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OLHAR BUDISTA

Guerreiros(as) espirituais

“Como uma bhikkhuni (monja) budista,


considero o Buda o distinto e ideal guerreiro
espiritual.” – Bhikkhunī Serī Therī

Tradução de parte da transcrição de uma palestra de


Bhikkhunī Serī Therī, publicada no livro “Let the Light Shine:
Reflections from Theravāda Bhikkhunīs”.

Quando ouvimos a palavra “guerreiros”, pensamos em bravos


combatentes ou distintos soldados numa força armada.
Guerreiros Espirituais, no entanto, não estão lutando em terras
sangrentas com a intenção de ferir outros; em vez disso, eles
são treinados para batalhar no caminho espiritual, praticando
para a liberdade. Este conceito ressoa em mim – eu os associo
às qualidades como a coragem, determinação, integridade,
renúncia, bondade amorosa, compaixão e paz. Como uma
bhikkhunī (monja) budista, considero o Buda o distinto e ideal
guerreiro espiritual. Ele foi lúcido e firme na sua busca pela
libertação e encontrou refúgio na renúncia, determinado a
praticar pela liberdade.

O Buda ensinou e treinou os seus discípulos. Como nós


treinamos e praticamos agora como guerreiros espirituais?
Como budistas, essa forma de treino é o Nobre Caminho
Óctuplo. Para seguir os passos do Buda, nós nos
comprometemos com este treino e prática de sīla (moralidade),
samādhi (meditação) e paññā (sabedoria). Devemos estar
comprometidos e empenhados. Treinar como guerreiros
espirituais não significa uma espetacular exibição de fogos de
artifício ou trovões e aplausos. É mais como fios de liberação
que costuramos no tecido da vida cotidiana, com todo o
coração, pacientemente, com amor e cuidado. É uma prática
que exige paciência, como coletar água para o balde da
liberação, gota a gota e momento a momento.

Quando chegamos a um centro budista, procuramos algo que


nos pode levar à paz, à liberdade, à libertação. Quando
chegamos e entramos neste salão, nos curvamos diante do
Buda – nesse ponto, entramos no caminho. Nesta noite, apenas
o facto de estarmos todos aqui, aproveitando esta oportunidade
para meditar e ouvir o Dhamma – por meio dessas ações
estamos plantando as sementes – dando um passo para sermos
guerreiros espirituais.

Devemos usar todas as oportunidades para estarmos despertos,


para olharmos para a resistência e a abertura no nosso
coração. Curvarmo-nos parece ser um gesto menor, mas ao
fazermos uma reverência estamos totalmente cientes e atentos
aos movimentos do nosso corpo. Curvarmo-nos treina a nossa
humildade; mostra o nosso respeito e gratidão pelo Buda. Nós
nos curvamos três vezes: primeiro para o Buda; depois para o
Dhamma, os ensinamentos do Buda; e então para a Sangha, a
comunidade dos iluminados pela prática do caminho. Podemos
usar qualquer pequena ação e gesto para praticar e aprender
sobre nós mesmos, sobre as nossas mentes e os nossos
corações.

Como guerreiros espirituais, devemos estar conscientes e


honestos com os nossos sentimentos, ações e reações na vida –
para estarmos totalmente presentes com tudo o que está diante
de nós, em vez de fugirmos da vida. Podemos aprender e
praticar com qualquer situação em que nos encontremos, para
uma maior compreensão de nós mesmos, para a paz e
tranquilidade, para a liberação.

Um momento poderoso que experimentei recentemente foi no


Bendat Cancer Center em Subiaco. Eu estava parada no
corredor esperando por alguém quando, com o canto do olho,
vi uma mulher passando com um soro intravenoso. Ela estava
fraca e frágil, e me apanhei virando instintivamente a cabeça
para longe porque não suportava olhar para a sua dor e
sofrimento. Reconheci esse medo de sofrer em mim – o medo
de que pudesse ser eu. A minha reação foi chocante para mim.
Ao tomar consciência do meu próprio medo, fiz um esforço, um
esforço gigantesco, para me virar e olhar mais uma vez. Desta
vez, enquanto eu estava lá observando esta mulher – este ser
no samsara – o meu coração derreteu e amoleceu. Enviei-lhe
votos de boa sorte e amor-bondade: “Que você esteja livre do
sofrimento; que você esteja em paz e tranquila.”

Foi um momento poderoso, pois eu fiquei chocada ao ver o


medo de sofrer no meu coração e surpresa ao ver que havia me
virado para evitar olhar para a dor dela. Eu estava grata pelo
treino e prática que havia empreendido. Deu-me consciência,
disposição, coragem e compaixão para encarar o sofrimento.
Permitiu-me naquele momento abrir o meu coração para o
sofrimento da pessoa à minha frente, e então abrir para o meu
próprio sofrimento.

Essa experiência me lembrou das três considerações do Buda: o


triplo orgulho, conforme mencionado no Anguttara Nikaya
(Discursos Numéricos): orgulho da juventude, orgulho da saúde
e orgulho de estar vivo. A maioria de nós só deseja ver beleza,
amor, saúde, felicidade e sucesso. Não queremos ver ou
conhecer a velhice, a doença e a morte. A dor e o sofrimento
são sempre “eles”, mas não “nós”, não “eu”. A velhice, a doença
e a morte estão sempre “lá fora”, não “aqui”. O Dhamma, o
ensinamento do Buda, dá aos guerreiros espirituais as
ferramentas e a força para despertar para a vida tal como ela é.
A prática nos dá a habilidade para estarmos em paz e
tranquilos – amarmos e sermos compassivos connosco e com os
seres ao nosso redor. Estamos treinando e praticando para a
nossa felicidade e bem-estar no aqui e agora, nas nossas vidas
diárias e, eventualmente, isso nos levará à liberdade. Todos nós
podemos trilhar juntos este caminho do guerreiro espiritual,
ajudarmo-nos uns aos outros e encorajarmo-nos e inspirarmo-
nos uns aos outros ao longo do caminho.

Veja também:

O que é o despertar (ou iluminação)?


O que é o Nibbana ou Nirvana?
Como a meditação ajuda a envelhecer bem

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