Você está na página 1de 12

ÍNDICE

PREFÁCIO DE THUPTEN JINPA .......................................... 9


PRÓLOGO ...................................................................................... 15

Parte I: UMA EXPLORAÇÃO DOS VERSOS FUNDAMENTAIS


SOBRE O CAMINHO DO MEIO, DE NAGARJUNA ..................... 25

1. ABORDANDO O PROFUNDO ................................ 27

2. DOZE ELOS DE ORIGINAÇÃO INTERDEPENDENTE . 43

3. A ANÁLISE DO EU E DO NÃO­‑EU .......................... 79

4. ESTABELECENDO A VERDADE CONVENCIONAL .... 107

Parte II: UMA EXPLORAÇÃO DOS TRÊS ASPETOS


PRINCIPAIS DO CAMINHO, DE TSONGKHAPA ...................... 129

5. PRATICANDO O PROFUNDO ................................ 131

APÊNDICE 1: Três Aspetos Principais do Caminho .......... 159

APÊNDICE 2: Louvor a Dezassete Mestres de Nalanda .... 163

NOTAS .............................................................................. 173


GLOSSÁRIO ........................................................................ 179
BIBLIOGRAFIA .................................................................... 197
PREFÁCIO DE THUPTEN JINPA

Este livro, baseado numa série de importantes ensinamentos


budistas que Sua Santidade o Dalai Lama expôs em Toronto em
2004, apresenta uma explicação abrangente dos ensinamentos
basilares do Budismo Mahayana como são entendidos na tradição
tibetana. Os ensinamentos presentes neste livro estão divididos
em duas secções alargadas. A primeira secção apresenta o caminho
budista para a iluminação ou purificação, baseado numa explicação
de três capítulos cruciais dos Versos Fundamentais sobre o Cami‑
nho do Meio (Mulamadhyamakakarika), da autoria do professor
indiano Nagarjuna, do século ii; a segunda secção apresenta a forma
de pôr em prática a compreensão dos elementos­‑chave do caminho
budista. Esta segunda secção baseia­‑se nos Três Aspetos Principais
do Caminho, uma lúcida obra em verso originalmente escrita por
Jé Tsongkhapa (1357­‑1419) como uma carta de instrução dirigida a
um estudante numa terra distante. Estes dois importantes textos
clássicos encontram­‑se separados por quase um milénio e meio e no
entanto complementam­‑se de forma magnífica. O facto de ambos os
textos falarem tão profundamente mesmo ao aspirante espiritual no
início deste terceiro milénio demonstra a universalidade e intem‑
poralidade das perceções que incorporam.
Tal como em numerosas ocasiões no passado, tive a honra de
ser o tradutor do Dalai Lama quando estes ensinamentos foram
10 O CAMINHO DO MEIO

comunicados. Desde o primeiro dia que reparei em algo único


nesta série particular de ensinamentos. Contrariamente a muitas
outras ocasiões, Sua Santidade estava a proceder ao longo dos
textos de uma forma particularmente sistemática. E fez isto em
parte para substanciar a sua declaração frequentemente reiterada
de que o Budismo Tibetano é uma continuação direta da linhagem
escolástica do Mosteiro de Nalanda na tradição budista indiana.
Antes do desaparecimento do Budismo na Índia Central, Nalanda
era então o mais importante mosteiro budista, tendo prosperado
desde o início da era cristã até ao final do século xii. O Dalai
Lama iniciou a sua apresentação em Toronto citando um texto
que ele próprio tinha composto em homenagem aos três principais
mestres de Nalanda cujos ensinamentos subjazem ao coração da
tradição budista tibetana (o texto integral pode ser consultado no
Apêndice 2 deste livro):

Hoje em dia, numa era em que a ciência e a tecnologia alcan‑


çaram um estádio muitíssimo avançado, estamos incessante‑
mente preocupados com questões mundanas. Numa tal era,
é crucial que aqueles que, como nós, seguem o Buda ganhem
fé nos seus ensinamentos com base numa genuína compreen‑
são. É por via de uma mente objetiva, dotada de um ceticismo
curioso, que deveríamos empenhar­‑nos numa análise cuidadosa
e procurar as razões [por detrás das nossas crenças]. Depois,
com base na compreensão das razões, engendramos a fé que
vem acompanhada de sabedoria.

Um dos aspetos centrais daquilo a que o Dalai Lama chama a


tradição Nalanda é uma ênfase na abordagem do Budadharma, não
só através da fé e da devoção, mas também através da indagação
crítica. Esta abordagem, conhecida como o «caminho da pessoa
inteligente», é enfatizada nos escritos de numerosos mestres do
Mosteiro­‑Universidade de Nalanda. A fé no Buda e nos seus ensi‑
UMA FÉ ANCORADA NA RAZÃO 11

namentos — o Dharma — assim engendrada é inabalável e da mais


elevada natureza. Como se procede, então, ao desenvolvimento de
uma fé assim inabalável? O Dalai Lama escreve:

Através da compreensão das duas verdades, da natureza da base,


irei averiguar como, através das quatro verdades, entramos e
saímos do samsara*;1
irei tornar firme a fé nas Três Joias que nasce do conhecimento.
Que eu seja abençoado para que a raiz do caminho da libertação
fique firmemente estabelecida dentro de mim.

Esta estrofe de Sua Santidade, retirada do seu Louvor a Dezas‑


sete Mestres de Nalanda, fornece, de certa forma, a estrutura da
primeira parte deste livro, a explicação dos elementos­‑chave do
caminho budista através de um comentário relativo aos Versos
Fundamentais sobre o Caminho do Meio, da autoria de Nagarjuna.
O Dalai Lama apresenta primeiro um comentário dedicado ao capí‑
tulo de Nagarjuna sobre os doze elos de originação interdependente,
que é o capítulo xxvi desse texto. Esse capítulo apresenta de forma
pormenorizada a compreensão budista dos processos causais que
nos encerram no ciclo da existência. Na raiz deste ciclo de doze elos
encontra­‑se a ignorância fundamental, que se apega à realidade dos
nossos próprios «eus» e do mundo que nos rodeia.
Segue­‑se um comentário sobre esse capítulo, que apresenta a
compreensão de Nagarjuna em relação ao ensinamento budista
do «não­‑eu» (anatman), à inexistência intrínseca tanto da pessoa
como dos cinco componentes psicofísicos da pessoa. Neste capítulo,
esse comentário apresenta o ensinamento sobre a vacuidade, que,
segundo Nagarjuna, é o derradeiro modo de ser de todas as coisas.
Esta vacuidade é, nas próprias palavras de Nagarjuna, tathata («qui‑

* Samsara: a roda da existência cíclica. No final do livro existe um glossário


relativo a termos e conceitos budistas contidos nesta obra. (NT)
12 O CAMINHO DO MEIO

didade», ou as coisas tal como elas são, a verdadeira essência das


coisas), paramartha («a verdade derradeira») e dharmata («a rea­
lidade em si»).
E por último, no seu comentário sobre o capítulo xxiv de Nagar‑
juna, o Dalai Lama explica como o ensinamento de Nagarjuna
sobre a vacuidade não é uma forma de niilismo mas sim, de facto,
a compreensão da realidade que nos permite dar conta da realidade
convencional. Somente esta explicação da vacuidade torna as ope‑
rações de causa e efeito sustentáveis. Sua Santidade explica como,
no sistema de Nagarjuna, a vacuidade (a verdade derradeira) e a
originação interdependente (a verdade relativa) estão entrelaçadas
de forma inseparável.
Intercalando uma exposição lúcida com uma análise penetrante,
juntamente com as perceções de comentadores tão consagrados
como Aryadeva (cerca do século ii), Chandrakirti (século vii) e Tsong­
khapa (que escreveu no início do século xv), o Dalai Lama permite
que os versos do texto de Nagarjuna revelem a sua profunda perceção
sobre a natureza da existência. Ao longo de todo este processo, o
Dalai Lama nunca perde de vista que, na análise final, os ensinamen‑
tos sobre a vacuidade se destinam a ser relacionados com a nossa
experiência pessoal e proporcionar­‑nos assim uma compreensão
mais profunda do mundo que nos rodeia. Nas palavras do próprio
Nagarjuna, o propósito do ensinamento sobre a vacuidade destina­‑se
a pacificar o apego à existência inerente tanto do nosso «eu» como
de todos os fenómenos, para que possamos alcançar uma liberdade
genuína.
A segunda parte deste livro apresenta os métodos para pôr em
prática a compreensão do caminho budista. Aqui, Sua Santidade
oferece uma bela explicação dos famosos Três Aspetos Principais
do Caminho, da autoria de Tsongkhapa, sendo esses três aspetos a
verdadeira renúncia, o despertar da mente altruísta e a visão cor‑
reta da vacuidade. Tendo cultivado uma compreensão fidedigna do
caminho budista, baseada na reflexão crítica sobre os ensinamentos
UMA FÉ ANCORADA NA RAZÃO 13

relativos à vacuidade, às quatro nobres verdades e aos doze elos de


originação interdependente, podemos então usar esta segunda sec‑
ção do livro como um manual para a prática de meditação diária.
Durante o processo de revisão da transcrição para este livro, foi
com grande apreço que voltei a deparar­‑me com esta série única de
ensinamentos. Houve várias pessoas que contribuíram para tornar
esta obra possível. Em primeiro lugar, a minha profunda gratidão
para com Sua Santidade por ser sempre uma fonte de sabedoria e
compaixão budistas. O meu agradecimento à Associação Tibetana
Canadiana do Ontário, especialmente ao seu presidente, Norbu
Tsering, pela organização da iniciação Kalachakra, decorrida em
Toronto em 2004, que viria a proporcionar a Sua Santidade a oca‑
sião para apresentar os seus ensinamentos presentes neste livro; a
Lyna de Julio e Linda Merle pela sua ajuda na transcrição de partes
desses ensinamentos; e a Ven. Lhakdor e à sua equipa em Dharam‑
sala nos Arquivos Centrais de Sua Santidade o Dalai Lama por me
terem fornecido uma transcrição em tibetano dos ensinamentos de
Sua Santidade, a qual veio a revelar­‑se extremamente útil durante
o processo de revisão e edição da transcrição da minha própria
tradução em inglês. Por último, agradeço ao meu editor David
Kittelstrom, da Wisdom Publications, pela sua ajuda inestimável
para tornar a linguagem deste livro lúcida e legível. Que os nos‑
sos esforços possam contribuir para tornar a sabedoria do grande
mestre budista Nagarjuna, através das palavras inspiradoras de Sua
Santidade o Dalai Lama, numa fonte de perceção e inspiração para
muitos daqueles que procuram alcançar o caminho da iluminação
ou da purificação.

Thupten Jinpa
Montreal, 2009
PRÓLOGO

O PODER DA COMPAIXÃO

Há muitos séculos, o ser humano compreendeu a importância


de dominar o intelecto. A partir daí desenvolveu­‑se a escrita e,
por fim, a educação formal. Hoje em dia, é um truísmo dizer que
a educação é vital, mas é importante lembrarmo­‑nos do propósito
mais vasto da educação. Afinal de contas, para que serve acumular
conhecimentos se isso não conduzir a uma vida mais feliz?
Todos nós nos cruzámos já com pessoas que receberam uma
excelente educação mas que não são muito felizes. A educação
talvez lhes tenha proporcionado um poder mental mais crítico e
expectativas mais latas, mas sentiram dificuldades em concretizar
todas essas expectativas, o que por sua vez lhes causou ansiedade
e frustração. A educação por si só não garante claramente uma
vida mais feliz. Encaro a educação como um instrumento, um
instrumento que tanto podemos usar para fins construtivos como
destrutivos.
Poderia pensar­‑se que o objetivo da educação consiste mera‑
mente em aumentar a capacidade pessoal de acumular riqueza,
posses ou poder. Mas, assim como o mero conhecimento em si e
por si não é suficiente para nos tornar felizes, as coisas materiais
ou o poder por si só também não conseguem superar preocupações
16 O CAMINHO DO MEIO

e frustrações. Tem de haver algum outro fator nas nossas mentes


que crie os alicerces para uma vida feliz, algo que nos permita lidar
de forma eficaz com as dificuldades da vida.
Costumo descrever­
‑me como um simples monge budista e a
minha própria educação formal não foi de facto muito abrangente.
Possuo alguns conhecimentos sobre filosofia e textos budistas, mas
fui um estudante preguiçoso durante os anos iniciais da minha
aprendizagem e, consequentemente, os meus conhecimentos,
mesmo nesse campo, são limitados. Além disso, não aprendi pra‑
ticamente nada em matéria de matemática, ou história mundial,
ou geografia. Por outro lado, quando era jovem levava uma vida
razoavelmente confortável. Os Dalai Lamas não eram nenhuns
milionários, mas ainda assim a minha vida era confortável. Por
conseguinte, quando os chineses invadiram o Tibete e fui forçado a
fugir da minha terra natal, possuía apenas um conhecimento limi‑
tado dos ensinamentos budistas e tinha pouca experiência em lidar
com problemas. De repente caíram­‑me em cima dos ombros um
grande fardo e responsabilidades, e o pouco treino que eu tinha foi
então posto à prova. Durante esses anos, o meu amigo mais fiável
foi a minha própria qualidade interior de compaixão.
A compaixão traz força interior e também traz verdade. Com a
verdade, não temos nada a esconder e não dependemos assim das
opiniões dos outros. Isso traz autoconfiança, que podemos usar para
lidar com qualquer problema sem perder a esperança ou a deter‑
minação. Com base nas minhas experiências, posso afirmar que
quando a vida se torna difícil e nos confrontamos com toda uma
série de problemas, se conseguirmos manter a nossa determinação
e continuarmos a esforçar­‑nos, então os obstáculos ou os problemas
tornam­‑se verdadeiramente muito úteis, pois alargam e aprofundam
a nossa experiência. Por conseguinte, encaro a compaixão como a
coisa mais preciosa.
O que é a compaixão? A compaixão envolve um sentimento de
proximidade em relação aos outros, um respeito e um afeto que
UMA FÉ ANCORADA NA RAZÃO 17

não se baseia na atitude dos outros em relação a nós. Temos ten‑


dência a sentir afeto pelas pessoas que são importantes para nós.
Esse tipo de sentimento de proximidade não se estende aos nossos
inimigos, àqueles que pensam mal de nós. Por sua vez, a genuína
compaixão sabe ver que os outros, tal como nós, desejam uma
vida feliz e realizada e não querem sofrer. Esse tipo de sentimento
e preocupação pode ser alargado tanto a amigos como a inimigos,
independentemente dos seus sentimentos em relação a nós. É isso
a genuína compaixão.
O amor normal é preconceituoso e mistura­‑se com o apego.
À semelhança de outras emoções atormentadas, esse apego não se
baseia na realidade mas numa projeção mental. Esse apego exagera
a realidade. Talvez haja realmente algum bem nisso, mas o apego
encara isso como sendo cem por cento belo ou bom. A compaixão
aproxima­‑se muito mais da realidade. Existe aqui uma enorme
diferença.
A grande questão é saber se podemos cultivar uma tal com‑
paixão. Com base na minha própria experiência, a resposta é sim.
É possível porque todos nós possuímos a semente da compaixão
configurada na própria natureza da nossa existência humana. Do
mesmo modo, a nossa própria sobrevivência como seres humanos,
sobretudo durante os primeiros anos de vida, depende fortemente
do afeto e compaixão dos outros. Conseguimos sobreviver até agora
somente porque, no início das nossas vidas, a nossa mãe — ou outra
pessoa, claro — cuidou de nós. E se ela tivesse sido negligente, nem
que fosse durante um dia ou dois, poderíamos ter morrido. Como
seres humanos, ao usarmos a nossa inteligência podemos alargar
este sentimento de afeto ao longo da vida inteira.
A necessidade de cultivar e amplificar sistematicamente esta
capacidade natural é hoje mais urgente do que nunca. Nos tempos
modernos, devido à população, à tecnologia e à economia moderna, o
mundo encontra­‑se agora profundamente interconectado. O mundo
está a tornar­‑se muito mais pequeno. Apesar das diferenças políti‑
18 O CAMINHO DO MEIO

cas, ideológicas e, nalguns casos, religiosas, as pessoas espalhadas


pelo mundo têm de trabalhar e viver juntas. É essa a realidade. Por
conseguinte, o papel da compaixão a nível internacional é vital.
Os meios de comunicação trazem­‑nos diariamente notícias de
derramamentos de sangue e de atividades terroristas. Estes acon‑
tecimentos não se produzem sem que haja causas ou condições.
Creio que alguns dos acontecimentos que observamos hoje em
dia têm as suas raízes em ações negligentes ocorridas nos séculos
xviii, xix e xx. E, infelizmente, há alguns indivíduos que, movidos
por interesses políticos, tentam acirrar deliberadamente as com‑
pulsões vingativas das pessoas. Qual é a melhor forma de fazer
frente a esta violência? Eu diria que a solução não passa por mais
violência e derramamento de sangue. Os problemas enraizados na
violência não podem ser resolvidos recorrendo à violência.
E porquê? Em primeiro lugar, a violência é, por natureza, impre­
visível. Podemos começar por uma certa meta de violência «limi‑
tada», mas depois isso escapa ao nosso controlo. Em segundo
lugar, a violência prejudica os outros e, por conseguinte, cria mais
ódio nas mentes dos outros. E isso por sua vez gera as sementes
para futuros problemas. A guerra é uma espécie de escape lega‑
lizado para a violência. Em tempos antigos, quando os países
dependiam menos uns dos outros, a destruição de um inimigo
podia ser encarada como uma vitória pessoal. Mas hoje em dia
a guerra é ineficaz, devido à profunda interligação entre todas as
nações. A destruição do nosso inimigo só acaba por nos destruir
a nós mesmos.
Sendo assim, quando nos deparamos com conflitos ou interesses
antagónicos, a melhor forma — na realidade, a única forma eficaz —
de resolver essas disputas é através do diálogo. Temos de respeitar
os interesses dos outros, os seus desejos e fazer compromissos,
porque, se negligenciarmos os interesses dos outros, em última
análise também acabaremos por sofrer. Precisamos de ter em conta
os interesses dos outros.
UMA FÉ ANCORADA NA RAZÃO 19

Muitas vezes digo às minhas audiências que o século xx foi


um século de violência e que, através dessa experiência, sabemos
hoje que a violência não consegue resolver os problemas. A única
forma de os resolver é por via de uma solução pacífica. Por con‑
seguinte, o século xxi deveria ser o século do diálogo. Para que
isso aconteça, precisamos de ter determinação, paciência e uma
perspetiva mais alargada. E a compaixão volta a ter aqui um papel
importante. Em primeiro lugar, como referi atrás, porque nos traz
autoconfiança. A compaixão traz­‑nos um profundo reconheci‑
mento dos direitos dos outros. A compaixão também nos confere
uma mente mais calma e, com uma mente calma, conseguimos
ver a realidade com mais clareza. Quando a nossa mente é domi‑
nada por emoções ator­mentadas, não conseguimos ver a realidade
e tomamos más decisões. A compaixão proporciona­‑nos uma visão
mais holística.
Respeito o mundo dos líderes políticos, mas às vezes penso
que deveriam ter mais compaixão. Se um único desses líderes
políticos cultivasse mais compaixão, então milhões de pessoas
inocentes teriam mais paz. Há muitos anos, durante um evento
oficial na Índia, conheci um político do estado indiano da Bengala
Oriental. O encontro incluía a discussão da ética e da espirituali‑
dade, e ele disse: «Como político, não percebo muito acerca dessas
coisas.» Estava talvez a mostrar­‑se simplesmente humilde, mas
repreendi­‑o delicadamente. Os políticos precisam de mais ética,
de mais espiritualidade, disse eu. Se um praticante religioso numa
zona remota faz algo que é prejudicial, provavelmente isso não
terá uma grande repercussão global. Mas é muito perigoso quando
líderes e políticos não são cuidadosos e compassivos.
Acredito que a compaixão não é uma questão religiosa. Algu‑
mas pessoas acham que a compaixão e o perdão pertencem aos
domínios da religião, e que, se as pessoas tiverem uma visão nega‑
tiva da religião, podem tornar­‑se também negativas em relação a
estas coisas. É um erro. Cabe ao próprio indivíduo aceitar ou não
20 O CAMINHO DO MEIO

uma religião, mas, enquanto a humanidade habitar este mundo,


estes valores mais profundos são cruciais e não devem ser negli‑
genciados. Toda a gente está a esforçar­‑se ao máximo para alcançar
a prosperidade material. Não há mal, mas se entretanto negligen‑
ciarmos o nosso mundo interior ou os nossos valores interiores,
não seremos felizes. Temos de aliar o desenvolvimento material
ao desenvolvimento de valores interiores e humanos. Precisamos
de desenvolver respeito, amor e um sentimento de compaixão
para podermos ter vidas mais felizes, famílias mais felizes, comu‑
nidades mais felizes e, por fim, um mundo mais feliz. Precisamos
destas qualidades interiores. Deveria ser esta a derradeira meta da
educação na atualidade.

Você também pode gostar