, é só através dessa visão
que podemos entender como o fruto pode ser obtido, e de como podemos obtê-lo.

Se não temos essa visão não vamos realmente compreender que defeitos devem ser
evitados, que qualidades irão surgir, e como eles irão aparecer no caminho. Não
saberemos que direção seguir na nossa prática. Seremos como pessoas caminhando de
olhos vendados em direção a um destino desconhecido. Não interessa quão
vigorosamente elas caminhem, não terão nem ideia para onde estão indo, então elas nunca
chegarão. Se você tem essa visão e compreensão corretas, então, mesmo se seus passos
no caminho são vacilantes, poucos ou lentos, você sabe onde está indo. Seus olhos estão
abertos e você vê seu destino, então, você chegará ao fim.

Em sétimo lugar, se você não possui a meditação, que é a habilidade de colocar a mente
em qualquer forma e em qualquer objeto que deseja, não há nenhuma forma de praticar.
O desenvolvimento da tranquilidade ou shine é absolutamente necessário para o
desempenho de qualquer tipo de prática. Se você possui certo grau de tranquilidade, você
pode visualizar divindades e manter essa visualização, lembrando todos os detalhes de
sua aparência. Pode recitar mantras e direcionar sua atenção a cada sílaba do mantra
visualizado. Mesmo se estiver executando atividades mundanas, será capaz de executá-
las com plena consciência e atenção, de modo que tudo o que fazemos se torna fácil e é
realizado de forma eficaz. Finalmente, quando você chegar a reconhecer a natureza
113
última, você será capaz de descansar nela, sem distração. Como foi dito pelo Grande
Senhor Tsongkhapa, você deve ter essa tranquilidade na qual, quando sua mente está em
repouso é imóvel como o rei das montanhas, e quando você movê-la poderá entrar
imediatamente em qualquer ato virtuoso.

Em oitavo lugar, sem possuir a conduta que traz todas as suas atividades para o caminho,
não há maneira de praticar o dharma. O significado geral de tal conduta é que tudo que
se faz é realizado com a motivação, aspiração, atitude e percepção virtuosa. Por exemplo,
quando os praticantes estão subindo uma montanha gerariam a aspiração, "Que todos os
seres sencientes ascendam o caminho para completa liberação." Quando estão descendo,
eles pensam: "Que todos os Budas emanem do dharmakaya na forma de um corpo,
trazendo a todos os seres sencientes à liberação." Caminhando ao longo de uma estrada,
eles pensam: "Que todos os seres sencientes percorram o caminho correto e adequado,
sem obstáculos." Quando acendem um fogo, eles pensariam, "Que o fogo da sabedoria
queime as impurezas de todos os seres sencientes." Todas essas motivações e práticas
relacionadas com as atividades diárias podem ser encontradas nos sutras do mahayana.
O significado particular com respeito ao mantra secreto é que ao longo de todas as
atividades você deve manter a consciência de si mesmo como a divindade, o som como
mantra, e todos os eventos mentais como a manifestação da sabedoria. Através de tal
conduta tudo que você faz torna-se significativo e é trazido para o caminho.

Em nono lugar, a menos que você receba e realmente implemente as instruções que lhe
permitem superar os obstáculos na prática, não os deixando como meras palavras - não
há maneira de praticar com sucesso. Isso se refere às instruções que lhe permitem superar
impedimentos e condições adversas, transcendendo a sedução de Mara, reconhecendo e
evitando fontes de erro ou corrupção na prática. É especialmente importante que, ao
receber tais instruções, realmente as coloque em prática. Deixar as instruções como meras
palavras significa receber instruções de um professor, memorizá-las e repeti-las para os
outros, mas nunca fazer qualquer uso delas.

Em décimo lugar, não há maneira de atingir o resultado ou fazer uma prática significativa
sem possuir a grande confiança que o fará feliz no momento da separação da mente e o
corpo. A grande confiança vem de fazer bom uso da oportunidade de praticar. Quer dizer
que, tendo obtido um precioso corpo humano, exercitou-se em ouvir, contemplar e
meditar, realizou direta e indiretamente benefício aos outros, adquiriu e usou um caminho
puro. Como você tem a confiança que vem disso, caso morra em qualquer momento, o
que pode acontecer, a possibilidade não o atemoriza. Isso é semelhante ao sentimento de
114
alguém que pode ser exilado a qualquer momento de seu país ou de sua residência, mas
sabe que no lugar de exílio há amigos, bens e dinheiro que pode ser usado para sobreviver.
Essa pessoa não está preocupada realmente com o que irá acontecer.

A melhor forma de confiança vem da realização do mahamudra, nesse caso você sabe
que quando morrer, a clara luz do caminho – a realização que você conquistou através de
sua prática - irá se misturar com a clara luz base, que é fundamentalmente a presença
dessa clara luz que surge na consciência de alguém que acaba de morrer. Sabe se que
estes irão se misturar da mesma maneira que um filho pulando no colo de sua mãe, e
quando isso ocorre, você alcançará de imediato o estado de unidade, o estado de
Vajradhara.

Se você não tem essa certeza, então, uma outra suficiente é ter a confiança estável de que
você tem feito o seu melhor na acumulação de mérito e sabedoria, e que, portanto, nada
pode dar errado quando você morrer. Gerar essa confiança de que no momento de sua
morte você estará seguro é o ponto central do dharma.

Por fim, não há um modo de praticar o genuíno dharma sem ter a fruição, que é a presença
espontânea, dos três corpos dentro de nós. A visão em que o caminho da prática está
baseado é a compreensão da natureza de todas as coisas. Enquanto as coisas possuem
uma existência não inerente e, portanto, é dito que são vazias, há uma lucidez que
caracteriza nossa experiência e há, ao mesmo tempo, uma variedade desimpedida ou
ilimitada daquilo que experimentamos. Essa é a forma como as coisas são, e isso é
compreendido por meio do processo de ter sua natureza apontada no momento das
instruções. O reconhecimento dessa natureza é o ponto de partida e a base para o caminho,
que é a familiarização com essa natureza. Isto leva ao resultado, que é a manifestação da
vacuidade de todas as experiências como o corpo das qualidades essenciais ou
dharmakaya; a manifestação da lucidez inerente como o corpo de completo deleite ou
sambhogakaya; e a manifestação do estado desimpedido como o corpo da emanação ou
nirmanakaya, o qual emana em uma variedade ilimitada de formas para o benefício de
todos os seres sencientes, da maneira que seja apropriada para cada situação em particular.

É necessário entender que o resultado da prática não é algo que acontecerá


automaticamente, devido a fruição ser diferente de nosso estado presente, mas também
não é algo novo, porque a natureza da fruição é nossa natureza nesse momento. O fato de
que isso é algo novo e ao mesmo tempo não é, está indicado pelo termo “presença
espontânea”. Podemos dizer que a fruição é algo novo porque nesse momento não
experimentamos os três corpos da completa budeidade. Eles estão obscurecidos pelos
115
véus casuais que nos afetam desde tempos sem começo. Por outro lado, não podemos
realmente dizer que a fruição é algo novo, porque o que os três corpos são está
naturalmente presente em nós, entretanto, de forma obscurecida. A fruição consiste no
reconhecimento em nós mesmos dos três corpos, e a remoção resultante dos
obscurecimentos.

Essas são as onze coisas sem as quais não há nenhuma forma de praticar o dharma
genuíno.

116
CAPÍTULO 16 - OS ONZE SINAIS DE SANTIDADE

A próxima relação é dos onze sinais ou indicações de santidade.

A primeira destas situações é a seguinte: não importa se uma pessoa é jovem ou velha,
homem ou mulher; se essa pessoa sente pouca inveja ou pouco orgulho, então ele ou ela
é um ser santo ou genuíno.

Segundo, se alguém tem poucos desejos e apegos por prazeres e posses, e está satisfeito
com coisas simples e em pouca quantidade, esta é uma indicação que ele ou ela é uma
pessoa santa.

Terceiro, se uma pessoa é desprovida de ostentação, vaidade e arrogância, isto é sinal de


que ele ou ela é uma pessoa santa.

Quarto, se uma pessoa é desprovida de hipocrisia e tem o mesmo comportamento em


público e em privado, isto é um sinal de que ele ou ela é uma pessoa santa. Uma pessoa
hipócrita, por exemplo, é extremamente pacífica, submissa, adequada, cuidadosa e
atenciosa na presença de outros, mas quando está só ou entre poucas pessoas nas quais
sente que pode confiar, é bruta, descontrolada e indisciplinada. Quem é genuíno ou santo,
é o mesmo, não importa quem está ao redor porque essas qualidades estão presentes
naturalmente na mente dela. A pessoa hipócrita parecerá boa quando está cercada por
outros, porque está tentando parecer boa, mas como ela não possui as qualidades
verdadeiras de ser pacífica e submissa, ela é indisciplinada, quando não há alguém
próximo.

Quinto, em qualquer ação que se envolve, feita conscientemente, com prévia


consideração e executada com atenção plena, isto é um sinal de que seu autor é uma
pessoa santa.

Sexto, se alguém se prende em vista dos resultados das ações com o mesmo cuidado com
que cuidaria de seus olhos, isso é uma indicação que ele ou ela é santo ou genuíno.
"Prender-se aos resultados das ações" significa que uma vez que você está confiante que
uma má conduta leva ao sofrimento, você se abstém de todas as más condutas; e uma vez
que você está confiante que a virtude ou as ações benéficas levam à felicidade, você
defende a prática da virtude, fazendo com que ela floresça e não seja prejudicada. O nível
de adesão a esses dois modelos de conduta, respectivamente [evação/prevenção] e
cultivo, é comparado com a quantidade de urgência e cuidado com que você protegeria
seus olhos se algo estivesse para atingi-los e danificá-los.

117
Sétimo, se alguém não faz distinção entre situações públicas e privadas em relação aos
votos e samayas, isso é uma indicação que ele ou ela é uma pessoa santa ou genuína. Tal
pessoa observa os requisitos de qualquer disciplina que tenha sido empreendida por toda
sua vida, ou por qualquer período de tempo que o compromisso foi feito, e o fará não
importa quem está ao redor para ver, não importa se as condições que sustentam tal
disciplina estão presentes ou não, e não importa se as condições que podem levar ao
enfraquecimento de tal disciplina estão presentes ou não.

Oitavo, não ter parcialidade em relação aos seres sencientes e não diferenciar entre velhos
amigos e novos amigos é sinal de santidade. Parcialidade significa pensar que estas
pessoas ou estes seres estão do meu lado e aquelas pessoas ou aqueles seres estão do outro
lado e, portanto, ter mais compaixão para alguns do que por outros. A palavra tibetana
"sar drok" literalmente significa "novos amigos", mas significa prestar mais atenção a
novos amigos. Quando você conhece pessoas, no início você as considera encantadoras,
você sorri para elas o tempo todo, e você é atencioso e gentil com elas; mas a medida que
você continua e as conhece por um longo período de tempo, o sorriso começa a
desaparecer e sua atenção para o bem-estar delas começa a diminuir. Uma pessoa santa
ou genuína é a mesma com as pessoas com quem se associa, desde o momento em que é
apresentada até o último momento que as vê.

Nono, é sinal que alguém é santo ou genuíno se ele ou ela não fica irritado(a) com as
transgressões dos outros, mas é paciente com elas. Geralmente, quando ouvimos falar ou
vemos pessoas fazendo algo que consideramos moralmente incorreto, tendemos a gerar a
atitude, "Essas pessoas são malignas. Elas são pecadoras. Elas são más. Oh, elas matam
animais! Elas fazem isso; elas fazem aquilo". Você sente compaixão pelos seres que
foram maltratados, mas não por aqueles que fizeram o mal. Uma pessoa santa ou genuína
terá compaixão por ambos, e sobretudo pelas pessoas que estão fazendo o mal.

Décimo, é uma marca inconfundível de uma pessoa santa ou genuína quando alguém cede
todos ganhos e vitória para os outros e toma toda perda e derrota para si mesmo.

Finalmente, e em resumo, se a maneira de pensar ou a intenção com que alguém age, e


a maneira de agir, são totalmente diferentes e superiores à maneira mundana habitual,
isso é um sinal de uma pessoa santa ou genuína.

Essas são as onze indicações ou marcas de uma pessoa santa. Não é tanto o caso de que
por meio desses onze sinais você possa determinar quem mais é uma pessoa santa, mas
se você as aplicar para si mesmo, você pode descobrir rapidamente se você é santo ou

118
não. Às vezes as pessoas dizem, "Não sei se eu realmente quero atingir o estado búdico
ou não. Você é um Buda? Como é?" Não há nada errado com essa pergunta. Faz muito
sentido, porque, além da palavra "Buda" ou "sangye", nós realmente não sabemos muito
sobre isso. Não sabemos o que a palavra significa, quais são as qualidades de um Buda,
ou em que exatamente consiste o caminho que conduz ao estado de Buda.

A função desse tipo de instrução é lhe dar alguma idéia de quais qualidades realmente
fazem um Buda tão grande, qual é a natureza do caminho, e exatamente o que está
acontecendo para alguém que está nesse caminho. Se você não sabe nada a respeito dessas
coisas - qual é o resultado ou o que é o caminho - então, é claro, você não terá nenhuma
confiança no caminho e não terá nenhuma ideia se você quer fazer essa viagem. No
entanto, se por meio desse tipo de instrução você gera uma compreensão confiante do que
acontece no caminho, quais são os resultados, e porque um Buda é supremo entre os seres,
então você naturalmente desenvolverá um grande interesse em seguir por esse processo.

119
CAPÍTULO 17 - AS DEZ COISAS INÚTEIS

A próxima lista é das dez coisas inúteis. Ou seja, significa que não há benefícios finais
ou duradouros nessas coisas.

A primeira delas é que não importa a quantidade de trabalho que você dispensa a esse
corpo ilusório, ele é impermanente e é certo que será destruído, e por isso não há benefício
definitivo nisso. Não importa quanta atenção você dedica à sua aparência, suas roupas,
sua situação física ou os cuidados com seu corpo, em algum momento ele e sua mente
serão separados, e tudo isso que você fez para preservar seu corpo, não terá mais nenhum
efeito e não determinará as experiências a que você será submetido. Obviamente, isso não
quer dizer que comer o alimento adequado e proteger-se de doenças não é benéfico,
porque enquanto você estiver vivo você deve fazer essas coisas. O ponto é que eles não
são de benefício duradouro porque, afinal, o corpo e a mente serão separados.

A segunda coisa que não é benéfica é ganância ou avareza por posses, riqueza, etc. Não
importa quão apegado você é com coisas belas e luxuosas ou com qualquer tipo de posses,
não importa quanto você gostaria de adquirir coisas que outras pessoas possuem, e não
importa se você as adquire ou não, quando morrer você irá nu e com as mãos vazias. Por
isso não há benefício duradouro nessas coisas.

A terceira coisa que não proporciona nenhum benefício é o trabalho que você faz em sua
casa. Não importa quanto tempo você gasta em casas, palácios ou castelos, e não importa
quanto trabalho e austeridade vai para sua construção e manutenção, quando você morre
você irá só e sem sua casa, seu castelo ou seu palácio, e até mesmo seu cadáver será
jogado para fora da porta. No momento de sua morte essas coisas são inúteis. Isso não se
refere a templos, porque construindo ou ajudando a construir um lugar onde as pessoas
praticam, você ajuda os outros a gerarem mérito e, portanto, acumular méritos para si
mesmo, que permanecem com você.

Quarto, não importa quantas coisas você dá para seus filhos, sobrinhos e sobrinhas, e não
importa quanto amor você tem por eles, no momento de sua morte eles não serão capazes
de proteger você ou prolongar sua vida, então não haverá efeito duradouro nisso. O que
é de benefício no momento de sua morte são atividades que geram virtudes e acumulam
méritos como oferendas e práticas, etc.

Quinto, não importa quanto ama a sua família e amigos, e não importa quanto você tenta
agradá-los, quando você morre, você morre só, e nesse momento não há nenhum
benefício no que você fez ou no apego que você teve por eles.

120
Sexto, não importa quantos filhos, sobrinhos, sobrinhas você tenha, seu relacionamento
com eles é impermanente. Eles nunca ficarão satisfeitos não importa o quanto você faz
por eles e não importa o quanto você dá para eles, então isso não traz benefício. Afinal as
crianças e membros mais novos da família a quem você se tornou apegado, te
abandonarão. Não importa o quanto você tente fazer por eles, mesmo se você lhes der seu
bem mais precioso, nunca será suficiente para eles, e isso nunca significará tanto para eles
ao receber tais coisas como significa para você dá-las.

Sétimo, não importa quantas propriedades você adquire com o objetivo de acumulá-las
nesta vida, não importa qual posição você adquire na sua comunidade, como ser um
oficial do governo, não importa quanta autoridade você adquire e quanto trabalho você
faz para adquiri-los, quando você morre sua conexão com essa comunidade e com a
propriedade que foi sua está terminada, assim não há benefício. Dizer que essas coisas
não trazem benefício significa que o apego a essas coisas é prejudicial e a fixação nessas
coisas é prejudicial. Se, por outro lado, você pratica e cultiva o dharma, isso traz
benefícios.

Oitavo, se você atravessar a porta do dharma ao receber ordenação, iniciações, ao


empreender práticas e assim por diante, mas não pratica ou não se conduz de acordo com
o dharma, então, por esse envolvimento não cumprido com o dharma, você se jogará nos
reinos inferiores, assim não há benefício. Você pode se envolver na prática pela pressão
de companheiros ou por meio do conhecimento de pessoas que estão envolvidas com isso
- isso é, por razões sociais - e não um desejo sincero e verdadeiro de praticar, você pode
ser incapaz de manter os compromissos feitos. Portanto, você retorna para as atividades
mundanas e viola os votos e samaya assumidos, que é uma causa de um nascimento
inferior.

Nono, se você tem treinado sua mente na escuta e contemplação e como resultado sabe
muito, mas não tem praticado, não importa o quanto você sabe sobre o dharma, no
momento da morte não haverá nada à sua disposição com que trazer a experiência da
morte para o caminho e, portanto, tudo o que você sabe não será de nenhum benefício. Se
você não tem a confiança e a habilidade para lidar com a situação da morte, que vem por
ter verdadeiramente praticado, cultivado as qualidades do caminho, acumulado mérito e
removido os obscurecimentos, então, no momento da morte você ficará aterrorizado e
agonizado e não será capaz de lidar com ela de nenhuma forma. Não importa o quanto
você sabe, mesmo que você entenda quais são os benefícios da prática, apenas conhecê-
los não vai ajudar. Você deve ter colhido tais benefícios.
121
Finalmente, não importa quanto tempo você permanece na presença de um mestre
autêntico, se você não tem fé nele ou respeito por este mestre, você não adquirirá as
qualidades ou receberá as bênçãos do mestre e, portanto, não há benefícios.

Estas são as dez coisas inúteis.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

P: Nas quatorze coisas que são totalmente inúteis, o quarto era saber muito sobre o
dharma, se tal conhecimento não leva a abandonar as quatro violações raiz de conduta
moral. Quais são os quatro violações raiz de conduta moral?

R: O texto diz que conhecer muito dharma e ainda assim não ser como um remédio para
a falsa imputação de um eu inerentemente existente, bem como não levar ao abandono
das quatro raízes, isso seria inútil. As quatro raízes são as quatro ações que levam à
completa erradicação das três formas de votos de liberação individual. Eles são: não
matar, não pegar o que não é dado, se abster de uma conduta sexual imprópria e não fingir
ter poderes sobre-humanos ou intencionalmente mentir sobre realizações espirituais.

Como você deve saber, há três tipos de votos de liberação individual: o de um discípulo
genyen ou leigo, um getsul ou iniciante, e um gelong, monge ou monja completamente
ordenado. No caso de um genyen, a terceira raiz, conduta sexual imprópria, significa
adultério ou logyem. No caso de um tsang cho genyen ou discípulo leigo celibatário, e um
getsul ou um gelong, significa qualquer atividade sexual que seja. Essas são as quatro
raízes.

Em relação ao dharma como remédio para apego ao “eu”, significa que a prática do
dharma deve servir para nos ajudar a chegar ao reconhecimento de que não existe um
“eu” inerentemente existente, e, ao mesmo tempo, para nos ajudar a abandonar ou
trabalhar com o hábito de imputar essa auto existência. Se a prática do dharma não faz
essas duas coisas, servir como um antídoto para o apego ao “eu” e para evitar esses quatro
tipos de ações, então se diz ser inútil.

P: A respeito das coisas a serem conhecidas, em número de seis, você teria dito que quanto
mais tempo o karma leva para amadurecer, mais peso isso teria? É isso mesmo?

R: Não necessariamente, porque há duas situações entre elas: uma é que, quando uma
ação negativa tremendamente poderosa é realizada, é provável que amadureça
122
rapidamente, possivelmente nessa mesma vida ou imediatamente na próxima. Nesse caso,
não é verdade que quanto mais cedo amadurece, menos pesado é o karma. A outra é
quando um praticante que tem cultivado a compaixão fica doente ou sofre o
amadurecimento de karma anterior, relativamente menor, e faz a aspiração: "Que todos
os meus karmas negativos sejam experimentados nesse momento, no contexto dessa
situação, que todos os karmas negativos de todos os seres sencientes sejam
experimentados por mim nesse instante”. Com base nessa experiência desagradável, o
karma está sendo purificado, o que o impede de ser experimentado no futuro. Mas isso
não é tanto devido à experiência em si, que é um resultado menor de uma ação que em si
pode produzir algo maior, mas porque, na ação de fazer uma aspiração, o praticante está
gerando uma atitude que, por si só purifica o karma.

P: Com relação a isso, se desejarmos que todos os maus resultados cármicos amadureçam
rapidamente, e dissermos que queremos (seu amadurecimento) agora ou nessa vida - para
rapidamente nos livrarmos dele - isso significaria que estaríamos desejando por isso?
Nesse caso, poderíamos ficar muito, muito doentes...

R: Se você fizer a aspiração: "Que todo o karma negativo que eu tenha de enfrentar no
futuro seja experimentado agora", isso não aumentará nem diminuirá as circunstâncias
reais de sofrimento que você tenha que se submeter. Se você está sofrendo de uma doença
especifica, e fizer essa aspiração, isso não removerá a doença física, e não será causa de
acontecer o inicio de muitos outros infortúnios. O que vai acontecer é fortalecer a sua
mente na capacidade de aceitar o sofrimento, nesse sentido, irá remover o seu sofrimento
real, sua miséria real. Normalmente, a ideia de sofrimento, miséria, doença e morte são
muito deprimentes e geram uma grande quantidade de aversão. Se você tivesse que dizer
a alguém: "Você está ficando doente e vai morrer", a pessoa iria ficar com raiva e não
ficaria feliz, é necessário despender algum esforço em aceitar a doença e o sofrimento.

No momento que se atinge o primeiro nível bodhisattva é que poderão surgir ao praticante
muitas condições adversas; é quando se torna “Nobre” ou “Arya”. Em vida, ao se atingir
o primeiro nível de bodhisattva, os praticantes serão submetidos a uma série de condições
adversas, de doenças e obstáculos e assim por diante. Razão que quando essas pessoas
morrem, em uma sucessão de vida após vida, em um sentido mais amplo, não estão
realmente mais no samsara. Uma vez que alcançaram grande realização não irão mais
experimentar o sofrimento manifesto. Então, com o fim de transcender os sofrimentos,
acontece automaticamente de eles terem que passar muito rápido por tudo isso. A partir
123
do seu próprio ponto de vista, experimentam intensamente as causas menores de
sofrimento, purificando todo o karma residual.

P: Do ponto de vista do Buda não há passado, presente e futuro. Portanto, em última


análise, por não haver passado, é possível muda-lo? Todos os eventos estão acontecendo
ao nosso redor são atribuídos ao karma? Qual é o lugar para o livre arbítrio?

R: O estado de Buda não é uma coisa composta. Não é feita de diferentes coisas que se
unem, e, portanto, não é impermanente e não podem ser dividido. Não há distinção entre
passado, presente e futuro no estado do Buda em si mesmo, porque os três tempos são um
processo de mudança, e só se aplicam às coisas mutáveis, impermanentes. Em última
análise, a ideia dos três tempos, da existência de um inerente passado, presente e futuro
são enganosos, uma vez que não são inerentemente existentes, mas apenas relativos. O
conceito de passado, presente e futuro em última instância não têm validade, são válidas
apenas convencionalmente.

É certamente verdade que a nossa situação básica, de como experimentamos o mundo, os


tipos de corpos e sentidos que temos e assim por diante, resulta de nossas prévias ações,
do nosso karma anterior. Nesse sentido, não podemos mudar a nossa situação básica. Por
exemplo, como seres humanos experimentamos o mundo de uma certa maneira. Nós
experimentamos o que chamamos de fogo como o fogo, a água como água, e assim por
diante. Não podemos no contexto dessa vida mudar isso. Não podemos mudar o fogo por
água. O fogo pode sempre nos queimar, se colocarmos as mãos nele, e assim por diante.
No entanto, você pode fazer escolhas morais, e ao fazê-las, como abster-se do que é
nocivo e praticar o que é virtuoso, afetar o seu futuro. Você sempre tem escolha, e,
portanto, um certo grau de livre arbítrio, dentro dos limites das percepções estabelecidas.
Essas limitações são impostas pelo seu karma anterior. No entanto, você pode mudar a
percepção futura e consequentemente suas futuras limitações por ações no presente.

P: Em relação a lista das dez coisas sem nenhum beneficio, foi dito que não há nenhum
beneficio em construir uma casa, mas fizestes uma exceção em construir monastérios, em
que há mérito nisso. Eu queria saber se o mérito que se adquire em construir monastérios
permanece após a morte, ou se é parecido com o restante da lista de dez coisas se nenhum
beneficio e acaba também com a morte.

124
R: Beneficia você nessa vida; temos um bom lugar para conhecer! Na verdade, isso
depende da intenção do indivíduo em fazer isso. Se, construindo um monastério, sua
intenção é estabelecer uma situação confortável e prazerosa para si mesmo, não irá
acumular qualquer mérito que irá durar para além dessa vida. Mas, se a sua intenção é
criar um lugar onde imagens do Buda, textos e assim por diante possam estabelecer como
objetos de veneração e como base de instrução para as pessoas, e assim poderem acumular
méritos, e especialmente se construir isto com a intenção de ser um lugar onde tantas
pessoas quanto possível, possam ouvir, contemplar e meditar o dharma, então você tem
uma intenção pura. Construindo um monastério com essa intenção e aplicação pura, uma
grande quantidade de mérito pode ser acumulado; e isso resulta na purificação das ações
negativas do passado e na experiência do resultado desse mérito, na maioria das vezes
estará presente na próxima vida. No entanto, pode acontecer que o mérito acumulado
nessa vida é de tal intensidade que ele amadurece plenamente nessa vida.

P: Em relação a acumulação de mérito, recebemos algumas vezes noticias dos


monastérios de grupo budistas dizendo que se doarmos dinheiro ou se fizermos uma
determinada ação, poderemos acumular muitos méritos. Devíamos ter a atitude, “Que
bom, assim terei mais para poder dedicar”? Muitas vezes me incomoda de olhar para algo
que parece ser uma boa ideia e então ler ao fundo; “Além do mais, estas adquirindo uma
grande quantidade de mérito.” porque esse tipo de idéia para reforçar a ideia de
acumulação para si mesmo.

R: Bem, não posso dizer que fazer oferendas a um mosteiro a fim de acumular mérito é
uma motivação impura. Temos de ser realistas, e como iniciantes, nem todos têm a
motivação da bodhicitta completa. Não importa o quão elevado ou puro praticante você
seja, para domar sua mente ainda se beneficia de sua prática diária, recitações e etc.
Especialmente em um período de treinamento, a primeira pessoa a ser beneficiada
realmente é você mesmo. Quando as pessoas ficam doentes, eles fazem oferendas e
solicitam bênçãos e etc., para aliviar a doença, e não há nada de errado ou desprezível
sobre isso. No início, é difícil abandonar completamente qualquer preocupação para o
nosso próprio benefício. Do ponto de vista do cultivo da bodhicitta, a motivação mais
perfeita é fazer tudo com a intenção de apenas beneficiar os outros, e sobretudo, sem se
importar em nosso próprio benefício. Essa é a melhor intenção possível, mas nem sempre
os principiantes poderão gera-las. Isso depende o quão longe o praticante foi no cultivo
da bodhicitta. Tal apelo por dinheiro para a construção do monastério ou algo que vem
125
de fora pode inspirar pessoas que tenham a bodhicitta, com o pensamento de fazer
oferendas para o monastério. Se puderem, farão essas oferendas, porque possuem a
bodhicitta, e naturalmente dedicam o mérito a todos os seres sencientes, então lhes
prometendo o mérito não os impede de fazer isso. Muitas pessoas que serão atingidas
pelo apelo não são particularmente intensos praticantes. Não importa o que o apelo diz,
não vai transformar instantaneamente a motivação dessas pessoas em bodhicitta, mas a
promessa de mérito pode atrai-los, não posso dizer que não há nada de errado com isso.
Claro, tentar acumular mérito sem dedica-lo não é a motivação final ou definitiva.

P: Você obtém mais mérito praticando com outras pessoas do que sozinho?

R: Sim, definitivamente. Você acumula mais mérito ao praticar com outras pessoas,
porque quando muitas pessoas praticam juntas, cada pessoa acumula o benefício de uma
pessoa multiplicado pelo número de pessoas que estão lá. Por exemplo, se dez pessoas
praticam juntas, cada uma experimenta dez vezes a quantidade de benefício que ele ou
ela experimentaria praticando sozinho. É dito que acontece o mesmo com ações
negativas. Se um grupo guerreia com outro grupo, e uma pessoa dentro do grupo mata
uma pessoa do outro, cada pessoa do grupo que matou acumula o carma daquela morte.
Então, se muitos matam muitos, então cada pessoa acumula muito. Isto é ensinado no cho
gnon pa, o abhidarma.

P: Minha pergunta se relaciona com os primeiros dois dos dez desvios, relacionados com
a fé e a inteligência. Quando eu era jovem, eu achava muito fácil e natural ter fé em coisas
e em mim mesmo; mas depois que cresci, eu não tinha muita fé em coisas como a
medicina, o governo, ou em mim mesma. Vendo o dharma, ouvindo seus ensinamentos e
praticando-o, eu achei que faz sentido para mim como um intelectual. Gostaria de saber
se há diferença entre ter confiança no dharma e ter fé no dharma, e também gostaria de
saber como despertar a fé em nós mesmos com relação ao caminho, ao dharma, ao
professor e a este texto.

R: É um bom sinal que você teve uma fé ingênua quando você era criança, porque indica
uma disposição positiva. Mas isso também é um bom sinal que ao amadurecer, com sua
crescente percepção, você examinou as coisas e você perdeu aquela ingenuidade. Você
não deveria de forma alguma estar alarmado pela perda da inocência.

126
Então, no que concerne à diferença entre fé e confiança, a função da inteligência do ponto
de vista do dharma é possibilitar ver defeitos e qualidades claramente, e estar apto a
distinguir entre o que é para aceitar e o que é para rejeitar. A forma de fazer uso da
inteligência é examinar cada aspecto do dharma passo a passo, e então você pode confiar
no que você provou a si ser válido através do exame. Isto é diferente do tipo de fé ingênua
que você experimentou quando era criança, porque esta confiança baseia-se, e somente
continua, na medida em que você determinou ser válido ao aplicar a sua inteligência.

Basicamente, a razão disso ser possível e válido na aplicação de uma compreensão ou


inteligência desenvolvida, é que a mente de qualquer um de nós tem em sua natureza a
capacidade ou potencial inerente de gerar todas as qualidades positivas e qualquer coisa
boa que seja imaginável. A diferença entre nossas mentes em diferentes épocas, e as
mentes de diferentes pessoas depende da situação e o que está contido em suas mentes.
Em nossas mentes nós temos ambas qualidades positivas, como amor e compaixão, e
aquelas negativas, como aflições mentais e ignorância. É importante fazer uso da
inteligência inerente da sua mente para examinar cuidadosamente tudo o que você tem
que lidar, a forma que você examina as substâncias determina se elas são remédio ou
veneno. Tendo examinados tais substâncias, você aceita o remédio e rejeita o veneno.
Quando em contato com o dharma, você examina-o em detalhe e com grande cuidado, e
então, assim como você determinaria um remédio útil e não venenoso, pouco a pouco
você irá confiar naqueles aspectos do dharma que você tem provado a si mesmo serem
válidos. Isto não só lhe dá confiança no dharma, isso também exercita e desenvolve a
inteligência com que você pode analisar o dharma.

Tendo feito isso, você pode praticar, e a prática é baseada na fé ou confiança que você
desenvolveu no dharma. Esta confiança é baseada na inteligência e aplicação, e é
diferente do confiança inocente ou ingênua de uma criança, que é baseado em ausência
de experiência. Ela não é baseada em qualquer exame e não há certeza da sua
profundidade. Tentar manter uma fé ingênua sem exame conduzirá ao fracasso, porque a
confiança de uma criança irá mudar; enquanto que a confiança que é desenvolvida com
base em sua própria validação do dharma por meio de seu próprio raciocínio não irá
alterar, porque foi provado. Assim, a forma de lidar com sua situação é simplesmente
ouvir e contemplar o dharma e se empenhar no processo de estudo e análise.

P: Um dos desvios que você mencionou ontem era que se você não põe imediatamente
em prática sua compreensão do dharma, seu desejo de usá-lo se tornará menor e menor e
127
sua inspiração se torna entediada e cansada. Se isso acontecer, como alguém reacende a
inspiração? Mais especificamente, quando eu me refugiei pela primeira vez, os quatro
pensamentos—o precioso nascimento humano, impermanência, karma e samsara—foram
motivações muito inspiradoras e fortes para mim mas agora, de alguma forma eles não
me dão a mesma inspiração.

R: A solução ao se tornar fatigado em relação ao dharma é examinar a si mesmo com


honestidade. A coisa mais importante é olhar para sua própria mente e examinar sua
própria situação, porque se você vê que está se tornando indiferente ou insensível ao
dharma, então o reconhecimento disso irá conduzir à remoção do defeito. Por exemplo,
se você está andando em algum lugar e de repente você vê na sua frente um abismo ou
um incêndio no qual você pode cair, apenas vê-lo irá fazer você dar um passo atrás e
evita-lo.

P: Minha mulher e outras pessoas que eu encontrei recentemente tem sérias reservas em
relação a participar de ritual e puja. Eles podem estar dispostos a (em) ouvir os
ensinamentos, ter vontade de meditar, mas não estão interessados em puja ou ritual. Como
posso lidar com essa situação, e qual é o propósito do ritual e puja no budismo?

R: É muito bom quando alguém, por exemplo, sua esposa, gosta de escutar ensinamentos
e gosta de meditar. A única razão de alguém gostar dessas coisas e não gostar de ritual e
práticas que fazem uso de diferentes tipos de elementos é que eles não vêem nenhum
objetivo nisso. Eles não entendem quais são os benefícios de tais coisas, e então, claro,
não tem respeito por eles e apenas pensam, “Qual é o propósito de todo aquele ritual”?

A razão dessas práticas é que o que quer que façamos no mundo, qualquer transgressão e
virtude que nós efetuamos, nós fazemos com o corpo, palavra e mente. Nós fazemos
coisas, dizemos coisas, e pensamos coisas. Especialmente, temos incorrido em
transgressões físicas, transgressões verbais e transgressões mentais por um período de
tempo que não tem princípio. Para reverter essa tendência habitual e remover o
obscurecimento dessas ações, é necessário cultivar virtude com as mesmas três
faculdades: com o corpo, com a palavra e com a mente. Por exemplo, nós cultivamos
virtude com o corpo efetuando circumbulação e prosternações, com a palavra pela
recitação de mantras e súplicas, e com a mente pelo cultivo de bondade amorosa,
compaixão e assim por diante.

128
Se você quer chegar a um lugar você efetivamente precisa andar, o que envolve usar suas
pernas; você não pode apenas sentar e imaginar. Da mesma forma, na prática você tem
que fazer uso de cada aspecto de si mesmo. No entanto, mesmo que alguém possa não
apreciar o valor do ritual e práticas que fazem uso de elementos físicos e verbais, é ainda
muito bom que eles estejam abertos a ideias e conceitos do dharma e prática de
meditação.

129
CAPÍTULO 18 - AS DEZ COISAS QUE CAUSAM A PRÓPRIA INFELICIDADE

A seguir estão as dez coisas pelas quais se causa a própria infelicidade.

A primeira delas é quando um praticante de dharma solteiro casa-se e então descobre


que não há oportunidade para praticar por causa das responsabilidades que vem com isso,
como criar filho e assim por diante. Tal situação de vida, em vez de ser um apoio para a
prática, torna-se um obstáculo para a prática do dharma e uma fonte de renascimento nos
reinos inferiores. Isto é similar a uma pessoa tola comendo um forte veneno porque ele
ou ela gosta da cor ou do aroma dele.

A segunda situação pela qual se causa a própria infelicidade é quando alguém obteve a
existência humana com a oportunidade de praticar o dharma, e então não pratica, mas se
empenha em transgressões. É como uma pessoa insana saltando de um penhasco.
Insanidade aqui é uma metáfora para a situação de não praticar o dharma quando você
tem a oportunidade de fazê-lo, e saltando de um penhasco é uma metáfora para se ocupar
em transgressões.

A terceira coisa pela qual se causa a própria infelicidade é violar seus votos e samaya, e
então sabendo disso se torna um charlatão que engana outros e finge ser um professor
genuíno. É como comer comida envenenada, que pode aliviar a fome temporariamente,
mas também causa a morte. Da mesma forma, você pode enganar outros, pensando que a
curto prazo isto será de grande ajuda, mas a longo prazo, você somente causará sua
própria infelicidade.

A quarta situação é para alguém de pouca inteligência se tornar o diretor de uma


comunidade monástica ou secular. É como forçar uma pessoa muito velha que mal pode
se mover a cuidar do rebanho. Esta situação refere-se a alguém sem a habilidade de dirigir
uma organização ou comunidade de forma benéfica e habilidosa.

A quinta coisa pela qual se causa a própria infelicidade é não ser diligente em realizar
benefício para outros por meio de uma excelente motivação, mas em vez disso, esforçar-
se na realização de seus próprios objetivos pela motivação das oitos coisas do mundo –
desejo por elogio e ganho e assim por diante. É como uma pessoa cega vagando em um
lugar selvagem ou num vasto deserto. Não se empenhando naquilo que beneficia outros
com uma boa motivação, você não tem oportunidade de acumular mérito. Sabendo disso,
se engajando naquilo que pareceria beneficiar você mesmo com ganho, vantagem, elogio
e assim por diante como sua motivação, você não realizará nenhum benefício para si você
mesmo nesta vida, e você acumulará a causa para enorme sofrimento em vidas futuras.

130
De forma similar, uma pessoa cega que é colocada no meio do deserto ou de um local
selvagem não tem como encontrar seu destino.

Sexto, ao assumir um grande e difícil esforço que você não tem como realizar, e se
comprometer com isso, é causa de sua própria infelicidade. É como uma pessoa muito
fraca tentando carregar um fardo muito pesado.

Sétimo, desconsiderar com arrogância as instruções ou conselho de um professor


autêntico e as instruções registradas e recomendações do Buda é causar a própria
infelicidade. É como um poderoso líder não escutando seus sábios conselheiros. Como
uma ilustração disso, há um longo tempo atrás havia um monastério em especial no Tibete
oriental, em Kham. Na mesma região do monastério havia um poderoso nobre que não
estava particularmente associado com o monastério de nenhuma forma. Ele estava tendo
uma disputa com o governo imperial chinês e eles estavam se preparando para invadir seu
território. O monastério era bastante poderoso na região, então esse lorde suplicou para
seus líderes e disse, “Você me apoiará na minha contenda com o governo imperial?”. O
conselho monástico discutiu este pedido, e a maioria dos membros disseram, “Não, nós
não devemos nos envolver nessa briga. Não é da nossa conta.” Mas um poderoso e franco
membro do conselho monástico disse, “ Nós devemos ajudar esse nobre porque se ele
vencer ele ficará em débito conosco. Nós poderemos espalhar nossa influência no
território dele e ele ficará submetido a nós.” Ele era tão forte em seu argumento que eles
ficaram seduzidos por eles e apoiaram o nobre. Conforme aconteceu, os Chineses
venceram, e eles destruíram não só o território do nobre mas o monastério também,
porque o monastério o apoiou. Essa é uma ilustração de tempos atrás desse tipo de
situação.

A oitava forma de causar sua própria infelicidade é se, tendo estudado e contemplado o
dharma, você não o pratica, mas ao invés procrastina e vagueia entre as habitações das
pessoas. É como um animal selvagem que não permanece nas montanhas onde é seguro,
mas vagueia em regiões de humanos e, portanto, será morto.

Nona, tendo recebido do seu professor uma introdução ou sido apontado acerca do
conhecimento natural, não nutrir isso pela prática, mas ser desviado pela elaboração de
distração, é causar sua própria infelicidade. É como ser um pássaro com uma asa
quebrada. Assim como um pássaro com uma asa quebrada ainda possui asas, você ainda
terá recebido a introdução, o apontamento, mas o poder disso terá sido quebrado pelo seu
próprio envolvimento em distração.

131
Décimo, consumir descuidadamente as posses e riqueza de seu guru e das Três Joias
causará sua própria infelicidade. É como uma pequena criança que vê uma brasa ardente
ao fogo e, atraída pela cor vermelha, agarra-a e coloca-a em sua boca. Significa tomar
coisas que são oferecidas para auxiliar professores e a comunidade monástica, e consumi-
las por motivo de prazer e luxo.

Estas são as dez coisas pelas quais se causa a própria infelicidade.

132
CAPÍTULO 19 - AS DEZ SITUAÇÕES DE GRANDE BONDADE POR SI MESMO

Em seguida vêm as dez situações de grande bondade por si mesmo.

Primeiro, é uma grande bondade para si mesmo praticar o puro dharma abandonando o
apego e a aversão para as coisas deste mundo. Ao fazê-lo gerará a sua própria liberação,
que é para si próprio à realização ultima e definitiva.

Em segundo lugar, a permanecer solteiro e abandonar amigos e familiares, apenas


confiando em indivíduos sagrados ou genuínos, é uma grande bondade para si mesmo.

Terceiro, abandonar a distração, e em vez disso, ouvir, contemplar e meditar é uma


grande bondade para si mesmo. Mesmo quando esta sendo assistido ou na presença de
um professor autentico, é possível que ainda possa se dedicar a subjugar os inimigos e
satisfazer seus amigos. É uma grande bondade para si mesmo colocar as instruções em
prática através da audição, contemplação e meditação abandonando todas essas distrações
e atividades sem sentido.

Quarto, abandonar o excesso de familiaridade com pessoas, por meio da convivência


com elas, sujeitando-se às suas próprias fantasias mas, ao invés disso, permanecer
sozinho na solidão é uma grande bondade consigo mesmo.

Em quinto lugar, não vai funcionar se, mesmo permanecendo na solidão, você ainda
estiver ligado a todas as coisas externas. Assim, permanecer em solidão para cortar apego
aos prazeres e coisas desejáveis, mantendo em um estado estável de desapego, é uma
grande bondade para si mesmo.

Sexta, nessa situação deve-se satisfazer com o suficiente de roupa para não passar frio e
de comida o suficiente para não passar fome. Estar satisfeito com apenas o que é
suficiente e não ter nenhum interesse ou desejo de coisas boas é uma grande bondade para
si mesmo.

Sétimo, não se rendendo por sua independência e fazendo escolhas de ações de corpo,
fala e mente para permitir que sua prática seja estável e desimpedida é uma grande
bondade para si mesmo. Isso não significa que você não possa cooperar com outras
pessoas ou a partir deles receber benefícios ou mesmo dar; isso significa que, no contexto
da prática, quando você tem o que você precisa, você não deve render a sua independência
a qualquer outra pessoa.

Em oitavo lugar, não dar atenção aos prazeres efêmeros da vida, mas fervorosamente
realizar o despertar que é a felicidade permanente é uma grande bondade para si mesmo.

133
Nona, no contexto da prática, abandonar toda fixação de solidez das aparências
experimentadas nas coisas e cultivar a realização na vacuidade é uma grande bondade
para si mesmo.

Décimo, permanecendo em solidão, não permitir que o seu corpo, fala e mente escorregue
em mediocridade, mas sim exercer-se na realização unificada das duas acumulações é
uma grande bondade para si mesmo.

Estas são as dez coisas que são de grande bondade para si mesmo.

134
CAPÍTULO 20 - AS DEZ COISAS PELAS QUAIS SE CAUSA A PRÓPRIA FELICIDADE

Seguem-se as dez coisas que são perfeitas.

Primeiro, ter confiança no resultado das ações é a visão perfeita para o iniciante. Isto
significa, reconhecer que a transgressão leva ao sofrimento e a virtude leva à felicidade.

Segundo, o reconhecimento de que todas as coisas internas e externas são a união da


consciência-lúcida (rigpa) e da vacuidade, e a união da aparência e da vacuidade é a visão
perfeita para um praticante intermediário. Isso refere-se à visão conectada com a prática
do bodhisattvayana.

Terceiro, perceber que o que se vê, o espectador, e a realização em si são indivisíveis ou


indiferenciados é a visão perfeita de um praticante avançado ou alguém com capacidades
superiores. Isto refere-se principalmente ao nível vajrayana, mas esse (ponto de vista)
tipo de percepção também pode estar presente na prática do mahayana, especialmente
durante as sessões de meditação.

Quarto, permanecer com uma mente que é intencionalmente dirigida para um objeto de
meditação, isto é, permanecer em um estado completo de tranquilidade, é a meditação
perfeita para um iniciante.

Quinto, da mesma forma, permanecer em samadhi (absorção meditativa) que é o


reconhecimento das quatro unidades, é a meditação perfeita para um praticante
intermediário. As quatro unidades são as unidades da aparência e da vacuidade, do som e
da vacuidade, da felicidade e da vacuidade, e da consciência-lúcida (rigpa) e da
vacuidade.

Sexto, permanecer no estado não conceitual no qual o objeto sobre o qual se medita, o
meditador e a prática são reconhecidos como sendo indivisíveis, é a meditação perfeita
para alguém de faculdades elevadas ou para os praticantes mais avançados. Essa é a
prática suprema de ambas, sutrayana e tantrayana, e é conhecida como a não
conceitualização dos três aspectos de qualquer situação.

Sétimo, manter-se aderente ao princípio de causa e efeito das ações com o mesmo cuidado
que cuida de seus olhos é a conduta perfeita do iniciante.

Oitavo, conduzir-se com o reconhecimento de que todas as coisas que você experimenta
são como um sonho ou uma ilusão mágica, um reconhecimento que surge da prática da
meditação, é a conduta perfeita para uma pessoa de faculdades intermediárias ou de um
nível intermediário, que é alguém que pratica o caminho do bodhisatva.

135
Nono, permanecer no "não agir" é a conduta perfeita de um praticante avançado ou
alguém de faculdades superiores. Isto significa não ter nenhum conceito do que é agir, do
que é o não agir, e assim por diante.

Há duas maneiras de entender esses três conjuntos de três. Às vezes as pessoas os


entendem no sentido de que primeiro você pratica o que é apropriado para um iniciante;
então, quando você se torna um praticante intermediário, você abandona isso e muda para
a maneira de fazer as coisas do praticante intermediário; e quando você se torna um
praticante avançado, você abandona isso também. Isso é praticar sequencialmente e
exclusivamente os três.

A outra maneira de entender isso é que como um iniciante, você pratica o que é apropriado
para um iniciante; então quando você se torna mais avançado, você continua praticando
isso, mas acrescenta (a ela) o que é adequado para um praticante intermediário; e quando
você se torna um praticante avançado, você continua com essas duas práticas e adiciona-
lhes o discernimento de um praticante avançado. A segunda maneira de ver isso é a
correta; elas são praticadas sequencialmente, mas não exclusivamente. Em outras
palavras, não jogue fora os níveis inferiores quando você avançar para os superiores.

A décima coisa perfeita é a diminuição progressiva e a pacificação de toda fixação em


uma existência inerente do "eu" e de toda aflição mental. Esse é o sinal perfeito, correto
e genuíno de práticas bem-sucedidas para alguém de qualquer uma das três faculdades -
menor, intermediária e maior - ou qualquer um dos três níveis.

Estas são as dez coisas perfeitamente puras.

136
CAPÍTULO 21 - AS DEZ DESORIENTAÇÕES DOS PRATICANTES

Em seguida vêm as dez desorientações dos praticantes.

Primeiro, não confiar em um excelente professor que pratica o dharma adequadamente,


mas confiar em um charlatão de fala astuta, é uma causa de extrema desorientação.

Segundo, não buscar as preciosas instruções da linhagem oral dos siddhas, mas se
empenhar no estudo da lógica e raciocínio é extremamente desorientador.

Terceiro, não estar contente com quaisquer aparecimentos que surjam no presente, mas
fazer extensas preparações para o futuro baseado na presunção de que as coisas
permanecerão iguais, é extremamente confuso.

Quarto, não pensar sobre o dharma enquanto viver sozinho, mas ensiná-lo em meio a
outros, é extremamente desorientador.

Quinto, não usar seu excesso de riqueza e posses para oferendas e generosidade com
outros, mas acumular riqueza e posses furtivamente é extremamente desorientador. Isto
significa que embora você tenha muito dinheiro, você não compartilha nada dele com
outras pessoas que podem não ter comida suficiente ou outras coisas, nem faz oferendas
com ele. Quando está na hora de fazer oferendas ou realizar qualquer ato de generosidade,
você diz, “Eu não tenho nada. Eu não posso dar nada. Desculpe-me, eu desejaria poder”
e enquanto isso você está acumulando uma pilha de dinheiro.

Sexto, não guardar sejam quais forem votos e samaya que você tenha comprometido, mas
deixar seu corpo, fala e mente correrem soltos é extremamente desorientador. Isto
significa, por exemplo, que você se comprometeu a prática do dharma e a uma certa
disciplina de conduta, mas tão logo um filme é lançado, você tem logo que ir vê-lo, se
algo excitante acontece na cidade, você tem que tomar parte dele, se há boxe na televisão
você tem que assistir, ou se há um novo lugar para ir dançar, você tem que ir lá na primeira
noite de abertura.

Sétimo, não devotar seu tempo e energia para gradual familiarização com o significado
que é para ser realizado por meio da prática, mas desperdiçar sua vida em atividades social
ou política sem significado é extremamente desorientador.

Oitavo, não domar sua própria mente ou transcender a confusão que surge em sua própria
experiência, mas imprudentemente tentar domar as mentes de outros, é extremamente
desorientador. Se você não domar primeiro sua própria mente, então tentar domar a mente
dos outros ou aliviar a confusão de outros não irá funcionar, porque você ainda estará tão

137
confuso que você não saberá como fazê-lo, e você provavelmente só irá gerar aflição
mental. Por exemplo, quando alguém se direciona entre duas pessoas que estão brigando
e tenta separá-los e pacificar a situação, frequentemente a pessoa que está intervindo fica
brava, e então há três pessoas brigando ao invés de duas.

Nono, não nutrir o desenvolvimento progressivo de qualidades que surgem por meio de
sua experiência da prática, como fé, compaixão, e assim por diante, mas ao invés,
alimentar o desenvolvimento de grandeza nesta vida, tal como uma alta posição em uma
comunidade ou monastério, fama, riqueza e assim por diante é extremamente
desorientador.

Finalmente, nesse momento, quando as causas e condições necessárias para a


oportunidade de praticar dharma estão presentes, não ser diligente mas se deleitar em
preguiça e indolência é extremamente desorientador.

Estas são as dez causas de extrema desorientação.

138
CAPÍTULO 22 - AS DEZ COISAS NECESSÁRIAS

Primeiro, no começo, você precisa ter a fé genuína e sincera baseada no medo dos
sofrimentos do samsara, como o nascimento, a morte, e assim por diante, como a atitude
de um cervo que escapou do poço preparado pelos caçadores.

Segundo, no estágio intermediário, ao praticar, você precisa ter o tipo de diligência que
o deixará sem culpa ou medo no momento da morte, como a atitude de um fazendeiro na
época da colheita.

Em terceiro lugar, no final, você precisa ter uma mente feliz que não pode morrer, como
a atitude de alguém que acaba de realizar algo incrível.

Em quarto lugar, no início, você tem que ter um senso de urgência, como alguém que
acaba de ser atingido por uma flecha. Ao ser atingido, você não pensa: "Talvez antes de
puxar esta flecha para fora, eu vou tomar uma xícara de chá", ou qualquer coisa assim.

Em quinto lugar, no estágio intermediário, tem que se ter uma meditação totalmente sem
distrações, como a tristeza de uma mãe cujo único filho acaba de morrer. Essa mãe só
pensa em sua tristeza noite e dia.

Sexto, no final, você tem que ter um reconhecimento de que não há nada para fazer, como
o gado libertado do seu confinamento por ativistas. Quando as pessoas possuem gados, é
claro, estão sempre as ordenhando, fazendo isso ou fazendo aquilo, o gado tem um monte
de trabalho e aborrecimentos. Quando os ativistas quebram as barreiras do seu
confinamento, o gado pode vagar ao redor, tendo uma sensação da liberdade e de
liberação.

Sétimo, no começo, você tem que ter uma certeza em relação ao dharma como a de uma
pessoa muito faminta que encontra excelente comida.

Oitavo, no estágio intermediário, você tem que ter uma certeza sobre sua própria mente
como a de um lutador quando achou a joia. Isso se refere a uma fábula, uma história que
é simbólica: uma vez havia um lutador cuja família tinha lhe dado um diamante, que
sempre usava na testa. Ele acabara de ganhar um combate de luta livre, no qual ele e o
outro lutador haviam sido espancados e tinham feridas e inchaços em seus rostos e
cabeças. Ele não estava nem um pouco perturbado com suas feridas, mas sim por não
conseguir encontrar sua joia, achou que a tinha perdido. Ele estava tentando encontrá-lo,
olhando ao redor do poço de luta, mas ele não poderia encontrá-lo em qualquer lugar.
Então ele foi a um médico, que disse: "Você tem um monte de ferimentos. É melhor eu
começar a trata-las."
139
O lutador disse: "Eu não me importo com isso! O que me importa é que eu perdi o
diamante da minha família." Mas o médico insistiu em olhar para as feridas, e notou
especialmente um inchaço na testa com grande ferimento. O médico perguntou: "Agora,
como você perdeu esse diamante?" E o lutador disse: "Bem, eu estava lutando com ele na
minha cabeça”.

O médico olhou dentro do inchaço e descobriu que o diamante tinha ficado preso sob a
pele. Ele disse ao lutador: "Aqui está o seu diamante". O lutador estava muito feliz, afinal,
descobriu que não tinha perdido o seu diamante. Sua procura fora para ele tinha sido sem
sentido, porque o diamante não estava fora, estava dentro e escondido. Este ponto refere-
se a ter a certeza de que as qualidades a serem realizadas são encontradas dentro da mente
e não devem ser procuradas fora dela.

Essas pequenas fábulas são bastante comuns nos escritos do Gampopa, e também em
algumas das canções que Milarepa cantou para Gampopa, e pode ser encontrada na
“Chuva da Sabedoria”25.

Em nono lugar, no final, você tem que gerar uma certeza sobre a não-dualidade, que é
como expor a fraude de um impostor. É preciso cortar totalmente a falsa imputação da
dualidade do experimentador e da experiência, ao determinar que todas as experiências
não são estabelecidas como tendo outra natureza que não a própria experiência em si.

Décimo, é necessário estabelecer-se firme na talidade que é como um corvo voando livre
de uma gaiola ou navio. Quando um corvo sai de uma gaiola ele nunca mais voltará. Além
disso, quando um corvo voa de um navio no meio do oceano, ele sempre retornará ao
navio. O primeiro significa que, uma vez estabelecido na talidade, não se volta mais à
confusão.O significado do segundo é que essa determinação gera a certeza de que os
pensamentos que surgem, por serem a expressão da própria talidade, acabam a ela
retornando.

Estas são as dez coisas que são necessárias.

25
The rain of Wisdom, tr. Pelo Nalanda Translation Comitee, Boston: Shambala, 1989.
140
CAPÍTULO 23 - AS DEZ COISAS QUE NÃO SÃO NECESSÁRIAS

Agora chegamos às dez coisas que não são necessárias.

Primeiro, quando você alcança a experiência direta da vacuidade da mente, a escuta e


reflexão sobre o dharma são desnecessários. Realizar isso é muito diferente de apenas
compreendê-lo.

Segundo, quando você reconhece sua consciência como imaculada, já não é necessário
purificar os atos nocivos.

Terceiro, quando você permanece no caminho natural último, então a reunião intencional
das acumulações já não é necessária, porque você atingiu ou está atingindo o resultado e
a essência dessas acumulações.

Quarto, se você permanecer no estado natural da mente e por esse intermédio reconhecer
e realizar sua essência, não é necessário meditar usando outros métodos.

Quinto, quando você reconhece os pensamentos tais como são, já não é necessário
meditar no não pensamento ou na ausência de pensamento. Não é mais necessário tentar
bloquear o pensamento.

Sexto, quando as aflições mentais são reconhecidas como desprovidas de raízes e sem
fundamento, já não é necessário utilizar os antídotos.

Sétimo, quando todas as aparências e sons são realizados como ilusões mágicas, já não é
necessário tentar cessar alguns e tentar realizar outros. Tendo realizado todos os
fenômenos como sendo de natureza única, não há nenhuma preferência ou distinção entre
os diferentes fenômenos.

Oitavo, quando o sofrimento é reconhecido como realização ou siddhi, é desnecessário a


busca por prazer.

Nono, se a mente é percebida como não nascida, é desnecessário para qualquer pessoa,
no momento da morte fazer powa ou a transferência de consciência.

Décimo, se tudo que você faz com seu corpo, palavra e mente é feito para o benefício dos
outros, não há necessidade de fazer mais nada para seu próprio benefício, porque o um
está incluído no outro.

Estas são as dez coisas que não são mais necessárias.

Esta lista das dez coisas desnecessárias é dirigida àqueles com visão superior e a mais
perfeita conduta: aqueles que realizaram as qualidades do caminho superior.

141
142
CAPÍTULO 24 - AS DEZ COISAS SUPERIORES

A seguir estão as dez coisas que são especialmente nobres ou superiores.

Primeiro, entre os seis diferentes tipos de seres sencientes, um ser humano que possui as
liberdades e os recursos de uma preciosa existência humana é o mais nobre.

Segundo, entre os seres humanos, a maioria dos quais não tem nenhuma ligação com o
dharma, um indivíduo que pratica o dharma é o mais nobre.

Terceiro, entre todos os veículos do Buddhadharma, o veículo essencial último, o


verdadeiro significado, o mahamudra, é o mais nobre ou refinado.

Quarto, um instante de sherab ou conhecimento oriundo da meditação é superior a todo


o conhecimento que possa surgir da escuta e da contemplação, porque (todo) o objetivo
final da escuta e da contemplação é levar à meditação e à realização.

Quinto, um instante de virtude não composta, ou virtude que inclui a não-conceitualidade


do daquele que executa, daquele que a recebe e da ação em si, é superior a toda virtude
composta, isto é, virtude realizada por eons e eons com o conceito da existência inerente
dos três aspectos de uma ação virtuosa (sujeito, objeto e ação).

Sexto, um instante de samadhi não-conceitual é superior a todos os samadhis conceituais


que existem. Isso significa que um instante do estágio último de realização, com total
ausência de qualquer tipo de fixação, seja qual for, é melhor do que todas as práticas de
meditação que utilizam diferentes tipos de objetos e, no contexto do mantra secreto, todas
as visualizações de divindades, instrumentos, letras, mantras, e assim por diante.

Sétimo, um instante de virtude sem mácula é superior a todas as virtudes maculadas que
existem. Virtude com mácula significa um ato virtuoso realizado com a motivação de
alcançar felicidade ou o prazer nesta e em vidas futura, tendo como resultado a maturação
desse objetivo. Virtude sem mácula significa a realização da virtude que conduz à
realização dos arhats, bodhisattvas e especialmente budas, ou seja, as realizações dos
superiores ou aryas, porque não há máculas e nenhuma fonte de deterioração em sua
virtude.

Isso está relacionado com o ponto anterior que comparou a virtude composta e a virtude
não-composta. Ambas podem ser descritas como causas ou como resultados. Quando as
virtudes compostas e não compostas são comparadas como causas, a virtude composta é
a virtude com conceitualidade, e a virtude não-composta é a virtude que transcende a
fixação conceitual. Quando comparadas como resultados, o resultado para a virtude

143
composta são os prazeres do samsara e para a virtude não-composta a realização da
budeidade.

Aqui, comparando a virtude maculada e a sem mácula como causa, a virtude maculada é
realizada com a motivação de buscar o próprio prazer e felicidade, e a virtude sem mácula
é realizada com a motivação de (realizar/alcançar) a bodhicitta. O resultado no caso da
virtude maculada é o prazer do samsara, e no caso da virtude sem mácula é o despertar.

Oitavo, um instante de realização é superior a todas as experiências de meditação que


possa haver. As experiências desaparecem e não deixam necessariamente qualquer efeito
sobre nós, enquanto um instante de realização muda tudo para sempre.

Nono, um instante de conduta não conceitual é superior a toda a conduta virtuosa


concebida conceitualmente que possa haver. Embora a conduta dentro de um quadro
conceitual - criação e visualização das imagens do corpo, da palavra e da mente dos
Budas, meditação conceitual sobre divindades, recitação de mantras e assim por diante -
sejam de grande mérito, um instante de permanência no estado que transcende toda a
elaboração é superior.

Finalmente, não ter fixação em coisa alguma é superior a toda a generosidade material
que existe. Embora a generosidade material que ainda inclui o conceito incorreto de que
existe inerentemente uma pessoa que a pratica a generosidade, e assim por diante, é de
imenso mérito, isto não se iguala ao reconhecimento de que não há existência inerente, e
a total ausência de fixação que é gerada por este reconhecimento.

Estas são as dez coisas especialmente nobres ou superiores.

144
CAPÍTULO 25 - AS DEZ COISAS NAS QUAIS O QUE SE QUER QUE SEJA FEITO É
EXCELENTE

Primeiro, para aqueles cujas mentes se voltaram totalmente para o dharma, de tal forma
que não há pensamento em qualquer outra coisa que não seja dharma, se eles abandonam
todas as atividades mundanas e permanecem somente em retiro é excelente; se eles não
abandonam todas as atividades mundanas e não permanecem em retiro também é
excelente. Porque suas mentes se voltaram totalmente para o dharma, tais pessoas não se
tornam vítimas de aflições mentais grosseiras.

Segundo, para aqueles que cortaram todas as concepções equivocadas nas suas próprias
mentes, se eles meditam é excelente, se eles não meditam também é excelente. Tais
pessoas determinaram que a fonte de todo o sofrimento é a confusão que obscurece a
mente, e reconheceram que a natureza da mente, que de outro modo é obscurecida, é o
espontaneamente presente dharmakaya.

Terceiro, para aqueles que cortaram totalmente todo apego ou desejo por prazer, se eles
adotam uma existência sem paixão, abandonando todos os prazeres mundanos, é
excelente; se eles não adotam uma existência sem paixão, mas permanece no meio dos
prazeres mundanos, também é excelente, porque eles não têm apego nenhum a tais
prazeres.

Quarto, para alguém que realizou diretamente a natureza de todas as coisas, é excelente
viver sozinho em uma caverna vazia, e é excelente viver como o líder de uma vasta
comunidade.

Quinto, para alguém que reconheceu que todas as aparências são como ilusões mágicas,
é excelente permanecer sozinho em um retiro solitário /isolado e é também excelente
viajar por aí sem direção por todas as terras.

Sexto, para aqueles que obtiveram completo controle sobre suas próprias mentes e,
portanto, não são de nenhum modo afligidos - ou mesmo afetados - por pensamentos e
emoções, é excelente se eles abandonam experiências sensoriais prazerosas, e é excelente
se eles as desfrutam.

Sétimo, para aqueles que possuem bodhicitta genuína, se eles praticam sozinhos em
solitude é excelente, e se eles permanecem no meio de outros, executando o que é
benéfico para outros, também é excelente.

Oitavo, para aquele que tem inabalável devoção, tal que não importa o que ocorra, ou
quais condições estão presentes ou não presentes, sua devoção pelo seu professor
145
autêntico nunca aumenta ou diminui, mas é sempre muito, muito forte, é excelente se eles
vivem como atendentes de seu professor, constantemente na presença dele ou dela; e está
bem se eles não o fazem.

Nono, para aqueles que ouviram bastante dharma e efetivamente o entenderam, se sinais
de siddhi ou realização surgem em suas práticas é excelente, e se obstáculos surgem
também é excelente. Ao entender o significado do dharma, eles não têm nenhuma
arrogância se sinais surgem e nenhum medo se obstáculos surgem, porque reconhecem
estes dois como ser parte do caminho.

Décimo, para um iogue que atingiu a suprema realização, é excelente se sinais de


realização ordinária surgem, e é também excelente se não. Realizações ordinárias são
coisas tal como percepção extraordinária, a habilidade de trazer outros sob seu poder, a
habilidade de prolongar nossas vidas, a habilidade de nós mesmos nos curarmos de
doenças, e assim por diante. Estas habilidades são chamadas “ordinárias” porque podem
ocorrer a praticantes no caminho budista, e elas podem ocorrer também a pessoas em todo
o mundo que as geram por meio de samadhi natural ou adquirido ou absorção meditativa.
Isto é comumente encontrado na Índia, por exemplo. A realização suprema é o
reconhecimento que leva ao despertar. Para alguém que tem tal realização, não importa
se ele ou ela tem ou não o outro.

Estas são as dez situações nas quais o que quer que alguém faça é excelente.

146
CAPÍTULO 26 - AS DEZ QUALIDADES DO DHARMA GENUÍNO

Em seguida vêm as dez qualidades que são as bênçãos do dharma estar presente no
mundo.

A primeira delas é uma lista bastante longa. Inclui a proclamação no mundo de coisas
como o conceito das dez ações virtuosas26 a serem praticadas por todos desde o início; o
conceito das seis perfeições a serem praticadas por praticantes intermediários; todas as
formas de apresentações da vacuidade dos pontos de vista hinayana, mahayana e
vajrayana; os conceitos dos trinta e sete fatores do despertar e as quatro nobres verdades;
os quatro dhyanas27 e as quatro absorções sem forma28, que são comuns e não apenas
referentes à tradição budista; e especialmente as iniciações e instruções do vajrayana. A
presença de todas estas coisas no mundo é devido às bênçãos do dharma.

Segundo, dentro do reino humano estão posições importantes e grandes, como famílias
reais, e dentro da sociedade, como brâmanes, e outras posições poderosas de riqueza.
Dentro do reino dos deuses estão os seis reinos dos deuses do desejo, como os quatro
grandes reis, os dezessete reinos da forma, os quatro reinos sem forma, e assim por diante.
A presença de todos esses estados de felicidade no mundo deve-se ao acúmulo de mérito
pelos indivíduos que os vivenciam e, portanto, é dito que é uma qualidade, ou devido às
bênçãos do dharma.

Terceiro, a presença no mundo daqueles que alcançaram qualquer um dos quatro níveis
do caminho dos ouvintes - dos que entraram na corrente, os que retornarão apenas mais
uma vez, dos que não retornarão mais, e arhats; a presença no mundo daqueles que
alcançam os níveis dos pratyekabuddhas ou realizadores solitários; e a presença no
mundo de budistas oniscientes que aperfeiçoaram o caminho do mahayana, todos surgem
por causa das qualidades do dharma.

26
As dez ações virtuosas estão em oposição às dez ações não virtuosas, a saber:
malevolência, cobiça, visões errôneas, palavras ofensivas, maledicência, tagarelice,
mentira, matar, roubar e má conduta sexual.
27
Os quatro dhyanas são quatro níveis de estados meditativos. Eles estão relacionados ao
domínio da forma e o apego à sua prática pode conduzir o renascimento no domínio da
forma.
28
As quatro absorções sem forma são estados meditativos mais elevados que estão
relacionados aos domínios da não-forma, os mais elevados dos três reinos do samsara
(desejo, forma e não forma).
147
Em quarto lugar, neste mundo está a realização sem esforço e espontaneamente presente
do benefício para os seres sencientes que se manifesta enquanto o samsara não estiver
vazio, por meio da exibição natural da compaixão dos Budas na forma dos dois corpos
formais. Isso é realizado por meio do poder de sua geração original da intenção de
alcançar o supremo despertar, para então estabelecer todos os seres sencientes nesse
estado, e sua aspiração durante o caminho para realizar atividades através dos corpos
formais que trazem todos os seres sencientes para a felicidade e o despertar. A presença
no mundo de toda essa atividade espontânea é devida às qualidades do dharma.

Em quinto lugar, todas as abundantes e excelentes coisas físicas que surgem no mundo
para apoiar, ajudar e proteger as vidas dos seres sencientes surgem através do poder das
aspirações dos bodhisattvas e, portanto, através das qualidades do dharma. Os
bodhisattvas fazem tais aspirações como: "Posso tomar a forma dos quatro elementos, de
maneira que cada elemento possa auxiliar e proteger todos os seres sencientes".

Em sexto lugar, qualquer leve felicidade que se experimenta nos reinos inferiores e nos
estados agitados surge do mérito virtuoso acumulado pelos seres nesses estados e,
portanto, surge através das qualidades do dharma. O pior dos reinos do inferno é Avici
(ou “narme” em tibetano), o oitavo inferno quente, que é um estado de sofrimento
ininterrupto. Do ponto de vista de Avici, o sétimo inferno e todos os outros acima dele
são ligeiramente melhores, na medida em que há um pouco menos de sofrimento. A razão
pela qual há menos sofrimento é que os seres sencientes submetidos a essas experiências
têm um pouco mais de virtude e um pouco menos de transgressão em seus contínuos
mentais. Visto que é por meio do poder da virtude que há a presença da felicidade relativa,
ou menos sofrimento, isso surge através das qualidades do dharma.

Sétimo, quando uma pessoa má volta sua mente para o dharma e se torna uma pessoa
genuína e santa, sendo possível ser respeitada por todos, isso é uma indicação das
qualidades do dharma.

Em oitavo lugar, quando alguém que se envolveu descuidadamente em atos de


transgressão que produz futuro combustível para os fogos do inferno, volta sua mente
para o dharma e vem produzir a experiência de reinos mais elevados e para liberação,
isso indica as qualidades de dharma.

Em nono lugar, quando alguém meramente tem fé, interesse ou deleite no dharma, ou
simplesmente assume a aparência ou se veste de um praticante, e, contudo, só por isso
torna-se agradável a todos e objeto de respeito, isso indica as qualidades do dharma.

148
Finalmente, quando alguém abandona todas as posses e deixa o mundo, vivendo num
retiro isolado, e ainda espontaneamente encontra abundancia e excelente sustento, esta é
uma qualidade do dharma.

Estas dez coisas são uma breve síntese possíveis das qualidades ilimitadas do dharma.

149
CAPÍTULO 27 - AS DEZ COISAS QUE SÃO APENAS NOMES

A seguir são as dez coisas que são apenas nomes.

Primeiro, como a natureza da base ou fundamento não pode ser explicada ou


demonstrada, “base” é apenas um nome. A natureza da base ou fundamento da
experiência está além de toda (a) elaboração e, portanto não pode ser comunicada.
Portanto, qualquer nome ou termo aplicado a ela é apenas uma designação e não a
descreve realmente.

Segundo, uma vez que o caminho não é um fenômeno composto e, portanto, não é algo
que pode ser dividido em um viajante e uma viagem, “caminho” é apenas um nome.

Terceiro, na natureza última não há nada para observar e nenhum observador, então
“realização” é apenas um nome. Quando dizemos “realização”, pensamos em algo novo
sendo observado, mas não há nada para observar e não há ninguém a observá-lo.

Quarto, no estado natural ou não fabricado, não há nada em que meditar e nenhuma
meditação, então a “experiência” da meditação é apenas um nome.

Quinto, na natureza última não há surgimento, cessação ou permanência, e, portanto, não


há nada a ser feito e nenhum processo de conduta, então “conduta” é apenas um nome.

Sexto, uma vez que a natureza última de todas as coisas é livre de qualquer tipo de
elaboração ou distinção, e não é um composto, e, portanto, não há nada a ser guardado e
nenhum guarda, o termo “samaya” é apenas um nome ou convenção.

Sétimo, em última análise, não há nada a ser acumulado ou acrescentado, e nenhuma


acumulação, de modo que as “duas acumulações” são apenas nomes.

Oitavo, visto que, em última análise, não há nada a ser purificado e nenhuma purificação,
os “dois obscurecimentos” – os obscurecimentos cognitivos e aflitivos - são apenas
nomes.

Nono, em última análise não há nada a ser abandonado e nenhum processo de abandono,
de modo que “samsara” é apenas um nome.

Décimo, em última análise, não há nada a ser atingido e nenhuma realização, uma vez
que a fruição é espontaneamente presente como nossa verdadeira natureza, por isso
“fruição” é apenas um nome. Enquanto estamos ainda sob o poder dos padrões habituais
de confusão, a interdependência e os resultados das ações são válidos e infalíveis. Por
exemplo, enquanto estamos dormindo e sonhando, ainda estamos assustados, satisfeitos
e assim por diante com as aparências que surgem no sonho; mas quando acordamos, todas
150
as imagens do sonho não têm mais validade e nenhum valor. Da mesma forma, assim
como as aparências são válidas no sonho, assim é a natureza interdependente pela qual
nossa experiência confusa é caracterizada.

Esta lista de dez coisas que são apenas nomes está, portanto, relacionada com um nível
muito elevado de realização, como foi o caso de algumas seções anteriores. Esse tipo de
coisa, se mal compreendida, pode levá-lo a realizar ações negativas, como na história
anterior da pessoa que matou uma cabra.

151
CAPÍTULO 28 - AS DEZ COISAS QUE ESTÃO ESPONTANEAMENTE PRESENTES
COMO FELICIDADE

Em seguida, as dez coisas que estão espontaneamente presentes como grande felicidade.

Primeiro, uma vez que a natureza da mente de cada e todo ser senciente é o dharmakaya,
ela é espontaneamente presente como grande felicidade, e, portanto, o dharmakaya ou
grande felicidade não tem que ser produzido ou criado.

Segundo, uma vez que não há nada no mundo fenomênico que esteja além da vastidão
da natureza ou do fundamento (base) de todas as coisas, o fundamento (base) é
espontaneamente presente como grande felicidade.

Terceiro, uma vez que a realização que transcende a mente conceitual e está além dos
extremos de niilismo e da afirmação de permanência, é sem elaborações de parcialidade
e distinção, ela é espontaneamente presente como grande felicidade.

Quarto, uma vez que a experiência de não-atividade na mente transcende a elaboração


de conceitualização, ela é espontaneamente presente como grande felicidade.

Quinto, uma vez que a conduta que é sem esforço e está além da atividade
conceitualmente designada transcende a elaboração de aceitação e rejeição, ela é
espontaneamente presente como grande felicidade.

Sexto, uma vez que no dharmakaya não há elaborações de objetos apreendidos e um


sujeito que apreende, que é a união do domínio da vacuidade e da sabedoria última que é
o atributo cognitivo da vacuidade, o dharmakaya é espontaneamente presente como
grande felicidade.

Sétimo, uma vez que o sambhogakaya que é compaixão auto manifestada, não possui as
elaborações de nascimento e morte, ele é espontaneamente presente como grande
felicidade.

Oitavo, uma vez que o nirmanakaya que é compaixão auto surgida, transcende a
elaboração da falsa imputação de uma dualidade inerente à experiência, ele é
espontaneamente presente como grande felicidade.

Nono, uma vez que todos os vários giros da roda do dharma pelo Buda transcendem a
elaboração da falsa imputação de um eu inerentemente existente, eles são
espontaneamente presentes como grande felicidade.

Finalmente, uma vez que a atividade da compaixão ilimitada não tem divisões e nem
período de tempo, ela é espontaneamente presente como grande felicidade.
152
Essas são as dez coisas que estão espontaneamente presentes como grande felicidade.

CONCLUSÃO
Assim, este é o sentido da Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo do incomparável
Dagpo Rinpoche, começando pelas dez causas de lamentação e concluindo com as dez
coisas que são espontaneamente presentes como grande felicidade. Todos os estágios do
caminho, desde o reconhecimento da obtenção de uma preciosa existência humana até as
causas, condições, natureza e qualidades do despertar supremo, e a essência da
apresentação dos ensinamentos do Buda, sejam os sutras ou os tantras, tudo isso foi
explicado neste texto. Esses ensinamentos não são apenas uma composição aleatória de
Gampopa, mas são a expressão da genuína realização que surge a partir da prática,
completamente baseada nas instruções recebidas de lamas absolutamente autênticos e
realizados.

Este texto contém a essência dos ensinamentos recebidos por Gampopa de seus estimados
gurus da tradição Kadampa, que expressam a transmissão ininterrupta dos ensinamentos
do glorioso Atisha e sua linhagem, que incluem Geshe Dromtonpa, Geshe Chengawa e
outros. Conforme destaca Gampopa neste texto, Atisha foi encaminhado para ser o
regente do Tibet tanto pelo seu guru raiz, conhecido como Senhor Serlingpa (que significa
“aquele vindo da Indonésia”), como pelo seu yidam, Arya Tara.

Esse texto também contempla a essência dos ensinamentos imaculados recebidos do rei
de todos os veneráveis, Senhor Milarepa, detentor da essência da mente de todos os
eruditos e siddhas da Índia, conforme transmissão recebida do Senhor Marpa. Marpa
recebeu instruções de inumeráveis mestres, mas principalmente daqueles conhecidos na
Índia como sendo o sol e a lua, os seres supremos Naropa e Maitripa.

Dessa forma, as essências dessas duas tradições estão combinadas na forma deste texto,
a Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo. Isso foi feito pelo Sr. Sonam Rinchem –
Gampopa – detentor do tesouro das instruções Kadampa, oriundas de Serlingpa e Atisha
e da linhagem mahamudra, vinda de Naropa, Maitripa, Marpa e assim por diante.

Foi dito pelo Sr. Gampopa, “No futuro, todos os indivíduos que tenham devoção em mim
e estejam tristes por não terem tido a oportunidade de me encontrar, se eles conhecerem
os textos por mim compostos A Preciosa Guirlanda do Caminho Supremo e O ornamento
da Preciosa Liberação, será o mesmo que estar diante de mim. Portanto, todos aqueles

153
afortunados que tenham devoção por Gampopa devem ser diligentes no estudo destes dois
tratados. Gampopa compôs esses dois textos não tanto para o benefício daqueles do seu
tempo, mas para beneficiar as pessoas que futuramente viessem a praticar os
ensinamentos da sua tradição. Ou seja, ninguém menos do que nós mesmos.

Além disso, em geral é dito que se você ora para qualquer mestre da linhagem de
transmissão do mahamudra, por meios de suas bênçãos você alcançará a experiência da
realização ou, qualquer experiência de realização que você já possua, aumentará. Mas é
dito que isso é particularmente verdadeiro quando essa devoção é por Gampopa. Ele é de
tal forma a incorporação do mahamudra que, apenas por pensar nele, seja em quaisquer
níveis de devoção, gera-se uma experiência de realização naqueles que nunca a
experimentaram e instantaneamente aumentam a experiência de realização naqueles já a
experimentaram.

Nesse sentido, Gampopa é particularmente especial. Esses dois textos são os seus
trabalhos mais famosos e são, como ele mesmo diz, a expressão de todo a a sua
compaixão, todo a a sua sabedoria e toda a sua habilidade de transmitir a realização do
mahamudra.

Por um pequeno espaço de tempo nós estudamos as palavras que integram este texto. Eu
sinceramente lhes peço para que não deixem esse texto apenas como palavras na sua
memória, mas detenham o seu significado e usufruam de todo o seu esplendor com todo
a diligência, devoção e discernimento que puderem reunir. Se assim o fizerem, em virtude
das bênçãos do Senhor Gampopa, não há dúvidas de que vocês alcançarão o estado de
Buda.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

P: O sexto ponto das dez situações nas quais o que quer que seja feito é excelente é para
alguém que tenha alcançado completo controle da mente e que não está sujeito às aflições
decorrente de pensamentos ou emoções, é excelente tanto abandonar as experiências
sensoriais, quanto delas desfrutar. Eu tenho andado bastante confusa sobre certos rumores
e fofocas a respeito de professores considerados excelentes, que têm desfrutado de
experiências sensoriais de uma maneira aparentemente contrária aos seus votos ou
samaya. Como devemos lidar com as confusões a esse respeito?

R: Nesse ponto, nós absolutamente não temos como saber o que se passa na mente de
uma outra pessoa, portanto, não há razão em tentar determinar se o que alguém está
154
fazendo é errado ou não. Tudo o que podemos fazer é saber se o que nossa própria conduta
é errada ou não. No caso de mestres cuja conduta lhe incomoda, a melhor forma é você
agir com plena fé, porque se houver algo errado isso não vai prejudica-lo(a) e se não
houver nada errado, quanto mais fé você tiver, melhor será. Se você não puder fazer isso,
tente pelo menos ter a melhor aspiração e não julgar de forma tão severa a ponto de
inviabilizar no futuro a possibilidade do surgimento de qualquer tipo de fé.

O problema é que muitos siddhas e bodhisattvas do passado apresentaram


comportamentos estranhos em várias ocasiões, comportamentos este que, em qualquer
outro contexto, seriam considerados imorais; ocorre que para cada pessoa específica é
necessário um remédio específico. Por exemplo, Tilopa, mestre considerado iluminado,
matava muitos peixes. Pois bem, não há nada pior do que matar, mas Tilopa tinha a
habilidade de liberar aqueles seres sencientes e trazê-los a elevados estados de existência.
Entretanto, não haveria outra forma de dizer o que era preciso ser dito naquela ocasião.

P: Alguns praticantes sabem o que acontecerá após a sua morte. Como saber quais são os
sinais indicativos, sem erro, de que renasceremos na Terra Pura ou nos tornaremos um
buddha?

R: Por meio da prática. Especialmente, se você chegar ao ponto de não possuir sequer
uma ponta de um pelo de apego aos prazeres desta vida, incluindo pessoas, lugares, coisas
ou até mesmo o seu corpo, então você pode ter a certeza de que quando morrer você
poderá renascer numa Terra Pura. Essa confiança, que é a mesma coisa sobre a qual já
falei antes, cresce com a prática. Quanto mais você pratica, mais confiança você terá.

P: Passamos oito horas por dia sem praticar o dharma. Eu considero isso uma perda de
tempo. O que podemos fazer para pratica o dharma enquanto estamos dormindo?

R: Há diferentes formas de fazer isso. Dentre os cinquenta-e-um fatores mentais


descritos no abhidharma, há quatro que podemos ser considerados virtuosos, não-
virtuosos ou neutros. Eles são o sono, o exame, o entendimento e o remorso. Se o
seu sono é positivo, negativo ou neutro depende, em larga medida do seu estado
mental no momento em que você foi dormir. Isso é a coisa mais importante. Por
exemplo, se no momento em que você vai dormir o seu estado mental é de
estupidez, no qual você não está pensando em nada, mas está apenas grogue, então
o sono se torna apenas estupidez. Se você vai dormir com raiva, seu sono vai ser
repleto de raiva e se você vai dormir com uma postura mental virtuosa, o seu sono
se torna algo virtuoso.

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É recomendado que antes de dormir você se auto visualize como Tchenrezig ou Amithaba
e recite o mantra de forma baixa e lentamente, mantendo a visualização e recitando o
mantra, e dessa forma você vai relaxando e diminuindo a velocidade da recitação do
mantra, ao mesmo tempo em que vai dormindo. Se você tiver confiança nesse processo,
ele funcionará ao mesmo tempo em que transformará o seu sono. O sinal disso é que toda
vez que você acorda no meio da noite, você se perceberá recitando o mantra. Se você
aplicar a plena atenção dessa maneira é perfeitamente possível que o sono não se torne
uma perda de tempo.

P: Dentre as duas acumulações, a acumulação de sabedoria e a acumulação de mérito, há


alguma delas que é mais importante do que a outra ou ambas tem a mesma importância?

R: Nós podemos dizer que do ponto de vista de suas denominações, sabedoria é de alguma
forma mais importante do que mérito. De maneira última, todavia, para a realização do
estado de Buda, ambas são igualmente necessárias. Elas são como as duas asas de um
pássaro. Especificamente, na realização do dharmakaya, que é o abandono de todos os
defeitos e o benefício último para si mesmo, o principal elemento é a acumulação de
sabedoria. Na realização dos corpos formais, que é a completa, contínua e espontânea
atividade de benefício último aos seres, o que é mais importante é a acumulação de mérito.

P: Das dez perplexidades, eu acredito que a terceira trata de quando não estamos contentes
com o que temos hoje, mas fazemos planos para o futuro e eu gostaria de um
esclarecimento sobre isso. Isso se refere à nossa prática espiritual ou se trata de algo
relacionado às questões materiais, como guardar dinheiro para a nossa aposentadoria?
Além disso, há alguma contradição nisso com um outro ensinamento, dado por Gampopa
em outra ocasião, de que devemos nos preocupar com nossas vidas futuras?

R: Não há contradição, pois quando a instrução se refere a encurtar sua atitude mental e
pensar apenas no presente, isso significa não fazer planos numa perspectiva material ou
mundano, não contar com aquilo que não podemos contar; e, de fato, isso está relacionado
ao fato de que você pode morrer a qualquer instante. Você pode encurtar sua atitude em
relação às questões mundanas, mas não em relação ao dharma.

Com relação ao dharma, você pode estender a sua atitude. Você pode considerar a
possibilidade de que morrerá a qualquer instante e então considerar o que acontecerá
depois da morte; você pode considerar as consequências de seus atos e assim por diante.
Especialmente se você gerou a bodhicitta você pode inclusive fazer aspirações para um
futuro muito distante, “quando eu me tornar um bodhisattva, possa eu realizar tais e tais

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atos em benefício para os seres sencientes” e daí por diante. Portanto, você deve encurtar
sua atitude em relação às questões mundanas e ampliá-la com relação ao dharma.

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