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HISTÓRIA DA ÁSIA

Emiliano Unzer
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Informações sobre a obra: www.amazon.com/dp/1521900205

© Amazon Inc. 2019


Primeira impressão em 2019

Catalogação na Publicação (CIP)


Ficha Catalográfica feita pelo autor
_____________________________________________________________________
U141h Unzer, Emiliano, 1977 –
História da Ásia / Columbia & San Bernadino, EUA: Amazon, 2019.
739 p.: il.; 23 cm
Inclui bibliografia.
ISBN-10: 1521900205
ISBN-13: 978-1521900208
1. Ásia – História. I. Título.
CDU: 950

Copyright © 2019 Emiliano Unzer


Todos os direitos reservados.
ISBN-10: 1521900205
ISBN-13: 978-1521900208
Capa: Artista feminina com uma tambura, Índia da Dinastia Mogol. Século 18.
"Saget, Steine, mir an, o sprecht, ihr hohen Paläste!
Straßen, redet ein Wort! Genius, regst du dich nicht?"
(Falai-me ó pedras, oh falai, vós altos palácios!
Ruas, dizei uma palavra! Gênio, não te moves?)
(tradução nossa)
- Johann Wolfgang von Goethe (1749 - 1832)
Römische Elegien ("Elegias Romanas") (1789), Primeira Elegia.
Introdução
Índia e Sul Asiático
Índia e Sul da Ásia (Do Rio Indo à Satavana – 3º Milênio a.C. - 1º Milênio a.C.)
Índia e Sul da Ásia (Dos Pandias aos Chalukyas – Século 5 a.C. – Século 10 d.C.)
Índia e Sul da Ásia (De Mahmud de Ghazni à Vijayanagara – Século 11 - 16)
Índia e Sul da Ásia (De Babur a Baji Rao – Meados do Século 16 - 18)
Índia e Sul da Ásia (De Dupleix a Cornwallis - Séculos 17 e 18)
Índia e Sul da Ásia (De Wellesley a Curzon – Século 19 ao Início do 20)
Índia e Sul da Ásia (De Gokhale a Gandhi – Início do Século 20 - 1947)
Índia e Sul da Ásia (De Nehru a Modi – 1947 – Início do Século 21)
China e Região
China (50 mil a.C. – século 7 d.C.)
Tibete (século 7)
China (618 – 907)
Tibete (Século 8)
China (907 – 1279)
Tibete (Séculos 9 - 13)
China (1279 - 1895)
Tibete (Séculos 14 - 19)
Os Turbulentos Anos Chineses (1895 - 1949)
Tibete (Início do Século 20 – 1949)
A China Vermelha (1949 – Início do Século 21)
Tibete (1949 – Início do Século 21)
Japão e Coreia
Japão (Das Origens ao Período Heian - c. 10000 a.C. – 1185 d.C.)
Coreia (Dos Primórdios ao Século 6 d.C.)
Coreia (Século 7 ao 8)
Japão (De Kamakura à Tokugawa Ieyasu - 1185 - 1600)
Coreia (Século 9 - 13)
Coreia (Século 14 ao 16)
Japão (Do Período Edo à Era Meiji - 1603 - 1912)
Coreia (Séculos 17 e 18)
Coreia (Século 19)
Japão (Da Era Taishô à Heisei - 1912 – Início do Século 21)
Coreia (1900 - 1945)
Coreia (1945 - 1953)
Coreia (1953 – Início do Século 21)
Sudeste Asiático
Pyu e Pagan (Século 8 d.C. – 13 d.C.)
Funan, Chenla e Khmer (2º Milênio a.C. – Século 14 d.C.)
Van Lang, Nam Viet, Dai Viet e Champa (1º Milênio a.C. – Século 15 d.C.)
Srivijaya, Majapahit e Malaca (1º Milênio a.C. – Século 15 d.C.)
Ava, Lanna e as Dinastias Toungou e Konbaung (Século 13 d.C. – 19)
Lanna, Sukhothai, Ayutthaya e Sião (Século 13 d.C. – 19)
Tonquim, Annam e Conchichina (Século 15 – 19)
Java, Ilhas do Sudeste Asiático e Filipinas (Século 15 – 19)
Sudeste Asiático (Século 19 – Início do Século 20)
Sudeste Asiático (Meados do Século 20)
Sudeste Asiático – Parte Continental (Segunda Metade do Século 20)
Sudeste Asiático – Parte Insular (Segunda Metade do Século 20)
Referências

APRESENTAÇÃO

Este livro foi fruto de anos de pesquisas e viagens feitas pela Ásia. A motivação adveio da insatisfação de
livros e publicações de uma área significativa para a história mundial. O tempo dedicado à pesquisa foi incentivada
pelo departamento de história da Universidade Federal do Espírito Santo quando, em 2014, me foi designado à área
de história da Ásia a ser concretizada em forma de um livro introdutório e depois em formas de aulas letivas pelo
sistema de ensino a distância para todo o estado.
A faísca da iniciativa diante do desafio de uma obra maior na área veio após assistir as estimulantes aulas do
professor Vinay Lal, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), momento em que passei a entender o
cosmopolitismo da história indiana que permitiu com que várias comunidades e religiões convivessem por séculos,
concretizando em inúmeras e admiráveis obras pelo subconsciente indiano. Disso depois veio a publicação minha
em 2016 de “História da Índia”.
Um ano depois, pude perceber a insatisfação de meus alunos de livros em português sobre a história do Japão,
algo que resolvi novamente retomar a tinta a tentar mudar tal realidade. Diante disso, veio a obra “História do Japão:
uma introdução” em fins de 2016.
Em meados de 2017, me defrontei com um livro inspirador sobre a história tibetana, a de Sam Van Schaik que
me dispôs a tentar desvendar e escrever sobre o Tibete. Algo que me ajudou depois a complementar meu
entendimento sobre o budismo e a história chinesa.
Sempre fui viajante apaixonado [1] - desde quando morei na Europa com minha família aos 8 anos de idade e de
quando peguei a mochila e me aventurei pelas terras bolivianas e peruanas com meu amigo de infância, Fábio
Augusto, aos 16 anos de idade. E, quando no sudeste da Ásia, não pude ficar indiferente à monumentalidade dos
templos khmers no Camboja, perto de Siem Reap, dos monumentos de Borobudur e Prambanan em Java e dos
encantadores templos budistas nas terras tailandesas. A isso se juntou minha fascinação depois de ter pessoalmente
ido ao mausoléu de Ho Chi Minh, o grande herói dos vietnamitas, em Hanói em 2017. E disso nasceu outro livro,
“Reis, Templos e Mares: uma história do sudeste asiático”, algo que deveria complementar minhas incursões sobre a
história asiática. No início do ano seguinte, em 2018, resolvi por bem escrever sobre a história coreana – que
resultou no livro “A Montanha e o Urso: uma história da Coreia” - muito a pedido de alunos que manifestaram
insatisfação de leituras sobre o assunto.
Em último momento, depois de ter viajado pelo Irã por um mês, decidi começar a rascunhar a respeito de tão
admirável história. Mas, nesse meio tempo, resolvi retomar minhas anotações sobre a China e finalizei algo que era
crucial para a conclusão de uma obra mais abrangente sobre a Ásia. Eis que, depois de anos de busca por livros,
leituras e anotações, de viagens e registros, concretizou-se essa obra que apresento ao público da língua portuguesa.
As pesquisas e congressos sobre a história asiática ainda permanecem tímidos no Brasil. Apesar disso, há
notáveis iniciativas que tentam mudar tal realidade. Desde 2017, há a realização anual do Simpósio de História
Oriental organizado pelos professores André Bueno da Uerj, Dulceli Tonet Estacheski e Everton Carlos Crema da
Unespar (Universidade Estadual do Paraná). Cabe a eles, primeiramente, meus agradecimentos por instigar pesquisa
numa área inovadora e desafiadora no meio acadêmico brasileiro. Outras importantes universidades brasileiras já
estão começando a ter laboratórios de pesquisa na área, e isso certamente é um alento para os asianistas.
No campo pessoal, o esforço desmedido diante de tal obra me foi possível graças aos anos de amor e apoio de
minha esposa, Míriam, de meu “filho canino”, Tito, da inspiração de meus pais aos livros e curiosidade pelo mundo,
Weber e Mercedes, e de amigos que me acompanharam em algumas viagens pela Ásia, Cadu, Rafael e Diego. A eles
devo uma parte substancial dessa obra. E não posso esquecer de quem, antes de tudo, a obra dirige-se: àqueles
alunos, leitores e pesquisadores que, como eu, são fascinados com a Ásia.

OBSERVAÇÕES

Os termos e nomes em estrangeiro são um permanente desafio para o escritor. Quando possível, decidi por
manter nomes convencionais, tais como Pequim, Cingapura, Tóquio, Jacarta, Bangkok, apesar de algumas vezes
indicar o nome original, exceção feita ao termo Ayutthaya pois assim se convencionou na maioria das publicações
da área. Nomes próprios, em geral, nos países asiáticos vem o nome de família primeiro e depois o de batismo e
assim mantive o mesmo para não causar estranhamento tal como Kim Il Sung (e não Il Sung Kim) e Toyotomi
Hideyoshi (e não Hideyoshi Toyotomi). Com relação a conceitos e nomenclaturas busquei indicar o termo na língua
original para referências mais precisas para leitores e pesquisadores.
Há vários trechos de citações diretas que tive que traduzir por conta própria e assim consta entre parênteses
“tradução nossa”, especialmente em trechos literários e frases com significado histórico.
Ademais, sempre que me foi possível, busquei incluir mapas, figuras e tabelas para melhor compreensão do
leitor, nem sempre habituados aos eventos da história asiática. E certamente faz com que a obra fique mais
interessante.
A transliteração de nomes das línguas asiáticas que não usam o alfabeto latino é sempre um desafio. No chinês,
tanto tradicional quanto o simplificado, decidi por usar o sistema pinyin. Do japonês, utilizei o amplamente usado
estilo Hepburn. Do alfabeto coreano, o sistema McCune-Reischauer, e do tailandês aquele que foi promulgado pelo
Real Instituto da Tailândia, o Sistema Geral Real de Transcrição de Tailandês (RTGS). Para nossa sorte no Brasil e
no Ocidente, os alfabetos malaio e indonésio, com origens bastante próximas, foram latinizados, assim como o
vietnamita.
Por fim, empenhei-me em sempre indicar as fontes no pé da página para servir de referência para leitores
interessados, pesquisadores e estudantes caso queiram se aprofundar mais no tema especificado.
Introdução

Nesse início do século 21, três das seis maiores economias do mundo estão na Ásia, sendo a segunda e terceira a
China e o Japão. A Índia não fica muito atrás, em sexto lugar, com projeções promissoras de ultrapassar a economia
britânica em breve [2]. Isso representa uma mudança surpreendente quando comparado à situação de um século atrás,
quando as economias ocidentais dominavam economicamente, militarmente e politicamente boa parte do globo
terrestre. Até meados do século 20, a Ásia permanecia em boa parte pré-industrial (com exceção do Japão) e com
sociedades alarmantemente empobrecidas – ainda mais depois das devastações da Segunda Guerra Mundial – e
desiguais. Desde a década de 1960, contudo, o quadro começou a se modificar. O Japão retomou seu
desenvolvimento pré-guerra e testemunhou um dos maiores crescimentos econômicos do século 20. Pouco depois, a
ilha de Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura se juntaram à ascensão nipônica. E a partir de fins da década
de 1970 e 1980, o colosso chinês e indiano, e as economias do sudeste asiático completaram o quadro de uma região
do planeta que se tornou dínamo da economia global deste século.
Mas como se deram tais mudanças? A perspectiva histórica nos revela de que a China e Índia, até fins do século
18, eram as maiores economias do mundo antes das transformações da Revolução Industrial na Europa. O luxo
asiático sempre esteve na mentalidade ocidental, e isso decorreu da pujança e de variedade de produtos que a Ásia
oferecia ao mundo. Foi Vasco da Gama, afinal, que foi para a Costa de Malabar na Índia em fins do século 15 e não
o contrário. O império mogol na Índia que Aurangzeb comandava abarcava quase um quarto da economia mundial
em fins do século 18. A China do imperador Qianlong podia se gabar de que não tinha interesse em produtos
ofertados pela indústria britânica na embaixada de Lord MacCartney em 1793. Tendemos a considerar a tecnologia
– da pólvora e da imprensa – como crucial para a dominação ocidental que assolou o continente asiático no século
19, mas não foram esses inventados na China muitos antes dos europeus?
Foram as narrativas de Marco Polo que eletrizaram os europeus a respeito do fantástico e da riqueza
imensurável. E assim, com o passar das gerações, ainda associamos a Ásia com o enigmático, exótico, luxuoso e
decadente. Velhos hábitos são difíceis de mudar, mas nada parece obstruir nossa compreensão mais do que isso. Nos
estudos asiáticos toda obra corre o risco de exotizar o Oriente, como nos avisou Edward Said no seu clássico estudo
[3]
, algo como um complexo de Marco Polo em considerar os costumes e valores asiáticos como muito diferentes ou
até mesmo antípodas aos costumes ocidentais, resultado seja do nosso maravilhamento, seja pela tentação de tornar
algo mais exótico e diferente às nossas habituais percepções.
Não somente o tamanho das economias asiáticas nos assombram. Estimados seis em cada dez pessoas nos dias
atuais são asiáticas. A maioria é chinesa ou indiana que juntas totalizam dois bilhões e meio de população. Em
comparação, os EUA têm pouco mais de 300 milhões e cerca de 700 milhões em toda a Europa. Apesar disso tudo,
o público leitor ocidental permanece em grande parte desinformado sobre a história da Ásia, em especial ao período
anterior à era imperialista europeia, não entendendo nem mesmo informações fundamentais decorrentes da falta de
interesse e de narrativas tendenciosas sobre os asiáticos.
Mas quem são os asiáticos? Isso nos remete a esse amplo conceito: Ásia. A Ásia não pode ser considerada como
uma entidade homogênea, mas é muito mais uma região de culturas e povos diferentes, falando centenas de línguas,
de tradições e culturas diferenciadas que, com o passar dos séculos, entraram em contato e resultaram em novas
diversidades. Isso em grande parte ocorreu antes da chegada dos europeus em fins do século 15. O vigor do
comércio interasiático no Oceano Índico, Estreito de Malaca, Mar de Java, arquipélagos do sudeste asiático e Mar da
China é testemunha disso. Como se explica se assim não fosse o poder do império marítimo de Srivijaya e de
Majapahit? E dos tecidos indianos tão apreciados há séculos entre os javaneses? Como se explica a descoberta de
um navio árabe do século 9 nas águas indonésias da ilha de Belitung com milhares de peças de cerâmica chinesa de
Changsha? E das dimensões das frotas do almirante Zheng He do século 15 que fez com que os navios de espanhóis
e portugueses parecessem diminutos? Mas seria igualmente tolo ignorarmos os ocidentais na história asiática. Como
entenderíamos a Índia do século 19 sem os eventos depois da Batalha de Plassey (1757), a China depois do trauma
das duas Guerras do Ópio (1839-42 e 1856-60), a abertura forçada dos portos japoneses depois das ameaças feitas
por Comodoro Perry (1853) e das vitórias dos vietnamitas sobre os franceses em Dien Bien Phu (1954), os japoneses
na Segunda Guerra Mundial e da retirada dos EUA de Saigon (1975)?
Diante de sua vastidão, a Ásia deverá ser entendida a partir de suas regiões a se evitar excesso de generalizações
e abstrações rasas. Para tanto, o continente foi dividido em quatro macrorregiões: Índia e sul asiático; China e
região; Japão e Coreia e; sudeste asiático. E foi delimitado os territórios asiáticos ao leste a partir das terras do
Afeganistão, apesar dessa ter sido rota crucial de comerciantes e peregrinos budistas na chamada Rota da Seda e ser
local de uma das escolas mais notáveis nos primeiros séculos de nossa era da arte greco-bactriana, a de Gandara. O
mundo islâmico do Irã (antiga Pérsia) e Ásia Central foram desconsiderados nessa obra, apesar da sua protagonismo
essencial na história asiática em geral. Pois é impensável refletir sobre o subcontinente indiano e sudeste asiático
sem a marcante presença muçulmana que dominou o comércio e as rotas de navegação muito antes dos europeus.
Não foram contra eles que os portugueses lutaram e alegaram ter expulsado para todo sempre quando tomaram a
cidade portuária de Malaca em agosto de 1511? Ainda nos resta imaginar como teria sido a história se as tropas
chinesas tivessem sido vitoriosas na Batalha de Talas (751) que expôs os exércitos muçulmanos do califado dos
abássidas aliados aos turcos contra a China da Dinastia Tang.
Em termos temporais, esta obra foi organizada por uma sequência cronológica com ênfase nos personagens,
locais e eventos de destaque na história asiática. Foi evitado, na medida do possível, o uso de marcos históricos
ocidentais como o período da antiguidade, medieval e moderna, visando enfatizar uma temporalidade própria
asiática, apesar de sempre estar ligada aos eventos históricos mundiais. Este livro pretende narrar as complexidades,
convivências, ambiguidades, tolerâncias e conflitos da diversidade política, étnica, linguística, religiosa e cultural
asiática.
Mas vamos para as partes constitutivas dessa obra.
Comecemos pela primeira parte, a Índia e o subcontinente indiano. Como definir a Índia? Em termos históricos,
a Índia tem origem no Vale do Rio Indo hoje em território paquistanês. Em termos culturais e religiosos, a Índia foi
berço das crenças do hinduísmo, budismo, jainismo, siquismo entre outros, e abrigou os zoroastrianos advindos das
terras persas a oeste, assim como foi local onde prosperou o Islã desde o século 7 através do Gujarate e Sind, no
noroeste indiano. Em termos geográficos o país desde 1947 delimita-se ao norte com o Paquistão, Bangladesh,
Butão, Nepal e a China. Com a ex-Birmânia, hoje o Mianmar, ao leste. Além da proximidade com a ilha de Sri
Lanka ao sul. Ou seria a Índia também a sua numerosa comunidade de diáspora pelo mundo estimada em mais de 30
milhões? Seria a Índia simplesmente hindu que perfaz quase 80% de sua população? Se assim fosse, seriam os
hindus apenas os ortodoxos bramanistas, ou também os xivaístas, vixnuístas e outras correntes populares? E as
grandes comunidades hindus no Nepal, nas ilhas Maurício, em Bali e em outras partes do mundo? Seriam elas a
Índia também? E os aproximadamente 14% da população indiana que se declaram muçulmanos, em torno de 172
milhões de pessoas, segunda maior comunidade muçulmana do mundo, não seriam eles também indianos? E a
comunidade budista, sikh (ou sique), jainista e cristã [4] na Índia? Em termos linguísticos, a Índia abriga mais de 20
línguas oficiais, mais de 1500 dialetos e grupos étnicos. Quem desses seriam mais indianos que os outros?
O conceito de Índia e região sul asiático, portanto, é mais complexo do que parece ser à primeira vista. Para
entendermos essa estonteante e caleidoscópica região, devemos buscar sua história que poderá nos fornecer alguma
perspectiva de como a Índia se formou, se consolidou, influenciou e assimilou suas políticas, identidades, valores e
culturas. Enfim, a Índia é talvez muito mais um conceito civilizacional do que uma mera expressão definida apenas
em termos geográficos, religiosos e étnicos.
Em certo sentido, os estrangeiros fazem parte da história da Índia. A passagem terrestre mais acessível à Índia
fica localizada a noroeste, pela porção mais ocidental da cadeia dos Himalaias, o Hindu Kush, no norte afegão,
através do chamado Passo Khyber, passagem pelos quais muitos nômades das estepes asiáticas chegaram e
invadiram as férteis planícies do vale do rio Indo, do Ganges e Yamuna. Foi por onde o Islã chegou de maneira
predominante às terras indianas a partir dos afegãos e dos infames saques de Mahmud de Ghazni (971 - 1030) ao
templo hindu xivaísta de Somnath em Gujarate em 1024. E depois foram sucedidos pelas sucessivas invasões de
povos centro-asiáticos como os timúridas sob Tamerlão (1336 - 1405), e dos turcos (ou túrquicos) e mogóis, a partir
de meados do século 16. Os mogóis estabeleceram-se no norte indiano após a vitória sobre a dinastia turca (ou
túrquica) dos Lodis em Délhi (na batalha de Panipat, em 1526) e fundaram um império unificado sob comando
político e militar muçulmano - e que deixaram como heranças inconfundíveis o mausoléu do Taj Mahal (1632 -
1653) e o conjunto do Forte Vermelho em Agra (1648) – até a predominância dos britânicos a partir de meados do
século 18 em diante.
A história do subcontinente indiano defronta-se com certa novidade na chegada dos europeus a partir de fins do
século 15 na Costa de Malabar a sudoeste . Esse elemento inovador, de acordo com Pannikar [5], foi o uso armado
das embarcações oceânicas. O Oceano Índico sempre foi cenário de um intenso comércio internacional entre árabes,
malaio-indonésios, chineses, e mercadores indianos gujaratis (de Gujarate) e sindis (do Sind). As atividades entre
esses eram feitas, no geral, de maneira pacífica visando zelar pela continuidade da prática comercial até a chegada
das caravelas portuguesas, embarcações fortemente armadas e com uma atitude bélica irrestrita, com ameaças de
sequestro e tomada de cargas valiosas no mar, prática antes pouco concebidas e consideradas desleais à boa prática
do comércio. Posteriormente, a predominância europeia sobre a Índia se tornará evidente com a atuação política e
militar de agentes britânicos da Companhia Britânica das Índias Orientais, apesar das amplas resistências indianas
organizadas por líderes como Baji Rao (1700 – 1740) e Tipu Sultan (1750 - 1799). Em 1857, após massivas
rebeliões indianas, as autoridades de Londres e Calcutá decidiram rever e administrar diretamente a Índia como
colônia da Coroa Britânica. Nessas propostas de reformas administrativas, surgiram dentro do criado corpo de
funcionários públicos, o Serviço Público Indiano (Indian Civil Service), as primeiras lideranças indianas que depois
inspirou o movimento pela independência no século 20.
Na segunda parte defrontamo-nos com outro centro de civilização que irá moldar e influenciar toda a região do
leste asiático. A China. Desde os primórdios do vale do Rio Amarelo, a cultura chinesa se consolidou nos seus
próprios termos ideológicos e culturais – o rigor da escrita chinesa, os ensinamentos de Confúcio acerca da ordem e
preceitos cívicos e políticos, os do taoísmo que enfatiza a relação do homem com a natureza e o cosmos, e depois o
budismo que reflete acerca da responsabilidade individual diante da sociedade, do universo e do tempo. Essa
herança irá perpassar gerações de chineses que, com o tempo, irá ser incorporada por nações estrangeiras, muitas
dessas das estepes ao norte e oeste da China, quando migraram ou invadiram as planícies chinesas.
Como no subcontinente indiano, os estrangeiros também sempre fizeram parte da história chinesa, e seria
diferente em outras regiões? Povos de nômades de origens turcas, khitans, mongóis e manchus todos foram
elementos fundamentais para consolidar e unificar a China que pela tradição passou a se referir como o Império do
Meio. O que nos indica como os próprios chineses, com o tempo, acostumados a serem referências civilizacionais
com as nações no leste asiático, passaram a considerar os estados estrangeiros ou como tributários, ou como
distantes e bárbaros. Pois os chineses detinham tudo o que lhes interessava e exportava - por séculos por rotas
terrestres ao oeste pela chamada Rota da Seda e por rotas marítimas pelo sudeste asiático à mercê dos temidos
piratas malaios, japoneses e filipinos – somente para aqueles que lhes interessavam. As relações do Império do Meio
com o exterior, portanto, sempre foi algo intrigante. Como relacionar-se com os outros sendo que esses deviam
tributos ao que era o centro da ordem asiática, ou melhor, local onde o Filho do Céu, o imperador, representante
terrestre da ordem cósmica, residia? Foi, pois, nessa perspectiva que os ocidentais passaram a romper com a tradição
chinesa e, ao longo do século 19, a humilhar o império chinês com uma série de agressões e tratados desiguais.
Hoje, nos arredores de Pequim, permanecem as ruínas do antigo Palácio Imperial de Verão (Yuanmingyuan) como
símbolo do bombardeio e pilhagem que as tropas ocidentais fizeram em 1860. O trauma desses eventos resultará em
décadas de desordem e fragmentação e somente foi reunificada num regime comunista próprio a partir de 1949. Ao
fim do século 20, a China apresentou-se como a região mais dinâmica do globo terrestre e isso certamente irá marcar
a história mundial do século 21.
Visando contrabalançar o sinocentrismo, o estudo da região também analisou a região tibetana e arredores a
servir de contraponto da história chinesa. Interessante notar as relações entre as regiões, ora de dominação – como
quando os tibetanos invadem a China e ocupam sua capital, Chang’an em 763, ora de relações entre iguais ou de
opressão como houve no Tibete em 1959. E como o budismo tibetano se formou, com suas múltiplas origens, que
chegou a determinar eventos históricos marcantes dos povos mongóis e da dinastia imperial Yuan da China nos
séculos 13 e 14.
Na terceira parte iremos nos concentrar um pouco mais para o leste asiático, no Japão e na Coreia.
O Japão há muito é motivo de imaginação e fascinação do mundo ocidental. Nascido nas suas origens envoltos
em mitos das disputas entre os deuses, Amaterasu e Susano-o, e partir dos yamatos sob a liderança de Jimmu, as
ilhas japonesas traçaram uma trajetória histórica toda própria que aguçou-lhe o senso de singularidade e, por vezes,
de isolamento.
A história japonesa nos revela seu dinamismo e singularidade. Sua formação adveio de migrações de diversos
povos, de malaio-polinésios e depois de coreanos que compuseram sua base étnica. Das cerâmicas do período
Jomon (c. 10 000 a.C. – c. 300 a. C) e das evidências do cultivo de arroz que possibilitou o assentamento sedentários
no arquipélago no período Yayoi (c. 300 a.C. – c. 250 d.C.), o Japão irá gradativamente se consolidar como reino
unificado a partir das ofensivas do clã dos yamatos do sul da ilha de Honshu nos primeiros séculos de nossa era. Os
enormes túmulos do período Kofun (c. 250 d.C. – 710 d.C.) servem até os dias atuais como símbolo do poderio dos
yamatos sobre todo o arquipélago japonês. A introdução do budismo e da cultura chinesa irá adicionar novos
elementos que resultará num período igualmente turbulento e efervescente – foi nesse período que Murasaki Shikibu
compôs uma das maiores obras literárias do mundo, o Genji Monogatari (“Conto de Genji”) – assim como o foi o
período Nara (710 – 794) e de Heian (794 – 987).
No Japão do período Kamakura (1185 – 1333) e de Muromachi (1333 – 1568), houve intensas batalhas internas
que fragmentaram a unidade política do país, resultando em várias unidades locais leais a um senhor latifundiário
(daimiô) que passará a enfatizar a defesa e proteção de suas propriedades contra os outros rivais. Em fins do século
16, líderes militares emergem desse cenário de conflitos, como Toyotomi Hideyoshi (1536 - 1598) que depois
alimentou ambição de invadir a península coreana na chamada Guerra Imjin (1592-1598), Oda Nobunaga (1534 -
1582) e Ieyasu Tokugawa (1542 - 1616). Este último irá depois se firmar como o comandante geral do Japão, com o
endosso do imperador, e se tornará o xogum com seus descendentes a sucedê-lo até meados do século 19. Esse
domínio inconteste de Ieyasu somente teve início depois da sua vitória na batalha de Sekigahara de 21 de outubro de
1600. Anos depois, em 1638 em Shimabara, foi eliminado outro possível foco de instabilidade do reino japonês
entre rebeldes e cristãos convertidos de Nagasaki ao custo de milhares de vida. Após isso, o Japão dos Tokugawas
passou a aprovar éditos que efetivamente isolaram o reino do restante do mundo até o século 19.
Em 1853, uma frota de navios sob comando do americano Matthew Perry apareceu na baía de Edo (atual
Tóquio) e exigiu a abertura dos portos japoneses. Um ano depois, foram assinadas as cláusulas do Tratado de
Kanagawa. Conflitos entre os leais aos Tokugawas e aqueles que desejaram ter maior voz na política japonesa,
muito desses, comerciantes da região meridional, resultaram numa guerra civil que irá perdurar até 1868, quando o
jovem imperador, Mutsuhito é declarado como Imperador Iluminado, Meiji. Em fins do século 19 até a década de
1920, o Japão irá atravessar um notável período de modernização ao mesmo tempo voltando-se para conservar suas
tradições. No plano externo, ecoando as agressões imperialistas dos ocidentais na Ásia e insatisfeitos com o que não
lhe foi concedido nas negociações de paz após a Primeira Guerra Mundial, os japoneses começaram a agir cada vez
mais de maneira expansionista sobre o leste asiático depois de terem derrotado os chineses em 1895 sobre a ilha de
Taiwan. Os eventos da Segunda Guerra Mundial deram aos expansionistas japoneses a oportunidade de dominar,
brevemente, quase toda a área do leste e sudeste asiático até sofrerem ampla contraofensiva dos americanos. Após o
lançamento de duas bombas atômicas, em agosto de 1945, sobre Hiroshima e Nagasaki, o Japão assinou sua
rendição e entrou para um novo período de desenvolvimento e compromisso pacifista.
Na Coreia, a história não foi menos dramática. Desde os primórdios, vários grupos étnicos compuseram a
população da península coreana, e que moldaram a cultura e identidade da região. Manchurianos, japoneses,
chineses, além da diversidade de coreanos foram gradativamente unificados e dominados num reino a partir do
século 10 com Goryeo. Depois das invasões mongóis em meados do século 13, o reino coreano passará a se
fundamentar em novas bases, com a Dinastia Joseon (ou Choson). O século 19 testemunhará a crescente ameaça de
japoneses, chineses e russos nas suas fronteiras. No século seguinte, a península conhecerá a dominação colonial
japonesa até o fim da Segunda Guerra Mundial. E, depois da devastação da Guerra da Coreia, em 1953, a península
será fraturada em duas.
A Coreia, em termos geográficos, ocupa uma península no leste asiático. A região é rodeada por mares em seus
três lados: o Mar do Leste, o do Sul e do Oeste. Na maioria dos mapas, o Mar do Oeste, ou Ocidental é chamado de
Mar Amarelo, e o do Leste, de Mar do Japão. Isso, naturalmente, foi sempre contestado pelos coreanos, pois os
termos remetem a outras referências nacionais estranhas aos coreanos. Esses mares vizinhos e a ligação terrestre ao
norte desempenharam papéis cruciais na história coreana. Foi por esses caminhos que houve fluxo migratório,
comercial e cultural, geralmente mais vindo das terras ao oeste para o leste. Mais para o leste, as ligações para o
arquipélago japonês se deram por navegações, o que não elimina por completo a ligação marítima entre a China e a
Coreia, como houve na aliança em 660 entre o reino coreano de Silla com a China da Dinastia Tang. No outro
sentido, os japoneses invadiram a península coreana na década de 1590 por meio naval. E episódios marcantes
navais se deram em 1894 e também em 1905 na guerra entre japoneses, russos e chineses nos mares da região. Em
1951, durante a Guerra da Coreia, o General MacArthur desembarcou no porto de Inchon para atacar as forças
norte-coreanas. O mar sempre foi elemento marcante para a história coreana.
Foi também pelos mares que houve a prosperidade dos reinos coreanos. Silla, durante dos séculos 8 e 9, dominou
o comércio os mares da região e o comércio com os chineses e japoneses. Foi pelo comércio que as migrações
coreanas ocorreram, como o de comerciantes que se estabeleceram na foz do Rio Yangzi, na China. A partir da
Dinastia Joseon, que se comprometeu a manter a estrita e isolada lealdade à Dinastia Ming na China no século 15, a
Coreia começou a rever sua inserção internacional. A partir da segunda metade do século 20, a Coreia na sua porção
meridional, uma vez livre da dominação japonesa, novamente retomou sua vocação marítima e internacional. E a
situação no norte coreano consolidou-se no duro jogo dos interesses soviéticos e, depois, numa política
autossuficiente.
Em termos étnicos e linguísticos, os antecessores dos coreanos vieram de migrações do nordeste asiático e norte
da China. Mas a principal evidência aponta para origens culturais e da língua coreana não de chineses, mas de
falantes da família linguística altaica, tais como os turcomanos, mongóis, tungus, manchus e japoneses. Uma família
completamente distinta das línguas chinesas. Outras evidências apontam que as origens coreanas com relação aos
mitos e símbolos de totens de ursos e tigres remetem a povos altaicos das estepes asiáticas. O culto desses símbolos
e mitos conjugam-se com a prática siberiana do xamanismo e de objetos de valores simbólicos usados em rituais
como a espada e o espelho, algo que se pode constatar também na história japonesa.
A influência chinesa, aparentemente, veio em momento posterior com a introdução da escrita, dos caracteres
chineses ou sinogramas, além dos ritos e ideais cosmológicos confucianos e budistas. Embora a origem da língua
coreana seja diferente da chinesa, a Coreia adaptou os sinogramas para suas palavras e gramática. Essa forma
chinesa modificada, chamada de idu, foi reflexo da prestigiosa influência que a elite coreana incorporou ao entrar
em contato com a cultura sínica. A unificação da língua coreana em definitivo se deu com a expansão do reino de
Silla, que conquistou os reinos de Paekche e Koguryo no século 7.
A escrita coreana acabou sendo elaborada a partir do sistema chamado de hangul, elaborado sob o mando do rei
Sejong da Dinastia Joseon, no século 15. A motivação para a criação de uma escrita e alfabeto próprio foi permitir
aos coreanos lerem e entenderem as obras chinesas. Mas a língua chinesa e seus caracteres permaneceram por
séculos como sinal de prestígio e cultura no meio coreano. Somente no século 19 foi promovido ampla campanha na
Coreia para a publicação de jornais e livros a serem escritos em hangul. No período da dominação japonesa no
início do século 20, o hangul e a língua falada coreana foram gradativamente banidos nas escolas e locais públicos.
Após a Guerra da Coreia, a escrita coreana voltou a ser valorizada, mas dada a divisão da península após 1953, cada
estado coreano passou a ter vocábulos e características diferenciadas ao longo das décadas de separação. Para tanto,
a Coreia do Norte refere sua escrita não como hangul, mas como chosongul. Apesar disso, as diferenças não são
ainda tão marcantes, e não há dificuldade de comunicação entre as duas partes coreanas. A fratura da Coreia em
duas permanece como um marco traumático dos efeitos da Guerra Fria sobre uma península que foi mais integrada
no seu passado do que separada.
Na quarta e última parte nosso foco vai um pouco mais para o sul, para a região do sudeste asiático. Como situar
e conceituar o sudeste asiático? Seria toda a região, evidente nos mapas políticos atuais, apenas uma mera expressão
geográfica, sem fundamentos históricos e culturais? Ou seria uma miríade diversificada de nações que em seu
conjunto compõe, pela conveniência, a junção do mundo indiano e chinês? A diversidade histórica dessa região fez
com que nunca fora referida como uma única categoria no passado. A não ser se considerarmos os conceitos
coloniais de europeus que a chamavam de “Índias Orientais” e os franceses a uma parte da região como
“Indochina”. Há em comum um compartilhamento de influências e adaptações da cultura indiana, pelo hinduísmo e
budismo, e do sistema político e social chinês, como o confucionismo, que se conjugou com as culturas tradicionais
locais, cada um à sua maneira. O Vietnã, especialmente o norte, assimilou e adaptou a cultura chinesa. Mais ao sul
da costa, contudo, a influência dos povos marítimos (indianos e muçulmanos) foi grande, como em Champa. No
Camboja, Laos, Tailândia e Mianmar, para nos atermos aos nomes atuais, a presença do hinduísmo e budismo foi
marcante. E mais ao sul, pela Malásia, Indonésia e sul das Filipinas, o Islã fez-se marcante com os mercadores
árabes no comércio.
Há no conceito do sudeste asiático uma dualidade intrínseca. Existe algo em comum, mas igualmente uma
diversidade. Esse talvez seja o desafio inicial da região o qual, espera-se, que parte dessa obra ofereça um olhar mais
acurado para sua história. Como ignorar o impressionante legado do complexo de templos de Angkor, Borobudur ou
de Pagan (Bagan)? Como não se surpreender com o expansionismo dos birmaneses e depois da consolidação
política dos tais em Ayutthaya (Aiutaia) e depois no reino de Sião? E da prosperidade comercial marítima
acumulada pelos reinos de Srivijaya e Majapahit, algo que despertou a cobiça dos chineses, portugueses, holandeses
entre outros? E o que dizer da extraordinária resiliência dos vietnamitas em resistir e adaptar? São essas questões
fascinantes que devem nos instigar se desejamos compreender a história do sudeste asiático.
Foram os chineses que nos ofereceram as primeiras narrativas de outros reinos que emergiram no sudeste
asiático desde os primeiros séculos de nossa era. Por volta de 240, os chineses trouxeram de volta relatos
impressionantes de um reino a que eles denominaram de Funan, localizado na foz do rio Mekong. Igualmente
fascinados ficaram quando chegaram diante das muralhas de defesa de Sriksetra (ou Sri Ksetra), capital dos pyus
que floresceu ao longo do rio Irauádi por volta da mesma época, que depois irá com o tempo se tornar num dos mais
poderosos reinos birmaneses. O próprio nome da cidade, Sriksetra, “campo afortunado ou campo de glória” em
sânscrito, já indicava a influência indiana a partir da expansão de comerciantes, sacerdotes hindus e brâmanes mais
ao oeste. Revela-se com isso a influência cultural que a Índia teve sobre o sudeste asiático, impactando o reino dos
khmers, conforme demonstra o complexo de templos hindus em Angkor Wat, sobre os povos chams na costa
vietnamita, e indo até as ilhas de Java e, de maneira mais duradoura, sobre Bali. Enquanto a Índia teve papel
primordial em termos culturais e religiosos, a China desempenhou papel político e comercial predominante. As
expedições do almirante Zheng He, no século 13, foram fruto de gerações de estudos e contatos visando ampliar o
alcance do Império do Meio para os mares internacionais.
Veremos que o impacto indiano foi decisivo na formação dos reinos birmaneses que cedo adotaram o budismo
teravada, na conversão do rei Anawrahta, como meio de legitimação, apesar de ter sido mantido os cultos
tradicionais birmaneses dos espíritos nats. Um de seus sucessores, Kyanzittha, reivindicou ser um dos mais
entusiastas adoradores de Buda no século 11. A cidade de Pagan, nesse sentido, tornou-se local dos mais sagrados
do mundo budista. A cultura indiana havia se espalhado mais para o leste, no reino dos khmers, que depois
fundariam a sua capital conhecida como Angkor, às margens do imenso lago Tonle Sap. Apesar dos khmers terem
adotado o hinduísmo, alguns de seus membros converteram-se depois ao budismo pois desconsideraram o sistema
de castas proposto, mesmo com a adoção de seus reis a serem referidos como devarajás, “deuses reis” do sistema
hindu.
No Vietnã, o impacto veio de outra fonte, os chineses, ao longo de sua vida dinástica embora tenham mantido
sua identidade distinta. A língua vietnamita serve como exemplo disso, com sua fonte vindo de línguas
austroasiáticas, como também são os casos das línguas khmer e mon, e não do chinês. Contudo, a presença chinesa
por quase mil anos criou uma cultura elitizada única que passou a valorizar os estudos e cultos aos ancestrais do
confucionismo. Isso se deu mais no norte vietnamita, pois mais ao sul da costa, o reino Champa, dos chams,
trilharam outro caminho histórico mais voltado ao hinduísmo e culturas advindas dos mares do sudeste asiático. O
longo envolvimento dos vietnamitas com os chineses fez com que os franceses, no início do século 19, interessados
na região, a denominar tudo como Indochina a realçar o Vietnã e seu interior como ponto de passagem entre o
universo indiano e chinês.
O efervescente comércio marítimo no sudeste asiático deu nascimento a poderosos reinos organizados.
Estrategicamente localizado, Srivijaya, a partir de Sumatra, controlou toda a rota que passava pelo que hoje
chamamos de Estreito de Malaca, além de atuar como atração internacional na sua ativa promoção do budismo para
os que viajaram das terras chinesas aos locais de nascimento e vida de Buda na Índia. Um desses monges chineses,
Yijing (ou I Ching), em 671, ficou atônito com a generosidade dada aos diversos mosteiros e escolas pelos monarcas
de Srivijaya. Um desses legados será a língua malaia adotada usada como a de aprendizagem e estudo e que depois
se tornaria como uma das línguas francas no sudeste asiático. Srivijaya depois se tornou alvo de inveja e disputas e
sucumbiu ao crescente poderio marítimo dos indianos cholas no século 11. O reino que mais se beneficiou disso foi
Majapahit, no leste de Java. Sua ascensão adveio depois de uma desastrada embaixada dos mongóis sob o imperador
chinês da Dinastia Yuan, Kublai Khan, que resultou na destruição de um reino rival na ilha javanesa em fins do
século 13. Assim foi possível a fundação de um novo reino mais ampliado e centralizado em Java, que depois
explorou as possibilidades marítimas e comerciais com a nova orientação da dinastia chinesa de Yuan a partir do
século 14 em buscar uma política mais continental, afastando-se dos mares.
A partir do século 16, houve um notável renascimento dinástico birmanês sob os Toungou (ou Taungus). Foi sob
essa linhagem que foi reunificado o reino, muito em cima das rivalidades contra os tais centrados em Ayutthaya (ou
Aiutaia) que chegou a ser destruída em 1767. Os birmaneses fizeram uso das novas armas e táticas apresentadas
pelos europeus, estes já se fazendo presentes no sudeste asiático. Nisso, as fortalezas e muralhas foram ampliadas e
passaram a ser construídas de tijolos e pedras ao invés do uso da madeira e terra. A dinastia sucessora birmanesa, a
dos Konbaungs, teve que enfrentar cada vez mais o interesse e presença dos britânicos que vieram de Calcutá na
região oriental indiana a partir de meados do século 18. Desses encontros resultaram as Guerras Anglo-Birmanesas
no século 19 que acabaram pondo termo ao império birmanês. A região ao lado do reino birmanês, testemunhará a
ascensão e queda do reino de Ayutthaya e da efêmera existência decadente do reino dos khmers. Angkor, antiga
capital khmer chegou a ser ocupada pelos tais em 1431, mudando-se a capital para Lovek e, depois, Phnom Penh.
Apesar das vitórias, o reino dos tais de Ayutthaya incorporou os magníficos elementos culturais dos khmers,
reivindicando serem os seus verdadeiros herdeiros. Ainda hoje é discernível a presença da arte cambojana khmer no
Grande Palácio Real em Bangkok.
Subsequentemente, constataremos as dificuldades enfrentadas pelas dinastias vietnamitas a partir do século 17.
Apesar do imperador Le Tranh Tong em buscar unificar toda a nação, o Vietnã viu-se dividido depois por
desentendimentos políticos em duas partes de 1672 a 1806. A Dinastia Nguyen governou a parte meridional a partir
da capital, Hué, enquanto os Trinhs controlaram os reis Le no norte. A unificação somente se daria no início do
século 19, sob os imperadores Nguyens, mas seu excessivo apego às tradições confucionistas talvez os tenham
impedido de se prepararem para as ambições francesas. O horizonte dos tempos tinha mudado, depois dos europeus
humilharam o império chinês da Dinastia Qing nas duas Guerras do Ópio em meados do referido século. Em 1859,
Saigon, no delta do rio Mekong já era ocupada e administrada pelos franceses. Em 1874, a corte vietnamita viu-se
obrigada a ceder o acesso a Hanói e ao seu porto em Haiphong.
A situação histórica de Malaca, Aceh, Mataram, Brunei e as Filipinas também serão examinadas. As
intervenções europeias assomaram-se no arquipélago de ilhas do sudeste asiático a partir do século 16, a começar
pelo pioneirismo dos portugueses quando tomaram o controle de Malaca em 1511. Isso somente foi possível com a
retirada do interesse e presença naval e comercial chinesa da região, abrindo um vácuo de poder para os
estrangeiros. Os holandeses, através de sua Companhia das Índias Orientais, estabeleceram-se na parte ocidental de
Java, onde fundaram Batávia em 1611, e de lá começaram a enfrentar uma série de confrontos com os outros reinos
javaneses, em especial o de Mataram. Após o fracasso de uma segunda investida em 1629, o sultão javanês Agung
desistiu e passou a conciliar seus interesses com a dos holandeses. Era o início do fim dos reinados independentes
javaneses. Os holandeses passaram gradativamente a expulsar a presença dos portugueses da região, com as
exceções das ilhas Sundra e Timor. Os espanhóis mantiveram-se nas Filipinas, que somente tiveram que lidar com
alguma contestação europeia com a chegada dos britânicos em Manila em 1762.
A condição colonial se consolidou em fins do século 19 até meados do século 20, com a quase totalidade do
sudeste asiático a ser administrado aos interesses ocidentais presentes. Todavia, alguns choques de interesses
possibilitaram ao reino de Sião, atual Tailândia, preservar-se soberana, mesmo que por isso tivesse que conceder
seus domínios no Laos, Camboja aos franceses, e partes meridionais aos britânicos.
A era colonial europeia começou a ver seu crepúsculo no sudeste asiático com o crescimento dos sentimentos
nacionalistas e a avassaladora ofensiva japonesa a partir da China em 1941. Nas Filipinas, houve desde 1898 uma
tomada do controle espanhol pelos americanos, e isso pareceu ser um primeiro passo ameaçador aos olhos de
Tóquio. O momento decisivo se deu quando os japoneses atacaram de surpresa a base naval americana no Havaí, em
fins de 1941, dando ao governo dos EUA o aval para a entrada na Segunda Guerra Mundial. Nesse turbilhão de
eventos, as colônias europeias mostraram-se vulneráveis e propensas às agitações anticoloniais, como o foi o caso de
Sukarno na Indonésia. No caso da França, restou-lhes a dura intolerância de buscar combater pelas armas do que
ainda consideravam como a Indochina, resultando posteriormente na sua derrota frente aos comunistas vietnamitas
em 1954. Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista de Clement Attlee buscou rever toda a condição do império
britânico, ao passo que os holandeses teriam que se sujeitar à humilhação de se retirarem da Indonésia após amplas
condenações dos EUA e dos organismos internacionais em 1949.
O fim da Segunda Guerra Mundial irá expor a condição de lutas e esforços pelas independências pós-coloniais
no sudeste asiático. Enquanto as colônias britânicas em boa parte tiveram uma transição negociada, o mesmo não se
pode dizer do Vietnã, que passou a ser objeto de temor comunista aos olhos de Washington. Diante disso, os
comunistas vietnamitas do Viet Minh tiveram que lutar por mais vinte anos, desde a Conferência de Genebra de
1954 para conseguir expulsar as tropas americanas e derrotar seus aliados no Vietnã do Sul. Os filipinos, após a
retirada dos japoneses em 1945, começaram arduamente a consolidar sua própria vida independente, apesar das
tentações ao autoritarismo de Ferdinand Marcos. Os militares fizeram-se presentes na condução do poder na
Tailândia e no Mianmar, atual nome da Birmânia, sendo que neste último país as lutas internas ainda atentam contra
sua plena integridade. A perseguição militar aos comunistas atingiu patamares de insanidade com Suharto na
Indonésia, em que estimados meio milhão foram perseguidos ou mortos entre 1965 e 1966. O mesmo se pode dizer
de outro brutal regime, o do Khmer Vermelho, que ascendeu ao poder no Camboja sobre os escombros deixados
pelos americanos na Guerra do Vietnã. Comparativamente, a Malásia parece ter atravessado seus primeiros passos
independentes de maneira mais suave, apesar de ter negociado duramente com sua diversidade de povos e culturas.
Em Bornéu, Brunei decidiu por bem não se integrar ao governo de Kuala Lumpur em 1962. Em 1965, vendo-se
expulso da Malásia, Cingapura teve que achar seu caminho próprio ao desenvolvimento, que conseguiu de maneira
notória graças em boa parte ao seu povo e a Lee Kuan Yew.
Mas vamos recuar no tempo a partir do Vale do Indo quatro mil anos atrás...
Índia e Sul Asiático

“How can the mind take hold of such a country?''


(“Como pode a mente se apoderar de tal país?”)
- E. M. Forster (1879 - 1970), ''A Passage to India''.

Índia e Sul da Ásia (Do Rio Indo à Satavana – 3º Milênio a.C. - 1º Milênio a.C.)
Harappa e Mohenjo-Daro
A noroeste da Índia e leste do Paquistão há uns quatro mil anos atrás, corriam rios abundantes e perenes que
propiciaram um acesso regular à água potável, vital para o sustento de animais e humanos. Terra essa que é chamada
de Punjab, “cinco rios”, pois assim corriam os rios a desaguarem todos como afluentes do rio Indo. E desse nome
veio, através dos cronistas e viajantes estrangeiros a nos relatar pelos séculos seguintes, o que se convencionou
referir-se a toda a região como a “Índia” [6].
Foi então no vale do rio Indo que foram encontrados os primeiros vestígios de assentamentos planejados e
permanentes de comunidades humanas datando por volta de 2200 a.C. Em locais hoje referidos como Harappa e
Mohenjo-Daro (mapa) ficou evidenciado um avançado sistema de planejamento urbano e sanitário, com largas ruas
pavimentadas e locais que parecem remeter a banhos públicos e tanques de água.

Mapa - Vale do Indo e dos sítios de Harappa e Mohenjo-Daro.

Nesses dois sítios podemos identificar, portanto, as primeiras evidências de uma sociedade sedentária organizada
com algum controle centralizado e as primeiras manifestações civilizacionais do passado indiano. Havia
necessidade, diante demonstra o avançado planejamento dos sítios, de um comando centralizado e de um mínimo de
especialização social demandada para o planejamento e execução de construções que teriam servido ao bem público
– como as reservas de água para tempos de seca – ou a um rico e poderoso membro sobre o restante da sociedade.
Mas isso são ainda conjecturas, pois tudo ainda permanece um mistério.
Há outros vestígios materiais que podemos inferir sobre as sociedades dos locais citados. Uma escultura de
pedra, hoje num museu de Carachi, Paquistão, nos mostra uma pessoa de vestes elaboradas e aparência serena e
imponente que sinaliza uma pessoa proeminente, talvez um sacerdote. Em outra gravação, é retratada uma pessoa
em posição peculiar, talvez meditativa, indicando remotas origens de posições defendidas pelas escolas iogues. E
pelos símbolos e retratos silvestres na gravação, talvez seja até mesmo uma divindade, um antecessor de Xiva
(Shiva), deus indiano caracteristicamente próximo do meio silvícola e da animália, num dos seus atributos como
Pashupati, “senhor dos animais” ou de Rudra, deus do meio silvestre e dos animais
Há evidências de continuado assentamento em outros sítios. E mais recuados no tempo, como em Mehrgarh, no
Baluchistão, ao oeste indiano em direção ao atual sudeste iraniano. Nesse local as datas vão desde o sétimo milênio
a.C., na transição da vida nômade para a sedentária. Em Amri, no Sind, também no oeste indiano, a datação situa-se
em torno de 3600 a.C., e neste parece indicar que o desenvolvimento de sua cerâmica, por exemplo, se deu em
termos autóctones, sem, portanto, ser influenciado por contatos com outros povos. Algo extraordinário, pois há
evidências de cerâmicas e outros produtos originados dessa região encontrada mais ainda ao oeste, na Mesopotâmia,
no sul do Iraque, e ao norte, nas estepes da Ásia Central.
A partir de 2500 a.C. além dos centros como Harappa e Mohenjo-Daro, outros locais como Kalibangan, indicam
que o padrão de construção convergiu num mesmo padrão e estilo, possivelmente apontando para uma confederação
política unida. E já no fim do mesmo milênio, em Harappa, houve a construção de muralhas e fortes para fins
defensivos contra invasores.
Sobre as hipóteses de seu declínio dessa cultura do vale do Indo, a maior parte dos arqueólogos concorda situar
num período entre 1800 a.C. a 1700 a.C. Alguns estudiosos [7] apontam para as crescentes invasões de estrangeiros
vindos do norte, com uso de armas de bronze e a cavalo, povos chamados de arianos [8], sustentando os seus
argumentos nos achados de ferramentas e utensílios que foram subitamente abandonados nos sítios escavados. Outro
fator considerado foram os fatores de mudanças ambientais. Com o clima alterado, grandes inundações do vale do
Indo alteraram de maneira definitiva o curso dos rios, gerando erosão do solo e seca do clima na região.
Os arianos
Por volta do segundo milênio a.C. uma onda migratória de povos advindos da Ásia Central começou a avolumar-
se nas regiões do noroeste indiano e do Punjab. Com esses chegaram o uso de armas de cobre, bronze, montagem
em cavalos e carruagens. A origem desses povos, chamados em sânscrito de aryas [9], arianos, ainda é motivo de
viva controvérsia entre historiadores e arqueólogos. Alguns apontam para a vasta estepe da região central asiática,
outros em regiões meridionais russas ou até mesmo mais ao oeste, na Europa [10]. O grande estudioso britânico, Sir
William Jones, no seu clássico estudo [11] sobre a escrita sânscrita trazida com esses povos, buscou estabelecer a
origem dessa cultura com as línguas europeias. Atestando para uma suposta dominação inerente dos povos indo-
europeus sobre outros povos asiáticos, uma forma de legitimar a dominação britânica sobre a Índia em fins do século
18.
Não se sabe ao certo a relação desses povos arianos com o que é recitado pelo mais antigo dos sagrados quatro
épicos védicos, o Rig Veda. Neste, não é descrito nenhuma forma urbana de organização social, algo que já era
notável em locais como em Harappa, local onde, a partir de 2000 a.C. a 1400 a.C., os arianos gradativamente
começaram a se mesclar com os elementos locais. Talvez fosse mais apropriado considerarmos um extenso período
de contato e miscigenação entre os elementos pré-arianos anteriores no noroeste indiano com a chegada de povos
arianos. Interpenetrações que irão combinar elementos harappanos de culto a divindades e animais, como visto na
figura do proto-Xiva, com o culto ariano do cavalo, do fogo e do raio (como nos deuses Agni e de Indra,
respectivamente). E que depois se inseriu uma relação de dominação e diferenciação social, em castas sociais
hierarquizadas (varnas) com os setores dominantes arianos, sacerdotes (brâmanes) e guerreiros (xátrias), a
prevalecer sobre outros (shudras) da sociedade [12]. Na convivência dos tempos, os arianos foram ordenando a
hierarquia social conforme sua posição de dominação.
Os Vedas
O conjunto dos épicos védicos é a mais importante fonte de informação a respeitos dos arianos, e é a base mais
antiga de crenças, práticas, valores e línguas da Índia. Em sua consideração a respeito da importância dos Vedas,
Rabindranath Tagore (1861 - 1941) [13] com propriedade assim os descreveu:
Um testamento poético da reação coletiva de um povo pela admiração e respeito da existência. Um povo de vigorosa e simples imaginação que foi
despertado logo no início da civilização a um sentido do mistério inesgotável que está implícito na vida.[14] (tradução nossa)

Os épicos são compostos por quatro categorias de textos. Os mantras, que tratam de palavras sagradas, os
brâmanas que ordenam os rituais sacrificiais, os upanixades que são tratados esotéricos e filosóficos e os sutras,
instruções ritualísticas. Essas categorias, conforme Kulke & Rothermund [15], expressam etapas históricas dos
arianos desde a vida seminômade nas estepes asiáticas até o seu gradual assentamento e incorporação dos elementos
urbanos sedentários no vale do rio Indo e posteriormente nas planícies a leste do rio Ganges [16].
Os mantras, conjunto mais sagrado transmitidos apenas entre os sacerdotes (brâmanes), são compostos por
quatro grupos: o Rig Veda (o mais antigo deles), o Sama Veda, o Iajur Veda e o Atarva Veda. O Rig é a mais
completa e valiosa fonte histórica que temos sobre a sociedade ariana, pois se considera que fora composto por volta
de 1300 a 1000 a.C. Os primeiros livros do Rig tratam mais de assuntos filosóficos e sagrados, além de
ordenamentos sociais e familiares. Os livros posteriores do épico Rig têm como assuntos a política e a guerra, ao
abordar os confrontos entre os arianos e povos do vale do rio Ganges. Nesses, há relatos de povos não-arianos de
pele escura, chamados de dasas ou dasyus que serão gradativamente incorporados, expulsos ou dominados. Nas
inúmeras campanhas de guerra descritas, há hinos védicos do Rig que glorificam uma das mais destacadas
divindades arianas, o deus do fogo, raio e destruidor de fortes (purandara), Indra:
Armado com seu raio e confiante em sua proeza, ele vagou
quebrando os fortes dos dasas.
Lança o seu dardo, (...) ó Trovejante, sobre os dasyus; a aumentar o
poder e glória dos arianos , ó Indra.

(Rig Veda, Livro 1, Hino CIV)

Indra, (...) o destruidor de fortes, dispersou os anfitriões dasas que habitavam nas trevas (...).
A ele rendido (...), a Indra no tumulto da batalha.
Quando em seus braços estendeu o raio, ele massacrou os dasyus e derrubou seus fortes de ferro.
(Rig Veda, livro 2, Hino XX) [17] (tradução nossa)

A expansão dos povos arianos se deu em etapas subsequentes advindos da região da Ásia Central para o noroeste
indiano, e em direção a leste ao longo da planície dos rios Ganges e Yamuna, local de excepcional fertilidade para o
plantio de culturas como o arroz e propício para rebanhos de animais domesticados como o gado bovino. Junto com
os rios da região do Punjab, a importância das regiões fluviais, cultivo de culturas agrícolas e gado parecem ter
ganhado proeminência entre esses povos antes seminômades das estepes. Assim como nos revela trechos do Rig
Veda:
Quando dois exércitos opostos entram em contenda em batalha
por sementes e proles, águas, vacas ou milho da terra.

(Rig Veda, livro 6, Hino 25) [18] (tradução nossa)

A vida sedentária, portanto, começou a partir de meados do primeiro milênio a.C. entre os arianos, com o
estabelecimento de vilas e cidades, e de campos cultivados descerrados da condição silvestre resultado de uso de
ferramentas (e armas) de ferro. O comércio e o artesanato ganharam proeminência na sociedade ariana, a surgir uma
casta nova, os vaixás. E houve, concomitantemente, um incremento nas reflexões e preocupações filosóficas a
respeito da vida, sociedade e universo.
Nessas sociedades assentadas, várias entidades políticas arianas começaram a despontar na região do vale do
Ganges-Yamuna, entre eles os báratas e os purus que uniram-se como o clã dos kurus e predominaram sobre outros
povos da terra que a partir de então passou a ser chamada de kurukshetra, lar dos kurus. E são os kurus, suas glórias
e feitios que são recitados no épico Maabárata, como na batalha de Bárata, supostamente ocorrida por volta de 950
a.C., combatida entre duas grandes tribos arianas dos kurus, os kauravas e os pandavas.
Os arianos se mesclaram com o passar dos séculos com outras etnias locais, resultando numa sociedade cada vez
mais indo-ariana. Em tempos de paz como nos é revelado nos textos védicos, é distinguida uma diferenciação social
entre aqueles membros livres (vish) e aqueles nobres guerreiros (xátrias) dentre dos quais era selecionado um rei
(rajan). Os sacerdotes (brâmanes) também são mencionados como grupo distinto nos textos. Povos não-arianos
submetidos ao trabalho manual eram considerados à parte de todos. E todos foram sistematizados em castas,
(varnas). Essa ordem estabelecida aparece em textos védicos:
Quando os deuses prepararam o sacrifício de Purusha [19]
Seu óleo era a primavera, o dom era o outono, verão era a madeira
Quando dividiram Purusha, quantas porções eles fizeram?
Do que eles chamam de sua boca, seus braços? Do que eles chamam suas coxas
e os pés ?
O Brâmane era sua boca, de ambos os braços foi o Raj feito
[Xatriá]
Suas coxas se tornaram o Vaixá, de seus pés o Shudra foi
produzido.
(Rig Veda, Livro 10, hino 90) [20] (tradução nossa)

A estratificação social foi mais explicitada no período tardio védico, ou seja, por volta de 1100 a.C. a 500 a.C.,
com a necessidade de ordenamento social e político a consolidar as conquistas e o poderio sobre os povos
submetidos. Nesse sentido, o topo do poder residia na mão de um gramani, espécie de líder guerreiro da sociedade
ariana advindo, portanto, da casta dos guerreiros, vaixás. A inserção de sacerdotes, brâmanes, junto à elite,
constituiu sinal de que entre os arianos desde tempos seminômades era reservada a líderes espirituais uma posição
de destaque e influência na sociedade. Tal é atestado com a cerimônia anual de um rei, o rajasuya, que deveria ser
guiada e conduzida segundo rituais sacrificiais e preceitos guardados por sacerdotes.
Abaixo desses vinham os artesãos e trabalhadores, carpinteiros, ceramistas e ferreiros, normalmente advindos de
sociedades submetidas. Compostos de povos de pele mais escura. Eles são mencionados nos textos védicos pela sua
importância na manutenção de carruagens e fabrico de armas e instrumentos. Muitos eram desconsiderados pela
elite, que os enxergavam como shudras, o estrato mais baixo social, indicando sua posição marginal na sociedade
védica. Com relação ao comércio, a atividade não era considerada tão impura, podendo brâmanes e xátrias participar
dessa ocupação considerada crucial para a economia e prosperidade das sociedades arianas [21].
O que nos remete ao conceito de jati (“nascimento, origem”) que somente aparece no corpus védico num período
tardio. Esse conceito social é uma forma de casta que conviveu com o sistema de varnas e buscou organizar as
diferentes comunidades, tribos, nações e grupos religiosos e linguísticos da Índia designando-lhes determinadas
ocupações na sociedade. Assim, as milhares de categorias jatis iam desde as funções militares (srivastava) até
vendedores de perfume (gandhi), nomes que depois foram incorporados como nomes de famílias e clãs. E cada
categoria era dinâmica, pois dependia do prestígio e poder de cada jati numa determinada sociedade, o grupo
poderia ascender ou decair dentro da ordem social. O aparecimento tardio desse conceito aos Vedas parece indicar
uma incorporação posterior de uma antiga prática social em vigor em outras partes da Índia além do compasso dos
varnas [22].
O Maabárata e os Upanixades
O maior épico da literatura indiana, o Maabárata [23] nos conta a respeito das guerras e intrigas no Kurukshetra –
região ocidental do vales do Ganges e Yamuna – de duas entidades políticas arianas tardias relacionadas, e o drama
dos regentes de ambos os lados. Há controvérsias de sua autoria, mas atribui-se tradicionalmente a compilação dos
seus cantos ao lendário sábio Vyasa (literalmente, “compilador”) e ao deus Ganesha [24] [25], e sua datação remete
acerca de 800 a.C. até suas versões finais por volta de 400 a.C.
Seu tema trata das intrigas e disputas pelo trono dos kurus, na capital Hastinapura, disputado pelos regentes dos
kauravas e pandavas. Ambos os lados discordavam sobre o casamento da princesa kuru Draupati. As disputas
políticas pelo poder culminaram na Guerra de Kurukshetra, em que os pandavas saíram vitoriosos. Muita além das
batalhas, o foco maior é em torno da tragédia humana em busca de poder, riqueza, glória acompanhada de mortes,
perdas e miséria. As lealdades de família e política se entrelaçam e resultam, com frequência, em conflitos
dramáticos revelados no épico.
Entre as inúmeras histórias que compõe o Maabárata, a mais notória é o Bhagavad Gita. Num momento
dramático no campo de batalha, um avatar [26] do deus Vixnu (Vishnu), Krishna, aparece ao angustiado príncipe
pandava, Arjuna, a aconselhá-lo sobre o seu dever (darma) de um guerreiro (xátria) diante do seu destino. Em
determinado momento, Arjuna começa a questionar a real divindade de Krishna e este, após hesitar, decide então
revelar todo o esplendor divino e do universo, uma forma de teofania (vishvarupa):
Ó Mestre (...), se você acha que é possível, em seguida, gentilmente mostra-se em sua forma imortal para mim.

(...) Krishna respondeu: (...) eis minhas formas divinas ilimitadas de vários matizes e formas.
[27]
Ó descendente de Bharata [Arjuna], eis aqui os Adityas, Vasus, Rudras, os Ashvini-Kumaras e os Marutas . Eis as múltiplas formas
surpreendentes, nunca antes vistas.

Ó conquistador do sono, eis que neste único lugar todo o cosmos, incluindo todos os seres móveis e imóveis, tudo dentro dessa Minha forma,
juntamente com qualquer outra coisa que você deseja ver.

No entanto, você é incapaz de perceber isso com os olhos do presente, por isso vou dar-lhe visão divina. Agora, eis meu esplendor místico!

(...) Krishna revelou a Sua forma de bocas infinitas e os olhos, adornado com muitos ornamentos divinos e levantando muitas armas celestes. Ele foi
decorado com guirlandas e roupas divinas e ungiu com fragrâncias celestiais. Ele era o mais maravilhoso, esplendoroso, ilimitado e que a tudo
permeia.

(Bhagavad Gita, Capítulo 11, versos 4 a 11) [28] (tradução nossa).

A filosofia indiana no período tardio védico começou a refletir uma mudança de atitude diante do destino e do
universo, diferentemente da atitude anterior dos arianos seminômades de fatalismo, magia e transitoriedade. A partir
de então, a visão enfatiza cada vez mais a vulnerabilidade e brevidade do indivíduo, e da importância de sua conduta
na vida com relação aos outros, surgindo conceitos como o carma (“ação”, em sânscrito), uma boa conduta a gerar
consequências no futuro e em outras formas de vida. E samsara (“perambulação”), em que nossas ações irão se
refletir nas subsequentes reencarnações, consistindo estas num ciclo incessante de renascimentos. Esses dois
conceitos talvez tenham sido incorporados pelos arianos védicos diante das mudanças sociais e políticas ao
estabelecerem-se e ordenarem-se em reinos permanentes e dinásticos, a refletirem sobre os efeitos da guerra, morte e
fragilidade da vida humana [29].
Esses acréscimos filosóficos e religiosos foram sendo adotados pela sociedade, desde os brâmanes aos shudras e
incorporados como comentários finais aos textos védicos, conhecidos como os Upanixades, ao final dos textos
védicos (por isso conhecido como vedanta, “fim dos Vedas”) entre 750 a.C. e 500 a.C. A ênfase dada no período
final dos Vedas e dos Upanixades, portanto, se voltam mais para o caminho místico do indivíduo, para a sua alma
(atma) e sua relação com a alma do universo (brahman), acreditando numa relação entre esses dois universos em
termos de conciliação e unidade, através de transmigrações e renascimentos [30].
Os Mahajanapadas e a ascensão do império mágada
Por volta de 700 a.C. ocorreram assentamentos indo-arianos na região de Ujjain, capital do reino de Avanti, a
mais de 800 km ao sul de Kurukshetra. Ao norte e a leste, houve deslocamentos para regiões de altitude com
temperaturas amenas e menos florestadas em comparação ao sul e ao leste indiano. Mas foram as terras férteis a
leste, em direção ao vale do rio Ganges e Yamuna, hoje nos estados indianos de Bihar e Uttar Pradesh, que
provaram ser irresistíveis aos povos indo-arianos. Da região do Kurukshetra no século 6 a.C., a maior migração foi
em busca de kshetra, termo que designa terras propícias ao cultivo e gado.
As terras do leste indiano forneceram também as condições para a formação de estados unificados sob comando
militar e sacerdotal, em categorias chamadas de janapadas. Algumas dessas unidades após anexações e ampliações
resultaram em mahajanapadas, ou grandes reinos. Entre esses constaram alguns com maior projeção: os reinos de
mágada (Magdha ou Magadha), Kosala, Vatsa e Avanti a disputarem entre si a supremacia. Em essência, foi essa a
história política da Índia do século 6 a.C., com a gradual predominância do reino de mágada [31]. A maior expansão
deste reino se deu na dinastia dos Haryankas (c. 600 a 413 a.C.), especificamente sob o reinado de Bimbisara (r. 542
– 492 a.C.). Com este, o reino ganhou contornos imperiais, abarcando as regiões indianas de Bihar e Bengala a leste,
além mais de Uttar Pradesh e Odisha ao longo da costa sul.
A estrutura desses estados Mahajanapadas foi, em essência, um conjunto fluido de alianças e lealdades entre
lideranças políticas. O comando central direto exercia-se apenas sobre territórios nos arredores da capital e algumas
entidades tribais adjacentes. Os reinos mais afastados e aliados tinham considerável autonomia, somente sendo
exigida lealdade em casos de guerra e atendimento a ocasionais cerimônias reais. As fronteiras imperiais
confinaram-se em grande parte a limites naturais, como rios, desertos e montanhas. Esse sistema político de alianças,
conceituado como rajamandala (“círculo de estados”) [32] por Cautília (Kautilya) [33], foi praticado em tempos
posteriores entre regentes hindus e o sistema imperial indo-britânico a partir do século 18.
O Budismo e o Jainismo
Na fase histórica entre o final do século 7 a.C. ao final do século 5 a.C., foi decisivo o desenvolvimento da
cultura indiana e regiões próximas. Foi uma fase de intensa urbanização e efervescência cultural [34]. E foi sob o
império mágada que o budismo e o jainismo foram fundados e floresceram. Nos cânones budistas em língua páli [35]
consta que Bimbisara concedeu proteção e culto à primeira destacada personalidade histórica da Índia, o príncipe
Sidarta Gautama (563 a.C. ou 480 a.C. – 483 a.C. ou 400 a.C.), o Buda (Shakyamuni), na região onde ele caminhou
e atingiu a Iluminação pelos estados de Uttar Pradesh, Bihar e na sagrada cidade de Bodh Gaya.
Os ensinamentos de Buda foram uma expressão espiritual de reforma. Nas crônicas budistas que narram sobre a
vida e as encarnações de Buda, como no Jataka [36], há vivo retrato de que Sidarta cresceu e pregou em inquietos e
florescentes ambientes urbanos ao longo do Ganges, a questionar a dominação da elite guerreira e sacerdotal (xátrias
e brâmanes). Outro grande reformista da época, talvez um contemporâneo, foi o fundador do jainismo, Mahavira
(599 a.C. – 527 a.C.), uma religião ascética que se popularizou entre os mercadores e comerciantes indianos, pois
condenava veementemente a agressão e violência contra qualquer forma de vida – desde insetos a mamíferos – algo
impeditivo para agricultores e pastoralistas.
Ambos os movimentos religiosos do século 5 a.C. caracterizaram-se como uma transição de um período
magicista e místico dos textos védicos e dos Upanixades para um novo tipo de racionalidade. O Buda centrou seu
pensamento na busca pela salvação individual a romper o ciclo de reencarnações e sofrimentos (samsaras), a atingir
a libertação (moksha).
Após a morte de Buda, um concílio de monges começou a editar o conjunto de seus ensinamentos a ser
preservado em 404 a.C. na cidade de Rajgir, no Bihar [37]. Em concílios posteriores, ocorreram cismas entre aqueles
que defenderam os ideais ascéticos da comunidade dos monges (sanga), enquanto outros defenderam um maior
envolvimento dos monges com a população leiga, alargando o conceito estrito de sanga. Este novo movimento, mais
amplo, originou depois o chamado “Grande Veículo” (Maaiana), enxergando os outros movimentos budistas como
mais restritos e ortodoxos, considerando-os como “Pequeno Veículo”, Hinayana, expressão pejorativa de referência
à escola teravada. Esse cisma foi de crucial importância para o posterior alastramento do budismo por regiões além
da Índia.
A Dinastia Máuria - auge do Império Mágada
Por volta de 320 a.C., um comandante militar local em campanha conseguiu um feito extraordinário à época.
Entrou triunfante pelos portões da capital dos mágadas, Pataliputra (atual Patna), uma das maiores e mais
fortificadas cidades indianas. Seu nome era Chandragupta. Tal evento ocorreu em momento pouco propício ao que
restava do passado mágada, pois ao oeste ocorreram desde o século 6 a.C. invasões persas aquemênidas nas regiões
do Sind e Punjab. A noroeste, sucessivas incursões gregas macedônicas, resultado do espetacular avanço de
Alexandre, o Grande (356 a.C. – 323 a.C.) sobre o Império Persa, tinha estabelecido uma dinastia local, Greco-
Báctrio (250 a.C. – 125 a.C.) sob comando de governadores macedônicos (sátrapas). Foram sucedidos por um reino
indo-grego (180 a.C. – 10 d.C.), na região da Báctria [38], que sintetizou as heranças indianas e Greco-Macedônicas
como ficou demonstrado no reinado de Menandro I (r. 155 a.C. – 130 a.C.), patrono do budismo e protagonista nos
sagrados textos Milinda Panha [39].
Chandragupta Máuria (r. 321 a.C. – 297 a.C.) ascendeu ao poder em período conturbado da ordem mágada e de
retraimento dos macedônicos no norte-noroeste indiano em Punjab (Báctria). A partir de 325 a.C. o líder indiano
avançou mais ao leste, e foi derrotando as forças do Império Mágada, em Pataliputra, e fundou a Dinastia Máuria.
Teve como mentor e professor o sábio brâmane Cautília que o aconselhou na manutenção e expansão do poder e
efetiva administração política. De acordo com textos jainistas, o Parisistaparvan, Chandragupta converteu-se ao
jainismo no final de sua vida quando abdicou do trono em favor de seu filho, Bindusara (r. 298 – 272 a.C.). Há
relatos de que realizou o rito jainista de fome até a morte (sallekhana) em Belgola, perto de Mysore (Maiçor), hoje
no estado de Karnataka [40].
Bindusara, conhecido pelos gregos como Amitrochates (do sânscrito, Amitraghata, o “destruidor de inimigos”),
empreendeu grandes campanhas militares e expansão de alianças políticas na direção sul, no planalto do Decão, a
estender o controle máuria até a região de Mysore. De acordo com relatos históricos, sua conquista chegou à “terra
entre os dois mares”, presumivelmente entre o Mar Arábico e a Baía de Bengala. No entanto, na costa leste indiana,
o reino de Calinga (hoje Orissa ou Orisha) manteve-se hostil e somente foi conquistada após longas batalhas no
reinado de seu filho, Asoka (Asoca ou Ashoka) (r. 268 – 232 a.C.), um dos mais famosos imperadores indianos [41].
A morte de Bindusara em 272 a.C. levou a uma luta pela sucessão entre seus filhos que durou quatro anos. Em
268 a.C. ascendeu ao trono Asoka. De acordo com o Asokavadana (“narrativa de Asoka”), a mãe do imperador,
Subhadrangi, era filha e descendente de brâmanes de Champa. O que lhe conferia certo status e legitimidade,
diferentemente das origens humildes e obscuras de Chandragupta Máuria. Segundo a lenda, Asoka tinha sido
enviado para acabar com uma revolta na cidade de Taxila, notável centro de estudos budistas, durante o reinado de
seu pai. A sua missão foi bem-sucedida após negociações pacíficas. Após o fato, sua fama aumentou, e ganhou o
controle como vice-rei de Ujjain, quando se casou com Devi de Vedisa em 286 a.C. (Vidisamahadevi ou Sakyani),
além de duas outras consortes [42]. Ademais, Asoka concedeu amplas doações religiosas e de caridade pelo seu reino.
Após uma vida de prazeres mundanos, período em que era chamado de Kamasoka, de acordo com Taranatha [43],
viveu uma fase de extrema crueldade que lhe valeu o nome de Candasoka. Após sua conversão ao budismo, passou
a ser conhecido como Dhamaasoka. O evento mais importante do reinado de Asoka após a sua conversão ao
budismo foi a vitória sobre o reino de Calinga em 260 a.C., ganhando o controle das rotas para o sul da Índia, tanto
por terra como por mar, expandindo e prosperando o Império Máuria (mapa).

Mapa - Império Máuria por volta de 265 a.C.

Os horrores e misérias da guerra contra Calinga causaram profundo remorso a Asoka, conforme descrito em um
dos seus éditos em pedra[44]: “150 mil pessoas foram deportadas, 100 mil foram mortos e muitos mais pereceram
posteriormente”. Conta-se que foi essa experiência que o fez converter ao budismo e a evitar qualquer forma de
violência. A conversão parece não ter sido imediato, contudo, mas após um período de autorreflexão e reclusão de
dois anos sob influência de um monge budista, Upagupta, de acordo com o Édito Bhabra [45] da região do Rajastão.
Neste também constam a sua aceitação dos ensinamentos de Buda e compromisso com a retidão e caminho
espiritual (darma) e o senso de comunidade (sanga).
Foi durante o seu reinado que ocorreu o Terceiro Concílio Budista em Pataliputra, em 250 a.C., no qual
resultaram importantes avanços de definições doutrinárias e proselitismo da escola teravada [46] para outras regiões
como o sul indiano, a ilha de Sri Lanka, ao leste em direção à Birmânia (atual Mianmar) e sudeste asiático, e envio
de missionários da escola maaiana ao norte em direção ao Tibete, Ásia Central e China [47]. Emergiram do concílio
importantes discussões dos mais ortodoxos teravadas sobre a necessidade de conter heresias e outras versões
heterodoxas do budismo.
No aspecto externo, Asoka trocou intensas relações diplomáticas com o mundo helênico, via os gregos
macedônicos do Império Selêucida (312 a.C. – 63 a.C.) na Báctria, a noroeste da Índia. Conforme consta em seu 13º
Édito, parte escrito em sânscrito, parte em aramaico e grego, o imperador indiano chegou inclusive a enviar
representantes budistas para o mundo helênico no Mediterrâneo [48]. Tudo isso demonstrou a capacidade de projeção
e diálogo internacional de Asoka na época. Segundo a tradição a Caxemira, no norte indiano, foi incorporada pelo
máurias e ali foi construída a cidade de Srinagar. O Nepal tinha relações estreitas como parte do império, e foi dito
que uma das filhas de Asoka, Charumati, tenha se casado com um príncipe das montanhas nepalesas, Devpala [49].
Conta-nos a lenda de que a grandiosa estupa budista de Boudhanath, nos arredores de Katmandu, foi engrandecida
por ordens da princesa indiana.
A leste, a influência de Asoka se estendeu até o delta do rio Ganges. Tamralipti (hoje Tamluk) foi um importante
porto na costa da baía de Bengala a partir do qual os navios zarpavam para a Birmânia (hoje Mianmar), Ceilão (hoje
Sri Lanka) e partes meridionais da Índia. Na extensão mais ocidental, o Império Máuria controlou os povos
Gandharis, Kambojas e Yonas – este último termo genérico, uma referência a muitas nações a oeste, inclusive os
indo-gregos macedônicos – como seus aliados de fronteira. No Ceilão, ao sul, as relações foram intensas e próximas,
chegando Asoka a enviar seu filho Mahendra (“conquistador do mundo” em sânscrito) e sua filha Sanghamitra para
pregar o budismo pela ilha no 3º século a.C. atendendo aos pedidos do rei cingalês Devanampiya Tissa (r. 307 a.C. –
267 a.C.) [50]. E na região meridional indiana, há referência de contatos diplomáticos amigáveis com vários reinos,
como consta no 2º Édito: Cholas, Pandias, Stiyaputras e Keralaputras.
A desintegração do império da dinastia iniciada por Chandragupta Máuria foi um processo lento e desintegrante
iniciado após a morte de Asoka em 232 a.C. Fontes como os Puranas [51], além da literatura budista e jainista não
fornecem dados consistentes sobre a decadência imperial. O único consenso, como narra os Puranas, é de que a
dinastia perdurou 137 anos. A morte de Asoka acarretou em maiores divisões do império, em partes ocidentais e
orientais. A parte oriental do Império, com sua capital em Pataliputra, passou a ser governado por Dasarata Máuria
(r. 252 a.C. – 242 a.C.), provável neto de Asoka. De acordo com os Puranas, Dasaratha reinou por oito anos.
As províncias ao oeste e ao norte, Gandara e Caxemira, foram governadas por um de seus filhos – que fora
cegado na infância pela madrasta – Kunala (r. 263 a.C. - 242 a.C. ?) e, em seguida, por Samprati (r. 224 a.C. – 215
a.C.). Este último foi, segundo algumas fontes [52] como no capítulo Theravali (ou Sthaviravali) do sagrado livro
Kalpa Sutra [53], um importante patrono e devoto do jainismo. Essa região foi posteriormente ameaçada pelos
helênicos vindos da Báctria a quem foi praticamente perdida em 180 a.C.
Kunala provavelmente deve ter morrido aproximadamente em período próximo ao de Dasarata; de modo que
Sampriti passou a governar tanto a leste como ao norte e oeste e pode ter recuperado a unidade imperial e o trono em
Pataliputra. Este evento ocorreu em 223 a.C. Após algumas décadas, no entanto, a tendência desagregadora ficou
mais uma vez evidente. O último regente da Dinastia Máuria, Briadrata (r. c. 187 a.C. – 185 a.C.), governou por
territórios bastante encolhidos desde os tempos de Asoka. Em 185 a.C., foi assassinado em um desfile militar por
seu comandante-chefe de sua guarda, pelo general Pusiamitra Sunga, que tomou então as rédeas do poder e fundou
uma nova dinastia, a Sunga [54].
As causas do declínio da dinastia dos máurias foram múltiplas. Guerras sucessivas exauriram os recursos
imperiais, como na desgastante conquista de Calinga por Asoka em 232 a.C. Outros fatores apontam o declínio
como resultado de uma sucessão de reis ineptos e fracos após Asoka. A partição do império em partes ocidentais e
orientais após Asoka fragmentou a unidade política e pulverizou a rede de lealdades imperiais. Os demais motivos
podem ter sido a inquietação de brâmanes na conversão budista de Asoka e ao jainismo de Samprati. Ou a tendência
em fase posterior da vida de Asoka e adotada por seus sucessores de promover a não-violência que resultou em
descontentamento das castas militares e alentando possíveis usurpadores ao poder.
A Dinastia dos Sungas e Kanvas – o declínio do Império Mágada
Com a queda dos máurias em 185 a.C. a história da Índia derivou para uma tendência centrífuga. Os
acontecimentos políticos se tornaram mais difusos, envolvendo uma variedade de reis, guerreiros e pessoas. O norte
da Índia viu-se apanhado num turbilhão de acontecimentos advindos da Ásia Central, uma questão sempre
permanente na sua história, pois muitos invasores nômades, habitantes das montanhas, alvejaram as riquezas dos
vales indianos. Os arianos foram os mais remotos.
Os sucessores imediatos da dinastia dos máurias do Império Mágada e nas províncias vizinhas foram, de acordo
com os Puranas, os da Dinastia Sunga (180 a.C. – 73 a.C.) considerados descendentes de uma família brâmane
pertencente ao clã Bharadvaja. Os sungas vieram da região de Ujjain, no oeste da Índia, onde eles eram funcionários
sob os máurias. O fundador da Dinastia Sunga foi Pusiamitra Sunga (r. 180 a.C. – 149 a.C.) um general do último rei
máuria Brihadratha que conseguiu usurpar o trono matando seu mestre. Ele não tomou títulos régios, mas foi durante
todo o seu reinado referido pelo simples título Senapati, ou “General”. Pusiamitra era um defensor da fé bramânica
ortodoxa e reviveu os antigos sacrifícios védicos, incluindo o sacrifício de cavalos [55].
A literatura budista o retrata como um perseguidor de budistas, destruidor dos seus mosteiros e lugares de culto
especialmente aqueles que tinham sido construídos por Asoka. Isso claramente foi um exagero, já que as evidências
arqueológicas revelam que diversos monumentos budistas no período foram renovados [56]. Apesar de praticar o
infame regicídio para subir ao poder, Pusiamitra teve seu valor histórico ao defender o Império Mágada contra as
invasões dos gregos macedônicos bactrianos a noroeste e ao restaurar seu poder e prestígio a uma extensão
considerável pelo norte da Índia.
Quando Pusiamitra morreu por volta de 149 a.C., após um reinado de 36 anos, ele foi sucedido por seu filho, o
príncipe Agnimitra (r. 149 a.C. – 141 a.C.) que havia governado as províncias meridionais durante a vida de seu pai.
Agnimitra governou por apenas oito anos. E serviu de inspiração a Calidasa [57] para a figura do herói da sua obra
Malavikagnimitram [58].
Agnimitra foi sucedido por sucessores ineptos e fracos. A exceção por ser dada à Bagabadra (r. c. 110 – 83 a.C.),
rei sunga de certa proeminência, pois foi para sua corte em 113 a.C. que o grego Heliodoro representou como
embaixador os interesses do rei bactriano Antialcidas (r. c. 115 a.C. – 95 a.C.), e não poupou admiração e elogios
aos palacianos e cortesãos. Isso não só mostra que os sungas mantiveram estreita relação com os reis gregos
bactrianos, mas também demonstra a vitalidade da cultura indiana quando Heliodoro se converteu ao hinduísmo,
conforme fica claro nos escritos na chamada Coluna de Heliodoro próximo da cidade de Bhophal [59]. Bagabadra
mostrou ser um ativo patrono das crenças de Buda, pois foi no seu reinado que a estupa de Sanchi, em Madhya
Pradesh, foi ampliada. Ao fim de sua vida, foi sucedido por Devabuti (r. 83 – 75 a.C.), que foi derrubado por seu
ministro brâmane Vasudeva que fundou a Dinastia Kanva em 75 a.C.
Os Kanvas, de acordo com os Puranas, governaram apenas por 45 anos e tiveram quatro reis sucessivos. Após
assassinar o rei dos sungas, Devabuti, Vasudeva Kanva (r. 75 – 66 a.C.) governou por nove anos para ser sucedido
por seu filho, Bumimitra (r. 66 – 52 a.C.) e depois por Naraiana (r. 52 – 40 a.C.) e Susarma (r. 40 – 28 a.C.). A
Dinastia Kanva testemunhou o declínio absoluto do Império Mágada que se desintegrou em vários mahajanapadas.
O epicentro político da Índia se deslocou mais para o noroeste onde várias dinastias estrangeiras, como entre os
gregos bactrianos, lutaram pelo controle da região. Em 28 a.C. o último rei Kanva, Susarma, foi derrotado por outro
regente, antes vassalo dos mágadas, da Dinastia Satavana da região central indiana [60]. Este fato não só sinalizou o
fim do Império Mágada após cinco séculos de eminência, mas também a ascensão de outras regiões indianas ao
centro e sul do subcontinente.
O Império Cuchana
Os cinco séculos entre o declínio dos máurias e a ascensão do império gupta em 320 d.C. tem sido
frequentemente considerado como um período obscuro e de instabilidades na história indiana, em que dinastias
diversas digladiaram-se por controles políticos efêmeros e de curta duração na região norte da Índia. Com exceção
dada ao império dos Cuchanas (30 – 375 d.C.) sob Kanishka, o Grande [61] (r. 127 – 163 d.C.) que rivalizou em
extensão com o dos romanos e partas a oeste e à Dinastia Han dos chineses ao nordeste, o período no restante da
Índia certamente faltou em grandeza e unidade imperial.
Mas essa suposta desordem, especialmente nos dois primeiros séculos d.C., foi um período de intensos contatos e
trocas comerciais e culturais, encontrando-se a Índia na encruzilhada entre partes do continente asiático com o
mundo budista e muçulmano ao norte e europeu mais ao ocidente. A resultar, como exemplo, em ambiente de
múltiplas religiosidades, crenças e sincretismos, como ficou atestado no reinado de Kanishka em Gandara [62].
O budismo, que tinha sido fomentado por regentes indianos desde Asoka, ganhou notáveis projeções
internacionais através do reino grego bactriano e depois de Cuchana na região noroeste indiana. E a partir dali,
através de estudiosos, monges e missionários, seguindo os caminhos da Rota da Seda, expandiu-se para a Ásia
Central e para as terras chinesas. Ao mesmo tempo em que houve relatos de conversão de gregos ao budismo, como
o fez o governante Menandro I (r. 165/155 a.C. – 130 a.C.), elementos culturais helênicos bactrianos foram
incorporados ao budismo maaiano, como a adaptação da figura de Hércules como uma entidade budista, um
bodisatva [63] (Vajrapani, Jingang Shou na China ou Kongo Rikishi no Japão), protetor e guarda de Buda [64]. Ao sul
da Índia e ao sudeste asiático, as ligações estabelecidas através da expansão budista provaram ser fundamentais para
o futuro curso da história asiática. Nessa vertente, a escola teravada foi determinante [65].
Mas foi na Índia mesmo que experiências sociais e culturais cruciais tomaram seus cursos. Estrangeiros e castas
inferiores na Índia começaram a enxergar o budismo como uma comunidade mais igualitária distante das barreiras
de castas do hinduísmo ortodoxo. Isso não significou um declínio do hinduísmo. Ao contrário, formas populares de
cultos hindus como ao deus asceta Xiva e a Krishna – que tinham sido figuras marginalizadas no passado ortodoxo
predominado pelos arianos e bramânicos – ganharam proeminência nos primeiros cinco séculos de nossa era [66].
A rivalidade entre o budismo adotado oficialmente por algumas autoridades desde os tempos de Asoka e o
hermetismo das castas bramânicas pelo ortodoxismo hindu fez com que cultos heterodoxos ganhassem terreno entre
a maioria da população (camponeses, trabalhadores em geral, comerciantes, mulheres entre outros) e de
comunidades de estrangeiros. De grande importância para a renovação do hinduísmo foi a promoção realizada pelos
regentes Cuchanas e sua legitimação ao identificarem-se com certas divindades do panteão hindu. Ademais, a
legitimação religiosa foi de crucial importância para regentes estrangeiros a serem aceitos pela sociedade indiana.
Assim o fez Menandro I ao se converter por volta do ano 100 a.C. após discussões com o sábio Nagasena, e suas
cinzas foram espalhadas de obedecendo aos ritos budistas [67]. Kanishka foi identificado com Mitras, divindade
zoroastriana, mas também por vezes retratados em moedas como relacionado à Xiva.
Com relação às artes do período, as realizações foram nada menos que sublimes. As esculturas e imagens
budistas de herança indo-greco-bactriana em Gandara formaram parâmetro antropomórficos para as posteriores
representações artísticas em escolas como em Matura, além das esculturas de Bamiyan e alhures na China. Matura
se tornará o epicentro de toda a arte budista indo-cuchana possibilitando a ascensão da escola Sarnath que definiu o
estilo artístico do período gupta. Vindos do oeste, as influências pérsicas foram incorporadas no período dos sungas
e resultaram em interessantes resultados em esculturas como visto na estupa de Sanchi.
No campo social, o período testemunhou a grande codificação dos costumes, valores e normas das leis hindus
(darmashastra) no Código de Manu [68] (Manu Smriti) provavelmente escrito entre os séculos 2 e 3 d.C. A
ordenação geral que permeia a obra foi fruto de sua época, de incertezas e questionamentos depois do declínio dos
máurias e sungas, a buscar fontes tradicionais de normas sociais. Todos esses elementos, de renovação popular de
cultos, de novos sincretismos e escolas artísticas e codificações de normas formaram a base social e cultural de uma
nova era indiana, a do império dos guptas (320 d.C. – 550 d.C.).
As narrativas da mitologia hindu e o florescimento cultural indiano
Procederemos a compreender como foi construída a narrativa e estrutura mitológica indiana. Foi no período
desde os Vedas até os primeiros séculos d.C. que obras e narrativas foram feitas a ordenar não somente a sociedade
e suas normas, como o Código de Manu, mas a dos deuses e outras entidades do vasto panteão hindu. Essa vastidão
se explica em boa parte por essa religião ter sido uma construção de séculos, a incorporar e ordenar diferentes
divindades do universo indiano. Há estimativas nos tempos atuais de que são aproximadamente 330 milhões de
entidades e deuses [69].
Nessa imensa estrutura, no topo, situam-se na trindade sagrada (trimurti) os deuses Brama (representa a força
criativa ativa no universo), Vixnu (a manutenção e preservação da ordem do universo) e Xiva (destruição e
renovação do universo). Brama é considerado muito distante dos anseios da humanidade e pouco cultuado, apenas
em raríssimos templos na Índia, como na vila sagrada de Pushkar no Rajastão. Vixnu e Xiva dividem os corações da
maior parte dos adeptos hindus, vixnuístas e xivaístas, respectivamente.
Vixnu (também chamado de Naraiana e Hari) é comumente retratado com pele pálida azul e segurando nos seus
quatro braços uma concha (representando os cinco elementos da criação ao soprá-la, Om), lótus, disco de energia
(suprema arma a controlar os demônios) e um cajado (força física e mental originária de todo o universo). Segundo
os Puranas, ele encarnou-se em avatares [70] através de dez personagens (dashavatara) sendo os mais conhecidos
Rama, Krishna e, segundo algumas interpretações, Buda. Assim descreve o Bhagavad Gita sobre os avatares de
Vixnu:
Em qualquer lugar e sempre que a verdade vacilar e a mentira dominar, Eu me manifestarei, ó descendente de Bárata.
Para restabelecer os princípios religiosos, para salvar os devotos e aniquilar os canalhas, Eu surjo em cada milênio.

(Bhagavad Gita, canto IV, versos 7 e 8)[71]

Segundo um dos Puranas, os dez avatares de Vixnu serviram para ordenar a sociedade humana e o cosmos,
atendendo aos seus princípios. Os avatares manifestaram-se em partes zoomórficas e antropomórficas. O primeiro
foi Matsya, em parte forma de peixe, e foi o que resgatou Manu de um dilúvio, apesar dos avisos prévios feitos.
Assim ele resgatou o ordenador das sociedades humanas da catástrofe maior da natureza.
Em segundo, Vixnu veio como Kurma, parte em forma de tartaruga. Em que foram salvas a figura da
imortalidade (Amrita), as divindades com relação às asuras (“demônios”) e a ordem cósmica ao garantir o fluxo dos
oceanos de leite do universo (kshir sagar) a representar a galáxia Via Láctea. Depois veio em parte como javali. Que
combateu e derrotou o demônio Hiranyaksha ao mergulhar nas águas e erguer a Terra das profundezas. E depois
como o leão Narasimha, que se manifestou para novamente derrotar Hiranyaksha quando testou a fé de seu filho.
Esse ciclo de quatro avatares, chamada Era da Satya Yuga (“Era da Verdade”), em o mal e a mentira eram
desconhecidos e prevaleciam o bem e a verdade. A era subsequente foi a dos homens, na Treta Yuga, em que a
ganância dos homens é maior e suas virtudes são menores, mais materialistas e menos propensos à espiritualidade.
Nessa era, primeiro veio Vixnu como Vamana, um brâmane anão, que foi derrotar o deus dos demônios, Bali, a
pedido do deus Indra, irmão mais velho de Vixnu. Vamana teve audiência com Bali que resolveu atender ao pedido
do brâmane por um pedaço de terra para viver. Ao constatar a sua reduzida estatura, Bali concedeu ao seu pedido a
ser definido em três passos dados. Mas Vixnu, na forma do anão, deu o primeiro passo do tamanho da galáxia, o
segundo abarcando o Universo e o terceiro sobre a cabeça de Bali. Segundo a tradição da época, Bali,
inteligentemente, forçou este último ato, pois a sola sobre a cabeça significa a submissão de quem coloca o pé, em
forma de autoridade, vida e posses [72].
Parashurama, um brâmane guerreiro, foi o avatar seguinte, no qual Vixnu veio vingar todos aqueles guerreiros
(xátrias) arrogantes que mataram injustamente brâmanes. O avatar seguinte foi Rama, grande e perfeito homem, com
suas façanhas descritas no épico Ramaiana [73]. Neste maior épico da mitologia indiana, uma miríade de tópicos é
abordada, incluindo a guerra, o amor, a fraternidade, a conduta ideal, amor filial entre outros. É essencialmente a
história de um governante ideal, filho, pai e homem. Uma das histórias mais dramáticas do épico retrata Rama a
obedecer lealmente aos desejos de seu pai, o rei Dasaratha, de viver 14 anos na floresta, junto com sua esposa, Sita,
e seu irmão Lakshman. Durante sua estadia na floresta, o demônio Ravana sequestra Sita. Rama vai prontamente
atrás dela, e nisso ele busca aliados na floresta e faz amizade com o rei dos macacos, Sugriva e seu devoto
Hanuman. No final, ele trava grandiosa guerra com Ravana, supostamente imperador da ilha de Lanka (Sri Lanka) e
resgata Sita para depois governar por mais mil anos. Sita, ao final de sua vida, precisa provar de que o filho dela não
é fruto com Ravana, e assim deu luz a gêmeos e foi resgatada de volta ao ventre da Terra por sua mãe, a deusa
Bhumi, provando sua suprema lealdade e pureza [74].
Em momento posterior, Vixnu encarna-se como Krishna, conforme descrito no Bhagavad Gita, além Maabárata
e nos Puranas. Krishna foi um avatar complexo e nem sempre de conduta exemplar, apresentando-se com todas as
contradições humanas. Num dos episódios mais conhecidos descritos nos textos purânicos (Bhagavata Purana)
Krishna, que era afeito aos prazeres mundanos da vida, depara-se com várias donzelas solteiras (gopis) a banharem-
se desnudas no rio Yamuna. Na ocasião, Krishna decide por roubar as roupas delas e anuncia sua presença em cima
de uma árvore, conforme narrado:
No início da manhã, as gopis costumavam ir ao rio Yamuna para tomar banho. Elas se reuniram em conjunto, segurando as mãos umas das outras, e
em voz alta cantaram hinos louvando Krishna. É um costume antigo entre meninas e mulheres que quando tomam banho no rio colocam suas vestes
sobre a margem e mergulham na água completamente nuas. A parte do rio onde as meninas e as mulheres tomam banho era estritamente proibido a
qualquer membro do sexo masculino, e este ainda é o sistema.
(...)
Quando as gopis viram Krishna que permanecia forte e determinado [em cima de uma árvore próxima com as vestes delas], viram que não tinham
alternativas a não ser obedecer Sua ordem [de sair da água e ir buscar as vestes com ele]. Uma após outra, elas saíram da água, mas porque elas
estavam completamente nuas, elas tentaram cobrir sua nudez, colocando a mão esquerda na região pubiana. Todas elas foram assim tremendo. A
atitude delas foi tão pura que o Senhor Krishna tornou-se imediatamente satisfeito [75] (tradução nossa).

Buda é considerado como avatar de Vixnu apenas entre alguns da comunidade de vixnuístas, pois muitos
desconfiam de que isso foi uma maneira de incorporar o budismo ao sistema religioso hindu [76]. E, por fim, aquele
último avatar que está por vir, Kalki, a apresentar-se em cima de um cavalo branco e com espada flamejante a
eliminar todo o mal e restaurar a ordem, darma, no universo [77].
Xiva, o deus asceta, é a terceira divindade da Tríade (trimurti) hindu. Como todas as coisas e formas de vida
estão sujeitas a deteriorar e decair, um destruidor era necessário; e a destruição é considerada como a função
peculiar de Xiva. Isso parece pouco em harmonia com a forma pela qual ele é normalmente representado. Deve-se
lembrar, porém, que, de acordo com o ensinamento do hinduísmo, a morte não é o fim, no sentido de passar para a
não-existência, mas simplesmente uma mudança para uma nova forma de vida. Aquele que destrói, portanto, faz
com que os seres venham a assumir novas fases de existência. O Destruidor é realmente um re-Criador; daí o nome
Xiva, o brilhante ou feliz, que é dado a ele, o que não teria sido o caso, se ele tivesse sido considerado como apenas
como o destruidor, no sentido comum do termo [78].
Xiva normalmente é representado com um terceiro olho na sua testa (tri netra) e nu com o cabelo preso em um
coque. No seu cabelo aparece uma lua crescente e uma caveira, a simbolizar a quinta cabeça de Brama que foi
punido por desejar a sua filha, Sandhya. Um colar de cabeças e serpentes como pulseiras atestam ao seu caráter
impiedoso e de ligação ao mundo da natureza, como Pashupati, “senhor dos animais”. Com frequência Xiva está em
postura de dança (Nataraja), com um fogo (agni, “fogo divino”) numa das mãos e na outra um tambor (damaru, “o
som da criação”) representando o ritmo da destruição criativa do universo (fig.). Ao aparecer pisando num anão
(Apasmara), representa-se a vitória sobre a ignorância. O ciclo que aparece ao seu redor, na figura, é o ciclo da vida
e morte do universo. No pedestal, abaixo do anão, há uma referência à flor de lótus, significando renascimento [79].
Fig. – Escultura em bronze de Nataraja.

A esposa de Xiva era Parvati, muitas vezes representada como seu lado mais destrutiva e terrível, Kali e Durga.
Ela é, de fato, uma reencarnação de Sati (ou Dakshayani), a filha do deus Daksha. Daksha não aprovava o
casamento de Sati e Xiva e até foi mais longe e realizou uma cerimônia de sacrifício especial a todos os deuses,
exceto a Xiva. Indignado com esta desfeita, Sati se jogou no fogo sacrificial. Xiva reagiu a esta tragédia através da
criação de dois demônios (Virabhadra e Rudrakali) de seu cabelo que causaram grandes estragos na cerimônia e
decapitou Daksha. Aos outros deuses, Xiva apelou para que acabassem de vez com a violência e, cumprindo a sua
promessa, trouxe Daksha de volta à vida, mas com a cabeça de um carneiro (ou cabra). Sati acabou por ser
reencarnada como Parvati em sua próxima vida e novamente casou-se com Xiva [80].
De com os Puranas, Xiva teve um filho com Parvati, o deus Ganesha. O menino foi na verdade criado a partir de
terra e argila para fazer companhia a ela e protegê-la, enquanto Xiva continuou suas andanças meditativas. No
entanto, Xiva voltou um dia e, encontrando o menino que guardava a sala onde Parvati foi tomar banho, perguntou
quem ele era. Não acreditando que o menino era seu filho, mas um mendigo impudente, Xiva invocou os demônios
bhutaganas que lutaram contra o menino que, eventualmente, conseguiram distraí-lo com a aparência da bela Maya
(“ilusão”). Enquanto admirava a sua estonteante, mas ilusória beleza, Maya cortou-lhe sua cabeça. No tumulto,
Parvati apressada saiu de seu banho e gritou que seu filho tinha sido morto. Percebendo seu erro, Xiva, em seguida,
enviou o pedido desesperado para fazer com que o menino fique inteiro de novo, e a única cabeça por perto era a de
um elefante. E assim Ganesha, o deus com cabeça de elefante, nasceu [81]. Outros filhos de Xiva são Skanda ou
Karttikeya, o deus da guerra e Kuvera, o deus dos tesouros.
Entre os feitos de Xiva que atestam seu caráter virtuoso e exemplar, aparecem episódios de auto-sacrifício,
quando Vasuki, o rei das serpentes, ameaçou vomitar veneno de cobra através dos mares. Xiva, assumindo a forma
de uma tartaruga gigante, recolheu o veneno na palma da mão e o bebeu. O veneno queimou sua garganta e deixou
uma cicatriz permanente azul, daí um dos seus muitos títulos se tornou Nilakanta ou “Pescoço Azul” [82].
Xiva está intimamente associado com o linga (ou lingam) - um falo ou símbolo de fertilidade ou energia divina
encontrada em templos ao deus. Após a morte de Sati, e antes de sua reencarnação, Xiva ficou de luto e foi para a
floresta Daru para viver com os sábios (rishis). No entanto, as esposas dos rishis logo começaram a se interessar por
Xiva. Movidos pelo ciúme, os rishis enviaram um grande antílope e, em seguida, um tigre enorme contra o deus que
foram rapidamente dominados e Xiva passou a vestir a pele do tigre. Os sábios então amaldiçoaram a masculinidade
de Xiva que, em consequência, cujo órgão caiu ao chão. Quando seu falo atingiu o chão, terremotos de grandes
proporções começaram e os rishis se apavoraram e clamaram por seu perdão. Isto foi concedido, mas Xiva disse-
lhes que o culto do falo como o linga simbólico deveria ser observado para toda a eternidade [83].
Uma infinidade de outras divindades e entidades recheia os contos dos épicos e dos Puranas, que por volta dos
últimos séculos antes de nossa era estavam ganhando suas versões definitivas. Além dessa literatura, um ramo
literário laico, a tratar de leis, costumes, valores e contos morais foram escritos, classificados como xastras
(shastras). Um conjunto importante de compêndios e tratados que se subdivide em aqueles que tratam das questões
morais de contos populares, Nitixastra (Neeti Shastra), como a coleção de poemas no Sumati Satakam de Baddena
Bhupaludu (1220 – 1280?) que inspirará a literatura desse gênero de outros povos como entre os persas.
O Artaxastra (Arta Shastra), como o de Cautília, trata essencialmente das questões de política e governo [84].
Outro gênero, Darmaxastra (Dharma Shastra), lida com os deveres, direitos e responsabilidades da pessoa, família e
sociedade [85]. E aquela tradição que enfatiza os prazeres, desejos sensuais e espirituais, agrupados como Kamaxastra
(Kama Shastra) – do qual deriva uma parte relacionada a conselhos sexuais, como o Kama Sutra de Vatsyayana
(século 2 d.C.) [86].
Para as questões do corpo, higiene, respiração, concentração e meditação houve a influente compilação de sutras
(coletânea de aforismos) por Patanjali (c. 400 d.C.) voltadas para a Ioga (do sânscrito yuj, “somar, juntar, unificar”)
tirando de tradições e práticas mais recuadas no tempo [87]. Entre esses escritos iogues, o Hata Ioga ganhou maior
popularidade, principalmente no Ocidente, que trata mais das posturas físicas. Mas há uma enormidade de outras
escolas, o jnana, o raja, o karma, o laya, o tântrico, o bakhti entre outros.
Em suma, tal como no Japão no período Heian (794 – 1185) ou como o fez o Venerável Beda (673 – 735)
durante a decadência do Império Romano Ocidental, foi no período de desunidade e crise política que a Índia
testemunhou um fervor social e cultural. Épicos antigos como o Maabárata, Ramaiana, o conjunto dos Puranas
foram compilados nesses tempos conturbados da Índia. Assim como os xastras (shastras) de cunho laico, ou os
escritos iogues. E o Código de Manu. Serviram de orientação, ensino, exemplo de vida e conduta, ética e filosofia
para aqueles que viveram num período de desorientação.
Os Guptas
O império gupta representou um zênite unificado da Índia, entre 320 a 550 d.C. No período, ficaram conhecidas
as notáveis realizações nas artes, arquitetura, ciência, religião e filosofia indiana. E foram sintetizadas e amplificadas
as criações culturais do período anterior. Foi no reinado de Chandragupta I (r. 320 – 335) que os guptas
consolidaram sua mais ampla dominação sobre grande parte da Índia, algo inexistente desde a queda dos máurias.
Ademais, houve um período sustentado de prosperidade durante dois séculos e meio que veio depois a ser
considerado na história indiana como a “Idade de Ouro”.
Ainda permanecem obscuras as origens da Dinastia Gupta. Escritos de monges budistas consistem na fonte mais
recorrida sobre isso, como os diários de viagem dos monges chineses Faxian (337 – 422), Xuazang (602 – 664) e I
Tsing (635 – 713), valiosos e únicos a respeito. O primeiro governante (adiraja) que é narrado da dinastia remete a
Sri-Gupta (c. 240 – 280) que aparentemente governou, tal como os máurias, a partir de Pataliputra e partes da região
de Bengala mais a leste. Sri-Gupta foi sucedido no trono por seu filho Gatotkacha (c. 280 – 319) [88].
Mas foi a partir do governo de Chandragupta I (r. 305 – 335) que o domínio dos guptas ganhou maior extensão.
E isso foi em parte resultado de anos de alianças e casamentos com poderosas famílias e clãs a assegurar uma
dominação maior no norte indiano. A cavalaria ligeira, assim como uma disciplinada infantaria garantiram
campanhas bem sucedidas dos guptas em campos de batalha. No campo político, um dos maiores feitos políticos
iniciais de Chandragupta I foi seu casamento com a princesa Kumadevi do reino Licchiavi [89], no atual estado de
Bihar e partes do Nepal, região onde viveu Sidarta (Buda). Com isso, o estadista gupta garantiu uma ampla base
territorial com abundantes minas de minério de ferro, a fornecer material para a metalurgia, para a confecção de
armas e uma valiosa mercadoria para o comércio.
Quem sucedeu Chandragupta foi seu filho, Samudragupta (r. c. 335 – c. 380), um gênio militar que expandiu as
fronteiras do império Gupta. Além de consolidar a dominação no norte indiano, Samudragupta avançou e incorporou
as terras mais meridionais ao sul dos Montes Víndias. Alguns estimam que os Guptas nesse período estenderam-se
desde os Himalaias ao norte, até os rios Krishna e Godaveri ao sul, de Balkh no Afeganistão a oeste até o rio
Brahmaputra na região de Assam no leste (mapa).
Mapa - Império Gupta sob Chandragupta II e extensões feitas por Samudragupta, século 4-5 d.C..

O testamento mais eloquente dos feitos de Samudragupta é a grande quantidade de moedas de ouro achadas com
sua figura e uma inscrição presente numa coluna antes erguida por Asoka em Allahabad. Neste, constam as
qualidades do regente (prashasti, espécie de elogio) que promoveu a convivência entre as diversas crenças no seu
império [90]. Como exemplo, concedeu ao rei do Ceilão (hoje Sri Lanka), Sri-Meghavanna [91] (304 - 332), permissão
para a construção do imponente mosteiro budista na cidade de Bodh Gaya, em Bihar, onde Buda atingiu a
Iluminação.
No aspecto político, Samudragupta seguiu cuidadosamente os conselhos de Cautília e assegurou alianças e
lealdades com regentes locais, como recomenda os deveres de um rei (rajdarma) no Artaxastra. Como filantropo,
doou grandes valores de dinheiro e promoveu de acordo com sua paixão, as artes, a educação, a poesia e a música.
Chandragupta II (380 – 413), após uma breve luta sucessória pelo poder, subiu ao trono após desbancar seu
irmão mais velho, Ramagupta. Assim nos é contado nos fragmentos achados da obra perdida Devichandragupta de
Visakhadatta (séculos 4 a 5 d.C.) [92]. Também em versões diferentes como no Harshacharita (“Vida de Harsha”) de
Banabhatta (século 7 d.C.). Nesta última, o escritor conta-nos de que Ramagupta manteve apaixonado interesse por
uma rainha, Dhruvadevi, que acabou desistindo de sua mão para seu adversário político e concorrente amoroso, o rei
de Matura [93]. Somente após esses eventos dramáticos que o irmão mais novo de Ramagupta, Chandragupta II, com
seus aliados mais próximos, foi ao encontro do inimigo, resgatou Dhruvadevi e assassinou o regente rival.
Eventualmente, Ramagupta foi morto por seu irmão mais novo que se casou com Dhruvadevi tempos depois. Mas
essa versão pode ter suas dúvidas, pois as evidências de Ramagupta não aparecem em inscrições nem em moedas do
período [94].
Seguindo os feitos imperiais de seu pai, Chandragupta II foi um governante tolerante, capaz e administrador
qualificado. Chegou a expandir seu reino a oeste para a costa do Mar Arábico. Sua coragem e audácia lhe renderam
o título de Vikramaditya [95] (“Bravo como o Sol”). Para melhor governar a vastidão do império expandido de forma
mais eficiente, Chandragupta II fundou sua segunda capital em Ujjain. Ele também teve o cuidado de reforçar sua
frota marítima. Os portos de Tamralipta e Sopara consequentemente tornaram-se centros movimentados de comércio
[96]
. Ele foi um grande patrono da arte e da cultura também. Alguns dos maiores estudiosos do dia, incluindo os
chamados Navaratna (“Nove Gemas”) enfeitaram sua corte [97]. Numerosas instituições de caridade, orfanatos e
hospitais beneficiaram-se de sua generosidade. E locais de repouso para os viajantes foram criadas ao longo das
estradas.
Em termos políticos e administrativos, o império gupta foi dividido em províncias, pradesh, nome até os dias
atuais usados na Índia – como em Uttar Pradesh, Madhya Pradesh, Andhra Pradesh, Arunachal Pradesh – e foram
nomeados a partir da capital (visando assim maior centralidade e disciplina administrativa) chefes administrativos
para cada província. Em regiões mais meridionais, pela grande distância da capital, houve prudência ao delegar a
autoridade aos regentes originais após as campanhas vitoriosas, assim como o fez Samudragupta, exigindo apenas
certa parcela da cobrança de impostos.
No aspecto jurídico, na área penal, as penas foram mais brandas e a tortura banida [98]. As pessoas podiam
circular entre bairros e cidades livremente, a lei e a ordem prevaleceram sobre os furtos e roubos. Assim constatou
um dos primeiros dos peregrinos budistas chineses a escrever sobre os costumes indianos, Faxian (Fa-Hien ou Fah-
Hian) (337 – c. 422). As condições sociais e econômicas da população em geral foram descritas como satisfatórias e
seguras pelo chinês. Muitos optaram pelo vegetarianismo e evitaram as bebidas alcoólicas. Assim segue Faxian
sobre a condição da população à época de Chandragupta II na cidade de Matura:
As pessoas são prósperas e contentes, livres de qualquer imposto ou restrições oficiais. Apenas aqueles que trabalham na terra do rei pagam um
imposto, e eles são livres para ir ou ficar como desejam. Os reis governam sem recorrer à pena capital, mas os infratores são multados pouco ou
muito de acordo com a natureza do seu crime. Mesmo aqueles que conspiram alta traição só têm a mão direita cortada. Todos os serventes do rei
recebem emolumentos e pensões. As pessoas neste país não matam seres vivos, não bebem vinho, e não comem cebola ou alho. A única exceção a
isso são os chandalas, que são conhecidos como "homens maus" e são separados dos outros. Quando eles entram em cidades ou mercados, alardem
com um pedaço de madeira para anunciar sua presença, para que os outros possam saber que eles estão chegando a evitá-los (tradução nossa)[99].

As moedas de ouro e prata foram emitidas em grande número, um indicativo geral da vitalidade da economia
gupta. O comércio floresceu tanto dentro do reino e quanto fora. Algodão, especiarias, pedras preciosas, pérolas,
metais preciosos foram exportados por via marítima. As relações comerciais com Oriente Médio, África e Extremo
Oriente foram notáveis. Da África vinham marfim e cascas de tartaruga. Seda e plantas medicinais da China e do
Extremo Oriente. No mercado interno, alimentos, grãos, especiarias, sal, pedras e barras de ouro constituíram os
produtos mais negociados [100].
O período gupta mostrou-se tolerante diante da diversidade religiosa nos primeiros séculos de nossa era. Os
regentes e brâmanes dominantes eram em geral devotos vixnuístas, que adoram a Vixnu. O que não os impediu de
serem tolerantes com os outros crentes hinduístas, budistas e jainistas. Os mosteiros budistas receberam doações
generosas, como constatou outro cronista chinês budista à época, Yijing [101], assim como a construção e manutenção
de casas de repouso a monges e peregrinos budistas. Nalanda, no atual estado de Bihar, foi local proeminente de
estudo e educação budista na era gupta. O jainismo floresceu em várias regiões indianas, como demonstra as
cavernas em Udayagiri em Orissa, e as inúmeras estátuas de tirthankaras [102] em Bengala, Gorakhpur, e Gujarate.
No campo artístico, o sânscrito alcançou status de lingua franca e estabeleceu-se como a norma culta da corte e
das artes. Foi nessa língua que Calidasa escreveu os épicos Abhijnanasakuntalam (“O Reconhecimento de
Sakuntala”), Meghaduta (“O Mensageiro das Nuvens”), Raghuvansha (“As Façanhas de Raghu”) e Kumarsambhaba
(“O Nascimento de Kumara”). Harisena, outro poeta de renome, panegírico e flautista, compôs no pilar em
Allahabad os grandes feitos de Samudragupta, por volta de 345. Sudraka escreveu três obras consideradas seminais
para o teatro indiano: Vinavasavadatta, o monólogo Padmaprabhritaka e a sua mais famosa peça, Mrichchhakatika
(“Pequeno Carrinho de Argila”). Vishnu Sarma escreveu as famosas fábulas indianas, Panchatantra (“Os Cinco
Princípios”), que influenciaram outras literaturas depois de traduzidas como no persa (na obra “Kelileh o Demneh”)
e árabe (em “Kalila wa dimna”)[103].
As obras literárias e científicas foram publicadas tanto em sânscrito, em páli e também em forma mais corrente,
o prácrito. Varahamihira (505 -587) escreveu a obra enciclopédica Brihat-Samhita que abrangeu os campos da
astrologia, órbitas planetárias, eclipses, chuvas, nuvens, arquitetura, crescimento das plantações, fabricação de
perfume, matrimônio, relações domésticas, pedras preciosas, pérolas e rituais. O gênio matemático e astrônomo
Ariabata (476 – 550) escreveu o seu magnum opus Aria Batiia, abrangendo aspectos da geometria, trigonometria e
cosmologia, chegando inclusive a sugerir o modelo heliocêntrico cerca de mil antes de Copérnico [104]. E as inúmeras
publicações de medicina indiana ayuvérdica (ou aiuvérdica) refinaram as práticas cirúrgicas e inoculação contra
doenças contagiosas.
Os melhores exemplos da pintura, escultura e arquitetura dos guptas podem ser encontrados em Ajanta, Ellora,
Sarnate, Matura na Índia, e Anuradhapura e Sigiriya no Sri Lanka. Floresceu nos templos o uso da música vocal,
instrumentos musicais como a flauta e mridangam (espécie de tambor), símbolos de devoção. Em suma, as
realizações artísticas e filosóficas no período foram profundas e férteis. Artistas e literatos foram encorajados a
meditar sobre a capacidade humana conjugada com a divina e capturar sua essência em suas criações. Como foi
sugerido em um dos Puranas, no Agni Purana, "ó Senhor de todos os deuses, ensina-me em sonhos como realizar
todo o trabalho que tenho em minha mente” [105].
Cumaragupta I (c. 415 – 455) sucedeu a morte de seu pai, Chandragupta II e governou o império gupta, manteve
a ordem e paz [106] e chegou a afastar ameaças de uma tribo chamada de Pusiamitra – não confundir com Pusiamitra
Sunga. Foi sucedido por seu filho, Scandagupta (r. c. 455 – c. 467), últimos dos regentes soberanos dos guptas. Este
conseguiu repelir as invasões dos hunos brancos (ou heftalitas), foi um estudioso e realizou grandes obras de
construção e manutenção de barragens como no lago Sudarshan em Gujarate. Mas esses foram os últimos dias de
glória do império gupta.
Após a morte de Scandagupta a dinastia se envolveu com conflitos internos. E iniciou-se o gradual declínio do
império dos guptas. Os governantes não tinham mais as capacidades de estadistas dos regentes anteriores para
manter a coesão e a ordem política interna. Os hunos brancos (heftalitas) e outros estrangeiros fustigaram as
fronteiras, colocando em xeque a prosperidade econômica do império. Ademais, os reis guptas posteriores
mantiveram-se mais ocupados em autoindulgências do que a administrar os desafios políticos prementes. Após a
derrota e captura do líder heftalita Mihirakula (r. 502 – 530), durante a regência gupta de Narasimagupta Baladitya
(r. c. 510 – 550), os hunos brancos voltaram a assombrar o império para, finalmente, dar os golpes fulminantes
aproximadamente no ano de 550.
As seguintes linhas da obra Mricchakatika (“Pequeno Carrinho de Argila”) de Sudraka apropriadamente resume
a ascensão e queda dos guptas:
O destino brinca com nós como baldes num poço,
Onde é preenchido um, e noutro uma concha vazia,
Onde um ascende, outro descende;
E mostra como a vida é feita de mudanças – um momento, céu, outro momento, inferno.
(tradução nossa) [107].

Literatura Sangam
Na Índia meridional, ao sul dos Montes Víndias e atravessando o planalto do Decão, a história guarda um
percurso diferente. Nos dois últimos milênios antes de nossa era, as influências do norte indiano chegaram através
do nordeste e planalto ocidental (Gates Ocidentais) que gerou ao longo das gerações culturas e línguas próprias,
dravidianas, com características únicas [108].
A cultura védica chegou às terras meridionais indianas através de uma complexa dinâmica cultural. Os textos
védicos e purânicos chegaram ao sul talvez antes do reino de Asoka [109] como também línguas que depois se
popularizaram na escrita páli e prácrito com a chegada de hinduístas, budistas e jainistas. A transmissão do norte
indiano para o sul se deu muito em parte por brâmanes que hinduizaram e propagaram ideologicamente sobre
sociedades locais, muitos de sociedade tribais de regiões ermas, a serem considerados e incorporados como párias
ou intocáveis no sistema de castas hindus (varnas). Nesse intento, os brâmanes se consolidaram aliando-se a
regentes guerreiros locais e ordenando os valores e a sociedade, seguindo o épico Maabárata que preceita delegar
tribos das florestas, mangues e desertos a desempenhar funções indesejáveis como cavar poços, providenciar água e
comida.
Mas essa influência não foi somente unilateral, a imposição da cultura védica e do sânscrito sobre o sul da Índia
[110]
. Houve no sul uma efervescência literária, reunidas e compiladas na chamada Literatura Sangam [111], que reúne
escritos a respeito da história, religião, cultura, sociedade indiana, além de ensinamentos morais, valores e casos de
aventura, amor e morte. A Literatura Sangam é essencialmente secular e foram escritas na língua tâmil. Alguns de
seus autores, como Thiruvalluvar (c. século 3 a.C. a c. século 1 d.C.), na sua obra Thirukkural escreveu
extensamente sobre a ética e várias questões da vida como a riqueza, virtudes e amor. O poeta tâmil Mamulanar (c.
séculos 2 ou 3 d.C.), por sua vez, interpretou os incidentes históricos e militares na Índia [112].
Segundo o Tolkappiyam [113], os poemas Sangam dividem os aspectos humanos em duas categorias: o campo
interno (agam ou akam), e o campo externo (puram). Os temas do campo interno referem-se aos aspectos do amor,
paixão, sentimentos e desejos e são tratados de forma metafórica e abstrata. Os do campo exterior discutem as
experiências humanas como o heroísmo, valentia, ética, benevolência, filantropia, vida social e costumes [114]. Essa
divisão em agam e puram não é rígida, mas depende da interpretação no contexto específico.
Essas emoções assim definidas correspondem em parte às paisagens (thinai) classificadas de acordo com a
literatura Sangam [115]. As emoções ligadas à poesia, de cunho interiorano, agam, correspondem às paisagens de
regiões montanhosas (kutinji), florestas (mullai), terras agrícolas (marutham), regiões costeiras (neithal) e desertos
(paalai). Além dessas paisagens vinculadas, há sentimentos conturbados sem correspondência geográfica, o
perunthinai e kaikkilai, casos de amor não correspondido e inadequado, respectivamente.
Eis um exemplo de poema thinai, compostas em tâmil, com referências aos lacerantes sentimentos de agonia,
espera e separação, da esfera agam, e a íntima relação desses sentimentos de uma amante com a paisagem, cores,
clima invernal, flora e fauna montanhosa, kutinji:
Brotos de feijão preto
estão rosas e frescos,
como pés emaranhados
de codornas de briga,
largados na haste
além de seu tempo.
As vagens maduras
são arrebatadas
por furiosas manadas de veados!

É início de inverno já;


agonia desta temporada,
insuportável;
e há apenas uma cura para isso:
ser envolvido
mais uma vez
nos braços fortes
e o peito largo
do meu homem.
(tradução nossa) [116]

As condições geográficas forneceram, no sul da Índia, excepcional fertilidade ao longo do vales de rios, como o
Godaveri e Krishna, que fluem das regiões planálticas para as regiões costeiras, e determinou a ascensão e poderio
dos reinos locais. Com isso, a propensão e abertura aos mares foram evidentes e predispôs esses reinos ao contato e
comércio internacional. No interior, contudo, pelas vias terrestres, os planaltos e florestas contribuíram para um
maior isolamento de unidades políticas uma das outras.
Os vales dos grandes rios foram aquelas que propiciaram condições para grandes contingentes populacionais
decorrentes do sistemático cultivo de arroz por canais de irrigação, represas e poços de água, obras a serem
coordenadas por autoridades centrais. Eram esses os locais de artesãos e agricultores, de acordo com a literatura
Sangam. As regiões das montanhas (kurinji) eram habitat de pastoralistas. Os das florestas (mullai), caçadores e
coletores. Nos desertos (paalai), o local era de bandidos e assaltantes a ser evitado por viajantes. As regiões
costeiras (neytal), por sua vez, seriam a de pescadores e comerciantes marítimos, a viver da pesca, sal e comércio.
Os contatos com o meio internacional marítimo levaram os produtos e a cultura indiana para os grandes centros
urbanos e portos do Oceano Índico. Há relatos, por exemplo, de Salomão, na Bíblia (Reis, 10:22) [117], das riquezas
das terras indianas: ouro, prata, marfim, macacos e pavões. O grego Megástenes relata na sua obra Indica [118] a
prosperidade dos pandias a comerciar pérolas no quarto século a.C. O Artaxastra de Cautília nos conta sobre o
vibrante comércio de conchas, diamantes, pérolas, pedras preciosas e ouro [119]. Essa prosperidade resultou em
crescimento de alguns reinos meridionais costeiros sobre outras unidades menores da região.
O reinos de Calinga e de Satavana
Por volta do segundo ou primeiro século antes de nossa era, a atual região indiana de Orissa, à época o reino de
Calinga (mapa), foi conquistada por Karavela (c. séculos 2 e 1 a.C.), da Dinastia Mahamegavana (c. 250 a.C. –
século 5 d.C.), após a queda da dinastia dos máurias. Karavela deixou registros de seus feitos como consta em
prácrito na inscrição Hathigumpha (“Caverna do Elefante”) em Udayagiri, datado por volta de 150 antes de nossa
era, no décimo terceiro ano de seu governo [120]. Na inscrição ele se denomina “Supremo Senhor de Calinga”
(Kalinga Adhipati), sendo provável descendente da Dinastia Chedi (c. 600 a.C. – 300 a.C.) que havia migrado do
leste de Madhya Pradesh para Calinga, a sudeste. Ele também se refere como marajá (maharaja, “grande rei”), título
que o indica como sucessor das dinastias antes reinantes na região, dos Nandas e máurias [121].

Mapa - Reino de Calinga, em 265 a.C.


Acredita-se que Karavela tenha sido um jainista e defensor do princípio da não-violência (ahimsa). Mas isso não
o impediu de liderar campanhas bem sucedidas em regiões distantes ao norte, para além do reino mágada [122] e
chegando a ameaçar a presença dos indo-greco-bactrianos (chamados de yavanas) a noroeste. Ao sul, Karavela
defendeu uma ampla aliança em forma de confederação de regentes dravidianos (tamiradeha sanghata).
A prosperidade do reino de Karavela era tamanha que houve abolição de impostos para a grande maioria de seus
súditos, a partir de seu sexto ano de governo, entre os habitantes das cidades (paura) e do interior (janapada).
Karavela incentivou as festividades ao ar livre [123], as artes da dança, música, e uso de instrumentos musicais
(tauryatrika) que tinham sido proibidos durante a Dinastia máuria anterior. Nesse sentido, Karavela revitalizou o
senso de orgulho do reino de Calinga que tinha sido devastado pelas campanhas de Asoka em 260 a.C. [124].
A unidade política do reino de Calinga parece ter desintegrado após a morte de Karavela. Seu filho e sucessor,
Kudepasiri, de acordo com a inscrição Mancapuri na caverna de Udayagiri, nos legou relatos sem maior
importância. Ainda que à época, Megástenes, de acordo com o que narra Plínio, o Velho (23 – 79) em Naturalis
Historia [125], descreveu em termos grandiosos sobre a população da capital Calinga, que ele denomina de Parthalis.
Outra dinastia, Satavana (mapa), parece ter tido mais continuidade do que o da dinastia de Karavela. Os Puranas
relatam que esse reino durou 460 anos, mas pouco é conhecido de suas origens. O pouco que é revelado nos textos
purânicos e em inscrições na cordilheira dos Gates Ocidentais, em Nanaghat, é de que descendem de Simuka [126] (c.
30 a.C. – c. 7 a.C.) que pertencia a uma nação da região central indiana, os Andhras. E de que Simuka depois foi
sucedido por seu irmão, Krishna (ou Kanha), que foi depois sucedido por seu filho, Satakarni [127]. Mas essa
sucessão, aparentemente, vai de encontro com o que consta nas inscrições na caverna de Nanagath, o que faz com
que a linhagem inicial não seja livre de controvérsias a partir disso.

Mapa - Reino de Satavana, em 125 d.C.

Foi Satakarni I (c. primeiro século a.C.) o primeiro grande rei dessa dinastia, mencionado nas inscrições de
Hathigumpha relacionados ao rei Karavela. Parece que esse rei lutou e expandiu rumo ao leste pelo rio Godaveri, e
empreendeu campanhas a oeste contra Malwa, Anupa e Vidarbha, aproveitando o enfraquecimento causado na
região pelas invasões indo-gregas vindas do norte indiano. E também avançou ao sul do Godaveri. Obedeceu aos
ritos védicos de sacrifícios, favoreceu e patrocinou os brâmanes [128].
No primeiro século de nossa era, os satavanas sofreram uma série de invasões de povos Sakas, mas a ordem foi
restaurada por Gautamiputra Satakarni (c. segundo século d.C.). Seu reino não somente restaurou os territórios
perdidos mas estendeu a dominação ao norte, para o Rajastão atual, ao sul na região do vale do rio Krishna, até o
Saurashtra no Gujarate a oeste e Calinga a leste. Assumiu os títulos imperiais de raja-raja (“Rei dos Reis”), marajá e
senhor do Víndia [129].
Foi sucedido por seu filho, Vashishtiputra Satakarni (ou Sri Pulumavi) (c. século 2 d.C.) que foi referido por
Ptolomeu como Sri Polemaios. Durante esse período, os satavanas buscaram a prosperidade e vincular regiões
costeiras ligadas ao comércio marítimo internacional. Sri Yajna Satakarni foi o último regente da linha dinástica
satavana. De acordo com Shailendra Sen [130], reinou de 170 a 199. As moedas do seu governo aparecem com
imagens de navios, sugerindo a prosperidade advinda do comércio marítimo e poderio naval.
No campo cultural, foi durante a Dinastia Satavana que foram escritas em prácrito marashtri - antecessor da
língua marata - a antologia Gaha Sattasi, obra composta de refinados poemas que refletem sobre a complexidade do
amor. Por tradição, atribuiu-se como autor da obra o rei satavana Hala (r. c. 20 – 24). Alguns trechos da obra nos
mostram a sua força poética, como quando um marido, de maneira carinhosa, compara o rosto de sua esposa com o
esplendor da lua e a vivacidade das cores de um crustáceo:
O marido alegra-se da face da dona da casa, enquanto sua mão, suja de fuligem da cozinha, vai para o rosto; a isso se assemelha a lua manchada.
(...)
Esta lua se reflete nos seus olhos de gazela, e marcada na sua bochecha ficam as marcas de dentes ainda úmidos [manilama, espécie de beijo
chamado de “guirlanda de joias”] como um mexilhão com o interior escarlate [131]
(tradução nossa).

A partir do terceiro século de nossa era, o poder dos satavanas começou a declinar. Líderes locais antes aliados e
submetidos pelo poder central satavana começaram a almejar mais autonomia que resultou em desagregação
imperial. Ao norte, os domínios passaram a ser dominados pelos Vakatakas (c. 250 – c. 500) [132]. A região mais
oriental, ao longo do vale do Krishna e Godaveri, foi ocupada pela Dinastia Ikshvaku, que reforçaram a ligação com
os brâmanes hinduístas locais, além de promoverem os interesses budistas por estes apresentarem ligações políticas
e comerciais mais ampliadas pelas terras indianas e comércio internacional. Os ex-feudatários dos satavanas, os
pallavas, a partir do século quatro d.C., começaram a dominar a próspera região dos deltas do rio Krishna e do
Godaveri [133].

Índia e Sul da Ásia (Dos Pandias aos Chalukyas – Século 5 a.C. – Século 10 d.C.)
Até por volta do ano 500 d.C., os grandes impérios na Índia se concentraram no norte do país. Após o período
imperial dos máurias e dos guptas, os fragmentos históricos nos retratam um quadro de desunião política e
fragmentação cultural. Mas isso não se depreende que a história indiana seja menos fascinante. Os poderios
regionais que ascenderam pela Índia propiciaram o surgimento de ricas expressões linguísticas e culturais, tendo
como emblema a corte artística tâmil da academia Sangam em Madurai do século 13 [134].
O Tamilakam – Os impérios Pandia, Chola e Chera no sul da Índia
Por um período de aproximadamente 300 anos a partir do século 6 d.C., a história do sul da Índia é praticamente
de conflitos entre três reinos a sobreporem uns aos outros, como considerou Sasrti [135]. Esses três estados da Índia
meridional são os dos cholas, pandias e cheras – inseridos na região dos tâmeis, o Tamilakam (mapa) [136] – e já são
mencionados nas inscrições de Asoka do século no pilar de Vaishali do século três a.C.

Mapa - Reinos dos cholas, pandias e cheras no sul da Índia.

Essas nações não foram incorporadas ao reino de Asoka diretamente, mas foram aliadas e amigavelmente
tratadas, inclusive em termos comerciais como na importação de produtos medicinais. Asoka também cuidou de
mandar missionários ao sul para o ensino do darma e os ensinamentos essenciais do budismo que indica o interesse
e a demanda cultural dessas nações indianas na época [137]. A famosa inscrição Hathigumpha, “Caverna do Elefante”,
de Karavela (século dois a.C.) menciona uma confederação de estados tâmeis – satyaputra, possivelmente
“Irmandade da Verdade” [138] – que tinha 113 anos à época e que era fonte de ameaça ao reino Calinga.
Demonstrando assim a capacidade dos tâmeis em se reunirem em comum contra um reino externo [139]. O poeta
tâmil, Mamulanar (séculos 2 ou 3 d.C.) nos informou que houve uma grande e custosa expedição militar do reino de
Moriar (i.e. dos máurias, durante o reinado de Chandragupta Máuria e Bindusara) contra forças tâmeis mais ao sul
[140]
.
Os Pandias
O reino pandia foi um dos três reinos antigos do Tamilakam e suas origens recuam desde tempos pré-históricos e
até fins do século 15. Inicialmente, sua capital era em Korkai, num dos portos mais meridionais da península indiana
que, com o tempo, mudou-se para a “Atenas do Oriente”, Madurai.
Os pandias viveram seu auge no século 13, quando expandiram o reino para o norte, para a região dos telugos e
invadiu a ilha de Sri Lanka ao sul, conquistando a sua parte setentrional. Seus laços comerciais eram extensos e
internacionais, prosperam com as rotas marítimas com o sudeste asiático e comerciaram pérolas nos mares e
mercados do Oceano Índico. A literatura Sangam, segundo a tradição, foi em grande parte patrocinada pelos pandias
e alguns de seus maiores escritores também foram regentes.
A literatura Sangam, bem como fontes gregas e romanas nesse período são as fontes mais abundantes a respeitos
dos pandias. Sangam refere-se às academias estabelecidas em Madurai por regentes que patrocinaram os trabalhos
de escritores e poetas, resultando em grande atividade literária e cultural desde 500 a.C. a 500 d.C., sendo o segundo
século d.C. o período mais profícuo. Nesta, a gramática tâmil foi firmada na obra clássica, Tolkappiyam, e o grande
épico tâmil, Shilappatikaram, composto por volta dos séculos 5 e 6 d.C.[141]
Entre as fontes estrangeiras, consta a famosa obra “Périplo do Mar Eritreu” (c. 60 – 100 d.C.) que descreveu as
riquezas e a próspera atividade comercial de um reino pandia unido [142]. O cronista chinês Yu Huan em seu texto
Weilue (“Breve História de Wei”) (239 - 265) destaca do reino de Panyue (Pandia):
O reino de Panyue também é chamado Hanyuewang. Localiza-se vários milhares de li [cada unidade, por volta de 415 metros] ao sudeste de Tianzhu
(norte da Índia), e está em contato com o circuito Yi [no moderno sul de Yunnan, estado no sudoeste chinês]. Os habitantes são pequenos; da mesma
estatura que os chineses. Os comerciantes de Shu (na parte ocidental do estado chinês de Sichuan) viajam tão longe até este reino. A rota do sul
[empreendidas por estes comerciantes], depois de atingir seu ponto mais ocidental, se direciona ao sudeste até que ele atinja o seu destino [143]
(tradução nossa).

O imperador romano Juliano (r. 361 – 363) chegou a receber um emissário dos pandias no ano de 361. E um
pujante centro comercial romano existiu na costa pandia, na foz do rio Vaigai, a sudeste de Madurai. Além de Roma,
houve contatos comerciais duradouros com o Egito ptolomaico e com a China no terceiro século d.C. De acordo
com Estrabão, um embaixador pandia do rei “Pandion ou (...) Porus” foi enviado a Augusto César, conforme
mencionado pelo historiador grego Nicolaus de Damasco [144].
Nas crônicas Sangam, vários reis pandias são mencionados, entre eles Nedunjelivan (“O Vencedor de
Talaiyalanganam”), Nedunjelivan (“O Conquistador do Exército Ariano”) e Mudukudimi Peruvaludi (“O de Vários
Sacrifícios”). É somente a partir dessas fontes, em forma de cólofons [145], que reunimos os nomes e a sucessão de
reis e chefes pandias, e os escritores e poetas nas cortes.
Sobre a genealogia dos seus governantes, embora haja muitas referências ao reino pandia nos textos antigos, não
há maneira consensual de determinar a sucessão de seus reis. Os nomes dos primeiros governantes dificilmente
podem ser confirmados, mas os historiadores construíram uma história cronológica dos pandias desde a queda do
reino dos Kalabhras [146] até o seu declínio quando foram dominados e influenciados pelo reino dos cholas, a partir
do século 10 d.C. [147].
O império pandia, contudo, ainda conhecerá um reavivamento político e cultural intenso, após as vitoriosas
batalhas contra os seus rivais cholas. O auge se deu sob a regência de Sadayavarman Sundara Pandyan I (r. 1251 –
1268 ). Este governante é lembrado, além do expressivo crescimento econômico e comercial do seu reino, por seu
generoso patrocínio das artes e da arquitetura dravidiana, com especial destaque à reforma e decoração de kovils [148]
na região tâmil na Índia. O maior esplendor, de fato, se deu com a construção do famoso templo de Meenakshi (fig.)
em Madurai, local onde cerimônias e casamentos reais se davam. O patrocínio e apoio aos estudos e artes na cidade
real atraíram grandes artistas e estudiosos da época, ainda hoje considerada como a capital cultural de Tamil Nadu.
Fig. – O imponente complexo de templos de Meenakshi em Madurai, Tamil Nadu. Uma das joias da arquitetura dravidiana.

Com a morte de Maravarman Kulasekara Pandyan I (r. c. 1268 – c. 1308), conflitos decorrentes de disputas
sucessórias surgiram entre os seus filhos. Jatavarman Sundara Pandyan III, filho mais novo e herdeiro legítimo, e
Jatavarman Veera Pandyan II, filho mais velho e ilegítimo favorecido pelo rei, lutaram entre si pelo trono,
acarretando em uma longa guerra civil de 1308 a 1323 [149]. Nesse processo, Madurai caiu nas mãos de novos
exércitos invasores vindos do norte, muçulmanos da cidade de Delhi a partir dos saques feitos em 1311 por Malik
Kafur [150]. A partir de então, os pandias não mais conseguiram se reerguer de maneira soberana [151].
Os Cholas
As origens dos cholas remetem às inscrições de Asoka no século 3 a.C. E continuamente foram incorporando e
se aliando aos reinos adjacentes na região meridional da Índia até o seu auge no século 13, época que dominou boa
parte da Índia meridional ao longo da costa oriental, e influenciou o poder na ilha de Sri Lanka e nas Maldivas, além
de ter consolidado as rotas marítimas para o Império Srivijaya, atual Indonésia.
Os cholas eram tradicionalmente tributários dos pallavas e pandias até meados do século 9, quando a guerra entre
esses dois últimos reinos meridionais indianos ofereceu uma chance de autonomia chola. Assim o rei chola
Vijayalaya (r. c. 850 – 870) renunciou ao seu papel feudatário sob os pallavas e capturou a cidade de Tanjavur (atual
Tanjore), tornando-a sua capital [152].
O filho de Vijayalaya, Aditya I (r. c. 870 – 907) procedeu nas suas ambições, ao derrotar o reino dos pandias em
885 e novamente o reino dos pallavas em 897. Seu sucessor, Parantaka I (r. c. 907 - 955) , invadiu a prestigiosa
capital dos pandias em 910, Madurai, assumido o título de Madurain-konda (“Conquistador de Madurai”) e
submeteu o reino no Sri Lanka em 925. Por volta do 985, os cholas reinaram soberanos sobre todas as regiões
falantes do tâmil na Índia meridional.
A proeminência imperial chola ficou ainda mais evidenciada no Tamilakam durante o reinado de Parantaka
Chola II (r. 957 - 970). E foi seu filho, Aditya Karikalan, ou Aditya II, que derrotou as forças pandias na batalha de
Chevur [153]. Após o qual, os pandias foram buscar refúgio entre alguns cingaleses aliados no Sri Lanka, dando início
ao seu longo exílio. Os regentes pandias foram, a partir de então, substituídos por uma série de vice-reis cholas, sob
o título de Chola Pandias, que governaram da cidade de Madurai a partir de c. 1020 [154].
Nesse processo, durante fins do século 10, os cholas conseguiram expandir sua presença para além do vale do rio
Kaveri, núcleo ancestral de seu reino. Sob o governo de Rajaraja Chola I (fig.) (r. c. 985 – c. 1014), os pandias e
cheras foram submetidos e a ilha de Sri Lanka invadida, com o saque da venerável capital cingalesa de
Anuradhapura e a chegada às ilhas Maldivas. Seu filho, Rajendra Chola I (r. c. 1014 – c. 1044), deu continuidade
com vigor à política expansionista [155]. Já no fim de seu reinado, as fronteiras setentrionais chegaram ao rio Ganges,
conquistando os regentes de Bihar e Bengala, ocupando a costa da Birmânia (atual Mianmar), as ilhas Andamão e
Nicobar e controlando os maiores portos para o sudeste asiático no arquipélago da Indonésia e Península Malaia [156].
Foi o primeiro verdadeiro império marítimo indiano, chegando a ter tributos dos reinos do Sião (atual Tailândia) e
do Camboja.
Fig. – O maior regente dos cholas, Rajaraja I.

Após algum tempo, contudo, o vigor imperial chola feneceu. Os chalukyas, aqueles do ramo ocidental, advindos
do planalto do Decão, iniciaram uma série de ofensivas contra a dominação chola. Após décadas de intermitentes
batalhas, o reino dos chalukyas ocidentais se esgotou em 1190, mas com isso também veio o enfraquecimento do
império chola. Frente às rivalidades contra os pandias, os cholas, entre 1150 e 1279, já não conseguiram sustentar as
campanhas de batalha, negociando a independência pandia nos seus domínios tradicionais em torno da cidade de
Madurai. Finalmente, em 1279, sob a regência de Rajendra III (r. 1246 - 1249), o império chola deixou de existir
como entidade soberana ao serem submetidos aos pandias.
Os cholas deixaram um rico legado na região dos tâmeis na Índia. Testemunha disso são as majestosas obras
arquitetônicas como o templo em Tanjavur (ou Tanjore) [157], incríveis obras de pintura e escultura como no templo
de Nageshvara em Bengur (fig.) [158], e uma Idade de Ouro na literatura e poesia tâmil. E todas essas realizações
foram projetadas e influenciaram culturalmente pelas rotas comerciais as ilhas ao sul da Índia e sudeste asiático,
desde o Sri Lanka e Maldivas até a ilha de Java.

Fig. – Templo de Nageshvara, em Bengur.

Os Cheras
Os cheras são mencionados, junto com os pandias e cholas, no épico Ramaiana e também no Maabárata, e no
Upanixade Aitareya [159]. Igualmente, na literatura Sangam, compiladas entre os séculos 4 e 1 a.C. que apontaram os
regentes sucessórios cheras e seus feitos na língua tâmil.
A forma de governo dos cheras se dava em torno de um regente, um monarca autocrata cercado por um conselho
de ministros e estudiosos. Outra instituição de poder era o manram ou sabha que atuava em cada vila do reino.
Nessa espécie de conselho, os anciãos se reuniam embaixo de um marco ou árvore banyan e resolviam as contendas
e decisões mais importantes do local [160].
A força militar dos cheras consistia em exércitos de cavalaria, infantaria, carruagens e elefantes. E detinham uma
significativa marinha. O que denotava sua forte presença nos mares, alentando seu comércio internacional. Há
relatos, nesse sentido, de contatos duradouros e trocas com gregos, romanos, egípcios e árabes. Desde o primeiro
século d.C., houve comércio de especiarias, marfim, madeira, pérolas e gemas através de importantes portos cheras
em Kerala [161].
No campo religioso, os cheras adoravam primordialmente a deusa da vitória e da guerra Korravai, que depois foi
assimilada ao panteão hindu como Devi ou Kali [162]. Os brâmanes talvez tenham entrado no reino, junto com
jainistas e budistas, por volta do 3 século a.C.
O declínio chera adveio depois de sucessivas invasões por povos Kalabhras nos séculos 5 e 6. Além disso, os
Chalukyas de Badami conduziram campanhas de conquista em território chera, em Malabar, conforme atesta um
escrito do rei chalukya Pulakeshin I. E outros regentes pallavas, como o rei Simhavishnu e Mahendravarman
também reivindicaram o controle da soberania chera [163].
Houve, séculos depois, uma segunda dinastia dos cheras que ascendeu, conhecidos na história como
Kulashekharas, entre os séculos 9 e 12. O poder destes residia numa aliança entre uma oligarquia brâmane com
chefes locais. Mas sua soberania parece não ter sido inconteste, pois foram subordinados como feudatários aos
cholas por mais de meio século durante o século 11 [164]. A autonomia dessa nova Dinastia Chera somente ficou
evidente com o enfraquecimento dos seus suseranos. Após o século 12, posterior ao desaparecimento do último dos
regentes cheras, Rama Varma Kulashekhara (r. 1090 - 1102), o reino dos cheras passou gradativamente a ser
governado por um corpo de brâmanes e aliados designados pelos cholas.
Harsha
A despeito da ausência de unidade imperial no norte indiano, houve notáveis ascendências dinásticas
consolidadas por grandes líderes. Um destaque maior seria o que nos relata profusamente o viajante budista chinês
Xuanzang (c. 602–664) e do grande escritor no sânscrito, Bana (também conhecido como Banabhatta) (século 7),
em sua obra Harshacharita [165]. Nesta última, conta-se os feitos (charita) de seu patrono, o rei Harsha (r. c. 606 – c. 
647) .
Harsha encarnou o líder de vocação imperial no norte da Índia, num período em que a unidade política indiana
na região encontrava-se fragmentada. Seu comando político advinha de sua capital, Kannauj, (mapa) situada
estrategicamente entre os rios Ganges e Yamuna [166], de onde restam evidências de grandes obras e estruturas,
conforme atesta as dimensões das fortificações de Harsha Ka Tila, na cidade de Thanesar, no atual estado de
Haryana. Seu império, o mais vasto na região desde a queda dos guptas em 550, foi local de intenso patrocínio das
artes e religiões do budismo, jainismo e hinduísmo. Conforme nos escreveu Xuazang, que visitou o reino em 636,
Harsha mandou construir inúmeras estupas budistas, organizou vários eventos de debates filosóficos e artísticos. E
fez inúmeras doações para o engrandecimento e proteção da maior universidade budista à época, em Nalanda.
Ademais, Harsha, conforme Xuazang, mandou emissários para as terras chinesas em 641.

Mapa – O império de Harsha, século 7.

O governante também foi autor de algumas obras de literatura em sânscrito, denotando seu entusiasmo pelas
artes. A mais notável delas, a Nagananda [167], (“A Alegria das Serpentes”), consiste numa peça teatral em cinco atos
que em seu momento mais dramático, o protagonista, Jimutavahana, depara-se com um monte de esqueletos de
serpentes resultado de sacrifícios feitos em homenagem ao deus em forma de ave, Garuda. O herói, perturbado com
a cena, resolveu então tomar uma atitude similar a Buda, e se oferece ao sacrifício para poupar as outras serpentes,
nagas. Ao final do ato, o herói é restaurado à vida e torna-se um bodisatva. Na peça, com astúcia e sensibilidade de
um estadista, Harsha combinou raro talento para a religião, literatura e política.
Ao final de seu reinado, cujo declínio ficou evidente após ser derrotado por um governante do sul indiano,
Pulakeshin II em 635 [168], a região norte indiana conhece um novo e longo período de desunião e fragmentação em
diversas unidades políticas rivais e concorrentes.
O Império Pratihara dos Gurjaras
A capital Kunnauj sobreviveu ao declínio de Harsha e tornou-se centro político e cultural de diversas dinastias
subsequentes na região norte indiana. Entre esses, os Gurjaras [169], povos advindos do oeste, ex-aliados de Harsha,
com possíveis origens da região da Ásia Central entre os “hunos brancos” [170]. E eles, possivelmente, possuem
origem em comum com os rajputs [171] que se estabeleceram no vale do Ganges e Rajastão a partir do século 8 [172], e
tiveram contribuição essencial na história indiana ao guerrearem e conterem a expansão islâmica inicial no
subcontinente advindo do oeste através da região do Sind [173].
Os Gurjaras fundaram o Império Pratihara em meados do século 7 que se estendeu até 1036 (mapa). O auge se
deu no reinado de Nagabhata I (r. c. 730-760) ao combater o avanço árabe advindos da cidade de Mansura, no Sind,
na batalha do Rajastão em 738, mantendo a frente ocidental desde as terras setentrionais da Caxemira até o próspero
porto de Bharuch no Gujarate [174]. E não menos importante, o líder dos Gurjaras conseguiu dominar a região de
Malwa e o forte de Gwalior, estratégicos na contenção meridional. Foi nesse sentido que transferiu a sua capital para
Avanti, em Malwa.
Mapa - Extensões do Império Pratihara, dos Gurjaras.

Nagabhata foi sucedido por dois regentes inexpressivos que, por sua vez, foram sucedidos por Vatsaraja (r. c.
780- c. 800), que foi certa vez considerado como o “melhor entre os distintos xátrias“ [175]. Este último teve como
maior êxito a conquista da sagrada cidade de Kannauj após intensa disputa entre dinastias rivais por parte dos palas a
leste, e dos rashtrakutas ao sul.
Contudo, Vatsaraja acabou sendo derrotado em batalha por volta do ano 800 por forças da Dinastia Rashtrakuta.
Foi sucedido no trono por Nagabhata II (805-833) que, inicialmente, foi vitorioso sobre o regente Rashtrakuta,
Govinda III (793-814), ao reconquistar a região de Malwa, a cidade de Kannauj, e expandiu rumo a leste em Bihar e
conteve novos avanços árabes a oeste. Foi com Nagabhata II que foi reconstruído o grandioso templo a Xiva em
Somnath (fig.), no Gujarate, que tinha sido destruído pelos árabes.

Fig. – O atual templo de Xiva em Somnath, Gujarate.

Após algum tempo sucessório, o auge imperial de Pratihara se deu com Mihira Bhoja ou Bhoja I (r. c. 836- c.
885) em seu longevo reinado. As dominações se consolidaram e foram expandidas rumo ao ocidente na fronteira
com o Sind islâmico, ao oriente até Bengala, e ao meridiano até o rio Narmada, limite com os rashtrakutas. Seu filho
e sucessor, Mahendrapala I (r. c. 885 – c. 910) chegou a incrementar ao império a histórica região de mágada,
atingiu os limites dos Himalaias ao norte, além de partes de Bengala e Assam ao leste.
O declínio já deu sinais nos conturbados reinados de Bhoja II (r. 910-913) e de Mahipala I (r. c. 912 – c. 944)
que foi perturbado pelas renovadas ofensivas dos rashtrakutas ao sul. Apesar disso, relatos árabes ainda são
impressionantes a respeito do poderio de Pratihara, conforme descreveu Al-Masudi:
O regente possui quatro divisões de exército de acordo com os quatro trimestres das estações dos ventos. Cada um deles conta entre 700 mil a 900
mil homens. Ele tem vastos exércitos nas guarnições no norte e no sul; no leste e no oeste, pois ele é cercado por todos os lados por governantes
belicosos. (tradução nossa) [176]

O efeito político mais nefasto das invasões rashtrakutas foi a crescente fragmentação de alianças com dinastias e
poderios locais. Assim, vários líderes antes vassalos reivindicaram autonomia, notavelmente na estratégica região
meridional de Malwa entre os rajputs da Dinastia Paramada, os Chandelas de Bundelkhand e os Kalachuris de
Mahakoshal. Mais ao sul, o imperador dos rashtrakutras, Indra III (r. c. 914 – 928) saqueou Kannauj em 916,
evidenciando a fragilidade do Império Pratihara [177]. Para piorar, na frente ocidental, defrontou-se com ondas de
ataque de povos turcos (ou túrquicos) das estepes asiáticas. O forte de Gwalior foi perdido aos Chandelas por volta
de 950 e renovadas rebeliões estouraram a leste, em Bengala, pelos palas. Ao final do século 10, os Gurjaras do
império Pratihara somente asseguraram domínios diminutos frente ao seu passado imperial. Como coup de grâce, o
sultão Mahmud de Ghazni (r. 998 – 1030) dos povos túrquicos islamizados advindo de terras afegãs a noroeste,
sitiou e conquistou a cidade de Kannauj em 1018.
No campo das artes, os Gurjaras foram grandes apoiadores e patrocinadores. São magníficos os painéis pintados
nas paredes de templos em Osian em Jodhpur (fig.), Abhaneri e Kotah. E uma das mais belas e graciosas esculturas
é a figura feminina nomeada como Surasundari (“Dançarina Celeste”), hoje no museu de Gwalior. Para coroar as
expressões artísticas da época realizadas sob o Império Pratihara, assombram-nos com o complexo de templos de
expressão e riqueza de detalhes únicos em Khajuraho (fig.) [178].

Fig. – Exemplo da arquitetura de Pratihara no templo em Osian, Jodhpur.

Fig. – Detalhes do primor artístico do conjunto de templos de Khajuraho, da época de Pratihara.

Rashtrakuta
A Dinastia Rashtrakuta (752-985), que governou o sul indiano ao longo da costa ocidental, região conhecida
como Karnataka, é ilustre por várias razões. Eles governaram o território mais vasto do que o de qualquer outra
dinastia nesse período considerado. A sua contribuição no campo das artes e arquitetura é generosa. E os incentivos
que vários reis rashtrakutras forneceram à educação e literatura é única e a tolerância religiosa exercida por eles foi
exemplar.
A palavra rashtra, em sânscrito indica “região” e kuta, “chefe”. Parece que os ancestrais dos rashtrakutas já
exerceram papéis de liderança na região central indiana antes de fundarem uma dinastia. E seus ramos ampliaram-se
para além, ao noroeste, em Gujarate e Rajastão. Os rajputs do clã Rathore reivindicam serem descendentes deles
como também os da Dinastia Ratta (875 – 1250), feudatários por muito tempo dos rashtrakutas [179].
Dantidurga (752-756) foi o primeiro notável regente rashtrakuta, ao guerrear e derrotar as forças dos chalukyas,
momento crucial em que se tornaram soberanos na região de Karnataka. A partir de então, foram quase dois séculos
e meio e quinze reis consagrados. O poder e influência desta dinastia estenderam-se desde os Himalaias até
Rameshwar na costa sul de Maarastra durante os reinados de Govinda III (793 - 814), Indra III (914 -929) e Krishna
III (939 – 967).
Govinda III, conforme uma inscrição nos relata [180], podia dar água gelada dos Himalaias aos seus cavalos, e aos
seus elefantes, a água sagrada do Ganges. Krishna III fez sua fama nas campanhas ao sul ao derrotar as forças dos
cholas. E ao norte, conquistou Malwa. Uma inscrição em canarês [181], encontrada perto de Jabalpur às margens do
rio Narmada, enumera suas várias conquistas políticas em linguagem poética.
Na expansão territorial, os reis rashtrakutas fizeram muitos aliados e feudatários para proteger os flancos do seu
vasto império. Sua capital foi erguida em Malkhed em Gulbarga, também conhecida como Manyakheta, onde o rei
Amoghavarsha I (800–878) compôs a primeira extensa obra literária em canarês por volta do ano de 850, o
Kavirajamarga. A capital também foi ponto de confluência de artistas e intelectuais como o gênio jainista da
matemática, Mahavira (c. 800 – c. 870), em sua seminal obra Ganita Sara Samgraha [182].
As obras literárias nos tempos dos rashtrakutas vão além do Kavirajamarga, compondo um marco histórico na
língua canaresa. Pampa (século 10) escreveu suas duas obras épicas Adipurana e Vikramarjuna Vijaya tornando-o o
maior poeta canarês, considerado posteriormente como o Adivaki, o “Primeiro Poeta”. Na prosa, o Vaddaradhane
(“Culto dos Anciãos”) é a mais importante obra do período (século 10). São dezenove histórias que tratam dos
princípios jainistas sobre tormentos da carne e do espírito. Didática na natureza, as histórias interpretam a teoria do
carma, renascimento e a desolada situação da condição humana. A obra também lança luz sobre a vida social do
período, como a educação, o comércio, magia e superstições, a posição das mulheres [183].
No campo das artes e arquitetura, os dois e meio século dos rashtrakutas testemunharam grandes feitos. Ellora
(séculos 5 a 10) e Elephanta (séculos 5 ao 8), e outras várias cavernas são testamentos magníficos da época,
destacando os grandes monumentos e esculturas monolíticas. Em Ellora, no Maarastra, há obras em templos
escavados nas cavernas de todas as religiões florescentes na Índia de então. Das trinta e quatro cavernas, doze são
budistas, dezessete no lado sul são hinduístas (vixnuísta, xivaísta e shaktista) e cinco cavernas no lado norte são
jainistas. Em Elephanta, talvez tenha a síntese estupenda da arte religiosa da época, a escultura do Trimurti,
representando Brahma, Vixnu e Xiva Maheshwara. Um observador britânico em 1814, assombrado com a obra,
certa vez expressou:
Seguramente não há nada em todo o mundo que exceda os monumentos indianos na magnificência do projeto e grandeza de efeito. A imensa cúpula
da Basílica de São Pedro torna-se insignificante em comparação [184] (tradução nossa).

A tolerância religiosa dos rashtrakutas era lendária. O budismo que se encontrava em decadência foi revitalizado
com o patrocínio real e por eruditos budistas. Dantidurga e Dhruva II fizeram doações liberais para a construção de
mosteiros budistas, chamados de viharas. Estudiosos e instituições jainistas receberam generosas doações do rei
Amogavarsha I, ele mesmo um convicto da fé [185].
Os árabes na costa oeste receberam proteção. Foi concedida a comerciantes muçulmanos a construção de
mesquitas e magistrados islâmicos foram nomeados. Suleiman, um comerciante muçulmano que visitou a Índia no
século 9 escreveu sobre a generosidade e tolerância dos reis rashtrakutas. E considerou o rei Amogavarsha I como
entre os maiores imperadores do mundo à época [186].
Os Palas
No leste indiano, o reino mais proeminente no período foi o da dinastia dos palas (século 8 ao 12). Seu início se
concretizou após um tempo de desordem na região de Bengala, em Matsyanyana, e Gopala I (r. c. 750 – c. 770) foi
escolhido como rei que pôs termo às rebeliões centrífugas, centralizando o poder e iniciando uma nova dinastia
cerca de 750.
Por volta do ano de 780, Gopala foi sucedido por Dharmapala (r. século 8) que procedeu em expandir
significativamente o Império Pala. Nesse intento, chegou a derrotar o rei da cidade de Kannauj, e ali deixando um
pretendente ao trono local, Chakrayudha [187]. Mas seu controle na cidade não se sustentou com o tempo, pois foi
derrotado pelo rei dos rashtrakutas, Dhruva (r. 780 – 793), conforme narra as placas de Munger em Bihar. Apesar
desse revés, houve desordem sucessória após a morte de Dhruva, o que favoreceu nova ofensiva de Dharmapala em
cima da cidade de Kannauj, tornando-o o senhor inconteste do norte indiano, ou como se referiu no título como
Uttarapathasvamin ("Senhor do Norte”) [188].
Após o governo de Dharmapala, seu filho, Devapala (r. século 9) ascendeu ao trono, figurando na história como
o maior rei dos palas, ao incorporar ao império a região de Assam ao norte e Orissa na costa oriental indiana,
conhecendo o Império Pala o seu ápice territorial que, a considerar alguns contratempos, perdurou por mais de
quatro séculos [189]. O mercador árabe Suleiman em seu livro escrito em 951, Silsiltut-Tauarikh, é testemunha
taxativa desse poder, ao considerar as tropas dos palas mais numerosas que os adversários vizinhos dos pratiharas e
rashtrakutas, e nos contar que o rei dos palas era acompanhado em campanha de guerra por cerca de 50 mil elefantes
de guerra [190].
O prestígio dos palas no mundo budista foi enorme, pois foram os guardiões das regiões mais sagradas da
religião. De acordo com cronistas tibetanos, os regentes palas foram grandes patronos do ensino e culto dos
ensinamentos de Buda, e tiveram grande impacto na difusão do budismo maaiano. Dharmapala fundou o famoso
mosteiro budista Somapura Mahavira em Paharpur (fig.), atual Bangladesh, e Devapala, seu filho, agraciou os
adeptos com uma estátua de Buda, construção de prédios adjuntos e recursos adicionais para a universidade de
Nalanda em 860 [191] [192]. E foi nesse período que esta última ganhou fama internacional, ao atrair mais de dez mil
estudantes e professores budistas da Ásia Central, sudeste asiático, China e Sri Lanka [193].

Fig. – Ruínas do grandioso mosteiro budista de Somapura Mahavira, ou Paharpur Bihar, em Paharpur, distrito de Naogaon em Bangladesh.

Os regentes palas promoveram o hinduísmo também. Narayanapala (séculos 9 e 10) deu ordens para a
construção de templos em homenagem a Xiva [194] e concedeu generosos incentivos a brâmanes para assentarem no
seu reino e administrarem escolas hinduístas gurukuls [195].
Os Pallavas
Nas ruínas do Império Satavana que vigorou no Decão surgiram vários reinos independentes na região
meridional indiana. Entre os reinos mais notáveis, o da dinastia dos pallavas se destacou e ocupou a parte sul-
oriental dos domínios satavanas e fundou sua capital em Kanchipuram, ou Kanchi.
A Dinastia Pallava teve início quando o rei Simhavishnu (século 6) ascendeu ao trono por volta de 575. Nesse
ano, povos chamados de Kalabhras [196] invadiram a região meridional indiana e causaram grande destruição. Foi
Simhavishnu que dominou a confusão e restabeleceu a ordem, chegando a estender seu domínio do rio Krishna ao
Kaveri sobre os povos tâmeis e o Sri Lanka (ex-Ceilão). Assim nos conta o grande poeta da época, Bharavi (c.
século 6) sobre seus feitos em sua obra Anvantisundari Katha [197] [198].
O sucessor de Simhavishnu, Mahendravarman I (r. c. 571 - 630) era um gênio versátil e proficiente na arte da
guerra e da paz. Foi no seu reinado que as rivalidades com os Chalukyas Badami começaram e durou por quase um
século tendo grande impacto sobre a história do sul da Índia.
Pulakeshin II (r. c. 610 – c. 642) dos Chalukyas Badami tirou o norte da província de Vengi dos pallavas embora
mais tarde os pallavas tenham recapturado a capital Kanchi. Mas as atividades arquitetônicas do rei
Mahendravarman I foram ainda mais extraordinárias. Muitos templos foram escavados na rocha em Trichinopoly,
Chinglepet, Arcot Norte e Sul. Também construiu a famosa cidade de Mahendravati com um imenso reservatório de
água nas proximidades. Foi um exímio poeta e músico, e compôs uma obra teatral clássica em sânscrito, o
Mattavilasa Prahasana (“A Farsa do Desporto Bêbado”) [199]. Também foi autor de série de tratados sobre música e
um apaixonado admirador de pinturas. E um jainista que pendeu para o xivaísmo nos seus últimos anos de vida.
Porém o maior de todos os reis pallavas foi Narasimhavarman I (r. c. 630 – c. 668) que sucedeu seu pai
Mahendravarman I em 630. Sob ele o poder da Dinastia Pallava atingiu o seu apogeu e, portanto, ele assumiu o
título Mamalla, “Grande Guerreiro”. Pois ele infligiu uma derrota esmagadora sobre Pulakeshin II, rei dos
Chalukyas Badami, em 642 e capturou a capital deste último, Vatapi, assumindo o título Vatapikonda ou
“Conquistador de Vatapi” [200]. Através deste feito os pallavas estabeleceram sua supremacia sobre o planalto do
Decão. Ademais, Narasimhavarman I também realizou uma série de conquistas contra a cholas, cheras, Kalabhras e
os pandias mais ao sul, e até enviou expedições navais contra o Ceilão (Sri Lanka) para entronizar um protegido seu,
Manavarman. O regente pallava foi muito além das artes da política e guerra. Promoveu as artes e mandou construir
no principal porto do império, Mahallapuram, vários templos monolíticos chamados rathas, assim como em
Trichinapalli, hoje no estado de Tamil Nadu.
No reinado de seu neto, Parameswaravarnam I (r. c. 670 - 695), as lutas contra os chalukyas foram retomadas e
seu rival, Vikramaditya I, em dado momento, ocupou a capital dos pallavas, Kanchi. Parameswaravarman I, no
entanto, na batalha de Peruvalanallur em 674, conseguiu retomar as ofensivas diante dos chalukyas e retomou os
territórios e a capital perdida [201]. Parameswaravarnam I foi um xivaísta dedicado e mandou construir vários templos
e edifícios em Mamallapuram.
O rei sucessor, Narasimhavarman II (r. 700 – 728), reinou pacificamente e durante o seu governo foi construído
o famoso templo Kailashnath em Kanchi e chegou a trocar embaixadas com a China em 720 [202]. No reinado de
Nandivarman II (r. c. 730 –795) um novo período de turbulências ocorreu, pois sua ascensão ao trono não foi
incontestada. Ademais, enfrentou em campo de batalha os pandias ao sul, evidenciando a fragilidade dos pallavas
aos chalukyas que tomaram a cidade de Kanchi. Nandivarman II também foi derrotado frente aos rashtrakutas, sob
comando de Dandidurga. O único sucesso de Nandivarman II foi a anexação de alguns territórios em Orissa, na
costa oriental, e submeteu os Gangas da região como feudatários. Portanto, como líder militar, seu reinado
demonstrou um desempenho nada alentador.
E assim teve o início do gradual declínio dos pallavas. O rei Dantivarman (r. c. 795 – c. 846), durante seu reinado
de 51 anos, fez uma última tentativa de derrotar os pandias ao sul, mas assim os cholas que foram usados em batalha
como aliados feudatários aproveitaram a fragilidade após os eventos bélicos e reivindicaram maior autonomia. Além
disso, o rei dos rashtrakutas, Govinda III (r. 793–814), derrotou Dantivarman e ocupou a capital Kanchi em 803 [203].
Os Chalukyas
A dinastia dos chalukyas foi uma poderosa dinastia real indiana que governou grande parte da Índia meridional e
central, entre os séculos 6 ao 12 (mapa). Durante este período, eles governaram em três dinastias relacionadas, mas
separadas. A mais antiga dinastia, Chalukya Badami, governou a partir de seu capital Vatapi (atual Badami) a partir
de meados do século 6. Os Chalukyas Badami iniciaram sua autonomia com o declínio do reino Kadamba e
rapidamente ganhou destaque durante o reinado de Pulakeshin II (r. c. 610 – c. 642).

Mapa - Dinastia dos Chalukyas.

A Dinastia Chalukya Badami entrou num breve declínio após a morte de Pulakeshin II devido a disputas
internas. Recuperou-se durante o reinado de Vikramaditya I (r. 655 – 680) que conseguiu expulsar os pallavas de
Badami e restaurar a ordem no império [204]. Alguns anos depois o império atingiu o auge durante o governo do
ilustre Vikramaditya II (r. 733–746) que derrotou o pallava Nandivarman II e capturou a cidade meridional de
Kanchipuram. O declínio se deu a partir das ofensivas dos rashtrakutas advindos do oeste em meados do século 8,
que ao final do século 10 formaram outra dinastia Chalukya, os chamados Chalukyas Ocidentais que governaram a
partir da cidade de Kalyani (atual Basavakalyan) até o final do século 12.
Outras dinastias chalukyas prosperaram após o avanço dos rashtrakutas. Mais ao leste do planalto do Decão, os
Chalukyas Orientais emanciparam-se em um reino e fundaram uma nova dinastia. Estes governaram a partir de seu
capital Vengi até por volta de 1130, quando se fundiu com os cholas. A capital Vengi continuou a ser governada por
membros dos chalukyas sob a supervisão dos cholas até 1189, quando o reino sucumbiu diante dos hoysalas [205].
A dinastia dos chalukyas constitui um marco importante na história do sul da Índia e uma idade de ouro na
história de Karnataka. A atmosfera política no sul da Índia passou de incontáveis reinos menores fragmentados para
grandes impérios com a ascendência de Chalukya Badami. Pela primeira vez, um reino indiano meridional assumiu
o controle e consolidou toda a região entre o rio Kaveri e o Narmada. O aumento deste império viu o nascimento de
uma administração eficiente, de um comércio internacional pujante e do desenvolvimento de um novo estilo
arquitetônico chamado de Arquitetura Chalukya. A literatura canaresa que contou com o apoio real de rashtrakuta no
século 9 encontrou patrocínio dos Chalukyas Ocidentais nas tradições jainistas e xivaísta. Ademais, no século 11,
floresceu o nascimento da literatura telugo sob o patrocínio dos Chalukyas Orientais [206].
Em termos religiosos, os Chalukyas Badami foram seguidores do hinduísmo, como constata os inúmeros
santuários dedicados a divindades hindus populares. Pattadakal guarda uma arquitetura grandiosa, e o culto de Lajja
Gauri, deusa da fertilidade era bastante popular. O jainismo foi encorajado conforme nos mostra os templos da
caverna em Badami e outros do complexo de Aihole [207].
Na arte e arquitetura, a herança das dinastias chalukyas é imensa. Mais de cento e cinquenta monumentos foram
construídos à época de Badami, entre 450 e 700, no vale do Malaprabha em Karnataka. Os templos escavados de
Pattadakal encomendados pelo Vikramaditya II (740) (fig.) são Patrimônio da UNESCO, e Badami e Aihole são
seus monumentos mais celebres. Duas pinturas da Caverna 1 de Ajanta, “A Tentação de Buda” e “A Embaixada
Persa” são atribuídas aos chalukyas. Em Aihole, o templo Durga (século 6), templo Ladh Khan (450), templo
Meguti (634), os templos Hucchimalli e Huccappayya (século 5) e os templos escavados de Badami (600) são todos
ricos exemplos da arte chalukya.

Fig. – Templos de Mallikarjuna e Kasivisvanatha em Pattadakal da dinastia dos chalukyas.

O florescimento das culturas regionais indianas


A emergência de vários reinos regionais teve um impacto significativo na transformação cultural e religiosa na
Índia no primeiro milênio d.C. Uma nova religiosidade, a transformar a ortodoxia do bramanismo e cultos mais
populares foram as expressões mais evidentes. Ademais, houve uma evolução de línguas regionais como resultado
do apoio e patrocínio de regentes e fortalecimento de reinos regionais indianos.
No campo filosófico e religioso, houve no primeiro milênio a emergência de tendências questionadoras e
renovadoras como reflexos das transformações históricas na Índia. No cenário após a dissolução imperial gupta, a
fragmentação política acarretou uma série de correntes de pensamento que se defrontou com os cânones tradicionais
hindus e refletiram o alastramento da crença budista e jainista, que carregavam uma mensagem mais universal e
igualitária. Uma delas, no âmbito do hinduísmo bramanista, houve uma “contrarreforma” brâmane, visando
revigorar este diante das correntes reformistas. Por outro lado, um grande movimento popular que rejeitou a
ortodoxia buscou a salvação do crente por meio da devoção a uma divindade de cunho mais pessoal, intimista.
Nessa última, consta a mais notória das escolas que foi chamada de “vedantismo”, da palavra vedanta (i.e., anta,
“fim”, dos Vedas) [208].
Foi o grande filósofo Shankara (788 – 820) que sistematizou a filosofia Vedanta, enfatizando seus princípios
monistas (advaita, “absoluta não-dualidade”). Princípio que se inspirou nos ensinamentos dos Upanixades sobre a
unidade indissolúvel entre a alma (atman) e o espírito santo (brahman). A alma individual, inserida numa forma de
ser vivo (jiva) somente é restrita a um ciclo de renascimentos e mortes (samsara) porque o indivíduo acredita que o
mundo é real apesar de ser, em verdade absoluta, mera ilusão (maya). Essa ignorância, ensina Shankara, é o que
impede a alma de se unir e se identificar com o espírito santo. Somente o correto conhecimento (jnana) poderá levar
à percepção da unidade unitária e salvação (moksha) [209]. Assim, Shankara conseguiu sintetizar os princípios
budistas dos renascimentos, no âmbito revitalizado do hinduísmo. Ademais, permitiu a possibilidade de auto-
realização pessoal, independentemente da situação de casta, a ser descoberto por qualquer um diante das ilusões do
mundo e o contato com o Criador Divino.
Outro movimento, de cunho mais emotivo e popular, o Bakhti (“amor, devoção”), desafiou ainda mais a
ortodoxia bramanista. Este movimento enfatizou nos seus ensinamentos o amor filial e um caminho de absoluta e
irrestrita devoção ao divino (bhakti-marga). Inspiraram-se na passagem do Bhagavad Gita [210] em que Krishna diz a
Arjuna: “Aquele que me ama não perecerá (...) pense em mim, me ame, sacrifique-se a mim, me honre, e você será
um comigo”.
O movimento teve seu início por volta do século 6, em Tamil Nadu, sul da Índia. E depois foi se espalhando para
outras partes do país, conferindo um novo aspecto do hinduísmo. Seus protagonistas foram xivaístas (nayanars) e
vixnuístas (alvars) [211] que depois foram santificados no movimento [212]. As escrituras desses santos foram depois
reunidas nas Escrituras Sagradas (Tirumurai) dos tâmeis, também chamado de Tâmil Veda [213].
Esse movimento também produziu uma série de locais sagrados que depois, com o tempo, virariam pontos de
peregrinação na Índia. Além disso, os princípios bhaktistas não somente indicavam locais de culto e visitação, como
rejeitaram os intricados rituais de sacrifícios que as classes mais populares não poderiam arcar, indo contrário,
portanto, ao elitismo dos preceitos bramanistas de liturgia e exclusividade.
O culto de Xiva e Vixnu, nesse movimento, permitiu aos populares um acesso ao sagrado, sem barreiras sociais e
de instrução. Xiva, por exemplo, foi considerado como uma divindade aberto e acessível a todos, que se manifestou
em locais como grutas, cavernas e templos espalhados pelo interior indiano, através de suas imagens e
representações, como o lingam, e Vixnu representado como uma serpente. E foram designados os locais de moradia,
nascimento e episódios na vida desses deuses, que viraram locais sacralíssimos como o Monte Kailash de Xiva.
Lendas e histórias desse tipo foram compiladas visando engradecer e santificar locais e acessos aos devotos.
Imagens e representações tornaram-se formas tangíveis de encarnações divinas (avatara) a todos os devotos [214].
E nesse sentido, várias divindades populares locais, além dos supremos Xiva e Vixnu, foram sacralizadas e
incorporadas ao panteão hindu. Um dos exemplos mais notórios foi a incorporação da deusa de Madurai, dos
pandias, Minakshi, deusa do olho-de-peixe, que depois foi considerada como encarnação da esposa de Xiva, Parvati.
Outro exemplo bastante popular foi a incorporação do deus Jagannath, de Puri, na costa oriental indiana. A imagem
desse deus, cultuado como “Senhor do Mundo” e celebrado em grandes conglomerações em torno de enormes toras
e madeira e colossal carreata de seu veículo de transporte, foi depois identificado com Vixnu. E, por último, o
próprio Krishna que tem raízes de cultos pastorais da cidade de Matura, que acabou sendo considerado como uma
encarnação de Vixnu.
A fragmentação em inúmeros reinos na Índia provocou uma maior regionalização literária e linguística. O
bramanismo hegemônico anterior advindo do norte indiano expressado em sânscrito literário ganhou contornos
regionais nas línguas marata, canarês, bengali, assamês e oriá. Nesse sentido, os escritos religiosos e filosóficos
foram resultado da adaptação de membros religiosos a propagar suas doutrinas em regiões com escasso ou nenhum
conhecimento do sânscrito. Assim, grandes obras religiosas e filosóficas foram traduzidas (e, por vezes, até
questionadas) diante das novas línguas regionais. Como o foi a tradução dos Puranas, cruciais ao vixnuísmo, que
serviu de base literária de várias línguas indianas, como o fez o poeta Sridhar (século 18) para a língua marata [215].
Ou como Tulsidas (1532 – 1632) ao adaptar o épico Ramaiana para a língua hindi no norte da Índia.
Não foram somente os escritos sagrados que serviram de veículo de tradução e consolidação literária regional.
Crônicas de templos e reis também foram escritos e adaptados em língua vernácula a serem lidos e compreendidos
pelos súditos, peregrinos e pelo amplo público.
As transformações da cultura indiana tiveram impacto além da Índia. Junto com as rotas comerciais e religiosas,
com os mercadores, marinheiros, missionários e brâmanes, a cultura indiana influenciou decisivamente em países da
Ásia Central, China, Japão, Coreia e, principalmente, os do sudeste asiático. Testemunha disso se constata no
magnífico complexo de templos hindus e budistas em Angkor (c. 889 – c. 1300) no Camboja, em Pagan (1044 –
1287) no Mianmar e até mesmo na ilha de Java em Prambanan (século 9) e Borobudur (século 9), este o maior
conjunto de templos budistas já construído.
Mas quem levou e quais os motivos desse formidável alastramento cultural indiano? Existem várias explicações
sobre essa transmissão cultural. De acordo com Kulke & Rothermund [216], há a teoria dos xátrias, casta de guerreiros
que expandiram por meios bélicos a presença indiana, explicação rejeitada pela maioria dos estudiosos. Outra teoria,
mais aceitada, é a dos vaixás, mercadores e comerciantes que expandiram a influência indiana pelas rotas
comerciais. O que não explica o alastramento da língua e escrita sânscrita que exige anos de doutrinamento e
instrução. Que nos leva a apoiar a última teoria, a de que foram castas religiosas dominantes, os brâmanes, como os
maiores responsáveis pela transmissão cultural indiana.
Certamente houve a presença de comerciantes indianos advindos da costa de Tamil Nadu e Malabar, sob o
controle dos cholas e pandias, para os portos do sudeste asiático e ilhas no Oceano Índico (mapa) [217], assim como
ao longo de rotas terrestres pela Ásia Central. Mas a transmissão cultural constatada, pela presença do sânscrito que
depois serviu de base para o florescimento de outras línguas no sudeste asiático [218] foi certamente obra de
missionários brâmanes letrados e conhecedores da liturgia e mitologia hindu. Ou de monges budistas estudados que
foram para países asiáticos ao norte e a leste.
Esses religiosos foram os principais transmissores da cultura indiana que serviu de legitimação política e
religiosa pelos regentes locais em Java, Angkor e Pagan [219]. E foram os monges budistas advindos das escolas de
Nalanda e Taxila, este no atual Islamabad no norte do Paquistão, centros do budismo maaiano, que propagaram seus
preceitos ao longo das rotas terrestres para o sudeste asiático e para o Afeganistão, e mais ao norte do Hindu Kush e
Karakorum (Caracórum) levando as escrituras para o planalto do Tibete, deserto do Taklimakan, bacia do rio
Qaidam até as terras chinesas e além.

Mapa - Rotas de transmissão indiana ao sudeste asiático

Índia e Sul da Ásia (De Mahmud de Ghazni à Vijayanagara – Século 11 - 16)


A Índia, a partir do século 13, sofreu uma série de transformações advindas de povos da Ásia Central. Mas, ao
contrário de muitos outros lugares na Ásia Central que foram conquistados por mongóis a partir da grande união de
suas tribos em 1206 por Temujin Khan (Gêngis Khan) (1162 - 1227), a Índia não foi por eles ocupada. Ao invés, na
sua porção setentrional, foi submetida por um escravo militar mameluco turco, Qutb al-Din Aibak (r. 1206 - 1210), a
serviço incialmente de um sultão do Afeganistão [220] que, posteriormente, declarou sua independência e fundou um
novo sultanato a partir da cidade de Delhi.
Esse ato de autoridade terá um impacto na história da Índia, pois, assim, os novos governantes vieram para ficar
e governar. A cultura indiana será enriquecida com isso, se tornará ainda mais complexa e rica com esses novos
contatos duradouros com o Islã da Ásia Central ao norte e a oeste.
Mas o sultanato de Delhi não seria a primeira presença e entidade política islâmica na Índia. Pois no sul do Sind,
no século 8, um general árabe a serviço do Califado Omíada já tinha se estabelecido, Mohammad Ibn Qasin (695 -
715) [221] [222]. Outros líderes árabes depois irão suceder e ampliar a presença islâmica na região, para as regiões de
Gujarate, Kathiawar até o sul do Rajastão em 725. Mas o seu avanço foi depois contido por chalukyas e os
rashtrakutras na costa ocidental, assim como diante dos pratiharas no restante norte indiano.
Mahmud de Ghazni
Por volta do ano 1000, a Índia ao norte encontrava-se fragilizada e dividida entre forças hegemônicas dos
pratiharas advindos de Kannauj e os Chalukyas ocidentais pela costa ocidental e central. Os cholas estavam distantes
demais no sul para interferirem nos assuntos setentrionais. Diante desse cenário, ascendeu um dos personagens mais
polêmicos e extraordinários na história islâmica da Índia, Mahmud da cidade de Ghazni (971 – 1030) (fig.). Esse
líder veio das terras afegãs montanhosas, era filho e sucedeu a seu pai, Sabuktigin (c. 942 – 997), foi um escravo
turco [223] e gênio militar que conquistou boa parte da Pérsia e teve como limite oriental o rio Indo [224]. Estabeleceu
assim uma nova dinastia, a Ghaznávida, em torno da capital Ghazni, ao sul de Cabul atual (mapa).

Fig. – Mahmud de Ghazni

Mapa - Conquistas de Mahmud de Ghazni, no século 11.

Mahmud, após a morte de seu pai, ocupou o trono e passou a liderar campanhas contra as terras indianas
consideradas fabulosamente ricas à época. Os pratiharas foram os primeiros indianos que começaram a sentir as
ofensivas frequentes de Mahmud, assim como os rajputs e os Chandellas. Os muçulmanos de Multan também não
escaparam dos ataques dos Gazhnávidas, considerados por Mahmud como hereges, pois seu governador, Fateh
Daud, era do ramo ismaelita do xiismo [225]. Os hindus, por sua vez, sofreram sistemáticos ataques e pilhagens, como
o ocorrido sobre o templo de Xiva em Somnath, na costa sul de Gujarate em 1025. Neste episódio, em que Mahmud
almejou as riquezas e o sustento de seu reino e capital em Ghazni, os cronistas nos contam que cerca de 50 mil
hindus faleceram, o lingam de Xiva foi destruído e o espólio carregado foi estimado em mais de seis toneladas de
ouro [226]. Episódio até os dias atuais que alimentam apaixonado debate entre hindus e muçulmanos na Índia.
Ghazni, sua capital, foi enriquecida e embelezada com os recursos adquiridos, tornando-a umas das mais
prestigiosas da Ásia da época. E a corte de Mahmud não ficou atrás, pois entre eles conviveram o autor do épico
Shahnameh, o Livro dos Reis [227], Ferdusi (c. 940 – c. 1020), e o erudito Al-Biruni (973 - 1048), o maior estudioso
muçulmano da Índia [228]. E foi este autor que, além dos motivos apontados, descreveu a obstinação e orgulho dos
indianos diante do mundo:
Os hindus acreditam que não há nação como a deles, não há reis como o deles, nenhuma religião como a deles, nenhuma ciência como a deles. Eles
são avarentos por natureza em comunicar o que sabem, e eles tomam o maior cuidado possível para retê-lo dos homens de outra casta entre seu
próprio povo, ainda muito mais, é claro, a qualquer estrangeiro. Sua arrogância é tal que se você lhes disser de qualquer conhecimento ou ciência de
Khurasan [Coração, região oriental da Pérsia] ou da Pérsia, eles vão pensar que você é ou um ignorante ou um mentiroso. Se eles viajassem e se
misturassem com outras nações, em breve mudariam suas mentalidades (tradução nossa) [229].

Após a morte de Mahmud em 1030, a Índia atravessou um período de pausa de quase um século antes da invasão
de novos povos a descer do Afeganistão. O que poderia ter consolidado sua unidade política e militar diante de
novos invasores, mas o efeito nesse interregno foi contrário. Depois do declínio dos pratiharas, os rajputs se
consolidaram no norte indiano em múltiplas alianças entre si, mas com pouca unidade. Ademais, os méritos bélicos
não se refletiram no sistema rajput de hierarquia militar, ou seja, havia poucos líderes e oficiais de valor militar na
cavalaria ocupados por pessoas mais de cunho político e familiar com pouca disciplina e mérito. Acrescenta-se a
isso as barreiras de casta e sociedade diante da composição das forças de batalha e o uso extensivo da duvidosa
lealdade de mercenários.
Em contraste, os excelentes cavaleiros da Ásia Central eram veteranos habituados a anos de campanha e
batalhas, liderados por verdadeiros líderes de guerra. Outro fator foi a ideologia islâmica que era mais igualitária do
que a ortodoxia hindu estratificada em castas, o que oferecia a qualquer um a possibilidade de glória e fortuna em
campo de batalha diante das lendárias riquezas que a Índia oferecia. E foi nesse sentido, de superioridade militar
que, após algum tempo, a Índia sucumbiu diante de novas forças invasoras muçulmanas.
O Sultanato de Delhi
Em 1191 e 1192, nos arredores da cidade de Tarain, a noroeste de Delhi, uma confederação de forças reunidas
dos rajputs foram à batalha contra forças invasoras muçulmanas. No comando e supervisionando as manobras destes
últimos estava montado em seu cavalo, Muhammad de Ghur (r. 1173 - 1206), líder que já havia sobressaído entre os
afegãos e persas para consolidar um império na Ásia Central. Retrocedendo alguns anos, Muhammad de Ghur havia
submetido Multan em 1175 e em 1186 já havia destronado o último sucessor dos Ghaznávidas. Assim, seus olhos
voltaram-se para as férteis planícies indianas, algo que ele estava determinado a conquistar e não apenas saquear
como o fez Mahmud de Ghazni mais de cem anos antes.
O momento culminante se deu em Tarain, local onde aparentemente as forças dos rajputs hindus lideradas por
Prithviraj Chauhan (r. 1178-1192), regente de Ajmer e Delhi, conseguir conter as ofensivas invasoras. Mas, após
alguns meses, Muhammad retornou com uma impressionante e disciplinada força de arqueiros e cavalos, ágeis no
campo de batalha contra as pesadas forças de infantaria e elefantes dos rajputs. Assim, além da vitória, Muhammad
estendeu depois de várias campanhas quase todo o norte da Índia em poucos anos (mapa). Em 1193, capturou
Kannauj e Varanasi. Depois, o forte em Gwalior, Ajmer e Anilwara, à época principal cidade do Gujarate. Em suma,
a maioria dos fortes e posições estratégicas dos rajputs foi dominada e eliminada [230].

Mapa - Domínios da Dinastia Gúrida estabelecida por Muhammad de Ghur, séculos 12 e 13.

Muitos dessas vitórias se deu sob comando de um de seus subordinados, um mameluco (escravo militar) de
notável talento bélico de origem turca centro-asiática, Qutb Ud Din Aibak (1150–1210) (r. 1206 - 1210), que serviu
como governador em Delhi após esta ter sido capturado aos rajputs em 1193. Após a morte de Muhammad de Ghur,
em 1206, Aibak decidiu estabelecer de vez sua presença em Delhi e fundou uma nova dinastia, a chamada Dinastia
Mameluca de Delhi (1206 - 1290) sob aprovação do Califado Abássida de Bagdá, e foi a ele concedido pelo califa o
título de sultão, i. e., governador com plenos poderes soberanos [231]. Assim deu-se o início do Sultanato de Delhi que
se estenderá, após várias dinastias, até a conquista dos mogóis (ou mugals, não confundir com os mongóis) em 1526.
Mais a leste, em Bengala, outro líder militar sob o comando de Muhammad de Ghur, Muhammad Bakhtiyar
Khilji (que viveu de meados do século 12 ao início do seguinte) realizou rápidos avanços e conquistas militares,
capturando a região de Bihar e destruindo, sob alegações de heresia, a universidade budista de Nalanda por volta do
ano 1200. Em 1202, o maior regente bengali, Lakshmana Sena, caiu do poder. Bengala a partir de então irá gravitar
para fora do controle de Delhi, a tornar-se um centro de tradição própria. Após a morte de Muhammad de Ghur, em
1206, conforme atestou a separação entre Bengala e Delhi, o império dos Gúridas [232] começou a se fragmentar. Os
príncipes hindus rajputs começaram a reivindicar autonomia e tomaram de volta o controle de Gwalior e
Ranthambor.
Em Delhi, após a morte de Aikbar, Iltutmish (r. 1211 – 1229) tornou-se regente e sultão na cidade em 1211. Sua
dura tarefa era consolidar o sultanato de Delhi em cima das rebeliões dos rajputs pelo norte e noroeste da Índia,
como aconteceu perto da cidade de Udaipur e Agra, no Rajastão [233]. E conseguiu em 1239 submeter os seguidores
de Bakhtiyar Khilji com sucesso em Bengala e Bihar, a leste, conferindo ampla extensão territorial sob controle de
Delhi. A impetuosidade das reconquistas de Iltutmish foi celebrada em versos por um poeta persa [234]:
[Iltutmish] [C]onquistou pela segunda vez o forte que se assemelha aos céus;
(...) cuja mão e espada
A Alma do Leão [outro nome atribuído a Ali] de repetidos ataques elogiou. (tradução nossa)

Mas sua maior façanha talvez tenha sido a contenção dos mongóis, sob o comando de Gêngis Khan que chegou
ao rio Indo em 1221, embora este tenha deixado algumas de suas tropas na região de Punjab durante todo o século
13.
O mérito de Aibak e Iltutmish foi a consolidação de um sultanato independente em torno da cidade de Delhi,
dando início a uma unidade imperial no norte indiano não vista desde os guptas e Harsha. Delhi, que tinha sido uma
pequena fortaleza dos rajputs, e emergiu como capital imperial e ganhou grandes obras no que hoje é conhecida
como a Velha Delhi, ao norte do que depois os britânicos irão construir ao sul desta, a Nova Delhi nos séculos 19 e
20. Como maior símbolo desses dois regentes, figura a torre de Qutb Minar (fig.), simbolizando a rica combinação
dos elementos indo-islâmicos, assim como a mesquita Quwwat-ul-Islam e o túmulo de Iltutmish.

Fig. – O minarete de Qutb Minar, em Delhi, expressão combinada dos elementos indo-islâmicos do século 13.

Após a morte de Iltutmish, décadas de incessantes disputas entre governantes e generais se deram pelo controle
do sultanato de Delhi. Nesse período de turbulências, há de se destacar o breve porém notável governo da filha de
Iltutmish, Razia al-Din (r. 1236 - 1240), retratada como governante sábia e líder competente: “Ela guardou todas as
qualidades admiráveis condizentes de uma líder”, como consta nas crônicas muçulmanas de Tabaqat-i-Nasiri [235]. E
nessa obra foi concluído: “Mas de que adianta todas essas qualidades se o destino negou a ela a sorte de ter nascido
como homem?”. Em 1240, após conspirações de outros seguidores indignados de Iltutmish, a sultana foi destronada
e morta.
As ofensivas dos mongóis (chagatais) advindos do noroeste e baseados em Punjab na cidade de Lahore,
começaram novamente a ganhar ímpeto em meados do século 13 até serem contidos e derrotados pelo sultão
mameluco de Delhi, Ghiyas ud din Balban (r. 1266 – 86). Balban, conhecido pela sua crueldade e impetuosidade
diante de seus inimigos e opositores, procedeu em reprimir outras revoltas de seu reino e derrotou os contestadores
em Bengala, nomeando seus descendentes como governadores na região até 1338 [236]. Após a morte de Balban em
1286, Bengala novamente terá sua breve autonomia de sultanato diante de Delhi (1290 – 1320) [237].
A expansão além das regiões setentrionais da Índia pelo sultanato de Delhi ganhou impulso sob Alauddin Khilji
(r. 1296 - 1316). O sultão almejava ser um grande imperador, comparável a Alexandre, o Grande, um “Sikander”,
como mostra as moedas de seu governo. O seu histórico iniciou-se com a conquista do forte de Devagiri, derrotando
o regente local, o rei dos Yadavas. Em 1298, ele dominou o Gujarate e entre 1031 e 1022 capturou os fortes dos
rajputs em Ranthabor e Chittor, façanha esta que foi imortalizado no épico Padmavat (1540) de Jayasi (1477–1542)
[238]
, e outros locais estratégicos em Malwa em 1305. Dois anos após, Alauddin submeteu de vez o regente de
Devagiri, no planalto do Decão, e tornou-o tributário ao seu comando.
A partir de 1309, Alauddin começou as ofensivas mais ao sul da Índia. E sua mais formidável presa seria a
magnífica capital dos Kakatiyas, em Warangal, hoje no estado de Andhra Pradesh [239]. Com esse intento, nomeou
um de seus mais talentosos generais, Malik Kafur (? - 1316), que retornou a Delhi vitorioso com espólio de guerra
tão vasto que foram necessários mil camelos para o carregamento. E, segundo a lenda, entre esses objetos de valor, o
famoso diamante Koh-i-Nur [240]. Ano seguinte, Malik Kafur prosseguiu adiante e invadiu a capital dos hoysalas,
Dvarasamudra, e a cidade imperial dos pandias, Madurai, submetendo os seus regentes como subordinados (mapa).
Mapa - Extensões de Alauddin Khilji, em 1316.

Mais ao norte e noroeste, Alauddin lançou uma série de campanhas contra os mongóis. Em 1299, o líder local
dos mongóis, descendente de Gêngis Khan, Qutlugh Khwaja (? – 1313-4), invadiu a Índia com um exército de 200
mil homens, almejando controlar Delhi. Foi expulso em batalha por Alauddin e novamente quatro anos depois
quando o sultão de Delhi estava concentrado tentando capturar Warangal. Nesses eventos, os mongóis conseguiram
chegar à capital Delhi, arrasando as ruas, templos e edifícios da cidade [241].
Mas talvez o maior legado de Alauddin sejam suas reformas administrativas. Enquanto seus predecessores
basearam seus poderes e tributos em cima de alianças com líderes e regentes locais, Alauddin procedeu em
centralizar o poder na capital e padronizar a tributação. Notoriamente, cobrou um imposto menor, mais padronizado
e regular de todos. E entre os mais pobres, composta em sua maioria por camponeses hindus, buscou coibir taxas
abusivas feitas por intermediários e chefes locais [242].
Entre os seus cortesãos e oficiais, que poderiam ser propensos a revoltas e conspirações, buscou confiscar todas
as suas propriedades, e os nomeou-os para a coleta de impostos e levantamento de dados em locais definidos de
maneira rotativa, evitando assim maiores ameaças de deslealdade e corrupção ao seu poder. Conseguiu assim, de
maneira gradativa, centralizar as lealdades políticas e assegurou a entrada de impostos ao tesouro imperial que foi
fundamental para custear as suas campanhas militares. Essas medidas foram as mais sistemáticas reformas
administrativas centralizadas na Índia antes da dinastia dos mogóis no século 16. Bastante pragmático apesar de ser
um devoto muçulmano, Alauddin seguiu mais os preceitos do Artaxastra, de pôr o interesse do estado acima de
qualquer norma, mesmo dos ensinamentos corânicos, como ele declarou em diálogo conforme narrado no livro de
Barni, o Tarikh-i-Firoz Shahi [243]:
Apesar de ser um muçulmano de ascendência muçulmana, visando evitar rebeliões em que milhares poderiam perecer, eu ordeno e concebo
conforme o que é melhor ao estado e para o benefício do povo (tradução nossa).

Em 1316, Alauddin faleceu e foi sucedido por seus filhos em período de política turbulenta. A ordem somente
voltou em 1320, quando os cortesãos colocaram no trono Ghiyath al-Din Tughluq (r. 1320 – 1325) como o novo
sultão. Filho de um escravo militar turco que serviu ao sultão Balban, o novo regente fundou uma nova dinastia em
Delhi.
Ghiyath al-Din Tughluq conduziu novas campanhas contra as rebeliões na cidade de Warangal e sobre a
Bengala. Ao retornar à Delhi, morreu num suspeito desabamento de um salão de recepção celebrando suas vitórias
militares [244]. Seu filho, Muhammad bin Tughluq (r. 1324 - 1351), governará sem interrupções o sultanato por 27
anos. Ambicioso por natureza, erudito e fluente em árabe, persa e turco e sânscrito, Muhammad Tughluq almejou
expandir ainda mais o seu reino, a anexar todos os domínios do sul da Índia. Logo depois de ascender ao trono, em
1326-7, conquistou os reinos hindus de Madura e de Kampili [245] onde depois o domínio de Vijayanagara irá
florescer. Também submeteu os rebeldes hoysalas e, visando projetar e proteger melhor seu império no flanco
central e meridional, decidiu mudar a capital de Delhi, ao norte, para uma nova capital em Daulatabad, perto de
Devagiri, que provou seu um desastre para a sua popularidade e para as finanças imperiais. Testemunha desse
ruinoso projeto foi o viajante marroquino Ibn Battuta (1304 - 1369) que esteve na Índia à época trabalhando como
juiz islâmico (qadi) [246].
Seu fracasso na nova capital fez com que retornasse a Delhi, demonstrando fraqueza e insegurança aos olhos da
população e líderes locais. No sul, foi sinal claro para novas rebeliões. Em 1334, o governador de Madurai declarou
independência como sultão de Mabar. Quatro anos depois, Bengala, a leste, seguiu no mesmo sentido e em 1346 o
império Vijayanagara foi fundado tendo como capital uma cidade perto da ruinosa Daulatabad. Na Índia Central, um
sultanato em Bamani foi estabelecido em 1347. Os centros regionais indianos novamente começaram a se firmar em
cima da fragmentação imperial de Delhi.
Os anos finais de Muhammad Tughluq foram narrados por Ibn Battuta em seu Livro de Viagens (Rihla) como
um período de fome, terror, opressão e perseguição em cima da população hindu e muçulmana, opositores e
supostos conspiradores [247]. E assim iniciou-se o gradativo declínio do sultanato de Delhi. Firoz Shah, primo de
Tughluq, subiu ao trono em 1351 e governou duradouramente por 37 anos. Firoz teve o mérito de consolidar o
comando do sultanato em Delhi novamente e desistiu de qualquer pretensão de incorporar os reinos centrais e
meridionais indianos. Foi fracassado nas suas tentativas de reprimir as revoltas em Bengala nas campanhas de 1353-
1354 e 1359, apesar de ter conseguido algumas vitórias em Orissa, mais ao sul de Bengala ao longo da costa oriental
[248]
. Em 1362, suas ofensivas sobre o Gujarate e Sind quando resultaram em sua morte no deserto.
Firoz foi mais notável na construção de obras, canais, fortes e mesquitas. Uma cidadela em Delhi, a Feroz Shah
Kotla (fig.), foi terminada e foram erguidos dois pilares de Asoka trazidas de províncias distantes. Tentou introduzir
novas reformas administrativas, ao abolir a tortura e estendeu a cobrança de impostos (jizya) aos brâmanes, causa de
grande impopularidade entre a casta [249]. Firoz morreu em 1388, quando o poderio de Delhi começou a se
desintegrar em fase terminal. Seus sucessores disputaram o trono e acarretou em confronto na capital. Nesse período
de fragilidade política, as províncias passaram a ser de fato autônomas. O sultanato de Delhi finalmente caiu em
1398, quando o mais formidável líder à época, vindo de Samarcanda, Tamerlão (Timur) (1366 - 1405), ocupou e
arrasou Delhi depois de ter conquistado a Pérsia em 1387 e Bagdá em 1393. Por três dias, os soldados de Tamerlão
saquearam e pilharam os tesouros e valores de Delhi, estuprando e matando a sua população hindu, poupando os
muçulmanos. Delhi, depois do evento, ficou desabitada e abandonada por anos.

Fig. – Forte de Feroz Shah Kotla ou Ferozabad, em Delhi.

Em 1414, Delhi foi brevemente centro de uma nova dinastia, sob os Sayyids (1414 – 1451), mas a sua influência
sobre as regiões próximas na Índia foi bastante restrita, concentrando-se nas planícies entre os rios Ganges e
Yamuna. Em 1451, um chefe afegão do clã dos Lodis, Bahlul (r. 1451 - 1489), destronou os regentes anteriores e
criou uma nova dinastia em Delhi, projetou seu poder para algumas regiões centrais indianas e consolidou uma
administração eficiente, fundamentos que iriam depois ser usadas na maquinaria de estado dos mogóis. Visando
melhor controle sobre Gwalior e outras regiões dos rajputs, o regente Lodi, Sikandar (r. 1489 - 1517), mandou
construir uma nova capital em Agra. Mas o maior legado dos Lodis se encontra em Delhi, nos Jardins Lodi, local de
muitos dos túmulos e monumentos de seus regentes.
No Planalto do Decão e o Sul da Índia
Em 1345, Zafar Khan, um militar de origem turca a serviço de Muhammad Tughlug, sultão de Delhi, ocupou a
cidade de Daulatabad e, diante das crises políticas ao norte que deu ensejo às suas ambições e declarou-se sultão de
Bamani sob o título de Bahman Shah. Dois anos depois, temendo pela segurança de sua capital, decidiu deslocar
junto com sua corte mais ao sul, ao norte de Karnataka, para Gulbarga. Aproximadamente ao mesmo tempo, dois
novos reinos hindus que desconheceram qualquer invasão bem sucedida dos muçulmanos foram criados, o de
Vijayanagara, parte meridional de Karnataka, e o dos Gajapatis em Orissa na costa oriental.
O Sultanato de Bamani
Desde o princípio em 1347, o reino muçulmano de Bamani (mapa) procurou se consolidar no poder, armando-se
contra as incursões esperadas de Muhammad Tughluq do norte. Diante dessas campanhas, a capital foi novamente
deslocada, a sair da área de Gulbarga, indo mais para noroeste, em Bidar, em fins do século 15 [250]. Assim descreveu
um viajante russo, Afanasy Nikitin (? – 1472), que nos deixou um vívido relato da nova capital, situada em altitude
mais elevada, por volta de mil metros, ressaltando o esplendor dos edifícios e da vida dos nobres contra a miséria da
população em geral [251].

Mapa - Sultanato de Bamani, século 14.

A personalidade mais marcante, segundo o russo, foi o ministro Bamani de origem persa, Muhammad Gawan (g.
1463 - 1482), que reformou as formas de tributação e centralizou a autoridade contra as tendências de desintegração
do novo sultanato. Acabou sendo morto em 1481, e assim sucedeu-se um período de declarações de independências
de governadores em Bijapur, em 1489, Ahmadnagar e Berar em 1491, Bidar em 1492 e de Golconda em 1512. O
último sultão de Bamani, Mahmud Shah (1482 – 1518) já não detinha nenhuma autoridade sobre a dissolução do seu
reino. Bijapur, em destaque, ficou envolvida em anos de lutas contra rivais vizinhos no Decão e chegou a perder o
porto de Goa, na costa ocidental, a novos rivais advindos dos oceanos, os portugueses, em 1510.
As províncias segregadas de Bamani, em geral, viveram autonomamente até serem incorporados pela expansão
dos mogóis sob Aurangzeb (r. 1685 - 1705) dois séculos depois. Nesse meio tempo, floresceu nas regiões uma
cultura indo-islâmica própria, como o surgimento da língua urdu. Assim, sob as ruínas do sultanato de Delhi, e antes
das invasões dos mogóis, floresceram no Decão reinos independentes hindus e muçulmanos. No esteio, as culturas
islamo-pérsica e hindu se mesclaram, resultando em novos estilos e obras e popularizando novas línguas e dialetos.
Como exemplo, os regentes de Bijapur toleraram o marata como língua corrente local e das transações comerciais
cotidianas. Em Bengala, mais a leste, longe da dominação de Delhi, o sultão local financiou a tradução para a língua
bengali do Ramaiana, feita pelo poeta Krittibas (1381 - 1461). Por volta de 1500, o governador de Chittagong,
encomendou a tradução do Maabárata ao poeta da corte, Kavindra Parameshvara (c. 1515 - 1519) ao bengali. Em
suma, uma nova onda de florescimento cultural regional indiano ganhou ímpeto durante o período.
Na arquitetura, os Bamanis empreenderam uma série de construções que misturou elementos de estilo
muçulmano com locais. O resultado produziu elementos distintos, como ficou demonstrado nos grandiosos domos
de Gol Gumbaz (fig.), em Bijapur, e o de Charminar, em Hyderabad (Haiderabade) [252]. No campo da literatura, a
contribuição mais notável que empregou influências indo-islâmicas foi o do santo sufi [253] Hazrat Banda Nawaz
(1321 – 1422).
Fig. – Gol Gumbaz, em Bijapur, exemplo da arquitetura indo-islâmica do reino de Bamani, século 14.

O reino Gajapati de Orissa


Uns dos mais temíveis e organizados rivais do sultanato de Delhi foi o reino dos Gajapatis (“Senhor dos
Elefantes”) em Orissa, na costa oriental (mapa). Esses chegaram a controlar desde a foz do rio Ganges ao norte até o
rio Godaveri ao sul desde o século 13, alcançando por vezes Tiruchirappalli ao sul de Madras (atual Chennai) no
século 15. Juntamente com o reino de Vijayanagara, levaram mais adiante a preservação dos costumes e intuições
hindus na Índia oriental e meridional, em contraste com a costa ocidental e setentrional que tiveram maior influência
islâmica no século 13.

Mapa - Reinos dos Gajapatis de Orissa, na costa oriental indiana (em roxo), e do império de Vijayanagara, ao sul (em vermelho claro), início do século
16.

A história de Orissa sob os Gajapatis se iniciou com os avanços de um líder, o rei Anantavarman Chodaganga (r.
c. 1077 – c. 1150), que conquistou o fértil delta do rio Mahanadi por volta do ano de 1112. Dez anos depois,
estendeu sua presença ao norte, em Bengala, após a morte do regente local, o rei Ramapala (r. 1077 - 1133), e
atingiu ao sul a foz do rio Godaveri. Ao fim de sua vida, Chodaganga mandou construir o famoso templo em
homenagem ao deus Jagganath em Puri [254].
Seus sucessores, no início do século 13, defrontaram-se novamente com os bengalis muçulmanos advindos do
norte. O rei Narasimhavarman I (1239 – 1264) chegou a contra-atacar os muçulmanos. Em 1244, as forças de Orissa
conseguiram notável vitória contra Bengala, quando o neto de Narasimhavarman alcançou o rio Ganges, e
avançando de tal maneira no território muçulmano em Bengala que estes não os atacaram por mais de um século.
Somente em 1361, sob o sultão de Delhi, Firoz Shah (r. 1351 - 1388), os Gajapatis sofreram novas ofensivas na sua
porção setentrional, de acordo com o que relata o Tarikh-i-Firoz Shahi. O rei Gajapati, na ocasião, Bhanudeva III (r.
1352 - 1378) foi derrotado em batalha em Cuttack e foi poupado na condição de pagar tributos ao sultão de Delhi. O
Tarikh-i-Firoz Shahi assim continua [255]:
Os estandartes vitoriosos agora partiram para a destruição do templo de Jagannath. Este era o santuário dos politeístas dessa terra e santuário de
devoção dos incrédulos do Extremo Oriente. Foi o mais famoso dos templos deles (tradução nossa).
Apesar disso, não houve maiores consequências para o status autônomo dos Gajapatis de Orissa como reino
hindu. Os pagamentos de tributos logo cessaram. Mas a dinastia iniciada por Anatavarman Chodaganga já tinha
perdido seu auge e declinou nos anos subsequentes. Após a morte do rei Bhanudeva IV (r. 1424 - 1434), Kapilendra
(r. 1434 - 1466) ocupou o trono em 1453. E, após se firmar no poder e empreender uma série de reformas tributárias
sobre o sal, assegurando maior arrecadação, Kapilendra despontou como o maior líder hindu de sua época,
estendendo seus domínios desde Bengala ao norte ao Kaveri ao sul [256].
Após Kapilendra, seguiu-se um longo período de instabilidades no reino de Orissa. Alguns territórios
conquistados contestaram a dominação imperial dos Gajapatis, principalmente de muçulmanos ao norte, como as
lideradas pelo Hussain Shah (1493 – 1518) que fundou uma nova dinastia em Bengala. Ao sul, houve a ascensão do
maior regente de Vijayanagara, Krishnadeva Raya, em 1509, afastando de vez qualquer pretensão de dominação em
terras meridionais. Em 1568, de maneira fulminante e final, um general muçulmano de Bengala, Kalapahad, arrasou
Orissa assim como o fez Firoz Shah quase dois séculos antes. Em sequência, o templo de Jagganath em Puri e suas
imagens foram profanados, saqueados e queimados [257]. Mas, após algumas décadas, o templo e o culto desse deus
foram restaurados, pois o regente local, Ramachandra, conseguiu assegurar aliança com o imperador mogol, Akbar
(r. 1556 - 1605), a servir de aliado a conter os rebeldes na região e o sultão rival de Golconda.
No campo cultural, o reino dos Gajapatis testemunhou um efervescente período de cultura e arquitetura regional.
Os cultos e templos em torno de Jagganath, em Puri, foram patrocinados pelo estado e serviram como elementos de
legitimidade aos governantes de Gajapati. Assim como foi incorporado o culto ao deus Surya (Deus Sol) de seu
impressionante templo em Kornark (fig.). Na literatura, houve a transcrição de obras clássicas do sânscrito para a
língua oriá, como feito por Sarala Das (século 15) com o épico Maabárata [258].

Fig. – Templo de Surya em Kornark.

Vijayanagara
O surgimento do Império de Vijayanagara (também conhecido pelos portugueses como o de Bisnaga) foi
fundado por vários irmãos, entre eles os mais destacados, Harihara e Bukka, que combateram as ofensivas do
sultanato de Delhi. De origens contestadas pelos historiadores, esses irmãos aparentemente sofreram grande
influência de um monge hindu, Vidyaranya, que os reconverteram ao hinduísmo depois de terem sido islamizados
como prisioneiros. Essa versão tradicional, contudo, é cada vez mais contestada [259]. Após o fato, se estabeleceram
em Kampili e depois em outro local estrategicamente perto do rio Tungabhadra, quando fundaram uma dinastia a
combater os muçulmanos de Delhi, atual cidade de Hampi. As controvérsias, no entanto, não obscurecem o legado e
importância dos ensinamentos revivalistas hindus de Vidyaranya, que buscou enfatizar os princípios de Shankara, no
início do reino Vijayanagara e seu culto no mosteiro de Sringeri diante dos avanços da fé muçulmana.
Bukka (r. 1356 - 1377) sucedeu seu irmão Harihara (r. 1336 - 1356) em 1356 e coordenou as ofensivas
expansionistas do império nascente. Lutou contra o sultão de Bamani, Muhammad Shah (r. 1358 - 1377), e assinou
com ele um tratado de limites dos reinos tendo como marco o rio Krishna em 1365. Cinco anos depois, Bukka foi
vitorioso em batalha contra o sultão de Madurai (sultão de Mabar) pondo termo a um dos mais meridionais
sultanatos da Índia [260].
Nos governos sucessórios de Harihara II (r. 1377 – 1404) e de Devaraya I (r. 1406 – 1424), foram consolidadas
as fronteiras e as forças políticas do império. Sob Harihara II, o império cresceu a nordeste contra os regentes de
Kondadivu e sobre os dinásticos da cidade de Warangal. Esse curso levou à colisão com as forças dos Gajapatis de
Orissa. O primeiro embate se deu entre o rei Gajapati Bhanudeva IV (r. 1424 - 1434) e o rei de Vijayanagara
Devaraya I (r. 1406 - 1422) que terminou com um acordo de coexistência pacífica entre as duas entidades. No
entanto, sob Devaraya II (r. 1425 - 1446) as guerras contra Orissa foram retomadas e perduraram por quase um
século. O que enfraqueceu ambos os grandes reinos hindus contra as pretensões muçulmanas do norte. O período de
maior retração de Vijayanagara se deu contra o líder Gajapati, Kapilendra e de seu filho, Hamvira (r. 1472 - 1476),
que atuou como governador sobre a costa oriental indiana na região de Kondavidu e Rajahmundry, atual costa de
Andhra, até o vale do rio Kaveri ao sul em 1463 [261].
E foi nesse período que a dinastia fundada pelos irmãos Harihara e Bukka conheceu seu declínio. O seu último
rei, Virupaksha II (r. 1464-1485) foi incapaz de impedir concorrentes e usurpadores ao seu trono. Nesse cenário, o
príncipe de Saluva, Narasimha (r. 1486 - 1491), emergiu como figura inconteste ao poder, um possível salvador do
império de Vijayanagara. Mas a sua sucessão, após sua morte em 1491, não apresentou tranquilidade política. A
dinastia inicial se desfez e uma nova se instalou no trono, sob o nome de Tuluva (1491 - 1570) a comandar
Vijayanagara. O império atravessou instabilidades internas, mas perdurou nas suas fronteiras pelo fato de seus
grandes rivais próximos estarem ocupados em conflitos e fragmentados em rebeliões internas: o sultanato de Bamani
desintegrava-se e o poderio de Gajapati minguava-se.
A glória maior de Vijayanagara se deu no início do século 16, sob o comando de Krishnadeva Raya (r. 1509 –
1529), ou simplesmente Krishnadeva, maior regente da Dinastia Tuluva. Ele provou ser um gênio político e militar
desde o início de sua carreira. Enfrentou o líder de Bamani, Mahmood Shah II (r. 1482–1518) e saiu vitorioso no
Decão, tornando-o como um vassalo na região a controlar outros poderios regionais e manter o sultanato dividido e
incapaz de maior coesão [262]. Depois, Krishnadeva ganhou controle da costa de Andhra e capturou a cidade de
Cuttack, capital de Orissa. Em reconhecimento, os Gajapatis ofereceram a filha do regente local em casamento para
selar aliança.
Krishnadeva entrou para a posteridade também pelas suas construções e administração. Quase todos os
grandiosos templos do sul da Índia, como em Chidambara, foram erguidos e restaurados na época de seu governo.
Foi generoso patrono das artes e da literatura na língua telugo [263]. E foi adepto do vedantismo e teve como seu guru
um dos maiores líderes espirituais à época, o santo Vyasatirtha (1447–1548). Depois de sua morte, os conflitos
internos ao trono novamente foram retomados. Seus sucessores, Achyutadeva Raya (r. 1529 – 1542) e Sadashiva (r.
1543 - 1545), foram líderes fracos que viveram à sombra do ambicioso cunhado de Krishnadeva, Aliya Rama Raya
(1485? –1565), que agiu como regente de facto a conduzir os negócios do império.
E foi durante o reino de Sadashiva, a partir de 1510, que os primeiros confrontos com os portugueses se deram
[264]
, pois estes violaram e destruíram a santidade de tempos hindus perto de Goa e Madras. Mas logo foi assinado
um termo de paz, assegurando o fornecimento de cavalos de guerra importados do Golfo Pérsico pelos lusitanos.
Mas os eventos mais cruciais para Vijayanagara foram os embates e rebeliões contra os sultões no Decão.
Eventualmente, sua política de “dividir para governar” entre os regentes muçulmanos deve fim com uma ampla
aliança de sultões conforme nos diz o cronista muçulmano Ferishta, causado pela destruição de mesquitas por
soldados de Vijayanagara [265]. As forças combinadas anti-Vijayanagara tomaram a ofensiva contra a fortaleza de
Talikota, às margens do rio Krishna, nos anos de 1564 e 1565. Ao fim das batalhas, o líder de Vijayanagara, Aliya
Rama Raya (r. 1543 - 1565), foi capturado como prisioneiro e decapitado. Após o qual, seu irmão, Tirumala (r. 1565
- 1572) tomado pela pânico e medo, reuniu grande contingente de homens, elefantes e tesouro e empreendeu fuga,
deixando a capital imperial desguarnecida diante de invasores muçulmanos. O fim se deu com a pilhagem e
destruição da capital de Vijayanagara em 1565.
Os descendentes de Tirumala ainda continuaram a reger a região por mais algum tempo, sob uma nova dinastia,
a de Aravidu (1542 - 1646), a última desse grande império. Mas a capital de Vijayanagara, de mesmo nome, nunca
mais retomou seu antigo esplendor e glória soberana. Somente três anos depois da devastação da capital, em 1568,
os Gajapatis também sucumbiram diante de novos invasores, marcando o fim dos grandes reinos hindus diante de
disciplinados exércitos muçulmanos advindos da Ásia Central, os mogóis, marcando uma nova era na história da
Índia.
O comércio e a economia de Vijayanagara tiveram grande papel em assegurar os tributos necessários para a
construção e manutenção de templos, reservatórios de água, palácios, fortes e o corpo administrativo, religioso e
militar. O Oceano Índico por volta do século 16 constituía um largo espaço de transações comerciais de árabes,
malaios, chineses e alguns europeus a usarem os previsíveis ventos das monções. Com a China, o comércio das
costas indianas já tinham se concretizado desde a Dinastia Tang (618 - 907). O Islã, estabelecido na Ásia Central e
Pérsia, controlou o fluxo terrestre e marítimo comercial da Índia em direção oeste e para a Europa até ser contestado
com a presença das caravelas portuguesas em fins do século 15. Ademais, a Índia teve grande prosperidade desde o
século 10 pela sua situação geográfica entre o sudeste asiático e China com o Golfo Pérsico e o mundo muçulmano.
E seus produtos tinham fama e demanda lendárias pelo mundo: a destacar as especiarias, têxteis, pedras preciosas,
sal, arroz, madeira, incenso, pérolas, marfim, âmbar e ébano. E o vibrante comércio atraiu grande contingente de
comerciantes árabes, armênios, chineses, judeus entre outros nas cidades portuárias de Mangalore, Honavar,
Bhatkal, Barkur, Cochin, Cannanore, Machilipatnam e Dharmadam, todas controladas e tributadas pelos
governantes de Vijayanagara, dando lhes acentuado perfil cosmopolita [266].
No campo da cultura, a antiga cidade e capital de Vijayanagara foi local de expressão máxima dos projetos
imperiais. Ela constava como uma das maiores cidades do mundo nos séculos 15 e 16 e era esplêndida em seu
planejamento urbano, com templos, fortes e jardins abundantes (fig.). Isso foi em boa parte obras dos reinados de
Deva Raya I (r. 1406 - 1422) e Krishnadeva Raya (r. 1509 - 1529). Essas obras foram descritas e testemunhadas por
viajantes estrangeiros impressionados com a magnificência da cidade. O persa Abdur Razzak que esteve no local no
século 15 escreveu [267]:
A cidade de Vijayanagara é tal que a pupila do olho nunca viu um lugar como este, e os ouvidos da inteligência nunca foram informados sobre algo
assim nada igual no mundo (tradução nossa).

E o português Domingo Paes assim expressou [268]:


As pessoas nesta cidade são inúmeras, tanto que eu não desejo contá-las temendo parecer fabuloso. O que eu vi parecia tão grande como Roma e
muito bonito à vista; há muitos bosques de árvores dentro dela, muitos pomares e jardins de árvores de fruto e muitas condutas de água que fluem no
meio dela, e em outros lugares existe vários lagos [grandes reservatórios de água] (tradução nossa).

Fig. – Expressão do esplendor arquitetônico e artístico de Vijayanagara, em Hampi, Karnataka.

Nos tempos do governo de Krishnadeva Raya, frequentaram ilustres poetas e escritores que contribuíram para o
nascimento da literatura em telugo e canaresa. Em telugo, os oito estudiosos [269] patrocinados pelo rei – conjunto
deles chamados de Ashta diggajas - produziram uma série de obras clássicas. Krishnadeva mesmo, o rei, como
amante e admirador das artes, chegou a compor também uma excepcional obra, o livro Amuktamalyada (“Aquele
que Veste e Concede Grinaldas”) na língua telugo entre 1509-1530, em que narra os amores e sofrimentos do
casamento do deus Vixnu com Andal ou Goda Devi, uma santa tâmil local (santos chamados de alvar). Acredita-se
que o rei teve a sua inspiração para escrever o livro depois de ter sonhado com Vixnu [270].

Índia e Sul da Ásia (De Babur a Baji Rao – Meados do Século 16 - 18)
Babur
Em 1525, um ano antes do avanço do fundador da Dinastia Mogol, Babur (r. 1526 - 1530) que atravessou o
Passo de Khyber, no Afeganistão, a mais importante passagem montanhosa do norte da Pérsia e Afeganistão para a
Índia, a realidade política indiana era fragmentada e instável com muitos governantes locais seguidores da religião
de Maomé.
Nascido no Uzbequistão e rei de Fergana desde 1495, Babur sentiu-se invencível nas suas campanhas e entendeu
de que sua glória e fortuna estavam todas nas incontáveis riquezas que a Índia poderia oferecer. Mas nunca pensou
em se tornar um indiano, era admirador e versado em persa e sua literatura e sonhava em conquistar e reerguer a
cidade uzbeque de Samarcanda [271], a retomar o fausto da época de um de seus mais ilustres antecessores, Timur,
Timur-i-Lang ou Tamerlão (1336 - 1405), e, por parte de sua mãe, de Temujin Khan (Gêngis Khan) (1162 - 1227).
Para tanto, evocando seus remotos parentes, considerou a si e para seus sucessores como timúridas [272], mas ficou
mais tarde conhecido pelos persas e ocidentais como mogóis, i.e., em parte descendentes de Timur, em parte de
Gêngis Khan.
Apesar de seu sonho sobre Samarcanda, não obteve êxito na conquista da cidade. E foi mais para o sul, passando
pela cordilheira do Hindu Kush, que chegou a sitiar a cidade de Cabul em 1504, estabelecendo um novo reino na
região e mantendo-se seu regente até 1526 [273]. A partir de então, Babur iniciou uma série e incursões de pilhagem
às regiões vizinhas, constatando a pobreza de recursos na região afegã por ele controlado. Em último momento,
reuniu um grande contingente de homens armados com mosquetes e canhões, adquiridos por contatos com os turcos
otomanos, e chegou a conquistar mais a sudoeste a histórica cidade de Kandahar (Candaar) em 1522, abrindo-lhe a
passagem desimpedida para o Hindustão, como a Índia era chamada à época pelos persas. Apenas aguardava uma
oportunidade propícia para atacar a cidade de Delhi.
E o momento adveio depois de anos de instabilidades políticas desde a morte do sultão de Delhi, Sikandar Lodi
em 1517. Seu sucessor, Ibrahim Lodi (1517 - 1526) reinou pifiamente o sultanato imerso em crises e disputas pelo
poder, chegando um de seus aliados a enviar um emissário a Cabul para pôr termo ao incompetente sultão de Delhi.
Diante disso, em 1525, Babur atravessou o Passo de Khyber, determinado a se tornar o novo sultão de Delhi [274].
A batalha decisiva que entrou para os anais da história se deu perto da cidade de Panipat, aproximadamente 80
km ao norte de Delhi, em 1526 (mapa). Apesar de ser numericamente inferior às tropas reunidas por Ibrahim Lodi,
Babur esteve seguro de suas tropas, mais ágeis, veteranas e com elementos surpresa no campo de batalha diante dos
pesados elefantes de guerra dos adversários: o efeito psicológico dos canhões. Seu filho, Humayun (1508 - 1556),
futuro sultão indiano, tomou as primeiras iniciativas no campo e conseguiu capturar na sua ofensiva centenas de
soldados e uma quantia considerável de pilhagem, causando grande orgulho ao seu pai e elevando a moral de suas
tropas.

Mapa - Máxima extensão de Babur após a batalha de Panipat, início do século 16.

Na batalha que se seguiu, Babur ciente de sua superior mobilidade e do fator surpresa, mobilizou sua cavalaria
circundando as tropas de Lodi e forçando-as por uma estreita passagem de terra, onde poderia concentrar o seu
poder de fogo de artilharia. Assim, Ibrahim Lodi foi morto e derrotado em batalha, dando termo à Dinastia Lodi.
Babur se vangloriou diante de sua vitória [275]: “[P]ela graça do Todo Poderoso Deus, esta difícil tarefa foi fácil para
mim e aquele poderoso exército, no espaço de metade de um dia foi arruinado ao pó” (tradução nossa).
Depois de Panipat, a cidade de Delhi foi ocupada. Em Agra, Humayun pilhou magníficos tesouros, entre eles o
famoso diamante Koh-i-Moor, um dos maiores diamantes do mundo e hoje a principal joia da Coroa Britânica.
Babur ainda enfrentou algumas lideranças rajputs que inconformados ambicionaram ocupar o trono em Delhi. E
nisso resultou a batalha de Khanwa, em 1527, em que o rajput Rana Sanga (1484 - 1527) foi derrotado no brilhante
uso tático de canhões de Babur. Assim, após os eventos e com a morte de Rana Sanga, foi estabelecida a presença
dos mogóis na Índia [276].
As causas da queda do sultanato de Delhi sob a Dinastia Lodi foram consideradas por historiadores. Entre os
fatores mais evidentes, de acordo com Chaurasia [277], consta a impopularidade dos regentes lodis, considerados
despóticos e intolerantes por boa parte da população hindu. Diante disso, à época de Ibrahim Lodi, a corte ocupava-
se em intrigas diante da lassidão do sultão em lidar com os assuntos de estado. Outros fatores considerados foi a
inaptidão do exército lodi, numeroso, mas pouco ágil e adequado às táticas de guerra de cavalaria e artilharia
empregadas por Babur.
Uma última batalha a assegurar e consolidar a dominação de Babur na região setentrional central na Índia foi
realizada em 1528, em Malwa. A despeito da heroica resiliência da população e dos rajputs no forte, os mogóis sob
Babur testemunharam um antigo rito de autoimolação em nome da honra dos rajputs, o jauhar. Em que, diante da
iminente derrota, crianças e mulheres rajputs cometeram suicídio e alguns homens depois enfrentaram a morte
sozinhos em batalha, conforme relatou com espanto Babur em seu livro de memórias, Baburnama [278].
Em 1530, após ter se assegurado no trono, Babur adoeceu e morreu aos 47 anos de idade. Um período de luto
seguiu-se entre seus aliados e familiares, conforme expressou sua filha, Gulbadan (c. 1523 – 1603): “Negro tornou-
se o dia para as crianças, parentes e todos” (tradução nossa) [279]. Humayun, seu filho, o sucede no poder aos 23 anos
de idade com muitos pretendentes rivais a reivindicar o seu trono.
Humayun
Ao ascender ao trono, Humayun (r. 1530 – 1540; r. 1555 - 1556) disputou o poder entre os pretendentes, Sher
Shah Suri (r. 1540 - 1545), governador que serviu a Babur em Bihar, a leste, e o sultão Baradur de Gujarate (r. 1526
– 1535; r. 1536 - 1537), ao sul e sudoeste. E durante os primeiros cinco anos de mandato de Humayun, esses dois
rivais obtiveram sucesso nos seus avanços territoriais. Sher Shah Suri assegurou-se a leste mesmo com a ofensiva
inicial de Humayun. Mas a ameaça maior veio do sul, pois Baradur fechou uma trégua temporária em 1534 com os
portugueses, garantindo-lhes alguns portos em Bassein (Baçaim), ao norte de Bombaim (Mumbai atual), e no
Gujarate, em Diu [280].
Em 1535, Baradur sofreu uma série de derrotas, ao perder os fortes de Champaner e Mandu frente à Humayun, o
que lhe assegurou presença estratégica na região central setentrional indiana além de Delhi e Agra. Em 1537,
Baradur, fragilizado diante das derrotas, visita os portugueses para negociações a bordo de um navio sob comando
de Nuno da Cunha (1487 – 1539). No evento, Baradur é morto e os lusitanos asseguram-se na região de Gujarate.
Após o fato, os mogóis sob Humayun, percebendo a mudança dos ventos, foram negociar com os portugueses,
cedendo-lhes o porto de Damão, ganhando assim os lusitanos o controle de vasta faixa costeira ocidental indiana,
desde Bombaim (Mumbai) ao sul até Diu ao norte, região denominada por eles de Províncias do Norte, além do
controle de Goa [281].
Mas ao se ausentar da capital, Humayun deixou abertos os acessos e defesas de Agra, Delhi e região. Apesar de
conseguido assegurar a defesa das cidades, Sher Shah Suri ampliou e consolidou seu poder, e saqueou a principal
cidade ao leste, Gaur em 1537, localizada estrategicamente ao longo do rio Ganges em Bengala. Humayun, depois
dos eventos, decidiu se retirar da vida política e mergulhou “numa vida de indulgência e luxúria” [282].
Nesse processo, seu irmão mais novo, Hindal Mirza (1519 - 1551) tomou as dianteiras do estado e do exército,
mas não conseguiu prevenir a tomada de toda a Bihar por Sher Shah Suri, incluindo a sagrada cidade de Varanasi.
Sitiou o forte em Chunar e Jaunpur, controlando todo o acesso fluvial do curso médio do rio Ganges e Yamuna no
atual estado de Uttar Pradesh. Para agravar ainda mais a situação, o outro irmão de Humayun, Kamran Mirza (1508
- 1557), deixado pelo seu pai a governar as províncias a nordeste em Punjab, percebendo a gravidade da situação dos
mogóis no Hindustão, partiu com seus homens de Lahore, atual Paquistão. Ao chegar em Delhi, negociou o futuro
do sultanato com o príncipe mogol Hindal Mirza (1519 - 1551), filho mais novo de Babur, e prometeu-lhe lealdade
depois da deposição de Humayun.
Para salvar seu futuro político, Humayun partiu então para o leste a negociar com Sher Shah Suri em 1539, na
cidade de Chausa, nas margens do rio Ganges. O resultado, em suma, foi o controle de partes de Bihar e Bengala por
parte de Sher Shah. Em contrapartida, ficou reconhecido que Humayun era o imperador mogol. Humayun
ingenuamente acreditou nesses termos, pois, logo após a sua retirada da cidade, as tropas de Sher Shah massacraram,
na calada da noite, todo o acampamento mogol. Por pouco não vindo a morrer o próprio Humayun. Sher Shah
voltou-se depois para Bengala e se proclamou Sultan-ul Adil, “O Soberano Justo” [283].
Em 1540, as tropas imperiais mogóis e as de Sher Shah se defrontaram de novo na cidade de Kannauj. Humayun
sofreu nova derrota e fugiu com o que lhe restou para Agra e depois a encontrar com seu irmão, Kamran Mirza em
Lahore, visando refortalecer-se e fechar aliança. Não houve consenso nesses encontros, deixando a situação do
Império Mogol à mercê das forças de Sher Shah. Humayun, derrotado e frustrado, durante os próximos quinze anos,
partiu para o seu exílio. Em 1544, buscando aliados, foi para Herat, no Afeganistão e depois cruzou a fronteira para
as terras persas. Ali, na corte dos persas safávidas (1510 - 1736), Humayun aceitou a fé xiita [284], abandonando o seu
credo sunita, e conseguiu mais tropas e apoio do shah [285] persa Tahmasp I (r. 1524 - 1576) para novas contra
ofensivas militares. Assim prosseguiu para Kandahar, Cabul e depois a Lahore, tirando Kamran do poder, em 1553
[286]
.
A partir de então, Humayun retoma as investidas bem sucedidas de seu pai no norte da Índia. Em 1545, Sher
Shah tinha morrido em batalha contra os rajputs no forte de Kalinjar, e seu filho sucessor, Islam Shah Suri (r. 1545 -
1554), não tinha o mesmo carisma e liderança de seu progenitor. Além do mais, Islam Shah tinha morrido em 1554,
provocando um cenário fragmentado de lealdades políticas sobre a sucessão. Assim, aproveitando a ocasião, e
fortalecido com sua aliança aos persas, Humayun entrou em Delhi e proclamou-se novamente como imperador
mogol em 1555. Ano seguinte, após ouvir um dos chamados para as preces diárias muçulmanas (azaan), Humayun
tropeçou nas escadas, bateu a cabeça e morreu três dias depois. Seu grandioso túmulo ainda permanece
resplandecente em Delhi, demonstrando os elementos arquitetônicos e artísticos indo-persa-islâmicos que irão
dominar a Índia sob a dinastia dos mogóis.
Akbar
Nascido no Sind, atual sul do Paquistão, e filho mais velho de Humayun, Akbar (1542 - 1605) já exerceu as
responsabilidade de governador de Punjab à época do fatal acidente que levou a vida de seu pai. Para garantir sua
sucessão ao trono, seu funcionário e guardião, Bairam Khan (c. 1501 - 1561), obstruiu e ocultou o quanto pôde a
morte de Humayun para não gerar maiores intrigas e disputas e dar tempo a Akbar assumir o trono em Delhi. Assim,
em 1556, aos 13 anos de idade, Akbar foi coroado imperador mogol, proclamado segundo as tradições persas com o
título Shahanshah (Rei dos Reis). Bairam continuaria sendo seu primeiro ministro (vakil) até ele completar a
maioridade [287]. E foi Bairam que também garantiu relativa estabilidade além de Delhi e Agra das ameaças de
pretendentes ao trono, como entre líderes afegãos e contra o rei hindu Hemu numa outra batalha vencida em Panipat
em 1556. Depois se seguiram as vitórias sobre rebeldes em Punjab, sobre Sikandar Shah, e em Ajmer, assegurando a
dominação no Rajastão em 1558 [288]. Apesar de sua lealdade, Bairam foi visto cada vez mais com olhos
desconfiados por Akbar. Em 1560, ordenou a Bairam ir fazer o hajj (“Peregrinação”) a Meca, que no caminho
decidiu se juntar aos rebeldes e foi derrotado em batalha no Punjab [289].
Akbar provou ser um líder militar de valor e continuou as campanhas vitoriosas no seu reinado. No auge de suas
extensões, o Império Mogol estendeu-se desde o Afeganistão ao norte, Sind a oeste, Bengala a leste até a foz do rio
Godavari ao sul. O seu sucesso imperial foi resultado de sua habilidade de manter as lealdades de seus aliados e o
carisma diante de seus súditos. Aliou-se com regentes rajputs derrotados, invés de demandar tributos, e concedeu-
lhes autonomia de governo sobre território local. Assim, conjugou um governo centralizado com alianças feitas com
autoridades locais.
E forjou ampla aliança política com laços matrimoniais. Como quando se casou com princesas hindus, como a
Jodha Bai (Heer Kunwari) (1542 - 1623) em 1562, filha mais velha do regente de Jaipur, assim como as princesas de
Bikaner e Jaisalmer. Assim tornaram os membros dessas famílias reais rajputs parte plena de sua família, deixando
de ser considerado como um sinal de degradação aos olhos dos regentes hindus [290].
Em termos de administração, Akbar em 1574 reformou todo o sistema de tributação. Cada governador, subah,
era responsável por manter a ordem em sua região, enquanto um coletor de impostos independente e designado
recolhia os impostos e mandava-os à capital. Isso criou um sistema de equilíbrio e controle em cada região, pois
aquele que tinha os recursos coletados em impostos não detinha comando de tropas e aqueles que tinham tropas à
sua disposição não tinham os recursos, todos a depender do governo central. E para selar o controle central sobre a
administração nas províncias, saíam do tesouro imperial os salários fixos de cada funcionário civil e militar de
acordo com o seu posto ou cargo na hierarquia [291] [292].
No campo religioso, Akbar destacou-se pela sua intensa curiosidade pela diversidade. Participou e patrocinou
festivais de outros credos e, em 1575, na cidade de Fatehpur Sikri onde mandou construir, seguindo o plano e estilo
persa, um templo (Ibadat Khana, “Casa de Adoração”) onde frequentemente hospedou estudiosos de outras religiões
– hindus, zoroastrianos, cristãos, iogues e muçulmanos de outras seitas (fig.). Ademais, era comum na sua corte a
celebração de festivais hindus como o Diwali e o Shivaratri [293]. E ele autorizou a construção de uma igreja pelos
jesuítas em Agra e desencorajou o abate de gado pela sociedade a respeitar os preceitos hindus.
Fig. – Imperador Akbar recebendo representantes de várias crenças religiosas, no Ibadat Khana (“Casa das Adorações”) em Fatehpur Sikri.

Em 1579, uma declaração, mazhar, foi declarada concedendo autoridade ao imperador a interpretar as leis e
costumes religiosos, colocando-se acima dos entendimentos dos estudiosos islâmicos, os mullahs (ou mulás). Isso
ficou conhecido como o Decreto de Infalibilidade que permitiu a Akbar o poder de criar um estado multicultural e
inter-religioso. Em 1582, Akbar estabeleceu um novo culto, o Din-i-Ilahi (“Fé Divina”), combinando elementos do
Islã, Hinduísmo e Zoroastrismo. A fé tinha como centro Akbar como profeta e líder espiritual, mas não sobreviveu
ao seu reinado.
Ao contrário de seu pai, Humayun, e de seu avô, Babur, Akbar não tinha vocação e amplo conhecimento das
letras e artes. Todavia, alimentou grande admiração pela cultura e discussões intelectuais. E foi no seu reinado que o
estilo mogol de arquitetura ganhou novo fôlego, combinando elementos islâmicos, persas e hindus. Patrocinou
grandes estudiosos, poetas, músicos, artistas, filósofos e engenheiros na sua corte em Delhi e em Fatehpur Sikri.
Entre esses cortesãos, estão os chamados do grupo Navaratna (“Nove Joias”). Grupo que serviu ao imperador
como conselheiros e artistas, incluindo o biógrafo de Akbar, Abul Fazl ibn Mubarak (1551 - 1602), que compôs a
obra em três volumes de sua vida, o Akbarnama. No grupo houve também uma plêiade de talentos: o poeta laureado
Abul Faizi (1547 - 1595), o proeminente músico e compositor Mian Tansen (c. 1493 - 1585), o mais sagaz dos
conselheiros da corte, Raja Birbal (1528 - 1586), o ministro das finanças Raja Todar Mal (? – 1589), o general Raja
Man Singh (1550 - 1614), o talentoso escritor e militar, Abdul Rahim Khan-I-Khana (1556 - 1627), e os visionários
conselheiros Fagir Aziao-Din (1613 - ?) e Mullah Do-Piyaza (? – c. 1620), este último ainda objeto controverso de
verificabilidade histórica [294].
Sua morte adveio em 1605, aparentemente de disenteria [295]. Alguns estudiosos desconfiam que o infortúnio
decorreu de envenenamento possivelmente ligado às intrigas de seu filho, Jahangir, que acabou sucedendo-o.
Jahangir
O príncipe Salim (1569 – 1627), assim nomeado antes de ganhar o nome imperial, Jahangir, foi o filho mais
velho de Akbar e de sua esposa rajput, Jodh Bai. Sua criação e educação foram esmeradas, cresceu em Fatehpur
Sikri, rodeado de tutores persas, turcos, árabes e hindus. Seu professor mais influente foi Abdul Rahim Khan-I-
Khana (1556 - 1627), um gênio militar, diplomata e escritor que foi integrante do conselho dos sábios de Akbar, o
Naravatna. Foi sob seu ensino que o príncipe à época começou a apreciar as artes e os versos.
Recebeu também instruções sobre administração civil e militar. Acumulou experiência quando conduziu
vitoriosamente uma expedição militar em Cabul em 1581. Em 1585, foi promovido ao mais alto cargo de oficial do
exército, mansadbar, a comandar mais de 10 mil homens. Mas o príncipe também tinha suas predileções mundanas,
era amante do vinho e bon vivant. Também era impaciente e ambicioso. Almejou o trono mesmo antes da morte de
seu pai, como quando praticou um golpe em 1600. Mas a fortuna lhe favoreceu somente cinco anos depois, em
1605, quando Akbar morreu e Jahangir assumiu o trono com apoio de várias mulheres influentes do harém imperial
e cortesãos.
Uma vez no poder, Jahangir, com 36 anos de idade, se defrontou com as ambições de seu filho mais velho, o
príncipe Khusrau (1587 - 1622). Este somente desistiu do trono após ser derrotado em batalha perto de Jullunder em
1605. Jahangir depois voltou sua atenção ao líder sikh, Guru Arjun (1563 - 1606), que havia apoiado e financiado as
revoltas de Khusrau e castigou-o pelas ofensas feitas.
Mas isso não denotava a implacabilidade de seu senso de justiça. Jahangir buscou ser justo de maneira equânime.
Uma de seus atos mais famosos, apesar de imerso em lendas, foi ter estendido uma “corrente da justiça” feita de
ouro, fora do forte de Agra. Aquele que se sentisse injustiçado e conseguisse chamar a atenção do imperador
puxando a corrente poderia ter seu caso novamente julgado [296].
Sua política territorial seguiu a tendência expansionista de seu pai, embora não tenha sido tão triunfante. Em
1605, ele mandou seu segundo filho a reprimir as revoltas lideradas pelo marajá de Mewar, Rana Amar Singh (1559
- 1620). Mas o estratégico forte de Chittor não foi facilmente conquistado e somente foi resolvido o impasse na
assinatura de um tratado em 1615, com o reconhecimento de suserania por parte de Rana [297]. Em contrapartida, a
família real de Mewar foi reconhecida com absolutos poderes na região e sua família foi incorporada aos da casa dos
Timúridas. Esse entendimento consistiu num marco nas relações entre uma das famílias mais poderosas dos rajputs e
o trono em Delhi. Diante disso, Jahangir mandou erguer duas estátuas de mármore de Rana e seu filho, Karan, nos
jardins de seu palácio em Agra [298].
Em outras partes da Índia, Jahangir mandou expedições contra rebeldes perto das fronteiras orientais em Assam e
incorporou uma série de territórios perto dos Himalaias, desde a Caxemira ao norte a Bengala a leste. Nas terras
afegãs, Jahangir desafiou a hegemonia dos regentes persas da Dinastia Safávida, ambicionando controlar Cabul,
Peshawar e Kandahar, importantes e prósperos centros comerciais da Ásia Central com o norte indiano. Em 1622,
Jahangir mandou seu filho, o príncipe Khurram (que se tornará o imperador Shah Jahan) a pacificar os rebeldes na
direção sul nos sultanatos independentes de Ahmadnagar [299], Bijapur e Golconda. Mas o maior sucesso militar de
Jahangir tenha sido a captura do forte de Kangra, no Punjab, em 1620 [300], ganhando uma presença estratégica na
região noroeste indiana.
Jahangir manteve, com seu pai, uma corte variada e tolerante com todas as ideias, talentos e credos. Ele se
impressionava com os debates religiosos. Prova disso foi o relato do primeiro embaixador formal inglês em 1615,
Sir Thomas Roe, sobre a calorosa recepção que o imperador promovia a hindus, muçulmanos, cristãos e judeus. Os
festivais hindus também, tal como fez seu pai, foram permitidos. Os jesuítas foram tratados com respeito e cortesia.
E a presença deles começou a ser usada cada vez mais com fins político a fim de favorecer os interesses dos
portugueses contra os britânicos anglicanos e outros cristãos protestantes. Como quando preveniram o sucesso da
missão do capitão inglês William Hawkins, em 1608, de entregar uma carta do rei Jaime I e a negociar pelos
interesses da Companhia Britânica das Índias Orientais [301]. Os portugueses não ficaram para trás, pois negociaram
seus interesses em torno do lucrativo comércio de exportar da Índia índigo e de tecidos chitas. Os holandeses, por
sua vez, visando ligar uma rota de comércio com as Ilhas das Especiarias (atual Ilhas Molucas, região oriental da
Indonésia) aportaram em Paliacate, ao norte de Madras (atual Chennai, principal porto no sudeste indiano à época
[302]
.
O reinado de Jahangir caracterizou-se também pelas notáveis obras arquitetônicas. A influência persa foi
materializada na construção do túmulo em mármore em Agra ao imperador, terminado em 1628. Diferente do
grandioso Taj Mahal, construído pelo seu sucessor, a construção apresenta as características sofisticadas em suas
paredes de belas incrustações no mármore, características que se tornarão notáveis na arquitetura e arte mogol. Outra
construção de destaque foi a renovação que foi feita no túmulo de seu pai, Akbar, em Sikandra, e da grandiosa
mesquita erguida em Lahore, no Paquistão.
O grande interesse de Jahangir por pinturas e retratos resultou em obras surpreendentes no seu reinado. Crescido
em Fatehpur Sikri, rodeado de artistas nos ateliês patrocinados por seu pai, Akbar, Jahangir foi um entusiasta no
assunto. Um novo estilo que Jahangir promoveu em sua corte foi o retrato político, como aquele que o retrata
abraçando efusivamente o imperador persa, Shah Abbas (r. 1588 - 1629).
Entre seus laços matrimoniais, com várias princesas rajputs e de famílias poderosas aliadas, a mais importante
das esposas dele foi Mehr Um Nisa – conhecida como Nur Jahan (1577 - 1645) (“Luz do Mundo”). Nur Jahan foi
uma mulher de extraordinária energia e talento. De origem nobre persa, ela trouxe a refinada cultura de sua corte
safávida de origem, além de escritores, arquitetos, artistas e músicos para Agra. E na corte mogol, além da influência
cultural, tinha pretensões políticas.
Deu à luz ao príncipe real e filho mais velho de Jahangir, Khusrau (1587 - 1622). Este, seguindo os conselhos de
sua mãe, seguiu convencido de que deveria disputar o trono imperial contra seu outro meio-irmão mais novo, o
príncipe Khurram (1592 - 1666), que depois se tornará no futuro imperador Shah Jahan (r. 1628 - 1658). Assim, no
agravamento das doenças de Jahangir, em 1622, Nur Mahal convence Jahangir de que o príncipe Khurram deveria
partir em campanha militar no Decão, longe dos negócios da corte em Agra. Khurram assim seguiu mas levou
consigo o príncipe Khusrau. Ao ouvir boatos de que Jahangir estava à beira da morte, Khurram resolveu então matar
seu meio-irmão e eliminar seus oponentes ao trono.
Um ano após, em 1623, o príncipe Khurram marchou para Agra com seus homens mais leais. Nur Mahal,
naturalmente, buscou mobilizar as tropas imperiais a conter essa rebelião. Khurram conseguiu evadir-se para regiões
meridionais da Índia por mais de três anos antes de finalmente retornar para o encontro de seu pai em seus
momentos finais de vida.
O imperador Jahangir já vinha adoecendo ao longo dos anos, antes de sua morte em 1627. Nos anos finais de
reinado, desiludido com a política e as disputas pelo poder, buscou se refugiar em suas posses ao norte, de clima
mais ameno, na Caxemira. Ali ele lidava com os jardins cultivados e animais de apreciação. Sua paixão pela
botânica era tamanha que buscou construir jardins artificiais como o Shalimar Bagh em Srinagar, na Caxemira em
1619.
A morte do imperador adveio em 1627, numa pequena vila na Caxemira. O que catalisaram os pretendentes e as
intrigas pelo trono.
Shah Jahan
Shah Jahan (1592 – 1666) nasceu com o nome de príncipe Khurram em Lahore em 1592. Terceiro filho do
imperado Jahangir, sua vida foi marcada por intensas disputas pelo poder, a competir com seus irmãos e a influência
da imperatriz Nur Jahan. Ascendeu ao trono em Agra em 1628. Como príncipe, sua carreira militar foi marcada por
várias campanhas de consolidação interna e nas fronteiras, como em Mewar (1615) e no Decão (1617 a 1621), ao sul
indiano, e em Kangra (1618), a noroeste.
A despeito de ser filho de mãe hindu, a princesa de Marwar do Rajastão, Jagat Gosaini, o príncipe Khurram não
seguiu a mesma política de tolerância religiosa de seus antecessores. Em 1632, já como imperador Shah Jahan, ele
ordenou que todos os templos hindus recém erguidos fossem desfeitos. As igrejas cristãs em Agra e Lahore foram
destruídas e o assentamento português em Hugli, perto de Calcutá na Bengala, foi atacado, pois esses europeus
foram considerados como espiões e traidores a propagar doutrinas heréticas ao império [303].
Entre 1630 e 1636, Shah Jahan reduziu a soberania dos sultanatos independentes em Ahmadnagar em 1632, em
Golconda em 1635 e em Bijaur em 1636 (mapa). A noroeste, no entanto, não foi tão bem-sucedido. Em 1647 sua
tentativa de anexar Balkh e Badakshan, terras ancestrais do imperador fundador dos mogóis na Índia, fracassou. Na
região das terras afegãs, Shah Jahan entrou em longos conflitos com as tropas persas dos safávidas, na chamada
Guerra Mogol-Safávida (1649 - 1653), quando os persas tomaram o controle de Bamyan e Kandahar [304].

Mapa - Extensão do império mogol sob Shah Jahan, em 1637.

Teve três esposas. Sua segunda esposa, Mumtaz Mahal (1593 - 1631) (“A Joia do Palácio”), com quem se casou
em 1621, morreu depois de ter dado luz a 14 dos seus 16 filhos. Era sua companheira mais fiel e amada, e foi em
homenagem a ela que Shah Jahan mandou erguer em 1648, em Agra, um dos monumentos mais belos da arquitetura
mundial, o Taj Mahal (fig.). Nesse mausoléu, constam os detalhes delicados nas incrustações nos mármores, as
inscrições de textos corânicos nos portais, além do aprazível jardim ordenado inspirados no conceito persa, o
charbagh [305]. Foram usados pelas mãos dos artistas, ônix, lápis-lazúli, cornalina, malaquita entre outros. Uma
composição única, simétrica e esplêndida que expressa a serenidade e a leveza de um edifício que já descrito como
por Rabindranath Tagore como “uma lágrima na face da eternidade” e por Rudyard Kipling como “a encarnação de
todas as coisas puras” [306].

Fig. – O magnífico mausoléu de Taj Mahal, construído entre 1632 a 1653 a mando de Shah Jahan a homenagear sua amada morta, Mumtaz Mahal.
Agra, Uttar Pradesh.

A Mesquita de Jama (Jama Masjid) em Delhi, e a Mesquita da Pérola (Moti Masjid) em Agra são outras duas
obras-primas da arquitetura mogol. E na parte antiga da cidade de Delhi, Shah Jahan mandou construir uma nova
capital em 1639, Shahjanabad, com o seu imponente Forte Vermelho. E dentro desse forte, um Salão de Audiências
Especiais (também conhecido como Palácio do Imperador, Shah Mahal) onde o imperador sentava-se num trono
cravejado de rubis, pérolas e esmeraldas e, no dossel, dois pavões dourados que deu fama e renome como o Trono
do Pavão [307].
No campo das letras de seu reinado, a literatura em hindi ganhou grande alento e foram patrocinados escritores e
poetas nessa língua como o seu chefe de gabinete Sundar Das e o poeta Chintamani, músicos e compositores como
os exímios Jagannath, Sukh Sen e Lal Khan [308] [309] [310]. E outras obras clássicas também foram escritas no período
em persa, a língua da corte, como as do historiador Amin Qazvini [311].
A partir de 1657, a saúde de Shah Jahan começou a dar sinais de deterioração. Isso gerou entre seus quatro
filhos, Dara Shikoh (1615 - 1659), Shuja (1616 - 1661), Murad Baksh (1624 - 1661) e Aurangzeb (1618 - 1707),
iniciativas e intrigas visando à sucessão [312]. Eventualmente, foram resolvidas as diferenças entre Dara Shikoh e
Aurangzeb, que provou ser o mais bem-sucedido ao trono. Visando garantir seu poder, ao adentrar a cidade de Agra
em 1658, Aurangzeb capturou seu pai adoecido e aprisionou-o no forte de Agra. Consta a lenda de que sua cela
tinha vista para o Taj Mahal. Shah Jahan morreu aos 74 anos de idade, em 1666, nessas condições, assistido e
cuidado pela sua filha mais velha, Jahanara Beguim Sahib (1614 - 1681) [313].
Aurangzeb
O sexto imperador mogol, Aurangzeb (1618 - 1707), nomeado com o nome imperial de Alamgir I, regeu sobre
boa parte do subcontinente indiano por quase 50 anos, desde 1658 até o seu óbito em 1707. Nesse meio tempo, o
império mogol conheceu sua extensão territorial máxima (mapa), mas as desgastantes campanhas contra rebeldes no
Decão geraram um grande déficit do tesouro imperial. Depois de sua morte, a dinastia dos mogóis entrou em um
período de longo declínio diante de novos invasores e insurgentes.
Mapa - Império Mogol sob Akbar (em vermelho) e depois das expansões de Shah Jahan e Aurangzeb (em azul).

A sua disputada ascensão ao trono diante de seus quatro irmãos demonstrou a sua implacabilidade. Assegurou a
prisão de seu irmão Murad Baksh, seu maior oponente pelo trono, até a sua morte em 1661. Seu outro irmão, Dara
Shikoh, um ex-aliado, agora se juntou ao seu outro irmão, Shuja. A este último Aurangzeb tinha prometido o
governo da próspera região de Bengala, mas sua incerteza diante das promessas – e após ser derrotado em batalha
em 1660 - o levou a fuga ao exílio para a região mais a leste hoje em Mianmar (ex-Birmânia), no reino de Arakan
(em português, Arracão) [314].
Aurangzeb manteve convicções bastante firmes e ortodoxas a respeito de suas crenças religiosas. Era um
muçulmano convicto e acreditava que as fontes corânicas sobre os costumes e leis, a shari’a [315], era base para as
codificações legais. Os costumes na corte mogol também mudaram drasticamente. De acordo com a nova
interpretação da lei, reunidas na compilação de leis instituídas chamadas de Fatawa-e-Alamgiri [316], foi proibida a
música, a dança e o canto. As artes representativas, com base nos novos preceitos islâmicos interpretados, como a
pintura figurativa e de retrato foram banidas. Como consequência, imagens e representações foram desfiguradas.
Entre os não-muçulmanos, como a maioria hindu, práticas tradicionais como o darshan [317] foi coibido, e templos
hindus foram profanados e destruídos, como o Vishvanath em Varanasi (antiga Benares) em 1669 e o templo a
Krishna em Matura, o Keshava Deva em 1661, erguendo no local uma mesquita, a Katra Masjid [318].
Assim, Aurangzeb agiu para conter questionamentos de sua ordem política contra supostos hereges (kafir) que
poderiam ameaçar a estabilidade de seu governo. E nesse sentido, diferentemente de seus antecessores como Akbar,
não demonstrou uma política tolerante para formar duradouras alianças com regentes hindus (rajás) locais como os
rajputs.
A repressão aos rebeldes foi a primazia de sua política imperial, ao invés de selar as alianças internas ao norte.
Ao se voltar para as campanhas ao sul, Aurangzeb decidiu, tal como Muhammad Tughluq o fizera alguns séculos
antes, mudou a capital imperial de Delhi para uma nova, Aurangabad, no Decão. Fazendo assim, o imperador e sua
corte deixaram exposta a região norte indiana para regentes e líderes insatisfeitos. Sua atenção voltou-se ao seu mais
formidável adversário político e militar, o império hindu dos maratas.
No Punjab, a noroeste, uma nova religião que foi fundada em fins do século 15 por Guru Nanak (1469 – 1539)
que combinou elementos do Islã, do hinduísmo e de outras crenças, resultou numa seita quietista que rejeita
qualquer sentido de hierarquia, privilégios e líderes. Infundiu nos seus seguidores um senso de disciplina e lealdade
que resultou em coesas comunidades contra eventuais opressores muçulmanos. Sob Aurangzeb, o líder sikh Guru
Tegh Bahadur (1621 - 1675) foi executado em Delhi e foi proibida a construção de seus templos (gurdwaras). As
relações com esses seguidores foram duras.
Diante dessa situação delicada, Aurangzeb decidiu nomear seu filho, Bahadur Shah (1643 - 1712), futuro oitavo
imperador mogol, como governador das províncias a noroeste, incluindo o Punjab dos sikhs. O novo governador
decidiu abrandar sua política com os sikhs, mas, mesmo assim, o líder sikh Guru Gobind Singh (1666 - 1708)
decidiu se preparar para eventualidades futuras e estabeleceu uma nova ordem sikh em 1699, de “santos guerreiros”,
khalsa, disciplinados e dispostos a morrer pela sua causa [319]. Os conflitos contra os mogóis e rajputs aliados se
concretizaram anos depois, em Chamkaur em 1704, com a morte dos filhos de Gobind Singh e do exército sikh.
Mais a leste, na Bengala, região distante e tradicionalmente autônoma de Delhi, os seguidores mais brandos e
tolerantes do Islã, os muçulmanos sufis, descontentes com a ortodoxia rígida de Aurangzeb, acharam abrigo e poder
[320]
.
A Guerra Mogol-Marata
Mais foi no Decão que Aurangzeb enfrentou suas maiores dificuldades. Ainda como príncipe sob o trono de seu
pai, Shah Jahan, Aurangzeb já tinha atacado os sultanatos de Ahmadnagar e Golconda (1636) e de Bijapur (que
somente iria ser incorporado em 1686) e colocou sob sua autoridade os regentes aliados (nawabs, ou nababos em
português).
Em 1657 as rebeliões no Decão sob Aurangzeb começaram a se intensificar. Usando táticas de guerrilha,
embustes e subterfúgios, Shivaji Bhosle (1630 - 1680) (fig.) tomou o controle de alguns fortes em Bijapur,
assumindo de fato a liderança dos maratas. Mais tarde, fortalecidos diante da retirada dos mogóis, o exército de
Shivaji conseguiu capturar e matar o general Afzal Khan em 1659 na batalha de Pratapgad, transformando as forças
maratas em uma poderosa força militar no flanco sul do império mogol [321]. Um ano depois, Shivaji ousadamente
atacou e retomou o controle de Pune, em Maarastra, derrotando um dos generais mais confiáveis de Aurangzeb,
Shaista Khan [322].

Fig. – Retrato de Shivaji, líder dos maratas.

Por fim, Aurangzeb mandou então o general hindu Jai Singh a tomar as ofensivas contra os maratas. Inicialmente
o general foi bem sucedido, a ponto de capturar alguns fortes dos maratas e chegando a um acordo temporário com
Shivaji, no Tratado de Purandar de 1665. No caminho a Agra, no entanto, o líder marata e seu filho foram colocados
em prisão domiciliar, de onde conseguiram escapar. Retornando ao Decão, expulsou as forças mogóis e foi coroado
com o título de Chhatrapati, imperador da Confederação Marata em 1674 [323]. Seis anos depois, Shivaji morreu e
passou o comando marata a seu filho, Sambhaji (r. 1680 - 1689).
O filho de Aurangzeb, Muhammad Akbar (1657 - 1706) decidiu então iniciar diálogos e fechou alianças com
Sambhaji, almejando uma futura união para o império mogol. Mas Aurangzeb tinha outros planos, ao mudar a
capital mais para o sul, para Aurangabad e tomou controle pessoal das operações no Decão. Após outras batalhas,
Muhammad Akbar decidiu fugir para o exílio na Pérsia. Sambhaji eventualmente foi capturado, torturado e morto
em 1689. Sucedeu ao comando marata Rajaram Bhosale (r. 1689 - 1700), mas a Confederação Marata entrou em
período de desunião e fragilidade [324]. Os confrontos com os mogóis ainda perduraram por muitos anos, sob
múltiplos comandantes locais maratas (sardars), custando a Aurangzeb grande número de vidas e recursos
desgastantes.
Ao fim, as guerras entre os mogóis e os maratas perduraram por mais de 25 anos, de 1680 a 1707, até a morte de
Aurangzeb. A respeito dos custos da guerra e do fim do imperador mogol, o indologista Stanley Wolpert concluiu:
A conquista do Decão, ao qual, Alamgir [Aurangzeb] dedicou os últimos vinte e seis anos de sua vida, foi em muitos aspectos uma vitória de Pirro,
com um custo estimado de centenas de milhares de vidas por ano durante a última década de um jogo de xadrez fútil (...) A despesa em ouro e rúpias
dificilmente pode ser estimada com precisão. A base de acampamento de Aurangzeb era como um capital em movimento - uma cidade de tendas
com 48 km de circunferência, com cerca de 250 bazares, com meio milhão de pessoas, 50 mil camelos e 30 mil elefantes, os quais tiveram que ser
alimentados, despojando do Decão de todo seus grãos excedentes e riqueza (...) Não somente a fome, mas a peste bubônica irrompeu (...) Mesmo
Aurangzeb, não conseguia mais compreender a finalidade de tudo isso ao se aproximar dos 90 anos de idade (...) "Eu vim sozinho e partirei como
um estranho. Eu não sei mais quem eu sou, nem o que tenho vindo a fazer aqui", foi o que o velho confessou a seu filho, Azam, em fevereiro 1707
[325]
(tradução nossa).

Quem sucedeu Aurangzeb foi seu filho mais velho Muazzam, com o nome de Bahadur Shah (r. 1707 - 1712),
que governou por cinco anos e foi incapaz de conter a dissolução do império mogol. Aspirando uma ordem com os
maratas, nomeou como regente (rajá) de Satara o neto de Shivaji, Shahuji Bhosle (1682–1749). E este nomeou como
seu principal ministro (peshwa), Balaji Vishwanath (1662 - 1720), que colocou em ordem as finanças e o poder
entre os maratas. O filho de Balaji, Baji Rao (1700 - 1740), tomou o cargo de seu pai aos 19 anos de idade,
mantendo o seu ofício de 1720 a 1740, durante o qual provou ser um brilhante administrador e estrategista e
ascendeu como o supremo líder militar, político e governante de facto sobre os maratas [326].
Em seu auge, diante da imobilidade dos mogóis, Baji Rao conduziu o avanço marata até a cidade de Delhi, que
foi capturada rapidamente em 1737 mas não ocupada, pois o líder marata soube que não poderia assegurar seu
controle por tempo duradouro [327]. Ao invés, Baji Rao negociou com o Trono do Pavão e ratificou os domínios
maratas mais ao sul. Mas a queda de Delhi demonstrou claramente que o império mogol estava em declínio. E ficou
ainda mais evidenciado com a vulnerabilidade de Delhi diante do saque que a cidade sofreu por tropas persas que a
invadiram após a batalha de Karnal em 1739, sob o comando do rei persa Nader Shah (1698 - 1747) [328] [329].
A respeito do estado a que ficou reduzido Delhi e o Império Mogol depois de Nader Shah, o historiador
Abraham Eraly epitomou:
Em poucas décadas, o império desapareceu por completo e as autoridades do imperador confinaram-se à cidade de Delhi apenas. Pouco depois, até
mesmo esse privilégio mesquinho foi perdido, tornando o imperador um pensionista, primeiro dos maratas, depois dos britânicos. Mas ele ainda foi
chamado de imperador mogol; os outros poderiam ocupar seus territórios, saquear seus tesouros, privá-lo do poder, mas ninguém poderia tirar seu
título ou prestígio (apesar de vazio) que mantinha. Assim ocupou um mogol o trono imperial em Delhi por um século e meio após Aurangzeb [330]
(tradução nossa).

Ao considerarmos o século 18, inúmeros potentados locais se consolidaram com o colapso do regime mogol,
assim como o ocorrido com o fim do império gupta. Em Bengala, o regente local, o nawab (nababo em português,
título honorífico dado pelo imperador mogol) assegurou maior independência, como também o de Awadh, na atual
região de Uttar Pradesh, centro norte indiano. Um vizir mogol, espécie de grão-ministro e conselheiro do imperador,
Mir Qamar-ud-din Khan Siddiqi, em 1724, decidiu deixar Delhi após a morte de Aurangzeb e foi fundar uma
dinastia própria, a de Asaf Jahi, mais ao sul, no Decão, em Hyderabad, sob o título muçulmano de nizam, Nizam-ul-
Mulk (r. 1724 - 1748). Os maratas, por sua vez, prosseguiram sua política de conquistas na Índia Ocidental, e o sul
indiano fracionou-se em pequenas unidades resultado da dissolução do império Vijayanagara. Ao norte, por fim,
região tradicionalmente dominada pelos mogóis, as invasões de afegãos liderados por Ahmad Shah Durrani (1722 -
1772) foram marcantes na década de 1750 [331].

Índia e Sul da Ásia (De Dupleix a Cornwallis - Séculos 17 e 18)


Os europeus e a Índia
Na perspectiva indiana dos mogóis, a presença europeia nos séculos 16 e 17 foi de menor importância. Os
portugueses que tinham se estabelecido em Gujarate, foram expulsos com a retomada da região em 1574 e de Hugli,
na Bengala, em 1632. Como mercadores marítimos, os lusitanos foram bem recebidos, garantindo-lhes os mesmos
direitos com que foram tratados outros comerciantes nos portos indianos. Mas a aparição de outros europeus, como
os britânicos e holandeses, foi bem vista por regentes indianos, pois assim ofereciam a quebra de monopólio
marítimo no Oceano Índico a tratar com países mais a oeste.
As consequências da presença europeia sobre os assuntos políticos mogóis ainda eram diminutas nos séculos 16
e 17. Os portugueses concentraram-se, talvez por estratégia, talvez por incapacidade, em cidades portuárias, com
foco nos mares e no comércio mundial. Ademais, ficaram à mercê do regime dos ventos de monções, que forneciam
ventos favoráveis para a costa indiana somente por alguns meses do ano. Assim, os lusitanos se contentaram com a
sua presença costeira indiana, principalmente na costa de Malabar até a cidade de Goa.
Ao mesmo tempo em que os portugueses tinham se assegurado em algumas partes do litoral indiano (mapa), os
holandeses, ao longo do século 17, tinham consolidado uma economia forte e sólida o suficiente para financiar suas
viagens para o Oriente e Índia em busca de mercadorias lucrativas. Em 1602, foi fundada a Companhia das Índias
Orientais Holandesas (Verenigde Oost-Indische Compagnie ou VOC), visando captar investimentos e minimizar os
riscos das empreitadas desse vulto. E tinham em mente, antes de tudo, assegurar uma rota segura com as ilhas
indonésias, especificamente nas ilhas Molucas, de onde extraíram enormes lucros nas praças europeias. Em 1619,
visando assegurar esse comércio, fundou na ilha de Java a cidade de Batávia, hoje Jacarta, capital da Indonésia [332].
Em Londres, em 1600, foi fundada a Companhia Britânica das Índias Orientais (British East India Company,
doravante BEIC) que começou a operar em moldes parecidos com os holandeses, mas em escala menor à época [333].
Em 1612, Sir Thomas Roe tinha negociado de maneira bem sucedida um posto comercial na Índia em Surat, no
litoral ocidental. Aumentando suas ambições comerciais, em 1640, a BEIC alugou um terreno para fazer um forte,
do que viria a se chamar Madras (atual Chennai) na costa oriental indiana.
Mapa - Assentamentos europeus na Índia, de 1498 a 1739, com as respectivas bandeiras nacionais.

O declínio dos portugueses na Índia iniciou-se com as ofensivas holandesas que tinham declarado guerra aos
espanhóis, época em que eram unidos aos lusitanos na União Ibérica (1580 – 1640). Aproveitando-se da situação, os
holandeses buscaram capturar e ocupar as bases portuguesas no continente americano, africano e asiático, durante a
chamada Guerra Luso-Holandesa (1595 - 1663). Já em 1658, com a ajuda do rei cingalês de Kandy, Rajasimha II (r.
1629 - 1687), os holandeses expulsaram os últimos portugueses da ilha de Ceilão (atual Sri Lanka) [334] e, depois, de
Cochim em 1662, assim assegurando o lucrativo comércio de canela na região.
Para pôr termo às guerras, foi assinado o Tratado de Haia em 1661, aceitando os portugueses as perdas na Índia e
outros lugares na Ásia, como compensação ao controle lusitano do nordeste brasileiro. Neste mesmo ano, Bombaim
que tinha visto a presença portuguesa desde 1534, foi cedida ao Reino Unido como dote do casamento entre a
Infanta Catarina de Bragança e o Rei Carlos II de Inglaterra. Dali em diante, até fins do século 17, Bombaim se
tornaria uma das principais bases indianas da BEIC.
Em meados do século 17, o Império Mogol vivia ainda no seu auge sob Shah Jahan, e desconsiderava a presença
europeia na Índia. Mas alguns sinais preocupantes, sob a regência de Aurangzeb começaram a aparecer. De 1686 a
1690, na chamada Guerra de Child [335], os britânicos empreenderam batalhas navais contra a marinha mogol e
bloqueou o comércio da região da Bengala com o sudeste asiático. Como resultado, Aurangzeb expulsou a BEIC da
cidade de Hugli na Bengala que, depois de pedidos de misericórdia por parte da companhia britânica, a companhia
britânica se mudou para uma pequena vila pantanosa mais ao sul em direção ao delta do rio Ganges, Calcutá [336].
Os franceses foram os últimos europeus do século 17 que organizaram uma companhia de comércio com a Índia.
Seis décadas após os ingleses e holandeses, a França fundou, em 1664, sob a supervisão de seu ministro das
finanças, Jean Bapiste Colbert, a La Compagnie Française des Indes Orientales (CFIO, Companhia Francesa das
Índias Orientais) seguindo o exemplo e organização da companhia holandesa. Alguns historiadores franceses
tentaram explicar tal atraso. E apontam como causa o desinteresse e visão paroquial de mercadores e da elite
francesa, inseridos na capital, Paris, afastados dos portos e litoral francês [337]. A primeira presença francesa na Índia
se deu em 1667, sob o huguenote François Caron que tinha trabalhado na VOC e com a ajuda de um armênio de
Isfahan, Martin Marcara Avanchins, que aportaram em Surat [338].
Dois anos depois, os franceses tentaram sem sucesso obter a aliança dos britânicos do forte de Madras contra as
bases holandesas na Índia durante a Primeira Guerra Anglo-Holandesa (1652 - 1674). Mas foi somente graças a um
aventureiro, François Martin (1634 - 1706), que os franceses finalmente conseguiram assegurar uma base indiana,
em Pondicherry em 1674 [339]. Seus planos e experiência forneceram as orientações para a construção política
francesa na Índia ao longo do século 18, durante o governo de Dupleix (1697 - 1763).
Após o saque de Delhi em 1739, a dissolução imperial mogol pareceu ser inevitável. Vários regentes e
governadores locais ganharam maior autonomia com a fragmentação mogol. Um dos mais talentosos dentre eles foi
o líder e governador, o nababo de Bengala, Murshid Quli Khan (r. 1717 - 1727), que tinha feito uma ampla reforma
administrativa e fiscal na região, mudou a capital de Daca para uma nova, Murshidabad, em 1704 [340], e ampliou
seus domínios em Bihar, a oeste, e em Orissa, ao sul. E eliminou boa parte dos seus rebeldes. Dessa maneira,
paradoxalmente, Murshid preparou a Bengala para um período de estabilidade e prosperidade que foi relevante para
os comerciantes britânicos da BEIC a partir de meados do século 18 [341]. Mas enquanto Murshid esteve no comando,
os britânicos tiveram que a ele se aliar e se submeter. Em 1717, foram concedidos a BEIC alguns benefícios sem
tributação, embora controladas pelo ministro das finanças de Murshid da família de banqueiros de Jagat Seth [342].
No oeste, os negócios britânicos em Gujarate, em Surat, eram cada vez mais problemáticos diante da crescente
insegurança da cidade frente a rebeldes, bandidos e piratas, consequência diante da dissolução do poderio mogol e
do saque por parte do líder marata Shivaji em 1670. Para tanto, visando assegurar seus negócios investidos, os
britânicos passaram gradativamente a mudar seus negócios, residências e depósitos para um porto adquirido mais ao
sul, em Bombaim, tornando essa cidade a sede da BEIC em 1687 [343]. Mas a estabilidade política e a prosperidade
econômica mais a leste, em Bengala, a partir dos assentamentos britânicos em Calcutá, eram cada vez mais
tentadores e promissores [344].
A atuação de britânicos e franceses até então tinham sido primordialmente a defender seus interesses comerciais.
No entanto, a partir da marcante atuação política de um novo e talentoso francês, Joseph François Dupleix - em
ofício de 1742 a 1754 - como governador de Pondicherry, o cenário de atuação europeia na Índia começou a ganhar
novos contornos.
Funcionário de um depósito comercial da Compagnie des Indes Orientales em Bengala por vinte anos, Dupleix,
com base nessa experiência, desenvolveu um agudo senso de estratégia e política na Índia. Soube usar os poucos
recursos da companhia francesa e tirou proveito das alianças firmadas com poderosos líderes indianos. Em termos
militares, a servir aos seus planos políticos, regimentou e organizou unidades disciplinadas de infantaria com
soldados indianos (toofangchi, vulgo sipaio) no uso de modernas armas de fogo, algo que teve grande impacto em
campo aberto de batalha contra a carga da cavalaria tradicionalmente valorizada pelos regentes indianos.
No agravamento da Guerra de Sucessão Austríaca (1740 - 1748) que colocou como rivais os britânicos e
franceses, Dupleix, com a ajuda do almirante La Bourdonnais (1699 - 1753), governador da ilha de Reunião no
Oceano Índico, tomou o controle britânico em Madras, em 1746, dando início a uma série de conflitos entre
britânicos e franceses na Índia, nas chamadas Guerras Canaresas [345]. Entre os britânicos capturados que conseguiu
fugir da prisão, um ousado jovem, Robert Clive (1725- 1774), conseguiu chegar com as notícias no forte britânico
de São Davi, a 80 km ao sul de Madras [346]. Alguns anos depois, com a paz firmada no Tratado de Aix-la-Chapelle
de 1748, Madras fora retornado aos britânicos, expondo a crescente ambição e belicosidade dos europeus em solo
indiano.
A paz firmada não significou o fim das rivalidades políticas entre britânicos e franceses na Índia. Em 1748, no
mesmo ano do tratado, o nizam de Hyderabad, Nizam-ul-Mulk faleceu, gerando uma série de disputas sucessórias
entre seus filhos [347]. Paralelo a isso, lutas similares ocorreram entre os filhos do nababo de Arcot, em Tamil Nadu,
que tinham sido antes aliados vassalos ao sul dos domínios de Hyderabad.
Foram nessas disputas que os britânicos e franceses se posicionaram em termos rivais, visando garantir regentes
aliados locais e privilégios comerciais no Decão e na costa indiana. Os franceses, com o brilho e astúcia diplomática
de Dupleix, foram bem-sucedidos em Hyderabad, ao terem no comando um protégé seu como nizam, Muzzafar Jung
(r. 1750 - 1751) assim como seu sucessor, Salabat Jung (r. 1751 - 1762) em 1751 com a crucial ajuda do general
francês Joseph Patissier de Bussy (1718 - 1785). Os britânicos, por sua vez, garantiram um importante aliado no
comando de Arcot, fruto das ofensivas lideradas por Robert Clive em 1751, após a cidade de ter sido sitiada por
Chanda Sahib, nababo dos canareses e aliado de Dupleix (r. 1749 – 1752) [348].
O futuro francês na Índia pareceu promissor sob Dupleix e com um aliado em Hyderabad. Mas foram as decisões
políticas em Paris que minaram o sonho de Dupleix. Os diretores da Compagnie, após anos de déficit comercial e
com as dívidas das guerras, decidiram cortar fundos e rever o envolvimento francês na Índia. Assim, Dupleix, que
insistentemente alegou em cartas a Paris por maiores ajudas financeiras [349], foi demitido de seu cargo como
governador de Pondicherry em 1754, e foi assinado um acordo de paz definitivo com os britânicos na Índia no
Tratado de Paris de 1763. Em 1769, a Compagnie, incapaz de se manter com recursos próprios, foi abolida por Luís
XVI que assumiu a administração das possessões francesas na Índia [350].
Robert Clive
Aos 29 anos de idade, Robert Clive já tinha ganhado fama e fortuna nas ilhas britânicas e tinha esperanças de
uma carreira política britânica a assegurar seu futuro. O resultado eleitoral não o favoreceu, após o qual voltou sua
atenção de novo à Índia. Chegou a Madras em 1755 com o cargo de tenente-coronel do Exército Imperial Britânico
pouco antes do momento em que os depósitos da BEIC em Calcutá, na Bengala, foram atacados. Tal evento
decorreu das ações lideradas por um jovem nababo de Bengala, Siraj-ud-Daula (r. 1756 - 1757), que considerou as
atividades britânicas como ameaçadoras à sua soberania.
Assim, Clive comandou com sucesso suas tropas britânicas a socorrer as instalações e funcionários da BEIC,
além de ter também reintegrado o depósito francês nas proximidades de Calcutá, em Chadernagar. Após os eventos,
Clive decidiu desobedecer às ordens de seus superiores e negociou secretamente com um pretendente ao poder em
Bengala, Mir Jafar (r. 1757 – 1760; r. 1763 -1765), comandante das tropas do nababo. Feito a intriga, Clive
procedeu mais ao norte de Bengala e entrou em batalha com Siraj-ud-Daula em Plassey em 1757 (fig.), contando
com a lealdade de Mir Jafar. Os eventos, apesar de arriscados, foram favoráveis ao britânico que contava com um
número bem inferior de homens em campo, compensado com a entrada dos homens de Mir Jaffar a seu favor. Ao
fim das agressões, o nababo foi derrotado e morto. Mir Jafar subiu ao poder na Bengala e Clive foi devidamente
recompensado com generosa quantia em dinheiro e controle sobre alguns tributos na região. Ademais, foi eleito
governador da BEIC em Calcutá [351].

Fig. – Robert Clive negociando com Mir Jafar após a vitória na batalha de Plassey em 23 de junho de 1757.

Em Delhi, o imperador mogol, Farrukhsiyar (r. 1713 - 1719), reagiu de maneira positiva aos eventos, pois não
mantinha boas relações com o nababo anterior. Decidiu, pois, conceder aos britânicos da BEIC autoridade de
administração civil (dewan) da província de Bengala, a agir como contrapeso à autoridade do novo e ambicioso
nababo, Mir Jafar. Clive aceitou tal oferta de autoridade, apreciando a autoridade conferida de recolhimento de
impostos em toda a Bengala, e depois ponderou, em carta escrita ao primeiro-ministro em Londres, William Pitt, 1º
Conde de Chatham (g. 1766 - 1768), de que isso poderia ser benéfico para o maior engrandecimento da Coroa
Britânica na Índia, indo além das pretensões comerciais da BEIC [352]. Pitt, no entanto, astutamente, previu de que
isso poderia dar muitos recursos e poderes para a Coroa, para o rei Jorge III, a contornar o controle orçamentário do
parlamento, ameaçando assim em tempo futuro o próprio sistema de parlamentar britânico.
Alguns anos depois, em 1760, Clive zarpou do litoral indiano em direção à sua terra natal novamente. E durante
os próximos três anos Clive buscou, com o uso de sua fortuna acumulada, ter um alto cargo político e título
nobiliárquico. Nesse meio tempo, os eventos na Bengala foram conturbados. Mir Jafar se rebelou contra as
autoridades britânicas que decidiram por bem colocar no seu lugar seu genro, Mir Qasim (r. 1760 – 1763), no trono
local (musnud). A administração do novo regente islâmico e sua colaboração com os diretores britânicos foram
desastrosos para a região. Decorrente disso, foram comuns os casos de saque, pilhagens, corrupção, resultando em
grandes perdas de arrecadação e recursos da BEIC [353]. Diante dessa crise, Clive foi chamado de novo a assumir o
poder da companhia britânica em Calcutá em 1765.
Em outras áreas da Índia, mais a oeste, a ordem mogol era incerta. Em 1761, após a batalha de Panipat, a vitória
não coube nem aos maratas liderados pelo Sadashiv Rao nem aos afegãos sob Ahmad Shah Durrani pelo controle
das planícies setentrionais indianas. Isso, até certo ponto, favoreceu os britânicos, estabelecidos em Bengala. Um
dos líderes no norte da Índia que se beneficiou do impasse em 1761 foi o nababo de Awadh, Shuja-ud-Daula (r.
1753 - 1775), a maior província do império mogol, e detentor do cargo de vizir e preceptor do jovem imperador
mogol, Shah Alam II (r. 1759 - 1806). Dessa maneira, diante dos eventos incertos do norte indiano, Shujad-ud-
Daula emergiu como o mais poderoso regente indiano da época. Sua decisão de confrontar os britânicos a leste,
contudo, mudou tal situação [354].
Enquanto esteve no poder em Bengala, o nababo Mir Qasim solicitou ajuda a esse vizir frente aos britânicos após
a partida de Clive às ilhas britânicas. Assim, Mir Qasim juntou suas forças com as de Shuja-ud-Daula e marchou
rumo ao leste, confrontando os britânicos em Buxar, a sudoeste de Bihar, em 1764. O comandante britânico Hector
Munro (1726 - 1805) conseguiu assegurar vitória no campo, Shuja-ud-Daula foi perseguido em fuga até a cidade de
Lucknow e foi feito prisioneiro [355]. Dessa forma, a batalha de Buxar resolveu a quem coube a supremacia entre os
contestadores na Índia.
Clive, nesse meio termo, retornou ao comando da BEIC e assumiu os encargos de dewan na Bengala. Shuja-ud-
Daula foi reempossado em Awadh sob supervisão britânica em Allahabad. Nos primeiros anos de administração de
Clive, de 1765 a 1767, buscou reorganizar a BEIC a fim de conter a excessiva corrupção entre seus agentes, a
centralizar as decisões em Calcutá.
Em outras partes da Índia, um novo líder conseguiu inspirar e mobilizar maiores rebeliões contra os maratas em
Mysore, no sul indiano, Haider Ali (r. 1761 - 1782). Sua carreira se fez como militar, como general, a serviço do
regente de Mysore, do qual usurpou o poder em 1761. Dentre de pouco tempo, Haider Ali expandiu e consolidou
sua dominação em toda a Índia meridional, resultado de seu brilhante uso de cavalaria ligeira em campo e a adaptar,
de maneira bem sucedida, as táticas e armas europeias. Empregou diversos oficiais franceses, organizou uma
infantaria disciplinada e evitou, sempre que possível, confrontos bélicos diretos com a infantaria britânica. Em
termos administrativos, reformou a hierarquia militar e civil e assegurou pagamentos regulares a seus funcionários
[356]
.
Caso esse líder tivesse se juntado aos maratas, os britânicos poderiam ter sido seriamente desafiados na Índia.
Mas as lutas entre eles perduraram, provocando desgastes e fragilidades. Em 1767, o líder dos maratas, Madhavrao I
(g. 1761 - 1772), ganhou uma batalha decisiva contra Haider Ali. No mesmo ano, os britânicos aliaram-se ao nizam
de Hyderabad, Asaf Jah II (r. 1762 - 1803) e confrontaram Haider Ali, durante a chamada Primeira Guerra Anglo-
Mysore (1767 – 1769) que chegou a ameaçar o controle de Madras [357].
Até então, aparentemente, os britânicos finalmente tinham sido contidos na Índia por um formidável adversário.
Ademais, por volta de 1770, os casos de corrupção e má administração da BEIC em Madras, Calcutá e Bombaim
ganharam monta, inviabilizando o lucro e funcionamento da companhia. Poderiam, assim, estar à mercê de um forte
líder oponente, como Haider Ali. Mas o destino foi favorável aos britânicos. Em 1772, o líder dos maratas, o peshwa
Madhav Rao morreu, e um dos pretendentes à sua sucessão no cargo, Raghunathrao (g. 1773- 1774), fechou aliança
com os britânicos nos termos do Tratado de Surat de 1775 [358], provocando maiores divisões políticas e pondo termo
a qualquer pretensão hegemônica maior dos maratas na Índia. Nessa ocasião, um novo líder britânico veio para
organizar e dominar a política indiana por mais de uma década, Warren Hastings.
Warren Hastings e as Guerras Anglo-Mysore
Warren Hastings (1732 - 1818) foi o principal arquiteto do início do império britânico na Índia. Se Clive foi um
jovem e ousado oficial que ousou afrontar as tradicionais autoridades indianas em busca da glória e fortuna,
Hastings foi o grande administrador visionário da Índia britânica. Hastings também construiu sua carreira servindo
na BEIC, desde 1750 em Calcutá. Em 1757, havia sido aprisionado pelo nababo de Bengala quando era diretor do
depósito da companhia em Kosimbazar. Em 1769, depois de uma temporada no Reino Unido, Hastings voltou à
Índia como membro do conselho do governador de Madras. Seu conhecimento das línguas indianas, sensibilidade
diplomática e experiência no ramo comercial resultaram na indicação dele como governador de Bengala aos 39 anos
de idade, em 1774, posto britânico mais importante na Índia [359] [360].
Os desafios com que Hastings tinha que lidar em ofício foram significativos desde o início. Poucos anos antes, a
fome tinha assolado em Bengala, gerando um grande questionamento da autoridade do dewan britânico na região.
Hastings decidiu centralizar a tributação em Calcutá e não mais confiar o recolhimento a agentes e intermediários
bengalis. Mas sua atenção maior foi além das reformas internas. As relações com regentes indianos de outras regiões
apresentaram problemas prementes para a autoridade britânica em Bengala. O nababo de Awadh, a oeste, por vezes
se envolvia em batalhas contra rivais afegãos (rohillas) e maratas, como na batalha de Panipat de 1761 [361], pedindo
apoio ocasional dos britânicos. Em contrapartida, depois da morte do nababo Shuja-ud-Daula em 1775, o território a
leste de Awadh, na região da sagrada cidade de Benares (hoje Varanasi), foi incorporado pelo controle britânico [362].
Em suma, a interferência política de Hastings na Índia foi marcante, incrementando o poder e controle do BEIC na
Índia.
Os poderes de Hastings como governador eram cerceadas pelas decisões do Conselho Supremo da Bengala em
Londres, que tratavam dos assuntos coloniais. Apesar dessas obstruções em torno da figura de um rival político, Sir
Philip Francis (1740 – 1820), Hastings conseguiu concretizar seus planos políticos. As suas decisões começaram a
afetar muito além da Bengala, como também na costa ocidental, na região de Bombaim, depois que o governador
britânico ali tinha fracassado em batalha contra os maratas em 1779. Nesse evento, Hastings rapidamente interveio e
mandou tropas contra o líder marata Mahadaji Scindia, regente (marajá) de Gwalior (r. 1768 - 1794). Depois, em
1781, foi enviada uma expedição punitiva a Gwalior, capturando as bases de Mahadaji. Em 1782, foi firmada
aliança e paz com os maratas sob o Tratado de Salbai, o que consolidou a posição britânica no oeste indiano [363].
Mais ao sul, entretanto, as contestações aos britânicos e maratas advinha de Haider Ali, que tinha denunciado os
termos de paz assinados com os britânicos após a Primeira Guerra Anglo-Mysore em 1769. Haider, com seu senso
estratégico, aproveitou a condição histórica de conflitos entre britânicos e franceses em 1778, além da fragilidade
marata, e decidiu mobilizar suas tropas no sul da Índia em 1780 [364], derrotando as forças britânicas enviadas sob
comando de Sir Hector Munro e Sir Eyre Coote. Ademais, Haider fez uso de tática aliança com os franceses em terra
e negociando com o almirante francês Suffren a conter a esquadra naval britânica. Em 1782, Haider Ali morreu [365],
e foi sucedido no sultanato de Mysore por seu talentoso filho, Tipu Sultan (r. 1782 - 1799), o Tigre de Mysore, que
continuou os conflitos e impôs favoravelmente o Tratado de Mangalore assinado em 1784 com o governador
britânico de Madras [366].

Mapa - Primeira e Segunda Guerras Anglo-Mysore (1767-69) (1780-84). Em vermelho as possessões britânicas, e em verde as de Mysore.

Hastings ficou furioso com os termos assinados. E foi impedido a intervir no assunto, visto que teve que retornar
a Londres em 1785 a se defender no Parlamento de acusações de corrupção e abuso de poder em Bengala. Mahadaji,
pelo lado dos maratas, aproveitando-se da ausência de Hastings, iniciou novas hostilidades antibritânicas no oeste
indiano e chegou a ocupar Delhi em 1771 e assegurou um aliado no Trono do Pavão, o imperador Shah Alam II, sob
suserania marata [367]. Por sua vez, Mahadaji foi nomeado como administrador geral do império, autoridade com o
qual, ousadamente, foi demandar dos britânicos em Bengala os pagamentos devidos ao imperador mogol.
Tipu Sultan, no sul indiano prosseguiu consolidando suas conquistas. Após confrontar os maratas e o nizam de
Hyderabad no Decão, Tipu dirigiu-se, a partir de 1789, para a costa ocidental - Costa Coromandel - controlada em
boa parte pelos britânicos, e a sudoeste, contra as bases holandesas em Cochim e o entorno em Kerala do regente
local, Dharma Raja de Travancore (r. 1758 - 1798), aliado dos britânicos [368]. Contava com a ajuda francesa, mas a
derrubada da monarquia dos Bourbons na França impediu maiores alianças efetivas. A contrapartida às novas
ofensivas de Tipu no sul indiano adveio com a nomeação de um novo governador britânico, Lord Cornwallis, que
sucedeu Hastings.
Lord Cornwallis
Cornwallis logo que aportou na Índia buscou concluir alianças amplas com o peshwa dos maratas e o nizam de
Hyderabad, que tinham sido previamente derrotados por Tipu. Em 1790 e 1791, Tipu experimentou suas primeiras
derrotas no distrito de Coimbatore, na base francesa de Pondicherry e em Bangalore contra a aliança britânica. Um
ano depois, derrotado, Tipu perdeu o controle da sagrada cidade de Srirangapatna, a capital de facto em Mysore [369],
e retornou os domínios ao sul de Madras na costa ocidental aos britânicos, além de ter assegurado a volta da
regência dos maratas e do nizam, agora como aliados submetidos aos britânicos. Foi assegurada assim a dominação
anglicana no sul da Índia (mapa).
Mapa - Mysore em 1792 (linha vermelha) e as perdas para a Companhia Britânica das Índias Orientais (no mapa, “Company”) e para o Nizam de
Hyderabad e os maratas.

Tipu Sultan, sendo uma extraordinária figura histórica, ainda mais uma vez buscou instigar suas forças contra os
britânicos. Depois de ter resgatado com pagamento a custódia de seus filhos com os britânicos, Tipu planejou e
executou amplas reformas visando aumentar a arrecadação e os recursos do que restou do reino de Mysore visando
financiar campanhas militares. Tais reformas, que contemplaram a redistribuição e planejamento agrícola,
eliminaram os recolhedores de impostos intermediários, possibilitando um maior controle centralizado. Algo que
depois os britânicos herdariam ao controlar a administração no sul da Índia [370].
Os franceses, sob um governo revolucionário desde os eventos em 1789, foram novamente contatados por
emissários de Tipu. E para angariar suas simpatias e apoio, chegou a fundar clubes jacobinos cujos membros se
endereçavam como citoyens. Os britânicos na Índia, sob o governo geral de Lord Wellesley (g. 1798 - 1805),
ficaram alarmados com a possibilidade de Napoleão estender suas ambições na Índia após ter feito sua presença no
Egito. Assim, os britânicos organizaram amplas campanhas contra Tipu Sultan, matando-o na defesa de sua capital,
Srirangapatna em 1799. Os britânicos anexaram tudo do que restou dos mais próximos aliados de Tipu na Costa
Canaresa, Wayanad no norte de Kerala, Coimbatore e Dharapuram. No reino de Mysore, foi entronado um regente
submisso, Krishnaraja Wadiyar III (r. 1799 - 1831), de uma dinastia anterior ao de Haider Ali [371].
A supremacia britânica na Índia na virada do século 18 para o seguinte ainda foi contestada por outros poderosos
rivais a oeste e noroeste da Índia. Na costa ocidental, os maratas sob liderança do novo e inspirado peshwa, Baji Rao
II (r. 1796 - 1818), filho de Raghunath, foi paulatinamente contido em torno da região da cidade de Pune e foram
assinadas alianças com regentes indianos nas proximidades: com os marajás de Gwalior, Indore e de Baroda [372].
Foram assegurados a esses ampla autonomia interna e de tributação, desde que obedecessem às diretrizes políticas
britânicas externas e de defesa. Esses contornos políticos de aliança com regentes indianos servirão de guia de
conduta para a política imperial britânica ao longo do século 19.
Outra região de potencial contestador aos britânicos foi no noroeste da Índia. Na região, a morte de Mahadaji
Scindia (r. 1768 - 1794) provocou a ascensão ao poder local de sikhs que tinham consolidado um reino sob o
comando do marajá Ranjit Singh (r. 1801 - 1839) ao capturar a cidade de Lahore em 1799 [373]. Este líder sikh
provou ser um grande e talentoso estadista. Assim como Tipu, buscou aprender e adaptar as armas e táticas de
combate dos europeus, mas evitou sempre que possível enfrentar os britânicos em batalha.
No âmbito interno, o governo de Cornwallis buscou reformar a administração do BEIC na Índia, visando conter
o nepotismo e casos de corrupção, algo que parecia inerente às ambições de seus funcionários. Para tanto,
Cornwallis assegurou um generoso salário regular para os funcionários da companhia e procurou promover aqueles
com base no mérito de seus ofícios [374]. No campo jurídico, as inovações foram mais inovadoras. Foi elaborado e
posto em vigor um novo código de leis indianos, conhecido como Código de Cornwallis, a partir de 1793. Como
fontes jurídicas, buscaram interpretar e incorporar os costumes de cada grande religião na Índia e foi assegurado a
cada indiano um julgamento longe das arbitrariedades de regentes locais. Para a codificação dessas leis, foi assistido
pelo grande jurista e filólogo britânico, William Jones, que aprendeu diversas línguas e costumes indianos [375]. Além
disso, foi instituído uma Suprema Corte em Calcutá como tribunal de última instância. No mesmo sentido, foram
valorizados os costumes e línguas tradicionais na Índia. Como resultado, um colégio foi inaugurado em Benares
(atual Varanasi) para o estudo das obras em sânscrito [376]. E outras escolas corânicas, madrasas, foram abertas em
Calcutá.
Fatores para a dominação britânica na Índia
Quais foram os fatores que permitiram a extensão e consolidação dos britânicos desde Robert Clive até o
governo de Cornwallis? As explicações a isso se dão em parte em cuidadosos e desinteressados casos de alianças
feitas ao longo de décadas, e em parte devido à uma bem-sucedida estratégia de explorar as divisões e fragilidades
dos regentes indianos e intervir militarmente apenas quando sumamente necessário.
A conquista da Índia nunca despertou grande interesse do público britânico. Nem houve nenhuma grande
campanha nacional para o engrandecimento imperial. As batalhas e conflitos na Índia foram muito mais resultado de
cálculos locais e de pequenas dimensões. Nessas batalhas foram empregados muitos soldados indianos e
mercenários, sem grandes custos para o contribuinte britânico.
O uso da força foi parcimonioso, pois sempre foram levados em consideração os grandes custos de mobilidade e
mantimentos no campo de batalha pelos funcionários da BEIC, uma companhia comercial que deveria buscar sua
própria sustentação financeira, longe dos recursos imperiais de Londres. Nesse sentido, as campanhas militares
britânicas usaram o que aprenderam com os líderes militares indianos, a sustentar os seus homens com o que
saqueavam e pilhavam com as conquistas, assegurando a lealdade dos soldados e de todos durante a campanha.
Além do mais, havia a significativa prosperidade da BEIC nos negócios indianos advindos principalmente dos
tributos recolhidos nas regiões de Madras, Bombaim e Bengala, consideradas à época pela administração como
“presidências” [377]. Nessa última presidência, os lucros com a venda de têxteis de algodão provou ser imensa e
promissora, servindo de atração a muitos jovens ambiciosos britânicos para servir junto a companhia que sonhavam
em ascender na fortuna e na glória como o fez Robert Clive.
Em suma, os fatores de dominação britânica na Índia foram resultado de uma combinação de elementos
favoráveis. Os franceses, rivais europeus mais próximos foram desarticulados desde meados do século 18 com as
decisões políticas de contenção em Paris. Os regentes indianos antibritânicos, tais como Haider Ali e Tipu Sultan,
embora geniais, não conseguiram assegurar amplas coalizões - mesmo com a crucial ajuda inicial dos franceses -
contra os longos conflitos com os britânicos que fizeram extenso uso de aliados com regentes locais, nababos,
nizams e marajás. Os negócios, em último momento, pela prosperidade dos tecidos de algodão e dos tributos
recolhidos pelos funcionários da BEIC garantiram a continuidade da companhia na Índia ao longo do século 18.
Diante desse cenário, de ampliação e consolidação britânica na Índia, na virada para o século 19, os britânicos
começaram a delinear uma estratégia imperial mais abrangente para a sua dominação na Índia.

Índia e Sul da Ásia (De Wellesley a Curzon – Século 19 ao Início do 20)


Ao começar o século 19, a dominação britânica já despontava claramente na Índia. Os debates maiores foram a
respeito da política a ser adotada. Deveria a companhia BEIC manter o monopólio dos negócios na Índia? Ou
deveria a Coroa Britânica não renovar a concessão desse monopólio e intervir mais diretamente na administração
dessa colônia? Foram essas questões que foram discutidas nas primeiras décadas do novo século, algo que foi
manifestada por uma nova geração de funcionários da BEIC e militares britânicos que serviram no país asiático.
As concessões de funcionamento a BEIC na Índia deveriam ser aprovadas por um diretório em Londres, de vinte
em vinte anos, algo que foi proposto em 1773 por William Pitt, o Velho (1708 - 1778) e entrou em vigor em forma
de lei, a Lei de Regulação (Regulating Act), a partir de 1784. A partir de então, um diretório examinou as atividades
e os custos da BEIC na Índia, assim como supervisionou as atividades militares, civis e as receitas da companhia
[378]
.
Em 1813, essa lei revisou alguns termos de concessão. O comércio de chá e o comércio com a China deixaram
de ser exclusividade da companhia, abrindo o caminho para outros concorrentes comerciais, aventureiros e
missionários. Em 1833, o diretório e o parlamento britânico decidiram pôr termo a todo o monopólio da companhia,
tornando-a efetivamente como parte do governo britânico, apesar de ainda conservar a responsabilidade de
administrar as suas posses e funcionários na Índia. Esse sistema concorrente e dual de autoridades, entre Calcutá e
Londres, teve surpreendente longevidade cujo fim se deu apenas em 1857 [379].
Wellesley a Hardinge
O governo-geral de Lord Wellesley, o 1º Conde de Morrington (1760 - 1842), formalmente nomeado como
Governador-Geral da Presidência do Forte William, em Calcutá, se deu ainda em 1798 e se estendeu até 1805. Foi
sob seu governo que Tipu Sultan foi derrotado e morto em 1799, e o reino de Mysore submetido como aliado no
Decão. Mas foram suas reformas administrativas que assinalaram seu governo. Foi inaugurado o Colégio de Fort
William, em Calcutá, onde seriam formados os novos funcionários da BEIC. As disciplinas sobre história, cultura e
línguas indianas foram incluídas no currículo, visando maior engajamento e interação com a sociedade indiana.
E nessa instituição foram traduzidas e estudadas inúmeras obras e clássicos em sânscrito, persa, urdu, bengali,
hindi e árabe pelos estudiosos orientalistas. Foi nesse espírito que Wellesley declarou na inauguração que os oficiais
a serem formados pela instituição deveriam regularmente ser educados e instruídos nos princípios e sistema que
constitui a fundação de um sábio código de regulações e leis promulgadas “visando assegurar (...) para o benefício
de leis antigas e consolidadas desse país” [380] (tradução nossa).
Juntamente com a fundação da Madrassa de Calcutá em 1781 (centro de estudos corânicos), e a Sociedade
Asiática – presidida por Sir William Jones - em 1784, Calcutá gradativamente passou a se tornar o centro intelectual
da Índia Britânica. Ou como considerou Majumdar a respeito do Colégio de Forte William [381]:
O Colégio de Fort William surgiu tanto como um centro de pesquisa e editora de obras clássicas, como também como um berço de criatividade e de
pesquisas. Planejado originalmente para treinar funcionários civis britânicos nas línguas e culturas do país, a instituição prestou os serviços
equivalentes aos de uma universidade nos estudos das modernas literaturas indianas modernas, principalmente o bengali (...) Sob a diretoria de
William Carey, o Colégio pôde também reivindicar o crédito de reunir sábios pandits em sânscrito junto com munshis perso-árabes para reformular a
prosa bengali (...) a variedade de publicações da Academia também merece destaque. A partir de colóquios, debates sobre histórias populares,
crônicas e lendas, para a publicação definitiva de textos literários (tradução nossa).

Com relação aos aliados britânicos, foi no período do governo de Wellesley que sistematizaram a prática da
chamada “alianças subsidiárias”. Esta consiste, em seus princípios, em deixar clara a aceitação exclusiva pela parte
de um regente indiano das forças britânicas em seu domínio e nenhuma outra presença estrangeira. Concordava-se
de que essas forças deveriam ser mantidas e pagas, assim como qualquer outra presença britânica não-militar. Em
caso de conflito, as decisões seriam feitas pelos britânicos. Como contraparte, o regente indiano aceitaria a proteção
em assuntos externos e desordens internas. Caso houvesse transgressão a esses termos, o lado indiano teria que
aceitar os termos indenizatórios ou a perda de parte de seu território. Ademais, o sistema permitia a residência de
uma representante britânica na capital do reino aliado, com os fins de supervisionar os termos da aliança [382].
Esse sistema agradou aos fins expansionistas de Wellesley, já que se alinhava mais com a ideia de que os
britânicos, assim como já pleiteou Clive, deveriam se envolver mais na dominação e administração indiana. Como
efeito, as alianças foram assinadas com os regentes de Conchim (1791), Jaipur (1794), Travancore (1795),
Hyderabad (1798), Mysore (1799), estados de Cis-Sutlej (1815), Agência Central da Índia [383] (1819), Territórios de
Cutch e de Gujarate Gaikwad (1819), Rajputana (1818) e Bahawalpur em Punjab (1833).
Em 1812, foi designado como governador-geral da Índia, o Conde de Moira (ou Marquês de Hastings, não
confundir com Warren Hastings), que governou até 1823. Durante sua administração, o monopólio da BEIC sobre o
chá e o comércio com a China foram revistos. E foram conquistados os avanços sobre parte do território nepalês,
contra os gurkhas (1814-1816), assim como fora realizada a última campanha contra os maratas em 1818.
A guerra contra os gurkhas foi resultado de um plano expansionista econômico da BEIC de ter livre acesso ao
mercado produtor no Tibete de lã de qualidade superior para a confecção do tecido cashmere, que passa pelo reino
do Nepal, nos Himalaias. Depois de fracassadas as missões diplomáticas britânicas de 1792, 1795 e de 1801, o
regente nepalês (durbar), Girvan Yuddha Bikram Shah (r. 1799 - 1816), recusou os termos britânicos apresentados.
Moira assumiu o poder em 1813, e buscou reexaminar as fronteiras entre as regiões de Awadh e domínios
pertencentes aos nepaleses mais ao norte. Nesse sentido, alegando assegurar segurança nas suas fronteiras ao norte
do vale do rio Ganges, foi declarado guerra aos nepaleses em 1814. As batalhas revelaram-se difíceis e longas diante
do terreno montanhoso e da resiliência das tropas gurkhas. As agressões tiveram fim com a assinatura do Tratado de
Sugauli, ratificado em 1816 (mapa). Nesse documento, partes do sudoeste do reino nepalês foram cedidas aos
britânicos, assim como a região de Sikkim e Terai, Darjeeling no oeste de Bengala e partes do atual estado de
Utarakhand [384]. E um representante britânico foi estabelecido em Kathmandu, assim como o recrutamento dos
gurkhas para servir ao Exército Imperial Britânico.
Mapa - Região do Nepal em 1816 depois da guerra contra os britânicos.

Outra longa guerra foi empreendida contra os maratas, de 1817 e 1818. Moira decidiu invadir o norte do
território marata a fim de pôr termo às rebeliões das forças comandadas por Baji Rao II (r. 1796 - 1818). Inúmeros
esforços diplomáticos conseguiram convencer o marajá de Gwalior, Daulat Rao Sindhia (r. 1794 - 1827), ex-aliado
da Confederação ou Império Marata a permanecer neutro nos conflitos, pelos termos assinados no Tratado de
Gwalior de 1817, assegurando passagem pelo Rajastão às ofensivas britânicas. Ao fim dos conflitos, destituídos de
aliados, o líder marata foi derrotado nas batalhas de Khadki (1817) e de Koregoan (1818), perto de Pune no estado
de Maarastra [385]. O peshwa marata enfim foi eventualmente capturado em 1818 e a maior parte de seu território foi
anexado à província britânica, a Presidência de Bombaim, alguns anos depois.
William Amherst (g. 1823 – 1828) sucedeu no ofício a Moira em 1823. Durante esses anos, foi dada a expansão
anglo-indiana rumo ao leste, a incorporar a região de Assam, Arakan (Arracão) e Tenasserim, resultando em
conflitos bélicos contra o reino da Birmânia (1824-1826) (mapa) [386]. As batalhas duraram cerca de dois anos com a
mobilidade de cerca de 15 mil soldados indianos a um custo de 13 milhões de libras esterlinas da época [387], um
ônus elevado para os cofres da BEIC. Decorrente disso, Amherst reviu sua política expansionista na frente oriental,
assinando um tratado de paz em 1826 – o de Yandabon - e deixando a família real birmanesa como soberano na
parte sul do reino.
Mapa - Birmânia (atual Mianmar) e a gradual dominação britânica nas Guerras Anglo-Birmanesas ao longo do século 19.

As questões internas indianas ganharam ênfase nas reformas propostas no subsequente governo de William
Bentick (g. 1828 – 1835). A BEIC tinha apresentado anos de prejuízo a ser socorrido pelo governo em Londres, algo
que deveria ser resolvido pelo novo governador designado para a Índia. Assim, medidas de corte de gastos foram
implantadas, gerando descontentamento entre aqueles britânicos na Índia que alimentavam ambições imperiais
maiores na Ásia.
Com Bentick, a influência de políticos e pensadores que propunham uma maior ocidentalização da Índia,
inspirados pela filosofia e pensamento utilitarista de Jeremy Bentham (1748 - 1875) e James Mill (1773 - 1836),
ganharam destaque. Foram reformadas as escolas indianas, de acordo com as ideias de Macaulay [388], com maior
peso ao ensino da língua e literatura inglesa e as disciplinas ocidentais. O inglês tornou-se a língua oficial da corte e
do governo, substituindo de vez o antigo uso do persa pelos mogóis.
Sobre os costumes tradicionais indianos, Bentick buscou coibir a prática de autoimolação de viúvas na pira
funerária do marido, o sati. Contou com a ajuda e apoio de Rammohan Roy (1772 - 1833) [389] a conter os excessos
da poligamia, da rigidez da divisão de castas e do casamento infantil [390]. Assuntos que chocaram as sensibilidades
principalmente dos conservadores britânicos, entre eles evangélicos, católicos e anglicanos. A ascensão desses
religiosos conservadores, junto com os utilitaristas, irá gerar um ambiente colonial mais intolerante e alienado das
classes britânicas do restante da população indiana nas décadas posteriores.
O governo-geral de Lord Auckland (g. 1826 - 1842) foi marcado por uma nova expansão rumo ao noroeste.
Contestações aos britânicos na região começaram com a atuação de guerrilheiros afegãos a partir de 1838. Para
conter tal insubordinação, Auckland publicou um manifesto, o de Simla, em que declarou o emir do Afeganistão,
Dost Muhammad Khan (r. 1826 – 1839 e 1845 - 1863) como ilegítimo. Os conflitos subsequentes deram início à
Primeira Guerra Anglo-Afegã (1838 - 1842). Em que os britânicos buscaram assegurar um velho aliado confiável no
trono afegão em Cabul, na pessoa de Shah Shuja Durrani (r. 1803 – 1809 e 1839 - 1842). Havia os temores pelo
governo britânico de que os russos, já aliados com o shah persa Mohammad Mirza (r. 1834 - 1848) da Dinastia
Qajar, pudesse se aliar aos afegãos e assim ameaçar a região noroeste da Índia Britânica. De fato, os persas tentaram
invadir as terras afegãs, com a ajuda do conde russo Simonich, mas foram detidos na batalha de Herat em 1838 [391].
Em 1841, com Shuja no trono afegão, Cabul foi tomada por novas insurreições pelos partidários de Dost
Mohammad, liderados pelo seu filho, Muhammad Akbar Khan (r. 1842 - 1845). Nas tentativas de resolver os
conflitos em Cabul, o representante britânico, Sir William MacNaghten, foi morto e as forças britânicas bateram em
retirada quando foram atacados por afegãos Ghilzais no caminho, resultando na morte de 4500 militares e mais de
12 mil civis indo-britânicos. Apenas um britânico sobreviveu, Dr. William Brydon, que chegou com as notícias em
Jalalabad [392]. Nos meses subsequentes, os britânicos organizaram novas contraofensivas e tomaram Kandahar,
Jalalabad e depois Ghazni e Cabul. Mas os custos da guerra foram altos demais e o novo governador-geral da Índia,
Lord Ellenborough, decidiu retirar as tropas britânicas e negociar os termos da paz em 1842.
Lord Ellenborough (g. 1842 - 1844), diante da paz firmada com os afegãos, ganhou notoriedade e medalha de
honra com a legenda Pax Asiae Restituta, condecorado pelo governo britânico. Mas novas frentes de batalha
ocorreram na região do Sind. Designou em 1843 para impor a ordem e reportar a situação na região, Sir Charles
James Napier (1782 - 1853), com plenos poderes políticos e militares [393]. Duras repressões aos rebeldes se seguiram
ao ponto de, conforme conta a tradição [394], Napier ter mandado de volta a Calcutá um telegrama com uma única
palavra, peccavi, “pequei” em latim. Como resultado dos conflitos, Sind foi feita parte da Presidência de Bombaim,
e Napier foi designado como novo governador da região.
Em 1844, o Visconde de Hardinge (g. 1844 – 1848), assumiu o oficio em Calcutá. Seu maior desafio foi ter que
lidar com as crescentes inquietações do reino dos sikhs, no Punjab, a noroeste, após a morte de Ranjit Singh em
1839. Os sihks desde o reino de Ranjit Singh tinham se fortalecido e expandido diante dos afegãos, conquistando
Peshawar e Multan, assim como partes da Caxemira e Jammu.
Mas as desavenças internas no reino sikh geraram instabilidades políticas na sucessão de Ranjit Singh. Ademais,
o exército sikh tinha crescido consideravelmente, a ponto de ser considerado com preocupação pelas autoridades
britânicas. Nesse sentido, as autoridades em Calcutá sob Hardinge decidiram mobilizar suas tropas bengalis para a
fronteira, na cidade de Ferozepur, sob comando de Sir Hugh Gough. Como resposta, o exército sikh atravessou o rio
Sutlej em dezembro de 1845, tendo como resposta a declaração de guerra britânica, dando início à Primeira Guerra
Anglo-Sikh (1845 - 1846) [395] [396]
Na batalha de Mudki, Gough e Hardinge obtiveram vitória apesar das consideráveis baixas. Vencidas as batalhas
de Ferozeshah (dezembro de 1845), Aliwal (janeiro de 1846) e de Sobraon (fevereiro de 1846) Hardinge concluiu a
paz na assinatura do Tratado de Lahore em 9 de março 1846 e no Tratado de Amritsar em 16 de março de 1846, em
que o regente (marajá) hindu da Dinastia Dogra de Jammu, Gulab Singh (r. 1846 - 1857), adquiriu a Caxemira do
controle sikh pelo pagamento de 7,5 milhões de rúpias nanak, moeda sikh da época, além de tributos anuais [397]. O
regente de Punjab, o marajá sikh Duleep Singh (r. 1843 - 1849), por ser menor de idade, foi tutoreado por britânicos
até a sua a maioridade de acordo com o Tratado de Bhyroval [398].
Dalhousie
Os conflitos com os sihks ganharam monta novamente durante o governo-geral de Lord Dalhousie (g. 1848 -
1856). Após o assassinato de um enviado britânico para a cidade de Multan em 1848 por rebeldes leais a um
governador local, Diwan Mulraj, o comandante militar britânico em Bengala, Sir Hugh Gough, decidiu não apenas
mandar uma expedição punitiva para a cidade, mas mandar contingentes do exército para subjugar de vez toda a
região do Punjab, contando com a aprovação de Dalhousie, conforme ele se expressou: “Desavisados pelo
precedente, influenciados pelo exemplo, a nação sikh tem chamado para a guerra; e nas minhas palavras, senhores,
guerra eles deverão ter e com vingança” [399].
A Segunda Guerra Anglo-Sikh (1848-1849) foi iniciada quando Multan foi sitiada por tropas vindos de
Bombaim conjugadas com aquelas mobilizadas de Bengala sob comando do general Whish a partir de novembro de
1848. Mas a resistência na tomada do forte da cidade foi tenaz e perduraram as batalhas na cidade até janeiro de
1849. No campo diplomático, durante a guerra, os sikhs conseguiram ampliar sua aliança ao fechar acordo com o
líder afegão Dost Muhammad Khan, que enviou 1500 cavaleiros como apoio em troca de sua ambição de dominar a
cidade de Peshawar. Em outros locais, o exército indo-britânico obteve vitória suprema em Gujarate em fevereiro de
1849 sobre os sikhs e alguns aliados afegãos. Logo depois, em Rawalpindi, a maior parte das forças sikhs se rendeu
e foram acertados os termos de rendição. O Punjab foi anexado pela administração britânica. O império sikh fora
dissolvido e seu último rei, o jovem Duleep Singh (r. 1843 – 1849), fora enviado ao Reino Unido em exílio.
Na Birmânia, um incidente ganhou proporções trágicas que deram início à Segunda Guerra Anglo-Birmanesa
(1852). Um navio militar de bandeira britânica sob comando do Comodoro George Lambert fora para a região
próxima à capital Rangum questionar sobre o cumprimento do acordo de paz assinado de Yandabon de 1826 (que
dera termo à Primeira Guerra Anglo-Birmanesa). Questionara o britânico sobre a livre passagem e os impedimentos
por parte de um governador birmanês local a respeito. Após uma série de mal entendidos e a ambição imperial de
alguns britânicos no governo de Dalhousie [400], uma esquadra naval foi enviada em 1852 e Rangum fora bloqueada
junto com a apreensão de navios birmaneses.
Os birmaneses ofereceram pouca resistência. Depois de controlada a capital, Rangum, a corte imperial birmanesa
rendeu boa parte do país e a província próxima de Pegu fora anexada em 20 de dezembro de 1853. Mas os anos
posteriores de tentativa de integração das regiões birmanesas com a Índia provaram ser custosas demais, pois a
Birmânia era muito distante, de uma cultura e língua diferentes do que havia no universo indiano. Outro fator de
consequência onerosa para a continuada ocupação da Birmânia fora o grande contingente de soldados indianos a
servir militarmente na região, gerando crescentes descontentamentos entre a soldadesca hindu, pois era considerada
uma violação aos preceitos do kala pani (“água negra”), a manter-se longe das águas sagradas da bacia do rio
Ganges, o que poderia danar a condição pessoal e familiar de casta (varna) e reencarnação [401].
Mas talvez o que foi acarretou maiores consequências para a dominação britânica na Índia durante o governo de
Dalhousie fora a sua aplicação da “doutrina do lapso”. Sob essa doutrina, qualquer domínio não-britânico poderia
ser legalmente apropriado se o regente local não apresentar na ocasião da sucessão um herdeiro masculino capaz e
de direta descendência familiar. Foi sob essa política que ocorreram as anexações de Satara, Jaitpur e Sambalpur em
1849, e de Jhansi e Nagpur em 1853, Tanjore e Arcot em 1855, Udaipur e Awadh em 1856 [402]. Outras anexações
foram depois analisadas e julgadas inválidas pelas autoridades britânicas. Mas a doutrina em si provocou grande
indignação e temor entre os regentes e príncipes indianos temerosos de perderem de vez as suas soberanias.
No âmbito interno, o governo de Dalhousie fez reformas em várias áreas, como na hierarquia civil, militar e
médica. O sistema tributário foi simplificado, visando eliminar os intermediários, muitos advindos de uma elite
aristocrática de privilegiados (os zamindars), a conter os casos de corrupção e abuso de autoridade. O que gerou
crescente insatisfação entre a aristocracia latifundiária tradicional e família de regentes locais, historicamente
detentores dos impostos recolhidos em suas propriedades. Foram instituídos departamentos de obras públicas em
cada presidência - a de Bengala, Madras e Bombaim. Dalhousie, fervoroso adepto do utilitarismo, encorajou e
planejou um amplo programa de obras de linhas ferroviárias pelo território indiano, o que visou antes de tudo o
transporte de recursos naturais, como o minério de ferro e carvão, para as regiões portuárias indianas. Em pouco
tempo, com incentivos governamentais, o capital foi investido em linhas férreas que se espalharam em rede pela
região da Assam, Rajastão e Andhra Pradesh. A quilometragem dessa rede aumentou de 1349 km em 1860, dez anos
depois, 7678 km, 25 495 km em 1880, 56 980 km em 1920-21 e 65 217 km em 1946-47, a maioria irradiando das
três grandes cidades de Bombaim, Madras e Calcutá [403].
Outras grandes obras públicas foram realizadas. Foi concluído o Canal de Ganges, um sistema de canais de
irrigação no norte indiano visando aumentar a produção agrícola indiana, o que de fato aumentou a produtividade da
terra oito vezes, desde as planícies de Harwar a Cawnpore (Kanpur), estendendo-se até a foz do Ganges e regiões de
Assam [404]. Foi implantado um novo e eficiente sistema de correios e telégrafos, e tudo o que se referia a um sistema
mais eficiente de gestão e alocação dos recursos indianos. Em suma, valorizou tudo o que era considerado útil para a
administração imperial na Índia, sem maiores considerações para a instrução e melhoria de vida da população
indiana. Não foi realizada nenhuma grande campanha de educação e vacinação da população em geral,
demonstrando o viés governamental voltado para o grande empresariado e interesses comerciais. E assim foi a
percepção geral da população indiana na década de 1850, entre civis e militares. Foi fechado o Colégio de Calcutá
que valorizava os estudos indianos e asiáticos, inaugurado por Warren Hastings e William Jones, pois era
considerado oneroso e inútil.
Nas relações externas e com os regentes indianos, o governo de Dalhousie negociou com o nizam de Hyderabad
em 1853 e assim o manteve-o como aliado na região do Decão sob o Tratado de Berar. Evitou punir o líder afegão
Dost Muhammad pela sua colaboração na guerra com os sikhs e propôs a ele um tratado de paz e amizade assinado
em 1855 a encargo de John Lawrence. Ao sul das terras afegãs, no Baluchistão, buscou intervir e garantir um aliado
com o Khan de Kalat, Nassir II (r. 1841 – 1857), conforme foi assinado no acordo de cooperação em maio de 1854.
Ao khan foi garantido um subsídio anual de 50 mil rúpias em troca da colaboração política e militar, visando
resguardar qualquer avanço afegão do norte e dos persas ao oeste. No Punjab, Dalhousie procurou administrar
diretamente toda a região, expandindo o processo de policiamento e controle em toda e região noroeste indiana,
objetivando conter as ambições de grupos tribais das montanhas, como os Afridis, Mohmands e outros a atacarem as
férteis planícies e cidades punjabis.
Mas o que revelou ser o mais problemático e oneroso na sua política de anexação e administração direta foi
quando, alegando a “doutrina do lapso”, incorporou a populosa região de Awadh em 1856. Isso decorreu do
relatório de um enviado, James Outram, para a corte real em Lucknow, capital do reino de Awadh, em março de
1855. Foram relatadas as dificuldades na sucessão do trono e na condição desordeira e confusa na região,
propiciando maior intervenção britânica. Em novembro de 1855, o regente de Awadh, Wajid Ali Shah (r. 1847 -
1856), um muçulmano de uma dinastia de xiitas persas com grande apreço pelas artes, letras, dança, música e teatro
indiano [405], se recusou a assinar o ultimato apresentado e foi então proclamada a anexação direta da província em
13 de fevereiro de 1856. As consequências foram enormes para toda a administração britânica na Índia.
Como figura histórica, Wajid Ali Shah, nababo de Awadh, epitomiza toda a riqueza e contradição histórica
indiana. De caráter complexo, o regente tinha pouca propensão para a política usual e tinha acedido ao trono por
acaso, por linhagem real. Mas revelou-se talentoso e generoso no patrocínio das artes. Na sua corte, em Lucknow,
peças de teatro, música e dança – como o kathak – eram generosamente patrocinadas, a contar a mitologia hindu do
Maabárata e Ramaiana. Era um homem de gosto refinado e cortês. Seus poemas e escritos denunciam seu cultivado
gosto estético, ecoando as tradições literárias da corte persa. Apesar de apreciar os prazeres mundanos, não
consumia bebidas alcoólicas e, como um devoto muçulmano xiita, atendia às cinco orações diárias do Islã [406].
As Revoltas de 1857 e as Reformas Britânicas
A série de levantes no norte da Índia que aconteceu no ano de 1857 quase resultou no fim da dominação
britânica. Enquanto indianos referem a esses acontecimentos como a Primeira Guerra de Independência Indiana, os
britânicos consideram-os como apenas um motim por ação de alguns soldados indianos (chamado de sipaios). Não
foi propriamente nem um nem outro. Pois não envolveu todas as regiões indianas, concentrando mais no norte. Mas
também envolveu muitas outras camadas sociais indianas além dos militares.
A elite indiana participante foi mais da velha aristocracia latifundiária descontente com as reformas tributárias e
regentes deslocados com a “doutrina do lapso” implantada por Dalhousie. O próprio imperador mogol, Bahadur
Shah II (r. 1837 - 1857), uma figura simbólica do passado imperial residente em Delhi, emergiu como um símbolo
dos rebeldes antibritânicos. Assim como o foi a figura do peshwa na cidade de Pune, no Maarastra. Foram apenas
símbolos de inspiração, sem qualquer pretensão coordenada para uma nova ordem política indiana.
No entanto, os rebeldes conseguiram mobilizar um grande contingente da sociedade indiana insatisfeita com a
administração britânica de Dalhousie. E os britânicos foram assim pegos de surpresa com a amplitude das revoltas,
despreparados para um confronto tão amplo e duradouro na Índia. Abaixo da elite indiana, as revoltas se espalharam
entre os rajputs e Gurjaras no noroeste da Índia, pois almejaram mais autonomia das intervenções políticas
britânicas. A figura da rainha (rani) de Jhansi foi um dos momentos mais emblemáticos dessa revolta, pois a regente
não conseguiu assegurar um herdeiro natural masculino ao seu trono, sendo assim tomado pelos britânicos.
Em 1856, em Awadh foi posto em prática a “doutrina do lapso”, sendo a região anexada pelos britânicos. Muitos
dos soldados indianos vinham de Awadh, causando grande insatisfação no meio militar com a apropriação da região.
E foi entre esses que as primeiras manifestações de revolta se deram, na cidade de Meerut em 10 de maio de 1857. A
causa imediata, a gota d’água, foi a distribuição de munição lubrificadas com gordura animal para os novos rifles
Enfield P-53. O manuseio desses pelos soldados foi considerado como tabu, pois havia o boato de que a gordura
advinha da vaca, figura sagrada aos hindus, e do porco, proibido pelos muçulmanos. O rumor espalhado foi de que
os britânicos fizeram isso intencionalmente, visando converter a soldadesca ao cristianismo. O que revelou o pouco
diálogo e desconfiança dos soldados indianos frente ao oficialato britânico, vistos como uma casta privilegiada e
distante do penosidade e esforço da vida militar. Os soldados, ao contrário, viviam em boa parte cansados depois de
anos de batalhas como na Birmânia, Punjab, Afeganistão entre outras regiões.
O comandante britânico no quartel de Meerut, o tenente-coronel George Carmichael-Smyth, carecia de carisma e
liderança entre os soldados. E foi para provar seu comando aos seus superiores que decidiu, no dia 24 de abril de
1857, dar uma lição aos questionadores sobre as munições. Nesse sentido, mandou 90 dos seus homens carregarem
as novas munições, sendo obedecido por apenas cinco soldados em linha. A falta de conduta acarretou no
aprisionamento por indisciplina militar dos soldados envolvidos, amplificando ainda mais o descontentamento do
comandante britânico.
No dia seguinte, o motim se espalhou e os amotinados seguiram em marcha rumo a Delhi, a 80 km de distância.
Os britânicos ficaram estupefatos com os eventos e foram incapazes inicialmente de impedir a catástrofe nos seus
momentos iniciais [407]. Delhi caiu aos rebeldes graças à ação de um ex-cabo indiano da Divisão de Artilharia do
Exército Imperial Britânico, que manteve o controle das munições e armas da cidade de maio até setembro de 1857.
Os britânicos, desesperados, tentaram reagir solicitando o apoio do peshwa em Cawnpore mais ao sul. O que se
revelou um fiasco, pois a maioria da população se juntou às causas antibritânicas e expulsaram os britânicos da
cidade em poucos dias.
As notícias dos acontecimentos em Meerut e Delhi rapidamente se alastraram pelo país (mapa). O ambiente de
alarme provocou a precipitada retirada de oficiais e funcionários da BEIC de seus postos em busca de proteção. Em
Agra, a 250 km de Delhi, o abandono britânico favoreceu a ocupação rebelde do forte da cidade. Houve relatos de
saques, desordens e crimes nas ruas na ausência da ordem efetiva.

Mapa - Revoltas indianas em 1857. Regiões em azul escuro e claro tiveram participação significativa de civis e militares amotinados contra a
dominação britânica. A região de médio curso do rio Ganges e Yamuna (Awadh e Uttar Pradesh) (em marrom) foi palco das maiores batalhas. As outras
regiões tiveram pouca participação ou se aliaram contra os rebeldes indianos.

O comando britânico respondeu descoordenadamente aos eventos. Na província de Maarastra, na costa oeste,
houve aqueles que defenderam uma intervenção mais enérgica, discordando daqueles que viram a solução no
diálogo da elite marata da região. Nas cidades de Benares e Allahabad, houve ineptidão das autoridades locais no
desarmamento da população.
Apesar de a rebelião ter se alastrado, não houve, em contrapartida, comando unificado nas manifestações. Foram
notórias, como exemplo, discussões e desavenças entre os rebeldes sobre quem deveria liderar a província de
Maarastra, muitos apoiando a volta do peshwa dos maratas. Outros almejaram um governo republicano autônomo. E
entre os muçulmanos indianos, houve clamores por jihad (luta, esforço, empenho em árabe) contra os infiéis, com
apelo apenas somente entre alguns xiitas milenaristas e artesãos muçulmanos com a desconfiança da maioria sunita e
sufista indiana.
Em Lucknow, em Awadh, foi malfadado o avanço dos rebeldes mesmo depois do sítio dos quarteirões britânicos
por quase seis meses em 1857 devido à resistência organizada pelo comissário britânico local, Sir Henry Lawrence
(1806-1857) [408]. Mas a estrada de ferro que ligava Lucknow a Cawnpore quase foi tomada por rebeldes
comandadas pela rainha de Baiswara, Rana Beni Madho [409]. Nesta última cidade, no caso mais infame dos levantes,
uma multidão enfurecida cercou a comunidade britânica local e 120 mulheres e crianças foram mortas e
desmembradas. O episódio, conhecido como o Massacre de Bibighar, intensamente explorado pela imprensa
vitoriana da época, chocou a opinião europeia e enfureceu as autoridades em Londres que decidiram reforçar a
intervenção no país para reverter o quadro de instabilidade. Foram dadas ordens de execução sumária por
enforcamento e morte por tiros de canhão [410].
Por algum momento, parecia que todo o norte da Índia iria se perder das mãos britânicas. Mas a atuação leal de
regimentos dos sikhs foi fundamental para a virada do destino. Os sikhs ainda alimentavam ódio aos soldados
indianos amotinados, da mesma unidade que os reprimiram e os subjugaram nas duas guerras Anglo-Sikh (1845-
1846) (1848 - 1849) [411]. Assim, foram retomadas as cidades de Delhi, em 21 de setembro de 1857, e Lucknow, após
um longo sítio em 27 de novembro. E Gwalior e seu estratégico forte que tinha sido tomado pelo peshwa dos
rebeldes maratas e forças leais à rainha (rani) de Jhansi, Lakshmi Bai (1828 - 1858), a grande figura feminina da
causa dos rebeldes indianos que somente foi resgatada em junho de 1858 sob o comando do general Hugh Rose,
evento em que a rani veio a morrer [412].
Os conflitos e as falhas na contenção por parte das autoridades britânicas deixaram marcas indeléveis. A
autoconfiança tinha sido abalada, e muitos britânicos já não se viam como superiores ou portadores da civilização
frente aos “bárbaros” indianos. Muitos da elite indiana começaram a considerar a presença britânica como despótica
e autoritária. E ao final das revoltas, que tinham ecoado largamente entre vários setores da sociedade indiana, as
autoridades em Calcutá e em Londres decidiram adotar uma política menos intervencionista do que a praticada por
Dalhousie e mais ponderada e cautelosa a buscar o apoio e a incorporação da elite indiana nos assuntos
administrativos da Índia, abrindo assim escolas aristocráticas para o acesso ao serviço civil indiano (Indian Civil
Service, doravante ICS). Uma instituição que servirá a uma elite de funcionários públicos indianos, de pouco mais
de mil pessoas a comandar, arrecadar, alocar os recursos, reprimir revoltas e descontentamentos, redigir leis,
investigar crimes, julgar e fiscalizar municípios, escolas, hospitais e cooperativas de mais de 300 milhões de
indianos, um quinto da população mundial da época [413].
Nos aspectos sociais e religiosos, as autoridades britânicas reviram suas interferências nas tradições indianas
decorrentes da visão utilitarista do governo de Dalhousie. Assim, as práticas e costumes populares indianos foram
tolerados. A ordem social indiana tradicional foi preservada, sustentadas no apoio a elites locais, religiosas e
latifundiárias. No nível político, visando conter futuras rebeliões, o novo governo imperial britânico na Índia criou
instâncias jurídicas e políticas a nível provincial. Foram abertas novas escolas e universidades, resultado da Lei das
Universidades Indianas que entrou em vigor em 1904 que ampliou o número de vagas e de cursos universitários [414].
Os custos das revoltas foram enormes. O tesouro foi quase desprovido de recursos e a BEIC quase entrou em
falência. Assim, visando evitar o pior para seus acionistas, a companhia britânica deixou de atuar na Índia depois de
258 anos. O parlamento decidiu que a Coroa Britânica assumiria os negócios e controle na Índia, que apresentava
boas perspectivas de crescimento e lucros para a arrecadação britânica. A Índia, depois de anos de investimento em
infraestrutura, começava a produzir e exportar mais de seus produtos para o mercado internacional e a importar mais
dos produtos processados britânicos [415].
Assim, foi transferida a responsabilidade de administração para a monarquia britânica, diretamente submetida à
influência da rainha Vitória que apresentava vivo interesse no império indiano. A monarca até teve aulas de hindi e
foi aluna do indologista mais famoso da época, Max Mueller. Assumiu o título de Imperadora da Índia em 1876 [416]
e designou um Vice-Rei da Índia a zelar pelos seus interesses na Índia que deveria servir no seu ofício até cinco
anos.
Para contrapor seu poder, foi extinto o cargo de Governador-Geral da Índia em 1858 e foi criado o posto de
Secretário de Estado da Índia a cuidar dos assuntos administrativos e econômicos da Índia, Birmânia e Áden, na
Península Arábica. Esse secretário representava toda a elite indo-britânica e poderia ter mais poder que o vice-rei se
contasse com o interesse e apoio da maioria parlamentar em Londres. Ademais, o secretário não tinha que apresentar
nenhum relatório orçamentário ao parlamento, pois a sua receita era independente das ilhas britânicas [417]. Assim,
nesse sentido, o interesse e a percepção sobre a Índia foi gradativamente deixando de ser interesse dos parlamentares
e da sociedade britânica vitoriana.
Com relação aos líderes das revoltas indianas, uma comissão militar britânica se reuniu em Delhi e decidiu exilar
o imperador mogol Bahadur Shah II para Rangum, na Birmânia, onde morreu como um dervixe [418] em 1862, pondo
fim à longa Dinastia Mogol. O peshwa Nana Sahib (1824 – 1857), que tentou restaurar o império marata nas
rebeliões, aparentemente desapareceu após as ocupações britânicas em Cawnpore em 1857 [419].
O Raj Britânico - de Canning a Curzon
Em novembro de 1858, a rainha Vitória declarou, generosamente, em proclamação lida em Allahabad por Lord
Canning de que todos os regentes, chefes da Índia teriam seus direitos e privilégios mantidos de acordo com os
termos assinados com a extinta BEIC. E ao público indiano em geral, de todas as crenças e raças, foram prometidos
direitos e empregos de acordo com suas habilidades, instrução e integridade [420]. A generosidade de suas palavras
intencionava aproximar mais a nação indiana do governo britânico depois das instabilidades das rebeliões.
A proclamação em tom imperial, condizente com o termo cunhado para o período na Índia até sua
independência, Raj (termo de origem sânscrita que significa império, realeza) Britânico, foi seguida pela aprovação
da Lei do Governo da Índia de 1858 que delineou novas diretrizes políticas (mapa) [421]. Um novo Secretário de
Estado para a Índia foi nomeado. Uma Comissão Parlamentar substituiu o antigo Conselho da Índia, instância que
ficava logo abaixo do cargo do Governador Geral da Índia antes de 1858 e que era composta por quinze membros
dos quais a maioria seria escolhido por diretores aposentados da BEIC ou por aqueles gestores que haviam vivido e
atuado na Índia por mais de dez anos. Era uma maneira de evitar o excesso de gerência de pessoas das ilhas
britânicas e de possessões longes e a valorizar aquele que conviveu e lidou com a realidade mais próxima, no caso,
na Índia, doutrina política essa chamada de man on the spot, homem no local.

Mapa - Índia Britânica em 1858. Regiões em vermelho foram administradas diretamente pela Coroa, e as em amarelo, estados que mantiveram seus
regentes (Estados Principescos) aliados ao governo imperial britânico.

Nesse sentido, a administração britânica na Índia começou gradativamente a transitar para um sistema
centralizado a valorizar os diretores e funcionários britânicos na Índia. A participação indiana nos altos cargos civis
e militares ainda era raridade. Na década de 1880, por exemplo, havia apenas 16 indianos entre os 900 membros da
ICS. Ademais, os exames de admissão a esse corpo de elite eram realizados na Inglaterra, um custo e viagem
proibitivos para a maioria dos candidatos indianos. Além do mais, mesmo com os insistentes pleitos por reformas
mais amplas no sentido de ampliar o acesso de indianos aos cargos mais elevados, havia a desconfiança ou até
mesmo um explícito racismo entre a comunidade britânica na Índia, principalmente entre aqueles evangélicos e
conservadores, como ficou demonstrado no romance histórico de Dalrymple [422]. Ou como ficou clara na declaração
do vice-rei, Lord Lytton, que escreveu em 1879 que os altos cargos jamais seriam acessados substancialmente pelos
indianos [423]. Apesar disso, uma nova Estatutária da Administração Pública (Statutory Civil Service) foi aprovada em
1880, abrindo a possibilidade de acesso a alguns cargos diretivos para indianos, mesmo com as restritivas exigências
dos exames de admissão. Era a velha relutância da elite indo-britânica em Londres e Calcutá em abrir mão de seu
poder voluntariamente.
Nos problemas políticos e nas relações com potentados vizinhos, os quatro mais destacados vice-reis da Índia
após 1858 – em ordem sucessiva, Lawrence, Mayo, Northbrook e Lytton – se defrontaram com o difícil problema da
região noroeste indiana, a chamada Fronteira Noroeste. Sir John Lawrence (g. 1864 - 1869) buscou questionar os
limites de seu cargo, buscando a máxima intervenção nos assuntos administrativos indianos, tal como o fez
Dalhousie. Na política externa, Lawrence enfrentou os problemas diretamente no Afeganistão, a noroeste, e nisso foi
calamitoso. Com os russos, aliados com os persas e alguns líderes afegãos, permitiu a eles se desgastarem com as
intrigas políticas das tribos afegãs. Mas não era essa a visão predominante dos britânicos com relação aos russos,
que passaram a cada vez enxergarem neles uma potencial ameaça à Índia Britânica. Uma possível ampla aliança
russo-afegã asseguraria uma base em Cabul que daria, via o Passo de Khyber, acesso às planícies do Punjab e do
Ganges no norte indiano.
Seu sucessor, Lord Mayo (g. 1869 - 1872), foi com relação aos afegãos mais proativo, encontrando o emir
afegão, Sher Ali Khan (r. 1863 - 1879), em Ambala em janeiro de 1869 [424]. Nos termos consentidos, os britânicos
garantiram ao afegão uma defesa das fronteiras contra os avanços russos e, em compensação, o emir teria o apoio de
recursos e treinamento para organizar um exército nacional, além de ter assegurado sucessão reconhecida para seu
filho favorito, Abdullah Jan.
Lord Northbrook (g. 1872 - 1876), ao contrário de Mayo, era um homem de paz, contrário às investidas bélicas
de aliados nas fronteiras indianas. Sua ênfase na administração foi mais voltada para reorganização interna, a fim de
conter os gastos excessivos, diminuir os impostos e prevenir a fome, algo recorrente na Índia com a implantação
extensa do cultivo de monoculturas rentáveis no mercado internacional, como o chá em Assam, índigo e juta na
Bengala. Em 1873, o emir Sher Ali, alarmado com as ameaças russas na sua fronteira solicitou maior presença e
apoio britânico, tendo como resposta uma primeira recusa das autoridades britânicas. Em segundo momento, com a
revisão da sua política a pedido do novo primeiro-ministro em Londres, Benjamin Disraeli, tropas britânicas foram
mobilizadas para a fronteira afegã, demandando de Sher Ali a presença de agentes britânicos em Cabul, Kandahar e
Herat. A demanda desagradou os afegãos que a consideraram como uma provocação e prelúdio para uma futura
anexação.
Novos desentendimentos vieram à tona entre as autoridades em Londres e Calcutá. Northbrook defendeu os
interesses comerciais e econômicos da Índia, enquanto o governo de Disraeli buscou salvaguardar os interesses
estratégicos do império britânico. Assim, como resultado desse desgaste político, Northbrook pediu demissão em
1876.
Foi sucedido no cargo por um experiente diplomata britânico, Lord Lytton (g. 1876 - 1880), que visou atuar a
cargo da política de Disraeli. No entanto, Sher Ali se recusou a ter um residente britânico em Cabul, expressando a
vontade e indignação da maior parte de seus aliados e da nação. Assim foi iniciada a Segunda Guerra Anglo-Afegã
(1878 - 1880), em que decorrente dos confrontos Sher Ali morre em 1879 e suas tropas em grande parte são
derrotadas e desbaratadas ao interior. A paz é assinada em Gandamak, em maio de 1879, atendendo aos termos
britânicos com um residente em Cabul a supervisionar a política afegã [425]. De fato, tornando o Afeganistão num
protetorado britânico.
As revoltas populares afegãs se manifestaram diante dos acordos e avolumaram-se. Em 3 de setembro de 1879, o
representante britânico em Cabul, Sir Louis Cavagnari foi assassinado por rebeldes afegãos. E sob liderança do
Ghazni Mohammad Jan Khan Wardak, os afegãos atacaram os britânicos na base de Sherpur, perto de Cabul, em
dezembro de 1879. Uma segunda fase de agressões teve início. O emir afegão no trono em Cabul, Mohammad
Yaqub Khan, que contava com o apoio britânico era considerado como um fantoche. As batalhas subsequentes
foram desgastantes para as tropas indo-britânicas muitas vezes em terreno montanhoso de difícil acesso frente à
atuação de guerrilha dos rebeldes afegãos. A política agressiva de Disraeli e Lytton provou ser um desastre, e Lytton
pediu demissão em 1880.
Lord Ripon (g. 1880 – 1884), que sucedeu Lytton, foi afortunado em identificar e dialogar com um poderoso e
popular chefe afegão, Abdur Rahman (r. 1880 – 1901), que conseguiu se assegurar no poder e unificar o país
novamente em paz por 20 anos [426] com o discreto apoio britânico e sem nenhuma presença de um residente em
Cabul.
Ripon era de uma escola mais liberal que seguiu a visão do primeiro-ministro britânico Gladstone e sua
administração na Índia foi marcada pelas primeiras reformas cautelares rumo a um sistema de governo mais
democrático, especificamente no nível local, distrital. Mas, com essas reformas postas em andamento, enfrentou a
oposição da classe empresarial de europeus em Calcutá que considerou as reformas como perigosas e nocivas aos
seus interesses e privilégios na sociedade colonial indiana. Um dos pontos mais debatidos foi com relação ao
sistema judiciário, em que Ripon e seus conselheiros consideraram injusto um magistrado indiano não ter
competência jurídica de julgar um europeu mesmo em matéria penal. Para mudar tal quadro, Ripon propôs a Lei
Ilbert em 1883, para abolir tal distinção jurídica [427]. Houve grande furor na imprensa de Calcutá e, diante disso,
Ripon cedeu e emendou a nova lei dando a possibilidade de um europeu a recorrer a um julgamento por júri popular,
o qual metade deveria ser composta por europeus. Em suma, ainda mantendo certa distinção racial e deixando claro
que réus indianos não poderiam ter recurso a um júri. Apesar disso, o Vice-Reinado de Ripon, deu certos sinais aos
indianos que reformas rumo a instituições e leis mais justas e participativas poderiam ser debatidas e aprovadas.
Um dos momentos mais inspiradores nesse cenário, no âmbito político, de congregar as opiniões mais
reformistas – de empresários liberais, políticos, professores, advogados, médicos, jornalistas, intelectuais e líderes
religiosos - na Índia foi com a fundação do Congresso Nacional Indiano (doravante CNI) em 1885 (fig.). Essa
organização política foi fruto de décadas de debates e ideias reformadoras indianas rumo a uma maior libertação [428].
Uma corrente nesse sentido que buscou revigorar o hinduísmo no final do século 19 foi a filosofia Vedanta que
almejava a libertação da alma através da meditação e renúncia ao mundo mundano. Outro conceito aliado a essa
filosofia foi a da karmayoga que enfatizava mais a ação altruísta e desinteressada no meio mundano em busca do
bem maior como uma afirmação do indivíduo, uma auto-realização afirmativa ao invés da contemplação passiva. O
profeta desses novos pensamentos foi Swami Vivekanda (1863 - 1902) que tinha impressionado o público ocidental
quando propagou sua mensagem no Parlamento Mundial das Religiões em encontro em Chicago em 1894. Na sua
volta, Vivekanda despertou os sonhos nacionalistas indianos em busca de maior autonomia e libertação.

Fig. – Foto dos fundadores do partido Congresso Nacional Indiano, em 1885.

Na virada para o século 20, em 1899, foi nomeado como vice-rei da Índia Lord Curzon (g. 1899 - 1905). No seu
reinado, os indianos foram pesadamente tributados para manter o sistema militar e policial britânico na Índia. A
esses setores, nos anos de 1900 e 1901, foram alocados cerca de 40% do orçamento público, algo que contrastava
com os meros 5% para os serviços de bem-estar, saúde e educação [429]. Os gastos com segurança talvez fossem um
inequívoco sinal do crescente descontentamento da dominação britânica. Em 1871, o vice-rei Mayo foi assassinado
por um muçulmano indiano. Em 1897, o Alto Comissário Rand foi morto por um brâmane. No mesmo ano, foram
realizados grandes boicotes contra as instituições britânicas em Bombaim, com violentos confrontos nas ruas e a
destruição de alguns edifícios públicos na cidade. Em 1901, embates similares ocorreram na cidade de Cawnpore,
assim como foi noticiado na Bengala, onde foi estabelecida a Associação Nacional Indiana em Calcutá por
Surendranath Banerjee e Ananda Mohan Bose, visando coordenar as opiniões e discussões acerca do domínio
britânico. E também foram fundados periódicos e jornais indianos de cunho revolucionário, como o Jugantar e o
semanário popular Bangabasi [430]. Bengala tornava-se o epicentro da inteligência crítica e revolucionária do Raj
Britânico.
Em uma tentativa de abrandar os fervores nacionalistas na Bengala, Curzon decidiu dividir a província em uma
parte oriental de maioria muçulmana – Bengala Oriental – e uma mais ocidental, almejando dividir a ampla
mobilização indiana de descontentamento. Como reação a isso, foi fundada a Liga Pan-Muçulmana da Índia (ou
Liga Muçulmana) em Daca em 1906, com o objetivo de agenciar os interesses dos muçulmanos indianos. Na mesma
cidade, um ano depois, o magistrado distrital B. C. Allen foi assassinado e, em 1909, Sir William Wyllie, tenente-
coronel do exército britânico e do Ministério da Defesa, foi morto a tiros por um revolucionário indiano nas ruas de
Londres.
Bal Tilak (1856 - 1920), ardoroso defensor do conceito do swaraj (autogoverno), articulou e formou um novo
partido como resposta à partição de Bengala por Curzon. Ao fazê-lo, foi criada uma ala nacionalista mais radical
dentro do partido do CNI que tinha sido concebido em 1885 para influenciar e cooperar, dentro dos limites jurídicos
e constitucionais, uma reforma na Índia. Os partidários de Tilak, ao contrário, decidiram agir em forma de protestos,
piquetes e boicotes contra os produtos britânicos [431]. Os partidários do CNI, constrangidos diante dos eventos da
partição, decidiram partir para negociações. Gopal Gokhale (1866 - 1915), presidente da CNI, foi a Londres entre
1905 e 1906 e negociou com o novo Secretário de Estado para a Índia, Lord Morley (g. 1905 – 1910) em Londres e
conseguiu promessas concretas de maiores reformas constitucionais na Índia [432].
Nesse meio tempo, em 1905, foi composta uma canção inspiradora (o Amar Sonar Bangla, “Minha Dourada
Bengala”, hoje o hino nacional de Bangladesh) contra a divisão da Bengala pelas mãos do escritor ganhador do
Nobel de Literatura, Rabindranath Tagore (1861 - 1941) [433]. Em Baroda, no Gujarate, Sri Aurobindo (1872 - 1950)
a partir de 1897 começou a escrever artigos políticos críticos no periódico Indu Prakash. Anos depois, em 1906,
Aurobindo se juntou aos rebeldes políticos da Bengala [434].
O governo de Curzon fez algumas concessões diante do cenário de protestos indianos. Reviu a divisão de
Bengala e reunificou-a em 1911. Em 1909, foi aprovada a Lei dos Conselhos Indianos (também conhecido como as
Reformas de Morley-Minto) que permitiu a eleição de representantes indianos em conselhos legislativos. A proteger
as minorias indianas, contudo, um sistema de reservas de cadeiras nesses conselhos seria destinado ao eleitorado
muçulmano e de outras religiões não-hindus. Nesse sentido, os muçulmanos teriam assentos legislativos separados
em nível municipal e distrital e boa parte desses representantes advieram da Liga Muçulmana. Assim foi criado um
ambiente político de separação e alienação indiana pelas autoridades britânicas a minar qualquer sentido de unidade
indiana hindu-muçulmana. Ou seguindo a máxima do imperador romano Júlio César, divide et impera, dividir para
conquistar.

Mapa - Raj Britânico em 1909 com as religiões predominantes, verde (muçulmanos), vermelho (hindu) e amarelo (budista).

E visando evitar maiores atuações das tropas indianas nesse turbilhão político indiano, os soldados indianos
foram mobilizados pelo império britânico. Em 1882, a exemplo, sete mil homens foram deslocados a reprimir as
revoltas antibritânicas no Egito. O advento das crises internacionais que culminaram na Primeira Guerra Mundial em
1914 será outro fator de mobilidade militar indiana, mas que guardará consequências imprevistas aos alicerces do
imperialismo.

Índia e Sul da Ásia (De Gokhale a Gandhi – Início do Século 20 - 1947)


Reformas Políticas e Nacionalismo na Índia
Enquanto Gokhale e seus acólitos estiveram no poder do CNI, o partido adotou um posicionamento mais
moderado e negociador com o governo britânico em Calcutá e Londres. No entanto, em 1915, Gokhale veio a
falecer, o que deu a Tilak uma chance de redirecionar a linha de ação do grupo. Reconhecendo os limites de seu
radicalismo após sair de sua pena na prisão em 1914, e identificando as dificuldades da guerra na Europa, Tilak
começou a adotar uma linha mais ponderada e negociante. Outro surpreendente líder também despontou na mesma
época, Annie Besant (1847 - 1933), uma socialista irlandesa que tinha vindo para a Índia propagar as ideias da
Teosofia [435]. Quando ela fundou a Liga para a Autonomia Indiana (Indian Home Rule League) nos mesmos moldes
do partido na Irlanda, suas ideias tiveram grande impacto entre a elite crítica indiana. Diante disso, um jovem e
brilhante advogado à época, Muhammad Ali Jinnah (1876 - 1948), que aspirava representar todas as vontades
muçulmanas indianas para a autonomia, tinha se impressionado e fundou um partido inspirado nas suas ideias, a
Liga Muçulmana, em 1916.
Os muçulmanos indianos, durante os embates dos britânicos contra os turcos, aliados aos alemães, na Primeira
Guerra Mundial (1914 – 1918), tinham grandes reservas com relação à participação indiana nos conflitos ao lado do
império britânico. Pois consideravam o sultão turco otomano em Istambul, Mehmed V (r. 1909 - 1918), como
herdeiro espiritual do Profeta Maomé (califa). O que lhes levaram a um dilema: a quem eles devem a última
lealdade, ao império britânico ou ao líder espiritual de sua religião? Muitos muçulmanos indianos no final acabaram
decidindo seguir a liderança nacionalista de Jinnah. E assim tinha proposto e negociado um pacto político com
Tilak, do CNI, em 1916, ambicionando juntar os dois partidos rumo a uma Índia autônoma. Em 1917, houve uma
coesão exemplar de Jinnah e Tilak junto com o governo britânico nos esforços de guerra.
Nos próximos dois anos, foram negociadas gradativas reformas constitucionais no que se tornaram as Leis
Montagu-Chelmsford, aprovadas em 1919 e em vigor a partir de 1921, que permitiram certa participação política de
indianos no âmbito local, além de alguns assentos no órgão executivo máximo na Índia abaixo do Vice-Rei e do
Secretário de Estado, no Conselho Executivo da Índia. Nesse, os indianos teriam direito a três assentos a cuidar dos
assuntos de saúde, educação e agricultura, enquanto os britânicos ainda detiveram as áreas cruciais da defesa,
segurança e finanças. No âmbito legislativo local, foram propostas duas câmaras, uma britânica e outra indiana. Os
assentos desse último seriam preenchidos por indianos eleitos de acordo com sua religião, conferindo voz política a
todas as religiões no país, mas assegurando assim uma complicada desunião de identidade.
O projeto de reforma produziu uma forma diárquica de poder, a contrapor um polo britânico contra um indiano.
E fatalmente acarretou em amargas frustrações pelo lado indiano, pois os ministros no Conselho Executivo
dependiam do apoio financeiro britânico. E dificilmente foi alcançado um amplo consenso indiano no legislativo
constituído por uma pletora de interesses pautada na diversidade religiosa.
Ao fim da Primeira Guerra Mundial, o governo britânico na Índia, sob a presidência de Sir Sidney Rowlatt,
introduziu e julgou uma série de leis de estado de emergência a partir de 1919, conhecidas como a Lei de Rowlatt, a
serem aplicadas que visaram reprimir quaisquer manifestações de sedição e aquelas consideradas um risco para a
segurança nacional [436]. Seguiram-se uma enxurrada de protestos pela Índia, cujos participantes consideraram
abusivas e arbitrárias as medidas injustas após o amplo apoio e participação dado da Índia no esforço de guerra ao
lado dos britânicos, enviando aos campos de batalha cerca de dois milhões de homens em sua maioria para regiões
da Mesopotâmia, no atual sul do Iraque, e região mediterrânica do império otomano, hoje partes da Turquia [437].
Entre os protestantes contra a Lei Rowlatt, despontou-se um jovem e inspirado advogado de Porbandar, no
Gujarate, Mohandas Karamchand Gandhi (1869 - 1948) (fig.), que buscou articular campanhas de desobediência
civil e resistência não-violenta ao governo [438].
Gandhi
Filho de um ministro local e de família de casta de mercadores (vaixás) da costa do Gujarate, Mohandas Gandhi
completou seus estudos em Direito em Londres e, subsequentemente, prosseguiu em sua carreira advocatícia em
Bombaim. Aceitou depois a proposta de um empresário muçulmano que o mandou para o que hoje é a África do
Sul, ex-colônia britânica, em Pretória e Durban a partir de 1893 até 1915. Naquele país, como um dos raros
advogados indianos, acabou emergindo como representante da grande comunidade de seus conterrâneos [439]. A
maioria dos casos de discriminação racial que lhe chegou às mãos aguçou-lhe o sentido de questionamento e revolta,
por vezes adotando uma postura extrajurídica de manifestação de protesto, sempre a explorar as brechas e
contradições do sistema jurídico sul-africano e britânico.
Quando Gandhi decidiu retornar para a Índia em 1915, ele já tinha feito sua fama entre as comunidades indianas
na África do Sul. Aos 46 anos de idade, poucos podiam antever sua futura atuação social e política. Inspirado pelas
ideias de Gokhale, Gandhi procurou corresponder-se com ele e com seus seguidores. Fez viagem de um ano pela
Índia a observar e constatar a realidade do povo indiano. Nos anos seguintes, depois da morte de Gokhale durante
seu tour, devotou-se a dar atenção a campanhas de camponeses no distrito de Champaran, em Bihar e no distrito de
Kheda, no Gujarate, em que adquiriu grande experiência política, carisma e percepção social. E ganhou nisso
admiradores e alguns seguidores, como Rajendra Prasad (1884 - 1963) em Bihar e Vallabhbhai Patel (1875 - 1950)
(fig.) em Gujarate.

Fig. - Vallabhbhai Patel.

No último ano da Primeira Guerra Mundial, em 1918, organizou uma ampla campanha para alistamento militar
para o Exército Indo-Britânico em Gujarate, demonstrando sua lealdade com o império, acreditando no
compromisso do governo de Londres em reformar e conceder autonomia efetiva para a Índia depois dos conflitos.
Mas a aprovação da Lei de Rowlatt decepcionou-o profundamente, constatando que os britânicos não respeitaram a
lealdade indiana durante a guerra. Reagindo a essa indignação, Gandhi propôs como método de protesto dentro das
condições políticas e jurídicas britânicas na Índia, manifestações que já tinha organizado na África do Sul:
fechamento de lojas e negócios em certos dias, o hartal (dia de paralisação do trabalho, jejum e orações), com efeito,
um dia de greve.
Enquanto isso, a Índia atravessou um período delicado depois da guerra. No final de 1918, a inflação era notória,
afetando duramente a população mais carente no meio rural e nas grandes cidades. Milhões de soldados retornaram
para a Índia, grande parte deles para o Punjab, região de origem de quase um terço dos soldados indianos que
serviram na guerra, entre sikhs e muçulmanos punjabis, consideradas pelos britânicos como as “raças marciais” [440].
Para tanto, o governo imperial tratou com extrema cautela o Punjab diante de possíveis revoltas entre os locais, não
permitindo a entrada de ativistas políticos como Gandhi na região. Visando controlar as inquietações punjabis, o
governo britânico na Índia decidiu mandar ali mais tropas e forças de segurança, a fim de conter e reprimir como
prova de autoridade e força.
Em 13 de abril de 1919, o governador de Punjab, Michael O’Dwyer, mandou para Amritsar o general britânico
Reginald Dyer que decidiu, diante de uma aglomeração em Jallianwalla Bagh, na cidade de Amritsar, mandar abrir
fogo frente a uma multidão pacífica de cerca de 15 mil pessoas reunidas numa praça de jardins (bagh) adjacente ao
Templo Dourado, um dos locais mais sagrados dos sikhs. Como resultado, 379 mortos, incluindo mulheres e
crianças, e estimados 1200 feridos [441]. O Massacre de Jallianwala Bagh (fig.), como ficou conhecido
posteriormente, carregou uma poderosa mensagem para os indianos de que o governo britânico procederia a casos
arbitrários de repressão, demonstrando sua fragilidade e insegurança no poder na Índia, no momento do conturbado
governo do vice-rei Chelmsford (g. 1916 - 1921). Um sinal de que a dominação britânica apontava para seus limites
e nervosismo diante do alvoroço da população indiana nos anos posteriores a Primeira Guerra Mundial.
Gandhi, percebendo a ocasião histórica da importância da cooperação indiana para a continuidade do governo
britânico na Índia, respondeu coordenando uma estratégia de não-cooperação como seu manifesto a fim de alcançar
o swaraj indiano. Uma autonomia e autogoverno completo. Gandhi foi então mandado para compor uma comissão
de investigação acerca do ocorrido em Amritsar. No congresso anual do CNI em 1919 na cidade, o tom das
resoluções do partido, presidindo a sessão por Motilal Nehru (1861 - 1931), pai de Jawaharlal Nehru (1889 - 1964),
futuro primeiro líder de governo indiano independente, foram moderadas para o desapontamento das alas mais
radicais do partido e descompassadas diante da indignação da sociedade indiana, principalmente no Punjab.
Gandhi, após a comissão de investigação e da sessão do CNI, passou a adotar uma atitude cada vez mais de
enfrentamento político. Tal decorreu, nos meses seguintes em 1919 e 1920, diante do movimento crescente do
Khilafat que defendia um ideal pan-islamista e maior participação política muçulmana na Índia [442]. Gandhi decidiu
ouvir os apelos dos muçulmanos, pretendendo assim assumir uma liderança pan-indianista e não apenas como líder
das causas hinduístas. Outro fator para a guinada de atitude de Gandhi foi a sua indignação do relatório produzido ao
final das investigações acerca dos eventos de Jallianwala Bagh, acabando por não condenar devidamente em termos
disciplinares e penais o general Dyer e os envolvidos no massacre [443]. Como se não bastasse, seus simpatizantes nas
ilhas britânicas levantaram um fundo substancial de fundos para sua aposentadoria, além de suas ações terem sido
consideradas por Winston Churchill, em discurso na Câmara dos Comuns em Londres, como memoráveis sem
paralelos na história moderna do império britânico. Foi condecorado e presenteado com uma espada cerimonial com
a inscrição “Defensor do Império” [444].
Diante disso, as condições de radicalidade e contestação na Índia foram se tornando cada vez mais evidentes. Em
meados de 1920, Gandhi começou a sistematizar sua política de não-cooperação, em suma, boicote aos produtos
têxteis britânicos, escolas, universidades e tribunais de justiça. Em junho do mesmo ano, Gandhi acrescentou ao
boicote as eleições vindouras.
Em agosto de 1920, o líder histórico do CNI, Tilak, morreu, abrindo caminho para a liderança de Gandhi dentro
do então maior partido político indiano, com estimados dois milhões de membros [445]. Em Calcutá, numa sessão do
CNI, Gandhi consegue a aprovação do uso dos boicotes pela maioria dos membros do partido, conferindo-lhe maior
legitimidade política indiana, além de sua ampla visibilidade social. Animado com tal perspectiva, Gandhi começou
a adotar um discurso mais contestatório diante das autoridades britânicas, a lutar pela autonomia indiana, swaraj, em
um ano.
Em 1921, o boicote às eleições resultou em notável ausência dos políticos do CNI no governo indiano, levando-
os a uma radicalidade cada vez maior diante do sistema indo-britânico imperial. Foi um momento histórico sem
retorno, sem maiores possibilidades de conciliação política dos partidários de Gandhi com os britânicos. No mesmo
ano, as inquietações sociais decorrentes dos boicotes cresceram. O tour pela Índia do herdeiro ao trono imperial
britânico em 1921 e 1922, o príncipe de Gales, Edward, fez com que o governo britânico na Índia adotasse uma
postura de apaziguamento com os protestos antibritânicos. No dia 4 de fevereiro de 1922, na vila de Chauri Chaura,
no entanto, o movimento ganhou contornos violentos com o incêndio de alguns policiais numa delegacia, e Gandhi
foi preso. Após o qual ficou detido por dois anos, e muitos acreditaram que isso seria o fim de sua carreira política.
De fato, a influência política de Gandhi e do CNI diminuíram sensivelmente na primeira metade da década de
1920. Gandhi, após ser solto da prisão em 1924, se retirou para um ashram [446] em Gujarate. O número de membros
do CNI despencou, para 18 mil membros em 1925 [447], muitos vendo o fracasso dos movimentos de não-cooperação.
Os boicotes organizados nos anos anteriores perderam seguidores. Muitos voltaram a frequentar as escolas e
universidades. E o mais grave, houve crescente desunião no movimento nacional no enfrentamento aos britânicos
com a retirada da figura de liderança de Gandhi. Entre 1923 a 1927, nas então Províncias Unidas (hoje Uttar
Pradesh) ocorreram vários confrontos inter-religiosos. No noroeste indiano, a população hindu da cidade de Kohat
abandonou suas casas e negócios em 1924. E aqueles que sonharam com uma Índia independente hindu começaram
a organizar-se em organizações nacionalistas como o Rashtriya Swayamsevek Sangh em 1925 e a Associação
Republicana Socialista do Hindustão em 1928.
Neste mesmo ano, o governo britânico na Índia decidiu rever as reformas na constituição indiana desde as Leis
Montagu-Chelmsford de 1919, designando para isso uma comissão exclusivamente de britânicos, na chamada
Comissão Simon, em nome do seu presidente Sir John Simon. A ausência de um membro indiano provocou
generalizada indignação e novos protestos nacionais e boicotes foram organizados em 1928. O mais notório desses
protestos se deu no Punjab, na cidade de Lahore, em outubro em que a polícia reprimiu violentamente uma marcha
popular silenciosa e pacífica [448].
O relatório da Comissão Simon foi publicado em maio de 1930, em que foi proposto um governo representativo
nas províncias, mas ainda mantendo o controle nacional nas mãos de representantes britânicos. Com o clima de
insatisfação popular indiana diante das tímidas reformas políticas rumo a uma maior autonomia política, Gandhi
decidiu organizar uma grande manifestação em abril de 1930.
Foi quando Gandhi partiu de Ahmedabad em marcha por mais de 390 km para a cidade costeira de Dandi, no
Gujarate, marcando sua volta ao cenário político nacional (fig.). O propósito dessa marcha, a Marcha do Sal, foi de
boicotar a compra desse produto, taxado pelo governo britânico que representava à época 3% da receita indiana,
indo Gandhi ao litoral indiano promover uma forma de autossuficiência, swadesh, a colher com o próprio sal da
praia marítima [449]. Milhares se juntaram à caminhada de Gandhi, acima de dois mil protestantes, que depois foram
agredidos pela força policial na cidade litorânea a 250 km ao norte de Bombaim. Conseguinte ao ato de protesto,
Gandhi e mais de 25 mil de seus seguidores, entre eles Jawaharlal Nehru, foram presos, demonstrando mais uma vez
a truculência britânica na Índia ao lidar com grandes campanhas de protesto [450].

Fig. – A Marcha do Sal de Mohandas K. Gandhi de 12 de março a 6 de abril de 1930.

As Conferências de 1930 a 1932 e a Lei do Governo da Índia de 1935


Visando resolver a instabilidade política indiana, o governo britânico realizou três rodadas de conferências em
Londres, entre 1930 e 1932. A primeira rodada foi aberta pelo monarca, George V, em 12 de novembro de 1930, e
foi presidida pelo primeiro-ministro britânico, Ramsay MacDonald. Apesar de toda a pompa, a ausência de
membros do CNI, sendo que alguns estavam aprisionados, comprometeram as negociações. Foi proposta uma
federação indiana, dividida em 11 províncias e os estados principescos, além da participação indiana em todos os
níveis de governo. No mesmo ano, como porta-voz dos indianos mais marginalizados, da casta dos dalits
(intocáveis), B. R. Ambedkar (1891 - 1956) liderou um amplo movimento de 15 mil pessoas no Templo de Kalaram,
em Nashik no Maarastra, exigindo participação e voz política em termos de igualdade para seus representados [451].
O vice-rei indiano da época, Lord Irwin (g. 1926 - 1931), decidiu após os parcos avanços nas negociações em
Londres, conceder liberdade a Gandhi da prisão em janeiro de 1931 em troca de pôr termo à campanha de
desobediência civil. Gandhi então participou na segunda rodada de conferências a partir de sete de setembro de
1931. No evento, ele rejeitou a ideia de eleitorados separados de acordo com as minorias sociais e categorias
religiosas indianas. Também defendeu a ideia de que os “intocáveis”, a quem chamava de harijans (filhos de
Vixnu), não consistiam numa minoria, mas parte integrante da sociedade indiana. Diante da defesa de suas ideias, de
não segmentação e integridade da sociedade indiana para os fins políticos, resultou-se num novo impasse nas
negociações.
A terceira e última rodada de negociações veio em fins de 1932. Foi pouca representada pelas partes
negociadoras, improdutiva e repleta de pessimismos por ambas as partes. Ao fim das três rodadas de conferências,
no entanto, algum contorno de plano foi esboçado para a reforma política da Índia que teria efeito a partir da Lei do
Governo da Índia de 1935. Esta, no geral, concedeu uma maior igualdade e autonomia para os indianos na Índia
Britânica, pondo fim ao sistema diárquico em nível distrital, conforme a Lei de Montagu-Chelmsford de 1919. Foi
também proposta a forma federativa para a toda a Índia, a ser composta pela Índia Britânica e dos estados
principescos [452], entidades políticas que permaneceram autônomas e aliados aos britânicos. As eleições seriam
diretas, aumentando a franquia de voto de sete milhões para 35 milhões de votantes, além de algumas
reorganizações parciais de algumas províncias, entre as mais importantes a separação da Birmânia e Áden como
colônias separadas a ser administradas pela Coroa Britânica [453].
Apesar das amplas reformas, o grau de autonomia em nível provincial ainda limitava-se ao poder dos
governadores provinciais, e do governo britânico na Índia do direito de administrar a defesa e a política externa da
Índia e do poder de suspensão do governo em caso de crise nacional. A Lei do Governo da Índia entrou em vigor a
partir de 1937, com a realização das primeiras eleições distritais, mas sem o status de federação resultado da ampla
oposição dos regentes indianos dos estados principescos que temiam a perda de suas soberanias [454]. Exceção foi
manifestada pelos regentes de grandes estados autônomos aliados aos britânicos, Caxemira, Hyderabad, Mysore e
Travancore [455]. Houve aberta oposição do CNI pois temiam que a forma federativa poderia atentar para a unidade
indiana.
Foram criadas duas novas províncias de maioria muçulmana nas reformas de 1935, a do Sind e a da Fronteira
Noroeste. Ao fazer isso, tinham em mente as autoridades britânicas fragmentar as duas grandes províncias de
Maarastra e do Punjab, locais de grande contingente populacional que tinham demonstrado descontentamento em
forma de manifestações e confrontos políticos rumo à plena autonomia indiana. O maior ganhador dessas mudanças,
sem dúvida, coube ao eleitorado muçulmano e seu maior partido político, a Liga Muçulmana liderada por Ali Jinnah
(fig.) [456].

Fig. – Muhammad Ali Jinnah, líder da Liga Muçulmana e pai da nação paquistanesa.

Após os acordos feitos em Londres, Gandhi voltou à Índia com certo amargor diante dos desentendimentos com
Ambedkar, com as contestações de Jinnah que defendeu vagas separadas aos muçulmanos, e com Nehru que já tinha
começado a flertar com as ideias socialistas para a Índia. Assim, Gandhi procedeu em rever suas atitudes políticas e
considerou Nehru como o mais apto a assumir a liderança do CNI em 1936. Nehru também alimentou profundo
desgosto com o que foi negociado em Londres e aprovado na Lei do Governo da Índia de 1935, pois considerava
como anátema a autonomia dada aos diversos regentes indianos dos estados principescos, um símbolo do passado
imperial retrógrado aos paradigmas socialistas [457].
As eleições indianas realizadas em 1937 na Índia, no geral, foi um estrondoso sucesso para o CNI que
conquistou 707 lugares nas câmaras legislativas distritais de todas as 11 províncias indianas [458], quase 40% do total
de cadeiras pelo país. Os da Liga Muçulmana, para a decepção de Jinnah, apenas 106 dos 491 assentos reservados
aos votos muçulmanos. Os únicos estados que não tiveram maioria do CNI foram o de Bengala e Punjab, que
preferiram votar em partidos locais [459]. A Liga Muçulmana partiu então para formar coalizão com o CNI, o qual foi
rejeitado pela maioria de seus membros, acarretando num acirramento dos ânimos dos partidários de Jinnah que
começaram a considerar os muçulmanos como minoria na Índia. Em 1940, em Lahore, a Liga Muçulmana em
conferência decidiu aprovar a chamada Resolução do Paquistão, um compromisso de formarem no futuro um novo
estado de maioria muçulmana, o Paquistão, nome dado que propunham reunir as regiões do Punjab, partes do
Afeganistão, Caxemira (Kashmir), Sind e Baluchistão. O sonho de Gandhi de ter uma futura unidade indiana
independente, a reunir hindus, muçulmanos e todas as suas minorias étnicas, sociais e religiosas, pareceu estar cada
vez mais distante.
O sucesso eleitoral do CNI não escondeu suas fissuras internas. Em 1937, um líder de cunho mais radical de
Bengala, Subhas Chandra Bose (1897 - 1945) (fig.) decidiu lançar-se candidato à presidência do partido, com
discreto apoio de Gandhi. Bhose acabou ganhando as eleições partidárias em janeiro do ano seguinte [460], conferindo
ao partido um tom de maior confrontação frente às limitadas concessões políticas britânicas.

Fig. - Subhas Chandra Bose, liderança nacionalista indiana que depois negociou com os nazistas.

A Missão Cripps, “Deixem a Índia” e a 2ª. Guerra Mundial


Em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial na Europa, o vice-rei, Lord Linlithgow (g. 1936 - 1943)
declarou, sem consultar os políticos indianos, a entrada da Índia na guerra. A reação à isso foi de indignação no
meio indiano que tinham almejado barganhar a entrada de seu país nos conflitos com a promessa de plena
autonomia política. A guerra então passou a ser considerada não apenas para deter o avanço nazifascista, mas
também a combater o status imperial britânico.
Como consequência das decisões precipitadas pelas autoridades britânicas, o CNI e seus coligados
recomendaram a pronta demissão dos cargos ministeriais no poder executivo indiano. Diante disso, os britânicos
tomaram controle dos gabinetes abandonados, restando apenas os governos regionais do Punjab e Bengala que
permaneceram sob partidos muçulmanos locais. Em suma, a retirada do CNI do comando político indiano deu-lhe a
ausência nas decisões políticas durante o crucial e conturbado período da Segunda Guerra Mundial, cabendo-lhe a
posição de fazer oposição e denúncia, e a organizar campanhas e boicote e protesto com base nos ideais gandianos
do satyagraha, apegar-se ao princípio da verdade. Para o vice-rei, Lord Lilinthgow, um conservador imperialista
convicto, as concessões aos súditos indianos durante a guerra eram vistas como desnecessárias e inúteis.
Diante da polarização e impasse político entre as lideranças indianas e britânicas, Sir Stafford Cripps (1889 -
1950), um antigo amigo de Nehru e futuro embaixador britânico na União Soviética de 1940 a 1942, foi enviado à
Índia a partir de dezembro de 1939 com o propósito de negociar uma conciliação diante dos esforços de guerra. Sua
ambiciosa missão, de convencer o CNI a se juntar à posição do Reino Unido na guerra, provou ser inovadora demais
para os membros conservadores do governo britânico, entre eles Winston Churchill (que ocupou o cargo de
primeiro-ministro britânico de 1940 a 1945) e o próprio vice-rei Lord Lilithgow, pois ofereceu em troca a plena
independência indiana, com o status de “domínio”, tal como as ex-colônias britânicas do Canadá, Austrália e África
do Sul [461].
Gandhi e outras lideranças indianas do CNI tinham percebido essa inconsistência política, no descompasso
político entre os influentes membros do parlamento, da Coroa britânica e da visão liberal de Cripps. Para tanto,
frustrados com as infrutíferas promessas, a missão de Cripps falhou em seus objetivos de manter unificado o cenário
político indiano no período de guerra. Como resultado, o CNI passou a tomar dianteira e propôs uma réplica diante
do fracasso diplomático, no que ficou conhecida como a Resolução “Deixem a Índia”, tomada depois de um duro
discurso de Gandhi em reunião do CNI e aliados em 8 de agosto de 1942 em Bombaim, que demandou a retirada
imediata dos britânicos da Índia, poupando o país dos conflitos bélicos ameaçado na fronteira leste com o avanço
das tropas imperiais japonesas.
A resposta de Lilinthgow foi ainda mais implacável, mandando prender todos os envolvidos e até mesmo
sugerindo deportá-los para a África durante a guerra. A detenção, como consequência, não impediu uma ampla
campanha de boicote e protestos pelo país. Fios telegráficos foram cortados, trilhos ferroviários desmantelados,
delegacias de polícia invadidas e hastearam-se bandeiras do CNI pelos locais ocupados em prédios públicos. Em
Bihar, os camponeses rebeldes conseguiram ocupar o poder governamental. Mas essas revoltas, no entanto, em
agosto de 1942, não perduraram por muito mais tempo.
O ano de 1943 foi crítico para o futuro do governo britânico na Índia, pois o estado tinha se tornado cada vez
mais intervencionista, a controlar as rebeliões, mas também a coordenar os esforços de guerra e conter as pressões
inflacionárias dos produtos alimentícios decorrente da queda do comércio internacional e das incertezas da guerra.
Para piorar, a safra desse ano foi desastrosa resultando em uma grande fome na Bengala que matou cerca de três
milhões de indianos, e muitos outros decorrentes da desnutrição e doenças relacionadas [462]. Visando aplacar a
desordem em Bengala, o novo vice-rei, Lord Wavell (g. 1943 - 1947) ordenou a mobilização de unidades do
exército imperial para guardar e distribuir os estoques de grãos para a população bengali, mas o flagelo da fome já
tinha feito o seu devastador efeito.
Diante da crise em Bengala, Subhas Bose, viajou para a Alemanha nazista e buscou negociar com Hitler a futura
independência indiana. Depois foi ao Japão, e lá organizou o Exército Nacional Indiano, recrutando ex-prisioneiros
indianos no sudeste asiático. A unidade militar, com o apoio japonês, chegou a avançar até a fronteira indiana com a
Birmânia, na região de Imphal em Manipur, em março de 1944, mas já no momento em que o Japão tinha iniciado
uma gradativa retração de suas operações de guerra no confronto com as forças dos EUA vindos do Pacífico e das
Filipinas.
Nos últimos anos da guerra, ao constatar as perspectivas de vitória dos Aliados, os britânicos na Índia
mantiveram sob controle os nacionalistas. Gandhi, novamente em prisão, decidiu fazer uma greve de fome como
forma de protesto contra as acusações de ele ter liderado as revoltas de agosto de 1942. Em maio de 1944, ele foi
solto e sua atenção voltou-se mais para a Jinnah, figura que despontava na política indiana ao final da Segunda
Guerra Mundial, e as suas demandas de partição da Índia. Além disso, muitos soldados indianos, conhecedores das
durezas e do manejo das armas de combate, voltaram do teatro de operações de guerra.
A participação indiana na Segunda Guerra Mundial, em essência, representou o envio de cerca de dois milhões
de homens a servir no Exército Imperial Britânico em vários combates na Ásia, África e Europa. Foram
fundamentais em deter o avanço japonês a partir da Birmânia, e foram proeminentes nas vitórias na Itália, com a
morte de seis mil homens. Ao todo, 87 mil indianos faleceram ao longo da guerra. Além desses sacrifícios, a Índia
contribuiu consideravelmente com seus recursos e fundos para o esforço de guerra britânico. A economia indiana
sofreu com as imposições da guerra, o preço e a produção de grãos para suprir a demanda bélica resultaram em um
elevado custo humano de milhões de mortos pela fome, como o ocorrido em Bengala em 1943. Cessadas as
hostilidades da guerra, o Reino Unido saiu arruinado economicamente. Com relação à Índia apenas, suas dívidas
somaram cerca de 1, 200 bilhões de libras esterlinas [463].
Ademais, o clima político no Reino Unido mudou após a Segunda Guerra Mundial. O primeiro-ministro,
Winston Churchill, não conseguiu manter o seu cargo, perdendo-o para Clement Attlee (g. 1945 - 1951), do Partido
Trabalhista de linha mais esquerdista. Tal mudança dos ventos políticos decorreu dos enormes custos e dívidas da
guerra, com o governo britânico mais preocupado em sanar as finanças domésticas, reduzindo dessa forma os
envolvimentos externos do império britânico.
Na Índia, as dissidências com os custos da guerra foram logo evidenciados. Em 1946, uma grande greve tomou
as ruas de Bombaim. O CNI, curiosamente, não se juntou às manifestações, talvez receosos de porem em risco as
negociações com relação ao futuro político indiano. Para tal fim, o governo de Attlee sinalizou com o aval do vice-
rei Lord Wavell mudanças com a organização de novas eleições provinciais na Índia no ano, fundamentais para a
futura formação de uma Assembleia Constituinte da Índia independente [464]. As eleições mais uma vez confirmaram
a força do CNI com 923 vagas, mas a Liga Muçulmana também angariou votos substanciais, 423 cadeiras, que o
tornaram no principal representante da comunidade muçulmana indiana [465].
As divergências entre esses dois grandes partidos indianos começaram a ficar bem claros com o envio de uma
missão, em abril de 1946, por parte do governo britânico a definir a futura constituinte e independência indiana.
Resumidamente, interessava à Liga Muçulmana a separação de regiões indianas com clara maioria islâmica, algo
que contrariava o desejo de manter o país unido conforme declarou Nehru, na condição de presidente do CNI na
ocasião. Após tal enunciado feito, Jinnah ficou furioso e convocou grandes manifestações muçulmanas pelo país.
Como resultado, em Calcutá no dia 16 de agosto de 1945, ocorreram violentos embates entre a comunidade hindu e
muçulmana na cidade com mais de cinco mil mortos [466]. Similares agressões inter-religiosas ocorreram no estado de
Bihar. As alternativas após esses eventos foram claros, ou o CNI negociava a partição com a Liga Muçulmana ou
haveria o risco de uma longa e sangrenta guerra civil.
Em fins de 1946, como parte de sua desmobilização no pós-guerra, o governo britânico manteve um número
insuficiente de militares na Índia, pouco mais de 10 mil homens, sinalizando a fragilidade e desinteresse de Londres
em manter a sua estrutura colonial no país. Ademais, foi escolhido um novo vice-rei para a Índia Britânica, Lord
Mountbatten, em fevereiro de 1947 com o objetivo especifico de entregar o poder para os indianos até junho de
1948. Mountbatten logo percebeu as dificuldades de negociar com uma liderança unificada sobre o futuro da Índia.
Mas soube, junto com Nehru, que sem atender às demandas da Liga Muçulmana para a criação do Paquistão, seria
inviabilizado um mínimo de ordem política futura. Além dessa questão, os sikhs, percebendo as condições históricas
de que sua região, o Punjab, seria repartida em duas partes, também se rebelaram e buscaram a independência de seu
país como o Khalistão, assim como também ansiaram outras minorias expressivas na Índia entre os nagas,
caxemirenses, pathans e bengalis. A violenta fragmentação assombrava as perspectivas de uma Índia independente.
Nehru, ciente da urgência dos tempos, concluiu as negociações com Jinnah em 3 de junho de 1947 para a formação
de um estado independente do Paquistão a noroeste e nordeste indiano, almejando assim acalmar os ânimos da
numerosa comunidade muçulmana. Mountbatten, por sua vez, após endossar as negociações entre as partes,
sinalizou a completa retirada britânica até 15 de agosto de 1947.
A Partição e a Independência
Com o objetivo de mapear e delimitar as novas fronteiras entre o Paquistão e a Índia, o governo britânico formou
uma Comissão de Fronteira sob a presidência de um funcionário público e advogado, Cyril Radcliffe (1899 - 1977).
Sua meta com a comissão era estudar em cinco semanas a composição religiosa das comunidades nas regiões de
fronteira e definir os locais de maioria hindu e sikh contra aquelas de maioria muçulmana. Assim, seria delimitada a
linha de separação entre os novos estados independentes. Diante de tal impetuosidade histórica, milhões de pessoas
abandonaram suas casas e negócios, temendo as represálias comunitárias religiosas entre agosto e dezembro de
1947. Hindus e sikhs fugiram das áreas definidas como de maioria muçulmana, e estes abandonaram áreas julgadas
contrárias. Uma grande tragédia estava sendo anunciada. Ao final das migrações forçadas, principalmente nas
regiões do Punjab e Bengala, estimados 15 milhões foram deslocados, com até dois milhões de mortos [467]. A maior
migração forçada da história da humanidade, com a omissão e inatividade das tropas britânicas na Índia (mapa).

Mapa - Migrações da Partição de 1947. Setas azuis são de muçulmanos e vermelho, hindus e sikhs.

Na iminência dessa crise humanitária, Mountbatten convocou tardiamente uma conferência com os regentes dos
estados principescos em meados de 1947. Foram informados de que seriam os novos governadores (rajpramukhs)
[468]
, e que teriam que optar por uma integração ou acessão à Índia ou ao Paquistão. De fato, o encontro foi fruto de
uma série de negociações anteriores que tinham antes sugerido o direito à separação e autonomia, o que
efetivamente não ocorreu, pois a maioria dos estados principescos decidiu se juntar à Índia, incluindo com certa
relutância da Caxemira e Jammu que era governada por um regente (marajá) de dinastia hindu, Hari Singh (r. 1925 -
1961), sobre uma população de maioria muçulmana [469].
Em último momento, a Comissão de Fronteiras finalizou suas atividades e definiu as fronteiras paquistanesas
com a Índia. Estabeleceu um Paquistão composta pelas províncias do Baluchistão, Fronteira Noroeste, Sind, parte
ocidental do Punjab (para grande desgosto dos sikhs que tiveram sua região fraturada em dois) e, apartado a mais de
1500 km para o leste, a Bengala Oriental, transformado efetivamente no Paquistão Oriental. Nesses termos, Nehru e
Mountbatten entre outros líderes indianos acreditaram na própria insustentabilidade política futura do Paquistão,
talvez esperando uma futura integração.
A independência do Paquistão foi declarada em 14 de agosto de 1947, com Muhammad Ali Jinnah tornando-se o
primeiro governante paquistanês, que permaneceu com o status de “domínio” [470] dentro dos países que pertenceram
ao império britânico até a constituição de 1956. E visando diferenciar-se do seu vizinho apartado, declarou o urdu
como uma de suas línguas oficiais em escrita perso-árabe (estilo nastal’iq). Em 15 de agosto do mesmo ano, um dia
após o Paquistão, a Índia declarou sua nova vida política sob comando de Nehru. Enquanto Carachi e Delhi
celebravam as festividades de independência, violentos conflitos e manifestações sikhs tomaram as ruas no Punjab e
em outras regiões indianas insatisfeitas com o processo de emancipação. Uma cicatriz que o novo país teria que lidar
nas décadas seguintes.
O nascimento das duas nações se deu de maneira trágica e nervosa, em boa parte pela irresolução e desinteresse
das autoridades britânicas envolvidas depois da Segunda Guerra Mundial. A demarcação e divisão feita pela
Comissão de Fronteiras concretizou a desunião política entre hindus, sikhs e muçulmanos explorada durante o
crescente nacionalismo indiano desde fins do século 19. E nesse sentido, visando conservar os direitos dos
muçulmanos, Jinnah e a Liga Muçulmana exacerbaram ainda mais a desagregação indiana, algo irreconhecível
diante dos tempos do reinado de tolerância e pluralidade do imperador mogol Akbar no século 16.
Um ano depois, em 1948, outro potencial explosivo étnico se deu com a independência da ilha de Sri Lanka, ex-
Ceilão, ao sul indiano. Ilha que decidiu, tal como o Paquistão, permanecer como “domínio” do império britânico até
1972, após o qual se declarou como República. A questão mais sensível que permaneceu foi a grande comunidade
tâmil que habita regiões do norte e leste da ilha [471], algo que será motivo posterior de conflitos étnicos a partir da
década de 1950 em diante.

Mapa político atual da Índia independente e de seus estados e capitais.

Índia e Sul da Ásia (De Nehru a Modi – 1947 – Início do Século 21)
Ao assumir o cargo de primeiro-ministro e declarar o nascimento da República da Índia em 15 de agosto de
1947, Jawaharlal Nehru proferiu um histórico discurso sobre a singularidade dos eventos (fig.) [472]:
Há muitos anos fizemos um encontro com o destino, e agora chegou o momento em que devemos resgatar o nosso compromisso (...). Ao bater da
hora em meia-noite, quando o mundo dorme, a Índia despertará para a vida e a liberdade. Chega-se um momento, raro na história, quando partimos
do antigo para o novo, quando uma era termina, e quando a alma de uma nação, por muito tempo reprimida, encontra a sua plena expressão.
Pertinente para este momento solene em que assumimos o compromisso de dedicação ao serviço da Índia e seu povo e para a causa maior da
humanidade (tradução nossa).

Fig. – Nehru no discurso de independência indiana de 15 de agosto de 1947.

A grandiloquência das palavras de Nehru, todavia, tinha que se defrontar com uma vontade titânica frente aos
desafios de consolidar uma democracia indiana. Deveriam as novas lideranças propor um novo projeto de
desenvolvimento nacional conjugando a inclusão de uma sociedade estratificada e desigual, diversificada em termos
étnicos, linguísticos e religiosos. Haveriam de buscar um delicado processo de consenso e unidade política num país
perigosamente propenso a múltiplas lealdades regionais com base histórica.
Os Estados Principescos e a Adesão
Entre os primeiros desafios políticos do governo de Nehru foi de integrar ao novo país os mais de 500 estados
principescos. Alguns autores apontam para um total de 521, outros em 565. Mas o fato é que a escala é monumental,
uns do tamanho de grandes países europeus como a Caxemira e Hyderabad. Outras, meras aglomerações de uma
dúzia de vilarejos [473].
Em 1946 e 1947, nos momentos anteriores à independência, o CNI sob Nehru organizou uma série de
conferências visando negociar com os regentes desses estados principescos. Foi graças à tenacidade e pragmatismo
de Vallabhbhai Patel (1875 – 1950), nomeado como um dos principais ministros de Nehru, o do Interior, que as
diversas lideranças indianas foram convencidas a negociarem com o nascente estado indiano. Um dos primeiros
regentes a ser integrado à Índia foi o marajá de Bikaner, Sadul Singh (1902 – 1950), que serviu de guia e exemplo
para os outros líderes rajputs da região norte indiana. A pronta lealdade se deveu por razões históricas, pois eram
tradicionais aliados aos indianos e rivais das ameaças muçulmanas advindos do Afeganistão e regiões a noroeste da
Índia.
Um hábil funcionário de carreira foi designado ao projeto de integração política e de costurar as novas alianças
na transição indiana, Vappala P. Menon (1893 - 1965) (fig.). Menon foi essencial ao intermediar as vaidades dos
regentes indianos, a serem mimados com generosas ofertas de títulos e fundos, e as necessidades prementes de Patel
e do governo. Como mecanismo jurídico, Patel e sua equipe elaboraram o chamado Instrumento de Adesão, em que
era dada a possibilidade dos estados regentes a transferirem seu controle sobre os assuntos de defesa, relações
exteriores e comunicações para o novo governo em Delhi.

Fig. – Vappala P. Menon, figura chave para as negociações da Índia independente.

Em 15 de agosto de 1947, à época do discurso de Nehru, a maioria dos estados principescos havia concluído as
assinaturas de adesão. Tal quadro resultou, em grande parte, de uma sutil e sagaz manobra de Patel e Menon em
convencer os regentes apresentando-lhes as perspectivas de ajuda econômica e assistência militar, além dos
honorários (privy purse, uma espécie de abono concedido para os gastos do regente) e títulos. Em caso de negativa
de adesão, os negociadores do CNI indicavam a eles as possibilidades de iminentes revoltas populares por maiores
demandas democráticas questionadoras do tradicional status régio da região [474].
Mas nem todos aderiram prontamente ao pacto proposto pelo novo governo. Travancore, no extremo sul indiano,
foi um dos primeiros estados a questionar os termos da adesão. Era uma importante e estratégica unidade política,
com longa tradição marítima e com importantes reservas minerais de monazita, essencial para a extração do
elemento tório usado na produção de energia e armamento atômico.
O governante de Travancore, o primeiro-ministro do reino, o diwan C. P. Ramaswami Iyer (1879 - 1966) jogou e
barganhou com as contrapropostas de relações privilegiadas feitas por Jinnah do Paquistão caso fosse independente.
A sorte do destino aos interesses de Delhi somente veio após a tentativa de assassinato de Iyer em 25 de julho de
1947. Após o evento, Iyer foi afastado do poder pelo marajá de Travancore que foi convencido a conciliar e ceder
aos termos de adesão, decisão tomada em 30 de julho [475].
Um segundo estado que rejeitou em primeiro momento a adesão foi Bhopal. Localizado na região central
indiana, esse estado combinava uma maioria de sua população hindu sob um regente muçulmano. Desde 1944, o
nababo Hamidullah Khan (1894 - 1960) era um feroz oponente do CNI e próximo aos ideais islamistas da Liga
Muçulmana. A mudança política veio em 30 de abril de 1949 após insistentes pedidos por parte de Lord
Mountbatten, o ex-vice-rei indiano, um velho amigo seu de juventude de polo [476].
Caso mais curioso foi o de Jodhpur, em que um regente hindu reinava sobre uma larga população de mesmo
credo. O jovem marajá Hanwat Singh (1923 - 1952) inicialmente tinha sinalizado favoravelmente à adesão indiana,
mas depois resolveu buscar melhores ofertas políticas pelo lado paquistanês, a barganhar os termos de Delhi e
Carachi. Após alguns atos de destempero juvenil e rompantes (em um deles foi buscar um revólver e apontou para a
cabeça de um representante indiano do CNI), o marajá decidiu assinar os termos de adesão à Índia [477].
O caso de Junagadh, na região ocidental indiana, foi um mais sério de contestação. O nababo Mahabat Khan III
(1900 - 1959) era um muçulmano que regia sobre uma maioria hindu e tinha três fronteiras com estados hinduístas
no Gujarate. Apenas a quarta fronteira, a oeste dava acesso amplo ao Mar Arábico através de seu porto principal,
Veraval. E dentro de seu território encontravam-se importantes santuários e templos hindus, como o em Somnath, e
jainistas em Girnar, locais de atração de milhares de peregrinos de todas as partes da Índia.
Em 14 de agosto de 1947, o nababo de Junagadh foi convencido por um de seus ministros, o diwan Shah Nawaz
Bhutto, um partidário da Liga Muçulmana, a se manter afastado da união indiana e a aceder ao Paquistão. O que não
fazia sentido geográfico e religioso, pois Junagadh não guardava fronteiras com as terras paquistanesas e 82 % de
sua população eram hindus. Sendo assim, num primeiro momento o nababo decidiu juntar-se ao Paquistão,
enfurecendo Patel que vinha da mesma região e assim buscou aliados tributários do nababo visando rever a decisão
política tomada pelo regente. Menon, por sua parte, articulou lideranças locais para organizar um plebiscito a
respeito. O nababo, diante da ameaça militar indiana e de ser deposto por vontade popular de maioria hindu, decidiu
voltar atrás e assinou contrato com a Índia em 9 de novembro de 1947 [478].
Hyderabad tinha um regente também muçulmano sobre uma maioria hindu. Mas esse estado, ao contrário de
Bhopal e Junagadh, era uma enorme entidade política que, se perdida, efetivamente bloquearia o acesso do norte
indiano ao sul. O nizam de Hyderabad, Osman Ali Khan (1886 - 1967), alimentava grande ambições em ter relações
próximas com o Paquistão muçulmano, a contrabalançar a influência indiana próxima ao seu reino. Sendo assim, o
regente decidiu por bem não aderir aos termos apresentados até 15 de agosto de 1947. O que gerou um ambiente de
impasse e de iminentes mobilizações militares do estado indiano diante do exército local organizado pelo nizam, os
chamados razakars [479]. Diante de tal situação, Patel decidiu mandar tropas militares para a região antes que a
situação se tornasse ainda mais crítica, e derrotaram em confronto as forças rebeldes e militares de Hyderabad, com
estimado dezenas de milhares de mortos [480].
A Questão da Caxemira e Jammu
O caso mais grave de todos nesse cenário de transição política indiana foi o do estado de Jammu e Caxemira
(mapa). Um estado maior em extensão que Hyderabad, com uma população de quase quatro milhões à época e com
uma heterogeneidade geográfica e cultural. No fértil vale da Caxemira, predominava-se a população muçulmana, ao
contrário da premência hindu no Jammu, mais ao sul. Ademais, o regente, o marajá Hari Singh (1895 - 1961),
advinha de uma dinastia rajput hindu, o dos Dogras, que somente conseguiu assegurar-se da região em meados do
século 19 negociando com as autoridades britânicas de então, sob o Tratado de Amritsar de 1846.
Mapa religioso da região da Caxemira (verde, com maioria muçulmana) e Jammu (azul, maioria hindu) no norte da Índia.

A localização desse estado guardava uma singularidade estratégica preocupante para as autoridades em Delhi.
Pois era amplamente contígua ao Paquistão ao oeste e tinha grandes fronteiras com as altas montanhas de Ladakh,
no Tibete budista ao leste. Sua menor fronteira, de fato, era ao sul com a Índia. Para agravar a situação, o marajá
tinha antipatia com Nehru que vinha de uma abastada e poderosa família da região de brâmanes caxemirenses
pandits [481], pois o premiê indiano era aliado a um popular político local de cunho socialista, Sheikh Abdullah (1905
- 1982), que tinha organizado em 1946 um amplo movimento popular (o “Deixem a Caxemira”) visando o fim da
anacrônica Dinastia Dogra [482]. Mas isso não tornava o marajá propenso a Jinnah, pois também não simpatizava com
os anseios islamistas da Liga Muçulmana.
Em junho de 1947, diante da dual alternativa de se juntar ao Paquistão ou à Índia, Hari Singh decidiu por
nenhum, após de ter sido visitado por Lord Mountbatten em Srinagar, buscando manter sua plena independência.
Então, em 15 de agosto de 1947, Jammu e Caxemira decidiu por não aceder à Índia, mas propor um acordo de status
quo (standstill agreement), mantendo a liberdade de transporte, comércio e de pessoas através das suas fronteiras. O
Paquistão assinou tal acordo, mas a Índia decidiu aguardar para negociar outras propostas políticas. As relações com
os paquistaneses logo se deterioram, por desentendimentos nas fronteiras. Diante dos impasses, o impaciente marajá
demitiu seu primeiro-ministro, Ram Chandra Kak, (1893 - 1983) que buscava uma maior independência do seu
estado e nomeou para seu ministério principal o juiz do Punjab, Mehr Chand Mahajan, que era favorável às
lideranças do CNI e Nehru [483].
O governo de Carachi naturalmente esperava a adesão, com o tempo, da Caxemira com sua maioria populacional
muçulmana. Delhi, por sua vez, pensava que os fatores religiosos eram irrelevantes, pois o projeto político indiano
era essencialmente laico e diversificado religiosamente.
Os eventos na Caxemira começaram a ganhar ares dramáticos em 22 de outubro de 1947, quando uma força de
milhares de homens invadiu o estado da Caxemira a partir do norte, e se dirigiram para a capital, Srinagar. A maioria
desses invasores eram Pathans, etnia advinda da Província Noroeste em parte incorporada ao Paquistão. A questão
crucial era quem os ajudou e organizou e quais foram os motivos dessa invasão, algo que sempre permaneceu no
fulcro das discussões sobre a disputa da Caxemira.
O fato é que já havia descontentamentos populares na Caxemira antes dessa invasão, principalmente entre
muçulmanos do distrito de Poonch, a oeste de Srinagar, contra o marajá devido ao aumento de impostos sobre seus
habitantes. Para agravar, a maior parte dos soldados caxemirenses que serviram ao comando britânico na Segunda
Guerra Mundial era de Poonch, que na volta de suas campanhas de guerra trouxeram um perigoso elemento de
disciplina e experiência de combate. E foi em Poonch que, em 14 de agosto de 1947, várias bandeiras na região do
Paquistão foram hasteadas, provocando diversos embates entre os habitantes armados locais, com armas e munições
aparentemente fornecidos por fontes paquistanesas, e as tropas do marajá Hari Singh [484].
Diante da crise e com as tropas rebeldes já próximos a Srinagar, o marajá mandou Sheik Abdullah como seu
representante a Delhi. Nehru, diante dos pedidos, decidiu mandar tropas militares para a Caxemira a partir de 27 de
outubro. Os conflitos se estenderam por alguns meses, resultando numa vitória inconclusiva para o lado indiano no
fim de 1948, pois o marajá Hari Singh decidiu aceder à Índia em acordo assinado em 26 de outubro de 1947 visando
assegurar seu trono e proteção contra ameaças muçulmanas. Assim foi encerrado o primeiro conflito armado na
Caxemira.
No plano diplomático, Jinnah ficou furioso com a intervenção indiana na Caxemira. Mountbatten então sugeriu a
realização de um plebiscito popular organizado pelas Nações Unidas a decidir sobre o futuro político da região.
Nehru endossou tal decisão, seguro de que muitas comunidades muçulmanas decidiriam permanecer sob governo
indiano. Assim, aprovada a Resolução 47 em 21 de abril de 1948, o Conselho de Segurança da ONU exigiu a
retirada das tropas militares indianas e rebeldes armados visando um clima adequado para a votação, algo que
permaneceu contencioso entre Carachi e Delhi pelas décadas vindouras e casus belli de subsequentes conflitos
armados entre os dois países independentes. O argumento defendido pelo governo paquistanês se pauta no acordo de
status quo assinado com o marajá em agosto de 1947, e sobre a vontade da maioria da população muçulmana. O
lado indiano, por sua vez, entendeu que houve acordo de acessão assinado pelo marajá Hari Singh em 26 de outubro
de 1947 e de que as invasões ocorridas foram financiadas e organizadas por fontes paquistanesas em 22 de outubro
de 1947 [485]. Ao concluir sobre as rivalidades sobre a Caxemira, Korbel escreveu: “uma luta intransigente e talvez
inconciliável de dois modos de vida, dois conceitos de organização política, duas escalas de valores, duas atitudes
espirituais” (tradução nossa) [486].
A Assembleia Constituinte
As deliberações para a elaboração de uma nova constituição indiana foram inauguradas em dezembro de 1946 e
foram até fins de 1949. A nova constituição entrou em vigor a partir de janeiro de 1950. A Carta Magna resultou em
395 artigos, uma das mais extensas do mundo. Sua elaboração foi resultado de diferentes visões filosóficas,
religiosas, econômicas e políticas, a demonstrar a pluralidade e o espírito coletivo do ambiente indiano de então.
Os primeiros encontros da Assembleia Constituinte se deram a partir de fins de 1946, com grande expectativa
dos membros presentes. Dominado pelas figuras de Nehru, Patel e dos membros do CNI, foi dada também voz e
participação a todo o espectro da sociedade e política indiana, desde Sarat Chandra Bose (1889 - 1950) da Bengala,
irmão mais velho de Subhas Chandra Bose, aos representantes dos estados principescos, ateístas, lideranças
religiosas, socialistas, representantes de todas as castas sociais e das mulheres.
A demanda primordial dos radicais hinduístas do partido político de Calcutá, o Varnashastra Swarajya Sangh
(VSS), foi em torno de conceber um estado em torno dos princípios hindus, proibindo o abate de bovinos e o
expresso fechamento na Índia de todos os abatedouros. Os deputados das castas mais marginalizadas exigiram fim
das discriminações das castas mais altas, e cotas reservadas no legislativo e no funcionalismo público. As minorias
linguísticas e religiosas pediram salvaguardas especiais. Essas demandas atestaram a diversidade heterogênea da
Índia.
A atuação de Patel foi a mais determinante nas negociações na Constituinte. Um homem de paciência política e
negociador nato que intermediou os pontos de vista conflitantes nos encontros, a equilibrar a demanda da maioria do
CNI, das visões secularistas de Nehru, contra as numerosas minorias indianas, cada qual a reivindicar seus direitos.
Talvez disso tenha sido seu maior trunfo, a de que nenhuma minoria foi privilegiada na constituição indiana. Junto
com Patel, foi nomeado como presidente da Assembleia Constituinte, Rajendra Prasad, cuja serenidade foi
fundamental a presidir as diversas sessões a conciliar os interesses diversificados.
Mas o maior brilho adveio do Dr. B. R. Ambedkar (fig.), um advogado da casta dos dalits, que se tornou no
Presidente do Comitê para a Elaboração da Constituição Indiana. Ambedkar, no comitê, foi auxiliado por uma
notável equipe, um polímata de Gujarate, K. M. Munshi (1887 - 1971), e um advogado tâmil experiente da região de
Madras, Alladi Krishnaswami Aiyar (1883 - 1953). Além desses, destacou-se a atuação de B. N. Rau (1887 - 1953),
que foi estudar e buscar outras constituições pelo mundo a fundamentar a nova carta política fundamental [487].

Fig. - Bhimrao Ramji Ambedkar.


Foram dois eixos principais a serem conciliados na escrita da constituição. O aspecto nacional, de fundamentar a
união política, a democracia e a liberdade dos indianos. Outro vetor foram as questões sociais, a resguardar os
direitos de emancipação, inclusão e igualdade social, voltados às minorias étnicas, mulheres e as da baixa casta,
historicamente desprovidos de participação política.
Nesse sentido, Ambedkar enfatizou de que os direitos políticos indianos deveriam ser, antes de tudo, baseados no
indivíduo, e não em grupos e categorias coletivas. Em suma, a nova constituição expressou que o estado indiano não
deveria privilegiar nenhuma crença sobre as demais, o que resultou em conflitos contra grupos religiosos mais
articulados como os hinduístas. Acima disso, o estado teria prerrogativas de planejar sobre todos os recursos e da
arrecadação fiscal de toda a nação, e de intervir e distribuir de acordo com seus planos, a não depender das vontades
políticas de cada localidade, o que conferiu à Carta ênfase na unidade acima das suas partes constituintes. Foram
aprovadas cláusulas que garantiram ao estado sobre assuntos de segurança e ordem pública que, em casos de crise e
decretado Estado de Emergência, os direitos constitucionais poderiam ser suspensos para tal fim [488].
Apesar da centralidade unitária afirmada na nova constituição, houve considerável atenção aos direitos das
minorias, dando teor ao aspecto social da carta política. Para tanto, um deputado de Madras continuou a defender as
vagas políticas reservadas às minorias, em especial à numerosa comunidade muçulmana indiana que temia ser
dominado por um eleitorado de maioria hindu [489]. Essas demandas desagradaram Patel, que concebia as cotas como
sinal das divisões indianas do passado colonial.
A vulnerabilidade dos direito das mulheres foi também assunto de considerável debate na Constituinte. Os
membros femininos na Assembleia, como Hansa Jivraj Mehta (1897 - 1995) de Bombaim, defenderam os plenos
direitos iguais, políticos e jurídicos, sem cotas e reservas. Naturalmente, houve viva oposição dos conservadores
indianos, principalmente aqueles advindos de partidos hinduístas mais radicais como o Rashtriya Swayamsevak
Sangh (RSS) (Organização Patriótica Nacional).
Os direitos políticos e sociais da casta dos intocáveis (dalits), contudo, foi considerado à parte, como
peculiarmente grave diante dos séculos de discriminação. Seguindo os ideais de Gandhi que considerava que a plena
autonomia indiana, swaraj, só viria após assegurar os direitos de todos da sociedade indiana, Ambedkar negociou
para assegurar assentos legislativos, assim como lugares no funcionalismo e nos cargos públicos, dos intocáveis. Ou
como se expressou no assunto um deputado de Madras:
A justa reputação da Índia foi insultada e manchada por ter a intocabilidade (...) [G]randes santos tentaram o seu melhor para abolir a intocabilidade
mas é dada a esta augusta Assembleia e a nova Constituição a possibilidade de expressar em alto tom que não deverá haver mais intocabilidade em
nosso país (tradução nossa) [490].

Outras minorias não foram contempladas com a mesma consideração que os intocáveis. Como os adivasis,
membros de grupos étnicos de regiões de difícil acesso, como florestas e montanhas, que foram representados na
Assembleia por Jaipal Singh, de Chotanagpur do sul do estado de Bihar [491]. Na perspectiva desse grupo, a união
indiana expressou mais a unidade dos grandes grupos políticos tradicionais, hindus, muçulmanos e setores da
sociedade urbana e latifundiários contra as nações indígenas tradicionalmente ignoradas pela Índia.
O assunto mais polêmico e delicado tratado nos encontros da Assembleia Constituinte foi a questão das línguas,
fruto da diversidade histórica e cultural indiana [492]. Qual seria a língua usada nas instâncias políticas e públicas na
Índia independente? Em qual língua nova constituição seria escrita? O certo é de que o meio de comunicação, a ser
considerada “nacional”, teria que ser uma língua amplamente falada e compreendida pelo governo e território
indiano.
Em algumas sessões da Assembleia, alguns membros pressionaram para que o hindustani [493] fosse considerada
como a oficial do governo, algo que foi rejeitada pelo Comitê de Elaboração, alegando que o inglês, por ora, seria
mais adequado pois ofereceria os termos técnicos e legais mais precisos para a elaboração do novo documento
constitucional. Ademais, o inglês foi usado por séculos pela administração colonial britânica como a língua do
governo e da educação superior na Índia.
A maioria dos membros do norte indiano, contudo, alguns dos quais visando favorecer as supostas raízes
históricas indianas livres da influência islâmica, e contrariados com a partição do Paquistão, pleitearam a língua
hindi, em alfabeto derivado do sânscrito, como a língua oficial da Índia. O que gerou amplos protestos da
comunidade muçulmana e daqueles políticos do sul indiano, que viram no hindi uma forma de dominação nortista
indiana. Para estes, melhor seria o uso do inglês do que alguma forma de expressão advinda de certas regiões
indianas.
A Assembleia, em último momento, chegou a uma solução temporária. O hindi em forma sanscrizada, foi
considerado oficial, mas seria assim considerada como oficial após um prazo de quinze anos, depois de 1965. Até lá,
o inglês serviria de expressão burocrática e base para as instâncias governamentais e jurídicas, e para o tempo
necessário de efetivação da nova constituição [494].
Ao final, a constituição indiana deu à Índia um governo republicano parlamentarista, a ser governado por um
primeiro-ministro a ser nomeado pela maioria do parlamento, a Câmara Baixa ou Lok Sabha. Para ser chefe de
governo, o primeiro-ministro teria que garantir a maioria, e poderia ser removido em caso de falta de maioria
parlamentar ou ingovernabilidade. As eleições nacionais indianas ocorreriam de cinco em cinco anos apenas quando
houvesse falta de governabilidade parlamentar. Em casos extremos de impasse político, o presidente, uma figura
com poucos poderes efetivos políticos a representar os interesses da Índia no exterior, mas sem poderes executivos,
poderia indicar um novo primeiro-ministro [495].
Governo de Nehru
A nova constituição entrou em vigor em 26 de janeiro de 1950. Nela foram manifestadas todas as contradições e
vontades políticas do espectro indiano. Ao final, prevaleceram as ambições de Nehru, ao almejar uma nova unidade
indiana, laica, secular, tolerante e com poderes centralizados num estado planejador a delinear estratégias
desenvolvimentista. Patel foi o homem crucial nas ligações políticas e negociador entre as desavenças. Esse grande
talento político veio a morrer em 15 de dezembro de 1950.
Mas o que deixou órfão toda a nascente nação indiana, ou boa parte dela ao menos, foi a morte por assassinato de
Mohandas Gandhi, o Bapu (“pai” em gujarati, referido também como Gandhiji pelos indianos) em 30 de janeiro de
1948, em pleno andamento da constituinte. Foi morto por um extremista hindu que agiu convicto de que a Índia
tinha cedido demais para a partição do Paquistão e da comunidade muçulmana. Eis que tinha revelado um lado
latente e sombrio da Índia, a força de grupos e interesses extremistas e negar o contexto tolerante e diversificado que
acompanhou a história indiana. A popularidade e força carismática de Gandhi, muito além dos círculos políticos,
foram demonstradas no seu funeral em Delhi, no comparecimento de mais de dois milhões de indianos em luto no
caminho do cortejo pela cidade. Os restos cremados desse homem foram espalhados pelos inúmeros rios e
localidades sagradas da Índia [496].
Nehru consolidou-se no cargo de primeiro-ministro da Índia independente em cima de uma constituição
aprovada por ele, Patel e de seus acólitos no CNI. Seu mais sério oponente político em 1950, o conservador
Purushottam Das Tandon (1882 -1962) e seguidor de Patel, havia sido desbancado pela liderança no CNI nas
eleições partidárias de 1951 e 1952. O CNI era maioria parlamentar e o poder de Nehru estava inconteste e livre para
seu sonho político. Poucos partidos e líderes do mundo após a independência colonial no século 20 tinham tal
predomínio político. A Liga Muçulmana, por sua vez, ocupou o poder do nascente Paquistão, mas esse país depois
da morte de Jinnah em setembro de 1948 entrou num período de disputas pelo poder e instabilidades.
Diante do poder Nehru passou, a partir de 1950, a definir sua estratégia de desenvolvimento econômico e político
da nova nação. Durante os últimos anos da Segunda Guerra Mundial, líderes do CNI tinham já esboçado alguns
planos com industrialistas indianos, entre eles amigos de Gandhi, como Ghanshyam Das Birla (1894 - 1983) e
Jehangir R. D. Tata (1904 – 1993), num prazo de quinze anos, conhecido como o Plano de Bombaim. O plano
enfatizou os investimentos públicos em setores da infraestrutura e da indústria pesada visando criar uma base para o
futuro desenvolvimento indiano. O setor privado, por sua vez, foi relegado a setores da economia de baixo
investimento que teriam um retorno do investimento mais rápido. Um quadro econômico misto, portanto, emergiu
na Índia nos anos após a independência. Almejava assim Nehru tornar a Índia numa economia industrial sustentável.
Mas isso não foi tão fácil. Houve resistências da velha classe latifundiária indiana, além da numerosa classe
camponesa cuja pobreza não a tornou com poder aquisitivo suficiente para se tornar num amplo mercado de
produtos industriais. A reforma agrária, que tinha uma prioridade alta na agenda de Nehru desde suas campanhas
iniciais da década de 1930, não resultou em grande mudança na estrutura fundiária desigual desde os tempos da
Índia Britânica. As reformas no campo provaram ser mais complexas e resistentes a mudanças do que se imaginava,
pois dependia de uma rede de dependências e servidão difíceis de romper, apesar de ter sido propostas reformas
agrárias mas sem grande impacto rural, como as do movimento popular liderado por Vinoba Bhave (1985 – 1982),
considerado como o sucessor espiritual de Mohandas Gandhi diante dos olhos populares.
A imobilidade das reformas agrárias tornou Nehru impaciente nos seus planos de redistribuição de terras
agrícolas. Diante disso, radicalizou em discurso que proferiu em 1955 no Congresso, na chamada Resolução Avadi.
Neste foi proposto um novo programa mais radical de justiça rural, visando atender à numerosa classe camponesa
indiana que tinha votado em peso para os delegados do CNI. Assustados, alguns camponeses e proprietários rurais
mais conservadores começaram a migrar seus votos para um partido fundado em 1959 em Madras por um ex-
membro desiludido do CNI, Chakavarti Rajagopalachari (1878 - 1972), o Partido Swatantra [497]. Uma perigosa
iniciativa política de dissidência conservadora entre o eleitorado rural indiano.
Mas talvez o maior perigo longe do controle político do CNI na Índia se deu no estado de Kerala com a eleição
de Elamkulam M. S. Namboodiripad (1909 - 1989) do Partido Comunista Indiano. Este político, eleito em 1957
como primeiro-ministro de Kerala, se tornou num dos mais populares políticos indianos decorrente de suas reformas
agrárias e educacionais, resultando nos melhores indicadores sociais indianos [498]. Além de Kerala, os comunistas
indianos tinham conseguido proeminência na região ocidental de Bengala, e entre sindicatos e alguns setores afins
em grandes centros industriais.
Do outro lado do espectro político a ameaçar o domínio do CNI de Nehru, situava-se o Partido Bharatiya Jana
Sangh (Associação do Povo Indiano) que defendia uma abordagem mais hinduísta para a Índia. Sua ênfase no hindi
como língua nacional deixou esse partido impopular entre os indianos do sul e restrito a regiões setentrionais
indianas falantes do hindi. Sua base social consistia basicamente de comerciantes urbanos e de punjabis refugiados
depois da partição. Boa parte de seus militantes advieram do Partido Rashtriya Swayamsevak Sangh, associação a
qual o assassino de Mohandas Gandhi, Nathuram Godse, pertenceu. O Bharatiya Jana Sangh, fundado por membros
proeminentes de brâmanes bengalis em 1951, se tornou na mais séria ameaça à direita ao governo de Nehru, partido
que depois se tornará no Partido Bharatiya Janata (doravante BJP) em 1977. Mas mesmo diante das ameaças vindos
do espectro da esquerda e da direita, a CNI conseguiu assegurar maioria parlamentar na Câmara Baixa Indiana (Lok
Sabha) nas eleições indianas de 1952, 1957 e de 1962, e Nehru manteve-se como primeiro-ministro por quase 17
anos.
Nas reformas administrativas, o governo indiano em 1956 visou, a atender e conter as insatisfações de indianos
das regiões centrais e meridionais, reformar as fronteiras dos estados indianos. Diante disso, foi proposta uma
revisão das unidades do país visando atender as especificidades históricas e linguísticas de cada região, na Lei de
Reorganização dos Estados de 1956.
A primeira mudança se deu na fragmentação do estado de Madras, que agrupava quatro grandes línguas de
origem dravidiana. Os falantes do telugo de Andhra reivindicaram uma unidade própria na federação desde os
primeiros tempos políticos de Mohandas Gandhi, e Nehru buscou evitar o assunto com medo de balcanizar a união
indiana. Mas o fato veio à tona na década de 1950, quando foi formada uma Comissão de Reorganização dos
Estados em 1953. Outro estado que tinha se manifestado pela revisão das fronteiras estaduais foi o de Kerala, pois
além de ter tido um popular governo comunista local, era composto em boa parte por falantes do malaiala,
comunidade linguística que também tinha numerosa comunidade nos estados vizinhos como na região meridional de
Madras.
O problema mais evidente a ser equacionado pela Comissão de Reorganização foi a divisão da região de
Bombaim, que era uma antiga província presidencial na Índia Britânica. Havia nesse estado uma clara distinção
entre dois grandes grupos linguísticos, os falantes do gujarati ao norte e os maratas ao sul. As dificuldades de cisão
desse estado se deram em cima da cidade de Bombaim, pois boa parte de sua indústria e comércio pertenciam a
empresários gujaratis, apesar da cidade se situar no meio de uma região de maioria falante do marata. Nesse sentido,
Mohandas Gandhi tinha proposto um status especial para a cidade de Bombaim, mas que não contou com a simpatia
de Nehru. As reformas em Bombaim somente se deram depois da crescente atuação de um partido regional, o
Samyukta Mahashtra Samiti (Sociedade pela União de Maarastra), que ameaçou a maioria do CNI no estado. A
solução somente se deu em 1960, com Bombaim se tornando a capital do novo estado de Maarastra.
No plano externo, Nehru conduziu a Índia de acordo com seus ideais de autonomia e pacifismo no contexto
nascente da Guerra Fria. Apesar das suspeitas geradas aos olhos do governo dos EUA, Nehru não se alinhou
ideologicamente aos desígnios da União Soviética, apesar de na sua juventude ter alimentado viva admiração pelas
lutas bolchevistas por maior igualdade social. E fez questão de mandar como embaixadora em Moscou sua irmã,
Vijayalakshmi Pandit, em abril de 1947.
As relações vizinhas com o Paquistão revelaram-se mais prementes para a agenda internacional indiana. O fato
do Paquistão independente e dividido em duas partes, uma a noroeste da Índia e outra próxima a Bengala no leste,
juntamente dividia fronteira com a Índia em mais de 1600 km. Pela ótica paquistanesa, a vulnerabilidade diante de
Delhi era evidente demais e, com isso, buscou aliança militar juntos aos EUA já em 1954. Nesse sentido, o problema
da Caxemira, ponto de maior tensão entre os dois países asiáticos, foi internacionalizado no contexto da Guerra Fria.
O que desagradou as autoridades indianas que sempre consideraram a questão como algo doméstico e regional.
Nehru buscou se afirmar no plano internacional como um líder mediador, e manifestou-se assim ao mandar
mensagem ao Secretário de Estado dos EUA, Dean Acheson, à época da Guerra da Coreia (1950 – 1953). Também
agiu dessa maneira nos momentos que deram fim aos conflitos entre vietnamitas comunistas (Vietminh) e os
franceses na Conferência de Genebra de 1954.
O ponto mais alto da diplomacia de Nehru adveio em abril de 1955, com a Conferência de Bandung (fig.), em
que vários líderes afro-asiáticos se reuniram e propuseram um novo espírito de solidariedade. Ideais que se
conjugaram bem com a filosofia de Nehru de criar um ambiente afro-asiático de paz e cooperação [499]. Sua
visibilidade e postura de liderança mundial estiveram no seu auge, rendendo-lhe visita de estado por parte do
Primeiro Secretário Soviético, Nikita Khrushchev, e do premiê soviético da época, Bulganin, no referido ano a
proporem maior proteção e aliança contra ameaças vizinhas e internas [500].
Fig. – Um sonho a ser conquistado, a liberdade dos países recém-independentes no contexto da Guerra Fria. Nehru (esq.) com chefes de estado de
Gana (Nkrumah), Egito (Nasser), Indonésia (Sukarno) e Tito (Iugoslávia) na Conferência de Bandung de 1955.

O maior desafio internacional ao governo indiano se deu nos anos subsequentes a 1955. Nehru tinha vociferado
contra a injusta intervenção ocidental contra o Egito na Crise de Suez, em 1956, mas adotou uma estranha postura de
omissão com relação às intromissões soviética na Hungria no mesmo ano. Seu posicionamento de neutralidade
mundial parecia estar se comprometendo. Em 1957, alguns desentendimentos de fronteira com a China começaram a
ganhar a atenção do governo indiano. A atenção pública maior adveio, no entanto, somente dois anos depois, com a
fuga em busca do asilo político do maior líder espiritual dos budistas tibetanos, o Dalai Lama, para a Índia. Nehru,
diante desses fatos, foi obrigado a dar explicações em 1959 para a Câmara (Lok Sabha), em que relatou a crescente
tensão político entre Delhi e Pequim. Alguns anos depois, os conflitos de fronteira foram inevitáveis.
O que revelou ser um profundo desgosto para Nehru que tinha grande estima pelos acontecimentos na China
desde a ascensão comunista nesse país em 1949. Esperava com isso criar uma grande zona de paz e cooperação
asiática independente das interferências americanas e soviéticas. Em 1950, os chineses ocuparam o Tibete, que tinha
até então sido uma região semi-independente desde os tempos do império britânico. E diante disso, não houve
nenhuma atenção de Nehru com relação a isso, feito somente alguns acordos com relação à livre movimentação de
peregrinos e comerciantes na fronteira assinados com o Tibete em 1954. Mas não houve nenhuma referência à
definição de fronteiras entre a China e a Índia. Tudo pareceu caminhar para uma boa convivência entre os dois
países asiáticos com relação a regiões remotas de divisa.
Contudo, o crescente interesse estratégico da China no Tibete, a ocupação da região a partir de 1959 e o asilo
concedido ao 14º Dalai Lama que se instalou na cidade indiana de Dharamsala mudaram o teor da convivência. As
autoridades chinesas começaram a construir uma série de estradas de acesso ao Tibete, e daí para a região remota da
Cordilheira de Karakorum (região de fronteira com a Caxemira e Jammu) até Sinkiang (Xinjiang) e Mongólia mais
ao norte. Nesse intento estratégico chinês, o acesso deveria passar pela região de fronteira com a Índia, em Aksai
Chin (mapa), gerando a decisão dos dirigentes em Pequim de edificar as estradas em território indiano sem prévia
consulta.
Nesse intuito, os chineses provocaram incidentes em outra fronteira com a Índia mais a leste, ao norte do estado
indiano de Assam, questionando as demarcações feitas por uma comissão de fronteira à época da Índia Britânica e a
China pré-comunista, ao longo da chamada Linha McMahon em 1914. A demarcação feita pela comissão, alegou o
governo de Mao Zedong, não tinha sido propriamente ratificado pelo delegado chinês. A bem da verdade, o assunto
pouco interesse despertou em Delhi e Pequim. Tibete naquele momento ainda estava indefinido em seu status como
uma região autônoma dentro da China. Somente em 1959, a questão do Tibete foi, com efeito, definitivamente
resolvida com o envio de forças ocupantes chinesas.
Mapa das regiões contestadas entre a Índia e China.

A questão de Aksai Chin era bem diferente, era território definido indiano e visto como parte da região das
montanhas Ladakh por séculos, e ao ser publicado um mapa chinês incorporando a região em 1958, causou grande
indignação nas autoridades e público indiano [501]. Assim, Nehru se encontrou numa delicada situação política
exposta a amplas críticas nacionais. Em dado momento, diante da resistência de Nehru em proceder aos conflitos
com os chineses, esgotando todas as medidas diplomáticas anteriores, as autoridades chinesas resolveram atacar
guarnições militares indianas ao norte de Assam em Arunachal Pradesh, em outubro de 1962, gerando perplexidade
do lado indiano. Nessa manobra, os chineses pensaram em causar distração aos indianos diante da ocupação que
estavam realizando mais a oeste, em Aksai Chin, passagem estratégica de ligação do planalto tibetano com o
Sinkiang e Mongólia chinesa. Nesses embates em Arunachal, os indianos tiveram que se retirar diante das ofensivas
chinesas e com as dificuldades de manter uma linha de mantimentos para região de remoto acesso.
Uma grande derrota política para Nehru, que foi considerado como inepto e ingênuo diante da ofensiva chinesa.
O dirigente indiano, em 1962, encontrava-se no momento mais baixo de sua carreira política. Um ano antes, seu
prestígio internacional ainda estava na ascendente, pois tinha decidido forçar a expulsão dos portugueses da parte
velha da cidade de Goa [502], para grande admiração dos líderes afro-asiáticos nos seus esforços anticoloniais. Mas
isso foi o último ato de sucesso de Nehru antes da humilhação diante dos chineses em 1962. Sua saúde a partir de
então se agravou e, passados alguns meses, veio a falecer em maio de 1964. Seu sucessor no poder, provou ser
muito mais incapaz e inexperiente em assuntos internacionais do que ele.
Depois da morte de Nehru, foi escolhido como primeiro-ministro da Índia outro líder do CNI, Lal Bahadur
Shastri (g. 1964 - 1966) que teve uma vida curta no ofício. O que não tornou sua vida política insignificante, pois foi
durante seu governo que a Índia enfrentou mais um conflito bélico de abril a setembro de 1965, resultado de uma
infrutífera operação de invasão paquistanesa, a Operação Gibraltar, que visou gerar uma insurreição armada na
Caxemira e Jammu [503]. A aparente vitória indiana foi um golpe de sorte do novo líder indiano, selada no acordo de
paz assinada em Tashkent em janeiro de 1966 [504]. Mas a tragédia adveio logo nos momentos finais da conferência,
em que Shastri morreu decorrente de um infarto cardíaco.
Indira Gandhi
Indira Nehru Gandhi (1917 - 1984) (fig.), filha de Jawarharlal Nehru, foi escolhida como sucessora política de
Shastri pela maioria dos eleitos no Lok Sabha no início de 1966. Seus primeiros anos de governo, no entanto,
pareceram não ser a ela favoráveis, pois muitos parlamentares ameaçaram debandar para outras lealdades e partidos.
Um dos líderes rivais dentro do CNI que mais ameaçou sua posição foi o gujarati Morarji Desai (1896 - 1995),
adversário que foi derrotado por Indira por uma estreita margem de votos em 1966 [505]. Diante disso, Indira, uma
vez no poder e visando apaziguar os seus críticos dentro do CNI, decidiu nomeá-lo por alguns anos como Ministro
das Finanças. O seu primeiro ano de governo, em suma, foi de duras provações e instabilidades políticas partidárias.
Fig. – Indira Gandhi.

Ano seguinte, em 1967, Indira enfrentou desafios em outras áreas. Partes da Índia foram assoladas por secas que
acarretou em revés agrícola, e também uma recessão industrial, gerando um quadro preocupante de desemprego
entre a juventude indiana. Um quadro que desandou para crescentes protestos sociais contra o governo indiano.
Diante das ameaças políticas e de adversários no parlamento que se articularam para derrubá-la do poder, Indira
procedeu arriscadamente em dividir o CNI buscando marginalizar os seus membros mais conservadores e críticos a
ela, liderados por Desai. Em outro momento, decidiu disjuntar as eleições indianas para o Lok Sabha das eleições
estaduais.
Pretendendo angariar maiores votos populares contra os seus opositores políticos, organizou sua campanha para
as eleições nacionais em 1971 em torno do slogan Garibi Hatao (Abolir a Pobreza), angariando-lhe grande
visibilidade e carisma nacional e desarticulando seus opositores. Ademais, propôs nacionalizar os bancos e rever
todo o sistema de abonos e privilégios (privy purse) concedidos aos ex-regentes dos estados principescos que foram
incorporados ao estado indiano. E foi bem sucedida no amplo programa de distribuição de sementes, projetos de
irrigação, créditos agrícolas, uso de nova tecnologia e fertilizantes visando a numerosa classe de agricultores
indianos, na chamada Revolução Verde [506]. Foi talvez seu maior momento político. Mas, com isso, selou seu
destino político contra as camadas mais conservadoras da sociedade indiana.
No âmbito externo, Indira testemunhou progressivas manifestações sociais na parte oriental do Paquistão, que
tinha perdido nas eleições paquistanesas em 1970 para uma ala política mais favorável aos interesses dos
paquistaneses ocidentais. Nesse sentido, a partir de março de 1971, a comunidade bihari, que tinham apoiado os
ocidentais, começou a sofrer uma série de perseguições e mortes no Paquistão Oriental, provocando uma dura
reação de Carachi ao enviar militares para a região que agravaram ainda mais a instabilidade da região, resultando
em milhares de mortos na comunidade hindu local e milhões de refugiados para os estados indianos vizinhos,
especialmente no estado de Bengala Ocidental [507].
Diante de um quadro preocupante de refugiados em solo indiano, Indira passou a expressar para o público e
organismos internacionais sua solidariedade pelos perseguidos no Paquistão Oriental e aconselhando uma solução
política definitiva para a situação, a independência da região em um novo país. Nesse sentido, conseguiu articular-se
com o General Manekshaw, conhecido à época como “Sam Bahadur”, Chefe do Estado Maior do Exército Indiano,
e apoiou e treinou cerca de 80 mil membros de uma guerrilha rebelde, o Mukti Bahini visando um amplo plano de
invasão. Assim, em três de dezembro de 1971, foi concretizada a ofensiva militar com apoio da marinha e
aeronáutica indiana. A rendição dos comandantes militares paquistaneses se deu em 16 de dezembro [508]. Apesar da
enorme propaganda internacional, não houve significativa interferência nessa curta guerra, apenas manifestada
algum apoio dos soviéticos com relação aos rebeldes bengalis e ao governo indiano. Os EUA, em contrapartida, sob
a presidência de Richard Nixon, que se encontrava em delicada situação nos anos finais da Guerra do Vietnã,
manifestou apenas apoio retórico ao seu aliado nos conflitos, o Paquistão. Ao final das agressões, milhões de
refugiados atravessaram de volta a fronteira para um novo país na região, o Bangladesh. A relativa rapidez e bem
sucedida intervenção indiana na chamada Guerra de Independência de Bangladesh resultou em grande popularidade
de Indira e uma grande perda para o governo paquistanês, que ficou restrito em seu território ocidental [509].
A popularidade de Indira durou até 1973 quando houve uma grande crise energética no país. Consequente do
aumento do preço do barril do petróleo, resultado de uma articulação dos países exportadores de petróleo, houve
significativo aumento do combustível na Índia, provocando um aumento inflacionário pela economia nacional,
encarecendo os fertilizantes no campo e agravando a atividade industrial. Dependente de recursos energéticos
importados, a Índia não tinha investido em fontes próprias de energia, e assim o governo de Indira enfrentou grave
quadro de crise e de greves, especialmente no setor ferroviário, em 1974. O bem sucedido teste de explosão nuclear
no deserto do Rajastão em maio do mesmo ano [510], tornando a Índia como um dos poucos países do mundo a ter o
controle de produção de armamento nuclear, não conseguiu desviar a atenção pública da crise nacional. Ano
seguinte veio uma série de crises políticas a assomar as econômicas. Momento em que a oposição à Indira
organizou-se alegando fraudes eleitorais em 1971, respaldado por uma decisão jurídica da Alta Corte de Justiça de
Allahabad. Nesse sentido, ameaçada no seu cargo de primeira-ministra indiana eleita pela maioria da população
indiana, Indira recorreu dentro das possibilidades constitucionais, e decretou Estado de Emergência Nacional em 25
de junho de 1975, alegando que a crise econômica nacional demandava medidas extraordinárias [511]. A democracia
indiana entrava num dos seus períodos mais controversos.
As medidas de emergência decretadas por Indira, de certa maneira, possibilitou a seu governo contornar os
impedimentos da oposição e de ter livre planejamento econômico da Índia. Por outro lado, foram gravemente
coibidas liberdades civis fundamentais garantidas na constituição indiana, como manifestações de greve e
paralisações. Ademais, o filho de Indira, Sanjay Gandhi (1946 - 1980) começou a organizar politicamente uma ala
jovem do partido do CNI, com o fim de angariar os elementos mais jovens politicamente conscientes da sociedade e
de conter possíveis futuros opositores ao partido [512].
Apesar de suprimidas, as manifestações contra o regime de emergência começaram a ganhar força pela Índia, um
dos mais destacados foi liderado por um político socialista, Jayaprakash Narayan (1902 - 1979), que clamou à
multidão reunida numa praça da cidade de Patna no estado de Bihar em 5 de junho de 1975, por uma mudança
radical na política indiana, movimento este que depois ficou conhecido como o Movimento de Bihar [513].
Diante dos seus poderes de estado de emergência, Indira procedeu em deter preventivamente inúmeras figuras
políticas de oposição pelo país. Em 1976, diante desse delicado cenário político, as eleições previstas no ano foram
adiadas, anunciadas para o ano seguinte, tentando ganhar capital político. Poucas semanas antes das votações
nacionais em 1977, Indira soltou os líderes de oposição, esperando que, ao fazer isso, não teriam tempo para
angariar os votos necessários do campo opositor. Em último momento, um dos aliados a Indira, líder representante
dos intocáveis no Lok Sabha, anunciou a formação de um novo partido político, o Congresso para a Democracia,
agregando o campo opositor de Indira e de seu filho, Sanjay. Foi a primeira vez na história indiana em que foi
reunida boa parte do espectro político opositor do CNI a apoiar um único candidato, Morarji Desai. O CNI nas
eleições do ano perdeu quase 200 assentos no parlamento, 92 dos quais perdidos para o eleitorado do sul da Índia.
Era visível a impopularidade de Indira e de seus aliados na política indiana.
Morarji Desai (g. 1977 - 1979) ascendeu ao poder com base numa ampla e instável aliança de oposição que
depois se congregou em torno de um partido novo, o Partido Janata. Seus anos de governo foram marcados por
graves desuniões internas decorrentes da ampla aliança política feita, entre os quais membros do influente e
conservador movimento Bharatiya Jana Sangh que foram vistos com desconfiança e suspeita pelos outros membros
da aliança política. Além disso, Desai começou a ser considerado como demasiado favorável e próximo ao Jana
Sangh e cada vez mais longe da lealdade ao Partido Janata. Apesar de ter uma impecável reputação pessoal e
histórica, Desai não conseguiu ser um bom líder de partido e foi incapaz de prevenir as crescentes dissensões
políticas entre seus aliados, causando desunião no Partido Janata.
Um dos mais articulados e populares líderes aliados a Desai foi o representante das classes dos empresários
agrícolas, Charan Singh (1902 - 1987), que passou a derivar cada vez mais distante dos compromissos com o novo
governo. Foram organizados amplos protestos no meio rural que, em meados de 1979, resultou na queda política de
Desai e o fim do governo opositor ao CNI. Em 15 de julho, Morarji Desai pediu renúncia como primeiro-ministro. E
nenhum outro líder da aliança opositora, a não ser Charan Singh (g. 1979- 1980), foi capaz de formar um tênue
consenso governamental. Mas a fragilidade e desunião da oposição política ao CNI, orbitando em torno do Partido
Janata, foram claramente evidenciadas.
Nas eleições de 1980, o Partido Janata foi despedaçado em várias correntes e alas diferentes, resultando numa
imobilidade política diante do novo retorno do CNI e de Indira Gandhi nas eleições. Somente Indira conseguiu ter a
proeminência nacional suficiente para garantir a volta do CNI ao poder, uma campanha muito mais de projeção
pessoal da líder indiana, em cima dos escombros da oposição, do que propriamente um triunfo do CNI [514].
Uma vez no poder, Indira obstinou-se em enfraquecer seus rivais políticos em suas campanhas e
pronunciamentos, dispondo das mudanças eleitorais modificadas por ela em 1971 e 1972 que desagregou as eleições
estaduais das nacionais [515]. Em alguns casos, Indira conseguiu seu intento político e fortalecer seus aliados do
partido. Mas em outros estados ela ficou resignada com a derrota eleitoral, como em Karnataka governado por um
político do Partido Janata, Dr. B. M. Hegde, ou no populoso estado de Bengala Ocidental sob governo estadual do
Partido Comunista. Em outros espectros políticos, nas eleições de 1982, houve a ascensão de um novo partido
político, o Telugu Desam, sob a liderança de um popular ator de cinema indiano, Rama Rao.
Preocupava-lhe as perspectivas das eleições nacionais de 1985 para o Lok Sabha, que poderiam ter resultado
desastrosamente como em 1977 para o seu partido e aliados, e Indira tinha entendido que teria que lidar com os
problemas nacionais sem o uso do estado de emergência dessa vez. Ademais, houve crescentes protestos e
inquietações regionais em Assam e Punjab. Em Assam, defrontou-se com o problema de fluxo de refugiados
advindos do Bangladesh, considerado um risco para a percepção popular bengali e assamesa que passaram a
considerar esses novos imigrantes como indesejados e um risco para seus empregos e propriedades, no que depois
foi denominado de Movimento de Assam. Para solucionar tal situação, o governo de Indira propôs realizar um censo
na região e conceder aos recém-chegados o direito de voto, o que granjeou ao seu governo amplo apoio entre a
comunidade de imigrantes nas eleições de 1983 na região [516].
No Punjab, Indira enfrentou um problema ainda mais grave. Sua carreira política iniciou-se em 1966 como
primeira-ministra concedendo alguns direitos políticos às comunidades sikhs da região. Para tanto, ela apoiou a
separação da região mais ao sul do Punjab, de maioria falantes do hindi no estado de Haryana, do restante ao norte
em que os sikhs falantes do punjabi que perfaziam 60% da população. Um dos partidos políticos dos sikhs, o Akali
Dal, decidiu então adotar uma postura mais radical visando maiores concessões de autonomia para a nação sikh, o
Khalistão. Visando conter o radicalismo político, Indira decidiu dividir o movimento político sikh, apoiando o
jovem Jarnail Singh Bhindranwale (1947 - 1984), que depois se revoltou e fugiu do seu controle político. Nesse
sentido, Bhindranwale congregou todos os elementos mais radicais sikhs e tomou rumo ao Templo Dourado na
cidade de Amritsar, um dos locais mais sagrados para a comunidade sikh [517]. E nesse local, em outubro de 1983, os
rebeldes decidiram erguer uma estrutura política independente do governo indiano e passou a edificar com seus
partidários uma fortaleza armada no acesso ao Templo Dourado. Indira, indignada e diante do delicado impasse
político de risco de secessão e insubmissão política, deu então ordens para o exército indiano em reintegrar a posse
do templo a partir de 1º de junho de 1984, na chamada Operação Estrela Azul [518]. Nos confrontos com os militares,
Bhindranwale morreu e foi logo considerado como um mártir. Decorrente dos eventos, Indira Gandhi, após alguns
meses, foi baleada e morta por dois de seus seguranças pessoais, ambos sikhs, em 31 de outubro de 1984.
Rajiv Gandhi
A consequência imediata do assassinato de Indira foi uma ensandecida perseguição aos sikhs como nos mercados
de Bhogal e Ashram em Delhi e em outras grandes cidades indianas [519]. E restou ao sucessor político de Indira, seu
filho Rajiv Nehru Gandhi (g. 1984 - 1989) (fig.), a buscar uma linha moderadora para os ânimos exaltados dos
radicais sikhs e de seus antagonistas. Rajiv não tinha sido a escolha óbvia de sua mãe, Indira, pois ela já vinha
encorajando a carreira política de seu filho mais novo, Sanjay. Mas um trágico acidente tirou-lhe a vida em 23 de
junho de 1980 enquanto fazia acrobacias aéreas em uma aeronave particular. Rajiv, também um piloto, mas a
serviço da companhia comercial Indian Airlines, nunca tinha demonstrado nenhum talento e interesse na política em
princípio. Foi, portanto, relutante a assumir os negócios assumidos pela sua mãe, e convencido pelo presidente da
Índia, Zail Singh, um sikh, pois somente assim seria garantida certa ordem e estabilidade política dentro dos quadros
do CNI.

Fig. – Rajiv Gandhi.

Os antigos partidários de Sanjay ficaram logo esperançosos com a nomeação de Rajiv como premiê, mas
prontamente se decepcionaram com sua atitude desinteressada com relação aos velhos aliados. Na verdade, Rajiv
buscou o quanto antes convocar eleições indianas, adotando um comportamento comedido e cauteloso. E que rendeu
a ele e ao CNI a maior supremacia parlamentar na história indiana, conquistando 404 dentro dos 533 assentos no
Lok Sabha. Rajiv tornou-se uma figura amplamente popular pelo seu comportamento ético e incorrupto. Os partidos
políticos de oposição quase foram obliterados do cenário parlamentar, com exceção de alguns partidos regionais
como o Telugu Desam ao garantir 30 assentos. O Partido Janata passou para meros 10 parlamentares.
Dominando o cenário político nacional, Rajiv passou a conceber amplas reformas econômicas e tributárias na
Índia. Procedeu em abrir mais a estrutura do país aos investimentos internacionais e tornar a economia indiana mais
liberal, a estimular as forças do mercado [520]. Também lidou com problemas regionais do passado. Em Assam,
assinou acordos com as lideranças estudantis responsáveis pelo Movimento de Assam e foram realizadas eleições no
estado com a vitória do líder estudantil Prafulla Kumar Mahanta (1951 - ?) do partido Asom Gana Parishad em
setembro de 1985. No Punjab, os acordos com Delhi foram concluídos e o partido Akali Dal foi vitorioso no estado
no mesmo período, o que garantiu uma tranquilidade temporária até maio de 1987, pois muitos sikhs ficaram
impacientes com o descumprimento de Rajiv de transformar a cidade de Chandigarh como capital exclusiva do
Punjab e não mais a compartilhá-la com Haryana. Por esse motivo, desagradou tanto aos eleitores de Haryana como
os de Punjab. Assim sendo, em ambiente cada vez mais intolerante no Punjab, em 1987 o governador local eleito,
Barnala, renunciou a seu cargo por causa da crescente desordem social, levando a uma intervenção direta do
governo de Delhi conforme previsto no artigo 356 da Constituição da Índia em caso de grave crise.
Um ano depois, em maio de 1988, Rajiv decidiu lançar mão de uma intervenção armada ao Punjab, na Operação
Trovão Negro, visando desobstruir o acesso Templo Dourado em Amritsar e retirar as armas ali estocadas de sikhs
rebeldes. Para tanto, foi cercado e sitiado o templo sagrado dos sikhs durante 10 dias. Como resultado, a operação
foi um sucesso, pois foram poucos os feridos e mortos e todas as munições confiscadas. Após esta operação, o
governo indiano proibiu o uso de santuários religiosos para fins políticos e militares e agravou as medidas penais
para o porte e uso de armas ilegais, como parte de sua estratégia para combater o extremismo na região do Punjab.
No âmbito regional, a Índia sob Rajiv deu um grande passo integracionista com os países da região meridional
asiática em 1985. Reunidos na capital de Bangladesh, Daca, em dezembro, a delegação indiana tornou-se membro
crucial da Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional (South Asian Association for Regional Cooperation,
SAARC), composto por oito países do sul da Ásia [521]. Em tal organização, reúne-se estimados 21% da população
mundial, e cerca de 9% da economia global [522], que encerra em si um ideal de maior cooperação, ajuda e
coordenação política objetivando a paz, a estabilidade e o desenvolvimento.
No cenário externo ao sul da Índia, em julho de 1987, Rajiv intermediou um acordo com o governo da ilha de Sri
Lanka (ex-Ceilão) e concordou enviar tropas ao país para operação de paz nos conflitos étnicos liderados por
radicais tâmeis, Tigres de Liberação do Tâmil Eelam (LTTE, sigla em inglês de Liberation Tigers of Tamil Eelam),
organização política armada que tem como objetivo a autodeterminação do povo tâmil mediante a criação no
nordeste da ilha do Sri Lanka de um estado independente denominado Tâmil Eelam. A partir de 1987, Rajiv decidiu
fazer cumprir o acordo assinado e desarmou os rebeldes tâmeis, mas a força de paz indiana passou a envolver-se em
recorrentes casos de abuso e violência, em último momento solapando qualquer condição de paz duradoura na ilha
entre os nacionalistas cingaleses [523]. O acordo definitivo de paz somente adveio 22 anos depois, em junho 2009.
O maior escândalo político do governo de Rajiv se deu contra um caso de corrupção com uma empresa sueca de
armamentos, Bofors, em 1986. O caso se resumiu a um esquema de propinas ilícitas pagas num negócio estimado
em mais de US$ 1 bilhão com a fabricante de armas com o governo da Índia na venda de 410 obuses de calibre 155
mm. Um grande volume de dinheiro foi desviado dos cofres públicos indianos visando assegurar este contrato
firmado, desprezando qualquer transparência de boa governança. A empresa sueca tinha desembolsado por volta de
US$ 9,5 milhões em propinas a políticos e pessoas influentes no ministério da defesa do governo indiano [524]. O
caso veio à tona durante as investigações do ministro das finanças, V. P. Singh (1931 - 2008), que foi logo impedido
de prosseguir nas investigações e forçado a resignar como ministro em 1987. Após o evento, Singh voltou-se contra
o governo e o CNI, emergindo como a figura política opositora mais importante da Índia da época.
Rajiv pensou em convocar novas eleições gerais em 1988, mas que foram somente realizadas em novembro de
1989, intentando com isso pegar desprevenido a oposição e assim garantir mais um turno de seu governo. Contudo,
os partidos Janata Dal e Bharatiya Janata, dois dos seus maiores opositores, resolveram suas diferenças e
concordaram em se coligar em torno da figura de V. P. Singh, conseguindo assim um grande número de assentos no
norte indiano, 143 ao todo. O CNI, partido de Rajiv, teve grande perda parlamentar e foi obrigado a ceder o cargo de
primeiro-ministro para a coligação opositora.
V. P. Singh manteve-se como primeiro-ministro indiano por um curto período, de 2 de dezembro de 1989 a 10 de
novembro de 1990, pois a coligação de partidos que o elegeu era plural e dividido demais para sustentar uma base
política. Parecia que as condições políticas da Índia estavam voltando ao que eram em 1977. Mas a figura pessoal de
Singh era poderosa na época, dado que era visto como o grande responsável pelas revelações do caso Bofors. No seu
cargo político, Singh fez um importante gesto ao visitar o santuário do templo sikh, o Templo Dourado em Amritsar,
para apaziguar as feridas do passado. Também aprovou o relatório da Comissão Mandal, em que foram aumentadas
as cotas para os indianos mais marginalizados, fora até da casta dos intocáveis, para o acesso a cargos e funções
públicas. Esse projeto, no entanto, fez com que seus aliados do conservador partido Bharatiya Janata (BJP), em boa
parte apoiado pela casta de brâmanes, protestassem veementemente, resultando num impasse político insustentável
ao mantimento de seu cargo de liderança política no Lok Sabha.
Talvez o caso mais notório e revelador da crise política na coligação de Singh com o BJP se deu a partir de
setembro de 1990, quando o BJP se posicionou a favor das manifestações populares na cidade de Ayodhya, em Uttar
Pradesh, em torno de um suposto local de nascimento do deus hindu Rama, um dos avatares de Vixnu, numa colina
onde foi erguida uma mesquita por Babur, o Babri Masjid, entre 1528 e 1529. Em cima dessa controvérsia histórica,
as multidões hindus foram inflamadas ao terem o endosso dado por Lal Advani (1927 - ?), presidente do BJP e de
partidários de direita do Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), para a demolição da mesquita. V. P. Singh, vendo-se
diante de um preocupante cenário de sectarismo religioso em torno da questão, resolveu dar voz de prisão a Advani
por perturbação da ordem social em 30 de outubro de 1990 [525]. Nesse sentido, Singh preservou a ordem social
indiana, principalmente entre muçulmanos e hindus, salvaguardou a condição da histórica mesquita de Babri em
Ayodhaya, mas perdeu o fundamental apoio partidário do BJP. Singh resignou-se do seu posto em 7 de novembro de
1990.
As condições políticas na Índia permaneceram frágeis, sem uma clara definição de maioria coligada partidária no
Lok Sabha até as campanhas eleitorais a partir de fevereiro de 1991, quando o CNI decidiu apoiar mais uma vez a
candidatura de Rajiv para primeiro-ministro. O momento trágico maior veio quando, em campanha na cidade de
Madras (atual Chennai) em Tamil Nadu, Rajiv foi receber uma guirlanda de uma mulher, provavelmente dos Tigres
Tâmeis (LTTE), que no momento acionou os explosivos a ela atada, assassinando o líder político em 21 de maio de
1991.
Narasimha Rao
Nesse sentido, talvez diante do momento trágico, o CNI conseguiu angariar mais votos nas eleições de junho de
1991, 244 ao todo, contra 120 assentos ocupados pelo BJP de Lal Advani. Porém permaneceu em aberto quem
deveria ser o novo líder do CNI a ser nomeado como primeiro-ministro. Foi pensado por um momento, diante do
carisma histórico da família Nehru-Gandhi, a viúva de Rajiv, Sonia Gandhi (1946 - ?). Mas Sonia era italiana de
nascimento e católica, algo que pesou para que ela mesma desconsiderasse a carreira política indiana. No lugar dela,
foi escolhido então um político veterano dos quadros do CNI que estava prestes a se aposentar, P. V. Narasimha Rao
(g. 1991 - 1996) (fig.).

Fig. – P. V. Narasimha Rao entre Manmohan Singh (esq.) e Sonia Gandhi (dir.).

Rao tinha atuado na região de Andhra Pradesh e depois como foi ministro de gabinete de Indira e Rajiv Gandhi
por mais de uma década. Ao assumir o governo em 1991, foi o primeiro indiano do sul como primeiro-ministro [526].
Ao se ver diante de um quadro adverso econômico em que a Índia se encontrava no início da década de 1990, Rao
nomeou como seu principal homem de confiança o sikh Dr. Manmohan Singh (1932 - ?) como ministro das
finanças, um tecnocrata de brilhante carreira de anos no Banco Mundial e que pudesse assim garantir boas relações e
créditos com o sistema financeiro internacional.
A mudança política teve efeitos imediatos para a economia indiana. Houve sustentado aumento no envio de
divisas internacionais ao país, muito em parte originados da grande comunidade indiana no exterior, e a
desvalorização da moeda indiana, a rúpia, em torno de 18% que encorajou um aumento nas exportações e atraiu
novos investimentos diretos internacionais. Mas, com isso, também provocou a entrada de grande volume de capital
especulativo no mercado financeiro indiano, que ocasionou uma quebra do mercado de ações de Bombaim em 1992.
No dia 6 de dezembro do mesmo ano, ocorreu a trágica destruição da mesquita de Babri (Babir Masjid) em
Ayodhya, em Uttar Pradesh que era governado à época por um partidário do BJP. As reações populares se deram
principalmente em Bombaim, onde entre dezembro e janeiro de 1993 uma multidão de muçulmanos manifestou-se
nas ruas da cidade e gerou, como reação irracional, uma série de hostilidades por parte da comunidade hindu,
resultando em cerca de 900 mortos. Não houve relatório conclusivo a respeito, mas foi evidente o envolvimento de
partidos regionais ultranacionalistas como o Shiv Sena, que defendiam uma ideologia de nação exclusivamente
hindu (hindutva) [527]. Em retaliação a esses conflitos anti-muçulmanos, em 12 de março de 1993 foram detonadas 12
dispositivos explosivos em Bombaim coordenados por um muçulmano e chefe do crime organizado da cidade,
Dawood Ibrahim (1955 - ?), ocasionando em mais de 250 mortos. A Índia parecia caminhar para um quadro de lutas
intestinas intercomunitárias.
Esses eventos tiveram consequências nas eleições regionais em fins de 1994. Rao e o CNI tiveram um
desempenho sofrido. O estado de Andhra, região de origem de Rao, foi dominado pelo partido regional do Telugu
Desam. Karnataka, pelo Partido Janata, e Maarastra por uma coligação de partidos regionais incluindo o BJP e o
Shiv Sena. O quadro não poderia ser pior para o governo federal em Delhi visando as eleições nacionais de abril e
maio de 1996. Como previsto, foram os piores resultados eleitorais para o CNI na história indiana. O velho sistema
de alianças moderadas lideradas por Rao caiu por terra, e houve gradativa polarização partidária por parte de
partidos oposicionistas. Dos 537 assentos, 160 foram para o BJP, restando ao CNI 136 eleitos (em grande parte
vindos de votos de estados populosos do norte indiano), e surpreendentes 155 vagas conquistadas no Lok Sabha por
partidos menores regionais. Ante esse estado parlamentar pulverizado e polarizado em termos regionais, Narasimha
Rao entregou seu ofício em maio de 1996. O presidente da Índia, Dr. Shankar Dayal Sharma (g. 1992 - 1997),
visando contornar futuros impasses no sistema político, decidiu nomear um político do partido BJP, Atal Bihari
Vajpayee (1924 - ?), para fechar um novo governo.
A era das coligações partidárias
O governo inicial de Vajpayee durou apenas 13 dias em fins de 1996, pois o número de parlamentares que
tinham o apoiado era insuficiente. Esperava ele quando no governo que a miríade dos partidos pequenos regionais
chegassem a um consenso e daria a ele o apoio necessário no Lok Sabha, o que não se concretizou decorridos alguns
dias após a sua ascensão ao poder. Assim, o presidente, a quem cabia escolher um chefe de governo em situação de
impasse político no parlamento, escolheu um político do Partido Janata, Deve Gowda (g. 1996 - 1997), governador
de Karnataka, como premiê. Seu partido mal tinha conquistado 43 assentos federais, 15 deles vindos de Karnataka e
21 de Bihar, uma situação política frágil que o fez dependente dos inúmeros partidos pequenos regionais presentes
em grande número no Lok Sabha. O CNI, por sua vez, encontrava-se acuado e relutante em torno de Narasimha Rao
que começou a sofrer inúmeras acusações de corrupção durante o seu governo passado. Assim, o cenário político
indiano encontrava-se imprevisível e pulverizado em fins de 1996.
No entanto, o sistema democrático indiano sobreviveu de maneira resiliente mesmo nas condições instáveis e
desintegradoras no seu parlamento. Em abril de 1997, o governo minoritário de Deve Gowda não se sustentou
politicamente, e foi escolhido como primeiro-ministro Inder Kundar Gujral (g. 1997 - 1998) que escolheu como seu
ministro das finanças, Palaniappan Chidambaram (1945 - ?), tendo uma reação positiva das forças do mercado
financeiro e dos investidores internacionais. Mas Gujral permanecia refém das instáveis coligações partidárias que
os apoiaram no poder. Assim, era premente que novas eleições nacionais fossem convocadas, o que de fato ocorreu
em fevereiro de 1998, resultando numa maioria parlamentar mais evidente, 182 lugares, para o partido BJP, mas
ainda assim muito aquém de uma maioria. E assim, em 20 de Março de 1998, um novo governo de coligação
liderado pelo BJP nomeou novamente Vajpayee (g. 1998 - 2004) como primeiro-ministro.
Vajpayee
A coligação que o partido BJP tinha fechado com outros partidos, na chamada Aliança Nacional Democrática,
provou incialmente ser tênue, pois um dos partidos aliados, o Anna Dravida Munnetra Kazhagam (ADKM,
Federação Pan-Dravidiana Progressista) da região de Tamil Nadu, decidiu abandonar a coligação em meados de
1999, apenas 13 meses após a ascensão de Vajpayee. Diante da ausência de maioria parlamentar coligada, foi
necessária a convocação de novas eleições nacionais, realizadas em setembro de 1999. Como resultado, o BJP
cresceu no Lok Sabha para 270 assentos, somando 303. E assim, em situação de maior folga parlamentar, Vajpayee
foi reassegurado novamente como primeiro-ministro indiano, e dessa vez seu oficio iria perdurar até 2004. Mas o
mais surpreendente nas eleições de 1999 foi o consenso do CNI, agora como o segundo maior partido indiano com
156 assentos, em nomear como seu presidente partidário Sonia Gandhi. Apesar das discordâncias partidárias
internas com relação à Sonia como líder, o CNI permaneceu à espreita de um momento mais propício a voltar ao
poder indiano.
Foram eventos externos que consolidaram a popularidade de Vajpayee e seu governo coligado no poder em 1999
em diante. Em fevereiro do referido ano, para selar a paz entre a Índia e o Paquistão e evitar possível um conflito
nuclear, foi ratificado o Tratado de Lahore. A paz pareceu ser promissora [528]. Entretanto, em maio e junho de 1999,
foram descobertos planos terroristas de infiltração e ocupação da Caxemira, que desvirtuou todo o compromisso de
paz firmado entre a Índia e o Paquistão quando Vajpayee tinha visitado a cidade paquistanesa de Lahore três meses
antes a inaugurar uma linha de ônibus partindo de Delhi. Nos conflitos bélicos subsequentes, as forças indianas
conseguiram dominar forças opositoras infiltradas em torno da cidade de Kargil na Caxemira. A repercussão dessa
intervenção foi um sucesso em termos de popularidade para Vajpayee e sua coligação liderada pelo BJP. Dois anos
depois, em julho de 2001, Vajpayee deu um novo passo diplomático frente ao governo paquistanês, quando
convocou os encontros em Agra com o presidente paquistanês, Pervez Musharraf. Mas foram poucos os avanços
concretos com relação à Caxemira.
A popularidade do governo em torno da sua aliança coligada da Aliança Democrática Nacional foi afetada
depois de uma série de escândalos políticos e subornos por parte do ministro da defesa, George Fernandes (1930 -
?), que teria aceitado vultosos subornos na aquisição de novos equipamentos militares revelados em maio de 2001
pela revista de jornalismo investigativo Tehelka, assim como relatórios de falha de inteligência indiana que poderia
ter evitado os incidentes em Kargil em 1999.
Na sequência dos ataques de 11 de setembro de 2001, o governo dos Estados Unidos de George W. Bush
suspendeu as sanções que tinham sido impostas contra a Índia e o Paquistão em vigor desde 1998, pelos temores de
uma escalada de conflitos com possibilidades de uso nuclear. A mudança política norte-americana foi uma
recompensa pelo apoio jurado dos dois governos à guerra contra o terrorismo.
No âmbito interno, a maior calamidade que o governo de Vajpayee se deu em torno de um suspeito incêndio de
um trem em 27 de fevereiro de 2002 que matou cerca de 60 peregrinos hindus que retornaram de Ayodhya em
Godhra, no estado de Gujarate. Com a estranha omissão do governador do estado à época, Narendra Modi (1950 - ?)
do partido BJP, foi desencadeado uma onda de violência levando à morte mais de 700 muçulmanos e 250 hindus
[529]
.
Vajpayee foi mais bem sucedido nas suas reformas econômicas do país que resultou num crescimento sustentado
do PIB em torno de 6% a 7% ao ano. Decorrente disso, houve notável atração de investimento internacional e
grandes obras de modernização da infraestrutura nacional foram empreendidas a partir de 2002. Destarte, o partido
BJP gradativamente ganhou maior apoio político principalmente entre os setores sociais mais beneficiados com o
novo alento econômico indiano, entre o empresariado, classe média urbana e jovens universitários diante das novas
perspectivas de emprego, em especial nos setores de tecnologia de informação e serviços.
Em 2003, o primeiro-ministro indiano tomou iniciativas mais ousadas para consolidar as boas relações com os
países vizinhos. Visitou a China em julho de 2003, e assinou reconhecimento da China sobre o Tibete, conseguindo
em contrapartida o assentimento oficial de Pequim sobre partes setentrionais do estado de Sikkim reivindicada pela
Índia, algo pendente entre os dois países desde 1953. Como resultado, em julho de 2006, foi inaugurado a primeira
via rodoviária entre a China e a Índia a passar por Nathu La em Sikkim.
Em fins de 2003, diante da idade avançada de Vajpayee e visando angariar maior apoio entre a população
muçulmana indiana, o BJP começou a organizar amplas campanhas publicitárias almejando melhores resultados
eleitorais no ano seguinte. As atenções e polêmicas se voltaram para a escolha do novo líder do partido, Lal Advani,
que tinha sido líder do BJP à época dos conflitos populares em Ayodhya em 1992.
Manmohan Singh
As eleições em maio de 2004 ocorreram em janeiro. Surpreendentemente uma ampla aliança com partidos
regionais e socialistas, a Aliança Progessista Unida, liderada pelo CNI, inicialmente sob a liderança de Sonia Gandhi
ganhou maioria no parlamento, totalizando 335 assentos. Somente o CNI tinha conquistado 218 lugares, contra 181
do Partido BJP. Sonia, no entanto, depois dos resultados eleitorais decidiu não assumir o cargo de primeira-ministra
e nomeou, em seu lugar, um sikh tecnocrata, Manmohan Singh (g. 2004 - 2014) (fig.), tornando-se este no primeiro
indiano não-hindu a ocupar o cargo mais poderoso da Índia. Seu passado apolítico ganhou a confiança da maior
parte da população indiana que considerou ele como pessoa incorruptível e ética.

Fig. – Manmohan Singh, primeiro sikh a governar a Índia.

Já no final de 2004, o governo de Singh começou a negociar com o governo paquistanês mais uma vez e retirou
algumas de suas tropas da Caxemira. Ademais, foi inaugurada uma nova linha de ônibus a fazer o trajeto da capital
caxemirense, Srinagar, com a cidade fronteiriça paquistanesa de Muzaffarabad, primeira linha a operar na Caxemira
com o território paquistanês em mais de 60 anos [530].
No campo econômico, Singh seguiu as reformas preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional e liberalizou
ainda mais a economia indiana que resultou em forte desenvolvimento. Singh, juntamente com uma competente
equipe econômica, que incluiu o ex-ministro das finanças, Palaniappan Chidambaram, coordenou um período de
crescimento do PIB nacional em torno de uma taxa anual de 8% a 9%. Em 2009, a Índia tinha se tornado a segunda
economia com maior crescimento no mundo. Boa parte desse crescimento se deu no setor de serviços,
correspondendo a mais de 50% nos anos seguintes de seu governo [531].
As relações com os EUA foram solidificadas em torno de um acordo de cooperação nuclear durante a visita de
George W. Bush à Índia em março de 2006. No acordo assinado, o governo indiano teria acesso a reatores e
combustíveis nucleares norte-americanos em troca de seu compromisso de limitar o seu programa de armamento
nuclear. Em outubro do mesmo ano, a Índia lançou com sucesso sua primeira missão à Lua, uma sonda não tripulada
chamada de Chandrayaan-1. Um ano antes, o país já tinha lançado seu primeiro foguete espacial de cunho
comercial.
Em novembro de 2008, ocorreram ataques terroristas organizados na cidade de Mumbai (ex-Bombaim assim
renomeado desde 1995), supostamente sob o comando de uma organização paquistanesa, resultando na suspensão
no processo de paz com o país vizinho. Nas eleições gerais realizadas entre 16 de abril e 13 de maio de 2009, a
Aliança Progressiva Unida, liderada pelo CNI de Singh, conseguiu nova maioria parlamentar, com confortáveis 322
membros parlamentares dentro de um total de 543. Foi a primeira vez desde Jawaharlal Nehru em 1962 que um
primeiro-ministro indiano conseguiu ser reeleito após ter completado seu mandato completo de cinco anos. As
eleições indianas de 2009 foram um formidável atestado político da Índia, a maior eleição democrática do mundo
com estimados 714 milhões de eleitores [532].
No cenário externo, a Índia do governo de Singh entrou como membro fundador do grupo dos BRICS
(inicialmente composto por Brasil, Rússia, Índia e China, depois pela África do Sul a partir de 2010) na primeira
reunião de cúpula realizada na cidade russa de Yekaterinburg em 16 de junho de 2009. O objetivo do grupo desde
então tem sido uma maior coordenação e cooperação e dos países em desenvolvimento e fundamentar um novo
espaço no meio internacional em busca de alternativas e reformas da situação política e econômica global [533].
Diante do desempenho político e econômico do governo de Singh, tudo parecia estar sob completo controle pelo
CNI e aliados coligados. Mas a oposição organizada em torno do partido BJP começou a esboçar uma nova
contraofensiva política a partir de 2013. Em nove de junho de 2013, foi nomeado um novo líder do BJP, Narendra
Modi, para representar o partido nas eleições gerais de 2014, depois da renúncia de Lal Adavani, considerado por
muitos da sociedade indiana como o responsável maior dos conflitos em Ayodhya em 1992. As eleições de 2014
transcorreram com uma ordem impressionante, desde 7 de abril a 12 de maio do mesmo ano. Foi a mais longa
eleição da história indiana e, de acordo com a Comissão Eleitoral da Índia, mais de 814 milhões de eleitores votaram
nas eleições, corfirmando o país como a maior democracia do mundo [534].
O resultado eleitoral de 2014 favoreceu a ampla aliança formada pelo BJP, a Aliança Democrática Nacional,
com 336 assentos parlamentares conquistados. Somente o partido BJP ganhou 282 vagas no parlamento. No campo
oposto, o CNI tinha conseguido apenas 44 assentos, e sua aliança apenas 58 assentos ao todo. Foi uma grande
reviravolta política indiana. Muito se deu em torno dos casos de corrupção que membros do governo de Singh tinha
se envolvido, notoriamente no setor de carvão, telecomunicações e até mesmo na organização dos 19º Jogos da
Commonwealth [535] (Comunidade das Nações) sediado em Delhi em outubro de 2010. Ademais, a economia indiana
vinha apresentando uma tendência de alta inflacionária nos preços de produtos básicos alimentícios, como a cebola e
o sal, e de bens de consumo desde fevereiro de 2012 [536].
Nesse sentido, Singh deixou o cargo de primeiro-ministro em 25 de maio de 2014, quando assumiu em seu lugar
o ex-governador de Gujarate e a nova face da maior coligação conservadora do espectro político indiano, Narendra
Modi, do partido BJP. Cuja coligação conseguiu assegurar 282 lugares no Lok Sabha. O CNI e sua coligação, por
sua vez, organizaram-se em torno de Rahul Gandhi (1970 - ?), filho de Sonia Gandhi, mas conseguiram apenas 44
assentos parlamentares.
***
A Índia é um país vasto em todos os termos. Guarda uma história complexa e diversificada de inúmeros reinos,
principados e impérios desde o vale do Rio Indo, até mais ao leste em direção às amplas e férteis planícies do rio
Ganges e Yamuna, e costeando mais ao sul, se estabelecendo ao longo dos rios Krishna e Godaveri. Reinos e
potentados que por vezes se expandiram e se tornaram em impérios desde a antiguidade, desde os guptas até os
mogóis, os britânicos e depois, numa forma unificada republicana que vigorou de forma democrática ininterrupta
desde 1947. Algo espantoso, pois a Índia tem em sua diversidade todos os fatores para fragmentação e desunião.
Esse país foi, em grande parte de sua história, composto de unidades políticas que voltavam suas fidelidades a
chefes e regentes locais, com certa unidade étnica, linguística e religiosa própria, desde o hinduísmo até o
islamismo, budismo, jainismo, zoroastrismo, cristianismo e outras crenças tradicionais cultuadas desde os
primórdios dos tempos. Na Índia, nada nunca foi simples.
O quadro cultural e religioso indiano resultou de séculos de contatos, amalgamações e sincretismos entre
diversas etnias. Os textos védicos e purânicos firmaram-se com as crenças populares indianas que depois forneceu o
material para os épicos hindus como o Maabárata e o Ramaiana. Assim foram compiladas as mitologias, as
divindades, os valores e ideais de toda uma nação. E cada divindade local cultuada foi sendo gradativamente
incorporada ao numeroso panteão hindu. Dissidências diante da ortodoxia hindu deram fôlego para novas crenças,
como o fez nas andanças do príncipe Sidarta, o Buda, em Bihar. E, passados alguns séculos, através das suas
fronteiras montanhosas ao norte e noroeste, entraram as crenças islâmicas, e das costas ocidentais vieram alguns
cristãos. A partir das ideias reformadoras de Guru Nanak, nasceu o siquismo no século 16. A Índia, através dos
tempos, criou, abrigou e assimilou as ideias do mundo.
As fronteiras e a unificação da Índia resultaram de um fenômeno relativamente recente, estabelecidos desde os
tempos dos mogóis a partir do século 16 e depois sendo estruturado em termos civis, jurídicos e burocráticos pelas
autoridades britânicas nos séculos 18 e 19. O momento culminante se deu em seus momentos iniciais republicanos
durante as negociações de adesão com os incontáveis regentes dos estados principescos em 1947, obra de políticos
como Menon, Patel e Ambedkar sob o comando de Nehru e inspirados por Mohandas Gandhi, este talvez uma das
maiores figuras históricas do século 20. E não menos importante, de 1947 até 1950, foi elaborada uma constituição
laica, secular, republicana e inclusivista que até os dias de hoje serve de mestre guia para a nação. E que
asseguraram uma Índia plural, diversificada e cosmopolita.
Em tempos presentes, decorrente dessa rica e vasta herança de seu passado, alguns vetores [537] poderão, caso
exacerbados em tempos de crise, pôr em risco o que atualmente é a maior democracia do mundo, com estimados 814
milhões de votantes contabilizados nas eleições gerais de 2014. Um primeiro eixo é o seu sistema de castas (varnas)
herdados do passado, que permanece como forma identitária primária de muitos indianos, principalmente no meio
rural, que pode obstaculizar a plena participação política e igualdade numa sociedade democrática. O segundo eixo é
a linguagem. A língua híndi consiste na língua mais falada no país, com 400 milhões de falantes. Mas há uma
pletora de outras, como telugo, tâmil, malaiala, bengali etc., que contam com alfabeto próprio e uma longa tradição
literária. Resulta num desafio enorme e frágil manter coesão cultural diante de tal diversidade. O terceiro eixo é a
religião, sendo que a 80% da população indiana declaram-se como hindus e têm a segunda maior comunidade
muçulmana do mundo, por volta de 140 milhões, 13% da população, ficando atrás apenas da Indonésia [538].
Ademais, há significativa comunidade de cristãos, sikhs, budistas e jainistas. Como a fé consiste num dos pilares
fundamentais de identidade humana, permanecem latentes as diferenças nesses termos em situações de crise no país.
Outro eixo consiste nas diferenças socioeconômicas. Há imensa disparidade nesse sentido na Índia, com alguns
empresários fabulosamente ricos em contraste com 26% da população, 300 milhões de pessoas, vivendo abaixo da
linha de pobreza, um potencial perigoso que pode servir de conflitos e mudanças políticas futuras. Por último, temos
a questão do gênero em que o país apresenta grandes obstáculos. Se por um lado a Índia já teve uma grande
liderança feminina na figura de Indira Nehru Gandhi, por outro lado há recorrentes casos de agressões a mulheres
pelo país. A condição das mulheres, principalmente no meio rural, são como as de Ofélia, personagem de Hamlet de
Shakespeare [539], insuportavelmente julgadas e delimitadas pelos costumes e tradições que as relegam a um papel
conservador de submissão dentro do âmbito de suas famílias e afazeres domésticos, muitas vezes estigmatizadas
depois que perdem os seus maridos ou quando permanecem sem casamento. Para as situações matrimoniais,
meninas muitas vezes nem em idade puberal já são definidas pelas famílias envolvidas no casamento. E decorrente
disso, em casos de conflitos e desentendimentos conjugais, são as mulheres as maiores vítimas de agressão física e
discriminação social.
Para as perspectivas futuras, esse país de contradições encerra em si um imenso desafio. São mais de um bilhão e
300 milhões de habitantes no ano de 2016, quase um quinto da humanidade com previsão de ultrapassar a população
chinesa em 2022 [540], com mais de duas mil etnias, mais de 122 línguas e 1500 dialetos, um PIB anual estimado em
US$ 2,29 trilhões, 6º maior do mundo, sendo que 54% de sua economia advém do setor de serviços, e 29% da
indústria. Em termos de paridade de poder de compra, sua economia é a terceira do mundo, com estimados US$ 8,64
trilhões. Sua projeção mundial decorre naturalmente diante da estatura de tais números. E, assim, busca articular
novas inserções no meio internacional novas, conforme atestado na sua proeminência na Associação Sul-Asiática
para a Cooperação Regional (SAARC) desde 1985, e membro fundador do grupo dos BRICS desde 2009.
China e Região

藕断 丝连
(“A raiz do lótus pode até ter sido cortada,
mas os fios de suas fibras ainda permanecem conectados”)
(Provérbio chinês)
Mapa - China atual com suas províncias.

China (50 mil a.C. – século 7 d.C.)


Em 1921, quando os arqueólogos desenterraram um dente humano em uma das cavernas de Zhoukoudian nos
arredores de Pequim, o achado trouxe grande expectativa e consternação. Pois até então a paleontologia humana
ainda remetia as origens do homem moderno à alguma região europeia ou próxima. Mas nunca em regiões tão
afastadas na China. Seguiram-se ao primeiro achado uma profusão de ossos e utensílios, estimados em mais de cem
mil, que depois foram vestígios de toda uma pequena comunidade de Homo erectus, a que deram o nome de Homem
de Pequim. A série de achados abalou todas as premissas da origem do homem, e confirmou os múltiplos achados
em Java, em 1891, além daqueles já achados na Europa, Oriente Médio e África.
Os vestígios anatômicos apontaram para hominídeos de baixa estatura, por volta de 1 metro e 60 centímetros. As
fêmeas não deveriam ter mais de um metro e meio. Eram caçadores, coletores e pescadores, e os sinais nas paredes
apontam o domínio do fogo. Não foram encontrados vestígios de enterros e posições funerárias de esqueletos, mas
alguns crânios apresentaram sinais de trauma, o que indica sinais de violência e, possivelmente em tempos de
escassez de alimento ou a atender rituais sagrados, poderiam ter sido canibais.
Outras descobertas em outros sítios seguiram ao do Homem de Pequim. Em 1964, a China sob regime
comunista, celebrou outro achado de Homo Erectus, mas agora em local mais afastado a oeste de Pequim, em
Shaanxi [541]. Nesse, os achados apontam para um período entre 400 mil e 200 mil anos atrás. Em 1980, outro crânio
da mesma espécie fora encontrado na província de Anhui e outro três anos mais tarde, em Liaoning.
A região das descobertas dos hominídeos antecessores do homem moderno, Homo sapiens sapiens, se estende ao
longo do vale do Rio Amarelo (Huang He) e da cadeia de montanhas ocidentais na China. Os achados foram sempre
em locais e cavernas próximos de montanhas, rios e vales, onde a caça poderia combinar-se com a pesca e coleta de
alimentos. Essa ampla região percorre ao longo do vale do Rio Amarelo, que tem sua nascente no altiplano ocidental
nas montanhas de Bayan Har e deságua a leste, no Mar de Bohai. O interessante é que da sua nascente, o Rio
Amarelo recebe, por vezes de maneira impetuosa, um grande fluxo de água advindo do derretimento das geleiras das
montanhas na sua nascente. Juntamente com isso, sedimentos por via eólica de coloração amarelada, daí o nome do
rio, denominado de “loesse”, dão excepcional fertilidade ao solo aluvial ao longo de toda o vale.
Por volta de 50 mil a 12 mil anos atrás, a nossa espécie, Homo sapiens sapiens, já predominou por toda a região
do Rio Amarelo e outros vales pela China. E a partir de 12 mil a.C. foram encontrados inúmeros assentamentos
permanentes do homem. Ao longo do Rio Yangzi, de excelente navegabilidade e que dá acesso ao interior chinês no
sentido leste-oeste, existiram indícios de um conjunto de pântanos e lagos excepcionalmente férteis para o cultivo e
coleta regular de sementes e, posteriormente, para a domesticação de animais como o cachorro e o porco. Ademais,
o clima nas regiões centrais e setentrionais da China eram mais quentes e úmidas do que se constata atualmente.
Foram, pois, ofertadas todas as condições favoráveis para o assentamento amplo e permanente do homem na China
no referido período.
Assim foi confirmado pelos achados na vila de Banpo, na atual cidade de Xian, na região central da China, no sul
da província de Shaanxi. Os descobrimentos são de por volta de 4 mil a.C. e há evidentes sinais de uso de cânhamo
para o fabrico de roupas e tecidos, pontas de flecha que sugerem a maestria do uso de arco e flecha para a caça e
guerra. Os abrigos estão posicionados agrupados, de maneira ordenada, que demonstra unidades coletivas em forma
de famílias e clãs com alguma liderança. Os vasos e ânforas de cerâmica, usados para depósitos, são decorados com
figuras de animais, peixes, plantas, marcas de corda e símbolos de identidade do clã e grupo. A esse estilo foi dado o
nome de Cultura de Yangshao, que vigorou entre 6 mil e 3 mil a.C. O senso de identidade e estética começaram a
ser expressos na história chinesa.
Concomitante às de Yangshao, outras cerâmicas de estilo diverso, com aspecto mais lustroso, fina e enegrecida,
chamada de Cultura de Longshan (c. 3000 – c. 1900 a.C.), foram achadas por várias regiões da China além do vale
do Rio Amarelo. O que indica o alastramento do Homo sapiens sapiens pela China. Outro aspecto notável desse
período, considerada como Fase Neolítica, de 12 mil a.C. a 2 mil a.C., foi o complexo domínio do cultivo de seda.
Algo extraordinário e singular à China que somente foi depois dominado por outras culturas no século 6 d.C.
As Dinastias Xia e Shang

Mapa – As Três Dinastias Clássicas – Xia, Shang e Zhou na China.

Por tradição, a história chinesa começou cultuando uma série de figuras heroicas e míticas, a incluir os Três
Soberanos que viveram há mais de 5 mil anos atrás: Fu Xi ( 伏羲 ), o fundador da nação e inventor da escrita, da
pesca e caça; Shennong ( 神農 ), o pai da agricultura e da medicina; e o Imperador Amarelo ( 黃帝 ), criador do
calendário e ancestral de todos os chineses, e outros regentes sábios que culminou no período do Grande Yu ( 大禹 )
(c. 2200 – 2101 a.C.). Este último, de acordo com as lendas tradicionais, foi o primeiro que conseguiu domar as
catastróficas enchentes do Rio Amarelo e assim depois fundou a primeira dinastia, a Xia. E esta passou a ser a
primeira das três dinastias chinesas: Xia (2205 – 1766 a.C.), Shang (c. 1766 – 1045 a.C.) e Zhou (1045 – 256 a.C.).
As três formam a idade clássica da antiguidade chinesa. O problema com relação à história desse período foi que ela
foi composta e compilada muito tempo depois dos eventos, pois a escrita não aparece na China antes de 1200 a.C.
As lendas acerca dessa antiguidade são atualmente veneradas pelos chineses em geral que as consideram como
as bases de fundação da China. O campo historiográfico moderno na China, contudo, desde a ascensão do regime
republicano em 1912, tem buscado desmitificar esse período, pois essas histórias serviram de legitimação do regime
imperial durante séculos. E pouco era considerado dessas lendas entre os historiadores até que num achado em 1899,
alguns estudiosos se defrontaram com estranhas escritas parecidas com o chinês antigo em cascos de tartaruga e
ossos, algo que era considerado pela medicina chinesa como “ossos de dragão”.
Esses ossos foram eventualmente rastreados em sua origem até a cidade atual de Anyang, no norte da província
de Henan. O sítio foi sistematicamente escavado a partir de 1928, que provou ser as ruínas de uma das antigas
capitais da Dinastia Shang. Os ossos e cascos achados eram usados antigamente para fins divinatórios. E as
inscrições achadas nesses são os mais antigos vestígios da língua chinesa [542]. Apesar de muitas dúvidas e ceticismo
acerca das lendas históricas desse período, os achados dessas inscrições provaram a existência de uma antiga
dinastia chinesa até então desconhecida até a década de 1920 (fig.).

Fig. – Réplica de escrita num osso divinatório do Período Shang.

Em 1950, as escavações foram retomadas depois dos conflitos da Segunda Guerra Mundial, e uma nova capital
da Dinastia Shang foi descoberta perto da cidade de Zhengzhou, atual capital da província de Henan. Nessas
capitais, foram reveladas as estruturas de grandes residências e palácios, evidenciado uma estrutura hierárquica
centralizada e planejada, algo que é vislumbrado nos dias atuais no complexo da Cidade Proibida de Pequim.
Próximos dessas residências, foram encontrados os quarteirões de serviçais e de artesãos especializados que
produziram magníficas peças de bronze, cerâmica e artesanato. Os trabalhos em bronze da dinastia constituem um
dos tesouros da humanidade. A metalurgia do bronze, por si só, requer acesso a minas de estanho e cobre,
fartamente presentes na região.
Foram encontradas nos túmulos inúmeras obras de bronze, de vasos a serem usadas em rituais, a machados,
armas e capacetes. Além de peças de carruagem que indicam a domesticação do cavalo. Alguns dos mais elaborados
vasos para fins de sacrifício ritual, chamados de ding, são insuperáveis nos seus detalhes (fig.). Parece que a técnica
de fundir e trabalhar o bronze na China veio das regiões mais ao oeste, na província de Gansu [543]. Além dessas
obras, foram encontrados vários corpos humanos e de animais sacrificados ao regente que deveriam servi-lo no
além.

Fig. – Vaso do tipo ding da Dinastia Shang.

Os regentes da Dinastia Shang eram, pelas evidências, fartamente servidos por militares equipados com armas de
bronze e assistidos por sacerdotes que conduziram os serviços rituais de sacrifício e de divinização, conforme
demonstra as escrita e rachaduras criadas a serem interpretadas nos ossos das omoplatas de animais. Essa sociedade
aristocrática se fundamentava na atividade de agricultores que trabalharam e viveram nos arredores das capitais
escavadas. Em suma, a sociedade Shang era uma de evidente estratificação social, a servir um comando
centralizado.
O poder centralizado do regente Shang também foi demonstrado em grandes obras que requereram,
indubitavelmente, vasta mão-de-obra coordenada. A capital em Zhengzhou era envolvida numa muralha de
extensão considerável, mais de 6 km, com uma altura maior que 8 metros, erguidas no uso de terra em camadas que,
quando devidamente compactada e prensada, oferecem uma resistência similar ao do cimento. Essa técnica será
depois largamente usada em outras construções e fortificações chinesas.
Em 1959, foram organizadas novas escavações em Erlitou, atualmente próximos da cidade de Luoyang, ao sul do
rio Amarelo. Nessa empreitada, foi desenterrado um sítio de amplos palácios que indicaram ser o local uma capital
de um reino centralizado na região. Ao que os estudiosos apontam ser o centro da Dinastia Xia, portanto, anterior ao
Shang. A cultura desses achados, chamada de Erlitou, parece ter se alastrado por toda a região, a noroeste de Henan
e sul de Shanxi, e demonstra ser a sucessora das cerâmicas negras de Longshan.
O que esses achados nos dizem a respeito das origens da China? Primeiramente, ficou evidente de que houve
uma transição do período Longshan para uma estrutura mais centralizada, hierarquizada e com claro domínio da
metalurgia do bronze, da escrita e de um sistema religioso. Ademais, parece que houve diferentes capitais ao longo
do vale do Rio Amarelo, em que eles coexistiram em certos períodos no norte da China. Em segundo lugar, os
antigos reinos de Xia e Shang eram sistemas baseados na agricultura no uso sistematizado das águas dos rios. E
parecem ter sido navegadores e comerciantes, pois foram achados búzios originados da costa chinesa e ilha de
Taiwan que indica terem sido mestres na navegação de longa distância.
A Dinastia Zhou
A Dinastia Shang foi sucedida pelo reino Zhou, momento formativo da China. Por volta de 1045 a.C., líderes do
povo Zhou que tem origem mais ao oeste, conquistaram os Shangs, apesar de terem mantido ainda relações
duradouras e comerciais. Foram mantidas as escritas Shang e a produção de bronze ainda seguiu no mesmo estilo. A
ascensão Zhou foi muito mais uma síntese da cultura anterior Shang do que propriamente uma imposição
estrangeira. O reino Zhou inclusive, ao chegar ao poder, manteve a elite e a família real Shang em seu status, e
foram lhes conferidos títulos nobiliárquicos como duques a regerem determinadas regiões. Isso ilustra a dinâmica
híbrida de diferentes tradições culturais na história da China, em que um determinado povo conquista uma posição
de poder e, ao mesmo tempo, absorve seus valores e tradições.
De acordo com as lendas, a primeiro ancestral Zhou foi concebido numa mulher de nome Jiangyuan que tinha
engravidado do Deus Supremo Shangdi (“Soberano do Céu”, 上帝 ) ao seguir suas pisadas. Ao que nasceu o filho
conhecido como Houji (“Senhor dos Milhetes”, 后稷 ). Ao acreditar que seu filho fosse indesejado, Jiangyuan
decidiu abandoná-lo no campo, mas depois Houji foi mantido aquecido por carneiros e bois. Novamente o menino
foi abandonado em uma floresta, mas foi resgatado por lenhadores, e depois no meio glacial, e ali foi abrigado sob
as asas dos pássaros. Após todos esses milagres de proteção na infância, Houji aprendeu as técnicas da agricultura
que passou adiante aos seus descendentes, o povo Zhou.
O povo Zhou começou a se assentar, após deixar para trás a atividade seminômade, numa ampla e fértil planície,
a Planície de Zhou, localizada a uns 80 km a oeste da atual cidade de Xian, em Shaanxi. Foi dessa planície que o
povo foi nomeado, e dele partiram para se estabelecer em toda a região. Momento em que, inicialmente, foram
nomeados como duques vassalos pelo regente Shang. Ainda de acordo com as lendas, os duques de Zhou
ambicionaram o título de rei, e passaram a se nomearem como tal. Após a morte do segundo rei Zhou pelos Shangs e
o terceiro ter sido mantido em cativeiro por sete anos até o seu resgate, os Zhous decidiram revidar e atacar o reino
Shang. Essa ofensiva foi liderada pelo quarto rei Zhou, Rei Wu (r. 1046 – 1043 a.C.), em que acusou os regentes
Shang de provocações, abusos de autoridade, e falha em realizar as cerimônias de maneira adequada a apaziguar os
ancestrais. O regente Shang foi, em último momento, derrotado em batalha, num local chamado de Muye, ao sul da
capital Shang de então, em Anyang, Henan. Evento que depois os estudiosos chineses dataram ser no ano de 1045
a.C., um dos eventos mais importantes da história chinesa.
Após a vitória e ascensão ao trono real, o Rei Wu dos Zhous dedicou sua glória e fortuna ao Céu e anunciou sua
intenção de assumir seu lugar no Reino do Meio (zhongguo, 中國 ), termo que ainda hoje remete ao nome da China
na língua chinesa.
O rei Wu chegou a morrer dois anos após sua vitória sobre Shang, e foi sucedido pelo seu filho mais velho, o rei
Cheng (r. 1042 – 1021 a.C.). No entanto, o sucessor tinha pouca idade e foi regido pelo irmão de Wu, o duque de
Zhou, que gerou intriga e suspeita entre os membros da família real. Decorreram conflitos internos que culminou
com a ascensão ao trono do próprio duque de Zhou. A história procede depois conforme é contada no Livro dos
Documentos, uma das cinco obras clássicas confucianas. Narra-se que o Céu mandou uma grande tempestade que
destruiu as colheitas do reino. Visando mitigar os efeitos catastróficos o jovem rei sucessor, filho de Wu, abriu uma
caixa de metal selada pelo duque de Zhou em que descobriu que o duque de Zhou ofereceu a própria vida a manter a
população em geral a salvo das tragédias. Depois disso o regente, duque de Zhou, continuou a comandar o reino até
sua autoridade de regente acabar com a maioridade do sucessor real. Essa história, de virtude e lealdade aos
princípios gerais como base legítima de boa governança veio depois a se estabelecer como um importante
ensinamento confuciano. Conceito que define que a legitimidade do imperador deve, como filho do Céu, atender aos
princípios de justiça e virtude do Mandato do Céu (tianming, 天命 ). O Céu era a entidade suprema entre os Zhous,
e a ele deviam obedecer e assim reinar sobre a terra abaixo dos céus (tianxia, 天下 ). Diferentemente da doutrina
ocidental em que o rei teria o direito divino de governar, baseado no seu nascimento, os chineses definiram critérios
morais para o uso do poder.
A Dinastia Zhou perdurou por mais oito séculos até meados do terceiro século a.C. As mudanças políticas com
relação à dominação Shang anterior era uma ampliação dos territórios administrados e o volume de recursos e mão-
de-obra reunidos. No entanto, o reino Zhou constituiu-se muito mais de filiações regionais do que um verdadeiro
império centralizado, a depender de senhores e líderes locais aliados aos desígnios da família real na capital. Sem
dúvida, o maior legado Zhou foi a ideologia política consolidada em torno de um Mandato do Céu a legitimar o
regente sobre todos os seus súditos e aliados. Mas a própria integridade Zhou veio a sofrer uma invasão bem-
sucedida vinda do oeste que resultou no saque e ocupação da capital, Fenghao, perto da confluência do Rio Feng
com o Wei, afluentes do Rio Amarelo em Shaanxi, em 771 a.C. Após isso, a capital Zhou foi deslocada para maior
segurança rumo ao leste, em Wangcheng, atual Luoyang, dando início ao chamado período Zhou Oriental (770 –
256 a.C.). No entanto, a desunião e o estrago já estavam evidenciados pela ascensão de poderios locais a contestar
qualquer soberania externa. A esse longo período de guerras e desunião política, os chineses denominaram de
Período dos Estados Combatentes (479 – 221 a.C.) (Zhànguó shídài, 戰國時代 ), em que várias unidades regionais
buscaram se afirmar como o soberano absoluto sobre seus domínios (guó, 国 ).

Mapa- A China no Período dos Estados Combatentes, por volta do século 5 a.C.

Em termos culturais, o período Zhou foi de seminal criatividade e efervescência. Quase todos os clássicos da
literatura chinesa e de grandes escolas de pensamento surgiram durante a hegemonia Zhou. Essas chamadas
“escolas” podem confundir, pois na verdade foram várias correntes filosóficas que incorporaram e influenciaram
umas às outras, em múltiplas obras e pensadores, sem necessariamente terem conjugado em escolas de pensamento.
Ainda assim, pode-se delinear algumas características em comum que podem distinguir uma das outras. A mais
notável e de grande influência na China e no leste asiático foi o confucionismo, seguido pelo taoísmo, legalismo e
alguns escritos clássicos de especialistas militares.
O confucionismo constituiu-se numa das mais influentes tradições chinesas. Contudo, o próprio termo parece ter
sido mais uma categorização ocidental, pois não há nenhum termo em chinês que corresponda à palavra
“confucionismo”, o mais próximo pode ser rú( 儒 ) (ou dos ensinamentos do rú, rújiào, 儒教 ). Termo chinês este
que se refere aos estudos clássicos que foram fundamentais na tradição cultural chinesa. Entre esses clássicos
literários, chamados de Cinco Clássicos, estão obras que foram compiladas e interpretadas somente em sua forma
final canonizada em fins do segundo século a.C.
Entre esses primeiramente consta o “Livro dos Documentos” ou “Livro da História” (Shujing, 书经 , ou
Shangshu, 书经 ) que reúne discursos, anúncios e outros documentos de grandes e sábias figuras da antiguidade do
período Zhou. Em segundo, há a coleção de canções e poemas de considerável beleza literária, no “Livro de Odes”
ou “Livro dos Cânticos” (Shijing, 诗经 ), a mais antiga coleção desse gênero na língua chinesa. O “Livro das
Mutações” (Yiching ou I Ching, 易 经 ) é um manual para fins divinatórios baseados num conjunto de 64
hexagramas em várias combinações de seis caracteres. E também há os “Ritos” (Li, 礼 ), que é o conjunto de três
livros que tratam de variados assuntos referentes aos rituais a serem observados. E por fim, os “Anais da Primavera
e Outono” (Chungqiu, 春秋 ), história dos acontecimentos, eventos e fenômenos do local de nascimento de
Confúcio, no estado de Lu, atualmente em Shandong, entre os anos de 722 a 481 a.C. A tradição atribui a esse
último como obra das mãos de Confúcio.
A esses Cinco Clássicos eventualmente foram acrescidas outras obras ao longo do tempo, ajuntando-se num total
de treze. Muito do prestígio desses clássicos se deveu à percepção de que foram retratos de uma Era de Ouro, de
Zhou, e sob a regência de regentes sábios. A ponto de se tornarem cânones a partir do segundo século a.C. em
diante, formando o núcleo da educação formal da China e de países próximos como na Coreia, Japão e Vietnã. De
tal maneira que a cultura do leste asiático se formou a partir dos escritos, pensamentos e rituais chineses que
constam nessas obras clássicas. Tornaram-se referência ao que era culto e refinado, respeitoso às tradições e aos
sábios ancestrais, a todos aqueles almejaram nesses países uma condição de status na sociedade.
O que nos remete à própria figura de Confúcio (551 – 479 a.C.). Cujo nome é a forma latinizada de Kong Fuzi,
ou Kongzi, “Mestre Kong”, nascido no estado de Lu, na província atual de Shandong. Durante sua vida, Confúcio
permaneceu uma figura misteriosa e muito de seus ensinamentos e pensamentos vêm de coleções de conversas
compiladas pelos seus seguidores após a sua morte, reunidas na obra “Analetos” (Lún Yǔ, 论语 ). A mensagem
central de Confúcio era que a liderança deveria vir do exemplo moral. Aqueles que almejassem governar deveriam
seguir uma força moral, integridade (de, 德 ) e rituais (li, 礼 ) que retificaria o caráter espontaneamente e teria
assim um papel de inspiração e respeito dos súditos. Nesse sentido, o pensador rejeita qualquer governo apoiado
apenas nas leis e punições, pois assim as pessoas sempre buscariam maneiras de evasão e desobediência.
O segredo para uma sociedade harmoniosa e justa deveria ser no auto-cultivo individual dos princípios morais de
um cavalheiro ou pessoa superior (junzi, 君子 ), que teria assim influência sobre outras pessoas ao redor,
eventualmente trazendo a boa convivência e paz na sociedade. Ou como o próprio Confúcio disse “cultive a si
próprio para que haja paz para todos”. O junzi deveria, ademais, observar a piedade filial e lealdade (zhong, 忠 ), o
culto aos familiares e ancestrais, e cultivar o senso de benevolência e caridade à humanidade (rén, 仁 ). Esta última
virtude consiste em ter empatia com os outros seres humanos, independente da condição, crença e origem, a
universalizar o senso de dignidade e justiça para toda a humanidade, reconhecendo-se o próprio ser no outro, ou
como nas palavras de Confúcio: “não deseje aos outros o que não deseja para você mesmo”. Em contraste, há aquele
chamado de pessoa mesquinha ou pequena, xiaoren( 小人 ), que falha em internalizar as virtudes necessárias e
apenas pensa egoisticamente e em ganho próprio, não considerando as consequências de seus atos.
Há, pois, um forte senso de harmonização e hierarquia na sociedade idealizada por Confúcio. A lealdade aos
familiares e ancestrais estende-se, como numa família, aos superiores na sociedade, algo que deveria ser evitado
sempre que não houver um forte senso de injustiça. O que aponta para uma das principais contradições do
pensamento confuciano. Por um lado, há ênfase na ordem e hierarquia. Por outro, o indivíduo auto-cultivado deve
aprimorar-se nas virtudes e buscar a justiça e empatia universal, sem distinções de hierarquia. Em outras palavras,
haveria a possibilidade de qualquer um se aprimorar nos seus potenciais a busca das virtudes de um junzi.
Essa contradição foi resolvida depois ao longo do tempo com a realização de concursos, por mérito, a partir do
terceiro século a.C., para a admissão de cargos oficiais públicos. Algo que se tornou um dos traços mais notáveis ao
longo da história chinesa.
Após quase um século depois de Confúcio, outro grande pensador confuciano surgiu, Mêncio (370 – 289 a.C.),
Mèngzǐ (“Mestre Meng”). Mêncio é conhecido por defender a natureza inerentemente benevolente do ser humano. A
partir disso ele apontou quatro virtudes cardinais do ser humano: benevolência (rén, 仁 ), justiça (yì, 义 ), sabedoria
(zhì, 智 ) e propriedade e etiqueta (lĭ, 禮 ). Cada uma dessas está associada a algum sentimento ou motivação.
Assim, o sentimento de compaixão é relacionado à benevolência. O sentimento de desdém, relaciona-se com justiça.
O sentimento de respeito, à propriedade e etiqueta. O sentimento de aprovação e desaprovação é sabedoria. Entre
estes quatro, Mêncio dedica a maior parte de sua discussão à benevolência e ao senso de justiça. A benevolência
manifesta-se no carinho que alguém tem com os seus parentes e ancestrais, assim como a compaixão e empatia pelo
sofrimento de outros humanos, e até mesmo com os animais.
Em contraste com a visão de Mêncio, Xunzi (c. 310 – c. 219 a.C.) (Hsün Tzu) viveu boa parte de sua vida nos
anos terminais e conturbados do Período dos Estados Combatentes, algo que o marcou profundamente. Xunzi
considerava a natureza humana repleta de desejos e impulsos que, se não controladas, levariam ao caos e destruição.
Para contornar tal tendência há necessidade de esforço e treinamento contínuo do ser, através de rituais apropriados
(li, 礼 ) e cultivado senso moral próprio (de, 德 ). Somente aqueles que assim almejassem e buscassem, através da
educação e auto-cultivo a serem guiados por um mestre, poderão reformar a própria natureza humana. Ou como
Xunzi certa vez comparou à argila bruta que nunca poderia se transformar num belo vaso de cerâmica sem a
adequada intervenção de um mestre.
Além do confucionismo, outra influente escola clássica foi o taoísmo. Se os confucianos enfatizaram as relações
humanas, os taoístas enxergam a relação mística do ser com a natureza. O homem deverá buscar sua ligação inerente
com a natureza, a buscar o seu ritmo, ciclos, a progressão do dia para a noite, vida e morte. A filosofia taoísta, assim,
buscaria apontar o caminho ou princípio (tao ou dao, 道 ) para restabelecer a união do homem a se harmonizar com
o meio natural e cósmico.
As origens do taoísmo remetem à figura de Laozi (Lao Tzu, “Velho Mestre”) (século 6 ou 5 a.C. – 531 a.C.),
cuja vida pouco se sabe a respeito. Seus escritos expressam um estilo leve de aforismos e comparações estimulantes.
Em sua obra clássica, Dao De Jing (Tao Te Ching, “O Livro do Caminho e da Virtude”), o pensador começa
afirmando que o Caminho é inexprimível e compara-o com a natureza, com a água, como ele mesmo escreveu:
A bondade suprema é como a água,
que nutre todas as coisas sem sequer tentar.

Alegra-se com os lugares baixos


que as pessoas desprezam.

Assim é o Tao. [544]


(tradução nossa)

O Caminho é o vazio, que é desprezado mas tem o seu valor essencial e positivo:

Ajuntamos trinta raios e chamamos isso uma roda; mas é no espaço onde não há nada que a utilidade da roda depende.

Transformamos argila para fazer um vaso: mas é no espaço onde não há nada que a utilidade do vaso depende.

Atravessamos portas e janelas para fazer uma casa; e é nesses espaços onde não há nada que a utilidade da casa depende.

Portanto, assim como aproveitamos o que é, devemos reconhecer a utilidade do que não é. [545]
(tradução nossa)

Os taoístas consideram a moralidade humana como artificial e contraprodutiva. Pois é justamente quando a
sociedade valoriza a honra que aparece a competição e disputa. E quando valorizam o ouro, prata ou jade como
pedras preciosas, há a cobiça e o roubo. Na valorização da beleza, aparece a feiura. E do bom, o mal. Sabedoria,
portanto, como concluiu Laozi, é não ir atrás de tais metas e valores.
Outra corrente filosófica da época, menos idealista que o confucionismo, e certamente nada místico como o
taoísmo, foi o legalismo (fa jia, 法家 ). Como se depreende do nome, o legalismo enfatizou técnicas de governo
baseadas em leis escritas, claramente codificadas e rigorosamente aplicadas. Essa corrente filosófica não se
constituiu propriamente numa escola, mas foi antes um conjunto de pensamentos e obras reunidas, notavelmente o
“Livro do Senhor Shang” (Shang jun shu), atribuído a Shang Yang (? – 338 a.C.) e Han Feizi (“Mestre Han Fei”) (?
– 223 a.C.). Esses autores refletiram muito mais sobre procedimentos e tendências administrativas e práticas que
emergiu após os anos de conflitos no Período dos Estados Combatentes.
O Livro do Senhor Shang diz em um dos seus capítulos que a lei é expressão de amor para com as pessoas e o
verdadeiro sábio deverá fortalecer o estado a beneficiar todas as pessoas desse modo, independente da antiguidade
dos modelos e dos ritos estabelecidos. Uma postura claramente anti-confucionista, como no trecho:
O sofisma e a astúcia são auxiliares à ilegalidade; ritos e música são sintomas de dissipação e folga; a bondade e a benevolência são a mãe adotiva
das transgressões; o emprego e a promoção são oportunidades para a rapacidade dos perversos. Se a ilegalidade for auxiliada, ela se torna corrente;
se houver sintomas de dissipação e folga, eles se tornarão a prática; se houver uma mãe adotiva por transgressões, elas surgirão; se houver
oportunidades para a rapacidade dos ímpios, eles nunca cessarão. Se essas oito coisas se juntarem, as pessoas serão mais fortes do que o governo;
mas se essas oito coisas inexistirem em um estado, o governo será mais forte do que as pessoas. Se as pessoas são mais fortes do que o governo, o
estado é fraco; se o governo for mais forte do que o povo, o Exército é forte. Pois, se essas oito coisas existirem, o governante não tem ninguém a
recorrer para a defesa e a guerra, com o resultado de que o estado será desmembrado e virará ruína; mas se não houver estas oito coisas, o governante
tem os meios para a defesa e a guerra, com o resultado de que o estado florescerá e alcançará a supremacia. [546] (tradução nossa)

Os legalistas prezam, portanto, pelo estrito realismo do governo e desconfiam de que a natureza humana seja
inerentemente boa ou das virtudes de um governante. As pessoas são naturalmente movidas por interesses egoísticos
e seus comportamentos podem ser corrigidos e modificados com a elaboração de leis e incentivos por recompensas
ou punições. O bem maior é a consolidação de um estado, forte e unido, para o bem e harmonia de todos. Nesse
sentido, no Período dos Estados Combatentes, o estado de Qin, que foi governado por Shang Yang (390 – 338 a.C.)
como primeiro-ministro no século 4 a.C., começou a se fortalecer e expandir-se sobre todos os outros reinos
próximos. Eventualmente a China seria a partir disso unificada num império.
As conturbações do Período dos Estados Combatentes na China também produziram uma série de pensadores e
estrategistas militares. Um desses grupos surgiu em torno de Mozi (c. 470 – c. 391 a.C.) que defendia o amor
universal a ser atingido por rigoroso treinamento e preparação marcial, a proteger-se de invasões e ofensivas
estrangeiras. Mozi chega a dedicar boa parte de seu livro a detalhar as técnicas e estratégias de defesa militar, como
sítio e escalada de muralhas.
Uma outra obra de estratégia militar do período foi o livro “Arte da Guerra de Sunzi” (Sun Zi Bing Fa) (fig.), de
autoria incerta e provavelmente escrita entre o século 6 e 4 a.C. Esta obra se tornou num tratado sobre como se
preparar e enfrentar o adversário em guerra. Dividido em 13 capítulos, cada qual a tratar de diferentes aspectos
bélicos, o livro discorre sobre as necessidades de preparo material e psicológico de defesa, sítio, ofensivas e recuos,
negociações, manobras em campo, análise do terreno, escolha do tempo adequado, e a inteligência e espionagem.
Todos, reunidos, deverão ser levados em sua devida proporção à cada situação do líder militar e governante. De
todos os conselhos, talvez um trecho seja o mais representativo a respeito da importância do conhecimento próprio e
do inimigo para a batalha:
É dito que, se você conhece seus inimigos e conhece a si mesmo, você entrará em risco nem em cem batalhas.
Se você conhece a si mesmo, mas não o seu oponente, você pode vencer ou perder.
Se você não conhece nem você mesmo nem seu inimigo, você sempre se arriscará a perder tudo. [547]
(tradução nossa)

Ou em outro trecho emblemático:


Guerreiros vitoriosos vencem primeiro e, em seguida, vão para a guerra, enquanto guerreiros derrotados vão à guerra em primeiro lugar para depois
buscarem a vitória. [548]
(tradução nossa)

Fig. – A Arte da Guerra de Sun Tzu (ou Sunzi), em bambu, propriedade do imperador Qianlong (1711 - 1799).

China (Dinastia Qin – 221 – 206 a.C.)


Os soldados encontrados por acidente por irmãos e colegas de Yang Zhifa em março de 1974 eram inéditos e
únicos em detalhe e escala na história da humanidade. O desconhecimento e surpresa do achado foram de tal monta
que as peças de terracota, material com que o exército imperial inteiro [549] fora enterrado a acompanhar e proteger o
primeiro imperador da Dinastia Qin, significado do seu nome póstumo, Qin Shi Huangdi (“Primeiro Imperador
Qin”), foram descartadas e buscaram apenas as peças de bronze das pontas de flecha para a venda no mercado.
Anos depois, as escavações arqueológicas depararam-se com a magnitude e escala do achado (fig.). O mausoléu foi
construído ao longo de 38 anos, de 246 a 208 a.C., com uma altura em torno de 75 metros em forma de pirâmide
truncada, com uma circunferência externa em torno de mais de seis quilômetros e internamente em dois quilômetros
e meio. O mausoléu fora concebido como uma verdadeira cidade com base na capital Qin, Xianyang. Somente o
túmulo imperial, no centro desse complexo, ocupa uma área estimada em 170 mil metros quadrado, ou quase um
quarto da Cidade Proibida de Pequim.
Fig. – Parte do Exército Imperial de Terracota de Qin Shi Huangdi.

Mas quem foi esse imperador e com se deu a construção do primeiro império unificado da China? A ascensão da
Dinastia Qin se deu a partir de 256 a.C. e foi anexando, no seu crescimento de poderio, os reinos locais, seis ao todo,
Yan, Chu, Qi, Zhao, Han e Wei, até 221 a.C. Assim, foi unificada toda a região norte chinesa e deu término ao
Período dos Estados Combatentes. O regente de Qin, Zhao Ying Zheng (r. 247 – 210 a.C.) completou assim a
missão de reunificar todos na China sob o Mandato do Céu.
Zhao Ying Zheng, foi então o primeiro na história da China a ser proclamado como imperador (huangdi, 皇帝 )
da Dinastia Qin que suplantou todos aqueles que tinham sido vassalos da Dinastia Zhou. Além do título imperial, o
regente de Qin considerou seus eventos comparáveis aos primeiros Reis Soberanos da antiguidade, colocando-se o
primeiro (shi, 始 ) entre todos. Ao todo, ficou depois conhecido pelo seu título “Primeiro Imperador Qin”, Qin Shi
Huangdi ( 秦始皇帝 ), uma posição suprema entre a terra e o céu. Algo que todos os imperadores chineses
posteriores foram intitulados até Puyi em 1912.
Qin Shi Huangdi nasceu em meio a família real de Qin, a oeste dos reinos chineses ao norte. Seu pai e avô
tiveram um reinado curto e conturbado, alimentando as intrigas e conspirações ao poder. Qin Shi Huangdi ascendeu
ao trono de Qin com apenas 13 anos de idade e foi regido por um mercador e primeiro-ministro, Lu Buwei (c. 291 –
235 a.C.), com quem depois começou a desconfiar das suas ambições. Após ter assumido plenamente o poder Qin
em 235 a. C, passou a planejar uma ampla reordenação de seu reino e outros da região.
Assim, suas primeiras campanhas militares se deram sobre o reino de Han e ocupou a cidade de Yangdi em 230
a.C. Após seguiu para o reino de Zhao em 228 a.C. e, dois anos depois, conseguiu a rendição do reino de Yan. E
depois de ter controlado o reino de Wei, Qin Shi Huangdi tomou o controle da cidade de Luoyang e os
remanescentes da Dinastia Zhou ali residentes em 225 a.C. As forças do reino de Chu foram derrotadas em 223 a.C.
e, por fim, o estado de Qi, último resistente, foi derrotado e sua capital, Linzi, foi ocupada em 221 a.C.
O sucesso avassalador das ofensivas militares de Qin foram consequências de uma série de reformas políticas e
administrativas feitas nos anos anteriores no reino. Ali, ao contrário dos outros reinos, foi focado uma centralização
do estado, algo que depois irá ser estendida sobre todos os reinos derrotados por Qin Shi Huangdi e descartando a
estrutura de aliança locais como o foi na época de maior proeminência da Dinastia Zhou (1046 – 480 a.C.).
O reino Qin tinha introduzido novos conceitos administrativos, a seguir os preceitos do legalismo, conduzidos
pelo primeiro-ministro Shang Yang e por Han Fei. Criaram um sistema centralizado eficiente e baseado no mérito de
cada administrador, sem qualquer benefício com base de nome de famílias e hereditariedade. O governo Qin buscou
padronizar todo o sistema de pesos, medidas e moedas (até mesmo o tamanho do eixo das carruagens) do reino e
depois pelo império. Culturalmente, o reino Qin buscou também incentivar apenas um sistema de escrita e suprimiu
todas as manifestações e registros do passado dos outros reinos. No campo filosófico, naturalmente, escolheram a
escola legalista como a oficial, e todos os dissidentes foram perseguidos, como o ocorrido na perseguição e morte
aos pensadores chineses em 231 a.C. Livros de medicina, engenharia, guerra, divinização foram os únicos poupados.
Talvez o maior legado histórico do império Qin tenha sido um monumental projeto de engenharia voltado para
fins de defesa a garantir maior ordem e paz na sociedade, conforme busca o ideal legalista. A Grande Muralha na
verdade começou a ser emendada e juntada em suas diversas partes fortificadas dos reinos anteriores, que sempre
buscaram se defender das incursões de povos nômades ao norte da China. Sob o domínio Qin, a muralha começou a
se estender, ininterruptamente, desde Liaodong, na atual província de Liaoning no nordeste chinês, à província de
Gansu, mais ao noroeste, a incluir todo recém conquistado deserto de Ordos. Nos séculos posteriores, o
empreendimento será ainda mais ampliado e melhorado até a Dinastia Ming (1368 - 1644). Nesse sentido, o
império Qin conseguiu consolidar sua dominação em todo o norte chinês, a salvaguardar-se das invasões das estepes
asiáticas ao norte. E estendeu seu domínio também mais ao sul, até a ampla planície de Sichuan, no curso médio do
rio Yangzi e, descendo a jusante do rio em direção à costa, toda a região de Fujian, Guangzhou mais ao sul. As
forças de Qin chegaram até mesmo à região setentrional do atual Vietnã, na região de Hanói.
Mapa do império Qin (Ch’in) (221 – 206 a.C.).

Contudo, a ocupação e dominação efetiva de toda essa ampla região provou ser temporária, pois os militares qins
não se estabeleceram entre os povos locais. Por serem proibidos pelo imperador e leis de estabelecerem vínculos e
comércio, os militares Qin foram muito mais cavaleiros que saquearam e pilharam por onde dominaram. Após o
saque e dominação, partiram logo para outros locais, deixando quase intacta as relações de poder e economia local
[550]
.
Ademais, com as constantes campanhas ao longo dos anos, regiões que foram submetidas inicialmente
apresentaram-se presas fáceis para outros invasores, como no deserto de Ordos, como o fez o povo nômade dos
xiongnus, que passaram dali a expandir-se mais a leste e oeste da região fronteiriça. Para buscar assegurar-se
novamente em Ordos, o general Meng Tian (? – 210 a.C.), sob as ordens de Qin Shi Huangdi, buscou então
colonizar a região com planos de assentamento agrícola de prisioneiros e exilados. O que causou grande
descontentamento e rebeliões posteriores entre as comunidades assentadas, uma das razões para o declínio e fim da
dinastia imperial Qin em 206 a.C. Contribuiu muito para o enfraquecimento imperial o sucessor de Qin Shi
Huangdi, que faleceu em 210 a.C. aos 50 anos de idade em campanha militar, em que foi sucedido pelo seu filho,
Qin Er Shi (“Segundo Imperador Qin”, 秦二世 ) (r. 210 – 207 a.C.), um governante inepto e fraco no comando do
poder imperial, pois fora muito mais influenciado por decisões do conselheiro Li Si e do eunuco Zhao Gao de sua
corte. O fim definitivo do imperador Qin Er Shin veio após ter sido derrotado na batalha de Julu, em 207 a.C.,
contra as forças do estado de Chu. A rendição e destruição da capital Qin, Xianyang, um ano depois ao líder de Chu,
Liu Bang (r. 202 – 195 a.C.), provou ser o toque fúnebre do império Qin, e despontou a ascensão de uma nova
dinastia imperial de Han. Nesse sentido, a dinastia imperial Qin provou ser breve, apenas quinze anos de duração,
mas com efeitos duradouros na história chinesa.
Seus efeitos mais duradouros vieram das reformas políticas e culturais. A escrita chinesa passou a ser
uniformizada, apesar das variações dialetais. A reforma legalista na administração e governo tornaram o império Qin
um sistema eficiente e centralizado, mas também mais propenso a abusos autoritários sobre líderes e comunidades
locais, algo que foi deplorado pelos confucionistas posteriores pela falta de humanidade. O sistema de poder
centralizado revelou ser vulnerável a intrigas e conspirações de membros da corte, como conselheiros e eunucos,
quando não há um governante com liderança, algo que depois será recorrente na história chinesa.
China (Dinastia Han – 202 a.C. – 220 d.C.)
No período conturbado após a queda dos Qins, Liu Bang provou ser o líder proeminente do norte chinês. De
origens humildes, construiu sua carreira no meio policial. Em 207 a.C., rebeldes sob seu comando, inconformados
com a decadência do regime, puseram fim ao período imperial Qin. Apesar das tentações ao poder, Liu Bang
mostrou fidelidade ao seu chefe comandante antes de saquear os tesouros da capital imperial Qin, Xianyang, perto
da atual cidade de Xian. Contudo, posteriormente, Liu Bang sentiu-se insatisfeito por ter sido nomeado apenas como
governante de uma região meridional distante à época, ao longo do vale do rio Han.
O rei de Chu, figura real mais destacada da época e de onde vieram os rebeldes de Liu Bang, chegou a ser
assassinado por um de seus comandantes em 206 a.C., ocasião em que Liu Bang aproveitou para iniciar uma ampla
frente de combates civis. O primeiro ato de Liu foi partir de Han, seu reino, ao norte e atingir a região estratégica de
passes controlada pelos antigos reinos de Zhou e Qin, em que se encontram os rios Wei e Amarelo, chamada de
Guanzhong (“Região dos Passes”, 关中 ), na província de Shaanxi. Após alguns anos de conflitos, em 202 a.C.,
Liu Bang derrotou todos os seus rivais e proclamou-se fundador de uma nova dinastia imperial, a Han (202 a.C. –
220 d.C.).
Como imperador, Liu Bang passou a ser referido como Han Gaozu (“Grande Ancestral dos Hans”, 漢高祖 ), ou
simplesmente Gaozu. Apesar das devastações das guerras nos anos anteriores, o cenário foi propício para as
reformas políticas e administrativas de Gaozu. Os principais aliados e suas famílias foram devidamente
recompensados com terras e títulos de reis, de fato governadores dos reinos submetidos ao império. Essa tendência
centrífuga aparente, contudo, foi revertida após a consolidação da ordem e paz no império Han. Dentre de meio
século, todos os reinos que mantinham alguma autonomia foram efetivamente controlados por uma administração
centralizada imperial.
Uma vez no trono imperial e no poder, Gaozu começou a organizar e ampliar suas forças militares, chegando a
reunir mais de 300 mil homens de infantaria. Tal intento se mostrou necessário diante das crescentes incursões de
povos nômades do norte. Os embates com esses povos das estepes asiáticas, mostrou-se cada vez mais difícil, pois
esses já tinham se organizado em uma espécie de confederação chamada de Xiongnu, reunindo centenas de clãs,
tribos e nações diferentes. Apesar da evidente linha de defesa proporcionada pelos contínuos reforços e construções
da Grande Muralha, a fronteira setentrional da China da época se inseria numa ampla zona de transição de
comunidades e cidades sedentárias ao sul e povos que lidavam com a pecuária e semi-nomadismo ao norte. De fato,
a construção da linha de defesa nas muralhas chegou a avançar e incorporar região de povos nômades no norte
chinês, algo que até os dias atuais diferenciam-se em Mongólia Interior, dentro do território chinês, e a Mongólia
Exterior, além do deserto de Ordos e de Gobi, local de povos considerados como não chineses, ou súditos de Han.
Visando combater Xiongnu e manter a linha de defesa, Gaozu e seus sucessores Han implementaram um sistema
de conscrição e recrutamento obrigatório ao serviço militar a todos os homens em idade hábil, um ano de
treinamento e outro de serviços prestados. O que resultou num engrandecimento do Exército Imperial Han
principalmente na infantaria. Mas ainda assim, mostrou-se incapaz de enfrentar os arqueiros e montaria de Xiongnu,
mais ágil em campo e com alcance superior. Nesses embates problemáticos e duradouros contra a confederação dos
nômades, o próprio imperador, Gaozu, chegou a ser encurralado e preso numa montanha perto da atual cidade de
Datong, próximo à curva do rio Amarelo, no ano de 200 a.C.
Diante das dificuldades em submeter Xiongnu, os imperadores Han decidiram nas próximas décadas no segundo
século a.C. a buscar uma política de apaziguamento e negociação, ofertando aos seus chefes generosos presentes e
membros da família imperial a se casarem com chefes xiongnus. Essa política somente foi revista com a ascensão ao
trono chinês de Wu ( 武 ) ou Wudi (“Imperador Marcial”) (r. 141 – 87 a.C.), que governaria por 45 anos, maior
período de tempo de governo imperial na China até o século 18.
O imperador Wu, assim que subiu ao trono, buscou reformular a política para Xiongnu. O apaziguamento foi
rejeitado pois não impediram as continuadas incursões advindas do norte da Muralha. Ademais, a Dinastia Han
buscou readequar Exército Imperial, além da numerosa infantaria, no uso de melhores cavaleiros e de um poderoso
arco de maior alcance chamado de besta ou balestra. Novas estações e fortificações foram adicionadas à Grande
Muralha. O imperador Wu buscou, em termos estratégicos, contornar a confederação xiongnu, ampliando as bases,
muralhas e fortificações mais a nordeste, na região sul da Manchúria e norte da península coreana. E ao noroeste,
Wu despachou diversas embaixadas a buscar aliados nas regiões ocidentais, empreendimento que resultou nos
primeiros emissários chineses a chegarem além do deserto de Taklamakan e das Montanhas Pamir na Ásia Central,
chegando à cidade de Samarcanda, no Uzbequistão, em 101 a.C. e até mesmo na Pérsia (império parta à época).
Nesse sentido, houve um significativo avanço da presença han nas regiões ocidentais da atual China, em que
foram incorporadas e controladas as províncias de Gansu e Xinjiang (Turquestão Oriental ou Uiguristão). Os efeitos
mais notórios dessa expansão, visando enfraquecer Xiongnu, foi além do maior alcance imperial chinês, o
prolongamento da Grande Muralha rumo ao nordeste e noroeste, assim como, com a construção de estradas,
fortalezas, bases e guarnições, garantir maior ordem e estabilidade da região que se tornará essencial no comércio
com a Ásia Central e regiões mais ao Oeste, no que depois foi chamada de Rota da Seda. Ao final desse processo
durante a Dinastia Han, Xiongnu começou a se desintegrar ao ter seu sistema de alianças e tributos interrompidos
por volta de 73 a.C. Mas os custos desse enorme empreendimento foram lesivos ao tesouro imperial Han. Apesar de
novas rotas comerciais terem sido abertas, a vender a seda e outros produtos chineses ao mundo, em troca de vidros
do Mediterrâneo e uvas da Pérsia, a economia Han começou a mostrar sinais insustentáveis de endividamento. Para
tanto, foram propostos novos impostos de monopólio sobre certos produtos, como o sal, minas, ferro, álcool e
cunhagem de moedas. Um relato singular do debate entre os legalistas dessa nova política econômica sobreviveu à
passagem do tempo, e foram publicados como “Debates sobre o Sal e o Ferro” (yán tiě lùn, 鹽鐵論 ), de 81 a.C. [551]
Mapa – As expansões do império han na China (202 a.C. – 220 d.C.).

O confucionismo ganhou forma canônica conforme decretado pelo imperador Wu em 136 a.C. Nesse sentido,
mestres e professores foram designados a ensinar os Cinco Clássicos confucianos [552], e foram criadas academias
que, ao final do período Han, chegou a reunir cerca de 30 mil estudantes advindos de todo o império, além de
ocasionais coreanos, vietnamitas e japoneses. Para a admissão nesses centros, foi sistematizada uma série de
exames aos candidatos que, se aprovados, ocupariam influentes postos de administração pública imperial. Essa
condição pública acarretaria em elevado status ao funcionário. E tal propósito foi ambicionado pelas tradicionais e
prósperas famílias a terem seus filhos admitidos nessa carreira.
Com o passar do tempo, os valores confucianos foram inseridos como base ideológica do estado e sociedade
chinesa do período Han. No último século a.C., valores dessa corrente foram fixados nas portas de construções
públicas e algumas casas de cada cidade e vilarejo. E seguindo os preceitos de fidelidade familiar e ancestral, todos
aqueles que teriam perdido um familiar, seriam dispensados temporariamente dos trabalhos compulsórios ao estado.
A ideologia confucionista forneceu ao estado Han uma forma de legitimidade, ancorada no passado em torno de
obras clássicas chinesas. Os clássicos, nesse propósito, foram incorporados e reinterpretados, principalmente por
Dong Zhongshu (179 – 104 a.C.) que sistematizou as ideias confucionistas, relacionando-as à um sistema de ordem
cósmica, imperial e social. Em que foi exaltada a estrutura política imperial com a ordem natural. A obediência à
hierarquia que remete ao imperador Han seria reflexo natural da ordem da natureza do universo, garantindo assim,
ao bom andamento dos eventos e estações naturais a evitar imprevistos e catástrofes como enchentes, tempestades e
secas.
Uma das propostas dessa linha de pensamento renovado foi a de que a ordem cósmica, das forças naturais e
mundo dos espíritos estava intimamente ligado apesar de separado em três domínios separados de existência: o do
reino dos céus (acima), o reino da terra (abaixo) e o reino dos homens entre os dois. O céu e a terra possuem ritmos
cíclicos governados pelas forças polares do yin (força escura e feminina) e yang (força brilhante e masculina) e pela
influência das cinco forças materiais: água, fogo, terra, madeira e metal.
Esse reino natural era em grande parte um sistema equilibrado e autocorretivo que se harmonizava em ritmos: o
dia, mês, estações, ano e assim adiante. Nesse jogo de equilíbrio, a humanidade seria uma espécie de governador. A
ação humana, principalmente através de rituais e boa governança, poderia manter essas forças em harmonia. Erros
humanos causariam perturbações e desordens naturais: estrelas cadentes, cometas, terremotos, enchentes. O
regulador central da esfera humana era o imperador chinês. Não poderia ser concebível, portanto, a cada indivíduo
inventar e seguir suas próprias diretrizes e ideias. Caberiam aos sábios, ao longo dos tempos, traçarem as formas
apropriadas de confluência entre padrões humanas e naturais, a assegurar as cerimônias e rituais a manter a ordem e
justiça humana e cósmica. Como dito, o imperador era o pivô de toda a humanidade. Suas ações, respeito e
observância aos rituais, seu caráter e política, deveriam sincronizar com todo o reino dos homens. Se os atos do
imperador fossem desviados, toda a humanidade sofreria com a desordem da natureza e do cosmos.
Esse pensamento de Dong Zhongshu conferiu, pois, ao governante um papel de grande extensão e
responsabilidade. Ao ressaltar a centralidade do imperador, Dong deu-lhe uma importância singular dentro de um
contexto social hierárquico, conservador aos costumes e rituais, a garantir a ordem natural e cósmica, apropriado à
ideologia confucionista. Mas, apesar de exaltar a posição do imperador, também propôs que haveria deveres
cósmicos a serem rigorosamente obedecidos e executados. Qualquer sinal de anomalia natural e cósmica poderia ser
interpretado como sinal de desordem iminente ou erro do regente, possibilitando questionamentos políticos por parte
de seus rivais e ministros.
Essa estrutura ideológica não significou uma adoção, por sua vez, da obediência irrestrita conforme defendia o
legalismo. O confucionismo de Dong considerava, na essência de cada indivíduo, a liberdade inata de escolha e
arbítrio, a refletir suas convicções e princípios. Nesse sentido, o taoísmo conjugou-se ao sistema ideológico
consolidado na época. O indivíduo, assim, poderia buscar harmonizar-se com a natureza e o universo, em estado de
perfeita serenidade e sem tensão, um modo de não-agir, inação (wuwei, 无 为 ), algo que resguardaria aquele que
desejasse não obedecer às obrigações da sociedade e política. Uma aparente contradição com as exigências de
obediência e ordem ao estado e hierarquia preconizada pelo confucionismo e legalismo.
Isso não impediu de surgir desde o 2 século a.C. uma forma ideológica que incorporou elementos do taoísmo e
do legalismo, o sistema Huang-Lao( 黄老 ). Sistema esse que com o tempo foi se tornando a principal ideologia de
governo, pois defendia a obediência e senso hierárquico, com uma certa margem para o indivíduo buscar o caminho
próprio de harmonia com a ordem natural. Uma das mais célebres seguidoras desse sistema foi a imperatriz viúva
Dou (r. 157 - 141 a.C.) , após a morte de seu esposo, o quinto imperador Han, Wen (180 - 157 a.C.) [553]. As tensões
entre a imperadora viúva e Wu começaram a ficar evidentes com base nas discordâncias ideológicas dos dois. Na
morte do pai do imperador Wu em 141 a.C., Wu quis respeitar a tradição fúnebre e ordenou aos seus ministros que
realizassem sacrifícios e oferendas ao Céu no Monte Tai, algo que não era realizado desde os tempos do primeiro
imperador Qin, Shi Huang. A imperatriz Dou nada gostou do ato e mandou um recado ao seu neto, o imperador Wu,
de que os ministros que assim fizessem seriam sumariamente demitidos de seus cargos, julgados e presos. Apesar
das desavenças com sua avó, Wu conseguiu levar adiante seu círculo político e ideológico, ainda mais depois da
morte da imperatriz em 135 a.C.
Com as inquietações crescentes das obrigações a serem respeitadas pelas tradições, o imperador Wu passou a
ficar impaciente com as possíveis acusações de erros e desordens. Com a morte de sua avó, Wu passou a pedir a
Dong Zhongshu a elaborar melhor seu pensamento, ao que o pensador elaborou um longo memorial de frases e
contos confucionistas do passado confucionista. Em determinado momento, Dong passou a se concentrar num
governo de reforma, claramente a persuadir o imperador a fazer uma varredura no governo a afastar funcionários e
ministros corruptos e ineptos. E um dos pilares dessa necessidade de reforma seria a seleção de novos funcionários
para a entrada no governo imperial. Ao que depois se tornou como uma das maiores tradições chinesas (que
perdurou até 1905), o sistema de exames por mérito para a admissão ao funcionalismo público. O imperador, sendo
a figura central da ordem na humanidade, atuaria como examinador chefe nas fases finais.
Com as reformas de Dong, o sistema confucionista ganhou novo fôlego na corte chinesa, possibilitando aos
reformistas e conservadores expressarem suas insatisfações e convicções no estado imperial chinês. As
considerações sobre a antiguidade e o rigor dos ritos passados poderiam ser questionadas com base na ordem e boa
governança do imperador. Dissidentes do pensamento de Huang-Lao e antigos legalistas foram gradativamente
isolados ou perseguidos na China. Com esse novo pensamento, foi provavelmente com base nas ideias de Dong que
a partir de 135 a.C. a Academia Imperial (Taixue, 太學 ) (fig.), responsável pelo pensamento oficial e ideológico do
estado chinês, a partir de seus mais graduados membros selecionados pelo sistema de concursos públicos, passou a
endossar e legitimar a estrutura chinesa de poder. Em suma, o confucionismo reformado de Dong Zhongshu passou
a ser a ideologia ortodoxa do estado da Dinastia Han.

Fig. – Prédio das salas de ensino da Taixue (Academia Imperial), símbolo maior dos exames imperiais e da ideologia confucionista, como se encontrava em
Pequim em foto tirada em 1907.

Uma vez estabelecido como ideologia do estado, o confucionismo passou a se popularizar entre a sociedade
chinesa, indo além da corte e dos altos funcionários e ministros. Jovens de todas as origens sociais que alimentavam
o sonho de mudança e prestígio, passaram a estudar e se familiarizar com as ideias reformadas de Dong, e de alguns
textos clássicos confucionistas requeridos para o sistema de exame de admissão imperial. Para aqueles que
desejaram chegar a cargos mais altos do governo, era necessário o profundo estudo dos textos confucionistas,
daqueles que eram selecionados pelos mestres e professores da academia imperial por vários anos. Esse conjunto de
pensadores que estabeleceram a doutrina confucionistas dos tempos da Dinastia Han não passaram de duzentas
pessoas, mas foram fundamentais para consolidar o confucionismo ao ponto da China imperial de Han ser referida
depois como China confucionista. Existem boas razões para isso, mais do que qualquer outro período da história
chinesa. No sentido de que os textos confucionistas e de seus seguidores passaram a ser a base ideológica que
selecionou aqueles que depois passariam a administrar o estado chinês em todos os níveis.
Isso não significou, contudo, que todos os rigores dos primeiros escritos de Confúcio foram aplicados ao
governo. O pensamento confucionista havia sido reformulado para as práticas burocráticas na Dinastia Qin. E nos
tempos de Han, houve um corpo de administradores e funcionários que passaram a adequar ainda mais a doutrina
confucionista para a aplicação da lei em termos locais e da cobrança de impostos, algo que muitas vezes apontava
para as tradições do legalismo confucionista dos séculos anteriores. Mas ainda mais grave, o ideal confucionista de
plena piedade, lealdade e ética nos negócios públicos acabou degenerando em condutas abusivas e corruptas dos
funcionários, desgastando a legitimidade do estado Han aos olhos da sociedade. Esses degenerados funcionários
públicos, membros privilegiados da sociedade chinesa, acabaram privilegiando cada vez mais os favores familiares e
de amigos nos negócios do estado, tornando a corrupção algo endêmico em todos os níveis políticos da era Han e
sempre à espreita nos séculos posteriores na história chinesa. Os avisos de Dong Zhongshu ao imperador Wu
pareciam ecoar cada vez mais forte diante desse cenário decadente, ao insistir nos conselhos das virtudes de um
imperador contra a natureza corruptível e desordeira do ser humano:
Um regente autêntico deve escutar o Céu e seguir seus decretos. A educar as pessoas para completar sua natureza e defender a lei para manter a
ordem e vigiar os desejos (...) feito isso, o regente garantirá uma fundação sólida para seu império (tradução nossa) [554].

Essa divergência entre os ideais confucionistas reformados de Dong Zhongshu e a realidade do governo
burocrático do período tardio da Dinastia Han marcam a história chinesa nos primeiros séculos de nossa era. Isso em
parte se explica pela própria ideologia confucionista proposta por Dong e como ela legitimou um sistema
centralizado e burocratizado por funcionários aprovados nos exames confucionistas. Nesses exames, cobrava-se os
clássicos e estudos confucionistas, privilegiando aquelas mentes brilhantes para a teoria, mas com pouco veio para
as questões práticas. Gerações de funcionários públicos, portanto, acabavam tendo que defrontar com questões
práticas e de gestão local, desde contabilidade a questões de propriedades e tributos, disputas e desavenças em geral
onde era lotado. Muitos desses funcionários tornaram-se cínicos e interessados apenas nas virtudes pessoais, sem
qualquer compromisso público. Outros temiam em responder às demandas de seu cargo com ortodoxia
confucionista, reforçando ainda mais a rigidez da hierarquia do poder local e do império. Dong, em parte, foi
responsável por essa degeneração. Ao reconfigurar o confucionismo através da teoria dos cinco elementos e das
forças yin e yang, criou uma ideologia centrada na figura do imperador que podia tornar-se num autocrata. Embora
fosse atrativo para o imperador Wu, essas ideias acabaram endossando a ordem e hierarquia a qualquer custo, sem
maiores preocupações com o cultivo das virtudes e da ética dos governantes e funcionários. Enfraqueceu a ênfase na
autotransformação pessoal essenciais para a ética confucionista, fortalecendo o egoísmo e arbitrariedade da política
chinesa.
O reinado do imperador Wu da Dinastia Han durou até sua morte em 87 a.C. Foi sob seu trono que a China
conheceu uma notável expansão territorial ao norte, sobre a nação de Xiongnu, avanços sobre os territórios ao oeste,
controlando as prósperas rotas comerciais terrestres para a Ásia Central e além, e regiões ao sul até o que hoje é o
norte vietnamita. Talvez tenha sido o sonho de Wu emular o Primeiro Imperador Qin, Huangdi, mas os custos de sua
política começaram a fazer efeito nas receitas do estado e no crescente problema administrativo do vasto território
controlado. Após Wu, a Dinastia Han não conseguiu mais recuperar a paz e ordem dos anos anteriores. Pressões de
alguns funcionários e ministros por reformas mais pragmáticas no veio do legalismo confucionista tornaram-se cada
vez mais evidentes, diante do quadro de corrupção e decadência do estado. O mais notável legado desse período foi
a obra inovadora de um literato, Sima Qian (c. 145 ou 135 a.C. – c. 86 a.C.), que escreveu sobre a história chinesa
desde os primórdios míticos da figura do Imperador Amarelo aos seus dias entre 109 a.C. e 91 a.C. A obra, Shiji( 史
记 ) (fig.), é marcada pela clareza histórica e dividida em seções de assuntos específicos como música, cerimônias,
calendários, religião, economia e biografias. Sima Qian irá influenciar toda a posteridade chinesa pela sua qualidade
literária e histórica, comparável no Ocidente à Heródoto e Tucídides.
Fig. – Primeira página da monumental obra de Sima Qian, Shiji.

No final do primeiro século a.C., uma série de imperadores da Dinastia Han mostraram-se incapazes e
inexperientes diante dos desafios que a China se encontrava. Por volta do ano 1 a.C., uma criança subiu ao trono
imperial e um regente, Wang Mang (45 a.C. – 23 d.C.), foi a ele designado. Wang Mang não fora apenas um homem
instruído no conhecimento e virtudes dos seguidores de Confúcio, mas alimentava um ardor por reformas
substantivas. No ano 8 d.C., Wang Mang resolveu tomar o poder e fundar uma nova dinastia revigorada, chamada de
Dinastia Xin (“Nova Dinastia”) que perdurou apenas até sua morte em 23 d.C. Mas foi durante esse período que
foram instituídas diversas reformas destinadas a restaurar as instituições chinesas inspiradas no auge da Dinastia
Zhou (c. 1046 a.C. – 256 a.C.). A curta existência de Xin talvez tenha sido causada pela morte de seu líder, mas
certamente foi impactada pela série de desastres naturais que assolaram a China do norte com o transbordamento do
Rio Amarelo, mudando drasticamente seu curso a desaguar no mar não mais na baía de Bohai ao norte da península
de Shandong, mas ao sul da mesma. O custo humano dessa tragédia foi enorme. Incontáveis vilas e comunidades de
camponeses foram devastados e muitos morreram decorrente da fome gerada em consequência. Milhões migraram
do norte chinês para as terras ao sul, nas planícies de Sichuan e além do vale do Rio Yangzi, em regiões mais
quentes e florestais. O custo desse desastre foi fatal para Wang Mang. As revoltas foram inúmeras, assim como
acusações contra seu desmando imperial apontado pelos sinais naturais. Eventualmente, Wang Mang foi morto em
23 d.C. e sua dinastia chegou ao fim.
Reinos Combatentes na China (século 3 d.C.)
No período de confusão e desordem que a China atravessou nas primeiras décadas de nossa era emergiu um
outro líder, Liu Xiu, que depois ficou conhecido como o imperador Guangwu (r. 25 – 57 d.C.), de uma linhagem
lateral do clã dos Lius, descendentes do fundador da dinastia de Han, Liu Bang. Guangwu resolveu retornar à antiga
dinastia de Han e continuar as tradições de seus antepassados. O imperador, no entanto, por considerações
estratégicas, resolveu mudar a capital de Chang’an mais para o leste, para Luoyuang, local da antiga capital dos
tempos da dinastia de Zhou. Por isso, posteriormente, essa dinastia foi chamada de Han Oriental (25 d.C. – 220
d.C.), a diferenciar dos antigos hans.
O reinado de Gaungwu mostrou-se eficaz no estabelecimento da ordem imperial, mas isso não impediu a lenta e
inexorável ascensão de rebeliões e dissolução política. O mais notável desses movimentos veio de clãs que tinham
acumulado poder sobre decisões governamentais locais e influência na corte imperial, cenário que se assemelhou ao
ocorrido nas regiões orientais durante a Dinastia Zhou oito séculos antes. Entretanto, o golpe mais decisivo contra a
renovada Dinastia Han de Guangwu foi a disputa na própria corte imperial entre grupos de funcionários e ministros
graduados da Academia Imperial confucionista e os eunucos. Estes tinham desempenhado um papel crescente na
política da corte. Eram cultivados pelos imperadores pois, como eram castrados, podiam ser guardiões confiáveis do
harém imperial. Contudo, o papel dos eunucos na corte interna dos imperadores deu-lhes influência decisiva e
singular nos círculos íntimos da corte e da estrutura imperial. E com o tempo, o número de eunucos passou a ser
cada vez mais numeroso. Os confucionistas, por sua vez, se viam como candidatos legítimos aos altos cargos de
poder, e ressentiram-se do papel dos eunucos, acusando-os de degenerados e corruptos advindos de sua natureza
castrada e não cultivada nos estudos.
A escalada dessas disputas, entre confucionistas e eunucos, trouxe com o tempo instabilidade na corte imperial
de Han Oriental. No segundo século d.C. foram inúmeras as perseguições contra acusados de conspirar contra o
imperador e a tradicional ordem chinesa. Em torno do ano de 170 d.C., vários estudantes confucionistas da
Academia Imperial foram vítimas. Em 189 d.C., dois mil eunucos foram mortos por vingança. Esse caos político
enfraqueceu o poder em Luoyang, dando ensejo a uma série de rebeliões de clãs e líderes locais nas províncias do
império. Muitos desses movimentos foram inspirados por insatisfações diante da crescente concentração de riqueza
e poder nas mãos de poucas famílias privilegiadas e desilusão diante da falta de moralidade de funcionários
confucionistas. O mais notável desses movimentos foram os chamados Turbantes Amarelos que entre 184 e 205
(mapa) lutaram e defenderam uma renovada crença taoísta que tinha se espalhado pela China. Essa nova forma de
pensamento fundia os ensinamentos derivados dos textos de Laozi, as ideias de Huang-Lao, os rituais aos ancestrais
da antiga Dinastia Han e das artes associadas às tradições do fangshi( 方士 ) [555].

Mapa – Extensão das lutas dos Turbantes Amarelos em 184 d.C.

As rebeliões dos Turbantes Amarelos minaram definitivamente a dominação da Dinastia Han Oriental. A isso se
juntou os outros fatores analisados que contribuíram para o fim da ordem imperial chinesa no início do terceiro
século de nossa era: disputas e desunião na corte entre confucionistas e eunucos, rebeliões populares como a dos
Turbantes Amarelos, líderes e clãs regionais que passaram a concentrar o poder local, a insatisfação popular contra a
concentração fundiária e a decadência dos valores e costumes dos funcionários do governo imperial. Em 191 d.C.,
um líder militar chegou à capital imperial, Luoyang, saqueou e queimou suas riquezas e acervos da biblioteca
imperial. Sedas, mapas e livros foram usados como cortinas e sacos pelos seus soldados. Em outras regiões da
China, exércitos rebeldes carregaram cabeças de homens e levaram as mulheres nos cavalos como presas de guerra
[556]
. Essa narrativa veio de linhas escritas de testemunhas horrorizadas e prisioneiros feitos, como o caso de uma
mulher da corte imperial que acabou sendo vendida para viver com um príncipe de Xiongnu. Depois de seu resgate,
essa escritora nos narrou que toda a biblioteca particular de seu pai, de mais de quatro mil rolos de livros foi perdida.
A queda final dos hans, eventualmente, veio no ano de 220 d.C., levando a um período de desagregação e
desunião na China. Mas o caos político já estava evidente na China nos anos finais do segundo século de nossa era.
Em 196, havia treze poderes independentes que disputaram entre si as ruínas do que restava do império chinês.
Alguns desses poderios eram apenas temporárias associações de exércitos que buscavam saquear e pilhar na medida
que avançavam pelo interior da China. Mas houve entre outros líderes com notável senso de estratégia e liderança.
Um deles, talvez um dos mais famosos da história chinesa, foi Cao Cao (155 – 220) (fig.), cujo pai fora um filho
adotivo de um importante e influente eunuco na corte Han. Cao Cao usou desses contatos para influenciar membros
restantes da corte imperial e de outros líderes regionais para impor sua dominação sobre todo o norte da China
(mapa). Em 207, chegou a controlar possivelmente metade da população chinesa. Foi somente depois da morte de
Cao Cao em 220 que seu filho, Cao Pi, teve a audácia de destronar finalmente o último imperador Han e se
proclamar como imperador fundador de uma nova dinastia, chamada de Wei (Uei, 魏 , ou Cao Wei, 曹魏 , 220 -
266, para distingui-la de outra dinastia anterior chamada também de Wei).

Fig. – Cao Cao recitando poesia logo antes da Batalha dos Penhascos Vermelhos. Grande Corredor do Palácio de Verão, Pequim.
Mapa – As extensões da Dinastia Cao Wei (Wei) (amarelo) no norte em meio aos outros reinos chineses, Shu Han e Wu, em 262 d.C.

À medida que o tempo passou, o reino de Cao Wei se estabilizou juntamente com outros reinos mais ao sul da
China, esses referidos como o de Shu Han e de Wu, mais ao litoral. Foi, portanto, diante disso que a história chinesa
passou a chamar esse tempo de Período dos Três Reinos ( 三国 )(220 – 280). O reino de Wu havia se estabelecido
ao longo do rio Yangzi, com sua capital em Nanjing (ou Nanquim); e o reino de Shu Han (221 – 263) no sudoeste,
atual região de Sichuan. Shu Han era uma clara referência à antiga Dinastia Han, uma vez que seus reis
reivindicaram serem descendentes da antiga linhagem imperial. Mas esse período da história chinesa ficou
imortalizada na ficção e literatura como a era de guerras heroicas e estratégias militares, numa das obras mais
conhecidas dos chineses, o Romance dos Três Reinos ( 三国演 义 ) (fig.). Embora a obra tenha sido escrita séculos
mais tarde, sendo a primeira edição do romance datando do início do século 16, o livro é uma releitura fictícia da
história do período, com a figura de Cao Cao se destacando como líder ardiloso e hábil na movimentação
estratégica, militar e política, como ocorreu na famosa Batalha dos Penhascos Vermelhos (ou Batalha de Chibi) no
ano de 208 e 209. Outras obras do Período dos Três Reinos também foram destaques no campo da filosofia,
literatura e artes. Um dos filhos de Cao Cao, Cao Zhi (Zijan), foi um notável poeta que marcou o estilo de literatura
chinesa, o estilo de Jian’an.

Fig. – Ilustração da Dinastia Ming do Romance dos Três Reinos de 1591.

Outra figura de destaque da época foi Ruan Ji (210 – 263), um dos célebres personagens históricos da China
dos chamados “Sete Sábios do Bambu”. Ruan Ji escreveu e levou uma vida de abstração das convulsões sociais do
mundo em que vivia. As explicações acerca do mundo passaram a focar mais a metafísica invés da ordem política e
social como o confucionismo. O taoísmo passou a ser mais popular, com ênfase nas explicações acerca da
transitoriedade das coisas, do efêmero, da finitude da vida. Um certo cinismo passou a ser voga, quando se dizia à
época de que tanto o tirano quanto o sábio iriam morrer por igual. A libertinagem, a bebedeira, o hedonismo e as
drogas passaram a ser parte do cotidiano de pensadores e artistas. Era comum o desrespeito às tradições e decoro
confuciano (presentes no conceito ideal do li, 禮 [557]). Outra anedota da época contava sobre os devaneios de um
personagem a refletir sobre o mundo num carrinho de mão com um jarro de vinho e um servo com uma pá, instruído
a enterrá-lo onde quer que morresse. Ao mesmo tempo, criou-se um clima de hipocrisia para aqueles que almejaram
ser aprovados nos exames imperiais, a estudar e refletir sobre o pensamento ideal confucionista. Ruan Ji, como tal,
representou bem essa figura contraditória, ao pretender atacar a falta de valores e falsidade entre os estudiosos e
funcionários do governo.
Em 266, o reino de Cao Wei foi usurpado por um líder militar, Sima Yan (236 - 290), que fundou uma nova
dinastia chamada de Jin Ocidental (266 – 316). Em 280, esse reino passou a expandir suas fronteiras e invadiu os
outros reinos chineses, com a subjugação final de Wu no sudeste. O império chinês parecia ter sido reunificado mais
uma vez, mas isso provou ser efêmero, durando pouco mais de uma década antes de se fragmentar novamente. O
próprio Sima Yan tinha aprendido com a facilidade com o seu golpe palaciano e após subir ao trono - como
imperador Wu de Jin - começou a apontar diversos parentes próximos como herdeiros e príncipes. Eventualmente,
em vez de solidificar a dinastia, criou-se as condições para lutas e disputas dentro da própria família imperial de Jin
Ocidental depois que o fundador da dinastia morreu em 290. A unidade imperial de Jin logo se fragmentou entre
príncipes que almejaram o trono imperial e muito da força militar desses disputantes advinha de mercenários e
cavaleiros de regiões de seminômades ao oeste e norte da China.
O exército chinês, desde os tempos da Dinastia Han, era composto por fileiras de soldados conscritos. Mas
desde então, a partir do primeiro século de nossa era, o alistamento havia deixado de ser praticado em favor de
exércitos profissionais muitas vezes de povos de minorias étnicas nas margens das extensões chinesas. Grande parte
da defesa da fronteira norte chinesa era responsabilidade de aliados nômades, que haviam se estabelecido dentro das
fronteiras do império han num cinturão que estendia desde a Manchúria ao leste até o norte do Rio Amarelo ao
oeste. No fim do terceiro século d.C., com a implosão da unidade imperial chinesa em meio às guerras civis
prolongadas, esses guerreiros não-chineses começaram a tomar controle dos campos de batalha. Em 304, um líder de
Xiongnu proclamou-se governante de um estado independente no norte da China. Em 311, a capital de Jin Ocidental
em Luoyang caiu e, cinco anos depois, a histórica cidade de Chang’an foi também capturada. Em pânico, a corte de
Jin fugiu e mudou-se para Nanjing [558]. Algumas décadas depois, em meio ao caos que a China se encontrava, o
renomado poeta chinês da época, Xie Lingyun (385 – 433), em seu típico estilo austero e rapsódico chamado de fu,
expressou certo desespero e busca na natureza:
quanto às minhas
casas no norte e no sul,
inacessíveis exceto através da água:

olhe profundamente no vento e nuvem


e você conhecerá o seu reino totalmente.
(tradução nossa) [559].

A essa altura da história, eventos dramáticos ocorreram em outras partes do mundo. Nômades da Ásia Central
haviam se expandido pelas estepes ao oeste, como os godos, fugindo das depredações dos hunos, atravessaram o Rio
Danúbio na Europa e fustigaram as fronteiras do império romano. No caso da China, embora não tivesse sofrido
maiores invasões muito além de suas fronteiras, esses povos nômades fizeram sentir seu impacto na história. A partir
do terceiro até o sétimo século, a unidade e ordem imperial chinesa foi destruída. Haveria mais de trinta dinastias na
China entre o período, vinte e dois dos quais com governantes não-chineses.
China (265 - 618)
A China estava, portanto, dividida em três estados no século 3 de nossa era, cada um governado por um poderoso
senhor da guerra e batizado com o nome de um estado que existia na área cerca de quinhentos anos antes. Norte do
rio Yangzi foi o maior estado, o reino de Wei, que reivindicou o trono da Dinastia Han porque Xiandi (r. 189 – 220),
o último imperador han, legou seu título ao filho do primeiro senhor da guerra de Wei. No sudoeste, centrado na
província de Sichuan, ficava o reino de Shu, governado por outro ramo da família han. O terceiro reino, um estado
chamado Wu no sudeste, não tinha nenhuma reivindicação histórica para governar a China, mas agiu assim de
qualquer maneira apenas pelo poder. Por sessenta anos esses três reinos disputaram entre si o controle de toda a
China. Aventureiros militares ganharam reputação como heróis e desenvolveram um código de cavalheirismo entre
si.
O fim da desse período chamado de Três Reinos chegou a partir de 263 quando o exército de Wei subjugou Shu.
No entanto, o triunfo de Wei teve vida curta porque seus governantes nunca conseguiram conter o poder dos
aristocratas do norte. Um deles, Sima Yan, derrubou o monarca Wei em 265 e fundou a Dinastia Jin. Quinze anos
depois, em 280, ele conquistou Wu e trouxe toda a China de volta sob um único governante. Os próximos dez anos
trouxeram paz e prosperidade à terra, mas após a morte de Sima Yan, em 290, três de seus filhos e vários outros
parentes começaram uma luta pelo poder para o trono que mergulhou novamente a China na guerra civil.
A China se encontrava no caos em fins do terceiro século de nossa era. Nações de nômades e seminômades de
não-chineses, chamados de Hu ( 胡 ), tradicionalmente categorizados em cinco - Xiongnu, Jie, Xianbei, Di e Qiang
– agora passaram a atuar cada vez mais nas fronteiras e onde era oportuna a possibilidade de riqueza e poder. Mas
referir a isso como invasão poder ser exagero, pois muitos desses povos já tinham imigrado séculos antes,
convidados por oficiais à procura de mercenários e mão-de-obra. Em 304, uma comunidade de Xiongnu que vivia
em Shanxi atravessou a Grande Muralha e estabelecerem seu próprio estado, chamado de Dinastia Zhao (ou Chao,
304 - 329). Durante os 150 anos seguintes, cinco tribos bárbaras - três da Mongólia e duas do Tibete - invadiram
regularmente, saquearam e ocuparam a planície do norte da China. Dezesseis reinos governados por chineses e não-
chineses prosperaram e decaíram em diferentes partes do norte da China durante esse período, cada um deles
durando apenas alguns anos antes de ser derrubado por um rival.
No meio da confusão e desunião que a China se encontrava, fragmentada em dezesseis reinos, um general se
destacou. Ele era um tibetano de formação chinesa, Fu Jian (338 – 385). Em 357, ele assumiu o comando do
exército em seu estado, chamado de Qin Tardio (351-394), e começou a gradativa conquista de seus vizinhos. Um
excelente organizador e estrategista, Fu Jian reuniu tibetanos, chineses nativos, remanescentes dos xiongnus e outra
tribo mongol, os xianbeis, resultando numa formidável força militar. Ele também rompeu com a tradição criando
uma infantaria; essa ideia era um anátema para os mongóis que sempre lutavam montados, mas fazia sentido para os
chineses e tibetanos que estavam acostumados a viajar a pé. Esta infantaria provou ser mais eficaz do que a cavalaria
quando se tratava de tomar cidades fortificadas.
Em 376, o exército de Fu Jian havia conquistado todo o norte da China. Ele governou as duas capitais
tradicionais, Luoyang e Chang'an, e controlou as lucrativas rotas comerciais ao Ocidente. Mas isso não lhe foi
suficiente; como Sima Yan, Fu Jian teve um sonho de restaurar o esplendor do império han, com ele no trono. Em
383, ele marchou para o sul com um exército que supostamente contava com quase um milhão de homens - muito
mais do que os governantes Jin podiam reunir. Mas seus cavaleiros, acostumados com as montanhas e as terras das
estepes do norte, enfraqueceram-se no calor subtropical e a expedição atolou nas planícies encharcadas ao longo do
Yangzi. Então os sulistas, muitos sob comando da Dinastia Jin Oriental (266 - 420), em menor número começaram a
atacar unidades isoladas do exército do norte e subornaram outras unidades para desertar. Esses também espalharam
rumores falsos sobre o tamanho deles que fizeram com que grande parte do exército do norte entrasse em pânico. Na
batalha do rio Fei em novembro de 383, na província de Anhui, os sulistas ganharam usando a guerra psicológica
tanto quanto usando a força. Fu Jian bateu em retirada. Quando viram que esse líder fugia, inimigos dele no norte
pegaram em armas. Em um ano, o norte dividiu-se em cinco pequenos reinos e Fu Jian foi vítima de um assassino
organizado por um traidor tibetano em 385.
Em 397, os tuobas, um clã pertencente aos xianbeis, fundaram um reino em Shanxi, chamado de Wei do Norte.
Nos quarenta anos seguintes, esses conquistaram outros seis estados, reunindo todo o norte chinês no processo.
Então passaram a avançar para o sul, chegando às margens do rio Yangzi, mas dali não conseguiram ultrapassar. Os
tuobas deixaram sua marca na cultura chinesa. Deles veio o grande chapéu mais tarde usado pelos aristocratas
chineses, decorado com rabo de zibelina e penas de faisão. Cavaleiros chineses substituíram suas roupas com tecidos
folgados, saias compridas e sapatos baixos (fig.) (o hanfu( 漢服 ), “roupas de Han”) pelas túnicas, calças e botas dos
intrusos. Outra invenção dos nômades que provou ser muito útil foi o estribo, que deu aos cavaleiros uma
estabilidade muito mais firme na sela.

Fig. – As tradicionais vestimentas de Han, o hanfu, de Sima Yan (236 - 290). Pintura do século 7.

Entretanto, no sentido inverso, o impacto da cultura chinesa nos tuobas foi ainda mais dramático. Desde o início,
os tuobas sabiam que estavam em uma situação bastante precária, governando um estado onde a população era 99%
chinesa, 1% mongol. Eles haviam conquistado o trono através do uso superior de armas, mas para que não
precisassem depender apenas da força, praticaram uma política de sinicização. Os tuobas adotaram tão
completamente os costumes, a língua, a escrita, o governo, o budismo da China que, em uma geração, não se podia
dizer a diferença entre os tuobas e os chineses. Os últimos passos na conversão do povo tuoba veio do imperador
Xiaowen (r. 471 – 499, cujo nome original era Tuoba Hong). Em 493, Xiaowen mudou a capital para quase mil km
ao sul de seu local original em Datong, para Luoyang. Em 496, o imperador decretou que o nome "Tuoba" não seria
mais usado, e tomou para sua família o sobrenome chinês de "Yuan".
Ao sul do rio Yangzi, a Dinastia Jin sobreviveu até 420, governando de uma cidade que mais tarde seria chamada
de Nanjing (literalmente "Capital do Sul"). O sul da China permaneceu unido, mas uma dinastia seguiu outra em
rápida sucessão. A reunificação do norte sob o Wei dos tuobas não pôs fim à turbulência. O norte e o sul tinham sido
divididos o tempo suficiente para que culturas e dialetos separados se desenvolvessem. Os governantes do sul
tinham o sonho de restaurar o império Han - até mesmo chefes de Xiongnu alegaram ascendência dos Hans,
lembrando que uma princesa chinesa havia sido dada ao seu líder Modu Chanyu por volta de 200 a.C. - e isso os
levaram a inúmeras guerras e conflitos internos. Em 347, o sul reconquistou a prospera província de Sichuan. Em
529, um exército do sul capturou brevemente a capital do norte, Luoyang.
Devido aos conflitos no norte, conta-nos a tradição chinesa de que um milhão de chineses do norte emigraram
para o sul entre 300 e 600 d.C. [560] Em eras anteriores, o sul tinha sido uma região de fronteira, onde os chineses se
acotovelavam com vietnamitas, tailandeses e outros não-chineses. Agora o sul tornou-se epicentro cultural da China.
Foi aqui que a literatura, especialmente a poesia, continuou a se desenvolver com o vigor que tinha na era Han. Foi
no sul que os chineses aprenderam a cultivar arroz, em vez do trigo e do painço que eram básicos no norte mais frio,
e foi no sul que o chá, futura bebida nacional, foi descoberto durante esse período.
Os aristocratas, membros de cortes e funcionários que se mudaram para o sul logo passaram logo a dominar o
governo como no norte. Sob eles, o status familiar tornou-se tão importante que a genealogia era crítica. As famílias
precisaram de uma ascendência adequada se seus membros almejassem serem elegíveis para altos cargos ou a se
casar com alguém de uma família importante. Livros de registro de linhagem de sangue apareceram como
“Registros dos Cem Clãs”, e arquivos relacionados eram mantidos com a mesma cautela. Por exemplo, os registros
fiscais usaram páginas em branco para casos que envolveram pessoas do norte como residentes originais no sul.
Dinastias diversas que governaram no sul da China entre 420 a 589 até chegaram a montar departamentos de
genealogia, empregando estudiosos para estudar árvores genealógicas e eliminar reivindicações fraudulentas.
A mudança cultural mais importante no sul chinês foi no campo religioso. Como o confucionismo não conseguiu
fornecer resposta para a desordem contínua e mudanças dinásticas frequentes, muitos chineses procuraram outras
maneiras a escapar de seus problemas. Sob essas condições, o taoísmo floresceu como nunca [561], mas o maior
beneficiário desse caos foi o budismo. O budismo fora introduzido na Índia durante a Dinastia Han no primeiro
século de nossa era (mapa), mas sua perspectiva sobrenatural, ensinando a evitar o sofrimento terreno através da
meditação, soou impraticável para os seguidores de Confúcio que estavam mais interessados nos aspectos
mundanos. E a ideia de que a salvação é mais rápida para aqueles que recusam o casamento e vivem segregados da
sociedade era estranha (e antissocial) aos chineses que valorizavam a família. Até mesmo a prática de raspar a
cabeça do monge budista violava o ensinamento confucionista, que afirmava que alterar o corpo de tal maneira era
desrespeitoso para com os pais que assim o faziam nos tempos passados.
Mapa – O alastramento do budismo pela Ásia nos primeiros séculos de nossa era.

Diante disso, o confucionismo demorou um longo período para declinar antes que o budismo pudesse tomar seu
lugar na China. Conta-se que o último rei de Wu, Sun Hao (264 – 280) detestava tanto o budismo que ele teve que
ser convencido a não destruir os poucos templos que a seita conseguiu construir em seu reino. Quando ele se
defrontou com uma imagem budista em um de seus parques, ele a levou para um mictório. Então ele chamou seus
cortesãos e os divertiu executando o que ele ironicamente chamou de "a lavagem de Buda". Mas logo em seguida ele
foi imediatamente abatido por uma doença misteriosa e dolorosa. Após se recuperar, o rei passou a aceitar a nova
crença e ordenou a todos em sua corte que cultivassem o Buda [562].
O budismo teve alguns aspectos que atraíram os chineses. Primeiro de tudo, os mosteiros eram ilhas de
tranquilidade naqueles tempos turbulentos para aqueles que buscavam refúgio. Os mercadores usavam os mosteiros
como bancos e armazéns para seus valores e bens comerciais. A religião teve apelo também para os nômades
sinicizados, como os tuobas, que buscaram algo além das crenças pagãs de seus ancestrais. Sendo eles mesmos
estrangeiros, as origens não-chinesas da religião não os incomodaram, e podem de fato ter sido um incentivo a mais.
Ademais, os ensinamentos budistas sobre caridade para as pessoas e a natureza fizeram sentido para os taoístas.
Monges famosos que eram adivinhos ou magos ganharam conversos entre as pessoas comuns, e grande quantidade
de escrituras budistas escritas na Índia nos últimos mil anos atraíram o interesse dos bem-educados.
Na China a conversão ao budismo começou entre a elite da sociedade e depois se popularizou. Tudo começou
quando alguns estudiosos se uniram a monges em mosteiros fundados pela China. Assim, intelectuais, membros de
familiares tradicionais, estudantes e monges podiam se abrigar nas propriedades das grandes famílias e manter
conversas intelectuais com seus colegas confucionistas e taoístas. O primeiro imperador da Dinastia Jin Oriental
empregou um monge da família Wang como capelão da corte, e o próximo imperador, Ming Di (r. 323 – 325),
converteu-se e tornou-se o primeiro monarca chinês a defender abertamente a nova fé budista. Logo as cabeças
raspadas e as vestes de monges de açafrão tornaram-se uma visão comum na corte de Nanjing.
Monges e sacerdotes tornaram-se assim espécie de conselheiros dos monarcas, pelo prestígio e proximidade, mas
ainda tentaram manter certa independência. Esse era um conceito incomum para os chineses, que não separavam
assuntos religiosos do estado e sempre haviam visto funções religiosas como parte do dever de um imperador. E a
junção das duas esferas poderia ser arriscado. Certa vez, um governador ordenou a um monge que voltasse à vida
secular como um de seus ministros e, quando o monge se recusou, o governador ordenou que fosse chicoteado até a
morte. Em 403, o imperador de Jin Oriental foi ao seu monge mais respeitado, Huiyuan (334 – 416), fundador do
templo de Donglin e um dos sábios da ordem budista da Terra Pura ( 淨土宗 ), e perguntou-lhe se os clérigos
podiam se curvar diante do trono como outras pessoas. O idoso sacerdote respondeu alguns meses depois em 404
com um corajoso tratado que o imperador aceitou, intitulado “Os Monges não se Curvam Diante de um Rei” ( 沙門
不敬王者論 ).
Em 420, já havia mais de 1700 mosteiros e mais de 24 mil monges e freiras no sul da China. O último imperador
de Jin Oriental, Gong Di (r. 419 – 420), era um budista devoto. Quando deposto por um general chamado Liu Yu,
Gong Di foi condenado a ser morto da maneira consagrada pelo tempo: "voluntariamente" tomando veneno. Gong
se recusou a fazê-lo, porém, dizendo: "O Buda ensina que aquele que comete suicídio não pode retornar a um corpo
humano". Os guardas o sufocaram com uma colcha em vez disso. A morte de Gong acabou com a Dinastia Jin
Oriental, e enquanto o poder passava para os militares, esses não conseguiram trazer estabilidade para o sul da
China. Depois da Dinastia Jin vieram a dinastia de Liu Song (420 - 479), de Chi (479 - 502), de Liang (502 - 557) e
de Chen (557 - 589). Todas sucederam-se e foram governadas a partir da venerável cidade de Nanjing. E cada um
foi iniciada por um general de fundo obscuro que se apossou do trono através de intrigas sangrentas, e cada um
terminou da mesma maneira.
Enquanto os intelectuais promoveram o budismo no sul chinês, no norte os monges que mais se converteram
foram conhecidos adivinhos e mágicos da classe sacerdotal local. Nessa região, o primeiro monge a ser aceito como
membro da corte imperial foi um com origens da Ásia Central, chamado de Fo Tudeng, que surpreendeu no século 4
um imperador xiongnu da Dinastia Zhao, Shi Le (r. 330 – 333), ao fazer flores de lótus brotarem de um vaso que
parecia conter apenas água [563]. Outro imigrante notável da Ásia Central foi um monge chamado Kumarajiva (344 -
413), filho de um pai indiano e a princesa de Kucha (cidade no oeste de Xinjiang, no oeste chinês), que se dedicara a
servir o Buda desde os sete anos de idade. Em 382, Kumarajiva foi capturado por uma das expedições do exército de
Fu Jian e levado de volta a Chang'an. Agora em seus trinta e poucos anos, ele ganhou reputação por seu senso de
humor e seu fracasso em permanecer celibatário. Ele também era especialista em traduzir o sânscrito para o chinês
(fig.) de modo que, em 402, o governante tibetano e o colocou no comando de uma equipe de estudiosos e juntos
traduziram nada menos que 98 longas escrituras budistas do sânscrito original. Kumarajiva não achou que os textos
pudessem ser traduzidos com perfeição. Certa vez declarou que traduzir o sânscrito para o chinês é como alimentar
um homem com arroz mastigado por outro. Os textos indianos originais foram perdidos com o tempo, mas 52 das
traduções de Kumarajiva sobreviveram e ainda são usadas pelos budistas chineses nos dias atuais.

Fig. – Parte do sutra do Diamante escrito pelo famoso calígrafo Zhang Jizhi (1186 - 1266), baseado nas traduções feitas por Kumarajiva.

Muitos dos textos usados pelos tradutores foram trazidos para a China por monges chineses que fizeram a
perigosa viagem ao exterior para locais sagrados budistas. Em 399, outro monge chamado de Faxian (337 – c. 422)
viajou para a Índia e passou os quinze anos seguintes coletando literatura budista das fontes originais, traduzindo-as
do sânscrito para o chinês à medida que avançava. Depois, outros monges eruditos seguiram os passos de Faxian.
Curiosamente, as descrições do que testemunharam fornecem a melhor informação histórica que temos da Índia
entre 399 e 412
O reino de Wei do Norte, controlado pelos tuobas foi o primeiro no norte da China a fazer do budismo a religião
oficial. Um imperador, Tuoba Hung (ou Xiaowen, r. 471 - 499), achou o budismo tão fascinante que abdicou em
471 para poder passar todo o tempo estudando-o retirado em mosteiro. Ao contrário do sul, onde os monges
mantinham certa independência após a conversão do governo, os monges do norte aderiram à administração com
pouca hesitação. O imperador de Wei do Norte deu-lhes inclusive o seu próprio departamento - chamado “Escritório
de Iluminação dos Mistérios” - e os monges retribuíram a reverência à autoridade imperial, alegando que o
imperador era um bodisatva, ser iluminado que abdicou da plena iluminação espiritual.
Um observador no século 6 contou cerca de 1367 mosteiros somente na capital de Wei do Norte, Luoyang [564].
Um príncipe imperial reclamou que um terço da cidade pertencia aos templos, transbordando em mercados de carne
e vinho, de modo que "cantos em sânscrito e gritos de açougueiros unem seus ecos sob beirais contíguos" e os
templos "são envolvidos pelos odores da carne". Um dos maiores templos, o Jingming, se estendia como um palácio
em volta de colinas e lagoas e continha mais de mil cômodos. Fora da capital, magníficas esculturas retratavam
cenas das escrituras e imagens do Buda foram esculpidas nos penhascos das províncias de Henan e Shanxi. No
geral, o imperador pagou por este trabalho, e muito do que foi feito à época é impossível ter precisão nos dias atuais,
mas estima-se que foram entre 90 a 150 mil imagens comissionadas de Buda pelo reino de Wei Norte.
Como tudo na história, nenhum sistema político estabelecido pelo homem dura para sempre, e aproximadamente
um século depois de ter sido fundado, o reino de Wei do Norte foi derrubado, em parte pelo budismo que tão
vigorosamente patrocinou. Em 515, uma imperatriz recentemente viúva, Ling (r. 515 - 528), tomou o poder em
nome de seu filho, que ainda era criança. Uma mulher de energia extraordinária, a imperatriz viúva era uma atleta
com nervos de aço e objetivo infalível que a tornava a melhor arqueira da corte. Também era uma devota budista,
conta-se que ofereceu um banquete vegetariano para 10 mil monges no funeral de seu pai. Então ela construiu o
extravagante Templo Yongning (fig.), a estrutura mais alta de toda a China de sua época. Sua torre principal tinha
sinos de ouro e era tão alta que podia ser vista a cinquenta quilômetros de distância. Eventualmente, seus gastos
esvaziaram o tesouro imperial, e em 523 uma revolta foi desencadeada na fronteira norte por tuobas descontentes e
outros soldados não-chineses que haviam mantido os costumes de seus ancestrais e se ressentiam da aceitação da
corte dos costumes chineses, bem como de seu comportamento perdulário. Em 528, a imperatriz Ling decidiu que
não queria renunciar. Ela matou o filho herdeiro e entronizou o seu mais novo. Luoyang começou a arder em
revoltas e confusões. Um general descendente em parte dos tuobas, Erzhu Rong (493 - 530), liderou um golpe que
afogou Ling e o pequeno imperador no rio Amarelo e matou dois mil cortesãos. Seis anos depois, em 534, o Templo
Yongning foi destruído pelo fogo, aparentemente por um agourento raio, e o reino Wei do Norte se dividiu em dois
estados rivais, chamados de Wei Oriental e Ocidental - ambos reivindicaram serem líderes de todos os tuobas, assim
como o da Dinastia Wei anterior.

Fig. - Desenho do imponente templo Yongning, de Luoyang, o mais alto de seu tempo e destruído por fogo em 534.

Dinastia Sui (589 – 618)


Depois de 534, os reinos restantes de Wei, o Oriental e Ocidental, lutaram constantemente. Uma vez exaustos,
foram derrubados pelos senhores de guerra de chineses nativos, que passaram a chamar seus reinos de Qi Norte (no
nordeste) e de Zhou Norte (no noroeste). Em 577 os Zhous conquistaram Qi e o norte foi reunificado por um
exército comandado por um general de ascendência chinesa e Xianbei, Yang Jian (r. 581 – 604). O triunfo de Zhou
Norte foi de curta duração, contudo. Pois um ano depois, o imperador de Yang Jian, o Imperador Wu, morreu de
uma doença súbita, e o próximo rei, Yuwen Yun (r. 578 - 579) de apenas 19 anos, também conhecido como Xuan
Di, provou ser errático, inepto e cruel. Menos de um ano depois de se tornar imperador, este anunciou sua
aposentadoria, mas porque seu filho era apenas uma criança pequena, ele não abdicou de nenhum de seus poderes.
Como ex-imperador, Yun tinha estuprado a esposa de um parente, promoveu duas concubinas para se tornarem
imperatrizes adicionais - um movimento muito incomum – constantemente aterrorizava membros da corte e chegou
a ameaçar sua primeira esposa, a imperatriz Yang, de morte assim como seu clã inteiro. Em 580 ele chamou o
general Yang Jian, pai da imperatriz, para o tribunal e instruiu seus guardas a matar este no local caso ele mostrasse
qualquer sinal de emoção. Então Yun lançou os piores insultos sobre Yang Jian, mas o general havia sido avisado
por seus amigos e sobreviveu. Logo depois disso, a imperatriz desagradou Yun novamente, e ele ordenou que ela
cometesse suicídio, apenas para ser convencida a tempo a mudar de ideia.
Não havia dúvida de que havia algo errado na corte imperial com esse tipo de comportamento. O destino parece
ter favorecido o general Yang Jian. Ele secretamente fez um pedido com o melhor amigo de Yuwen Yun para ser
nomeado para um posto distante, longe do temperamento do ex-imperador, e um amigo influente providenciou para
que ele comandasse a campanhas contra a Dinastia Chen no sul. Antes que as tropas pudessem começar a marchar,
Yuwen Yun ficou doente e morreu em 580. Yang Jian assumiu o trono em um golpe, tornando-se o imperador Wen
(r. 581 – 604), ordenou a execução do filho de oito anos de Yun e outros 59 membros da família Zhou e renomeou a
dinastia para Sui. Ao contrário de seus antecessores, Yang Jian provou ser competente o suficiente para manter-se
no trono e estabilizar uma sucessão dinástica. Em 589, ele destruiu Nanjing, derrubando o reino de Chen e pela
primeira vez em três séculos a China teve apenas um imperador novamente. Chang'an foi restaurada para servir
como a capital imperial, assim como Luoyang. Como budista devoto, Yang Jian foi assombrado pelo assassinato da
família governante de Zhou do Norte, talvez por isso buscou residir na sagrada cidade de Luoyang como meio de
escapar de seu passado violento. A eficiência da burocracia civil do tempo dos Hans foi restabelecida e o
confucionismo tornou-se novamente a religião do estado, embora o taoísmo, o budismo e outros credos fossem
aceitos.
A Dinastia Sui, como a Dinastia Qin anterior, foi um breve período de vigorosa atividade. Expedições militares
foram enviadas para conquista de Yunnan no sudoeste e as ilhas Ryukyu da região meridional das ilhas japonesas.
Os chineses de Sui também reprimiram rebeliões no Vietnã, derrotaram os turcos (nação nômade da Ásia Central e
Mongólia) e chegaram à fronteira de Xinjiang, no noroeste (mapa). No âmbito interno, milhares de camponeses
foram recrutados para reconstruir a Grande Muralha, uma série de fortificações a vigiar e conter as invasões de
povos de mais ao norte da China.

Mapa – A China da Dinastia Sui, em 609.

Uma coisa era unir e trazer justiça aos mais de dois mil xi (condados) da China. Outra era manter os militares
ocupados e satisfeitos. A China à época de Sui ainda não tinha uma economia monetária, e era notavelmente lento e
dispendioso transportar os grãos e roupas que compunham a folha de pagamento do exército por meio terrestre. A
única maneira de entregá-lo era por rio ou canal. Como o principal inimigo estava sempre no norte, o exército tinha
de sempre estar estacionado por lá, dependendo, portanto, das regiões mais férteis ao sul para os suprimentos
necessários na fronteira norte. A solução para esse pesadelo logístico foi cavar um canal que ligasse o rio Yangzi ao
sul ao rio Amarelo no norte. Usando impiedosamente o trabalho forçado de mais de cinco milhões de homens, dos
quais dois milhões pereceram, o governo de Sui completou o Grande Canal em quatro anos (mapa). Agora, o
excedente de trigo e arroz do Yangzi poderia ser enviado por barcaças até o Rio Amarelo para a capital em Luoyang
ou para os exércitos na Grande Muralha.
Mapa – O Grande Canal nas dinastias Sui (589 – 618) e Tang (618 – 907).

Mas assim com a Dinastia Qin, a de Sui perdurou pouco e por motivos semelhantes. Ambas dinastias fizeram
uso de milhares de trabalhadores que sofreram em grandiosos projetos de construção. O governo que Yang Jian
estabeleceu era tão autoritário que revoltas eclodiram assim que seu sucessor, o culto Yang (também conhecido
como Yangdi ou Yang Guang, r. 604 - 618), mostrou qualquer sinal de fraqueza. Isso aconteceu entre 611 e 614,
quando três expedições enviadas para conquistar a Coreia (no reino de Koguryo) terminaram em derrota. Como
resposta, centenas de revoltas ocorreram em várias partes do país durante os próximos sete anos. Então os turcos
fizeram um ataque surpresa sobre a Grande Muralha e cercaram Yang numa cidade fronteiriça. O imperador foi
resgatado por um oficial de quinze anos chamado Li Shimin. Isso foi o suficiente; em 616, Yang abandonou o norte
e estabeleceu-se em Yangzhou, na província de Jiangsu, no litoral mais ao sul. Dois anos depois ele foi assassinado
por estrangulamento por um de seus generais, Yuwen Huaji, em 618. A Dinastia Sui tinha durado apenas 29 anos,
mas como a de Qin, deixou marcas permanentes na história da China.

Tibete (século 7)
Há uma antiga lenda tibetana [565] que diz que em tempos recuados e imemoriais, um macaco teve com uma ogra
seis pequenos filhos. E todos esses foram depois levados para uma floresta para viverem dos frutos. Passados alguns
anos, os genitores retornaram para o local e, para a surpresa deles, viram que dos seis originais somaram-se mais de
quinhentos descendentes e que a floresta estava exaurida. Desesperados, as centenas de criaturas passaram a
reclamar por mais comida. Angustiado, o patriarca visando atender os insistentes pedidos rezou pela compaixão de
uma divindade budista, Avalokiteshvara [566] ou em tibetano, Chenrezig, que espalhou grãos pela imensidão da terra
e frutificou em colheitas a serem diligentemente cuidadas, ano após ano.
Nesse sentido, a lenda mostra como a colheita de grãos se tornou a base da alimentação dos tibetanos. E dessa
condição, com o longo passar das gerações, os descendentes desse atrevido grupo passaram a perder os pelos, os
rabos encurtaram, e passaram a aprender a falar. E dessa lenda ensina-se que há dentro de todos um lado mais
impetuoso, competitivo e poderoso que remete à matriarca ogra, e outro lado mais curioso, tolerante, empático,
trabalhador e suave do patriarca macaco. Essas dualidades sempre ficam à espreita, em cada um dos seus
descendentes.
Foi um trunfo da curiosidade e aprendizado que um dos seus maiores regentes, Songtsen Gampo (569 – 649? ou
605 – 649?) (fig.), 33º rei dos tibetanos, quando foi a ele atribuído a criação do alfabeto e língua tibetana. E não
somente isso, pois foi com Songtsen que os tibetanos começaram a expandir seus domínios além do altiplano.
Chegaram mesmo, no inverno de 763, a ocupar a capital chinesa da Dinastia Tang (618 - 907), Chang’an. Cidade
próspera, rica e cosmopolita pela sua crucial posição no caminho da rota comercial que levava à Ásia Central e mais
ao oeste e sul asiático. A Rota da Seda [567].

Fig. - Songtsen Gampo.

O exército tibetano, quando na capital Tang, fora objeto de profunda admiração e estupefação dos seus
habitantes, pois muitos nunca os tinham visto. Ademais, havia certa atitude de superioridade de seus mercadores,
artistas, cortesãos e funcionários imperiais que, por tradição, olhavam com desdém todos aqueles povos além dos
alcances do império chinês.
Mas a conquista de Chang’an não foi simplesmente um episódio de invasão e saque de bárbaros. Pois os
tibetanos não tinham esse objetivo, nem mesmo pretendiam governar a cidade imperial. Assim o fizeram ao
convencer um príncipe rebelde chinês aliado aos interesses de Songtsen, e partiram mais adiante para consolidar sua
hegemonia nas regiões mais a oeste e sul de Chang’an. A partir de então, o trono chinês fora ocupado por novos
governantes aliados aos tibetanos. Para a humilhação do exército imperial chinês e do imperador deposto, Daizong
(r. 762 - 779), que decidiu permanecer afastado mais ao leste na cidade de Luoyang. Toda a região ao leste do
Tibete, atual região de Yunnan, caiu sob controle direto de Songtsen até 794. Restou ao império chinês negociar
tratados de limites com os tibetanos, e nisso perderam boa parte do controle das regiões ocidentais, essenciais para
as prósperas rotas comerciais asiáticas.
Resta então saber de onde vieram esses tibetanos, essa força magnífica que ocupou a capital chinesa e cortou-lhe
os acessos ocidentais? Parte das respostas remete a séculos anteriores, quando um líder dos tibetanos, chamado de
Filho Divino destacou-se entre os clãs de nômades em disputa no impiedoso altiplano tibetano. E entre esses, com o
passar do tempo, destacou-se um soberano que levou a extensão tibetana muito além de suas origens, Songtsen
Gampo.
Quando ainda príncipe, Songtsen cresceu num ambiente cercado de augúrios favoráveis ao seu destino.
Destacou-se na infância pela sua curiosidade insaciável e desejo de aprender. Seu pai, Namri (570? – 618/629?),
fora um grande rei, um tsenpo, uma encarnação do divino na terra. Tal título decorreu depois que Namri consolidou
amplas alianças entre os chefes dos clãs tibetanas, estabelecendo-se como o destacado líder de todos.
O título tsenpo carrega grandes significados. Não apenas aponta a singularidade de um soberano entre vários
líderes de clã, mas também denota um sentido divino, como um Filho Divino, representante da ordem cósmica, uma
figura divina entre os homens. A conexão do tsenpo com os céus era representada por uma espécie de “cordão do
céu” feito de luz que ligava a cabeça do soberano aos céus acima. Essa tradição, aparentemente, remete ao primeiro
dos tsenpos, a Nyatri, que regeu no segundo século a.C. e que desceu dos céus para uma montanha sagrada, Yarlha
Shampo, no vale de Yarlung [568]. Para celebrar esse primeiro regente, a mitologia tibetana conta-nos de que o
magnífico palácio e forte de Yungbulakang fora erguido.
Não cabia ao tsenpo a indignidade da morte. Ao invés disso, no tempo certo, voltavam aos céus através de seu
cordão celeste. Mas, aparentemente, um dos antecedentes de Songtsen, Drigum, fora falho em tempos mais recentes
e, assim, enfraqueceu a condição divina e imortal dos tsenpos e a ligação com os céus. Pois Drigum, de acordo com
as antigas crônicas, era afeito a confusões e duelos, saindo sempre favorecido pela sua espada divina forjada nos
céus. Eventualmente, Drigum defrontou-se com alguém à sua altura. Um cortesão astucioso desafiou o soberano
sem o uso de sua arma mágica, e tirou proveito das cinzas levantadas por centenas de bois no local do confronto. Ao
final, Drigum fora morto e a conexão do cordão celeste fora perdida.
Songtsen cresceu sabendo, pois, dos tempos imortais e divinos idos dos seus ancestrais. O que não tirou a
coragem no campo de batalha de seu pai que lhe conferiu grande estima e temor entre os líderes dos clãs. Assim, os
domínios do tsenpo foram estendidos muito além da região do vale de Yarlung, no sul do Tibete. Esses clãs
tibetanos consistiam em boa parte de nômades que tinham migrado da Ásia Central para os férteis vales meridionais
do Tibete, antes habitados por indefesas comunidades de fazendeiros.
O fim do reinado do pai de Songtsen, Namri, fora trágico, sendo envenenado numa tentativa de usurparem-lhe o
poder. Mas Songtsen moveu-se antecipadamente e conseguiu desarticular todos os envolvidos no golpe. A morte de
Namri, em essência, mostrou os limites da obediência à figura do tsenpo, nem sempre feita por todos os líderes e por
conta de interesses e alianças feitas, e conspirações quando oportunas. Restou aos rebeldes a fuga ou o embate em
fortalezas construídas como a imponente Yunku Lhakang. O príncipe Songtsen, ao final, herdou todas as conquistas
e alianças feitas pelo seu pai, na maior extensão imperial que o Tibete já teve. Aos treze anos apenas, e os rebeldes
contidos, restou ao Songtsen buscar seus aliados e perseguir os insurgentes. Quando pacificou seu reino, o jovem
tsenpo partiu depois para o oeste para assegurar as problemáticas fronteiras. Estava evidente que o Filho Divino
tinha voltado ao comando tibetano.
Figurava como capital e centro do reino de Songtsen a cidade de Rasa, que traduzindo significa “cidade murada”,
algo adequado para um local que tinha fundamentos de defesa. A cidade estava às margens do rio Kyichu e ficava à
espreita, empoleirada, na cordilheira de Nyenchen Tranglha ao norte, que separava a região das amplas planícies do
norte. Com o tempo, Rasa ganhou maior importância e significado com o aumento do poder do tsenpo, e passou a
ser referida com um nome mais digno, Lhasa (ou Lassa), “Cidade Divina”. E nessa foram se assentando as estruturas
administrativas, militares e jurídicas do reino, deixando para trás o aspecto nômade dos antepassados da elite
tibetana.
Lhasa se situa em uma das regiões mais extraordinárias da Ásia. É envolvida pelas montanhas mais altas do
mundo. Ao oeste, há algumas poucas passagens para o transporte e comércio para o Afeganistão e Ladakh. Ao norte,
o deserto de Kunlun Shan consta como um dos mais hostis do mundo. E para o sul e leste, situam-se os imponentes
Himalaias (mapa). Nessa cordilheira, mais ao sul de Lhasa, o rei do Nepal governava o próspero vale de Katmandu,
beneficiando-se da prosperidade de comerciantes e missionários que transitavam do norte indiano das planícies dos
rios Yamuna e Ganges (local onde o Buda, príncipe Sidarta, viveu) para o norte e no sentido contrário. Ao oeste,
havia outro antigo reino mencionado nos textos tibetanos, Zhangzhung (ou Shangshung), cujo povo guardava
algumas origens em comum com os tibetanos. Tinham desenvolvido sua língua própria e mantinham ligações com
os persas ainda mais ao oeste. Em direção à China, havia uma espécie de confederação de comunidades e clãs que
eram conhecidos como Azha (ou Tuyuhun), que periodicamente organizavam e fustigavam os chineses [569].

Mapa - Tibete e arredores. Ladakh ao oeste, Kunlun Shan ao norte/noroeste e os Himalaias, Nepal, Butão e Índia ao sul.

E fora com esses reinos vizinhos ao Tibete que Songtsen projetou sua ambição imperial. Havia também algo
muito além desses poderios, pois a Índia, mais ao sul além do reino do Nepal, era em suas regiões setentrionais entre
os rios Yamuna e Ganges, governada por Harsha (r. c. 606 – c. 647) [570]. Os persas além dos domínios de
Zhangzhung, e os chineses atrás de Azha, que estavam se consolidando após as turbulências sob uma nova fase
dinástica.
Não demorou muito para Songtsen dar rédeas às suas ambições sobre as vizinhanças. Sobre Zhangzhung, ele
primeiramente sinalizou de que pretendia continuar com as alianças feitas pelo seu pai, e mandou uma de suas
filhas, princesas, a casar-se com o rei de Zhangzhung, Ligmikya. Parece que o matrimônio não foi duradouro, e a
princesa enviada começou a servir de espiã. No momento oportuno, em cima dos relatos de sua filha, Songtsen
enviou um destacamento militar para emboscar o rei vizinho enquanto ele esteve afastado de seu castelo na capital
em Kyunglung. Assim, o rei foi morto e Zhangzhung foi absorvido por Songtsen [571].
Além da conquista, Songtsen também articulou com novos aliados estrangeiros. Uma nova oportunidade
apareceu com o reino do Nepal quando o rei Narendradeva (643 - 679) foi destronado e pediu exílio em Lhasa,
permanecendo lá durante a década de 630. A corte e elite tibetana aprenderam muito com os nepaleses refugiados. O
budismo entrou com vigor, e o templo mais antigo do Tibete, o de Jokhang (fig.), fora erguido com base nos templos
do Nepal, realizado e esculpidos por artesãos nepaleses. No retorno à sua terra natal, por volta do ano de 670, o
soberano nepalês foi à frente de um numeroso e disciplinado exército tibetano, tornando-o efetivamente, ao
recuperar o trono, um vassalo do império tibetano.

Fig. - Templo de Jokhang, Lhasa.

Ao leste do Tibete, a China da Dinastia Tang, recentemente restabelecida, estava ocupada em apaziguar suas
fronteiras ocidentais, com destaque para a problemática Azha na década de 630. Fora nesse contexto que Songtsen
enviou um embaixador aos chineses em 634, para tentar negociar alianças. Com pouco efeito. Quatro anos depois,
de maneira mais ousada, Songtsen mandou outra legação, a pedir a mão em casamento de uma princesa chinesa. E
apontou como embaixador dessa missão um descendente do antigo clã de Gar, Gar Tongtsen Yulsung (590 - 667). E
este, quando em Chang’an, fez seus pleitos de matrimônio assim como tinha feito um príncipe de Azha. Depois de
delongas, Gar voltou com a negativa da corte chinesa, que favoreceu ao partido de Azha. O retorno a Lhasa com as
notícias foi considerado como uma afronta ao senso de Songtsen. E o tsenpo decidiu então enviar contingentes
bélicos, agora com o apoio de Zhangzhung, em direção à Azha.
A vitória apareceu rapidamente, e toda a região ao nordeste do Tibete, Amdo, foi incorporado pelo império
(mapa). Com as tropas estacionadas na fronteira com a China, o poder de barganha de Songtsen aumentou
consideravelmente, e o tsenpo passou a exigir mais do trono chinês. Ao final das ameaças, o imperador Daizong
resolveu dar uma lição definitiva aos tibetanos considerados como bárbaros insolentes. E o resultado, para a surpresa
de todos em Chang’an e da corte chinesa, fora favorável aos desígnios do nascente poderio tibetano, pois as tropas
chinesas foram fragorosamente derrotadas em campo.

Mapa - Tibete com destaque para a região de Amdo ao norte e Kham ao leste. Os chineses depois renomearam Amdo como Qinhai, e as províncias da
China de Sichuan e Gansu ficam na fronteira ao leste e Yunnan ao sudeste.

Coube, pois, à Daizong assumir uma postura de negociação se visasse garantir alguma ordem em suas fronteiras.
Mesmo porque, o próprio imperador chinês não era avesso aos povos limítrofes da China. Ele mesmo era filho de
uma mulher de origens turcas ao oeste, e um de seus filhos, empolgou-se com a moda turcófila da época da corte
chinesa [572], passando a residir em tendas e a consumir carnes de carneiro. Teimosamente, a corte tibetana mandou
seu mais talentoso embaixador novamente para Chang’an. Quando este chegou para nova audiência com o
imperador Filho do Céu, respeitou todo o elaborado protocolo e cerimônia dos Tangs. Recitando respeitosamente as
linhas de oferta de tributo ao imperador, impressionou vivamente a corte chinesa presente. E assim pôde prosseguir
com seu pleito primordial de solicitar a mão de outra princesa chinesa, Wencheng (628 – 680/2), para Songtsen com
todas as implicações políticas disso. Ou seja, sendo assim, o Império do Meio reconheceria de fato um poderio
estabelecido e aliado por casamento em suas fronteiras meridionais.
Após a bem-sucedida embaixada na capital chinesa, Gar e sua entourage escoltaram a princesa de volta ao
Tibete. O casamento com o tsenpo inaugurou décadas de paz entre os tibetanos e chineses, e seguiu-se um período
de intenso intercâmbio cultural. Em que muitos jovens tibetanos viajaram para Chang’an para estudar nas escolas e
academias da capital chinesa, assim como houve a chegada de artesãos chineses no Tibete, ocasião em que
demonstraram novas técnicas e tecnologias, como a caligrafia, o fabrico e uso do papel, da tinta e da seda. A
chegada da princesa chinesa também foi crucial para a corte tibetana, apresentando o uso de vestimentas de seda ao
invés do uso de peles e feltro, assim como o abandono da pintura do rosto em pigmentos vermelhos, prática
considerada como bárbaro demais aos olhos chineses.
Segundo os historiadores tibetanos, a maior contribuição que a princesa trouxe foi o budismo. A regente trouxe
para Lhasa uma estátua de Buda, o primeiro a chegar ao reino e foi colocado num templo especial a ele dedicado, o
de Ramoche. Posteriormente, a estátua foi movida para outro templo, o de Jokhang, onde permanece até os dias
atuais. Esse evento, portanto, do casamento da princesa chinesa com Songtsen e a introdução do budismo em Lhasa
marcaram um momento de transformação histórica no Tibete. Pelo significado histórico desse momento, há diversas
pinturas e esculturas do tsenpo, Songtsen, ladeado por uma princesa nepalesa de incerta existência histórica,
Bhrikuti Devi, e da princesa chinesa Wencheng [573] (fig.). O significado não poderia ser mais claro: o Tibete surgia
confidente e relacionado com o reino nepalês ao sul e os chineses ao norte no século 7.

Fig. - Songtsen Gampo com as princesas Wencheng (esq.) e Bhrikuti (dir.).

Em meados do referido século, em meio a tantas mudanças no Tibete, ocorreu outro notável evento. A
introdução da escrita chinesa e, com isso, a criação de uma escrita tibetana. As suas origens estão repletas de lendas,
de acordo com as antigas crônicas tibetanas, e muitos desses apontam para a figura de Gar, o talentoso embaixador,
que trouxe as novidades de Chang’an e estimulando assim os mais curiosos da corte em Lhasa, incluindo Songtsen.
Perturbados com a novidade, a corte tibetana decidiu então formular uma língua própria e assim tinham mandado
alguns emissários para a Índia. Nessa empreitada, acharam um jovem tibetano de inteligência e curiosidade
extraordinárias, Thonmi Sambhota (fig.), para ir para as terras indianas para buscar elementos para uma nova escrita
do reino [574]. Após alguns anos, depois de ter aprendido com um brâmane local, Thonmi voltou ao Tibete com o
louvor de ter se letrado em mais de uma dezena de línguas. E foi ele que deu início, com seu amplo conhecimento a
combinar diversos elementos das línguas aprendidas, ao alfabeto tibetano que foi formulado e ensinado para
Songtsen e membros da família real. E a lenda continua narrando o grande afinco e entusiasmo que Songtsen aplicou
nos seus estudos, fechando-se em reclusão por anos a fio. Pela sua atitude e curiosidade em aprender, Songtsen
depois ganhou o nome de Gampo, “Sábio”.

Fig. - A invenção da escrita tibetana, pelas mãos de Thonmi Sambhota.


Saindo das brumas das lendas, o fato é que já em meados do século 7 o Tibete já demonstrava ter consolidado,
com uma boa dose de orgulho, uma escrita e língua própria, à altura das realizações de seus reinos vizinhos. E foi
sobre essa língua que os escritores e estudiosos budistas compilaram e cuidadosamente zelaram as lendas, crônicas,
ensinamentos e história do Tibete. E com a consolidação de uma escrita, foi depois possível fazer uma ampla
reforma administrativa e burocrática do império. Assim, as terras e domínios foram divididos em cinco grandes
“chifres” (ru), cada qual com dez mil distritos, e cada uma dessas composta por mil famílias. E foram sobre essas
unidades menores que a fonte de receitas para impostos e alistamento militar forçado seria baseada.
Entre os postos de alto escalão no império, foi organizada uma rígida hierarquia, visando controlar e apaziguar as
ambições de nobres e chefes de clã. O primeiro-ministro seria nomeado pelo tsenpo, e ele ocuparia o cargo
administrativo máximo, com a ajuda de quatro ministros-chefes e outros ministros menores. Cada ministro seria
designado com insígnias reais, turquesa para o mais importante, seguido de ouro, ouro branco, prata, latão e cobre.
Esses oficiais nomeados pelo tsenpo seriam retirados de seus clãs, para não organizarem rebeliões contra o império.
No fundo da hierarquia havia a imensa maioria dos tibetanos, camponeses e nômades cujas vidas permaneceram em
grande parte inalteradas até meados do século 20. Os camponeses deveriam permanecer nas propriedades dos
grandes proprietários até a morte, com raras concessões de viagem sendo concedidas apenas para peregrinações. Os
nômades (drogpas) poderiam ser mais livres, conduzindo seus rebanhos de ovelhas, cabras e iaques em busca de
pastagens. A sociedade tibetana fora, portanto, estratificada nessas linhas. Songtsen, no ápice dessa pirâmide foi
depois considerado como governante modelo, a que todos os subsequentes soberanos aspiravam.
À época da sucessão ao seu trono, Songtsen obedeceu à tradição dos velhos rituais que indicavam que o espírito
do tsenpo começava a passar para o corpo do filho dele, Gungsong Gungtsen (605 ou 617 – 649), a partir dos 13
anos de idade. Mas o príncipe herdeiro morreu pouco cinco anos depois, assumindo Songtsen de novo o trono. Além
dessas tribulações, havia mudanças políticas importantes para ocupar sua mente. Eventos nas regiões ao redor do
Tibete começaram a desestruturar tudo o que ele e seu pai arduamente construíram. A China começou a cultivar
relações mais próximas com a Índia na década de 640, sob a liderança de Harsha, outro ambicioso construtor de
impérios. Em 648, uma importante embaixada chinesa chegou à Índia e descobriram que Harsha havia morrido. Um
dos novos líderes indianos resolveu atacar os enviados, matando todos exceto dois que escaparam para o Tibete. Um
desses era o diplomata Wang Xuance, político experiente que tinha cultivado bons contatos com Songtsen. O tsenpo
então resolveu atender aos seus pedidos e concedeu-lhe um destacamento de soldados tibetanos e cavalaria de
combate nepalês para acompanhá-lo de volta à Índia. Depois de alguns dias, as tropas indianas foram rendidas e o
líder militar deles foi enviado para a China como prisioneiro de guerra. Nesse sentido, parte da região norte da Índia
entrou na esfera de controle dos tibetanos, para a glória dos últimos momentos do reinado de Songtsen. Que chegou
a falecer em 649, mesmo ano do fato ocorrido ao imperador chinês, Daizong. O império tibetano estava consolidado
e respeitado, mas Songtsen não tinha deixado um claro herdeiro ao seu trono.
O único candidato imperial ao trono seria o pequeno neto de Songtsen, mas ele precisaria de um tutor regente até
completar uma idade adequada ao poder imperial. E assim o poder passou para as mãos do primeiro-ministro, o ex-
embaixador enviado aos chineses, Gar Tongtsen Yulsun. O qual atendeu a todos os rituais fúnebres esperados de um
tsenpo falecido. O corpo de Songtsen fora levado numa grande procissão ao seu tumulo, uma vasta estrutura de terra
de 13 metros de altura e 130 de comprimento projetando-se do solo até os dias atuais visível, no vale de Yarlung,
local onde seus ancestrais primeiro desceram dos céus ao plano terrestre. E junto com o soberano morto,
acompanharam cavalos, servos e tesouros no seu túmulo, com a ideia de que seu repouso final na terra fosse o mais
confortável e seguro possível. Para selar o túmulo, uma pilha de pedras foi erguida, não apenas para marcar a tumba
real, mas também a servir de marco para aqueles de passagem através dos tempos, que poderiam, por sinal de
reverência e respeito, empilhar mais umas pedras no local designado.
À frente do poder como regente, Gar Tongtsen mostrou-se à altura de seu antecessor soberano e foi capaz de
conduzir o império criado enquanto o sucessor imperial ainda estava em tenra idade. Sua ambição fora demonstrada
já em 663, quando ele esmagou o reino de Azha diante de uma ampla revolta. Ademais, foi atrás de alguns povos
seminômades da Mongólia que haviam fustigado os chineses e tibetanos nos últimos anos. Gar Tongtsen depois
ampliou nessas áreas o uso e ensino do alfabeto e escrita tibetana, e realizou um amplo recenseamento dos territórios
controlados, a aumentar os impostos e recrutamento civil e militar. O Tibete começava a se firmar como um grande
império pan-asiático na segunda metade do século 7.
Um dos maiores trunfos e orgulho do exército tibetano foi a resiliência e motivação disciplinar de seus soldados
em campo. Mesmo em menor número, poderiam apresentar feitos superiores. Suas armaduras consistiam em couro
em escalas, feitos de resistentes retângulos cobertos com laca vermelha ou preta brilhante decorada com círculos
pintados. Os soldados usavam plumas em cima de seus capacetes e carregavam compridas bandeiras de reverência
aos ensinamentos de Buda.
Os maiores êxitos desse exército se deram num dos locais mais hostis do planeta: no deserto de Taklamakan, ao
norte tibetano. Essa região tinha especial significado estratégico, pois era por essa que passavam as lucrativas rotas
comerciais que iam desde Chang’an ao extremo oeste da Ásia e mundo mediterrâneo. Os chineses durante muito
tempo controlaram essa região, mas por volta de 660, os turcos [575] estavam começando a se rebelar e almejar
controlar a região. E nisso Gar Tongtsen viu a oportunidade de ampliar o império ainda mais. Planejou então, nesse
intento, atravessar rapidamente as montanhas para a região atual da Caxemira, furtivamente aos olhos chineses, e
aliado a alguns clãs turcos, conquistou a cidade de Kashgar, cortando de vez a ligação da China com a Rota da Seda.
Após esse feito, foram para cima da antiga cidade de Khotan (Hotan) (mapa). Essa última cidade era venerada
por antigos cronistas como sendo de um ambiente próspero, vibrante, cosmopolita e tolerante. Local onde cedo
floresceu o budismo até a conversão ao Islã no início do século 11. O fervor budista na cidade foi constatado na
coleção de escrituras budistas, entre elas algumas profecias e iminentes situações de invasores, como os textos de
Vimalaprabha, compiladas na década de 670. Nesses textos, narra-se sobre uma princesa budista de Khotan,
determinada a salvar o budismo das depredações de guerreiros bárbaros, a quem ela se refere como “caras
vermelhas”, costume o qual alguns guerreiros tibetanos faziam antes de ir ao campo de batalha.

Mapa - Ao norte do Tibete, situa-se a cidade de Khotan (Hotan) na Rota da Seda ao sul do deserto de Taklamakan, indo terminar ao oeste em Kashgar.
Ao leste da rota, destaca-se a cidade de Dunhuang.

Voltando ao momento histórico da época, Khotan acabou sendo invadida e dominada por tibetanos, e muitos dos
novos invasores tornaram a vida mais complicada de budistas locais. Nenhum respeito fora apresentado diante de
veneráveis estupas [576] e monumentos budistas, por acreditarem que se tratava de um credo alienígena ou mesmo
heresia diante do incipiente budismo que estava se alastrando a partir da elite tibetana.
Com essa conquista consolidada, os tibetanos passaram a controlar um imenso império asiático que se situava
nas encostas da China da Dinastia Tang. Gar Tongtsen, após essas campanhas, voltou-se exausto ao Tibete Central
em 666 e teve uma série de importantes audiências com o jovem tsenpo, que começou a manifestar seu desinteresse
de manter um império tão vasto e nos assuntos políticos e militares. Quando Gar Tongtsen morreu, no ano seguinte,
o império foi dividido efetivamente entre os vários filhos de Gar, em várias regiões que trouxe o espectro de
conflitos e divisões inevitáveis. Após alguns anos, foi o bisneto de Songtsen como tsenpo, Dusong, ou Tridu
Songtsen (r. 676 - 704), que assumiu o comando de tentar acabar com as brigas entre os filhos de Gar Tongtsen,
tirando vantagem de estar na corte enquanto eles estavam longe governando territórios distantes.
Na década de 690, a sorte dos filhos de Gar começava a mudar. O governador Gar de Khotan, Gar Tsenyen, fora
derrotado pelos chineses. O tsenpo, Dusong, capturou-o e julgou-o militarmente e foi executado. Em seguida, Gar
Tagu, outro governador Gar, fora preso. E assim também ocorreu a Gar Tridring, depois de anos de campanhas com
a inquietação exaustiva de seus soldados. Boa parte desses últimos advinha de povos não propriamente tibetanos, o
que fez com que muitos mudassem de lado, transferindo suas lealdades para o inimigo, no caso, para o exército
chinês. E foi assim que a Imperatriz Regente Wu, ou Wu Zetian (r. 690 - 705), da China, ofereceu um acordo de paz,
não ao próprio comandante Gar Tridring, mas ao tsenpo. Dusong e a corte tibetana, ao aceitar tal proposta, iriam
consolidar sua posição junto aos chineses e desarticular o chefe Gar Tridring. Em momento posterior, todos os
membros proeminentes do clã Gar foram reunidos em uma festa de caça e, em dado momento, foram encurralados e
executados. Antes que Gar Tridring ficasse ciente do massacre, o tsenpo, com a anuência da China, partiu para cima
de suas tropas exaustas e de lealdade duvidosa, derrotando-os finalmente em batalha [577]. Dusong, assim, reafirmou-
se novamente como o tsenpo, o verdadeiro governante divino do Tibete. Mas os problemas com os chineses foram
retomados logo depois. A Imperatriz Wu começou a tentar expandir suas fronteiras na Ásia Central, isso no ano de
692.
Em suma, os tibetanos no final do século 7 já tinham consolidado seu império, sua cultura, escrita e crença. Sua
capital, Lhasa, era uma cidade vibrante e diversificada, alimentada por pessoas de várias regiões asiáticas, desde
indianos, nepaleses, chineses e toda variedade de estrangeiros que estavam ali para estudar e comerciar. A
prosperidade do controle da Rota da Seda trouxe abundância sem precedentes, assim como novas ideias e culturas.
Seda, chá, jade, escravos e especiarias eram anunciados nos seus mercados.

China (618 – 907)

Dinastia Tang (618 – 907)


Em 617, Li Shimin (598 - 649), aquele que havia salvo o imperador Yang, ambicionou marchar sobre a cidade
imperial de Chang'an, dar termo à Dinastia Sui, e proclamar-se imperador. No entanto, ele não estava qualificado
para liderar uma rebelião por causa de sua idade, então ele convenceu seu pai, Li Yuan, a fazê-lo. A princípio, Li
Yuan recusou-se a se revoltar porque, como Wen Wang, patriarca da Dinastia Zhou, ele achava que a lealdade era
uma virtude maior. Li Shimin então mudou de ideia com uma artimanha: ele e alguns amigos entrariam
sorrateiramente numa casa nas proximidades da cidade onde o governo mantinha algumas concubinas imperiais,
raptou uma delas e a trouxe-a para o seu pai. Li Yuan aceitou-a como um presente de um filho obediente, apenas
para descobrir no dia seguinte que ele levara um membro da casa do imperador para a cama. Agora Li Yuan
descobriu-se condenado e morto se o imperador o pegasse, então ele, relutantemente, se tornou um líder rebelde.
Como Li Yuan vinha de uma família que muitas vezes havia tomado esposas turcas no passado, incluindo a mãe de
Li Shimin, o exército que ele convocou tinha tropas chinesas e turcas. Eles esperaram nas montanhas por um ano,
enquanto os outros rebeldes lutavam um contra o outro, antes de se mudarem para a capital, Chang’an. Li Yuan ali
proclamou a Dinastia Tang em 618, tomou o nome imperial de Gaozu (r. 618 - 626) e iniciou o trabalho de
pacificação das cidades e interior. Por volta de 624, toda a China estava em paz e sob seu domínio.
Como imperador, Gaozu agiu com notável tolerância e perspicácia. Aristocratas leais de toda a China, não
apenas da antiga família e amigos de Gaozu, receberam importantes posições governamentais. Em um movimento
astuto, ele dobrou o número de prefeituras e condados. Isso não apenas forneceu o dobro de vagas a nomear, mas
também dificultou a revolta de eventuais governadores rebeldes. Muitas vezes o imperador ofereceu esses cargos
para os líderes rebeldes como incentivo para depor as armas. No entanto, seu reinado foi interrompido porque seu
filho, Li Shimin, tinha ambições ainda maiores. Em 626, Li Shimin assassinou dois de seus irmãos, um deles o
príncipe herdeiro, e forçou seu pai idoso a abdicar. Apesar deste começo turbulento, Li Shimin, que depois passou a
se chamar pelo nome imperial de Taizong, revelou-se um gênio político e militar que se tornou um dos maiores
imperadores da China (r. 626 - 649) (fig.). Sob este "Filho do Céu", filho de turcos e chineses, foi criado um
segundo império unificado chinês que teve sucesso por quatro elementos culturais foram combinados: pelo respeito
à cultura chinesa clássica, pelo budismo, pela atuação dos povos do norte chinês e pela política de tolerância de
Taizong.
Fig. – Imperador Taizong da Dinastia Tang, uma das maiores figuras históricas da China. Pintura no Museu do Palácio Nacional em Taipei, Taiwan.

Taizong nunca se cansou de procurar novas maneiras de melhorar o governo e passou muitas noites sem dormir
revisando suas políticas e compromissos. Restaurou o processo de exames para admissão ao serviço civil a
promover o funcionalismo do estado de acordo com o mérito invés do status familiar. Desta vez, todos que
almejasse os cargos públicos tiveram que fazer os exames o que significou que o poder dos aristocratas
latifundiários foi reduzido a um nível administrável. E, embora qualquer camponês pudesse se candidatar e fazer os
exames, os de nível básico eram extremamente duros e competitivos. Apenas 2 a 10% dos candidatos de cada ano
eram aprovados e uma nota satisfatória apenas colocaria o candidato numa lista de pessoas qualificadas para
preencher futuras vagas. Em nome da eficiência, Taizong não permitiu mais do que 13 mil oficiais do governo a
administrar uma população que era de pouco mais de 50 milhões na época [578]. Por isso, a Dinastia Tang e a
subsequente dinastia de Song são, até os dias atuais, consideradas como parte de uma Idade de Ouro que se
aproximou dos ideais confucionistas.
No cenário internacional, Taizong enviou expedições militares que estabeleceram o controle chinês sobre uma
área nunca antes dominada pelo império chinês. O canato dos turcos orientais na Mongólia foi esmagado e
substituído por um reino de uma tribo mais amistosa, os uigures. A Coreia, dividida em três reinos em conflito por
mais de seiscentos anos, estava unida sob um governo pró-chinês, o de Silla, depois da aliança feita entre 645 e 668
[579]
. A bacia de Tarim em Xinjiang, no noroeste, foi integralmente conquistada e até a Ásia Central caiu na esfera de
influência chinesa. Para administrar as áreas não-chinesas, quatro governos militares foram estabelecidos em
distritos com os seguintes nomes: An Xi ("O Oeste Pacificado") em Xinjiang, An Bei ("O Norte Pacificado") na
Mongólia, An Dong ("O Oriente Pacificado"), na Manchúria, e An Nam ("O Sul Pacificado") no norte do Vietnã.
Oitenta e oito nações não-chinesas, do Tibete ao Japão, reconheceram a supremacia Tang e foram influenciados pela
cultura e instituições Tang [580]. Taizong recebeu presentes e tributos de lugares tão distantes como a Arábia, o reino
dos cazares na Rússia e até o império bizantino [581].
Embora Taizong tenha conseguido se consolidar como imperador de vasta sociedade e território, sua mente
permaneceu inquieta a ouvir e experimentar novidades. No budismo, ele contestou as suas ideias centrais na medida
em que a doutrina não reconhecia nenhum “Filho do Céu” como ser iluminado a atingir o nirvana. Ademais,
Taizong desconfiava dos monges vestidos de açafrão, que evitavam o serviço público e pagamento de impostos.
Consequentemente ele sempre buscou por doutrinas e ideais alternativas. Em 629 ele recebeu uma embaixada
muçulmana de Maomé, o profeta fundador do Islã. Depois de ouvir os argumentos dos árabes recém-convertidos, ele
mandou construiu uma mesquita para eles em Guangzhou (Cantão, no litoral sul chinês) e os encorajou a negociar
regularmente com a China. Da Pérsia veio uma companhia de cristãos nestorianos em 635. Ele também ouviu o que
eles tinham a dizer e ordenou tradução das escrituras cristãs para o chinês para que ele mesmo pudesse estudá-las.
Três anos depois, ele declarou o cristianismo satisfatório para ensino no império e permitiu a construção de uma
igreja e mosteiro. Hoje, em Xian, existe uma pedra esculpida (o Monumento Nestoriano) datada de 781 (fig.), com o
decreto autorizando tudo isso escrito em chinês e em siríaco.

Fig. – O Monumento Nestoriano ou a Estela Nestoriana, erguido como símbolo de amizade entre o império chinês e os cristãos nestorianos. Em
chinês, 大秦景教流行中國碑 , o nome completo tradicional é Estela à Propagação na China da Jingjiao (Religião Luminosa) de Daqin (império romano,
ou Grande Império do Oeste). Hoje se encontra no Museu de Beilin em Xian.

Em 629, no mesmo ano da embaixada muçulmana, foi o começo da viagem de Xuanzang (602 - 664),
explorador e peregrino budista. Como Faxian, ele foi visitar na Índia atravessando as terras da Ásia Central em
busca de locais e literatura sagrada assim como relíquias budistas. Ficou em viagem por dezesseis anos e depois
escreveu seus relatos no que depois se tornou um clássico da literatura chinesa, “Grandes Registros Tang sobre as
Regiões Ocidentais”, que depois irá inspirar o romance histórico da Dinastia Ming, “Jornada ao Oeste”, de Wu
Cheng’em de 1592. Naquela época, havia um decreto imperial proibindo as viagens estrangeiras. Então quando
Xuanzang partiu de Chang'an, ele partiu como um criminoso fugitivo e as patrulhas de fronteira foram ordenadas a
pegá-lo antes que ele pudesse realizar seu projeto. Ele conta em seu diário de viagem como ele comprou de um
estranho um cavalo vermelho que conhecia os caminhos do deserto, como ele se esquivou de um forte no ponto de
travessia principal sobre um rio com a ajuda de uma "pessoa estrangeira" que construiu para ele uma ponte de mato
a jusante, como ele atravessou o deserto de Gobi guiado pelos ossos de homens e gado, como ele viu uma miragem,
e como ele quase foi atingido duas vezes por flechas quando estava pegando água perto das torres de vigilância no
deserto. Depois disso, ele perdeu o caminho, passou cinco dias e quatro noites no deserto sem água, e então alcançou
a região da cordilheira de Pamir, na Ásia Central, onde doze de seus membros congelaram até a morte. Quanto dessa
dificuldade realmente aconteceu e quanto dela foram contos fantasiosos adicionados por escritores posteriores não
podem ser esclarecidos nos dias atuais.
Após essa série de desventuras, Xuanzang chegou ao lago azul de águas profundas de Issyk Kul, no atual
Quirguistão, que era a local de residência de inverno do Khan (ou Cã) dos turcos ocidentais. O Khan, recentemente
convertido por um missionário budista indiano, vestiu um belo manto de cetim verde e deu a Xuanzang uma
recepção grandiosa que costumava ser reservada a chefes de estado visitantes. Xuanzang fez uma descrição
detalhada da reunião e fez o mesmo em suas duas próximas paradas, as cidades comerciais de Tashkent e
Samarcanda. Uma vez na Índia, a variedade caleidoscópica da multidão indiana teve seu efeito sobre ele,
contrastando fortemente com a uniformidade monótona das "formigas azuis" que andavam em uma típica rua
chinesa. Ele passou boa parte do tempo nas cidades universitárias de Nalanda e Taxila e seu relato da corte de
Harsha, o principal rei do norte da Índia, é singular. Mas assim como a excelência de seus relatos detalhados, ele
também acrescentou histórias de origem duvidosa que são contos de ficção: histórias de intermináveis budas e outras
manifestações budistas, elefantes de seis presas, príncipes tão gentis com os animais que se deixaram ser comidos
por tigresas famintas, enormes templos construídos com uso de unhas sagradas e assim por diante. Na época, até
mesmo os ensinamentos originais do Buda depois de séculos passados passaram a ser deturpados por superstições,
mitos e tradições locais. Na verdade, estava se extinguindo na Índia e a religião mais antiga do hinduísmo estava
renascendo, como Xuanzang notou e lamentou.
No retorno, Xuanzang se defrontaria com mais dificuldades. O peregrino chinês caiu numa cilada de ladrões e,
em certo momento, o grande elefante carregando a maior parte de suas posses afogou-se, diminuindo bastante o seu
progresso. No entanto, sua comitiva conseguiu alcançar a região da Ásia Central para chegar à cidade fronteiriça
chinesa de Kashgar (hoje referido como Kashi) e de lá viraram para o leste a caminho de Chang'an. Quando
chegaram à capital em 645 houve um feriado público, e os viajantes foram recebidos com grande pompa e
cerimônia. Foram necessários vinte cavalos para transportar os budas, os livros em sânscrito, as imagens sagradas e
150 "relíquias autênticas" que Xuanzang trouxe da Índia. Taizong o recebeu como um amigo há muito perdido, e
pensando que as informações de Xuanzang sobre o mundo exterior seriam valiosas para os corpos de inteligência,
questionou-o por dias sobre os lugares e pessoas que viu. Mas quando o imperador perguntou sobre a Índia, o
estudioso só relatou sobre o budismo. Sua Majestade então propôs que Xuanzang desistisse da vida religiosa e
aceitasse um emprego num órgão correspondente a um Ministério das Relações Exteriores, mas Xuanzang não
aceitou essa proposta por um momento. Em seguida, o imperador pediu um relato escrito da sua história e assim
obteve o clássico dos seus relatos. Finalmente Taizong pensou que os escritos de Laozi eram pelo menos tão grandes
quanto os do Buda e que seriam recebidos entusiasticamente se os brâmanes indianos pudessem lê-los. Então
pareceu natural ao imperador requisitar a Xuanzang a tradução das escrituras taoístas em sânscrito. Mas a sugestão
de promover a religião de outra pessoa foi prontamente rejeitada pelo piedoso Xuanzang. O restante de seus anos o
viajante passou num mosteiro budista, traduzindo as escrituras em sânscrito que ele trouxe de volta à elegante escrita
chinesa.
A Dinastia Tang foi também época de outros notáveis avanços e descobertas. Em 723, um monge budista
inventou o primeiro relógio mecânico que usava água fluindo em baldes montados em uma roda para girar um
conjunto de engrenagens. A literatura histórica menciona primorosas pinturas chinesas de épocas anteriores, mas foi
sob os Tangs que as mais antigas pinturas chinesas preservadas nos dias atuais foram feitas (fig.). O estilo
impressionista de pintura Tang impressiona o olhar e os artistas da época foram assunto de lendas e contos nos
séculos posteriores entre os chineses. Diz-se que um artista chamado Wu Daozi (ou Wu Daoxuan, 680 – c. 760)
pintou um peixe de forma tão realista que eles nadaram para longe quando acidentalmente jogaram a pintura num
riacho. Escultura também foi outra área artística notável, mas infelizmente só temos alguns exemplos de pintura e
escultura de Tang hoje. Muitos dos artistas da Dinastia Tang foram inspirados pelo budismo e, no século 9, houve
ampla perseguição budista. Como consequência, grande parte da arte religiosa produzida na época foi destruída
quando os templos e mosteiros foram queimados ou demolidos.

Fig. – Oitenta e Sete Celestiais ( 八十七神仙卷 ) de Wu Daozi da era Tang, considerado um dos mestres da pintura chinesa do século 8.

Na produção de porcelanas, a excelência da China vinha desde evidências de fornos dessa natureza que remonta
às dinastias Shang e Zhou, antes de nossa era, mas as amostras mais antigas existentes de porcelana vêm da
província de Zhejiang e datam da Dinastia Han Oriental. Na época de Tang, esmaltes multicoloridos estavam
disponíveis e a porcelana começou a ser produzida em massa, agora que a fabricação se tornara uma excelente arte.
Nos tecidos, o segredo da fabricação de seda, mantido por séculos como segredo entre os chineses, foi depois
contrabandeado para o Ocidente por mercadores persas em meados do século 6, mas não demorou muito para que a
porcelana se tornasse o novo produto chinês em demanda em todos os lugares.
A Dinastia Tang foi uma época de comércio extensivo entre a China e o resto do mundo conhecido e muitos
estrangeiros, especialmente os persas, vieram para a China em busca de fortunas. Alguns deles tiveram fortuna.
Conta-se que um comerciante de pedras preciosas de Omã foi para casa com um vaso de porcelana preta presente de
um mercador judeu, Ishaq, que tinha ido à China, com tampa de ouro que continha um peixe dourado com olhos de
rubi [582]. Cheirava a almíscar e foi vendido por cinquenta mil dinares, uma quantia fabulosa para a época. Um outro
visitante muçulmano no século 9 aprendeu cultura chinesa suficiente para se destacar nos prestigiados exames
imperiais e ganhou um destacado posto oficial. Outro comerciante de Samarcanda, na Ásia Central, tornou-se
governador do distrito militar de An Nam e mais tarde esse posto foi preenchido por um aventureiro japonês. E
havia An Lushan, um obeso mercenário turco que subiu nas fileiras do exército Tang para se tornar um dos
comandantes gerais. Poucas vezes os estrangeiros que visitaram a China encontram tanta aceitação como nos tempos
de Tang.
Os feitos no campo da literatura da era Tang não ficam para trás das outras áreas, graças ao amplo apoio do
governo imperial à educação. Persistem até os dias atuais mais de 48 mil poemas de mais de dois mil poetas da
época. Os dois poetas mais famosos foram Li Bo (ou Li Bai, 701 - 762) (fig.), um rebelde romântico e bebedor
contumaz, e seu amigo Du Fu (712 - 770), de caráter mais sóbrio que usou sua poesia para protestar contra as
injustiças políticas. As primeiras enciclopédias também foram compostas nesse momento da história chinesa. Para
produzir em massa todas essas obras, bem como as escrituras budistas, foi inventada a impressão, usando blocos de
madeira com uma página inteira esculpida em cada bloco.

Fig. – Representação da Dinastia Ming do poeta Li Bo.

A força econômica e militar do império Tang veio de um sistema de distribuição igualitária de terras para a
população. O imposto agrícola pago pelos detentores de propriedades era a maior fonte de renda do governo e o
serviço periódico de milícias exigido deles era a fonte do poder militar de Tang. Dificuldades surgiram, no entanto,
porque o governo deu propriedades livres de impostos para aqueles favorecidos com a condição de hereditariedade
aos sucessores, todos isentos de impostos. Devido ao crescimento populacional, cada geração herdou parcelas cada
vez menores de terra, mas os impostos sobre a propriedade permaneceram os mesmos. Muitos camponeses
acabaram se endividando, enquanto outros fugiram para se tornarem bandidos. De qualquer forma, isso causou um
declínio nas receitas do governo num momento em que os gastos aumentaram com as despesas de campanhas de
guerras. Por causa disso, quando as guerras terminaram, a maioria dos soldados foram retirados dos distritos do
norte e nordeste, de An Bei e An Dong. Nos últimos anos do século 7, os sobreviventes do derrotado reino coreano
(conhecido como Balhae) e uma tribo mongol chamada de khitans (ou kitais, 契丹 ) se mudaram para An Dong
para ocupar o vácuo de poder. Os khitans imediatamente passaram a fustigar e invadir o território chinês no
nordeste, na Manchúria. Em vez de paz, a política de redução de custos deslocou a zona de guerra para as fronteiras
do império chinês.
Até então, os camponeses haviam constituído a maior parte das fileiras do exército chinês. Mas, com o tempo e
desgaste, muito desses passaram a ficar cada vez mais relutantes. Os nômades e nações não-chinesas, por sua vez,
mostraram-se excelentes guerreiros e cavaleiros e assim o governo Tang passou a contratar uigures, turcos e outros
mercenários. Ao ponto em que em meados do século 8, os exércitos imperiais eram compostos mais de turcos do
que chineses, algo que, como no império romano, deixou vulnerável a possibilidade de revoltas e decisões de
comando nas mãos de nações não-chinesas. O desafio, a partir de meados do século 8, era como manter a lealdade
desses nómades nas fileiras dos exércitos chineses, de soldados a generais, a refrear a tentação de rebelião. Em 751,
apenas um dos nove exércitos imperiais, o de Sichuan, o menos importante, tinha como comandantes um chinês
nativo. An Lushan, citado anteriormente, tornou-se figura militar destacada que chegou a liderar três exércitos
contra os khitans no nordeste chinês.
Os reis de Tang que sucederam Taizong foram em geral competentes e capazes de manter a ordem dinástica. A
mais notável foi a imperatriz Wu Zhao (ou Wu Zetian, r. 624 - 705), uma das poucas governantes femininas da
história chinesa. Sua vida na corte tinha começado como uma concubina de Taizong em 639, com apenas 14 anos de
idade. Mas sua esperteza e vivacidade chamaram logo a atenção do filho do imperador, Gaozong. Isso provou ser
oportuno, pois quando este sucedeu ao seu pai em 649 e manteve Wu Zetian para sua companhia, mandando a
maioria das outras concubinas para mosteiros e retiros. Com o tempo, a chinesa aprendeu as sutilezas da política e
da diplomacia. Em pouco tempo, ela deu nascimento a um filho do imperador, algo que a imperatriz, Wang, não
conseguira. Em 655, Wang e a primeira concubina conspiraram contra juntas, eventualmente sendo descobertas e
mortas. Nomeada como nova imperatriz, Wu passou a perseguir outras concubinas rivais e opositores que
contestaram a uma amante comum assumir o trono imperial.
Em 660, Gaozong pegou pólio e passou a ter continuados problemas de saúde depois disso. Diante disso, Wu
Zetian passou a assumir muitas das responsabilidades de seu marido e, quando ela não estava ocupada perseguindo
os rivais, governou com eficácia. Foram os generais que ela nomeou, por exemplo, que finalmente conquistaram a
Coreia. Em 683 Gaozong morreu, e o trono foi para seu filho, Zhongzong (r. 684 – 684, 705 – 710), mas Wu Zetian
se sentiu ameaçado pelo novo imperador e imperatriz, então no ano seguinte ela o depôs e instalou outro filho,
Ruizong (r. 684 – 705). Sob Ruizong, Wu continuou a manter o poder nos bastidores, até que em 690 ela se cansou
da situação e depôs também Ruizong. Nos quinze anos seguintes, Wu governou sozinha. O nome da Dinastia Tang
foi mudado para "Segundo Zhou" enquanto ela estava no comando. Finalmente, em 705 os amigos de Zhongzong
fizeram um contragolpe para trazer o antigo imperador de volta. Aos oitenta anos de idade, Wu Zetian decidiu se
aposentar de vez, e morreu em seu palácio de verão alguns meses depois, terminando assim a carreira de uma das
lideranças mais implacáveis da história chinesa. Zhongzong, por sua vez, foi envenenado por sua imperatriz em 710,
e seu irmão Ruizong teve outra chance para governar.
Ruizong voltou ao trono imperial por um golpe liderado por seu brilhante filho, Li Longji. Dois anos depois, o
imperador abdicou depois de outro golpe fracassado. Desse momento em diante, Li Longji assumiu o trono e passou
a se chamar de Xuanzong (r. 712 – 756). Foi durante seu governo que a China Tang testemunhou seu auge. Esse foi
um período de estabilidade, prosperidade e excepcionais realizações culturais. A China passou por um período de tal
maneira pacífica e ordeira que escritores da época afirmavam que podia-se deixar qualquer objeto sem vigilância e
as portas não trancadas à noite. Eventualmente, o imperador de visão progressista aboliu até mesmo a pena de morte,
porque viu pouca necessidade para isso. Com o passar do tempo, porém, ele se tornou mais nobre e extravagante,
usando a aparência esplêndida de sua corte para esconder problemas crescentes de corrupção.
O momento de virada histórica veio quando Xuanzong se apaixonou por uma linda cortesã, chamada Yang
Guifei, e passou a negligenciar seus deveres. Yang foi autorizada a nomear seus amigos e parentes em cargos
importantes do governo. O resultado desse nepotismo foi que os turcos aliados aos árabes infligiram uma derrota
decisiva aos turcos pró-chineses em Talas (atual Taraz no sul do Cazaquistão) em 751, e assim a Ásia Central
passou a integrar o mundo islâmico. Não muito tempo depois, outro dos favoritos de Yang Guifei, o general An
Lushan, brigou com um primo de Yang sobre quem se tornaria o próximo primeiro-ministro. Esse primo conquistou
o lugar desejado e o enfurecido An Lushan passou então a organizar rebeliões. Em 756, An Lushan marchou para o
oeste, saqueou as duas capitais imperiais e se proclamou imperador. O verdadeiro imperador fugiu para Sichuan. A
capital imperial, Chang'an, foi submetido a constantes ataques de lealistas imperiais e rebeldes. Em determinado
ponto, invasores tibetanos aproveitaram a confusão e ocuparam a cidade por duas semanas. An Lushan foi
assassinado em 757, mas ainda haveria mais seis anos até o fim das rebeliões. No final, o imperador Suzong (r. 756 -
762), sucessor de Xuanzong, ocupou o trono com a ajuda e uso de mais tropas e cavaleiros estrangeiros e
mercenários, muitos deles uigures. Ao final de todos os conflitos, foram estimados mais de 36 milhões de mortes,
pela guerra, perseguições do governo e fome. O poeta Du Fu (712 - 770) escreveu sobre campos abandonados
invadidos por urtigas, crianças de 15 anos enviadas para a guerra e que voltaram como velhos e ossos brancos
descorando ao sol em terras ao oeste [583]. Num dos poemas mais comoventes do talentoso Du Fu, há expressão de
desespero e reclusão:
O papagaio fica
No seu poleiro,
Envolvido em pensamento sombrio,
E sonhos
De sua casa distante.
Suas asas do azul mais brilhante
São cortadas;
De seu bico vermelho
Vem palavras de sabedoria.
Será que eles nunca, nunca
Destravarão sua gaiola
E libertá-lo uma vez mais?
Impaciente, com raiva,
Ele agarra e chora em seu poleiro,
Para o qual ele se prendeu
Tanto tempo.
O mundo dos homens
Não tenha pena dele,
E a liberdade que ele perdeu?
De que uso para ele na prisão
Sua capa de maravilhoso tom?
(tradução nossa) [584]

Após a rebelião de An Lushan, o império de Tang nunca mais foi o mesmo. De fato, com inumeráveis mortos,
turcos e tibetanos correndo soltos e todo general realizando suas próprias ambições, a esperança por ordem imperial
permaneceu como lembrança do passado. Alguns governadores e funcionários de Tang conseguiram recuperar
algum tipo de controle antes do final do século 8. Mas isso se deu num cenário em que jogaram um general contra o
outro e colocando soldados em unidades menores do exército, de modo que nenhum general pudesse se tornar
poderoso demais. Em 810, dois grandes exércitos foram desmantelados, incluindo a da guarnição de An Xi, no
oeste, e trinta pequenos exércitos substituíram outros sete. O governo de Tang conseguiu controlar cerca de metade
desses - os mais próximos da província de Shaanxi - enquanto o restante se tornou forças locais das províncias que
deixaram de pagar impostos e a obedecer aos decretos imperiais, transformando a China num grupo de "estados de
guerra". Como a China ainda tinha dificuldade em criar cavalos, elemento vital na mobilidade e na guerra, dependia
o reino cada vez mais dos uigures que detinham o controle e ambiente necessário para isso. A dependência chinesa,
fundamentalmente, sujeitava ao seu estado da economia.
Durante os últimos anos da sua existência, a Dinastia Tang era apenas uma sombra do seu antigo estado. No
século 9, enfrentou novos problemas: revoltas de camponeses descontentes com o governo central e os senhores da
guerra. A administração Tang ainda fez um valente esforço para lidar com as revoltas e em 878 os generais leais ao
imperador conseguiram perseguir o maior dos líderes camponeses, Huang Chao (835 - 884), para longe do Rio
Amarelo. Huang Chao assim fugiu para uma longa marcha para o sul, tomou Cantão e massacrou todos os
resistentes da região, muitos desses estrangeiros que eram comerciantes e foram considerados como bode expiatório
para os problemas. Então, em 880, ele retornou ao norte, e o exército imperial foi derrotado diante dele (mapa). Mais
uma vez, a Dinastia Tang acabou sendo salva pela ajuda crucial de nômades e mercenários de além da Grande
Muralha. Mas nessa ocasião o governo chinês ganhou muito pouco tempo. Em 907, o governador militar de Kaifeng
- na província de Henan - depôs o imperador Ai (r. 904 – 907) e pôs fim à prolongada decadência do império Tang.
Mapa - As rebeliões organizadas por Huang Chao na China da Dinastia Tang, resultando num período de guerra civil de dez anos (874 – 884).

Tibete (Século 8)
Lhasa no início do século 8 parecia ser um local promissor. Nesse tempo, outra princesa chinesa, Jincheng, e sua
comitiva chegaram para se casar com o tsenpo, Me Agtsom (r. 705 - 755), assim esperando inaugurar uma nova era
de paz entre os dois impérios. Apesar de todos os privilégios concedidos na sua nova estadia, a nova princesa parece
não ter se acomodado bem na sua nova casa. O seu marido, o tsenpo, era apenas uma criança, e o verdadeiro
exercício do poder não estava em suas mãos. Mas na pessoa da mãe do tsenpo, Tri Malo, que conduziu o Tibete que
maneira implacável contra qualquer ameaça estrangeira, inclusive com relação a qualquer influência que pudesse vir
da princesa e sua comitiva chinesa. Quando Tri Malo faleceu, em 723, o tsenpo foi devidamente entronado como
Tride Tsugtsen. Mas mesmo esses novos fatos parecem não ter aplacado o descontentamento da princesa chinesa,
ainda mais depois de ter recebido a notícia da morte de seu querido pai adotivo, o imperador chinês Zhongzong (r.
684 – 684; r. 705 - 710). Apesar de toda a sua tristeza numa terra que considerava como um exílio, contentou-se em
Lhasa e passou, talvez como compensação da distância de sua terra natal, em ativamente promover o budismo. E
assim, foi patrona de construção e restauração de templos pelo reino e buscou honrar com todos os rituais
apropriados a estátua de Buda trazida pela princesa chinesa anterior. E como uma fiel confuciana, promoveu
serviços para os ancestrais mesmo entre povos considerados pelos chineses como bárbaros. Lhasa, no seu intento,
acabou tornando-se um centro budista e acolheu muitos monges e peregrinos refugiados que chegaram das
redondezas, da Índia, da Ásia Central, da Caxemira e da China que tinham sido expulsos pela intolerância do seu
novo imperador, Xuanzong (r. 713 - 756) [585].
Mas a desconfiança de muitos tibetanos com relação a essa crescente comunidade de refugiados foi aumentando.
O ponto crítico apareceu quando irrompeu um surto, provavelmente de varíola, em Lhasa. Que chegou inclusive a
atingir e matar a própria princesa chinesa. Nesse momento, muitos se ressentiram dos refugiados no reino e
passaram a acusá-los como fomentadores dessa nova desgraça. E assim muitos desses foram expulsos ou mortos, e a
calmaria somente veio na década de 750, quando a comunidade budista estrangeira e tibetana novamente
encontraram um ambiente hospitaleiro no novo tsenpo, Trisong Detsen (r. 755 - 794) [586].
Essas relações tensas entre o budismo e os estrangeiros com relação aos tibetanos apontam para a delicada
assimilação e hibridismo cultural que o Tibete apresentou nos séculos 7 e 8. A religiosidade tibetana anterior à
chegada do budismo era repleta de culto de espíritos, demônios de divindades menores que continuam sendo
cultuados até os dias atuais: o lha nos céus, o nyen no ar e no alto das montanhas, e o lu nos rios e no mundo
subterrâneo. As divindades das montanhas eram veneradas pelos clãs e assim esses se consideravam descendentes
daqueles, a clamar pela guarda da montanha ou local em questão. E das entidades das montanhas, a mais poderosa
era a da montanha de Yarlha Shampo, de onde os antepassados dos tsenpos desceram ao plano terrestre. Outros
espíritos também eram cultuados na religiosidade tibetana, antes do advento do budismo. Havia os espíritos da caça,
da guerra e da família, que, se não respeitados, poderiam trazer doenças e morte. Favorecendo-os, a família e o clã
poderiam ter um bom destino, saúde e prosperidade.
Para fazer a intermediação (e o afastamento de malignidades) com essas entidades havia os sacerdotes e xamãs
(bon-po) [587]. Para satisfazer os espíritos, eram ofertadas comidas ou queimava-se incenso ou ramos de árvores
perfumadas. Esses sacerdotes também poderiam ter poderes oraculares, dizendo o futuro através de práticas de
adivinhação ou permitindo a fala dos espíritos através deles. Para rituais mais cruciais, um sacrifício animal talvez
fosse necessário. Em suma, os rituais atendiam às necessidades cotidianas dos tibetanos, desde a elite ao popular,
curando as doenças, eliminando os mortos, mantendo as influências malignas afastadas e garantindo melhor sorte
através da adivinhação. Toda pessoa acreditava ter uma alma, la, e poderia sobreviver à morte, ou permanecer no
túmulo para receber as oferendas, assim como eram feitos com as almas dos tsenpos. Caso não fossem respeitados
ou cultuados devidamente, essas almas poderiam vagar e causar problemas e sofrimentos aos vivos. Para evitar o
vagueio da alma, muitos acreditavam que poderiam dar um lar a essas em árvores, lagos ou pedras turquesas. Todas
essas práticas e crenças compunham um amplo cenário que depois foi nomeado como Bon (ou Bonpo) [588], apesar
desse conceito não se encaixar como religião, mas muito mais um conjunto de práticas e rituais acumulados e
diversos praticados pelas regiões tibetanas.
Além das relações com as divindades, havia outros aspectos mais mundanos na religiosidade tibetana. O dos
contadores de histórias, dos bardos e poetas. São esses que cultivavam a memória e feitos dos homens, de contar a
origem divina dos clãs, assim justificando a liderança de líderes. De fato, todas as ocasiões históricas do Tibete
foram manifestadas por recitações poéticas desses contadores. A narrativa do passado era uma maneira não somente
de guardar a memória dos antepassados, mas de passar a sabedoria e moral de uma geração à outra.
Quando o budismo começou a se alastrar no Tibete, teve que acomodar-se a esse cenário anterior. Assim, alguns
elementos pré-budistas tibetanos foram adaptados e preservados na nova ordem religiosa: a condição divina do
tsenpo, o papel dos clãs e a relação com os espíritos e divindades. Naturalmente, houve ocasiões em que os tibetanos
consideraram a chegada dos monges e práticas budistas como uma ameaça aos velhos costumes, ilustrado no caso
apresentado da perseguição aos estrangeiros no surto de uma praga antes da década de 750 em Lhasa. Mas o
budismo, com o tempo, tornou-se parte fundamental do estado e da sociedade tibetana, que a ela se adaptou e
acolheu suas práticas e rituais para se tornar um dos pilares da identidade tibetana.
No aspecto mais mundano na corte tibetana, as perspectivas pareceram mais instáveis. O império chinês dos
Tangs avançou e retomou o controle das terras ao norte e de todo o lucrativo comércio da Rota da Seda em meados
do século 8. Com isso, a prosperidade e renda diante das tarifas e exportações de produtos tais como almíscar, mel e
produtos do iaque, caíram vertiginosamente. Diante de tal realidade, os tibetanos voltaram-se para um novo poderio
que estava em franca ascensão ao oeste: os árabes. Com eles forjaram uma aliança e ampliaram sua presença na Ásia
Central, em terras hoje do Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguistão, abrindo assim um caminho alternativo para
comerciar com o ocidente do continente. Mesmo assim, no início dos anos 750, os chineses ameaçaram fechar essa
nova conquista tibetana. No inverno de 755, no entanto, o império Tang recebeu um duro golpe de um dos generais
mais brilhantes de sua geração, e nunca mais se recuperaram na região. O nome dele era An Lushan (c. 703 - 757).
Embora tivesse jurado lealdade ao imperador chinês inicialmente, ele surpreendeu a todos quando decidiu dar um
golpe contra os Tangs, e criou seu próprio exército particular. Acabou reunindo uma ampla frente militar
disciplinada e leal e passou a atacar os chineses a partir das regiões ocidentais até chegar à capital chinesa,
Chang’an. Nessa cidade, uma vez ocupada, proclamou-se imperador de uma nova dinastia em 756. Estava claro que
o equilíbrio de poderes na Ásia mudou nesse momento.
No ano anterior, em 755, Trisong Detsen foi entronado no Tibete como o novo tsenpo. E assim assistiu a China
descer ao caos. Em 757, militares leais aos Tangs assassinaram An Lushan e nisso, pediram ajuda dos uigures, um
temido povo turco ao noroeste, para tentar recuperar o trono imperial da China. Em 763, a rebelião acabou e um
novo imperador Tang voltou ao poder novamente. Milhões tinham morrido em combate ou de fome e o império
chinês nunca mais se recuperaria decorrente dessas consequências. Os uigures, animados, invadiram e levaram tudo
o que foi desejado na China. Em territórios mais distantes, os governantes locais se rebelaram contra Chang’an. E
nesse contexto de crise chinesa, Trisong Detsen fez sua investida como líder do exército tibetano, enviando seus
homens a controlar a Rota da Seda, resultando num sucesso nada menos que espetacular. Apesar de ter durado
apenas semanas, os tibetanos chegaram a ocupar a capital chinesa depois, em 764. Isso estabeleceu um novo
patamar de relações sino-tibetanas. Os chineses, a partir de então, tiveram que tratar os tibetanos como iguais, apesar
de muitos ainda o fizessem com certa relutância. E a fronteira entre os dois impérios ficou demarcada a poucas
centenas de quilômetros da capital chinesa. Todas as cidades chinesas ao oeste, que davam acesso da China para a
Rota da Seda, foram ocupadas pelas forças tibetanas, e a riqueza desse comércio começou a fluir para Lhasa.
Mas houve uma cidade chinesa que apresentou notável resistência contra a ofensiva tibetana: Dunhuang. Depois
de sete anos de cerco, o comandante da cidade conseguiu vender seus estoques de seda por comida dos tibetanos. E
depois de mais alguns anos, com a comida toda consumida, o comandante dirigiu-se para as muralhas da cidade e se
rendeu com a promessa cumprida dos tibetanos em deixar a cidade intacta e os habitantes em paz. A nova
administração da cidade fora toda mudada, novos impostos, repartição das propriedades, e uma nova língua oficial a
redigir os contratos e correspondências do governo, das leis e dos negócios. As datas agora não deveriam mais a
corresponder ao imperador chinês, mas de acordo com a astrologia tibetana que segue um ciclo de doze anos. Feitas
as reformas, a cultura tibetana na cidade floresceu [589]. Houve casamentos entre as etnias da cidade e as novas
gerações cresceram aprendendo a língua chinesa e tibetana. Assim a cidade, para a posteridade, serviu como um
papel fundamental para a preservação da língua tibetana, pois no final do século 10, milhares de manuscritos foram
escondidos numas cavernas próximas da cidade, conhecidas como Mogao, e foram devidamente selados e
esquecidos até a sua redescoberta no século 20 por um explorador húngaro-britânico chamado Sir Marc Aurel Stein
em 1907. Esses documentos tibetanos foram considerados os mais antigos registros tibetanos do mundo.
Em 783, depois de anos de negociações e troca de prisioneiros de guerra, Trisong Detsen formalizou com a
China os acordos de paz. Para marcar a nova fronteira, entre o Tibete e a China, foi erguida uma fortificação na
cidade de Qingshui, na região oriental atual da província de Gansu, e perigosamente perto da então capital chinesa.
E foram muitas as vezes nas décadas finais do século em que os tibetanos tomaram controle efetivamente de toda a
região central, norte e oeste chinesa. Ao que restou aos chineses, encontrando-se em situação frágil na época, em
buscar novos aliados poderosos ainda mais ao oeste, com os árabes sob o Califado Abássida de Harun al-Rashid (r.
786 - 809) e os uigures turcos [590]. Foi um movimento ousado, que ameaçou os tibetanos em várias frentes de seus
domínios, inclusive, fatalmente ao longo da Rota da Seda. A vitória decisiva dessa aliança chinesa contra os
tibetanos se deu em 791, mas o pleno controle das regiões ocidentais pelos chineses ainda demoraria quase mil anos,
no que hoje é conhecida como a província de Xinjiang.
Enquanto isso, Trisong Detsen estava propondo uma renovação na sociedade tibetana, ao adotar oficialmente o
budismo como religião de estado [591]. Durante sua infância, Trisong tinha vivido e experimentado um clima
prevalecente anti-budista na corte e capital. Para revitalizar o budismo na nação, Trisong, em 762, decidiu atacar os
anti-budistas e declarou as doutrinas de Buda como religião oficial do Tibete em um édito imperial, ousadamente
minando toda a tradição tibetana que inclusive legitimava sua própria posição de tsenpo, de divindade no trono.
Nenhum dos seus antecessores no trono tibetano tinha realizado algo tão ousado, apesar de alguns, como Songtsen,
terem apoiado a construção de templos budistas pelo reino. E esse precedente ajudou a presença de algumas
comunidades budistas no Tibete, alguns chineses inclusive, a estabelecerem-se no reino que foram gradativamente
sendo incorporados ao sistema burocrático e, assim, promover nos documentos oficiais e sacros a língua tibetana.
Mas outros, mais ligados à tradição, sentiram-se traídos com a decisão imperial, considerando como corrompida a
identidade cultural tibetana, conforme nos informa os anais chineses da Dinastia Tang [592]. Outras fontes apontam
para a desconfiança de alguns tibetanos, relacionando o budismo com a presença de chineses vistos como
estrangeiros.
A adoção do budismo no Tibete fora crucial para o futuro da cultura tibetana. E nisso, pela tradição tibetana, foi
obra mais das convicções do próprio Trisong que reconheceu a importância dos ensinamentos de Buda. Estudiosos
modernos, atualmente, buscam entender as motivações políticas de tal conversão do monarca. Muitos de seus
opositores à sua ascensão ao trono eram ligados às regiões e clãs anti-budistas e a adoção oficial do budismo,
portanto, foi uma maneira de limitá-los no estado e poder. No contexto mais amplo, a decisão de Trisong favoreceu
contatos e redes internacionais, ligados ao budismo, entre regentes, monges e mosteiros na Índia, Nepal e China.
Nesse sentido, se os tibetanos almejaram ter um império a incluir inúmeros povos e culturas, o budismo foi mais
adequado a essa pluralidade do que as crenças tradicionais tibetanas vistas por estrangeiros como paroquiais. E o
budismo pôde proporcionar uma unidade coesiva cultural ao nascente império na Ásia da época [593].
Havia outra religião internacional que os tibetanos com que os tibetanos tiveram contato. Em 715, a corte
tibetana decidiu enviar uma embaixada a um governador árabe solicitando-lhe um professor a ensinar as doutrinas
do Islã. E, conforme nos narra um escritor árabe do século 9 [594], houve até certa simpatia de um regente tibetano da
época em adotar o Islã e mandou ao califa em Bagdá uma estátua dourada de Buda para ser enviada para Meca! [595]
Aparentemente a estátua não chegou a sobreviver por muito tempo por acusações muçulmanas de adoração a ídolos
e imagens. Ainda não se sabe a veracidade desses curiosos relatos que poderiam ser fruto da imaginação e desejo do
escritor árabe.
A Igreja cristã teve algum alento de esperança com os tibetanos. O patriarca da Igreja Nestoriana, Timóteo I
(727-8 – 823), chegou a redigir uma carta na década de 790 endereçada ao tsenpo, exortando-o a incluir os domínios
tibetanos na cristandade. E ofereceu inclusive a nomear um bispo e mandar ao reino asiático, conforme tinha feito
com os turcos [596]. Mas, apesar das expectativas do patriarca, os tibetanos não pareceram interessados no
cristianismo. Nem aos maniqueístas da Pérsia, pois houve um édito condenatório de Trisong que considerou o
profeta Mani como um mentiroso.
Com relação às diferenças de práticas e doutrinas, a ideia de que nossas ações e atitudes em encarnações
passadas, carma, e as atuais a influenciar as futuras, foi de encontro com as maneiras tradicionais tibetanas de evitar
os sofrimentos e misérias aplacando os deuses e espíritos. Os missionários budistas enfatizaram os ensinamentos de
renascimento, de que nossa alma renasce em forma de seres considerados inferiores, sejam como fantasmas ou
animais, ou superiores como humanos e divindades. Possibilidades essas abertas a todos, sem exceção, conferindo a
essa doutrina um forte apelo universal independente da condição social, de gênero ou étnica. Ou como o próprio
ensinamento de Buda [597] expressa que ele é compassivo (karuna) a todos os seres humanos e vivos por igual, e
protege a todos sem distinções e limites [598]. Além do carma como agente de felicidade e tristeza, os missionários
budistas ensinaram sobre um estado completamente além dos ciclos de renascimentos. Esse estado, o do próprio
Buda, é livre de conceitos como “eu” e “outro”, “meu” e “seu”. É repleto de compaixão absoluta e infinita.
O budismo, pois, gradativamente mesclou-se com as práticas e crenças tibetanas. Os espíritos tradicionais do
Bon ainda eram cultuados, assim como foi mantida a divindade do tsenpo. Mas o budismo ofereceu ao Tibete,
entrando em sua fase imperial, uma nova identidade e possibilidades políticas nas regiões vizinhas. E foi o papel de
Trisong que fez com que essa religião se tornasse oficial do estado e fosse ativamente promovida, indo muito além
da corte, a propagar o budismo para todo o império.
O estabelecimento do budismo no Tibete por Trisong Detsen tornou-se mito para os budistas tibetanos nos
séculos posteriores, idealizando-o como uma espécie de regente exemplar budista que seguiu o caminho certo, de
virtude e qualidades, o darma [599]. Mas as origens anteriores apontam para um começo mais conturbado e incerto.
Uma das principais histórias tibetanas sobre a introdução do budismo no país explica que quando uma estátua de
Buda fora trazida da China pela noiva de Songtsen Gampo, ela foi posteriormente tirada do templo e enterrada.
Esses foram os tempos de perseguição e denúncias contra o budismo no Tibete [600]. E os templos foram fechados em
Lhasa, alguns inclusive foram transformados em abatedouros de animais. Os rituais religiosos e fúnebres budistas
foram igualmente desprezados e banidos.
Mas o budismo não fora completamente suprimido. Houve um nobre tibetano em Lhasa, Ba Selnang, que tinha
perdido seu filho e filha, que ordenou que um ritual tibetano tradicional fosse executado fora de sua casa. Mas
dentro de seus aposentos domésticos chamou discretamente um monge chinês a realizar os ritos budistas. Após essas
cerimônias, o monge perguntou ao pai desconsolado se queria o renascimento dos filhos em forma humana ou
divina, ao que Selnang escolheu como deuses, e a mãe, apegada emotivamente, escolheu como humanos. O monge
então colocou uma pérola, parte dela pintada de vermelho no lado esquerdo, na boca de cada criança falecida. E
apontou que o menino nasceria divino e a menina como uma criança dotada de todas as virtudes. Passado algum
tempo, nasceu uma criança na família, uma menina com uma pérola avermelhada em seu dente [601]. E assim,
impressionado, Ba Selnang converteu-se plenamente ao budismo, praticando-o em segredo.
Na época do mandato de Trisong Detsen, houve uma política de promoção do budismo pelo Tibete, e o tsenpo
procurou um sábio e professor budista pelo reino. Ba Selnang voluntariou-se em buscar tal pessoa, indo ao reino do
Nepal, onde conheceu um eminente religioso budista de origens bramânicas, Shantarakshita (725 – 788) [602], e
convidou-o ao Tibete. Ao chegar ao Tibete, Trisong começou a estranhar alguns ensinamentos e ritos preconizados
pelo novo hóspede, desconfiando de que estivesse se desviando do verdadeiro darma budista. Shantarakshita foi,
então, aprisionado no templo de Jokhang em Lhasa para ser melhor observado e interrogado. Mas como ninguém
conseguia se comunicar proficientemente com o nepalês, foram então encontrar um tradutor. Ao final, encontraram
outro brâmane chamado Ananta, homem culto e educado que habitava no Tibete desde o exílio de seu pai. Ananta
foi para Jokhang e submeteu Shantarakshita a um extenso interrogatório. E assim, Trisong ficou depois convencido
do zelo budista do custodiado.
Nos anos seguintes, o tsenpo passou a efusivamente promover o budismo pelo Tibete, e a perseguir e aniquilar
todas as crenças tradicionais tibetanas anteriores. Mas uma série de catástrofes atingiu o Tibete, incluindo alguns
templos budistas e o palácio real em Lhasa. Preocupadas, as pessoas na corte começaram a questionar se as decisões
do tsenpo provocaram a ira dos deuses locais. Vendo isso, Trisong decidiu enviar de volta ao Nepal Shantarakshita
até que as coisas se acalmassem. Decorridos alguns anos, o monge nepalês foi chamado de volta ao Tibete, trazendo
consigo um adepto budista tântrico [603] chamado Padmasambhava (fig.). E foi este que finalmente abrandou a ira dos
deuses tibetanos locais, impressionando a todos os sacerdotes e mundanos. Juntamente com Shantarakshita e com a
aprovação de Trisong começaram a construir um magnífico novo templo budista de Samye [604]. E assim concluído, o
budismo passou a florescer no Tibete a partir do século 8.
Fig. - Padmasambhava ou Guru Rinpoche.

Os problemas haveriam de aparecer outras vezes, muito em parte causados por desconfiança de cortesãos,
sacerdotes e nobres tibetanos sobre os recém-chegados. Mas o poder e a popularidade de Padmasambhava não
cessaram de crescer e sua fama indo de boca em boca pelo reino. Chegou, empregando seus métodos tântricos e
mágicos, a descobrir novas fontes de água, e propôs novos métodos de irrigação em torno de Lhasa. Os rumores,
entretanto, dos seus opositores cresceram em igual medida à sua popularização, resultando em momento derradeiro
na sua expulsão do Tibete por ordem dada de Trisong Detsen. O legado desse extraordinário homem ficou evidente
nos séculos posteriores, e virou um herói da cultura tibetana, referido como o “Precioso Professor”, Guru Rinpoche.
Como testamento desses tempos, o templo de Samye (fig.) erguido no sul tibetano em Lhoka, apresenta os
elementos inspirados no templo indiano de Odantapuri, no estado de Bihar. O plano do templo que fica no vale do
rio Tsanpo apresenta uma nítida influência indiana, mas também com elementos chineses e de Khotan. O mosteiro
do templo demonstra a concepção indiana do mundo, na manifestação do imponente Monte Meru no centro e os
quatro continentes ao seu redor nos pontos cardinais [605]. Samye representa, em essência, a combinação de
influências que o Tibete tinha à época de sua construção e atesta pela sua magnitude o fervor da nova religião
adotada. Apesar de ter sofrido com as calamidades naturais e políticas nos séculos posteriores, ainda se pode ler na
entrada principal num pilar o juramento do tsenpo em proteger o budismo no Tibete.

Fig. - O atual templo de Samye, em Lhoka, Tibete.

Outra vertente do budismo também floresceu no Tibete. O budismo maaiano, significando “grande veículo”, teve
grande aceitação entre os professores e sacerdotes em Lhasa e no Tibete. Seus princípios básicos apontam para a
superação das insatisfações mundanas (dukkha), e transcender o círculo vicioso do sofrimento e renascimentos
(samsara), objetivando a todos a alcançar o estado da iluminação (nirvana). A disputa com relação a outras escolas
do budismo como a teravada, defendida por muitos indianos à época, diz respeito a como conseguir tal iluminação,
que transcende e fica além de toda a dependência das coisas no mundo (pratitya-samutpada). Os budistas não-
maaianos insistem na necessidade de combinação rigorosa de meditação, análise e práticas de boa conduta ética.
Para os adeptos do “grande veículo”, essa combinação resume-se às Seis Perfeições: generosidade, moralidade,
paciência, energia, meditação e sabedoria.
Essas disputas começaram a reverberar no Tibete, ameaçando explodir em conflitos religiosos em grande escala.
Os adeptos indianos começaram a apontar para os equívocos dos chineses maaianos no Tibete e passaram a tentar
convencer o regente tibetano disso. E disso irromperam atos de extremismo entre a comunidade maaiana, como a
autoimolação, suicídio e até mesmo ameaças contra a vida dos adeptos indianos. Trisong, angustiado, resolveu
buscar conselhos no templo de Samye e decidiu por um debate entre as partes budistas. Para representar ambos os
lados, foi chamado um brilhante estudante de Shantarakshita, Kamalashila (740 - 795), da Índia. E do lado chinês,
Moheyan.
No dia do debate, no complexo de templos de Samye, ambas as partes concordaram com a ilusão e
impermanência inerentes ao conceito de samsara, e de que não havia coisas permanentes e independentes, pois tudo
fazia parte de um todo interdependente, existindo apenas de maneira relativa aos outros. Os dois lados discordaram
como a percepção das coisas se davam. Moheyan colocou de forma sucinta sua posição, afirmando que deveria ser
cessado o pensamento corrente que distingue em dualidades as ações virtuosas e corrompidas, que fazia parte do
problema do pensamento comum que impedia o rompimento do samsara. Esses pensamentos eram como
obstáculos, como nuvens brancas ou negras, a impedir a passagem da luz solar. Seria possível, pois, aos discípulos
chegarem à iluminação evitando as armadilhas e limitações desses pensamentos comuns, corriqueiros.
Para Kamalashila, a abordagem de Moheyan ia de encontro à necessidade de um pensamento acurado e analítico
da realidade para se chegar à sabedoria. Apenas pela mente analítica poderia ser superada os conceitos errôneos do
cotidiano. Pela sofisticação dos argumentos posteriores apresentados pelo lado indiano, este foi considerado mais
convincente aos olhos do tsenpo. E este passou então a favorecer mais os adeptos indianos, que pregavam um
processo mais gradual de sabedoria e iluminação espiritual, e, portanto, rejeitando a abordagem instantânea dos
budistas maaianos chineses. E, por extensão, as escrituras budistas indianas foram preferidas sobre aquelas da escola
chinesa no Tibete. Assim é a forma como nos diz a versão tibetana da história. A versão chinesa apresenta uma
versão mais matizada e historiadores em tempos atuais chegam a questionar se o evento realmente aconteceu, ou se
foram mesmo uma série de discussões e encontros [606]. Mas o fato é que a versão contada pelos tibetanos se tornou a
narrativa predominante e ajudou a moldar a consciência do budismo no Tibete. E o caminho graduado defendido
pelos budistas indianos veio a caracterizar o budismo tibetano nos próximos séculos.
Assim sendo, Trisong na segunda metade do século 8 passou a enviar convites para sábios e professores budistas
indianos e nepaleses, que uma vez na capital tibetana, passaram a traduzir do sânscrito boa parte das escrituras
budistas para o tibetano. Esse imenso projeto de tradução e compilação faz parte de um dos maiores cânones
religiosos do mundo. Quando reunidos séculos depois, a coleção chegou a cerca de 300 volumes. E deu um novo
fôlego e forma para a língua e cultura tibetana, com novos conceitos e vocábulos. O Tibete agora já contava com
uma sofisticada cultura e literatura em língua própria, fundamentado num império coeso em torno do budismo. E foi
pelo império tibetano que o budismo tibetano se espalhou para algumas regiões da China, para a Mongólia e partes
da Ásia Central.

China (907 – 1279)


Dinastia Song
Após a dissolução da Dinastia Tang, houve um período de 53 anos de caos e desunião. O sul chinês se dividiu
em dez pequenos reinos. O norte permaneceu unido, mas cinco dinastias (Liang Posterior, Tang Posterior, Jin
Posterior, Han Posterior e Zhou Posterior) sucederam-se em rapidamente. Finalmente, em 960, a guarnição do
exército baseada em torno de Kaifeng seguiu o exemplo de seu antecessor. Depôs o último imperador Zhou local e
ofereceu o trono ao seu comandante, o general Zhao Kuangyin. Zhao aceitou com a condição de que a vida do ex-
imperador fosse poupada. Então ele mudou seu nome para Taizu (r. 960 - 976) proclamou a fundação da Dinastia
Song e usou sua diplomacia para persuadir os estados do sul a se juntarem a ele. Em todos os sentidos, ele se
destacou como o exemplo ideal de um governante confucionista virtuoso.
Com a China novamente reunificada em 979, Taizu passou a priorizar a redução do poder detido pelos generais
que causaram tantos problemas desde os anos Tang. Ele teria dito que não conseguia dormir tranquilamente à noite
porque ficava pensando que o manto amarelo do imperador poderia algum dia ser colocado em um de seus
camaradas da maneira como foi colocado nele. O tamanho de cada divisão no exército foi cortado, especialmente se
seus soldados mostrassem sua lealdade a qualquer pessoa além do imperador, e o turno de serviço militar para
unidades longe de Kaifeng foi encurtado para três anos. Os primeiros imperadores Song também centralizaram
fortemente o governo para tornar a burocracia mais eficiente e mais leal. Em outros aspectos, o expressivo
crescimento do comércio marítimo durante os anos Tang significou que o controle da fronteira noroeste não era mais
tão essencial para a economia chinesa. O pagamento de tributos aos povos nômades custou apenas uma fração do
que um grande exército permanente exigia e assim foram evitadas as incertezas das guerras e invasões das fronteiras.
Além disso, a população das terras ao sul do rio Yangzi havia triplicado durante a era Tang, aumentando
consideravelmente a renda imperial através de impostos e dando ao governo imperial uma orientação cada vez mais
voltada para o sul.
Esse pacifismo não perdurou por muito tempo, no entanto. O primeiro desafio adveio de acontecimentos
históricos anteriores. Durante o período das "cinco dinastias" os khitans substituíram os uigures como a tribo
dominante na Mongólia e na Manchúria. Nos primeiros anos do século 9 esses povos começaram a romper a Grande
Muralha e conquistar a província de Hebei no nordeste da China. A capital de Hebei, Yan (atual Pequim), tornou-se
a nova capital de um reino vigoroso e independente, o de Liao. Em 1004, após vinte e cinco anos de combates, os
chineses não conseguiram colocar os khitans em seu lugar e o imperador assinou um tratado que firmou a paz com o
pagamento de um tributo anual aos khitans (fig.). Isso funcionou, mas encorajou outros bárbaros a tentar o mesmo
jogo. Quarenta anos depois, uma tribo chamada de tanguts migrou do planalto tibetano e fundou um reino chamado
de Xi Xia nas províncias de Gansu e Ningxia (mapa). Os chineses agora se viram pagando tributo a duas nações
nômades, e embora o tributo nunca tenha ultrapassado 2% do orçamento do governo de Song, o governo logo sentiu
o aperto financeiro pelos altos custos de defesa e administração das linhas de fronteira.

Fig. – Pintura do século 11 da Dinastia Song, de senhoras processando a seda. Como parte do acordo no Tratado de Shanyuan, o reino de Song tinha
que enviar um tributo anual de 200 mil peças de seda aos khitans de Liao.

Mapa – Os reinos de Song, Liao (norte) e de Xi Xia (noroeste), no século 10.

Houve tentativas de drásticas reformas administrativas, fundiárias e tributárias no reino de Song, implementadas
por um talentoso ministro chamado Wang Anshi (1021 - 1086) no século 11, mas o clamor contra essa nova política
foi intenso. Não apenas dos membros da classe alta que tinham interesses na manutenção do sistema da época, mas
também de acadêmicos conservadores confucionistas que defendiam que apenas pensamento correto deveria guiar
os homens e não uma regulamentação governamental na vida cotidiana. O ministro conseguiu testar seu plano,
conhecido como “Novas Políticas”, de 1079 a 1085, mas após a morte de seu patrono, o imperador Shenzong (r.
1067 - 1085), os conservadores logo voltaram ao poder e desfizeram a maior parte de seu trabalho. Então o próximo
imperador, Zhezong (r. 1085 - 1100), deu nova chance às reformas em 1093. Não se chegou ao consenso se as
políticas de Wang Anshi foram de fato úteis ou prejudiciais ao reino de Song, mas houve considerável aumento de
gastos e desgaste político na China que depois haveria de lhe custar caro.
Em 1122, o oitavo imperador Song, Huizong (r. 1100 - 1126), tentou se livrar dos khitans pagando tributos a
outra tribo manchuriana, os jurchens, a atacá-los. Não funcionou como planejado e isso raramente encontra sucesso,
ecoando Maquiavel que advertiu que os mercenários são sempre uma péssima barganha, porque arruinarão seu
patrono se forem soldados pobres e destruirão seu patrão se forem afortunados [607]. Neste caso, o último cenário
aconteceu na China de Song. Os jurchens expulsaram os khitans da China, mas depois atravessaram o rio Amarelo e
atacaram a capital Song, Kaifeng que foi saqueada em 1127. O limite dos avanços e saques dos jurchens se deu
apenas no o rio Yangzi. A partir disso, os jurchens estabeleceram um reino próprio na Manchúria e na planície do
norte da China que chamaram de Jin, que significa ouro, porque, como eles dizem, "o ferro enferruja, mas o ouro
dura para sempre". Os Songs estabeleceram sua corte mais para o sul, em Hangzhou, no extremo sul do Grande
Canal, e lá tentaram continuar o status imperial de antes de 1127. Por essa razão, chamamos os anos de 960 a 1127
de Período de Song do Norte, e de 1127 a 1279, Período de Song do Sul.
Song durou mais 152 anos a partir de 1127, pagando mais tributos do que antes. Embora Song do Sul fosse
militarmente limitada, foi expressiva na área cultural. A boa administração financeira do governo da Song do Sul
rendeu-lhes mais prosperidade e riqueza do seu antecessor no norte [608]. Os imperadores do sul levaram os
ensinamentos de Confúcio a sério, de todas suas regras estabelecidas para a vida cotidiana, pois implementaram
departamentos próprios de inspetores a monitorar o governo e funcionários a evitar a corrupção. E até tinham
inspetores observar o próprio imperador, para detectar rapidamente qualquer desvio de comportamento que podia
levá-lo a perder o Mandato do Céu. Consequentemente, poucas vezes Song do Sul esteve em perigo de rebelião,
nem de atividades corruptas de funcionários, eunucos e concubinas. A dinastia decaiu devido a décadas de conflitos
de uma nova e formidável força bélica difícil de lutar advindas, mais uma vez, das estepes asiáticas do norte chinês.
Essa nova potência do norte eram os mongóis, um grupo de tribos que se uniram por Gêngis Khan em 1206.
Uma vez ordenada a unidade de sua nação, os mongóis iniciaram uma série de guerras para conquistar o resto da
Ásia e além (mapa). Como a China é o vizinho mais próximo da Mongólia, o novo conquistador foi logo atrás das
riquezas da China. O reino de Xi Xia foi atingido pela primeira vez por ataques mongóis em 1209. Jin foi
sistematicamente invadido a partir de 1211. O reino Liao caiu em 1215 e os jurchens fugiram para Kaifen. A cidade
de Yan foi depois renomeada pelos mongóis como Yan Khanbaligh, "Cidade dos Khans" - Marco Polo a chamou de
Cambalique (ou Cambaluque, atual Beijing ou Pequim). Xi Xia foi destruída em 1227, o ano em que Gêngis Khan
morreu. A última parte do império dos jurchens, nas províncias de Henan e Shandong, foi conquistada em 1234.

Mapa – As ofensivas mongóis sobre a Ásia e sobre a Dinastia Song (Sung no mapa) no século 13.

Passou agora a ser a vez de Song do Sul, mas eles tiveram certo alívio enquanto os mongóis se concentravam
mais sobre as terras da Coreia, Rússia e Oriente Médio. Isso terminou em 1251, quando Kublai Khan (r. 1260 -
1294), neto de Gêngis, iniciou a invasão do sul chinês. Isso levou mais tempo do que a conquista do norte, porque o
terreno subtropical úmido não era adequado para a cavalaria que compunha a maior parte do exército mongol. Os
militares de Song do Sul também eram mais numerosos e tecnologicamente mais avançados do que qualquer outra
nação que os mongóis haviam defrontado até então. No final, foi provavelmente a deserção dos comandantes das
frotas Song que acabaram com a guerra, pois sem eles o controle do litoral e os canais teriam sido impossíveis. Mas
Kublai nunca pareceu duvidar de sua vitória. Em 1271 ele se proclamou o primeiro imperador chinês da dinastia
mongol de Yuan. Hangzhou foi capturada em 1276 e, em 1279, toda a China estava sob o domínio mongol.

Tibete (Séculos 9 - 13)


Em 797, as incertezas da sucessão do grande tsenpo, Trisong Detsen, estavam cada vez mais evidentes. No
referido ano, o tsenpo havia abdicado em favor de seu filho mais velho. Mas algo inesperado aconteceu, pois, esse
seu herdeiro morreu depois de governar por apenas alguns meses. Após essa morte suspeita, outro filho foi colocado
no trono. Selang, no entanto, mostrou-se despreparado para o poder, e Trisong Detsen teve que voltar ao trono por
certo período. Restavam apenas mais alguns anos de vida ao velho tsenpo e depois que ele veio a falecer, os
conflitos pela sucessão ganharam força no Tibete. Pois havia outro filho de Trisong a reivindicar o trono imperial.
Senaleg (r. 804 – 816) então recuperou o trono e o seu desafiante chegou a morrer provavelmente assassinado em
804.
Senaleg, apesar das suspeitas envolvidas na morte de seu rival ao trono, permaneceu um convicto budista como
seu pai. E durante seu mandato, o budismo floresceu como nunca no Tibete. Dois de seus mais influentes e
próximos conselheiros eram monges budistas, chamados pelo título de Bandé, que operaram na mais alta esfera
política, garantindo a permanência budista dos tempos de Trisong Detsen [609]. Nisso, houve generosos
financiamentos de tradução e compilação ao tibetano da literatura budista indiana. Que com o tempo garantiu uma
notável consistência do cânone budista no país.
Nas fronteiras ao oeste, os tibetanos intensificaram seus esforços de garantir as fronteiras de seu império. O
califa abássida Harun al-Rashid (763 - 809) desprezou os acordos feitos com os tibetanos e começou a fustigar as
regiões com a ajuda de aliados persas da região de Khorasan (Coração) e de turcomenos de Fergana, na Ásia Central
[610]
. Há relatos de uma contraofensiva tibetana na repressão desses avanços muçulmanos que progrediu até a cidade
de Samarcanda. Quanto aos chineses, a Dinastia Tang havia enfraquecido desde as rebeliões do século 8 e o último
dos tratados sino-tibetanos foi firmado somente em 822, a estabelecer uma fronteira entre os dois impérios. Essa
fronteira resultou em celebrados pilares espalhados pelo império tibetano, um deles em Lhasa, outro em Chang’an e
o terceiro em Qingshui. E nesses pilares, escritos em tibetano e chinês, consta juramentos de respeito e lealdade
entre as partes, a respeitarem os termos do budismo invocando as Três Joias: o Buda, seus ensinamentos e ideais
(darma) e a comunidade universal de seguidores (sanga).
À época da assinatura desse tratado, outro tsenpo já estava entronado, Trisug Detsen (r. 815 - 836), mais
conhecido como Tri Ralpachen ou Ralpacan. Seu nome veio de seus longos cabelos trançados, e firmou-se na
história tibetana como o mais fervoroso dos imperadores budistas. Isso se deve em boa parte pela influência decisiva
de monges influentes em seu gabinete dominado por Palgyi Yonten. Foi durante o seu reinado que um amplo e
extenso programa de construção de templos e mosteiros foi promovido, cada qual a ser dotado de certo lote de terra
e famílias locais a sustentarem o plantio. Essa foi uma das características fundiárias marcantes do Tibete, os
mosteiros como maiores proprietários de terras no país. Com o fervor de Ralpacan, grandes lotes do império foram
controlados pelas instituições budistas.
O tsenpo também ordenou a publicação de uma vasta quantidade de obras budistas. Pela extensão do império, as
virtudes budistas foram copiadas visando incutir a ética em todos os cantos [611]. Essas virtudes incluíam a proibição
de matar, roubar, sexo inapropriado, mentir, difamar, fofocar, cobiçar, odiar. Ao mesmo tempo, centenas de cópias
de escrituras budistas, como as sutras da Perfeição da Sabedoria Transcendente (Prajnaparamita) [612], foram
empreendidas. Deve-se entender que essas políticas e ações, na cultura budista, trazem em si um mérito ao fazer
doações para monges, construção de templos, copiar e traduzir as escrituras e erguer estátuas do Buda, aprimora-se
pelo sistema de causa e efeito, o carma, a sua condição nesta vida e nos próximos renascimentos.
A disseminação do budismo pelo Tibete trouxe também resistência e ressentimento. Alguns monges foram
insultados e agredidos, templos eram, por vezes, depredados. Ralpacan, visando coibir tais atos, anunciou uma série
de castigos e penas severas. Foi dito que sua consideração pelos monges era tamanha que tinha sempre amarrado a
uma trança de seu cabelo um pedaço de pano em que o religioso tinha se sentado, simbolicamente, colocando a sua
cabeça abaixo do monge. Mas, aparentemente, o tsenpo era uma figura política fraca e muito impressionada pelos
seus ministros e conselheiros de monges mais próximos. Explica-se, nesse sentido, sua generosa política budista. E
foi Palgyi Yonten que presidiu a assinatura do tratado de paz e fronteiras com os chineses. Mas o descontentamento
de adversários estava assomando-se contra essa predominância monacal.
A atividade rebelde cresceu contra essa influência de monges ministros em torno da figura do imperador
tibetano. E a figura central a que objetivaram era a de Palgyi Yonten, e passaram a difamar sua imagem espalhando
rumores de que o monge não atendia aos princípios do darma, nem às virtudes budistas, e mesmo acusando-o de ter
casos amorosos com personalidades da corte imperial. Nesse sentido, parecem ter conseguido a vontade do tsenpo
que o enviou ao exílio quando depois foi perseguido e morto, demonstrando a fraqueza e inépcia do imperador em
coibir tais rebeldias e insubordinações. Nos últimos anos de sua vida, Ralpacan passou a ocupar muito mais uma
posição simbólica a delegar as funções políticas vitais em mãos de seus ministros e de seu irmão, U Dutsen (c. 799 -
841), depois conhecido como Langdarma, que alimentavam convicções anti-budistas.
Langdarma era, em comparação com seu irmão, uma figura totalmente diferente. Ganhou o apelido de Lang,
“boi”, e apreciava em excesso as festas, as bebidas alcoólicas e a caça. Era, a princípio, um candidato improvável ao
trono imperial, mas era uma figura imponente e impositiva que satisfazia às ambições daqueles que desejavam
afastar a influência dos monges budistas na corte real. Muitos desses contestadores eram líderes e nobres dos clãs Ba
e Chogro, que tinham há tempos planejado assassinar Ralpacan. A ocasião surgiu em 836, e conta-se de que estava
sozinho num templo em Maldro e morreu devido a um descuido e queda. Outras versões contam que Ralpacan
esteve desmedidamente embriagado e foi depois morto pelo pescoço por dois conspiradores [613]. Foi o prenúncio dos
tempos conturbados e desagregadores do império do Tibete.
Com pouca contestação e muitos aliados, Langdarma foi colocado no trono em 836, abrindo um novo aspecto da
figura do tsenpo, apresentando-se numa vida de bebidas, caças, festas, e com uma ampla redução no orçamento do
governo com projetos budistas. Fecharam-se as instituições e escolas de tradutores e escritores de escrituras
budistas. O último templo encomendado pelo fervor de Ralpacan, o de Onchangdo, fora deixado sem inauguração
pelos ritos consacratórios apropriados. A corte tibetana foi purgada de monges budistas e os mosteiros pelo país
foram perdendo todos os seus privilégios, propriedades e força de trabalho. Muitos monges, nesse cenário, entraram
numa vida de clandestinidade e fuga para o exterior em busca de exílio.
E mais uma vez, as paixões políticas resultaram num plano para assassinar o novo tsenpo. Dessa vez pelas mãos
de um monge, Lhalung Palgyi Dorje, abade do templo de Samye. O religioso realizou seu intento em 842, quando
invadiu o palácio real, defrontou-se com o imperador e o matou com o uso do arco e flecha [614]. O abade,
naturalmente, sabia que a matança era contra os ensinamentos de Buda, e de que assim procedendo iria afetar seu
carma e renasceria como um ser inferior ou até mesmo nos domínios do inferno nos próximos renascimentos.
Angustiado depois do atentado, o monge fugiu a galope para longe de Lhasa, para as regiões mais afastadas do
império a leste, em Kham, levando consigo alguns livros budistas para buscar futura redenção. As crônicas
tibetanas, posteriormente, tratam o episódio de maneira mais delicada. Cientes da gravidade do assassinato, as
páginas consideram o abade como um mal necessário para resgatar o budismo e preservar os ensinamentos de Buda
no Tibete. Lhalung fora considerado um espírito benevolente a realizar um mal para salvar a vida de muitos outros
budistas no futuro.
O ano de 842 fora de muitas incertezas no horizonte futuro do Tibete. Pois Langdarma não deixou nenhum
herdeiro inconteste. Havia um filho seu de uma princesa de linhagem menor, mas a rainha viúva não aceitava tal
sucessão e buscou então convencer a todos na corte de que tinha um bebê legítimo ao trono. O nome dele era
Yumten, e o de seu concorrente ao trono, Osung. Foi em torno dessas duas figuras que as tensões no Tibete forçaram
a unidade do império a ponto de ruptura. Até então, durante quase dois séculos, os clãs tibetanos eram aliados e
submetidos à autoridade do tsenpo. Agora, havia dois candidatos ao tsenpo apoiados por clãs hostis prestes a entrar
numa guerra civil.
Além do mais, o império era vasto demais para ser deixado sem uma clara autoridade central, ainda mais após as
convulsões depois do assassinato de Langdarma. Para agravar ainda mais a situação, houve uma série de colheitas
desastrosas no Tibete após 842, esvaziando os cofres públicos e incontáveis pessoas em penúria e miséria, um clima
ideal para revoluções.
Não somente o Tibete estava em condições difíceis. A China da Dinastia Tang estava lutando para acabar com
rebeldias sucessivas pelo seu império. Os mosteiros e escolas budistas pela China foram fechados e suas
propriedades confiscadas. Os turcos nas regiões centrais da Ásia esforçaram-se contra as invasões de povos nômades
das estepes no século 9. E os uigures começaram a invadir e dominar os domínios antes tibetanos na Ásia Central.
O golpe fatal contra a integridade imperial tibetana foi causado internamente. Os dois príncipes postulantes ao
trono digladiaram entre si e isso polarizou o país. Os partidários de Osung tentaram reverter a política de Langdarma
e passaram a promover o budismo novamente nas regiões mais periféricas do reino. Enquanto os apoiadores de
Yumten consolidaram seu poder nas regiões centrais do Tibete. Dunhuang, cidade próspera e parte essencial da Rota
da Seda, foi capturada em 848 por um líder de guerra chinês, à frente de um exército leal e motivado. Essa mudança
acarretou uma série de outros eventos que se espalharam pelo Tibete. Alguns pensaram que o espírito do monge
assassinado, Palgyi Yonten, tinha voltado para fazer sua vingança pela terra. A lenda diz que esse monge ia de um
lugar ao outro, a matar todos os nobres e aliados da causa anti-budista, tornando-se um símbolo de medo e confusão
dos tempos no Tibete.
No início do século 10 estava nítida a desagregação tibetana. Qualquer aparência de uma autoridade centralizada
caiu em ruínas depois de uma grandiosa revolta. Vários líderes de clãs que antes tinham se submetido e se aliado ao
tsenpo agora abertamente denunciavam tal autoridade e passaram a consolidar seus poderes em níveis regionais. O
fim definitivo do culto do tsenpo veio quando vários nobres de clãs se uniram para invadir e saquear as tumbas reais
antes consideradas sagradas. E não demorou muito para que os templos e escolas budistas sofressem o mesmo
destino, causando a dispersão de monges e estudiosos budistas. O império tibetano estava se despedaçando, sua
coesão ideológica contestada e seus símbolos saqueados. E não haveria mais um império nos moldes que foram
construídos desde os tempos de Songtsen Gampo. Os exércitos tibetanos tinham se fragmentado em diversas
lealdades a depender da região tibetana. E não poderiam assim apresentar uma frente unida forte o suficiente contra
a invasão estrangeira. A esse tempo de confusão os tibetanos se referem como “A Era da Fragmentação” [615]. Os
monges viviam amedrontados e muitos fugiram para o exílio, onde pudessem achar um templo ou escola, a
preservar ou propagar a mensagem de Buda.

Mapa - Tibete com as regiões destacadas de U-Tsang, Amdo e Kham.

Alguns desses corajosos monges foram emigrar mais para o oeste, em Amdo (mapa), e ali encontraram um
refúgio dos turbilhões no Tibete Central e puderem se assentar em templos e mosteiros erguidos na época de
Ralpacan. Amdo acabou tornando-se região de refugiados budistas tibetanos, e prosperou fornecendo-lhes abrigo,
proteção e apoio, essenciais nas transações culturais e comerciais necessárias para as rotas comerciais internacionais
da Rota da Seda. Outras partes antes integrantes do império tibetano, como Azha ao norte, tornaram-se foco de
preservação da língua e cultura tibetana. De fato, a língua tibetana, depois de séculos de império em toda a região
central asiática, tornou-se uma das línguas francas, e muitos budistas, monges, comerciantes, chineses, turcos e
khotaneses entre outros falaram fluentemente o tibetano a tratar dos assuntos cotidianos e espirituais. Foram essas
comunidades de refugiados tibetanos, a encontrar um lugar de proteção, que a cultura e língua, a história e memória
tibetana foi preservada que séculos depois seria resgatada de volta para uma época de renascimento budista no
Tibete.
Mas havia ainda a necessidade dessa comunidade budista tibetana achar um líder espiritual que pudesse, de
maneira enérgica e criativa, preservar e manter a identidade dessa cultura em dispersão. E foi na figura de um jovem,
conhecido por Heshan Gebak, que passou um tempo a aprender entre monges refugiados o budismo. O menino
apresentou um interesse e inteligência notáveis, e foi recompensado, pelo que a tradição nos conta, com uma visão
divina de um boditsava de compaixão. Inflamado com essa mensagem, de proteção e orientação a todos os seres
para a iluminação, o menino procedeu em estudar para ser ordenado monge. Esse novato recebeu o nome budista de
Gewasel ou Gongpa-sel, “Luz da Virtude”. No afã de sua nova condição, e impaciente com a condição dos tempos,
passou a percorrer todas as regiões possíveis onde pudesse encontrar mais ensinamentos do Buda. Após muitos anos
de andança, desde as regiões dos turcos ao norte, em Kham e Amdo, além do Tibete Central, o jovem monge decidiu
refugiar-se para aprendizado e meditação numa região remota na montanha de Dentig. Sua fama espalhou-se pela
região, e muitos nesses tempos turbulentos começaram a fazer a custosa jornada para conhecer o afamado monge,
criando assim, com o tempo, uma numerosa comunidade de seguidores. Com o tempo, muito desses se tornaram,
com sua ajuda e instrução, monges e passaram a espalhar seus ensinamentos. Agora, rico e famoso, Gewasel
começou a financiar projetos de templos e estupas em Amdo [616].
A dispersão de budistas fez com que muitos seguidores de Gewasel chegassem a se inserir e ganhar status e
poder nos países da região asiática. No fim do século 10, a China sob a Dinastia Song (960 - 1276) tratou de elevar e
empoderar os monges budistas na sua sociedade [617]. Assim passaram a influenciar a condução política chinesa com
relação ao budismo e política tibetana inclusive na região de Amdo, local de origem dos seguidores de Gewasel. No
Tibete Central, diante do colapso da autoridade central e da decadência da sociedade budista, a tendência percorreu
um curioso caminho em que os antigos templos e estátuas começaram a ser cultuados pelos novos regentes e líderes
tibetanos, a partir do século 10, sem a compreensão ortodoxa do budismo. Assim, as estátuas do Buda eram referidas
como “O Grande Careca” ou “O Grande Cabeçudo” [618]. Os cultos e doutrinas budistas pareciam ecoar mais o
distante e glorioso passado tibetano, e aqueles que tinham algum conhecimento da religião eram considerados em
grande estima na sociedade tibetana.
Dois primos, descendentes da família real tibetana, resolveram mudar a política tibetana e buscaram resgatar o
budismo no país. Nesse intento, enviaram a Amdo jovens para estudar com Gewasel, e aprenderam novamente os
textos budistas e os preceitos éticos e filosóficos da Vinaia [619]. Após o período de aprendizagem, esses enviados
voltaram ao Tibete Central e foi atribuído a cada um deles papel de responsabilidade de revitalizar ordens
monásticas tibetanas, a começar pelo complexo monástico de Samye que se encontrava abandonado entre arbustos e
matas. A árdua tarefa atribuída a esses monges resultou numa gradativa criação e restauração dos monásticos pelo
Tibete Central.
No oeste do Tibete, outro renascimento estava acontecendo no antigo reino de Zhangzhung. Em 958, uma
criança havia nascido e com sinais de divindade budista. Aos treze anos de idade, esse menino começou seus
estudos do budismo, e recebeu o nome religioso de Rinchen Zangpo (958 - 1055). Logo sua curiosidade o levou para
estudar as escrituras na Índia, local de nascimento do budismo. No caminho, passando pela Caxemira, defrontou-se,
com seu companheiro de viagem, com bandidos que os reduziram à miséria. Foi quando foi encontrado mendigando
por um brâmane local, cujo nome era Shraddha Karavarman, que depois se tornaria seu guru espiritual. E foi esse
que o introduziu nas doutrinas mais avançadas do budismo tântrico de textos em sânscrito e o profetizou como um
futuro ser iluminado [620]. Depois de mais alguns anos de estudo na Índia, Rinchen Zangpo retornou ao Tibete e,
desconsolado pela morte de seu pai durante sua ausência, encomendou incontáveis mandalas [621] a servir de guia
para aqueles evitaram renascimentos infelizes e um caminho sereno no processo da morte.
Sua maior popularidade veio depois que decidiu, após um período de profunda meditação, denunciar um líder
budista no Tibete ocidental, conhecido como “Estrela do Rei Buda”. Em confronto, Rinchen Zangpo conseguiu
desmascará-lo e assim voltou a Lhasa, a pedido do rei Yeshe-O (c. 959–1040), a quem designou a supervisionar o
budismo no Tibete. Esse regente ardorosamente desejou implementar no seu reino a restauração das glórias passadas
do budismo tibetano, e a denunciar quaisquer práticas desviadas que pudessem vir da China, Nepal, Índia e regiões
adjacentes, principalmente as crenças tântricas que estavam se popularizando no Tibete. Era aos tantras que o rei
atribuía a decadência e degenerescência dos costumes e valores da sociedade no século 10, como a libertinagem
sexual e a matança de animais e humanos. De fato, o budismo tântrico passou a se popularizar no Tibete a partir dos
ensinamentos dos tantras de Mahayoga [622], e nessas propunha-se a plena libertação espiritual indo além das
convenções morais e sociais, em busca da perfeita união e libertação nas práticas sociais e sexuais. Esses cultos
perduraram por anos e prosperaram após a fase imperial tibetana, e ficaram ocultos aos olhos do público e dos
regentes, pois temiam ser perseguidos pelos costumes budistas ortodoxos. E uma das mensagens mais
revolucionárias dos tantras era a plena libertação da condição humana de gêneros, classes sociais e hierarquias da
sociedade.
Esse potencial desestabilizador do budismo tântrico popular fez com que o rei Yeshe-O buscasse revigorar o
budista ortodoxo novamente, a respeitar o tradicional darma das escrituras. E para guiar nessa empreitada, Rinchen
Zangpo foi chamado para ocupar o cargo de preceptor espiritual e do tribunal a julgar o budismo pelo país, inclusive
a regenerar as práticas tântricas no Tibete. Nisso, Rinchen Zangpo juntou-se com outros mestres indianos para trazer
à tona novas traduções de escrituras budistas do sânscrito, e mandou construir um grandioso novo templo e mosteiro
em Tholing (fig.), o de Tabo em Ladakh e o de Khochar [623]. Não satisfeito, Rinchen Zangpo buscou mais artistas na
Caxemira a decorar os murais dos novos templos (fig.) e a buscar novas escrituras budistas nas regiões mais centrais
da Índia. Essas obras depois constarão entre os tesouros artísticos do budismo tibetano. Parecia, pois, ao novo
tsenpo, Yeshe-O, que os tempos áureos dos seus antepassados estavam voltando. Os novos estudos e escrituras
budistas indianas e a generosa política do tsenpo resultaram numa revitalização budista pelo Tibete, indo muito além
da simples supressão dos antigos tantras (nyingma) e criou uma série de novos tantras (sarma) no Tibete. No início
do século 11, o Tibete, revitalizado por essas obras e políticas, tornou-se centro do budismo, em todas as suas
vertentes e manifestações.
Fig. - Templo e mosteiro de Tholing.

Fig. – O fervor tibetano nas artes. Pintura em Tholing de um pescador durante uma tempestade clamando pela benevolência do bodisatva
Avalokiteshvara.

A vida do tsenpo Yeshe-O serviu de inspiração a seus descendentes no trono em Lhasa. Essa dinastia de novos
regentes tibetanos é mais lembrada por um de seus descendentes, no final do século 10. Foi durante a regência
imperial sob aquele que depois seria conhecido como Jangchup, “Luz do Iluminismo”, que foram achadas fabulosas
minas de ouro no Tibete. De posse disso, o príncipe Jangchup resolveu chamar os mais prestigiados mestres budistas
das universidades indianas. Da universidade de Vikramashila, um professor conhecido por Atisha (982 - 1054),
famoso pela sua vasta erudição e acuidade filosófica e tântrica, resolveu atender ao convite feito a ensinar no Tibete.
No caminho para Tibete, o rei do Nepal resolveu convencer o mestre a ficar em Katmandu por um ano inteiro.
Depois da longa viagem, Atisha foi recebido com todas as honrarias por Jangchup em Lhasa. Consternado com as
vigentes práticas tântricas populares, o mestre indiano passou a estudar as doutrinas e explicá-las ao príncipe
Jangchup. Ao final de seus estudos e meditações, Atisha entendeu que as práticas populares eram legítimas, mas
todos deveriam buscar o conselho de um guru para não se perder nos excessos do tantrismo. E recomendou aos
monges uma vida de celibato, tal como havia sido estabelecido na sua universidade em Vikramashila. A vida e os
ensinamentos de Atisha no Tibete deixaram um grande e respeitado legado, e uma numerosa comunidade de
estudantes tibetanos foram influenciados pelo mestre indiano. Sua insistência em não condenar e tratar a todos com
gentileza, compaixão e humildade, tornou-o uma das figuras mais cultuadas no budismo tibetano e foi fundador da
“nova” escola tântrica (sarma). Morreu em 1054, e ficou depois venerado no Tibete como Jowo Je, “Senhor” [624].
***
Após a morte do grande mestre indiano no Tibete, Atisha, em 1054, um de seus discípulos mais talentosos,
Dromton (1005 - 1064) decidiu erguer um mosteiro em homenagem aos ensinamentos de seu professor, em
Radreng, ao norte de Lhasa. E coerente com a filosofia de Atisha, enfatizou-se no mosteiro os ensinamentos de Buda
a serem propagados em linguagem simples a ensinar com tolerância e a buscar entender os exemplos diários de cada
um. Esses pregadores se tornaram conhecidos como os kadampas (“ka”, em tibetano, seguidores, e “dam”, “pa”,
pessoas, conselhos, seguidores dos conselhos de Atisha). Suas atividades e filosofia de forte comprometimento
espiritual fizeram com que formassem um corpo coeso e disciplinado num Tibete em efervescência religiosa, cada
grupo e líder espiritual a competir entre si pelos favores do governo. Os kadampas levaram mais adiante suas
mensagens e foram além do Tibete Central, alguns indo até Amdo, entre os povos tanguts, um novo poderio a se
estabelecer na Ásia Central.
A força da mensagem dos kadampas se pautava na ideia de que as instruções e ensino deveriam ir além dos
impulsos egoístas da compaixão instantânea. O monge deveria buscar um árduo e disciplinado treinamento mental
(lojong em tibetano) a buscar entender e compreender a realidade de quem está ouvindo a mensagem e seu contexto
e se expressar em aforismos e parábolas [625]. Devia-se também considerar o ouvinte como o mais respeitado, diante
da sua trajetória única de vida. Em caso de calúnias e abusos, o monge deveria assumir uma posição de humildade e
aprendizado. Assim, a postura deveria servir de lição a todos os envolvidos. Todo o apego ao “eu” deveria ser
suprimido, de acordo com os ensinamentos de Buda, pois esse é a causa maior de todo o sofrimento no ciclo infinito
do samsara. Raiz de todas as aflições mentais como ansiedade, insatisfação, desejo, ódio, ciúme, orgulho e
ignorância. Outra técnica dos kadampas foi a de tentar, por um ato de empatia, de assumir o lugar da pessoa em
sofrimento e dar-lhes, diante dessa postura mental, o alívio e felicidade, método esse chamado de tonglen em
tibetano.
Mas os adeptos dos tantras continuaram vicejando pelo Tibete. Há uma antiga lenda que diz que Langdarma,
durante seu reinado em meados do século 9, mandou chamar um conhecido adepto tântrico ao que esse respondeu ao
imperador demonstrando todos os seus poderes. Nisso, o adepto recitou um antigo mantra [626] que fez com que um
enorme escorpião preto pairasse nos céus e, não satisfeito, ainda fez com que uma montanha próxima fosse rachada
em seu pico por um raio fulminante, para a consternação de Langdarma [627]. A história remete como ilustração o fato
de que o Tibete jamais conseguiu expurgar o tantrismo durante suas políticas budistas, mesmo com amplos projetos
monásticos. Os praticantes do tantrismo, referidos como ngagpas, “praticantes do mantra”, além de preservarem
suas crenças, práticas e doutrinas, assumiram o papel de sacerdotes e guias espirituais das aldeias, atendendo as
necessidades cotidianas locais, seja através de adivinhações, prática médica e cura, ou a aplacar os deuses e espíritos
[628]
.
Os ngagpas mantinham suas tradições geralmente transmitidos de pai para filho. Essa situação muitas vezes
resultou numa convivência delicada com as ordens monásticas budistas endossadas pelas autoridades centrais no
Tibete. Uma dessas redes de tântricos que floresceu no Tibete ao longo do século 11 foi decorrente de Zur que
depois fez sua fama e passou os ensinamentos para seu sobrinho [629]. Esses ensinamentos focaram mais na busca
pela libertação para levar todos os seres, em último momento, para a iluminação. Essa seita, conhecida como “Rede
Mágica”, depois passou a popularizar-se inclusive entre famílias prósperas. E com o maior envolvimento do
sobrinho de Zur em aprimorar os fundamentos filosóficos da seita, passou a concentrar-se mais na meditação em
busca do estado primordial e não-dualista do ser, inaugurando uma tradição de ensino no budismo tibetano chamado
de Dzogchen (“Grande Perfeição”) [630].
Alguns outros tibetanos, inquietos, resolveram buscar novos mestres tântricos e estudar na Índia. Um desses
jovens, Marpa Chokyi Lodro ou Marpa Lotsawa (1012 - 1097), foi enviado aos quinze anos de idade para estudar
sânscrito com um famoso professor e tradutor (lotsawa), Drogmi (993 – 1050), que fora antes mestre de Zur. Ao
decidir ir para Índia para aprofundar seus estudos, passou pelo vale de Katmandu e por lá resolveu ficar uns três
anos, em parte para estudar com mestres locais e ir se adaptando ao clima indiano mais úmido e quente ao sul. Na
Índia, dirigiu-se para Bihar, para a famosa universidade budista de Nalanda, uma das maiores instituições de estudo
no mundo asiático que floresceu nos séculos 5 e 6 d.C. [631]. Marpa estava interessado em estudar com o famoso
mestre Naropa (? – c. 1040), que vivia recluso num eremitério perto da grande universidade. Após alguns anos
estudando com o mestre e retornando ao Tibete, Marpa começou a oferecer seus ensinamentos tântricos a quem
pudesse pagar, assim como tinha feito seu mestre, Drogmi. Somente nobres locais puderam arcar com tais custos.
Um de seus alunos foi Goyak, homem muito rico que tinha recentemente descoberto grandes minas de ouro em suas
propriedades. Sugerindo que a descoberta de ouro no Tibete no século 11 foi primordial para a atração de mestres
tântricos indianos contribuindo, assim, para o florescimento budista no país. Depois de enriquecido e afamado,
Marpa viajou extensamente para outras terras, e sentou-se com muitos mestres budistas, como o heterodoxo grande
mestre tântrico (mahasiddha) Kukkuripa que vivia na simplicidade absoluta tal como um cachorro, pois os tinham
em grande estima e valor [632]. Marpa, nos anos seguintes, passou a compor poemas baseadas na musicalidade
indiana conhecidos como dohas, compondo-os e traduzindo-os para o tibetano. São composições líricas com grande
expressão espiritual e mística. Posteriormente, Marpa se estabeleceu no Tibete e se tornou um grande proprietário e
conhecido adepto tântrico na região de Lhodrag. Teve muitos filhos, mas nenhum aparentemente seguiu as
inclinações de seu pai.
No entanto, Marpa atraiu muitos estudantes. Entre esses, um iria se tornar uma das figuras mais excepcionais da
devoção religiosa do Tibete: Jetsun Milarepa (1040 - 1123) (fig.). Nascido numa tradicional família aristocrática
tibetana, seu nome original era Mila Thopa Ga, “Alegria de Ouvir”. Seu pai era um grande proprietário de terras, o
que proporcionou ao jovem Milarepa um sustento tranquilo e abundante para seus estudos e aprendizado na infância.
De acordo com as lendas tibetanas compiladas no século 15, quando seu pai morreu, as disputas familiares
começaram em torno do novo casamento de sua mãe viúva a manter as propriedades e tradições da família.
Aparentemente, sua mãe recusou todas as propostas, inclusive, como ditava a tradição, a se casar com um dos
sobrinhos de seu falecido marido. O que gerou a ira da família, causando a expulsão dela. Milarepa, com isso, foi
enviado pela mãe, visando sua segurança e futuro, a estudar ritos mágicos para buscar vingar tal desgraça familiar.
Milarepa passou anos a buscar uma forma destrutiva à altura para se vingar dos oponentes de sua mãe. E somente se
contentou com o aprendizado das tempestades de granizo. Ao praticar tais magias, por quinze dias, Milarepa depois
descobriu que uma grande tempestade tinha destruído a propriedade de sua extensa família, matando 35 pessoas.
Milarepa sentiu-se insuportavelmente culpado por isso, mas sua mãe insistia em maiores destruições na família.
Atormentado depois de tudo isso, Milarepa buscou então uma verdadeira religião para expiar seus pecados [633].

Fig. – O sábio e a natureza. Milarepa, retirado no rigor do inverno tibetano com seus trajes de algodão.

Nessa nova busca, Milarepa buscou um professor da tradição Dzogchen, mas as instruções e ritos não o
satisfizeram devido ao estado turbulento de sua mente. Milarepa depois foi à busca de um fortalecimento maior no
caminho tântrico, e foi assim que conheceu Marpa. Inicialmente, Milarepa não foi aceito como discípulo por Marpa,
mas apenas a realizar alguns trabalhos manuais na propriedade do mestre. Apesar das tarefas indignas, Milarepa
continuou insistindo em ter aulas com o mestre, mesmo que, por vezes, tivesse recebido apenas mais tarefas manuais
e recusas de ensinamento espiritual. Essas provações de Milarepa são uma evocação poética da necessidade de uma
busca insistente da iluminação, e do desapego das vicissitudes do “eu” em busca de uma devoção a um mestre. Pois
o budismo nos ensina que não há diferenças fundamentais entre o Buda e as pessoas comuns, apenas que as últimas
devem vencer suas próprias limitações e sofrimentos pelo apego ao “eu”. A aparente crueldade de Marpa com
relação à Milarepa, então, deve ser considerada como um árduo caminho de superar os obstáculos e limitações do
carma resultado dos erros das vidas anteriores.
Com pena de Milarepa, a esposa de Marpa começou a convencer o mestre de buscar treinar o jovem aprendiz.
Mas Milarepa não obteve êxito inicial nas meditações e, eventualmente, voltou sua frustração contra o mestre. Com
o tempo, Marpa compreendeu que o carma de Milarepa tinha que ser reparado depois de tantas feridas passadas. E
assim o novo discípulo de Marpa passou a florescer como poucos. Para praticar com afinco, Milarepa passou a
praticar sem distração em cavernas e locais de difícil acesso. Esta é a imagem mais conhecida de Milarepa nos dias
atuais, como um eremita emaciado, com uma pela verde decorrente de uma dieta apenas de sopa de urtiga. E
vestindo apenas um manto de algodão, mesmo no rigoroso inverno tibetano, Milarepa passou a ser admiravelmente
conhecido como o iogue “Revestido de Algodão” [634]. Embora visto por muitos como um rigoroso asceta, as
experiências espirituais de Milarepa estão descritas como de grandes façanhas e descobertas. E nos seus escritos é
narrado o encanto da natureza, das colinas e florestas. Dos prados das montanhas e das flores, dos bichos e dos
pássaros, das abelhas, moscas e da chuva. E da mudança sutil dos céus ao longo das estações do ano. Milarepa,
assim, expressou uma união espiritual com a natureza e ordem cósmica, atingindo o estado em que a mente não mais
se onera com as preocupações corriqueiras e falíveis que pesam no samsara, no ciclo infindável dos sofrimentos e
renascimentos. A mente, plena, vazia e luminosa, é o estado que foi atingido. As expressões poéticas de Milarepa
remetem à maneira dos dohas indianos e da forma direta e dramática dos versos tibetanos. E esses versos
permanecem como um dos maiores tesouros da poética tibetana.
A popularidade de Milarepa, obviamente, cresceu conforme seus feitos iam passando de boca em boca, aldeia a
aldeia. E isso atraiu, ainda mais em tempos turbulentos como o que o Tibete atravessou nos séculos 11 e 12, séquitos
de pessoas e estudantes em busca de curas, alívios e ensinamentos. Um desses curiosos e ávidos a aprender com o
mestre iogue era Rechungpa (“Pequeno Repa”), que viveu sua vida prestando todo o apoio necessário ao mestre,
inclusive foi fundamental para depois reunir seus ensinamentos para futura transmissão. Outro dos estudantes foi
Gampopa, que depois se tornou um dos maiores expoentes dos ensinamentos de Marpa via os ensinamentos de
Milarepa. E foi através de Gampopa que os preceitos dos dois mestres foram reunidos em forma de uma escola, o
Kagyu [635].
Outra escola também iria se consolidar nas tradições budistas no Tibete à mesma época. A escola Sakya talvez
seja a única e predominante de todas do budismo tibetano que se consolidou nos altos e restritos círculos sociais e
políticos de um único clã. Os pertencentes ao grupo Khon, rastreiam seus antecedentes aos deuses, e a sua tradição
nota que o primeiro deles nasceu depois que seu pai derrotou um espírito maligno chamado de Kyareng, talvez a
representar as forças sanguinárias da ignorância. Seus descendentes posteriores se envolveram nos assuntos
mundanos e da corte imperial tibetana. As tradições e práticas tântricas eram passadas de pai para filho, dentro do
clã, e as coisas começaram a mudar com Khon Konchok Gyalpo (1034 - 1102), contemporâneo de Milarepa. Um dia
este teve uma visão desanimadora, de rituais e músicas tântricas sendo realizadas sem a menor cerimônia e
importância no meio da rua e das pessoas envolvidas em compra e venda. Visando revigorar sua tradição tântrica, a
mantê-la mais exclusiva e restrita, Konchok Gyalpo buscou o mestre Drogmi, e com este aprofundou-se em outros
tantras, a de Hevajra, e mesclou suas doutrinas com as práticas de meditação da família, a de Vajrakilaya e de
Heruka, dando assim uma nova configuração aos tantras de seus antepassados. Assim nasceu a renovada escola dos
Khons. Depois, Konchok foi buscar fundar um centro de ensino e retiro dessa nova escola em 1073, e assim achou
num local num vale no sudoeste do Tibete perto dos Montes Ponpori, local este designado como Sakya (“terra
pálida”, devido às cinzas do monte próximo).
Um dos estudantes mais brilhantes desse retiro nos anos posteriores seria um filho de Konchok com uma mulher
de uma aldeia próxima. Com o tempo, foi admitido ao seio da família e clã, e se tornaria conhecido como Sachen,
“O Grande Sakyapa” (1092 – 1158). Esse, quando jovem, costumava meditar bastante e chegou através de visões
que teve com um boditsava da sabedoria, Manjushri, no conceito de abdicar e deixar as causas ilusórias e efêmeras
desse mundo para melhor renascimento nas futuras vidas. Mas um de seus ensinamentos mais respeitados entre os
seguidores sakyapas (“seguidores de Sakya”) é o do Lam Dre (“O Caminho da Perfeição”). Na sua velhice, Sachen
adoeceu e buscou elaborar suas doutrinas para preservá-las para a posteridade. E nisso precisou confiar suas
instruções a um aluno competente e à altura. Sua busca incessante o levou a uma personalidade de duvidoso valor
espiritual chamado Zhangton, que, à primeira vista, não apresentava nenhum aspecto de ser um grande espiritualista.
Mas este, com o tempo, e ao saber que Sachen carregava consigo a tradição de Sakya e que seu pai fora discípulo do
grande Drogmi, mudou de atitude e passou a se dedicar a preservar o conhecimento e ensino do Lam Dre. Sachen,
antes de morrer, teve muitos filhos, e dois deles, Sonam Tsemo e Drakpa Gyaltsen, seguiram os rumos de seu pai,
aprendendo as tradições de Sakya e trabalhando para preservar as tradições da família e do clã Khon. Outro filho de
Sachen foi ser médico que teve um filho que tornariam os sakyapas os primeiros governantes de todo o Tibete
unificado desde a era imperial [636].
No aspecto político, o Tibete depois que entrou em colapso no século 10 deixou um vácuo de poder na região
leste da Ásia Central. Foi sucedido por inúmeros reinos e poderios regionais liderados por tibetanos, chineses e
turcos que lutaram pela supremacia entre si. Até que os tanguts, povo de mesma origem étnica dos tibetanos,
começaram a se impor no começo do século 11. E assim passaram a preservar e transmitir a língua e cultura tibetana
aos povos e regiões controladas pelo seu império. Embora tivessem criado um alfabeto mais a partir do chinês, eles
empreenderam a gigantesca tarefa de traduzir a literatura budista que pudesse ter acesso, seja em chinês, sânscrito ou
tibetano. Esse projeto, que perdurou por quase dois séculos, envolveu a tradução e preservação crucial de toda a
herança escrita dos confucianos, além de terem elaborado em escrito novas obras como a compilação de sua
literatura e tradição oral e de um dicionário tangut e chinês. Como parte de seu império incluiu as partes mais ao
norte do Tibete, os tanguts logo se familiarizaram com as tradições tibetanas.
Mas o poderio dos tanguts não perdurou por muito tempo. A notável compilação e preservação literária
empreendida por eles foi interrompida por uma magnífica força advinda das estepes da Ásia Central, os mongóis.
Como os tanguts se recusaram a se submeter, o próprio Temujin Khan (Gêngis Khan) liderou seu implacável
exército contra a capital dos tanguts, Xingzhou, em 1225. Após um ano de cerco, a capital foi completamente
obliterada e seus habitantes mortos ou escravizados. Ao final de tudo, a civilização dos tanguts perdurou pouco mais
de dois séculos, mas sua cultura e preservação literária foram preservadas e achadas ao longo da Rota da Seda.
Outros aspectos que os mongóis apreciaram e incorporaram das práticas dos tanguts foram os patrocínios que eles
concederam aos tibetanos. Após a morte de Gêngis Khan em 1227, o seu império fora dividido entre seus
sucessores, e as regiões tibetanas em Amdo ficaram sob o domínio de Godan, um dos netos de Temujin. E Godan,
não familiarizado com os tibetanos, decidiu delegar a região de Amdo para vários pequenos líderes, todos
aparentemente unidos apenas na devoção ao budismo. E nisso que Godan percebeu a importância de se ter um líder
budista tibetano a representar as várias lideranças locais, tais como os tanguts tinham identificado em Amdo.
Assim, Godan enviou um destacamento mongol para o Tibete em 1240, liderado por um general descendente dos
tanguts. Quando esse exército chegou ao mosteiro de Radreng, e quando foi ameaçado de massacre, o abade local se
rendeu e disse que quem melhor poderia representar os interesses tibetanos na corte mongol seria Kunga Gyeltsen
(1182 – 1251), descendente dos khons à frente da escola Sakya. Também conhecido por Sakya Pandita, tinha um
enorme e erudito conhecimento da língua sânscrita e do budismo indiano. A vastidão de sua influência foi tamanha
que, até hoje, as obras dele são parte do currículo monástico tibetano. Sendo assim, o general tangut a serviço dos
mongóis levou o nome de Sakya Pandita para Godan que, em 1244, nomeou-o como maior representante dos
tibetanos na sua corte. Dois anos depois, mesmo com a avançada idade de sessenta anos, Sakya Pandita chegou ao
encontro do governante mongol. E a partir desse ponto, os tibetanos seriam administrados via um preceptor imperial,
de profunda formação budista, a representar os interesses junto aos mongóis até meados do século 14. Não vendo
nenhuma alternativa ao poderio mongol, os líderes dos clãs tibetanos não apresentaram resistência e assim se
submeteram ao representante imperial designado. E foram os funcionários de Sakya que supervisionaram e
administraram todo o Tibete.
Sakya Pandita nunca mais retornou ao Tibete, pois passou a residir num templo que Godan mandou construir
para ele até sua morte em 1251. Após isso, não havia mais ninguém indicado a representar todos os interesses
tibetanos para a administração mongol, e o Tibete foi dividido em inúmeros distritos administrativos, com cada
membro da família imperial mongol a ser responsável por um clã tibetano. A escola Sakya, provavelmente, não
tinha mais tanta projeção sobre todos os líderes de clã, e assim fragmentou-se o Tibete novamente às unidades
clânicas.
Com a ascensão de Kublai Khan (r. 1260 - 1294) à frente dos mongóis, inaugurando a Dinastia Yuan dos
chineses, o interesse mongol voltou-se definitivamente ao budismo. Em 1258, dois anos antes de ascender ao poder,
o Kublai pediu a um dos sobrinhos de Sakya Pandita presentes na corte imperial, Phagpa ou Drogon Chogyal
Phagpa (1235 – 1280) (fig.), que ganhou os favores do líder mongol, os seus serviços tântricos. A admiração era
tamanha que Kublai nomeou Phagpa como seu guru tântrico, uma ligação que iria perdurar por muitos anos. Em
1264, Mongke Khan morreu de repente e, após algum tempo de conflitos civis entre os diferentes príncipes
mongóis, desmembrou-se a unidade imperial conquistada por Temujin. O império mongol fora dividido entre o
canato da Horda de Ouro na Rússia, o de Il-Khans (ou Ilcanato) na Pérsia, o canato de Chagatai na Ásia Central e
Kublai no Oriente. A resolver o problema de administrar o Tibete dentro de seus novos domínios, Kublai decidiu
que as diversas unidades tibetanas seriam mais bem administradas por um preceptor, e deu a Phagpa dos Sakyas o
encargo. Contra tal decisão, as autoridades do canato vizinho ao oeste, dos Il-Khans na Pérsia, se recusaram a aceitar
tal decisão e passaram a apoiar outros líderes tibetanos no Tibete ocidental, como os clãs Pagmodrus e Drigungs.

Fig. - Phagpa, o grande preceptor imperial da dinastia chinesa Yuan.

Phagpa, ao retornar ao Tibete como preceptor de Kublai, foi visitar o templo de Sakya para prestar as suas
devidas homenagens. E passou a se instalar no mosteiro, administrando os interesses de estado e a elaborar tratados
e estudos budistas. Negociou com o representante tibetano apontado pelos Il-Khans da Pérsia, do clã de Drigung,
buscando com esse negociar um pequeno território ao sul de Lhasa. Após os fracassos nas negociações, Phagpa,
passados alguns anos, foi chamado de volta à capital de Kublai, Cambalique (atual Pequim). E nesse meio tempo,
Kublai mandou uma força para punir aqueles rebeldes no Tibete ocidental a serviço dos interesses persas ao oeste.
As lutas foram inconclusivas, e restou ao Phagpa na corte de Kublai a árdua tarefa de elaborar um novo sistema de
escrita para todo o seu império, a servir de língua franca entre a China, Tibete e do que restava dos antigos territórios
originários dos mongóis. Nessa magnífica obra, Phagpa, que era um homem culto à altura do desafio, e conhecedor
de várias línguas, desenvolveu um alfabeto que tomou boa parte de suas características do tibetano, mas com a
incorporação de elementos chineses e mongóis, como a direção da escrita de cima para baixo e não da esquerda para
direita [637]. Sua obra ficou pronta em 1269, gerando grande satisfação no Grande Khan, que o apontou como
preceptor imperial do Tibete e maior autoridade religiosa em todo o império de Kublai, incluindo a China. E os
novos documentos e correspondências foram todos incorporados ao novo alfabeto e escrita.
Apesar de muito respeitado pelo Grande Khan, Phagpa preferiu se manter afastado da vida política o quanto
pôde, e mudou-se para Amdo, para se dedicar aos assuntos espirituais. Passados alguns anos, solicitou a Kublai para
que pudesse voltar ao Tibete Central com a intenção de voltar ao mosteiro de Sakya. Quando ele chegou ao mosteiro
em 1276, os problemas no Tibete ocidental só tinham aumentado. Drigungs e Pagmodrus, apontados pelos mongóis
na Pérsia, ainda estavam tentando reivindicar mais territórios tibetanos, representando uma ameaça cada vez maior
para a estabilidade tibetana. Para tentar sanar tal situação, Phagpa convocou uma grande conferência religiosa entre
todos os tibetanos, pois todos tinham a devoção budista. Como resultado da conferência, a paz prevaleceu durante
alguns anos depois em todo o Tibete. Em 1280, anos depois da conferência, Phagpa faleceu no mosteiro de Sakya, e
com ele um dos mais talentosos estadistas e diplomatas tibetanos, além de profundo conhecedor das línguas e
culturas asiáticas.
A morte de Phagpa desestabilizou a ordem tibetana novamente. Houve acusações de que fora envenenado. E
Kublai, inconsolado com a morte de seu guru, mandou uma expedição punitiva ao Tibete para castigar todos os
oponentes de Phagpa e dos Sakyas. Quem assumiu o cargo de preceptor foi o sobrinho de Phagpa. Mas as agitações
no Tibete ocidental não cessaram, ao contrário, ganharam renovado fôlego com as novas investidas imperiais de
Kublai. Em 1285, as forças tibetanas aliadas aos Pagmodrus e Drigungs invadiram o Tibete Central e destruíram
completamente o mosteiro de Sakya e mataram o abade. Cinco anos depois, Kublai mandou um numeroso exército
combinado de chineses e tibetanos, marchando sobre o Tibete ocidental e matando milhares na campanha. O líder
dos Drigungs fora capturado e fora levado a responder pelos seus crimes até Sakya, andando todo o trajeto a pé
puxado por um cavalo e com um saco amarrado sobre sua cabeça. Depois de condenado e morto, o domínio de
Kublai e de Sakya predominou sobre todo o Tibete.
Os mongóis haviam administrado o Tibete de maneira bastante peculiar e com grande autonomia. Isso fazia parte
do sistema mongol, em que as regiões fronteiriças eram governadas por representantes, muitas vezes locais para
manter a ordem e estabilidade, desde que os tributos fossem pagos e enviados para a capital imperial. No caso do
Tibete, foi dada larga autonomia na escolha de um membro proeminente e unânime entre a ordem de Sakya.
Primeiro por Sakya Pandita e, depois de algum tempo, por Phagpa. Em contraste com a China, que Kublai buscou
assimilar e ocupar diretamente via sua capital no norte chinês. E reformulou toda a sua ordem social, colocando os
mongóis acima dos chineses, e, abaixo desses, os persas, turcos, russos e tibetanos. O que provocou a ira de muitos
chineses que trataram logo de mudar tal status e estrutura social após a queda da Dinastia Yuan (1271 -1368) e
ascensão dos chineses Ming em 1368.
A popularidade do budismo tibetano entre a elite mongol da Dinastia Yuan chinesa criou um vínculo cultural
entre a China e o Tibete, apesar de ter gerado uma grande resistência chinesa com relação ao budismo tibetano em
seu país. O próprio Grande Khan, Kublai, era um ardoroso adepto tântrico e admirava Phagpa, nomeando-o como a
maior autoridade religiosa de seu império. O que deu grande autonomia e prestígio à cultura tibetana. Assim, o
Tibete foi por muitos anos, durante o século 13, tratado como uma província autônoma e associado ao budismo.
Havia até mesmo um departamento na capital próprio para lidar com a região, o Departamento de Assuntos Budistas
e Tibetanos, com o preceptor imperial no topo dessa divisão residindo na capital, Cambalique. O Tibete, ao contrário
da China, nunca foi, portanto, uma mera província administrativa do império de Kublai. Era mais uma região
autônoma com representante e departamento próprios (mapa).

Mapa - O Tibete no contexto do império chinês sob a Dinastia Yuan.

A relação entre Cambalique e Lhasa, contudo, não era apenas religiosa. Deve-se lembrar que o preceptor
responsável pelos tibetanos residia na capital dos Yuans, distante do Tibete. E quem efetivamente lidava com os
problemas tibetanos locais era o administrador e o abade de Sakya, novamente demonstrando o prestígio da escola
diante dos governantes mongóis. E não podemos afirmar, tampouco, que houve um período de inconteste ordem e
estabilidade no Tibete sob os mongóis, pois as províncias ocidentais tibetanas sempre buscaram uma oportunidade
para fazer seus avanços e reivindicações com o apoio das tropas persas do canato de Il-Khans, ao oeste, sob a
liderança de Drigung e de Pagmodru. Bem que houve um período de trégua, esse seria o melhor termo, após a
grande conferência tibetana promovida por Phagpa em 1290. Mas já na década de 1320, os Pagmodrus já estavam
liderando novas revoltas contra as lideranças de Sakya e o imperador mongol da Dinastia Yuan. Isso conflagrou uma
guerra civil que, em 1353, causou a queda da aliança feita entre os mongóis e a casa de Sakya.
Mas talvez o maior legado que os tibetanos ofereceram aos mongóis foi seu legado cultural sob o budismo
tibetano que se tornou a principal religião da corte mongol a partir de Kublai Khan. Junto com as tradições tântricas
e a herança budista indiana, foi por meio de eruditos como Phagpa que foi transmitida a cultura tibetana para o
centro nevrálgico do império chinês sob a Dinastia Yuan. Na contramão, a contribuição mongol ao Tibete foi
igualmente notável. Foi montada uma estrutura de serviço postal, de transporte e de tributação que, de uma vez por
todas, unificou todo o Tibete para uma autoridade centralizada. Que solapou qualquer tendência de fragmentação
tibetana como entre poderios regionais baseadas em clãs. E a figura central sob os mongóis, a identificarem um líder
espiritual budista como aquele acima dos outros conferiu ao futuro do Tibete uma característica única, colocando
nas mãos de uma elite budista a condução e sucessão daqueles a governar o país.

China (1279 - 1895)


Dinastia Yuan (1279 – 1368)
O reinado de Kublai Khan (r. 1260 – 1294) foi o ponto alto do império mongol. Kublai dominou um enorme
reino que se estendia pela maior parte da Eurásia, da Coreia, no leste, até o Iraque, e Ucrânia, no oeste. A nordeste,
Kublai estendeu sua autoridade para além da Mongólia até as partes mais próximas da Sibéria, estabelecendo fortes
de coleta de tributos perto do lago Baikal, na foz do rio Amur e até mesmo na ilha de Sacalina (Sakhalin). Estradas e
comunicações melhoradas encorajaram o comércio e a atividade missionária entre o Oriente e o Ocidente. O
estrangeiro mais famoso a aproveitar essas condições foi o comerciante veneziano Marco Polo, cujos escritos
retratavam vividamente os esplendores da Ásia. No entanto, o império havia crescido tanto que não podia mais ser
governado de um só lugar. Isso significava que, embora Kublai pudesse reivindicar o governo de todo o império,
uma vez que ele escolheu Cambalique (Beijing ou Pequim) como sua capital, ele só teria controle sobre o terço
oriental de seus domínios. Seus primos governaram as outras áreas em seu nome e fizeram livremente quase sem
impedimentos, seja por acordos feitos, seja pela enorme distância entre os domínios. Nas décadas de 1280 e 90,
Kublai lançou expedições militares contra as regiões ao sul da China, contra o que hoje conhecemos como a
Birmânia (Mianmar), o Vietnã e Java, mas elas não resultaram em nada permanente mesmo quando tiveram sucesso
militar e diplomático. Os mongóis tinham pouco desejo de conquistar terras tão diferentes e tão distantes das estepes
de seu meio nativo. Mais humilhante foi o desastroso resultado quando Kublai enviou duas expedições navais para
conquistar as ilhas do Japão. Ambas as frotas foram destruídas por tufões e os samurais acabaram com os azarentos
mongóis que chegaram à costa.
Nos seus domínios, Kublai resolveu racionalizar e dividir as terras em doze províncias e sua vasta população nas
seguintes quatro classes:
1. mongóis (aristocratas e proprietários de terras isentos de impostos);
2. asiáticos centrais, turcos e europeus (comerciantes e administradores. Marco Polo se enquadrou nessa
categoria);
3. coreanos e chineses do norte (classe média baixa);
4. chineses que viveram sob a Dinastia Song do Sul ("bárbaros", sem nenhum direito ou permissão para
negociar).
Como a maioria dos estudiosos da China eram privilegiados na antiga escala social de acordo com os preceitos
confucianos, os sentimentos sediciosos foram generalizados e o risco de rebelião entre esses foi uma ameaça sempre
presente, como relatou Marco Polo. Para conter esse problema, as guarnições mongóis foram mantidas nas
principais cidades para desencorajar surtos. Estudiosos e funcionários, membro da antiga elite chinesa, eram
realocados regularmente antes que os luxos da vida urbana local pudessem enfraquecer sua força. Estudiosos
chineses desempregados foram forçados a recorrer a atividades culturais, e fizeram duas contribuições significativas
para a literatura chinesa, o drama e o romance. Ambas as formas literárias existiram pelo menos desde a Dinastia
Tang, mas só agora elas se tornaram populares. O governo encorajou o desenvolvimento do teatro chinês, pois essa
era uma arte que os mongóis semiletrados podiam entender. Uma dessas artes dramáticas chinesas da época foi o
teatro zaju( 雜劇 ), composto de muitos cantos, recitações e atos acrobáticos, com um breve prelúdio seguido de
quatro atos. Os temas de zaju geralmente eram de antigos mitos e histórias populares de chineses e povos da região
recitados em língua vernácula (fig.) [638]. Os atos cômicos (chou, 丑 ) e improvisados davam às peças um caráter
mais popular, influenciados pela antiga ópera canjun( 參軍戲 ) da Dinastia Zhao Tardia (319 – 351), em que os
personagens eram sempre de um impostor, um corrupto ou bobo da corte a incomodar os protagonistas inocentes.

Fig. – Pintura da Dinastia Ming de uma peça de teatro zaju.

Tolerante a todas as religiões, Kublai permitiu que o Islã fizesse muitos convertidos nas províncias ocidentais -
Gansu, Ningxia, Xinjiang e Yunnan ao sul. Ele também pediu à família de Marco Polo para trazer monges para que
ele pudesse aprender sobre o cristianismo. O papa, Inocêncio III, no entanto, estava mais preocupado com os
assuntos internos, e só enviou dois clérigos em 1245, o italiano Giovanni da Pian del Carpine e o frei polonês
Benedykt Polak que viajaram com a família Polo até a Armênia, antes que o mau tempo os persuadiram a voltar
atrás [639].
Após a morte de Kublai, em 1294, a dinastia mongol de Yuan decaiu rapidamente. Tão repentinamente, de fato,
que o tempo de governo sobre a China perdurou menos tempo do que a sua conquista. Embora todos os imperadores
da Dinastia Yuan usassem capacetes nos retratos oficiais, aqueles que vieram depois de Kublai não tinham nada de
guerreiros - a maioria nem sequer entrou num campo de batalha - e deixaram a ordem do país negligenciada
enquanto lutavam entre si pelo poder. Entre 1294 e 1333, dez imperadores subiram e desceram do trono imperial.
Depois disso, ascendeu um menino de 13 anos, Toghon Temur (r. 1333 – 1368), que governou tanto quanto Kublai
Khan, embora não tão eficazmente. A crescente inflação e altos impostos descontentaram os camponeses. Os
eruditos, a classe do mandarinato, sempre vigiados e marginalizados pela elite mongol, continuaram a criticar e
buscar causar problemas sempre que possível. Estranhos rumores começaram a circular sobre as reais intenções dos
mongóis: eles não apenas proibiriam armas de ferro, mas todas as ferramentas feitas de ferro; todos os rapazes e
moças solteiros seriam presos a servir o governo. O mais assustador foi uma proposta para matar todos os chamados
de Zhao, Zhang, Li, Liu ou Wang, nomes bastante comuns até os dias atuais na China. Depois advieram as pragas de
grande devastação populacional. A fome e epidemias como a notória peste bubônica, inundações severas do Rio
Amarelo e inadequado manejo da terra levaram a população a cair de 100 milhões no século 13 a 60 milhões em fins
do século 14 [640].
Na década de 1330, várias fraternidades religiosas secretas tornaram-se cada vez mais politizadas. A mais
significativa delas foi a Sociedade do Lótus Branco ( 白 莲教 ) (fig.) que acreditava que a expulsão dos mongóis
traria uma era budista de paz e prosperidade. Seus membros se reuniam à noite em segredo, juravam irmandade de
sangue, recebiam nomes rituais e recrutavam um exército de tropas que usavam turbantes vermelhos. Quando as
inundações do rio Amarelo danificaram gravemente o Grande Canal, 150 mil trabalhadores foram enviados para as
obras. Isso favoreceu o plano dos rebeldes do regime de Yuan. A tradição sustenta que o Lótus Branco espalhou
boatos de que o fim do império do mal viria depois do aparecimento de um gigante de um olho, e então foi enterrada
uma enorme estátua de um olho só onde os trabalhadores escavaram. Em 1351, a maioria da população dos vales
dos rios Huai e Yangzi encontrava-se em revolta. E os chamados Turbantes Vermelhos não estavam sozinhos. Fang
Guozhen (1319 - 1374), um notório pirata, fez com que a costa e rios chineses inseguros com suas incursões,
enquanto um contrabandista de sal chamado Zhang Shicheng (r. 1354 - 1367) proclamou-se imperador e mudou-se
para a cidade de Gaoyu, bloqueando assim o Grande Canal.
Fig. – Retrato de membros da Sociedade do Lótus Branco, movimento budista milenarista que contribuiu para a queda da Dinastia Yuan no século 14.

Para responder a esse quadro de crise, o governo Yuan nomeou um promissor primeiro-ministro mongol,
Togtogha (1314 - 1355), que respondeu heroicamente. Entendendo que o norte chinês dependia essencialmente do
sul para se alimentar pelos canais e costa, o ministro organizou um grande programa para desviar o curso do rio
Yongding para abastecer e fornecer terras cultiváveis para a capital, Cambalique agora renomeada de Dadu (atual
Pequim). Ele também imprimiu enormes quantidades de papel-moeda para aumentar a receita imperial sem
aumentar os impostos. Durante os próximos anos, o governo Yuan ganhou uma série de vitórias no campo de
batalha. No inverno de 1354, Togtogha liderou um exército para sitiar Gaoyu. A vitória contra Zhang Shicheng
estava à vista, até que chegou uma carta de Dadu anunciando que Togtogha havia sido demitido de seu posto. Seu
sucesso havia despertado inveja na corte. Logo depois disso seus inimigos o exilaram e o envenenaram. Sem ele no
comando, o exército imperial começou a se desintegrar e muitos dos soldados se juntaram aos rebeldes. No final de
1356, os mongóis de Yuan já não controlavam nada ao sul do rio Amarelo. Enquanto isso, Zhang Shicheng avançou
mais para o norte e capturou a próspera cidade de Suzhou. De lá, como o governante de dez milhões de súditos no
reino de Dazhou, ele começou a viver uma vida de luxo além do que ele poderia ter sonhado desde seus tempos de
contrabandista de sal.
Nessa altura dos eventos, os Turbantes Vermelhos dividiram-se em quatro facções, cada uma proclamando seu
líder como o próximo imperador. A facção menor, mas mais bem organizada, era liderada por Zhu Yuanzhang, de
28 anos, um camponês de alta estatura cujo semblante lhe rendeu o apelido de "imperador do porco" (fig.). Quando
adolescente, Zhu perdeu a família inteira para a fome e ele sobreviveu apenas se juntando a um mosteiro. Em 1352
ele se alistou nas milícias criadas por um adivinho que previa que o Buda estava prestes a retornar à Terra e
começou a recrutar seu próprio bando de seguidores, começando com 24 amigos de infância de sua aldeia natal. Em
1355 ele comandou 30 mil homens e nesse ano capturou a cidade de Nanjing (Nanquim) que se tornou sua base de
operações depois. Outros líderes das facções foram:
- Ao norte do rio Yangzi: Han Liner, filho do líder original do Lótus Branco que considerava como legítimo
imperador herdeiro de Song;
- Em Hubei: Chen Youliang, um pescador que se chamava imperador descendentes dos regentes de Han. Esse
líder depois se juntou a uma frota pirata cujo líder se armava como um samurai japonês e era, portanto, conhecido
como “Zhao de Duas Espadas”;
- E em Sichuan: num exército isolado de maniqueus, de seguidores de uma antiga religião persa do terceiro
século que combinava elementos do cristianismo e do zoroastrismo.

Fig. - Zhu Yuanzhang, o ex-camponês que depois se tornou imperador fundador da Dinastia Ming como imperador Hongwu em 1368. Retrato oficial
hoje no Museu do Palácio Nacional em Pequim.
Todos os rebeldes progrediram rapidamente em seus planos, tornando-se governantes das regiões que
controlavam em estados organizados. O rei Zhang Shicheng e o pirata Fang Guozhen chegaram a fazer acordo com
o governo mongol e enviaram suprimentos do sul. Os mongóis sobreviveram no norte por mais doze anos pois os
rebeldes agora lutavam mais entre si pela supremacia do que com os mongóis restantes da Dinastia Yuan no norte
chinês. Zhu Yuanzhang lutou com Zhang Shicheng e os rebeldes de Han Liner, finalmente vencendo ambos e
controlando todo vasto vale do Yangzi. De Nanjing, em 1368, Zhu Yuanzhang proclamou-se Hongwu (r. 1368 -
1398), o primeiro imperador da Dinastia Ming.
Um dos amigos de Zhu Yuanzhang, Xu Da, marchou para o norte com um quarto de milhão de homens. O
regime de Yuan tinha pouco para revidar e pagar para seus homens e mercenários. O último imperador Yuan,
Toghon Temur, se escondeu em seu palácio e se dedicou a cerimônias esotéricas que aprendeu com os monges
budistas tibetanos da escola Karma Kagyu que ele apreciava - sacrifícios de corações humanos e fígados e
cerimônias tântricas que se pareciam com orgias. Finalmente, ele desistiu e fugiu para a Mongólia, onde morreu em
1370. Enquanto isso, o almirante pirata Fang Guozhen forneceu os navios para transportar as tropas Ming da costa e
pelos rios. O restante dos Turbantes Vermelhos em Sichuan foram finalmente reprimidos em 1371 quando suas
catapultas foram destruídas por uma nova invenção no campo bélico, o canhão. Em 1382 os Mings fizeram sua
conquista final, derrotando as lideranças mongóis que tinham se estabelecido em Yunnan no extremo sudoeste
chinês.
Dinastia Ming (1368 – 1644)
Sob os imperadores Ming, a China experimentou sua terceira e última grande era de história. A eficiência do
governo das dinastias Tang e Song foram restaurados, embora a burocracia fosse menor e mais centralizada do que
antes. Os exames do funcionalismo público também voltaram, pois tinham sido abolidos durante a Dinastia Yuan,
mas o Hongwu ainda mantinha certo preconceito de seu passado camponês contra o elitismo dos letrados, então
acrescentou testes com tiro com arco e equitação às tradicionais perguntas de ensaio sobre os clássicos
confucionistas. Ademais, o imperador preferiu manter o poder de nomear seus altos funcionários em vez de tê-los
pela carreira.
Embora seu passado tenha sido um fervoroso budista quando era membro do Lótus Branco em sua juventude,
Hongwu passou a tolerar o confucionismo como essencial para o funcionamento estatal da China. No campo legal,
foi criado um novo código tributário mais eficiente e menos corrupto que o do tempo dos mongóis de Yuan. Toda a
China foi dividida em comunidades de 110 famílias, cada uma subdividida em 11 grupos de 10 famílias cada. Em
cada comunidade, o grupo de famílias mais próspero deveria indicar um chefe a representar a comunidade em suas
relações com o governo, enquanto os outros dez grupos se revezavam na prestação de serviços comunitários de
trabalho. Uma escola, um altar e um celeiro foram construídos para cada comunidade e eram realizadas reuniões
mensais para discutir problemas locais.
Agora que ele estava no poder, Hongwu se dissociou dos revolucionários dos Turbantes Vermelhos, ala armada
da Sociedade do Lótus Branco. Hongwu chegou mesmo a confessar depois que subiu ao trono que jamais pensou em
realizar seus sonhos revolucionários de juventude, que se tornara um rebelde para permanecer vivo e que a guerra
para expulsar os mongóis havia feito mais mal do que bem para o reino.
Hongwu sabia das razões do fracasso dos mongóis na China. A administração deles se tornara inepta, lenta e
corrupta preguiçosos, perseguindo os mais pobres e vulneráveis a ponto de muitos partiram para o banditismo e
seitas milenaristas, como a do Lótus Branco. O novo imperador Ming não iria permitir que isso acontecesse
novamente e recorreu a castigos e penalidades brutais que se assemelhavam aos mongóis, cujo legado ele estava
tentando apagar. Apesar disso, Hongwu percebeu que punições cruéis nem sempre funcionam. É como escreveu o
antigo sábio Laozi, aqueles que não temem a morte não podem ser dissuadidos pela pena de morte. Como resultado,
o imperador frequentemente substituiu as execuções capitais pelo trabalho forçado. Mas tal política não poderia
impedir o imperador de suspeitar que alguém seguiria seu exemplo como rebelde no passado. Todas as sociedades
políticas e religiosas secretas foram suprimidas, inclusive a do Lótus Branco, enquanto permanecesse ameaças de
insurreição.
Em 1380, as suspeitas do imperador chegaram a um ponto que gerou crises contra a permanência do regime de
Ming. A essa altura, Hongwu decidiu que todos os problemas de estrangeiros - escaramuças na fronteira com os
mongóis, piratas japoneses (wakô) na costa, mercadores que continuavam a operar no exterior apesar da vontade
contrária do imperador - eram tudo parte de uma conspiração contra o trono liderado pelo seu chanceler, Hu
Weiyong, um velho camarada que o servira desde 1355. Se tal plano existia ou não, Hu foi executado e depois
adveio um expurgo ao estilo stalinista que provocou uma onda de acusações e confissões forçadas. Há relatos de que
mais 30 mil funcionários perderam a vida por causa de sua suposta associação com o chanceler desonrado. Milhões
de pessoas comuns também sofreram com isso. Agentes de vigilância levaram relatos de traição, quer fossem reais
ou não. Um sobrevivente observou que mesmo o Buda sem pecado teria tido sorte de escapar das acusações.
Funcionários da corte foram flagelados por pequenos desvios e escritores foram executados por escrever poemas
sobre calamidades naturais que poderiam ser vistos pelo imperador como alusões ao seu próprio governo severo.
Ministros fizeram despedidas finais para suas famílias antes de responder a convocações para o palácio imperial.
Depois disso, Hongwu passou a não confiar mais em ninguém. Ele acabou com a maior parte do gabinete e
assumiu seus poderes para si ou para sua restrita família imediata. Por exemplo, cada um de seus 26 filhos tornou-se
governador de província, embora Hongwu tenha mantido o controle pessoal sobre todos os exércitos do império [641].
O imperador chinês não seria contido por sua burocracia, como aconteceu em dinastias anteriores. O resultado disso
foi o mesmo que em outras sociedades autocráticas: o sistema funcionou sob um líder forte e determinado como
Hongwu, mas quando houvesse uma liderança não à altura no comando, era uma receita para problemas.
A paranoia de Hongwu encorajou a corrupção e seus esforços para contê-la tiveram sucesso limitado. Um
funcionário chamado Kang Mingyuan foi acusado de apropriação indébita, foi duas vezes marcado, espancado e
perdeu os dois joelhos, mas ainda assim continuou a furtar suprimentos dos celeiros do governo. Outros casos
abundaram e as punições pareceram não ter efeito. O perplexo imperador escreveu que esperava controlar os vilões
com a ideia de que, se um homem fosse punido, cem receberiam a advertência. Mas isso não ocorreu. Hongwu
morreu desiludido em 24 de junho de 1398 aos 69 anos de idade após ter expressado seu profundo desapontamento
diante dos seus esforços imperiais de transformação de seus súditos (fig.).

Fig. - Estela fúnebre no Mausoléu de Hongwu em Nanjing, com a tartaruga gigante de pedra (bixi) na base.

Os próximos imperadores da Dinastia Ming passaram a considerar a defesa do império como prioridade. Assim,
Yongle (1403 - 1425), o terceiro imperador da dinastia, reconstruiu amplamente a Grande Muralha e mudou a
capital de Nanjing (“Capital do Sul”, Nanquim) para Beijing (“Capital do Norte”, Pequim), onde pôde vigiar mais
de perto os mongóis. No entanto, foram os missionários budistas que trouxeram fim mais permanente à ameaça
mongol. Foram os budistas que haviam transformado a maioria dos nômades além das muralhas chinesas em
piedosos pacíficos seguidores dos ensinamentos de Buda. No sul, Yongle aproveitou do caos político que reinava
nas terras vietnamitas para conquistar aquela terra, transformando-as em província chinesa de 1407 a 1428 (mapa).

Mapa – As extensões do império chinês (amarelo) sob Yongle em 1424.


Outro evento notável ocorreu no início do século 15 na China Ming. Entre 1405 e 1433, sete enormes frotas de
navios de guerra, lideradas por um eunuco muçulmano chamado Zheng He (1371 - 1433), partiram da China em
expedições aos oceanos Pacífico e Índico. As frotas transportaram até 20 mil soldados e oito mil marinheiros [642].
Em comparação, a Armada Espanhola transportava menos homens em uma viagem muito mais curta. Essas viagens
foram para o sudeste da Ásia, Índia, Pérsia, Arábia e África Oriental (mapa). Em toda parte, Zheng buscou
apresentar o Império do Meio às outras nações e recebeu tributos como sinal de amizade e possibilidades
comerciais. O almirante trouxe de volta à China embaixadores de 50 estados diferentes, além de presentes exóticos,
como zebras e girafas (fig.).

Mapa – Os chineses de Ming se lançam aos mares. As expedições de Zheng He em linha azul, entre 1405 e 1433.

Fig. – O fantástico e o descobrimento. Uma girafa oriunda de Malindi, costa oriental africana, dada de presente pelo sultão de Bengala em 1415 que se
tornou sensação na corte chinesa de Ming, pois pensava-se que era uma figura mitológica chinesa, o qilin.

Por mais impressionantes que fossem essas expedições, elas não foram organizadas com o propósito de
exploração uma vez que a maioria das terras visitadas era parceira comercial da China há tempos. Tampouco foi o
objetivo de estabelecer colônias ou mesmo de comercializar. A maioria dos comerciantes chineses sentia pouca
necessidade de procurar novos clientes e mercados. Os chineses já negociavam em termos favoráveis todos os
produtos que a Ásia, a Europa e a África podiam oferecer e os seus produtos, desde - seda, chá, laqueados, jade,
porcelanas entre outros - tinham grande demanda mundial. A China era, portanto, quase autossuficiente em tudo o
que era considerado essencial. A principal razão para as expedições era política: a China queria que todas as nações
reconhecessem que o Império do Meio era a nação mais avançada e civilizada do mundo. Uma vez realizado isso
por Zheng He, as expedições e viagens navais foram consideradas onerosas e desnecessárias e decidiu-se em Pequim
pelo termo delas, porque pela mentalidade das autoridades Ming não fazia sentido buscar maiores contatos com o
resto do mundo. As nações europeias, lideradas por Portugal, em meados do século 15 começaram a explorar à
época em que as expedições chinesas terminaram, motivadas por duas coisas que não motivaram os chineses: lucro,
em forma de mercadorias valiosas a ser revendida, como especiarias e tecidos e assim foram investidos em navios
que pudessem garantir a exclusividade de rotas e portos estratégicos ao longo da costa africana e asiática no Oceano
Índico contra rivais e adversários muçulmanos e europeus e; oportunidade de converter número ilimitado de pagãos
ao cristianismo. Nenhum desses fatores motivaram os chineses no século 14.
A elite política da China Ming passou a defender ativamente o fim às expedições de Zheng He. As viagens
tinham fortalecido a posição de eunucos que disputavam com os letrados confucionistas o favor do imperador e os
altos postos governamentais. Além disso, os mandarins confucionistas consideravam as viagens como um desvio
desnecessário de recursos que o império não podia pagar. Eles acreditavam que seria melhor direcionar a riqueza e
os talentos do império para a construção de exércitos e fortificações para impedir a entrada dos temidos mongóis e
outros nômades [643]. A lembrança do domínio estrangeiro era, afinal, bastante recente. O resultado foi que a China se
tornou gradativamente uma sociedade isolacionista. Em 1479, o governo até queimou seus registros das execuções
de Zheng He, porque as memórias deles poderiam ser sediciosas aos olhos dos confucionistas conservadores.
O governo imperial permitiu que o comércio com o mundo exterior continuasse, mas seguiu uma política
mercantilista. Regras estritas foram impostas para regulamentar o comércio, especialmente com relação aos locais
onde os comerciantes poderiam ir e morar. Comerciantes indo e voltando do Japão, por exemplo, só podiam trazer
mercadorias japonesas para o porto de Ningbo. Da mesma forma, o comércio com as Filipinas teve de ser realizado
através do porto de Fuzhou, e o comércio com a Indonésia teve de ser realizado através de Guangzhou (Cantão). A
partir deste momento, há relatos de piratas japoneses (wakô) invadindo a costa chinesa. Alguns dos invasores eram
de fato japoneses, mas parece que a maioria eram de inconformados mercadores chineses que haviam se voltado
para a vida criminal porque não podiam mais negociar legalmente. O mais notável é o fato de que a China não
tentou expulsar esses piratas com sua marinha de primeira classe. Em vez disso, a resposta foi estender o Grande
Canal do Rio Amarelo até Pequim para que os navios chineses não precisassem sair para a costa e o mar. Enquanto
isso, os agressivos europeus começaram a explorar as possibilidades dos mares do leste e sudeste asiático a partir do
século 16.
Pelo seu tamanho e extensão, o império chinês não tinha rival no mundo no século 15. Com mais de cem milhões
de súditos, uma burocracia de tradições com firmes raízes confucionistas, uma classe de letrados aprovados nos
rigorosos exames imperiais e uma história que remonta a quatro mil anos, isso era compreensível. Diante disso, era
natural que o imperador Ming, Filho do Céu, de um império que se considerava como o Império do Meio – algo que
até os dias atuais vemos no nome oficial da China, zhonghuo( 中國 , “País do Meio”) – reconhecessem todos os
outros estados como membros tributários ou rebeldes de um domínio mundial concedido a ele pelos céus. Essa
atitude não era despropositada no que dizia respeito aos asiáticos orientais. A Coreia e o Vietnã estiveram sob
domínio chinês no passado e os reis de ambos ainda rendiam tributos a fim de serem reconhecidos como
governantes legítimos pelo imperador chinês assim como por seu próprio povo. De fato, entre os vizinhos da China
apenas o Japão achava que tinha uma identidade nacional própria. Os demais aceitavam a China como o centro
político do mundo e a única fonte legítima de autoridade. Essa atitude, no entanto, impediu a China de acompanhar
as mudanças que estavam a acontecer na Europa a partir do século 15 em diante.
No entanto, o primeiro e mais imediato impedimento que os imperadores Ming sofreram veio de um inimigo
mais antigo e próximo - os mongóis. Em 1449, os mongóis lançaram um ataque de três frentes que rompeu a Grande
Muralha e ameaçou Datong, a capital da província de Shanxi. Zhengtong (ou Yingzong) (r. 1435 – 1449; 1457 -
1464), o sexto imperador Ming, conduziu pessoalmente o exército imperial de Beijing (Pequim) para acabar com
essa ameaça. Antes de partir, porém, o imperador prudentemente instalou seu irmão Zhu Qiyu como o imperador
Jingtai (r. 1449 - 1457), para permanecer no trono caso ele não voltasse. Toda essa longa campanha foi ideia de um
eunuco chamado Wang Zhen, cujas ideias estratégicas provaram ser desastrosas para o exército chinês. Ao ponto
que o seu exército foi cercado e massacrado por forças avançadas dos mongóis em 1º de setembro de 1449 na
Batalha de Tumu (mapa). Entre os poucos sobreviventes estava o imperador Zhengtong que foi capturado. De início,
os mongóis tentaram extorquir o resgate do imperador. Então eles o libertaram quando perceberam que o governo
chinês não iria pagar o vultoso resgate. Ainda assim, quando Zhengtong retornou a Pequim, seu irmão não ficou
feliz em vê-lo e colocou-o em prisão domiciliar no palácio ao sul da Cidade Proibida. Isso permitiu que Jingtai
governasse como o imperador oficial até 1457, quando Zhengtong o depôs num golpe palaciano e retomou seu
próprio reinado. Enquanto isso, os mongóis não estavam mais apresentando-se como ameaça nas fronteiras, mas o
choque daquela derrota em Tumu fez com que o governo recuasse das fronteiras defensáveis feitas sob mando de
Yongle, no nordeste, para uma linha muito mais curta e recuada, bem em frente à linha da Grande Muralha. Uma
consequência desse movimento foi que os jurchens na Manchúria agora puderam reconquistar sua independência.
Mapa – A desastrosa campanha chinesa contra os mongóis em Tumu em 1449 que resultou no recuo das fortificações chinesas no nordeste.

Foi durante a Dinastia Ming que a arquitetura chinesa atingiu seu auge. Toda a estrutura urbana a seguir os
preceitos do feng shui e a maioria dos edifícios da Cidade Proibida (1406 - 1420) em Pequim foram construídas
durante esse período (fig.). Nas artes, literatura e outras atividades culturais, no entanto, a criatividade foi ofuscada
em comparação. A inovação foi substituída por uma imitação nostálgica do que havia sido feito antes,
principalmente a idealizar o passado dos tempos de Song e Tang. Alguns historiadores acreditam que esse
conservadorismo veio do período do governo mongol, trauma permanente do qual a China não se recuperou.

Fig. – A Cidade Proibida de Pequim, construída seguindo os preceitos harmoniosos do feng shui, montanhas atrás e águas à frente, pintura da Dinastia
Ming.
Fig. – A perfeita proporção e ordem. Templo do Céu de Pequim construído em 1420 sob o imperador Yongle a servir de local para cerimônias
imperiais a garantir a ordem cósmica e boas colheitas.

A ficção curta se popularizou desde a Dinastia Tang e houve alguns notáveis romances históricos em vernáculo,
tais como “Margem da Água” de Shi Nai’an (c. 1296 - 1372) e “Jornada ao Oeste” de Wu Cheng’en (1500 - 1582),
que tiveram amplo público entre aqueles com educação rudimentar fora das elites letradas que valorizavam o chinês
clássico: mulheres ricas, comerciantes e vendedores. A literatura de viagens, como as obras de Xu Xiake (1587 –
1641), satisfez a sede por conhecimento técnicos daqueles curiosos a respeito da geografia e costumes das regiões
chinesas e regiões vizinhas. A vitalidade dessa onda literária se pautou na expansão das publicações. Em Pequim,
houve as primeiras referências à publicação de jornais a partir de 1582 e, após 1682, a impressão lenta em
xilogravuras passou a mudar para o tipo móvel.
No campo da poesia, Yuan Hongdao (1568 – 1610) expressou suas experiências de viagens como meio de
manifestar suas angústias e desejos da sua individualidade, assim como sua frustração com a política da corte
confucionistas. Algo que parece ter ecoado com a geração cada vez mais desiludida da época. Yuan assim como
seus dois irmãos, Yuan Zongdao (1560 – 1600) e Yuan Zhongdao (1570 - 1623) foram fundadores da Escola
Literária de Gong’an que foi influente na crítica ao establishment confucionista na China Ming.
Nas artes plásticas, na pintura, artistas como Ni Zan, Dong Qichang e os mestres Shen Zhou (fig.), Tang Yin,
Wen Zhengming e Qin Ying, basearam-se nas técnicas, estilos e complexidades da pintura dos tempos de Song e
Tang, mas com clientela cada vez mais próspera e demanda crescente. Na cerâmica e porcelana, o foco se deu nos
fornos imperiais de Jingdezhen (fig.), na província de Jiangxi, que produziu as mundialmente apreciadas porcelanas
azuis e brancas assim como outros estilos. A atender o gosto europeu, estabeleceram-se os fornos de Dehua e Fujian
no final do século 16. Ceramistas individuais se destacaram, como He Chaozong, por suas porcelanas brancas. No
comércio asiático, estima-se que 16% das exportações chinesas de cerâmica da era Ming foram enviadas para a
Europa, enquanto o restante foi destinado para o Japão e sudeste asiático [644]. Trabalhos em laca e desenhos
esmaltados em porcelanas apresentaram novos padrões e complexidades semelhantes às pinturas chinesas. Esses
padrões depois iriam encontrar-se nas casas de ricos proprietários ao lado de móveis de pau-rosa, delicadas treliças,
bordados em jade, marfim e cloisonnés. Houve, portanto, juntamente com um clima de decadência, refinamento dos
gostos, apelo estético e certa individualidade rebelde expressada nas artes chinesas dos anos Ming.
Fig. – A refinada arte Ming I. Pintura de Shen Zhou, Sublime Monte Lu, de 1467.

Fig. – A refinada arte Ming II. Porcelana de c. 1335, azul e branco, dos fornos imperiais de Jingdezhen, a atender o gosto de um rico cliente
muçulmano.

No campo religioso, o confucionismo, budismo e taoísmo continuaram dominantes. O lamaísmo tibetano


endossado pelos Yuans passou a ser marginalizado e os primeiros imperadores Ming favoreceram em especial o
taoísmo, concedendo aos seus praticantes importantes cargos no estado. Hongwu buscou conter o cosmopolitismo
da era Yuan, enxergando nisso ameaça à unidade e ordem imperial, e um de seus filhos, o príncipe Zhu Quan (1378
- 1448), escreveu textos atacando os cultos “estrangeiros” que foram considerados nocivos ao império chinês. O Islã
tinha se estabelecido na China desde os tempos de Tang e obteve apoio oficial durante a Dinastia Yuan. Embora os
Mings tenham tido cautela com essa religião, figuras militares se destacaram no período como o general Chang
Yuqun, Ding Dexing, Mu Ying além do famoso almirante Zheng He.
Os primeiros ocidentais que começaram a chegar sistematicamente nas terras chinesas foram os portugueses
que ancoraram no porto de Cantão em 1513. Em 1535, os lusitanos fecharam acordo com autoridades de Ming e
estabeleceram-se na pequena península de Macau ao custo de 500 taels anuais [645], somente na intenção de servir de
base comercial a se separada por uma barreira do restante de Cantão pelas Portas do Cerco. Meio século depois, a
conquista espanhola das Filipinas fez da Espanha cliente próximo dos produtos chineses que, em troca, vendia prata
das suas colônias americanas. Depois vieram os holandeses que foram derrotados na sua intenção de expulsar os
portugueses de Macau em 1622 e se estabeleceram numa base local de operações na ilha de Formosa (Taiwan). Os
chineses não se importaram muito com esses recém-chegados. Ao encontrar esses curiosos estrangeiros de aparência
estranha com olhos redondos, narizes grandes e cabelos coloridos, os chineses se perguntaram se eram homens ou
selvagens demoníacos. As maneiras rudes dos europeus denunciaram sua pouca civilidade [646] e não ajudaram nas
boas relações, e foi causa de incidentes entre chineses e ocidentais. Por fim, o governo imperial percebeu que os
europeus poderiam ser úteis como comerciantes e transportadores de longa distância, a intermediar relações com o
restante do “mundo bárbaro” do além-mar, além das porteiras e fortificações do Império do Meio (fig.).

Fig. – A China como centro do mundo. Mapa mundial chinês de c. 1800, cópia de original de data desconhecida, posicionando a China como o meio
do mundo, rodeado por muralhas, ilhas e marcos periféricos (em vermelho) e tributários assinalados por selos imperiais.

Havia um grupo de ocidentais que não se enquadrava nas restrições (e reprovações) impostas aos mercadores: os
missionários da Companhia de Jesus, ou jesuítas. Um dos primeiros jesuítas, padre Matteo Ricci (1552 - 1610)
(fig.), conquistou o respeito dos chineses se vestindo como um estudioso chinês e estudando os ensinamentos de
Buda e Confúcio até conhecê-los como os letrados chineses. Foi ele que buscou tornar o cristianismo compatível
com a cultura chinesa ao permitir o culto dos ancestrais e a observância dos feriados tradicionais para que os
convertidos pudessem continuar a fazer parte da sociedade que os rodeava. Por fim, o padre Ricci chegou a pregar
ao próprio imperador. Os jesuítas estavam entre as pessoas mais instruídas da Europa, então os últimos imperadores
de Manchu e Ming os empregaram como matemáticos, astrônomos, diplomatas - como os que serviram aos
interesses russos que resultou no Tratado de Nerchinsk em 1689 - e até mesmo fabricantes de armas,
supervisionando a fundição de canhões. Evidentemente, a corte e elite chinesa não se incomodaram com essa
exótica religião que esses clérigos bárbaros ensinavam em suas horas de folga.

Fig. – A erudição ocidental e oriental em pessoa. Matteo Ricci retratado em trajes de seda dos letrados mandarins (rufu, 儒服 ) no início do século 17.

Essa delicada relação entre os jesuítas ocidentais e a corte da China Ming terminou quando o papa descobriu
sobre os jesuítas comprometendo o cristianismo aos ensinamentos heréticos do Oriente. O papa Clemente XI (p.
1700 - 1721) eventualmente declarou, em termos inequívocos, que fazer sacrifícios aos ancestrais ou a Confúcio é
uma forma de idolatria [647]. Assim, os jesuítas puderam permanecer na corte imperial até 1735, mas fizeram poucos
convertidos durante os últimos quarenta anos.
Mas antes disso, a Dinastia Ming já havia demonstrado decadência e fragilidade política. Desde fins do século
16, os Mings enfrentaram uma série de eventos que resultaram na derrubada dinástica chinesa: invasões das
fronteiras, rebeliões e corrupções no meio doméstico. Desses três para os Mings, o último foi o pior. Como na era da
Dinastia Han, os eunucos da corte cresceram e seu poder de influência aumentou consideravelmente ao ponto que se
tornaram os que realmente administraram o país. Gradualmente, os imperadores abdicaram de suas
responsabilidades políticas. Depois de 1582, eles não conduziriam negócios nem compareceriam a reuniões com
ministros do governo. Quando os eunucos vinham com algo que exigia uma decisão de alto nível, a resposta
imperial usual seria de não incomodar o imperador. Logo os eunucos tinham decisões cruciais nas mãos, comando
de exércitos particulares, polícia secreta e outros agentes, com os quais aterrorizavam a administração e as pessoas
comuns que pudessem ser rivais aos seus interesses.
Em determinado momento, o tesouro imperial foi esgotado por surtos de pragas, fome, desemprego generalizado
e uma dispendiosa guerra contra os japoneses de Toyotomi Hideyoshi na Coreia (1592 – 1598), em que o imperador
Wanli (r. 1572 - 1620) enviou mais de 220 mil tropas [648]. Nesse cenário, os eunucos não viram limites às suas
ambições corruptas, oferecendo o comando dos exércitos ao maior lance – diante do desalento do imperador após o
evento coreano. Essa foi uma ação particularmente perigosa, porque em 1616 um líder militar chamado Nurhachi
(1559 - 1626) uniu todos os jurchens da Manchúria num reino unificado. Então ele decidiu ir além e lançou ataques
contra os territórios chinês e coreano. Pela incompetência e despreparo de líderes militares escolhidos pelos eunucos
chineses, Nurhachi passou a acumular vitórias militares em campo.
Eventualmente, em 1625, Nurhachi rompeu a primeira linha de defesa da China na fronteira nordeste, a
“Paliçada Amarela” [649]. Ele tomou a cidade de Shenyang, renomeou-a como Mukden, e fez dela sua nova capital.
Ecoando os seus ancestrais do século 12, Nurhaci declarou o início de uma nova dinastia na região, como um
segundo império Jin (“dourado”). Um ano depois, em 1626, ele morreu de ferimentos sofridos na batalha de
Ningyuan por tiros de canhões fabricados por portugueses.
Os jurchens tinham perdido a batalha porque seu lado não tinha armas de fogo, então seu filho e sucessor,
Abahai (r. 1626 - 1636), conseguiu alguns arcabuzes russos apresentados como tributo de uma tribo mongol. Ele
também percebeu que a China era vasta demais para conquistar, a menos que ele tivesse ajuda substancial de
rebeldes chineses. Foi assim que Abahai decidiu em 1635 mudar o nome de seu povo e reino que poderia provocar
menos indignação entre os chineses. De jurchens, mudou-se para manchus, e do reino de Jin, para Qing (“puro”).
Esse último ato fez o manchus parecerem aos chineses uma alternativa limpa à decadência dos Mings.
O último imperador Ming, Tianqi (r. 1620 – 1627), foi um mero fantoche controlado que tinha se retirado
inteiramente da política para perseguir seu hobby predileto de carpintaria. Em sua ausência, o estado era
administrado pela sua ex-babá, a senhora Ke e um eunuco chamado Wei Zhongxian (1568 - 1627). A grande
influência de Wei e sua predileção por tortura e assassinato silenciaram a maioria dos críticos e rivais, com exceção
de um oficial da corte que apresentou ao indiferente imperador uma lista dos "vinte e quatro grandes crimes" de
Wei. Como resposta, dois anos depois do pleito, o oficial foi torturado por membros leais ao eunuco Wei e morreu
na prisão.
Com a morte de Tianqi em 1627, seu irmão de dezessete anos, Chongzhen, subiu ao trono. Este jovem tentou
restaurar a integridade do regime Ming. O eunuco Wei tinha cometido suicídio a fugir dessas novas reformas. A
senhora Ke sofreu a pena capital dos “mil cortes” (lingchi, 凌遲 ), em que a vítima sofre lenta morte por muitos
dias de cortes e desmembramentos gradativos. Cada ferida era depois cauterizada com ferro quente para se evitar a
morte rápida por perda de sangue. Infelizmente, tudo isso foi feito tarde demais para salvar a Dinastia Ming. Pois
duas grandes rebeliões eclodiram em Shaanxi e Sichuan. Os rebeldes de Shaanxi capturaram Pequim em 1644, e o
imperador Chongzhen se enforcou para evitar cair nas mãos dos rebeldes. Seguiu-se uma orgia de saques e
assassinatos pela capital e reino chinês. Chocado com o que estava acontecendo na capital, o comandante geral das
forças na Grande Muralha parou de lutar contra os manchus e os convidou para ajudá-lo a restaurar a ordem no país.
Admirados com essa inusitada oferta de adentrar no império chinês contra o qual lutaram por uma geração, os
manchus prontamente concordaram. Assim, os manchus eliminaram os rebeldes de Pequim mas, depois de
terminarem, recusaram-se a sair da capital e voltar para casa. Em vez disso, eles se proclamaram herdeiros legítimos
dos Mings. Abahai havia morrido no ano anterior, em 1643, então agora seu filho de cinco anos, Fulin, tornou-se o
primeiro imperador chinês da nova Dinastia Qing, adotando o nome imperial de Shunzhi (r. 1644 - 1661),
"obediência e boa ordem estabelecidas".
Dinastia Qing (1644 – 1911)
O primeiro desafio da nova Dinastia Qing na China a partir de 1644 era consolidar o controle sobre a vastidão
que caíra sob seu controle quase que inevitavelmente. Inicialmente, os manchus da Dinastia Qing tiveram que lidar
com o restante de rebeldes chineses em Sichuan que afirmavam que eles, e não os manchus, que eram os legítimos
herdeiros da Dinastia Ming anterior. Esses rebeldes perderam terreno gradativamente com os conflitos e foram
levados de volta para a região de Sichuan onde tinha se proclamado como sede da Dinastia Ming do Sul. Por pouco
tempo. Lá, o último pretendente sério ao trono imperial chinês, o príncipe de Gui ou imperador Yongli (r. 1646 -
1662), foi perseguido até as regiões meridionais em Yunnan e fugiu para a Birmânia (Mianmar) 1659 de onde foi
extraditado para a China e executado em 1662.
Desafio mais sério aos manchus de Qing adveio da costa chinesa. De um nobre rebelde meio japonês meio
chinês [650] chamado Zheng Chenggong (1624 – 1662), mais conhecido no Ocidente pelo nome de Coxinga. Este
tinha veementemente recusado reconhecer a autoridade manchu mesmo quando lhe foi ofertado generosos termos de
paz, ao que ele respondeu com um exército de 100 mil homens revoltados. Sua frota dominou por anos toda a costa
central e sul chinesa e suas primeiras vitórias fizeram com que o imperador manchu Shunzhi descarregasse sua
frustração ao despedaçar um trono imperial. Mas, como em muitos momentos da história, Coxinga foi derrotado
pela fraqueza humana. Ao se aproximar em 1659 da cidade imperial de Nanjing (Nanquim), os seus soldados,
confiantes na tomada da cidade, resolveram comemorar o aniversário de seu líder a noite toda. As tropas foram tão
descuidadas com o vinho e sono que se surpreenderam com um contra-ataque surpresa dos manchus, ao que fugiram
para o mar em desordem.
Apesar desse revés desmoralizante, Coxinga ainda se manteve nas ilhas de Xiamen e Jinmen. Os manchus
tentaram submetê-lo evacuando uma longa faixa de terra ao longo da costa chinesa, mas isso apenas causou
sofrimento a milhares de chineses desalojados. Em 1661, Coxinga resolveu invadir a ilha de Taiwan, derrotando os
postos holandeses e transformando essa grande ilha em sua base de operações. Um ano depois, Coxinga veio a
morrer e o controle da ilha passou para seu filho [651].
A conquista manchu da China não acarretou em calamidade como aconteceu em invasões anteriores. Antes de
passarem pela Grande Muralha, os manchus já tinham sido influenciados e incorporados para si o governo e valores
modelados segundo o sistema Ming. Depois que eles assumiram o trono em Pequim, a administração chinesa ficou
intocada exceto pelas posições mais altas, metade das quais foram reservadas para os manchus. De fato, logo os
manchus se viram no risco de assimilação total pelos seus súditos chineses a refletir a superioridade numérico do
reino. Para tentar conter isso o quanto possível, foram aprovadas leis que separaram os dois grupos étnicos. Ambos
os idiomas, manchu e chinês, foram aprovados como meios oficiais pelo governo. Manchus foram barrados de
trabalhar no comércio, trabalho comum e proibidos de se casar com chineses. Os cidadãos chineses e manchus eram
obrigados a usar diferentes estilos de vestimentas. O longo rabo de cavalo usado pelos homens chineses apareceu
pela primeira vez como um símbolo de submissão e depois foi imposto a todos a marcar a sua condição étnica e
social. Houve depois notável resistência de chineses pois a eles foi imposta a condição de se raspar a parte frontal da
cabeça – ao que muitos resistiram com base nos ensinamentos de Confúcio que dizia que o que herdamos dos
ancestrais deveria ser prezado como lealdade filial [652]. A maior parte da Manchúria foi reservada como área de caça
para os imperadores e, assim, fechada aos chineses.
O imperador Shunzhi morreu de varíola em 1661, aos vinte e dois anos de idade. Seu terceiro filho, Kangxi, de
sete anos, recebeu a coroa porque havia sobrevivido a um ataque anterior de varíola e, portanto, estava imune à
doença. Ele também era o único dos filhos do falecido imperador que era à altura dos desafios de seu trabalho
imperial, pois revelou-se talentoso líder. Kangxi (r. 1661 – 1722) governou por sessenta e um anos e foi o maior
imperador que a China tinha visto desde os dias de Taizong, mais de mil anos antes.
Como o novo imperador era apenas uma criança, um nobre manchu chamado Oboi tornou-se regente do império.
Sob ele, a política de justiça relativamente branda de Shunzhi em relação à maioria chinesa foi modificada. As
autoridades chinesas agora também foram proibidas de criticar o governo. Suspeitos de alimentar e propagar
sentimentos anti-manchu foram presos e torturados. Por causa das duras regras de Oboi, Kangxi decidiu assumir o
poder em 1667 embora tivesse apenas treze anos. Depois de tomar o trono ele ainda não conseguiu controlar o ex-
regente, então Kangxi mandou executar sua morte dois anos depois. Como isso foi feito ainda é incerto, mas de
acordo com a tradição Oboi foi capturado e preso por um grupo de meninos brincando de esconde-esconde no pátio
do palácio imperial em Pequim. Esses jovens eram treinados nas artes marciais e agentes leais às ordens do
imperador [653].
Kangxi alimentou uma insaciável curiosidade, energia e intelecto ao longo de sua vida. Levantava-se bem antes
do amanhecer para estudar os clássicos confucionistas (fig.). As audiências públicas imperiais começavam às 5
horas da manhã, embora os funcionários que viviam longe do palácio pudessem comparecer um pouco mais tarde.
Ele discutia questões do governo durante essas horas, prestando atenção ao menor problema ou detalhe. Perto do
final da manhã, eram recebidos funcionários domésticos, visitantes importantes das províncias e, finalmente,
diplomatas estrangeiros. O resto do dia era dedicado a assuntos familiares e a seus próprios passatempos -
geralmente escrevendo poemas ou caligrafia. Como ele tinha tutores jesuítas, Kangxi também era interessado no
conhecimento ocidental: ciência, matemática, cartografia, medicina, música - e relógios mecânicos, algo ele sempre
achou fascinante. Dizia-se que Kangxi raramente se deitava antes da meia-noite.
Fig. – O ideal confuciano em pessoa. Kangxi a estudar devotamente os clássicos.

Kangxi passava muito tempo longe da capital. Parte disso foi pelas suas férias de retiro que ele dedicava a
praticar suas habilidades em tiro com arco e equitação. Para o treinamento militar, ele trouxe seus melhores soldados
para a Manchúria e ali eles participavam de enormes expedições de caça que se assemelhavam a campanhas
militares. Como os mongóis haviam feito em tempos anteriores, eles caçavam espalhando-se para formar um círculo
de muitos quilômetros de largura para então se aproximarem a capturar qualquer animal que tivesse o azar de ficar
cercado. Kangxi levou até 100 mil homens de cavalaria e 60 mil de infantaria em uma dessas expedições [654].Outras
viagens do imperador foram passeios pelo reino. Com efeito, Kangxi reviveu a prática arcaica de visitar
pessoalmente o máximo de seus domínios, inspecionando obras públicas, perdoando criminosos, ouvindo queixas,
ajudando aqueles que tinha caído em tempos difíceis e às vezes lendo os exames de candidatos ao funcionalismo
público imperial. Ocasionalmente ele deixava o seu séquito e ia sozinho, vestindo-se como um plebeu para disfarçar
sua identidade tal como o califa abássida Harun al-Rashid o fazia nas ruas de Bagdá de acordo com as “Mil e Uma
Noites”.
Por ser uma pessoa ativa, Kangxi desprezava os funcionários que não estavam dispostos a sujar as mãos para
trabalhar, escandalizando aqueles confucionistas mais ortodoxos que enxergava os ofícios manuais como indigno
dos letrados e elite imperial. Quando um incêndio eclodiu num de Pequim, ele ficou furioso ao observar os
funcionários manchus em pé com as mãos na manga.
Durante a primeira metade de seu longo reinado, Kangxi teve que lutar para manter coeso seu império. O
primeiro desafio militar veio de três generais que haviam esmagado a rebelião de Sichuan. Um deles era Wu Sangui,
o mesmo general que tinha permitido os manchus atravessarem a Grande Muralha. Mas agora esses líderes militares
se recusaram a renunciar a sua autoridade a Pequim dos manchus e governaram seus territórios que tinham
capturado como três estados independentes. Quando Kangxi se moveu contra um deles, o senhor da guerra da
província de Guangdong, em 1674, todos os três líderes, chamados de "Três Feudatórios", levantaram-se em revolta.
O filho de Coxinga enviou um exército de Taiwan para ajudar esses rebeldes. A rebelião quase provocou o fim
prematuro da Dinastia Qing, mas com a ajuda de leais generais chineses Kangxi prevaleceu em 1681. Em 1683, ele
invadiu Taiwan, derrotou o neto de Coxinga e tornou a ilha parte da China pela primeira vez.
Enquanto isso, ao norte, um tipo diferente de problema estava se formando. Por um século, os russos, liderados
por aventureiros cossacos, vinham explorando e colonizando a Sibéria. No rio Amur, eles construíram uma fortaleza
chamada Albazin em 1655. Isso era muito perto da terra dos manchus para ser ignorado e as constantes atrocidades
dos cossacos levaram os habitantes locais a pedir ajuda aos manchus. Kangxi respondeu estabelecendo estradas,
bases, frotas fluviais, celeiros, um serviço postal e guarnições militares, certificando-se de que ele tivesse mais
controle sobre a área disputada do que os russos. Então ele atacou os postos avançados dos cossacos, destruindo-os
um por um até restar Albazin. Sentindo-se seguro para negociar, Kangxi então chegou ao local de fronteira com uma
frota de noventa navios para reforçar a sua posição de negociação. O resultado foi o Tratado de Nerchinsk em 1689,
o primeiro acordo formal da China com um governo ocidental. Os chineses conseguiram o que queriam - todo o
território da bacia do rio Amur (mapa) - e em troca permitiram aos russos irem a negociar em Pequim, uma
concessão que nenhum outro governo europeu desfrutava.
Mapa – A bacia do rio Amur (em amarelo), negociado pelos manchus com os russos e assinado no Tratado de Nerchinsk de 1689.

Alguns anos depois de Nerchinsk, uma invasão dos mongóis ocorreu, na década de 1690, quando as tribos de
khalkha se uniram sob um líder chamado Galdan e avançaram para a cidade chinesa de Jehol, a apenas 320
quilômetros ao norte de Pequim. Kangxi liderou pessoalmente o contra-ataque e considerou a vitória uma das
maiores de sua carreira. De certo modo ele estava certo. Depois que Galdan cometeu suicídio em 1697, a China
ficou segura em suas fronteiras por um século e meio. E as extensões dos mongóis além da Grande Muralha, a
Mongólia Exterior, tornou-se parte do império chinês.
Enquanto a China estava crescendo a dimensões sem precedentes, o Império do Meio também desfrutava de um
período de prosperidade e ordem. Indústrias como a dos têxteis, cerâmica, sal e mineração cresceram a superar os
níveis de produção da Era Ming. A introdução de novas culturas, como milho, batata doce e amendoim trouxe
rendimentos em terras que não se podia cultivar e colher o arroz. O cultivo de culturas lucrativas como tabaco,
algodão e chá, também foi generalizado. Especialmente o chá, a atender a insaciável demanda dos britânicos e
europeus desde meados do século 17 em diante.
No entanto, Kangxi não tinha a mesma sorte de controle familiar como tinha sobre seu império. De seus vinte
filhos que sobreviveram até a idade adulta, o imperador deu mais atenção ao segundo, Yinreng (1674 - 1725),
esperando que ele se tornasse seu herdeiro. O jovem, no entanto, retribuiu a devoção de seu pai com extravagância e
desobediência, além de ter sido um homossexual, algo repulsivo aos valores conservadores chineses. Kangxi não
sabia o que fazer com ele. Primeiro ele dispensou Yinreng como seu herdeiro. Depois com o tempo, passou a
alimentar paranoia crescente e mandou executar alguns dos associados de Yinreng e até prendeu três de seus outros
filhos. A turbulência familiar deixou o imperador tão amargurado que ele se recusou a nomear um sucessor ao final
de sua vida. Quando ele morreu em 1722, o trono imperial passou para seu quarto filho, Yongzheng (r. 1722 - 1735),
que estava ao lado de sua cama durante seus últimos dias.
O reinado de Yongzheng foi curto e tranquilo. Um evento digno de nota foi o Tratado de Kyakhta de 1727 que
abriu o comércio com a Rússia. Uma cidade chamada Kyakhta foi fundada na fronteira da Mongólia para esse fim,
ao sul do Lago Baikal. Ali, caçadores e caçadores russos vinham trocar peles por chá, seda e porcelana chinesa.
Assim como no Tratado de Nerchinsk, os manchus conseguiram a melhor parte do acordo. Embora a fronteira sino-
russa logo tenha crescido para mais de três mil quilômetros, os russos só poderiam negociar ou entrar na China por
esse posto avançado.
Yongzheng foi por sua vez sucedido por Qianlong (r. 1733 - 1796) (fig.), que não apenas governou por tanto
tempo quanto Kangxi, mas foi o último grande imperador da história chinesa. Uma tribo da nação mongol
independente lhe causou problemas em meados do século, e Qianlong partiu e os destruiu após uma série de batalhas
entre 1755 e 1758. Em seguida, os exércitos manchus e chineses marcharam para oeste e quase exterminaram os
dzungars (ou zungaris), nação que atualmente vive no norte de Xinjiang. Em 1760, a autoridade Qing havia sido se
estabelecido em toda a bacia de Tarim. A fronteira ocidental da China foi empurrada para o Lago Balkhash, na Ásia
Central. Os restantes dos canatos da Ásia Central - Kokand, Cazaquistão, Bucara, Badaquistão e Afeganistão -
tornaram-se estados tributários irregulares. O mesmo aconteceu com o montanhoso reino de Nepal, que foi
humilhado por uma expedição Qing após os gurkhas se intrometerem nos assuntos tibetanos que alertaram as
autoridades em Pequim (mapa).
Fig. – O imperador Qianlong em sua juventude, último dos grandes imperadores da China, pintado pelas mãos do jesuíta Giuseppe Castiglione.

Mapa – As conquistas chinesas sobre as regiões periféricas do império na Dinastia Qing.

No aspecto interno, Qianlong superou todos os outros imperadores Qing em seu patrocínio à cultura. Cerca de 15
mil calígrafos foram empregados fazendo cópias manuscritas de 10 mil livros para as seis maiores bibliotecas do
país. O mais famoso deles foi “Obras Completas das Quatro Tesouros” ou “Biblioteca Completa das Quatro Seções”
(Siku Quanshu, 四庫全書 ) (fig.) [655], onde 300 estudiosos editaram e resumiram cerca de 3.500 obras sobre os
clássicos chineses, num total de 36 mil volumes. As ciências ocidentais, astronomia e matemática, também
receberam tratamento favorável. Centenas de poetas e pintores foram subsidiados para exaltar as realizações
chinesas. Nenhum livro ou arte que criticasse os manchus era permitido, contudo, e com boas razões. Como nos dias
da Dinastia Yuan, os eruditos chineses estavam se tornando nostálgicos pelos tempos em que os chineses
governavam. As sociedades secretas, especialmente o movimento do Lótus Branco, fundado na Dinastia Ming,
também estavam ensaiando retornar em popularidade. Qianlong conseguiu conter essa onda de divergência durante
todo o seu reinado, mas os imperadores do século dezenove viram seus problemas crescer exponencialmente diante
dessas pressões.
Fig. – Página da enorme coleção do Siku Quanshu, maior coleção de textos chineses antes do século 20 que teve importante lugar nas histórias dos
textos acadêmicos e culturais na China.

Os manchus herdaram o desdém confucionista dos comerciantes e da atividade comercial [656]. A maior parte do
comércio exterior permitido era feita sob o sistema de tributos que foi meio de expressar a supremacia cultural e
política da China sobre todos os outros países. Os embaixadores vinham à corte imperial em Pequim e mostravam
sua submissão curvando-se (com as mãos e joelhos e tocando a testa no chão) três vezes, ato chamado de
kowtow( 叩頭 ). Então os embaixadores entregavam as mercadorias de suas terras, como presentes. O imperador
reagia permitindo que voltassem para casa com uma quantidade considerável de produtos chineses. Durante o
governo de Qianlong, Birmânia (Mianmar), Sião (Tailândia), Laos, Vietnã, Ásia Central, Nepal, Coreia e as ilhas
Ryukyu (sul do Japão), todos enviaram tributos. A Rússia comercializou de forma semelhante, colocando seus
embaixadores no comando de suas missões comerciais. E enquanto outros europeus estavam ansiosos para negociar,
os chineses continuavam a tratá-los como inferiores e abjetos. Comerciantes ingleses, espanhóis, portugueses,
franceses, holandeses e americanos só eram permitidos fora de Macau durante os meses em que havia chá para
comprar – de abril a setembro - e, mesmo assim, só podiam ir para a vizinha Cantão. Além disso, foram proibidos de
trazer suas esposas com eles. Não lhes foi permitido aprender cantonês, o dialeto chinês local e eles não podiam
viajar muito pelos domínios do reino e sempre precisavam estar acompanhados por um intérprete chinês que era
considerado responsável por seu bom comportamento.
Naturalmente, os europeus se ressentiram de todas essas restrições, mas pouco podiam fazer a respeito desde que
os chineses realmente não quisessem aprofundar os laços comerciais. A principal razão pela qual os chineses
negociavam era porque os europeus pagavam pelo que compravam com prata - geralmente moedas espanholas que
vinham do México via Filipinas. Como a economia chinesa ainda era pobre em metais preciosos, essenciais para a
monetarização de sua economia, essas transferências de prata proporcionaram considerável alívio.
Em fins do século 18, o governo britânico achou que poderia afrouxar as restrições impostas a eles se a Grã-
Bretanha e a China tivessem relações diplomáticas formais de modo que em 1793 eles enviaram uma missão
especial, liderada por Lord George MacCartney, para apresentar uma proposta formal ao estabelecimento de uma
embaixada permanente na China. Como portadores de tributos ao Império do Meio, Lord MacCartney trouxe
numerosos presentes para ajudar sua causa, os produtos mais modernos da tecnologia ocidental e da indústria
britânica da época (fig.). Havia armas de fogo modernas, relógios de carrilhão e porcelanas Derby, candelabros de
cristal, telescópios e um máquina mecânica do sistema solar. Havia até um balão de ar quente completo com piloto.
Quando MacCartney apresentou-se perante o imperador Qianlong ele foi precedido por um funcionário chinês
segurando uma faixa que dizia: "Portador de Tributo dos Bárbaros Vermelhos". O imperador recebeu a missão em
um ambiente informal, no Jardim das Dez Mil Árvores em Jehol, para limitar qualquer violação do protocolo que a
ignorância ocidental pudesse causar.
Fig. – Sinais ominosos ao império. A embaixada de Lord MacCartney enviada pelo governo britânico diante de representantes da corte chinesa em
1793.

Mas Qianlong, agora um astuto octogenário, não se impressionou com o que viu. Ele não estava prestes a assinar
um acordo por conta de algumas lembranças extravagantes estrangeiras. De fato, ele nem sabia onde era a Grã-
Bretanha, nem se importava muito com isso. Ele tratou os visitantes com toda cortesia, mas nunca discutiu com eles
o motivo pelo qual eles vieram. Depois de várias semanas de frustração, MacCartney e seu séquito partiram com
apenas uma carta de Qianlong para o rei Jorge III da Inglaterra para demonstrar seus esforços. E mesmo nessa carta
não houve nada de substantivo, pois Qianlong não havia concedido e negociado nada. "Nossos caminhos não têm
nenhuma semelhança com o seu", como havia sido escrito na carta para Londres. "Como seu embaixador pode ver
por si mesmo, nós possuímos todas as coisas. Eu não atribuo nenhum valor a objetos estranhos ou engenhosos, e não
tenho nenhum uso para as manufaturas de seu país"[657].
Enquanto MacCartney esteve na China, foi notado que ele se recusara a se prostrar diante do imperador, a
realizar o kowtow. A maioria dos ocidentais tinha orgulho demais para realizar um ato tão humilhante. Mas os
arquivistas da corte, temerosos de que esse precedente pudesse ser estabelecido, registraram que ele havia se
escondido. Assim, ficou registrado nos arquivos imperiais em Pequim que a Grã-Bretanha supostamente reconheceu
a supremacia da China, ao menos pelo protocolo do ato. No próximo século, esse lapso custaria caro às relações
entre os dois países.
Nos dias do governo de Qianlong, a China ainda era enorme e próspera em comparação com todas as outras
nações. Não só tinha a maior população do mundo, mas um terço do produto interno bruto do mundo também vinha
de lá. No entanto, as transformações sociais e econômicas dos últimos quinhentos anos, do Renascimento à
Revolução Industrial, levaram algumas economias europeias a um nível de desenvolvimento que se ultrapassou a
China em muitas áreas. Os reinos europeus eram agora mais eficientes em mobilizar seus recursos mais limitados.
As rivalidades entre os estados de uma Europa fragmentada também contribuíram para uma maior agressividade e
senso de competição por parte dos europeus, algo inimaginável diante da paz e ordem imperial dos governantes da
China Qing. Os exércitos da China eram muito maiores que os de qualquer reino europeu, mas os soldados europeus
eram mais treinados nas armas de fogo e disciplinados em campo de batalha. Na área econômica, a agricultura
chinesa de arroz era mais produtiva e menos prejudicial ao meio ambiente do que a agricultura de terras áridas
europeias e os governantes chineses tinham muito mais trabalhadores para cultivar seus campos, construir seus
diques e pontes, trabalhar em minas e fabricar ferramentas, roupas e armas. Mas as máquinas inventadas no
Ocidente mais do que compensaram as deficiências de mão de obra da Europa [658]. A Europa estava
tecnologicamente atrás da China há dois milênios, mas enquanto os chineses não acompanharam essas mudanças, os
europeus os superaram eventualmente numa economia de produção de massa no início do século 19 em diante. E,
como Qianlong havia notado, seus caminhos eram muito diferentes.
Qianlong abdicou em 1796, três anos antes de sua morte. Apesar de todas as suas realizações como imperador,
ele ainda sentia que seu avô Kangxi tinha sido um líder mais capaz e não queria ofuscar Kangxi com um reinado
mais longo. Neste momento histórico, a situação da China parecia estar no seu auge (mapa). Todos os inimigos
foram derrotados - desde rebeldes ligados à causa dos Mings, anti-manchus, aos povos além da Grande Muralha e
muçulmanos no oeste – e a maioria dos países vizinhos pagava tributos, seja reconhecendo as vantagens de manter-
se filiado ao Império do Meio, seja por considerações políticas internas e ganhos comerciais. Como Qianlong havia
dito aos britânicos, a China não precisava de nada do que o mundo oferecia, talvez com exceção de prata e ouro.
Naquela época, havia uma moda sinófila na Europa, inspirados nas novidades da arte chinesa. Se um viajante chinês
visse um modelo de pagode num jardim inglês da época, poderia ter concluído que o Ocidente estava, naturalmente
como nos séculos anteriores com outros povos, adotando a cultura do Império do Meio.

Mapa – A China imperial em seu auge. As extensões dominadas da China sob a Dinastia Qing, em seu auge durante o governo do imperador Jiaqing
em 1820. Nunca a China dominou tanto quanto no final do reinado de Qianlong. Além de toda a China moderna (marcada pela linha pontilhada vermelha),
a Dinastia Qing governou as ilhas Ryukyu, Mongólia, as partes mais próximas da Ásia Central, um terço da Caxemira e pedaços da Sibéria: Altai, Tuva e
toda a bacia hidrográfica do rio Amur.

Mas por trás dos sucessos da era de Qianlong, havia nuvens escuras no horizonte. Em primeiro lugar, houve uma
explosão populacional na China, saltando de 100 milhões em 1650 para cerca de 420 milhões em 1850.
Inicialmente, isso era visto como um sinal de prosperidade, mas começou a afetar o padrão de vida chinês no início
do século 19. No ano em que o reinado de Qianlong terminou, a Sociedade Lótus Branco iniciou uma rebelião anti-
manchu em Hubei, Shaanxi e Sichuan. Bandidos, aventureiros e contrabandistas rapidamente se juntaram a eles. A
revolta foi reprimida em 1804, mas foi um golpe para o prestígio manchu. Pior, onerou toda a receita excedente da
administração de Qianlong e além. E finalmente, no momento em que as ameaças do interior asiático havia cessado,
surgiram novos "bárbaros" do mar: missionários, comerciantes, e frotas navais do Ocidente.
Embora a balança comercial estivesse fortemente a favor da China, os comerciantes ocidentais continuaram a
chegar a Cantão. Isso porque a demanda por seda, porcelana e chá chineses nunca declinaram no mercado
internacional. Desde que os escritos de Marco Polo foram publicados, os europeus não se cansaram de nada do que
vinha do Extremo Oriente. De fato, após a Inglaterra descobrir o chá no século 17, tornou-se necessidade política
para os ingleses continuar comprando a mercadoria, não importando o que fosse cobrado. Mas à medida que o poder
industrial, tecnológico e militar do Ocidente aumentava, os ocidentais ficaram menos dispostos a negociar nos
termos tradicionais da China. Em pouco tempo, os mesmos europeus que outrora admiravam a China iriam
desprezá-lo pelo seu tradicionalismo e conservadorismo.
O problema era que, além do ouro e da prata, o Ocidente não tinha nada que a China desejasse. Isso mudou quando
os chineses descobriram o ópio. O costume de fumar essa droga, praticada há muito tempo na Indonésia, foi
introduzido pela primeira vez por comerciantes holandeses no século 17. A demanda por ópio, que os chineses
chamavam de "lama estrangeira", foi insignificante por um tempo, mas cada vez mais chineses se tornaram viciados.
Por volta de 1729, 200 baús de ópio entravam na China todos os anos (tabela). Um baú pesava pouco mais de 70 kg
e valia tanto quanto 125 libras ou mil dólares de prata para o comerciante que o trazia. A maior parte do ópio vinha
da Índia, onde a Companhia Britânica das Índias Orientais reservava grandes plantações para o cultivo da papoula.
Fonte: SPENCE, Jonathan. The Search for Modern China. Apud FABRE, Guilhem. Criminal Prosperity: Drug Trafficking, Money Laundering and
Financial Crisis after the Cold War. Londres & Nova York: Routledge, 2003, p. 5. (tradução nossa).

Oficialmente, o governo chinês há muito se opunha ao comércio de ópio. Já em 1729, o imperador proibiu a
venda e o uso da droga. Mas havia muitos mandarins corruptos - termo que os ocidentais passaram a se referir aos
funcionários e oficiais chineses, muitas vezes os dois termos juntos - que podiam ser subornados para ignorar as
questões relacionadas ao ópio. Além disso, a Companhia Britânica das Índias Orientais e os pequenos empresários
tinham mais navios do que qualquer frota que os chineses pudessem colocar nas águas, de modo que os
comerciantes puderam contrabandear o ópio destemidos de serem pegos.
Diante disso, o tráfico começou a incrementar no início do século 19. Em 1773, estimados mil baús foram
importados. Em 1800, já eram 4570. Mais de sete mil em 1823; cinco anos depois, mais de 13 mil; e em 1835, 30
mil. A situação do comércio foi agora dramaticamente invertida. Milhões de dólares em prata agora fluíam da China
todos os anos. Estima-se que 12 milhões de chineses eram viciados, incluindo até mesmo membros do corpo da
guarda imperial. As covas de ópio proliferaram, variando de simples quartos a luxuosos recintos. Os antros da classe
alta ofereciam sofás estofados, criados corteses, mulheres, jogos de azar e qualquer outra coisa que se pudesse
encontrar em um clube particular da elite. No outro extremo da escala, havia lugares como aquele visto por um
observador americano, o Reverendo E. B. Squire, que se expressou chocado: "Nunca, talvez, houvesse um lugar
mais próximo do Inferno do que dentro dos recintos dessas vis choupanas" (tradução nossa) [659].
As coisas vieram à tona em meados da década de 1830. Naquela época, os interesses da Grã-Bretanha em Cantão
eram representados por um superintendente comercial chamado Lord William Napier. Ao contrário de seus
predecessores, Napier considerava a honra de sua nação mais importante do que os negócios. Para os chineses, ele
era exemplo perfeito de um "bárbaro" estrangeiro: alto, ruivo de temperamento explosivo e rude. Napier ignorou
todas as regras estabelecidas sobre estrangeiros em Cantão. Seu colega chinês, o vice-rei imperial, mostrou o que
achava de Napier, traduzindo seu nome em caracteres chineses que também podiam ser lidos como "laboriosamente
vil". Em 1835 ele decidiu que não queria mais ver Napier e emitiu um edital ordenando que ele deixasse a China.
Napier recusou. O vice-rei então anunciou que todo o comércio com os ingleses seria interrompido. Napier trouxe
dois navios de guerra de Macau para Cantão. A guerra era uma possibilidade real, já que a honra da Inglaterra e da
China estava em jogo. Mas a natureza forneceu uma solução perfeita para salvar as aparências. Napier desceu com
uma febre violenta e concordou em remover as suas fragatas em troca de uma passagem segura para Macau. Os
navios de guerra que restaram e o inglês "laboriosamente vil" foram levados em embarcações chinesas, enquanto os
chineses comemoravam com tambores, gongos e fogos de artifício. Para alívio de todos, Napier morreu em Macau
alguns dias depois.
Em 1838, o imperador Daoguang (r. 1820 – 1850) nomeou um novo comissário imperial, Lin Zexu (1785 -
1850). Ao contrário de outros mandarins, Lin era tão honesto que tinha o apelido de “Lin Ceús Limpos”. Como
governador geral de Hubei e Hunan, ele havia suprimido impiedosamente o tráfico de drogas dentro dessas duas
províncias e ele tinha toda a intenção de fazer o mesmo por toda a China. Lin deixou claro o quão sério era o vício
do ópio quando calculou que em 1839 os fumantes chineses de ópio consumiriam 100 milhões de taels da droga,
enquanto o gasto total do governo para esse ano seria de 40 milhões de taels. Em 1839, ele foi pessoalmente para
Cantão com duas exigências para os estrangeiros. Primeiro, eles deveriam entregar imediatamente toda a carga de
ópio que tinham. Em segundo, os “bárbaros” devem prometer nunca mais contrabandear ópio, e ele prometeu
decapitar qualquer um pego quebrando essa promessa. Os estrangeiros não o levaram a sério a princípio, até
perceberem que este mandarim não podia ser subornado.
Lin, depois de duas semanas de espera, então decidiu lacrar todo acesso ao quarteirão britânico exigindo a
entrega de todo o estoque ilícito, o que desagradou o superintendente britânico responsável pelo comércio local, o
capitão Charles Elliot. Impaciente com a demora do governo em Londres pela resposta ao impasse, tomou Elliot
iniciativa de entregar a mercadoria exigida, por volta de 20 mil baús, que foram prontamente queimadas (fig.).

Fig. – O funcionário confucionista exemplar e o desregramento dos europeus. Lin Zexu supervisionando a queima da carga apreendida de ópio dos
estrangeiros em Cantão em 1839.

Não satisfeito, o comissário Lin, em seus atributos, exigiu a promessa por escrito de que tal estoque e comércio
não voltariam a se repetir sob risco de serem julgados com pena capital por uma corte de justiça chinesa. Houve a
recusa dos britânicos diante de tal ultimato a serem submetido a uma justiça vista como “bárbara”. Pouco momentos
depois, tiros foram ouvidos advindos das discussões e uma frota armada foi mobilizada atendendo às demandas dos
comerciantes britânicos. A China e a Grã-Bretanha entraram em guerra.
No que ficou conhecida como a Primeira Guerra do Ópio de 1842, ficou claro o oportunismo britânico em
demonstrar a sua agressão via superioridade bélica naval, contrastando com a inexpressiva frota chinesa à época
(fig.). No decorrer dos eventos do conflito, uma esquadra britânica adentrou o rio Yangzi e bloqueou o Grande
Canal que possibilitava o transporte essencial de grãos demandados pela árida região norte chinesa em torno da
capital imperial. Após o bloqueio, a Dinastia Qing foi obrigada a assinar os termos do Tratado de Nanquim (1842)
em que foram abertos ao acesso comercial a cinco portos chineses, incluindo o da foz do rio Yangzi, Xangai, e a
concessão permanente da ilha de Hong Kong à Coroa Britânica, na foz do Rio das Pérolas, sob leasing de 99 anos, a
ilha e os seus territórios adjacentes a partir de 1898. A Dinastia Qing também foi obrigada a indenizar os custos de
guerra estimados à época em US$ 20 milhões.

Fig. – A dura realidade imperial ocidental sobre os chineses. O navio britânico Nemesis bombardeando juncos chineses na Primeira Guerra do Ópio.
Alguns anos depois, em outubro de 1856, outro pequeno incidente resultou em uma segunda guerra entre franco-
britânicos – após supostos desentendimentos a respeito de um missionário francês – e o Império do Meio. A fagulha
se deu por desentendimentos de um navio, o Arrow, de propriedade e bandeira britânica com tripulação chinesa a
bordo com licença expirada. Todos os tripulantes foram presos pela irregularidade e isso foi considerado um insulto
de maiores proporções pelas autoridades britânicas residentes em Hong Kong. Resultou disso a Segunda Guerra do
Ópio ou a Guerra de Arrow (1856-1860).
As exigências no Tratado de Tientsin de 1858-1860 dessa vez foram, além das exigências de abertura de outros
portos na costa chinesa, liberdade de culto e de ação missionária, a residência diplomática permanente de ocidentais
no coração político e cultural da China imperial, Pequim[660]. Além de mais uma humilhante derrota e fuga do
Imperador Xianfeng (1831-1861) para a Manchúria, onde chegou a falecer, o Palácio Imperial de Verão, a noroeste
de Pequim, um dos maiores patrimônios históricos e culturais da China, foi amplamente incendiado e
sistematicamente saqueado por tropas ocidentais. Algo que jamais os chineses esqueceriam.
O descontentamento social após as Guerras do Ópio foi se ampliando desde 1842. As rebeliões foram motivadas
por múltiplos fatores: humilhação frente aos “bárbaros” ocidentais, exclusão social, desemprego, aumento da
criminalidade e descontentamento de numerosos comerciantes da região de Cantão ao perceberem a ascensão
econômica e comercial da ilha de Hong Kong (britânica) e de Xangai mais ao norte. E foi justamente da região de
Cantão que se manifestou o mais amplo e sério descontentamento social liderado por alguns chineses recém-
convertidos ao cristianismo: a Rebelião dos Taipings (1850-1864). Os embates resultaram em significativas perdas
de tropas imperiais no sul além de perderem o controle de uma importante cidade histórica ao longo do delta do
Yangzi, a cidade de Nanquim (Nanjing), transformada em capital dos rebeldes em 1853.
As potências ocidentais com interesse na China – entre os principais, os britânicos, franceses, russos, alemães e
norte-americanos – inicialmente se posicionaram com neutralidade diante da guerra civil. A partir de 1860, no
entanto, preocupados em lidarem futuramente com um ambiente ainda mais hostil e anárquico aos seus interesses, os
ocidentais passaram a proteger os interesses dos Qings, apesar de não terem participado de maneira decisiva em
nenhum momento dos conflitos.
Em 1864, Nanquim foi recapturada por tropas regionais com lealdades imperiais e todas as medidas foram
tomadas visando erradicar o movimento Taiping. Em suma, a rebelião fracassou em modificar o sistema político
chinês e deixou mais de 20 milhões de mortos e largos tratos de terras cultiváveis devastados. Mais duradouro foi,
além da clara inspiração para movimentos rebeldes no futuro, a enérgica e decisiva ação de milícias e tropas
regionais – e não centralizadas – na repressão dos rebeldes, contribuindo posteriormente para uma descentralização a
longo termo do sistema político chinês.
Outras rebeliões também foram notáveis na contestação do poder imperial Qing à época. Com bases étnicas e
religiosas, muçulmanos nas províncias a norte e noroeste de Xinjiang, Gansu, Shaanxi e Ningxia, em 1864, se
rebelaram contra a sua marginalização e discriminação na chamada Revolta Dungan. Contaram inclusive com
solidariedade e apoio de muçulmanos fora da China. Como os do Canato de Kokand, no atual Uzbequistão, sob o
comando militar de Yakub Beg (1820-1877), este com considerável apoio militar do império otomano do Oriente
Médio, chegando a ser-lhe concedido o título de emir (comandante, em otomano e árabe) em toda a região. Uma
solidariedade pan-islâmica pode ser constatada nesses episódios[661]. A autonomia sob mãos muçulmanas, no
entanto, perdurou apenas até o fim de 1877 com a sistemática repressão de tropas imperiais chinesas. Foi a última
expressiva campanha vitoriosa do Império do Meio.
Após a morte do Imperador Xianfeng, em 1861, sucedeu-o no trono chinês um menino de cinco anos de idade
conhecido como o Imperador Tongzhi (1862-1874) (fig.), à frente de uma dinastia que aparentava, aos olhos da
sociedade, estar à beira de um abismo. Era, pois, urgente e necessário repensar o sistema político visando revitalizar
o reino, o que ficou conhecido como a Restauração Tongzhi.
Fig. – Último imperador manchu que tentou revigorar o Império do Meio. O Imperador Tongzhi.

Nessa estratégia renovada, foram constatadas as debilidades imediatas dos chineses frente aos agressores
estrangeiros. Para sanar tal quadro, estudantes selecionados por concurso público foram enviados a universidades
europeias e norte-americanas, para uma adequada formação moderna em áreas críticas como medicina, engenharias,
cursos técnicos e humanidades. Instrutores e professores estrangeiros foram convidados para palestras, cursos e
instruções nas academias chinesas. Pensava-se, pois, que bastaria a incorporação da techne ocidental e a
modernização do aparato político-militar do império para revigorá-lo no ambiente internacional.
No entanto, a conservadora atuação confuciana do estado e de sua elite burocrática central e regional (os
mandarins) obstruiu a livre iniciativa de inovação e empreendimento da sociedade chinesa em um momento tão
crucial. Projetos e iniciativas renovadoras que eram considerados irrelevantes, ameaçadores ou incompreendidos
foram desestimulados. Ademais, inexistia um sistema de leis comerciais a salvaguardar as propriedades e bens. A
infraestrutura do país não se adequava a uma demanda mais dinâmica de produção em escala industrial.
Houve, além disso, crescentes casos de corrupção e mau gerenciamento dos recursos públicos destinados à
segurança das cidades, vilas, estradas e rios. Não houve sequer uma padronização monetária para todas as regiões da
China. Nem houve um padrão de pesos e medidas para o pleno funcionamento dos mercados. E não menos
importante, o senso de desunião e descrença nas autoridades imperiais após os eventos de meados do século 19
provocaram um cenário descentralizado de lealdades políticas, algo fatal em um momento de almejada renovação
modernizadora do país.
A Revolta dos Boxers (1898-1900) foi talvez o coup de grâce no sistema imperial chinês. Antes disso, as
tentativas de reformas na regência de Tongzhi arrefeceram com sua morte prematura em 1874. Sucedeu-lhe sua mãe,
a Imperatriz Cixi, que atuou como tutora do futuro imperador, seu sobrinho, o Imperador Guangxu (1875-1908).
Cixi alimentava convicções conservadoras contra as tendências reformistas, enxergando a volta às tradições
históricas impolutas como solução da crise dos tempos. A crise seria moral, de ordem social e de respeito às
tradições da família e do poder, conforme pregava Confúcio.
A perda da influência sobre o reino Joseon na Coreia e o controle sobre a ilha de Taiwan, defronte à região de
Fujian na China, para os japoneses em 1895 somente agravou tal recuo conservador da elite. E a presença
internacional em solo chinês era cada vez mais grave. Na região nordeste, na Manchúria, houve o avanço das tropas
russas com a construção de ferrovias em direção ao mar até Porto Arthur (Lünshunkou), na península de Liaodong
em 1898. Na mesma época, os alemães adquiriram o porto de Qingdao, na província de Shandong, local de
nascimento de Confúcio, e a França deteve os direitos de administração em Yunnan a resguardar o seu domínio do
outro lado do Rio Vermelho no norte vietnamita (Tonquim). Os britânicos ocuparam o porto de Weihaiwei, também
em Shandong (mapa).
Mapa – A humilhação chinesa. A China e as esferas de influência estrangeiras em 1900.

Alarmados os sensos chineses a respeito desses avanços e concessões em múltiplas frentes, o jovem imperador
Guangxu orquestrou um plano de reforma, os Cem Dias de Reforma, em 1898. Como o próprio nome indica, a
urgência de reforma tão ampla em tão pouco tempo mostrou-se abortiva. Os conservadores da corte ficaram ainda
mais horrorizados diante da ofensiva reformadora e a Imperatriz Cixi organizou um golpe de poder aprisionando em
domicílio o Imperador Guangxu no recém-construído Novo Palácio Imperial de Verão, declarando-se regente
plenipotenciária da China.
Em 1899, depois de uma severa seca no norte da China, uma sociedade religiosa chamada de Yihequan
(Boxeadores Unidos na Retidão, ou simplesmente boxers) deu explicação à avassaladora catástrofe nacional que
ganhou amplo apoio e repercussão: foram as nefastas influências estrangeiras e suas adorações ao cristianismo, e o
abandono de chineses pelas divindades tradicionais que foram as causas de todas as recentes mazelas.
Além de adotarem uma clara postura antiocidental e anticristã, os boxers eram também potencialmente contra o
status quo político da Dinastia Qing. Todavia, a elite conservadora imperial enxergou neles uma força social aliada a
expulsar os estrangeiros do reino. Foi nesse sentido que a Imperatriz Cixi, aliada a lideranças boxers, declarou
ofensiva aos ocidentais, sitiando todo o quarteirão diplomático em Pequim e a comunidade estrangeira residente na
região, com estimados 900 civis incluindo o futuro presidente dos EUA, Herbert Hoover, na vizinha cidade portuária
de Tientsin (Tianjin).
Os embates pelo lado chinês não se provaram unificados o suficiente, refletindo a frágil aliança entre os
insurgentes e o governo imperial. Em resposta aos sítios e agressões chinesas, as forças ocidentais organizaram-se
em uma expedição punitiva multinacional com notável cólera. Marcharam sobre Pequim e resgataram a comunidade
ocidental sitiada na cidade. Os boxers foram duramente reprimidos e pesadas indenizações previstas no Protocolo
Boxer de 1901 foram impostas ao governo imperial: um pagamento equivalente a duas vezes as receitas anuais do
império[662]. Foi nessa fúria ocidental de represália que declarou o kaiser alemão Guilherme II no seu infame
Discurso Huno sobre a devida repressão aos chineses:
Assim como há mil anos os hunos sob Átila fizeram sua feroz reputação que a tradição ainda nos faz recordar; que o nome da Alemanha assim seja
também temido de tal forma por todos os chineses ao ponto de nenhum deles ousarem sequer olhar para um alemão nos olhos! (tradução nossa) [663].

Foi, então, esse confronto o último ato de afirmação política do Império do Meio. Até mesmo Cixi e seus aliados
conservadores perceberam que a crise era de natureza inédita e transformadora. A própria inserção da China no
mundo deveria ser radicalmente reavaliada. Os “estrangeiros brancos e barbudos”, triunfantes mais uma vez, não
eram apenas bárbaros a serem agraciados por presentes, subornos e alianças temporárias visando a preservação das
fronteiras do reino como ditavam os clássicos estrategistas chineses. As relações deveriam passar por novas regras e
condutas, formuladas por cânones estrangeiros em leis e convenções internacionais. As tributações e seus protocolos
coadunados exigidos de vizinhos e estrangeiros no passado deixaram de ter sentido. O Filho do Céu não era mais o
representante no ápice diante dos olhos dos súditos. O mundo era outro no nascente século 20, e a China deveria
dolorosamente trilhar seu próprio caminho para se inserir nesse contexto.
Tibete (Séculos 14 - 19)
O mosteiro de Sakya, na década de 1330, talvez representasse a própria essência soberana do Tibete. Desde sua
fundação no século 11, o eremitério passou por uma série de reformas e ampliações a ponto de se tornar um
complexo. Em seu interior, estátuas de Buda, coloridos murais e sua coleção de obras tinham poucos comparáveis
no mundo budista. Mas os tempos iriam mudar isso. Quando o representante tibetano na corte mongol, dentro do
Departamento de Assuntos Budistas e Tibetanos, resolveu, com o aval do khan, buscar mais uma vez suprimir as
demandas do clã Pagmodru, apoiados pelos khans rivais dos Il-Khans da Pérsia, defrontou-se com a obstinação e
energia de um jovem dos Pagmodrus chamado Changchub Gyaltsen (1302 - 1364), futuro fundador da Dinastia
Pagmodru no Tibete (1354 – 1618) [664].
Changchub tinha recebido uma promissora educação religiosa em Sakya, apesar de ter sido importunado por ser
membro de um clã rival dos sakyapas. Estudou os tantras, da escola Hevajra, e decidiu, após sua formação
monástica, ir para o campo político conforme indicava suas aptidões. Aos vinte anos de idade, foi a ele ofertado o
cargo de governador de uma região sul tibetana ao ambicioso jovem Pagmodru. E, uma vez no cargo, Changchub
tomou a decisão de restaurar a antiga glória dos tibetanos, com o clã dos Pagmodrus à frente.
Como primeiro passo, Changchub reivindicou, com base em títulos históricos, que a região de Yazang pertencia
aos seus domínios, levando esse caso a ser julgado em Sakya. No julgamento, foram rechaçadas as suas
reivindicações. Não satisfeito, Changchub mandou seu caso a ser considerado na capital mongol. E assim o chefe do
governo mongol no Tibete, Wangtson (g. 1347– 1350), decidiu, de uma vez por todas, dar uma lição exemplar ao
impertinente jovem. Recusando a ser intimidado, Changchub foi convidado a um banquete por Wangtson para
conversas. E assim que a primeira oportunidade surgiu, o jovem Pagmodru foi detido e preso. Após três meses
detido e torturado, Changchub foi libertado e voltou com mais convicção de seu projeto de poder para sua
propriedade. E ali teve que lidar com rebeldes vizinhos da região instigados por Wangtson e seus partidários em
Sakya. O momento decisivo veio com o envio de um numeroso exército coligado anti-Pagmodru. Capturado mais
uma vez, Changchub dessa vez passou por enormes privações e humilhações, que destilou em seu espírito a
resolução de que as penas mongóis eram demasiadamente desumanas. E percebeu que não havia maneira de
conciliar sua ambição com os sakyapas e o regente designado pelos mongóis. Em vez disso, decidiu confrontar as
forças de Sakya no Tibete.
Assim, houve confronto final entre o exército reunido por Changchub Gyaltsen e aqueles, mais numeroso, a
comando das autoridades de Sakya que, efetivamente, administrava o Tibete e era supervisionado por um
representante na corte mongol, no caso: Wangtson. O resultado da batalha foi surpreendente. As forças reunidas à
causa dos Pagmodrus tinham vencido. E o abade de Sakya tentou negociar uma trégua, prometendo rever os pleitos
de Changchub no tribunal. Mas Changchub havia mudado e buscou ir até o fim a mudar todo o sistema de poder no
Tibete. Em 1350, as forças de Changchub tomaram todos os fortes estratégicos do Tibete Central e conquistou
Lhasa. Três anos depois, Sakya tentou em desespero assegurar seus últimos domínios no Tibete. Depois de uma
longa batalha final perto de Lhasa, Changchub emergiu triunfante sobre a paisagem tibetana devastada por anos de
guerra. Em 1354, a paisagem política no Tibete havia mudado a partir de então.
Apesar da vitória acachapante, Changchub era um estrategista e estadista acima de tudo, e deixou os altos
membros de Sakya como autoridades religiosas de sua linhagem, mas agora sem qualquer poder político. Nesse
sentido, deixou de prestar satisfações com as demandas mongóis advindos de Cambalique. Com o enfraquecimento
de Sakya, Changchub buscou reformar o sistema de defesa e fortes destruídos no Tibete após os anos de guerra civil.
Construiu um sistema chamado de dzongs [665], e reformulou o código legal mongol, considerado excessivamente
severo. E todos aqueles mongóis e tibetanos a eles aliados foram afastados da administração superior. Mesmo assim,
o império mongol julgou melhor lidar com o que tinha acontecido, a garantir um aliado, e nomeou, simbolicamente,
Changchub como Tai Situ, “Grande Tutor” [666].
Outra escola do budismo tibetano emergiu com a desagregação de Sakya e a ascensão de Changchub. A escola
Karma Kagyu agora tinha para si as atenções maiores dos mongóis, na medida em que os khans da Dinastia Yuan,
em período de declínio na China [667], buscaram ansiosamente uma autoridade religiosa a representar o Tibete dentro
de seu império. E foi entre os seguidores dessa escola, chamados de karmapas, que fora criada a tradição de apontar
um alto representante dos seus sacerdotes (lamas) a atender às demandas de Cambalique da Dinastia Yuan. Os
karmapas tinham a prática de selecionar seu representante entre aqueles considerados sucessores de lamas
reencarnados no Tibete. O maior lama anterior, nesse sentido, passaria sua consciência renascida (tulku) a uma
criança sucessora após sua morte. Essa curiosa sucessão talvez fosse o método mais eficaz contra a pluralidade
mística das linhagens clânicas. Mas o tulku não era propriamente um ser totalmente iluminado, pois se considerava
que seu antecessor falecido foi capaz de controlar o processo de renascimento após a morte, mas não a passar sua
entidade por inteiro, com todo o aprendizado e experiência acumulada, para o novo ser. O que renasce, na ideia
budista, é mais um fluxo de consciência sempre em mudança e nunca permanente. O tulku sucessor, portanto, era
bem diferente do que era na sua vida anterior e, por isso, todo tulku deveria obedecer a um rigoroso programa de
estudos e meditações.
Em qualquer caso, foi o terceiro lama dos karmapas (3º Karmapa), Rangjung Dorje (1284 - 1339), que se tornou
célebre como erudito e sábio respeitado pelos khans como professor e mestre budista. E quando este veio a falecer,
em 1339, o imperador Yuan, Toghon (Huizong entre os chineses), buscou rapidamente seu tulku, o jovem Rolpe
Dorje (1340–1383), como sucessor e quarto lama karmapa (4º Karmapa), a manter a reputação do seu antecessor
[668]
.
Em 1358, o Tibete já se encontrava, efetivamente, livre do domínio mongol dos Yuans. E Changchub Gyaltsen
soube da função meramente religiosa do quarto lama karmapa designado pelo khan ao Tibete. Na corte Yuan, em
Cambalique, Rolpe cumpriu sua função, com grande dedicação, às instruções budistas demandadas pelo khan e seus
filhos. E quando na queda da Dinastia Yuan, o lama deixou a capital antes que o pior viesse a acontecer. No
caminho ao Tibete, realizou uma cerimônia de batismo a um garotinho chamado de Tsong Khapa que no futuro
deixará um grande legado na história tibetana. Os eventos na China precipitaram numa ampla guerra e disputa entre
líderes bélicos que, ao final, um camponês chinês de nascimento declarou-se imperador de uma nova dinastia em
1368, a Ming. Pela força das circunstâncias, os chineses Ming deixaram de se interessar pelos assuntos tibetanos,
apenas a garantir uma fronteira estável entre as duas nações. Além disso, a assegurar o significativo e lucrativo
comércio de cavalos que eram comprados dos tibetanos, em troca da grande demanda tibetana pelo chá chinês.
Quanto ao budismo, os primeiros imperadores Ming parecem ter sido simpatizantes pela versão tibetana,
considerando que o Tibete tinha se tornado um centro mundial da religião após a emigração da comunidade da Índia.
As relações, no entanto, do Tibete e a China dos Mings parecem ter se distanciado. Pois Changchub e seus
sucessores no poder tibetano não mostraram interesse em visitar a capital Ming, em Nanquim (Nanjing). E o 4º
Karmapa, apontado pelo último dos Yuans, Rolpe Dorje, de forma semelhante, mostrou pouco interesse pela nova
dinastia chinesa. Não foi até o reinado do imperador Ming, Yongle (r. 1402 – 1424). Foi na esperança de recriar a
ligação religiosa histórica de Kublai Khan com Phagpa que o imperador chinês estendeu o convite ao próximo lama
de Karma, o quinto deles, Deshin Shekpa (1384 –1415), a residir na capital em Nanquim.
No norte chinês, em Pequim (Beijing, “Capital do Norte”, ex-Cambalique, assim renomeada desde os Mings no
poder), Yongle, embalado com essa euforia religiosa, mandou construir um imenso complexo de palácios e templos,
a “Cidade Proibida”, um dos maiores símbolos da cidade chinesa. Em 10 de abril de 1407, Deshin Shekpa chegou a
Nanquim, e buscou logo reviver a antiga ligação espiritual com o imperador chinês. Yongle, impressionado com os
ensinamentos budistas recebidos, como um eufórico aluno, encomendou um conjunto de rolos ilustrados da vida de
Buda. E concedeu um título eminente ao lama tibetano apoiando a escola Karma Kagyu. O lama, magnanimamente,
insistiu que o apoio imperial deveria se estender a todas as escolas e ordens tibetanas [669]. Após um ano de estadia, o
eminente sacerdote decidiu regressar ao Tibete.

Fig. - Deshin Shekpa, o 5º Karmapa.

Em termos culturais, a relação da China com os tibetanos foi de grande respeito, conferindo-lhes ampla
autonomia por ser sede de um budismo todo próprio e admirado pelos imperadores. Os tibetanos, de fato, tinham
absorvido uma grande quantidade de textos budistas ao longo dos séculos, e com o declínio dessa religião na Índia,
os tibetanos não se dirigiram mais às terras indianas para as fontes de conhecimento. Na verdade, havia milhares de
escrituras budistas traduzidas para o tibetano do sânscrito e que foram catalogadas e reunidas em coleções
canônicas. O cânone ortodoxo, conhecido como Kangyur, continha as próprias palavras de Buda. E no Tengyur, os
comentários de estudiosos e mestres budistas antigos. Toda essa imensa coleção tibetana havia sido organizada pelo
erudito tibetano da escola Sakya, Buton Rinchen Drub (1290 - 1364) [670]. Outros cânones incluíam a coleção dos
tantras da escola tibetana Nyingma (Nyingma Gyubum) e a coleção das escrituras Bonpo. Essa última não
representava, necessariamente, uma outra religião não-budista, mas foi antes uma religiosidade tibetana que tinha
assimilado boa parte das práticas budistas com as crenças tibetanas anteriores [671].
Foi sem dúvida uma era áurea para a produção cultural tibetana. Mas um dos seus maiores pensadores, em
meados do século 14, foi o erudito tibetano da tradição Nyingma que viveu recluso por anos numa caverna aos pés
dos Himalaias: Longchenpa (1308 – 1364) (fig.), no atual Butão. Seu nome significa “A Vasta Extensão” [672], e
viveu boa parte de sua vida envolvido em rivalidades e despertou desconfianças e ciúmes pela sua excepcional
inteligência que não conheceu limites.

Fig. - Longchenpa.

Decidido a se tornar monge desde os doze anos de idade, e vivido a tragédia de ter perdido ambos os pais antes
em terna infância, Longchenpa sublimou toda a sua energia aos estudos e reflexões meditativas. Aos vinte e seis
anos, tornou-se desgostoso com o que tinha vivenciado nos mosteiros do Tibete Central, e decidiu partir em busca
da iluminação entre os mestres iogues nos locais remotos tibetanos. Nisso, ele encontrou Kumararaja (1266 - 1343)
(Kumaradza), um sábio adepto da tradição Nyingma que tinha sido mestre de Rangjung Dorje, o terceiro lama dos
karmapas. Os ensinamentos com esse mestre iriam marcar o resto da vida de Longchenpa, mas isso não significou
que se retiraria da vida política. Pois era um vivo contestador do status do poder em torno de certos mosteiros e do
clã dos Pagmodrus a comandar o Tibete no século 14. E por isso, exilou-se no Butão, onde até os dias atuais é
cultuado como figura santa e onde viveu seus descendentes [673].
Ao conhecer Kumararaja, Longchenpa conheceu outro aspecto a ser explorado na sua vida. Sua vida de seguidor
do mestre era itinerante, indo de vale a vale nos Himalaias. Por vezes, permanecia isolado, devido ao rigor do
inverno tibetano, e buscou compreender a verdadeira natureza da mente, a transcender os conceitos duais do
pensamento que ele havia estudado nos mosteiros. Mas sua mente iria se incendiar com o contato com um novo
livro trazido por um dos outros discípulos de Kumararaja, intitulado “Coração Fértil das Dakinis” [674]. Longchenpa
leu avidamente e ficou impressionado. A obra foi achada por um terton, um visionário revelador de ensinamentos e
obras, referidos como “tesouros” (terma) espalhados e escondidos nas cavernas, rochas e locais remotos do Tibete e
região. Essas obras entesouradas estavam vindo à tona cada vez mais no Tibete no século 14. E um desses achados
fora o “Coração Fértil das Dakinis” [675], descobertas por um garoto que tinha revelado ter tido visões a respeito dos
ensinamentos de Padmasambhava e Trisong Detsen. O fato é que esse terma caiu nas ávidas mãos de Longchenpa,
que o influenciou nos seus anos de ensinamentos e escritos. Nesses Longchenpa buscou expressar, de forma poética,
as revelações através da meditação e reflexão, que até os dias atuais consistem nas mais belas páginas da literatura
tibetana. À medida que seus escritos foram lidos e apreciados, sua fama cresceu e ficou conhecido nos corredores do
poder. Vários estudiosos do tradicional mosteiro de Sakya, como o lama de Drigung, tornaram-se seus admiradores
e discípulos. Mas os conflitos no Tibete fizeram com que Longchenpa tomasse oposição ao poder consolidado de
Changchub Gyaltsen. Ao se ver adversário e em desvantagem no campo político, achou melhor se retirar ao exílio e
foi mais para o sul, no Butão, onde viveu o resto de sua vida.
Das descobertas das obras ocultas (termas) adveio uma que ficou amplamente conhecida séculos depois pelo
mundo, conhecida como “Livro Tibetano dos Mortos” (Bardo Todrol) [676]. O nome indica que é uma série de
orações a orientar a pessoa em processo de falecimento através das visões nos estágios intermediários (bardo) entre
a morte e o próximo renascimento. A morte, no budismo, é uma oportunidade para a mente se libertar dos limites do
corpo. E o livro busca então a guiar o fluxo de consciência na direção certa no momento oportuno. No momento da
morte, a mente vê sua própria natureza e cabe ao recitador esclarecer que o corpo e os meios materiais devem ser
desapegados, para um gradual aprendizado no rompimento com o ciclo interminável dos renascimentos (samsara).
Esses textos depois foram imensamente populares, transcendendo as escolas e tradições tibetanas, atendendo ao
anseio universal humano diante das incertezas da morte.
Longchenpa foi apenas um entre vários monges que se renovaram com as obras reveladas no século 14. Outro
deles, um terton chamado Loden Nyingpo que era praticante do Bonpo, antiga religião tibetana que mesclou
elementos budistas com as práticas anteriores de adivinhação, intermediação e cultos aos espíritos e cura divina.
Essa crença, embora tivesse raízes antigas na sociedade tibetana, somente ganhou formas com o ressurgimento do
budismo no século 11. E foi com as revelações de textos ocultas, termas, que as escrituras do Bonpo começaram a
ganhar corpo. Loden foi certamente um dos Bonpos mais influentes, e compilou suas termas na sua obra, “O
Brilho”, que conta a história das origens e fundador mítico do Bonpo, Tonpa Shenrab (fig.). Nessa, Loden constata
que a decadência tibetana como obra de impetuosos governantes tibetanos, inclusive dos tsenpos, e da maliciosa
ambição dos mosteiros budistas no Tibete. Curiosamente, o Bonpo pouco difere do budismo, pois conviveu e
incorporou muito de suas práticas, símbolos e crenças. Mas diferia no uso extensivo da suástica, antigo símbolo da
verdade eterna, em vez do símbolo budista da vajra [677]. Ademais, os Bonpos circundavam as estupas no sentido
contrário ao costume budista.

Fig. -Tonpa Sherab, mítico fundador da religião Bon ou Bonpo.

No caminho de volta da corte mongol em Nanquim, em 1359, o quarto lama karmapa (4º Karmapa) tinha parado,
na região de Tsongkha, nordeste de Amdo no Tibete oriental, e uma criança havia sido abençoada. Seu nome depois
ficaria conhecido como Tsong Khapa, “Homem de Tsongkha” (1357 - 1419). Mas seu nome de batismo à época
ainda era Kunga Nyingpo. E quando esta cresceu, decorrente de seu espírito inquieto e curioso, viajou aos dezesseis
anos de idade para estudar nas instituições de ensino monásticas no Tibete Central. Um dos primeiros mosteiros em
que foi admitido foi o de Drigung, reconstruído depois da destruição feita pelo exército enviado por Kublai Khan a
castigar os Drigungs. Mas ali permaneceu apenas um ano e depois decidiu aprofundar nos estudos filosóficos no
mosteiro de Sakya. Ficou claro a todos que o jovem tinha um excepcional talento e dedicação aos estudos. Mas,
inquieto e dotado de um senso de independência, resolveu ir embora do mosteiro, com apenas dezenove anos de
idade. E assim como muitos monges que procuravam aprimorar seu conhecimento a debater com vários mestres,
Tsong Khapa empreendeu uma longa jornada por um maior conhecimento. E pelo seu temperamento, nunca admitiu
ser institucionalizado e instalado em centros de estudos dos mosteiros tibetanos.
A sua busca mudou quando se deparou com Rendawa (1349 - 1412), um pensador rebelde de Sakya com uma
interpretação incomum do Madhyamaka [678]. E foi com Rendawa que Tsong Khapa começou a aprofundar de
maneira própria os seus questionamentos e busca espiritual. Aos trinta e poucos anos, começou a escrever
comentários, ensinar e a atrair uma comunidade crescente de admiradores e estudantes, todos a acompanhar seu
estilo peripatético de vida e meditação. Essas andanças foram fundamentais para a consolidação de seu pensamento,
pois se encontrava com inúmeros mestres e instituições religiosas espalhadas pelo Tibete. Mas com o tempo, Tsong
Khapa percebeu a importância de se retirar da convivência social e se retirar para aprofundar nas suas buscas
intelectuais e contemplativas. Assim, buscou um retiro de quatro anos, acompanhado por oito dos seus melhores
alunos. O retiro foi bem fecundo e consolidou a visão budista própria de Tsong Khapa.
Quando esteve no mosteiro de Radreng, após seus anos de reclusão, compôs a sua grande obra, “Grade
Exposição das Etapas do Caminho” (Lamrim Chenmo), um livro que expunha sobre o caminho espiritual a ser
buscado de maneira gradativa, por etapas, com clara influência dos ensinamentos de Atisha (por quem tinha enorme
estima) e da filosofia de Madhyamaka. Anos depois compôs outra obra sua à estatura do anterior, “Grande
Exposição do Mantra Secreto”. Essas duas obras são hoje consideradas sumamente como clássicas do pensamento
budista. Após esses feitos intelectuais, Tsong Khapa tornou-se uma das maiores celebridades do Tibete, e quando
escolheu retirar-se para um mosteiro, sua fama impediu de ter privacidade diante da demanda de tantos alunos.
Algum tempo depois, recebeu convite do imperador chinês, Yongle, a ocupar o cargo de patrono dos lamas
tibetanos. Convencido de seu propósito espiritual, recusou o convite e mandou um de seus discípulos em seu lugar.
Com o peso da idade, seus alunos e admiradores prósperos começaram a organizar a construção de um mosteiro
para o eminente mestre budista. No ano de 1409, foi então inaugurado o mosteiro de Ganden, “Alegre”. E no mesmo
ano, Tsong Khapa resolveu iniciar uma série de festivais de orações a serem realizados anualmente em Lhasa,
tradição que depois foi mantida por séculos no Tibete [679]. Quando o mestre faleceu aos 62 anos de idade, seu corpo
foi mumificado e colocado numa estupa do terreno de seu mosteiro. A influência desse extraordinário homem ainda
seria sentida na religião, cultura e política tibetana.
Os estudantes do mosteiro de Ganden, após a morte de Tsong Khapa, decidiram por bem fundar uma nova ordem
a partir dos ensinamentos do mestre. Seus seguidores, que passariam a se referir como gandenpas, tiveram nos
momentos iniciais dificuldades em definir a própria escola, sua identidade e doutrina, apesar da vastidão das obras
de Tsong Khapa. Pois o mestre não deixou nenhum intento em fundar uma nova ordem e estava satisfeito em não ter
pertencido a nenhuma instituição em particular. Foi um aluno seu, Khedrup (1385 – 1438) a quem deve-se a
fundação da tradição Ganden. Quando em período formativo, Khedrup buscou meditar e estudar, entre eles no
mosteiro de Palkor Dechen, e desde cedo se maravilhou com as ideias de Tsong Khapa. E foi seu maior defensor,
em vários debates que participou quase sempre a defender brilhantemente (e com igual fúria) seus argumentos,
mesmo com prestigiados professores e pensadores tibetanos. Seu temperamento forte lhe valeu fama, mas foram
várias as ocasiões em que se meteu em encrencas que lhe rendeu a perda de apoio financeiro de patronos ricos pelo
seu espírito orgulhoso e indomado. Por vezes, considerava-se tal como um leão das neves, solitário, em busca de
tranquilidade e caça nas montanhas. Passados alguns anos, foi parar no recém-inaugurado mosteiro de Ganden. E,
devido ao seu enorme potencial, foi convidado a permanecer como parte diretiva do corpo do mosteiro. E assim
Khedrup abraçou a sua nova função de abade do mosteiro dos gandenpas a lhes dar uma distinção entre todos os
mosteiros tibetanos. Apesar de ser inconteste a influência de Sakya e Karma Kagyu, Khedrup não podia remeter a
fundação a veneráveis mestres indianos como as outras escolas fizeram. Buscou ele, ao invés, os fundamentos nas
novas interpretações escritas por Tsong Khapa.
Naturalmente, isso despertou a rivalidade das outras escolas. A de Sakya denunciou os gandenpas como
inovadores heréticos que deturparam as mensagens antigas das fontes indianas antigas. Khedrup respondeu às
acusações afirmando que Tsong Khapa tivera visões em suas sessões de meditação do bodisatva da sabedoria,
Manjushri. E que esta entidade tinha endossado os argumentos de Tsong Khapa. Mas a maior contribuição para a
escola de Ganden foi a nomeação pelo imperador chinês de um monge gandenpa, indicado por Tsong Khapa. Assim,
endossado pelos chineses, houve amplo financiamento de obras impressas dessa corrente budista pelo Tibete e
países vizinhos. Boa parte dessas obras começou a se consolidar em posições ortodoxas, e, via os argumentos em
debate impresso (yigcha), refutavam-se as posições em contrário aos conceitos centrais do Madhyamaka. Tornando-
se este num pilar de identidade do pensamento de Ganden. Com o tempo e os debates entre os mosteiros, a escola de
Ganden começou a crescer, indo além do mosteiro fundador, e passou-se a se referir como Gelug, “Tradição
Vitoriosa”, muito em cima da força dos seus argumentos defendidos contra as acusações de outras tradições
budistas. Como passaram a designar os mais altos cargos de sua escola a designados lamas, o maior deles passou a
ser o representante máximo dessa instituição e que se tornou, com o tempo, o mais difundido e poderoso das escolas
budistas tibetana. Os novos mosteiros Gelug foram fundados perto de Lhasa como os de Drepung, Sera, além do
original Ganden. Esse conjunto formaria o triunvirato no pináculo da hierarquia Gelug que depois dominaria o
Tibete Central por séculos. E pela proximidade a Lhasa, foram sempre presentes na capital política e histórica do
Tibete.
O que nos indica como foram influentes as ordens monásticas na história tibetana. Pois foram dessas ordens, em
tempos de crise, que se formaram notáveis pensadores e líderes, advindos de um corpo estável, protegido e
disciplinado. Muito dessa disciplina vinha de um conjunto de regras (vinaya) trazido da Índia que eram rigorosos
nas suas exigências e limites. E que, com o passar do tempo, e com a maior popularização dos mosteiros, começou a
permitir maior número de estudantes e monges, resultando num abrandamento dos seus códigos. Como exemplo, o
celibato é estritamente observado, mas, com o tempo, foram constatadas algumas práticas homossexuais entre a
população monástica. Monges mais velhos com frequência tinham um jovem monge sob sua proteção (drombo),
inclusive a servir para as intimidades. E havia aqueles que eram designadas as tarefas mais árduas, como
carregamento de água e lenha, chamados de dob-dobs. Estes tinham uma hierarquia própria entre eles, e usavam
como afirmação identitária, trajes e roupas diferentes dos monges restantes.
No geral, assim como na Europa medieval, os mosteiros tornaram-se um centro social e cultural, a abrigar
estudantes e a ajudar a comunidade próxima. Os monges tinham assegurado um local para descanso e refeições.
Alguns monges vinham de famílias ricas e outros se envolveram em atividades fora dos mosteiros como comércio
ou de acordo com a vocação pessoal. Os que tinham ambições intelectuais normalmente eram os mais pobres dos
mosteiros, pois permaneciam afastados das atividades lucrativas e do poder. Muitos monges, objetivando maior
aprofundamento espiritual e intelectual, se organizavam em grupos e partiam por algum tempo em busca de locais
afastados e silenciosos, tal como fizera Longchenpa e Khedrup. Uma das maiores preocupações dos mosteiros era o
próprio sustento financeiro, denotando o apoio errático quando dependiam de ricos patronos e doações. Para tanto,
muito da renda monástica vinha da venda de produtos e serviços para a comunidade [680]. Eram comuns empréstimos
com alguma taxa de juros. Em suma, os mosteiros se tornaram parte integrante da paisagem social e histórica do
Tibete e dificilmente o budismo teria prosperado sem essas organizações.
Anos depois da morte de Tsong Khapa, a casa dominante de Pagmodru dividiu-se em duas facções rivais. Uma,
com sede na província de U, onde ficava Lhasa, foram opostos aos designados líderes desse poderoso clã pelos da
província Tsang. As rivalidades logo começaram a se intensificar, e os de U começaram a patrocinar a escola de
Gelug, e aqueles de Tsang, o de Karma Kagyu. E foi esta escola que passou a ter os favores (e aliança) do imperador
chinês dos Mings. As duas escolas monásticas tinham convivido por anos em paz, mas agora com a rivalidade de
seus patronos, os ânimos e acusações entre os monges e lamas começaram a resultar em conflitos que chegou ao
auge na década de 1480. Foi quando um aliado dos de Tsang, um ministro Rinpung, teve planos de erguer um
mosteiro de Karma Kagyu em Lhasa. Que gerou uma indignação dos partidários de Gelug, entre eles o próprio
governador de Lhasa, que acreditavam ser a região dentro da esfera deles. O mosteiro acabou sido construído fora de
Lhasa, mas, na calada da noite, alguns monges rivais destruíram-no [681]. Isso foi causa para os governantes de Tsang
mandar tropas para Lhasa, confinando os monges Gelug em seus mosteiros. Esse conflito só poderia resultar em
situação de intolerância cada vez mais insustentável para a paz tibetana.
***
Em 1577, um destacado monge com apenas trinta e quatro anos de idade da escola Gelug se dirigiu para se
encontrar com líder do mais poderoso grupo dos mongóis da época, os tumeds, sob a liderança de Altan Khan (1507
– 1582), nas vastas e gélidas estepes perto de Hohhot, na atual província chinesa da Mongólia Interior, no norte
chinês. O nome do monge era Sonam Gyatso (1543 – 1588) (fig.), “Oceano de Méritos”, e este tinha se tornado,
depois de uma vida exemplar de dedicação monástica, no maior lama entre sua ordem religiosa. Desde a sua
infância, os lamas de Gelug viram no menino Sonam sinais de que ele era sucessor espiritual (tuluk) de um eminente
abade recentemente falecido. E foi devido ao seu destaque que o líder mongol insistiu, por diversas vezes, nos
convites feitos para sua corte. Altan Khan almejava, politicamente, imitar o gesto feito no passado por um dos
maiores imperadores mongóis, no século 13, Kublai Khan, quando este enviou convites a Phagpa. E assim garantir
uma aliança entre os mongóis e tibetanos, para melhor contrapor-se aos chineses da Dinastia Ming. Trazendo de
volta um eminente budista traria de volta todo o prestígio e honras reservadas ao período áureo dos mongóis sob
Kublai.

Fig. - Sonam Gyatso, o 3º Dalai Lama.

A recepção dada aos enviados tibetanos foi generosa, entre as incontáveis tendas da nação tumed. E logo foi
estabelecido um relacionamento de respeito entre o líder mongol e o sacerdote. Sonam concedeu ensinamentos e
iniciação tântrica para Altan e, em troca, recebeu promessas de patrocínio, apoio, e um título dos mongóis que, em
versão resumida para a posteridade, ficou conhecido como “Dalai” (“Grande como o Oceano”). Nesse sentido,
Sonam foi o primeiro tibetano a receber esse título que depois se tornaria referência tibetana em todo mundo: o
Dalai Lama. Na verdade, Sonam, como foi o terceiro na linha de renascimentos, foi depois referido como o 3º Dalai
Lama, sendo aos seus dois antecedentes dado o título postumamente.
Alguns anos depois, Altan Khan morreu, em 1582, e Sonam, que sempre se empenhou em tentar ampliar a fé
budista entre os mongóis nas várias regiões, voltou a prestar os devidos votos fúnebres, e a consolidar sua posição
com o filho sucessor do khan [682]. Com esse apoio conquistado, Sonam tornou-se a maior autoridade religiosa entre
os mongóis, quando chegou a converter, entre outros, outra nação dos mongóis, os ordos. Desde então, os mongóis
seguiram os ensinamentos de Buda. O final de sua vida veio ocorrer às margens do lago Jighasutai, na Mongólia, em
1588. Mas a aliança feita por ele, e a conversão de muitas nações mongóis, asseguraram um poderoso aliado militar.
E a questão de escolha de um novo líder de Gelug a ser endossado pelos mongóis como o Dalai Lama ganhou um
significado crucial no poder tibetano a partir do século 16 em diante.
Ficou em aberta a questão de quem seria o sucessor renascido (tuluk) de Sonam na escola Gelug.
Oportunisticamente, foi apontado um menino entre os mongóis. Na verdade, era o próprio neto de Altan Khan. Foi
um movimento surpreendente e ousado. No sentido que assim seria melhor assegurada a aliança e compromisso dos
mongóis com Gelug. Mas ao mesmo tempo, propôs que um não-tibetano fosse a maior autoridade espiritual tibetana
que poderia gerar muitas críticas internas e de outras escolas budistas tibetanas. O menino passaria a se chamar
Yonten Gyatso (1589 - 1617). Yonten, portanto, se tornaria o 4º Dalai Lama. Mas sua ascensão não foi livre de
contestação no Tibete. E, para tanto, uma delegação mongol se dirigiu a Lhasa para se assegurar disso, sendo a
designação confirmada apenas em 1601. Ao assumir o cargo, Yonten teve que lidar com a delicada situação política
do Tibete, especialmente a liderança do líder de Tsang, na província ocidental central tibetana, e sua relação
tradicional com a escola Karma Kagyu, potenciais rivais da ordem de Gelug.
Yonten não viveu o suficiente para se assegurar, efetivamente, como um líder inconteste entre as comunidades
monásticas tibetanas, apesar de ter sido uma figura central para a projeção maior do budismo tibetano de Gelug entre
os mongóis. Em 1617, Yonten após meses de tratamento médico nas águas termais perto de Lhasa, veio a morrer
com apenas vinte e oito anos de idade. E com a morte de Yonten, o governante de Tsang, Karma Phuntsok Namgyal
(1587 -1620), aproveitou a situação de incerteza no Tibete Central e proclamou-se como rei do Tibete (1618 –
1620). E seguiram-se combates entre os monges e guerreiros das facções rivais. Muitos partidários de Gelug foram
mortos, a destacar na batalha nos domínios de Drepung. Mas se não fosse pela aliança com os mongóis, os Gelugs
certamente seriam derrotados pelo líder de Tsang e dos monges karmapas de Karma Kagyu. Este novo rei tibetano,
ao menos, emergiu como a única liderança tibetana da época que conseguiu se impor a todos, se bem que por um
breve período, sem a ajuda de nenhum exército estrangeiro. Pois tinha conseguido o apoio, anteriormente, das
escolas tibetanas Sakya, Nyingma e Jonang, as principais do Tibete (com exceção, naturalmente, de Gelug). Uma
vez no poder como soberano, começou a negociar com a ordem Gelug.
Mas havia muitos entre os Gelugs (chamados de gelugpas) que jamais aceitaram tal submissão. Phuntsok
representaria uma liderança opositora que submeteria os gelugpas a um status de apenas mais uma escola a ser
apoiada entre os tibetanos. E assim, os gelugpas buscaram rapidamente um 5º Dalai Lama a servir como líder dessa
resistência. Pois Phuntsok tinha expressamente proibido esses de nomearem um novo sucessor máximo espiritual
por razões políticas. O clima de tensão estava crescendo nas ruas de Lhasa. Em 1621, uma grande batalha nas ruas
foi evitada apenas com a atuação do Panchen Lama [683]. Este cargo lamaísta consistia no primeiro da linha dos lamas
tibetanos que supervisionaria a educação e ensino do Dalai Lama. Deveria ser um sábio de notável conhecimento e
atuaria como tutor e regente até a maioridade do Dalai. E igualmente seria sucedido por um designado renascido
(tuluk). A busca por um novo Dalai tinha ocorrido em segredo e tinham os gelugpas encontrado um menino de
famílias de aristocratas ricos, a família Zafor, de Tagtse, próximo dos túmulos dos antigos imperadores tibetanos
(tsenpos) ao sul de Lhasa. Convenientemente, o menino era uma grande aposta para maior prestígio e poder de
Gelug.
Aparentemente, quando houve o envio de monges do mosteiro Gelug de Drepung para confirmar se o menino da
família de Zafor era o renascido Dalai Lama, o menino falhou em atender às demandas e sinais determinantes de seu
destino. Mas os testes, seguidamente aplicados ao menino, eram mera formalidade, pois, ao final de repetidos
exames, a reconhecer objetos santos e memórias do lama antecessor, o menino foi eventualmente aprovado [684]. Que
mostrou ser uma decisão acertada, pois o jovem depois se mostrou inteligente e corajoso para sua nova função
espiritual como o 5º Dalai Lama, Lozang Gyatso (ou Lobsang Gyatso) (1617 - 1682). Seu apontamento, contudo,
gerou desconfiança entre os tibetanos rivais. E sua vida somente foi assegurada com a oferta dos mongóis em dar
refúgio a ele para longe de Lhasa, a se esconder numa fortaleza perto do lago Kokonor, embora essa oferta fosse
recusada pelas autoridades gelugpas. Ao final de alguns anos, afastada
a ameaça política de Phuntsok (que tinha adoecido em 1619) e seus partidários, o novo Dalai Lama pôde então se
dirigir ao palácio Ganden em Lhasa [685]. O Panchen Lama decidiu então ensinar ao jovem Lozang. E assim começou
uma tradição segundo o qual o Panchen Lama iria cuidar e ensinar os sucessivos Dalai Lamas, agindo como tutores
e preceptores quando em idade de menoridade. No seu processo de aprendizado, Lozang mostrou ser um voraz e
inquieto estudioso do budismo tibetano, inclusive de outras escolas e tradições além de Gelug advindos das obras de
Tsong Khapa. A tradição Nyingma, particularmente, interessou ao jovem lama pelos seus ensinamentos de magias.
Entre os mongóis, a paisagem política estava se inclinando para a dominação da nação Koshut, no início do
século 17. Tinham recentemente convertido ao budismo de Gelug, e seu líder era Güshi Khan (1582 - 1654) (fig.)
que guardava o ardor de um recém-convertido. Em 1637, Güshi chegou às fronteiras do Tibete, perto do lago
Kokonor, e depois resolveu visitar o Dalai Lama em Lhasa. Lozang ficou impressionado com o líder mongol e sua
obstinada e apaixonada devoção ao budismo. O encontro foi muito bem sucedido e os dois líderes cortejaram-se
com presentes e títulos. Ao khan foi concedido o título de “Rei Darma, Defensor dos Ensinamentos”. E foi
assegurada a lealdade do khan e dos mongóis ao máximo sacerdote budista tibetano.

Fig. - Güshi Khan, pintura no templo de Jokhang.

Lozang desejou guardar distância da vida política o quanto pôde, e decidiu nomear um governador tibetano sobre
quem concedeu o título de “Desi”. O Desi manteria contato e aliança com o khan e os mongóis e buscaria cumprir o
papel de designado político do Dalai Lama. E os contatos que o Desi realizou com o ambicioso Güshi Khan foi
crucial nas campanhas de conquista em nome do budismo de Gelug, nas regiões a leste do Tibete, que consolidou o
domínio sobre regiões rebeldes no Tibete Central, especialmente sobre os partidários de Tsang. O que foi uma
aposta arriscada, pois os mongóis eram temidos pela sua brutalidade e ferocidade em batalha que poderia pôr em
risco toda a sociedade tibetana caso as lealdades fugissem de controle. Mas a história nos mostrou que os mongóis
varreram o Tibete em 1641 em busca dos aliados ao governante de Tsang, que representava a mais evidente ameaça
aos gulegpas no Tibete.
Logo as tropas mongóis conseguiram fazer recuar as forças rebeldes tibetanas até uma fortaleza em Shigatse a
250 km a sudeste de Lhasa. Os pedidos de rendição e misericórdia começaram a chegar aos ouvidos do Desi que
propôs uma mediação do Dalai Lama. Quando os aliados de Tsang se renderam em abril de 1642, havia ficado claro
que a predominância Gelug sobre o Tibete estava assegurada. E assim, como reconhecimento, o 5º Dalai Lama
partiu para o encontro de Güshi [686]. Que resultou numa conjunção de grande significado histórico para selar a
aliança entre as duas nações. Restava como rebeldes no Tibete a essa aliança os monges da escola Karma Kagyu,
que foram sistematicamente massacrados por Güshi Khan. Os que conseguiram fugir foram para as montanhas ao
sul, no atual Butão. Após esses eventos, os mosteiros de Karma Kagyu foram convertidos para a tradição Gelug,
enquanto houve a desarticulação e aprisionamento de todos aqueles que discordassem dos gelugpas, incluindo os
monges da escola Nyingma, Sakya e Jonang. Todas as obras que contestassem os dogmas Gelug foram queimadas e
banidas.
Assim, em 1642, o 5º Dalai Lama se tornou o senhor absoluto, com o decisivo apoio mongol de Güshi Khan, de
todo o Tibete. E para legitimar-se no poder, buscou compilar uma história dos reis tibetanos, desde os tsenpos e a
aliança feita com Kublai Khan e Phagpa. Foi aconselhado ao Dalai Lama construir um novo e magnífico palácio
como residência em Lhasa, a fim de assegurar e impor sua figura sobre o centro político tibetano e que poderia
servir de fortaleza e refúgio aos gelugpas em tempos de crise. Em 1645, o 5º Dalai Lama então deixou sua antiga
residência no Palácio Ganden e mudou-se para o topo da colina Marpori, “Colina Vermelha”, onde estavam as
ruínas do antigo palácio do século 7º do tsenpo Songtsen Gampo. Para inaugurar o novo palácio a ser erguido, foram
feitas todas as devidas cerimônias, e com isso receberam de presente uma estátua do bodisatva Avalokiteshvara que
acabou sendo declarada como divindade patrona do Tibete. Assim foi inaugurado, a sobrepor-se sobre a fortaleza de
Shigatse, o Palácio Branco de Potala, repleto de simbolismos a representar o momento único em que o Tibete se
encontrava [687].
Na China, os eventos pareciam ser menos promissores. A Dinastia Ming tinha sucumbido à atuação de invasores
a partir do norte, os manchus. Em 1644, os cavaleiros dessa nação avançaram sem detenção para os vilarejos e
grandes cidades chinesas, realizando uma série de saques e destruições. Essa nova dinastia, novamente de
estrangeiros, passou a se chamar de Qing e governaria a China até o início do século 20. O Dalai Lama rapidamente
aproveitou a oportunidade e mandou uma mensagem ao novo imperador no trono chinês, Shunzhi (r. 1643 - 1661)
assinado por ele mesmo e seu aliado militar, Güshi Khan. Ficou claro, com isso, que o Dalai Lama buscou novo
relacionamento com os chineses, agora apoiado pela força militar mongol.
Os manchus já eram familiarizados com o budismo tibetano, e como os mongóis, tinham profundo respeito pela
figura dos lamas tibetanos. Em 1621, o fundador da dinastia manchu havia designado um lama para preceptor, e
havia até construído um templo para a divindade budista cultuada por Kublai Khan, Mahakala [688]. Assim, os
manchus buscaram estabelecer boas relações com os tibetanos, pois assim eles poderiam acalmar os mongóis aliados
aos tibetanos que poderiam fustigar as fronteiras chinesas. Em 1652, após vários convites feitos pela corte chinesa, o
5º Dalai Lama resolveu iniciar a longa jornada a Pequim, com uma numerosa e impressionante comitiva.
Ao se aproximar de Pequim, houve pequenos incidentes diplomáticos entre as partes a se encontrarem. Pois o
entusiasmo do imperador chinês, Shunzhi, era tamanho que gerou questionamentos com relação ao protocolo
imperial por parte de seus conselheiros. Em 1654, depois de dois anos de jornada, a comitiva tibetana finalmente
ingressou em Pequim. A cerimônia de recebimento foi profusamente elaborada e organizada, e os dois soberanos
sentaram-se lado a lado como iguais. Alguns meses depois de sua estadia, o Dalai Lama buscou convencer o
imperador e seus conselheiros de que precisava voltar aos assuntos no Tibete, mas retornando com a promessa de
fraternal aliança com as novas autoridades chinesas. A visita, em suma, serviu ao 5º Dalai para assegurar seu
relacionamento em pé de igualdade com a nova dinastia chinesa, ao mesmo tempo para propagar entre os chineses o
budismo de Gelug, assim como representar a aliança coesa estabelecido com os mongóis sob Güshi Khan. Foi um
grande trunfo político, religioso e diplomático do Dalai Lama.
Na volta a Lhasa, o Dalai, Lozang, encontrou-se numa posição de prestígio e poder. Vendo-se no poder e a
consolidar de vez a unidade tibetana, o lama procurou apaziguar antigas dissensões e rivalidades com as outras
ordens monásticas. Trouxe de volta à legalidade a escola Karma Kagyu, e chegou mesmo a nomear dois líderes
deles nas províncias meridionais, ficando esses apenas abaixo do Dalai na hierarquia espiritual. Mas havia alguns
dentro da própria escola Gelug que começaram a questionar a autoridade do mais alto lama no Tibete. Esses
partidários acharam que o verdadeiro 5º Dalai Lama deveria ter sido o abade de Drepung, Drakpa Gyaltsen (1619 -
1656). Na volta da China do Dalai Lama, esse abade havia sido encontrado morto, gerando revolta e suspeita entre
muitos tibetanos contrários ao status lamaísta. Após sua morte, o Desi (governador para assuntos políticos) proibiu a
busca pela sua reencarnação (tuluk). O Dalai Lama também teve que enfrentar as inquietações de outros mosteiros
Guleg pelo país, pois alguns se excederam nas comemorações do Festival da Grande Oração (Monlam), uma das
principais do país [689].
Com o avançar da idade, Lozang Gyatso, o 5º Dalai Lama procurou se dedicar cada vez mais aos assuntos
espirituais e estudos, delegando ao Desi o tratamento das questões mundanas, administrativas e políticas. Escreveu
sobre suas visões e interpretações acerca de figuras tibetanas como Padmasambhava, santo da tradição Nyingma.
Isso era sinal de que o lama passava cada vez mais tempo com adeptos dessa escola (nyingmapas), assim como as
suas obras. Um dos beneficiários dessa nova atitude do Dalai Lama foi a generosa doação para a construção de um
novo mosteiro Nyingma em Mindroling. E passou a encorajar o levantamento das obras e ensinamentos de Nyingma
a evitar que esses pudessem ser perdidos. Foi graças em boa parte aos esforços desse lama que a tradição Nyingma
conserva suas tradições conhecidas até os dias atuais no budismo tibetano.
O Dalai Lama também buscou convidar brâmanes, sacerdotes e estudiosos da Índia, pois tinha domínio do
sânscrito e buscou avidamente e com fascínio os ensinamentos originais de Buda e seus seguidores mais antigos. Os
muçulmanos no Tibete também se beneficiaram com a atitude mais universalista do lama, que chegou a ser
construída uma mesquita perto de Lhasa e essa comunidade poderia ser julgada em tribunal próprio a respeitar a sua
lei da shari’a. Quando veio a falecer em 1682, o 5º Dalai Lama tinha deixado o Tibete consolidado, unido e forte,
aberto - e confiante - às suas diversidades.
A morte do Dalai Lama trouxe certo desalento para o Tibete, e a confusão após sua morte ficou sob
responsabilidade do Desi, Sangye Gyatso (1653 - 1705), um antigo favorecido de Lozang, com apenas trinta anos de
idade. Foi no intento de preservar a ordem e estabilidade do Tibete após a morte do Dalai em 1682 que ele foi
responsável por um dos atos mais notáveis na história do Tibete. Por quinze anos, o Desi manteve a morte do Dalai
Lama em segredo. Por anos ele apenas informava que Lozang estava em retiro, a meditar, e que não desejava ser
perturbado. Ocasionalmente entrava em seus recintos particulares e tocava o sino e tambores, como se o lama
estivesse por lá presente. Em aparições públicas importantes, o Desi obrigou a um figurante atuar com suas vestes,
obrigando os tibetanos a aceitarem a presença discreta e distante do lama nas ocasiões, assim como a atender as
demandas mais diretas dos mongóis visitantes na capital [690].
A busca pelo próximo Dalai Lama continuou, enquanto isso. Perto das fronteiras com o Butão, na região de
Mon, recentemente conquistada pelos tibetanos com a ajuda dos mongóis, parecia oferecer uma ocasião interessante
de sucessor. A escolha de um menino de uma das poucas famílias nobres locais aliadas a Gelug foi estratégica.
Depois de ter sido confirmada a criança como sucessora (tulku) do 5º Dalai Lama, cujo nome dado foi Tsangyang
Gyatso (1683 - 1706) (“Oceano da Canção Divina”), a criança e seus pais foram transferidos para um local secreto e
seguro para o período de ensino e formação do novo Dalai Lama. Em Lhasa, o Desi tinha que governar o país em
período de transição durante o suposto “longo retiro” do 5º Dalai Lama. Seu segredo foi mantido até 1696, um ano
após a conclusão do Palácio Vermelho de Potala. E aos dezesseis anos de idade, foi anunciada a sucessão do 6º
Dalai Lama.
Esse novo lama era bem impressionante. Prometia ter todas as qualidades de um grande líder, e sua chegada a
Lhasa foi ocasião de grandes festas e reverência do povo tibetano. Na cerimônia de sucessão, em 1697, esteve
presente além do Desi, o novo líder dos mongóis aliados da nação Koshut, Lajang Khan (? - 1717), e milhares de
fiéis seguidores e da numerosa comunidade monástica tibetana. As notícias das novidades chegaram a Pequim,
agora sob o comando do imperador Kangxi (r. 1661 - 1722), um dos maiores estadistas da Dinastia Qing. E este não
ficou convencido depois que soube do ato de ocultamento da morte do antigo Dalai Lama e o apontamento tardio de
um novo sucessor [691]. Houve também contestação de algumas lideranças mongóis, que alimentavam o desejo de ter
um lama mongol na sucessão.
Assim, o Desi teve que lidar com o pior dos mundos. O 6º Dalai ainda era jovem, inexperiente e começou a
apresentar um comportamento errático, não condizente com o que se esperava de um Dalai Lama. Mostrou-se
irascível e rebelde nos estudos e era entusiasta do arco e flecha e da montaria a cavalo. Depois de ter sido
pressionado a mudar e buscar uma formação mais adequada com o Panchen Lama, Tsangyang rebelou-se e
renunciou aos votos monásticos e fugiu para o mosteiro de Tashilhunpo. O que foi um desastre, pois todos os lamas
deveriam ser monges, mesmo aqueles à frente da hierarquia de Gelug. O novo Dalai Lama tinha começado a sair à
noite, a ficar bêbado com amigos e mulheres em público. E com esse novo senso de liberdade, já em idade adulta,
Tsangyang começou a se vestir como um nobre rico, com tecidos azuis finos e brocado, anéis, joias e com cabelo
comprido, mesmo dentro dos confinamentos de Potala [692]. Ele também começou a escrever poemas que depois se
tornaram célebres pela sua qualidade dos versos. O relacionamento com o Desi e o Dalai Lama começou a ir de mal
para pior. Depois de uma malsucedida tentativa de matar um de seus amigos o Desi, Sangye Gyatso, decidiu retirar-
se da vida política em 1703 e passou seu cargo para seu filho, Ngawang Rinchen. E começou a se dedicar aos
estudos acadêmicos de sua vasta erudição, inclusive chegando a fundar uma escola de medicina e astrologia em
Chagpori (“Montanha de Ferro”), e a cultuar a memória do 5º Dalai Lama.
Mas Sangye Gyatso ainda permaneceu atrás do jogo de poder tibetano, mesmo com sua aposentadoria anunciada.
Isso acarretou em consequências cada vez mais nefastas para a estabilidade do Tibete no início do século 18. A
sucessão problemática e o comportamento rebelde do 6º Dalai Lama parecem ter esgotado a paciência do líder
mongol, Lajang Khan, que buscou reivindicar maior poder sobre os tibetanos e aos budistas mongóis. As rusgas com
Sangye logo se tornaram manifestas, pois houve até um plano (fracassado) deste para envenenar o líder dos koshuts
mongóis. Para tentar apaziguar os ânimos, o 6º Dalai convocou um conselho. E neste ficou decidido, para o bem do
futuro tibetano, que Sangye se retiraria efetivamente das decisões do poder e que Lajang voltaria para suas terras, na
região do lago Kokonor, embora pudesse manter o simbólico título de “Rei do Tibete”, conforme reivindicava. Mas
parece que os tibetanos subestimaram a ambição de Lajang, pois este se retirou com suas tropas para o norte, e lá
juntou mais de seus soldados e depois marchou em massivo número para ocupar Lhasa. Sangye, desesperado,
buscou reunir o que conseguiu diante do temido exército mongol. Fora inútil, o pânico se alastrou pela cidade e as
tropas da Sangye foram facilmente derrotadas em 1705. Sangye seguiu desmoralizado para o exílio, mas pouco
depois foi convocado de volta por uma das esposas de Lajang, Tsering Tashi, ela mesma uma talentosa comandante
dos batalhões mongóis. Esta alimentava um duradouro ódio pelo antigo Desi tibetano, no que resultou na sua morte
por decapitação em setembro de 1705 [693].
Lajang começou a se tornar senhor absoluto do Tibete, a valer-se de seu título. Mas não houve a lealdade
esperada pelo 6º Dalai Lama, que passou a ser considerado como um rebelde incômodo e rival. Mas Lajang sabia
também da importância de preservar uma figura como o Dalai Lama, para muitos tibetanos e mongóis. Assim,
tentando articular uma nova frente para tentar enfraquecer o Dalai Lama, buscou manifestar por carta, um
compromisso do imperador chinês, Kangxi. E este correspondeu com seu apoio, pois antes se preocupava com as
ameaças mongóis em suas fronteiras. Como segundo passo, Lajang passou então a buscar uma figura aliada de
Gelug, a manter a estrutura dos mosteiros tibetanos. Obteve, talvez por medo e temor, o assentimento de vários
abades tibetanos. Assim, Lajang, com esse aval monástico, revestido de legalidade espiritual, enviou suas tropas
para o Palácio do Potala onde capturaram o Dalai Lama e o fizeram refém num acampamento mongol nos arredores
de Lhasa. Depois de alguns dias, o destacamento mongol responsável pela custódia do Dalai Lama partiu numa dura
viagem a Pequim. Houve resistência por parte da população, de monges e, notavelmente, do mosteiro e fortaleza de
Drepung, mas nada fez frente às ofensivas de canhão dos mongóis. Foi durante a viagem a Pequim que o cativo 6º
Dalai Lama, Tsangyang, adoeceu e desapareceu perto da fronteira com o território mongol, hoje perto da cidade de
Xining [694]. Ele tinha apenas vinte e quatro anos de idade, isso em novembro de 1706. Alguns anos depois, o 7º
Dalai Lama foi reconhecido no distrito tibetano oriental de Litang. Mas muitos tibetanos não se conformaram com a
brutalidade do destino de Tsangyang.
O 7º Dalai Lama serviu às intenções de Lajang de se firmar no poder, que geraram revoltas e insubordinações
entre os tibetanos. A situação política tibetana era frágil e tensa. E Lajang dependia e muito da aliança feito com o
imperador chinês Kangxi. E de Pequim veio um assistente manchu a manter um olho em Lajang e reportar a
situação tibetana. Este conseguiu realizar a sua missão primordial, a de desenhar um mapa do Tibete para futura
reorganização da região a ser inserida no império chinês. Os desenhos feitos depois foram entregues, na corte
manchu, a alguns jesuítas de sua corte (levados em grande estima pelo imperador) que usaram esses desenhos
esboçados para elaborarem um atlas geográfico da Ásia e da China, apresentado ao imperador Kangxi e publicado
em 1718. No mapa, o Tibete já apareceu incluído como parte da China.
As relações entre Tibete e missionários cristãos começaram a ser notadas no início do século 18. Em 1716, uma
missão jesuíta liderada pelo padre italiano Ippolito Desideri (1684 - 1733) chegou à Lhasa. Lajang, aparentemente,
ficou feliz em ter novos contatos na arena política e mostrou-se receptivo e curioso a respeito das doutrinas cristãs.
Houve missões cristãs no Tibete anteriormente, desde o século 17. Mas tiveram poucos convertidos e efeitos
políticos. Desideri foi o mais influente deles, e é dele a melhor descrição do Tibete feito por um europeu da época.
O novo Dalai Lama, o 7º, identificado em Litang, nas regiões a leste do Tibete, animou a comunidade budista
tibetana. Mas Lajang temeu por esse novo sucessor, e foi tentar buscar o menino em Litang. Mas antes, o tuluk havia
fugido em segurança com seus pais para a região de Derge, onde conseguiram garantir-lhe segurança e abrigo até a
sua maioridade. Ficou demonstrado que os monges da escola de Gelug não estavam plenamente confiantes nos
planos de Lajang, e isso também despertou a desconfiança de Kangxi que buscou acompanhar a situação do novo
Dalai Lama de perto para futuras ocasiões políticas. Lajang começou a ser desconsiderado cada vez mais pelas
instituições tibetanas, e alguns começaram a planejar sua queda do poder e mesmo sua morte. Outros aliados
fundamentais para isso seriam outros mongóis, fiéis e dedicados budistas da escola Gelug e apoiadores do 7º Dalai
Lama: o povo junghar ou dzungar.
Foram esses mongóis que, com o apoio de monges treinados nas regiões setentrionais do Tibete, cavalgaram e
ocuparam Lhasa em 1717. Os junghars entraram na capital dizendo trazer o novo Dalai Lama, para o entusiasmo
geral, e propagado pelos mosteiros de Gelug. Em momento derradeiro, cercaram Lajang no Palácio de Potala e, nos
conflitos subsequentes, o velho khan chegou a morrer ao tentar empreender fuga a cavalo. Agora, os junghars
tinham Lhasa sob controle. Que resultou numa decepção aos gelugpas, pois esses mongóis mostraram-se
indecentemente atrozes sobre os tibetanos e suas propriedades em 1718. Somou-se a isso uma intolerância religiosa
contra todos aqueles considerados pelo fervor budista Gelug dos mongóis como hereges, e isso caiu sobre todos
aqueles mosteiros contrários, especialmente os heterodoxos e praticantes de Nyingma e sobre o mosteiro de
Mindroling. As estátuas de Padmasambhava, fundador da ordem, foi alvo bastante visado e destruído quando achado
pelos mongóis junghars na época. E qualquer monge ou lama que se mostrasse inadequado comportamento era
alvejado nessa espécie de inquisição religiosa tibetana.
A ocupação dos junghars de Lhasa, portanto, estava tornando-se insustentável. Em Pequim, Kangxi buscou então
enviar suas tropas contra os junghars, pois o imperador chinês tinha ouvido da morte de Lajang e sobre a temeridade
do 7º Dalai Lama a ser usado como figura espiritual a consolidar sua dominação sobre o Tibete. Nesse sentido,
Kangxi reconheceu o menino, que tinha doze anos à época, como o novo Dalai Lama, e este logo partiu junto com
um destacamento militar manchu em direção a Lhasa. A expulsão dos junghars da capital tibetana em 1720 trouxe,
pois, um alívio para a população em geral, após anos de saques e abusos. Em outubro, uma grande procissão com o
Dalai Lama entrou pelos portões do Palácio de Potala. Após o vergonhoso episódio do ocultamento da morte do 5º
Dalai Lama, as incertezas sobre o 6º e 7º, e as atrocidades cometidas pelos junghars sobre Lhasa e a morte infame de
Lajang em Potala, parecia que havia perspectivas de paz e de nova ordem sobre o Tibete a partir de 1720.
Para buscar inserir o Tibete de vez no império chinês, Kangxi mandou reforços administrativos e financeiros
para reconstruir a nação. O Palácio de Potala foi reformado e ampliado, após os embates que resultaram na morte de
Lajang, e a receber o 7º Dalai. Reorganizaram-se as províncias tibetanas, sendo que as mais ao norte, em Amdo,
passaram a ser parte da província chinesa de Qinghai. E as mais orientais do Tibete, em Kham, foi absorvida pela
província de Sichuan. Nas reformas administrativas, o Dalai Lama ocuparia um cargo a ser supervisionado por um
conselho de três ministros, esvaziando seu poder efetivo político. E um representante do governo chinês, embora não
integrante desse conselho máximo, Pholhane (1689 - 1747), foi figura primordial em tentar reparar os estragos nos
mosteiros Nyingma destruídos pelos junghars.
Uma mudança chinesa adveio com o falecimento de Kangxi em 1722. O novo imperador manchu, Yongzheng (r.
1722 - 1735), apresentou pouco interesse em revitalizar o Tibete, ordenando a redução da guarnição chinesa no país.
E disso ficou evidenciado o papel de Pholhane, que buscou reprimir de vez os rebeldes mongóis no Tibete. Também
foi este que buscou uma política mais tolerante com relação às diversas ordens religiosas tibetanas, ignorando os
apelos de intolerância dos gelugpas endossadas pelo Dalai Lama. Sua habilidade política o impediu de ser
assassinado pelos seus opositores, incluindo alguns ministros do conselho mais poderoso no Tibete. Mas foram anos
difíceis e instáveis, com fartas trocas de acusações e agressões.
Ao Dalai Lama, restou ser apenas uma figura de menor expressão política, inclusive foi sugerido pelas
autoridades chinesas que este deveria residir nas regiões orientais, em Litang, seu local de origem, para fugir das
vicissitudes políticas em Lhasa. A figura do Panchen Lama tornou-se mais poderosa nas regiões de Tsang e
ocidentais, almejando os chineses buscar um contrapeso às regiões dominadas pelo Dalai Lama. E o novo imperador
chinês nomeou dois oficiais manchus, chamados de ambans, para residir em Lhasa e supervisionar essas mudanças
políticas. Esses dois residentes foram depois alvo de numerosos protestos tibetanos, alentados pela morte do filho e
sucessor de Pholhane, Gyurme Namgyal (? - 1750), que tinha questionado a política chinesa com relação à escola
Gelug. Como resultado, os dois ambans morreram, um nas mãos da turba revoltada e outro por suicídio. A
consequência disso foi inevitável e implacável. O imperador chinês mandou um exército para Lhasa e os líderes
rebeldes envolvidos na morte dos representantes manchus foram duramente julgados e executados em público. Foi
proposta, desde 1721, uma nova instância de poder máximo, agora composto pelo 7º Dalai Lama, como chefe de
governo, a acalmar os ânimos tibetanos, mas com um conselho de quatro ministros a cuidar da administração e
poder no país, chamado de Kashag [695].
Em suma, o Tibete estava sendo dividido e administrado cada vez mais no intento imperial chinês em meados do
século 18. As regiões orientais tibetanas se tornaram reinos independentes, como Derge e Nangchen. O domínio do
Dalai Lama se limitou à região central tibetana de U. No aspecto administrativo, o Tibete seria administrado por
membros do Kashag, com a presença do Dalai Lama, que ainda detinha certa autoridade em assuntos religiosos,
culturais e linguísticos, além de terem os tibetanos isenção fiscal aos cofres imperiais chineses. Os ambans
continuariam a atuar na política tibetana como observadores para a corte em Pequim. Mas a soberania plena do
Tibete, nessa nova fase, foi irremediavelmente limitada e desfigurada frente às autoridades imperiais chinesas.
***
O 5º Panchen Lama, Lozang Palden Yeshe (1738 - 1780), passou a reunir para si uma importante função no
Tibete após as reformas administrativas feitas nas primeiras décadas do século 18. Pois o Dalai Lama foi relegado a
um papel mais espiritual, e foi retirado mais para as províncias orientais. O Panchen, ao contrário, seria aquele que
lidaria com as questões de estado e política externa, além de ter certa influência nas decisões políticas juntamente
com um conselho governante, o Kashag, e a ser submetido aos relatórios dos ambans enviados pelas autoridades
chinesas. Foi, pois, nesse contexto que havia despertado o interesse do governador britânico da Companhia das
Índias Orientais Britânicas em Calcutá, Warren Hastings (g. 1774 - 1785), em corresponder com o lama a fim de
sondar as possibilidades de comércio e de boas relações políticas. Os britânicos tinham, recentemente, mandado
tropas para o reino de Butão e estabelecido o controle sobre essa região fronteiriça com o Tibete em 1774 [696].
Como enviados ao reino tibetano, saindo de Calcutá, Hastings mandou um escocês que era seu secretário
particular, George Bogle (1746 - 1781), e com ele iriam acompanhados dois asiáticos, Pema, um tibetano já
habituado às línguas e costumes do Tibete, e um indiano chamado Purangir, um veterano viajante comercial e
religioso. Embora ambos fossem devotos de Xiva, e não budistas, esses poderiam se corresponder com a
comunidade de seus correligionários residentes no mosteiro de Tashilhunpo, perto da residência do Panchen Lama.
Bogle, ao contrário, tinha quase nada de informação e experiência sobre o Tibete, mas era um aventureiro nato,
entusiasta do montanhismo, e ávido leitor dos relatos dos jesuítas feitos sobre o Tibete escritos algumas décadas
antes. Assim, essa comitiva começou a avançar a partir de Calcutá para o norte, ao longo do rio Hugli, até chegar a
ascender às terras altas do Butão.
O Panchen Lama então, via enviados, ficou ciente da missão britânica e buscou informar o 8º Dalai Lama,
Jamphel Gyatso (1758 - 1804), a respeito dos eventos. Esse regente espiritual prontamente rejeitou tal missão, pois
informações tinham chegado a ele de que a Companhia Britânica buscava apenas o enriquecimento e poder, que era
afeito à guerra e conquista. Além do mais, o Tibete deveria respeitar acordo feito com as autoridades chinesas, que
proibiam qualquer presença estrangeira no Tibete, especialmente afegãos, indianos e europeus, sem a devida
autorização prévia imperial. Assim, Bogle, recebendo tal negativa, mandou então seus dois companheiros para ir
adiante como viajantes religiosos a tentar convencer o Panchen Lama da missão britânica. No que parece que foram
bem sucedidos, pois os dois retornaram ao Butão e depois Bogle pôde enfim encontrar-se com o Panchen (fig.).

Fig. – O Ocidente entra no reino tibetano. Encontro de George Bogle e o 5º Panchen Lama no templo de Tashilhunpo.

O encontro foi marcado por grande entusiasmo e curiosidades de ambos os lados. O Panchen, estudioso como era
da tradição de seus lamas, conversou extensamente na língua hindi, que Bogle tinha aprendido nos seus anos na
Índia. As perguntas do Panchen foram desde sobre a nação e cultura do país natal de Bogle, até o governo e religião.
Sobre este último aspecto, Bogle respondeu que os britânicos eram em parte parecidos com os padres jesuítas
conhecidos nos anais tibetanos, mas que não eram intolerantes e fervorosos adoradores da cruz e de Cristo (em
tibetano, referiam-se como “criss”). Ao final das discussões, e Bogle ciente da delicadeza do assunto, o Panchen
declarou que todos, em último momento, respeitam e adoram o mesmo Deus, mas sob diferentes nomes e maneiras.
Quanto aos assuntos mais mundanos, Bogle teve pouco sucesso em firmar acordos comerciais com o Tibete.
Panchen Lama era um político perspicaz e não desejava perturbar o conselho governante no Tibete, e muito menos o
imperador em Pequim. A bem da verdade, o encontro serviu mais aos propósitos do Panchen, pois este se interou
depois com as informações colhidas dos dois acompanhantes de Bogle a respeito da Índia e dos britânicos. Além do
mais, conseguiu consagrar um templo budista tibetano às margens do rio Hugli, em Calcutá, o Bhot Bhagan
(“Jardim do Tibete”), a servir de hospedaria para os peregrinos e viajantes tibetanos na Índia.
O Panchen Lama seria importunado mais vezes por dignitários estrangeiros. Mas dessa vez os assuntos iam
muito além de curiosidades. O imperador da China, Qianlong (r. 1735 - 1796), mostrou interesse incomum ao
budismo tibetano, a considerar pela devoção de sua mãe pela religião. Foi pródigo nos estudos tibetanos e
patrocinou a fundação de inúmeros templos Gelug, incluindo o famoso templo Yonghegong, “Templo Lama”, em
Pequim. Financiou um magnífico projeto que resultou na coleção canônica tibetana, conhecida hoje como a “Edição
Qianlong”. Obviamente, o entusiasmo do imperador tinha também conotações políticas. Sabia que ao promover o
budismo tibetano, acabaria apaziguando os ânimos dos mongóis e tibetanos, de uma só vez, e poderia ser
considerado por esses como um “rei darma”, um regente exemplar e defensor das leis e da fé budista. E nesse
espírito o imperador fez um convite para o lama para as celebrações de seus setenta anos. O Panchen sentiu-se
honrado, mas sabia dos custos e riscos da longa viagem até Pequim.
Assim que Qianlong soube da aceitação de Panchen Lama a fazer a jornada, preparou generosamente os
preparativos para a sua visita. A sua estadia seria renovada, no templo em que ficou hospedado o 4º Dalai Lama
quando em Pequim. E também foi erguido em Chengde, a nordeste da capital, uma réplica do mosteiro de
Tashilhunpo, o do próprio Panchen Lama no Tibete [697]. Em 1779, o Panchen Lama e sua comitiva iniciaram a
jornada. Na comitiva foi acompanhado por um séquito de serventes, cozinheiros, soldados, marceneiros, monges,
carregadores, médicos e astrólogos. Um desses era o irmão do lama, Trungpa, ele mesmo um lama de outra ordem
monástica. E toda vez que esse enorme grupo parava, atraía multidões de fiéis a receber as bênçãos. Em Kumbum,
na região de Amdo, o Panchen Lama encontrou-se com um dos acompanhantes de George Bogle, Purangir, e este
pleiteou junto ao lama para defender os interesses de maior abertura comercial chinesa aos britânicos na Índia. E,
passado o rigor do inverno de 1779 a 1780, iniciaram a jornada novamente rumo a Pequim, atravessando os desertos
da Mongólia Interior e das regiões setentrionais chinesas. Nessas regiões, a varíola era especialmente temida pelos
viajantes. Os chineses já tinham a tradição de inoculação para a doença e assim boa parte da comitiva tibetana se
preveniu. Mas o Panchen Lama, considerado como emanação do buda Amitaba [698], foi considerado imune.
Ao chegar perto de Chengde, antes da entrada na capital imperial, Panchen Lama foi efusivamente recebido, com
inúmeros chineses, ao longo de seu caminho, a se prostrarem no chão conforme os costumes tibetanos. Então, o
Panchen chegou, após alguns dias, perto de Pequim. Na ocasião, foi polidamente colocado numa das liteiras do
próprio imperador, a ser carregado dessa maneira pelos portões e pátios da Cidade Proibida. De acordo com os
relatos de Purangir, o imperador, ao recebê-lo, pegou em uma das suas mãos a servir de apoio, e o indicou para
sentar ao seu lado, como igual.
Seguiram-se semanas de festividades, banquetes e apresentações teatrais na capital. E o Panchen recebeu um
fluxo inumerável de visitantes e fiéis budistas, todos curiosos e a venerar a sua figura. A cumprir a promessa feita a
Purangir, mencionou as intenções britânicas de Hastings aos ouvidos do imperador Qianlong. Que prometeu
escrever uma carta imperial ao governador britânico na Índia para ser carregada pessoalmente pelo Panchen Lama
no seu retorno ao Tibete. Mas essa volta nunca ocorreu, pois o lama começou a se sentir doente, fraco e sem fome,
nos meses seguintes em Pequim. Certo dia, exausto e prostrado no seu leito, começou a sentir dores de cabeça e
algumas manchas vermelhas apareceram na sua pele. O Panchen Lama havia contraído varíola.
O imperador Qianlong, tão logo ficou sabendo da enfermidade, mandou seus melhores médicos, e o imperador
chegou mesmo a se sentar ao lado do lama a segurar sua mão. No quarto dia acamado, assolado pela varíola, o
Panchen Lama pediu aos seus atendentes, incluindo Purangir que estava presente e narrou a cena, que orassem em
seu quarto. No próximo dia, encostado na parede e numa posição de meditação, o Panchen Lama morreu em 2 de
novembro de 1780, aos quarenta e dois anos de idade. O imperador chinês, sentindo-se imensamente culpado,
mandou rapidamente colocar o corpo [699] num caixão ricamente decorado e cheio de ervas aromáticas, e ordenou a
construção de uma estupa dourada no Tibete para abrigar seu corpo.
A generosidade de Qianlong com os ritos fúnebres do Panchen Lama foi muito além. E isso teve consequências
de longo alcance das relações entre o Tibete e o reino do Nepal, nos Himalaias. Depois de dois meses de espera e
preparativos, o cortejo fúnebre voltou a se dirigir ao Tibete. A acompanhar essa viagem estavam valiosos presentes
que o imperador tinha dado ao Panchen e à sua família. Quem supervisionou toda a viagem de volta foi o irmão do
Panchen falecido, Trungpa, ele mesmo um tulku de um lama de outra seita budista tibetana. Outros membros da sua
família também eram tulkus de diversos lamas, ou seja, reencarnações. Um desses irmãos, era o 10º Shamarpa,
Mipam Chodrup Gyamtso (1742 – 1793), lama da escola Karma Kagyu, chamado de Lama da Coroa Vermelha,
influente escola tibetana que somente perdia para Gelug. Havia ainda uma sobrinha do Panchen Lama que foi
reconhecida como tulku de Dorje Pagmo, única linha feminina de lamas reencarnados no Tibete, e terceira na
hierarquia espiritual no Tibete, apenas abaixo do Dalai e do Panchen [700].
Quando os presentes foram dados à Trungpa e este tinha chegado ao Tibete em 1780, o irmão do Panchen
falecido decidiu guardar os presentes, como tesoureiro, no mosteiro favorito do irmão, em Tashilhunpo. Mas os
outros irmãos de Panchen, como o Shamarpa, argumentaram que os presentes eram da família, e não do templo e
ordem monástica destinada, passando a reivindicar sua parte. Com a recusa de Trungpa diante das demandas do
Sharmapa, este passou a conclamar os seus monges para apoiá-lo na invasão de Tashilhunpo, a levar sua parte dos
presentes. Ato este que se revelou precipitado, pois muitas das autoridades tibetanas reprovaram sua atitude,
desgastando ainda mais as relações entre a sua ordem religiosa com a da escola Gelug no poder e no comando de
Tashilhunpo. Seguiu-se a detenção e aprisionamento do 10º Shamarpa que foi colocado numa cela de seu mosteiro.
Vendo-se sem maiores opções no Tibete, o prisioneiro fugiu com ajuda de alguns de seus monges para o Nepal,
onde poderia ter melhor recepção, tradicionalmente um reino com governantes patrocinadores da escola Karma
Kagyu do Sharmapa. Recentemente, o Nepal havia sido conquistado pelos temidos gurkhas, que já tinham feito sua
fama e ferocidade sobre a província indiana de Sikkim e ajudado os butaneses numa ofensiva que tinha resultado na
visita de George Bogle ao Tibete. Era apenas uma questão de tempo os gurkhas voltarem-se contra o Tibete, pois
vários incidentes de fronteira já haviam ocorridos nos anos anteriores. Assim em 1788, o 10º Shamarpa apareceu no
Nepal e foi ao governante gurkha relatar seus problemas com relação ao tesouro em Tashilhunpo. Resultou disso
uma carta dos gurkhas ao conselho tibetano (Kashag) em Lhasa, afirmando, astutamente, que o líder tibetano
refugiado na verdade fora sequestrado até a entrega de parte dos presentes dados por Qianlong. O que gerou pouco
efeito no conselho tibetano, pois desconfiaram do Sharmapa e sabiam que este tinha ido ao Nepal de bom grado. As
relações entre o Sharmapa e os nepaleses remetem à desconfiança desses com relação à aliança feita entre os de
Gelug e os chineses e mongóis, que vinha se consolidando há séculos. E havia uma comunidade de budistas
nepaleses da ordem Karma Kagyu, no vale de Katmandu, chamados de bajracharyas que cultuavam em torno do
complexo de templos budistas sagrados de Swayambhu (Swayambhunath).
Na sequência da recusa do conselho tibetano aos termos da carta enviada pelo governo gurkha, o exército desses
avançou ao longo da fronteira com o Tibete através de Kuti em 1788, pilhando e saqueando impiedosamente os
locais. À medida que os gurkhas foram se aproximando de Tashilhunpo, Trungpa, desesperado, foi para Lhasa junto
com um tulku renascido do Panchen Lama, o sétimo deles, de apenas seis anos de idade, a solicitar maior empenho e
força na defesa. Ao mesmo tempo, os ambans em Lhasa reportaram para Qianlong sobre os eventos, que decidiu
enviar seu exército para a fronteira, pois o imperador chinês não tinha interesse na guerra na região, mas sim uma
paz a estabilizar suas fronteiras. Isso encorajou os dois lados oponentes a começarem a negociar acordos que
resultou num pagamento anual como tributo, dos tibetanos aos gurkhas nepaleses, conforme o Tratado de Kerung de
1789 [701]. Mas o acordo durou apenas mais alguns anos, pois depois os tibetanos deixaram de pagar os valores. E
numa tentativa de segundo acordo na fronteira dos dois países, alguns tibetanos foram capturados e os gurkhas
avançaram novamente. Dessa vez chegaram ao mosteiro de Tashilhunpo e saquearam o tesouro ali guardado em
1791. As autoridades em Lhasa começaram a temer pelo futuro. Mas parece que o destino foi favorável aos
tibetanos a partir daqui, pois houve um surto de doenças entre as fileiras nepalesas, e esses não conseguiram avançar
muito além de Tashilhunpo com os tesouros saqueados.
No mesmo instante, começaram a chegar as tropas chinesas. Qianlong tinha enviado um dos seus mais talentosos
generais à frente do batalhão e os gurkhas foram combatidos junto à fronteira tibetana. Assim, os gurkhas pediram
ajuda dos britânicos na Índia, mas de nada adiantou. Os nepaleses foram derrotados em 1792. Todo o tesouro
roubado foi recuperado pelos chineses e carregado de volta para o Tibete nas costas de carregadores através da
passagem de Kuti. Embora a ofensiva gurkha tenha sido notável e desmoralizante para os tibetanos, os chineses de
Qianlong foram impressionantes, e tinham demonstrado claramente a presença imperial na região. Sobre o 10º
Sharmapa, ele fora encontrado morto nos eventos da guerra e o governo tibetano aprovou uma lei que proibiu o
reconhecimento dos sucessores (tulkus) espirituais dos Karma Kagyu dos sharmapas.
Novos acordos foram assinados, sob os auspícios de Qianlong, entre o Nepal e Tibete em 1792. Além do Tibete,
o Nepal passaria a ser vassalo do império chinês. Além do mais, deveriam os nepaleses pagar os prejuízos causados
pela guerra aos tibetanos. E aos tibetanos, Qianlong buscou reformular a política de sucessão e indicação dos lamas
de maior hierarquia, introduzindo a prática de escolha do próximo lama, das diversas escolas monásticas, por meio
de uma urna colocada à frente do templo de Jokhang contendo os nomes dos tulkus (escrito em chinês, tibetano e
manchu) a serem escolhidos pelo acaso. Assim, Qianlong desejava romper favoritismos junto a algumas famílias
tradicionais tibetanas. E todos os lamas deveriam se submeter à autoridade espiritual do Dalai Lama da escola
Gelug. Ademais, de agora em diante, a entrada de estrangeiros e militares no Tibete seriam rigorosamente proibidas
pelas autoridades em Pequim.
Mas nem tudo parecia perdido no Tibete. O século 19 testemunhou um renascimento cultural numa de suas
províncias orientais, na região de Kham, no reino de Derge. A região de Kham (mapa) já tinha uma tradição de
mosteiros e muito dos melhores estudantes do Tibete vieram dessa região, repleta de retiros e locais sagrados em que
grandes mestres espirituais meditaram. O maior herói khampa (pessoa de Kham) foi uma figura guerreira lendária,
chamado de Gesar, e foram suas façanhas que os bardos cantaram, durante séculos. O reino de Derge localizava-se
no centro dessa região, regida por uma linha de governantes que remetia suas origens ao século 7º. No século 13,
durante a era de Kublai Khan, os reis de Derge se converteram ao budismo tibetano da escola de Sakya. Mas Derge
sempre buscou preservar um ambiente de pluralidade e convivência religiosa e cultural, entre as escolas tibetanas de
Sakya, Gelug, Nyingma, Karma Kagyu e Bon. Esse cenário vibrante no reino mudou com as guerras sectárias no
Tibete nos séculos 16 e 17, em que os aderentes de Karma Kagyu combateram os de Gelug, destruindo a unidade e
autoridade central no Tibete. Com a vitória Gelug, os mosteiros dessa ordem passaram a predominar e determinar a
política cultural e religiosa do Tibete Central. Em Derge, contudo, foi preservada a tolerância religiosa entre as
escolas budistas e muitos monges e estudiosos se refugiaram nesse reino tibetano oriental. Com as vitórias dos
mongóis em cima dos adeptos de Karma Kagyu (karmapas), esses seguiram o mesmo rumo, e um grande mosteiro,
Palpung, dessa vertente foi construído em Derge por um tulku do lama da ordem, referido como o 8º Tai Situ.
Mapa - Região de Kham destacada, e a cidade de Derge.

Esse líder acabou se tornando num dos maiores eruditos tibetanos, com múltiplos talentos literários e artísticos.
Pelo seu conhecimento do sânscrito, o lama também era referido como Pandit, “O Grande Pandita”, ou Situ Panchen
(1700 – 1774). Esse sábio acabou se tornando mestre e tutor da corte de Derge e do rei, Tenpa Tsering (1678 -
1738). Foi dessa relação que o regente de Derge buscou estudar todas as grandes tradições budistas tibetanas, e a
reunir e compilar todas as obras em seu reino. Pelo seu ardor e brilho, Tenpa Tsering, muitas vezes foi considerado
como um “Segundo Songtsen Gampo”. Quando os manchus perseguiram os mongóis para fora do Tibete em 1720, a
parte oriental tibetana foi separada das partes ocidentais, e as autoridade chinesas começaram a tratar Derge como
uma zona tampão, entre os tibetanos e os chineses, além de ser uma passagem importante de comércio entre as duas
nações. Os chineses então, a buscar um aliado poderoso e estável na região, nomearam Tenpa Tsering como o mais
alto cargo em Kham, “Guardião da Paz” [702]. E o regente manteve o seu papel, a paz no reino e o fluxo comercial
seguro entre a China e o Tibete.
Isso também se refletiu no campo religioso que foi ameaçado com a intolerância de autoridades tibetanas Gelug e
que tinham ambições de predominar no Tibete oriental. Muito dessa ambição veio de um monge Gelug representado
na corte chinesa em Pequim, chamado Changkya Rolpai Dorje (1717 - 1786) (fig.). Aproveitando-se das suas
estreitas ligações com as autoridades chinesas, Changkya buscou afirmar a autoridade religiosa na região. E assim
boa parte das escolas Bon foi perseguida. Mas os regentes de Derge passaram a proteger essa escola, assim como
foram em defesa da vertente Nyingma, pelo respeito da família real de Derge ao famoso eremita Jigme Lingpa (1729
- 1798). Para manter viva a tradição Nyingma, o eremita concordou em enviar para Derge um de seus melhores
alunos, Dodrupchen (1745 - 1821), tornando-se este tutor da família real Derge.

Fig. - Changkya Rolpai Dorje.

A morte do rei de Derge da época trouxe incertezas sobre a região, e os tradicionalmente favorecidos monges de
Sakya reagiram ao favoritismo apresentado nos últimos anos dado aos Nyingmas. Mas a rainha regente, Tsewang
Lhamo (? - 1812) insistiu em buscar a livre expressão e a defender a diversidade do budismo tibetano, tal como
tinham feito seus antecessores reais em Derge [703]. Ameaçada de vida por seus opositores, políticos e religiosos, a
rainha fugiu em 1789 para o exílio, junto com seu filho e o seu tutor, Dodrupchen e vários lamas Nyingmas. A
rainha morreu em 1812, exilada.
As esperanças de um reino Derge como bastião da vibrante cultura e cenário religioso tibetano pareciam
sombrias no início do século 19. Mas o aparecimento de um grande estudioso, nascido em 1820, e batizado com o
nome religioso de Jamyang Khyentse Wanpo (1820–1892) (fig.), trouxe novo sopro de esperança para o
renascimento cultural tibetano. Quando jovem, Khyentse buscou estudar em vários mosteiros budistas em Derge, a
iniciar nas instruções de Sakya, mas depois indo atender à sua predileção pelos fascínios da seita Nyingma indo
estudar no mosteiro de Mindroling. Depois de alguns anos, partiu em busca de outros sábios pelo Tibete, visitando
vários mosteiros e locais sagrados. Aos vinte e poucos anos, sonhava em estudar e reunir todas as tradições budistas
tibetanas, incluindo as ricas tradições tântricas e da religiosidade popular de Bonpo. Foi depois de treze anos atrás
desse sonho que boa parte da cultura tibetana foi resgatada, através de suas obras publicadas. Quando Khyentse
voltou para Derge, ele tinha trinta e três anos apenas, e se instalou num templo a residir, meditar, estudar, escrever e
ensinar.

Fig. - Khyentse.

Sua meta de vida ganhou renovado vigor quando conheceu alguém à altura de sua ambição, que se tornaria um
leal amigo e companheiro, Jamgon Kongtrul Lodro Thaye (1813–1899). Kongtrul tinha nascido em família
aristocrática de Derge, e tinha precocemente revelado seu fascínio pelas várias escolas tibetanas. O jovem tinha
estudado num mosteiro Kagyu, e foi reconhecido como tulku de Situ Panchen. Em Khyentse ele viu uma pessoa que
ele mesmo estava tentando alcançar, de buscar todos os ensinamentos para tentar compreender a complexidade dos
ensinamentos de Buda, muito além do sectarismo e rivalidade das tradições, escrituras e da arrogância e intolerância
de ordens e mosteiros religiosos. O maior feito de Kongtrul foi ter se empenhado durante sua vida foi a busca
humilde e sem partidarismos pelos estudos e textos budistas. Foi um editor e escritor singular, que compreendeu a
genialidade de Khyentse como detentor de um vasto conhecimento da cultura tibetana do século 19. E a grande
conquista de Kongtrul foi reunir cinco grandes trabalhos em “Os Cinco Grandes Tesouros”, a juntar as principais
correntes do budismo tibetano com base nos estudos feitos por Khyentse. Ademais, Kongtrul buscou publicar outros
livros, a reunir de forma enciclopédica, no “Tesouro de Tudo”, a revelar a essência filosófica e religiosa de todas as
tradições tibetanas conhecidas, muitas quase extintas na época [704].
No entanto, Khyentse e Kongtrul, não estavam imunes das vicissitudes de sua região e época histórica. Kham
começou a entrar numa de suas fases mais cruentas a partir da década de 1830, quando rivais vizinhos começaram a
fustigar suas fronteiras ao leste de Derge. Em 1860, o caminho para Derge estava aberto para o avanço desses rivais,
os nyarongs, chefiados por Gombo Namgye (1799 – 1865). Em 1862, Derge foi invadido e Khyentse e Kongtrul
fugiram para proteção no palácio da família real. Depois de meses de sítio Kongtrul conseguiu fugir e se retirar para
uma vida contemplativa no seu eremitério, em busca de novas obras ocultas pelo interior, os termas.
Em 1863, Derge caiu nas mãos de Gombo Namgye. Khyentse passou o resto de sua vida amedrontado em seu
templo enquanto o caos reinava sobre o que restava de Derge. Assim permaneceu por alguns anos, pois as
autoridades chinesas na década de 1860 tinham entrado em decadência imperial ao entrar em conflito com os
estrangeiros europeus, após as Guerras do Ópio (1839 - 1842 e 1856 - 1860) e das rebeliões populares de Taiping
(1850 - 1864). E pouco tinham para oferecer a conter e expulsar os nyarongs de Derge e de Kham. Assim, coube às
autoridades do Tibete Central buscar retornar a ordem para a região. Kongtrul foi convocado para fazer adivinhações
sobre o destino dessa iminente guerra, e foi feliz ao prever a vitória tibetana. Satisfeito com a glória, o comandante
tibetano perguntou qual recompensa Kongtrul queria e ele pediu para ser poupado o maior número de mosteiros
possíveis em Kham, especialmente o de Palpung, que tinha sido aliado ao chefe dos invasores nyarongs. Em 1865, a
família real de Derge voltou ao poder e o governo central tibetano restaurou parte de seu prestígio, instalando
escritórios representativos em Derge e em Kham.
O imperialismo ocidental adveio sobre o Tibete a partir do final do século 19. A Índia Britânica tinha mudado
sua administração desde as revoltas indianas em 1857, e uma nova geração de dirigentes britânicos começou a
enxergar a Índia e região além dos termos comerciais conforme era na época da Companhia das Índias Orientais
Britânicas. A Índia era valiosa demais para a grandeza imperial britânica e não poderia ser ameaçada por nenhum
país. Um dos mais emblemáticos políticos britânicos dessa mentalidade britânica imperialista foi George Nathaniel
Curzon, Lord Curzon de Kedleston (1859 - 1925), nobre de tradicional educação aristocrática inglesa, que
desenvolveu e escreveu sobre a história e cultura pérsica e do leste asiático. Nas suas obras, Curzon claramente
expressa com veemência a necessidade britânica de resguardar seus domínios coloniais na Ásia, especialmente na
Índia e arredores, e buscou enxergar a ameaça russa, que tinha se expandido ao longo das estepes da Ásia Central no
século 19, como a maior ameaça nesse jogo. Nesse sentido, os britânicos guerrearam no Afeganistão por duas duras
ocasiões, de 1839 a 1842 e 1878 a 1880, com pesadas baixas e pouco efeito político a não ser ter transformado as
terras afegãs em zona tampão a conter a presença russa ao norte.
Em 1898, Curzon foi nomeado como vice-rei da Índia, e passou a executar o possível de seus ideais: manter os
russos a uma distância segura da Índia. O Tibete, nesse contexto estratégico ganhou novos significados, portanto,
aos dirigentes britânicos na Índia. Os britânicos já tinham tido contato com os tibetanos, desde a expedição de
George Bogel e do envolvimento com os butaneses contra a invasão ao reino indiano de Sikkim. Nessa região, em
1860, os britânicos tinham tomado o controle de Darjeeling e, em 1887, foi designado um governante britânico para
a região fronteiriça. Mas como Sikkim tinha uma relação histórica e cultural com os tibetanos, os conflitos foram
inevitáveis contra os britânicos na Índia. Em 1888, pela primeira vez, tropas tibetanas guerrearam contra os
britânicos e foram derrotados. Após a vitória, os britânicos negociaram com os chineses e trataram de delimitar as
fronteiras de Sikkim com o Tibete em 1890 e firmaram acordos comerciais três anos depois. Nenhum tibetano
esteve presente nas negociações.
O que estimulou ainda mais a curiosidade de Curzon com relação às autoridades tibetanas que almejou ter
contato direto com a mais alta autoridade espiritual tibetana, o Dalai Lama. Curzon tinha escrito várias
correspondências com o lama, mas todas tinham retornado sem sucesso de entrega. Mas o que mais preocupou
Curzon foram os relatos de que havia um eminente russo, de origem mongol e budista, chamado Agvan Dorjiev
(1854 - 1938) (fig.), que foi tutor do Dalai e um de seus mais influentes conselheiros. Assim, as possibilidades de
aliança com os russos estavam evidentes, mas que não se concretizou nos anos seguintes, pois o Czar russo mostrou
limitado interesse em investir em tal empreitada que certamente desagradariam os britânicos. Isso pouco importou a
um imperialista como Curzon, que tinha a certeza de que haveria um grande arsenal bélico fornecido pelos russos
em Lhasa. Com a descoberta de espiões a serviço dos britânicos em Lhasa, as atitudes das autoridades tibetanas
foram de crescente suspeita e medo das intenções de Curzon.

Fig. - Agvan Dorjiev.

Assim, Curzon começou a planejar o envio de uma expedição militar ao Tibete, para alcançar Lhasa e o Dalai
Lama. E nomeou um de seus colegas como líder, Francis Younghusband (1863 - 1942), um igualmente contumaz e
convicto defensor da superioridade britânica sobre os considerados “povos inferiores”. As demandas ao governo em
Londres, inicialmente foram rejeitadas, pelo alto custo financeiro, político e diplomático, ainda mais após o
impopular envolvimento britânico nas duas guerras contra os bôeres na Colônia do Cabo (atual África do Sul) de
1880 a 1881 e de 1899 a 1902. Após anos de insistência e com uma atuação política crescente na Câmara dos
Comuns e em Whitehall em Londres, Curzon conseguiu obter verbas e autorização para enviar uma força britânica
para a fronteira tibetana. Younghusband dirigiu-se à fronteira em 18 de julho de 1903 com cinco mil soldados.
Curzon, buscando uma justificativa para declaração de guerra, como casus belli, considerou como tal um
insignificativo caso de furto de iaques nepaleses em Sikkim. E em 6 de novembro de 1903, Curzon convenceu o
Secretário de Estado da Índia a mandar um ultimato para o posterior avanço da expedição de Younghusband para
Lhasa. Assim, os militares britânicos prosseguiram, com o único propósito de “tirar satisfações”.
Younghusband, com isso, obteve o aval e em 13 de dezembro de 1903 avançou sobre o território tibetano com
soldados gurkhas e sikhs indianos, temidos pela sua disciplina e desprendimento diante da morte. O comando militar
coube ao general James MacDonald (1826 - 1927) e acompanhado pelo capitão William F. O’Connor (1870 - 1943).
Juntos com esses, havia cerca de 10 mil carregadores indianos, nepaleses e butaneses, além de um séquito de
aventureiros e jornalistas curiosos a conhecer o reino oculto dos lamas do Tibete. Nas primeiras semanas, chegaram
rapidamente a Gyantse. O conselho (Kashag) novamente apresentou pouco consenso e unidade frente aos planos de
resistência, pois alguns tinham conhecimento da tecnologia militar britânica, enquanto outros consideravam a
santidade dos lamas como suficiente para fazer frente aos estrangeiros.
As primeiras cenas de batalha contra os tibetanos em Lhasa foram aterradoras. De um lado, o lado britânico
portava modernos rifles e metralhadoras Maxim, com capacidade de disparo de seis mil projéteis por minuto. O lado
tibetano contava apenas com o fervor de alguns soldados e monges, abençoados pelo Dalai Lama, com velhos
armamentos de fogo [705]. Durante os primeiros confrontos, Younghusband tentou enviar uma proposta de rendição
aos tibetanos, mas obteve nenhuma resposta do outro lado. Em 31 de março de 1904, um contingente britânico
decidiu avançar para o acampamento tibetano numa das fontes termais em Guru. Enquanto avançavam, viram que
muitos soldados tibetanos simplesmente recusaram o diálogo e alguns começaram a, resignados, entregar suas
armas. Younghusband, descrente da fácil vitória, entendeu isso como uma rendição implícita [706]. Mas o que os
britânicos não entenderam foi a atitude dos tibetanos, que ainda não receberam ordens de fogo, e, inocentemente,
mostravam aos ingleses suas armas com a espera de tê-las de volta quando saciadas as curiosidades. Então uma arma
disparou, e os britânicos, considerando isso o início das hostilidades, abriram fogo sobre os tibetanos. Muitos nisso
pereceram, alguns nem buscaram abrigo evidente nos muros de pedra próximos. Mas o fato demonstra o abismo de
compreensão dos tibetanos diante da avassaladora capacidade destrutiva dos modernos equipamentos de guerra dos
britânicos. Os tibetanos não tinham qualquer referência e experiência diante do que eles estavam enfrentando no
momento, e nenhuma atitude de defesa esperada ocorreu ou foi treinada diante de armas com capacidade ofensiva
tão fulminante. O general tibetano, envolvido na defesa da estação termal perto de Lhasa, tinha consultado os relatos
tibetanos do rei Yeshe-O sobre os armamentos e tática dos estrangeiros do século 10º! [707].
Em julho de 1904, Younghusband já tinha dominado Lhasa e o governo central tibetano. Havia ainda alguns
focos de resistência tibetana, principalmente em fortalezas com a de Gyantse, que foi rendida depois de intensos
bombardeios e a ofensiva de soldados gurkhas. Os tibetanos agora em diante tinham que aprender a lidar com os
novos estrangeiros em suas terras. O Dalai Lama, considerando a segurança de sua própria vida e o futuro do
budismo tibetano, decidiu então se disfarçar de mongol e partiu do mosteiro de Ganden com sua comitiva, incluindo
Dorjiev, para a Mongólia. Não foi encontrado nenhum sinal dos russos em Lhasa, e Younghusband passou a
negociar com o que restou das autoridades tibetanas, sob a responsabilidade do abade de Ganden. Nos termos que se
seguiram, foi proibida a presença de estrangeiros no Tibete sem a devida autorização das autoridades britânicas,
especialmente com os russos, livre acesso comercial com os britânicos da Índia, e a presença de um representante
britânico a residir em Gyantse. Os termos assinados por Younghusband, contudo, não foram sancionados em
Londres, e o que restou do tratado contemplou apenas a presença de agentes comerciais britânicos em Lhasa e um
fio telegráfico que ligaria a capital tibetana à Índia. Muito do que foi tratado por Younghusband depois foi
negociado com as autoridades chinesas, que perceberam que deveriam não deixar tão exposta a soberania sobre o
Tibete nos anos futuros.

Os Turbulentos Anos Chineses (1895 - 1949)


A derrota frente aos japoneses em 1895 devastou a autoconfiança chinesa, e do que restou frente aos ocidentais.
Diante disso, em 1891 e 1897, o reformista Kang Youwei (1858-1927) publicou duas obras controversas
argumentando que os clássicos confucianos foram distorcidos em compilações do século 1 d.C. Essa tentativa de
revigorar o sábio Confúcio revelava um mal-estar da época frente às tradições.
A novidade (xin, 新 ) repentinamente se tornou moda nos anos iniciais do século 20 na sociedade chinesa, a
começar pelas políticas reformadoras da Dinastia Qing e as “novas escolas”, “nova cultura”, movimentos
intelectuais como no Movimento Quatro de Maio e epitomizado no periódico “Nova Juventude”[708]. Como parte das
mudanças, a Imperatriz Cixi decretou o fim da prática de amarrar os pés femininos – prática dolorosa em voga na
corte desde a Dinastia Song (960-1279) – e a abolição do tradicional sistema imperial de exames em 1905, um golpe
fatal a toda a classe dos mandarins. No mesmo ano, uma comissão foi mandada ao Japão, Estados Unidos e Europa
por oito meses para estudar os seus modelos de governo. Ao retornarem, um programa de reforma constitucional foi
anunciado em 1908, incluindo a criação de assembleias representativas provinciais e a promessa de uma transição a
um autogoverno.
Mas essas reformas não foram suficientes. As “novas escolas” se transformaram em templos e academias
confucianas que permaneceram afastados da acessibilidade universal não muito diferente das suas antecessoras
imperiais. O eleitorado nas eleições provinciais de 1909 não abrangeu mais do que 1% da população[709]. O novo
modelo constitucional se inspiraria no do Japão de Meiji e da Alemanha imperial, pois a autoridade era mais
centralizada, condizente com a estrutura de poder dos Qings. Os anseios dos líderes rebeldes eram liberais, mas nos
moldes anglo-americanos. Ademais, o número de nobres e príncipes Qing atuantes no governo à época aumentou,
em vez de incluir maior participação da sociedade sem ligações com a família imperial. E o mais perigoso de tudo, a
percepção política e social na China, na virada do século, começou a enxergar o estado como um antro de
“estrangeiros manchus”, evocando a origem étnica da Dinastia Qing no século 17.
Em detrimento dos “estrangeiros” no poder, a sociedade chinesa gradativamente começou a conceber-se em
termos de nação, em torno de uma suposta essência étnico-histórica han ( 汉 ), algo inconcebível na longa história
chinesa de pluralidade e interações de povos. A China imperial sempre fora muito mais produto de uma estrutura de
estado e poder do que uma expressão nacional. Ficou, então, clara a influência das ideias nacionalistas advindas do
Ocidente que tinha se infiltrado no meio político e intelectual chinês, do qual se destacou o Dr. Sun Yat-sen (1866-
1925).
Sun Yat-sen era um cantonês (de Cantão, Guangzhou), de longe dos centros tradicionais de cultura de língua
chinesa. Falante de dialetos locais, ele decidiu estudar língua inglesa em 1887 nas ilhas havaianas. Completou seus
estudos em Medicina. Diante dos desafios de uma nova China, Sun esperava organizar um estado republicano nos
moldes dos EUA.
Sun buscou organizar sociedades revolucionárias a partir do exterior, indo residir no Japão, mas sempre contando
com massivo apoio de comunidades chinesas nos EUA e países europeus. E foi com esses fundos que Sun começou
a ganhar notoriedade na China a partir de 1905, sob o grupo Aliança Revolucionária (Tongmenghui). Nos próximos
anos, o grupo passou a empreender inúmeros atos terroristas como o ocorrido na cidade industrial chinesa de Wuhan
no curso médio do rio Yangzi em 1911. No caso, todos os envolvidos foram presos após uma explosão
aparentemente acidental e alguns líderes foram executados pelas autoridades locais. O desfecho do incidente foi
extremamente impopular e houve motins de militares locais. Diante das ameaças de instabilidade social, o
governador imperial local decidiu fugir da cidade. Foi o início da Revolução Nacionalista ou Republicana na China.
As rebeliões se alastraram para outras quinze províncias na região, na maioria na China meridional,
historicamente a região mais dinâmica economicamente e ativamente envolvida no comércio internacional. E longe
do centro da corte e das tradições políticas ao norte, em Pequim. Em 1911, essas províncias rebeldes se declararam
independentes da Dinastia Qing. Negociações posteriores entre as partes foram levadas a cabo na cidade de Xangai
(Shanghai). Sun Yat-sen, nesse meio tempo, estava nos EUA, no Colorado, e leu a respeito das rebeliões em um
jornal. Eventualmente conseguiu aportar à China, quando foi apontado como presidente temporário da Nova
República, título que conservou por 45 dias, pois Sun decidiu passar a presidência a outro líder, Yuan Shikai (1859-
1916).
Yuan fora figura crucial no comando e controle das Forças Armadas da China. Nas rebeliões, apesar da
inspiradora figura de Sun, era Yuan quem os militares rebeldes seguiam na lealdade. Em fevereiro de 1912, a
imperatriz Cixi abdicou do trono e Yuan tornou-se o primeiro presidente oficial da República da China, com
promessas de restaurar a grandeza chinesa perdida aos “estrangeiros manchus”.
Não fora apenas a Dinastia Qing que veio ao fim em 1912. Todo um sistema imperial de mais de dois séculos foi
junto. E, com isso, muito da China tradicional. Até a escrita chinesa passou por reformulações para a forma
vernácula atual, mais simplificada. Muitos chineses enfileiraram-se para cortar os rabos de cavalo dos cabelos
impostos pelos Qings, além da adoção de roupas ocidentais. Tudo que vinha da tradição era visto com certo repúdio
por ser reflexo de uma época humilhante na história chinesa. No caso mais ilustrativo, houve adoção do terno mais
ocidental, embora com adaptações ao gosto chinês, usado por Sun e popularizado por Mao Zedong. O calendário
ocidental fora adotado, mas as festividades chinesas ainda deveriam seguir o calendário lunar.
Significativos foram também os protestos sociais nesse período de mudanças na China. O Movimento de Quatro
de Maio foi um protesto estudantil contra as condições injustas impostas à China após a Primeira Guerra Mundial,
mesmo com a sua participação ao lado dos aliados vitoriosos. O descontentamento adveio da concessão da ex-base
alemã em Shandong para os japoneses, ignorando os pleitos da delegação chinesa na Conferência de Paz de
Versalhes de 1919 de reintegrar à província ao estado chinês.
As manifestações consequentes desse movimento foram enormes. Grandes atos patrióticos foram expressados
nas grandes cidades. Um novo entusiasmo e senso de renovação social visando a uma “nova ordem” e “nova
cultura” de uma geração foram os mantras da época. Convites eram feitos a intelectuais ocidentais pelos
departamentos universitários chineses. John Dewey e Bertrand Russell deram palestras na Universidade de Pequim
entre 1919 e 1921. As ideias de individualismo, feminismo, sufrágio universal e anticonfucionismo se tornaram
voga nos meios acadêmicos e midiáticos.
O Japão à época se tornou referência para muitos que o enxergaram como uma solução aos problemas de
adaptação asiática ao mundo moderno ocidental. Muitos estudantes chineses foram estudar em Tóquio. No entanto,
após a Primeira Guerra Mundial e a anexação de Shangdong, o Japão passou a ser visto com desconfiança devido a
suspeitas de expansionismo no leste asiático. O Ocidente começou a ser considerado como traidor depois das
decisões de Versalhes em 1919. Apesar de viva admiração ao republicanismo, líderes estudantis e intelectuais, como
Chen Duxiu (1879-1942), apreciavam mais os ideais revolucionários franceses de 1789 do que o próprio
establishment político francês após 1919. Chen depois se tornaria o primeiro líder do Partido Comunista Chinês
(PCC), fundado em 1921. Mas até então o interesse chinês pelo comunismo permanecia confinado a círculos
intelectuais restritos, somente ganhando maior apelo social após os eventos políticos da década de 1930, como
veremos mais adiante.
Em suma, nas décadas após o advento da República em 1911, a China até 1928 iria atravessar um processo de
intenso debate sobre adaptação e nova ordem política. O desejo generalizado era antes de regenerar a força nacional
e preservar o fervor patriótico. Nesse sentido, forças republicanas, nacionalistas e comunistas tenderam a se
expressar mais em termos de centralização e unidade nacional do que em termos doutrinários conflitantes de
liberdade, igualdade e participação política. Foi emblemática a frase proferida por Sun Yat-sen quando considerou
os chineses como “areia movediça” e que a solução para todos seria mais disciplina do que liberdade. Tal disciplina
seria algo crucial num momento em que a China desandava para uma época de desunião entre 1916 e 1928.
Posteriores à Revolução Republicana, eleições nacionais foram organizadas e uma Assembleia Constituinte foi
formada em 1912. As eleições foram relativamente calmas, e um partido com fortes teores ocidentais, refletindo os
desejos da época, emergiu como o vencedor: o Guomidang (abreviado como KMT) ou o Partido Nacionalista. O
presidente da República, Yuan Shikai, ficou alarmado com o sucesso político do partido e a sua participação foi
suspeita na morte da liderança jovem do partido em 1913. Um ano depois, Yuan ordenou o fim da organização
política e ordenou dissolver a legislatura eleita. Em 1915, Yuan procedeu na centralização do poder, declarando-se
imperador, para criar uma nova dinastia. Manteve o ofício por apenas 83 dias, pois muitos dos seus oficiais militares
objetaram uma ressurreição imperial. Um ano depois, deposto do poder e traído por seus aliados mais próximos no
seu projeto de unificação imperial pós-Qing, Yuan veio a óbito.
A sua morte, efetivamente, deu início a um período de turbulência e focos de poder que competiram pela
hegemonia no país. Até 1928, autoridades locais sustentadas no poder por líderes militares, empresários, gângsteres
do submundo do crime e políticos agiram como soberanas na condução governamental. Câmaras de comércio de
grandes cidades possuíam até mesmo suas próprias forças militares, conduziam obras públicas e negociações
internacionais. Xangai, por exemplo, a maior cidade chinesa à época, era pulverizada em distritos com autoridades
próprias – a dos bairros dos estrangeiros mantinha inclusive autonomia jurídica e fiscal. Outros bairros da cidade
eram comandados por líderes do narcotráfico, como o notório Du Yuesheng (1888-1951), líder da Gangue Verde,
que se elegeu presidente da Câmara Municipal e diretor da Bolsa de Valores de Xangai. No interior do país, houve
incidentes decorrentes da desordem pública que provocaram escândalo na opinião internacional. Na província de
Shangdong, no litoral nordeste da China, em 1923 bandidos descarrilaram um trem de passageiros e mantiveram sob
cativeiro vinte estrangeiros ocidentais, entre eles um membro da família Rockefeller.
Mas o essencial de tudo foi a gradativa desunião de lealdades militares após o colapso da Dinastia Qing e a
morte de Yuan Shikai em 1916. A sua morte demonstrou como ele era figura única entre muitos militares chineses.
E como a rede de alianças feitas por ele se desfez. Passaram à proeminência líderes chamados “senhores da guerra”
em várias regiões. E nenhum entre eles chegou a prevalecer sobre os demais. O cenário conduzia à fragmentada
desordem e a fragilidade nacional.
Entre esses “senhores”, o mais notório foi Zhang Zuolin (1875-1928) da Manchúria, região além da Grande
Muralha no nordeste chinês. O local, rico em ferro e carvão, recursos propícios para se criar indústrias de base, era
alvo de conquista nos planos dos japoneses de expansão e industrialização no leste asiático. Frente a isso, Zhang
começou a negociar com os nipônicos visando preservar sua autonomia, chegando a empregar 50 conselheiros deles
no seu exército. Em 1928, após maiores desentendimentos com oficiais residentes do Exército Japonês, Zhang foi
assassinado. E após um pretexto para invasão num incidente na cidade de Mukden, o Japão passou a ocupar a
Manchúria a partir de 1931.
Nesse meio tempo, no sul da China, Sun Yat-sen, liderou um movimento revolucionário a partir de Cantão
(Guangzhou). Com o apoio de muitos ex-deputados nacionais eleitos, oficiais do Exército e da Marinha, articulou-se
para chegar ao poder do KMT. O partido também passou a receber considerável apoio tático dos comunistas
chineses e, a partir de 1923, de conselheiros vindos da União Soviética, para organizar um governo nacional dotado
de Forças Armadas unificadas e modernas. Entre os jovens líderes comunistas que se coligaram ao KMT, sob
orientação de soviéticos, estavam Mao Zedong (1893-1976) (fig.) e Zhou Enlai (1898-1976).
Fig. - Mao Zedong na sua juventude. Filho de professores e leitor contumaz do Romance dos Três Reinos do século 14 que o inspirou nas táticas de
guerrilha e estratégia política.

O KMT prosseguiu organizando um exército nacionalista para combater as forças centrífugas regionais. Para
tanto, foi criada uma Academia Militar numa região de Cantão conhecida como Whampoa. Essa instituição, com
forte orientação inicial dos soviéticos, foi única na China a integrar à formação militar dos seus oficiais a
doutrinação política. O primeiro comandante dessa academia, após três meses de treinamento em Moscou, foi
Chiang Kai-shek (1887-1975) (fig.), que sucedeu no comando do KMT após o falecimento de Sun Yat-sen em 1925.
Chiang lançou, um ano depois, uma grande ofensiva na direção norte do país e, em 1928, alcançou êxito em
reunificar o país. A era da desunião nacional entre os “senhores da guerra” chegava ao fim.

Fig. - Chiang Kai-shek. Tal como Coxinga do século 17, depois fugiu e se instalou na ilha de Taiwan.

Os comunistas chineses, ainda integrados ao KMT, extraíram boa parte de seu apoio e força social de sindicatos
urbanos e organizações de camponeses. Chegaram mesmo a ter controle de sindicatos e do governo de Xangai antes
da chegada das tropas do KMT. E isso começou a preocupar Chiang que, em abril de 1927, antes mesmo na
reunificação nacional, se desentendeu com lideranças comunistas coligadas e atacou sindicalistas e trabalhadores da
cidade. Estimados 25 mil comunistas foram mortos nos primeiros meses desse expurgo. Chiang Kai-shek, a partir de
então, passou a adotar uma postura cada vez mais anticomunista.
Reunificado o país, o KMT estabeleceu a nova capital em Nanquim (Nanjing), mas a maior parte do país
permanecia, efetivamente, longe do controle efetivo do novo governo central. A China passara a ser um país
unipartidário, e os outros partidos políticos foram declarados ilegais, inclusive os comunistas. Chiang, nesse
propósito, planejava um período de tutela a preparar a sociedade chinesa para formas de autogoverno a adotar, no
futuro, a democracia.
Após a quebra de alianças com o KMT e o expurgo de Xangai, o Partido Comunista Chinês (PCC), ao longo da
década de 1930, deu início a um período introspectivo de reformulação organizacional. Atuando na ilegalidade, era
necessário um comando centralizado para organizar e disciplinar seus membros. Os comunistas identificaram as
suas forças sociais – trabalhadores urbanos e camponeses – e neles passaram a se apoiar, livrando-se de toda a
influência externa que pudesse comprometer a sua unidade partidária. Membros soviéticos atuantes como
conselheiros para supervisionar o partido foram gradativamente sendo afastados, pois cresceram as discordâncias
sobre o momento propício para a tomada do poder pelos comunistas. Um exército próprio e disciplinado sob
comando do partido foi criado, o Exército Vermelho.
As primeiras experiências comunistas sob as novas diretrizes foram dadas em Jiangxi, no sudoeste chinês, onde
Mao, com o apoio do Exército Vermelho, passou a redistribuir as propriedades rurais para favorecer os
empobrecidos camponeses locais. E com o sucesso desse episódio, iniciou um amplo processo de recrutamento de
guerrilheiros e partidários pelo país. Desde então, o interior da China se tornou o bastião primordial do poder do
PCC.
Diante disso, por volta de 1935, a liderança efetiva do PCC passou a orbitar gradativamente em torno de Mao
Zedong, Zhou Enlai e Zhang Wentian. Passaram os comunistas então a angariar maior visibilidade e apoio nacional,
evidenciando a corrupção de aliados locais do KMT e dos seus excessos fiscais e trabalhistas sobre os trabalhadores
e camponeses. Guerrilhas e milícias locais foram organizadas com o Exército Vermelho, visando enfraquecer a
presença militar do Exército Nacionalista. Um cenário de guerra civil estava se formando.
Chiang, ciente do sucesso do PCC no sudoeste interiorano do país, buscou então organizar uma ampla ofensiva
contra os comunistas. Antes de serem achados, contudo, os 86 mil comunistas e soldados do Exército Vermelho, em
outubro de 1934, conseguiram furar o bloqueio do KMT e iniciaram naquela que ficou conhecida na história chinesa
como a Longa Marcha (1934-1935) (fig.). Esta inicialmente consistiu numa marcha para fugir das forças
nacionalistas. Com o passar dos meses e com a resiliência demonstrada, os participantes começaram a ganhar
notoriedade nacional e a atenção de chineses de regiões marginalizadas pelo regime do KMT. O destino final se deu
na província de Shaanxi no árido noroeste chinês, outra base comunista, depois de 370 dias de marcha e nove mil
quilômetros percorridos. Os feitos do PCC começaram a ganhar estaturas heroicas na mentalidade popular chinesa.

Fig. - A Longa Marcha (1934-1935) dos comunistas chineses, a ecoar a árdua travessia de Guan Yi no Romance dos Três Reinos.

O incidente da Ponte Marco Polo (Ponte Lugou)[710], nos arredores de Pequim, deflagrou formalmente as
hostilidades sino-japonesas em 07 de julho de 1937. E as invasões prosseguiram rumo ao sul, para incluir a
devastadora conquista de Nanquim em dezembro de 1937, resultando em milhares de mortos, mutilados e estupros
contra homens, mulheres, idosos e crianças, naquele que ficou conhecido como o Massacre de Nanquim[711].
A reticência de Chiang em se unir em frente comum com os comunistas contra os japoneses era tamanha que foi
necessário armar seu sequestro na sua visita em dezembro de 1936 à cidade de Xian, em Shaanxi. Depois de detido,
sua liberdade foi condicionada à tática colaboração com o Exército Vermelho, visando fortalecer uma frente unida
interna anti-japonesa. O cenário chinês providenciou, pois, um breve interlúdio na luta fratricida entre o KMT e o
PCC, e disso resultou uma frente unida apesar das colaborações precárias e desconfianças mútuas.
Os japoneses, nesse ínterim, avançaram a partir do norte e do litoral. Em 1941, as maiores cidades chinesas,
centros industriais e urbanos, principais portos e aeroportos estavam sob seu controle. O KMT, essencialmente de
base urbana, procurou refúgio em cidades do interior, indo reagrupar-se em 1938 em Chongqing, em Sichuan, na
parte centro-ocidental da China, cidade estrategicamente bem guarnecida de defesa pelos seus entornos
montanhosos. Permaneceram lá quase isolados, mantidos apenas com a tênue linha de suprimentos fornecidos pelos
Aliados na Segunda Guerra Mundial vindos do sudoeste através das selvas da Birmânia britânica (atual Mianmar).
Os comunistas chineses, ao contrário, encontraram ampla base de apoio e suprimento de guerra entre as
comunidades de camponeses, espraiando sua resistência em forma de guerrilhas pela vastidão interiorana chinesa.
Houve espetacular avanço japonês sobre a costa chinesa e o sudeste asiático, humilhantemente derrotando as
forças britânicas, como na tomada da Malásia e Cingapura em 1942, contando com a colaboração rendida de
franceses na Indochina e ocupando as Índias Holandesas. No entanto, o comando japonês começou a se defrontar
com uma frente de batalha cada vez mais ampliada e longas linhas de suprimentos a serem mantidas. E o seu esforço
de guerra começou a se tornar extenuante demais depois da contraofensiva dos EUA a partir das ilhas de Midway no
Pacífico e da batalha de Guadalcanal em 1942. A tendência estratégica japonesa iniciou, então, uma retração das
suas tropas visando a preservação das suas ilhas frente ao avanço dos EUA. A fragilidade da presença nipônica na
China foi sendo evidenciada.
Nessa tendência, as tropas do KMT, com o apoio dos EUA e dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, passaram
a reocupar de volta as grandes cidades litorâneas chinesas a partir de 1943. Junto com isso, os comunistas do PCC
também passaram a ampliar onde possível os seus territórios a partir do interior. As dificuldades maiores do KMT
em estender seu domínio de volta por toda a China adveio de terem sido eles a primeira linha de frente de combate
aos japoneses, com seus efeitos militares devastadores. Além disso, o partido herdou um país desestruturado em
termos urbanos e industriais, um cenário arruinado para reerguimento da sua economia. A China encontrava-se em
forte recessão, com hiperinflação e desemprego, socialmente humilhada e desconfiada do esforço de guerra do KMT
frente aos japoneses. O PCC, em contrapartida, encontrando-se aninhado no interior e com amplo apoio do
campesinato devido à carismática liderança de Mao, lidou com um cenário promissor de renovação e esperança na
percepção de seus apoiadores. Foram vistos por eles como os grandes vencedores da guerra.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1947, já era notável a popularidade do Exército Vermelho, em
comparação com o KMT, na China. Conjugado com isso, Stalin tinha declarado guerra ao Japão nos meses finais da
Segunda Guerra Mundial e passou a ocupar a Manchúria, onde iria sistematicamente pilhar a base industrial
japonesa ali criada e levá-la por vagões de trem para a Sibéria. A região foi depois concedida ao comando comunista
do PCC.
Os atos finais do KMT e do avanço do PCC se deram nos anos seguintes. Até 1949, Mao tinha ampliado sua
presença a partir do interior e engolfou as grandes cidades ao longo do rio Yangzi e o das Pérolas (Zhu Jiang).
Vindos da Manchúria, as tropas do PCC, agora chamadas de Exército de Libertação Popular, tomaram controle de
Pequim. Em 1º de outubro de 1949, Mao proclamou o nascimento da República Popular da China na Praça da Paz
Celestial (Tiananmen) (fig.). As forças do KMT de Chiang, cerceadas em algumas cidades litorâneas, passaram a
bater em retirada organizando um massivo transporte de seus aliados e apoiadores para seu último reduto seguro, a
ilha de Taiwan (ecoando Coxinga em 1661), proclamando ali a República da China em dezembro. Estimados dois
milhões de chineses foram no esteio dessa transferência, carregando consigo o que podiam dos seus investimentos,
reservas cambiais e quase três mil contêineres de tesouros históricos retirados da Cidade Imperial de Pequim[712].

Fig. – A China entrando na sua nova fase revolucionária do século 20. A proclamação da República Popular da China lida por Mao Zedong na Praça
da Paz Celestial (Tiananmen) em Pequim, 1º de outubro de 1949.

Tibete (Início do Século 20 – 1949)


Após três meses de viagem, a comitiva do 13º Dalai Lama, Thubten Gyatso (1876 – 1933), finalmente tinha
chegado a Urga, na Mongólia. E lá o Dalai se encontrou com o maior lama mongol, o 8º Jetsun Dampa. Dorjiev, seu
conselheiro russo, tinha partido para São Petersburgo, a tentar convencer o Czar da importância de ajuda e aliança ao
Dalai agora em fuga do Tibete. Os britânicos, em contrapartida, passaram a tratar como maior autoridade espiritual
tibetana o Panchen Lama, o mesmo cargo com que o escocês George Bogle tinha entretido numa conversa no século
18. Foi a retribuir o favorecimento britânico no Tibete que o Panchen iniciou uma turnê em 1906 pelos locais mais
sagrados do budismo originado na Índia, com todo o respaldo e apoio logístico das autoridades britânicas. Os
chineses manchus também estavam incertos, pois viram como ficou vulnerável o Tibete diante das ofensivas
britânicas em 1904 e assim, Pequim buscou deixar claro ao Dalai Lama que não se envolvessem com nenhuma
nação estrangeira (ou seja, a Rússia) sem antes consultar os manchus. A resposta russa decepcionou o Dalai, pois os
governantes em São Petersburgo tinham atravessado uma difícil e desastrosa guerra contra os japoneses em 1905, e
agora almejaram entrar em acordo com os britânicos sobre as esferas de influência na Ásia.
O 13º Dalai Lama, Thubten Gyatso (1876 - 1933), tinha apresentado um grande talento para os estudos e fora
respeitado na escola Gelug. Mas seus poderes políticos efetivos sempre foram limitados, pelas dificuldades dos
tempos sobre o Tibete. O Dalai era muito mais uma figura inspiradora que propriamente a de um estadista, com
comando efetivo. Havia muitos oponentes políticos e religiosos, outros lamas de outras ordens, como a do mosteiro
Tengyeling. E em Urga, na Mongólia, sua popularidade e presença começou a despertar ciúmes de seu anfitrião, o 8º
Jetsun Dampa. Este passou deliberadamente a desrespeitar e desafiar a santidade do Dalai, portando-se
inadequadamente na sua presença. E os ambans, representantes chineses, não desejaram a longa permanência do
Dalai na Mongólia, pois poderia provocar maiores levantes e confusões na fronteira com o império chinês. Assim,
no início de 1906, o Dalai Lama foi pressionado a deixar a Mongólia e voltar-se para o Tibete, mas antes queria
passar no templo de Kumbum, em Amdo, ao norte do Tibete. Onde o 5º Dalai Lama havia estacionado na sua
viagem para encontrar o imperador chinês no século 17. Ali ele permaneceu, sem aparente pressa, por um ano, na
companhia de vários lamas e estudiosos budistas, onde ele pôde apreciar e argumentar seus estudos.
Enquanto isso, as autoridades chinesas estavam convencidas de que deveria ser evitada de toda maneira uma
nova invasão ao Tibete, seja de britânicos ou russos, via os mongóis coligados. Para tanto, o primeiro passo para
controlar efetivamente o Tibete seria avançar e consolidar a partir das regiões centrais chinesas, em Sichuan, para
então ocupar toda a região de Kham. O líder escolhido para tal tarefa foi Zhao Erfeng (1845 - 1911)[713], um
imperialista manchu convicto, tal como Curzon, de que os khampas (habitantes de Kham) eram nada mais que
selvagens a beneficiarem-se da civilização chinesa. Os adversários mais organizados em Kham foram os mosteiros,
alvo duramente combatido e atacado pelas forças chinesas. Zhao eventualmente venceu toda a resistência maior em
junho de 1906, executando incontáveis soldados e monges no processo, que lhe rendeu o apelido de “O
Açougueiro”. Visando sinicizar a região o mais rápido possível, Zhao organizou grandes levas de migração chinesa,
dando-lhes terras e incentivos colonizadores. Novos regulamentos foram aprovados, e agora em diante, todos
deveriam pagar impostos aos chineses, pois todos eram súditos do imperador chinês. Os mosteiros foram
regulamentados nos horários e locais de encontro e eventos. Os trajes chineses deveriam ser usados, assim como os
cabelos e penteados. Foram adotados sobrenomes chineses por todos, e uma escola chinesa foi aberta em Batang.
Para tentar negociar tais mudanças, a preservar alguma soberania tibetana, o 13º Dalai Lama tomou rumo a Pequim em outono de 1908.
Na capital chinesa, o Dalai foi recebido apenas atendendo aos protocolos, mas sem nenhuma mudança substancial
com relação ao Tibete e sua autoridade sobre os outros líderes e lamas. Em dezembro, inconsolado, mas ainda com o
prestígio a ponto de ter sido acompanhado pessoalmente pelo último imperador manchu, Pu Yi (1906 - 1967), o
lama começou seu caminho de volta para Lhasa. Em seu caminho estava Kham, que estava sendo integrada por
estradas modernas às outras províncias chinesas adjacentes, sob comando de Zhao. Desesperado, o 13º Dalai Lama
então mandou telegramas para os britânicos na Índia e de outros governos europeus, irritando ainda mais as
autoridades em Pequim.
O lama chegou em Lhasa em dezembro de 1909. Tinha ficado ausente quase cinco anos e pouco podia fazer
diante dos cartazes na cidade avisando da iminente chegada de tropas chinesas a proteger os tibetanos de invasores
estrangeiros. Em fevereiro de 1910, dois mil soldados chegaram a Lhasa e uma carta deles foi entregue ao Dalai,
prometendo respeito à sua posição suprema espiritual, mas nada foi mencionado sobre os seus poderes seculares. Ele
havia entendido o recado, de agora em diante, esperavam que ele residisse no Palácio de Potala tal como um
prisioneiro, enclausurado, a servir de figura de união aos tibetanos sob a supervisão dos ambans e das tropas
chinesas. Inconformado, o 13º Dalai Lama decidiu, menos de dois meses depois de ter chegado em Lhasa, fugir de
Potala. E o fez, com seus ministros e conselheiros mais próximos, na calada da noite, dirigindo ao sul em direção à
Sikkim, na Índia Britânica.
Quando o Dalai alcançou Darjeeling, ele se encontrou com um alto representante do governo britânico, Charles
Alfred Bell (1870 - 1945), um inglês conhecedor da língua e admirador da cultura tibetana que se tornaria num dos
amigos mais leais do lama ao longo de sua vida. Pouco depois de se conhecerem, a comitiva tibetana foi para
Calcutá para ter audiência com o agora vice-rei Lord Minto (g. 1905 - 1910). Em Lhasa, os ambans acompanharam
de perto esses novos contatos do lama com os britânicos, e procuraram despojá-lo de qualquer legitimidade,
propondo inclusive a escolha de um novo Dalai pela urna em frente ao templo de Jokhang. O que nunca aconteceu,
pois os chineses também estavam cientes do quanto isso poderia gerar uma instabilidade na sociedade tibetana.
Mesmo assim, os ambans começaram a ampliar sua autoridade em Lhasa, a designar a chefia policial, jurídica e
financeira tibetana, inclusive na cunhagem de moedas com as escritas tibetanas e chinesas juntas.
Em Calcutá, o Dalai Lama buscou esclarecer e acalmar Minto a respeito das relações com a Rússia, declarando
que Dorjiev era apenas um conselheiro espiritual do Czar a serviço do líder tibetano, nada que resvalasse para esfera
política. Após os assuntos tratados, os tibetanos passaram a realizar um passeio entre os principais locais históricos
do budismo na Índia. O Dalai teve contato, no museu da cidade, com um caixão contendo as relíquias de Buda que
teria pertencido ao imperador indiano Kanishka, do século 2 d.C. De volta a Darjeeling, o Dalai declarou que era o
legítimo representante máximo dos tibetanos, resultando com isso, efetivamente, numa declaração de que havia um
governo no exílio, na Índia. Mas os britânicos, cautelosos, decidiram ainda não apresentar nenhum posicionamento
político a respeito. Em Lhasa, os ambans passaram a violar a santidade de mosteiros, incluindo a residência oficial
do Dalai Lama em Norbulingka, e passaram a substituir todos os ministros tibetanos por manchus. Em maio de
1910, um telegrama chegou de Londres para Minto declarando, categoricamente, de que o governo britânico não
deveria se envolver em nenhum assunto entre os tibetanos e chineses. Apesar de decepcionado, o Dalai ainda
alimentava a esperança de que poderia ter melhor aliança com os britânicos. Mas sabia que as decisões tomadas no
Tibete gradativamente estavam minando sua autoridade.
Nos próximos meses, em 1911, o Dalai e sua comitiva passaram o tempo viajando pela Índia. Visitou o local de
nascimento de Buda, junto à fronteira com o Nepal, e ficaram impressionados com a visão de iogues que cultuavam
Xiva. Em contrapartida, esses homens santos (saddhus) tinham o lama em grande estima, pois consideraram este
como pertencente aos lendários Mahasiddhas [714] das linhagens tântricas budistas. Em Bodh Gaya, onde o Buda
alcançou a iluminação sob uma árvore, o Dalai meditou e restaurou a principal estátua do venerável templo local, o
Mahabodhi.
Em outubro de 1911, tudo começou a mudar. Os eventos na China resultaram na queda da dinastia manchu
(Qing) e os soldados chineses em Lhasa se amotinaram, atacando os ambans. Passaram a saquear e pilhar os templos
e mosteiros, que gerou uma reação popular na cidade. Assim que ficou sabendo das confusões, o Dalai Lama enviou
um dos seus melhores ministros para o Tibete para coordenar um levante anti-chinês, e permaneceu em Sikkim a
acompanhar as notícias. O lama sabia que não seria fácil expulsar os chineses, pois muitos tibetanos e ordens
monásticas passaram a apoiar e se beneficiaram com os chineses no Tibete. O Panchen Lama tinha se consolidado
como autoridade com os ambans e seus seguidores eram apoiadores dos chineses. E, por isso, muitos não desejaram
o retorno do Dalai para Lhasa. Mas houve embates por muitos monges e soldados que repudiaram essa agressão
contra a soberania tibetana com a interferência de Pequim, e aguardaram a oportunidade propícia para atacá-los.
Disso resultou em meses de combates urbanos sangrentos, com a troca de tiros e uso de explosivos subterrâneos.
No início de 1912, a posição dos chineses na cidade se revelou insustentável e frágil, sem o envio de reforços
oficiais, e se entregaram aos rebeldes tibetanos. Os soldados chineses foram enviados de volta para a China, e os
ministros do Kashag foram executados como traidores. Em junho do referido ano, o Dalai Lama retornou ao Tibete,
e esperou até que os termos de rendição chinesa fossem acordados. Finalmente, em janeiro de 1913, o Dalai
atravessou os portões de Lhasa novamente. E após alguns meses de seu retorno, o lama proclamou a independência
do Tibete, enfatizando também a sua autoridade, invocando para isso as suas encarnações passadas e a santidade de
Avalokiteshvara. Na declaração, afirmou que a relação entre os tibetanos e chineses deveriam ser fraternais, entre
iguais, de respeito, e repudiou as tentativas de interferência sobre o governo tibetano e a política de colonização em
Sichuan e Yunnan, regiões historicamente ligadas ao Tibete. Agora em diante, o Dalai passou a se posicionar como
protetor de um Tibete independente, contra as agressões e interferências chinesas e estrangeiras.
E como tal, aumentou o envio de cartas e presentes aos dignitários estrangeiros, especialmente o rei Jorge V da
Grã-Bretanha, que alimentava uma curiosidade sobre a Índia e as culturas asiáticas. Mas pouco efeito foi surtido
nessas tentativas de contato e aliança contra os chineses. Na China, após 1911, ascenderam novas forças
nacionalistas na fase republicana do país. O líder da revolução de 1911, que derrubou a última dinastia imperial
chinesa, Sun Yat-Sen (1866 - 1925), almejava estabelecer uma China nacionalista e forte, sob comando da etnia Han
a buscar a união das consideradas cinco raças chinesas: chineses, manchus, mongóis, tibetanos e muçulmanos. Ficou
claro, portanto, que mesmo após a queda imperial, os dirigentes chineses queriam manter a extensão territorial da
época manchu sobre os outros povos vizinhos, incluindo os tibetanos. Essa política ficou ainda mais evidente
quando o novo presidente da República da China, o general Yuan Shikai (1859 - 1916), declarou que essas cinco
raças formariam a união integral do território chinês.
Foi com esse espírito que o novo presidente chinês buscou fazer propostas ao Dalai Lama. O lama, naturalmente,
recusou as correspondências do governo chinês republicano e incrementou a pressão sobre os britânicos para que
reconhecessem a autonomia tibetana frente aos chineses. Ao que o governo em Londres respondeu apenas
enfatizando a importância do governo chinês e tibetano de se manterem nos melhores termos possíveis. As
autoridades britânicas tinham a desconfiança de que o novo regime chinês pudesse avançar e se impor
demasiadamente perto dos domínios coloniais britânicos na Índia. Em suma, os britânicos pretendiam manter as
boas relações com a nova China, mas igualmente queriam ver o Tibete como uma espécie de tampão entre os
territórios chineses e indianos.
Então advieram as conferências em Simla em 1913 e 1914, no norte da Índia, a negociar os termos entre os
chineses e tibetanos, a ser mediado pelos britânicos. Após vários impasses e troca de acusações entre as partes, o
delegado britânico conseguiu com que ambos os lados concordassem, embora com relutâncias, sobre uma nova
proposta administrativa para a região tibetana. Os territórios tibetanos que sofreram maior política colonizadora ao
leste seriam considerados como “Tibete Interior” no território chinês. Ao oeste, que manteve maior autonomia
relativamente, seria o “Tibete Exterior” manter-se-ia soberana nos assuntos internos. Conforme especificado no
artigo 2º do Acordo de Simla, a China teria suserania sobre o Tibete, reconhecendo a autonomia interna do “Tibete
Exterior”, se comprometendo o governo chinês de se abster de interferir na administração interna que permanecerá
nas mãos do governo em Lhasa, incluindo a indicação do Dalai Lama. Em outras palavras, a China abdicaria de
interferir no funcionamento do Tibete, “Tibete Exterior”, mas ficaria responsável pelos assuntos internacionais da
região, tal como havia sido praticado no passado imperial manchu [715].
O tratado foi recusado e não ratificado pelo presidente da China, pois considerava os tibetanos como parte
integral, junto com outras etnias, da República. Apenas os britânicos e tibetanos ratificaram o que os delegados
haviam assinado nas conferências. O 13º Dalai Lama, embora desapontado com a divisão do Tibete em duas partes,
aceitou a solução que lhe permitia ao menos alguma autonomia. E a partir desse quadro que o Dalai Lama teria que
governar e administrar o Tibete. Para os chineses, o efeito de maior prazo do Acordo de Simla foi a percepção de
que os britânicos estavam se envolvendo (e interessados) demais nos assuntos tibetanos, considerados esses assuntos
como internos e domésticos.
Não que inexistissem rivalidades no Tibete contra o Dalai Lama. Os do mosteiro de Drepung mostraram-se
particularmente resistentes a reconhecerem a autoridade do Dalai sobre todos os mosteiros e lamas tibetanos. Para
fazer frente às essas inquietações crescentes, o Dalai Lama buscou então fechar acordos para equipar e treinar um
exército e força policial capazes de manter a ordem e fazer frente a possíveis futuras agressões externas,
especialmente no leste tibetano, onde não havia ficado claro as fronteiras depois do Acordo de Simla. Para tanto, o
Dalai requisitou ajuda, apoio e treinamento dos britânicos, que assentiram cautelosamente, pois queriam um Tibete a
fazer frente às investidas expansionistas chinesas, mas não queria despertar a indignação das autoridades
nacionalistas chinesas. E para custear essa série de reformas no seu governo, o Dalai propôs ampliar a arrecadação
fiscal de propriedades e ordens monásticas, gerando revoltas e protestos de algumas ordens [716].
Ciente do foco maior da oposição às suas reformas, o Dalai foi à busca das autoridades do mosteiro de Drepung e
mandou deter e mandar para o exílio alguns de seus abades mais intolerantes. Reagindo a isso, milhares de monges e
estudantes desse mosteiro foram protestar em frente à residência do Dalai Lama em Norbulingka. Os guardas do
mosteiro não estavam dispostos a atirar e muitos dos protestantes presentes começaram a manifestarem-se de
maneira mais efusiva, alguns até realizaram atos de vandalismo e depredação nos jardins ornamentais. Mas isso
durou pouco tempo, pois logo depois, o Dalai Lama mobilizou centenas de soldados do seu novo exército que
sitiaram os manifestantes, pondo fim às essas revoltas.
Nos meses seguintes de 1914, a força policial e do exército tibetano pôde ser vista pelas ruas de Lhasa, a
patrulhar os arredores de Potala. O 13º Dalai Lama assegurou-se no poder, por enquanto, na turbulência dos novos
tempos no início do século 20. O Dalai assumiu o controle de nomeação dos novos abades de Drepung e proibiu
qualquer tibetano ligado à causa contrária de assumir altas posições nos mosteiros. Os tempos agora eram outros.
Havia uma invasão de produtos ocidentais e criaram-se novos gostos e valores na sociedade tibetana: cigarros,
jornais, telégrafos, vestidos e penteados.
O 9º Panchen Lama, Thupten Chokyi Nyima (1883–1937), instalado em Tashilhunpo, contudo, ainda
permanecia potencialmente como uma figura perigosa a contrapor a autoridade do Dalai. Pela tradição, o Panchen
deveria ser associado ao Dalai, muitas vezes a servir de professor e tutor nas sucessivas vidas. E o Panchen há muito
tempo vinha ancorado na popularidade das vastas extensões do Tibete Ocidental, onde tinha certa autonomia do
Dalai, mais firmado no Tibete Central. O Panchen Lama era um homem não afeito à política e diplomacia, e era
influenciável por pessoas próximas a ele em Tashilhunpo, desde conselheiros a agentes britânicos e chineses. O
Panchen tinha um relacionamento melhor com os chineses, pois os ambans consideravam-no como um líder mais
adequando à política de Pequim e foi de fato tratado como maior líder tibetano até a volta do Dalai Lama da Índia
em 1913. Assim, haveria de ter diferenças a serem resolvidas entre os dois lamas. E a tensão entre essas duas figuras
somente aumentou ao longo da década.
Em 1923, para a surpresa do Dalai Lama, o Panchen Lama fugiu para a China, queixando-se de pressões
insuportáveis do governo de Lhasa. O Dalai ficou furioso, e considerou o ato como uma traição imperdoável da
tradição e cultura tibetana. Mas o estrago havia sido feito. O Panchen agora era convidado, um refém, sob controle e
vigilância do governo chinês, onde até os dias atuais seus tuluks renascidos vivem, sob custódia.
No campo religioso e cultural, talvez o maior feito do 13º Dalai Lama tenha sido a busca incessante de revigorar
o budismo tibetano. Pouco depois de ter voltado do exílio, o lama começou a buscar imprimir e compilar todo o
cânone budista, levando cerca de sete anos e muitas negociações e a fim de usar os blocos de impressão zelosamente
guardados em Derge, na região do Kham, ao leste. Os ensinamentos de Buda parecem que o energizavam para a
dedicação incansável na vida religiosa e na política. E tal dedicação rendeu à sua figura uma estatura histórica
incomum, que consolidou a base de identidade do Tibete no início do século 20.
Outro estudioso do budismo tibetano era um professor chamado pelo título de Pabongka Rinpoche (1878 - 1941).
Pabongka, além de ter sido um escritor prolífico e grande estudioso da tradição Gelug, foi um talentoso
comunicador, tendo grande impacto ao público leigo tibetano. Buscou nos seus sermões resgatar e revitalizar os
ensinamentos do mestre Tsong Khapa, considerando-o muito superior ao das outras escolas. E assim, começou a
fazer sua fama, e em 1933 decidiu ir para o leste tibetano, para Kham, hoje conhecida como a província chinesa de
Xikang, onde a ordem Gelug era minoria, e tentou converter os adeptos de Nyingma. Em 1935, Pabongka conversou
com o maior líder de guerra chinês da região, Liu Wenhui (1895 - 1976), a adotar e promover sua crença, tal como
um patrono da escola Gelug. Ao final, contudo, Liu, sendo um oportunista, acabou mudando para a posição de
comunista [717]. Mas a busca de Pabongka sobre Kham contra todas as outras escolas tibetanas deixou uma indelével
impressão na região sobre a escola Gelug e, por extensão, do governo tibetano entre os khampas. E foi sobre essa
divisão que os comunistas chineses iriam explorar nas décadas seguintes.
A década de 1930 no Tibete assistiu os anos finais de vida do 13º Dalai Lama, que estava começando a se
dedicar cada vez mais aos assuntos espirituais, e se concentrar na meditação. Uma das suas mais dedicadas
reformas, no campo educacional, havia resultado no envio de alguns alunos a estudar em escolas britânicas, e
depois, em 1924, abriu uma escola nos moldes ingleses em Gyantse. Mas os abades se tornaram ansiosos e inseguros
sobre os novos valores da instituição, pois poderia prejudicar as tradições dos mosteiros como centros educadores.
Assim, passados alguns anos, essa escola ocidentalizada foi fechada.
A amizade do Dalai Lama com Charles Alfred Bell tinha lhe inculcado uma admiração pelos britânicos, mas o
lama começou a perder fé nesses quando viu o pouco que eles tinham a oferecer para garantir maior autonomia do
Tibete. Mesmo assim, permitiu a entrada e presença de missões britânicas no Tibete. O Dalai Lama assistiu, com
apreensão, a ascensão dos bolcheviques na Rússia em 1917, e com isso a destruição do mosteiro tibetano
estabelecido em São Petersburgo por seu grande amigo, Dorjiev. Este depois foi perseguido e morto pela polícia
secreta soviética, em 1938 [718]. E o novo regime de Stálin havia invadido e destruído boa parte dos mosteiros
budistas na Mongólia e proibido a busca dos renascidos (tulkus) do maior lama local, Dampa Jetsun, temendo o
Dalai Lama que o mesmo viesse a ocorrer em sua nação, sob um regime comunista.
A vida do 13º Dalai Lama, por fim, teve uma notável e intensa trajetória. Morreu aos 53 anos de idade em 1933,
e sua relativamente curta vida tinha sido excepcionalmente movimentada, prevalecendo sobre todas as forças de
desintegração tibetanas, sejam internas ou externas ao Tibete, e os anos no exílio, na Mongólia, China e Índia. Mas,
com o risco de parecer demasiadamente cruel, o lama falhou em concretizar a plena soberania independente do
Tibete. A sua figura pouco pôde fazer diante do reticente posicionamento britânico e do avassalador avanço chinês,
que começou a ganhar novo fôlego com as investidas de Liu Wenhui a partir de Kham, ao leste. Estava claro que
não havia um exército grande o suficiente para conter e vencer um inimigo poderoso chinês. A China tinha ganhado
alguma estabilidade e força interna nos anos de 1930, e já tinha enviado uma missão para ampliar sua influência em
Lhasa. Com a morte do Dalai Lama e o período de espera para o amadurecimento do novo lama, o 14º Dalai Lama,
o Tibete ficou sem um líder forte, e as tendências no país voltaram ao padrão do século 19, de lutas fratricidas e
intrigas entre líderes e mosteiros, uns contra os outros. Qualquer proposta de reforma no Tibete era logo visto como
suspeito e o responsável era tido como traidor das tradições, como a que ocorreu com Lungshar (1880 - 1938),
responsável pelas reformas educacionais no Tibete, quando foi julgado de maneira brutal em 1938 (seus olhos foram
arrancados) por propor reforma no conselho do Kashag [719]. Assim, muitos reformadores que pudessem revitalizar o
Tibete em tempos tão instáveis foram perseguidos, intimidados e fugiram para a Índia e China. E foi esse Tibete,
dividido, despreparado e voltado cegamente às suas tradições que a China encontrou em 1951
A China Vermelha (1949 – Início do Século 21)
Ao subir ao poder em outubro de 1949, Mao partiu logo, em dezembro, para sua primeira viagem internacional,
para Moscou, para celebrar o septuagésimo aniversário de Joseph Stalin. Ao final da visita, apesar de não ter
recebido a esperada atenção, voltou com empréstimo de US$ 300 milhões e um programa de assistência técnica e
militar. A nova aliança preocupou as autoridades em Washington com a perda irreparável no leste asiático diante do
avanço comunista. Somente em fins da década de 1960 a percepção do governo dos EUA iria mudar a respeito da
China.
No aspecto interno chinês, depois de décadas de desintegração nacional e conflitos civis, a ordem do dia do PCC
era restaurar a ordem nacional. Para tanto, foi instituída uma nova moeda, o renminbi (“dinheiro popular”, também
conhecido como yuan) visando controlar as finanças combinado com a fixação de preços de commodities. O
resultado foi a gradativa estabilização econômica e financeira do país.
No nível ideológico, a maioria dos membros do PCC buscou adequar a doutrina marxista clássica para as
peculiaridades chinesas. O apelo maior do partido foi entre os camponeses que eram explorados por latifundiários. E
foi nisso que o partido buscou adequar o comunismo, almejando confiscar grandes propriedades de terra e
redistribuí-las. Naturalmente, os confiscos envolveram algum elemento de arbitrariedade, pois dependeram de
vontades políticas de comissários e oficiais locais do partido. Mas, no geral, houve um quadro de significativa
transferência latifundiária no país para pequenos proprietários rurais e indivíduos sem terras até 1952[720].
Uma industrialização ampla foi outro objetivo do PCC, que adotou a estratégia soviética de planejamento central
e a série de planos quinquenais stalinistas, o primeiro deles implementado a partir de 1953. Apesar dos dados
estatísticos serem pouco confiáveis dessa época, o Primeiro Plano Quinquenal parece ter surtido efeito de
considerável industrialização. Ademais, em segunda visita a Moscou em 1957, por ocasião dos quarenta anos da
Revolução Bolchevique, Mao expressou entusiasmo pelo lançamento do primeiro satélite artificial da história, o
Sputnik, ao declarar: “os ventos orientais estão prevalecendo sobre os ventos ocidentais”. O comunismo parecia ser
invencível e inevitável para o futuro da humanidade. Depois da visita, Mao chegou a anunciar o objetivo da
economia chinesa de ultrapassar a britânica em quinze anos[721].
O entusiasmo de Mao baseou-se num plano nacional de industrialização e desenvolvimento com forte teor
voluntarista popular ao invés de novas formas gerenciais, tecnologias, investimentos de capital ou decisões de uma
tecnocracia centralizada ao estilo soviético. Mao costumava, nessa visão, citar a história de um idoso incapacitado
que, através de sua persistência e vontade, carregou pedra por pedra e moveu uma montanha. Foi essa sua crença em
superar todos os obstáculos que caracterizou a sua política do Grande Salto Adiante a partir de 1958.
A expectativa de Mao e da cúpula do PCC seria uma transição genuína ao comunismo, através de experiências
coordenadas por eles em comunidades rurais organizadas nesse sentido. O modelo seria amplificado e aplicado às
esferas industriais e militares. As unidades produtivas, grupos de pessoas supervisionados por um comissário ou
membro do partido, seriam as células do sistema a competirem entre si para atingir a meta estabelecida por Pequim.
As mulheres também integrariam as unidades laborais, o que as libertava das amarras da tradição.
O Grande Salto Adiante foi anunciado no começo de 1958 e as primeiras comunas experimentais entraram em
vigor em abril. Por volta do outono, quase toda a China rural foi convulsionada por essa forma de comunização. Em
pouco tempo, o Grande Salto começou a se tornar um desastre. Entre os casos mais calamitosos estava o plano de
dobrar a produção de aço e ferro na China em apenas um ano. Por volta de 90 milhões de pessoas foram mobilizadas
nessa iniciativa nacional, mas, por não haver uma coordenação central planejada, a maioria não tinha nenhum
conhecimento e assessoria adequada na produção da cota estabelecida e no uso inadequado de equipamentos
improvisados para a fundição do aço.
Mais impactante foi a agricultura. Por ter sido abolida a propriedade privada, muitos fazendeiros preferiram
sacrificar seu gado a entregá-los ao coletivo. Muitos sentiram pouco incentivo ao trabalho nas fazendas
comunitárias. Exaustos ou confusos nas mobilizações de campanhas voluntaristas, foram comuns os casos de
colheitas desperdiçadas e desviadas para apodrecerem. Campanhas para eliminar pragas de colheitas, como os
pardais, produziram ondas de insetos. Desmatamento, erosão do solo e outros danos formaram o quadro ambiental
resultante de outras campanhas. Ao fim de 1958, a carência de oferta de itens alimentícios básicos começou a ficar
aparente. Ao fim, foi estimada a morte de no mínimo 20 milhões de pessoas, de acordo com fontes oficiais, mas
provavelmente muito mais, de desnutrição durante a fome causada pelo Grande Salto Adiante entre 1958 e 1962[722].
As críticas algumas vezes eram bem-vindas por Mao, mas por vezes o líder furiosamente reagia contra os
discordantes. Criou-se em torno dele um ambiente cada vez mais relutante em reportar algo que pudesse desagradá-
lo[723], pois havia a ambição natural das pessoas em sempre aparentar-se bem-sucedidas mesmo que apresentando
relatórios falsos e manipulados – lembrando que a China à época era em grande parte sem televisão e rádio, já que
as comunicações de massa eram pouco desenvolvidas. Portanto, poucos tiveram a percepção das limitações e falhas
dos projetos de mobilização.
Um dos poucos casos de crítica na alta cúpula foi quando o Ministro da Defesa, Peng Dehuai, em 1959, no
encontro partidário em Lushan, província de Jiangxi, ousou apontar em carta privada as violações básicas da
economia do Grande Salto Adiante. Mao fez com que a carta fosse publicada e buscou denunciá-lo como “elemento
burguês”. Mao, após o episódio e almejando preservar sua imagem, decidiu deixar a direção do governo – mas
continuou retendo vitaliciamente o cargo mais poderoso de Presidente do Comitê Central do PCC até sua morte em
1976. Seus aliados no governo reorientaram as desastrosas políticas introduzindo novas medidas a revigorar a
economia.
A retirada estratégica de Mao da visibilidade pública nesses anos decorreu da sua forte suspeita dos altos
membros do PCC, de “revisionistas” e “seguidores do capitalismo” ( 走 资派 ), que supostamente visavam sabotar
sua revolução. Essas suspeitas foram o que motivaram a sua próxima grande campanha, A Grande Revolução
Cultural Proletária em 1966. A campanha começou com a apresentação de uma peça teatral histórica, A Demissão
de Hai Rui do Cargo ( 海瑞 罢官 ), que retratava a demissão injusta de um oficial da Dinastia Ming por um
imperador déspota. A peça tinha sido escrita pelo vice-prefeito de Pequim, Wu Han, que foi interpretada como uma
crítica alegórica a Mao. O Grande Timoneiro respondeu ao organizar uma campanha visando desacreditar a peça,
forçando o autor a publicar uma autocrítica e confissão em 1965.
Pela primavera de 1966, Mao, sua esposa, e um círculo de seguidores radicais passaram a encorajar jovens
estudantes a irem às ruas para promover a nova visão maoísta da revolução quando famosamente declarou aos
estudantes: “estão certos em se rebelarem”. Muitos dos estudantes organizaram-se em grupos chamados de Guardas
Vermelhos. Em junho, as aulas nas escolas chinesas em grande parte foram suspensas e milhões de estudantes foram
liberados para se juntarem às novas mobilizações. Foi concedido a eles transporte gratuito e muitos se dirigiram à
Pequim na esperança de terem um vislumbre do “Grande Sol Vermelho”, Mao. Foi uma espécie de contragolpe
popular organizado contra o establishment construído no PCC desde 1949. O que subjazia a Revolução Cultural foi
a disputa pelo poder, em que Mao intencionava recuperar o controle sobre a direção do partido. Em atos públicos
calculados, Mao, aos 72 anos de idade, eletrificou os ânimos da juventude chinesa em julho de 1966 ao realizar a
façanha de nadar vários quilômetros no rio Yangzi (fig.) [724].

Fig. – Foto da vigorosa travessia a nado do septuagenário Mao Zedong do rio Yangzi.

As perseguições a dissidentes dentro da estrutura do partido se intensificaram a partir de julho de 1966, com a
Guarda Vermelha a servir de tropa de choque. Entre os mais proeminentes perseguidos foi o Presidente do PCC, Liu
Shaoqi, e um membro sênior do partido, Deng Xiaoping. Liu, expulso do partido em 1968, morreu de pneumonia no
chão de sua cela de prisão no ano seguinte como um “inimigo do povo”[725].
A Revolução Cultural, ao final, trouxe uma radical reestruturação de poder dentro da China comunista. Em 1969,
quase metade dos membros do Politburo ( 政治局 ), o Comitê Executivo do PCC, e mais da metade do Comitê
Central foi expurgada. Antes disso, elementos mais radicais da Guarda vermelha provocaram combates nas ruas. Em
setembro de 1967, Mao convocou o Exército de Libertação Popular, como era chamada a institucionalizada força
pública de estado, para reprimir as desordens e restaurar a ordem pública. Até 1976, mais de 16 milhões de
estudantes foram mandados para vilas rurais remotas[726]. Com isso, foi almejado quebrar a unidade estudantil e
mostrar aos estudantes elitistas a dura vida do campo.
O relacionamento com os soviéticos tomou uma guinada após a morte de Joseph Stálin em 1953, quando Mao
começou uma campanha de denúncias aos dirigentes do Partido Comunista da União Soviética como revisionistas e
traidores dos princípios da revolução. Mao, com isso, ambicionava ser a principal figura do comunismo mundial.
Em 1960, houve uma ruptura completa entre os dois países, e os soviéticos retiraram toda a sua ajuda e conselheiros
da China. Em 1962, quando ocorreram conflitos de fronteira entre a Índia e a China, o Kremlin apoiou o lado
indiano. Na década de 1960, foram os soviéticos os maiores aliados das forças norte-vietnamitas comunistas, ao sul
da fronteira da China. Os chineses se sentiram gradativamente acuados com a política soviética.
A China e a União Soviética compartilhavam a maior fronteira terrestre do mundo, por volta de 6700
quilômetros. E ao longo da fronteira, houve um incremento da presença e movimentação de divisões militares
soviéticas, subindo de 25 em 1969 para 45 em 1973. Junto com isso, vários incidentes ocorreram na fronteira, sendo
o mais sério deles o que aconteceu em março de 1969 na ilha de Damansky (Zhenbao, 珍宝 岛 ) ao longo do rio
Ussuri, que separa o nordeste da Manchúria da URSS. Começou com uma emboscada chinesa que acabou matando
35 soldados soviéticos. Os soviéticos responderam mandando tanques e artilharia ao local. Decorridas algumas
semanas o premiê soviético tentou ligar para Mao, mas o operador chinês rudemente desligou a ligação e não mais
completou a chamada. Por volta de 1969, muitos dirigentes chineses enxergaram os soviéticos como a maior ameaça
militar, mais do que os distantes norte-americanos. As condições de distensão, détente, com Washington foram
propícias.
Desde 1949, Washington tinha adotado uma postura de apoio ao regime de Chiang Kai-shek e o Kuomintang (KMT), que se refugiaram
para a ilha de Taiwan. As comunicações com a China comunista eram indiretas, pela embaixada em Varsóvia, na
Polônia. Mas as condições históricas dos EUA eram adversas em boa parte da Ásia. No final da década de 1960,
havia quase meio milhão de homens americanos na guerra do Vietnã sem qualquer perspectiva de desfecho dos
conflitos em 1969. A China, ao norte da fronteira do Vietnã, parecia ser a única aliada em potencial a assumir os
combates para a retirada dos EUA dos conflitos. Portanto, tanto Nixon quanto Mao viram a oportunidade em 1971
de estreitarem suas relações bilaterais, o que culminou na visita do presidente dos EUA a Pequim em fevereiro de
1972. Cautelosamente, evitou-se no encontro a delicada questão de Taiwan, conforme foi expressado no
Comunicado de Xangai. Portanto, a década de 1970 marcou uma nova era entre a China comunista e os EUA.
Em nove de setembro de 1976, Mao Zedong, que sofria há anos de uma doença neurodegenerativa (esclerose
lateral amiotrófica), faleceu. Logo após sua morte, houve uma tentativa de golpe por parte de um grupo composto de
sua esposa e três de seus colegas mais radicais, a chamada Gangue dos Quatro. Mas houve um bem-sucedido
contragolpe organizado por altos oficiais militares que prenderam a Gangue em suas residências. O cenário no país,
após isso, foi de reconciliação com aqueles que foram perseguidos e destituídos durante a era Mao e a Revolução
Cultural. Em torno de três milhões de pessoas detidas voltaram à vida pública. Os horrores e excessos da Revolução
Cultural começaram a vir à tona, serem publicados e discutidos. A vítima mais célebre, Deng Xiaoping (1904-1997),
membro sênior do PCC desde a década de 1920 e participante da Longa Marcha, estava ativo na política novamente
e propôs amplas reformas econômicas e tecnológicas visando revigorar a China.
Por volta de 1978, Deng chegou ao poder supremo dentro da PCC, apesar de nunca ter reivindicado algum título
ou cargo semelhante ao de Mao, visando evitar o culto de sua personalidade. Almejou, antes de tudo, reformas
econômicas para aumentar a qualidade de vida do cidadão chinês. Procedeu, aos improvisos, autorizando pequenas
atividades locais no setor agrícola. Em 1979, após uma seca, decidiu tolerar a compra de produtores com base no
preço de demanda do mercado. Apesar de ter recebido críticas dos membros do PCC local, o experimento deu certo
ao revigorar a atividade agrícola. As comunas foram, então, gradativamente deixadas de lado, e concentrou-se no
incentivo ao plantador de vender o seu produto a ser demandado pelo mercado. No geral, a produção de grãos na
China em 1978, 304 milhões de toneladas, passou para 407 milhões em 1984, numa taxa de crescimento de 4,8%
anuais comparados com 2,4% anuais entre 1952 e 1978[727].
As reformas industriais foram um desafio maior. As lideranças chinesas ficaram relutantes em despejar a mão de
obra empregada nas fábricas estatais no mercado. Foi mais fácil permitir a abertura de novas empresas fora do
âmbito estatal. Decorridos alguns anos, por volta de 1992, a China já se apresentava como uma economia de
mercado e, em 1997, 25 milhões de trabalhadores saíram de empresas estatais em busca de melhores salários no
mercado. No início do século 21, o perfil do país foi assim caracterizado por um analista do Financial Times: “a
China hoje é muito menos socialista do que qualquer país na Europa”[728].
Para os comunistas ortodoxos, alguma forma de propriedade estatal dos meios de produção era considerada
fundamental. E isso implicou algum gerenciamento centralizado da economia. Deng era caracteristicamente um
pragmatista e estava aberto aos experimentos estratégicos diante do pífio desempenho histórico da economia chinesa
ao longo do século 20. As forças de mercado foram promovidas na China, na busca por lucros, e até Bolsas de
Valores foram toleradas, mas o comando político ainda permaneceu nas mãos do PCC.
O interesse ideológico pelo marxismo gradualmente foi se deteriorando após a morte de Mao. Mas em vez das
forças de mercado do capitalismo serem consideradas como vitoriosas em cima do fracasso do passado, as novas
instituições, costumes e expectativas se ergueram em bases preexistentes do período comunista. Muitos dos novos
arranha-céus de Xangai, por exemplo, foram construídos por investidores de Hong Kong que arrendaram os terrenos
do governo municipal, que ainda conserva a sua propriedade. E talvez o caso mais emblemático: um terço de todo
empreendimento privado na China pertence a membros do PCC[729].
Em termos de crescimento econômico, as reformas de mercado desde 1978 foram notavelmente bem-sucedidas.
Apesar de a maioria da população chinesa ser considerada pobre pelos padrões das economias mais desenvolvidas,
por volta de 400 milhões de chineses saíram da condição de miséria e a estrutura das grandes cidades do país foi
transformada em pouco tempo. Em fins do século 20, a China tinha mais aparelhos de televisão do que qualquer
outro país no mundo. No início do século seguinte, era a China que tinha o maior número de telefones celulares e o
maior número de usuários de Internet. Em 2008, a China ultrapassou os EUA e se tornou o maior mercado de
automóveis e o terceiro maior mercado de artigos de luxo do globo terrestre[730].
É, portanto, um enorme paradoxo o fato de um dos regimes comunistas remanescentes no mundo apresentar
sinais vigorosos de uma economia de mercado. A explicação, obviamente, é que a China não é essencialmente
comunista no sentido estrito do termo. As razões para o seu crescimento econômico se deram mais por um
afrouxamento do controle central; um foco obsessivo generalizado no crescimento econômico e lucro; uma larga
oferta de mão de obra barata e qualificada; e generosos investimentos estrangeiros, implicando uma crucial abertura
ao mercado e capital internacionais[731]. Se, na era de Mao, as humilhações do passado influenciaram as decisões
rumo ao fechamento do país em termos isolacionistas e autossuficientes, na era de Deng a China abriu-se para as
oportunidades de uma economia voltada para a exportação e investimento internacional.
A abertura trouxe não apenas novos investimentos, mas também novas ideias. A ciência ocidental foi adotada
entusiasticamente pelas universidades chinesas na era pós-Mao, promovendo uma geração de tecnocratas em que a
maioria dos líderes dentro do PCC teve alguma formação universitária em cursos nas áreas de engenharia e de
ciências naturais com grades curriculares com forte teor de pesquisas e métodos ocidentais. Caracteristicamente, no
começo do século 21, todos os integrantes do mais alto comitê do PCC, o Comitê Permanente do Politburo, são
engenheiros de formação.
Por outro lado, se o espetacular crescimento chinês desde Mao abriu uma nova era de oportunidades para alguns,
para muitos a mudança tirou-lhes as garantias sociais do passado. A rápida urbanização criou uma grande classe de
trabalhadores migrantes que comumente enfrentam discriminação e vivem em abjetas condições de moradia e
trabalho. Bairros históricos e suas comunidades (hutongs, 胡同 ), como em Pequim, são destruídos para darem
lugar à construção de amplas estradas, shopping centers e hotéis internacionais. Aos moradores, quase nunca
devidamente indenizados, resta o deslocamento para a periferia e a precária inserção no mercado de trabalho, como
taxistas, garçons, prostitutas e trabalhadores no mercado negro.
As mudanças econômicas também incitaram questionamentos políticos. Desde a ascensão de Deng à liderança
do PCC, uma geração de reformistas ocupou cargos nacionais para desenharem uma nova estratégia nacional. Na
década de 1980, um desses líderes, Hu Yaobang (1915-1989) (fig.), foi designado como sucessor de Deng e, como
Secretário-Geral do PCC, ocupava o maior cargo político oficial do país. Em 1987, Hu Yaobang começou a ser
acusado por membros linha-dura de ser complacente demais com as demonstrações estudantis sob influência de
ideias consideradas “burguesas e liberais”, e Hu foi destituído do seu cargo. Outro reformista e protégé de Deng,
contudo, ocupou o cargo, Zhao Ziyang (1919-2005), e uma nova tentativa de intervenção linha-dura provou ser
desastrosa dessa vez.

Fig. – Foto de Deng Xiaoping (esq.) e Hu Yaobang (dir.) em 1981.

Na manhã de 15 de abril de 1989, Hu Yaobang morreu no hospital em decorrência de um infarto cardíaco. Mais
tarde, no mesmo dia, estudantes em luto começaram a se agregar nas ruas e praças de Pequim. Com o passar dos
dias, estimados 200 mil estudantes e protestantes se aglomeraram na Praça de Tiananmen. Suas vozes e protestos
continuaram mesmo depois do funeral e clamores por reformas políticas a complementar as reformas econômicas
foram cada vez mais manifestadas. Como expressou um verso anônimo escrito em cartazes nos protestos: “aqueles
que deveriam ter morrido vivem; aqueles que deveriam ter vivido morreram”[732].
Um editorial do jornal oficial, o Diário do Povo ( 人民日 报 ), em 26 de abril de 1989, ameaçou os estudantes
com duras represálias em caso de continuação dos protestos, e os protestantes responderam com desafio. No dia
seguinte, uma grande marcha estudantil partiu dos campi universitários nos subúrbios a noroeste de Pequim e os
estudantes prosseguiram rompendo as barricadas policiais, celebrados pelos espectadores no local. Ao mesmo
tempo, na Praça Tiananmen, ocorreram eventos de comemoração de aniversário dos setenta anos das demonstrações
do Movimento Quatro de Maio, famosa ocasião que simbolizou o questionamento estudantil e intelectual das
decisões do Tratado de Versalhes, que pôs termo à Primeira Guerra Mundial em 1919. Em 13 de maio, ocupações
estudantis permanentes começaram a aparecer na referida praça manifestando-se com greves de fome.
Tais demonstrações de protesto já teriam seu significado num contexto de mudança histórica da China, mas seu
efeito foi amplificado por coincidir com o primeiro encontro de cúpula entre soviéticos e chineses após três décadas.
Em 16 de maio, Mikhail Gorbachev, Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, em Pequim foi
perseguido e inundado por milhares de jornalistas estrangeiros na ocasião. Como resultado, as demonstrações
estudantis na Praça Tiananmen foram o assunto mais coberto na história da China comunista – pelo menos até as
Olimpíadas de Pequim de 2008. Em 17 de maio, havia cerca de um milhão de protestantes e sua presença ofuscou o
histórico encontro sino-soviético.
No dia 18 de maio, Zhao Ziyang resolveu visitar os estudantes em greve de fome e assegurou-lhes que os
objetivos do PCC eram os mesmos dos protestos. Ao mesmo tempo, Deng, pressionado por membros linha-dura,
tomou decisão de intervir nas manifestações na capital. Depois do fim da Cúpula Sino-Soviética, as transmissões ao
vivo por satélite das manifestações foram proibidas e, em 20 de maio, foi declarada lei marcial. Um ultimato foi
dado aos estudantes: dispersem imediatamente ou serão movidos pela força. Quando tropas se movimentaram em
direção à Tiananmen, encontraram barreiras humanas e barricadas por cidadãos pequineses. Resultou desse primeiro
encontro a volta da ofensiva militar diante dos protestantes.
Muitos no PCC viram com certa simpatia as manifestações estudantis. Há rumores de que até 800 mil membros
do PCC participaram ativamente das manifestações nas 123 cidades chinesas em 1989. Os simpatizantes incluíram
altos membros do partido, com o aval do próprio Secretário-Geral, Zhao Ziyang. Para tanto, Zhao não compareceu
às reuniões em que foi decretada a lei marcial. Em 25 de maio, o premier foi destituído do ofício e colocado em
prisão residencial até a sua morte em 2005[733].
Os clamores em 1989 incluíram, especialmente, críticas cada vez mais amplas contra a corrupção governamental,
decisões arbitrárias de dirigentes e juízes, o limite ao direito de expressão e a frustração diante das reformas em
termos políticos. Havia também motivações não tão nobres, de graduados universitários com empregos públicos que
viam seus ganhos salariais em defasagem, em comparação os vultosos rendimentos da nova classe empresarial do
mercado chinês, muitos sem qualquer formação acadêmica[734]. Os símbolos adotados nas manifestações em 1989
reviveram o espírito de Quatro de Maio de 1919, na sua fascinação aos ícones ocidentais, como a adoção da “Deusa
da Democracia”, que foi erguida em Tiananmen, inspirada pela Estátua da Liberdade dos EUA. Um dos cartazes
proclamava “dê-me liberdade ou dê-me morte”, uma alusão clara aos princípios da Revolução de Independência dos
EUA.
Diante desse cenário, os dirigentes comunistas chineses, com olhos atentos aos eventos no Leste Europeu, que
caminhava para uma transição pós-soviética em 1989, junto com o aval de Deng (que, apesar de ser pragmatista,
conservava uma admiração leal ao PCC), decidiram intervir decisivamente contra as manifestações visando manter o
controle do poder. Em quatro de junho, milhares de tropas de combate da 27ª Divisão do Exército vieram de fora de
Pequim e com eles tanques e carros blindados se dirigiram durante a madrugada à Tiananmen. Por volta de uma
hora da manhã, a estátua da “Deusa da Democracia” foi derrubada e, por vota de 04h30min da manhã, os estudantes
remanescentes na praça foram retirados. Nesse avanço, estimadas centenas, talvez milhares, de pessoas foram
feridas e mortas. Tanques e carros blindados patrulharam as ruas da capital após a intervenção a evitar um maior
conflito civil.
Três dias depois, a cúpula do PCC decidiu expurgar dentro do quadro do partido elementos
“contrarrevolucionários”, simpatizantes das manifestações de 1989. O status quo dominado pelo PCC permaneceu
desde então. Líderes estudantis e manifestantes foram perseguidos e permaneceram vigiados até os dias de hoje.
Qualquer manifestação, expressão ou escrita a respeito dos eventos de 1989 é terminantemente proibida pelo PCC
até a atualidade, podendo resultar em demoradas sessões de interrogações, detenção e deportação do país. Por outro
lado, diante dos avanços econômicos desde 1978, o partido permanece inconteste no poder, visto por muitos como o
responsável pela prosperidade econômica. Em 2008, uma pesquisa da Pew Research Center chegou à conclusão de
que a satisfação chinesa era uma das mais altas do mundo, com 86% da população expressando satisfação com a
direção nacional[735].
A China, hoje, decorridas décadas de considerável crescimento de seu setor produtivo, encara problemas
prementes que poderão resultar num cataclismo maior. Os problemas maiores são o esgotamento dos seus recursos
naturais, a crescente desigualdade econômica e a corrupção endêmica. Talvez o ponto mais crítico seja a oferta cada
vez mais precária dos seus recursos hídricos, principalmente na árida região norte do país, em que a água está se
tornando escassa. No geral, a rápida industrialização chinesa acarretou sérias consequências para o meio ambiente.
Pequim, localizado perto dos ventos áridos do norte e rodeada por cadeia de montanhas, guarda uma péssima fama
da qualidade do seu ar em determinados meses do ano. Decorre isso do seu característico ar seco, agravado com a
emissão de duzentas usinas de energia movidas a carvão na região e com uma frota estimada em cinco milhões de
carros. Em janeiro de 2013, a sua qualidade do ar foi comparada a uma área reservada para fumantes, com 900
partes de partículas por milhão menores que 2,5 milímetros, quarenta vezes o recomendado pela Organização
Mundial da Saúde[736]. Visando reverter esse quadro, a China é hoje o maior investidor em fontes de energia
ecologicamente corretas no mundo.

Tibete (1949 – Início do Século 21)


Os comunistas sob liderança de Mao Zedong (1893 - 1976) tinham tomado o poder na China em outubro de
1949, após uma longa guerra civil. E Mao deixou claro que a China guardava, em sua história, a união dos cinco
povos sob uma Grande Família, a ser simbolizada na bandeira oficial chinesa atual. Era um plano carregado de
ambição, pois o novo regime deveria reestruturar o país devastado após anos de conflito com os japoneses desde
1937 com os nacionalistas do partido Guomidang (GMD ou KMT) que estavam à frente do governo chinês
anteriormente. Mao tinha planos de modernizar a China em poucos anos, e isso incluía uma plena integração de seu
território, a explorar todas as suas reservas naturais e potenciais. Os planos foram consubstanciados e levados a
cabo, principalmente, no uso dos homens do Exército de Libertação Popular (ELP). Em setembro de 1949, portanto
um mês antes de Mao chegar a Pequim, foram irradiadas mensagens por rádio afirmando de que o Tibete deveria ser
parte indivisível e inalienável da nova China, e qualquer ameaça a isso despertaria a ira do ELP. Pois já havia
estacionado em Kham, uma força da ELP de cerca de 20 mil homens, e seriam impensáveis os confrontos com o que
o governo tibetano pudesse mobilizar em Kham, cerca de 3500 homens. Ademais, Kham sempre fora uma região
fronteiriça do Tibete, e muitos khampas consideravam os tibetanos como os verdadeiros rivais, e não teriam
nenhuma resistência em apoiar as tropas chinesas comunistas.
Em Kham, apesar disso, havia um pequeno comando político tibetano, na cidade de Chamdo, liderado e
representado por um nobre tibetano chamado de Ngapo, ou Ngapoi Ngawang Jigme (1910 - 2009). E coube a esse a
delicadíssima tarefa de não somente representar o governo tibetano, mas também de comunicar os acontecimentos a
Lhasa, a negociar com as autoridades de Kham e, principalmente, com os chineses comunistas. Além disso, o
governo em Lhasa encontrava-se há anos dividido, ainda mais após a morte do 13º Dalai Lama em 1933. Muitos,
como Ngapo, defendiam um fortalecimento das Forças Armadas do Tibete, mas muitos monges discordaram e
alguns consideraram as limitações e possibilidades de se aliar aos chineses.
Em outubro de 1949, o governo tibetano reconheceu as dificuldades e enviou cartas para governos estrangeiros,
pedindo apoio contra a iminente invasão comunista. As respostas foram desalentadoras, mais uma vez. Os britânicos
tinham recém negociado a saída com os indianos e paquistaneses, e não desejaram maior envolvimento nessa região
asiática. Por sua vez, os indianos não estavam dispostos a desagradar o novo governo chinês, com quem tinha muito
a tratar e negociar. Assim, Ngapo se viu numa situação péssima em Chamdo em 1950. E nesse mesmo ano, com a
ajuda crucial de um inglês contratado para as transmissões de rádio para Lhasa, Robert W. Ford (1923 - 2013),
foram transmitidas as mensagens chinesas de que a tarefa do EPL era de libertar regiões da China ainda sob o jugo
de estrangeiros imperialistas, incluindo a ilha de Taiwan, Hainan e o Tibete. Na verdade, havia raríssimos
estrangeiros no Tibete. Existia um agente britânico que foi embora em agosto de 1950 para ser substituído por um
representante da Índia. E dois intrépidos austríacos, Peter Aufschnaiter (1899 - 1973) e Heinrich Harrer (1912 -
2006) que depois ficariam famosos no livro “Sete Anos no Tibete” [737]. Mas os comunistas chineses ainda assim
consideraram o Tibete como região de intervenções estrangeiros no passado. E essa atitude foi exacerbada com a
decisão do governo tibetano em expulsar todos os representantes chineses, incluindo os ambans, de Lhasa em 1949.
Não foi apenas uma questão de estrangeiros e libertação do Tibete. Os chineses atravessaram um século de
humilhações seguidas nas mãos de britânicos, europeus e japoneses. A rejeição do 13º Dalai Lama em 1913 sobre as
demandas chinesas foi ainda outro fator agravante no orgulho chinês. Além do mais, o Tibete era uma região de
fronteira vital, a sudoeste e oeste, e, caso fosse independente, as fronteiras com a China seriam estabelecidas ao
longo do rio Yangzi, um terreno de fácil acesso e de difícil defesa contra eventuais agressores aos olhos chineses.
Com a anexação do Tibete, as fronteiras iriam se estender ao longo da imponente cordilheira dos Himalaias que
manteve o isolamento seguro do Tibete por séculos.
Mao Zedong não desejava combates contra os tibetanos. Pois sabia que uma força militar chinesa no Tibete
agravaria ainda mais a relação entre os dois governos. Almejava um acordo pacífico, negociado, assim como muitos
tibetanos. A questão era como seriam os termos desse acordo a ser alcançado. Os primeiros passos rumo a isso se
deu em Chamdo, embora os chineses queriam que fosse feito em Pequim, e os tibetanos em território neutro como
Hong Kong. Um breve encontro já havia ocorrido na Índia, e o representante tibetano no país e o embaixador chinês
em Delhi chegaram logo a paralisações nas negociações, com a posição chinesa a defender a integração do Tibete e
a pronta e categórica recusa por parte do conselho em Lhasa, o Kashag.
Conforme dito, houve entre as autoridades tibetanas aqueles que passaram a considerar a ligação com os
chineses. Um deles era um lama chamado de Getag Tulku que abraçou a causa comunista, mas esse foi encontrado
morto em maio de 1950, supostamente envenenado. No mesmo mês, outro ex-abade do mosteiro de Sera, Geshe
Sherab Gyatso (1884 - 1968), ocupante da vice-presidência da província chinesa de Qinghai, região historicamente
ligado ao Tibete, transmitiu apelo aos tibetanos para que concordassem em se tornar parte da China. Nesse contexto,
Ngapo foi a Chamdo e por lá começou a constatar o incremento no número de homens do EPL e dos seus planos de
avanço rumo ao Tibete a partir de 7 de outubro de 1950. Por problemas de comunicação via rádio, sua mensagem
urgente demorou dias a chegar a Lhasa, e quando este chegou, em 15 de outubro, o Kashag respondeu que a demora
da resposta se dava pelos eventos de um piquenique anualmente celebrado do conselho! No dia seguinte, o EPL já
estava em grande número reunido em Chamdo e em Riwoche, que bloqueava, efetivamente, todo o acesso para
Lhasa. Ngapo, entendendo a situação calamitosa, fugiu antes do amanhecer do dia seguinte e Robert Ford, o
funcionário americano contratado para as comunicações por rádio com Lhasa, testemunhou a crescente ira dos
khampas com o que restava dos representantes tibetanos na região. Pouco depois, o americano também empreendeu
fuga, a salvar sua vida. A rota dos dois, entretanto, não foi bem sucedida, pois tinham que parar em um mosteiro na
fronteira e ali foram capturados por khampas e entregues aos chineses.
Em Chamdo novamente, Ngapo, passou a ser tratado não como um prisioneiro, mas como um convidado sob
custódia chinesa. Ford, ao contrário, foi tratado de maneira mais impiedosa, por ser considerado como agente
imperialista. Foi preso e submetido a incontáveis sessões de interrogatório durante cinco anos. Depois de retornar à
Inglaterra ele escreveu sua experiência da persuasão chinesa no livro “Capturado no Tibete”, publicado em 1957
[738]
.
O clima em Chamdo era bem diferente agora. Soldados chineses patrulhavam as ruas e cartazes chineses
enchiam as paredes. E mensagem principal era de que os chineses do EPL estavam ali para assegurar a libertação da
opressão imperialista estrangeira e de que a ordem prevaleceria. Nenhum dano contra monges, lamas e os templos
ocorreu. Foi informado aos tibetanos de que nenhuma mudança no governo e exército tibetano seria feita, abrindo-
se, portanto, os comunistas chineses para o diálogo. Naturalmente, essa era a estratégia de Mao, de buscar
gradativamente as negociações. O posicionamento tibetano, em resposta, deveria ser o mais suave possível, visando
se organizar e ganhar tempo.
Para melhor negociar com Ngapo, os comunistas chineses designaram no início da década de 1950 um khampa,
chamado Puntsog Wangyal, ou simplesmente Punwang (1922 - 2014), um jovem idealista e fervoroso defensor do
comunismo no Tibete. Punwang acreditava que as duas partes eram conciliáveis em seus projetos, mas Ngapo
dificilmente seria convencido nesses termos. Mas a maior fragilidade do lado tibetano foi a desunião do Kashag e a
falta de comando de uma liderança. Muitos tibetanos, nesse sentido, começaram a apontar o novo Dalai Lama, o 14º,
a assumir o cargo máximo, mas o jovem lama, Tenzin Gyatso (1935 - ) (fig.), tinha apenas 16 anos de idade. Seu
irmão mais velho, Jigme Norbu, tinha passado algum tempo sendo educado sobre as doutrinas comunistas, e foi
enviado a Lhasa por Pequim apenas com o objetivo de convencer o jovem lama a aceitar a libertação nas mãos
comunistas. Entretanto, este conseguiu evadir-se de sua missão e fugiu para Nova York, onde buscou fazer inúmeros
pedidos de ajuda e assistência antichinesa. O contexto mundial nos anos de 1950 e 1951 foi infeliz diante de seus
pleitos e para a causa soberana tibetana, uma vez que todos se voltaram para a Guerra da Coreia (1950 – 1953).

Fig. - Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, na sua juventude.

Em momento derradeiro, os mensageiros de Ngapo chegaram a Lhasa, solicitando um posicionamento definitivo


sobre as negociações com os chineses. Após vivos debates, a maioria das autoridades tibetanas concordou em
prosseguir com as negociações de maneira pacífica, e foi decidido que Ngapo chefiaria uma equipe de negociadores
em Pequim. Enquanto isso, o Dalai Lama e alguns membros da Kashag acharam por bem buscar refúgio numa
cidade de fronteira com o estado indiano de Sikkim, em Yadong. E nessa empreitada, grandes cargas de
preciosidades e tesouro da nobreza de Lhasa foram transportadas a serem guardadas em Sikkim.
A caminho de Pequim, Ngapo cortou seu cabelo comprido, um gesto simbólico representando uma ruptura com
suas tradições e valores tibetanos rumo a um novo futuro. A instrução que tinha recebido em Lhasa era de que
deveria buscar a independência do Tibete na medida do possível, como a relação nos tempos passados que existiu,
entre um sacerdote e um patrono, ecoando a ligação entre Phagpa com Kublai Khan, o 5º Dalai Lama com Güshi
Khan, e Pholhane com o Imperador Qianlong. Caso assim não fosse conseguido, ao menos que o Tibete mantivesse
sua autonomia em termos internos e sem a presença de nenhum soldado chinês em seu território. Quando foram
abertas as conversas, o negociador chinês simplesmente ignorou a independência e relação histórica entre os
tibetanos e chineses. E respondeu que o Tibete sempre fizera parte da China, e que as negociações deveriam partir
disso. De como o Tibete seria integrado à nova China. Em caso de negativa, o EPL estaria pronto, nas fronteiras em
Kham e outras regiões, para posterior avanço.
Ao final, Punwang apresentou 17 pontos de demandas do governo chinês a Ngapo. Entre esses, os mais
significativos eram os dois primeiros, expressando o retorno dos tibetanos para a Grande Família da República
Popular da China, encerrando a independência de fato do Tibete. E que o governo tibetano deveria auxiliar o EPL
para melhor ordenar o seu avanço até Lhasa. As autoridades do Dalai Lama e seu governo não seriam alteradas,
haveria liberdade religiosa e as reformas posteriores seriam feitas de maneira gradual. Assim, Ngapo, havendo feito
o melhor que podia diante das circunstâncias, assinou esses termos com os chineses em 23 de maio de 1951 [739].
Caso o Kashag não concordasse, o conselho poderia não ratificar o negociado por ele. Alguns dias depois, Ngapo foi
a uma estação de rádio e transmitiu a Lhasa os pontos assinados.
Para os chineses, esse acordo negociado foi um tremendo sucesso, a justificar o Tibete como parte integrante da
China. Observadores e a comunidade internacional ficaram chocados com os fatos, mas poucos puderam
compreender que as negociações foram realizadas dentro dos limites das circunstâncias históricas. Por meio do
irmão do 14º Dalai Lama, Thubten Norbu, tinha-se conversado com o Departamento de Estado do governo dos
EUA, e os convenceram de que o Tibete poderia servir de baluarte contra o comunismo chinês. Washington
ofereceu exílio e ajuda aos combatentes anticomunistas tibetanos, mas nada foi feito e assinado oficialmente. Os
britânicos, por sua vez, aconselharam o Kashag a buscar maior liberdade possível e prometeu apoio em caso de clara
agressão. Mas o que a maioria não tinha entendido era que a maioria dos tibetanos aceitou o acordo, a incluir os
abades dos tradicionais mosteiros de Lhasa. Pois pensaram que a relação histórica dos tibetanos com os chineses
seria como nos séculos anteriores, como uma relação fraternal e de respeito, deixando a vida monástica a prosperar
independente das considerações políticas.
Em 7 de julho de 1951, centenas de lamas e oficiais tibetanos se reuniram e, após dias de debates, a maioria
reunida numa Assembleia Nacional decidiu que o Dalai Lama deveria retornar do exílio e aceitaram o tratado com
os chineses. A resistência tibetana não poderia ser considerada mais seriamente diante da força do EPL estacionados
nas fronteiras, e se decepcionaram com a parca ajuda ofertada pela comunidade internacional. Nesse sentido, os
primeiros representantes do EPL começaram a se dirigir a Lhasa, e as altas autoridades tibetanas, incluindo o Dalai
Lama, começaram a tomar o rumo de volta de Yadong, sob a escolta de um general chinês. Faltava apenas Ngapo,
que tinha consigo as cópias originais assinadas do acordo. E assim Ngapo chegou a Lhasa em setembro, diante de
um grande número de reunidos na Assembleia Nacional e dos membros do Kashag, e pediu a palavra para explicar
os seus motivos dos acordos assinados. Ao final de um discurso apaixonado, a maioria reunida percebeu que as
decisões não poderiam ter sido diferentes. Mesmo porque a maioria radical contra qualquer intervenção chinesa já se
encontrava marginalizado no governo tibetano ou mesmo em exílio. O 14º Dalai Lama, embora tivesse expressado
ter sido contra os acordos, teve uma audiência em particular com Ngapo, e entendeu de que os resultados foram
inevitáveis. Um mês depois, o Dalai Lama mandou um telegrama a Mao aceitando os termos do acordo. Nos
próximos meses de 1951, milhares de tropas começaram a chegar a Lhasa, carregando cartazes e retratos de Mao e
outros símbolos da China comunista. Ao final do ano, havia cerca de 8 mil soldados em Lhasa, e outros milhares
foram para a fronteira com a Índia. Foi o início de uma nova era.
Mao tinha ficado impressionado como Lênin e Stálin tinham conseguido espalhar seus governos tão rapidamente
sobre tantos povos e etnias diferentes, na criação da União Soviética. O líder chinês propôs vigilância e restrição a
um senso exagerado de importância e chauvinismo da etnia Han sobre os outros povos chineses, e da importância de
se respeitar as diferenças entre eles na nova China. No entanto, ao longo da década de 1950, o discurso começou a
mudar para a realidade política. Ao Tibete, havia sido oferecido, e não negociado, uma autonomia dentro do espaço
soberano chinês comunista. Isso foi feito, de toda maneira, de forma branda e gradual. Entre 1951 e 1959, os
comunistas chineses buscaram cortejar os nobres tibetanos e mantiveram as estruturas tradicionais tibetanas. Feito
isso, os chineses ganharam adeptos entre parte da elite tibetana, inclusive o 14º Dalai Lama. Quando o representante
tibetano, Ngapo, voltou a Lhasa, ficou impressionado com o pouco que tinha mudado. As maneiras tradicionais de
deferência ao chão, por três vezes, ao Dalai Lama, também foram mantidas, mesmo com o constrangimento de
alguns generais e oficiais chineses.
Foram três os generais chineses designados em Lhasa, e eles mesmos discordaram com relação à velocidade das
reformas necessárias. Dois deles concordaram com o gradualismo adotado por Mao, e um por reformas mais
impositivas. Houve também movimentos de resistência em torno de algumas figuras políticas tibetanas. Havia dois
primeiros-ministros, designados quando o Dalai Lama e o Kashag estavam em exílio, e foram esses os maiores
críticos da ocupação chinesa. Eles lideraram um movimento chamado de Partido Popular do Tibete e passaram a
exigir a expulsão dos chineses e do maior envolvimento do Dalai nesse sentido.
Em abril de 1952, Ngapo foi nomeado como vice-comandante da nova Sede Militar da Área Tibetana, um dos
primeiros passos a substituir as tradicionais estruturas de poder do governo tibetano. Ngapo se tornou alvo da ira de
alguns resistentes tibetanos, mas as suas tropas agiram rapidamente. Ao final, os generais chineses em Lhasa
apelaram para o Dalai Lama e o Kashag, no sentido de transmitir uma mensagem de calma e cooperação. Os dois
primeiros-ministros, envolvidos nas rebeliões foram demitidos, e o Partido Popular do Tibete, tornado ilegal. Estava
claro que aqueles que persistissem na resistência, não teriam apoio das autoridades em Lhasa e, assim, muitos
partiram para as regiões de fronteira ou para o estado indiano de Sikkim. A partir de então, o Dalai se tornou a maior
figura de autoridade tibetana, enquanto o Kashag cuidaria dos assuntos cotidianos, que passaram a contar cada vez
mais com os conselhos de Ngapo, mais próximo dos chineses. Ngapo e o Dalai depois se tornariam grandes amigos,
e ambos compartilharam a ideia de que era possível realizar uma série de reformas no Tibete para um futuro melhor.
Mao, em Pequim, tinha consciência das limitações da política tibetana, e queria ganhar os corações dos tibetanos
com o tempo, investindo generosamente na construção de estradas, escolas, hospitais, bancos, portos e reformas dos
grandes mosteiros. Fazendo isso, Mao começou a ligar cada vez mais a economia e sociedade tibetana com o resto
da China, distanciando dos seus acessos à Índia. Os chineses patrocinaram os grandes festivais e orações
tradicionais, e promoveram as autoridades religiosas dos mosteiros. Foi natural, pois, que muitos tibetanos
começaram a enxergar os chineses com novos olhos, na década de 1950. Os costumes chineses começaram a
inundar Lhasa, especialmente entre a elite: a língua, roupas, música e penteados. Os tibetanos que haviam visitado a
China voltaram maravilhados com a modernidade que tinham visto.
O Dalai Lama, apesar de propor novas reformas, era mais cauteloso a respeito das mudanças e da realidade
chinesa. Mao, visando ganhar o lama, convidou-o com todas as honras para Pequim em 1954, na inauguração do
novo Congresso Nacional do Povo. Ngapo e membros do Kashag também formariam parte da comitiva, incluindo o
maior lama de Karma Kagyu, o 16º Karmapa, e o 10º Panchen Lama, Choekyi Gyaltsen (1938 - 1989). E foi este
que depois começou a se apresentar competitivo pelas atenções das autoridades chinesas contra o Dalai Lama.
Apesar da tradição indicar que deveria ter uma boa relação entre o Panchen e o Dalai, aquele havia claramente
demonstrado contestações, e foi desapontador o fato que Mao manifestou-se a reconhecer o Dalai como a maior
autoridade espiritual tibetana. Os eventos posteriores da visita ecoaram os eventos dos séculos anteriores, com Mao
apresentando seus ministros aos lamas e autoridades tibetanas, portando-se como os imperadores chineses do
passado. No seu discurso, Mao falou efusivamente dos novos tempos, e de que os tibetanos seriam sempre
considerados como irmãos dos chineses. O entusiasmo parece ter contaminado a comitiva tibetana e esses ficaram
impressionados com as obras feitas pelos comunistas: estradas, usinas de energia, escolas, fábricas, estaleiros entre
outros. O Dalai ficou comovido com a atenção dada aos mais pobres, e pensou que esse ideal comunista condizia
com os ensinamentos dos bodisatvas de colocar o bem-estar dos outros antes do próprio.
Como efeito prático, o Tibete foi estabelecido como Região Autônoma, e o governo tibetano seria agora
composto a partir de um Comitê Preparatório que incorporou o governo do Dalai Lama, Panchen Lama e o Comitê
de Chamdo, que tinha sido estabelecido quando o EPL invadiu essa cidade. Na verdade, essa reforma política
resultou num enfraquecimento do Dalai e do Kashag, pois agora representavam uma fração no novo comitê. Outras
propostas chinesas vieram à tona. A moeda tibetana seria substituída pela chinesa e o exército tibetano foi
dissolvido, que produziu alguns rebeldes militares a buscar novas bases de atuação.
Ao final da visita, o Dalai pôde retribuir e foi feito convite a Mao para visitar Lhasa. O Dalai e Mao tiveram
várias conversas particulares nas semanas anteriores em Pequim, e o lama mostrou-se disposto a reformar as
tradições tibetanas. Mao, em contrapartida, mostrou-se apreciador da história e cultura tibetana, impressionando
muito o jovem lama tibetano. Quando o Dalai e sua comitiva retornaram para Lhasa em junho de 1955, parecia que
o Tibete estava indo a um rumo certo de mudanças e reformas sem perder sua identidade nacional.
Uma das mais sérias resistências ao comunismo chinês se deu na região de Kham que, aos olhos de Pequim, não
era considerada como parte do Tibete propriamente dito. A partir de novas diretrizes de produção agrícola de Mao,
várias propriedades e latifúndios foram reorganizados e coletivizados a partir de seus Planos Quinquenais em 1953.
Os primeiros confrontos se deram com a chegada dos oficiais chineses com essas ordens, e muitos monges,
proprietários e camponeses se recusaram a cooperar. Ademais, havia um antigo costume dos khampas de ter
guardado uma arma com significados sagrados e de posse familiar, o que foi considerado como potencialmente
perigoso pelo governo chinês que passou a confiscá-las. Os ânimos começaram a ficar exaltados e a falta de
cooperação desandou para a violência. Em 1955, a violência irrompeu quando alguns khampas começaram a ir atrás
de alguns oficiais chineses e os mataram. Quando o EPL chegou, os rebeldes se refugiaram no interior, muitos indo
aos mosteiros que tinham também função de fortaleza. Um desses, o da escola Gelug, em Sampeling, passou a sofrer
meses de sitio e foi duramente bombardeado por aviões chineses em fevereiro de 1956. Ao realizar esse ato, os
chineses começaram a ser vistos como inimigos do budismo, e de toda a cultura de Kham e do Tibete, algo que
custaria caro a Pequim. Nos meses seguintes, outro mosteiro Gelug, de Litang, fora alvejado e destruído em ruínas.
Centenas de corpos de rebeldes e monges estavam entre o que restou das bombas.
A relação do comunismo chinês com o budismo era, de fato, complexa. Pois havia diretrizes do Partido
Comunista Chinês (PCC) que afirmava a liberdade da prática religiosa, mas, ao mesmo tempo, enfatizava que havia
limites para a tolerância, proibindo casos de revolução e subversão justificadas pela religião. Para trazer o budismo
para dentro da estrutura do Partido, foi criada a Associação Budista da China, em 1953, presidido pelo monge
Sherab Gyatso (1884 - 1968), eminente lama que fora amigo do 13º Dalai Lama. Esse lama, evidentemente, agora
tinha se tornado comunista, e não considerava incompatíveis as diferenças entre as duas ideologias. Na verdade,
Sherab Gyatso buscou revitalizar o budismo com o comunismo, identificando as forças das tradições do budismo
tibetano como retrógradas e conservadoras. O novo budismo deveria seguir o comunismo [740]. Mas as tensões
estavam crescentes e isso foi expresso no Congresso Nacional do Povo de 1956, quando alguns delegados chineses
acusaram os oficiais chineses de chauvinismo sobre os khampas. Essas tensões provocaram uma onda de refugiados
para Lhasa e Tibete Central, arraigando ainda mais o repúdio de alguns tibetanos contra os khampas.
Os conflitos começaram a se manifestar nas ruas de Lhasa. Policiais chineses e alguns conservadores tibetanos
consideraram os khampas como bandidos e potenciais criminosos, que estavam se concentrando nos arredores da
cidade. Percebendo tal clima, o Dalai Lama buscou então banir algumas organizações políticas de apoio aos
khampas, como a Assembleia Popular. O Kashag, posteriormente, chegou a condenar os líderes dessa organização,
aprisionando-os e interrogando-os por meses. Um desses três líderes presos morreu, e os outros dois fugiram, depois
de libertados, para o exílio em Kalimpong, na Índia. O Dalai Lama encontrava-se cada vez mais acuado entre a
atender as demandas populares, muitos ressentidos com o tratamento dos chineses, e a busca por uma conciliação
com Pequim a fim de garantir a ordem no Tibete. Nesse período, o lama recebeu um convite para visitar a Índia,
para comemorar os 2500 anos do nascimento do Buda. Despertando o temor das autoridades chinesas de que o lama
poderia refugiar-se no país visitado.
Em novembro de 1956, o 14º Dalai Lama, ministros do Kashag e Ngapo chegaram a Delhi e foram recebidos
pelo primeiro-ministro indiano, de família de aristocratas caxemirenses, Jawaharlal Nehru (1889 - 1964). Alguns
dias depois, o lama foi prestar homenagens a Gandhi, onde parte de suas cinzas foram lançadas ao sagrado rio
Yamuna. E nessa ocasião, o Dalai prometeu de que jamais faria uso da violência, conforme defendia o líder indiano.
Em janeiro de 1957, o Dalai voltou para a fronteira com o Tibete, em Kalimpong, e encontrou-se com a comunidade
de exilados na cidade, incluindo ali dois de seus irmãos. E foi discutido se o lama de Gelug deveria retornar ao
Tibete ou ficar exilado, ao que Ngapo, seu conselheiro mais próximo, recomendou pelo retorno, visto que a sua
ausência iria desestabilizar ainda mais o Tibete em sua fase formativa dentro da China comunista. Sendo assim, o
lama e sua comitiva cruzaram a fronteira alguns meses depois em 1957.
A situação no Tibete, no entanto, não estava indo nada bem. Os khampas estavam cada vez mais impacientes,
seja submetido à ingerência chinesa em Kham, seja nas comunidades de refugiados nas cidades tibetanas e arredores
de Lhasa. O Dalai pediu a cooperação dessa comunidade. O Karmapa, o maior lama de Karma Kagyu popular entre
os de Kham, instruiu aos seus fiéis calma e serenidade. Outro erudito da escola de Karma Kagyu, Khenpo Gangshar
(1925 – 1980-81) [741], passou a ensinar que todos os budistas deveriam tomar atitude benévola e ativa nesse mundo,
e a evitar o que é nocivo, ecoando as palavras de Buda. Mas o espírito combativo em Kham não foi evitado. Diante
das demandas de Pequim, o Kashag procurou conter os rebeldes, mas com pouco resultado, apenas a expulsar
apenas alguns refugiados khampas de Lhasa. Essa atitude ao longo do tempo, do governo tibetano com relação aos
khampas, fez com que muitos desses se sentissem abandonados e ressentidos no Tibete Central. Assim, começaram
a surgir redes de apoio e grupos de milícias revolucionários organizados no Tibete, como a “Quatro Rios Seis
Cordilheiras” (Chushi Gangdrug), antigo nome de referência de Kham, criada em 16 de junho de 1958 [742].
Os exilados em Kalimpong, naturalmente, ficaram animados com tais desenvolvimentos e alguns passaram a se
organizar em contato com outros governos, como o dos EUA, que apresentou certo apoio, não-oficial e via a CIA, e
começou a treinar um número de guerreiros khampas em sua base em Taiwan. E foi essa organização, encorajada
com os novos apoios, que começou a agir dentro de Kham, matando alguns soldados chineses. A maré da atitude
dos tibetanos começou a mudar a favor dos rebeldes khampas, agora considerados como defensores da fé e
identidade tibetana.
No início de 1957, Mao discursou perante os membros mais proeminentes do PCC e afirmou que havia
contradições no Partido e dentro da China. O excessivo chauvinismo da etnia han deveria ser contido e que as outras
nacionalidades chinesas (como os tibetanos) deveriam ser respeitadas para uma fase de transição ao comunismo.
Mas ao afirmar isso, Mao deixou claro que não havia nenhuma consulta aos tibetanos, e que todas as nacionalidades
chinesas deveriam se adequar ao plano nacional. Ao final do discurso, Mao concluiu que a China deveria ter mais
discussões, críticas e propostas, se almejasse avançar, como expressou em tom metafórico ao comparar com o
florescimento de cem flores. Muitos levaram as palavras do líder a sério, e assim, depois de algum tempo, Mao
começou uma política repressiva contra todos aqueles considerados contra o projeto revolucionário. Em Kham, os
efeitos dessa repressão foram logo sentidos. Uma das primeiras vítimas foi o mais proeminente representante
tibetano do governo chinês na região, Punwang, deixando o Dalai Lama inconformado e cada vez mais impaciente.
Entre os khampas, as atitudes passaram para os conflitos armados. Isso foi ainda mais agravado depois do anúncio
de Mao, no verão de 1958, do Grande Salto Adiante, prometendo multiplicar a produção chinesa em vários setores
em poucos anos. As unidades de produção seriam cooperativas a incentivarem umas às outras. O plano nacional foi
um desastre, resultando em cerca de 20 milhões de mortos, muitos por doenças acarretadas pela fome [743]. No
Tibete, o número de vítimas chegou às suas fronteiras, em Sichuan, antiga parte oriental de Kham. À medida que
mais terras eram coletivizadas, as pessoas passaram a migrar e fugir dos planos de Mao, indo se refugiar em
mosteiros com a anuência de monges e lamas.
O cataclismo, portanto, estava visível no horizonte dos tempos no início de 1959. Nesse período, o governo
tibetano encontrava-se paralisado e sem um posicionamento a respeito dos rebeldes khampas. O Dalai Lama estava
retirado para concluir seus estudos que o levaria ao grau de geshe [744]. E os exames finais ocorreriam logo no Ano
Novo Tibetano, coincidindo com o Festival da Oração, uma das mais tradicionais de Lhasa. Um dos generais
chineses que permaneceu à época em Lhasa, Tan Guasen, propôs um grande festival de dança para celebrar a
aprovação do lama a ser realizado no amplo auditório da sede do EPL próximo de Lhasa. Os exames finais do lama
ocorreram em março, e foram realizadas grandes procissões, em cada um dos grandes mosteiros, primeiro em
Drepung, depois em Sera e, por fim, em Ganden.
Após os exames, o Dalai voltou-se para sua residência, em Norbulingka. Com a chegada do Grande Festival de
Oração, o general Tan novamente reforçou os convites feitos ao lama para celebração. Esse convite, feito por um
general chinês, a ser realizado numa dependência militar do EPL começou a gerar desconfiança e incômodo entre
muitos tibetanos. Alguns viram nisso um plano para sequestrar o lama e levá-lo como refém para Pequim. Outros
monges começaram a se mobilizar para impedir a ida do lama para as dependências militares chinesas perto de
Lhasa. Mas o Dalai Lama, em princípio, permaneceu convicto de que os eventos eram apenas comemorativos, e
buscou acalmar os manifestantes que começaram a se aglomerar diante da sua residência em Norbulingka a partir de
10 de março de 1959.
Passados alguns dias, a multidão começou a se manifestar contra todos aqueles chineses e tibetanos envolvidos
nessa suposta tentativa de entrega do Dalai Lama. As revoltas começaram ganharam em magnitude, e foram
reportados casos de linchamentos. O lama, consternado, passou a entender a gravidade dos fatos [745]. Pois o Tibete
encontrava-se numa situação delicada entre protestar e lutar por sua identidade e autonomia contra a crescente e
inevitável ingerência chinesa. O maior símbolo do Tibete era o próprio Dalai Lama, e ele deveria ser protegido de
qualquer ameaça. As multidões tibetanas reunidas foram para outros lugares simbólicos de Lhasa para protestar
contra os chineses. Para Barkhor, praça central de Lhasa e depois para o templo de Jokhang. A elite tibetana não
tinha conseguido enxergar a tempo essa efervescência popular, e muitos começaram a pensar em fugir para China ou
aos países no estrangeiro. Outros, alheios a tudo, decidiram ainda comparecer aos eventos no acampamento chinês
para as celebrações do Dalai Lama, embora a situação estivesse perigosamente instável. Diante disso, o Dalai não
compareceu, a não causar maiores tumultos com a multidão reunida em frente à sua residência, para o
desapontamento (e total incompreensão) do general chinês, Tan.
As manifestações se alastraram pelo Tibete. Muitos khampas aproveitaram para expressar sua raiva e
inconformismo. Mais e mais pessoas começaram a defender, abertamente, a independência tibetana. Em 15 de
março, Ngapo procurou manter a linha de diálogo entre o Dalai Lama e o general Tan, visando apaziguar a falta de
comunicação entre as partes que poderia resultar numa catástrofe ainda maior. Diante de planos dos militares
chineses em conter a multidão tibetana, o Dalai começou a pensar, junto com membros do Kashag, em fugir
secretamente de Norbulingka para o exílio. No dia 17 de março, os chineses deram início à mobilização de sua
artilharia contra Norbulingka, a enfrentar a população acampada em torno do mosteiro. Os bombardeiros começaram
a atingir partes da residência que não pudesse atingir o lama. Mas esse tinha tomado sua decisão de fuga. Naquela
tarde, o lama, seus irmãos e sua mãe fugiram furtivamente das dependências de Norbulingka. Ao anoitecer,
vestindo-se como um peregrino comum, o Dalai Lama conseguiu passar despercebido entre a multidão e as tropas
do EPL nos arredores. E dirigiu-se para a fronteira com a Índia, em Lhuntse Dzong [746].
Na manhã seguinte, começaram os rumores de que o lama havia sumido. Alguns consideraram isso como ato dos
chineses, outros como uma fuga ao exílio. Os manifestantes fortificaram-se em pontos em Lhasa para fazer frente às
tropas chinesas. No dia 20 de março de 1959, os chineses passaram novamente a atirar contra Norbulingka, a
dispensar a multidão. Na manhã seguinte, as batalhas mais sangrentas começaram e o lado tibetano encontrava-se
em clara desvantagem. Houve tenaz resistência de khampas, mas em sua maior parte, foram rendidos ou mortos pelo
fogo chinês. As notícias violentas chegaram ao ouvido do Dalai Lama, e este percebeu que não havia volta para
Lhasa, e assim decidiu ir adiante para a Índia, solicitando a Nehru um pedido de asilo.
***
À época que o Dalai Lama chegou à Índia para o exílio, já havia uma numerosa comunidade tibetana no exterior.
Chefes e líderes de outras escolas tibetanas, como o Karmapa, Sakya Trizin e Dudjom Rinpoche. Muitos outros
tentaram fugir, mas foram detidos e pegos pelo EPL e alguns até morreram na tentativa. A maioria dos que
escaparam foram os primeiros que se dirigiram ao Sikkim, na Índia, e ao Butão. Outros, do grupo rebelde dos
khampas, foram recebidos pelo rei Mahendra (r. 1955 - 1972) do Nepal. Apesar de Nehru ter concedido asilo ao
Dalai Lama na Índia, o chefe de governo indiano afirmou não poder reconhecer a independência do Tibete. Ainda
assim, as relações entre a Índia e a China começaram a azedar, pois muitos refugiados tibetanos foram acolhidos e
apoiados pelo governo indiano.
O 14º Dalai Lama, aproveitando-se da visibilidade tibetana, começou a fazer conferências e entrevistas para a
imprensa internacional e buscou se reunir com lideranças e embaixadores estrangeiros. Nas Nações Unidas, houve
certa vitória aos tibetanos no exílio ao ser aprovada a Resoluções 1353 de 1959 e a 1755 de 1961 apelando para o
respeito dos direitos humanos do povo tibetano e pela sua vida cultural e religiosa. Mas o número de países que
tinham oferecido apoio e asilo foi pouco, em geral, em nada se comparando à generosidade indiana. Em 1960,
Nehru sugeriu ao Dalai Lama para se instalar na cidade de Dharamsala, e a cidade tornou-se sede do que muitos
consideram como o governo tibetano no exílio. Mas nenhuma nação esteve disposta a reconhecer esse novo governo
do exílio do Dalai Lama e de seus ministros no Kashag. Restava o discreto e apoio não oficial dos EUA, via a CIA,
de rebeldes tibetanos armados que tinham se instalado na fronteira do Nepal com o Tibete, em Mustang, com
limitado sucesso de atuação.
A elite política tibetana no exílio logo começou a se dividir sobre quais rumos e ações deveriam ser tomadas.
Alguns consideraram o Dalai como um colaborador e traidor diante das suas negociações com os chineses. Outros,
como o irmão do Dalai, Gyalo Thondup (1928 - ), passaram a buscar adaptar os ideais comunistas para revigorar o
atrasado sistema de governo tibetano, consubstanciado no Kashag, o qual foi paulatinamente sendo abolido à medida
que os membros mais velhos do conselho foram morrendo.
Os eventos mais sombrios se deram em 1962, com os desentendimentos entre Nehru e Mao a respeito da
fronteira entre as duas grandes nações asiáticas. Havia sido estabelecida uma linha de fronteira, chamada de
McMahon (em homenagem ao diplomata britânico na Índia à época, Henry McMahon), entre os dois países nos
encontros ocorridos em Simla em 1914. Mas o lado chinês comunista alegou que o acordo foi assinado com outro
governo e de que não deveria ter envolvido a questão tibetana que estava incerta à época de Simla. Nehru, um estrito
legalista de formação britânica, considerou o acordo de 1914 como legítimo, e assim os conflitos se iniciaram em
outubro de 1962. Foi, em certo sentido, uma guerra pelo Tibete, pois os indianos almejaram reivindicar mais espaços
na fronteira em detrimento da soberania exigida da China sobre a região. Ao final, o exército indiano enviado, com a
mobilização de muitos rebeldes khampas, foi derrotado pelo EPL e um cessar-fogo foi assinado em novembro de
1962. A questão não obteve nenhuma solução definitiva e custou a Nehru seu cargo político como primeiro-ministro
[747]
.
O governo em Pequim, todavia, ainda considerava como melhor administrar e apaziguar as lideranças tibetanas e
introduzir reformas de maneira cuidadosa. Mas a visão, do lado tibetano, começou a mudar para a negativa na
cooperação, pois foram vistos o desgaste da intervenção chinesa, o desprezo em geral da sociedade internacional e o
desmonte das estruturas tradicionais no Tibete. O governo chinês propôs uma medida administrativa mais direta e
eficiente, visando conter os crescentes questionamentos, com a criação do Comitê Preparatório da Região Autônoma
do Tibete. O 10º Panchen Lama iria ficar à frente do comitê, enquanto Ngapo seria o vice-presidente. Mas esses dois
líderes tinham pouca autoridade genuína, e todos sabiam a quem cabia as decisões fundamentais: a partir de Mao e
dos militares do EPL sob comando do general Zhang Guohua (1914 - 1972) que se dirigiu a Lhasa em outubro de
1951 [748]. Em outras palavras, agora em diante, o Tibete seria uma espécie de estado militar.
As mudanças nesse sentido foram logo sentidas, com o deslocamento forçado de milhares de monges que
lutaram nas rebeliões para campos de trabalho pela China. Mosteiros e templos tibetanos foram esvaziados e suas
propriedades fundiárias desapropriadas. Essa perseguição aos rebeldes se estendeu para além de Lhasa. Os monges
do templo de Sakya foram acusados de reacionários e mais tibetanos foram capturados ou foram para o exílio. Em
meados de 1961, o Panchen Lama fez uma declaração contundente: o antigo sistema fundiário considerado atrasado
e feudal, que prendia os camponeses às propriedades seria substituído por um sistema popular democrático. Ngapo
deu uma versão mais detalhada. Os rebeldes seriam identificados, condenados e o sistema de trabalho obrigatório da
terra para os proprietários (famílias latifundiárias e instituições religiosas budistas) seria abolido e suas rendas
reduzidas. Visando assim estrangular as tradições e rendimentos que sustentavam a antiga estrutura social e política
tibetana, tudo de acordo com os princípios socialistas.
Para tentar conseguir apoio, o governo chinês passou a enfrentar a aristocracia tibetana e se voltou para o povo.
As explicações sobre essas mudanças foram realizadas numa série de comícios e apresentações populares por
comunistas chineses aos tibetanos, que apontaram as desigualdades e injustiças históricas e as esperanças de uma
nova ordem. Os objetivos em si eram verdadeiramente revolucionários e foi considerado como desejável para
muitos que viveram por gerações incontáveis presos e obrigados ao labor da terra. Mas, por outro lado, deve-se
considerar que esses planos foram impostos pelos chineses, sem qualquer consideração das tradições e valores
tibetanos. A consequência mais nefasta disso tudo foi o desmantelamento das ordens monásticas, que eram o centro
social e cultural de várias comunidades, com a expulsão de muitos monges e estudantes para o desemprego, exílio,
luta na ilegalidade ou doutrinação comunista chinesa.
Os efeitos foram brutais. Em 1962, o 10º Panchen Lama divulgou os números decorrentes dessas reformas no
Tibete. Os 2500 mosteiros e ordens religiosas budistas tibetanas que foram contabilizados em 1959 foram reduzidos
para apenas 70 em 1962 [749]. Esse lama foi incrivelmente corajoso, ao começar a criticar abertamente o governo de
Mao e algumas de suas petições foram apresentadas. O seu mosteiro de Tashilhunpo seria preservado e reformado,
assim como seriam autorizados o funcionamento de mais mosteiros a receber alguma ajuda e estipêndios para o
sustento do governo. Mas as autoridades chinesas em Lhasa logo usaram a petição do lama para acusá-lo de traidor e
reacionário, foi detido e passou por várias sessões de interrogatório antes de terminar na infame prisão de Qincheng
num dos distritos de Pequim. Ou seja, por ora ficou evidente que os comunistas chineses não tolerariam nenhuma
crítica aberta sobre suas políticas.
Quando a Região Autônoma do Tibete fora criada em 1965, restou apenas Ngapo ser nomeado como primeiro
governador do Tibete. Seu papel era simbólico, como um líder para servir de ponte entre Pequim e Lhasa. Assim,
representou seu papel ao se apresentar na Praça da Paz Celestial (Tiananmen) em Pequim, ao lado de Mao em
outubro de 1966, diante de milhares de jovens membros do PCC. Muitos desses estavam uniformizados e portavam
uma cópia do pequeno livro vermelho de provérbios de Mao. Esses eram os Guardas Vermelhos e foram esses os
mobilizados que estavam para fazer uma ampla campanha de destruição e terror por toda a China, conhecida como
Revolução Cultural (1966 - 1976), e um frenesi se abateria sobre o que restava do Tibete.
Foi o próprio Grande Timoneiro, outro nome de referência de Mao, que encorajou a Revolução Cultural. Pois
pensava em desestruturar as ameaças e outras lideranças dentro do PCC, considerando o desastre que tinha sido o
seu plano do Grande Salto Adiante (1958 – 1960) alguns anos antes. Inflamando os ânimos de jovens, muitos de
origem simples, o líder chinês poderia reafirmar-se como líder inconteste da China novamente e a perseguir e
humilhar os seus adversários. Diante disso, Mao decidiu perseguir Liu Shaoqi (1898 - 1969) por este ter sido
nomeado como Presidente da República Popular da China em 1959. Liu foi retirado do seu cargo em 1966 e depois
passou anos sendo torturado, quando chegou a falecer em novembro de 1969. Outras lideranças, professores,
intelectuais, empresários e proprietários rurais foram sistematicamente perseguidos e humilhados em atos públicos
por fanáticos jovens maoístas pela China. Milhões de cópias do livro de Mao foram distribuídos e lidos pela Guarda
Vermelha. Milhares de pessoas foram submetidas a abusos verbais e físicos, e muitos outros foram encontrados
mortos ou se suicidaram. Esse plano arrasador diante de tudo que pudesse ser considerado nocivo aos sonhos de
Mao tinha como princípio ideológico a eliminação dos Quatro Antigos: ideias antigas, culturas antigas, costumes
antigos e hábitos antigos.
Em outubro de 1966, esse furor se voltou como vandalismo cultural nunca visto na China. Lugares históricos
foram atacados e depredados em Pequim, pilhas de livros foram queimadas e templos e estátuas foram destruídos.
Os eventos posteriores no Tibete foram decorrentes desse novo tempo. O general Zhang Guohua foi designado para
levar as reformas da Revolução Cultural ao Tibete. E assim o militar chinês buscou então recrutar e formar um corpo
de jovens tibetanos para a Guarda Vermelha Tibetana que deveriam visar a destruição dos Quatro Antigos presentes
no Tibete. Assim, milhares de jovens tibetanos, desorientados e de famílias simples do meio rural, arrancados de
suas famílias e das tradições comunitárias e sem perspectiva de educação nos mosteiros, começaram a encher as filas
da Guarda Vermelha Tibetana. E foi por meio de suas mãos que panfletos foram espalhados pelo Tibete, explicando
os males das tradições tibetanas no campo e na cidade. Objetos e propriedades religiosas que representavam o
passado tirânico deveriam ser destruídos, assim como templos, mosteiros, escolas e estupas budistas. Hábitos
antigos, como os festivais religiosos deveriam ser abolidos, assim como a recitação de mantras e os atos de
peregrinação a locais sagrados, como ao sagrado Monte Kailash [750]. Os monges deveriam ser debandados e servir
de utilidade em obras públicas designadas. Retratos de lamas e outras autoridades religiosas deveriam ser destruídos.
O primeiro desses atos pela Guarda Vermelha foi sobre o templo de Jokhang, maior emblema da antiga cultura
tibetana em Lhasa. O templo foi invadido e incendiado, com todas as obras escritas e estátuas budistas ali contidas
[751]
. Embora boa parte dos mosteiros tivesse sido dissolvida em 1962, suas propriedades foram poupadas e
guardadas. Mas agora esses foram buscados e destruídos pela fúria fanática dos jovens tibetanos. Somente alguns
poucos locais foram poupados, como o Palácio do Potala, por sugestão de Zhou Enlai (1898 - 1976), premiê da
República Popular da China entre 1949 até sua morte, assim como o mosteiro de Tashilhunpo (sede do Panchen
Lama) e da histórica imprensa de Derge. O medo, a coerção e a histeria tomaram conta no Tibete desde 1959, e
qualquer manifestação contrária resultaria em confinamento, sessões de doutrinamento e execução. Os
representantes da velha ordem tibetana, monges, lamas e aristocratas foram denunciados e humilhados em público,
vestindo sinais de que eram criminosos. Toda a distinção da identidade e cultura tibetana, resultado de séculos de
inovações e mudanças férteis, deveria ser apagada e substituída pelo ideal do socialismo chinês.
Por volta de 1966, grande parte da herança tibetana já havia sido perdida. Em seu lugar, retratos de Mao e cultos
à sua imagem. Ainda assim, o Grande Timoneiro orientou a Guarda Vermelha de todas as regiões a buscar obliterar
qualquer fonte ou autoridade reminiscente, mesmo dentro dos quadros do PCC. Uma dessas figuras foi Ngapo.
Numa noite de 28 de outubro de 1966, um grupo da Guarda Vermelha Tibetana foi à sua casa e ele foi submetido a
uma longa sessão de questionamentos. Ngapo foi assim submetido a duras críticas e, pela força das circunstâncias e
intimidação, admitiu que havia explorado o povo tibetano como na antiga ordem social tibetana. Dia seguinte Ngapo
desapareceu e Zhou Enlai havia dado ordens para que ele fosse transferido para Pequim.
No início de 1967, houve uma reação tibetana diante da política aniquiladora de Mao. Uma facção revolucionária
tibetana, chamada de Gyenlog (“Os Rebeldes”) começou a planejar a atacar autoridades chinesas e membros
tibetanos associados a eles [752]. Para se defenderem, os chineses organizaram o grupo Namdrel (“Os Adeptos”). Os
dois grupos tinham um fanatismo e violência em comum, compostos por jovens e radicais de ambos os lados da
sociedade tibetana. E passaram a se confrontar para o controle do Tibete. Um dos piores incidentes ocorreu no
templo de Jokhang, quando um grupo de Gyenlog tornou o templo em uma fortaleza, mas acabaram sendo mortos
por partidários de Namdrel. Em meados de 1968, o exército chinês foi mandado para a região para buscar ordenar a
situação, por ordens agora de Lin Biao (1907 - 1971), um dos mais proeminentes líderes sob Mao de origem militar.
Zhou Enlai divulgou ordens de que as lutas deveriam cessar e foram criados Comitês Revolucionários para
apaziguar os conflitos na China e no Tibete. Muitos membros desse comitê no Tibete haviam sido escolhidos por
meio de sua origem social, muitos desses humildes camponeses analfabetos.
Assim iniciou-se uma fase ainda mais sangrenta da Revolução Cultural no Tibete. Pois as velhas lideranças,
consideradas reacionárias, foram afastadas e presas. Muitos camponeses se rebelaram quando se viram agora
explorados em comunas agrícolas designadas por Pequim para multiplicar a produção agrícola do país. E assim
concentraram suas frustrações e inconformidades contra qualquer sinal de autoridade chinesa, muitos de recém-
saídos do grupo Namdrel. Em Nyemo em 1968, uma jovem monja de 30 anos de idade chamada de Thrinley
Chodron (1938 - 1969), foi uma figura inspiradora em buscar resgatar as tradições e cultura tibetana nesse cenário
caótico [753]. Esta se afirmou como recebedora das mensagens do Dalai Lama por meio de um passarinho e assim
viu-se responsável pela vida material e espiritual do Tibete. À medida que seu movimento ganhou força, seus
seguidores começaram a defender a plena libertação do Tibete do domínio chinês e passaram a atacar com extrema
violência qualquer chinês ou apoiador deles. Eles também passaram a acreditar em profecias de um ressurgimento
do budismo tibetano proferidos por Thrinley Chodron, e havia rumores de que ela era imune a ser atingida por armas
de fogo. Apesar do amplo apelo, a líder espiritual e seus seguidores foram capturados em meados de 1969 e
executados publicamente em Lhasa.
Ao adentrar a década de 1970, Mao tinha se tornado numa figura intocável, quase imperial, e parecia distante do
mundo das disputas políticas. Uma última manobra do Grande Timoneiro foi aproximação com o governo dos EUA,
visando projetar a China no mundo e a conter a União Soviética, com o qual tinha se envolvido em disputas na
fronteira ao longo do rio Ussuri em setembro de 1969. O presidente dos EUA, Richard Nixon (g. 1969 - 1974),
passou a enxergar vantagens nessa nova frente de alianças contra os soviéticos, e assim mandou seu maior
representante de Relações Exteriores, o Secretário de Estado, Henry Kissinger (1923 - ) a negociar com Zhou Enlai
secretamente e sob a justificativa de um evento de confraternização de equipes de tênis de mesa em 1971. Um ano
depois, feitos os preparativos, Nixon foi ao encontro de Mao em Pequim [754]. As consequências para o Tibete
significaram o fim do apoio clandestino da agência de inteligência americana, CIA, a rebeldes e guerrilheiros na
fronteira com a Índia. As coisas também mudaram no Nepal. O novo rei, Birendra (r. 1972 - 2001), começou a
cortejar a China por investimentos e financiamentos, e passou a expulsar toda a comunidade khampa do país. Em
1974, chegaram-se aos conflitos armados os que resistiram à decisão monárquica nepalesa, principalmente na região
de Mustang. Parecia, portanto, que as perspectivas do Tibete eram sombrias em meados da década de 1970, com
uma crescente comunidade indo para o exílio, principalmente aos estados do norte da Índia.
A vida dos mosteiros tibetanos foi irremediavelmente afetada depois dos eventos da década de 1960. Vários
monges, abades e lamas foram afastados, perseguidos ou fugiram. Não à toa, os ensinamentos de Khenpo Ganghshar
de que os mosteiros deveriam seguir dentro dos atos e ensinamentos das pessoas se popularizaram. Mas havia outros
que buscaram resgatar a vida monástica institucionalizada tibetana, mesmo no exterior. Muito do apoio fora ofertado
pelo rei de Sikkim para o 16º Karmapa, Rangjung Rigpe Dorje (1924 – 1981), e um novo mosteiro de Rumtek foi
consagrado perto da capital, Gangtok, em 1966. No Butão, a família real recebeu inúmeros lamas e líderes
espirituais tibetanos. A maioria dos pertencentes da tradição do Dalai Lama, de Gelug, foram para campos de
refugiados em Buxa Duar, na província indiana de Bengala. Escolas foram abertas no exílio, visando preservar a
língua e cultura tibetana, mesmo para os tulkus que deveriam frequentar a Escola para Jovens Lamas criado em 1960
em Delhi para depois se mudar mais para o norte em Dalhousie.
Para tentar coordenar e organizar as demandas de tantas lideranças e lamas tibetanos o 14º Dalai Lama convocou
uma reunião em 1963, na Conferência Budista Tibetana. O feito em si era extraordinário, pois havia a necessidade
de agregar inúmeras escolas e tradições diferentes. Algumas escolas nem sequer tinham a tradição de ter um líder,
como entre os de Nyingma, ou os de Sakya em que houve disputa pela primazia, a quem no final coube à lama
feminina Sakya Trizin (1945 - ). O lama de Karmapa aceitou representar a vasta tradição de Kagyu. Os de Bonpo
não foram convidados, pois eram considerados à margem do budismo tibetano até fins da década de 1970. Nos
encontros, foi concordado de que todos deveriam preservar suas tradições no exílio e exterior.
Um novo mosteiro já havia sido inaugurado pela ligação histórica da família real de Sikkim aos da escola Karma
e nisso resultou a citada consagração de um mosteiro em Rumtek. Da tradição Sakya, o lama buscou organizar seus
apoiadores para erguer um templo em Dehradun. Os de Nyingma permaneceram fazendo jus à sua tradição pluralista
com diferentes lamas a estabelecer seus próprios mosteiros. Um deles se tornou imensamente popular em Katmandu,
capital nepalesa, em torno da grandiosa estupa de Boudhanath.
O mundo acadêmico forneceu outras possibilidades de divulgação e ensino da cultura e budismo tibetano. Um
punhado de acadêmicos ocidentais, europeus e americanos, começou a se dedicar aos estudos e pesquisas sobre o
Tibete. Foi um grande alento a essa comunidade a quantidade de lamas e líderes espirituais no exílio dispostos a
ampliar o conhecimento tibetano no mundo. Foram depois criados centros de pesquisa em Paris, Nápoles (pela obra
do famoso tibetólogo italiano Giuseppe Tucci), Londres e Seattle. Além disso, o budismo tibetano teve grande
aceitação de comunidades alternativas e de contracultura que estavam se popularizando em fins da década de 1960,
como entre os hippies, e por figuras questionadoras das normas do sistema e sociedade ocidental como o
neurocientista e psicólogo americano Timothy Leary (1920 - 1996), que se inspirou nas suas obras no Livro
Tibetano dos Mortos. Ainda restava no imaginário ocidental a ideia de um suposto paraíso perdido num vale entre os
Himalaias, o Shangri-La, que se popularizou nos livros de ficção e fantasia do escritor James Hilton em “Horizonte
Perdido” de 1925 e dos ensinamentos místicos teosóficos de Madame Blavatsky (1831 - 1891). Outra figura que
popularizou a cultura tibetana foi Robert Thurman (1941 - ), americano que se converteu ao budismo tibetano em
1964 e escreveu vários livros a respeito, tornando-se grande amigo do 14º Dalai Lama. E houve um renovado
interesse aos assuntos tibetanos na popularização das práticas tântricas no mundo, apesar de apresentar pouca
profundidade espiritual correspondente conforme defendido por mestres e lamas tibetanos.
Mas talvez o maior impacto da divulgação tibetana no exterior tenha sido a própria atuação do 14º Dalai Lama.
Em 1973, o lama fez sua primeira viagem para a Europa e reuniu-se com o papa. O líder de Gelug afirmou que sua
viagem era mais de natureza religiosa e cultural e evitou críticas a Mao e China comunista. Seu humor, humildade e
equanimidade começaram a render-lhe simpatia no público internacional, gradativamente. E assim a consciência
pública mundial começou a ficar mais informada a respeito do Tibete e do rico e diversificado budismo que ali
floresceu por séculos.
O equilíbrio de poder na China passou a mudar depois da morte de Mao Zedong em 9 de setembro de 1976. A
viúva de Mao e algumas lideranças da Revolução Cultural foram presos (chamados de “Gangue dos Quatro”) e
considerados como responsáveis pelos excessos do passado. O PCC começou a se renovar nos seus quadros de
liderança. Deng Xiaoping (1904 - 1997), antigo aliado de Mao, dotado de uma forte visão pragmática e reformista,
passou a planejar mudanças na área econômica da China. Ao Tibete, a abordagem de Deng sempre fora de respeito e
gradualismo nas mudanças. Assim, Deng buscou construir novos laços com o Dalai Lama e a comunidade tibetana
no exílio. O contato inicial foi feito com o irmão do Dalai, Gyalo Thondup, que tinha se mudado para Hong Kong.
Gyalo foi a Pequim e os dois entenderam sobre a importância da visita do lama à capital chinesa. No entanto, a
questão da independência não foi tratada. Como gesto de boa vontade, Deng libertou os prisioneiros políticos
incluindo os que participaram dos levantes de 1959 no Tibete, assim como o Panchen Lama que pôde sair de sua
prisão domiciliar.
O Dalai Lama permaneceu cauteloso diante disso, mas ainda assim agradeceu os convites feitos por Deng e
buscou saber dos preparativos para ir, possivelmente, para Pequim em visita. E foram feitos acordos para que alguns
exilados pudessem retornar ao Tibete sem maiores temores. O lama sabia que adotando essa postura de diálogo e
negociação com as autoridades chinesas iria despertar a indignação de muitos tibetanos mais radicais. Mesmo assim,
o Dalai buscou então compor uma missão para o Tibete e nomeou seu assistente mais próximo, Losang Samten
(1953 - ), que também fora um tulku, como líder da delegação. Quando esse chegou a Amdo com sua comitiva,
milhares de camponeses se prostraram ao longo do caminho. Muitos almejaram as bênçãos e outros alimentaram a
esperança de que, finalmente, o Dalai Lama iria retornar ao Tibete. Estava ficando claro que os tibetanos, mesmo
depois de vinte anos de destruição e perseguição pelo governo chinês, não haviam esquecido seus valores e
tradições.
A chegada a Lhasa foi ainda mais perturbadora aos olhos das autoridades chinesas. Milhares vieram curiosos e
extasiados para ter um breve vislumbre de um representante próximo do Dalai Lama. Alguns, mais exaltados,
começaram a gritar pela independência do Tibete e de reverência ao Dalai Lama. Depois da turnê, as autoridades
chinesas em Pequim começaram a reconsiderar a política para o Tibete e demitiram os principais membros do PCC
em Lhasa. Em 1980, o secretário líder do Partido com mentalidade mais liberal e reformista, Hu Yaobang (1915 -
1989), visitou o Tibete. E, com o que viu, Hu escreveu um relatório denunciando as lamentáveis condições que o
povo tibetano se encontrava, muito aquém das condições de vida de outras partes da China. O secretário ressaltou a
necessidade de reavaliar a política para a região e de maior apoio à cultura e educação tibetana. Ele também afirmou
que pelo menos dois terços do governo tibetano deveriam ser da região e que todos os chineses que trabalhassem no
Tibete deveriam aprender tibetano [755].
Essas declarações passaram a ter efeitos sobre o Tibete. Muitos exilados puderam retornar e os lamas foram bem
vindos de volta. Através de novos patrocinadores pelo público mundial, puderam reconstruir os mosteiros, templos e
escolas. Os monges puderam vestir seus trajes monásticos outra vez e os cultos e estudos budistas foram retomados
depois de longos anos. Em 1981, Ngapo, depois de anos preso e torturado em Pequim, começou a escrever um livro
introdutório sobre o Tibete para a comunidade internacional. Nesse ele expressou com pesar o dano que a China
tinha feito ao patrimônio cultural do Tibete durante a Revolução Cultural e iniciou uma campanha para o ensino da
língua tibetana pela China e mundo. Com o 10º Panchen Lama, Ngapo fundou a Fundação de Desenvolvimento do
Tibete, instituição de caridade que busca elevar a qualidade de vida dos tibetanos mais pobres.
Com relação ao Dalai Lama, sua visita a Pequim começou a ser considerada arriscada demais aos olhos das
autoridades em Pequim. Em 1982, as negociações começaram a dar sinais de que os chineses não estavam dispostos
a oferecer mais do que uma limitada autonomia cultural aos tibetanos, enquanto os tibetanos insistiram nos termos
acordados em Simla em 1914, autonomia política para o Tibete, Amdo e Kham que seriam desmilitarizadas e os
assuntos externos passariam aos chineses. Ao fim, nem mesmo o Dalai Lama tinha um consenso entre a comunidade
de exilados sobre as demandas com relação aos chineses, pois muitos nem sequer queriam conversações e sonhavam
ainda com a plena independência. E outros passaram a ver o Dalai como um traidor ao abrir negociações com
Pequim. Era, pois, evidente que não havia uma unidade política tibetana a negociar a respeito do Tibete.
E então, de repente, houve um recuo na política chinesa. Antes que Hu pudesse levar suas reformas planejadas a
cabo, Deng resolveu demiti-lo em janeiro de 1987. E temeroso das críticas crescentes na sociedade chinesa por
reformas democráticas, Deng e o PCC passaram a tomar uma atitude cada vez mais conservadora e repressiva. O
Dalai Lama, vendo desaparecer qualquer perspectiva de acordo com os chineses, passou a viajar e liderar uma
campanha para ganhar o apoio dos governos na Europa e América do Norte. Em setembro de 1987, o Dalai fez seu
famoso discurso nos EUA a respeito dos direitos humanos no Tibete em Washington. E de que o Tibete foi invadido
e a administração chinesa era ilegal e abusiva. O governo americano reagiu com simpatia, mas propôs apenas uma
emenda, sem força de lei, afirmando que os EUA prometiam considerar como fator importante nas suas relações
com Pequim.
As notícias desse acordo transmitidas por rádios internacionais logo chegaram a Lhasa e provocou uma
campanha contra o Dalai Lama por parte dos funcionários do PCC na cidade. Alguns monges, como os de Drepung,
sentiram-se motivados por esses novos alentos com os EUA e passaram a protestar nas ruas, ocasião em que foram
rapidamente detidos e espancados em 1º de outubro de 1987. Em frente à delegacia onde esses monges foram
detidos, uma multidão começou a se revoltar e veículos foram postos em chamas. Alguns desses manifestantes
foram alvejados pela polícia e foram mortos. Os eventos foram testemunhados por alguns turistas presentes e as
imagens começaram a circular pelo mundo. Outras manifestações iriam se seguir nos próximos anos.
Deng Xiaoping, ansioso em negociar com o Dalai Lama diante das inquietações populares, propôs que o lama
poderia voltar ao Tibete, mas desde que não fosse defendida a independência tibetana. Mas logo após um discurso
do Dalai em Estrasburgo, considerado como apologético à independência tibetana, Pequim resolveu fechar
novamente os canais de negociação. Em 5 de março de 1989, a Lei Marcial foi decretada no Tibete, a evitar
qualquer perturbação decorrente dos 30 anos de aniversário do levante de 1959. Um mês depois, Hu Yaobang
faleceu, gerando fúria e indignação entre muitos chineses que buscaram maiores reformas políticas. Esses passaram
a se aglomerar nas grandes cidades chinesas, e na Praça Tiananmen em Pequim. A magnitude dessas manifestações
e a visibilidade que elas ganharam na mídia internacional provocaram uma dura reação do governo chinês.
Talvez decorrente desse desgaste da imagem da China, foi concedido ao 14º Dalai Lama o Prêmio Nobel da Paz
no fim de 1989 (fig.). No seu discurso de premiação, o lama buscou explicar a singularidade da cultura tibetana e da
necessidade de viverem em harmonia com os chineses, desde que seja com base na igualdade, respeito, confiança e
benefício mútuo. E lembrou-se da histórica boa convivência com que chineses e tibetanos tinham firmado num
tratado do século 9 d.C. que se encontra em frente ao templo de Jokhang.

Fig. - O 14º Dalai Lama recebendo o Prêmio Nobel da Paz de 1989.

***
O Dalai Lama começou a ser desconsiderado cada vez mais pelas autoridades em Pequim após 1989, e esses
tinham passado a valorizar o Panchen Lama que seria, teoricamente e pela tradição, o segundo maior na hierarquia
espiritual tibetana. O 10º Panchen tinha se apresentado complacente à política chinesa. Na década de 1980, o
Panchen realinhou sua posição com Ngapo e buscar uma atuação na política de novo a revigorar a cultura tibetana.
Em 1989, o Panchen viajou de volta ao Tibete, sob os auspícios de Pequim, e voltou ao seu mosteiro de
Tashilhunpo, para reverenciar seus ancestrais lamas que depois foram colocados numa imensa nova estupa
financiada pelo governo chinês. A volta e a inauguração do Panchen foi sua canção do cisne, pois esse lama depois
chegou a falecer. Foi um duro golpe para o governo chinês, pois se perdeu o único alto líder espiritual que poderia
ter ligação entre Pequim e Lhasa.
Para se chegar a indicar um novo tulku do Panchen, o 11º deles, a tradição diz que deveria ter a concordância do
Dalai Lama. Apesar de Pequim ter tentado evitar tal costume, os abades de Tashilhunpo reafirmaram que a seleção
deveria ser ratificada pelo Dalai. O PCC então concordou, relutantemente, e foi enviado contato via o irmão do
lama, Gyalo Thondup, sobre tal procedimento. Em 1993, o PCC tinha declarado em um relatório uma política mais
restritiva com relação aos funcionamentos de mosteiros e o número de monges. Neste documento, foi denunciada a
suposta atuação nociva do grupo do Dalai Lama contra a ordem e harmonia entre chineses e tibetanos. E que os
mosteiros tibetanos eram o meio pelo qual a influência do Dalai poderia contaminar o Tibete e a China. Nesse clima
de acusações, Pequim decidiu começar a buscar por meio de um comitê criado um novo lama em 1995. O Dalai
então escolheu um tulku de maneira independente, desafiando as autoridades chinesas. Esse menino foi depois
levado para Pequim e nunca mais se ouviu a respeito dele. Em Lhasa, os oficiais do Partido ali escolheram, por meio
da urna em frente ao templo de Jokhang, um novo tulku Panchen. Houve, pois, dois candidatos ao 11º Panchen
Lama [756].
Diante da nova política declarada em 1993, os ataques ao Dalai Lama foram incrementados pela China
juntamente com demandas que expressaram apoio ao novo Panchen Lama. Aqueles que discordaram se afastaram
cada vez mais do Partido. Outra mudança foi a política de imigração de chineses ao Tibete. Essa corrente começou a
se avolumar e alguns tibetanos enxergaram nisso uma tentativa de sinicizar a sociedade tibetana. As coisas ficaram
ainda mais graves, pois as regiões ocidentais da China e o Tibete foram deixados à margem pela evidente
prosperidade chinesa de anos seguidos de crescimento econômico. Em Lhasa, como exemplo, era cena comum o
dono de uma loja de comércio ser um chinês, além da presença massiva de chineses como funcionários públicos,
policiais e militares.
Ademais, em 1999, o novo líder do PCC, Jiang Zemin (g. 1993 - 2003), anunciou um ambicioso plano,
“Abertura ao Oeste”, propondo pesquisas e sondas em busca dos potenciais naturais e minerais do Tibete e regiões
ocidentais chinesas. Ano seguinte, iniciaram-se as obras de uma ligação ferroviária moderna para Lhasa, concluídas
em 2006, tornando o acesso ao Tibete muito mais fácil aos chineses. Pelo lado do Dalai Lama, sua causa foi se
tornando célebre, desde a última década do século 20, com a visibilidade de livros e filmes. A maior vitrine da causa
tibetana no início do século 21 foram as preparações para as Olimpíadas de Pequim em 2008, quando apresentou-se
uma oportunidade para que fossem vistos os protestos a favor da causa tibetana. Que acabaram provocando uma
reação de apoio nacionalista à China por parte de muitos chineses que se sentiram ofendidos com tamanho
questionamento a respeito de sua nação. Foi, sem dúvida, um clima delicado, pois muitos chineses, na China e a
numerosa comunidade no exterior, viram nas Olimpíadas uma maneira de resgatar a imagem dignificada do país
após décadas de isolamento e humilhação desde meados do século 19. Por que agora deveriam os estrangeiros e
exilados questionar a política chinesa com relação ao Tibete?
Mas os protestos às vésperas das Olimpíadas de Pequim de agosto de 2008 foram se avolumando. Um dos
maiores se deu no mosteiro em Drepung, quando vários monges pediram a libertação de colegas presos e maiores
mudanças nas restrições declaradas por Pequim em 1993. Pouco depois, monges de Ramoche foram detidos em
Lhasa e os protestos começaram a se tornar violentos. Lojas chinesas foram atacadas e incendiadas e alguns chineses
foram mortos. Os protestos se alastraram para outras partes tibetanas da China, nos mosteiros de Kham e Amdo. A
maioria dos protestos foi pacífica, mas alguns se tornaram sangrentos. Em certas ocasiões, foram ocupados locais
governamentais chineses e foram ouvidos pedidos de volta do Dalai Lama e erguida a bandeira tibetana no lugar da
chinesa.
Os protestos tibetanos foram depois analisados como uma manifestação desesperada de uma nova inserção do
Tibete que sempre se sentiu marginalizada nas decisões oficiais em Pequim. E passaram a questionar sobre sua
identidade. Quem seriam os tibetanos e o Tibete? Essas questões ganharam mais veemência com a mudança dos
tempos. A língua e cultura tibetana foram durante muito tempo, desde 1959, reprimidos ou ignorados. O maior
símbolo religioso deles, o Dalai Lama, continua exilado, fragilizando a identidade religiosa budista tibetana. E os
temores sobre o futuro do Tibete passam por essas questões. Caso haja integração maior com a China,
desapareceriam os valores, tradições, crenças, pensamentos, língua, costumes e tradições tibetanas, construída ao
longo dos séculos? Ou caberia apenas um único caminho, a luta pela independência plena, para a existência da
identidade tibetana? Ou haveria alguma maneira da China e o Tibete conviverem em harmonia, respeito e
autonomia? Essas questões devem permanecer em aberto, pois dessas reflexões dependerá o futuro do Tibete.
Japão e Coreia

개천에서 용 난다
(“Dragões emergem de pequenos riachos”. Ditado coreano)

Japão (Das Origens ao Período Heian - c. 10000 a.C. – 1185 d.C.)


Há um antigo mito de criação narrado na literatura xintoísta, no Kojiki ("Crônica dos Assuntos Antigos") (711 -
713 d.C.) e no Nihongi (ou Nihon Shoki, "Crônicas do Japão") (720 d.C.) que nos conta que as ilhas japonesas foram
criadas pelos deuses, dois dos quais – o elemento masculino, Izanagi, e o feminino, Izanami – desceram dos céus
para se encarregar a respeito. Com eles, trouxeram à vida inúmeras forças e divindades (kami, 神 , “divindade”)
como os que atuam nos mares, rios, ventos, florestas e montanhas. Duas dessas divindades criadas, a deusa Sol, a
fonte e força primordial de todas as formas de vida, Amaterasu Omikami, e seu irmão, o deus da Tempestade,
Susano-o, acabaram se desentendendo e emergiu vitoriosa a deusa, Amaterasu. Nesse sentido, a força ordeira da
natureza prevaleceu sobre o caos, a desordem, a tempestade. Vencido, mas não suprimido, a força destrutiva da
natureza sempre permaneceu à espreita sobre as ilhas japonesas.
Amaterasu, subsequentemente, enviou seu neto, Ninigi, a governar sobre as ilhas sagradas criadas. Ninigi levou
consigo na sua tarefa, três insígnias imperiais, uma joia curva (magatama, 勾玉 ), um espelho e uma "espada das
nuvens aglomeradas", e assim reinou sobre a ilha de Kyushu. Seu descendente, Jimmu, identificado como o primeiro
imperador do Japão, partiu ao nordeste para conquistar Yamato, hoje uma região de planície ao sul da ilha maior de
Honshu, em torno da província de Nara. De acordo com a tradição, Jimmu, acompanhado de seu clã (uji)
estabeleceu na região conquistada uma linhagem imperial ininterrupta da deusa Amaterasu até os dias de hoje e
fundou a Terra do Sol Nascente em 660 a.C.
Em bases arqueológicas, as atividades dos hominídeos no Japão remetem há cerca de 200 mil a.C., época em que
as ilhas eram ligadas ao continente asiático. Apesar de alimentar vivo debate entre os estudiosos na área, a maioria
concorda de que por volta de 40 mil a.C. houve uma conexão das ilhas com a parte continental no período de maior
glaciação. Entre 35 mil e 30 mil a.C., o Homo sapiens deu provas de que migrou para as ilhas japonesas advindos do
leste e sudeste asiático, e apresentou uma atividade de caça e coleta, assim como o fabrico de ferramentas e
utensílios de pedra. Vestígios dessa era são encontrados em todo o Japão, desde habitações, pontas líticas e fósseis
humanos. Essa cultura, paleolítica, será em boa parte extinta nas ilhas em fins do período Yayoi no terceiro século
d.C., exceto em áreas em Hokkaido ao norte e nas ilhas Okinawa ao sul [757].
O Período Jomon (c. 10 000 a.C. – c. 300 a.C.)
Padrões mais sedentários de vida começaram a aparecer por volta de 10 mil a.C., no considerado período Jomon
(do japonês Jômon-jidai, 縄文時代 , “marcado pelo cordão”, c. 10 000 – 300 a.C.) e são esses os possíveis
ancestrais dos ainos do Japão em tempos contemporâneos [758]. A cultura Jomon deixou um claro registro
arqueológico, pois por volta de 3000 a.C. foram encontradas inúmeras figuras e vasos de argila decorados com
padrões sofisticados feitos com o uso de cordas (jômon, 縄文 ) e galhos [759]. Esses povos também fizeram uso de
utensílios de pedra lascada, armadilhas e arcos nas suas atividades de caça, coleta e pesca. Praticaram uma forma
simples de agricultura e há vestígios de suas moradias coletivas em cavernas, covas e abrigos temporários. As
evidências de comida encontradas consistiram em carne de urso, peixes, mariscos, inhames, uvas selvagens, nozes,
castanhas e sementes.
Por volta de 5000 a.C., os povos do período Jomon começaram a se assentar em aldeias sedentárias, uma delas, a
maior descoberta, cobriu uma área cerca de 400 metros quadrados a abrigar umas 500 pessoas. Os assentamentos
próximos do mar dependeram fundamentalmente da pesca, enquanto os mais interioranos voltaram-se para a caça e
a explorar as possibilidades da fauna e flora da estação. Os abrigos desenvolveram-se em torno de um fogo e com
indícios de colunas a sustentar uma proteção contra as intempéries.
As mudanças nas habitações sedentárias e do meio de vida resultaram em significativa mudança populacional.
Por volta de 5000 a.C., a população de Jomon cresceu de cerca de 20 mil para 100 mil, e depois a dobrar para 200
mil por volta de 3000 a.C. Apesar das notáveis mudanças sedentárias, a agricultura somente se estabeleceu com a
introdução e o cultivo do arroz no período final de Jomon. Ademais, por volta de 900 a.C., há evidências da forja do
ferro, aparentemente originados da região sudoeste japonesa, em Kyushu, mais próxima da península coreana.
A tecnologia Jomon, na sua maior parte, consistiu de instrumentos de pedra e madeira como facas e machados,
assim como o arco e flecha. Juntamente com essas ferramentas, foram encontrados armadilhas e alçapões na caça. O
vestuário advinha principalmente da casca de árvores locais como a amoreira, costuradas com o uso de agulhas de
ossos que forneceu meios para tecer cestas de vime. Perto dos mares, instrumentos de pesca como arpões e ganchos
foram encontrados, além de grandes canoas escavadas de troncos de árvores como as encontradas num sítio em
Nakazato [760], o que se presume de que eram exímios pescadores.
A cerâmica Jomon era feita à mão, sem o uso da roda de oleira, no uso de argila mole misturada com fibras e
conchas amassadas para maior firmeza. A parte exterior e interior da cerâmica era alisada por ferramentas e depois
cozidas no fogo. Os restos da cerâmica Jomon são os mais antigos datados do mundo, remetendo em sua forma
incipiente ao período de 10 000 a.C. a 5000 a.C., quando os vasos caracteristicamente apresentam um fundo redondo
com a finalidade de cozimento no fogo em pilhas e pedras e areia. De 5000 a.C. a 3000 a.C. os vasos começam a ter
um fundo achatado, com a intenção de uso interno doméstico. A fase posterior, de 3000 a.C. a 1000 a.C., os vasos
apresentam uma decoração mais elaborada, ilustrada com figuras de fogo, serpentes e outros do imaginário local
(fig.). No período tardio Jomon que se estende até 300 a.C., os vasos são mais finos e ganharam maior variedade de
forma conforme o seu uso [761].

Fig. – Cerâmica Jomon do Período Médio (2500 a C. – 1500 a.C.) com destaque para as marcas de corda e elaboradas figuras em forma de fogo e
figuras imaginárias.

Os rituais e crenças do período Jomon são inferidos a partir das evidências encontradas de enterro de infantes em
grandes vasos, adultos em covas e montes de conchas nas proximidades das vilas, assim como a presença de
oferendas e ornamentos com significado cerimonial fúnebre dos períodos Médio (2500 a.C. – 1500 a.C.) e Tardio
(1500 a.C. – 300 a.C.). No período Jomon Antigo (4000 a.C. – 2500 a.C.), há evidências de figuras em forma
humana feitas de argila chamadas de dogū( 土偶 ) que variam de tamanho e aspecto, de três centímetros a 30
centímetros. No período Médio, essas figuras são mais numerosas e são retratadas com formas femininas com a
finalidade de promover a fertilidade e gravidez.
No período Jomon Tardio, uma mudança dramática ocorreu de acordo com os achados arqueológicos. Os
cultivos agrícolas anteriores deram lugar a uma agricultura sofisticada em torno do arroz, denotando uma forma de
organização coletiva maior, e que resultou em sociedades mais populosas [762]. Uma tremenda mudança resultou
disso, em termos militares, religiosos e econômicos.
O período Yayoi (c. 300 a.C. – c. 250 d.C.)
O próximo período histórico, o Yayoi ( 弥生時代 ), assim nomeado pelas localidades no centro de Tóquio onde
foram descobertas as suas primeiras evidências, floresceu entre 300 a.C. a 250 d.C. a partir de partes meridionais de
Kyushu até ao norte da ilha principal de Honshu. O período foi crucial para a história japonesa, pois os elementos e
culturas estrangeiras advindos do leste asiático se misturaram com os aborígines presentes do período Jomon.
A proximidade de Kyushu com a península coreana foi provavelmente o trajeto principal por onde migrações
populacionais continentais adentraram as ilhas japonesas, e trouxeram consigo novas técnicas de metalurgia do ferro
e do plantio do arroz, algo fundamental para o crescimento populacional e agrícola. A mudança conceitual desse
período com a anterior foi sumamente nítida [763]. Os debates acerca das contribuições sobre o surgimento do período
Yayoi permanecem vivos entre o meio acadêmico, mas a maioria dos estudiosos em tempos recentes aponta para
uma mistura de contribuições advindas de povos coreanos com aqueles habitantes aborígines do período Jomon
(fig.). Ainda não se sabe ao certo a origem do cultivo do arroz que se alastrou pelas ilhas, mas parece indicar, pelos
achados na cidade de Okayama em 2005 [764], pela sua variedade genética (Oryza sativa japonica), o sul da China e o
Laos que chegou ao Japão pelo sul, através de Okinawa, e deste para a península coreana.
Fig. – Mapa das possíveis rotas de imigração Yayoi e o posterior deslocamento Jomon ao norte e sul.

Com o estabelecimento do cultivo do arroz pelo Japão, as sociedades cresceram em tamanho, de uma população
estimada em 70 mil ao final de Jomon para até três milhões de habitantes no período final Yoyai à altura de 250 d.C.
Um crescimento proporcional único na história japonesa. A maior parte desse crescimento se deu nas partes
ocidentais do Japão, onde o cultivo e a distribuição do arroz foram mais impactantes. Ademais, foi nessa região onde
chegaram significativas levas migratórias da península coreana próxima a oeste, através do Estreito de Tsushima
[765]
.
Na área da cerâmica, contudo, o período Yayoi não apresentou a mesma riqueza decorativa produzida pelo
período tardio de Jomon. Apesar disso, foi produzido usando os mesmos materiais da argila e da técnica do
cozimento. As roupas também permaneceram sendo feitas a partir de cascas e do cânhamo, e com algum
conhecimento da seda, presente desde o período Jomon conforme achado em Hokkaido [766]. Os japoneses de Yayoi
demonstraram capacidade de forjar objetos feitos a partir do bronze, como evidenciado em sinos (dôtaku) e espelhos
(dokyô), além de produtos a partir do ferro como armas e instrumentos agrícolas (fig.). O ferro, numa tendência
reversa global, foi introduzido antes do bronze no Japão, a partir de 300 a.C. Nesse sentido, o ferro foi material para
a confecção de instrumentos funcionais, e o bronze para aqueles mais cerimoniais.

Fig. – Sino de bronze, dôtaku, do período Yayoi, 3 Século a.C.

Com o crescimento populacional, a sociedade Yayoi se tornou mais complexa e estratificada. Os assentamentos
se tornaram em boa parte permanentes, com construções de madeira e pedra. Houve sinais de acúmulo de recursos,
como grãos, e de riqueza que distinguiu alguns poucos sobre a maioria. O cultivo em arrozais requereu grande
insumo de trabalho humano, o que acarretou numa sociedade agrária estratificada e sedentária. Mas ao contrário da
China que desenvolveu sociedades altamente centralizadas a coordenar as obras públicas necessárias para o
provimento aquático, no Japão, pela relativa abundância de água, as sociedades agrárias organizaram-se mais a nível
local, em múltiplas unidades políticas.
O grande número de armas encontrado nos túmulos Yayoi aponta possivelmente para um constante período de
turbulências e guerras entre as unidades políticas. De alguns túmulos, foram achados mais de mil esqueletos que
tiveram morte violenta. Ademais, nos arredores das vilas, havia quase sempre um monte ou elevação com alguma
torre de vigilância à espera de um sinal de uma força inimiga. Em outras vilas, havia grandes fossos ao redor de um
conjunto de vilas, como a escavada em Otsuka, em Kantô, em Ogidani, perto de Quioto, e em Yoshinogari, no norte
de Kyushu. Nesses, havia sinais do uso de barricadas, paliçadas e muralhas [767].
As primeiras referências escritas sobre o Japão são de fontes chinesas que aludem a eles como o reino de Wa ( 倭 , “anões”) no ano de
82 d.C. na obra Han Shu (História de Han). Os primeiros historiadores chineses do período descreveram Wa como
uma terra de múltiplas comunidades dispersas, mais de uma centena, e não unificada como expressa o livro Nihongi
que considerou a fundação do Japão como reino em 660 a.C.
Outras fontes chinesas, como o Wei Chih (“História de Wei”) de 297 d.C., relataram que as pessoas de Wa
viviam de vegetais crus, arroz e peixes servidos em bandejas de bambu e madeira. As relações sociais eram pautadas
entre mestre e vassalos, havia cobrança regular de impostos, celeiros e mercados provinciais e, nos cultos religiosos,
batiam palmas em adoração (algo ainda feito em cerimônias xintoístas) e construíram grandes túmulos de terra. No
aspecto político, há relatos de violentas lutas de sucessão pelo poder, e referência de uma regente feminina, Himiko,
de uma federação política chamada de Yamatai que teria florescido no século 3. Himiko reinou como líder
espiritual, e os negócios de estado ficaram no encargo de seu irmão mais novo que buscou incluir relações
diplomáticas com a corte chinesa do reino de Wei (220 d.C. – 265 d.C.) [768].
Nessa busca de relações com a corte chinesa, foi reconhecido o reino de Wa como tributário do imperador
chinês. Mas ao contrário de outros regentes pelo mundo sino-asiático, toda a terra de Wa foi aceito como
plenamente soberano, e Himiko chegou a receber generosos presentes dos chineses, tecidos, joias e espelhos. Após a
morte de Himiko, ainda de acordo com as fontes chinesas, veio o caos pela sucessão e sua irmã de 13 anos de idade,
Iyo, acabou chegando ao trono.
As referências geográficas do reino são controversas, pois muitos estudiosos identificam o suposto reino de
Yamatai, descrito no Wei Chih, como o de Yamato, na bacia de Nara, na região sul de Honshu (fig.), que foi local
originário do estado japonês algumas centenas de anos depois, mas outros defendem que Yamatai se localizaria mais
próximo ao continente asiático, no norte de Kyushu [769].

Fig. – Localização da província de Yamato, ao sul da ilha de Honshu. Ao sudoeste, mais próxima à península coreana, fica a ilha de Kyushu.

O período Kofun e o surgimento do estado Yamato (c. 250 d.C. – 710 d.C.)
Por volta do ano de 250 d.C., grandes túmulos fúnebres começaram a aparecer pelo Japão, de acordo com os
achados arqueológicos. São de dimensões extraordinárias, como a atribuída a imperadora Jingu, medindo cerca de
275 metros de extensão, com inúmeras armas e outros instrumentos de ferro e outros metais a demonstrar a riqueza e
o poder de uma elite. A maioria desses grandes túmulos, ( 古墳 , kofun, em japonês), se concentraram em torno das
cidades de Nara e Osaka, mas também em várias outras localidades japonesas.
Isso condiz com o que as crônicas chinesas relataram sobre o crescente poderio de uma elite sobre as demais
entidades políticas do Japão à época. No entanto, esses relatos deixaram de informar sobre as ilhas japonesas nos
próximos 170 anos depois de 250 d.C., consistindo esse período de certo mistério e maior especulação histórica.
Antes desse período crucial as crônicas japonesas situaram a descendência imperial de Jimmu que provou ser de
autenticidade histórica duvidosa. Entre as histórias relatadas estão a da imperadora Jingu, que supostamente
comandou uma invasão naval na Coreia e assim decidiu momentaneamente interromper sua gestação [770]. Entramos
mais no campo do mito do que nas comprovações históricas nesse sentido.
Além do mais, os túmulos do período Kofun, em que se situa a da imperadora acima, hoje são invioláveis a partir
do decreto da Agência da Casa Imperial, órgão criado no século 19 para preservar a ascendência da família imperial
japonesa. Outras fontes do período em questão são de coreanos que relataram uma numerosa invasão de povos
nômades das estepes asiáticas que assolaram o reino coreano e tenha, possivelmente, invadido e dominado numa
casta de elite militar as ilhas japonesas. A situação da Coreia e da China em fins do século 4 d.C. é bastante
turbulenta e desunida e isso pode ter servido de incentivo a povos e militares a migrarem para refúgios mais seguros
em algumas ilhas próximas, incluindo as do Japão.
O fato é que por volta do ano de 318 d.C., temos o registro da morte do imperador japonês Suijin (ou Sujin), o
décimo regente da família Yamato de acordo com o Nihongi e o Konjiki. Suijin foi retratado como líder de uma
nação de exímios cavaleiros, que poderiam ter originado dos povos nômades das estepes asiáticas. A partir de seu
reino, houve uma gradual expansão em cima das entidades políticas fragmentadas pelo Japão. E assim foi se
estabelecendo a hierarquia e administração dos yamatos sobre as outras linhagens e clãs japoneses. Por volta do
século 6, temos já a informação de que os líderes da região de Izumo, a oeste, mandaram tributos para o regente
yamato [771].
Também no século 6, o nascente estado Yamato decidiu adotar o budismo como forma de legitimação ideológica
e centralização política e religiosa. Isso decorreu da iniciativa de uma prestigiosa família, a de Soga, de
ancestralidade coreana do reino de Baekje [772], que se uniram em matrimônio com a família imperial e buscaram
perseguir qualquer forma de culto animista e xamanista na corte japonesa. Sabemos que, ao final desse processo em
587 d.C., o governo imperial começou a endossar e apoiar as construções e cultos budistas nos seus domínios.
Ademais, a família Soga trouxe as influências coreanas e chinesas para a corte japonesa, como a definição de
cargos e postos hierárquicos a ser definido em termos de grupos e não indivíduos, e a correspondente atribuição de
chapelaria de acordo com o status. Os Sogas permaneceram guardiões até o século 12 das escritas e das insígnias
imperiais (o espelho, espada e miçangas cerimoniais) e foram membros influentes em apontar posições de comando
como na monarca Suiko (r. 593 - 628) a quem foi atribuída ascendência divina com a figura de Amaterasu e do
imperador Jimmu [773].
A figura do príncipe Shôtoku (574 - 622), filho por parte maternal dos Sogas e segundo filho do imperador
Yômei (r. 583 - 587) foi influente ao trazer as influências chinesas para a corte imperial japonesa. Shôtoku foi
regente sob o reino de Suiko, e promoveu ativamente o budismo pelo reino, com a construção de templos e da
escrita e filosofia chinesa. Foi responsável por reordenar o sistema de governo tornando-o mais centralizado, e
encorajou a ordem, harmonia e lealdade diante da autoridade legítima e divina imperial, tudo de acordo com os
preceitos do confucionismo.
Por volta de 645, contudo, a influência dos Sogas na corte yamato foi diminuída com a ascensão de uma nova
família concorrente, a dos Fujiwaras, que também terão presença na corte imperial nos séculos seguintes. A
ascensão desses se deu pela ação de Kamatari (614 – 699) que buscou, sob o reino do imperador Tenji (r. 661 - 671)
ocupar o poder decisório e centralizar ainda mais o sistema imperial, iniciativa que ficou conhecido como a Reforma
Taika de 645.
Um dos aspectos mais cruciais dessa reforma foi a redistribuição ao governo de lotes de terra, especialmente os
arrozais, o que com o tempo alocou uma parte significativa de arrecadação in natura da produção agrícola. As
hierarquias e cargos governamentais foram revistos e vigiados a fim de conter abusos de corrupção. Outra mudança
significativa foi o estabelecimento da capital do reino em um local fixo, e não mais a ser itinerante como antes, em
Naniwa, atual Osaka.
No aspecto legal, a fim de padronizar a justiça e estender a lei e a ordem, houve uma reformulação dos códigos
jurídicos que antes era muito mais propenso a arbitrariedades e privilégios. Ademais, houve, no campo
administrativo, apontamentos legais que racionalizaram o funcionamento burocrático do estado. Essas reformas
todas se pautaram nas ideias chinesas confucianas e legalistas, referidas na história japonesa como ritsuryô (ritsu,
律 , “sanções penais”, e ryô, 令 , “instruções e normas para os oficiais do governo”) [774]. Foi, juntamente com a
Reforma Taika, a primeira sistematização administrativa e jurídica no Japão que permitiu o estabelecimento do
estado dos yamatos sobre uma população estimada em cinco milhões de súditos em meados do século 7.
Em suma, no referido século, as condições sociais e econômicas do Japão eram densas, populosas e a área de
cultivo estava sob expansão. Indústrias como as de laca, talha em pedra, cerâmica, marcenaria e metalurgia estavam
consolidadas. As ocupações pelas ilhas eram variadas, desde o cultivo nos arrozais, comércio, caça, pesca e coleta.
A mudança não foi apenas quantitativa, foi qualitativa, para uma sociedade mais complexa e diversificada, com o
desenvolvimento de graus diversos de diferenciação social muito além da distinção da era anterior de uma pequena
elite sobre uma classe de agrários.
A nação começou a se consolidar em fins do século 6, em torno de uma ideia unificada, o reino do Sol Nascente
(Nihon ou Nippon, 日本 ), e deixou de gradativamente de ser referida como Wa. Mas isso, todavia, não foi aceito
por absolutamente todos das ilhas japonesas, pois muitas entidades políticas, clãs, grupos e famílias encontravam-se
distantes demais da capital e da região meridional japonesa, como aqueles habitantes de Hokkaido, que tinham
raízes étnicas diversas, os ainos, e praticavam um meio de vida pautado essencialmente na caça e coleta. Mas a
estrutura do estado Yamato já se encontrava erguido, e assim foi legitimando, como narrado nas crônicas Kojiki (711
- 713 d.C.) Nihongi (720 d.C.), o poder imperial em torno dos mitos das origens e linhagem dos yamatos.
Período Nara (710 d.C. – 794 d.C.)
Na parte norte da fértil planície de Yamato, foi inaugurada a nova capital planejada do reino, Nara (ou Heijô-
kyô, 平城京 , “Cidade da Paz”) em 710. Nos períodos anteriores, os monarcas e governantes japoneses se
deslocaram conforme as necessidades e a residência escolhida do regente. A última foi em Fujiwara-kyô em 694. As
causas desse nomadismo se explicam em parte pela insalubridade acumulada pelos dejetos e as doenças que
afetavam continuamente a corte e seus funcionários. Decorrente dessa mobilidade, as residências da corte eram
simples de fácil montagem e transporte.
Mas em 710, com a fixação na cidade de Nara, houve uma concretização urbana planejada, pautada nos planos
confucianos inspirados na capital chinesa de Chang’an da Dinastia Tang (618 - 907), atual Xian. Nara foi sede não
somente do governo, mas também de templos budistas, encorajado pelo líder político mais poderoso da época,
Fuhito no Fujiwara (659 - 720). Como símbolo maior do budismo na nova capital, foi erguido um dos maiores
templos de madeira do mundo, o Tôdai-ji (“Grande Templo do Leste”) em 728, com uma imensa estátua de bronze
de Buda (fig.).

Fig. – A estátua de bronze de Buda, em Tôdai-ji, Nara.

A política de Nara girou muito em torno dos interesses palacianos e de grupos influentes religiosos. A cidade
chegou a abrigar por volta de 200 mil pessoas de uma população total de seis milhões, e foi o único centro urbano
japonês por séculos. A figura do imperador, embora respaldado por títulos incontestáveis como o descendente de
Jimmu, como o tennô ( 天皇 , advindo de Jimmu Tennô), tinha uma função mais cerimonial e simbólica do que
efetiva na condução política, permanecendo muitas vezes relegado a claustros e mosteiros budistas. Poderosas e
influentes figuras e famílias disputaram a gerência do poder, com a primazia da época em torno dos Fujiwaras, mas
disputados por outros como os Tachibanas.
Os rituais e as cerimônias, portanto, guardavam uma associação cada vez maior com a aura imperial, que foi
conduzido por um nobre da corte, o kuge ( 公家 ). Nessas funções, era cuidadosamente supervisionado o andamento
e execução de músicas (como a kangen), danças (como gagaku e o bugaku), em boa parte importada e adaptada das
cortes chinesas.
A influência chinesa foi marcante principalmente nesse meio cortesão japonês. Mas nem tudo era assimilação
indiscriminada. O sistema hierárquico e dos símbolos de status expressados nos adornos e chapéus, introduzidos
pelo príncipe Shôtoku, baseou-se em princípio na China. Mas houve uma mudança nesse sistema, na prática, durante
o período Nara, pois não era determinado o status do indivíduo pelo mérito apenas, mas também condição herdada
pela sua família. Em outras palavras, o sistema japonês não incorporou muito bem a meritocracia chinesa, e visou
preservar mais os privilégios e influência das famílias poderosas da época.
O sistema de escrita japonesa teve uma forte carga de influência dos chineses. Isso já é demonstrado nas obras do
século 8, como no Konjiki, mas também em obras poéticas escritas por mãos da corte, como o Manyôshu( 万葉集 ,
“Coleção das Dez Mil Folhas”) de 759, esta a mais antiga coleção de poemas nativos japoneses [775]. Os códigos
jurídicos, como o Código de Taihô de 703, também seguiram os determinados pelos confucianos chineses, embora
no Japão as sanções e castigos fossem mais brandos e tolerantes conforme constava no Código revisto de Yôrô de
718. Nesses códigos japoneses, o mandato do imperador era considerado sagrado, como o “Filho do Céu”, mas, ao
contrário do chinês, o imperador não poderia ser objeto de escrutínio pelas suas virtudes e juízos. Ademais, as
mulheres japonesas, ao contrário do sistema chinês, poderiam assumir cargos religiosos e de comando, a basear-se
na sua linhagem familiar [776].
Fora da corte, a população japonesa enfrentou períodos de epidemias. Em 735, houve um grande surto de varíola
em Kyushu, aparentemente advindo da Coreia via Fukuoka, chegando a matar inclusive alguns membros da família
Fujiwara. Somente em Nara, no ano de 737, há relatos de que houve mais de 300 mil mortes [777]. Muitos da época
consideraram a doença como uma manifestação vingativa dos deuses, em forma de onryô [778]. Para tanto, a capital
foi mudada de Nara em 740, para a ela retornar cinco anos depois. Os efeitos da varíola foram ainda mais
devastadores pois impediram o plantio e a colheita do arroz pelos camponeses infectados, gerando uma situação de
fome na população.
Expressando as angústias da fome e do destino que assombraram a população japonesa à época, com certo senso
de fatalismo budista mesclado com os encargos familiares preconizados pelo confucionismo, um dos mais talentosos
poetas da geração, Yamanoue no Okura (660? – 733?) assim escreveu em seu poema, “Sobre a Pobreza” (Hinkyu
mondô), presente no Manyôshu [779]:
Vastos como dizem ser o céu e a terra
Para mim, exíguos se tornaram.
Embora luminosos digam o Sol e a Lua,
Na minha direção eles nunca brilham.
Passa-se o mesmo com todos,
Ou é apenas assim comigo?
Por um acaso feliz, nasci homem
E não pior do que os meus companheiros,
Mas, com roupas pendendo dos meus ombros.
Sem acolchoados nem mangas
E em farrapos como limos ondulando no mar,
Sob o desmoronando teto,
Entre frágeis paredes,
Aqui estou eu sobre a palha
Espalhada na terra nua,
Com os meus pais junto à minha almofada,
A mulher e os filhos a meus pés,
Todos juntos em dor e lágrimas.
Onde se cozinhava,
De nenhum fogo se eleva o fumo
E no caldeiro
Uma aranha tece a sua teia.
Sem um grão para cozinhar,
Soltamos lamentos como o tordo noturno.
(tradução nossa)

Além do mais, a fome foi decorrente muitas vezes do sistema agrícola ineficiente, mais voltado para a produção
de subsistência familiar. E houve, nesse sentido, um pesado sistema de taxação da produção. Em boa parte, isso foi
causa do zelo budista do imperador Shômu (701 – 756), o mesmo que comissionou a construção da imensa estátua
de bronze do Buda Dainichi no templo de Tôdai-ji, com 16 metros de altura identificado e sincretizado com a deusa
solar Amaterasu, e a abertura de vários templos (kokubunji) em cada província do reino, a um enorme custo para o
tesouro imperial. Foi o regente mais próximo de tornar o Japão uma nação budista [780].
O ônus gerado agravou ainda mais o sofrimento da população pela epidemia e fome referida que chegou a
reduzir a população japonesa em mais de um terço, algo que será recorrente em determinados períodos da história
japonesa [781]. O budismo floresceu ainda nas regências das filhas de Shômu, como com a imperadora Kôken (718 –
770) que buscou atrair sacerdotes budistas para sua corte. Kôken abdicou em 758 sob os conselhos de seu primo,
Nakamaro Fujiwara. Este se rebelou contra a imperadora aposentada quando esta buscou favorecer um curandeiro
budista chamado Dokyo, mas a rebelião foi rapidamente controlada, e Kôken mandou depor todos aqueles em
conluio com o golpe. Após o evento, Kôken reassumiu o trono como imperadora Shôtoku (r. 764 – 770). Neste seu
reinado, a imperadora favoreceu o budismo e fomentou a impressão de mais de um milhão de orações e pagodes em
miniatura (hyakumanto dharani, 百万塔陀 罗 尼 ) (fig.) por volta do ano de 770. Mas as ações da imperadora a
favor do clero budista fizeram com que fosse abolida a posição imperial a mulheres e, nos anos seguintes a sua
morte, removeram budistas de posições de autoridade política.
Fig. – Um dos pagodes em miniatura comissionados pela imperadora Shôtoku, século 8 d.C.

No aspecto internacional, do outro lado do Estreito de Tsushima, no continente asiático, houve envio de várias
missões diplomáticas da corte Nara à China da Dinastia Tang a cada vinte anos. Muitos estudantes japoneses, tanto
seculares como budistas, foram estudar em Chagan e em Luoyang. Um desses estudantes, Abe no Nakamaro,
chegou a ser aprovado nos exames civis chineses para depois assumir funções governamentais na China. Nakamaro
atuou como governador-geral em Annam (ou An Nam), no norte vietnamita, de 761 a 767. Outros estudantes
voltaram para as ilhas japonesas e foram promovidos a altos cargos governamentais pelo prestígio. A China da
Dinastia Tang mandou enviados oficiais ao Japão, como contrapartida. Mas os imperadores e regentes japoneses não
buscaram a investidura do imperador chinês como era esperado de outros estados tributários ao “Filho do Céu”.
As relações com o reino coreano de Silla (57 a.C. – 935 d.C.) foi inicialmente promissor no período Nara.
Chegou-se a trocar alguns enviados diplomáticos, mas a ascensão do reino de Balhae (Parhae em coreano, 발해 ,
698 - 926) no nordeste asiático desestabilizou as relações Japão-Silla. Balhae chegou a enviar uma missão através do
Mar do Japão em 728, que foi bem recebido pela corte de Nara pois consideraram o reino como uma restauração do
antigo reino coreano de Koguryo (Goguryeo) que tinha sido um ex-aliado antes de ter sido conquistado pela China
dos Tang e de Silla em 668. As relações com Balhae foram estáveis e durou até o século 10 [782]. Em contraparte,
devido a essas relações, a ligação com Silla deteriorou-se a ponto da corte de Nara reivindicar suserania sobre este
reino coreano.
Período Heian (794 – 987)
Por volta do ano de 781, Kanmu (737 - 806) subiu ao Trono do Crisântemo como o 50º imperador yamato. A
primeira grande mudança do imperador foi a mudança da capital para Heian-kyô (Kyôto, doravante Quioto), em
794, que permanecerá assim pelos próximos mil anos. O imperador assim o fez não somente para fortalecer sua
autoridade imperial sobre as intrigas da antiga corte, como também a procurar uma melhor localização geopolítica.
A nova capital tinha um bom acesso ao rio e aos mares e fácil acesso por terra às províncias orientais.
Inicialmente, o novo período imperial Heian (794 – 987) continuou sob a influência da cultura de Nara, pois a
nova capital foi planejada de acordo com o padrão urbano da capital chinesa, Chagan, como foi Nara, mas em escala
maior. E a despeito do declínio das reformas Taihô manifestadas no ritsuryô, o governo imperial de Kanmu foi
vigoroso em evitar maiores conflitos políticos e sociais a fim de se consolidar um sistema mais estável no Japão em
fins do século 8 d.C. [783].
Contudo, Kanmu ainda manteve ambições de impor a autoridade imperial sobre regiões rebeldes e insubmissas
no Japão. Em 794, após ter feito alguns avanços sobre as regiões orientais e setentrionais japonesas, três anos depois
decidiu nomear um comandante-geral sob o título de Sei-i Taishôgun (“generalíssimo subjugador dos bárbaros”, 征
夷大将軍 , em geral referido como shôgun ou xogum). Em 801, o xogum derrotou as forças rebeldes da nação de
Emishi ( 虾夷 ), possíveis descendentes de Jomon, e estendeu os domínios imperiais até os confins a leste da ilha de
Honshu.
Mas o controle imperial sobre as províncias nos séculos 9 e 10, quando muito, era tênue, pautado mais em
alianças com famílias latifundiárias locais do que uma efetiva imposição política centralizada tal como preconizada
pelo sistema do ritsuryô. Em geral, assim se estabeleceu a ordem política Heian, assegurando a sucessão imperial
através da hereditariedade com os assuntos governamentais nas mãos de famílias conjugadas de influência na corte
como os Fujiwaras.
Após a morte de Kanmu, em 806, houve um período de disputas sucessórias entre seus filhos. Essas turbulências,
contudo, não deixam de evidenciar as reformas políticas do século 9 que apontaram para uma tendência cada vez
mais centralizadora. Não em torno do imperador (tennô) que assumiu papéis mais cerimoniais e, frequentemente,
nos mosteiros no que ficou conhecido como o governo do mosteiro (insei, 院政 ). O verdadeiro e efetivo regente
passou a ganhar mais proeminência e voz de comando, em torno de um membro da família Fujiwara que tinha já se
inserido na família imperial através de gerações de casamentos. Havia sempre um Fujiwara como presidente do
Conselho Privado do Imperador e, em várias ocasiões, como regente e tutor de membros da família imperial em
situação de menoridade (sesshô, 摂政 ) e na vida adulta (kanpaku, 関白 ). Isso não significou um incontestado
domínio político, pois houve alguns imperadores como Daigo (r. 897 – 930) que tentaram governar mais
diretamente e conter as influências dos Fujiwaras.
Os Fujiwaras, no entanto, mesmo com Daigo no trono não foram removidos do poder, mas foram nas décadas
seguintes se fortalecendo no controle do reino. A título de exemplo, Michinaga no Fujiwara (966 - 1028) no início
do século 11 foi capaz de controlar a corte imperial, a entronar e destronar membros da família imperial conforme
sua vontade. Os Fujiwaras governaram no período quase sem nenhuma contestação, algo que o historiador Sir
George Sansom denominou de “ditadores hereditários” [784].
A estrutura administrativa e política do Japão, a partir de meados do século 9 ao século 10 gradativamente
passou a ser controlada em unidades locais (shôen, 荘園 ) por famílias latifundiárias e fundações religiosas. Cada
uma dessas localidades começou a ter status jurídico e político, isenções fiscais, imunidade e autonomia diante do
governo de Quioto. Os camponeses, nessas unidades, começaram a ter a sua lealdade e trabalho voltado para o
senhorio local, efetivamente tornando o Japão, no século 10, num cenário desunido e fragmentado.
A influência da China da Dinastia Tang (618 - 907) que tinha sido inspiração para o sistema político e
administrativo japonês entrou em declínio com a última missão imperial oficial japonesa enviada em 838. A partir
de então, os emissários e monges budistas chineses passaram a ser considerados suspeitos e até perseguidos visando
a sua expulsão. O Japão começara a se isolar cada vez mais.
A despeito do maior isolamento e da fragmentação da unidade política, o Japão viveu no período Heian um
florescimento artístico e cultural nas cortes imperiais e aristocráticas locais. Houve um grande interesse e produção
poética e literatura vernácula. A escrita japonesa há muito dependia dos ideogramas chineses (kanji), mas foram
gradativamente sendo substituídos por uma escrita fonética japonesa, baseado no kana: o katakana, a usar em parte
os ideogramas chineses, e o hiragana, forma cursiva do katakana.
Foi o hiragana que possibilitou a expressão das expressões vocais e, nesse sentido, foi o meio que deu
nascimento à literatura vernácula propriamente japonesa, escritas e compostas por mulheres da corte que não tinham
sido instruídas na língua chinesa clássica como os homens. Algumas obras literárias nos anos finais de Heian nos
séculos 9 e 11 escritas por mulheres apresentaram um rico e complexo universo da vida e relações das cortes.
Algumas dessas obras, como o Makura no Sôshi ( “O Livro do Travesseiro”, 枕草子 ), de Sei Shonagon (c. 966 –
1017 ou 1025), são relatos da vida da autora como dama da corte da imperatriz consorte Teishi no Fujiwara (977 -
1001), a descrever com detalhes as nuances das relações e intrigas da corte. Outro monumento literário, o Genji
Monogatari (“Conto de Genji”), de Murasaki Shikibu (973 ou 978 - 1014 ou 1031), considerada a primeira obra de
romance do mundo, nos oferece um panorama singular da vida da corte durante o período Heian [785].
A arte pictórica também ganhou alento próprio no período Heian depois de séculos sob influência chinesa da
Dinastia Tang. Sob os Fujiwaras, pinturas da natureza, paisagens, templos, santuários e da vida da corte foram
retratados em obras coloridas, delicadas e sublimes. Pautaram-se principalmente no estilo yamato-e ( 大和絵 ), no
uso de cores vívidas e tons fortes retratando personagens e paisagens célebres feitas em rolos de pergaminho, que
estabeleceu os cânones e padrões para o desenvolvimento da arte japonesa nos séculos posteriores [786] (fig.).
Fig. – Pintura no estilo yamato-e do período Heian, uma das cenas do “Conto de Genji”, do capítulo “Hera”.

A vida na corte transcorreu no ócio e na busca por um sentido maior da vida, em contraste com a deterioração do
governo efetivo centralizado. Os nobres ocupavam-se com passatempos diletantes, a debater o destino e a
transitoriedade da vida, tudo isso refletido nos versos e pinturas da época. Os valores não mais residiam na esfera
pública, como foi compilado no Código de Taihô de 703 pautadas no ideal do ritsuryô, mas nos assuntos
particulares, nos gestos, falas, protocolos e vestuário.
Surgiu na produção cultural do período Heian, uma sensibilidade própria japonesa, distante da influência chinesa
declinante. Valores estéticos, como o okashi (que refere a algo inesperadamente invulgar e divertido) e,
principalmente, o complexo conceito de mono no aware (algo como a bela fugacidade da existência, da vida). Este
último termo encontra-se em milhares de passagens do “Conto de Genji” (Genji Monogatari) [787], e seu sentido pode
ser ilustrado num trecho do antigo poeta do século 9, Komachi no Ono [788]:
Os botões em flor morreram,
Enquanto eu envelheço ociosamente,
Olhando a chuva.
(tradução nossa)

No budismo, as ideias acerca do destino começaram a refletir uma mudança para algo mais fatalista, no conceito
da Era do Mappô (“Lei Última”) que prediz que a humanidade irá inevitavelmente sucumbir e desaparecer [789], algo
que pautou as ideias de transitoriedade e fugacidade do mono no aware. A vida e o destino, conforme expressado
nas obras da época, pareceram não ter maior substância a não ser para algo iminente e fatal num futuro incerto.
No mundo do poder, as esferas políticas começaram a se solidificar em torno de grandes unidades políticas pelo
país. Cada família latifundiária buscou organizar e financiar um exército particular armado, o que depois se
consolidará em torno de um estrato da sociedade. A mudança na estrutura do poder decorreu da crescente
privatização da propriedade da terra, tendência que minou a centralização das propriedades fundiárias a partir do
século 10 Muitas dessas propriedades passaram a gravitar em torno de si mesmas, quebrando a autoridade e receita
do governo em Quioto.
A descentralização do poder acarretou no envio de administradores e representantes geralmente advindos da
família Fujiwara ou de famílias a eles aliados. Alguma dessas famílias aristocráticas foram os Minamotos (ou
Genjis) e os Tairas (ou Heikes). Entre essas famílias nobres privilegiadas era permitido, além da ocupação de altos
cargos da corte (embora não tivessem direitos hereditários pois dependiam do aval da família imperial e dos
Fujiwaras) manter guardas armados, conhecidos como bushi (guerreiros) ou samurai (servidores), tornando-os cada
vez mais poderosos caso fizessem amplas alianças de poder.
As disputas na corte por essas famílias nobres excluídas do poder central, inevitavelmente, lidou a uma situação
de contestação diante do status político. Em 1156, pretendentes rivais dos Fuijwaras lutaram pelo controle da corte,
e asseguraram a aliança feita com outras famílias e grupos militares de algumas províncias. Os líderes desses
pretendentes foram Kiyomori no Taira (1118 - 1181), advindo da família Taira das províncias a oeste na região do
Mar Interior, e Minamoto no Tameyoshi (1096 - 1156), da família Minamoto originado da região de Kantô, a leste,
onde hoje se situa a cidade de Tokyo (doravante Tóquio).
A rivalidade entre esses dois líderes culminou em 1159 e 1160 na chamada Rebelião Heiji [790]. Nesta, os Tairas
saíram vitoriosos, muito por problemas de lealdades políticas dentro da aliança feita pelos Minamotos. O líder
Minamoto, Tameyoshi e seus dois filhos mais velhões foram executados e Kiyomori estabeleceu-se como a figura
política e militar mais poderosa do Japão, com as anuências legitimadoras do imperador. Por um gesto de
benevolência, Kiyomori decidiu poupar a vida dos filhos restantes do seu rival e exilou Yoritomo, Noriyori e
Yoshitsune [791].
Na família Taira, encontrava-se um descendente dos Minamotos, filho mais velho de Tameyoshi, Yoshitomo
(1123 - 1160) que tinha se rebelado contra as pretensões de seu pai natural. Foi este que, após a vitória de Kiyomori,
em 1159, resolveu organizar uma rebelião, conflitos que depois foram chamados de Rebelião Heiji, e atacou a
capital Quioto no qual foi derrotado e morto (fig.). O mais crucial foi o que se sucedeu após esse evento. Kiyomori,
por influência de uma de suas concubinas, Tokiwa, que tinha sido acompanhante de Yoshitomo, decidiu poupar a
vida de seus filhos.
Fig. – Imperador Nijô (1143 - 1165) escapando do Palácio Imperial em Quioto durante a Rebelião Heiji de 1159.

A veracidade desses fatos permanece controverso, mas o fato que permanece é que isso levou à queda dos
Tairas, pois dos filhos poupados, filhos de Tokiwa, Yoritomo no Minamoto (1147 - 1199) e Yoshitsune no
Minamoto (1159 - 1189), terceiro e nono filho de Yoshitomo respectivamente, foram os protagonistas históricos que
abriram um novo episódio na história do Japão à época.
Kiyomori, depois de ter-se assegurado como figura mais influente na corte da capital nos próximos vinte e
poucos anos, conseguiu assegurar a nomeação no trono imperial o seu neto, Antoku (1178 – 1185, r. 1180 – 1185).
O que ofendeu os outros rivais pretendentes, como o príncipe Mochihito (1151 - 1180), que decidiu buscar o apoio
dos Minamotos. Yoritomo, que estava exilado na montanhosa região de Izu, a leste, que começou a organizar suas
tropas e aliados, incluindo seu irmão, Yoshitsune, a atender ao pedido do príncipe pretendente.
Os eventos históricos ganharam ares ainda mais dramáticos após a morte do príncipe Mochihito, em junho de
1180, e, um ano depois, a de Kiyomori no Taira de febre. O futuro político japonês não poderia ter ficado mais
incerto. Yoritomo intensificou sua campanha contra os Tairas, e inaugurou em 1180 outro centro político em
Kamakura, próximo de Izu, contestando a tradição imperial em Quioto. Uma guerra civil estava se alastrando pelo
reino, a chamada Guerra Genpei (1180 – 1185). Eventualmente, nos eventos da guerra, os Minamotos conseguiram
adentrar Quioto em 1183, e os Tairas e seus aliados, liderados por Tomomori (1151 - 1185), filho de Kiyomori,
fugiram mais para o oeste, levando consigo o pequeno imperador Antoku. Em abril de 1185, Yoshitsune no
Minamoto perseguiu e derrotou definitivamente as forças rivais na batalha naval de Dan-no-ura, na região ocidental
da ilha de Honshu. Antoku, o pequeno imperador de apenas seis anos de idade, que tinha sido levado no colo de sua
avó, a viúva de Kiyomori, foi levado ao suicídio ao mar no Estreito de Shimonoseki. Um impressionante relato
desse evento evidencia o forte senso de fatalismo da época, quando a avó de Antoku explica ao seu neto o seu
destino [792]:
Vossa Majestade não sabe que renasceu neste mundo para o trono imperial, em resultado do mérito das Dez Virtudes que praticou em vidas
anteriores. Agora, porém, há um carma que vos reclama. (...) O Japão é pequeno como um grão de milho, mas é agora um vale de misérias. Há uma
terra pura de felicidade sob as ondas, uma outra capital onde não existe sofrimento. É para lá que vou levar o meu Soberano. (tradução nossa)

Até os dias de hoje, os caranguejos do Estreito de Shimonoseki são considerados pelos japoneses como
portadores das almas da família Taira nomeados com o outro nome da família, os Heikes. As tribulações dos tempos
de guerra foram assomadas com epidemias e calamidades naturais pelo Japão nos últimos anos do período Heian.
Em 1180, houve um forte tufão e, em 1184, um grande terremoto, além de incêndios e inundações decorrentes das
duas calamidades naturais e da devastação da guerra. Os tempos pareceram ser os definitivos e finais, tal qual
pregava a escatologia budista inerente à Era do Mappô, a era do declínio, da degeneração do darma [793].
O Período Heian, em suma, apresentou mudanças fundamentais na história do Japão. Inaugurou-se com a nova
capital em Quioto, em 794, com um grande plano urbano conforme a visão do imperador Kanmu (r. 781 - 806). E
foi este imperador que tomou para si todas as medidas possíveis para a centralização dos poderes conforme os ideais
chineses da Dinastia Tang. Nesse sentido, tentou no seu governo e sucessores reformar e melhorar a administração
da máquina governamental através de novos procedimentos, hierarquias e códigos conforme o ritsuryô. Nos
próximos séculos, contudo, a autoridade imperial declinou gradativamente, conforme os esforços de sucessão da
família imperial ficaram sob a influência política de poderosas famílias como os Fujiwaras. A arrecadação fiscal da
capital imperial e a capacidade de mobilização militar declinaram e o poder começou a se sedimentar em torno de
poderosas famílias latifundiárias das províncias do reino. O imperador começou a se tornar mais uma figura
simbólica e cerimonial a legitimar o efetivo comando de líderes proeminentes da época.
Ao final do período Heian, já no século 12, o comando político do Japão orbitou em torno das disputas entre
duas famílias pretendentes ao poder, os Minamotos e os Tairas. Que resultou num período de guerras civis, na
Guerra Genpei (1180 - 1185) (fig. 16), com o resultado do declínio dos Fujiwaras, a breve ascensão dos Tairas e,
depois, dos Minamotos a ocupar a posição do comando máximo efetivo. Nisso, a capital política, embora a de cunho
imperial tenha se mantido em Quioto, mudou-se mais para leste, em Kamakura, a partir de 1192 sob a égide de
Yoritomo no Minamoto. O poder político japonês permaneceu sob as mãos de líderes militares até a Restauração
Meiji de 1868.

Fig. – Retrato de uma das batalhas entre os Minamotos e Tairas na Guerra Genpei (1180 – 1185).

Coreia (Dos Primórdios ao Século 6 d.C.)


Os ecos mais remotos dos antepassados dos coreanos remetem a povos que, aparentemente, migraram de regiões
setentrionais chinesas e das vastidões mongólicas. Isso se deu num largo período que se estende desde 10 mil anos
antes de nossa era até por volta do primeiro milênio a.C. Nesse processo, houve uma gradual expansão de artefatos
de cerâmicas, talvez os mais antigos do mundo que depois se constatou no arquipélago japonês ao leste. Os antigos
habitantes caçadores, pescadores e coletores, os pertencentes à uma cultura marcada por cerâmicas com padrões
feitos com pente, considerados do Período Jeulmun ( 즐문 ) (c. 8000 – c. 1500 a.C.), foram deslocados ou
miscigenados à onda de povos advindos de outras regiões asiáticas. Criando com isso uma cultura neolítica mais
elaborada, identificados nas crônicas chinesas como os pertencentes às nações han, ye ou maek. Os estudiosos hoje
consideram que o povo coreano descende em grande parte desses povos.
O bronze e o cultivo de arroz foram se estabelecendo nas regiões coreanas e adjacências no primeiro milênio a.C.
O arroz parece ter vindo de regiões mais meridionais, pois o cultivo do milhete (que depois deu origem ao trigo) era
mais comum no norte da China. O bronze, ao que parece, pode ter advindo das proximidades chinesas, considerando
o estilo observado nos vasos chineses da época em adagas e espelhos coreanos.
O antigo mito de fundação coreana se dá na figura de Dangun (ou Tangun, 단군 ). Este é considerado o
fundador, uma espécie de rei e sacerdote de um reino chamado de Choson (também chamado de Gojoseon),
localizado no noroeste coreano e partes da Manchúria mais ao norte. Esse reino, evidentemente, depois serviu de
inspiração para uma futura dinastia coreana do século 14 d.C. As narrativas mitológicas de Dangun se encontram na
obra Samguk yusa (“Memorabilia dos Três Reinos”, 삼국유사 ), escrito por um monge budista, Il-yeon (1206–
1289), no século 13, à época das invasões mongóis. Esse monge remete os contos a registros mais antigos que até
hoje não foram encontrados, como o Livro de Gogi ( 고기 ).
A história da origem de Dangun assim segue no Samguk yusa. Ao tempo dos deuses, Hwanung ( 환웅 ) queria
viver no plano dos homens ao que foi atendido pelo seu pai, Hwanin, ( 환인 ), Senhor dos Céus. Para descer dos
céus à terra, foi escolhida a Montanha Baekdu (“Montanha do Cume Branco”, 백두산 ), hoje na fronteira entre a
Coreia do Norte e a China. A Hwanin foi dado três selos celestiais e o mandou para governar sobre toda a terra.
Hwanin desceu com três mil seguidores e depois declarou o local onde descendeu como a Cidade de Deus (Sinsi, 신
시 ). Depois de ser declarado como rei celestial (Hwanung Chonwang), assumiu os encargos de ensinar a
agricultura, medicina, artes, leis e moral. Isso tudo foi depois estimado por volta do ano de 2333 a.C.
Nas proximidades, habitavam um urso e um tigre que depois passaram a suplicar a Hwanung para transformá-los
em seres humanos. Foi então que o rei celestial deu a ambas criaturas um ramo de artemísia sagrada, vinte dentes de
alho, e ordenou a eles evitarem a luz do sol por cem dias. Os dois animais passaram então a comer a planta e a evitar
o sol. Depois de vinte e pouco dias, o urso, que manteve fiel ao plano, depois virou uma mulher. O tigre, por sua
vez, impaciente e intempestivo, foi incapaz de seguir as recomendações e permaneceu no seu estado bestial. Uma
vez mulher, essa passou a suplicar por um companheiro para ter uma criança. Ao ouvir seus pedidos, Hwanung se
transformou num estado mortal e deitou-se com a mulher. Ao que depois foi gerado um filho, Dangun.
Depois de crescido, Dangun tornou-se um homem repleto de qualidades e liderança. Para sediar seu reino,
fundou uma capital em Pyongyang e chamou seus domínios de Choson (ou Gojoseon). Anos mais tarde, Dangun
mudou sua corte para mítica cidade de Asadal e ali governou por mil e quinhentos anos. Ao final de sua longa vida,
Dangun negociou seu reino com sucessores e passou a viver nas montanhas como divindade.
Ao que parece, essa narrativa mitológica serve para entendermos como um reino organizado se estabeleceu no
norte da península coreana antes de nossa era. Considerando que não houve vestígios de nenhum amplo reino
centralizado até o 4 século a.C., a figura de Dangun serviu ao propósito de legitimar os posteriores reinos coreanos e
na Manchúria, ao criarem uma narrativa que remete ao passado longínquo e divino. Alguns estudiosos [794] da
história coreana fundamentam a narrativa de Samguk yusa no seu devido contexto histórico. Argumentam que o
mito de Hwanung e seu descendência representaria a migração de povos das cordilheiras Altai, da Mongólia. Esses
trouxeram consigo nova cultura e técnicas da agricultura, ao que depois se difundiu entre os anteriores habitantes
aborígines da Manchúria e Coreia. Entre esses nativos, alguns deles adoravam um deus em forma de tigre que
depois foram marginalizados. Outros, que adoravam uma forma divina em forma de urso, foram incorporados e
assimilados a esses novos imigrantes. No que depois resultou na consolidação de um estado da região, chamado de
Choson liderado por um líder com poderes sacerdotais, Dangun. Estudos identificaram algumas nações siberianas e
na Manchúria que cultuavam o urso como animal sagrado.
Dangun foi depois sucedido por uma nova onda de migração advindo do oeste, liderado por Kija, que apresentou
novidades civilizacionais. Nesse sentido, as lendas podem nos ajudar a compreender o quadro de migrações e
assimilações no leste asiático nos últimos séculos antes de nossa era. Os mitos de fundação relacionaram-se nos
séculos posteriores com os deuses cultuados depois nos estados de Puyo, Koguryo, Kaya e Wa, todos na região da
península coreana, nordeste chinês e arquipélago japonês.
O quadro de migrações e influências culturais também é observado no uso do bronze, como indicam os achados
arqueológicos. Em regiões coreanas e manchurianas, há adagas de bronze pertencentes à chamada cultura de
Liaoning do século 10 a.C., que apresentam formas distintas das culturas siberianas da região de Ordos no norte da
China. E, com a introdução de técnicas agrícolas, o arroz passou a ser cultivado desde o século 8 a.C. na península
coreana algo que, como dito, diferenciava-se das regiões vizinhas que cultivaram o milhete e o trigo.
Foi também nos últimos séculos antes de nossa era que um sistema de escrita advindos do oeste espalhou-se em
regiões coreanas e no antigo reino de Choson (Gojoseon). É incerto qual sistema foi introduzido, mas é provável que
tenha sido aquele que acompanhou ondas migratórias similares ao usado na escrita chinesa, ou seja, formas de
sinogramas.
Choson, como nome de estado político, aparece narrado pela primeira vez em registros chineses no século 4 a.C.,
quando é referido as boas relações diplomáticas entre o reino coreano e o estado chinês de Qi, na península de
Shandong (mapa). Mais tarde, nas narrativas chinesas, Choson é referido como um reino localizado na próxima
península de Liaodong, na costa da Manchúria, e descrito como um reino organizado e forte que ficava ao leste do
reino de Yan, durante o período dos Estados Combatentes da historiografia chinesa (c. 475 a.C. – 221 a.C.). Foi
decorrente dos continuados conflitos com Yan que Choson decidiu deslocar sua capital, Wanggeom-seong, mais
para o leste de Liaodong para o noroeste coreano no século 3 a.C.
Mapa - O estado de Qi em Shandong e a península coreana no século 4 a.C.

Por volta do início do século 2 a.C. houve turbulência na região norte chinesa que afetou a península coreana. A
Dinastia Qin chinesa (212 – 206 a.C.) entrou em colapso com a ascensão da Dinastia Han (206 – 220 d.C.), que
catalisou uma série de migrações de grupos étnicos han, ye e maek para o norte e nordeste chinês nas proximidades
do rio Yalu. Nos achados arqueológicos, é possível distinguir na região coreana, figuras de vestimentas e penteados
que remetem a esses novos povos, algo que certamente teve consequências no reino Choson. O soberano Choson, ao
que a tradição narra, confiou a defesa e guarda de suas fronteiras a aliados contra o crescente império chinês.
O reino Choson atravessou mudanças quando um desses refugiados chineses da fronteira decidiu voltar-se contra
a capital de Choson e ocupar o trono em 194 a.C. Seu nome depois ficaria conhecido como Wiman (r. 194 a.C. - ?)
que, uma vez no poder, decidiu manter a linhagem dinástica coreana. Historiadores acreditam que Wiman governou
sobre um reino confederado de grupos étnicos do que propriamente algo centralizado. Isso era típico da época na
região da Manchúria, península coreana e Japão.
Três gerações depois, embates começaram a se avolumar com os chineses da Dinastia Han, no que resultou na
vitória do imperador chinês Wu em 108 a.C. No seu auge, portanto, toda a região norte coreana foi incorporada
diretamente ao império chinês da Dinastia Han. Tratados de paz foram logo estabelecidos, mas o reino de Choson,
embora submetido, permaneceu como um alerta para a futura segurança da China da época, pela sua notável
organização e proximidade geográfica.
Assim se deu por quatro séculos até por volta de 313 d.C. O norte coreano foi administrador pelos chineses de
Han a partir da cidade de Lelang (Nanggang em coreano), perto de Pyongyang. Apesar da dominação, as evidências
arqueológicas apontam para traços culturais coreanos bastante distintos dos chineses. Ao que parece, os chineses
mantiveram a administração de forma confederada e autônoma, assim como era costume na região. Ademais, temos
que considerar que não havia ainda uma unidade cultural nem mesmo entre os chineses, e assim foi também entre os
coreanos. Em outras palavras, não havia ainda à época uma entidade homogênea e unificada coreana, mas sim um
quadro diversificado de grupos étnicos. Nada havia, portanto, para nos referirmos como uma Coreia. As fronteiras
que hoje são evidentes no norte coreano, ao longo do rio Yalu e Tumen, somente foram demarcados tardiamente, no
século 15 d.C.
A diversidade de povos e costumes coreanos foi notada nas crônicas chinesas, como na Crônica dos Três Reinos
(Sanguo zhi, 三國志 ) do século 3 d.C. Nesse livro, narra-se que havia um reino chamado de Puyo, bem ao norte da
península coreana na região da Manchúria. Mais ao sul da Manchúria ascendeu um reino chamado de Koguryo (ou
Goguryeo, 고구려 ) que depois conquistou sua soberania plena dos chineses a partir de 313 d.C. Ao leste, um outro
grupo, Okcho, tinha constituído num reino separado e, ao sul deles havia o povo Ye (ou Yemaek) que viveu ao
longo da costa oriental coreana. Ainda mais ao sul, que permaneceu longe da dominação chinesa de Han, tinha
florescido três reinos coreanos: Mahan, Pyohan e Chinhan (mapa). Esses três povos (referidos por vezes como
Samhan) foram os prováveis ancestrais das posteriores dinastias coreanas, pois foi de Chinhan que se consolidaria a
gradativa união coreana nos séculos posteriores. Entre os de Mahan, os chineses relatam que não tinham nem
mesmo uma língua em comum e que eram mais um conjunto de pequenas unidades de lealdades. Todos os três
reinos no sul coreano eram compostos em sua maioria por agricultores espalhados entre terras férteis entre as
montanhas e o mar, sem sinal de muralhas. Pyonhan e Chinhan não contavam com mais do que alguns milhares de
grupos familiares. E entre esses, conta-se que tinham o hábito de tatuarem os corpos e deformarem as cabeças dos
recém-nascidos visando uma forma mais alongada do crânio. Em contraste, o povo de Koguryo, mais ao norte, eram
montanheses que em boa parte desconheciam a agricultura. Por volta do século 3, sua população deveria contar com
algumas dezenas de milhares de famílias, todas mais afeitas à cavalaria e ao nomadismo.

Mapa - Os reinos coreanos no século 5 d.C.

Na perspectiva chinesa, considerava-se todos os povos ao redor como periféricos ao seu senso de civilização. Foi
quando os chineses consolidaram o conceito de Mandato do Céu (tianming, 天命 ) e quem controlava esse centro
era dito como Filho do Céu (tianzi, 天子 ). O primeiro imperador chinês, Qin Shihuangdi (259 – 210 a.C.)
proclamou-se governante de tudo o que havia sob os céus (tianxia, 天下 ) depois de ter unificado os seis estados em
guerra na China de 230 a 221 a.C. Ele adotou um novo título, huangdi( 黃帝 , imperador), que tinha antes sido
usado apenas para figuras mitológicas e divindades da China antiga.
Uma vez conquistada toda a vastidão dos reinos chineses, o imperador passou a considerar sua soberania sobre
os arredores no mundo asiático, a manter a ordem contra possíveis ameaças. Assim, Qin Shihuangdi passou a
elaborar uma política de contenção e alianças visando as suas fronteiras mais vulneráveis ao norte, dando alento à
uma série de fortificações e muralhas defensivas no que séculos depois iria ser a Grande Muralha. Uma das nações
mais ameaçadoras aos chineses eram os xiongnus, nômades que eram considerados como bárbaros na percepção
etnocêntrica chinesa da época. Outras nações foram nomeadas de acordo com os pontos cardeais, Dongyi (ao leste),
Nanbam (ao sul), Beidi (ao norte) e Xiong (ao oeste).
Após algumas décadas, a dinastia imperial Qin foi conquistada pela Dinastia Han, que durou quatro séculos. No
século 2 a.C., um dos imperadores Han, Wudi (156 – 87 a.C.) foi articulado e energético o suficiente para combater
e eliminar a ameaça dos xiongnus no norte e oeste das fronteiras chinesas e passou então a voltar sua ambição
expansionista para o sul e leste. Uma vez feita a expansão chinesa ao sul, chegando a estender-se ao que hoje é o
norte vietnamita em 111 a.C., Wudi, três anos depois, voltou-se ao leste quando encontrou a formidável resistência
de Wiman de Choson, que acabou caindo derrotado em 108 a.C. A ampla confederação tribal de Choson não se
mostrou centralizada o suficiente para conter a invasão chinesa. Nessa região foram depois implementadas quatro
grandes regiões administrativas: Lelang, Zhenfan, Lintun e Xientu. E uma numerosa migração chinesa foi
incentivada para ocupar efetivamente toda a região nordeste do império de Han.
Lelang, conforme dito antes, foi um dos principais centros administrativos chineses na região com a península
coreana. Esses centros prosperaram com o ativo comércio entre as regiões e a costa do leste asiático. Funcionários
chineses e representantes da corte han com frequência provaram sua arrogância ao imporem um sistema de leis e
costumes confucianos sobre os antigos costumes de Choson. Apesar das resistências, as modificações dos hans
foram implementadas, o que não eliminou os constantes ataques e pressões de nações coreanas vizinhas. Foi por
meio desses desgastantes ofensivas que os chineses decidiram abandonar dois centros administrativos e se
concentrar em apenas um deles, Lelang, que acabou se tornando no centro chinês mais periférico ao nordeste do
império han.
O interesse chinês na região nordeste, que considerava a região como Dongyi ( 东夷 ), passou com o passar do
tempo a manter apenas os laços comerciais e tributários, até ao tempo em que a própria coesão e unidade do império
chinês da Dinastia Han começou a entrar num período de declínio e fragmentação no século 4 d.C. Foi nesse
contexto que um dos reinos mais ao norte da península coreana, o de Koguryo, chegou a investir contra a cidade de
Lelang em 313 d. C [795]. Após esses eventos, o líder de Koguryo passou a ser referido com o título de rei (wang,
王 ).
A expansão de Koguryo, a bem da verdade, remeteu a séculos anteriores na região da Manchúria e começou a
preencher gradativamente o vácuo de poder deixado com o declínio da autoridade imperial chinesa. No século 2 de
nossa era, era visível os sinais de enfraquecimento dos representantes de Han. Em 220, toda a região sul da
Manchúria foi conquistada por um povo nômade que tinham se confederado num sistema de alianças chamados de
Xianbei. Por volta do ano 300, esses nômades começaram efetivamente a controlar toda a região e cortaram toda a
ligação da península coreana com o restante da China. Foi, portanto, a gota d’água apenas quando Lelang caiu em
313 para Koguryo. Talvez não seja exagero considerar esses eventos históricos como determinante para o posterior
surgimento da nação coreana.
Em fins do século 4 e início do seguinte, a região nordeste da China e do norte da península coreana tinha se
consolidado em dois reinos organizados e fortes. Um, mais ao norte foi dominado por povos de Tuoba e Xianbei que
passaram a reinar sobre a Dinastia Wei do Norte. Mais ao sul, o reino de Koguryo fortaleceu-se no sul da Manchúria
e norte coreano. Ambos os estados foram regidos por povos não-chineses, apesar de Wei do Norte ter uma
considerável população chinesa. Ademais, ambos os reinos tinham absorvido substancialmente a cultura chinesa e o
confucionismo, sinicizando o povo de tuoba-xiaobei. Entre os de Koguryo, a influência se fez presente, embora em
menor medida e foram esses depois que levaram os valores chineses mais para o sul da península coreana e, dali,
para as ilhas e arquipélago japonês, entre os povos denominados à época de Wa. Em 372, Koguryo tinha fundado
uma academia de estudos de obras clássicas chinesas e, um ano depois, passou a promulgar códigos de leis
confucionistas. Em 427, sob o rei Jangsu (r. 413 - 491), a capital de Koguryo mudou-se mais para o sul do rio Yalu,
nas proximidades de Pyongyang [796]. Deslocando-se de suas bases mais ao oeste na península de Liaodong, Jongsu e
seu antecessor no trono, o rei Gwanggaeto, o Grande (r. 391 - 413) tinha expandido o território de Koguryo ao norte
até o rio Songhua [797] e chegando a controlar dois terços da península coreana.
Outro reino coreano proeminente foi Paekche (ou Baekje, 백제 ) que tinha sido fundado por um dos filhos do
primeiro rei de Koguryo, Jumong (r. 37 a.C. – 19 a.C.). A linhagem real de Paekche, tal como Koguryo, buscou
traçar sua ancestralidade ao de Puyo (ou Buyeo, 부여 ), um venerável reino que tinha se estabelecido na Manchúria
desde o século 2 a.C. Paekche começou com a reunião de em torno de 50 famílias na região de Mahan no sudoeste
coreano. Com o tempo, foi expandindo e consolidando seus domínios na região. Os contatos com dinastias chinesas
foram primeiro registrados em 372 e, em 386, o regente de Paekche, Jinsa (r. 385 - 392) recebeu o título dos
chineses de “Rei de Paekche” e “General Protetor do Leste”. O antecessor no trono de Jinsa, Geunchogo (r. 346 -
375) tinha expandido e controlado o reino de Paekche no seu auge territorial, tornando-os particularmente valiosos
aos chineses que buscaram contrapor à hegemonia de Koguryo ao norte.
Em fins do século 4, Paekche foi derrotado e reduzido pelo reino vizinho de Silla. Nos séculos 5 e 6, Paekche
manteve duradouras e boas relações com dinastias chinesas, principalmente das regiões meridionais, e foi o período
em que absorveu a sofisticada cultura chinesa. Ao mesmo tempo, pelo acesso aos mares da península, Paekche
começou a manter contatos e comércio com estados emergentes nas ilhas meridionais do arquipélago japonês.
O terceiro reino coreano proeminente à época, Silla, desenvolveu-se a partir de comunidades da região de
Chinhan no sudeste asiático. Esse reino, virado para a costa leste da península, foi a mais remota e que demandou
mais tempo para desenvolver-se. Foi somente em 503 que os líderes de Silla abandonaram os tradicionais títulos de
Maripkan, e assimilaram o título chinês de “rei” (wang). Em 520, Silla começou a promulgar uma série de leis de
origens chinesas e confucianas, claramente demonstrando a influência vindo do oeste. Por volta de 535, no entanto,
há uma novidade, pois em Silla foi contornada a oposição da corte e elite do reino com relação ao budismo, sendo
esta crença oficialmente endossada. Dez anos depois, por regimento real, Silla começou a escrever a história oficial
do reino. Silla, no seu auge, em 576, chegou a dominar toda a costa oriental da península coreana, muito resultado
do enérgico rei Jinheung (r. 540 - 576) quando este aliou-se a Koguryo e derrotou o reino de Paekche através do rio
Han em 553. A estrutura social de Silla parece ter se consolidado em torno de clãs proeminentes, com sobrenome de
Kim ( 김 ), Pak (ou Park, 박 ) e Seok (ou Sok ou Suk, 석 ), nomes até os dias atuais presentes nas famílias
coreanas. Até o século 4, os chefes de Silla regiam sobre um sistema confederado e eram eleitos por consenso de um
conselho de notáveis.
Esses três reinos coreanos foram o pano de fundo histórico sobre o que depois iria se consolidar na Coreia a
partir do século 7. Todos os três tiveram significativa influência chinesa, principalmente com relação aos assuntos
de estado, política e leis. Há relatos de chineses de que todos, sem exceção, sabiam de cor recitar os ensinamentos
clássicos chineses confucianos e seus discípulos. Apesar disso, foi mantido algo que os distinguia dos chineses, na
língua e nos costumes. Cada reino manteve suas tradições cerâmicas distintas [798]. Os monumentos funerários,
chamados de kobun, presentes nos três reinos demonstram estilos diferentes atendendo a padrões regionais. Túmulos
de pedra apresentam murais pintadas nas suas câmaras em Koguryo. As câmaras em Paekche são arqueadas, e em
Silla, os túmulos são de madeira recobertos por pedras.
Foi por volta da consolidação desses três reinos que houve registros de povos que habitavam ilhas mais ao leste,
chamados de Wa. Principalmente de Silla, houve migração de algumas comunidades da península para as ilhas
meridionais e ocidentais do arquipélago japonês nos primeiros séculos de nossa era. Ainda mais recuado no tempo,
certamente houve a influência por migração dos conceitos cerâmicos presentes na chamada cultura de Yayoi no
Japão no século 4 a.C. que compartilha as características da cerâmica coreana da mesma época. Ademais, há
semelhança na língua japonesa antiga no norte da ilha de Kyushu com a língua de Koguryo. E foram imigrantes de
Paekche que depois atravessaram os mares ao leste de fins do século 4 ao 7 e depois influenciaram na disseminação
do budismo, no fortalecimento de líderes locais do clã dos yamatos e até mesmo nas técnicas agrícolas e
metalúrgicas como a forja de espadas [799].
O budismo veio após uma série de interações através das regiões ocidentais da China que lidavam com rotas para
a região do norte indiano, Paquistão e Afeganistão. Essa religião, nascida na Índia, chegou aos domínios chineses
por volta do segundo século de nossa era, e teve grande apelo por sua mensagem universal e não-exclusivista.
Qualquer um, em suma, poderia alcançar a iluminação espiritual, sem distinções sociais, de gênero e etnia. Mas essa
religião teve, contudo, que lidar com as religiosidades anteriores na China. Uma dessas era o taoísmo, que oferecia
uma explicação e inserção cósmica do seu no universo, algo que serviu de contraponto às limitações e abusos do
sistema confuciano oficial adotado pelo estado chinês ao longo de sua história. Se os ensinamentos de Confúcio e de
seus discípulos defendiam a ordem, a hierarquia, a obediência e harmonia, o taoísmo, por vezes, buscava libertar o
indivíduo do constrangimento social e político para uma plena realização pessoal.
Foi um monge budista da cidade de Dunhuang que traduziu as escrituras budistas da escola maaiana do sânscrito
para o chinês. Depois de longo tempo, esse budismo começou a se ampliar na China em período de instabilidades e
desunião no século 4. Foram as dinastias de nômades que abraçaram essa nova religião e a promulgaram. Uma
dessas dinastias, a de Qin (351 – 394) foi entusiasta em promover o budismo, considerando suas origens com os
tibetanos, nação que cedo incorporou os ensinamentos de Buda. E a partir disso, o budismo se espalhou para outras
partes da China e mundo asiático. Em determinado momento, um monge budista, Sundo (ou Shundao, em chinês),
advindos do reino de Qin, foi para as regiões orientais e chegou a Koguryo em 372. E ali descobriu que as práticas
xamanistas eram predominantes entre os nativos. O rei de Koguryo, Sosurim (r. 371 - 384), ficou fascinado e atraído
com a nova religião que, além de satisfazer suas curiosidades a respeito da ordem cósmica e busca pela iluminação
espiritual, acolheu os ensinamentos do novo credo espiritual e tornou-o uma religião do estado. São decorrentes
dessa decisão que as primeiras imagens e estatuetas de Buda desse período, em bronze dourado, usados como
talismãs, são hoje encontrados em alguns museus em Seul e no mundo.
A aceitação do budismo pelo rei de Koguryo condisse com seu plano ambicioso de sistematizar seu governo em
novos termos burocráticos e ter maior apelo de integração social no seu reino. Koguryo, anteriormente, era mais
uma coleção de clãs e lealdades que, com o budismo promovido, poderia cimentar numa nova unidade político.
Ademais, o budismo poderia ofertar novas alianças e contatos internacionais, indo além de sua localidade no
nordeste asiático. Juntamente com o budismo, o confucionismo foi adotado pelos subsequentes governantes de
Koguryo para estabelecer um sistema hierárquico e burocrático do reino. Tanto foi assim que foram estabelecidas
academias confucianas e, decorrente disso, instituídas carreiras para os magistrados e funcionários do estado, seja
para sistematizar e manter o funcionamento da máquina do governo, seja para manter os registros e compilar a
história do reino. Portanto, o budismo e confucionismo serviram, fundamentalmente, para estruturar e manter o
nascente reino coreano.
Isso não ocorreu apenas em Koguryo. Alguns anos depois, em 384, o reino de Paekche implementou iguais
medidas quando foram decretadas como oficiais pelo rei Chimnyu (r. 384 – 385) os ensinamentos do monge indiano
Marananta (ou Malananda). Mais tardiamente, também foram institucionalizados por Silla em 527, por um outro
nascente reino coreano, Kaya, e, mais ao leste nas ilhas meridionais japonesas, por Wa em 584. Esse último reino,
pela sua distância geográfica da península, somente irá plenamente reformar seu sistema político e jurídico após a
Reforma Taika feitas pelo príncipe Shodoku em 654.
O fato mais notável da região coreana se dá com uma impressionante estela de sete metros de altura encontrada
perto do rio Yalu (fig.), na Manchúria, em que se comenta sobre os feitos de um rei de Koguryo, Gwanggaeto (r.
391 – 413). Foi sob o reinado deste que Koguryo expandiu suas fronteiras a incluir boa parte do nordeste asiático,
desde o rio Sungari ao norte, o vale do rio Liao ao oeste, a costa marítima ao leste e o rio Han ao sul. O nome
Gwanggaeto, na verdade, é um nome póstumo, um título que significa “território em expansão”, demonstrando que
o reino estava em sua plena capacidade expansionista. Seu verdadeiro nome era Yongsak, e foi durante esse período
que Koguryo incorporou várias entidades políticas menores coreanas e manchurianas. Em 427, alguns anos depois
da morte de Yongsak, seu herdeiro, Jangsu (r. 413 – 491), decidiu mudar a capital do alto rio Yalu para Pyongyang,
um antigo centro usado pelo reino de Choson e pelos domínios administrativos de Lelang.

Fig. – A estela de Gwanggaeto.

A estela ainda descreve feitos impressionantes do reino Koguryo. As expansões do nascente império coreano
foram em todos os pontos cardeais, e essas descrições coincidem com os relatos coreanos compilados pela primeira
vez em forma escrita no século 12. Os primeiros avanços se deram ao norte, sobre o universo de nações nômades
para depois se consolidar ao sul, sobre o reino de Paekche. Ao leste, o reino de Koguryo submeteu várias tribos e,
por fim, foi ao oeste onde enfrentaram o resistente império confederado de Xianbei (à época referidos como reino de
Yan Tardio, compondo este um dos 16 reinos fragmentados em que se encontrava a China em fins do século 4),
povo nômade de etnia proto-mongol. Os confrontos mais duradouros se deram contra Paekche e Xianbei. Paekche
tinha sido o reino mais poderoso e organizado da península coreana, mas acabou rendendo-se ao rei Gwanggaeto em
396. Na virada do século 5, Koguryo conseguiu o feito de derrotar novas investidas de uma aliança do reino de
Paekche, Kaya e de Wa. Em 407, o rei de Koguryo lançou sua ofensiva mais ao oeste, para garantir a plena
segurança de suas fronteiras, e conquistou a estratégica península de Liaodong. Pondo termo às ameaças principais
que poderiam vir do sul e do norte e oeste.
A península coreana testemunharia mais uma ascensão política notável a partir do século 6. Silla, um reino
coreano que tinha se consolidado na ponta sudeste, era inicialmente de pouca expressão tal como a sua vizinha,
Kaya. A mudança dos ventos históricos começou com uma confederação feita mais ampliada, a envolver mais seis
grupos clânicos, a ser regido por uma figura de chefia e rei, cujas decisões eram submetidas a um conselho de
chefes. Esse sistema era designado como hwabaek. Com o passar dos tempos, a figura do rei concentrou ainda mais
seu poder de decisão, consolidando a dinastia dos clãs dos Kims e Paks em meados do século 4. Posteriormente,
esse sistema ampliou-se para organizar a sociedade de Silla em hierarquias, com as famílias reinantes no topo e a
burocracia e mão-de-obra diversa nos níveis abaixo. Essa hierarquia, influenciada em parte por ideais confucionistas
de ordem e respeito, era conhecida como kolpum, “classificação óssea”. No qual o status era reservada para aqueles
que pertenciam a um grupo determinado por laços familiares, de sangue, ou melhor, de osso. Aqueles que tinham o
“osso sagrado” (seonggol, 성골 ) poderiam almejar às posições de comando do reino. Até meados do século 7,
somente os de “osso sagrado”, estritamente aqueles descendentes dos Kims e Paks, poderiam suceder ao trono. Os
demais membros poderiam almejar outros cargos, desde que pudesse ser comprovada as ligações familiares ou
aliados. Nesse sentido, foi garantido ao reino de Silla certa coesão e homogeneidade à elite governante, que com o
tempo foi incorporando as lideranças de outros estados conquistados.
O budismo também se fez presente em Silla, apesar de ter sido mais tardio do que ocorreu em Koguryo e
Paekche. Inicialmente, o apelo universal e irrestrito budista chegou a apenas aos plebeus. Com o passar das décadas,
no início do século 6, o budismo começou a ser aceito entre membros da elite de Silla. Em 527, o rei de Silla,
Beopheung (r. 514 - 540), acabou oficializando o culto após o martírio do monge budista Ichadon (ou Geochadon,
거차돈 , 503 – 527), figura bastante popular e secretário do rei. Na sua morte, conforme nos narram as crônicas
budistas coreanas compiladas no século 13, Ichadon manifestou um milagre para impressionar e converter a
aristocracia de Silla. Toda a extensão da terra tremeu, o sol escureceu, flores choveram dos céus e sua cabeça
cortada planou em direção às montanhas sagradas de Geumgang, e leite jorrou abundantemente de seu corpo
decapitado. O presságio impressionou a todos os presentes e isso foi considerado como uma manifestação dos céus,
de que o budismo deveria ser considerado como religião do estado. Todos, aterrorizados, passaram a lamentar pela
morte do monge que passou a ser considerado como mártir pela causa da retidão, da moral e do bom comportamento
(imbuídos no amplo conceito budista de darma). Uma vez declarada como oficial, o budismo em Silla cresceu
rapidamente que serviu como base de ordenamento e coesão social do reino.
Algumas décadas depois, no mundo político, Silla mostrou-se forte o suficiente para denunciar sua histórica
aliança com o reino de Koguryo, ao norte. E Silla passou a procurar acordos mais vantajosos com o reino vizinho de
Paekche visando invadir e expandir às custas do pequeno reino de Kaya. Em 532, Kaya foi em grande parte anexado
pelos dois reinos aliados. O avanço mais dramático de Silla, contudo, se deu em 553, quando conquistou todo o vale
do rio Han que percorre o centro da península coreana. Após esse feito, o rei de Silla, Jinheung (r. 540 - 576),
mandou erguer grandes monumentos para marcar suas novas fronteiras. O que motivou o desagrado de Paekche que
tinha antes ocupado a região. Foi por isso que Paekche passou a atacar Silla em 554, resultando na derrota decisiva
do rei de Paekche, Seong (r. 523 - 554). Muito do sucesso das rápidas ofensivas de Jinheung se deve pelo eficaz uso
em campo aberto de sua cavalaria altamente disciplinada, chamada de hwarangdo( 화랑도 ). Em 562, Silla
finalmente anexou totalmente o reino de Kaya, e passou então a comandar toda a região central e costa oriental da
península coreana. Haveria ainda alguns séculos restantes em que Paekche, Silla e Koguryo iriam se digladiar em
conflitos e alianças a competir pela hegemonia, mas seria Silla que, eventualmente iria se sobrepor a todos no século
7.
Coreia (Século 7 ao 8)
Em fins do século 6, a China voltou novamente a se unificar sob a Dinastia Sui após quase três séculos e meio
de fragmentação de numerosos reinos. O novo império chinês serviu depois de base para uma era mais duradoura de
unidade sob a Dinastia Tang (618 – 907). Esse novo ordenamento chinês teve consequências sobre os reinos
coreanos, cada qual buscou enviar emissários para a corte Sui a renovar os laços diplomáticos. Dos três reinos
coreanos, Koguryo, Silla e Paekche, o mais setentrional, o de Koguryo, apresentava problemas evidentes de
fronteira e ameaça ao nascente império chinês. Em 598, o imperador Sui declarou guerra à Koguryo. Yangdi (r. 604
– 618), governante chinês no início do século seguinte, seguindo suas ambições expansionistas tentou invadir
Koguryo por três vezes a partir de 612. As consequências dessas prolongadas campanhas revelaram-se onerosas e
desastrosas para a corte Sui que depois chegou ao seu fim em 618.
À época das grandiosas invasões chinesas, que fontes indicam que envolveu mais de um milhão de soldados
mobilizados, um ministro de Koguryo, Eulji Mundeok (? -?), revelou seu brilho estratégico e militar na resistência
aos chineses. Suas vitórias decorreram do hábil e preciso contra-ataque no recuo das forças chinesas ao cruzarem o
rio Salsu (hoje em dia, o rio Cheongcheon) em 612. Com esse feito, o general coreano tornou-se uma figura heroica
cultivada nos séculos posteriores.
A crise gerada no império Sui abriu oportunidades para que outras lideranças chinesas se proclamassem
imperadores. Em 618, Li Yuan, um general tomou o trono imperial e estabeleceu uma nova linhagem dinástica, a
Tang. E assim como no passado, os reinos coreanos, uma vez considerando a estabilidade do novo poderio imperial
chinês, mandaram emissários. Koguryo, inicialmente, apresentou-se como inofensivo e aberto aos bons contatos. No
entanto, pouco anos depois, sob o imperador Tang, Taizong (r. 626 - 649), as relações entre as duas partes azedaram
decorrente dos planos ambiciosos da China sobre as regiões periféricas do império. Depois de subjugar turcos no
oeste chinês em 630, a atenção do imperador voltou-se para o leste, para Koguryo. Em 642, foram erguidas uma
série de fortificações na fronteira do reino coreano frente aos chineses, sob a supervisão de Yeon Gaesomun (603 –
666) que depois conseguiu eliminar seus rivais políticos com um golpe de estado e nomeou-se como
plenipotenciário do reino de Koguryo, tornando-se de fato o governante.
A política de Yeon Gaesomun mostrou-se mais agressiva não somente aos chineses, mas também aos outros
reinos coreanos ao sul. Reconhecendo o poder de Koguryo ao norte, representantes do reino de Silla aliaram-se para
atacarem em conjunto o reino de Paekche. Mas essa busca de aliança não durou muito, pois Koguryo buscou depois
aliar-se a Paekche, o que provocou a busca de aliança de Silla com o império chinês Tang. Em 644, o imperador
Taizong, decidiu então enviar uma expedição contra Koguryo que enfrentou duras resistências na península de
Liaodong que perdurou por anos. Taizong, cansado dos anos de guerra, resolveu então retirar-se das linhas ofensivas
e passou a apoiar o seu aliado na península coreana, Silla, a combater Koguryo.
O poderio ascendente em Silla se deu por um processo interno de disputas pelo poder. Durante o reinado da
rainha Sondok (r. 632 – 647), membros da aristocracia hwabaek tentaram dar um golpe, mas que foi logo reprimida
por monarquistas liderados por Kim Chunchu (604 – 661) que acabou se tornando na maior figura política de Silla
da época. Quando Sondok veio a falecer, sua herdeira, a rainha Chindok (r. 647 – 654) foi a última linha dos
monarcas que seguiram o sistema do “osso sagrado” (seonggol). Nesse meio tempo, conforme dito, Silla estava se
comprometendo cada vez mais com a China dos Tangs. Em 648, Kim Chunchu foi enviado como emissário mais
uma vez para a capital chinesa, Chang’an. E voltou prometendo adotar todos os protocolos, rituais e vestimentas
cerimoniais chinesas na corte de Silla, visando impressionar o imperador Taizong. Tais gestos de respeito e
compromisso sem reservas do reino Silla fortaleceram ainda mais a aliança entre os dois reinos asiáticos.
No âmbito social e militar, Silla nos séculos 6 e 7 institucionalizou o hwarangdo (“Caminhos dos Cavaleiros
Florescentes”, 화랑도 ). Esse consistia basicamente num grupo selecionado de membros jovens (nangdo) da elite
coreana que foram selecionados através da demonstração de coragem, lealdade, respeito aos valores tradicionais e
versados nas artes e poesia. Cada unidade desses jovens era liderada por um hwarang( 화랑 ), membro das famílias
pertencentes aos “ossos sagrados”, como o foi Kim Chunchu. Com frequência, monges budistas se juntaram a esses
grupos como conselheiros e guias espirituais. Tal corpo disciplinado e motivado de jovens retrata bem o espírito de
Silla na época, cuja identidade nacional estava florescendo e estimulado para eventuais conquistas na península
coreana.
O hwarang mais conhecido de Silla foi Kim Yushin (595 – 673), descendente de um rei de Kaya, que havia sido
aceito como membro dos “ossos sagrados” depois que o citado reino de seu antecessor foi derrotado em 532. Foi
Kim Yushin que, no início do século 7, liderou um grupo de hwarangdo, chamados de Yongha hyangdo (“Discípulos
da Fragrância da Flor do Dragão”) que acreditavam ser escolhidos pelas divindades a realizar a conquista de toda a
península coreana. Foi com esse espírito de motivação que Kim Yushin, que era cunhado de Kim Chunchu que
chegou a ocupar o trono de Silla em 654, assumindo o nome real de Muyeol (r. 654 - 661).
Paekche, sentindo-se cada vez mais ameaçado e cercado pelos reinos rivais de Silla e da China Tang, buscou
então assegurar novas alianças na região asiática. Koguryo, aparentemente, apresentou-se dúbio e com certa lealdade
a Paekche, mas talvez temeu ainda mais rivalizar-se com a China dos Tangs. Foi então que os governantes de
Paekche mandaram emissários mais para o leste, para o reino consolidado de Wa sob os yamatos nas ilhas japonesas
que depois firmou-se numa renovada aliança em 653. De 655 a 659, Paekche parece ter convencido Koguryo no
norte a mobilizar suas tropas, e os dois reinos começaram a assediar as fronteiras de Silla. Como resposta, os
governantes de Silla solicitaram a ajuda da China. Os Tangs, em 660, enviaram uma força naval de cerca de 130 mil
homens para o leste em direção à capital de Paekche da época, Sabi (hoje, Puyo). Na linha oriental e terrestre, as
ofensivas ficaram sob o comando de Kim Yushin, Pumil e Humchun a avançar com uma força estimada em 50 mil
homens. Ao que resultou numa das maiores batalhas conforme descrita pelas crônicas históricas coreanas do século
12, o Samguk sagi (“História dos Três Reinos”, 삼국사기 ). Na batalha de Hwansanbeol. Nesses confrontos, foi
narrado a extremo auto-sacrifício do general de Paekche, Kyebaek (? – 660), que, ciente de seu destino e do reino,
mandou sacrificar toda sua família a evitar uma vida de escravidão. Ao que depois liderou uma carga suicida de 5
mil guerreiros contra a ofensiva de Silla. Derrotadas as forças de Kyebaek, as forças aliadas de Silla e Tang
chegaram a ocupar a capital de Paekche depois de uma feroz batalha em 660, em que foi morto o último rei, Uija.
O sucesso militar incitou a diferenças de planos entre a China sob o imperador Gaozong (r. 649 – 683) e de Silla
a respeito do futuro da península coreana. Os chineses almejaram estabelecer uma presença definitiva na parte
oriental da península, ao passo que Silla, consciente das ambições de Gaozong, buscou consolidar seu domínio
coreano. De fato, conforme nos conta o Samguk sagi que enfatiza as sábias decisões do rei Muyeol, parece que o
império chinês não conseguiu manter sua presença no território Paekche, distante do território chinês e cercado pelas
forças terrestre próximas de Silla. Ademais, os aliados de Paekche, os japoneses de Wa, haviam chegado do mar a
serem enfrentados. Ao fim dos confrontos, membros da família real de Paekche buscaram exílio nas ilhas japonesas
e buscou nos anos seguintes organizar a resistência contra as forças de ocupação de Silla. Em 666, as forças de
resistência de Paekche e das forças navais japonesas aliadas foram definitivamente derrotadas e foi dado o término
de Paekche.
O império Tang, a bem da verdade, não tinha simplesmente desistido de Paekche. Mas buscou algo mais
premente em suas fronteiras a assegurar sua segurança na sua região nordeste. E o seu alvo foi o reino de Koguryo.
Em 661, Gaozong organizou uma expedição de cerca de 350 mil homens e pediu ajuda a Silla. O maior líder militar
de Silla, Kim Yushin conduziu suas tropas de suprimentos em direção à capital de Koguryo, Pyongyang. No entanto,
Pyongyang revelou ser uma fortaleza inexpugnável, mesmo com um cerco de suas muralhas de oito meses. Em
Paekche, agora derrotado e ocupado, o imperador chinês resolveu nomear um governador local, gerando desgaste
com os governantes de Silla. Essa espécie de Pax Sinica na península coreana, instituída pelos Tangs, aos olhos de
Silla, revelou ser um prenúncio de futuras mudanças na região.
As mudanças repentinas no status da região começou com o falecimento do líder de Koguryo, Yeon Gaesomun
(r. 642 – 666), em 666. Foi então aberta a oportunidade para as ofensivas chinesas e de Silla. A morte do governante
abriu um vácuo de poder e incertezas de sucessão ao trono. Em 668, Pyongyang, dividida e sem um claro comando,
foi fustigada e atacada. Os filhos de Yeon Gaesomun, incapazes de se resolverem, caíram diante dos invasores.
Pyongyang foi ocupada e a hegemonia de Koguryo na região nordeste asiática, nas fronteiras com a China Tang,
esvaneceu. Após a conquista de Koguryo e da submissão de Paekche, o império Tang tentou estender sua dominação
sobre toda a Manchúria e noroeste da península coreana, tal como havia sido feito pela Dinastia Han no passado.
Em 669, o governo chinês estabeleceu na região províncias administrativas em torno de Pyongyang com o
propósito de controlar os territórios fronteiriços. Esse protetorado era um dos maiores do império chinês, que
revelou ser frágil e incerto pelas vivas resistências de outros líderes perseguidos de Koguryo. Alguns desses haviam
sido presos e mortos, mas outros conseguiram fugir para encontrar abrigo em territórios de Silla e até mesmo no
arquipélago japonês. Em vista disso, Silla, aproveitando-se da inquietude ao norte da península, resolveu buscar
expandir seus domínios sobre Paekche. O que irritou os Tangs, que responderam com pressões diplomáticas e
mesmo passou a ameaçar os familiares do rei de Silla que viviam na capital Tang. Parecia que era inevitável a guerra
entre Silla e a China Tang na segunda metade do século 7.
Felizmente, para Silla, parecia que o destino era favorável. O imperador Tang, Gaozong, estava mostrando-se
doente e a regência imperial passou para a imperadora Wu (Wu Zetian, r. 690 - 705), que adotou uma política mais
pacifista. Ademais, houve a ascensão de outras ameaças nas fronteiras chinesas no sudoeste, entre os tibetanos,
divergindo os recursos antes voltados à região nordeste da China. Mesmo assim as forças de Tang foram
formidáveis e somente foram derrotados por Silla em 675 em batalhas ao norte do rio Han e na costa ocidental
coreana. Sendo assim, o protetorado chinês no norte coreano deslocou-se de Pyongyang para mais ao oeste, na
península de Liaodong em 676. Uma retirada de suas forças de ocupação da área e um significativo avanço de Silla
sobre toda a região norte coreana. Silla havia tomado controle de toda a península e o que restou dos antigos três
reinos coreanos agora foram feitas em províncias com suas capitais regionais. Kyongju, na costa leste coreana,
tornou-se a capital de toda Silla expandida (mapa). Os antigos aristocratas de Paekche, Koguryo e mesmo da
pequena Kaya, do passado, foram incorporados na classe dominante de Silla. Silla, nesse sentido, foi a primeira
expressão unificada da península coreana.

Mapa - O reino de Silla no seu auge em 576 d.C.

A capital de Silla, Kyongju, rivalizava em pujança com a cidade imperial de Xian da China e de Nara, no Japão,
e foi uma das cidades mais prósperas do leste asiático nos séculos 8 e 9. A população foi estimada em torno de 200
mil pessoas e seu habitantes iam desde aristocratas, funcionários, sacerdotes, soldados, comerciantes, artesãos,
artistas e escravos. A maioria das habitações eram abrigadas por telhados de azulejos decorados, e raramente se via
um telhado de palha como nos narra o Samguk yusa. Os palácios reais eram cercados por jardins e lagos planejados,
e os templos budistas eram onipresentes. Lamentavelmente, quase tudo foi destruído durantes as guerras contra os
mongóis no século 13 e, depois, contra os japoneses em fins do século 16. Restaram apenas algumas esculturas de
pedra e restos de relevos e estruturas de palácios e templos. Mesmo assim, diante do que é testemunhado e pelo
primor dos detalhes artísticos, Kyongju foi declarado como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco no ano
de 2000.
As crônicas reunidas no Samguk yusa nos dão detalhes da vida cotidiana em Kyongju no século 9. Os templos
eram vibrantes nos seus cultos, e músicas fluíam nas ruas dia e noite. Uma das canções mais célebres citadas é a
“Canção de Choyong” (Choyong ka), musicada no ritmo poético da época conhecido como hyangga (ou
saenaennorae). Os versos cantados foram escritos em idu, que era o coreano em caracteres chineses. De acordo com
a lenda, na “Canção de Choyong”, Choyong possuía dons mágicos, era filho do Dragão do Mar do Leste e chegou à
capital para servir ao rei de Silla. Sendo assim, o rei deu-lhe um título e uma esposa. Certa noite, ao voltar de uma
festa, Choyong encontra sua esposa sendo seduzida por um espírito maligno, chamado de Demônio da Praga,
metáfora para os males do mundo. Choyong chega a perdoar a todos, mas com a promessa de que o espírito nunca
mais entrasse em nenhuma casa com o retrato do herói na porta. A canção que Choyong declama é tão encantador e
belo que faz com que o espírito do mal parta em paz:
Tendo me arrastado até tarde da noite
Na capital da lua,
Voltei para casa e na minha cama
Eis quatro pernas.

Dois eram meus;


De quem são os outros dois?
Anteriormente dois eram meus;
O que deve ser feito agora depois que foram tomados? [800]
(tradução nossa)

Na sociedade de Silla, o poder se estabeleceu num sistema de impostos e trabalho prestado ao senhor de terra,
algo similar à corveia europeia. No topo da pirâmide social havia os pertencentes ao “osso sagrado” (seonggol) que
ocuparam exclusivamente o trono real até o fim do governo de Muyeol em 661. Após isso, outras famílias
aristocráticas puderam ter a perspectiva de ocupar o poder e altos cargos de autoridade, como as famílias Bak e Seok
da capital, Kyongju. Para tanto, esses membros foram considerados como “osso legítimo” (jingol, 진골 ) e
passaram a governar o reino quando promoveram uma série de reformas administrativas e burocráticas a partir da
segunda metade do século 7. Essas reformas foram em grande parte inspiradas no confucionismo, ideologia que
busca assegurar a lealdade e obediência ao monarca mantendo, nesse sentido, a ordem e paz do sistema político. Em
682, o rei Sinmu (r. 681 - 692) fundou a Academia Nacional (Gukhak), de cunho confuciana, única instituição de
ensino superior do reino de Silla. Neste local, os alunos aprenderam os clássicos confucionistas.
Apesar das reformas confucionistas implementadas ao longo dos séculos 7 e 8, contudo, o sistema hereditário de
privilégios aos altos cargos, conforme os pertencentes à categoria restrita dos “ossos” (kolpum ou golpum), manteve
restrita o acesso universal ao poder de Silla. De fato, Silla era um reino aristocrático. Não importava o quão sábio e
talentoso de um indivíduo se não pertencesse aos membros privilegiados. Poderiam ao máximo ser indicados aos
cargos logo abaixo dos “ossos legítimos” quando demonstrado sua presteza e talento. Nesse sentido, os estudantes
que entravam na Academia Nacional foram aqueles não pertencentes à elite dos “ossos”, pois esses não precisaram
demonstrar nenhum talento ou estudo para os cargos máximos.
Outros membros ambiciosos partiram para outras carreiras, como o sacerdócio budista, e outros foram para a
China dos Tangs a tentar ser aprovado nos exames confucionistas universais. Um desses coreanos aprovados na
China foi Choe Chiwon (857 - ?) que depois se tornou numa das figuras mais sábias de Silla. Ao voltar para sua
terra natal, no entanto, frustrou-se por não ter conseguido reformar o sistema coreano de privilégios hereditários.
Desapontado, retirou-se para uma vida de eremita nas montanhas. Muitos dos maiores sábios coreanos advieram de
famílias não-pertencentes à categoria dos “ossos legítimos” ou “ossos verdadeiros”. Mas foi esse sistema fechado
que manteve a coesão do reino, apesar das pressões de reformas por aqueles marginalizados como Choe Chiwon.
Talvez a consequência mais nefasta desse sistema restrito e privilegiado foi a ineficácia dos ocupantes dos altos
cargos burocráticos. Durante as últimas décadas do reino de Silla, no final do século 9 em diante, à época de Choe
Chiwon, estava evidente a crise e instabilidade no poder, uma vez que foram mais de vinte reis a se sucederem após
períodos de luta e disputas entre as famílias reinantes. Um dos episódios mais dramáticos registrado no Samguk sagi,
é o da vida de Jang Bogo (745 - 846), um talentoso líder guerreiro de origens plebeias que depois ascendeu ao
oficialato na China Tang. Retornado a Silla, foi nomeado como comandante das forças navais coreanas a combater
os piratas nos mares da região. Depois de ter estabelecido a ordem marítima, o comércio entre a China e o Japão
prosperou novamente e Jang Bogo, tendo ganhado o controle de uma ilha estratégica na região, a de Cheonghae,
acumulou fortunas. Sua vida ambiciosa chegou ao fim quando tentou indicar sua filha como rainha ao trono de Silla
a se casar com o rei Munseong (r. 839 - 857), filho de Sinmu, indo contra os princípios do sistema de classificação
por “ossos” (kolpum). Irritado contra as convenções da tradição, Jang Bogo se revoltou e depois foi morto em 846
por um enviado da corte de Silla na sua ilha de Cheonghae.
No campo religioso, houve uma fusão das tradições budistas dos três reinos coreanos em Silla. Esse reino, por ter
sido o último a se converter, abraçou com entusiasmo os ensinamentos e mandou vários estudantes e monges ao
exterior para conhecer melhor as doutrinas do budismo maaiano. Foi essa vertente que chegou a dominar, portanto,
Silla no século 7, graças à ampla difusão de textos, livros e estudos traduzidos do sânscrito para o chinês. Nem por
isso deixou de haver discussões doutrinárias na península. Um dos maiores debates da época envolveu o assunto de
como cada pessoa nasce disposta com as qualidades a atingir o estado espiritual que Buda alcançou. Alguns
criticaram essa visão, defendendo que os seres humanos não nascem com essa disposição fundamental para se
tornarem Budas.
A maioria dos eruditos coreanos rejeitou essa ideia. Entre os mais famosos destacou-se o mestre Wonhyo (617 –
686) (fig.), que abraçou as várias tradições budistas coreanas e lançou as bases sobre as quais iria se assentar o
maaianismo em Silla e também na China e Japão nos séculos seguintes. Wonhyo, que significa “madrugada”, nasceu
numa família sem ligações aristocráticas. Seu brilho na juventude era tamanho que ele nem precisou de mestres
antes de se tornar no principal sacerdote de um templo. Certo dia, Wonhyo avistou algumas abelhas e borboletas,
voando de flor em flor, e sentiu disso um imenso desejo por uma mulher. Considerando isso, o rei de Silla ofertou
sua filha viúva, a princesa Yosok. A caminho do palácio da princesa, Wonhyo caiu num riacho e, assim que chegou
ao seu destino, a princesa mandou o mestre entrar para trocar as roupas molhadas. Naquela noite, os dois
compartilharam a cama e que, mais tarde, nasceu um filho, chamado de Sol Chong. O filho cresceu nos círculos
mais altos da sociedade e revelou extraordinária inteligência para as letras, padronizando o chinês clássico para a
língua coreana.

Fig. – Mestre Wonhyo.

Wonhyo, tendo quebrado seu voto de celibato, trocou suas vestes de sacerdote para roupas seculares, passou a
dedicar sua vida a compor poemas e músicas para melhor ensinamento das virtudes budistas. Indo de aldeia a aldeia,
cantando, dançando e recitando, Wonhyo fez chegar sua mensagem a milhares de pessoas, do mais humilde ao mais
nobre. Sua mensagem até os dias atuais ainda é recitada por budistas coreanos. Apesar de seu comportamento
heterodoxo ser condenado pela tradição budista que desencoraja a dança e canto, Wonhyo utilizou-se das suas
aptidões inerentes de comunicação e carisma como meio voluntário (upaya) para buscar a salvação de todos os seres
vivos. Um dos episódios mais famosos de sua vida, narrado no “Bebendo Água de uma Caveira”, remete a uma
viagem que ele fez para a China. No caminho, uma tempestade irrompeu que o levou a buscar um abrigo numa
caverna subterrânea. No dia seguinte descobriu que o local onde havia dormido era uma câmara funerária, e ele
então se viu incapaz de dormir lá pacificamente na noite seguinte. Percebendo que as circunstâncias físicas não
haviam mudado, mas apenas sua mente a respeito [801].
Ao norte do reino unificado de Silla, o império Tang foi incapaz de assimilar o território conquistado de
Koguryo. Em fins do século 7, povos nômades das estepes, khitans, revoltaram-se contra o império chinês,
reduzindo o alcance de influência da Dinastia Tang sobre todo o nordeste chinês na área do rio Liao, onde muitos
habitantes do ex-reino de Koguryo haviam sido relocados. Um dos ex-líderes de Koguryo, Dae Jung-sang (? - 690),
agora enxergou a oportunidade histórica e organizou uma ofensiva para o leste através da vastidão da Manchúria a
fim de fugir do controle chinês e do reino coreano ao sul.
Esse estabeleceu-se no vale do rio Mukden em 696 e fundou um reino chamado de Parhae (mapa) ( 발해 ,
Balhae ou Pohai em chinês) e imediatamente mandou emissários para Silla e aos povos turcos nômades na
Mongólia. Apesar de se consolidar como um amplo reino no norte coreano, muitos historiadores debatem se de fato
foi coreano, pois sua população era um composto de múltiplas etnias, inclusive nômades das estepes e chineses. Para
agravar ainda mais, poucos registros foram feitos desse reino, e devemos contar com o que foi anotado por
testemunhas de Silla, Tang e do Japão. De acordo com esses poucos fragmentos, o reino foi fundado por
remanescentes de Koguryo e de um povo chamado de malgal, ancestrais dos manchus. Acredita-se que os
governantes a elite de Parhae eram líderes do extinto Koguryo e o povo malgal compunha a base popular e grupos
semiautônomos governados por seus chefes locais submetidos à autoridade central de Parhae.

Mapa - O reino de Parhae (Balhae) e Silla ao sul, século 8 d.C.

Parhae recuperou a maioria dos domínios antes submetidos a Koguryo. O que gerou novas tensões na região da
Ásia oriental e provocou novos diálogos entre Silla e a China Tang. Parhae, considerando suas possibilidades,
sondou e buscou articular-se com o Japão dos yamatos e outros poderios autônomos além das muralhas e
fortificações chinesas. Incapacitada e limitada em seus recursos, a China Tang aceitou inicialmente o status de
Parhae, no século 8, e consolidou assim a Pax Sinica na região.
Um dos personagens mais notáveis dessa época do século 8 foi um monge coreano que viajou por inúmeras
terras, através da China, Índia e além para estudar os ensinamentos de Buda. Seu nome era Hecho (ou Hyecho) (704
- ?). Em seu diário de viagem, Hecho fez inúmeras anotações que retrata o amplo mundo budista em que vivia [802].
No início do século 20, um explorador francês, Paul Pelliot (1878 - 1945), descobriu uma série de cavernas de
Dunhuang, no oeste chinês, que guardava incontáveis documentos, registros e pinturas do efervescente mundo de
trocas e viagens ao longo da Rota da Seda do século 8. Foi nessas cavernas que foram encontradas os registros de
Hecho.
O comércio asiático era frenético, de acordo com os achados e registros nas citadas cavernas. Houve significativa
demanda de produtos coreanos de Silla, desde a ávida elite em Xian ao arquipélago japonês. Entre os mercadores
muçulmanos que comerciavam nas extensões asiáticas mais ao oeste, os produtos coreanos eram altamente
apreciados. Os árabes, no século 9, acreditavam que Silla era uma terra abundante de ouro. Além disso, os finos
têxteis e produtos fitoterápicos da Coreia eram demandados, em contrapartida à sede coreana por seda, pedras
preciosas asiáticas e obras escritas chinesas. Foi nessa demanda que a cultura da corte de Tang, que revelou ser uma
das idades de ouro nas artes e conhecimento da história chinesa, floresceu entre os círculos da corte e eruditos
coreanos em Silla, mas também em Parhae e no Japão. Essa rede comercial frutificou no estabelecimento de
comunidade de coreanos de Silla na península chinesa de Shandong, e também mais ao sul, na foz do rio Yangzi,
chamada de Silla bang, nos séculos 8 e 9 [803].
As artes budistas floresceram nessa época em terras coreanas. Foram incontáveis templos construídos nas
montanhas e em Kyongju, com amplos e decorados santuários, pagodes, sinos e outros. Sob o budismo, foi revelada
toda a habilidade artística na arquitetura, escultura e pintura com vibrante realismo e detalhe. Um dos locais mais
notáveis dessa efervescência cultural é no templo de Bulguksa (fig.), ou “Templo da Terra de Buda”, e na gruta de
Seokguram (fig.), construídos em meados do século 8 sob orientação do ministro de Silla, Kim Daesong (701 –
774). Essas duas edificações nos revelam muito do ardor religioso e do poder influente das famílias aristocráticas,
assim como o sofisticado senso estético na arquitetura e escultura dos artistas coreanos da época.

Fig. - Templo de Bulguksa.

Fig. – Imagem de Buda dentro da gruta de Seokguram.

Ambas estão localizadas nas montanhas orientais de Kyongju, e foram consideradas como Patrimônio Cultural
da Humanidade pela Unesco em 1995. São dois marcos históricos que influenciou a cultura coreana nos séculos
posteriores. Dentro da gruta de Seokguram, há uma estátua de Buda Shakyamuni que fica a leste, de modo que
encontra primeiramente a luz do sul nascente. Pois os budistas coreanos acreditavam que a Terra Pura, ou paraíso,
ficava em algum lugar sobre o Mar do Leste. Buda Shakyamuni é cercado por maravilhosos relevos de pessoas
iluminadas da tradição maaiana, ou bodisatvas. Entre esses, o mais notável é o de Avalokiteshvara (ou Guanyin em
chinês), a deusa da fé e compaixão no budismo maaiano.
No templo de Bulguksa, perderam-se as estruturas originais de madeira durante a invasão japonesa em fins do
século 16. No entanto, restam dois magníficos pagodes de três andares, cada um com cerca de dez metros de altura,
chamados de Seokgatap (fig.) (“Pagode de Shakyamuni”) e Dabotap (fig.) (“Pagode dos Muitos Tesouros”). Eles
possuem contornos únicos entre os pagodes construídos pelo mundo, pelas linhas retilíneas e quadradas de
Seokgatap e das delicadas curvas que decoram o Dagotap. A simplicidade de Seokgatap representa a brevidade da
ascensão espiritual e enfatiza isso nas suas formas mais sóbrias e moderadas. Dagotap, em contraste, pelas suas
curvas e insinuações, representa o lado mais lírico, complexo e esplendoroso da vida.
Fig. – Pagode de Seokgatap.

Fig. – Pagode de Dabotap.

Japão (De Kamakura à Tokugawa Ieyasu - 1185 - 1600)

O Período Kamakura (1185 - 1333)


Mapa - Principais batalhas do Japão Kamakura.

Após a turbulência do período de conflitos civis da Guerra Genpei, saiu vitorioso o líder do poderoso clã dos
Minamotos, Yoritomo (1106 - 1180), que decidiu estabelecer sua base mais a leste, em Kamakura. Portanto,
afastado da cidade imperial de Quioto. Seu governo passou posteriormente a ser referido como o bakufu( 幕府 ,
governo de tendas, ou a residência do general, do taishô [804]), ressaltando o seu caráter itinerante e de campanha
militar. Apesar da aparente diarquia, um governo de dois pólos, o governo efetivamente permanecia em Quioto, pois
Yoritomo considerou sua autoridade apenas sobre aqueles seus vassalos, em boa parte a classe guerreira. O poder
legítimo estava nas mãos do imperador [805]. Pelo menos como fonte legitimadora e tradicional o que por vezes
confrontou-se com o poder crescente e bélico dos líderes de guerra junto com a insatisfação de latifundiários.
O momento mais emblemático no início do período Kamakura se deu em 1192, quando Yoritomo recebeu o
título de xogum do imperador. As últimas décadas do século 12 foi um período crucial de transição na história
japonesa. De uma fase de poder centralizado em termos civis e aristocráticos do período Heian para um mais em
termos militares e descentralizado.
Esse período de transição política foi percebido à época como um tempo de mudança e declínio. O que não
significou um pessimismo resignado e decadente, pois foi no período Kamakura que houve um incremento das
ordens monásticas budistas pelo país, que resultou em maiores possibilidades ao ensino e leitura pela população em
geral [806]. E houve também maior acesso a banhos públicos, um notável avanço na área sanitária.
No campo agrícola, boas safras produziram colheitas excedentes e um incremento na monetarização da
economia, como atesta o maior nu número de moedas chinesas da época. Ao todo, houve claros indícios de
crescimento do mercado japonês [807]. E esse crescimento forneceu a base para a atividade comercial e urbana, e
desenvolvimento institucional de corporações como as guildas (za, 座 ).
As transformações ocorridas repercutiram no campo filosófico e religioso. No budismo, as mudanças foram
interpretadas como sintomas de uma era terminal, conforme as últimas leis do ensinamento de Sidarta Gautama, o
Buda (Shakyamuni). Nesse intento, os budistas dessa vertente ressaltaram o predomínio crescente das classes
guerreiras em detrimento da tradicional elite da corte imperial do período Heian, como ficou expressado na obra
“Contos de Heike” (Heike Monogatari), em que os guerreiros aparecem retratados como vitoriosos sobre
personagens cultos e polidos nos valores clássicos palacianos [808].
Essa tendência cultural da época é ressaltada por Varley [809], em que o autor aponta como um dos traços mais
marcantes do Japão na Era Kamakura: o pessimismo e declínio ( 末法 , mappô) misturados com nostalgia da era
Heian. Isso é evidenciado em obras literárias como no “Hojoki” de Kamo no Chomei, além dos “Contos de Heike”.
Nessas obras, o princípio do mappô enfatiza os traços sombrios do destino da humanidade: do mistério e profundeza
( 幽玄 , yugen), solidão e humildade ( さび , sabi). E Varley concluiu que esses traços depois irão compor a
singularidade do senso estético japonês.
O budismo no Japão da época floresceu com as importantes contribuições de correntes advindas da China e
Coreia. Um dos personagens históricos mais importantes na consolidação de um budismo japonês que se inspirou
nos ensinamentos advindos do continente asiático foi o monge japonês Hônen (1133 – 1212), do mosteiro no monte
Hiei a nordeste de Quioto. Vivenciando os trágicos eventos dos conflitos e turbilhões da Guerra Genpei, o monge
buscou enfatizar a salvação da alma dos seguidores de sua seita, a Terra Pura (Jôdo-shu, 浄土宗 ), visando um
renascimento num mundo do além.
Por sua vez, outra vertente do budismo foi bem recebido no Japão. O zen budismo. Essa corrente popularizou-se
principalmente entre a classe guerreira, por oferecer-lhes uma ética de vida simples e ascética. Sua ênfase meditativa
e mais voltada ao autocontrole foi também popular entre as camadas da sociedade japonesa desinteressados em
aprofundar-se nas complexas doutrinas e esoterismo das sutras budistas [810].
A inserção do Japão no período Kamakura no contexto asiático era bastante singular. Sua condição insular
permitiu-lhe durante séculos manter controlado os contatos com a península coreana, costa chinesa e ilhas ao norte e
ao sul até as Filipinas. O que não resultou num total isolamento dos outros reinos asiáticos. Além de ocasionais
contatos de missionários e estudiosos budistas, em busca de mestres e locais sagrados, houve significativa atividade
comercial marítima, mesmo de forma ilegal como na forma de piratas japoneses (wakô, 倭寇 ). Entre esses últimos
inclui-se expedições organizadas de centenas de embarcações que assaltaram a costa coreana em 1350 [811]. O
resultado desse saque em questão acarretou em grandes consequências, possivelmente contribuindo para o
crescimento e supremacia do reino coreano de Choson (Joseon) em 1392 [812].
Foi no período Kamakura que ocorreu um dos eventos mais dramáticos da história japonesa. As invasões
mongóis de 1274 e 1281. Por volta de 1259, os mongóis tinham se estabelecido em boa parte do território chinês.
Kublai Khan (1215-1294), neto de Gêngis Khan, ocupou o trono chinês [813] e comandava um império que se
estendia pela península coreana, norte da China mas ainda a subjugar os rebeldes no sul sob o comando da Dinastia
Song (960 - 1279) a partir da capital Linan (atual Hangzhou) [814].
Visando estender sua dominação mais ao leste do reino tributário coreano de Koryo (ou Goryeo) (918 - 1392),
esta anterior a Choson (Joseon), Kublai Khan enviou um emissário ao Japão em 1268, após uma primeira tentativa
fracassada dois anos antes, exigindo submissão e tributos. As exigências do Grande Khan foram ignoradas pela corte
japonesa em Quioto e pelo bakufu em Kamakura. A rejeição foi considerada como um insulto a ser resolvida com
uma invasão às ilhas [815].
O primeiro ataque mongol se deu em novembro de 1274, com o desembarque de uma frota de cerca de 900
navios a noroeste da Kyushu. Apesar da superioridade em número de navios e homens, cerca de 40 mil, o comando
mongol resolveu retirar-se visando minimizar os efeitos adversos das condições meteorológicas. Mas de pouco
adiantou, pois uma violenta tempestade adveio na região, causando danificações em boa parte dos navios e a perda
do contingente mongol em dois terços.
Uma segunda tentativa de ofensiva mongol ocorreu em junho de 1281, quando uma frota mongol ainda mais
numerosa, cerca de quatro mil navios e quase 150 mil homens, desembarcou na mesma região de Kyushu, na baía de
Hakata. Tal quantidade de homens era composta por múltiplas lealdades, desde chineses recém subjugados das
regiões meridionais até coreanos e mercenários que poderiam desertar ao sinal das primeiras adversidades [816].
Apesar da formidável superioridade numérica dos invasores, os japoneses tiveram tempo e preparo para a
segunda investida. Ademais, um tufão castigou a região invadida, que destruiu ou inutilizou boa parte da frota
mongol (fig.). Parecia, aos olhos japoneses, que os deuses lhes tinham favorecidos novamente, e esses ventos foram
interpretados como de origem divina, shinpu( 神父 ) ou kamikaze( 神風 ), “ventos divinos”. Kublai Kahn resignou-
se em planejar novas invasões até sua morte em 1294.

Fig. – A tempestade castiga as tropas mongóis na segunda tentativa de invasão em 1281.

As vitórias não trouxeram benefícios imediatos aos japoneses, contudo. Os custos de anos de mobilidade bélica e
recursos, planejamento estratégico de defesa, construção de fortalezas na região noroeste de Kyushu e o
deslocamento de milhares de militares e delegados do xogum acarretaram em sérias consequências econômicas e
políticas. Muitos dos que lutaram por Kamakura, após os preparos e eventos, sentiram-se abandonados e
indevidamente recompensados, gerando um clima crescente de deslealdade e crítica ao bakufu. Nobres locais e
latifundiários sentiram-se incomodados com a presença e atuação de delegados que supervisionaram os preparos
para a guerra.
A insatisfação com o xogunato de Kamakura atingiu patamares críticos quando o novo imperador, Go-Daigo
(1288 – 1339), ascendeu ao Trono do Crisântemo [817] em 1318. Este, inspirado pelo seu antecessor, o imperador
Daigo (885 - 930), pretendeu concentrar os poderes nas mãos do imperador e enfraquecer o poder decisório do
xogum. Para fazer valer seu intento, Go-Daigo reuniu aliados e forças militares descontentes com o nono xogum de
Kamakura, Morikuni (1301 – 1333), e dirigiu-se de Quioto para Kamakura em 1331. Plano que se revelou um
fracasso, pois as forças leais ao xogum, sob o comando do general Ashikaga Takauji (1305 – 1358), derrotaram o
avanço imperial. O imperador, humilhado, foi exilado para a remota ilha de Oki.
Dois anos depois, Ashikaga Takauji reconsiderou sua aliança com o xogum e decidiu apoiar a causa do
imperador exilado, Go-Daigo. Percebendo a mudança dos ventos históricos, e da decadência das lealdades ao bakufu
de Kamakura, Takauji foi atrás de seu destino buscando assegurar-se como o novo xogum seguindo a promessa do
imperador. Assim, com renovado vigor e feitas as novas alianças, as forças de Takauji e o imperador atacaram a
base do xogunato em Kamakura em 1333. Aliado a Takauji, despontou-se um outro brilhante general em campo,
descendente da família Minamoto, Niita Yoshisada (1301 – 1338) [818]. As vitórias sobre Kamakura abriram um novo
capítulo da história japonesa, e uma nova correlação de forças despontava no horizonte.
O período Muromachi (1333 - 1568)
O Japão entre 1336 até o ano de 1568 atravessou um período de governança militar (bakufu), assim como o foi
em boa parte nos tempos de Kamakura. Muromachi refere-se à uma rua, Muromachi-dori, em Quioto, onde era
localizada a base do bakufu. Por vezes, o período também é referido como Ashikaga, pois foi esse clã, família mais
poderosa do xogunato, que tomou as rédeas do poder no Japão.
O período inicia-se em 1336 com as vitórias de Takauji, da família Ashikaga, esta supostamente ligada por
descendência aos Minamotos, e as pretensões do imperador Go-Daigo em buscar restaurar o poder imperial na
chamada Restauração Kenmu [819]. Essa tentativa, no entanto, despertou a desconfiança de instituições religiosas,
militares e latifundiários que viram no ato imperial uma tentativa de enfraquecê-los diante do poder imperial [820].
Diante da ampla resistência, o imperador Go-Daigo fugiu de Quioto capturado por Takauji em 1336. E
estabeleceu sua corte imperial em Yoshino. Em Quioto, Takauji conseguiu ser nomeado como xogum por um novo
imperador entronado aliado ao seu projeto de poder, o imperador Kôgon (1313 - 1354), da linhagem Jimyoin [821].
Nesse sentido, o Japão iniciou um curioso período de dualidade imperial, dois tronos e capitais simultâneas. Uma
corte meridional, a de Yoshino, perto da cidade de Nara, e outra setentrional, a de Quioto, período referido como o
das Duas Cortes Imperiais (Nanbokuchô-jida, 南北朝時代 ).
O imperador Go-Daigo faleceu em 1339, provocando um declínio gradual da corte de Yoshino. Mas isso não
resultou numa clara dominação da corte de Quioto nem de Takauji como o xogum. Pois foi nessa época que a
estrutura de poder no Japão foi mais descentralizada, com o poder central a delegar o comando local a oficiais a
serem designados pelo reino intitulados de governadores (shugo, 守護 ) que posteriormente irão acumular terras e
posses e se tornarão poderosos senhores locais (daimiôs, 大名 ) com ampla autonomia em suas terras a partir do
século 15. O Japão gradualmente tornou-se mais num quadro de hegemonias locais [822]. Cenário esse que muitos
historiadores posteriormente interpretaram como similar à relação do mundo feudal europeu, apesar de outros
criticarem essa postura comparativa [823].
Com os Ashikagas no poder do xogunato, cedo apareceram disputas no seio dessa família e de seus aliados, o
que em parte favoreceu a desunião e certo revigoramento da corte meridional em Yoshino, durante o chamado
Incidente Kannô (Kannô Jôran, 観応擾乱 ). Nesses eventos, o xogunato Ashikaga se enfraqueceu diante das
disputas entre os irmãos Takauji e Tadayoshi (1306 - 1352) em que este tinha se rebelado e se juntado à corte
meridional sob o trono do imperador Go-Murakami (1328 - 1368). A estrutura única do bakufu e da corte imperial
pareceram estar em ruínas no Japão [824].
Durante o segundo xogum Ashikaga, Yoshiakira (1330 - 1367), irrompeu uma disputa no bakufu entre os
diversos shugos que, ao realocarem suas lealdades políticas, buscaram se alinhar às pretensões da corte de Yoshino,
como o fez Hosokawa Kiyouji. Em Kyushu, um outro Ashikaga, Tadafuyu, levantou armas contra o bakufu e a Casa
Imperial de Quioto e lutou contra o príncipe Kaneyoshi, também conhecido como Kanenaga (1329 - 1383), filho de
Go-Daigo. Foi este príncipe a quem foi conferido o título de “Rei do Japão” dado pela corte imperial chinesa da
Dinastia Ming em 1370, supostamente a título de combater os piratas (wakô) nas partes ocidentais de Kyushu [825].
A resistência da corte meridional de Yoshino, contudo, vai perdurar até 1392, quando o terceiro xogum,
Yoshimitsu (1358 - 1408), negociou com Yoshino e unificou as duas cortes. Ademais, Yoshimitsu conseguiu
novamente dialogar com vários senhores locais (shugos) e manter-se como líder ao delegar poderes e pessoas nas
diversas províncias do reino. E ao exigir a presença constante dos shugos na corte em Quioto, pôde melhorar a
vigilância e controle sobre eventuais deslealdades e conspirações. Nesse sentido, Yoshimitsu garantiu ao reino certa
unidade depois de décadas de tendências centrífugas.
Assim como o foi com o príncipe Kanenaga, Yoshimitsu também expressou lealdade ao imperador chinês, em
1403. A corte Ming, por sua vez, conferiu-lhe como súdito o título de “Rei do Japão”, o que abriu as perspectivas do
reino em negociar e tratar com maior regularidade os reinos do continente asiático, em grande parte tributários do
império chinês. Somente assumindo o título de súdito dos chineses, os navios japoneses poderiam portar a permissão
(kangô) para negócios e acesso aos portos chineses [826].
No plano doméstico, Yoshimitsu apaziguou os conflitos entre os influentes templos budistas de Nanzen-ji,
representando a escola zen, e o do Monte Hiei que defendia a ortodoxia. Buscou implementar um reforma tributária
mais padronizada pelo reino, com a criação de um imposto mais amplo e igualitário (hanzei) em 1368 [827],
delegando a função de administração a pessoas consideradas capazes e aliadas, como foram os casos do general
Hokosawa Yoriyuki (1329 - 1392) e de Shiba Yoshimasa (1350 – 1410), a ocupar um proeminente posto
administrativo (kanrei). O xogum criou um guarda militar pessoal (hokôshu), e desarticulou a influência de famílias
shugos como os do clã Yamana e Ouchi, conseguindo reunificar e reordenar o reino.
A morte de Yoshimitsu, em 1408, provocou uma sensível queda na unidade do xogunato. O quarto xogum dos
Ashikagas, Yoshimochi, não apresentou o brilho político e militar de seu pai. No geral, o novo xogum seguiu as
políticas de seu antecessor, mas recusou renovar a condição de tributário diante do trono chinês, acarretando numa
queda nos contatos e comércio asiático, apesar de ter recebido da corte coreana da Dinastia Joseon (Choson) uma
representação em 1398 [828].
Em 1423, o cargo de xogum foi passado para o seu filho, Yoshikazu (1407 - 1425), mas este chegou a falecer
cedo, dois anos depois sem escolher um sucessor. Ao final de algum tempo, foi eleito em 1429 como o sexto xogum
o terceiro filho de Yoshimitsu e tio de Yoshikazu, Yoshinori (1394 – 1441) que foi assassinado durante uma peça de
teatro Nô ( 能 ) [829] em 1441 em grande parte devido às suas atitudes excessivamente autocráticas [830]. Seu filho,
Yoshikatsu, sucedeu-o no cargo com apenas oito anos de idade mas veio a falecer apenas dois anos depois devido à
disenteria [831].
As rápidas sucessões e a política incerta dos xoguns sucessores a Yoshimitsu resultaram num gradativo
fortalecimento de famílias oligárquicas delegadas como governantes (shugos) nas províncias, que passaram a serem
onipotentes nas suas regiões (referidos como daimiôs), corroendo a autoridade unitária do bakufu. Nesse cenário foi
emergindo um quadro de guerra civil no Japão, com as famílias das províncias combatendo entre si, à medida que as
alianças eram desfeitas e frágeis. Os dez anos de conflitos na chamada Guerra de Ônin (Ônin no Ran, 応仁の乱 ),
entre 1467 e 1477, iniciada entre a poderosa família dos Hokusawas e os Yamanas a disputarem o cargo de kanrei,
acentuou ainda mais a incapacidade do xogunato para impor sua autoridade [832].
Eventualmente, os conflitos entre as duas famílias acabou se alastrando para todos os daimiôs do país, em
particular a região de Kantô - uma ampla planície a leste de Honshu que sofreu uma série de incidentes armados
ainda mais longo desde 1454 a 1482 [833], concentrando as atividades militares principalmente na capital Quioto. O
que se resultou desse amplo conflito foi uma luta inconclusiva e intermitente que devastou a capital nos anos da
guerra. Isso só fez com que o oitavo xogum no poder, Yoshimasa (1435 - 1490), amante e patrono das artes e
cultura, perdesse ainda mais o interesse na política levando-o a se aposentar e ao indicar seu filho, Yoshihina (1465 -
1489), como sucessor.
As lutas corroeram o fundamento político e econômico do bakufu que entrou em colapso e o xogum, temido e
poderoso no passado, transformou-se em simples figura decorativa e hereditária. Yoshimasa, ao aposentar-se, como
meio de afirmação e consolo, buscou sublimar suas energias nos anos seguintes de sua vida a patrocinar amplos
projetos de construção, como o do Templo de Jisho-ji em Quioto, conhecido como Ginkaku-ji (Pavilhão de Prata),
inaugurado em 1490, símbolo máximo do florescente talento artístico da escola de Higashiyama [834] dessa época
conturbada (fig.).
Fig. – O Ginkaku-ji (“Pavilhão de Prata”), em Quioto, 1490.

Houve também generoso incentivo às mudanças estéticas que definiram os padrões culturais japoneses em outras
áreas. Buscando os princípios da simplicidade elegante e serena (sabi) e o gosto pela contenção rústica (wabi), esses
se conjugaram na manifestação de obras como na arquitetura e jardinagem (como no Ginkaku-ji), na disposição e
decoração de ambientes no uso do tatame, portas deslizantes (shôji), prateleiras escalonadas e alcovas nas paredes
para exibição de obras de arte (tokonoma). O estilo codificou os padrões e condutas de cerimônias como o do chá
(chanoyu), o teatro Nô, o arranjo de flores (ikebana), cultivo de jardins e a composição de versos poéticos (renga)
[835]
.
O período Sengoku e a ordem Azuchi-Momoyama (1467 – 1603)
As conturbações da Guerra Ônin enfraqueceram a autoridade central e causou uma realocação de forças para as
mãos de governadores (shugos) e famílias latifundiárias que passaram a acumular poderes quase autônomos e plenos
nas suas províncias, no que se refere o termo daimiô (“grande nome, grande proprietário”). Eram figuras poderosas
locais que ignoraram a autoridade do bakufu, que passou a existir somente nominalmente [836]. No decurso desse
cenário de mudanças, famílias e clãs se estabeleceram como os Takedas e os Imagawas, e conseguiram expandir
suas esferas de influência. E muito desse poder, provincial e descentralizado, se baseou no uso regular de pessoas
(samurais) a servir como o poder policial e judiciário a resolver as pendências locais. O quadro geral no Japão, em
suma, era de frequentes conflitos e guerras entre as diversas províncias e a incapacidade do poder central em impor a
autoridade, período chamado de Sengoku jidai (“Período dos Estados Beligerantes”, 戦国時代 ) que se estendeu
desde 1467 até a segunda metade do século seguinte.
Em outros casos, cargos e postos de comando foram usurpados por pessoas de posições sociais mais humildes,
mas com grande talento e capacidade para a guerra e política. Esse fenômeno social, de certa meritocracia, em que
subordinados derrubaram a aristocracia no poder, tornou-se conhecida como gekokujô( 下克上 , “o baixo conquista
o alto”). Um dos principais exemplos disso ocorreu com Soun Hojo (1432 - 1519), de origens humildes que,
eventualmente, assumiu o poder na província de Izu em 1493 [837]. E com base em suas conquistas sobre a região, o
clã tardio dos Hojos permaneceram uma ameaça sobre a região próxima de Kantô (onde depois florescerá a cidade
de Edo, atual Tóquio) até a sua subjugação por Toyotomi Hideyoshi (1536 - 1598) em 1590 (fig.). O mesmo
Hideyoshi, por sua vez, veio de família camponesa sem direito a nome de família e chegou ao posto de general ao
apaziguar daimiôs rebeldes e trouxer ordem ao Japão em fins do século 16. Houve também a organização de grupos
religiosos e agricultores que se rebelaram contra as autoridades locais dos daimiôs, como ficou demonstrado no caso
dos monges budistas da seita Terra Pura (Jôdo Shinshu, 浄土真宗 ) que lideraram as facções rebeldes dos ikkô-ikki
[838]
na província de Kaga [839].
Fig. – Toyotomi Hideyoshi.

O cenário japonês, portanto, era de embates e choques entre poderios locais, tal qual placas tectônicas ainda a se
consolidarem numa nova situação. E a nova ordem começou a surgir a partir da segunda metade do século 16.
Período em que alguns daimiôs se tornaram suficientemente fortes e aliados a influenciar e subjugar o bakufu dos
Ashikagas. A primeira tentativa de derrubar o xogum foi feita em 1560, por Imagawa Yoshimoto (1519 - 1560),
quando aliado aos Takedas e Hojos marchou rumo à capital Quioto mas chegou a morrer em batalha contra Oda
Nobunaga na batalha de Okehazama, nas proximidades da cidade de Nagoia [840].
Cinco anos depois, em 1565, uma aliança entre os clãs dos Matsunagas e Myoshis resultou num golpe contra o
bakufu ao assassinar o 13º xogum, Ashikaga Yoshiteru (1536 - 1565), e instalar o primo de Yoshiteru, Yoshihide
(1538 - 1568) como o próximo xogum em 1568, ainda que somente por alguns meses. Pois, houve viva contestação
de Oda Nobunaga (1534 - 1582) (fig.), da corte imperial e de outro poderoso daimiô dos Hokosawas, Fujitaka (1534
- 1610). Assim, foi instalado como o novo xogum o irmão mais novo de Yoshihide, Yoshiaki (1537 - 1597) que
permaneceu no poder até 1573, o último dos xoguns Ashikagas.

Fig. – Oda Nobunaga.

A oportunidade histórica com um aliado como xogum deu a Nobunaga alimentar maiores ambições de poder.
Pois Yoshiaki ocupava apenas o cargo, mas quem de fato indicava-lhe e mandava-lhe diretivas era Oda Nobunaga.
Mas essa situação pouco perdurou porque já em 1573, Nobunaga decidiu marchar para a capital, Quioto, uma forma
de intimidar o xogum por ele ter iniciado alianças com um clã rival dos Odas, os Takedas. O restante do tempo do
xogunato dos Ashikagas foi insignificante e pouco efetivo até o seu fim em 1588.
O protagonismo histórico de Nobunaga vinha desde antes, pois sua vida foi repleta de conquistas provinciais,
batalhas contra rivais – daimiôs, líderes guerreiros, mercadores e monges budistas mais intransigentes - e
pretendentes, inclusive no seio de sua própria família. Até 1573, Nobunaga já tinha destruído a aliança rival entre os
clãs Asakura e Azai, obliterado os centros monásticos budistas de Tendai e do Monte Hiei, perto de Quioto, e evitou
um confronto fatal direto contra o líder dos Takedas, Shingen (1521- 1573) daimiô da província de Kai, o maior
rival contra as pretensões de unificar sob o comando de Nobunaga. Shingen, o “Tigre de Kai” morreu em batalha em
1573, ao confrontar-se com as forças de um aliado de Nobunaga, Tokugawa Ieyasu (1543 - 1616) [841]. As
circunstâncias da morte de Shingen são controversas. Uma das mais difundidas é retratada no filme de Akira
Kurosawa, “Kagemusha”, em que o líder dos Takedas sucumbe na calada da noite ao ser atingido, fortuitamente, por
um tiro dado por um franco-atirador.
Após a morte de Shingen, nenhum outro daimiô no Japão era forte o suficiente para impedir o controle do clã dos
Odas sobre Quioto. E durante o período entre 1576 a 1579, Oda Nobunaga mandou construir o imponente Castelo
de Azuchi (fig.), às margens do lago Biwa. Este castelo, com uma imponente torre de sete andares (tenshu), era o
maior símbolo de suntuosidade e de ordem unificada no Japão ambicionado por Nobunaga [842].

Fig. – O Castelo de Azuchi, Lago Biwa.

Após ter assegurado seu poder em torno de sua província natal, sobre a região de Kinai no centro da ilha de
Honshu, Nobunaga passou a colecionar aliados e subjugar rebeldes pelas províncias mais distantes. Um dos rebeldes
ainda resistentes era o filho de Takeda Shingen, Katsuyori (1546 - 1582) que foi enfrentado em batalha em 1575 na
batalha de Nagashino. Neste confronto, Nobunaga reuniu dezenas de milhares de mosqueteiros, o primeiro grande
caso de uso de armas de fogo em batalhas japonesas [843]. Em 1582, ainda em campanha de guerra a submeter
rebeldes da família Mori das regiões ocidentais do Japão, e ambicionando um reino unificado como inscrito no seu
selo Tenka Fubu (“um domínio unificado sob o poder militar”), Nobunaga veio a cometer o suicídio ritualizado dos
guerreiros (seppuku, 切腹 ) ao ficar preso no templo de Honno-ji incendiado [844].
Mapa - Japão depois de Oda Nobunaga, 1583.

A busca por vingar a morte de Nobunaga e a disputa pela posição dominante foi o que veio a caracterizar os anos
seguintes. A situação ficou ainda mais delicada quando se descobriu que o filho mais velho e herdeiro de Nobunaga,
Nobutada (1557 - 1582), havia também cometido o seppuku e deixando o clã dos Odas sem um sucessor evidente.
Quem se destacou na sucessão foi um dos mais fiéis servidores de Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi. Pois foi ele
que liderou os combates contra os rivais responsáveis pelas mortes de Nobunaga e de Nobutada, os do clã Akechi,
derrotando-os na batalha de Yamakazi em 1582 [845]. Pela impetuosidade e rapidez da vitória, foi dada uma clara
mensagem aos outros clãs rivais pelo Japão, como os Moris.
Com base nos sucessos militares de Nobunaga, Hideyoshi apreciou e praticou mais o poder da persuasão
diplomática do que seu mestre fez. Ele garantiu alianças através de proezas diplomáticas e militares durante os
primeiros anos após a morte de Nobunaga. Os dois principais obstáculos, contudo, nessa empreitada foram alguns
domínios na ilha de Kyushu e a parte extrema oriental de Honshu controlada pelos Hojos. No que diz respeito aos
rebeldes em Kyushu, Hideyoshi negociou habilmente com Ôtomo Sorin (1530 - 1587) – um daimiô que se
converteu ao catolicismo – de Kyushu contra a próspera província vizinha de Satsuma, a principal na ilha
meridional. Após a vitória de Hideyoshi e Ôtomo sobre Satsuma em 1568, Ôtomo submeteu-se à hegemonia de
Hideyoshi sobre a ilha de Kyushu.
Quatro anos após as batalhas em Kyushu, em 1590, o daimiô das regiões orientais de Honshu, os Hojos, foram a
única grande resistência contra a unificação completa do Japão sob Hideyoshi. Hojo Ujimasa (1538 - 1590), cujo
castelo em Odawara, na província de Sagami, parecia ser inexpugnável, recusou terminantemente todas as ofertas de
Hideyoshi pela paz. Após os eventos, seguiu-se quatro meses de sítio do exército de Hideyoshi para finalmente
capturar a fortaleza. Ou como ele mesmo se expressou com certa satisfação a uma carta à sua mulher: “eu
rapidamente confinei meu inimigo numa gaiola” [846]. Ujimasa pensou que, ao se render, teria a misericórdia do rival,
assim como aconteceu com o daimiô de Satsuma alguns anos antes. Mas a clemência de Hideyoshi talvez tenha se
esgotado durante os meses de cerco e ordenou ao daimiô Hojo a cometer o seppuku após a queda de Odawara.
À medida que a hegemonia de Hideyoshi se impôs sobre o Japão, o líder consolidou também políticas bem-
sucedidas que transformaria o Japão de muitas maneiras. Uma preocupação primordial de Hideyoshi foi a
eliminação de milícias espalhadas nas províncias, fator que havia atormentado o Japão por décadas durante o
período do Sengoku. Nesse intento, Hideyoshi buscou desarmar de espadas todos os camponeses, no que ficou
conhecido como a política de “caça às espadas” (katanagari, 刀狩 ) em 1588. Efetivamente chegou ao resultado de
reduzir o poderio de combate de potenciais rebeldes. Somente a classe guerreira (samurai), cerca de 6% da
população à época [847], teria a exclusividade do uso das armas sob o aval da autoridade central.
Os efeitos maiores das reformas de Hideyoshi, vislumbrado no Édito das Espadas acima mencionado, fora uma
reforma a definir a ordem social em quatro classes hereditárias: samurais (shi), agricultores (nô), artesãos (kô) e
comerciantes (shô) (sistema de estratificação conhecido como shi-nô-kô-shô). Além desse havia a ampla categoria
dos excluídos que viviam em guetos: burakumin (“pessoas dos vilarejos”) que eram estigmatizados como impuros
(kegare) devido às suas ocupações, os eta, kawata ou hinin (açougueiros, curtidores de couro, varredores de rua e
coveiros), e os artistas, atores, dançarinos e cantores [848]. Hideyoshi decretou em 1591 que essas classes eram fixas e
proibiu a mobilidade social. Para tal, os samurais foram obrigados a se filiar a um daimiô particular e se afastar dos
camponeses. Isso gerou como consequência o deslocamento de milhares de samurais que eram ligados pelas
gerações anteriores a comunidades agrícolas, os chamados “samurais da terra” (jizamurais), o que de certa maneira
aliviou os camponeses dos abusos militares locais [849]. Hideyoshi estava no auge de seu poder, e para imprimir seu
legado à história, mandou construir em Quioto seu castelo para sua aposentadoria, o Momoyama, completado em
1594.
Hideyoshi também procedeu a buscar fazer um levantamento cadastral nacional com o intuito de levantar dados
para um melhor planejamento e alocação dos recursos do reino. Cada porção de terra agrícola no Japão foi medido
em seus termos geográficos e produtivos. As terras rurais foram classificadas como aquelas consideradas “úmidas”,
“secas”, “residenciais” e “hortas”. Os arrozais, base nutricional de toda a população japonesa, foram rotuladas como
“superior”, “média” e “inferior” com base de seus potenciais agrícolas. Na sequência, Hideyoshi ordenou a emissão
de documentos para as famílias que trabalharam nessas terras pelas gerações vindouras. Cada vila foi avaliada com
uma certa cota de imposto anual a ser entregue, geralmente em forma de arroz. O arroz colhido era medido em
termos de koku, cerca de 135 kg cada, o suficiente para alimentar uma pessoa por um ano [850].
As implicações dessas amplas reformas foram enormes. Os funcionários do governo assim poderiam planejar e
administrar as receitas anuais. Os agricultores ficaram cientes do quanto seriam tributados anualmente, sem o
constrangimento e arbitrariedade de samurais locais. No nível hierárquico superior, Hideyoshi buscou dividir a
responsabilidade de governar com seus generais. Além da divisão geográfica da terra, Hideyoshi estipulou quantos
kokus cada general deveria receber com base em seus domínios. Como exemplo, Ieyasu Tokugawa, um dos
principais generais sob Hideyoshi, que recebeu as férteis planícies orientais, as de Kantô, para governar, deveria
entregar anualmente 2,4 milhões de kokus, o maior declarante geral no Japão [851]. Com isso, Hideyoshi promoveu
um senso de reciprocidade e lealdade entre seus governadores delegados às províncias.
Mas ao final de sua vida, Hideyoshi parece ter se afastado da política e diplomacia, dando sinais de uma vida
mais errática. Desde 1543, alguns estrangeiros vindos de mares distantes, chamados de nanban ( 南蛮 , “bárbaros do
sul”), começaram a aportar nas regiões meridionais de Kyushu, especificamente em Tanegashima. Alguns anos mais
tarde, em 1549, foram autorizados a desembarcar na região de Kagoshima, na província de Satsuma, missionários
católicos portugueses, das ordens jesuítica e franciscana, como o fez Francisco Xavier (1506 - 1552), com a
finalidade de estudar a língua e cultura japonesa e buscar o proselitismo (fig.). A crescente atuação desses
missionários que passaram a ser vistos com suspeita por alguns governadores locais e Hideyoshi, fez com que fosse
limitado o desembarque desses estrangeiros nas ilhas e que culminou na ordenação de execução de sacerdotes
católicos e convertidos japoneses. Como o que ocorreu na crucificação em 1596, de 26 cristãos – nove sacerdotes e
dezessete japoneses – em Nagasaki [852]. O Japão lentamente fechava-se ao estrangeiro.
Fig. – O desembarque de “bárbaros do sul”, europeus, aos olhos japoneses. Pintura do Período Edo, de Kano Naizen, c. 1600.

Ademais, Hideyoshi começou a desconfiar da lealdade de seus parentes e aliados mais próximos. Em 1595,
Hideyoshi mandou executar seu sobrinho, Hidetsugu (1568 – 1595), junto com 31 membros de sua família, a fim de
impedir potenciais usurpadores de seu poder e de seu filho, Hideyori (1593 - ?), de linhagem mais nobre por parte de
sua mãe, Yodo-dono (1596 - 1615), sobrinha de Oda Nobunaga, que poderia reivindicar o cargo de xogum ao
imperador por ser descendente, embora distante, dos Minamotos.
E não menos intrigante, Hideyoshi ordenou um massivo ataque ao litoral coreano e chinês. Mais de 150 mil
samurais, veteranos de combates, foram enviados para a Coreia a servir de base para futura invasão à China da
Dinastia Ming, durante a chamada Guerra Imjin entre 1592 e 1598 (fig.). As forças japonesas encontraram feroz
resistência, principalmente nos arredores da atual cidade coreana de Pyongyang em 1593, ficando a partir de então
mais atolados e sem avanços ofensivos militares [853].

Fig. – Invasão japonesa na Coreia, Guerra Imjin (1592 – 1598).

A disputa pela sucessão ao comando de Hideyoshi nos seus últimos anos ganhou ares dramáticos. Pois ao falecer
em 1598, Hideyoshi deixou seu filho, Hideyori, com apenas cinco anos de idade. Apesar de cinco dos mais leais
generais de Hideyoshi terem jurado reger durante a menoridade de seu filho, acabaram não cumprindo a promessa
feita. Um desses generais, Ieyasu Tokugawa, aliado mais poderoso de Hideyoshi, começou a ter planos diferentes
sobre o futuro do Japão que estava se unificando em fins do século 16.
Mapa - Japão no Período Azuchi-Momoyama, com destaque aos domínios de Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi.

Coreia (Século 9 - 13)


Em fins do século 9 a península coreana atravessou uma série de rebeliões camponesas e de crises políticas
desagregadoras. As rebeliões em boa parte foram motivadas pelos altos impostos dos cobradores e senhores
latifundiários locais. A China igualmente conheceu na época similar tendência de crise, pondo termo ao período
Tang, resultando num contexto de turbulência e retração da Pax Sinica no leste asiático.
Na península coreana, a desordem foi agravada com a emergência de inúmeros líderes locais de grupos e
exércitos armados que competiram entre si pelo controle das províncias do decadente reino de Silla. O que restou da
autoridade de Silla, ao que parece, foi efetivamente apenas em torno de algumas famílias nos arredores da capital,
Kyongju. Esses líderes locais, referidos como senhores da guerra do século 9 tiveram várias origens. Alguns eram
oficias do exército, outros eram comerciantes poderosos, ou monges, bandidos ou membros da aristocracia local
desesperados em manter sua tradicional dominação. A maioria desses ascendeu de posições sociais mais baixas e,
uma vez alcançado a posição de autoridade, passaram a se referir como “senhor” ou mesmo “general”. Os
aristocratas locais, por sua vez, eram pertencentes a grupos marginalizados do sistema de famílias privilegiadas dos
pertencentes aos “ossos” (kolpum).
A turbulência sociopolítica em fins do século 9 é comparável aos distúrbios associados ao declínio de cada
período dinástico chinês. No sentido de que a autoridade central se apresentou débil e desarticulada frente às
pressões desagregadoras das províncias do reino. Como na China, lideranças locais se ergueram de bases regionais
de poder e lutaram entre si pela hegemonia na península coreana. Com base nisso, muito se comparou a Coreia dessa
época de crise com o sistema feudal. De fato, havia relações de obrigações militares e de impostos a ser observado
pelos camponeses e vilas nas propriedades de um latifundiário que, por sua vez, era responsável pela ordem,
proteção e paz de todos. O risco maior dessa interpretação, contudo, é de se comparar à experiência europeia com o
contexto asiático. Na história coreana, não houve relações contratuais entre as partes como o foi entre os senhores
feudais europeus. Seria melhor, talvez, em caracterizar o sistema coreano como um de senhorismo ou manorialismo,
conceitos mais amplos de relação entre as autoridades locais e o campesinato.
Como situar historicamente o período de desagregação e crise do reino de Silla? Alguns historiadores
atribuíram a esse período como uma espécie de Idade Média. O que, novamente, nos traz riscos de excessiva
analogia com a experiência europeia. Atendo-se aos fatos históricos, não houve nenhuma significativa mudança
socioeconômica coreana no período, embora houvesse sinais de crise da autoridade central. Cabe ressaltar que, já em
918, houve a ascensão de uma outra dinastia, a de Koryo, que depois irá consolidar a unificação da península
coreana.
Em momento derradeiro, Silla entrou em colapso com a culminação de uma série de crises de membros e
poderios locais que contestaram a dominação exclusivas de determinadas famílias privilegiadas aos altos cargos de
comando. Economicamente, as finanças estatais de Silla foram erodidas pela recusa ou excessiva isenção de
impostos a determinadas classes sociais e instituições, como a budista. Socialmente, o sistema de “ossos” (kolpum)
estava desmoronando, revelando as crises de lealdades e questionamentos à autoridade tradicional.
Nesse contexto, na virada para o século 10, duas figuras históricas se destacaram. Gyeon Hwon (867 – 936) e
Gung Ye (c. 869 – 918) que haviam se tornado nos mais proeminentes senhores da guerra na península do período.
Gyeon Hwon era um oficial militar dotado de excepcional senso de estratégia e comando e comandou seus homens
principalmente nas regiões provinciais do sudoeste coreano, no antigo território de Paekche. Gung Ye, por sua vez,
começou como um líder de bandidos nas regiões centrais que antes pertenciam ao reino de Koguryo. Visando
consolidar suas autoridades e reunir as lealdades locais, ambos se proclamaram como reis de Paekche e Koguryo,
respectivamente. Para distinguir esses dois reinos do período anterior, os historiadores nomearam essas novas
entidades políticas de Paekche Tardio e Koguryo Tardio. Ao que aponta para o período desagregador da Coreia a
conviver com o que restou de Silla, no chamado Período Tardio dos Três Reinos (892 - 936).
Os três reinos coreanos depois seriam modificados pela ação de um líder que teria repercussões em toda a
história coreana. Wang Geon (877 – 943) (fig.) veio da costa ocidental da península e sua família tinha prosperado
com o comércio com a China. Nos anos finais de Silla quando unificada, ele emergiu como um poderoso líder local.
Com o advento dos Três Reinos, Wang Geon juntou seus domínios com o reino tardio de Koguryo, ao norte, e
serviu como ministro do general Gung Ye. Em 918, Wang Geon deu um golpe e depôs o rei Gung Ye para fundar
uma nova dinastia coreana, a de Koryo (ou Goryeo, 고려 ), escolhendo como capital a cidade de Kaegyong ou
Gaegyeong (atualmente, Kaesong). A escolha do nome da nova dinastia é reveladora, pois foi uma forma abreviada
de Koguryo, indicando a ambição de Wang Geon em recuperar o vasto reino antigo do norte coreano e Manchúria.

Fig. – Wang Geon.

De fato, Wang Geon mandou construir Pyongyang, antiga capital de Koguryo, que havia sido abandonada por
Silla. Renomeou-a de Sogyong, “Capital Ocidental”, e isso deu uma notável presença estratégica no norte coreano.
Com as duas capitais localizadas em lugares auspiciosos visando um longo reinado dinástico, Wang Geon assegurou
uma vantagem geográfica em Gaegyong na região central ao longo do rio Yesong, ao contrário da distante cidade de
Kyongju de Silla e Wansanju, capital do reino tardio de Paekche. A localização da capital de Gaegyong obedeceu
também aos preceitos budistas de geomancia, em que se acreditava que havia uma profecia de que um sábio
receberia o mandato dos céus para ser governante a partir do local indicado. Entronado e assegurado seu poder e
para seus descendentes, Wang Geon depois receberia o honroso título de Taejo, “Grande Ancestral” (r. 918 - 943).
Apesar da consolidação do reino de Koryo, os sucessores de Taejo tiveram problemas prementes nas fronteiras.
Muito se deu com a ação coordenada dos povos khitans (ou kitais), ancestrais dos mongóis, que tinha fustigado os
Tangs e fundaram uma dinastia, a de Liao, que controlou um vasto território que incluía boa parte do norte chinês no
século 8. Era imperativo aos khitans proteger o vale do rio Liao que tinha sido controlado pelo reino de Parhae, cujo
povo malgal tinha se rebelado e depois se juntado em lealdade aos khitans. O momento derradeiro veio em 926,
quando o reino dos khitans atacou Parhae e pondo fim à sua autoridade na região da Manchúria.
Os fugitivos de Parhae foram buscar se reagrupar e se aliar ao novo reino de Koryo, acreditando que esse reino
seria o sucessor do antigo Koguryo. Wong Geon recebeu-os e se simpatizou com suas causas, enxergando neles
povos com origens étnicas semelhantes, pertencentes ao vasto grupo que seria depois identificado como os coreanos,
os hans, yes e maeks. As tensões entre os khitans e Koryo se deram, portanto, em grande parte nessa perspectiva.
Em 934, Wong Geon decidiu conceder títulos e sobrenomes reais ao príncipe herdeiro do antigo reino de Parhae
quando esse chegou a Koryo junto com milhares de súditos.
Wong Geon se considerava como um unificador de todos os povos coreanos e os migrantes de Parhae foram
apenas um elemento na sua ambição política. Visando apaziguar os demais líderes locais pela península coreana,
Wang Geon buscou casar-se com as filhas de poderosos senhores da guerra e membros de famílias aristocráticas
tradicionais. Títulos monárquicos foram concedidos aos aliados locais, assim como o sobrenome real. Em 935, o que
restou do reino tardio de Parhae foi conquistado pelo reino de Koryo, e Wang Geon foi generoso com o seu rival
derrotado, Gyeon Hwon (r. 892 - 935), ao lhe oferecer apoio (mas também lealdade e submissão) contra as
pretensões de seu filho que havia o traído, como foi narrado no Samguk sagi. Um ano depois, a península coreana
encontrava-se unificada sob o trono de Wang Geon.
Mas talvez o maior legado de Wang Geon seja uma série de prescrições ordenadas conhecidas como as Dez
Injunções (Sip Hunyo) sistematizadas ao final de seu reinado. Elas foram dispostas visando antes de tudo a
fundamentar a nova dinastia, conforme o primeiro ordenamento, e, no seu segundo enunciado, a respeitar as
reformas propostas por um monge budista da época chamado de Toson (827 - 898)[854]. A nova ordem nas injunções
foi fundamental para consolidar o reino a partir do século 10 em diante. Após a unificação e conquistas dos vários
reinos coreanos, o fundador da dinastia de Koryo preocupou-se com a longevidade política de seus sucessores, uma
vez que o reino tinha se baseado em alianças e privilégios negociados com múltiplas lideranças e famílias
aristocráticas locais. Era mister, pois, controlar as tendências desagregadoras de Koryo no futuro. Das Dez
Injunções, cinco referem-se a como o rei deveria governar o estado [855]. E a primeira preocupação de Wang Geon foi
buscar inspiração no sistema chinês aplicado às características coreanas, como expressada na quarta injunção.
A preocupação era, em essência, buscar manter uma ordem coreana inspirados no sistema chinês. Isso sem
descuidar das ameaças das fronteiras, os povos khitans das fronteiras devem ser vigiados e seus costumes devem ser
evitados considerados como barbáricos [856]. Aqui, em essência, temos a busca deliberado de expressar a
singularidade coreana, com inspiração chinesa e a contrapor povos da fronteira.
De fato, o sistema de Koryo assemelha-se com o da China de Tang. Como exemplo, em 958, o filho de Taejo e
rei de Koryo, Gwangjong (r. 949 – 975), institucionalizou o sistema de exames como praticado na China, chamado
de kwago. Mas com modificações características aos coreanos. Embora tivesse sido aconselhado por um enviado
chinês à sua corte, Ssangi, o sistema coreano de exames era aberto apenas aos membros das famílias aristocráticas e
elites locais, referidos como hyangni.
Além disso, Gwangjong, tendo testemunhado diversas lutas sangrentas pelas autoridades locais após a morte de
Taejo, decidiu promover políticas de reforma visando o fortalecimento do estado. Nesse veio, foi expandido o
confisco de escravos particulares de famílias aristocráticas a servirem ao poder central, conforme aprovado em 956.
E a reorganização das forças militares a combater as ameaças dos khitans. E não menos importante, houve a
substituição das autoridades locais, antes baseadas em líderes e membros aristocráticos, por funcionários apontados
pelo rei. Era evidente, em suma, que o poder civil de Koryo começou a fortalecer-se em detrimento dos poderios
locais, e os funcionários designados seriam fruto de um sistema de méritos aprovados nos exames e não mais por
herança familiar. No aspecto militar, Koryo fortaleceu-se com numerosos membros recrutados, muitos ex-escravos
de famílias aristocráticas locais. Assim, esse duplo aspecto, civil e militar, comporia o sistema dual referido como
yangban ( 양반 ), “dois ramos”. Não é exagero enxergar nesse sistema o fundamento do reino de Koryo.
Os descendentes de Gwangjong degradariam ainda mais as autoridades das aristocracias locais, hyangni. Mas
não foram tão bem sucedidos, aparentemente, pois as condições privilegiadas de estudo e acesso às obras clássicas
eram quase restritas a poucos com condições. Ademais, houve a continuação de um sistema de nomeações
privilegiadas (um), a favorecer alguns membros escolhidos pelo estado. O sistema de yangban, assim, consolidou
em Koryo uma classe aristocrática não mais hereditária familiar, mas dos literatos, conhecido como munbol. As
prebendas e salários de cada eram determinados de acordo com um sistema chamado de chon sikwa, conforme
expressado na nona injunção. Esse sistema dimensionava os ganhos e propriedades de cada um de acordo com seu
cargo e mérito [857].
A autoridade central do rei tinha seus limites e contenções a buscar sempre a aprovação do povo, sejam civis ou
militares, conforme expressa a sétima injunção. Com isso, Taejo previu que deveria haver ampla aceitação do poder
monárquico e, assim, a se legitimar pela aceitação ampla de todos. Em 983, numa ordenação aprovada, foi decidido
que haveria contenções às tendências autocráticas da autoridade do rei, com as questões vitais de estado a ser
aprovada por um Conselho de Altos Ministros (Chae Chu). Esse conselho participaria, efetivamente, das decisões
mais cruciais dos assuntos militares e legislativos, algo que foi típico do sistema coreano em relação aos chineses.
Os problemas mais prementes nas décadas iniciais de Koryo foi, sem dúvida, com o reino dos khitans perto de
suas fronteiras ao norte (mapa). Koryo, de fato, buscou logo se aliar com os chineses que tinham ascendido em nova
dinastia no norte chinês, o de Song, a partir de 960. Para o desagrado dos governantes khitans que tentaram tudo
para negociar suas fronteiras com os coreanos e assim, conceder a esses a atacar as regiões setentrionais chinesas.
Diante da postura de hostilidade de Koryo, os khitans atravessaram o rio Yalu em 993 e invadiram as terras do reino
coreano. Mas esses foram logo detidos ao longo do rio Chong chon, e depois voltaram suas prioridades com suas
fronteiras meridionais com os chineses. Muito dessa reviravolta, aparentemente, foi obra de um brilhante diplomata
de Koryo, Seo Hui (942 - 998), que organizou uma contraofensiva e depois negociou com as autoridades khitans a
cederem territórios ao longo do rio Yalu a permitir o acesso privilegiado à estratégica península de Liaodong que
fazia fronteira com o reino chinês dos Songs. Seo Hui, assim, anexou toda região do vale do Yalu e mandou
construir uma série de fortificações visando a proteção das fronteiras de Koryo. Mas esses acordos não perdurariam
sem contestações. Em 1010, o rei dos khitans resolveu por bem invadir toda a região negociada e chegou a saquear a
cidade de Gaegyeong (Kaesong), uma das capitais de Koryo, somente se retirando depois que foi a ele prometida a
devolução de toda a península de Liaodong. Oito anos depois, uma nova invasão dos khitans foi somente detida
pelas forças de Koryo graças ao talento do general Kang Lamchan (948 – 1031), fazendo com que os khitans
desistisse definitivamente em tentar subjugar os coreanos.

Mapa – O reino Liao dos khitans (norte) e o de Koryo (Goreyo).

A ordem prevaleceu entre o reino de Koryo e os khitans nas décadas seguintes. No início do século 12, povos
jurchens, referidos como jins, sucederam os khitans na região da península de Liaodong e todo o norte da China,
forçando a dinastia dos Songs a irem mais para as regiões meridionais ao sul do rio Yangzi, a fundar sua nova
capital em Jiangnin (atual Nanjing, ou Nanquim) em 1129. Apesar dessas convulsões, as relações entre Koryo e a
China dos Songs se aprofundaram. Os chineses enxergaram os coreanos como aliados cruciais para conter os jins, e
os governantes de Koryo exploraram todas as possibilidades dessa aproximação para aprofundar os laços comerciais
e culturais. Como consequência, houve significativo aumento de comerciantes e comunidades coreanas que viveram
em cidades chinesas ao longo da foz do rio Yangzi, assim como muitos chineses ao longo do rio coreano de Yesong.
As mercadorias mais demandadas dos chineses eram principalmente sedas, livros, cerâmicas, ervas medicinais,
perfumes e instrumentos musicais. Em troca, Koryo exportava ouro, prata, cobre e ginseng.
Foi por volta dessa efervescente época de contatos com os chineses que floresceu a indústria da cerâmica
coreana. Essas valiosas peças de cerâmicas envidraçadas foram inspiradas nas cerâmicas chinesas dos Songs desde
meados do século 10. Nos séculos seguintes, os coreanos aperfeiçoaram sua própria produção, criando cores únicas
semitransparentes de tons azulados e esverdeados (pisaek, “cor do martim-pescador”). Famoso pela sua beleza
única, foi demandado entre famílias aristocráticas chinesas e até mesmo entre alguns comerciantes árabes que
tinham se assentado nas cidades portuárias coreanas.
Na sociedade de Koryo, a condição das famílias privilegiadas da história coreana, antes baseadas no sistema de
“ossos” (kolpum), agora ampliou-se para várias famílias com sobrenomes Kim e Paks. Há certamente um motivo
disso nas 29 esposas que o rei Taejo tomou para si, e desses descendentes muitos depois uniram-se com líderes
locais pela península. Com o passar das gerações, a tendência era somente aumentar o número de famílias com esses
sobrenomes, pelo prestígio e poder.
No terreno religioso, o budismo fez notável influência no reino de Koryo. Isso é constatado nas Dez Injunções do
rei Taejo, em que é enfatizada a importância dos preceitos da geomancia budista do monge Toson. Das dez
injunções, quatro demonstraram o favorecimento às ideias budistas do reino de Koryo. Os monges deveriam ser os
administradores dos templos e mosteiros, e esses deveriam ser respeitados. Apesar do favorecimento explicitado, as
construções budistas deveriam ter um local propício indicado conforme a geomancia. Isso, em essência, visa ordenar
o número e local das construções religiosas no reino, a considerar que somente assim, a obedecer aos preceitos
cósmicos, a ordem e harmonia do reino de Koryo seria preservada. Tal destaque às ordens budistas acarretou em
consequências sociais. Muitos filhos de famílias nobres começaram a procurar o sacerdócio. No mundo da política,
o budismo foi considerado pelos governantes de Koryo como doutrina a lhes favorecer em casos de conflitos com
outros povos. E como exemplo da devoção dos tempos, foi feita a compilação e impressão da primeira versão da
imensa coleção dos ensinamentos de Buda no século 11, a Tripitaca Coreana, como sinal de devoção a proteger
contra os khitans.
A corte de Koryo concedeu títulos e privilégios diversos ao clero budista, incluindo isenções fiscais para templos
e mosteiros. Além disso, as instituições budistas tiveram generosas doações de famílias poderosas e prósperas. Esse
sistema de privilégios e favorecimentos, ao final, minou a própria base de arrecadação e poder do reino de Koryo a
partir do século 13. Nem todas as escolas budistas eram favorecidas. Uma delas, a que enfatiza a meditação, a de
Seon (ou Son, 선 ), foi especialmente promovida. Isso se deveu em grande parte aos ensinamentos de Toson que
teve sua influência sobre o rei Taejo. Em contraste com a aristocracia de Silla que defenderam o conceito da
transmigração da alma a justificar a pureza dos pertencentes ao grupo dos “ossos” (kolpum), Koryo buscou defender
mais o acesso universal da prática meditativa.
Outro fator foi a geomancia, evidenciada nas recomendações do rei Taejo a todos a visitar a “Capital Ocidental”,
Pyongyang, e ali permanecer por recomendados cem dias por ano. A cidade era considerada como idealmente
localizada, na correta distância entre as montanhas e as águas. Isso, com o tempo, fez com que a cidade prosperasse
com as frequentes visitas de viajantes e peregrinos coreanos. Por outro lado, a geomancia foi usada contra os
habitantes ao sul do rio Gongju (atual rio Geum), violência essa que depois foi mantida por séculos na história
coreana, possivelmente por essa área ter apoiado veementemente famílias aristocráticas ligadas ao poder do reino de
Paekche e, sendo assim, foco de resistência a Koryo.
As rebeliões contra o poderio de Koryo advieram não conforme previsto pela geomancia endossada por Taejo,
mas na capital e no norte. No início do século 12, Koryo enfrentou invasões dos povos jurchens que tinham
destruído os khitans no reino de Liao e estabeleceram a Dinastia Jin (1115 - 1234). Pouco depois de ascenderem na
região, os jurchens expandiram-se mais ao leste e nordeste em direção ao rio Tumen, pressionando os governantes
de Koryo a respeito de suas fronteiras. Em 1126, um grupo favorável à Dinastia Jin na corte de Koryo, liderado pelo
sogro do rei Injong (r. 1122 - 1146), tentou um golpe palaciano que foi prontamente reprimido. Durante essa
turbulência dos eventos, um outro grupo político de Koryo mais ao norte buscou tomar as rédeas do poder,
inspirados pelas ideias de um monge budista chamado de Myo Cheong (? - 1135) que defendia uma ampla reforma
política baseadas apenas no budismo e a condenar os efeitos nocivos das tradições confucianas no estado [858]. Algo
revelador das tensões entres as duas tradições filosóficas no reino coreano, uma de maior impacto político e
institucional conforme as tradições confucionistas, e outro de cunho mais espiritual e societário como o budismo.
Os seguidores de Myo Cheong passaram a enfrentar a dinastia dos jins no norte. E passaram depois a avançar em
direção à capital, Seogyeong (Pyongyang), pois consideravam a outra capital, Gaeseong (Kaesong) como
degenerada de acordo com as interpretações geomânticas do mestre. Esse movimento de insurreição dentro de
Koryo revelou uma corrente milenarista e buscava revitalizar o reino a combater as forças ao norte da península. Em
1129, o rei Injong aceitou as sugestões de Myo Cheong, passou a permanecer em Pyongyang por 120 dias em
respeito às antigas injunções do rei Taejo e buscou se conciliar com os rebeldes que estavam assomando nas regiões
do norte do país. Além disso, o rei Injong mandou construir um novo palácio real de acordo com as profecias
geomânticas de Myo Cheong que dizia que assim sendo feito no devido local, o reino se tornaria um grande império
que conquistaria os jins e outros estados do leste asiático.
Naturalmente houve uma forte reação de membros da aristocracia letrada que tinham estudado por anos os
preceitos confucionistas. Um deles, Kim Busik (1075 – 1151), liderou essas inquietações e se opôs contra a
realocação da capital, denunciando as ideias da geomancia como ilusórias e oportunistas. Vendo-se incapaz de
mudar a capital do reino, Myo Cheong e seus seguidores proclamaram então um novo reino, pretensiosamente
chamado de Grande Império Wi. E buscaram se refugiar na cidade de Pyongyang em 1135. Kim Busik, ciente das
rebeliões e nomeado como comandante supremo das forças de Koryo, suprimiu os rebeldes em 1136. Até 1142, Kim
Busik permaneceria como o mais influente membro do Conselho de Altos Ministros de Koryo.
O duro realismo do estado tinha subjugado as resistências idealistas populares. Apesar de suprimida, o
sentimento popular coreano começava a questionar a ordem e legitimidade do reino de Koryo. E muitos
consideravam os jurchens ao norte como sujeitos à plena dominação pelos coreanos, ecoando os antigos domínios
do reino de Koguryo do século 5. A reação de Kim Busik e a elite confuciana letrada em boa parte alienou-se dos
sentimentos gerais da nação.
Em meados do século 12, Kim Busik, talvez visando criar uma base de legitimidade histórica do reino de Koryo,
mandou compilar uma obra que depois ficaria conhecida como o Samguk sagi (“História ou Crônica dos Três
Reinos”) (fig.), que buscou recuar as origens de Koryo até o venerado reino de Choson e de Silla nos seus tempos de
auge. A compilação foi inspirada na clássica obra historiográfica chinesa de Shiji escrita por Sima Qian (145 a.C. –
90 ou 85 a.C.). A obra de Kim Busik almejou, em suma, corresponder ao império chinês no reino de Koryo. O
Samguk sagi, como resultado, surgiu em 1145 como a primeira grande obra da história coreana.

Fig. – Página do Samguk Sagi.

A dominação aristocrática de funcionários confucionistas na esfera civil provocou reações de membros do corpo
militar. Oficiais militares, com frequência, durante as guerras contra os khitans e jurchens, reclamaram por não
terem sido devidamente reconhecidos e promovidos pelos seus méritos. Para agravar a situação, Koryo estabeleceu
que o comando militar supremo deveria estar nas mãos de um funcionário civil nomeado, visando assim garantir
uma política mais pacifista e diplomática nos conflitos. No contexto da Pax Sinica, em que as boas relações foram
mantidas entre os reinos asiáticos, essa política fez perfeito senso. No entanto, com o agravamento das fronteiras e a
crise dinástica chinesa, os conflitos passaram a ser mais frequentes e duradouros no século 12. Portanto, a classe
militar de Koryo sentiu-se cada vez mais discriminado e desprezado por suas qualidades por uma classe letrada
privilegiada no aparelho do estado.
Em 1170, vários oficiais militares descontentes organizaram um golpe de estado, chefiados por Jeong Jung-bu
(1106 – 1179). Foi o início de uma era de um século de mando militar sobre o poder de Koryo (Musin Jeonggwon,
무신정권 ). O golpe foi dado num contexto de crise e desordem evidentes no reino coreano, rompendo a tradicional
harmonia social. Várias lideranças militares tinham se rebelado, assim como revoltas camponesas e populares. Uma
dessas, foi de escravos em 1198 na capital em Kaesong que, embora reprimida, visou derrubar todo o sistema estatal
de Koryo instigada por um líder chamado de Manjeok (? – 1198) [859].
Depois das instabilidades, ascendeu ao poder efetivo um filho de general da família Choe, Chung-heon (1149 –
1219, após ter conseguido pacificar as revoltas e afastar os seus rivais em 1196. Uma vez no poder, o militar buscou
assegurar seu próprio corpo de guardas e iniciou um período de 62 anos de mando militar em Koryo. Em suma, um
sistema de junta militar (chungbang) assumiu o comando da autoridade coreana, apesar de terem sido mantidas as
tradições e famílias reais e aristocráticas. Mas sob o domínio militar, alguns membros da classe de letrados
confucianos e monges budistas se refugiaram no interior, em mosteiros, templos e abrigos naturais, e desenvolveram
uma tradição de escritos de questionamento da ordem natural e desenvolvimento espiritual, longe da realidade
política e militar. Alguns outros letrados foram incorporados ao novo sistema político, como Yi Kyubo (1168 –
1241) que serviu como primeiro-ministro sob o regime dos Choes após ter escrito uma obra que comparou a
grandeza do antigo reino de Koguryo com o estado atual do reino em que serviu, na sua obra épica, “O Descanso do
Rei Dongmyeong” (Tongmyong wang pyon) [860].
A virada para o século 13 trouxe novas forças militares nas fronteiras coreanas e chinesas advindas da vastidão
das estepes asiáticas. Nas primeiras décadas do século, Gêngis Khan (Temujin) (1165 – 1227) conseguiu reunir todo
o universo de clãs e nações dos mongóis e passou a expandir as fronteiras na Ásia Central. No norte da China,
Gêngis derrotou o reino da Dinastia Jin dos jurchens. Em 1219, os mongóis chegaram a propor uma aliança com
Koryo para juntos enfrentarem os khitans que estavam se fortalecendo após a queda de Jin. Durante esse período de
negociações, as tensões entre os coreanos e mongóis aumentaram após o assassinato de um enviado da corte de
Gêngis Khan que tinha ido cobrar um tributo simbólico. Como resposta, em 1231, os mongóis assolaram as
fronteiras ao norte de Koryo e tomaram a capital Gaegyeong (Kaesong). Após o qual o governo de Koryo teve que
reconhecer a soberania mongol. Os governantes da família Choe, considerando a retirada mongol para a região
noroeste a fim de combater os khitans, decidiram por bem organizar uma oportuna ofensiva a partir de 1232. No
mesmo ano, julgando que o norte coreano e a capital encontravam-se vulneráveis demais, decidiram mudar o centro
político para uma ilha na costa ocidental, Kanghwa, acreditando que os mongóis não teriam expressão naval.
As invasões mongóis, inevitavelmente, vieram ao longo de quase quarenta anos, entre 1231 e 1270. E foram
muito além da ilha de Kanghwa, pois o interior da península foi devastado e abandonado à própria sorte diante dos
cavaleiros nômades que saquearam e destruíram locais e obras históricas coreanas, como a primeira versão da
Tripitaca Coreana (fig.). Diante do sacrifício que a população enfrentou nesses anos de lutas, foram novamente
reunidos os ensinamentos de Buda e, depois de dez anos, foi completada em 1251 uma segunda versão da Tripitaca
em mais de 80 mil placas de madeira. Essa versão ainda hoje se encontra no Templo Haeinsa. E foi durante esse
contexto de crise que os coreanos, devido à gravidade e premência dos tempos em que podia-se perder para sempre
as suas grandes obras literárias e budistas, aprimoraram a impressão metálica móvel mais de dois séculos antes de
Johannes Gutenberg.

Fig. – Tripitaca Coreana.

As agressões mongóis se arrastaram sobre o regime militar dos Choes, e isso acarretou em pressões sociais e
financeiras sobre toda a península coreana ao longo do século 13. Embora a capital de Koryo estivesse numa ilha,
havia limites de arrecadação fiscal que era originada nas propriedades no continente. Em 1258, uma revolta nos
círculos do poder dos Choes estourou numa tomada do poder por outros militares descontentes, pondo termo ao
governo de 62 anos dos Choes. Esse novo regime, com visão mais pragmática, logo enxergou as vantagens em abrir
negociações com os mongóis, na postura conciliatória de Kublai Khan (1215 – 1294). Kublai viu essas
possibilidades como uma maneira de ganhar vantagem política sobre os seus rivais pela sucessão ao poder mongol
na década de 1250. Nessa empreitada, o príncipe de Koryo foi à capital mongol, Karakorum, e aceitou todas as
condições propostas que manteria a monarquia no poder e a imediata retirada das forças mongóis da península, em
troca de irrestrita lealdade política e militar.
Firmado o tratado de paz, os militares coreanos passaram a lutar para restabelecer o poder da monarquia em
Koryo e a afastar aqueles ligados ao regime dos Choes. Em 1270, a antiga capital de Koryo foi restabelecida saindo
da ilha de Kanghwa. Houve viva resistência de apoiadores do antigo regime coreano, principalmente aqueles
pertencentes à guarda do líder dos Choes que depois se refugiaram as ilhas do sul coreano até serem suprimidos em
1273. Assim, a continuada guerra contra os mongóis se encerrou na Coreia.
Kublai Kahn, que tinha recebido uma educação com fortes teores chineses desde a sua juventude, ascendeu ao
trono imperial chinês e proclamou uma nova dinastia, a Yuan, em 1271. Três anos depois, Koryo tornou-se um reino
subordinado ao da China Yuan, estabelecendo uma série de alianças e casamentos entre as famílias reais dos dois
reinos. Sob a soberania de Yuan, Koryo concedeu amplos territórios no nordeste para a administração direta chinesa.
Além disso, no mesmo ano de 1274, Koryo relutantemente concedeu forças terrestres e principalmente navais para
uma expedição organizada contra o Japão. A primeira tentativa de invasão de Kublai Khan às ilhas japonesas deu
terrivelmente errado, com boa parte da frota naval aniquilada por tufões que o regime do xogunato de Kamakura do
Japão à época considerou como de origens divinas, kamikaze [861].
A obstinação do imperador Yuan não terminou por aí. Depois de ter conseguido subjugar rebeldes chinês no sul
remanescentes dos antigos Songs em 1279, Kublai decidiu no ano seguinte a preparar uma segunda expedição contra
o Japão. Em 1281, as forças combinadas de Yuan e de Koryo, entre outros aliados e mercenários, voltaram-se contra
o arquipélago japonês [862]. Dessa vez, igualmente, as forças da natureza foram dizimadas por tufões e ventos fortes
sazonais após terem permanecido meses no mar. A mobilização e os recursos exigidos nessas duas expedições de
Kublai atingiu o reino de Koryo consideravelmente.
Sob o domínio de Yuan, o povo coreano tinha que entregar uma enorme carga tributária, que incluía prata, ouro,
ginseng, ervas medicinais entre outros. Ademais, produtos artesanais e mulheres entravam também na cota exigida
pela corte de Yuan, atendendo ao costume aristocrático mongol de poligamia. No reino coreano, diante da
proeminência dos mongóis, todos aqueles ligados ou aliados tinham uma série de privilégios, com muitas famílias
aristocráticas coreanas a manter laços matrimoniais com mongóis. Nas províncias coreanas, os grandes latifúndios
concentraram-se ainda mais com a nova aristocracia ligada aos Yuans que mantiveram privilégios fiscais em
detrimento daqueles não colaboradores do poder. Em cima de muitos excluídos desse sistema, fermentou-se ideias
nacionalistas e anti-mongóis ao longo do tempo a partir de fins do século 13.
Embora dominados pelos Yuans, a economia e comércio coreano floresceu com a nova ordem asiática
consolidada pelos mongóis. O crescimento não se deu apenas em escala, mas também na diversidade de novas
demandas e produtos. Pelo mundo dominado pelos mongóis, abriram-se vias de acesso ao mercado muçulmano. O
algodão que havia se espalhado na China no século 13 foi trazido de lá para a Coreia por Mun Ikchon (1329 – 1398)
que passou a cultivá-lo com grande sucesso em solo coreano a partir de 1364. Isso provocou uma séria de mudanças
na produção têxtil coreana, na época em que prevalecia os tecidos de seda e cânhamo. Os Yuans tinham adquirido o
conhecimento da pólvora, inventada pelos chineses em tempos anteriores. Essa tecnologia, embora cuidadosamente
mantida em segredo pelos Yuans, foi depois aprendida por coreanos que, conjugado com o avançado conhecimento
metalúrgico, passaram a produzir excelentes canhões no século 14 pelas mãos do inventor e militar Choe Muson
(1325 – 1395). Esse novo armamento coreano foi plenamente usado contra as invasões de piratas japoneses (wakôs
ou waegus em coreano, 왜구 ) na península no referido século, como na Batalha de Jinpo de 1380 [863].
Novas técnicas agrícolas também se espalharam pela Coreia, como a irrigação e aragem profunda por meio de
livros de cultivos de arroz vindos da China Yuan. Possivelmente isso explica o considerável aumento populacional
coreano a partir do século 14, juntamente com uma queda na taxa de mortalidade infantil ligado aos novos
conhecimentos medicinais das plantas. Pois houve um incremento no número de publicações sobre os estudos
medicinais nas mãos dos letrados hyangni coreanos. As mudanças dos tempos também repercutiram no mundo
espiritual. O budismo, associado aos tempos decadentes do passado coreano, passou a ser cada vez mais ignorado
pela nova elite coreana que passou a valorizar novamente os estudos confucianos. Essa retomada tinha sido
revitalizada por um estudioso chinês da Dinastia Song, Zhu Xi (1130 – 1200), que buscou uma nova e revigorante
interpretação dos clássicos confucianos a contrapor-se à metafísica budista. As obras de Zhu Xi tiveram ampla
repercussão na capital dos Yuans e tinham sido trazidos para a península coreana em 1290 por eruditos como An
Hyang (1243 – 1306) e Yi Chehyon (1287 – 1367) [864].

Coreia (Século 14 ao 16)


A morte de Kublai Khan em 1294 engendrou uma série de disputas pelo trono imperial chinês dos Yuans,
afrouxando a dominação e controle sobre outras áreas asiáticas. Já em meados do século 14, a China começou a
entrar num período de declínio e fragmentação da sua unidade política, e foi ocupada pelas suas fronteiras por novos
povos que visavam o poder. No sul da China, um líder chamado Zhu Yuanzhang fundou uma nova dinastia, a Ming
(1380 – 1644) visando restaurar a antiga glória dos tempos Tang e a expulsar os povos bárbaros como os mongóis
de Yuan. Para a perspectiva de Koryo, a desordem no leste asiático revelou uma oportunidade de recuperar sua
plena independência e soberania.
Diante da desordem nos anos finais do império chinês, o rei Kongmin (ou Gongmin) (r. 1351 – 1374), último
soberano coreano que foi endossado pelos chineses Yuans, perseguiu todos aqueles ligados ou aliados aos chineses e
buscou rapidamente estabelecer novas relações diplomáticas com os Mings. Nesse sentido, Kongmin recuperou a
autonomia e boa parte dos territórios a nordeste que estavam sob a direção dos Yuans.
No âmbito interno, Kongmin, além de afastar a antiga elite pró-mongol, buscou restaurar os cargos oficiais para
aqueles da antiga aristocracia que haviam sido aprovados nos exames civis e determinados a defender a ideologia
renovada do neoconfucionismo. Os problemas externos persistiram. Chineses rebeldes, chamados de Turbantes
Vermelhos (em chinês, Hongjīn Qiyi, 紅巾起義 ), e piratas japoneses atacaram nas fronteiras ao norte e sul no
século 14. Em determinado momento, os Turbantes Vermelhos chegaram a avançar da península de Liaodong e a
saquear a capital coreana em Kaesong [865], enquanto levas de japoneses avançaram da costa para o interior.
Houve resistência de poderosas famílias aristocráticas contra os planos de reformas políticas de Kongmin que,
em último momento, explica o seu assassinato em 1374, aos 44 anos de idade. Para a posteridade, Kongmin será
lembrado pelo seu excepcional talento artístico e caligráfico.
E foi nesse cenário de guerras e conflitos que emergiram duas figuras militares, Choe Yeong (1316 – 1388) e Yi
Song-gye (1335 – 1408). Ambos revelaram ter grande senso estratégico, mas diferiram nos seus planos políticos
para o reino coreano. Choe Yeong descendia de uma próspera família aristocrática e sempre insistiu numa rápida e
decisiva invasão ao norte, na península de Liaodong, para impor a segurança nas fronteiras contra os chineses. Isso,
todavia, iria contra a dinastia chinesa Ming, algo que desagradava a Yi Song-gye, crescido nas regiões nordestinas e
ciente do complexo e frágil equilíbrio de forças. Assim, as duas ideias contrastantes representavam os dois veios
ideológicos coreanos da época, uma de cunho mais nacionalista e idealista, e outro mais realista e globalista.
Ganhando proeminência ao poder logo após a morte do rei Kongmin, Choe Yeong lançou ofensivas para a
Manchúria em 1388. Yi Song-ye, reagiu e usou essa expedição como pretexto de uma rebelião a ser condenada e
perseguida. No verão do mesmo ano, Yi Seong-gye desceu das regiões norte e atravessou o rio Yalu para chegar à
Kaesong com seu exército. A capital e boa parte dos funcionários neoconfucianos da elite receberam o novo
comandante como herói a renovar o reino em turbilhão. As esperanças era de que Yi Seong-gye iria erradicar a
corrupção e o sistema de privilégios das famílias aristocráticas. De fato, Yi Seong-gye, uma vez no poder, passou a
implementar uma séria de reformas agrárias em 1391, apoiado por oficias neoconfucionistas. Foram implementadas
leis fundiárias, em que as propriedades de terras foram classificadas e designadas a proprietários de acordo com o
que poderia ser tributado. Assim, o estado poderia afastar o poder e riqueza das tradicionais e rivais famílias
aristocráticas, aumentar seu poder de tributação e ter maior controle e poder sobre quem era o proprietário, o fiscal e
a mão-de-obra militar e civil. Isso se deu em cima de um cenário de desordem coreana nos anos anteriores, em que
muitas propriedades eram controladas por aliados aos mongóis e instituições religiosas budistas isentas de impostos
(nongjang) [866].
Essas reformas foram amplamente defendidas pela classe de neoconfuncianos no aparelho do funcionalismo
estatal, conhecidos como sadaebus. Sob essas leis, os reformistas pretendiam redistribuir todas as terras de acordo
com um novo sistema hierárquico burocrático, a excluir a antiga classe aristocrática. Os antigos templos e mosteiros
e toda a classe budista, beneficiados no passado por terem sido aliados à Dinastia Koryo, também foram alvos dessa
reorganização, passando a ser objeto de cobranças fiscais e vistos como decadentes e corruptos.
Entre os mais proeminentes neoconfucionistas da época destacou-se Jeong Mong-ju (1337 – 1392). Nascido em
família aristocrática, esse erudito defendia a reforma do estado a combater as mazelas e privilégios do passado e
passou a valorizar o corpo burocrático selecionado pelos rigores dos exames de admissão. Como Yi Seong-gye, era
anti-budista e realista na política externa e entendia que somente uma paz com os chineses da Dinastia Ming poderia
fornecer ordem para a consolidação do reino coreano. No entanto, o erudito se opunha a mudanças dinásticas na
península coreana, ideia apoiada entre os partidários de Yi Seong-gye. Pois acreditava no princípio confuciana de
wangdo (princípio do soberano, da retidão) [867] que proibia qualquer ato de deslealdade dos súditos diante da
autoridade do rei. Sendo assim, foi opositor de qualquer golpe a favor do grupo de Yi Seong-gye e de mudança
dinástica. Derradeiramente, Jeong Mong-ju foi calado e assassinado em 1392 por cinco homens num banquete em
Kaesong. Suas convicções e lealdade ainda ecoam nas linhas de seu mais conhecido poema coreano (sijo),
Dansimga (“Canção da Lealdade”):
Embora eu morra e morra novamente por cem vezes,
E se meus ossos se transformem em pó, e se minha alma permanece ou não,
Sempre fiel ao meu Senhor, como esse coração vermelho pode desaparecer?
(tradução nossa) [868]

Outra figura foi um filho de Yo Seong-gye, Yi Bang-won (1367 – 1422), que serviu também como funcionário
do estado e era um literato neoconfuciano. Mas sua lealdade antes se dirigiu ao seu pai e contribuiu grandemente
para a mudança dinástica, acusando os oponentes políticos e confrontando os argumentos contrários fundamentados
de Jeong Mong-ju. Defendia que as mudanças deveriam ocorrer quando há injustiça e desordem no reino,
fundamentado nos escritos confucianos. No plano político, adveio o momento decisivo em 1392. Foi quando as
forças e partidários de Yi Seong-gye ocuparam a capital e destronaram o rei Gongyang (r. 1389 - 1392) que fugiu
para a cidade de Wonju (e depois onde seria assassinado juntamente com todos de sua família). Apoiado por
neoconfucianos reformistas e militares, Yi Seong-gye foi entronizado em 5 de agosto de 1392 como o primeiro rei
da Dinastia Joseon (ou Choson), sob o venerável nome de Taejo (r. 1392 - 1398).
Mapa - O reino de Joseon no início do século 15 e sua capital Hanyang.

Embora os eventos tenham sido dramáticos, não houve significativas perdas humanas e conflitos. A dinastia
provaria ser uma das mais longevas da história asiática, pois teria seu termo apenas em 1910. E seu nome, Joseon,
foi decidido após consultas com eruditos neoconfucionistas coreanos e chineses, nome que remetia ao antigo reino
de Dangun, o lendário fundador do primeiro reino coreano situado no terceiro milênio antes de nossa era. Em 1394,
a capital da nova dinastia foi mudada para Hanyang (“Fortaleza no rio Han”, 한성 ), na região central da península
coreana e perto da foz do rio Han [869], abandonando-se a antiga Kaesong. Em dias atuais, uma vibrante megalópole
de 20 milhões de habitantes, Seul. Há relatos de que quando fundada, demorou-se anos para cercar com magníficas
muralhas de 17 km de extensão e 6 metros de altura cujas quatro entradas apontavam para os pontos cardeais. Atrás
dos muros, tudo foi construído conforme um planejamento urbano e respeitoso aos princípios da geomancia do feng
shui [870].
Uma vez no poder, o rei Taejo buscou conselheiros e ministros para ampliar e consolidar suas reformas no
estado. O mais influente desses, até 1398, foi Jeong Dojeon (1342 – 1398), um fervoroso neoconfucionista e anti-
budista. Uma vez nomeado como o principal ministro no Conselho de Estado, instância de poder logo abaixo do
monarca, buscou implementar um sistema que seguisse os preceitos clássicos da obra confuciana Zhou Li (“Os Ritos
Zhou”). Jeong Dojeon acreditava que somente um sistema político baseado no pleno poder soberano do rei, a ser
apoiado por uma classe de letrados treinados nos ritos e pensamentos neoconfucianos, poderia ser o ideal. E
enfatizava nisso que o monarca deveria ter seus deveres com a ordem cósmico e dos céus, a ser correspondido por
seus súditos em forma de dedicação, obediência e lealdade, tal como numa relação de pai e filho.
Com tal ardor visionário, seria natural supor que teria oponentes no poder. E foi assim que se tornou vítima fatal
no processo de sucessão ao trono real, quando apoiou um outro substituto ao trono rival a Yi Bang-won, ou Taejong
(r. 1400 - 1418), que se tornou no terceiro soberano da dinastia.
Não obstante a visão de Jeong Dojeon, os ideais neoconfucionistas foram na maioria realizadas no processo de
sucessão e de poder em toda a dinastia. Numa perspectiva atual, a dinastia Joseon foi um estado monárquico
autoritário, cujo poder concentrava-se em torno da figura do rei e de seus mais altos funcionários públicos,
conhecidos como yangbans( 양반 ). O monarca exercia autoridade absoluta sobre seus súditos, mas delegava, assim
como na visão de Jeong Dojeon, o exercício da autoridade à classe de burocratas aprovados nos disputados exames
públicos (kwago ou gwageo, 과거 ). Nas províncias, havia uma elite local (hyangni) que foi destituída da sua antiga
condição de classe senhorial de terras, e que serviam como subordinados ao serviço dos magistrados yangbans
locais enviados da capital. Para evitar poder excessivo, cada magistrado tinha um tempo de mandato limitado no
local.
A mobilidade social era limitada entre várias formas. Além do duríssimo sistema de exames públicos a ser
superado, excluía-se da condição de candidatos os concubinos e seus descendentes. E havia escolas especialmente
preparatórias para os candidatos, cujos custos de estudo e tempo de dedicação restringia, efetivamente, os exames
apenas a uma elite na capital e nas províncias. Uma vez aprovado no kwago, o funcionário deveria jurar lealdade e
dedicação ao monarca, que delegaria as suas funções e ganhos de acordo com sua hierarquia burocrática. No período
inicial da Dinastia Joseon, havia apenas estimado 10% da população como yangbans. E esses poderiam depois
seguir carreira civil ou militar, de acordo com as predileções e necessidades do momento.
Esse sistema de funcionalismo perdurou até o início do século 20, ordenando e sustentando toda a estrutura do
estado e autoridade. A condição do yangban era de prestígio e sua fama atingia toda sua família e vila. Tal como na
China, era comum casos em que vizinhos e próximos fossem pedir e pleitear algo para familiares desses notáveis
membros. No alto escalão burocrático, os apontamentos pessoais e políticos eram mais evidentes. Muitos altos
oficiais eram escolhidos por grupos civis e militares que disputavam a preferência do monarca. Como exemplo,
havia uma longa lista de membros de yangbans que esperavam suas recompensas e promoções por méritos e
senioridades, conhecidos como kongsin. E essas listas eram priorizadas de acordo com as mudanças políticas do
Conselho de Estado e do rei. Apesar desse sistema de favorecimento, o funcionário médio e iniciante tinha liberdade
para exercer suas funções sem interferências de cima, e possibilidade de se dedicar às letras e artes, assim como o
mandarinato na China. Na figura do rei, a dedicação aos registros e crônicas de estudiosos confucianos do estado
garantiram a detalhada anotação de suas obras e feitos para a posteridade. Esses registros seriam compilados na
grandiosa obra, “Anais da Dinastia Joseon”, que ainda hoje existe graças ao seu cuidadoso armazenamento através
dos tempos, em inúmeros volumes desde 1413 até 1865, um dos maiores tesouros nacionais da Coreia.
A figura do líder ideal confucionista por vezes foi correspondida por alguns soberanos de Joseon. O quarto rei,
conhecido como Sejong, o Grande (r. 1418 - 1450) (fig.) certamente foi um deles. Entronizado em 1418, Sejong
consolidou a ordem e grandeza do reino coreano, numa época em que a China dos Mings se estabeleceu em todo o
leste asiático e as boas relações com os chineses foram mantidas e reforçadas, além da natural afinidade ideológica
confuciana. Sejong se beneficiou por ter tido um antecessor, o rei Taejong, que eliminou os impedimentos e
rivalidades políticas. Ademais, Sejong teve experientes e veteranos oficiais e funcionários como conselheiros e
ministros.

Fig. – Estátua de Sejong, o Grande, na Praça Gwanghwamun em Seul.

Na política externa, Sejong avançou ainda mais ao norte, entre os povos jurchens, ancestrais dos manchus, e ali
estabeleceu uma série de fortes e postos de observação. Isso decorreu de sua eficiente política militar e de
segurança, que buscou favorecer as opiniões nacionalistas de seus conselheiros mais graduados, além de ter
fomentado incentivos para inovações técnicas no campo bélico como na inovação de canhões e meios mais
eficientes de armas de flechas, morteiros e armas de fogo. A ofensiva coreana ao norte foi coroada de sucesso depois
das campanhas do general Kim Jongseo (1383 - 1453) que empurrou as fronteiras até o rio Songhua.
Em maio de 1419, Sejong, sob o conselho e orientação de seu pai, Tejong, organizou uma ampla frente ofensiva
ao sul, chamada de Expedição de Gihae Oriental (em japonês, Invasão de Ôei), com o objetivo de desarticular a ação
de piratas japoneses a partir da ilha de Tsushima. O resultado foi mais de 200 japoneses mortos e mais de 100
feridos, com estimativas um pouco maior do lado coreano. Em setembro, a trégua adveio e foi assinado o tratado de
Gyehae, ao que o reino coreano conseguiu o pagamento de tributos do líder (daimiô) e seu clã de Sô da ilha de
Tsushima. Em troca, os coreanos prometeram manter as relações comerciais entre o Japão e a Coreia [871]. Após esse
tratado firmado, e com as relações cordiais mantidas com a China, a política coreana fundamentou-se no preceito
confucionista de Mêncio (372 a.C. – 289 a.C.), sadae gyorin ( 사대 교린 ), “relações de respeito aos grandes e boa
vontade com os vizinhos”. Em outras palavras, respeito à China, e política de boa vizinhança com o Japão, os
jurchens e as ilhas meridionais de Ryukyu e além no sudeste asiático. Foi esse princípio que serviu de base para a
política externa coreana durante os próximos séculos.
Para fomentar a cultura, as artes e o conhecimento, causas demandadas pela classe dos neoconfucionistas no
corpo dos funcionários e na corte, o rei Sejong promoveu a criação de institutos de debates e estudos, o Chipyonjon
(“Simpósio dos Dignos”), em que as mais capazes e brilhantes mentes coreanas se reuniram com frequência. Um
dos resultados mais notáveis desses encontros foi a criação de um sistema de escrita alfabética coreana de 26 letras,
o hangul, em 1446. Embora guardasse o venerado respeito à escrita chinesa que foi mantida como sinal de status e
erudição, o hangul foi proclamado pelo rei Sejong visando facilitar o acesso às letras pelas pessoas e criar uma fonte
de identidade coreana. No veio entusiástico das reformas culturais feitas, Sejong escreveu e publicou inúmeros
livros em hangul, muitos deles de traduções de obras clássicas chinesas sobre o confucionismo, budismo, ritos, ética,
agricultura e sericicultura (criação do bicho-da-seda). As publicações floresceram diante das melhoras notáveis da
impressão metálica. No campo dos estudos, foram aprimorados os estudos astronômicos, instrumentos de medição e
cálculo pluviométrico e de observação. Tudo isso estava relacionado ao vivo interesse de Sejong em promover e
melhorar a agricultura coreana. E, de fato, parece que a população coreana aumentou para cerca de 5 a 6 milhões de
pessoas no século 14.
Apesar desses avanços, o sistema de tributação do reino de Joseon apresentava problemas notáveis. Muitos
membros da sociedade começaram a ser isentos de cobranças. A classe dos yangbans tinham um pesado tributo que
era repassado à classe camponesa de suas propriedades. E quase um terço da população era de escravos, os nobi,
tanto do estado quanto particulares, que não tinham condições de serem cobrados além de suas pesadas obrigações.
O trono coreano em 1452 passou para Danjong (r. 1452 – 1455) que reinou por apenas três anos antes que seu tio
ambicioso tomasse o poder monárquico da dinastia de Joseon. Suyang (1417 – 1468), no seu processo de tomada do
trono, rebaixou a condição de Danjong para príncipe e depois mandou um irmão seu assassiná-lo juntamente com
seis membros partidários de sua causa da classe letrada neoconfuciana. Suyang, uma vez como rei, passou a ser
postumamente referido como rei Sejo (r. 1455 - 1468), e seu reinado passou por grandes questionamentos de
lealdades. Apesar disso, Sejong mandou compilar e codificar as legislações anteriores num novo código, o
Kyongguk taejon. Esse código estruturou o estado e a os estamentos sociais e econômicos da monarquia, baseados
nos escritos neoconfucianos e a favorecer a classe de letrados dos yangbans.
O golpe dado por Sejo foi motivo de acirrados debates e conflitos entre a classe confuciana, que acabou se
polarizando em dois campos partidários: aqueles que apoiaram o golpe defendendo o princípio da prevalência do
poder a prevalecer sobre a fragilidade do poder do soberano, contra aqueles que defenderam o princípio da regra de
direito, que enfatiza a legitimidade a não ser rompida e descontinuada por golpes. Entre esses dois grupos opostos,
seis eruditos partidários do rei deposto, Danjong, foram perseguidos e mortos em 1455. Esses passaram a ser
referidos como os “Seis Lealistas Martirizados” (sayuksin) e os outros seis eminentes eruditos contrários que
sobreviveram ficaram conhecidos como os “Seis Lealistas Vivos” (saenggyuksin).
Esses dois grupos de lealistas, com o passar dos tempos, passaram a se tornar figuras históricas de inspiração
para a defesa da monarquia de Joseon. Em fins do século 14, um novo grupo de letrados yangban, simpatizantes dos
lealistas martirizados, passou a defender com maior vigor o princípio do governo pelo direito e a acusar as tomadas
do poder por golpe como o fez o rei Sejong. Muitos desses eram de classes ascendentes, ingressos na classe dos
yangbans, e distantes das tradicionais famílias coreanas. Isso reflete a mudança da política educacional coreana no
século 14, que permitia mesmo nas províncias e distante da capital a candidatos alcançar o status de funcionário por
meio do mérito nos exames admissionais. A grande parte desses ingressantes vieram das regiões distantes do sul da
península, e se inspiraram nos versos de lealdade escritos por Jeong Mong-ju. Essa nova geração, de origens mais
humildes das províncias e do campo, passou a ser chamada de sarim, ou letrados rústicos.
A contrapor os membros do sarim, havia aqueles letrados que eram mais conservadores e defenderam o direito
da tomada do poder pela força, sublinhando a necessidade de um forte líder em tempos de crise e desordem. E foram
membros desses últimos, mais atuantes na corte e na capital que passaram a denunciar e perseguir os membros sarim
em uma série de expurgos em 1498, 1504, 1519 e 1545. Foram mais de 1500 literatos purgados, isso de acordo com
um historiador sarim que acabou ele mesmo sendo destituído de seu cargo público. E pertencente à mesma classe
dos letrados rústicos, Jo Gwangjo (1482 – 1520), tentou defender a ampla reforma do estado de Joseon a buscar as
puras virtudes confucianas sem privilégios e partidarismos (seonbi). Essas tentativas de reformas frustradas e
mantido o sistema de privilégios a favor dos partidários do rei acabou resvalando para rebeliões nas camadas
marginalizadas e no campo. Um desses líderes do interior, Im Kkeokjeong (? – 1562), filho de açougueiro,
organizou exércitos de leais, escravos, rebeldes e bandidos, que fustigaram e roubaram de viajantes abastados nas
estradas do interior [872].
Alguns grupos de yangban pertencentes ao sarim, os letrados rústicos, abandonaram qualquer pretensão política
e foram morar no interior, escrevendo, ensinando e estudando em locais remotos ou em grupos organizados
chamados de seowon ( 서원 ), espécie de escolas e mosteiros neoconfucionistas. Primeiramente fundado em 1542 na
instituição do Sosu Seowon, essas instituições depois cresceram em grande número para mais de uma centena ao
final do século. Há relatos de que havia mais de mil desses no século 19. E acabaram com o tempo se tornando nas
bases de poder dos intelectuais sarim pela Coreia. Apesar de ter um apelo da erudição e da construção crítica, muitos
estudiosos dessas instituições se voltaram para questões metafísicas, a buscar os princípios cósmicos e da inserção
humana na natureza, para longe do mundo social e político.
Nesse veio de efervescência neoconfucionista, surgiram várias figuras proeminentes intelectuais no reino
coreano. Entre eles, três se destacaram, referidos pelos seus pseudônimos: Hwadam (1489 – 1546), Toegye (1501 –
1570) e Yulgok (1536 – 1584). O primeiro deles enfatizou nos seus estudos a primazia da força material, qi( 气 ) em
chinês. Toegye, por sua vez, defendeu o primado do princípio, li( 礼 ) em chinês. E Yulgok buscou sintetizar as
ideias dos dois, a contrapor a força dos princípios contra os da ordem material, uma força de síntese entre o
idealismo e realismo no plano filosófico. E foram em cima dessas diferenças que boa parte da militância intelectual
e política se deu até o século 19 na península coreana. Gerações de membros dos yangbans, de origens diversas e
aprovados nos exames de admissão, organizaram-se em sociedades e grupos literários, pundang, cada qual a
defender suas convicções. A partir de 1575, essas divisões começaram a se manifestar na capital do reino,
basicamente se polarizando em torno dos chamados “ocidentais” e “orientais” pela localização de suas sedes em
Hanyang. A maioria dos “orientais” eram defensores dos princípios (li) acima das forças materiais, como
argumentou Toegye. Os “ocidentais”, por sua vez, seguiram a força sintética de Yulgok, a combinar o li com qi. A
partir da morte de Yulgok, em 1584, os partidários de Toegye passaram a predominar, e depois com o crescimento
de sua escola, a disputarem a primazia intelectual e política coreana até a segunda metade do século 19,
precisamente em 1871 pelo rei Daewon-gun (r. 1863 - 1873), quando os vários seowons foram declarados ilegais e
vistos como antiquados e ameaçadores ao poder coreano.
Nos anos finais do século 16, a ascensão de outro ambicioso líder guerreiro nas ilhas japonesas ao leste trouxe
consequências para a península coreana. Toyotomi Hideyoshi (1536 – 1598) fez sua notável carreira ao subjugar os
seus rivais pelo controle efetivo da maior das províncias japonesas. Satisfeito seu apetite no âmbito interno,
Hideyoshi então projetou seus planos para o outro lado do Estreito de Tsushima. Uma das razões para as invasões
sobre a Coreia foi a demanda crescente do mercado japonês de grãos, linho e algodão coreano, além dos estimados
artesanatos como as cerâmicas envidraçadas. Para tanto, Hideyoshi passou a exigir do reino Joseon uma retomada
maior do fluxo comercial, algo que tinha sido restringido há décadas depois da ação de piratas japonesas na costa
meridional coreana. A resposta desinteressada das autoridades coreanas provocou a ira e expedições começaram a
ser organizadas a partir de 1592. Além disso, havia a consideração do rei de Joseon em consultar as autoridades
chinesas Ming, já que mantinha com eles as devidas relações tributárias. Assim, Hideyoshi mobilizou cerca de 200
mil homens na primavera do referido ano, ano chamado de “Imjin” de acordo com o calendário chinês, e as tropas
japonesas sob o comando de Konishi Yukinaga, começaram a desembarcar em Pusan (ou Busan) na costa
meridional coreana [873].
De fato, o reino coreano não estava preparado para os eventos da guerra, pois há décadas vivia no sistema de paz
ordenado pelas autoridades chinesas no leste asiático. A classe dos yangbans e os escravos estavam isentos do
serviço militar e os camponeses e plebeus, pouco treinados e desmotivados. Por contraste, os japoneses eram
veteranos de combate depois de anos de guerra civil no período chamado de Sengoku Jidai, “Período dos Estados
Beligerantes” (c. 1467 – c. 1607) na história japonesa [874]. Apesar de terem o pleno domínio da produção de
canhões, o lado coreano pouco ofereceu de resistência inicial. Apenas três semanas depois de Pusan, os japoneses já
tinham ocupado a capital, Hanyang, que provocou a fuga do rei e sua corte para perto da fronteira com a China no
rio Yalu.
Desesperado, o rei coreano Seonjo (r. 1567- 1608) foi buscar então ajuda do imperador Ming para pedir reforços
e apoio. Depois de meses de hesitações, os chineses mobilizaram-se para a fronteira norte coreana. Isso ainda se deu
depois dos japoneses terem avançado ainda mais ao norte de Hanyang, saqueado a cidade de Pyonggyang em julho
de 1592 e ocupado todo o nordeste da península [875]. Depois de algumas batalhas inconclusivas, o lado japonês
ofereceu propostas de cessar-fogo, exigindo condições duras de paz. Os termos foram prontamente rejeitados pelos
representantes coreanos, pois negaram a presença e controle de japoneses nas estradas e no interior coreano. Foi
nesse sentido que a classe de letrados dos yangbans, parte deles sarim que viviam e atuavam no meio interiorano,
passaram a organizar com milícias locais forças de guerrilhas voluntárias. Embora não fossem treinados como a
classe dos samurais japoneses, esses guerrilheiros coreanos demonstraram um notável senso de lealdade confuciana
para o rei coreano e contra os invasores.
Não foi somente em torno dos guerrilheiros que se deu a resistência coreana. A frente marítima foi notavelmente
organizada por um dos comandantes da marinha na costa sul, que desempenhou papel decisivo contra a situação de
emergência coreana. O almirante Yi Sunsin (1545 – 1598), apesar de nunca de ter tido antes experiência no mar, foi
depois comparado a grandes líderes navais na história como o almirante inglês Horatio Nelson (1758 - 1805).
Visando conter as frequentes incursões de piratas japoneses, ele passou a usar navios inovadores de guerra, feitos de
madeira e ferro, depois chamados de Navios Tartaruga (geobukseon, 거북선 ). Essas embarcações foram usadas em
várias ocasiões desde o século 15 ao 19 na história coreana, e eram característicos por serem revestidos com placas
de ferro e munidas de canhões.
Considerando que as tropas japonesas dependiam das linhas de suprimento ultramarinas para abastecimento, as
batalhas navais do almirante Yi, ao almejarem os navios japoneses durante as invasões de Imjin, foram
determinantes. Nas batalhas inicias, como as de Okpo e de Sacheon (1592) o almirante Yi conseguiu atrair a frota
japonesa para baías estreitas da costa sul da península (mapa). Depois do seu sucesso em batalha, foi nomeado em
1593 como comandante das forças navais coreanas de várias províncias meridionais. De fato, as proezas de Yi foram
tão impressionantes que mesmo os japoneses, na Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 realizaram rituais
cerimoniais a ele como um deus da guerra antes das batalhas no Estreito de Tsushima que aproxima a península do
arquipélago japonês.

Mapa – As campanhas do Almirante Yi Sunsin em 1592.

As mudanças na Guerra Imjin começaram a mudar nos meses iniciais de 1593, quando os chineses enviaram
tropas em grande escala para reconquistar as cidades coreanas de Pyongyang e Hanyang. Após impasses e
campanhas desgastantes para as forças japonesas, fustigadas pelas guerrilhas e vendo-se privadas do suprimento
naval, apresentaram possibilidades de negociações. No verão de 1593, foi declarada uma trégua entre as partes
conflitantes. A ajuda primordial dos chineses Mings não seria esquecida pelos coreanos. Mesmo assim, a condição
de paz não satisfez por completo nem a ambição de Hideyoshi, nem os Mings reconheceram o poderio crescentes
dos japoneses sobre os coreanos, considerados como tradicionais parceiros e aliados tributários.
Depois de quatro anos, em 1597, as negociações ainda estavam pendentes. Para os generais japoneses, Yi
Sunsin, agora comandante supremo de todas as forças navais coreanas, era considerado com respeito e temor. Para
tentar contornar o almirante, os japoneses chegaram a enviar espiões para fornecer-lhe informações e pistas erradas
da localização das forças invasoras japonesas. Dotado de senso militar e veterano de guerra, Yi soube não confiar
nas fontes passadas, e foi considerado por muitos da corte de Joseon como desprovido de bom senso e, assim, foi
destituído de seu cargo de comandante. As consequências disso foram evidentes, a marinha coreana passou a
apresentar claros problemas de comando e coordenação de sua frota. Sem comando, os navios japoneses passaram a
desembarcar na costa coreana, resultando em avanços terrestres japoneses contra as forças chinesas e coreanas.
Ciente da grave situação, a corte coreana voltou atrás e nomeou Yi Sunsin novamente como comandante
supremo da marinha. Yi, uma vez de volta ao cargo e conhecendo o número de navios em operação buscou fazer o
impensável. Tinha apenas 12 navios de guerra sob seu comando a enfrentar mais de 50 dos japoneses. A batalha
naval de Myeongnyang ocorrida em fins de outubro de 1597 talvez seja considerada como uma das mais heroicas da
história naval . Diante das condições adversas e com inferioridade numérica, Yi conseguiu fazer uso do
conhecimento geográfico das baías e estreitos da costa sudoeste coreana para enfrentar os japoneses em mar. Os
relatos históricos em tempos posteriores não entram em consenso sobre os números japoneses. Mas o fato é que Yi
Sunsin enfrentou um adversário superior em número e conseguiu a proeza de ter vencido com todos os seus 12
navios, concentrados em pontos estratégicos em passagens estreitas e no conhecimento das correntezas. Após
algumas semanas, e com a aproximação do inverno, os japoneses aceitaram com humilhação a derrota naval. A
vitória de Yi Sunsin permitiu as forças terrestres chinesas e coreanas avançar e atacar os soldados japoneses na
península [876]. No ano seguinte, em 1598, Hideyoshi chegou a falecer, e não houve mais nenhum plano das
autoridades japonesas de invasão coreana.
A Guerra Imjin, ao final, devastou boa parte da Coreia de Joseon, causando milhares de mortos e dezenas de
milhares de prisioneiros além de incontáveis templos, mosteiros, palácios e tesouros culturais destruídos ou
pilhados. Nesse quadro desolador, houve uma intensa troca e interação populacional entre coreanos, chineses e
japoneses como em poucas ocasiões na história do leste asiático. Estimados 200 mil japoneses e aproximadamente o
mesmo de chineses passaram pelo solo coreano. Muitos soldados Ming, por exemplo, se estabeleceram na península
e casaram-se com a população local, formando gerações posteriores de descendentes. Muitos prisioneiros de guerra
japoneses depois naturalizaram-se e também formaram vínculos com comunidades coreanas. E muitos coreanos,
nessa grande e trágica empreitada da guerra, deslocaram-se e se assentaram no exterior. Dezenas de milhares foram
trazidos e refugiaram-se no arquipélago japonês, muitos como prisioneiros, sendo que alguns inclusive desses
tornaram-se escravos e depois foram negociados com mercadores portugueses em fins do século 16 [877].
Entre esses coreanos expatriados no Japão, muitos foram depois valorizados pelo conhecimento erudito e
artesanal pelos senhores latifundiários japoneses (daimiôs) que os recompensaram com cargos e generosos
estipêndios. O renascimento neoconfuciano japonês do século 17 em grande parte se deve a eruditos e letrados
coreanos que se tornaram professores e tutores da classe aristocrática. Isso gerou curiosidade e demanda maior por
obras e estudos dos clássicos dos pensamentos de Confúcio e seus seguidores, além do conhecimento renovado em
agricultura, astronomia e medicina botânica. O conhecimento da imprensa coreana certamente influenciou o
alastramento de publicações japonesas.
Entre os artesãos coreanos, foram particularmente valorizados os ceramistas. Há muito existia o gosto nipônico
pelas cerâmicas envidraçadas coreanas e chinesas entre as classes privilegiadas, e isso foi objeto de ganância entre
os produtos pilhados dos piratas japoneses. A demanda por essas obras foi incrementada com a popularização do
budismo zen que apreciava as peças de cerâmica nas suas cerimônias, especialmente a do chá, o chadô( 茶道 ). Foi
decorrente disso que ceramistas coreanos deixaram como herança indústrias e técnicas de fabricação entre seus
descendentes no norte da ilha de Kyushu que, posteriormente, iria frutificar na produção das belas porcelanas Arita
[878]
. Curiosamente, enquanto aumentava a demanda e apreciação dos tradicionais vasos cerâmicos envidraçados
azul-esverdeados pelos japoneses, na península coreana o gosto começou a apreciar mais as cores amareladas e
cinzentas em porcelanas brancas (baekja) (fig.) a atender o interesse da classe yangban da Dinastia Joseon. Essa
mudança talvez se explica por atender aos preceitos confucianos da frugalidade e sobriedade [879].

Fig. – Porcelana baekja, apreciada pela elite coreana do século 17.

Passados aproximadamente meio século, em meados do século 17, os jurchens na fronteira norte da península
coreana começaram a consolidar e expandir sua presença na região da Manchúria e partes do norte da China.
Depreende-se disso que a Dinastia Ming se encontrava fragilizada e dividida politicamente, algo que amplificou as
ações de lideranças rebeldes no âmbito interno e nas fronteiras. Ao oeste, povos muçulmanos passaram a se rebelar
sob o comando de Milayin e de Ding Dougong contra o governador regional da província de Gansu e chegaram a
ocupar a capital chinesa, Lanzhou em 1646 [880]. Apesar dos dois líderes chineses muçulmanos terem sido
capturados, novas rebeliões estouraram em 1650 resultando em consideráveis baixas. Ao sul, os rebeldes chineses
foram inspirados a fundar uma nova linha dinástica Ming, a costa chinesa foi controlada por um talentoso pirata
chamado de Zheng Zhilong (1604 - 1661) cujo filho, Zheng Chenggong (ou Coxinga), foi adotado pelo imperador
local e que depois fundou um reino chinês separado na ilha de Taiwan em 1661 graças à sua vitória sobre os
holandeses.
Os problemas dos anos finais da Dinastia Ming na China foram ainda mais sérios nas suas fronteiras ao norte. Os
jurchens, agora referidos como manchus, tinham conquistado a península de Liaodong em 1616 sob a liderança de
Nurhaci (r. 1616 - 1626) que proclamou o reino tardio de Jin, ecoando a antiga soberania. Feito isso, Nurhaci se
encontrou na posição de avançar contra o império Ming que estava em decadência. Na corte coreana, o grupo dos
yangbans mais pragmáticos dominaram as decisões políticas e conseguiram a atenção do rei Yi Hon (r. 1608–1623)
e passaram a adotar uma postura de neutralidade em relação aos conflitos dos manchus e os Mings. Em 1623, houve
um golpe de poder e foi entronizado o rei Yi Jong (postumamente chamado de Injo) (r. 1623–1649) que passou a
apoiar aqueles partidários neoconfucionistas mais ortodoxos que insistiam na lealdade irrestrita aos Mings. Com isso
foi criada a situação que Nurhaci usou como argumento para as invasões dos manchus ao reino coreano em 1627.
Os eventos na China tornaram-se terminais para o império Ming quando em 1636, o filho e sucessor de Nurhaci,
Huang Taiji (r. 1626 - -1636; 1636 - 1643) proclamou sua dinastia como verdadeira sucessora do império chinês e a
renomeou como Qing, “Pura”. Diante disso, as autoridades coreanas inicialmente se recusaram a reconhecer a nova
soberania e suserania chinesa. E assim tiveram que enfrentar novas invasões de centenas de milhares de manchus,
mongóis e aliados em 1636. Em cinco dias, a capital coreana, Hanyang foi ocupada e rendida às forças invasoras
que provocou a fuga do rei Yi Jong e de sua corte para as montanhas nas cercanias em Namhansan. Depois de um
mês e meio, o rei coreano decidiu se render e, humilhado, se prostrou por nove vezes em frente ao imperador
manchu, Huang Taiji, e se declarou como vassalo (ou irmão menor, sadae) da nova dinastia chinesa na assinatura do
tratado de Samjeondo [881].
A Guerra Imjin e as invasões manchus trouxeram consequências profundas no reino coreano da Dinastia Joseon.
As devastações da guerra foram assinaladas, mas a maior mudança política se deu na China, onde a Dinastia Ming
caiu diante dos manchus em 1644. No Japão, igualmente, houve mudanças políticas centralizadoras desde a morte
de Toyotomi Hideyoshi em 1598. Suas ações esgotaram os recursos do estado e enfraqueceu consideravelmente sua
rede de lealdades, permitindo a ascensão de um outro líder japonês após a batalha de Sekigahara em 1600 que
estabeleceria uma dinastia de xoguns (bakufu) no Japão, Ieyasu Tokugawa (1543 - 1616)[882]. Em termos de política
externa, o reino coreano posicionou-se como vassalo e tributário da nova China dos Qings (manchus), e o Japão
buscou cada vez mais restringir os contatos com os estrangeiros a partir dos decretos de 1635 (sakoku) na província
meridional de Satsuma e da ilha de Tsushima. E foi pelo representante desta última ilha o único contato oficial
permitido por séculos entre a corte coreana e as lideranças japonesas, na cidade portuária de Pusan [883]. Estava
implícito nas relações com os japoneses, portanto, que os coreanos eram os mais próximos e legítimos herdeiros dos
valores confucionistas e precedência nos protocolos de estado, visto que o rei coreano seria recebido na capital do
xogunato, Edo (atual Tóquio), enquanto o maior representante japonês, o senhor de Tsushima, apenas num bairro da
comunidade mercantil japonesa de Pusan. Nesse veio, os coreanos, até mesmo a desconsiderar os manchus como
bárbaros diante dos tradicionais valores chineses dos Mings, começaram a se considerar como os únicos e legítimos
herdeiros civilizados no leste asiático a partir de meados do século 17.
Japão (Do Período Edo à Era Meiji - 1603 - 1912)

O Período Edo e a Dinastia dos Tokugawas (1603 – 1868)


Durante o período da regência do filho de Hideyoshi, Hideyori, Tokugawa Ieyasu (fig.) figurava entre os homens
mais ricos e poderosos do Japão. Tinha sob seu controle as vastas planícies férteis da região oriental da ilha de
Honshu, em Kantô, e inúmeros aliados. Mas seus planos foram além. Durante os dois anos seguintes à morte de
Hideyoshi, em 1598, Ieyasu começou a buscar mais aliados descontentes com a sucessão de Hideyoshi. E,
fortalecido, foi assediar a residência de Hideyori, ocasião em que assumiu o controle do castelo de Osaka, em 1599.
Fig. – Ieyasu, o primeiro xogum Tokugawa.

Os eventos irritaram alguns daimiôs resistentes que buscaram se articular em torno de Ishida Mitsunari (1561 -
1600) que tentaram emboscar Ieyasu, mas as notícias chegaram antes aos ouvidos de alguns generais de Ieyasu. Por
pouco, Mitsunari conseguiu fugir de uma represália, surpreendentemente pela clemência ou estratégia do próprio
Ieyasu. Dali em diante, o Japão polarizava-se em dois campos rivais: aqueles do grupo de Mitsunari, o Exército
Ocidental, e o Exército Oriental, anti-Mitsunari, que contava com o apoio de Ieyasu e aliados.
Os eventos culminaram numa das mais importantes batalhas da história do Japão, na batalha de Sekigahara (fig.).
Ieyasu e seus aliados planejaram disciplinar alguns ex-aliados do seu Exército Oriental, o clã de Uesugi, que
supostamente estavam conspirando contra Ieyasu. Mas antes de chegar ao domínio desse clã insubordinado, Uesugi
Kagekatsu (1556 - 1623) reforçou suas bases e militares. Quando Ieyasu exigiu que Kagekatsu fosse a Quioto se
explicar, um assessor dos Uesugis respondeu com uma mensagem que foi considerada como um insulto e violação à
lealdade de Ieyasu e aliados.

Fig. – A Batalha de Sekigahara, 1600.

Aproveitando o momento de distração e desunião entre os aliados do Exército Oriental, Mitsunari mobilizou seus
aliados para ir contra as forças de Ieyasu. Foi então que, em Sekigahara, em 21 de outubro de 1600, as forças dos
dois exércitos se enfrentaram, com um total de 160 mil homens envolvidos em campo. A fortuna favoreceu a Ieyasu,
líder do Exército Oriental, na batalha, e os aliados de Mitsunari foram capturados e mortos [884]. Ieyasu tornava-se o
senhor inconteste de todo o Japão.
Logo após a vitória, Ieyasu passou a redistribuir os domínios de terra para seus aliados e vassalos. Deixou boa
parte dos daimiôs ocidentais conforme a tradição anterior, como o clã dos Shimazus, pois não pretendia perturbar a
ordem ainda tão delicada na região em que muitos tinham nutrido simpatia a Mitsunari. Mas sobre outros mais
problemáticos, como no caso do filho de Hideyoshi, o jovem Hideyori, perdeu a maior parte de seu território e
fortalezas. Os territórios mais preciosos foram alocados ao controle de Ieyasu, cerca de um quarto de todas as
propriedades latifundiárias do Japão. Nos anos seguintes, os aliados daimiôs que tinham prometido lealdade a Ieyasu
antes da batalha de Sekigahara, os chamados fudai (26% do total) foram os mais beneficiados com maiores
extensões territoriais e de localização estratégica, além daqueles ligados por sangue ao clã dos Tokugawas,
considerados como os shinpan (10% das terras). Os que juraram lealdade após Sekigahara, os chamados tozama
(38% restante) foram relegados a um status inferior e foram alocados a propriedades marginais [885].
Em 24 de março de 1603, Ieyasu Tokugawa, aos 60 anos de idade, após as devidas negociações e protocolos e
evocando ser descendente distante dos Minamotos, foi consagrado com o título de xogum das mãos do imperador
Go-Yozei (1571 - 1617). Ieyasu viveu até os 73 anos de idade, e faleceu em 1616 talvez de sífilis ou câncer, e foi
postumamente deificado como o nome budista de Grande Gongen, Luz do Oriente, um espírito divino (kami) a
salvar seres vulneráveis e sensíveis como os idosos, crianças, doentes e animais. Seus filhos e descendentes
sucederam-no ininterruptamente como xoguns até o último dos Tokugawas, Yoshinobu, cair do poder em 1868.
A ascensão de Ieyasu ao poder no Japão significou nos próximos dois séculos e meio em uma reformulação da
estrutura do estado japonês, todo centrado na capital, que fora mudada mais para a região oriental na planície de
Kantô, na cidade de Edo (atual Tóquio) e mantida a tradição da família imperial. Foi consolidada uma estruturação
política muito mais unitária e abrangente, conferindo ao Japão até meados do século 19 uma coesão nacional
extraordinária. Em nível local, os domínios territoriais recenseados (han, 藩 ) passaram a ser delegados a daimiôs,
que somavam cerca de 200 na época, sob regras rígidas advindas da capital. E nesse esteio, foi um período de
mudanças sociais gradativas a partir do crescimento agrícola, urbano e comercial, conjugado com uma política de
isolamento (sakoku, 鎖国 ) com relação ao estrangeiro.
A distribuição e alocação das terras de Ieyasu serviram para estabelecer a fidelidade e dependência dos daimiôs
ao governo bakufu. Mas o daimiô ao mesmo tempo era obrigado a reportar ao xogum em Edo, e mesmo atender a
demandas regulares de recursos e homens para a construção de castelos, estradas, postos e outras obras de
infraestrutura pelo reino. Ademais, era compulsória a presença do daimiô e de sua família, inclusive os seus filhos,
na capital Edo, durante alguns meses por ano (sankin kôtai). Visando com isso criar vínculos entre as famílias dos
daimiôs com o bakufu. Casamentos entre essas famílias dos daimiôs deveriam ter a aprovação do xogum. No campo
da administração e justiça, o daimiô tinha ampla autonomia nos seus domínios, sendo exigida pela autoridade central
a entrega dos impostos, recursos e homens quando solicitados pelo governo central. Em suma, Ieyasu buscou
equilibrar a autoridade central com certa autonomia local. Essa relação política é referida no termo, bakuhan
(“autoridade dos senhores locais”), mesclando a autoridade central, bakufu, com o dos os daimiôs.
No campo econômico, houve um remanejamento o sistema produtivo em relação às décadas anteriores. Os
camponeses deveriam trabalhar e cultivar a terra e entregar boa parte de seus produtos para as classes dominantes
locais (daimiôs) que por sua vez deveriam atender a cotas de imposto estabelecidas pelo xogum. Os artesãos
deveriam usar suas habilidades para a criação de itens necessários como instrumentos, armas e manutenção em
forma de serviços prestados no han. Os bens não poderiam ser comercializados livremente, apenas por meio dos
comerciantes, casta mal considerada pelos valores tradicionais do confucionismo e do xintoísmo por não
contribuírem concretamente ao país, apesar de necessários ao sistema econômico.
O período inicial dos Tokugawas no início do século 17 até meados do século 18 apresentou um crescimento
econômico significativo e sustentado no Japão. Esse crescimento ocorreu principalmente a partir do setor agrícola,
no melhor uso das terras, inclusive daquelas antes ignoradas e inférteis, e de fertilizantes. Os dados entre 1600 e
1720 mostram um aumento de 60% da produção agrícola no Japão [886]. O comércio e o mercado também
apresentaram um aumento de atividade, gerando um impulso ao crescimento urbano.
Essas mudanças geraram desconforto em algumas classes que acreditavam nas virtudes tradicionais,
principalmente entre os samurais de baixo status e sem títulos e propriedades, a quem era proibida de se engajar em
atividades comerciais e agrícolas. A muitos desses, restava-lhes apenas o ócio e os vícios nas grandes cidades em
crescimento como em Edo. Nisso se revela talvez a maior contradição do Japão Tokugawa, ou do Período Edo: na
discrepância entre que era objetivado no planejamento social e econômico e as mudanças produzidas pelo
crescimento econômico na sociedade. Boa parte do xogunato Tokugawa e dos daimiôs consideravam o Japão ainda
em termos tradicionais, em termos latifundiários e agrícolas. Restava às outras classes não-dominantes, comerciantes
e artesãos, um papel auxiliar nesse sistema ideal, e foram esses os que, com o crescimento urbano e comercial, mais
prosperaram ao longo do tempo dos Tokugawas.
O crescimento geral da produtividade agrícola gerou um aumento no bem-estar geral dos japoneses. Essa
tendência pode ser observada no aumento significativo da população durante o século 17. Embora os estudiosos
discutam sobre números exatos, a população total do Japão ao redor do ano 1600 foi provavelmente por volta de 12
milhões. A população no momento do primeiro censo nacional confiável realizada pelo xogunato em 1720 foi de
cerca de 31 milhões [887]. Esses dados indicam que a população mais do que duplicou em pouco mais de cem anos.
Isso poderia ter sido resultado por uma série de causas, incluindo o planejamento familiar entre os camponeses. Mas
o cenário populacional se estabilizou desde meados do século 18 até fins do século 19. A economia, no entanto,
continuou a crescer, levando a um superávit econômico. Esse excedente foi um dos fatores para a rápida
industrialização do Japão no final do século 19 e início do século 20.
O crescimento populacional e urbano proporcionou um incremento comercial e a intensificação dos contatos e
transporte, como ilustra a movimentada estrada Tokaidô, que ligava Quioto a Osaka e depois a Edo (Tóquio) a leste.
Nessa estrada, os nobres viajavam carregados em liteiras (kago). Ao longo do Tokaidô, havia uma série de postos do
governo para que os viajantes pudessem descansar. Essas estações consistiam em estábulos, além de hospedagem,
restaurantes e tabernas. Originalmente, no século 17, Tokaidô era composto de 53 estações. As cargas mais pesadas
eram transportadas pelas rotas marítimas que também foram expandidas sob os Tokugawas, principalmente a ligar
os centros comerciais e urbanos do leste ao oeste e sul das ilhas japonesas. Junto com o crescimento urbano e da
atividade comercial veio o uso monetário. Ieyasu e seus sucessores padronizaram a cunhagem das moedas. Nesse
sentido, houve um aquecimento do mercado nacional, em que determinadas áreas começaram a se especializar em
seus produtos cultivados ou produzidos.
O comércio e contato com o exterior, contudo, foram severamente limitados somente à cidade de Nagasaki, a
partir do Édito de Isolamento de 1636 [888]. Isso não impediu as províncias mais afastadas (dos tozamas), como
Choshu, Tosa e Satsuma na região meridional de Kyushu, mais próximas da península coreana, costa chinesa e ilhas
Ryukyu ao sul, de se envolverem (e prosperarem) com o comércio ilegal com estrangeiros. De fato, após a expulsão
oficial dos portugueses e de outros estrangeiros do solo japonês, os holandeses protestantes, que ajudaram na
perseguição contra os católicos no Japão, foram os únicos permitidos a partir de 1637 a permanecer por alguns
meses numa pequena ilha, Deshima, ao lado da cidade de Nagasaki (fig.). Assim permaneceu até meados do século
19, apesar dos contrabandos e inúmeras petições de aventureiros, náufragos e baleeiros estrangeiros em buscar
contatos duradouros com o Japão Tokugawa [889].

Fig. – Retrato dos holandeses confinados em Deshima, Nagasaki.

Voltando ao plano interno, no esteio do crescimento urbano e da rede de estradas, fortaleceu-se também no Japão
os castelos nos domínios dos daimiôs, congregando neles guerreiros servidores ao senhor local. Essa tendência foi
exacerbada pelas exigências de Ieyasu em exigir a presença constante dos daimiôs e suas famílias em Edo, fazendo
com que fosse necessário maior defesa e vigilância nas propriedades na sua ausência. Como resultado, surgiram
cidades a partir de castelos construídos (jokamachi) em fins do século 16 e 17, em que cerca de 90 novas cidades
surgiram. Essas novas cidades, ao redor de um castelo a defender a região e província aglomerou a presença de
guerreiros, comerciantes, artesãos e mercado agrícola, mudando o perfil urbano do Japão. Esses novos centros de
aglomeração passaram a exigir não somente mão-de-obra especializada, mas também produtos para manutenção e
obras, como telhas, carvão, madeira, palhas, pedras e fornos. Ao longo do tempo, essas aglomerações viraram áreas
urbanas, muitas ao longo da costa ou de estradas movimentadas como a Tokaidô (fig.).
Fig. – A estrada Tokaidô e as 53 estações, ilha de Honshu, Japão.

O crescimento da cidade de Edo foi um caso emblemático do processo de urbanização do Japão dos Tokugawas.
Quando Ieyasu a tornou sua capital em 1590, Edo ainda era apenas um remanso pantanoso de apenas poucos
habitantes na afastada região oriental de Honshu. Ieyasu, visando se afastar das influências e intrigas da corte em
Quioto, e assegurar melhor seus domínios na região de Kantô, mandou erguer um magnífico castelo xogunal. E para
tanto, houve o deslocamento de milhares de trabalhadores a derrubar as matas e floresta na região para a construção,
aterros e dragagem de pântanos e zonas marginais, a construir estradas, postos de governo, templos e santuários,
armazéns e depósitos. Já em 1600, Edo já era uma cidade limpa e organizada de cerca de 5 mil moradias. Dez anos
depois, a capital dos Tokugawas já tinha 150 mil pessoas, entre daimiôs e suas famílias, samurais e outros militares,
artesãos, comerciantes, administradores, sacerdotes, artistas e outros trabalhadores urbanos. Posteriormente, por
conta da presença compulsória dos daimiôs e seus funcionários, Edo inchou para 500 mil habitantes em 1657 [890].
Em 1720, a cidade já era a mais populosa do mundo fora da China, com uma população de cerca de 1,4 milhão.
Desses, meio milhão eram de samurais ociosos.
Em outras cidades regionais a partir de castelos construídos (jokamashi), houve também significativo
crescimento urbano. Kanazawa, centro de um extenso domínio (han) na costa do Mar do Japão, era uma vila de
poucos mais de 5 mil habitantes em 1580. Em 1710, cresceu para 120 mil pessoas. Nagoia era uma cidade pequena
no início do século 17 passou a ter 64 mil habitantes em 1692. Osaka, um importante centro estratégico ao longo da
estrada Tokaidô, passou de 200 mil pessoas em 1610 para 360 mil em 1700, e atingiu meio milhão em fins do século
18 [891].
Esse crescimento urbano teve diferentes impactos nas classes sociais. Os mercadores e comerciantes foram os
mais beneficiados dessas atividades, mas classes tradicionais como o dos samurais declinaram em importância na
sociedade. Pois recebiam estipêndios fixos, pagos em forma de arroz. Esses pagamentos eram baseados na
hierarquia do guerreiro e não acompanhavam as flutuações do preço de mercado. Ademais, com a crescente
monetarização da economia japonesa, os samurais passaram a ter que negociar sempre seus ganhos em forma de
arroz para dinheiro. O que acabava sendo controlado pelos preços fixados por mercadores nas cidades de Edo e
Osaka. Ou seja, os samurais em boa parte dependiam dos instáveis preços estabelecidos por mercadores.
E para piorar, a classe dos samurais era proibida de se engajar no comércio e agricultura, que poderia ser uma
outra fonte de renda, impossibilitando-os de prosperarem com o crescimento da economia. Nesse sentido, os
samurais começaram a gradativamente ter seu poder de compra diminuído, a se endividarem cada vez mais com
mercadores, um grande fator de humilhação social. E era esperado da classe dos guerreiros uma postura de
dignidade e roupagens adequadas (como o conjunto kamishimo) ao seu status, e o protocolo exigia sua conduta
apropriada – como presença em eventos sociais que demandavam o custeio de presentes – agravando ainda mais
seus orçamentos.
As autoridades dos Tokugawas estavam cientes disso, com relação aos samurais. Por isso, tentaram por várias
vezes elevar a figura do samurai como algo exemplar e nobre para a sociedade e escolas. E por definição, poucos
poderiam entrar para a classe samurai, conforme o rigor das leis estabelecidas pela Reforma de Kyoho no início do
século 18 e das Reformas Kansei na virada do século 19 [892]. Mas essas medidas não tiveram efeitos práticos
duradouros para a renda dos samurais. Pensadores reformistas, como o maior erudito confuciano da época, Ogyu
Sorai (1666 - 1728), propuseram mudanças radicais, como a possibilidade do samurai poder cultivar a terra, e dar
possibilidade de ascensão a samurais de baixa hierarquia com algum talento de ascender a posições de comando no
estado Tokugawa. Mas, no geral, os samurais tornaram-se numa classe decadente e ociosa nos centros urbanos, sem
maiores finalidades pois os conflitos e guerras no Japão foram em boa parte controlados desde Ieyasu.
Um dos casos mais emblemáticos a respeito da condição dos samurais na sociedade japonesa em mudança na
época se deu no chamado Incidente Akô (Akô jiken, 赤穂事件 ) no século 17, fonte de muitas histórias e lendas
populares. Nessa história, conta-se que 47 samurais – chamados de rônin, “samurais sem mestre” – foram buscar
vingar a morte de seu daimiô, o senhor de Akô, depois de ter sido forçado a cometer o seppuku. Apesar do regime
Tokugawa ter proibido mortes por vingança, os rônins prosseguiram na sua lealdade por 22 meses, cientes de que
teriam que se matar ao final de suas buscas. Eventualmente, os samurais encontram e matam o responsável pela
morte do senhor deles, se entregam às autoridades e executam o ritual do suicídio (seppuku). Um caso de lealdade
tradicional frente às mudanças dos tempos na sociedade japonesa. Essa lenda, entre outras, depois irá alimentar
outras sobre as condutas e valores ideais dos samurais no século 19.
A cultura popular urbana floresceu no período Edo ou dos Tokugawas, acompanhando o crescimento econômico
e urbano do Japão. A prosperidade nas cidades resultou numa geração de citadinos (chonin) a fugir do mundo da
política e buscar o hedonismo no estilo de vida e nas artes. A alta cultura, erudita e culta, embora tradicionalmente
pertencente às classes dominantes, começou a ganhar contornos mais populares nesse crescente cenário urbano. Em
Edo, durante o chamado Período Genroku (1635-1703), como em outros grandes centros, os prósperos mercadores
exibiam-se suas riquezas nas suas amplas habitações, vestimentas e estilos de vida, excedendo em muito a vida dos
samurais. A conter essa tendência, o governo em várias ocasiões, a conter a insatisfação dos samurais, emitiu leis
que proibiam o uso de tecido de seda e a construção de grandes e vistosas casas nos quarteirões dos mercadores.
Essas leis tiveram pouco efeito prático, pois o consumo era resultado da prosperidade daqueles que estavam
envolvidos nas atividades do mercado. Em meados do século 18, há várias representações populares de samurais
sendo retratados em situação de penúria, penhorando suas vestimentas e armas por dinheiro. E em outras, há
mercadores exibindo suas novas aquisições dos samurais endividados.
A prosperidade das cidades e das classes urbanas gerou uma explosão de áreas a atender as demandas por
entretenimento e diversão. Teatros, casas de chá, restaurantes, bordeis e artistas de rua (contadores de história,
malabaristas e cartomantes) deram um novo vigor à vida cultural das cidades. A prostituição frutificou nesses
ambientes, o que fez com que o governo dos Tokugawas buscasse controlar a atividade através de vigilância e
licenciamento. Os bordeis eram restritos a alguns bairros das cidades, referidos como os quarteirões licenciados,
como em Yoshiwara em Edo, apesar de ter havido sempre a prática ilegal da prostituição nas ruas (fig.). Era
proibido a presença dos samurais nesses locais de indulgência, pela exigência da moralidade de sua casta, o que não
os impediu de se disfarçaram com o uso de chapéus de palha e de não portar armas.
Havia também cortesãs (yujo) que não eram prostitutas comuns. Eram meninas instruídas e versadas nas várias
artes, música, dança e canto, a entreter a clientela exigente e conservadora. Algo que depois iria se popularizar como
as gueixas. As mais famosas dessas cortesãs eram respeitadas como artistas profissionais, a atuar em peças de teatro,
e retratadas em obras de ficção e artes visuais. Houve muitos casos de mercadores e samurais que se endividaram ao
levarem ao extremo esse tipo de vida devassa e indulgente, material que foi explorado por escritores e artistas do
período Genroku.

Fig. – O distrito de Yoshiwara, Edo, Período dos Tokugawas.


Esse período testemunhou, por demanda urbana, o crescimento de pinturas impressas de blocos de madeira,
ukiyo-e (“mundo flutuante”) [893], e a emergência de grandes escritores populares. Um dos exemplos foi Saikaku
Ihara (1642 - 1693) na ficção em prosa e Monzaemon Chikamatsu (1653 - 1725) no teatro. Saikaku era um
mercador de Osaka e poeta que passou a escrever ficção tardiamente em sua vida. A maioria de suas histórias retrata
a vida de pessoas comuns em Osaka, sobre casos de amor e dinheiro. Um dos seus livros mais famosos em prosa, “A
Vida de um Homem Sensual” (Kôshoku Ichidai Otoko) de 1682, a parodiar a obra clássica do século 11, “Os Contos
de Genji” (Genji Monogatari), foi um enorme sucesso de vendas, inspirando outras obras a retratar os valores das
pessoas com relação ao amor, lealdade, fidelidade familiar contraposto à ambição, luxúria e ganância nos ambientes
urbanos.
Monzaemon Chikamatsu, por sua vez, buscou se expressar em obras para o teatro, tanto para o kabuki (teatro
mais popular do que o Nô) e o bunraku (teatro de marionetes), compostos para serem acompanhados de canto e
instrumentos. Retratou-se em suas obras eventos contemporâneos como os distúrbios políticos em tradicionais
famílias de guerreiros (oiê sodô) e a retratar os conflitos entre regentes contra usurpadores do poder. Mais tarde, em
outra fase, Chikamatsu enfocou mais os dramas individuais de pessoas comuns, conflitos emocionais entre o dever
social e obrigação (giri) e os sentimentos humanos (ninjô) que por vezes resultava numa situação insustentável que
levava ao suicídio por amor (shinju), como retratado na sua obra “Duplo Suicídio em Amijima” (Shinju tem no
Amijima) de 1721, imensamente popular à época (fig.). Foi talvez o ponto de encontro entre o mundo dos citadinos
com as elites, nos conflitos entre a honra e sacrifício frente às tentações dos sentimentos e prazeres mundanos. Não à
toa, devido à crescente onda de suicídios em fins do século 17 e início do 18 fez com que o xogunato proibisse a
encenação de peças desse tipo (shinju) pois foram consideradas ofensivas à devida ordem familiar.

Fig.– Figura no estilo ukiyo-e de uma das cenas da peça “Duplo Suicídio em Amijima”, século 19.

A popularidade desses escritores e peças nos remete ao amplo acesso à escolaridade e habilidade de ler e
escrever dos japoneses nesse período. O Japão Tokugawa, assim como em outras partes do mundo à época,
apresentava um quadro diversificado e desigual da educação a depender da classe, profissão, gênero e região
geográfica. As elites, sacerdotes budistas e xintoístas, e intelectuais já apresentaram um grau de instrução
considerável desde o início do século 17. Tinham pleno domínio da escrita clássica, kanbun, com influência da
escrita chinesa, usada em discursos formais e oficiais. Esse segmento social também tinha familiaridade de obras
clássicas da literatura e filosofia chinesa e japonesa. Mas em fins do século 17, a alfabetização e o acesso ao
aprendizado nas escolas começou a se ampliar na sociedade. Líderes de vilarejo e citadinos, homens e mulheres, se
tornaram consumidores de literatura e arte popular, sendo cada vez mais críticos e exigentes no seu consumo
cultural.
A infraestrutura de educação popular no período Tokugawa se desenvolveu consideravelmente. O ensino
começou a sair das instituições religiosas e academias particulares para os espaços mais acessíveis. Nesse sentido,
uma criança urbana, em fins do século 17, teve grande chance de ter acesso a uma alfabetização básica. A demanda
por livros e publicações tiveram nesse período um forte crescimento, incrementando as atividades de imprensas e
editoras. Publicações de textos budistas e confucianos ainda eram de interesse restrito a elites, mas houve
significativa demanda por ficções ilustradas, guias de viagem, enciclopédias, almanaques, manuais e mapas.
Produzindo um amplo público leitor e consumidor no Japão.
Ainda é impreciso a percentagem de pessoas que eram alfabetizadas no Japão no período, e há controvérsia entre
os historiadores. Os dados disponíveis não são conclusivos, mas podemos supor com base em indicadores que havia
ampla alfabetização, a depreender do consumo e popularidade de algumas obras e peças nos centros urbanos. Entre
os samurais, que eram não mais que 7% da população, a alfabetização era quase universal e geralmente de alto nível.
Mas há relatos de samurais analfabetos, como no período tardio dos Tokugawas, no século 19, entre os de hierarquia
mais baixa e em situação de penúria.
O pleno domínio literário era um traço comum entre a elite dominante. O estado Tokugawa foi estruturado com
bases burocráticas, o que exigia de seus funcionários e administradores a manter registros detalhados. Os deveres
oficiais também exigiam uma intensa correspondência, entre samurais ou não, entre aqueles que ocupavam cargos
responsáveis da cidade ou da aldeia. Pesquisa recentes indicam, no entanto, que até o fim do século 17, cerca de 200
a 300 mil pessoas numa população total de 30 milhões de japoneses, ou seja apenas 0,1% da população, possuíam
pleno domínio matemático a cumprir seus deveres administrativos [894].
Abaixo dessa restrita elite havia os pequenos proprietários rurais, que variaram ao longo do tempo e região.
Provavelmente representava 50% da população agrícola em geral, sendo que a população agrícola abarcava por volta
de 90% da população total. A maioria desses pequenos proprietários podiam ler e entender as contas fiscais
calculadas pelos funcionários públicos da aldeia. Pois eles apresentaram queixas e petições às autoridades quando
necessários. Entre as classes populares urbanas, que era menos numerosa do que a população rural, a alfabetização
certamente era maior. As oportunidades educacionais eram mais acessíveis e os textos educacionais eram mais
disponíveis para os moradores urbanos. Nesse cenário urbano, a alfabetização das mulheres comuns urbanas era, em
particular, muito superior à das mulheres comuns rurais.
No plano ideológico e religioso, o regime dos Tokugawas caracterizou-se por uma busca dos princípios
confucianos da ordem social e lealdade hierárquica e familiar. O regente, o xogum, deveria ser considerado como o
céu acima de todos na terra, um pai a reger seus filhos que lhe devem piedade filial. Esse relacionamento seria
decorrente de uma ordem natural, não aberto a questionamentos humanos, algo que garantiu estabilidade e ordem no
reino, e imobilidade e rigidez social e intelectual.
Essa ideologia teve suas origens também no budismo. Assim que Ieyasu e seu neto, Iemitsu Tokugawa (1604 -
1651), terceiro xogum da dinastia, desarticularam as resistências de algumas ordens monásticas, o xogunato buscou
patrocinar e promover as instituições budistas pelo país, exigindo que os camponeses registrassem suas terras no
templo mais próximo. Ademais, a proteção do estado aos budistas foi uma estratégia de dessacralizar o imperador
que, por tradição do xintoísmo, religião própria do Japão com origens nos textos do Kojiki do século 8, era
considerado divino por descendência da deusa Amaterasu. E uma das vertentes do budismo, o zen, teve um
importante papel em promover a austeridade, estoicismo e desencorajar a dissensão e resistência entre a classe
guerreira e na sociedade em geral estratificada no sistema “shi-nô-kô-shô” [895].
O declínio e fim do Período Edo e dos Tokugawas
As causas do declínio do xogunato dos Tokugawas, ou do Período Edo, são múltiplas e foram se conjugando até
meados do século 19. A prosperidade no campo agrícola, crescimento da atividade comercial e urbana, e o
descontentamento das classes guerreiras, junto com o imposto isolamento ao mundo externo são fatores cruciais
nesse processo. Ao final dessa crise, a figura do imperador saiu das suas funções protocolares para ser figura de
inspiração de um novo regime no Japão.
Certamente, um dos fatores mais agravantes em fins do século 18 fora a situação decadente e marginal dos
samurais, especialmente aqueles de baixo escalão. Esses samurais há muito se encontravam endividados e
impedidos de se envolver em atividades agrícolas e comerciais. Além da penúria, muitos estavam ociosos nos
centros urbanos, pois as atividades militares foram pouco demandadas pela ordem e estabilidade garantidas pelo
bakufu dos Tokugawas.
À margem do centro decisório também estavam aqueles daimiôs dos domínios marginais, tozamas, que incluía
poderosos e prósperos domínios como os de Satsuma, no sul da ilha de Kyushu, Choshu, no extremo oeste da ilha de
Honshu e Tosa em Shikoku. Esses domínios prosperaram em seu comércio com o exterior, com a península coreana
e o restante da Ásia e ilhas meridionais, mesmo que essa atividade fosse banida pelas autoridades em Edo. Havia
pois um descompasso entre aqueles mercadores prósperos das regiões meridionais e ocidentais do Japão, juntamente
com a marginalização social de samurais de baixo escalão, e aqueles da elite latifundiária e militares de alto escalão
com o regime dos Tokugawas.
A situação de crise se agravou com os acontecimentos das primeiras décadas do século 19. Na década de 1830,
várias colheitas foram desastrosas pelo país, resultando em fome, entre 1833 e 1837, doenças e morte generalizada
no campo, especialmente na região mais pobre do Japão, o nordeste. Os funcionários do bakufu não conseguiram
aliviar adequadamente os efeitos da crise agrícola, e houve um aumento no número de protestos e rebeliões entre os
camponeses, como a que foi liderada por um funcionário, Oshio Heihachiro (1793 - 1837), em Osaka.
Ao mesmo tempo, os líderes do regime Tokugawa observaram ansiosamente as primeiras vitórias bélicas dos
britânicos e europeus sobre os chineses da Dinastia Qing na Primeira Guerra do Ópio de 1839 a 1842. Constataram
como a China, o Império do Meio, tradicionalmente um reino venerável no leste asiático sucumbiu diante das
inesperadas ofensivas navais de povos “bárbaros” de terras distantes. Não que esses fossem novidade entre os
japoneses, pois além de terem contatos, mesmo que intermitente, com os holandeses confinados na ilha de Deshima,
em Nagasaki, tinham se deparado e se defendido dos avanços de russos nas décadas de 1790 e início da década
seguinte, além de terem confrontado com alguns britânicos nos anos de 1820. Na década de 1840, já tinham a
perspectiva, após alguns náufragos e baleeiros dos EUA, vindos do Oceano Pacífico, de que uma delegação norte-
americana desembarcaria em algum porto japonês.
E foi o que aconteceu. Em 1853, uma delegação naval dos EUA, liderada pelo Comodoro Matthew C. Perry
aportou na baía de Edo com os seus “navios negros” (kurofune, 黒船 ) e apresentou as demandas do presidente dos
Estados Unidos, Millard Fillmore, que exigia que o Japão concordasse em negociar e abrir relações diplomáticas
permanentes (fig.). Foi concedido ao xogum, à época Tokugawa Iesada (1824 – 1856), alguns meses para considerar
as propostas apresentadas pelos estrangeiros. Alguns daimiôs tozamas, de domínios marginais, enxergaram uma
oportunidade de mudança política no Japão. Outros membros mais conservadores da sociedade acharam que o
xogum que apresentava sinais de debilidade mental e idade avançada, não teria condições de lidar com a nova
ameaça estrangeira. O bakufu, ademais, mostrou claros sinais de fragilidade, quando um dos principais conselheiros
(roju) do bakufu, Masahiro Abe (1819 - 1857), foi se consultar com alguns daimiôs sobre qual política adotar na
ocasião, desgastando a autoridade do xogum.

Fig.– A chegada de Perry na baía de Edo (Tóquio) em 1853.

Na segunda visita de Perry ao Japão, o xogum Iesada já se encontrava doente e moribundo, e a questão de sua
sucessão estava claramente no horizonte político do país. Um conselheiro sucessor de Abe Masahiro, Hotta
Masayoshi (1810 - 1864) foi quem liderou as delicadas negociações com os americanos. Os termos negociados e
assinados no Tratado de Kanagawa, de 1854, deram amplas vantagens comerciais e diplomáticas às potências
ocidentais, como garantia de extraterritorialidade, imunidades e privilégios tarifários de seus produtos no mercado
japonês. Incluiu também nesses termos o direito de um cônsul americano no Japão, Townsend Harris (1804 - 1878)
que assumiu seu cargo no porto de Shimoda. Tratados semelhantes foram firmados com outros países: com a Grã-
Bretanha (1854), Rússia (1855), França e Holanda nos anos seguintes, a seguirem a cláusula da nação mais
favorecida, que impede que qualquer nação tenha mais privilégios exclusivos do que as outras envolvidas. O Japão
fora relegado a um status, tal como a China à época, de uma semicolônia.
Essa situação foi considerada a última gota por forças descontentes com o xogunato Tokugawa, muitos deles
enxergando a renovação política e social do Japão com a volta do imperador nas decisões de poder, assim como o
foi na Restauração Kenmu do imperador Go-Daigo no século 14. O slogan desses partidários era bastante claro:
sonno-joi (“reverenciemos o Imperador, expulsemos os bárbaros”), que pedia a unidade sob o domínio imperial e se
opunha às intrusões estrangeiras. Os planos para a derrubada do bakufu dos Tokugawas se iniciaram então a partir
de ataques de jovens samurais (shishi) e rebeldes contra os estrangeiros no Japão, em especial nos domínios tozama,
resultando em vários incidentes internacionais. O mais grave desses incidentes provocou o bombardeio em Satsuma
e Choshu por forças navais ocidentais.
Sob esse clima tenso e radicalizado, o Imperador Komei (1831 - 1867) passou a atuar no cenário político
japonês. Em 1862, o imperador requisitou oficialmente ao xogum, o sucessor de Iesada, Tokugawa Iemochi (1846 -
1866), a expulsar os “bárbaros” do Japão, dando-lhe como data limite 25 de junho de 1863, o que não foi feito. Isso
agravou ainda mais a insatisfação daqueles contra o bakufu e a favor de uma restauração imperial no país. Os
samurais de Satsuma, em especial, se mobilizaram com armas de fogo e atiraram contra navios dos EUA. A
retaliação ocidental foi rápida e implacável, gerando maior revolta dos japoneses como nas adjacências do domínio
de Choshu, no Estreito de Shimonoseki. Em 1864, as forças anti-bakufu se uniram pelo país a partir dos rebeldes em
Choshu e Satsuma entre outros, formaram um exército de milícias e de samurais, marcharam e tomaram o controle
de Quioto a libertar o imperador do controle do bakufu [896].
Nessa ofensiva, um nobre da corte ligado a Choshu, Iwakura Tomomi (1825 - 1883), conseguiu obter um apelo
do imperador para a abolição do xogunato. A 3 de janeiro de 1868, encorajados com engajamento imperial, as forças
rebeldes ocuparam o palácio imperial e proclamaram a restauração imperial. As forças de oposição imperial e
defensores do xogunato ainda resistiram por alguns meses, numa guerra civil chamada de Guerra Boshin (fig.), mas
a indecisão e falta de coordenação minou-lhes a coesão e disciplina. O próprio xogum à época, Yoshinobu (1837 -
1913), o últimos dos Tokugawas, acabou rendendo-se à declaração imperial em abril de 1868, e retirou-se para
Shizuoka onde passou o restante dos seus 45 anos de vida [897].

Fig.– Retrato da Batalha de Hakodate, ilha de Hokkaido, na Guerra Boshin, 1868.

A Era Meiji
Quando o imperador sucessor de Komei, Mutsuhito (1852 - 1912), nomeado como Meiji (“Regente Iluminado”,
明治 ), mudou-se da sua antiga capital, em Quioto, para Edo em 1868, o castelo dos Tokugawas foi apropriado e
declarado como o novo Palácio Imperial (fig.) E a cidade de Edo tornou-se a nova capital do Japão, nomeando-a
assim Tóquio (“capital do Leste”). O imperador Meiji havia sido restaurado ao poder.

Fig.– Palácio Imperial em Tóquio.

A Restauração foi assim nomeada por retornar o poder às mãos imperiais depois de séculos de dominação militar
dos xoguns. Foi ela inspirada em ideias confucianas que valorizam a tradição e lealdade. Foi, essencialmente, uma
revolução conservadora em direção ao passado imperial. No entanto, objetivos inovadores foram expressos na
promulgação da Carta de Juramento do Imperador Meiji [898] de abril de 1868 nos seus artigos 4º e 5º: “os costumes
nefastos do passado devem ser abandonados [...] [e] o conhecimento deve ser buscado pelo mundo a fim de
fortalecer as fundações da regência imperial”. Consistiu, portanto, num perfeito exemplo de mistura da tradição com
mudanças pretendidas.
As primeiras décadas do reinado de Meiji (1868-1912) foram um período de considerável entusiasmo por ideias
inovadoras advindas do exterior, dada a incontestável superioridade bélica ocidental demonstrada nas Guerras do
Ópio (1839-1842 e 1856-1860) sobre a China. Nesse afã, buscou-se reformular toda a escrita japonesa a se adequar
num alfabeto no fim do século 19, para purificar-se da sua herança chinesa. No final das contas, nem as sílabas kana
japonesas e nem os caracteres de origem chinesa (kanji) foram abandonados, mas todos foram incorporados à
moderna língua vernácula japonesa.
Houve um clima de entusiasmo pelas ideias e valores ocidentais, nas duas décadas após a ascensão de Meiji, algo
que veio a ser chamado no Japão de “civilização e iluminação” (bunmei kaika). Um ministro da Educação do Japão
chegou a sugerir abolir a língua japonesa pela língua inglesa. Em caso não tão extremo, houve inúmeros casos de
mistura da tradição e novidades vindos do exterior. Fukuzawa Yukichi (1834 - 1901), que chegou a viajar e estudar
extensamente pelos países europeus e os EUA na década de 1860, escreveu o livro baseado na sua experiência,
“Condições no Ocidente”, em 1866 que foi grande sucesso de venda [899].
Durante o século 19 a educação popular japonesa já havia feito consideráveis avanços. Em 1872, o governo
estabeleceu um sistema nacional para universalizar o ensino. Até o final do período Meiji em 1912, quase todo
japonês frequentou pelo menos seis anos de ensino. O governo controlava rigorosamente as escolas, assegurando o
ensino da matemática, leitura e da formação moral, salientando a importância do dever do cidadão para com o
“Imperador, o País e a Família”.
Nos momentos imediatos após a Restauração, foram pensados novos modelos constitucionais e institucionais do
novo governo, buscando inspirações nos sistemas ocidentais. O governo japonês acabou adotando uma constituição
inspirada, em boa parte, na da Alemanha, pois enxergou nela certas similaridades entre o papel reservado ao kaiser e
o reservado ao Imperador Meiji, num sistema político mais centralizado e conservador. Em 1890, como um presente
dado pelo Imperador, foi eleito um parlamento, a Dieta Imperial (Teikoku-gikai). Mas o direito de voto se restringiu
a apenas 1% da população que atendia às condições da franquia [900]. Apesar de ser a primeira nação a leste do Canal
de Suez a adotar uma constituição moderna e uma legislatura eleita, o Japão ainda continuava, em essência,
oligárquico.
Ademais, ainda permanecia um clima de incerteza e desconfiança com o novo poder. Muitos japoneses da região
nordeste consideravam o novo governo como uma extensão de meridionais, resultando em rebeliões que foram
prontamente reprimidas em julho de 1868. De fato, os domínios meridionais que lideraram a restauração, apesar de
conterem apenas 7% da população nacional, compuseram 30% das lideranças políticas e por volta da metade dos
maiores postos governamentais nacionais da era Meiji [901].
Em julho de 1869, as grandes propriedades latifundiárias dos daimiôs foram, por decreto imperial, transferidas
para o governo central. Todos foram devidamente indenizados e ganharam o título de governadores. Dois anos
depois, em 1871, contudo, seus títulos foram retirados e foram forçados a se mudar para Tóquio, o que resultou em
um processo crescente de centralização política. Pessoas comuns poderiam adotar sobrenomes, andar a cavalo, viajar
livremente dentro e fora do país e casar-se com samurais. Em 1873, o alistamento militar foi estendido a todos. Os
impostos deveriam ser pagos monetariamente e não mais em arroz in natura. Os privilégios exclusivos da classe dos
samurais foram gradativamente banidos a partir de 1870, como o direito de carregar duas espadas, o que gerou
ressentimento e revoltas dessa classe como os que ocorreram em Saga (1874), Choshu (1876) e Satsuma (1877). Foi
nessas rebeliões que foi posta à prova a moderna tecnologia bélica ocidental e suas novas táticas de guerra adotadas
pelo Governo Imperial contra as tradições dos samurais.
Se no aspecto político predominou o conservadorismo centralizador do novo governo, no aspecto econômico o
Japão de Meiji empreendeu notável mudança modernizadora. Muito desse sucesso adveio da clara estratégia dos
dirigentes políticos de manter a segurança e unidade nacional. Para tanto, era necessário antes de tudo modernizar a
capacidade produtiva e militar da nação, visando resguardar de intervenções estrangeiras como ocorreu na China. A
fim de atingir tal modernização produtiva, o orçamento público fora sanado e as dívidas internas resolvidas,
afastando endividamentos externos e eliminando os onerosos estipêndios da numerosa classe dos samurais, que foi
extinta. Em 1871-1872, um novo sistema nacional monetário, baseado no iene, foi estabelecido e o sistema bancário
foi remodelado nos moldes dos Estados Unidos. Em 1882, o Banco Central do Japão foi criado.
Houve debate sobre qual seria a estratégia para a geração de riqueza nacional. Alguns enfatizaram o livre
comércio internacional e a agricultura. Mas prevaleceram aqueles que enxergaram na indústria nacional a chave para
a geração de riqueza e produtividade nacional, determinando periódicos prazos de projetos de industrialização. A
indústria seria a chave para o país não ficar dependente do mercado externo e das oscilações de preço e demanda de
produtos primários.
Os primeiros passos à industrialização foram problemáticos, devido à resistência de um empresariado
conservador, ao alto investimento inicial necessário e às baixas taxas alfandegárias de produtos estrangeiros
estipuladas na abertura do mercado japonês em 1854. Mas o governo de Meiji persistiu em promover a nascente
indústria nacional. Como exemplo, a fábrica Tomioka de fios de seda fora criada em 1872 para servir de exemplo e
encorajamento para o empresariado, visando à ampla mecanização fabril (fig.). E outras fábricas posteriores foram
criadas e administradas pelo governo. Isso resultou na pioneira prosperidade do setor têxtil no país e gerou as tão
necessárias divisas estrangeiras ao exportar os fios de seda.

Fig.– A fábrica de sedas Tomioka, período Meiji.

O governo imperial Meiji, ao fomentar a nascente indústria, buscou criar, administrar e privilegiar grupos
empresariais que tinham demonstrado alguma iniciativa industrial bem-sucedida como estratégia de sustentar, a
médio prazo, o seu projeto modernizador. Na indústria naval, por exemplo, o grupo Mitsubishi, advindo da
província de Tosa, foi favorecido por créditos e generosos apoios governamentais depois de ter sido bem-sucedido
no fornecimento de transporte marítimo durante a expedição japonesa à ilha de Taiwan em 1874. O governo
concedeu 13 navios a vapor ao grupo com subsídios anuais.
A Mitsubishi depois se tornou um dos exemplos de conglomerados chamados de zaibatsu, que dominaram o
setor moderno da economia japonesa entre a Restauração Meiji e a Segunda Guerra Mundial. O termo zaibatsu pode
ser traduzido como “senhor da riqueza” ou “círculo financeiro”. O processo aglutinador fora tamanho que até antes
da Segunda Guerra Mundial somente quatro grandes zaibatsus chegaram a predominar na economia japonesa:
Mitsubishi, Sumitomo, Yasuda e Mitsui. A economia mundial em fins do século 19 não era estranha a trustes,
sindicatos e fusões de empresas. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 1880, a Standard Oil controlava 90% do
refino do petróleo estadunidense. Um zaibatsu, no entanto, raramente monopolizava um setor da economia, dado o
incentivo governamental à competição em diversos setores, incluindo o bancário, o manufatureiro e o comercial.
O Japão, portanto, foi o primeiro país não-ocidental a se industrializar. E isso se refletiu na estratégica área
militar. Em 1880, o Japão já fabricava em massa seu primeiro rifle. Em 1899, um novo acordo com a Grã-Bretanha
reviu os termos do Tratado Anglo-Japonês de Amizade de 1854 que prejudicavam a manufatura nacional em
detrimento da entrada de produtos britânicos com imposto reduzido.
A política Meiji guardava um aspecto imperial, pois buscou legitimar-se pelos meios políticos e militares no
poder, a buscar novos espaços de influência, tal qual os japoneses tinham observado com relação aos impérios
coloniais europeus no mundo em fins do século 19. Foi nesse sentido que Aritomo Yamagata (1838 – 1922),
primeiro-ministro entre 1889 e1891, recém-chegado da Europa, formulou uma política de construir uma poderosa
marinha imperial japonesa, tal qual uma nação insular como a Grã-Bretanha. Em 1876, Yamagata argumentou que
uma invasão da península coreana deveria ser parte de um plano de controlar a região antes que alguma outra nação
ocidental o fizesse, pondo em perigo todas as ilhas japonesas.
Foi nesse sentido que o estado Meiji impôs o Tratado de Kanghwa em 1876 sobre a Coreia, quase idêntico ao
que o Comodoro Perry impôs ao Japão no Tratado de Kanagawa vinte anos antes. Assim, durante a década de 1880,
o Japão mandou emissários ao Coreia para aconselhar e supervisionar a modernização de seu sistema educacional,
economia e estrutura política, assim como os europeus o fizeram sobre o Japão após 1854.
O Tratado de Kanghwa imposto sobre a Coreia, agravou ainda mais a situação dos japoneses aos olhos coreanos
e muitos residentes chineses na península. Rebeliões começaram a ser frequentes entre os coreanos descontentes e,
em 1894, um levante popular generalizado, a Rebelião Tonghak, foi inspirado por movimentos religiosos,
sentimentos xenofóbicos e anti-japoneses. Os chineses, por sua vez, a partir de Pequim da Dinastia Qing,
enxergaram na rebelião uma oportunidade de intervir e defender a península dos japoneses. O que resultou numa
guerra sino-japonesa nos anos seguintes.
Graças a uma política de industrialização implementada por décadas, o Japão apresentou frente aos chineses um
Exército e Marinha bem superiores. Os conflitos com seu vizinho asiático demonstraram isso, e a proeminência
japonesa sobre a Coreia foi confirmada. Ademais, decorrente com os conflitos com os chineses, os japoneses
reivindicaram a ilha de Taiwan (Formosa), a pequena, mas estrategicamente valiosa península de Liaodong e uma
vultuosa indenização da China. Nesses termos foi assinado o Tratado de Shimonoseki de 1895.
A ocupação da península de Liaodong causou furor e indignação nos governos da Rússia, França e Alemanha,
pois enxergaram nisso uma intromissão inesperada na China, e os três países intervieram conjuntamente para a
retirada japonesa na península, o que provocou um amplo ressentimento no Japão, que se consideraram injustiçados
no processo de partilha imperial da China em decadência. Muitos no Japão enxergaram nisso um exemplo de
racismo e impedimento das potências ocidentais em tornar o Japão uma potência hegemônica na Ásia.
Apesar disso, houve uma notável conquista no plano diplomático-militar dos japoneses, ao assinarem o Acordo
Naval Anglo-Japonês de 1902. Acordo em que os britânicos, reconhecendo a ajuda dos japoneses sobre os
revoltosos chineses na Rebelião Boxer (1899 – 1901), e com o fato de que foram os japoneses os vitoriosos sobre a
península coreana, decidiram também confirmar a presença naval japonesa no Oceano Pacífico e leste asiático. O
acordo previa uma aliança e ajuda naval em caso de futuras agressões a qualquer das partes. Foi o primeiro acordo
diplomático entre uma potência ocidental e outra não-ocidental na história moderna.
Com os russos, os japoneses tentaram negociar com eles, propondo o reconhecimento russo dos japoneses na
Coreia e, em contrapartida, o governo japonês reconheceria a presença dos russos na região nordeste da China, a
Manchúria. Proposta formulada por Hirobumi Itô (1841 - 1909), proeminente político e estadista à época, que ficou
conhecida como Mankan kôkan (“troca da Manchúria pela Coreia”). A proposta, contudo, foi rejeitada em Moscou.
Em Tóquio, a rejeição russa foi interpretada como demonstração da hostilidade russa, agravando as relações entre os
dois países.
Pouco tempo depois, em março de 1904, os japoneses mandaram uma frota naval à península de Liaodong e
atacaram os navios russos em Port Arthur. Os conflitos entre os dois países se estenderam por mais alguns meses, no
que foi a Guerra Russo-Japonesa de 1904 e 1905. O desfecho dos conflitos adveio com o envio de reforços navais
russos do Mar Báltico que demorou meses a circunavegar a África pelo Cabo da Boa Esperança e chegar a Port
Arthur em maio de 1905. Na batalha de Tsushima, os japoneses sob o comando do Almirante Togo (1848 - 1934)
foram surpreendentes e ágeis na conquista naval (fig.). O almirante Togo Heihachirô, que se formou na Real
Academia Naval na Grã-Bretanha, foi apelidado como o “Nelson do Leste”, e foi presenteado pelas autoridades
britânicas com uma pequena mecha de cabelo do Almirante Nelson. Foi a primeira vez em que uma nação não-
ocidental, não-europeia, ganhou uma guerra sobre outra potência europeia da época. O Japão tinha demonstrado
convincentemente sua reivindicação de ser uma potência mundial. Pelos termos do Tratado de Portsmouth, os russos
deveriam ser retirar de Port Arthur e Liaodong e reconhecimento russo dos interesses japoneses na parte meridional
das ilhas Sacalina, e da Coreia – que seria plenamente anexada pelo Japão em 1910.

Fig. – A Batalha de Tsushima, 1905.


Mapa - Japão e Ásia oriental à época da Guerra Russo-Japonesa, 1904-5.

Coreia (Séculos 17 e 18)

O restante do século 17 após as invasões manchus e o seguinte século são em geral considerados como de paz e
estabilidade coreana. A fronteira com a China dos Qings, ao norte, foi negociada estabelecida ao longo dos rios Yalu
e Tumen, tal como se encontra nos dias atuais. É significativo o fato do governo coreano ter erguido um monumento
de fronteira em 1712 [902] que remonta às origens mais remotas da nação no venerado Monte Baekdu. Embora
carregado de simbolismo, a fronteira ainda seria motivo de discordâncias entre os dois governos nos séculos
seguintes. Outros eventos internos e externos tiveram repercussão no reino de Joseon, embora isso seja considerado
à luz de que houve notável recuperação e crescimento econômico e social até as conturbações em fins do século 19.
Os debates políticos durante o reinado de Hyojong (r. 1649 - 1659) se deu mais em torno sobre rituais
confucianos apropriados a respeito do período de luto de ancestrais (jesa, 제사 ). Embora pareça trivial, esses
debates provocaram nos tribunais vivas discussões entre os letrados, alguns deles entendendo que o soberano
deveria observar três anos de luto e de guarda diante da morte de um de seus familiares. Outros argumentaram a
favor de um ano de luto como apropriado.
Os debates polarizaram-se em torno de duas figuras acadêmicas da classe yangban. Um deles, Song Si-yeol
(1607 – 1689) e seus correligionários, referidos como os “ocidentais”, eram a favor da brevidade do luto. Outros,
“sulistas”, defenderam com argumentos um período mais prolongado, e foram esses que venceram nos tribunais o
debate, representados por Heo Mok (1595 – 1682). Assim, foram garantidos nos próximos anos os cargos mais
influentes para membros dessa segunda escola neoconfuciano coreana.
A profundidade do impacto dessa controvérsia ritualística amplificou-se para a sociedade na segunda metade do
século 17. Pois os questionamentos das obrigações e rituais aos ancestrais - codificados e promulgados no código de
leis Gyeongguk daejeon ( 경국대전 ) desde fins do século 15 - envolveu o papel da família, das responsabilidades
dos filhos e herança. Como exemplo, era entendido pelos textos confucionistas que os antepassados são
responsabilidade apenas do primogênito (jangja, 장자 ), e a ele cabia a herança. Mas havia a prática coreana, mais
igualitária, de dividir a herança familiar entre todos os filhos e filhas, e as cerimônias de respeito aos ancestrais cabia
a todos numa base rotativa. Os problemas começaram a se tornar evidentes no século 18 quando poderosas famílias
começaram a questionar os costumes nos tribunais coreanos. Se a herança caberia, por direito e tradição dos textos,
ao filho mais velho, por que os outros filhos teriam os encargos das cerimônias dos falecidos? Ou por outro lado, se
a herança fosse dividida, por que a responsabilidade fúnebre era exclusiva da primogenitura? Alguns começaram a
questionar se as filhas deveriam fazer parte das heranças, e de que essas inovações dos costumes coreanos ao longo
dos séculos era sinal de que a nação tinha se degenerado do caminho dos sábios confucianos da antiguidade.
As implicações dessas mudanças começaram a afetar o recebimento das propriedades da família para as filhas,
que passaram a ter direito a apenas um terço, e depois de algum tempo, nenhuma da parte da herança. A partir de
textos de espólio e patrimônio dos séculos 17 e 18, indica-se que as mulheres não tiveram mais responsabilidades a
respeito das obrigações funerárias dos antepassados, aliviando-as, mas também as privando dos direitos [903]. Nas
gerações subsequentes, isso também afetou o processo de herança para os filhos. Entendia-se que somente aos
filhos, masculinos, teriam direito à herança familiar, o que provocou uma tendência de adoção em caso de
inexistência de um herdeiro legítimo. Adotava-se, em suma, um primo, sobrinho ou alguém próximo da linhagem
para tal. Até a segunda metade do século 17, os herdeiros poderiam vir da família maternal ou paternal, mas isso
passou a ser exclusivamente patrilinear na história coreana. Diante disso, os casos de adoção chegaram a 15% da
população coreana, apontando a escala e o massivo costume de adoção [904].
Outros aspectos da atitude patrilinear baseadas no confucionismo passaram a repercutir na sociedade coreana.
As noivas recém-casadas deveriam agora mudar para a família do noivo depois de presentear o dote de casamento.
Na nova família, a noiva, sua família e suas filhas perderiam todos os direitos de herança, e até mesmo o sobrenome
que era sempre originado do elemento masculino da família, visando assim resguardar os direitos da herança. Nesse
sentido, sobrenomes começaram a predominar em várias vilas e localidades coreanas. Isso era ainda mais corrente
entre aquelas famílias tradicionais de yangbans, e entre famílias mais simples que emulavam as classes superiores
visando ligar-se a familiares poderosos e influentes.
Foi por esse motivo que os documentos genealógicos coreanos se tornaram tão importantes no século 18, pois
tinham o objetivo de justificar por linhagem patrilinear os direitos de herança e posse. Esses documentos apresentam
somente as descendências masculinas, com poucos ou nenhum detalhe das esposas e filhas que, em casos, sequer
são registradas com sobrenome da família do noivo. Ou então eram referidas apenas como “esposa de”, “mão de” e
“filha de” [905]. Os clãs e famílias coreanas, em outras palavras, passaram a adotar um sistema conservador e
estritamente patrilinear, e membros da linhagem feminina eram ignorados ou escassamente registrados. Era comum,
pois, descendentes das filhas de um eminente membro da família sequer considerá-los como netos, referindo-se a
esses como oeson, “netos de fora” [906].
Essa estruturação familiar e societária coreana, de heranças, adoções, casamentos e genealogias, refletiu o
quadro de mudanças maior que estava em andamento em fins do século 17. As causas dessas mudanças ainda devem
ser estudadas, mas a base ideológica adveio do renascimento confucionista no reino coreano da época, ou
neoconfucionismo, que ganhou destaque e força na política e sociedade desde o século 14. Outro aspecto a observar
foram as pressões populacionais que a Coreia começou a sofrer com o crescimento vegetativo no século 17,
chegando a um ponto de saturação, e empurrando os limites da produtividade da terra. Isso, evidentemente, teve
consequências sobre questões familiares, clânicas e heranças.
Subjacente à preocupação com os devidos rituais e interpretação dos estudos confucianos em fins do século 17
estava o fato de que a Dinastia Ming da China havia caído e substituída por outra dinastia considerada como não-
chinesa e bárbara aos olhos dos letrados yangbans e corte coreana. Frente a isso, a Coreia dos Joseon passou a se
considerar como os verdadeiros herdeiros confucianos, e isso orientou toda a sua série de reformas sociais e políticas
nos séculos 17 e 18. A identidade coreana da Dinastia Joseon fundamentou-se a partir disso [907].
No plano político, a Coreia atravessou um considerável período de estabilidade no século 18, com apenas três
reis soberanos. O primeiro deles governou por quase 45 anos, Sukjong (r. 1674 - 1720) sendo sucedido brevemente
por Gyeongjong (r. 1720 - 1724), e seu sucessor, por 52 anos, Yeongjo (r. 1724 – 1776) (fig.). Este último foi o mais
longevo da Dinastia Joseon. Yeongjo provou ser notável no trono e como soberano da Coreia que deixou sua marca
pelos seus persistentes esforços a reformar o sistema de tributação do reino, governar pela ética confuciana, e
minimizar e reconciliar a luta entre as facções políticas e dos yangbans sob sua “Política da Harmonia Magnífica"
(Tangpyeong, 탕평 ). Sua genuína preocupação com suas virtudes confucianas e seus súditos ficou gravado nos
“Anais da Dinastia Joseon” na página referente ao dia 27 de julho de 1728:
Oh céus! Nós tivemos inundações, secas e fome nos últimos quatro anos por causa da minha falta de virtude (...) Como meu pobre povo pode manter
seu sustento sob tais dificuldades? (tradução nossa).

Fig. – O rei Yeongjo.

Apesar de suas virtudes sinceras, o reinado de Yeongjo foi marcado por dois eventos de magnitudes diferentes.
Um deles, de menor impacto histórico, foi quando sucedeu seu meio-irmão, Gyeongjong, que morreu sob
circunstâncias suspeitas em 1724. Decorrente disso, surgiram suspeitas de seu envolvimento na morte, mas o caso
nunca chegou a ser esclarecido e provado. O segundo evento foi mais dramático. Os dois filhos e herdeiros de
Yeongjo provaram ser limitados e incapazes ao trono. Um deles morreu jovem, deixando o outro que ficou
conhecido como príncipe Sado (1735 – 1761). Sado, aparentemente, sofria de transtorno mental, seu comportamento
era mercurial e imprevisível. Descarregava sua frustração nos subordinados que, por vezes, resultavam em mortes.
Seu comportamento era lascivo e era frequentemente reprimido por suas escapadas à noite e certa vez, até a cidade
de Pyongyang em 1761 [908].
Yeongjo, determinado a retificar o comportamento de seu filho, tentou instilar nele o conhecimento dos
clássicos e virtudes pregadas pelo confucionismo. Depois de anos de esforços infrutíferos, o monarca decidiu agir da
maneira mais extremada, visando conservar o respeito e continuidade dinástica, matar seu filho. Pois tinha em vista
seu neto que de fato se tornou seu sucessor à altura das expectativas, Jeongjo (r. 1776 – 1800). A morte de Sado
ficou gravado para a posteridade conforme os relatos de sua esposa, a princesa Hyegyong (1735 - 1816). No fatídico
dia, Yeongjo vestiu seu uniforme militar e foi ao palácio de seu filho em agosto de 1761. O pai exigiu mais uma vez
promessas de retidão, mas logo se viu contrariado. Dias depois, Yeongjo pediu a Sado que conservasse a honra da
família e cometesse suicídio, pois o valor confuciano preza, acima de tudo, a suprema lealdade filial e obediência
aos superiores. Com a recusa do filho, o rei então chamou seus guardas e trancaram o príncipe num baú de madeira.
Oito dias depois, Sado veio a morrer [909]. Com isso, foi evitado a morte de um membro da família real por
derramamento de sangue e contato corporal, conforme ditava a tradição coreana.
O século 18 testemunhou uma mudança entre a classe dos literatos, normalmente aqueles marginalizados e não
ocupantes dos cargos mais influentes do reino de Joseon. Esses passaram a defender uma reforma do pensamento
neoconfuciano tal como se consolidou entre a elite coreana, que tinha buscado mais as questões ritualísticas e
metafísicas. A contrapor isso, surgiu a escola silhak( 실학 ), “aprendizado prático”, que tinha se baseado nos
escritos de Yu Hyeongwon (1622 – 1673) e Yi Ik (1681 – 1763). Esses estudiosos propuseram uma ampla reforma
das práticas e normas confucianas que tinha estruturado o governo. O primeiro pensador enfatizou um novo sistema
de seleção e recrutamento nas instituições educacionais, e que os exames deveriam ser mais focados em assuntos
administrativos práticos, e não apenas a se basear em obras clássicas confucianas [910]. Apesar de popular entre os
críticos e inovadores membros do silhak, essas reformas não foram implementadas no sistema coreano.
Apesar dos obstáculos do sistema que tendia a preservar as tradições, o rei Jeongjo em 1776 criou uma
academia real, o Kyujangkak, nas dependências dos jardins secretos do palácio real em Kurnwon. E para aconselhá-
lo para gerenciar a instituição superior chamou um eminente membro da escola silhak, Jeong Yakyong (1762 –
1836), também conhecido como Dasan. Esse estudioso, uma vez se vendo no seu influente cargo, passou a
implementar o ensino do conhecimento científico e técnico ocidental, especialmente a engenharia civil que era tema
de sua fascinação e curiosidade [911]. Isso se deu num contexto histórico em fins do século 18, pela crescente
presença de estrangeiros na China que deu acesso às obras e estudos ocidentais por meio de representantes letrados
coreanos na corte em Pequim. Mas talvez o maior legado de Dasan foi a sua ativa supervisão da construção do forte
de Hwaseong em Suwon, construído entre 1794 e 1796, uma obra de engenharia coreana inovadora e fortemente
influenciada pelos novos conhecimentos científicos da época [912].
As transformações sociais se deram também em outras áreas. No final do século 17, houve um crescimento e
prosperidade das atividades comerciais e, consequentemente, da classe mercantil. Se antes as trocas comerciais do
reino eram basicamente in natura, ou seja, escambo, pelas reformas monetárias e tributárias feitas na Coreia os
mercados no país cresceram em atividade e escopo. Ligados aos mercados, as estradas e portos amplificaram ainda
mais os acessos e mercadorias em troca, alcançando as origens produtivas das mercadorias no interior ou exterior. A
moeda dinamizou ainda mais as transações e possibilitou maior poder de tributação do estado. Assim, grandes
centros comerciais começaram a se estabelecer, como em Kaesong, Pyongyang, Uiji e Tongnae. Esta penúltima,
localizada ao longo do rio Yalu, e a última no sudeste da península prosperam com os contatos feitos com os
manchus e japoneses, respectivamente.
Antes do século 17, a atividade comercial e tributária era feita com base do escambo, em bens como arroz,
tecidos, ouro, pele e até ginseng. Em 1678, o governo decidiu fabricar moedas padronizadas de cobre, baseadas no
sistema chinês, mas com um sistema independente. Eventualmente, em fins do século 18, as trocas monetárias
coreanas se consolidaram de forma soberana. Assim, o valor da moeda passou a ser a medida das riquezas e da
tributação a ser taxada. Essas taxas passaram a ser calculadas não mais nas dimensões das propriedades de terra, mas
na sua capacidade produtiva. Foram então reformuladas as classificações fundiárias do reino, em cinco níveis, a
depender da fertilidade de cada unidade agrária.
Essas reformas fundiárias foram fruto de uma ampla reforma tributária feita em fins do século 17, chamada de
taedong, que buscou padronizar e simplificar os impostos [913]. Em meados do século 18, o sistema obrigatório de
trabalho agrário, semelhante à corveia, foi revisto e as horas de trabalho foram uniformizadas e tornadas mais justas.
Devido às essas reformas, a indústria artesanal prosperou. E assim a capacidade de arrecadação tributária do governo
ampliou-se. Matérias-primas, produtos e serviços poderiam agora ser comprados com moeda, gerando crescimento
no mercado privado interno, desde armas até roupas. O trabalho artesanal passou a contratar mais funcionários
remunerados, assim como nas minas de mineração que passaram para mãos privadas desde fins do século 17. Um
mineral em particular prosperou enormemente, a prata, pela demanda do mercado chinês.
Na agricultura, houve crescimento de rendimento nas plantações de arroz com a introdução de novas técnicas e
espécies mais produtivas e resistentes ao clima e pragas. E com isso, a população coreana aumentou em número.
Estudos populacionais da época estimam que em meados do século 17, a totalidade de coreanos era em torno de 8 a
9 milhões de pessoas, pulando para entre 13 e 14 milhões em meados do século 18 [914] apesar das frequentes
epidemias de malária, sarampo, varíola assim como a fome decorrente de surtos e quedas de colheitas [915].
A sociedade coreana de Joseon em geral era composta por estratos sociais com base nos princípios do
neoconfucionismo [916] e a mobilidade era bastante incomum. Havia no topo os yangbans, e depois logo abaixo
chungin (“pessoas do meio, classe média”, 중인 ), yangin (“plebeus”) e cheonmin (“pessoas vulgares ou comum”,
천민 ), que também incluía os servos e escravos (nobi, 노비 ). Esses status eram hereditários e os casamentos entre
as categorias eram raras ou desconsideradas como não-oficiais. A imobilidade maior era mais estrita na medida em
que se subia de status social, sendo quase impensável pessoas comuns ou escravos serem yangbans. Plebeus
poderiam, teoricamente, prestar os exames de admissão à classe dos letrados, mas os custos e tempo de dedicação
aos estudos de admissão eram proibitivos. E mesmo se fosse aprovado, seria necessário fornecer sua linha
genealógica, a qual uma família plebeia não teria registro.
As guerras e o crescimento dos mercados e cidades provocaram mudanças nesse rígido sistema social. Entre os
nobi, após as guerras contra os japoneses e manchus nos séculos 16 e 17, muitos se viram libertados por terem
prestado serviço militar. Ademais, uma série de leis foram implementadas entre 1669 e 1731 que libertou os filhos
de mães comuns, mesmo se o pai fosse um nobi [917]. Isso, com o tempo, diminuiu consideravelmente os escravos e
servos da sociedade coreana ao longo dos séculos 18 e 19, com o fim oficial da escravidão vindo a acontecer
somente em 1894.
Apesar dessas mudanças, a classe yangban tentou manter seu status exclusivo e privilegiado. Ao contrário da
China e de outras nações do leste asiático, a Coreia de Joseon discriminava aqueles nascidos de esposas secundárias
ou concubinas, chamados de soja [918]. Essa singular discriminação havia sido iniciada no reinado de Taejong no
início do século 15 que tinha lutado pelo trono contra seu meio-irmão. Assim, a tradição real considerava apenas
uma esposa oficial para efeitos de herança ao trono, embora as relações extramaritais fossem liberadas. Isso foi
estendido para as classes privilegiadas da sociedade como os yangbans. Considerando que os sojas eram, portanto,
excluídos dos direitos da família, esses filhos ilegítimos não poderiam provar sua linhagem genealógica e, portanto,
impedidos de assumirem postos oficiais mesmo se aprovados nos exames.
O crescimento da economia coreana nos séculos 17 e 18 provocou um aumento e prosperidade da classe
mercantil, plebeus, que poderiam casar-se com membros de famílias de yangbans e inserir-se na linhagem
genealógica, possibilitando assim acesso aos exames de admissão aos cargos oficiais (gwageo). Por consequência
disso, na virada do século 19, a classe yangban que era estimada em torno de 10% da população coreana aumentou
para mais de 50% na virada do século 19. E houve notável inchamento da classe média, chungin, composta por
médicos, advogados, astrônomos, intérpretes e pequenos burocratas. Isso se deu num contexto de crescimento
urbano e com os sojas que não conseguiram adentrar a classe yangban. Foram os chungins que foram os maiores
defensores das novas ideias advindas do conhecimento ocidental que iria se tornar evidente no século 19.
Esse dinamismo social, naturalmente, refletiu-se nas artes e literatura coreana. No campo literário, houve a
notável figura do escritor e intelectual Heo Gyon (1569 – 1618) que buscou nas suas linhas uma nova sociedade
confuciana a combater os vícios e privilégios da realidade coreana. Conta-se que foi esse o autor do clássico, “A
História de Hong Gildong”, em que o personagem principal, um soja, ou seja um filho ilegítimo, luta e anseia por
justiça possivelmente inspirado na figura do século 16, Im Kkeokjeong [919]. Outro autor em meados do século 18,
Bak Jiwon (1737 – 1805), expôs com igual veemência a hipocrisia dos yangbans no seu livro “A História de Ho
Saeng” que conta as experiências amargas da classe humilhadas dos comerciantes frente às arrogâncias dos letrados.
Um livro que teria grandes consequências para a literatura coreana foi um romance escrito em hangul de autoria
anônima, “A História de Chunhyang”. A obra conta a paixão de uma jovem filha de uma concubina por um membro
yangban de uma tradicional família de magistrados [920]. As linhas mais comoventes mostram a lealdade e
integridade da jovem frente às inconstâncias do amado e das pressões conservadoras da sociedade coreana. Ao final,
os dois se casam refletindo os ventos de mudança que estava tomando a Dinastia Joseon em fins do século 18. Essa
história depois teria larga repercussão no teatro coreano, pansori ( 판소리 ).
O século 18 testemunhou um renascimento cultural coreano. Novas tendências e escolas de filosofia e literatura
ecoaram as mudanças dos valores e questionamentos na sociedade. Nas artes, a pintura coreana passou a enfatizar o
retrato de paisagens coreanas, em vez daquelas tradicionalmente copiadas das paisagens do sul da China que tinham
se tornado cânone artístico desde a dinastia chinesa Song do século 10. Um dos mais celebrados artistas desse veio
foi Jeong Seon (1676 – 1759) que retratou a beleza única de Kumkangsan (ou Geumgangsan), “Montanhas de
Diamante” (fig.), e de outras paisagens naturais coreanas [921]. Também no campo da pintura, destacou-se Gim
Hongdo (1745 – 1806? 1814?), conhecido como Danwon, que pintou sublimes obras realistas em fins do século 18.
Foi pelas suas mãos que foram feitos retratos oficiais dos membros da realeza da Dinastia Joseon, e igualmente de
cenas cotidianas, desde estudantes, trabalhadores, mulheres e diversas cenas da natureza [922].

Fig. – Pintura de Kumkangsan (“Montanhas de Diamante”) de Jeong Seon.

Coreia (Século 19)


A ordem internacional no leste asiático no século 19 apontava para mudanças. Estrangeiros começaram a
pressionar a abertura dos portos e entrada de representantes na costa chinesa e japonesa. Na China, a assinatura do
Tratado de Nanquim em 1842 que deu termo à Primeira Guerra do Ópio (1839 – 1842) sinalizou a fragilidade da
corte dos Qings frente aos ocidentais. Na ótica dos Joseons, que desde 1636 reconheceram-se como aliados
nominalmente tributários dos chineses, o evento foi significativo, pois as notícias chegaram através dos enviados à
corte em Pequim. Ao Japão, a Coreia tinha restringido os contatos com o xogunato dos Tokugawas desde 1609,
somente permitido através do senhor local de Tsushima que pagava tributo nominal aos coreanos. Em 1854, mesmo
o Japão foi forçado a abrir seus portos para os EUA após ter sido pressionado pela frota do Comodoro Matthew C.
Perry (1794 - 1858).
Os eventos iniciais de mudanças no leste asiático desdobraram-se para ainda mais nas proximidades do reino
coreano. Em 1858, a China dos Qings cedeu, envolvida na repressão dos rebeldes Taipings, províncias costeiras de
seu império a nordeste para a Rússia sob a pressão do Conde Muraviev, dando a esse país acesso marítimo das
extensões siberianas. E, assim, estendendo as fronteiras russas com a península coreana através do rio Tumen. Isso
foi concretizado após a assinatura do Tratado de Aigun, que revistou a fronteira russo-chinesa estabelecida desde o
Tratado de Nerchinsk de 1689 [923]. Apesar disso, a Coreia ainda se encontrava isolada dos ocidentais, tanto em
termos diplomáticos como geográficos. A leste, o arquipélago japonês, e ao sul e oeste pelo império chinês, fez com
que os interesses imediatos dos ocidentais se concentrassem nesses dois governos, que adiou os contatos ocidentais
com a corte Joseon por mais algumas décadas até fins do século 19.
O reino coreano, diferentemente do Japão que tinha negociado uma tímida presença de legações portuguesas e
holandesas desde o século 16, historicamente havia restringido seus contatos com os ocidentais, limitando os acessos
portuários a representantes oficiais japoneses e chineses. Na ótica ocidental, isso criou a percepção de que a Coreia
era uma espécie de “reino eremita”, isolado e subordinado ao império chinês e adepto aos preceitos confucionistas
pela sua corte de funcionários letrados, yangbans. Apesar disso, a influência ocidental começou a se fazer sentir no
reino coreano. Grande parte disso se deveu a mercadores e representantes coreanos na capital chinesa, que
trouxeram de volta livros, ideias e produtos ocidentais desde o século 18 [924]. Uma dessas inovações foi o
catolicismo, presente na China na presença de missionários estrangeiros. Isso revelou-se singular, pois a entrada
dessa influência na Coreia, ao contrário das outras nações no leste asiático, se deu por via indireta, através de
contatos chineses, e passou a ser mais gradativo e menos impositivo.
A bem da verdade, o catolicismo foi introduzido entre os coreanos aos poucos estendendo-se desde fins do
século 16 por livros traduzidos ao chinês em Pequim [925]. Pela dinâmica gradual e estendida ao longo do tempo, os
coreanos passaram a absorver e reinterpretar esse novo “aprendizado ocidental” (seohak, 서학 ), não como uma
forma impositiva de dogmas religiosos, mas como um conjunto filosófico a rever e repensar a ortodoxia
neoconfucionista do reino Joseon. Portanto, as ideias ocidentais e o catolicismo foram antes de tudo objeto de
interesse de estudiosos coreanos que depois passaram a propagá-los na sua terra nativa.
Nessa conjuntura, destacou-se a figura de um dos primeiros coreanos convertidos ao catolicismo, Yi Sung-hun
(1756 – 1801), batizado em 1784 por um missionário ocidental em Pequim. Ao voltar para a Coreia, seu ardor
religioso e heterodoxia filosófica atraiu seguidores entre yangbans descontentes com a tradição, intérpretes,
comerciantes, médicos e membros da classe média (chungin). Com o crescimento desses, os oficiais do governo
passaram a pleitear nos tribunais meios de suprimi-los, invocando a tradição e costume de proibição de contatos
não-oficiais com o estrangeiro. Diante disso, foi proclamada em 1785, com os pedidos do inspetor geral Yu Ha-won,
uma lei de impedimento ao espalhamento do credo católico considerado como herético à ortodoxia coreana e à
importação de livros católicos e similares do pensamento ocidental [926]. Além disso, surgiram acusações de
negligência dos cultos de ancestrais por alguns católicos coreanos que foram ameaçados de pena de morte.
Essa reação conservadora do governo coreano indicou a crise que o sistema ortodoxo neoconfuciano começou a
revelar no início do século 19. Houve um movimento de puristas neoconfucianos, referidos como wijong choksa
(“defesa da ortodoxia, rejeição da heterodoxia” ou “defesa dos ensinamentos legítimos de Confúcio, rejeição dos
falsos ensinamentos”) que repudiou qualquer influência estrangeira. Isso se combinou com a dominação de
elementos conservadores de yangbans no governo coreano que decidiram por decreto em 1801 a perseguir e matar
os convertidos católicos (“Perseguição Sinyu”, 신유박해 ), resultando na morte de mais 300 coreanos, muitos
pertencentes à críticos e oposicionistas do sul da península. Esse ato marcou historicamente o reino coreano, com
uma elite conservadora e coibir qualquer manifestação estrangeira suspeita [927]. E isso ampliou-se para uma política
de estado referendado pelo monarca Sunjo (r. 1800 - 1834) – que à época tinha apenas 11 anos de idade - e
influenciado pelas convicções de sua bisavó e regente, a rainha Jeongsun (1745 - 1805).
Apesar da curiosidade e inquietação de setores da sociedade coreana pelos novos conhecimentos revelados nos
livros e estudos ocidentais, o reino de Joseon tomou a crucial decisão de impedimento. Tendo isso em mente, as
demandas por reformas e inovações no reino coreano passaram a ser desencorajados ou mesmo condenados. Em
contraste, as ideias de inovação passaram a se alastrar em movimentos e grupos clandestinos, e muitos desses tinham
contatos com os estrangeiros como comerciantes e figuras marginalizadas da sociedade.
A tradição ortodoxa e seu sistema de privilégios a poucos passaram a ser alvo de denúncias e ódio da população
em geral. Isso explodiu em revoltas populares abertas contra uma monarquia vista como corrupta e atrasada. Em
1811, um candidato a yangban que tinha sido reprovado nos exames admissionais, Hong Gyong-nae (1780 – 1812),
liderou um grupo de fazendeiros e camponeses no noroeste da península e chegaram a tomar o controle de um forte
da região, o de Jeongju. Após cinco meses, as forças do governo suprimiram a rebelião [928]. Decorridos quase 50
anos, outra grande rebelião ocorreu em Jinju em 1862, conhecida como a Rebelião Imsul. As causas desses
descontentamentos vieram dos abusos e irregularidades dos arrecadadores fiscais, provocando a indignação de
camponeses e plebeus [929]. As revoltas depois se espalharam para mais de 70 cidades e vilas, e foram tomadas
muitas propriedades, seus estoques de comida e a prisão de alguns membros do governo, como o yangban
magistrado, Baek Nakshin.
O reinado de Cheoljong, o 25º rei da Dinastia Joseon terminou com sua morte em 1864, sem deixar um herdeiro.
Diante disso, houve momentos de indecisão sucessório e os grupo de altos funcionários conservadores, pertencentes
ao chamado grupo dos “Patriarcas”, originados em boa parte da região de Andong do clã dos Kims, clamaram para
que fosse apontado um membro de seu clã que tradicionalmente ocuparam o trono. A decisão sucessória, por direito,
cabia à rainha viúva mais velha, Sinjeong (1809 - 1890), que por pertencer a outro clã, apontou como herdeiro um
de seus familiares de 11 anos, o príncipe Gojong. Para reger em nome do jovem príncipe, foi escolhido o príncipe
Heungseon – recebendo assim o título de Daewongun (“Grande Arquiduque”) – que assumiu o controle do reino de
1863 a 1873 até a maioridade do herdeiro.
Heungseong foi, portanto, o rei de fato de Joseon durante um período crucial de sua história. Nascido na família
real e forte adepto do neoconfucionismo, esse regente sempre tinha se indignado com as práticas abusivas e
corrompidas do passado, em especial contra os privilegiados membros do clã dos Kims de Andong. Ao chegar ao
poder, o Daewongun passou então a conter a influência proeminente daquele clã, e assim concentrou-se a minar as
bases do poder da classe yangban pelo reino. Para tanto, nomeou pessoas com reconhecido talento e mérito da classe
dos plebeus e de letrados que tinha sido marginalizado do poder, como aqueles originados do sul da península.
Assim, o regente ganhou cada vez mais popularidade entre as classes populares e dos camponeses, ainda mais
quando promoveu uma ampla política de financiamento e empréstimo para o plantio de grãos nos campos, a conter
as rebeliões do passado coreano. A fim de ganhar mais popularidade popular, Heungseong empreendeu a ambiciosa
tarefa de restaurar o Palácio de Gyeongbok (Gyeongbokgung), um dos maiores palácios dos Joseons, que tinha sido
destruído durante a Guerra Imjin de fins do século 16. Para custear tal empreitada, o regente passou a taxar os
yangbans, que até então tinha gozado de considerável isenção fiscal. Passou a recorrer a doações privadas para
cobrir as despesas e mobilizou ampla força de trabalho das províncias.
No aspecto externo, o reino coreano começou a ser alvo de interesse internacional. Um dos primeiros contatos
registrados de ocidentais se deu por acidente de um navio mercante britânico, em 1832, cuja tripulação chegou a
desembarcar na costa ocidental coreana e chegou a ser hospedada e mandada de volta às embarcações quando
reparados os danos. Nas décadas seguintes, outras embarcações de ocidentais passaram a ocorrer na costa coreana.
Muitos desses estavam determinados a fazer contato duradouro com as autoridades, mas desconheciam a prática
tradicional coreana de remeter os contatos com estrangeiros para a corte em Pequim, a respeitar sua condição de
reino tributário. Decorrente disso, os ocidentais na Coreia foram sistematicamente evitados ou rejeitados.
No verão de 1866, um navio mercante dos EUA, Surprise, naufragou perto da costa noroeste e sua tripulação foi
resgatada com a devida hospitalidade. Depois de tratados, os oficiais coreanos devolveram-os à China. Dois meses
depois, em julho, outro navio americano, General Sherman, vindo do porto chinês de Tianjin e armado com
canhoneiras, penetrou o rio Taedong até alcançar a cidade de Pyongyang em busca da abertura do mercado e
comércio [930]. Desta vez a população coreana reagiu, incendiando a embarcação e matando sua tripulação (fig.). Um
dos magistrados de Pyongyang, Bak Gyusu (1807 – 1877), acreditou que a embarcação tinha violado a ordem
tradicional coreana ao invadir o território do reino sem antes ter obedecido ao processo diplomático.

Fig. – Retrato coreano do incidente do navio General Sherman.

O Daewongun não tinha experiência nem conhecimento suficiente da política internacional quando esse
incidente ocorreu e considerou qualquer presença estrangeira como fonte em potencial de agressão e ameaça. Ao
invés de ter feito contato direto com os americanos, o regente coreano seguiu a tradição de respeitar a suserania
chinesa nos casos de contatos estrangeiros. Sua política refletia a percepção da classe yangban, defensores dos
preceitos neoconfucianos. Visando preparar-se e combater futuros enfretamentos, Heungseon passou a erguer vários
avisos inscritos em estelas de pedra avisando a população a evitar negociar com os ocidentais e combatê-los [931].
Nesse sentido, o regente coreano passou em 1866 a perseguir qualquer estrangeiro e ideias ocidentais no reino
Joseon. Assim, foi decidido novamente reprimir com vigor o catolicismo que tinha crescido em número de adeptos
para em torno de 23 mil, graças à atuação de alguns padres jesuítas franceses [932]. Na repressão adotada, cerca de 8
mil coreanos convertidos e nove missionários franceses foram executados diante dos tribunais coreanos, no episódio
conhecido como a “Perseguição Pyong-in” (Pyongin pakhae). Como resposta à notícia, o imperador francês,
Napoleão III, decidiu retaliar e mandou no outono de 1866 uma frota naval de sete navios de guerra sob comando do
almirante Roze a invadir e ocupar a ilha de Kanghwa que protegia a costa da capital do reino [933]. Como resultado,
as forças francesas ocuparam e saquearam os valores da ilha e, durante o mês de posse da guarnição coreana,
exigiram a pronta punição daqueles responsáveis pela morte dos missionários franceses.
Apesar do sucesso ofensivo sobre a ilha, os franceses não conseguiram enfrentar as forças defensivas coreanas de
canhões nas fortalezas nas redondezas. Com o resultado da retirada dos franceses sem qualquer acordo diplomático
feito. Com isso, foi criada a impressão de que os coreanos poderiam resistir à presença dos ocidentais. Em 1871,
cinco anos depois do incidente do navio americano, o General Sherman, o governo dos EUA passou a exigir a
abertura forçada da Coreia para o comércio. Foram enviados o representante dos EUA em Pequim, Frederick F.
Low, e o comandante da frota de cinco navios de guerras, o contra-almirante John Rodgers. Excessivamente
confiantes, os navios americanos adentraram o rio Taedong que passou por uma ampla fortificação de suas margens
depois da invasão francesa. Assim, as baterias coreanas abriram fogo contra os americanos que, embora tivessem
tomado o controle de alguns fortes, não conseguiram impor derrota decisiva sobre a defesa coreana.
Encorajados pela aparente vitória sobre os franceses e americanos, as autoridades coreanas sob a regência de
Heungseon passaram a reforçar as ideias tradicionais de relações com o leste asiático. No entanto, o Japão tinha
atravessado um febril período de mudanças desde a abertura de seus portos em 1854. Com a ascensão do imperador
Meiji, em 1868, os japoneses passaram a reconsiderar a limitada relação com os coreanos que era até então feito
exclusivamente pelo senhor (daimiô) de Tsushima desde 1609, a quem os coreanos trataram, pelo protocolo
estabelecido, como subordinado. O Japão Meiji começou a exigir novos acordos nessa relação, a refletir os
princípios do direito internacional originados dos ocidentais. Ao tomar conhecimento das mudanças políticas e
jurídicas do reino japonês, o Daewongun começou a considerar o reino japonês não mais como nação vizinha, mas
como parte dos “bárbaros ocidentais”, assim juntando-os aos outros estrangeiros. Em suma, a política de Heungseon
passou a ser cada vez mais antiocidental e, em igual medida, anti-japonesa.
Em 1874, o regente foi obrigado a se retirar do poder pois o legítimo herdeiro, o príncipe Gojong, tinha
alcançado a maioridade. Essa mudança no trono veio com as denúncias feitas por um yangban, Choe Ik-hyeon (1833
– 1906), que passou a criticar toda a política do regente anterior que tinha isolado excessivamente o reino coreano.
Com isso, e com a ascensão do novo rei, a influência de Heungseong e seus partidários começou a gradativamente
diminuir na esfera política coreana a partir do último quarto do século 19. O rei, postumamente referido como
Gojong (r. 1874 - 1897) (fig.), acabaria sendo dominado por membros de sua família de parentesco de sua esposa, a
rainha Min (1851 – 1895) [934].

Fig. – O rei Gojong.

O novo rei coreano estava ansioso em demonstrar a condição invicta do reino frente aos estrangeiros. Isso, no
entanto, colidiu com a crescente ambição japonesa que, em 1874, mandou uma carta à corte de Joseon demandando
abertura do mercado coreano. Os termos da carta não respeitaram mais o conceito de iguais, de nações vizinhas
(gyorin), mas refletiu as mudanças políticas japonesas baseadas no direito internacional. Esse movimento nipônico
ia muito além, enfatizando o militarismo e expansionismo, conforme o slogan propagado à época, “nação rica e
nação forte” (fukoku kyohei). Ademais, havia muitos japoneses que passaram a defender a conquista da Coreia
(seikaron), mas essa postura radical tinha sido derrotada por políticos moderados. Portanto, ao invés de uma
ofensiva militar, foi escolhido uma ação diplomática no envio da carta.
O rei Gojong tinha herdado um reino razoavelmente autossuficiente e estava disposto a reformar a nação. No
início de seu governo, o jovem rei ainda estava livre das influências da rainha Min e de seus familiares. Assim, o rei
nomeou como um dos seus principais conselheiros Bak Gyusu, político experiente e responsável pelo enfrentamento
ao navio americano General Sherman em 1866. Anos depois, Bak Gyusu, elaborou uma política externa mais aberta
e modernizadora, a acompanhar as mudanças internacionais em fins do século 19. Isso decorreu de seus anos de
experiência como representante em Pequim, e a considerar a atuação dos estrangeiros na China. Essa linha condisse
com a curiosidade de Gojong em saber mais a respeito dos acontecimentos na China e no exterior. Gojong chegava a
ler avidamente os relatos de Pequim a respeito da política chinesa em buscar reformar e modernizar sua capacidade
industrial e tecnológica.
A corte de Joseon, contudo, não compartilhava o mesmo entusiasmo. Muitos, da ala conservadora e
tradicionalista, não aceitavam a mudança de postura dos japoneses. Bak Gyusu e seus partidários, assim como o
próprio rei, compreenderam a mudança da realidade política no leste asiático. Eventualmente, o Japão Meiji passou
a exigir as condições que potências estrangeiras tinham feito sobre a China e o Japão em meados do século 19. Para
persuadir as autoridades coreanas a renunciarem da condição de tributário do império chinês, além da abertura de
três portos aos navios japoneses e extraterritorialidade em solo coreano, em 20 de setembro de 1875, o navio de
guerra japonês, Unyokan, se aproximou da ilha de Kanghwa. Ao se aproximar da ilha, a bateria de defesa coreana
disparou tiros de advertência, ao que os japoneses consideraram como pretexto para a invasão. Seguiram mortes de
soldados coreanos e a captura de mantimentos, armas e pólvora. Esse incidente resultou na assinatura do Tratado de
Kanghwa em 26 de fevereiro de 1876. Foi o primeiro tratado assinado com o reino coreano nos moldes do direito
internacional.
Inicialmente, a corte comportou-se de maneira indecisa e, após hesitações, aceitou a contragosto os termos
desiguais impostos no tratado, em nome da “amizade, comércio e navegação” conforme consta no documento.
Assim, o Japão conseguiu orgulhosamente agir de maneira imperial no leste asiático e demonstrou desafio à
tradicional ordem asiática em torno da dinastia chinesa. Na Coreia, as autoridades passaram a considerar as
mudanças dos tempos e a privilegiar as boas relações com um Japão em franca transformação. Na ótica dos chineses
da Dinastia Qing, o ato japonês foi visto como uma provocação e ameaça nas suas fronteiras no nordeste e na
Manchúria. O vice-rei chinês, Li Hongzhang (1823 – 1901), principal arquiteto da diplomacia chinesa no século 19,
concebeu uma estratégia de conter o avanço nipônico no continente asiático, convencendo as potências ocidentais a
estabelecerem relações diplomáticas com a Coreia e reconhecerem o reino como tributário dos chineses. Nesse
intuito, foram enviadas de Pequim cartas secretas ao rei Gojong, exortando-o a aceitar essa política e a promover a
abertura e comércio com o Ocidente.
Em 1880, um diplomata chinês, Huang Zunxien, entregou um documento a um representante coreano em
Tóquio, Kim Hongjijp (1842 – 1896). Intitulado “Uma Estratégia para a Coreia” (Chaoxian celue), os chineses
aconselharam a corte coreana a fortalecer sua política externa aproximando-se da China, e coordenar-se com o
Japão, aliar-se aos EUA e precaver-se com a Rússia [935]. Ao mesmo tempo, Li Hongzhang persuadiu os
representantes dos governos ocidentais a iniciar relações diplomáticas com a Coreia. Apesar disso, a maioria dos
ocidentais não mostraram interesses e alguns passaram a questionar o status tributário coreano, pois almejaram
constituir relações em termos de igualdade.
Li, realista por natureza, entendeu esses questionamentos e passou a aceitar a independência soberana da Coreia.
Todavia, ele antes de tudo queria que o Ocidente reconhecesse a primazia da China sobre a península coreana e
afastar a preponderância japonesa. Em momento derradeiro, os EUA foi o primeiro governo ocidental a estabelecer
relações com a Coreia. Depois de dois anos de negociações, o Comodoro Robert Wilson Shufeldt, mediado por Li
Hongzhang, assinou em 22 de maior de 1882 com representantes coreanos o Tratado de Paz, Amizade e Comércio
[936]
. Esse tratado, conhecido como a Convenção Shufeldt, era muito mais igualitário e justo do que o Tratado de
Kanghwa e os outros impostos pelos ocidentais com a China, Japão e outros reinos asiáticos feitos à época.
Estipulava o tratado que a Coreia poderia impor tarifas comerciais sobre produtos americanos. Nos anos seguintes,
os outros governos ocidentais presentes na China passaram a celebrar tratados em termos similares com o reino
coreano: Grã-Bretanha e Alemanha (1883), Rússia e Itália (1884) e França (1886) [937]. Este último, curiosamente,
definia a entrada de missionários católicos. E em todos esses tratados, para certo alívio de Li Hongzhan, o soberano
coreano afirmava alimentar laços tributários nominais com a China, a respeitar a tradição, mas plenamente
independente em termos práticos.
A abertura dos portos e relações do reino coreano foi um ponto de ruptura histórico, e foi o momento de partida
de uma série de desafios a serem enfrentados nas décadas seguintes. A modernização industrial e tecnológica fora
adotada no Japão Meiji e promovida na China pelo príncipe Gong (1833 – 1898). O rei Gojong adotou atitude
similar, mas houve vivos protestos de conservadores neoconfucianos, principalmente após a humilhante imposição
dos japoneses. Um desses líderes de resistência ao rei, Choe Ik-hyeon, organizou um vasto número de seguidores e
combatentes (“O Exército Justo”, Uibyeong, 의병 ) que denunciaram a presença japonesa e de qualquer influência
ocidental como o catolicismo. E, após uma série de ações combatentes pelo interior, voltaram-se para o antigo
regente, o Daewongun, Heungseon, que se encontrava aposentado. Isso evidenciou uma profunda divisão que se
consolidou no reino coreano em fins do século 19, entre aqueles anti-japoneses, antiocidentais e conservadores
contra aqueles que enxergaram as relações estrangeiras como essenciais para as reformas necessárias à Coreia de
então, inspirados no movimento chinês de “auto-fortalecimento” (ziqiang yundong, 洋務運 ).
A primeira tentativa sistematizada de modernização coreana foi iniciada pelo rei Gojong e seus partidários. Em
janeiro de 1881, criou-se uma nova divisão burocrática do governo que lidaria com assuntos externos, o Escritório
para os Assuntos Extraordinários de Estado (Tongnigimu amun, 統理機務衙門 ), inspirado na contraparte do
governo chinês. Essa nova repartição estava fora da estrutura burocrática tradicional dos outros ministérios e foi
criada especificamente para lidar com assuntos diplomáticas e comerciais. Ademais, foi criado uma unidade militar,
Pyolgigun (“Forças Especiais”), que foi treinada por oficiais japoneses [938]. Essas criações, evidentemente, foram
motivadas pelo exemplo da política japonesa de “nação rica e nação forte” (fukoku kyohei).
Não obstante, a criação de uma nova divisão militar provocou reação considerável de antigos membros da classe
bélica. Em julho de 1882, soldados descontentes com os pagamentos atrasados e cientes das condições especiais do
Pyolgigun, revoltaram-se, mataram o conselheiro militar japonês e atacaram a delegação japonesa na capital. O
movimento ampliou-se com a entrada de funcionários e yangbans conservadores que nomearam Heungseon como
líder e reivindicaram a sua restauração ao poder.
Essa situação delicada e frágil da Coreia certamente facilitou a crescente atuação de nações vizinhas sobre a
península. A conter os tumultos e rebeliões, o governo chinês enviou um contingente de três mil homens e os
japoneses mobilizou um batalhão na capital coreana. Eventualmente, com o correr dos fatos, o Daewongun foi
sequestrado pelos chineses e levado para Tianjin, na China. A rainha Min, que tinha se refugiado no interior,
retornou ao palácio real e o rei Gojong renovou suas tentativas de reforma, adotando o slogan “moralidade oriental,
tecnologia ocidental” ou “maneiras orientais, máquinas ocidentais” (tongdo sogi) [939]. A dupla intervenção sobre a
Coreia em 1882 inicialmente pendeu, portanto, para os chineses a garantir o soberano no trono. Li Hongzhan,
visando fortalecer a posição de Gojong, mandou um conselheiro alemão, o eminente linguista e sinólogo Paul Georg
von Möllendroff (1848 - 1901). Gojong, desconfiado das intenções chinesas, rejeitou o alemão e preferiu escolher
um ministro americano, Lucius Foote (1826 - 1913), para aconselhamentos na diplomacia, defesa, educação e
agricultura.
Os ânimos, contudo, ainda não foram acalmados. Muitos da sociedade coreana se dividiram sobre os rumos
modernizadores. A classe média, chungin, tenderam a ser a favor dos japoneses que favoreceriam seus negócios e
atividades mercantis. Os yangbans, em sua maioria, consideraram uma ofensa às tradições as reformas e novos
acordos com o estrangeiro. Nesse cenário, alguns funcionários radicais da corte, liderados por Kim Ok-gyun (1851 –
1894) e Bak Yung-hio (1861 – 1939), lideraram um golpe de estado em dezembro de 1884, conhecido como Golpe
Gapsin [940]. Eles tinham aproveitado a ocasião em que os chineses, defrontados com os franceses na Indochina,
retiraram do reino coreano metade de seus três mil homens. Essa tentativa de tomada de poder, inspirados nas ideias
reformistas de Bak Kyusu que considerava a experiência japonesa como exemplar, foi fruto de um plano amplo de
mudar e modernizar todo o sistema coreano, instituições políticas, estrutura social e econômica. Mas esse sonho
durou apenas três dias, pois esses golpistas foram reprimidos por novos reforços militares chineses e muitos
buscaram a proteção da legação japonesa e foram exilados para o Japão.
Após o golpe de 1884, a China e o Japão decidiram dar uma trégua sobre a península coreana e concordaram
em retirar suas forças do reino. Li Hongzhan e Ito Hirobumi (1841 – 1909), principal elaborador da política externa
japonesa à época, decidiram assinar a Convenção de Tianjin em 18 de abril de 1885. Contudo, apesar das iniciativas,
a paz coreana ainda era precária no jogo de equilíbrio de poder entre a China, Japão e a Rússia.
Desde a abertura dos portos, as novas ideias, gostos, hábitos, produtos e instituições como hospitais e escolas
começaram a atrair cada vez mais a classe urbana coreana. Missões religiosas de protestantes cristãos de americanos
e canadenses começaram a ter popularidade nos serviços médicos prestados. Um jovem missionário presbiteriano
americano, doutor Horace Newton Allen (1858 – 1932) abriu um hospital na capital coreana em 20 de setembro de
1884. Outros, como o metodista Reverendo Henry Gerhart Appenzeller e o Reverendo William B. Scranton e
Horace G. Underwood atuaram energicamente em instituições educacionais particulares. Este último fundou a
Escola de Meninos Baejae (Baejae Hakdang), enquanto a mãe de Scranton, Mary, abriu e foi a primeira diretora da
Escola de Meninas Ehwa (Ehwa Hakdang) em 31 de maior de 1886 [941]. Essas instituições foram grandes
propagadoras da educação e ideias não-confucianas para gerações de coreanos.
Produtos importados como algodão, fósforos, querosene, corantes e louças começaram a cair no gosto do
consumidor, solapando as tradições. Novas demandas, novos produtos a serem fabricados e comerciados. A classe
mercantil rapidamente adaptou-se às mudanças, aprimorando a feitura dessas mercadorias. A classe camponesa,
contudo, ainda permaneceu estagnada e presa às propriedades rurais, alheios às mudanças e conservadores nos
valores. Embora a demanda pelo arroz tivesse incrementado com os japoneses, a condição do campesinato pouco foi
alterada ao longo do século 19.
Foi no meio rural e camponês que emergiu um poderoso e popular movimento de cunho religioso, criado por um
yangban, Choe Je-u (1824 – 1864), chamado de Donghak (“Aprendizado Oriental”) em 1860. Essa nova corrente
social, na verdade, foi reflexo de oprimidos e ressentidos com as assombrosas mudanças na sociedade coreana.
Donghak buscou revitalizar o confucionismo clássico, rejeitando as tradições do neoconfucionismo, e a valorizar o
auto-aprimoramento de acordo com a vontade e ordem do Céu (Tian, 天 ), presente nos escritos atribuídos ao
Confúcio [942]. Choe Je-u teve assim grande apelo popular xenofóbico, em oposição ao que muitos consideraram
como decadência e degeneração das influências estrangeiras, incluindo o cristianismo.
As ideias propostas do Donghak eram inovadoras em certo sentido. A defesa do pleno igualitarismo social e de
gênero que aboliria o status de privilegiados como os yangbans, conforme defendido na obra de Choe Je-u em
“Livro Abrangente de Aprendizagem Oriental” (Dongkyeong Daejon, 동경대전 ), enfrentou os membros dos altos
cargos no poder coreano. Com as promessas de criar uma nova sociedade mais justa, o Donghak ofereceu uma
redenção às pessoas que sofriam com a discriminação social das tradições. Pelo seu radicalismo e impacto, Choe Je-
u foi julgado por um tribunal composto por magistrados yangbans e executado como herege em 1864 [943].
Algumas décadas depois, o movimento Donghak fortaleceu-se novamente em 1892 e 1893, com a liderança
passando para o sobrinho de Choe Je-u, Choe Si-yeong (1827 - 1898). Enquanto os seguidores anteriormente tinham
sido essencialmente rurais, agora houve gradual e crescente presença no meio urbano. No início de 1893,
representantes desse movimento chegaram à capital, Hanyang, para terem audiência com o rei Gojong. Os pleitos
foram ouvidos e o corpo de Choe Je-u foi devidamente honrado. No entanto, as outras demandas por amplas
reformas políticas e sociais não foram atendidas. Assim, alguns líderes do movimento mais combativos passaram a
organizar revoltas contra os magistrados e funcionários do governo, como a que foi liderada no campo por Jeon
Bongjun (1853 – 1895) em janeiro de 1894. Em abril de 1894, o Donghak ampliou-se para outras cidades e
províncias coreanas, e derrotaram as forças governamentais, principalmente na região sudoeste coreana.
Desesperado, o governo coreano apelou para as tropas chinesas a dominar a rebelião. No entanto, de acordo
com a Convenção de Tianjin, nem o Japão nem a China poderiam enviar tropas para a Coreia sem o outro. Quando
um contingente militar de três mil militares chineses chegou ao solo coreano em junho de 1894, o Japão
imediatamente reagiu e mandou uma força de sete mil homens. A frágil paz coreana, mais uma vez, foi ameaçada.
Os rebeldes de Donghak foram prontamente reprimidos e Jeon Bongjun preso, apesar da força dos apelos do
movimento ainda a ecoar por anos nas províncias interioranas.
Em julho de 1894, as forças japonesas na capital coreana provocaram um golpe de estado que derrubou os
seguidores na corte da rainha Min, que defendia uma posição mais nacionalista, e instalou um governo pró-japonês.
Heungseon, o antigo Daewongun, foi colocado de novo no trono da Dinastia Joseon e passou a defender os
interesses anti-chineses e a favor de Tóquio. A Coreia gradativamente passou a se tornar, de fato, um protetorado
japonês. Ao agir dessa maneira decisiva, o governo japonês provocou a ira dos chineses e assim foi declarada guerra
entre os dois países em 1º de agosto. Os enfrentamentos logo tomaram conta nos mares e em terra, com a
prevalência japonesa. Ao final, Li Hongzhan, como representante do governo imperial chinês, foi em abril de 1895
para a cidade de Shimonoseki, um porto na costa ocidental do Japão, para assinar outro tratado no qual foi
reconhecido o fim do status tributário da Coreia e sua plena independência [944].
Após esses eventos fatídicos, um novo grupo de funcionários, inclusive com alguns membros do Golpe Gapsin,
assumiram o poder coreano com o apoio japonês. Esse grupo começou a implementar um programa de
modernização que havia sido adiado por anos no reino Joseon. Essa série de medidas foram conhecidas como as
Reformas Gabo, que se estenderam de 1894 a 1896. Seus principais proponentes foram Kim Hong-jip e Yu Kil-chun
(1856 – 1914) que atuaram para aprovação de leis no recém-criado Conselho Deliberativo (Gunguk gimucheo, 군국
기무처 ), este liderado por Heungseon.
O primeiro objetivo das reformas foi estabelecer de fato a independência coreana como nação, a romper todas as
ligações tributárias e nominais com a China Qing, e revogar todos os acordos assinados com o Império do Meio
entre 1882 e 1894. Foi proibido o uso do calendário chinês que foi substituído por documentos oficiais baseados na
fundação da Dinastia Joseon. O rei Gojong, embora ainda no trono, mas cada vez mais como um mero símbolo de
estado, recebeu o título de “Sua Majestade, o Grande Rei” (Taegunju peha), conferindo-lhe status de imperador. O
alfabeto hangul passou a ser usado nas publicações oficiais do governo e a história coreana começou a ser lecionada
em todos os níveis de ensino. A partir de 1895, o governo inaugurou a impressão de jornais com uso extenso da
escrita coreana.
O próximo passo das reformas foi ainda mais substancial, pois almejou-se reorganizar a estrutura do governo
tradicionalmente assentados na classe yangban. Foi criado uma estrutura moderna inspirado no governo japonês do
imperador Meiji. Foi abolido o antigo Conselho de Estado e seus seis ministérios, e surgiu um novo gabinete
executivo com oito ministérios. Um Departamento de Assuntos Reais foi concebido para separar os assuntos
monárquicos dos de estado. Sem dúvida, isso visou restringir o poder do rei, transferindo as prerrogativas fiscais do
palácio para o Ministério das Finanças. Ademais, foi fundado um novo sistema monetário lastreado na prata, e um
banco nacional foi estabelecido a padronizar pesos e medidas do reino.
O sistema educacional não ficou de fora. Foram estabelecidas inúmeras escolas de ensino primário, secundário e
faculdades nos moldes ocidentais. Por consequência, o tradicional exame do serviço público foi abolido. O novo
governo, visando a ampla reforma, encorajou e financiou o estudo no exterior, enviando cerca de 200 estudantes
para o Japão, ao mesmo tempo em que custeava por bolsa alunos a serem educados na escola americana de Bahae. O
currículo das escolas foi expandido para incluir a plena alfabetização no hangul, além do ensino da matemática,
aritmética, e nos níveis mais avançados, ciências ocidentais e línguas estrangeiras.
O mais impactante das Reformas Gabo foi a modernização da vida social. Com o estabelecimento de um sistema
judiciário moderno, a tortura e punição coletiva a um crime individual foram abolidas. Os yangbans, passaram a
poder investir e atuar nas atividades comerciais. As nomeações para os cargos públicos foram abertas a todos os
estratos sociais. O casamento prematuro foi proibido, e as viúvas poderiam se casar novamente. Esposas secundárias
e seus filhos não poderiam mais ser discriminados.
O novo gabinete foi dominado por um enviado japonês, Inoue Kaoru (1835 – 1915), que energicamente buscou
implementar essas avassaladoras reformas num curto período de tempo. Esse grandioso projeto foi feito com a ajuda
e supervisão de mais de 40 conselheiros japoneses que tiveram experiência nas reformas da Restauração Meiji. Ao
contrário do entusiasmo febril dos reformistas no governo, a sociedade coreana precisou de certo tempo para
assimilar as mudanças sociais e econômicas. Heungseon, como presidente do Conselho Deliberativo, passou a
questionar as reformas e tentou manter algumas tradições e relações especiais com o governo chinês, o que
provocou sua destituição do cargo. Membros do movimento popular Donghak passaram a atuar de forma mais
difusa pelo interior e províncias do país, a denunciar as mudanças.
O ministro Inoue convenceu o rei Gojong a perdoar os delitos dos líderes do golpe de 1884, Pak Yung-hio e Seo
Gwangbom, e esses se juntaram ao gabinete de Kim Hong-jip. Além disso, Inoue mobilizou tropas japonesas para
esmagar de vez os rebeldes Donghak e pelo seu envolvimento na fracassada tentativa de alcançar o poder com
Heungseon. E visando maior controle da Coreia, os japoneses nomearam um membro substituto do ministro
residente Inoue Kaoru, um militar de formação, Miura Goro (1847 - 1926), em 1895.
A resistência anti-japonesa também vinha de outros setores da sociedade. Vários membros yangban
neoconfucionistas rejeitaram prontamente as Reformas Gabo, assim como os rebeldes inspirados pelo movimento
Donghak, classes populares e membros da família real, entre esses os membros do clã Min, ligados por sangue à
rainha. Esses últimos, vendo-se afastados do poder efetivo, foram procurar a ajuda dos russos. Assim, Miura Goro
começou a organizar uma conspiração para se livrar dos membros Min dos círculos monárquicos. À meia-noite de 7
de outubro de 1895, um grupo de japoneses armados junto com alguns coreanos aliados invadiram o palácio real e
assassinaram a rainha Min por esfaqueamento e depois seu corpo foi incinerado com querosene [945].
Apesar da turbulência dos eventos nos dias seguintes ao regicídio, as Reformas Gabo continuaram sendo
implementadas. Em 30 de dezembro de 1895, o ministro Kim Hong-jip aprovou o uso do calendário ocidental a
começar no ano de 1896. No mesmo dia, o rei Gojong, que vivia virtualmente como um prisioneiro real, decretou
que todos deveriam cortar seus tradicionais topetes, costume que vinha de séculos que se fundamentava nos
ensinamentos confucianos. Nesse sentido, os ânimos foram ainda mais inflamados, e as lutas e confrontos de
conservadores ortodoxos e elementos anti-japoneses e antiocidentais se alastraram pela península. Esse conjunto de
rebeldes se juntaram e organizaram-se em grupos armados e revigorando o “Exército Justo”, Uibyeong, do
movimento Donghak. Apesar disso, pouco puderam fazer frente à superioridade bélica das tropas do governo e dos
japoneses. Ademais, muitos camponeses que participaram nas lutas, não conseguiram entrar em consenso com
rebeldes yangbans mais conservadores e críticas do igualitarismo defendido pelo Donghak.
Em fevereiro de 1896, o rei Gojong, buscou refúgio na legação russa da capital coreana com a ajuda de dois
funcionários seus. Sob a proteção russa, Gojong escapou do controle dos japoneses e passou a abolir as medidas
feitas pelas Reformas Gabo. O ministro Kim Hong-jip e membros de seu gabinete chegaram a ser presos, e pior,
foram mortos pela fúria popular. A Rússia czarista começou a atuar como protetora da monarquia coreana, mas suas
ambições entraram em conflito com os japoneses. Essa mudança política por parte dos russos, mais agressiva e ativa
na península coreana, tinha se revelado clara desde a coroação do Czar Nicolau II em 26 de maio de 1896. Diante
disso, pelo maior envolvimento no leste asiático, vários emissários japoneses, chineses e coreanos se fizeram
presentes na corte russa em São Petersburgo. A servir aos interesses da família real coreana, foi enviado um membro
da família Min, Min Yonghwan (1861 – 1905), e pelos chineses, Li Hongzhan a negociar a construção da linha
ferroviária russa que passaria pela Manchúria. O Japão também se fez presente, com Yamagata Aritomo (1838 –
1922) para discutir e negociar a questão coreana. Para receber a todos, o anfitrião russo foi o ministro das Relações
Exteriores, o príncipe Aleksey Lobanov-Rostovsky (1824 – 1896) que teve a delicada tarefa de agradar a tantos
interesses e pleitos. Visando antes de tudo a defender os interesses nacionais, o chanceler russo passou a negociar
com os chineses a passagem pela Manchúria e isso demandou reforçar o controle sobre a península coreana, indo de
encontro aos interesses japoneses. Apesar disso, foi assinado um entendimento de termos com o governo de Tóquio,
no acordo chamado de Yamagata-Lobanov assinado em 9 de junho de 1896 [946]. Nesse, foi proposto uma divisão das
esferas de influência na península coreana, a ser demarcado pelo paralelo 38 Norte, algo que foi rejeitado pelos
russos. Essa linha de latitude iria depois ser evocado por Stálin em 1945.
Muitos outros coreanos estavam ansiosos em manter a plena independência de sua nação. Membros da corte e
reformistas radicais anti-japoneses buscaram o possível para se articularem com novas forças no plano internacional,
além dos russos e chineses. Um dos mais ardorosos defensores da independência foi Soh Jaipil (1864 – 1951) que
buscou exílio nos EUA desde o Golpe Gapsin de 1884 e retornou à Coreia como Philip Jaisohn. Ele foi um dos
primeiros coreanos a conseguir cidadania americana. Este tornou-se num dos mentores do Clube Chongdong, grupo
de líderes anti-japoneses, pró-americanos, localizados na rua Chongdong da capital, nas proximidades das escolas e
legações americanas. Após a fuga do rei para as autoridades russas, Soh Jaipil se juntou ao novo governo
estabelecido pelo monarca e aliados e atuou como conselheiro. Com o apoio financeiro angariado, inaugurou em 7
de abril de 1896, um dos primeiros jornais modernos, o Tongnip Sinmun ( 독립신문 , “Notícias Independentes”),
publicado com o alfabeto coreano de um lado e inglês no outro. Sua circulação diária inicial foi estimada em torno
de duas a três mil cópias [947].
Em 2 de julho, foi fundado sob a iniciativa de Soh o Clube da Independência (Tongnip Hyophoe, 독립협회 ). E
um dos primeiros atos dessa organização foi a construção de um portão, uma espécie de Arco do Triunfo na capital
coreana, a simbolizar a aspiração aos ideais democráticos e iluministas da nova Coreia: o Portão da Independência
(Dongnimmun, 독립문 ). Esse ato foi significativo pois fora erguido no local onde antes, pela tradição, recebia-se
os enviados chineses a respeitar os princípios do protocolo sadae, irmandade. O Clube da Independência aproveitou
o período de relativo equilíbrio dos poderes entre a Rússia, China e Japão para construir as bases de uma nação
independente, forte e próspera. Em 1897, o rei Gojong deixou a legação russa, e mudou-se para o Palácio Gyeongun
(atual Deoksugung) e passou a nomear funcionários pró-russos a instituir programas de modernização que, a
despeito das Reformas Gabo pró-japonesas, buscou também fortalecer a posição monárquica. Em agosto de 1897,
Gojong mudou seu título para Gwangmu (“Guerreiro da Luz”, 광무 ) e em outubro nomeou-se imperador, e
proclamou seu reino como Império da Grande Coreia. Uma nova constituição foi aprovada em 17 de agosto de 1899
centralizando o poder legislativo, executivo e judiciário em torno da figura do imperador, tal como no sistema
czarista russo. Essas reformas, referidas como Reforma Gwangmu, almejou equilibrar as tendências modernizantes,
mas a manter a autonomia e tradição coreana.
Apesar disso, os rebeldes conservadores, muitos da antiga classe dos literatos e do movimento Donghak se
opuseram a esse conceito que entrava em conflito com a tradição oriental. O Clube da Independência, que era local e
foco do apoio ao novo governo, era passivo e elitizado demais para ecoar na sociedade coreana. Ainda assim, o
governo de Gwangmu passou a concentrar as reformas agora no campo econômico, a garantir a sua capacidade
financeira. Através de um amplo levantamento das propriedades fundiárias e recenseamento populacional entre 1898
e 1901, o governo criou um novo departamento, o Escritório de Contrato de Terras. Assim, poderia ter dados para
novas políticas fiscais e populacionais. E todo o sistema rodoviário, minerador, comunicações, sistema postal e
indústria manufatureira passou a estar sob a égide do governo.
No entanto, apesar das reformas apontarem para um maior controle planejado centralizado, a base financeira do
governo de Gwangmu era frágil demais para todos os programas ambiciosos. A fim de arrecadar fundos para a
modernização industrial, o governo passou a conceder direitos especiais e isenções fiscais para a entrada do capital
estrangeiro, isso nos setores da mineração, ferroviário, eletricidade e saneamento. Isso provocou críticas de
nacionalistas, como no Clube da Independência e de seu jornal, que enxergaram nessas concessões uma afronta da
soberania nacional a favor dos interesses estrangeiros. Entre abril e julho de 1898, o clube começou a discutir como
implementar um sistema democrático parlamentar e monarquia constitucional, visando assim ter algum limite aos
poderes do rei. Isso foi exposto e argumentado a partir de uma série de editoriais de Soh Jaipil no jornal “Notícias
Independentes”, ganhando visibilidade no meio urbano e letrado. A reação do governo foi uma crescente
perseguição ao líder que, depois de anos de militância e vendo-se ameaçado, fugiu para os EUA em maio de 1898.
Mas em fins do século 19, havia surgido uma nova geração de líderes críticos do regime coreano e que lutaram
pelos ideais democráticos e constitucionais. Assim como Soh Jaipil, jovens olharam o sistema político americanos
com admiração, e esses passaram a atuar no Clube da Independência. Entre esses, Yun Chi-ho (1864 – 1946) e Yi
Sang-jae (1850 – 1929) que tinham formado seus ideais através de sua educação na Escola Baejae e suas vivências
no exterior. Chi-ho depois virou editor do primeiro jornal comercial da Coreia, o Gyeongseong Sinmun (“Notícias da
Capital”) fundado em 1898 [948]. Isso se inseriu na tendência de incentivos das escolas missionários ocidentais
protestantes no país de publicações de periódicos vernaculares em hangul, como o Joseon Kurisudoin Hoebo
(“Boletim Coreano Cristão”), o Kurisudo Sinmun (“Jornal Cristão”) e o Hyopsong Hoebo (“Boletim da Sociedade
da Amizade Mútua”) [949]. Este último boletim foi fruto de um clube estudantil da Escola Baejae, que tinha sido
iniciado sob a liderança de Yi Sungman (ou Syngman Rhee) (1875 – 1965) que depois se juntou ao Clube da
Independência.
Em outubro de 1898, membros do Clube da Independência se congregaram na Praça Chongno, no centro da
capital, Hanyang (atual Seul), reunindo cerca de 4 mil pessoas. Nessa ocasião, vários membros oficiais e do governo
estavam presentes assim como membros notáveis da sociedade, desde da classe dos letrados, religiosos,
comerciantes e estudantes. O evento foi uma primeira grande manifestação democrática, um ensaio para as
mudanças exigidas no reino em tempos de transformação. Representantes do governo saíram do evento com
propostas que depois foram levados ao monarca. Entre as propostas, uma recomendava a criação com efeitos
efetivos de um alto órgão legislativo, Conselho Privado. Com relutância, o imperador Gwangmu acatou as propostas
e prometeu implementá-las. Mês seguinte, em novembro de 1898, foi promulgada um novo conjunto de
regulamentos, pelos quais estabeleceu-se que metade dos 50 membros do Conselho Privado seriam escolhidos do
Clube da Independência. Isso provocou a indignação dos membros conservadores e monarquistas que persuadiram o
imperador que o clube planejava no futuro estabelecer uma república no país. Convencido, o imperador coreano
mandou então a detenção dos líderes do clube. Yi Sang-jae e outros 16 membros foram imediatamente encarcerados
para interrogações.
Essas detenções, e a aparente indecisão e debilidade do imperador, gerou ondas de protestos pelo país. Em 29 de
novembro, Gwangmu compôs o Conselho Privado, mas com apenas 17 membros do Clube da Independência. Um
deles era o jovem Syngman Rhee. Apesar da maioria dentro desse conselho legislativo ser composto de membros
monarquistas, membros da chamada Associação Imperial, os da Clube da Independência conseguiram aprovar
resolução para repatriar Pak Yung-hio e Soh Jaipil do exílio. Enquanto as tensões fermentavam, houve rumores de
que certos grupos estavam tramando um golpe para instalar uma monarquia constitucional, e a colocar no trono o
Príncipe Imperial Uihwa (Yi Kang) (1877 - 1955) e a convidar Pak Yung-hio para ser primeiro-ministro. O
resultado foi a prisão de vários líderes considerados suspeitos de sedição e desordem à ordem imperial. Em 21 de
dezembro de 1898, tropas reais do governo reprimiram as demonstrações da sociedade que lutaram por
democratização e a soltura dos membros do Clube de Independência. O flerte com a democracia coreana teve uma
vida tênue e breve nesse momento, e perspectivas sombrias pareciam vir do norte e do outro lado do mar ao leste.

Japão (Da Era Taishô à Heisei - 1912 – Início do Século 21)

Política e sociedade no período Taishô


À época da morte do imperador Meiji em 1912, o Japão já tinha se consolidado numa nação próspera, unificada e
respeitada no plano internacional. As transformações da modernidade ocidental trouxeram novos valores e
influências na sociedade, e na política surgiram vários partidos de cunho constitucional, democrático, nacionalista,
monarquista e comunista. O Japão refletia, e absorvia, os ventos das mudanças nas primeiras décadas do século 20.
A democracia vicejou depois das reformas políticas feitas durante o período Meiji. Nos anos do imperador
Taishô, Yoshihito, que sucedeu Meiji (Mutsuhito) em 1912, o Japão conheceu um período de relativa calmaria e
prosperidade. Foram nesses anos, até 1926, que floresceram críticas e propostas sociais e políticas novas ao sistema
japonês, tal como a proposta de unir a forma monárquica no parlamentarismo como sugeriu o constitucionalista
Tatsukichi Minobe (1873 – 1948). Na esfera externa, o diplomata Nitobe Inazô (1862 – 1933), que chegou a ocupar
o cargo de subsecretário geral da Liga das Nações e diretor do Comitê Internacional de Cooperação Intelectual
(precursora da UNESCO), propôs uma nova ordem mundial a respeitar mais a diversidade racial e cultural.
A sociedade japonesa no período Taishô testemunhou mudanças sensíveis. Decorrente do crescimento das
grandes cidades, houve um incremento de uma classe média urbana e assalariada (sarariman), homens e mulheres,
que foram novos consumidores dos novos produtos e hábitos advindos do exterior: cigarros, jazz, beisebol, sapatos,
vestidos, maquiagens, gravatas e chapéus. Formaram um voraz público leitor de pequenos contos, novelas, folhetins,
jornais, revistas e ficções gráficas (mangá).
As condições de vida e trabalho da classe trabalhadora e rural, no entanto, não prosperou em igual medida. Os
salários e ganhos mal acompanharam o processo inflacionário que resultou numa marginalização cada vez maior de
um expressivo contingente populacional do restante urbano japonês. Foram entre esses, excluídos e ressentidos da
urbanidade, em que as ideias do conservadorismo e ultranacionalismo das décadas seguintes irá crescer. Alguns
segmentos populares, diante da busca por melhorias e direitos, se organizaram em associações e sindicatos e
começaram a defender e se filar a partidos comunistas.
A prosperidade que o Japão atravessou no período Taishô fora em grande parte em decorrência da demanda
externa, além do mercado doméstico. Na Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), a produção industrial japonesa
quintuplicou principalmente no setor têxtil, um dos primeiros setores mecanizados nos anos Meiji. Ademais, foi
significativa a participação do Japão na Guerra, atendendo aos pedidos de seu aliado, a Grã-Bretanha a combater e
ocupar as bases alemãs em Shandong e Tsingtao, na China, além das Ilhas Marshall no Pacífico. A ofensiva foi
aproveitada para que as tropas imperiais japonesas se assegurassem na região nordeste da China, na Manchúria, ao
norte do rio Yalu da península coreana. E, assim feito, passou o Japão a exigir maiores concessões territoriais e
econômicas sobre o débil regime republicano chinês da época, nas chamadas "Vinte e Uma Demandas", em 1915.
A participação ao lado dos aliados na Primeira Guerra Mundial, além da ativa participação contra os bolchevistas
na costa asiática da Rússia entre 1917 a 1922, fez com que o Japão fosse convidado como membro dos Quatro
Grandes, vencedores da guerra (Grã-Bretanha, França, EUA e Itália), que se reuniram em várias sessões em
Versalhes em 1919 a definir a nova ordem internacional. Esse reconhecimento, contudo, foi limitado pois não foram
atendidas as demandas da delegação japonesa sobre uma cláusula de igualdade e não discriminação racial. A
resistência maior adveio da delegação britânica, que temia pelo futuro de seu império, algo que foi atendido na
votação com a delegação americana. Esse ato desagradou em muito Tóquio que passou a enxergar no ato uma
traição concertada dos ocidentais tal como o que ocorreu na intervenção conjunta sobre Liaodong após a Guerra
Sino-Japonesa em 1895.
O quadro foi ainda mais agravado com a renovação, em novos termos, do Acordo Naval assinado em
Washington em 1921-1922 (fig.). Em que foi definida uma proporção do poderio naval, em termos de tonelagem,
entre os EUA, Grã-Bretanha e Japão na proporção 5:5:3. Ou seja, coube aos japoneses menor presença naval no
Pacífico e leste asiático frente aos dois países anglófonos. A última gota adveio com a aprovação nos EUA de uma
lei racial de imigração que proibia a entrada de japoneses e outros asiáticos no solo americano.

Fig. – A Conferência de Washington de 1921-1922.

O Império do Sol Nascente


Após a Crise da Bolsa de Nova Iorque de 1929, boa parte da economia capitalista global entrou em recessão. A
Ásia não ficaria indiferente. Os reflexos políticos foram a ascensão de partidos políticos mais centralizados e
dirigistas. No Japão, surpreendentemente, os efeitos da crise foram mitigados, mas o cenário democrático e
parlamentar, sustentado desde 1868, sucumbiu diante de um avanço de um regime ultranacionalista e militarista.
A indústria japonesa recuperou-se devido à forte desvalorização do iene, que tornou os produtos japoneses mais
competitivos globalmente, a uma diminuição da taxa básica de juros e a um incremento dos gastos do governo em
obras públicas. Como efeito, as exportações japonesas duplicaram entre 1930 e 1936 [950]. Mas o efeito global da
crise foi a maior proteção dos mercados nacionais, o que ameaçava as exportações japonesas e incentivou a
percepção necessária da nação assegurar um espaço a ser controlado com recursos energéticos e minerais para o seu
autossustento. Nessa visão, a rica região mineral chinesa da Manchúria foi considerada vital para a sobrevivência
econômica japonesa.
O argumento econômico para a autossuficiência fora reforçado com as lições estratégicas militares decorrentes
da Primeira Guerra Mundial, que parecia apontar um futuro cada vez mais protecionista e competitivo na ordem
internacional. Para tanto, era necessário, em caso extremo, um plano nacional visando à guerra total, concretizado no
Estado de Defesa Nacional. Esse plano vislumbrou aumento significativo em gastos militares e industriais para
assegurar a defesa dos interesses nacionais. Em 1934, o Japão rompeu os acordos com Londres e Washington, que
limitavam sua frota naval desde os acordos de 1921-1922, e, em 1937, iniciou a construção dos que seriam os
maiores navios de guerra da época, os da classe Yamato.
Ideologicamente, o estado japonês iniciou uma intensa campanha de valorização da figura imperial nas escolas
do país. O estado seria organizado com base na religião xintoísta, enfatizando o mito da descendência divina
imperial da deusa solar Amaterasu. Essa ideia era conjugada com uma missão divina de expansão japonesa para
ilhas e regiões vizinhas na Ásia. Essa política ideológica atingiu seu ápice no final da década de 1930, quando mais
de duas milhões de cópias dos Princípios Cardinais da Política Nacional foram publicadas e incluídas como leitura
obrigatória nas escolas japonesas[951]. Esse senso de unicidade fora explorado com o intenso uso da mídia de massa
propagando a idealização dos valores tradicionais japoneses – chamado de kokutai ( 国体 ) – contra as nefastas
influências estrangeiras ocidentais do individualismo, ganância e desarmonia.
Em 1930, o primeiro-ministro Hamaguchi fora assassinado pelas suas iniciativas pacifistas de limitação dos
gastos militares de acordo com os ditames da Liga das Nações no qual o país era membro fundador. No ano seguinte
os esforços do governo civil em pôr fim à ocupação da Manchúria provaram ser impopulares, a ponto de derrubar a
própria administração nacional. Em 15 de maio de 1932, um grupo de oficiais militares invadiu o gabinete do então
primeiro-ministro Inukai Tsuyoshi e o matou. Incrivelmente, o Ministro da Guerra e o Chefe da Polícia Militar do
país louvaram as atitudes dos militares envolvidos clamando-os de “patriotas”.
A onda de assassinatos e desobediência militar atingiu o clímax em 26 de fevereiro de 1936, quando a Primeira
Divisão do Exército, em Tóquio, amotinou-se. Os rebeldes ocuparam vários prédios governamentais da capital e
assassinaram o ex-primeiro-ministro Saito, o Ministro das Finanças Takahashi e o Inspetor-Geral de Educação
Militar Watanabe nas suas residências. O primeiro-ministro incumbente Okada por pouco escapou dos amotinados.
Depois dos incidentes, os rebeldes proclamaram num manifesto suas motivações virtuosas visando recuperar o
prestígio nacional.
Nesse ponto, o governo civil já se encontrava bastante debilitado e intimidado pelos atos organizados dos
militares. Em 1940, não houve maioria partidária para garantir governabilidade no parlamento japonês,
prenunciando a paralisação democrática do governo frente a um setor militar cada vez mais presente e atuante no
país. Uma nova era de militarismo ultranacionalista se iniciava.
No aspecto externo do Japão, na Manchúria, os japoneses consideraram-se como mantenedores da ordem e
harmonia popular frente a poderosos líderes chineses locais, os chamados “senhores da guerra”. Argumentava-se
haver uma natural afinidade cultural e histórica entre os povos do leste asiático, professando a ideia de uma
“coprosperidade” entre todos. Como exemplo, a criação da Associação Concórdia na Manchúria (no estado de
Manchukuo, entidade criada pelos japoneses) foi intencionada para garantir a coordenação dos nativos locais com a
devida supervisão japonesa, com base em princípios de harmonia confucionista. Nesse argumento, uma ampla frente
pan-asiática era visada[952]. Mas, com o tempo, tais ideais na prática não esconderam a pretensa superioridade racial
nipônica com relação aos manchurianos e chineses.
Mesmo a despeito de enorme investimento na indústria, o estado de Manchukuo resultou em deficits para o
orçamento japonês. A estratégia de se integrar uma região asiática para tornar o Japão autossuficiente falhou. Na
verdade, após as invasões ao território chinês a partir de 1937, a economia nipônica entrou para uma fase
emergencial, de modo a atender os esforços de guerra em frentes cada vez mais ampliadas na Ásia. E, ironicamente,
ficou cada vez mais dependente dos recursos importados do mercado dos EUA e do exterior.
Um dos efeitos mais imediatos para a economia japonesa diante dos seus esforços de guerra foi demonstrado na
Lei de Mobilização Nacional de fevereiro de 1938, ao impor racionamento e outras medidas de austeridade a toda
sociedade. No referido ano, a gasolina foi rigorosamente racionada. Arroz, fósforos, açúcar e carvão se juntaram à
lista em 1940 e, em maio do mesmo ano, as lojas foram impedidas de vender qualquer bem não essencial.
Internacionalmente, o Japão assinou em 1936 um pacto anti-Comintern com a Alemanha de Hitler e formalizou
aliança com os países do Eixo, a Alemanha e Itália, em 1940. Decidiu, após fracassos militares em 1939 em
Nomonhan, na Mongólia, assinar um pacto de não agressão com Stalin, da União Soviética, que foi respeitado quase
até o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.
O Japão almejava, ao assinar aliança com os países do Eixo, fazer com que outros países relutassem em intervir
contra eles na Ásia e, primordialmente, cortassem a linha de assistência e fornecimento para a China. Com isso em
vista, em julho de 1941, o avanço nipônico aproveitou-se da ocupação nazista na França e ocupou toda a Indochina
Francesa, focalizando a região costeira do Vietnã. A França foi incapaz de resistir e passou a colaborar com as
forças invasoras. Por sua vez, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a Holanda passaram a boicotar economicamente
o Japão, notavelmente na venda de metais e petróleo, algo com efeito devastador para a economia nipônica. Em
1940, 80% do fornecimento petrolífero da nação asiática provinham da economia norte-americana [953]. A alternativa
ao fornecimento americano se daria pela ocupação da ilha de Java, atual Indonésia, à época parte das Índias
Holandesas.
A decisão de declarar guerra aos EUA, a partir de 1941, parece não fazer sentido, portanto. Mas, no referido ano,
as reservas petrolíferas japonesas estavam consideravelmente baixas para a mobilidade de sua frota naval e aérea no
Pacífico e de suas forças terrestres no leste asiático. Se almejasse alguma vitória duradoura na região, o governo
japonês teria que agir rápido para ocupar e fortalecer suas posições de defesa antes da chegada das forças norte-
americanas vindas do leste do Pacífico. Uma decisão imperial foi tomada em 5 de novembro de 1941: ir para a
guerra caso não houvesse nenhum acordo com as lideranças em Washington. Em dezembro, a Marinha Imperial
Japonesa decidiu mobilizar sua frota visando paralisar as forças dos Estados Unidos num ato de inesperada ofensiva
à sua frota do Pacífico com base no Havaí. Em 07 de dezembro atacaram Pearl Harbor (fig.).
Fig. – Ataque japonês a Pearl Harbor, Havaí, 7 de dezembro de 1941.

O ataque produziu estupor e inicial paralisação do Alto Comando em Washington. Um ataque simultâneo à
Malaia Britânica (atual península continental da Malásia), passando pelo território neutro da Tailândia, também foi
empreendido com sucesso, provocando confusão e consternação entre os aliados antifascistas na Segunda Guerra
Mundial. A Hong Kong britânica caiu no dia de Natal de 1941 e, no dia seguinte, Manila, capital das Filipinas
controladas pelos EUA, foi declarada cidade aberta para não sofrer maiores danos das tropas japonesas. De Malaia,
os japoneses prosseguiram despercebidos no seu avanço terrestre rumo à maior base naval britânica na Ásia,
Cingapura. A cidade britânica caiu nas mãos japonesas em 8 de fevereiro de 1942. Em 9 de março, o maior prêmio
visado, a ilha holandesa de Java, com seus ricos recursos de petróleo, borracha e estanho, se rendeu. Em maio, os
últimos redutos dos EUA nas Filipinas, na ilha de Corregedor, foram submetidos. Rumores de que haveria uma
massiva invasão na Índia Britânica e o norte australiano começaram a circular.

Mapa do império japonês em 1942.

O Japão precisava apenas de mais algumas vitórias para garantir sua linha de defesa diante de uma eventual
contraofensiva dos Aliados[954]. Essas últimas vitórias, no entanto, não chegaram a tempo. Todos os porta-aviões
norte-americanos escaparam ilesos do ataque em Pearl Harbor. Em 8 de maio de 1942, uma força tarefa dos EUA
interceptou uma força invasora japonesa que se dirigia a Port Moresby, na ilha da Nova Guiné. Na batalha
subsequente do Mar de Coral, entre a Austrália e a Papua Nova Guiné, os japoneses foram forçados a cancelar sua
invasão. Em junho, os japoneses conseguiram invadir as ilhas Aleutas, no Alasca, território estadunidense. Mas foi
um ato muito mais de distração dentro do plano maior de desarticular a força naval dos EUA no Pacífico.
Graças aos esforços de inteligência militar com a quebra do código japonês, a frota dos EUA conseguiu sua
primeira significativa vitória nas ilhas Midway, no Pacífico, em 4 de junho de 1942. A partir de então, o império
japonês foi se revelando uma colcha de retalhos. Submarinos norte-americanos penetraram as águas japonesas com
facilidade e iniciaram uma campanha de afundamento no fornecimento de petróleo javanês. Como resultado, a
indústria japonesa começou a paralisar suas atividades, incapaz de fornecer peças de reposição e munição à
campanha de guerra.
A contraofensiva terrestre começou na ilha de Guadalcanal, nas ilhas Salomão, em agosto de 1942, expulsando
as forças japonesas em fevereiro do ano seguinte. A partir dali as forças japonesas começaram a entrar numa
tendência de retração contra as forças terrestres dos Aliados comandadas pelo General Douglas MacArthur (1880-
1964) vindos do sul, a partir da Papua Nova Guiné, retomando as Filipinas, atravessando as ilhas do Pacífico das
Marianas até Okinawa, na região meridional do Japão.
Diante da inquestionável superioridade industrial dos EUA, os japoneses empreenderam sua maior batalha naval
no Golfo de Leyte, nas Filipinas, onde, em outubro de 1944, foram decisivamente derrotados pelos Aliados na
Segunda Guerra Mundial. Em desespero, os japoneses passaram com maior frequência a táticas suicidas, na ofensiva
aérea de kamikazes (“vento divino” em japonês), frente aos navios aliados. Em novembro de 1944, os bombardeios
aéreos contra cidades japonesas começaram com o uso dos aviões de longo alcance, os B-29, com base nas Ilhas
Marianas. Ao todo, estimadas 66 cidades foram incendiadas entre muitas construções tradicionais japonesas de
madeira. Somente a cidade imperial de Quioto foi poupada, pelo seu inegável símbolo histórico. Pouco depois, o
espaço aéreo japonês fora dominado. Mas a rendição incondicional exigida pelo Comando Aliado, decidido na
Conferência de Casablanca em 1943, permanecia inaceitável pelas autoridades japonesas. Algumas lideranças
japonesas apostavam ainda no espírito resiliente do povo e na sua suprema lealdade ao Imperador Hirohito,
designado como Showa.

Mapa - Ofensivas americanas contra o Japão, 1942-45.

Diante da intransigência japonesa com o aval do imperador, os Aliados prosseguiram numa nova ofensiva para
forçar a rendição da ilha asiática. Em 06 de agosto de 1945, uma nova arma de destruição, a bomba atômica, foi
lançada sobre a cidade de Hiroshima. Dois dias depois, a União Soviética decidiu romper sua neutralidade e passou
a avançar sobre a Manchúria. No dia 09 de agosto, uma segunda bomba atômica fora lançada por aviões norte-
americanos na cidade de Nagasaki (fig.). Até o dia 10, o governo japonês ainda não tinha se pronunciado claramente
sobre a sua decisão de rendição, pois permaneciam irredutíveis no quesito preservação da família imperial no país. A
resposta dos EUA, aprovada pelo governo britânico e soviético, foi de concordância com esses termos, para garantir
a permanência da família imperial japonesa, porém “submetidos ao Comandante do Conselho Supremo das Forças
Aliadas”[955], isto é, ao General Douglas MacArthur.
Fig. – O bombardeio atômico de Nagasaki, 9 de agosto de 1945.

A decisão foi um choque para muitos militares japoneses. Depois de considerável debate, o Imperador Showa,
Hirohito, decidiu em pessoa se render em 14 de agosto. Gravou uma transmissão em áudio para a população
japonesa e, uma noite antes da transmissão da mensagem, um grupo de oficiais militares tentou destruir a gravação.
O grupo falhou e, em 15 de agosto de 1945, o povo japonês, atônito, ouviu a voz do imperador pela primeira vez na
sua linguagem formal palaciana, eufemisticamente evitando a humilhante palavra “rendição”, expressando os
últimos eventos da guerra como “não favoráveis ao Japão” e clamando ao povo que, no futuro, “suportasse o
insuportável” [956]. O Japão em sua longa história nunca fora derrotado de maneira tão fulminante, e talvez essa tenha
sido a sua tragédia, de não saber a hora da rendição.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, assinados os termos a bordo do navio norte-americano USS Missouri em 2
de setembro de 1945, o Japão saiu arruinado, sofrendo estimados dois milhões e 700 mil mortos. Poucos poderiam
supor que, nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, o Japão e o leste asiático reemergiriam como uma
das zonas mais dinâmicas do planeta em termos econômicos. A China foi a que mais sofreu com as invasões
nipônicas, resultando em torno de 20 milhões de mortes [957], sua economia e indústria arruinadas, humilhada
socialmente e dividida politicamente.
O Japão após 1945
Depois de assinada a rendição do Japão a bordo do navio USS Missouri, a sociedade japonesa estava ansiosa e
incerta sobre a vinda de um exército estrangeiro de ocupação no país. Muitos japoneses estavam aliviados com o fim
dos conflitos, mas muitos estavam apreensivos. Os estrangeiros, em geral, foram bem recebidos, muitos, até 1951,
receberam serventes em suas residências. Decorreu disso, muitos casos amorosos e de fascinação de norte-
americanos pela cultura japonesa.
Ao contrário da Alemanha e da Coreia, o Japão não foi dividido em áreas pelos aliados. Foi muito mais um caso
de ocupação dos EUA. A supervisionar toda a reconstrução política e econômica do país estava o Comando
Supremo das Forças Aliadas (CSFA), sob o ofício do General Douglas MacArthur, cuja sede ficava no prédio Dai-
ichi Seimei em Tóquio, com vistas ao palácio imperial japonês. Apesar de responder à autoridade do presidente dos
EUA, MacArthur encarou-se como o soberano da nação asiática, com um misto de fascinação e arrogância
paternalística. Esperava entender a mente japonesa, trazendo consigo sua experiência na sociedade filipina, algo
completamente inadequado. As primeiras atitudes do CSFA foram a reconstrução do país. Com um vibrante
mercado negro nos anos após 1945, MacArthur requisitou grandes suprimentos de alimentos e medicamentos dos
EUA.
O CSFA estava, com isso, esperando conter a onda de revanchismo no Japão e afastar a ascensão de partidos
políticos nacionalistas ou antiamericanos. Com relação aos militares e políticos envolvidos na Segunda Guerra
Mundial, o CSFA decidiu selecionar alguns líderes e militares de alta patente e julgá-los de acordo, muitos
sentenciados à morte por enforcamento, como o General Tojo Hideki. Mas muitos americanos sentiram que a
responsabilidade última da guerra no Pacífico foi do imperador Hirohito (fig.). Mas o assunto era demasiado
delicado, e MacArthur decidiu preservar a instituição visando uma melhor reestruturação do país sem grandes riscos
de desordem. Em decorrência disso, o Imperador Showa, Hirohito, foi mantido no Trono do Crisântemo e a questão
foi largamente não debatida no Japão por décadas, até sua morte em 1989.
Fig. – Imperador Showa, Hirohito.

Na primavera de 1946, foram conduzidas as primeiras eleições com a inédita participação das mulheres
japonesas. Shigeru Yoshida (1878-1967) se tornou primeiro-ministro e desempenharia o papel de liderança durante a
era da ocupação do país. As reformas políticas foram supervisionadas pelo CSFA, para enfatizar a unidade nacional,
a criação de instituições políticas e partidárias, sindicatos, mídia livre, igualdade de direitos e de expressão, todos
seguindo os modelos ocidentais. Leis antimonopólio e antitruste foram aprovadas, dando fim aos conglomerados de
empresas zaibatsu. A reforma agrária das grandes propriedades gerou como efeito o fim dos privilégios de senhores
de terras. Essa tendência, aliada à rápida urbanização do país, foi de fundamental importância na dissolução da
ordem social tradicional. A religião oficial do estado, o xintoísmo, que cultuava o imperador como figura divina foi
abolida e a liberdade religiosa foi proclamada.
Uma nova constituição era necessária para repor a antiga ordem política. Nesse caso, os americanos no CSAF
elaboraram uma nova carta respeitando as linhas diretrizes ditadas pelo General MacArthur. A nova constituição,
com algumas pequenas revisões, foi aprovada no parlamento japonês (Dieta) em novembro de 1946 e entrou em
vigor em maio de 1947 até os dias atuais. Na constituição, a figura imperial foi reduzida para um “símbolo do
estado”. A soberania, efetivamente, repousava na população. Todos os cidadãos com vinte anos ou mais de idade
poderiam votar, incluindo as mulheres.
O primeiro-ministro, líder do governo, era escolhido pela Dieta e não mais pelo imperador. Em outras palavras, o
primeiro-ministro era quase sempre o líder do partido majoritário no Legislativo, partido esse que, até 2009, foi o
Partido Liberal Democrata (PLD). O Japão efetivamente desde 1945, com períodos de exceção, experimentou um
longo período de multipartidarismo democrático em que um partido quase sempre predominou. A explicação para
isso é de que a oposição ao PLD era pulverizada demais, sem articulação. O maior contestador político advinha dos
socialistas que, por sempre denunciarem a ocupação dos EUA, tinham desconsideração do CSFA e pouco apelo da
população em geral. O PLD, ao contrário, era visto como o garantidor da paz, ordem e prosperidade do país após a
guerra. As disputas políticas maiores, portanto, no Japão se davam entre as lideranças do próprio PLD, com
milionárias campanhas e arrecadamentos eleitorais nem sempre conduzidos de maneira ética e transparente.
O artigo constitucional japonês mais surpreendente no pós-guerra é o nono, que assegura que o “povo japonês
renuncia à guerra como direito soberano da nação” e que as suas forças militares “nunca serão mantidas” [958].
MacArthur parece ter tido essa ideia de inclusão, apesar de ter ajudado na criação e organização de uma força
policial que ficou conhecida como as Forças de Autodefesa. A população japonesa, no geral, endossou a cláusula,
repudiando qualquer tentativa de beligerância do país após os traumas de 1945.
Em setembro de 1951, foram assinados em São Francisco os tratados de paz que puseram fim ao período de
ocupação americana e supervisão do CSFA. O fim oficial da ocupação, contudo, não significou o fim da presença
militar dos EUA. Sob acordos assinados de assistência militar, o governo dos EUA manteve uma base na ilha
meridional de Okinawa até 1972. Essa presença americana provocou fortes demonstrações da sociedade japonesa,
como as que ocorreram em 1960, resultando no cancelamento de visita presidencial de Eisenhower ao Japão.
Em termos econômicos, de 1950 a 1973, o PIB do Japão expandiu-se a uma taxa anual média de mais de 10%,
com apenas alguns intervalos. Concomitantemente a isso, houve uma alta taxa de investimento em tecnologia[959]. O
Japão desenvolveu uma economia orientada para a exportação e assim criou uma ampla reserva cambial de moeda
estrangeira que foi investida na pesquisa de novas tecnologias, matérias-primas e fontes de energia para o seu
desenvolvimento industrial. O ambiente internacional para suas exportações era favorável, pois tinha a abertura e
preferência comercial dos seus produtos no mercado dos EUA, maior economia mundial após 1945. A Guerra da
Coreia também foi outro fator que contribuiu para uma alta demanda de produtos, peças e serviços da economia
japonesa, chegando a 27% da sua pauta exportadora em 1950[960].
Nas décadas seguintes o desempenho econômico foi nada menos que espetacular. Em 1965, a economia japonesa
era estimada em US$ 91 bilhões. Quinze anos depois, em 1980, seu PIB cresceu para mais de US$ 1 trilhão. Muito
desse crescimento era atribuído à política do primeiro-ministro Hayato Ikeda, ex-ministro da Indústria e Comércio
Exterior (mais conhecido por Miti, sigla em inglês) que buscou incentivar uma ampla industrialização com base em
empréstimos a juros baixos de bancos ligados ao Banco Central do Japão. Essa política resultou em grandes
conglomerados industriais e financeiros, chamados de keiretsu, amplamente financiados e protegidos pelo governo
em áreas como construção naval e siderúrgica. Na década de 1960, Ikeda ampliou essa política para a construção de
uma eficiente infraestrutura nacional: aeroportos, portos, hidrelétricas, ferrovias, metrôs e comunicações.
O Japão é um país com poucas matérias-primas para o desenvolvimento industrial e insuficientes reservas
petrolíferas. Em 2012, o Japão ficou em segundo lugar mundial, atrás da China, em importação de combustíveis
fósseis. Para sanar tal quadro, foram cuidadosamente elaboradas linhas de financiamento estratégico e industrial,
como usinas siderúrgicas, em países exportadores de petróleo. Em 2012, 83% do seu petróleo advinha do Oriente
Médio, sendo que a Arábia Saudita respondia por 33% destes, além dos Emirados Árabes Unidos, Irã, Qatar e
Kuwait [961].
Na linhagem imperial, o sucessor de Hirohito foi seu filho mais velho, Akihito, que o sucedeu como o imperador
Heisei em 1989 [962], evento com grandes esperanças. Contudo, na década de 1990 e a primeira do século 21 viram a
economia japonesa encolher de US$ 5,3 trilhões em 1995 para US$ 4,3 trilhões em 2007[963], durante as chamadas
“duas décadas perdidas” (Ushinawareta Nijūnen). As causas se deram com a bolha especulativa em fins dos anos de
1980, relacionada com a ampla oferta de empréstimos dos bancos japoneses. Há grande preocupação, atualmente,
em retomar o crescimento expressivo do Japão. O primeiro-ministro Shinzô Abe, eleito em dezembro de 2012,
introduziu uma série de reformas econômicas – a chamada Abenomics – a combater a baixa inflação, a diminuição
da oferta da mão de obra do país e os problemas demográficos de uma população em envelhecimento. Apesar da
crise, o Japão ainda ostenta a terceira maior economia no mundo em termos de PIB, atrás apenas da China desde
2010 [964] e dos EUA.

Coreia (1900 - 1945)


A Coreia na virada do século 19 para o seguinte encontrava-se numa situação delicada. Nuvens de tempestade
pareciam confluir para a península. Durante o período, o governo coreano buscou investimentos externos para
dinamizar sua modernização, no setor industrial, pesqueiro, minerador, transporte e infraestrutura urbana. No âmbito
externo, a Rússia e o Japão começaram a tomar rumos mais agressivos com base nos seus interesses asiáticos. Em
janeiro de 1902, o governo japonês obteve um trunfo diplomático ao assinar um acordo com os britânicos sobre
questões navais. Além disso, Londres reconheceu os interesses nipônicos sobre a península coreana. Em agosto de
1903, animados com tal êxito, os japoneses passaram a exigir que os russos reconhecessem igualmente a sua
proeminência sobre o território coreano, propondo em contrapartida a Manchúria ao regime czarista.
A chancelaria russa então fez outra proposta, a de criar uma zona neutra entre as partes na Coreia ao norte do
paralelo 39. Mas como a Rússia tinha desconsiderado a oferta japonesa de dividir a Coreia em 1896, Tóquio
resolveu por bem agir por igual e rejeitou a ideia [965]. Era então inevitável que os dois governos iriam colidir em
algum momento. Em fevereiro de 1904, forças japonesas desembarcaram no solo coreano e entraram na capital,
Hanyang. Feito isso, intimidaram o governo coreano a renunciar à sua condição independente e neutralidade e a
aceitar o controle japonês. Nesse contexto, o movimento do Clube da Independência e outros setores encontravam-
se bastante ativos no cenário político coreano. E isso fez com que os dirigentes japoneses buscassem colaboradores
coreanos na sua empreitada. Foi assim que foi formado um grupo de coreanos pró-japoneses, chamado de Iljinhoe
(“Sociedade Unida para o Progresso”, 일진회 ) em agosto de 1904. O grupo era liderado por Song Byung Joon
(1858 – 1925) e Yi Yonggu (1868 – 1912), sendo que o primeiro havia vivido no exílio no Japão e tinha trabalhado
como intérprete do exército japonês. Yi, por sua vez, curiosamente tinha ascendido como líder de uma seita que
antes pertencia ao movimento Donghak. Além dessas duas figuras, outros da sociedade coreana de várias origens,
desde ex-funcionários reformistas, comerciantes e rebeldes antiocidentais, juntaram-se à organização. Para
demonstrar sua lealdade, todos os membros cortaram seus topetes e colaboraram ativamente na construção de linhas
de trem e esforço de guerra contra os russos. Apesar desse entusiasmo, o governo japonês ordenou aos seus
diplomatas e militares não assumirem publicamente nenhuma conexão com o grupo, a fim de conferir maior
legitimidade nacional.
Em momento derradeiro, as forças japonesas cruzaram o rio Yalu em maio de 1904 e atacaram os russos na
península de Liaodong. Embora os japoneses superassem em número os russos na Manchúria e região, sofreram
amargamente inúmeras baixas para capturar a cidade de Port Arthur (hoje, Luyshun). Mas, felizmente para o lado
japonês, a vitória adveio do mar. Graças à sua aliança com os britânicos desde 1902, a passagem da frota naval russa
do Mar Báltico foi impedida de passar pelo Canal de Suez, forçando-a a circunavegar longamente o continente
africano a fim de se juntar à batalha no leste asiático. Tendo tempo para planejar sua estratégia naval, o almirante
japonês Togo Heihachiro (1847 - 1934), admirador do herói coreano do século 16, o almirante Yi Sun-sin, esmagou
espetacularmente a frota russa quando essa tentava atravessar o Estreito de Tsushima para chegar à cidade de
Vladivostok após viagem de dois meses [966].
A vitória conferiu ao Japão grande visibilidade militar e política no meio internacional. Nos EUA, o presidente
Theodore Roosevelt (1858 – 1919), mais impressionado com as reformas da monarquia constitucional japonesa do
que o regime czarista, ofereceu-se como mediador da paz para os conflitos no leste asiático. Assim, Washington
enviou então o secretário William Taft (1848 – 1930) a Tóquio para assinar um acordo secreto com o chanceler
Katsura Taro (1848 – 1913). O Acordo Taft-Katsura reconheceu mutuamente o domínio japonês na Coreia assim
como a presença dos EUA nas Filipinas. Visando à paz, Roosevelt apresentou-se como voluntário para negociar os
termos entre russos e japoneses em Portsmouth, New Hampshire. Assim, em setembro de 1905, as duas partes
assinaram o Tratado de Portsmouth. No acordo, a Rússia foi obrigada a entregar a parte meridional das Ilhas
Sacalina e Curilas, juntamente com as ferrovias na Manchúria para o controle japonês e a admissão dos interesses
nipônicos sobre a Coreia.
Enquanto isso, o imperador coreano, Gwangmu, buscou infrutiferamente o apoio americano pelo
reconhecimento da independência coreana, conforme assinado no Tratado de Paz, Amizade e Comércio de 1882. No
entanto, Roosevelt desconsiderou qualquer mudança de postura, mesmo após insistentes pedidos do representante
coreano, o reverendo Homer Hulbert (1863 – 1949) e Syngman Rhee. Assim sendo, o campo estava aberto para a
dominação japonesa na Coreia. Em novembro de 1905, o ex-ministro, Ito Hirobumi, chegou à capital coreana, onde
as tropas japonesas já tinham ocupado as dependências do palácio real. Ito passou então a exigir um novo tratado de
protetorado pelo qual o governo japonês assumiria controle do reino coreano. Embora veementemente rejeitado por
Gwangmu, o acordo foi assinado por membros de seu gabinete intimidados em 17 de novembro. Os acordos
assinados foram reunidos no Tratado de Protetorado de 1905. Assim, o império coreano, com mais de quatro mil
anos de tradição e quinhentos anos de dinastia, teve seu termo efetivo nas mãos japonesas. Vários membros do
governo apresentaram vivo protesto. Alguns cometeram suicídio. Outros, na capital, juntaram-se aos rebeldes e
inconformados e novas insurreições começaram a se avolumar no interior pelo lado do Uibyeong, “O Exército
Justo”.
O modelo governamental adotado pelos japoneses se inspirou no dos britânicos sobre o Egito, a manter todas as
instituições e cargos diretores nas mãos coreanas, apesar de manter os assuntos cruciais em assuntos políticos
internos de segurança, finanças e política externa através de conselheiros japoneses. O mandato japonês iniciou-se
nesse molde com Ito Hirobumi, nomeado como residente-geral em dezembro de 1905. E sua primeira política,
visando angariar popularidade e apoio coreano, foi pegar emprestado 10 milhões de ienes de Tóquio a fim de
promover um amplo projeto de infraestrutura moderna. Inspirado em Lord Evelyn Baring Cromer (1841 – 1917), o
cônsul-geral britânico no Egito, Ito tentou convencer membros da sociedade coreana aos benefícios das reformas e
construção de estradas, hospitais, escolas e aumento da produção agrícola. Ademais, Ito mandou construir sua
residência oficial na encosta da montanha Namsan, com plena vista geral da capital coreana. A construção era
reflexo dos novos tempos, com traços marcantes ocidentais misturados com orientais, uma síntese do que havia
ocorrido depois da Reforma Meiji no Japão.
O desafio maior de Ito Hirobumi foi encontrar colaboradores coreanos para corroborar e legitimar seu regime.
Nisso, muitos da antiga elite coreana, como Pak Cheesoon (1858 – 1916) entre outros, permaneceram nos seus
postos dentro do gabinete pelo apoio pró-japonês. Novos colaboradores se juntaram em maior de 1907 com o
endosso de Ito: Song Pyong-jun, Cho Chunggun e Ko Yonghui, dentre os mais destacados. Com as novas
oportunidades abertas com o novo regime, membros que antes eram marginalizados na sociedade coreana passaram
a ascender no poder e status. Entre esses, Song Pyong-jun tomou para si um sobrenome yangban apesar de sua
origem familiar humilde. Ko Yonghui era um chungin (classe média) que tinha vivido no Japão desde a Abertura
dos Portos em 1876.
O “Exército Justo”, Uibyeong, começou a tornar-se no principal foco de resistência armada aos japoneses.
Membros dessa organização começaram a aumentar suas campanhas no interior, atacando representantes e
magistrados coreanos, mercadores e militares japoneses. Ex-membros yangbans, como Choe Ikhyon estavam
dispostos a lutar contra os nipônicos, mas recusaram-se a combater militares coreanos que ainda eram considerados
a serviço do imperador Gwanmu. Nesse sentido, houve uma divisão nos rebeldes do Uibyeong, com parte a manter
sua tradicional lealdade à Dinastia Joseon, enquanto outros postaram-se mais radicais a lutar pela plena igualdade e
nacionalismo coreano, muitos desses, camponeses das províncias meridionais da península. No meio urbano, alguns
intelectuais lançaram um movimento patriótico desvinculado do Uibyeong, acreditando que apenas o auto-
fortalecimento nacional iria garantir a soberania coreana. Conservadores confucionistas, que haviam criticado as
reformas modernizadoras, passaram a aderir à essa ala, a enviar seus filhos para escolas com currículo de ensino
técnico ocidental, a organizar associações como a Changanhoe (“Sociedade de Fortalecimento Pessoal”) e a publicar
jornais e periódicos. Um de seus projetos resultou na ampla campanha em 1907 de angariar doações para pagamento
da dívida nacional a credores estrangeiros, “Movimento de Pagamento do Débito Nacional”, Gukchae Bosang
Undong( 국채보상운동 ).
Enquanto isso, o imperador Gwangmu passou a ampliar sua rede de contatos no exterior em busca de ajuda. Por
sugestão do Reverendo Homer Hubert, o monarca enviou representantes para a Segunda Conferência Internacional
da Paz realizada em Haia, Holanda, em junho de 1907 [967]. Entretanto, a Coreia havia perdido sua soberania como
estado para o Japão, impedindo seus representantes a participar oficialmente da conferência. Apesar do comovente
discurso de um dos representantes coreanos, Yi Wijong, o governo japonês usou isso como pretexto para remover de
vez o imperador coreano do trono. De fato, Ito Hirobumi e seus colaboradores no governo coreano passaram a
pressionar e ameaçar o imperador coreano, a ponto de ele passar seu trono para o seu filho, o príncipe herdeiro
Sunjong (1874 – 1926), o último rei da Dinastia Joseon.
Como primeiro ato, o novo soberano monárquico assinou um tratado revisado com os japoneses, permitindo a
nomeação de ministros japoneses para todos os ministérios. A abdicação forçada de Gwangmu e o novo tratado de
protetorado ampliou ainda mais os sentimentos anti-japoneses na sociedade coreana. Muitos do exército coreano
foram aposentados e passaram a engrossar as fileiras das guerrilhas do “Exército Justo” em 1908. Ito Hirobumi tinha
subestimado a antipatia popular e agora passou a enfrentar resistência armada cada vez maior no campo. Assim, Ito
ampliou as campanhas militares em toda a península. Em 1908, o exército japonês matou cerca de 11 mil e 500
membros do Uibyeong, gerando visibilidade na imprensa internacional. Nessa onda repressora, um nacionalista
coreano que vivia nos EUA, An Chang-ho (1878 – 1938), organizou um movimento clandestino em 1909, chamado
de Shinminhoe (“Sociedade das Novas Pessoas”, 신민회 ), cujo objetivo era organizar e financiar a resistência
armada a partir do exterior. Outros membros da sociedade, intelectuais e nacionalistas, passaram a se engajar na
publicação de jornais e panfletos na capital. Um dos mais ativos jornalistas desse veio foi Shin Chae-ho (1880 –
1936), que criticou o imperialismo japonês. Seus escritos influenciaram muitos, como o poeta e historiador coreano,
Choe Nam-seon (1890 – 1957).
Isolada internacionalmente e sem apoio sustentado no meio interno, a resistência coreana anti-japonesa passou a
adotar medidas extremas. Como último recurso, em maio de 1908, um americano que serviu como conselheiro aos
japoneses sobre as Reformas Gabo, Durham White Stevens, foi baleado por dois nacionalistas coreanos em
Oakland, Califórnia. Diante da crise internacional e dos protestos do governo dos EUA, o residente-geral na Coreia,
Ito Hirobumi renunciou ao seu cargo, dando vez aos japoneses que defenderam uma política mais repressora e direta
para a Coreia. Em julho de 1909, o gabinete japonês passou a adotar uma política de anexação. Em seu último ato
diplomático, Ito Hirobumi visitou a cidade de Harbin, na Manchúria, em outubro, para se encontrar com o ministro
russo, Vladimir Kokovsoff, a negociar a aprovação russa da anexação da Coreia. Na estação de trem, um
nacionalista coreano, An Jung-geun (1879 – 1910), apontou sua arma de fogo e matou Ito Hirobumi [968]. O jovem
An tinha planejado o ato para chamar a atenção mundial para a situação coreana. Mas provocou o contrário, com
muitos passando a ter simpatias pelo Japão.
Na capital coreana, petições de pró-japoneses passaram a chegar às mãos do imperador Sunjong para uma união
voluntária com o Japão. Em 1910, visando maior segurança e controle, duas divisões do exército japonês chegaram
ao solo coreano. E depois de anos de campanha contra a guerrilha do Uibyeong no interior, foi nomeado como
residente-geral, General Terauchi Masatake (1852 – 1919), que fortaleceu a repressão e investigação com o uso da
infame polícia secreta japonesa, o kenpeitai. A fim de intimidar os rebeldes e oposicionistas, Terauchi ordenou que
todas as organizações políticas e movimento sociais fossem dissolvidas, incluindo o Ilchinhoe, a partir de 1907. Em
momento derradeiro, o primeiro-ministro coreano, Yi Wanyong e Terauchi assinaram o Tratado de Anexação em 22
de agosto de 1910 [969], terminando de vez a Dinastia Joseon.
A anexação de fato reformulou a presença japonesa na Coreia. Invés do residente-geral, agora havia um
governador-geral, com poderes coloniais a dirigir e administrar. No entanto, algumas áreas coreanas foram
preservadas. Poderes legislativos restritos e alguma força militar coreana foi resguardada, apesar dos postos do
oficialato serem reservados apenas aos japoneses. O General Terauchi Masatake, primeiro governador-geral da
Coreia passou a comandar a nova colônia com mão de ferro. Essa dura medida revela mais das características e
limites do imperialismo japonês. Primeiramente, os japoneses não foram capazes de convencer a população coreana
do seu projeto modernizador, resultando em anos de conflitos contra resistentes. Mesmo após várias derrotas contra
o Uibyeong, a antipatia e resistência coreana persistiu por décadas. Acrescente-se a isso a tradicional postura
conservadora da elite coreana, que acreditava de que eles eram, pela tradição confuciana, superiores aos japoneses
que tinham se “degenerado” nos modos ocidentais desde a Reforma Meiji.
Sendo assim, a imposição japonesa se deu por mãos militares, com pouco efeito de convencimento dos
coreanos a se submeterem. E foram pelos militares japoneses que se concretizou a dominação, pela via dura,
animados depois da vitória sobre os russos em 1905. Em outro aspecto, a economia japonesa não era tão sólida a
ponto de não depender da coreana. Os japoneses, antes de tudo, enxergaram a Coreia como fornecedor essencial de
matéria-prima para a economia, como o arroz e minerais, e como mercado consumidor dos produtos industriais
japoneses e capital de investimento. Depois de feito um amplo levantamento das terras coreanas, o Governo Geral
nacionalizou vastas extensões de arrozais cujo produto era vendido abaixo do preço de mercado visando favorecer
os investidores japoneses, principalmente da companhia “Oriental Development Company” ( 동양척식주식회사 ),
fundada em 1908 [970]. Além disso, os empresários coreanos precisaram de autorização do governo para fundar novas
empresas, consideradas sempre a favor dos japoneses. As tarifas de importação dos produtos japoneses eram baixas,
justamente para não permitir concorrência com o mercado coreano.
As atividades políticas foram proibidas e foi impedido o exercício livre de expressão, imprensa e reunião. Em
agosto de 1911, o governo aprovou leis que desencorajava os coreanos a receber educação superior e ter acesso ao
estudo da área das humanidades e ciências sociais, incluindo sua própria história e geografia. Foram, contudo,
incentivados a aprender a língua japonesa, e promovia-se como heróis os coreanos que tinham colaborado com a
administração japonesa. Em 1912, ano da morte do imperador Meiji, todos os eventos coreanos de celebração e festa
foram terminantemente proibidos [971]. O número de escolas públicas na Coreia aumentou na medida em que
obedeciam ao novo sistema, e as particulares, com maior autonomia, diminuíram. Em março de 1912, as autoridades
japonesas começaram a ter poder livre de investigação, interrogatório e tortura contra suspeitos.
Sob esse duro regime, o pouco espaço de resistência se dava por organizações com apoio estrangeiro, como as
escolas missionárias e particulares. Apesar de serem vistos como suspeitos, as autoridades japonesas queriam
preservar a imagem internacional da administração japonesa na Coreia. Esses missionários, por sua vez, em boa
parte advindos da América do Norte de igrejas protestantes, começaram a denunciar cada vez mais a opressão e os
abusos dos direitos humanos, angariando suporte e apoio de nacionalistas coreanos e de outros missionários e
cristãos convertidos coreanos. Em outras palavras, o cristianismo na Coreia passou a ser visto como meio de escapar
da opressão japonesa. Em 1911, citando alegações de conspirações a assassinar o governador-geral, o General
Terauchi, foi expedido mandato de prisão a vários líderes cristãos coreanos, incluindo Yun Chi-ho. Apesar disso, o
cristianismo coreano continuou a crescer com relativo entusiasmo, principalmente nas províncias onde o
neoconfucianismo não havia feito raízes históricas como no noroeste da península. Visando contrapor a
popularidade cristã, as autoridades coloniais passaram a promover o budismo, crença historicamente compartilhada
com os japoneses.
Enquanto isso, o mundo estava mudando radicalmente. A Rússia czarista desabou diante da Revolução
Bolchevique em novembro de 1917, e Lênin havia proferido o princípio internacionalista do comunismo, a de que
todos os povos oprimidos deveriam ser apoiados. A mensagem foi poderosa e chegou aos ouvidos coreanos que
inspirou o movimento comunista local. Em novembro de 1918, representantes de um partido nacionalista coreano –
Partido da Juventude da Nova Coreia – sediado em Xangai e liderado por Yo Um-hyung (ou Lyuh Woon-hyung)
(1886 - 1947), foram para a Conferência de Paz em Paris para peticionar pela independência da Coreia. Ao mesmo
tempo, a comunidade coreana nos EUA tentou mandar representantes, chefiado por Syngman Rhee, que tinha se
convertido ao cristianismo. Apesar dos esforços, pouco efeito prático foi alcançado.
A Conferência de Paz que transcorreu até 1919, serviu ao menos de inspiração e esperança para os coreanos que
persistiram na luta contra a dominação colonial. Pois o presidente dos EUA no evento, Woodrow Wilson (1856 –
1924), chegou a defender a autodeterminação dos povos. Em Tóquio, alguns coreanos em 8 de fevereiro de 1919,
fundaram o Partido da Independência da Coreia, em resposta ao que viram como promessa dos tempos em mudança.
Outros coreanos, retornados dos seus estudos da Universidade de Waseda, em Tóquio, passaram a ensinar para as
novas gerações os direitos e princípios libertadores do nacionalismo e autodeterminação. Igualmente também foi
organizado uma ampla campanha internacional pela independência coreana, e promoveram figuras que lutaram por
isso como Yi Sang-jae. Alguns outros nacionalistas coreanos passaram a apoiar lideranças religiosas, enquanto outro
basearam-se nas décadas de lutas dos rebeldes do movimento Donghak, agora reencarnado como uma seita religiosa,
o Cheondogyo (“Religião dos Meios Celestes”, 천도교 ), ou Cheondoísmo. O secretário-geral desse novo
movimento religioso e milenarista, Choe Rin (1878 - ?), conseguiu convencer a liderança de se envolver na política
anticolonial. Outros líderes religiosos, cristãos, também reagiram à mensagem de Woodrow Wilson e passaram a
lutar por novos ideais.
Todo esse turbilhão de inspirações e ideais convergiu no dia 1º de março de 1919, quando houve uma grande
concentração de manifestantes na Praça Pagoda na capital coreana. Na ocasião, houve a presença de 33 líderes
religiosos, 16 dos quais cristãos, 15 do Cheondoísmo e dois budistas [972]. E assim foi lida a Declaração de
Independência por Son Byong-hi (1861 – 1922), escrita pelo poeta Choe Nam-seon, ainda hoje referência para as
causas nacionalista e de libertação coreana. A mensagem gritada pela “Longa Vida (Man-se) À Independência
Coreana!” ecoou pelo movimento e pelo país, ao ponto em que foi mobilizado estimados dois milhões de coreanos.
Dias depois, as manifestações pelo país ganharam ares violentos e as autoridades japonesas resolveram agir de
maneira brutal. Mobilizando a polícia, o kenpeitai e o exército, foram usados rifles e espadas durante semanas contra
os considerados subversivos. Ao todo, cerca de 7500 pessoas morreram, 15 mil feridos e mais de 46 mil presas e
torturadas [973]. Centenas de casas, igrejas e escolas foram incendiadas. Em 15 de abril, a população de uma aldeia
perto de Suwon foi massacrada dentro de uma igreja local pelas autoridades japonesas. As notícias aterradoras, no
entanto, não chegaram a impactar na imprensa internacional, pois muitos países ocidentais não assumiram posição
crítica diante de um aliado nos esforços da Primeira Guerra Mundial, o Japão.
Esse movimento de 1º de março de 1919, conhecido como Movimento Sam-il ( 삼일 운동 ) (fig.), foi a maior
demonstração do povo coreano contra o colonialismo japonês. Em termos de escala, nenhuma outra resistência
coreana durante o período da dominação japonesa foi igual. Surpreendidos, as autoridades japonesas passaram a
reformular sua política colonial de uma postura impositiva para maior reconciliação. Em 1920, um novo
governador-geral foi apontado, o almirante Saito Makoto (1858 – 1936), e foi anunciado um conjunto de medidas
que, supostamente, seria em benefício dos coreanos. O kenpeitai foi substituído por forças regulares, e oficiais
japoneses não mais poderiam ostentar suas espadas consideradas como símbolo da opressão colonial. Novas
medidas permitiram publicações coreanas e direito de expressão e reunião. O número de escolas foi aumentado,
assim como os anos de estudo aos coreanos. Foi prometido o respeito às tradições e cultos coreanos. Dos novos
jornais coreanos fundados em 1920, dois foram pertenciam e foram dirigidos por coreanos, o Dong-A Ilbo( 동아일
보 ) e o Chosun Ilbo( 조선일보 ) [974]. O primeiro jornal, em determinado momento durante as Olimpíadas de
Berlim de 1936, publicou uma foto do maratonista coreano e medalhista de ouro, Son Kijong (1912 – 2002), com a
bandeira japonesa apagada de seu peito. Por esse incidente, o jornal foi suspenso por um tempo. Na década de 1930,
o governo japonês tentou desencorajar o uso do idioma coreano e do hangul, mas o Chosun Ilbo passou a publicar
histórias do romance sobre o líder rebelde coreano do século 16, Im Kkeokjeong, visando preservar a memória e
cultura coreana.

Fig. – Os protestos de 1º de março de 1919, no chamado Movimento Sam-il a pedir pela independência coreana da dominação japonesa.

Essa nova política colonial, focada nos aspectos culturais, esperava apaziguar os ânimos e contestações
coreanas. Visando coibir os mais rebeldes, o governo de Saito revogou as escolas particulares de missionários
cristãos, sob o pretexto de propagar crenças subversivas à ordem coreana. Nas escolas públicas, as autoridades
japonesas passaram a ensinar história a defender a integração e assimilação aos japoneses, distorcendo o passado
coreano [975]. A primeira universidade coreana foi fundada na capital em 1924, e voltou-se principalmente para a
comunidade japonesa, apesar de ter sido reservado um terço de suas vagas para os coreanos.
O movimento nacionalista coreano depois dos eventos de 1º de março de 1919 pareceram promissores. Uma
nova geração de líderes começou a surgir das instituições coreanas de ensino, como foi Yi Kwang-su (1892 - 1950),
que tinha se formado com os ideais do Iluminismo europeu e articulou um governo nacionalista no exílio, junto com
seu mentor protestante, Ahn Changho, em Xangai. Voltando para sua terra natal em 1922, Yi compôs um ensaio,
“Sobre a Reconstrução da Nação” (Minjok Kaejoron), argumentando que a reconstrução moral das elites é essencial
para uma futura nação soberana e independente. O talento literário de Yi Kwang-su foi além, e ganhou notoriedade
com a publicação de sua obra de ficção de 1917, “O Sem-Coração” (Mujong), em que os personagens principais (o
professor Yi Hyong-sik, a sua amada e filha de seu mestre, a tradicional Pak Yong-chae, e as tentações da moderna e
próspera Kim Son-hyong) passam por tentações, pressões e cobranças diante das tradições que clamam por lealdade
e honra num cenário devastador de mudanças da modernidade [976].
O 1º de março inspirou outros combatentes da liberdade para uma Coreia independente. Ao longo da década de
1920, muitos entraram em consenso de que deveriam se unir numa frente ampla a defender um novo regime político,
republicano e não mais monárquico. Ainda em 1919, havia cinco governos provisórios coreanos a estruturar um
futuro comando político com a saída dos japoneses, sediados na capital (clandestinamente), em Vladivostok na
Rússia Bolchevique e em Xangai. Várias figuras e líderes coreanos de resistência se congregaram na resistência
organizada representando os diferentes espectros políticos que abundava no meio oposicionista coreano e centraram-
se no Governo Provisório da República da Coreia (Daehanminguk Imsijeongbu, 대한민국 임시정부 ), sediada em
Xangai: Syngman Rhee, um democrata cristão que viveu e se inspirou no governo dos EUA; Yi Dong-nyong (1869
– 1940), antigo membro do “Exército Justo” (Uibyeong) exilado na Manchúria; Yi Dong-hwi (1873 – 1935), ex-
soldado que se tornou líder comunista na Sibéria; Ahn Changho, um influente pensador das reformas morais e
filosóficas advindo da comunidade protestante cristã coreana; Shin Chaeho, historiador, jornalista, nacionalista e
anarquista e; Yi Kwangsu, um dos mais talentosos escritores da sua geração e autor da Declaração de Independência
lida nos protestos de 1º março de 1919. Essa gama de lideranças compunha um governo em forma apenas, pois
havia as distâncias geográficas a ser superada numa unidade organizacional. E havia as discordâncias entre eles.
Syngman Rhee entrava em desacordo com as ideias comunistas de Yi Dong-hwi. Em 1925, Rhee havia sido retirado
do posto de presidência do governo provisório em Xangai. Nacionalistas mais radicais criticaram Rhee por sua
moderação e proposta de submeter a Coreia a um mandato sob a Sociedade das Nações, conforme defendeu em
Genebra em 1933. Cansado das provocações e acusações, Rhee então decidiu ir para os EUA onde atuou
diplomaticamente até 1945.
Após outros desentendimentos, o governo provisório de Xangai passou para a presidência de Kim Gu (1875 –
1949) que assumiu o controle em 1940 até depois da Segunda Guerra Mundial em 1947. A atual constituição da
Coreia do Sul, reconhece essa organização como antecessora de seu governo legitimado. Syngman Rhee, apesar de
sua ativa campanha nos EUA e Europa, não conseguiu atrair muita atenção das autoridades, pois ainda havia muitas
colônias europeias na África, Ásia e América Latina antes da Segunda Guerra Mundial. Apenas o governo soviético
ofereceu de imediato ajuda, pois por ideologia defendia a libertação dos povos oprimidos pelo mundo. A ajuda era
dada através da Internacional Comunista (Comintern), estabelecida em 1919, ao fornecer fundos, armas e
conselheiros para os combatentes da independência. Assim, o movimento comunista coreano foi o primeiro
beneficiado desse apoio soviético. Mas seus membros em boa parte viviam e atuavam no território russo. Em 26 de
junho de 1918, Yi Dong-hwi tinha fundado o Partido Socialista Coreano, em Khabarovsk, no leste da Rússia. Isso
concorreu com os imigrantes coreanos que tinham formado em janeiro de 1918 uma seção do Partido Comunista em
Irkutsk, enquanto lutaram contra o exército czarista na Revolução Bolchevique. As duas facções lutaram entre si
pelo favorecimento da Comintern. Enquanto os últimos enfatizaram a revolução proletária internacional, os
primeiros, sob Yi Dong-hwi, queriam a independência nacional da Coreia. Depois de algum tempo, Yi renomeou
seu partido para o Partido Comunista Koryo, em janeiro de 1921, sediado em Xangai e se congregou em torno dos
outros líderes do Governo Provisório da República da Coreia.
Nesse meio tempo, os ensinamentos de Marx e Lênin espalharam-se com furor entre o meio intelectual e
rebelde coreano, entre estudantes, ativistas, políticos e exilados na China, Manchúria, Sibéria e Japão, resultando em
vários grupos comunistas. Todos esses tentaram se infiltrar na Coreia e lutar pela emancipação do povo coreano do
domínio opressor japonês. Contudo, a polícia japonesa agiu com eficiência impiedosa contra qualquer tipo de
subversão à ordem colonial. Eventualmente, vários agentes comunistas coreanos resolveram cooperar entre si e
fundaram secretamente na capital o Partido Comunista da Coreia (Choson Kongsandang, 조선공산당 ) em abril de
1925, que passou a ganhar o apoio substancial da Comintern. Boa parte de seus ativistas foram presos e reprimidos
pela polícia japonesa, mas, num segundo momento em junho de 1926, conseguiram instigar uma manifestação em
massa que teve impacto na resistência nacionalista anti-japonesa. Em setembro de 1926, esses comunistas
resolveram mudar sua estratégia e se juntar a uma frente unificada com os nacionalistas, estabelecendo assim em
fevereiro de 1927 a “Sociedade Nova Coreia” (Singanhoe, 신간회 ). Mesmo assim, unificados e ampliados na sua
luta pela independência, os comunistas e nacionalistas sofreram seguidas perseguições e repressões do governo
japonês colonial. Em outubro de 1928, quase já não havia nenhuma organização comunista atuante na Coreia e isso
se estendeu até 1945.
As atividades comunistas permaneceram no exterior, pois o pensamento marxista e o exemplo bolchevique
alimentou a esperança de muitos que sonharam com a independência coreana. No meio artístico e literário, isso
também se fez presente. Em julho de 1925, foi fundado a Federação do Artista Proletariado Coreano (ou conhecido
pela sigla, KAPF) que passou a defender uma arte e literatura voltado para a realidade da classe oprimida da Coreia
colonial. Esse movimento foi bem-sucedido desde o início pois conseguiu congregar uma frente unida que
considerava imperativo, antes de tudo, denunciar a exploração colonial do povo coreano, despertando na classe
artística a sensibilidade para o realismo e questões sociais. Pelo cinema e rádio, o povo coreano conseguiu ter acesso
às obras dessa escola. Um dos mais notáveis adveio do cinema, de Na Woon-gyu (1904 – 1937), diretor e escritor do
filme de 1926, Arirang( 아리랑 ) (fig.). O filme virou sensação nacional na Coreia [977]. A história apresentava a vida
dura de um humilde estudante coreano que veio do interior para a capital coreana. No movimento de 1º de março de
1919, o estudante é preso e sofre brutais torturas, e depois volta para sua aldeia natal com problemas mentais. Certo
dia, com a turbulência de seu estado mental, ele testemunha sua irmã sendo agredida por um filho de autoridade
japonesa, ao que ele reage e mata o agressor com uma foice. Preso novamente pela polícia japonesa, ele
repentinamente cura-se da sua doença mental.

Fig. – Cena do filme Arirang (1926), de Na Woon-gyu.

A Crise da Bolsa de Nova York em 1929 agravou consideravelmente a economia japonesa que passou a
defender o fascismo militar e a expansão sobre a China. Em junho de 1928, militares japoneses eliminaram o senhor
de guerra na Manchúria, Zhang Zuolin, e estabeleceram ali um estado-fantoche (Manchukuo) sob o nominal trono
imperial do último descendente da Dinastia Qing chinesa em fevereiro de 1932. Posteriormente, as forças japonesas
passaram a expandir sua presença sobre toda a região norte e costa chinesa. Parecia que o sonho de Toyotomi
Hideyoshi de conquistar a Coreia e China no século 16 era agora realidade.
Pelo lado dos nacionalistas coreanos, a década de 1920 e 1930 trouxe perspectivas limitadas, apesar do
entusiasmo bolchevique. Em Xangai, havia o maior grupo de resistência organizada pela independência coreana, no
Governo Provisório da República da Coreia, além de alguns grupos comunistas. Mas todos tinham sérias limitações
nas suas atuações de guerrilha contra o exército japonês. Na Manchúria, a maioria das guerrilhas coreanas entrou em
colapso na década de 1930. Visando fundear de vez sua presença na região e na Coreia, os japoneses passaram a
construir infraestrutura e indústrias metalúrgica, química e têxtil, além de promover mudanças para aumento da
produção agrícola. E sob o incentivo do governo-geral na Coreia, conglomerados de empresas japonesas, conhecidas
como zaibatsu, como a Mitsui, Mitsubishi e Noguchi, foram convidados a se instalar no território coreano e
manchuriano, a explorar a mão-de-obra barata coreana e chinesa. Em termos estatísticos, a produção industrial
dessas regiões cresceu exponencialmente, mas isso sempre se dirigiu à política colonial japonesa e com pouco
participação do empresariado coreano.
Em julho de 1937, militares japoneses entraram em confronto com chineses num subúrbio de Pequim. Levando
isso como pretexto, o governo japonês iniciou uma nova guerra contra os chineses e assim passou a controlar boa
parte do norte e da costa chinesa. O governo nacionalista chinês, sob o comando de Chiang Kai-Shek, em Nanquim,
pouco pode fazer a deter esses avanços, e a capital do sul foi tomada após cinco meses de batalhas, após o massacre
de milhares de cidadãos. No vasto interior chinês, no entanto, o domínio nipônico foi mais limitado, e foi dessa
região que guerrilhas organizadas pelo Partido Comunista Chinês começaram a se organizar e ganhar força.
Na Manchúria, um exército de rebeldes anti-japoneses manchurianos e coreanos foi organizado pelo Partido
Comunista Chinês em 28 de janeiro de 1936. Até 1940, essa unidade tornou-se um fardo para a presença japonesa na
região, e isso atraiu a atenção de líderes que desejaram a expulsão dos japoneses na Coreia. Um desses foi um
membro do exército, chamado de Kim Songju (1912 – 1994) que depois mudou seu nome para Kim Il Sung (ou Kim
Kyung-cheon) (fig.), em homenagem a um lendário combatente coreano na Manchúria. Com este nome, Kim Il
Sung tornou-se no maior líder de resistência aos japoneses no norte coreano e Manchúria, e depois irá ser o primeiro
líder da Coreia do Norte em 1948. Em 4 de junho de 1937, Kim Il Sung, então com apenas 24 anos de idade, com
crescente apoio de comissários comunistas chineses, passou a invadir o território coreano ao sul do rio Yalu.
Comandando uma companhia de cerca de 150 homens, atacou com sucesso a base japonesa em Pochonbo, na
fronteira com a China, matando vários militares japoneses [978]. Após o feito, as forças de Kim Il Sung recuaram para
o território manchuriano novamente e depois para Khabarovsk, na Rússia, na chamada “Marcha Árdua” (gonanui
haenggun, 고난의 행군 ), mas seu feito inspirou as lutas anti-japonesas nos próximos anos. No território russo,
Kim Il Sung passou a ser protegido e treinado pelo Comando Oriental do Exército Vermelho Soviético.

Fig. – O jovem Kim Il Sung, veterano de guerra nas lutas contra os japoneses e treinado nos quadros soviéticos.

Com a expansão das ofensivas japonesas sobre a China, o governo-geral intensificou a exploração dos recursos
humanos e minerais da Coreia, a apoiar os esforços de guerra. Para tal, foram determinadas políticas draconianas
sem precedentes. O novo governador-geral, Minami Jiro (1874 – 1955), nomeado em agosto de 1936, começou a
implementar a política de plena assimilação, a juntar os dois países como se fosse “num só corpo” (naisen ittai, 內
鮮一體 ) [979]. Minami assim acreditava que poderia abolir a identidade coreana a mobilizar seus esforços militares
para o império japonês. Em 1937, foi estabelecido um órgão de vigilância e inteligência para policiar os coreanos, o
Comitê Central de Informação. Houve aumento notável de agentes da polícia secreta japonesa, além do incremento
no número de militares no território coreano. A Coreia vivia sob um estado colonial e cada vez mais policial. A fim
de intimidar os dissidentes e intelectuais coreanos, as autoridades coloniais prenderam vários de seus líderes, como o
influente escritor, Yi Kwang-su, e cristãos como Yun Chi-ho.
Em agosto de 1938, o governador-geral lançou uma política de mobilização da sociedade coreana visando sua
total dedicação e lealdade à guerra, fundando a Federação Coreana de Mobilização Total do Espírito Nacional
(Kokumin Seishin Sodoin Chosen Renmei). Suas ramificações envolveram todos os escalões administrativos, desde a
capital às províncias, cuja base era em torno de grupos de dez famílias cada. Cada uma dessa unidades deveriam
contribuir em serviços, trabalhos, racionamento e vigilância [980]. Diante disso, as condições de vida tornaram-se cada
vez mais opressivas e miseráveis. Boa parte da sociedade coreana foi forçada a usar uniformes de guerra. A moda
masculina deveria seguir à moda militar japonesa, enquanto as mulheres coreanas foram proibidas de usar saias
ocidentais ou o vestido tradicional coreano, o chima( 치마 ), e forçadas a usar calças marrons (mompei). Os
uniformes escolares foram concebidos a refletir o sistema japonês (seifuku, 制服 ), com o uniforme preto de cadete
para os meninos, e o uniforme marinheiro para as meninas.
Minami Jiro dirigiu ainda sua política para a plena assimilação da cultura, religião e tradição coreana. Um dos
seus principais alvos foi a língua coreana. Em março de 1938, foi decretado pelo governador-geral que todas as
escolas deveriam usar apenas a língua japonesa, e que todos os estudantes deveriam falar essa língua, mesmo em
casa. Todas as manhãs, os estudantes tinham que se curvar em direção ao leste, ao palácio do imperador japonês
(Tennô, 天皇 ) e recitar um juramento de lealdade ao império. Jornais de língua coreana, como o Dong-A Ilbo e o
Chosun Ilbo, foram fechados. E todo mês, os coreanos foram forçados a visitar um templo xintoísta e fazer
adorações aos deuses japoneses [981]. Isso causou grandes problemas entre a população cristã coreana, ao desrespeitar
um dos Dez Mandamentos. Diante disso, a repressão contra a população cristão foi impetuosa. Em 1938, 18 escolas
cristãs foram fechadas. Dois anos depois, mais de dois mil cristãos coreanos foram presos por desobediência e mais
de duzentas igrejas foram fechadas. Cerca de 50 líderes cristãos, incluindo o presbiteriano Reverendo Chu Ki-Chol
(1897 – 1944), foram martirizados na prisão.
Em 1939, foi decretado que todos os coreanos deveriam adotar sobrenomes japoneses [982]. Uma grande ofensa
às tradições confucionistas de cultuar os ancestrais familiares. Diante da relutância e resistência de muitos coreanos,
o governo colonial buscou recompensar aqueles que tinham mudado com benefícios com racionamentos mais
generosos e acesso a cargos mais altos no governo. Apesar disso, cerca de 20% da população coreana ainda assim
desafiou a nova política e manteve seus nomes originais.
A intensificação da Segunda Guerra Mundial pelo lado japonês se deu após o ataque surpresa a Pearl Harbor em
7 de dezembro de 1941. A política colonial na Coreia levou o povo coreano a uma mobilização ainda maior no
esforço de guerra. O exército japonês passou a incorporar membros coreanos voluntários. Um desses foi Park
Chung-hee (1917 – 1979), que depois seria um dos líderes da Coreia do Sul entre 1961 e 1978, e tinha entrado na
Academia Militar em Tóquio, alcançando o posto de tenente do Exército Imperial Japonês em 1944 [983]. Com a falta
de mão-de-obra diante da Guerra do Pacífico contra os EUA, o Japão passou a recrutar militarmente na Coreia a
partir de 1943. Cerca de 187 mil foram recrutados para o exército japonês e outros 20 mil para a marinha. Além
disso, os militares japoneses mobilizaram cerca de 200 mil jovens coreanos para a Brigada do Corpo Dedicado
(Teishintai), cujas meninas depois seriam referidas como “mulheres de conforto” [984]. Essas foram enviadas para as
linhas de combate e forçadas à servidão sexual das tropas japonesas. Desde 1939, as autoridades japonesas na Coreia
tinham recrutado trabalhadores coreanos para trabalhos compulsórios, mas em 1944, isso se expandiu grandemente e
começou a envolver quase um milhão de coreanos até o fim da guerra [985]. Esses trabalhadores forçados atuaram nas
minas, fábricas e também no campo de batalha.
Até a rendição japonesa em 15 de agosto de 1945, o governo-geral na Coreia tinha empregado todos os seus
meios e recursos para perseguir e reprimir qualquer oposição e dissidência. O Partido Comunista da Coreia foi
dissolvido e pulverizou-se em pequenas células clandestinas nas zonas industriais. A maioria dos líderes
nacionalistas coreanos, como Yi Kwang-sun, Choe Nam-seon, Kim Seong-su e Yun Chi-ho foram subjugados e
presos. Outras lideranças sobreviveram, mas a partir do exterior. Na China, o Governo Provisório da República da
Coreia, sob Kim Gu, fugiu para a cidade interiorana de Chongqing que tinha se tornado na capital temporária do
governo nacionalista chinês. No norte da China, o Partido Comunista Chinês treinou e protegeu líderes coreanos
comunistas, como Kim Tu-bong (1889 – 1958) e Kim Mu-chong (1904 - 1952), que lutaram contra os japoneses. Na
Rússia, na província de Khabarovsk, Kim Il Sung e seus seguidores continuaram sendo preparados e instruídos pelo
Exército Soviético. E nos EUA, Syngman Rhee continuava seus esforços diplomáticos pela causa da independência
coreana.

Coreia (1945 - 1953)


Após agosto de 1945, os dias da Segunda Guerra Mundial estavam contados. A Alemanha nazista havia se
rendido em 8 de maio, mas ainda persistia a frente japonesa contra os americanos. O imperador Hirohito (1901 –
1989) finalmente decidiu se render após dois bombardeios atômicos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9
de agosto, respectivamente. Como a União Soviética havia declarado guerra contra o Japão em 8 de agosto, o
Exército Vermelho avançou para as províncias ocupadas no norte e nordeste da Coreia. Os EUA, no momento,
estavam distantes da região, localizados nas ilhas Ryukyu a cerca de 600 km de distância da península coreana. Em
15 de agosto, Hirohito anunciou por meio do rádio e para uma população atônita que jamais tinha ouvido a voz do
imperador, a rendição incondicional às Forças Aliadas.
Na Coreia, o evento teve promissoras repercussões. O governador-geral tinha passado para as mãos de Endo
Ryusaku (1886 - 1963) e este, ciente da rendição, secretamente sondou lideranças coreanas para transferir o poder
administrativo. Um dos primeiros considerados foi o partido nacionalista de Kim Seong-su, um líder experiente e
bem articulado entre os nacionalistas mais moderados que tinha apresentado relativa cooperação com os japoneses.
As autoridades japonesas acreditaram que o grupo dele teria mais condições de controlar e apaziguar os ânimos após
o período colonial e a guerra. Apesar da oferta feita, Kim a rejeitou, insistindo que o Governo Provisório da
República da Coreia, exilado em Chongqing na China, era a única com legitimidade a representar o povo coreano.
Sendo assim, Endo voltou-se para Yo Unhyong (ou Lyuh Woon-hyung), que esteve desde agosto de 1944 formando
secretamente um partido político com esquerdistas moderados, a Liga da Construção da Coreia (Konguk
Tongmaeng) [986]. Este colocou como condição a plena independência coreana, com a liberdade de imprensa, não-
interferência nas atividades políticas coreanas, movimentos trabalhistas e estudantis [987]. Em troca, Lyuh prometeu
não dissolver a estrutura da administração vigente do Governo Geral e controlar o impulso retaliatório contra os
japoneses na península. Sendo assim, Lyuh, junto com An Chaehong (1892 – 1965), organizaram o Comitê para a
Preparação da Independência Coreana (Konguk Chunbiwiwonhoe), convidando todo o espectro das lideranças
nacionalistas, independentemente das diferenças ideológicas.
Em Pyongyang, no norte coreano, o governador japonês abordou um nacionalista cristão, Cho Man-sik (1882 –
1950), a fim de organizar outro comitê para buscar a conciliação e ordem na região. Cho concordou em cooperar,
unindo-se depois ao Konguk Chunbiwiwonhoe em 17 de agosto. Contudo, o grupo de Cho era composto por apenas
dois comunistas entre os 20 membros de orientação mais conservadora e direitista. Ao se juntaram ao grupo na
capital coreana, agora renomeada como Seul, os direitistas de Cho se viram em minoria contra a maioria esquerdista
no Konguk Chunbiwiwonhoe [988]. Os comunistas coreanos tinham se reagrupado em fins de agosto sob a liderança
de Bak Honyong (1900 – 1955), que tinha retornado de Seul. Com a presença massiva das tropas soviéticas ao norte
da Coreia, os esquerdistas começaram a ganhar ânimo e esperança de um futuro promissor. Ademais, representantes
diplomáticos de Moscou permaneceram em Seul durante a guerra, com a concordância das autoridades japonesas
após terem assinado um Pacto de Neutralidade (Nisso Churitsu Joyaku, 日ソ中立条約 ) entre os dois países desde
abril de 1941. Portanto, a União Soviética era a única potência vencedora da guerra que manteve sua presença
continuada na península coreana.
Aproveitando-se das mudanças políticas e vácuo de poder, o Konguk Chunbiwiwonhoe, vendo-se em sua
maioria dominada por esquerdistas e com a proximidade soviética, declararam a República Popular da Coreia
(Choson Inmin Konghwakuk, 조선인민공화국 ). E logo estabeleceram dezenas de comitês populares locais (Inmin
Wiwonnhoe) nas províncias lideradas por membros comunistas [989]. E disso, organizaram um corpo armado,
chamado de Preservação da Paz, composto por membros jovens, a assumir o papel de preservar a ordem pública. Em
6 de setembro de 1945, Lyuh Woon-Hyung e Bak Honyong presidiram um plenário congressional, no Congresso
dos Representantes do Povo. Mais de mil delegados de todo o país compareceram e elegeram 55 representantes para
um corpo legislativo da nova Coreia, o Comitê Legislativo do Povo, a ser presidido por Lyuh. Assim nasceu as
estruturas iniciais da República Popular da Coreia. O Comitê Legislativo nomeou um presidente e seus membros de
gabinete. Syngman Rhee tornou-se presidente e Kim Gu, ministro do interior. Mas naquele momento, na
composição política coreana, representantes além da esquerda estavam em desvantagem. Em outras palavras, a
Coreia nasceu em setembro de 1945 sob os moldes da República Popular que visou um governo de coalizão a
incorporar todo a gama de líderes nacionalistas, mas com um coeso núcleo comunista predominante.
Os países aliados vitoriosos da Segunda Guerra Mundial não tinham consenso sobre o futuro da península
coreana. Quando se reuniram no Cairo em 1º de dezembro de 1943, Roosevelt, Churchill e Chiang Kai-shek
pensaram em termos vagos e imprecisos sobre uma forma de tutela das potências aliadas, declarando que a Coreia
seria, no devido tempo, livre e independente. Os aliados reunidos entenderam que a península não tinha um governo
soberano desde o início do século 20. Apesar disso, os coreanos desejaram ardentemente por um autogoverno e
entenderam que teriam uma independência iminente após a guerra. Cópias da Declaração do Cairo foram
distribuídas pela Coreia, gerando grandes expectativas e efervescências entre as lideranças nacionalistas. Mais tarde,
em Ialta, em fevereiro de 1945, Stalin, Roosevelt e Churchill foram mais cautelosos e não apresentaram nenhuma
conclusão sobre a Coreia. E em julho, em Potsdam, os EUA demonstraram visível desinteresse, enquanto a União
Soviética manteve-se ambígua a respeito. E, notavelmente, nenhum representante coreano havia sido convidado
pelos governos aliados para discutir a situação coreano do pós-guerra.
A indiferença dos EUA, em particular, levou à uma decisão do Pentágono no dia 10 de agosto de 1945 em
propor uma linha ao longo do paralelo 38 como fronteira de ocupação futura entre americanos e soviéticos. Como o
Japão tinha se rendido antes do esperado, a Rússia, não mais tinha motivos para não avançar da Manchúria para a
península. Stalin, almejando os portos do nordeste da Coreia como parte de sua campanha de total controle
manchuriano, aceitou a linha demarcada do governo de Truman. Assim, o 25º Exército Soviético começou a ocupar
o norte da península coreana em 9 de agosto, um dia depois de ter rompido o Pacto de Neutralidade com o governo
japonês.
Em 15 de agosto, o general Ivan Mikhailovich Christiakov, comandante do 25º Exército, fez um apelo ao povo
coreano de sua base na Manchúria. Ele anunciou o estabelecimento de um comando militar soviético na Coreia e
declarou a Rússia como libertador do país que tinha sido oprimido pelos japoneses. O povo coreano não recebeu a
mensagem de bom grado, pois foram frequentes os saques de vilas e cidades por tropas soviéticas e oportunistas
coreanos. Mesmo assim, os soviéticos começaram cedo a estruturar o poder em nível local por onde tinham
presença, com base nos comitês populares locais (Inmin Wiwonnhoe) e forças policiais a controlar a ordem pública.
Quando chegaram a Pyongyang em 28 de agosto, o general Christiakov junto com seu comissário político, general
Nikolai Georgievich Lebedev, reorganizaram o comitê nacionalista, principalmente através de Cho Man-sik, no
recém-criado Comitê Político do Povo, que tinha nacionalistas e comunistas em igual número.
Pelo lado americano, houve considerável hesitação e postura impositiva. Os decisores políticos nos EUA, em
Washington e Tóquio, nomearam o general John R. Hodge (1893 - 1963) como comandante das Forças Armadas
dos EUA na Coreia. Seu apontamento se deu unicamente pelo fato de seu exército estar mais próximo da península,
em Okinawa, no sul do arquipélago japonês. Quando Hodge desembarcou com sua força em Inchon em 8 de
setembro, uma comitiva do Governo Provisório da República da Coreia foi recebê-lo. Ao se deparar com um
suposto “governo coreano”, o general recusou a encontrá-los, pois Hodge permaneceu fiel ao que foi anunciado na
Ordem Geral de 7 de setembro de 1945 pelo seu superior em Tóquio, general Douglas MacArthur (1880 - 1964):
Em virtude da autoridade investida em mim como Comandante em Chefe das Forças do Exército dos EUA e do Pacífico, venho por meio deste
estabelecer o controle militar na Coreia ao sul da latitude 38 Norte, e anuncio aos habitantes de lá as seguintes condições de ocupação: todos os
poderes de governo sobre o território citado está sob a minha autoridade. As pessoas obedecerão às minhas ordens e se submeterão à minha
autoridade. Atos de resistência às forças de ocupação ou quaisquer atos que possam perturbar a paz e segurança serão punidos severamente. Para
todos os efeitos, o inglês será a língua oficial do controle militar [990]. (tradução nossa)

As palavras de MacArthur soaram desalentadoras para os coreanos que sonharam com a plena independência
depois da guerra e de décadas de governo colonial japonês. A mensagem contrastava com a mensagem soviético
tornada pública em 8 de agosto, em que ao menos foi entendido que os coreanos sofreram nas mãos dos japoneses e
que foi enfatizada a liberdade: “A noite escura da escravidão sobre a Coreia durou por longas décadas e chegou
enfim a hora da libertação!” (tradução nossa) [991]. Aparentemente, as autoridades militares dos EUA consideraram o
país como hostil aos seus interesses que, por terem colaborado com o regime japonês, deveriam cumprir os termos
da capitulação que tinham estendido ao Japão. Portanto, os EUA continuaram a manter a estrutura colonial japonesa
do governo geral assim como suas duras leis sobre os coreanos. A Ordem Geral de MacArthur considerava o povo
coreano como algo a ser protegido, mas guiados em termos políticos a seguir os caminhos democráticos e pacíficos.
O general Hodge, por sua vez, recusando receber os coreanos em Inchon, manifestou claramente o não
reconhecimento oficial do Governo Provisório da República da Coreia sediado em Chongqing, apesar de ter
permitido a volta de seus líderes.
Assim, Kim Gu, presidente do Governo Provisório, retornou à Coreia em 23 de novembro. O mesmo se deu com
Syngman Rhee em 16 de outubro, que tinha por tantos anos atuado junto ao Departamento de Estado dos EUA, em
Washington. Rhee, que tinha se tornado no líder de independência mais popular na década de 1940, não teve uma
recepção triunfante em sua terra natal, entretanto. Apenas os membros mais da direita nacionalista do espectro
político coreano em Seul, do Partido Democrático Coreano, liderado por Song Jin-woo (1889 - 1945) e Kim Seong-
su (1891 – 1955) estavam entusiasmados.
Pelo lado soviético, a fanfarra foi maior. Foi organizado uma ampla cerimônia de recepção de herói para Kim Il
Sung. Impressionando os presentes e o povo, que ficaram surpreendidos com a pouca idade do militar coreano, com
apenas 33 anos de idade. Enquanto os antigos líderes comunistas coreanos, como Pak Hon-yong, lutavam pela
hegemonia em Seul, os russos em Pyongyang concentraram-se em apoiar e fortalecer Kim Il Sung. Kim tinha
servido por anos sob o comando do general Terentii Shtykov (1907 - 1964) que tinha sido promovido a comandante
da Primeira Força do Extremo Oriente do Exército Vermelho, algo superior em comando do que o 25º Exército,
portanto influente na política soviética na Coreia. E para limpar o acesso de Kim ao poder, foi encontrado
misteriosamente morto seu rival comunista na região norte coreana, Hyon Chun-hyok, em 28 de setembro de 1945
[992]
. Para estruturar o poder soviético sob Kim, a administração civil dos russos estabeleceu em novembro vários
cargos administrativos e reorganizou o órgão executivo, Comitê Popular, a refletir o modelo na União Soviética. E
fez com que o Comitê ficasse sempre sob controle do Partido Comunista aliado a Moscou. Assim foi feita a
ascensão de Kim como líder inconteste da Coreia ao norte do paralelo 38. Em dezembro, Kim Il Sung foi nomeado
como chefe do Partido Comunista Coreano, acima de todas as antigas lideranças. A ascensão de Kim Il Sung foi
feita de maneira independente e sem consultas com os comunistas coreanos em Seul. Os soviéticos, cientes disso,
queriam promover seus aliados mais confiáveis e a manter a península dividida.
A primeira importante cúpula dos aliados sobre a Coreia iniciou-se em 16 de dezembro de 1945 em Moscou,
com a presença de ministros de Relações Exteriores dos EUA, URSS, Reino Unido e, em momento posterior, da
China. O acordo alcançado foi anunciado em 28 de dezembro que propôs uma Comissão Conjunta estadunidense-
soviética para auxiliar a formação de um futuro governo coreano. Foi também concluído de que seria necessário um
período de até cinco anos de tutelagem desses países da cúpula a atuar sobre a Coreia, materializando o vago projeto
proposta em Cairo em fevereiro de 1943 e em Ialta dois anos depois [993].
O acordo feito em Moscou, desencorajou os coreanos que almejaram a independência imediata. A frustração
explodiu em manifestações pelo país, a incluir todos os coreanos, dos esquerdistas aos mais conservadores. Em
poucos dias, porém, a descontentamento da esquerda começou a se organizar e seguir as diretrizes dos soviéticos
que endossaram o Acordo de Moscou. À direita, diferentemente, o movimento anti-tutelagem prosseguiu, sob a
liderança de Syngman Rhee e Kim Gu mobilizando seus partidários e apoiadores principalmente no sul do paralelo
38 e em Seul. Em suma, com a continuada presença de comunistas coreanos independentes e de direitistas na região
meridional coreana, o cenário apontava para maior agravamento dos conflitos.
Em 11 de fevereiro de 1946, seguindo uma diretiva do Departamento de Estado dos EUA para o comando militar
americano na Coreia, foi organizado uma coalizão política entre os coreanos ao sul do paralelo 38 visando organizar
representantes em consenso a terem voz com a Comissão Conjunta EUA-URSS, conforme acordado em Moscou.
Todos se reuniram no Conselho Democrático Representativo da Coreia do Sul, organizado pelos EUA e Syngman
Rhee foi eleito como presidente do Conselho, embora com ressalvas do general Hodge e sua equipe que desejaram
ter uma liderança mais moderada como Kim Kyu-sik (1881 - 1950), que pudesse melhor dialogar com direitistas e
esquerdistas. Mas o clima político na Coreia do Sul parecia não favorecer a moderação, com a esquerda e
oposicionistas sul-coreanos prontamente rejeitando o Conselho que, em vez disso, formaram a Frente Nacional
Democrática [994]. A Comissão EUA-URSS realizou sua primeira reunião em Seul em 20 de março de 1946 e não
conseguiu chegar a entendimentos mínimos mútuos sobre quais partidos políticos coreanos teriam participação no
governo provisório. Os delegados soviéticos tinham insistido em excluir a maioria dos membros da direita coreana,
alegando que esses se opunham aos acordos feitos em Moscou. Os EUA, em contraparte, defenderam a livre
expressão política, incluindo aqueles que tinham rejeitado a tutelagem. Depois de dois meses de impasses, a
Comissão Conjunta foi finalmente adiada indefinidamente. Foi o início da quebra de diálogo entre as partes coreanas
na Coreia do Sul.
Os direitistas começaram a organizar um movimento essencialmente antissoviético e anticomunista, exigindo a
independência imediata e sem tutelagem. Syngman Rhee exigiu em 3 de junho de 1946 o estabelecimento de um
governo independente no sul se a URSS não cooperasse com os EUA com relação a um governo coreano unificado
na península. Kim Kyu-sik, fortemente apoiado por militares e governo dos EUA, promoveu um movimento de
coalizão entre os partidos da esquerda e direita na Coreia do Sul. Em julho, o Departamento de Estado dos EUA
ordenou que Seul respeitasse a diretiva de encorajar uma ampla coalizão de moderados como primeiro passo para
um governo interino coreano. Esquerdistas moderados sul-coreanos, como Lyuh Woon-hyung, se juntaram nessa
coalizão, mas o Partido Comunista Coreano, sob Pak Hon-yong se opôs a qualquer fratura da península coreana.
Ao norte do paralelo 38, os soviéticos, sob a Administração Civil Soviética, entregaram sua autoridade a uma
administração centrada em Pyongyang e passaram a atuar como conselheiros ao governo de Kim Il Sung. Vendo-se
empoderados pela presença do Exército Vermelho no norte da península, os comunistas coreanos passaram a
perseguir oposicionistas ao seu projeto de poder, incluindo a prisão do líder nacionalista, Cho Man-sik, em janeiro
de 1946 no Hotel Koryo em Pyongyang [995]. Assim tinha sido demonstrada a falta de vontade dos russos e
comunistas no norte coreano em cooperar com outras lideranças nacionalistas. Nesse sentido, a política norte-
coreana começou a ser consolidar em torno de duas facções comunistas, uma composta por guerrilheiros
manchurianos e chineses que tinham lutado com Kim Il Sung, e coreanos que tinham vivido em território russo que
vieram com o Exército Vermelho. Kim, que tinha o apoio do governo soviético, pediu a instalação de um governo
efetivo e democrático na Coreia do Norte, a seguir a política de Stalin de “socialismo em um único país” [996], que
significou a estabilização política do domínio soviético onde tinham controle, ou seja, no norte da península coreana.
Essa ideia foi implementada pelo grupo de comissários do Exército Vermelho na Coreia do Norte, particularmente
sob o general Shtykov.
A partir de março de 1946, a administração de Kim Il Sung passou a ampliar sua política, visando reformar a
estrutura fundiária. O estado passou então a confiscar as grandes propriedades sem compensações e as redistribuiu
para fins de lavoura sem exigência de pagamentos. Ao mesmo tempo, a administração norte-coreana passou a
nacionalizar as principais indústrias e estabelecimentos financeiros. De fato, essa revolução havia sido um alívio
para aqueles que tinham sido explorado e destituídos durante o governo japonês. Foi relativamente fácil, pois,
expropriar daqueles poucos que tinham se aliado aos japoneses, além da pouca quantidade de terra arável estar
disponível no norte coreano em comparação com o sul. O resultado foi a redistribuição de terras para inúmeras
famílias, mas de pequenas dimensões aráveis. E apesar da ampla satisfação, houve resistência daqueles destituídos
ou injustiçados que passaram a alimentar sentimentos anticomunistas. Em centros urbanos norte coreanos isso foi
mais evidente. Em Pyongyang, houve tentativas individuais de atentado contra a vida do comandante Christiakov e
de um tio maternal de Kim Il Sung, o presbiteriano Kang Ryang-uk (1904 - 1983) [997]. A resistência no norte
também envolveu proprietários de terra, pequenos burgueses e comerciantes, intelectuais e estudantes que
discordaram do regime nascente. Assim, esses foram os primeiros que deixaram o norte coreano. Essa corrente
depois irá incrementar para entre 1,5 a dois milhões de pessoas de 1945 a 1949 [998], que a partir de então passou a
ser regulamentado o tráfego pelo paralelo 38.
Kim Il Sung viu-se, portanto, acompanhado de comunistas fiéis aos soviéticos e chineses comunistas via os
manchurianos. No entanto, Kim conseguiu angariar lealdade para compor o grupo dominante nos órgãos executivos
cruciais como a Secretaria do Partido e na área de segurança. Pouco a pouco, delineava-se uma estrutura
unipartidária e dominante na Coreia do Norte, sem espaço para dissidências, mesmo entre os comunistas. A fim de
isolar ainda mais possíveis questionamentos de comunistas mais leais aos chineses e membros do Comintern dos
soviéticos, Kim criou em agosto de 1946, o Partidos dos Trabalhadores da Coreia do Norte (Pukchoson
Rodongdang, 북조선로동당 ), tornando-a uma esfera política totalmente independente dos comunistas estrangeiros
e dos sul-coreanos organizados em torno de Pak Hon-yong. Em comparação com os países do Leste Europeu, a
Coreia do Norte se consolidou rapidamente em torno do seu partido comunista próprio.
Em Seul, o Partido dos Trabalhadores Sul-Coreanos (Namchoson Rodongdang, 남조선로동당 ), liderados por
Pak Ho-nyong, assumiu uma postura dura e passou a lutar na clandestinidade em maio de 1946, quando suas
atividades foram declaradas ilegais [999]. Pak tinha se posicionado contra as orientações de Moscou e Pyongyang de
respeitar a busca por coalizões e negociar com a Comissão Conjunta, e estava determinado a lutar contra o governo
militar dos EUA na Coreia do Sul. Nesse sentido, Pak exigiu reformas agrárias radicais, como feito no norte, e a
pronta transferência do poder para um comitê de coreanos no sul. Os comunistas sul-coreanos começaram a
organizar uma séria de sabotagens a partir de 1º de outubro em Daegu, no sudeste da península. Essa postura de Pak,
no entanto, não impressionou Stalin que já tinha consolidado seu aliado e poder no norte coreano. Diante disso,
vendo-se abandonados, Pak e seus seguidores passaram a buscar um governo independente e unificado em Seul, sob
diretrizes comunistas próprias. Isso começou a irritar Moscou, pois via como inaceitável um poderio fora de seu
controle na Coreia. Nesse sentido, Stalin, sob recomendação de Shtykov, passou a tratar exclusivamente com Kim Il
Sung, e Pak Hon-yong buscou desesperadamente alguns contatos diplomáticos russos em Seul.
Em 7 de outubro de 1946, houve relativo consenso entre os membros de esquerda e direita da coalizão em Seul.
Os moderados que foram predominantes nesse corpo político consideraram a importância de redistribuição de terras
depois da guerra e do domínio japonês, mas com uma política de compensações a ser respeitada. Sob sugestão dos
EUA, 45 membros desse corpo foram eleitos publicamente e nomeados, visando assim garantir alguma legitimidade.
Em 12 de dezembro, Kim Kyu-sik foi escolhido como presidente da Assembleia Legislativa Interina Coreana, a
maioria dos seus membros advindo dos direitistas do Partido Democrático da Coreia (Han-guk Minjudang, 한국민
주당 ) e apoiadores de Syngman Rhee e Kim Seong-su. Impulsionados com a Assembleia Interna, os militares
americanos passaram então a apoiar uma transferência de administração para um governo interino sul-coreano,
conforme previsto no Acordo de Moscou. Em fevereiro de 1947, um moderado coreano, An Jae-hong, tomou posse
como administrador civil interino. O sucesso da atuação da coalizão sul-coreana, reforçou a ideia de Washington de
que somente por meio desse processo poderia ser solidificado um governo representativo de toda a península.
Contudo, a reação de algumas lideranças sul-coreanas foi de que a Comissão Conjunta EUA-URSS iria
eventualmente estender aos soviéticos e comunistas do norte a oportunidade de ganhar presença ao sul do paralelo
38, e passaram a retomar as atitudes contra o período de tutelagem estrangeira. Isso se deu com o incentivo de
Syngman Rhee e Kim Seon-su. Mas essas duas figuras alimentavam sonhos diferentes para a Coreia independente.
Kim pensava que o ex-governo provisório sediado em Chongqing deveria ser o único legitimado para a Coreia.
Rhee, diferentemente, começou a considerar que os americanos e soviéticos não resolveriam suas questões sobre a
península, enxergando a parte sul coreana como a que deveria ficar sob controle dos americanos e aliados. Os dois
líderes tinham recebido bem a Doutrina Truman, declarada em março de 1947, que postulou a contenção a vigilância
ativa dos comunistas a começar pela Grécia e Turquia.
O fato é que as duas superpotências tinham já se posicionado ao longo do paralelo 38 e nenhuma parecia dar
sinais de conciliação rumo a uma unidade coreana. Assim, a Comissão Conjunta EUA-URSS, idealizada no Acordo
de Moscou, não conseguiu chegar a nenhum acordo em julho de 1947. O governo soviético se opunha a qualquer
inclusão de políticos de direita sob o argumento de que foram esses que rejeitaram o período proposto de tutelagem
negociado em Moscou. Ficou claro que isso foi uma estratégia do governo soviético de excluir qualquer oposição ao
projeto de poder de Stalin a consolidar o “socialismo em um país” na Coreia do Norte. Em contrapartida,
Washington, depois de constatar que a Polônia, Romênia e Bulgária tinham se tornado em satélites da URSS no
outono de 1947, abandonou qualquer ilusão de que poderiam agir em conjunto com os soviéticos a definir o futuro
unitário da Coreia. Ou seja, os americanos tinham noção de que ao norte do paralelo 38, era território sob controle
da área soviética.
À medida que os anos da Guerra Fria passaram, o governo militar dos EUA começou a cooperar, embora com
relutância, do que considerava como líder de uma Coreia do Sul longe dos soviéticos, dos nacionalistas e comunistas
locais: Syngman Rhee. Portanto, a coalizão política, de esquerdistas e direitistas coreanos, endossada pelos
americanos na Coreia do Sul começou a entrar em colapso.
No meio social, a Coreia após a saída dos japoneses se encontrava num turbilhão. De 1945 a 1950, a população
coreana cresceu de cerca de 16 milhões para 20 milhões. Enquanto 630 mil japoneses haviam sido repatriados da
península, mais de um milhão de coreanos voltaram para sua terra natal. No meio interno, cerca de 1 milhão de 800
mil coreanos, desde proprietários de terras, empresários e anticomunistas atravessaram o paralelo 38 para o sul
coreano, além de cerca de 12 mil imigrantes coreanos que chegaram da China e Manchúria [1000].
A economia coreana que tinha se baseado inteiramente no iene japonês até o fim da guerra em 1945, agora
entrou numa crise súbita diante da brutal retirada de capital e gestão nipônica. A maioria das instalações industriais
controladas por japoneses foi abandonada ou destruída, minas e ferrovias foram largadas sem qualquer manutenção
e capacidade operativa. O desemprego, em comparação com 1944, subiu para cerca de 60% no setor industrial em
1947. As colheitas de arroz diminuíram com a redistribuição de terras, apesar da tentativa do governo dos EUA em
fornecer farinha, elemento não habitual na dieta dos coreanos. A inflação veio com o caos. De agosto de 1945 a
dezembro de 1946, os preços no varejo dispararam quase dez vezes o valor nominal, no atacado, 28 vezes. O custo
médio mensal de alimentos por pessoa aumentou de oito ienes para 800 ienes [1001].
Essa crise avolumou-se com a chegada de refugiados e repatriados coreanos. Embora na maioria jovens, grande
parte não encontrou emprego e ocupação, e migrou para os centros urbanos. Alguns desses, ociosos e desocupados,
começaram a formar gangues no mercado negro e ilícito, outros foram empregados na força policial. Associações
políticas jovens começaram a crescer nesse cenário, como a União da Juventude Democrática e Patriótica Coreana
(comunista), a Associação da Juventude Democrática da Grande Coreia (direitista), Associação de Jovens do
Noroeste (anticomunista), Associação Juvenil da Independência Coreana (pró-Syngman Rhee), Corpo Juvenil
Taedong (nacionalista) e Corpo Nacional Juvenil (ultradireitista) [1002]. Essas associações e grupos políticos
dependeram de fundos estrangeiros e de atividades ilegais e tornaram-se foco de violência e desordem a combater
pelas suas ideologias. Assim, lideranças políticas coreanas passaram a ser alvo da intolerância. O jornalista e ativista
social Song Jin-woo, líder do Partido Democrático da Coreia, foi assassinado pela organização terrorista, Baikuisa,
em 30 de dezembro de 1945. Lyuh Woon-hyung foi morto por um jovem direitista de 19 anos de idade, Han
Chigeun, em 19 de julho de 1947. Sua morte ganhou amplas repercussões. Logo em seguida, Chang Toksu (1895 –
1947), um dos fundadores do partido de Song Jin-woo, veio a falecer por um radical de esquerda [1003]. E finalmente,
Kim Gu, presidente do Governo Provisório da República da Coreia, tornou-se vítima fatal em 26 de junho de 1949
pelas mãos de um tenente militar coreano, Ahn Doo-hee, enquanto estava em casa lendo poesia. O clima político e
social foi ainda mais agravado com as constantes mobilizações e sabotagens de membros do Partido Comunista de
Pak Hon-yong, incluindo a greve dos ferroviários em 24 de setembro de 1946 e a rebelião na Estação de Daegu em
1º de outubro, sob os gritos “matem os policiais!” [1004]. Para combatê-los, as autoridades sul-coreanos e militares
americanas não pouparam esforços a empregar jovens direitistas e anticomunistas nas forças policiais.
No meio internacional, o caso coreano foi levado para as Nações Unidas, onde a influência dos EUA era
dominante. Os direitistas em Seul rapidamente acolheram essa iniciativa americana. No entanto, alguns membros
mais moderados da Coreia do Sul, prevendo que o norte não cooperaria com a ONU e tornaria a unificação
impraticável, convocaram uma reunião de vários líderes coreanos do norte e do sul para discutir o futuro integrado
da nação. Em 14 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 112, visando a realização
de eleições gerais para uma Assembleia Nacional até 31 de março de 1948. As eleições deveriam ser basear no
sufrágio adulto e no voto individual e secreto. Uma Comissão Temporária das Nações Unidas foi estabelecida para a
Coreia (United Nations Temporary Commission on Korea, UNTCOK), a supervisionar a resolução que passou a ser
concretizada na Coreia do Sul [1005].
No norte coreano, as autoridades se recusaram a adotar a resolução da ONU, e criaram em fevereiro de 1948 um
exército próprio, o EPC (Exército Popular Coreano, Choson inmingun, 조선인민군 ) e anunciaram a elaboração de
uma nova constituição para a futura república popular. Eventualmente, em 26 de fevereiro, a comissão da ONU
começou a organizar as urnas eleitorais com o apoio dos militares americanos. As eleições na Coreia do Sul foram
marcadas para o dia 10 de maio. Nesse meio tempo, algumas lideranças sul-coreanas moderadas passaram a boicotar
as eleições, pois não aceitavam a divisão da península, manifestada implicitamente no processo eleitoral separado no
sul. Os comunistas na Coreia do Sul, sob Pak Ho-nyong do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul, tentaram
impedir a realização eleitoral por meio de ações guerrilheiras baseadas na ilha de Jeju. Apesar disso, as eleições
foram um sucesso, com a votação de cerca de 75% da população de eleitores. As eleições sul-coreanas, ao final,
foram consideradas válidas e justas pela UNTCOK.
A Assembleia Nacional na Coreia do Sul adotou um sistema presidencialista em 17 de julho. Dos 198
representantes na Assembleia, 83 deles, a maioria, eram de partidos independentes, 56 deles, pró-Rhee e 29 do
Partido Democrático da Coreia. Syngman Rhee, que tinha entrado em coligação com os democráticos, foi eleito
como presidente do novo governo sul-coreano. Em 15 de agosto, a República da Coreia foi proclamada como único
governo legítimo da península fundamentado nas eleições supervisionadas pela ONU. Em 12 de dezembro, o novo
governo sul-coreano foi confirmado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O governo dos EUA e de países
aliados reconheceram o novo governo coreano, e logo estabeleceram relações diplomáticas.
No verão de 1948, eleições foram organizadas no norte coreano, no qual os eleitores não tiveram outra escolha
senão os candidatos recomendados do partido comunista local, da Frente Democrática da Coreia do Norte para a
Unificação ( 조국통일민주주의전선 ). Em agosto, os representantes eleitos se reuniram no Conselho Supremo do
Povo e proclamaram a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) em 9 de setembro, liderada por Kim Il
Sung e Pak Ho-nyong como vice-premiê e ministro das Relações Exteriores. A URSS e seus aliados rapidamente
reconheceram o novo governo. Assim, oficialmente, a Coreia foi fraturada em dois. Em fins de 1948, forças
soviéticas se retiraram do norte. Os americanos fizeram o mesmo em junho de 1949, após prolongados debates em
Washington sobre o prazo e maneira de retirada dos militares americanos na península.
A nova república sul-coreana foi contestada pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul. A resistência foi
organizada principalmente por comunistas de Jeju em 3 de abril de 1948 que depois se estendeu pela península ao
longo do ano em combates entre as forças governamentais e comunistas. Em outubro de 1948, houve motins e
rebeliões dentro do exército sul-coreano, instigado por membros comunistas que passaram a ter como base a
Montanha Jirisan nas províncias meridionais. No verão de 1949, o Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul
juntou-se ao Partido dos Trabalhadores Coreanos, do norte da península, e fundou-se a Frente Democrática Sul-
Coreana Para a Unificação Nacional, que resultou em atividades de guerrilha e sabotagens mais organizadas no sul
do paralelo 38.
Nesse clima de confrontos e rebeliões na Coreia do Sul, o presidente, Syngman Rhee se viu num dilema. Ou
concentrava-se para julgar e expelir os japoneses e sua estrutura deixada na península, ou enfrentava o premente
problema das insurreições organizadas pelos comunistas. Rhee optou pela segunda opção, visto que era a questão
mais iminente e que poderia causar maior consequência para seu governo. Apesar de ter sido sempre um voraz
crítico da dominação japonesa, o presidente passou a empregar algum de seus colaboradores da política colonial
para identificar e reprimir as atividades clandestinas dos comunistas no sul-coreano. Sua postura rendeu-lhe amplas
críticas, pois assim evitou buscar julgar e condenar os japoneses e seus aliados que haviam oprimido os coreanos
durante décadas. Embora tenha sido aprovada uma lei especial para o efeito de investigar e punir os colaboradores
da administração japonesa, esses não somente deixaram de ser devidamente sentenciados pela justiça coreana como
foram usados como conselheiros e agentes da polícia a reprimir as células subterrâneas comunistas. Diante disso, a
partir da primavera de 1950, o núcleo do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul entrou em colapso diante da
ampla ofensiva policial de investigação e repressão às atividades de guerrilha.
Na China, o cenário político mudou radicalmente com a ascensão dos comunistas sob Mao Zedong ao poder em
outubro de 1949. Voluntários coreanos que lutaram com os comunistas chineses na Manchúria contra os japoneses e
nacionalistas do Guomidang (GMD ou KMT), tornaram-se uma força militar a ser usado na península coreana. Foi
notável a ausência de ajuda significativa dos EUA na guerra civil chinesa, e isso foi anotado por Stalin e Kim Il
Sung. Após o gradativo fracasso e desarticulação comunista na Coreia do Sul, Kim Il Sung e Pak Ho-nyong
passaram a planejar uma ampla ofensiva a subjugar a Coreia ao sul do paralelo 38, a usar a lealdade do recém-criado
EPC e das tropas coreanas veteranas na Manchúria. Para ter respaldo internacional, Kim e Pak solicitaram ajuda
militar de Moscou e Pequim para que fosse fornecido homens, equipamentos e mantimentos para a empreitada
bélica. E acreditaram as autoridades norte-coreanas de que os EUA não teriam interesse imediato na península,
assim como foi demonstrado na China. Isso foi ainda mais confirmado quando, em 12 de janeiro de 1950, o
Secretário de Estado dos EUA, Dean Acheson (1893 - 1971), num discurso na National Press Club em Washington
afirmou que a política de contenção anticomunista americana não incluía a Coreia, mas a concentrar-se num
perímetro de defesa na região do Pacífico [1006].
Kim Il Sung, sentindo-se encorajado diante da ocasião histórica, foi para Moscou e pediu a Stalin o endosso de
seu plano de unificação. Stalin, que não desejava uma guerra aberta contra os EUA, decidiu apoiá-lo sob a condições
de que a URSS permanecesse oficialmente não envolvido na guerra entre as duas partes coreanas. Por sua vez, Mao
Zedong prontamente disponibilizou 41 mil tropas do Exército Voluntário Coreana que lutaram por anos no solo
chinês a ajudar o esforço norte-coreano. Conselheiros militares soviéticos logo chegaram com armas e
equipamentos, o que fez com que as forças norte-coreanas inchassem para dez divisões de combate, uma brigada de
tanques e um regimento de motociclistas. Esses foram equipados com 1600 artilharias, 258 tanques soviéticos T-34
e 172 aviões [1007]. Pelo lado sul-coreano, os números eram desoladores. Aproximadamente 100 mil homens
poderiam ser mobilizados, mas apresentavam pouca disciplina e experiência de combate. Desse total, cerca de 65
mil homens estavam armados com morteiros e metralhadoras com defeitos. Além disso havia apenas quatro mil
homens da Guarda Costeira e força policial de 45 mil homens [1008]. Ademais, não havia nenhum apoio aéreo, de
tanques e artilharia para a força de infantaria. Mesmo assim, Syngman Rhee manteve-se comprometido a enfrentar
as forças norte-coreanas, esperando um eventual apoio dos EUA a conter o avanço comunista.
Do dia 10 ao 19 de junho de 1950, sete divisões do EPC foram mobilizadas para o paralelo 38 a pretexto de
realizar manobras de exercício militar. No dia 23, seus comandantes receberam ordens de começar a guerra de
libertação do sul. Isso se desdobrou rapidamente em marchas ofensivas a partir do dia 25. Como meio de justificar a
invasão sobre a linha divisória, a Coreia de Kim argumentou estar retaliando contra um suposto ataque sul-coreano.
Esse motivo pode ter se originado das frequentes provocações e ameaças na fronteira entre os dois exércitos
beligerantes ao longo do paralelo. A tensão tinha escalado ainda mais depois de sustentadas declarações do
presidente sul-coreano, Syngman Rhee, que afirmava de que o norte deveria ser enfrentado eventualmente.
Os eventos da guerra foram a favor dos norte-coreanos, inicialmente. Fortalecidos e mais bem equipados e
ajudados pelos soviéticos, tomaram rapidamente Seul no dia 28 de junho de 1950, apenas três dias do início das
ofensivas [1009]. Os norte-coreanos, entretanto, não esperavam uma rápida resposta dos EUA que reagiram no
Conselho de Segurança da ONU logo no dia seguinte a condenar as agressões do regime de Kim Il Sung. Assim,
com o boicote e ausência da delegação soviética que sistematicamente denunciava o organismo internacional como
instrumento do imperialismo capitalista, foi aprovada a Resolução 82 para combater as tropas norte-coreanas. Em
seguida, o presidente dos EUA, Harry Truman (1884 - 1972), despachou forças aéreas norte-americanas no dia 27 e
forças terrestres no dia 30 para a península. Dezesseis países membros da ONU (Austrália, Bélgica, Canadá,
Colômbia, Etiópia, França, Grécia, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Filipinas, República da África do Sul,
Tailândia, Turquia, Reino Unido, além dos Estados Unidos da América) enviaram forças para a Coreia que ficou sob
o comando do General Douglas MacArthur em Tóquio.
Os americanos, aliados e o exército sul-coreano passaram a se concentrar num perímetro de defesa no Rio
Nakdong perto da cidade de Pusan, no sudeste da península coreana. Depois de seis semanas de impasse, MacArthur
lançou sua famosa operação desembarcando em Inchon em 15 de setembro [1010] sob comando do General Hobart R.
Gay da 1ª Divisão de Cavalaria vindo de Yokohama. Dez dias depois, Seul foi recapturado, cortando efetivamente
as linhas de frente norte-coreanos no sul, que as obrigaram a recuar em retirada. Em 27 de setembro foi aprovada a
diretriz do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA de 27 de setembro que permitiu uma operação militar ao
norte do paralelo 38 para perseguir e demolir as forças norte-coreanas. No dia 2 de outubro, MacArthur ordenou que
suas tropas cruzassem a fronteira e 18 dias depois já se encontravam no controle de Pyongyang e a avançar em
direção ao norte, ao Rio Yalu. O general estadunidense não tinha a percepção de que Mao Zedong, enquanto isso,
tinha já mobilizado 18 divisões de combate de seu exército contando com coreanos voluntários na China. Mao tinha
enfrentado a reticência de seu chanceler, Zhou Enlai (1898 - 1976), e assim nomeou Peng Dehuai (1898 - 1974)
como comandante das tropas chinesas que entrariam no solo norte-coreano [1011]. As batalhas se intensificaram ao
longo da fronteira norte-coreana e, vendo-se fortalecidos com o apoio dos chineses, os comunistas conseguiram
vencer as forças da ONU no Reservatório de Chosin, na região nordeste da Coreia do Norte, depois de dezessete
dias de batalhas entre 27 de novembro e 13 de dezembro de 1950. As forças sob o comando do Major-General
Edward Almond conseguiram fugir do cerco e foram para o porto de Hungnam [1012]. O evento foi amplamente
celebrado pelos norte-coreanos e chineses, e marcou uma virada decisiva de retirada das tropas das Nações Unidas
para o sul.
O avanço dos chineses e norte-coreanos para o sul foi notável em novembro de 1950. No dia 2 de dezembro,
após árduas batalhas no vale do rio Chongchon, as tropas chinesas e coreanas continuaram em direção ao paralelo
38. No dia 31 de dezembro, os chineses do 13º Exército forçaram o recuo dos americanos sob o comando do
Tenente-General Matthew B. Ridgway que evacuou para Seul no dia 3 de janeiro de 1951. Depois de alguns dias, a
capital sul-coreana foi evacuada pelas tropas onusianas [1013]. Nos meses seguintes, as forças beligerantes começaram
a enfrentar diversos impasses e batalhas inconclusivas ao longo do paralelo 38. Em 23 de março, o presidente
Truman declarou em um comunicado que as forças da ONU haviam evitado a invasão comunista na Coreia e que,
portanto, o Comando das Forças das Nações Unidas estava pronto para negociar um cessar-fogo. Dia seguinte, o
General MacArthur, desconsiderou a posição do presidente dos EUA e solicitou o bombardeio da região da
Manchúria, na China, para retaliar contra os comunistas chineses. Truman, como havia feito Stalin, sabia que isso
escalaria ainda mais os conflitos para uma guerra generalizada, e assim destituiu MacArthur do comando das Forças
da ONU em 11 de abril de 1951 [1014].
Mapa - As fases da Guerra da Coreia (1950 – 1953).

Ainda decorreram dois anos até os dois lados rivais na Guerra da Coreia a assinarem um armistício em 27 de
julho de 1953. A guerra causou danos consideráveis e traumáticos para toda a península. O acordo definitivo foi
assinado pelo General Clark, Kim Il Sung e Peng Dehuai. O presidente Syngman Rhee se recusou a assiná-lo, mas
deu sua aprovação tácita para a trégua depois dos EUA terem assegurado seu compromisso de segurança na Coreia
do Sul. A fronteira da trégua ficou novamente estabelecida marginalmente ao longo do paralelo 38, e essa área ficou
depois conhecida como Zona Desmilitarizada (DMZ). A guerra custou um imenso número de vidas humanas,
afetando ao todo a vida de 30 milhões de coreanos de toda a península, assim como 700 mil coreanos advindos da
Manchúria. As estatísticas dos números são ainda controversas, mas estima-se que 2 720 000 pessoas foram mortas
ou desapareceram. Desse número estonteante, mais de um milhão são de norte-coreanos que possivelmente
migraram ou fugiram para o sul. Estima-se que cerca de meio milhão de soldados norte-coreanos tenham morrido
em batalha, e mais de um milhão, vítimas civis. No sul, as baixas militares foram de 237 686 pessoas, e cerca de
meio milhão de civis sul-coreanos foram sequestrados, e outros 600 mil civis mortos ou desaparecidos, totalizando a
perda sul-coreana em torno de 1 330 000. De acordo com registros oficiais, as baixas dos EUA foram de 33 629
mortos e 103 284 feridos [1015]. As outras forças da ONU, excluindo os sul-coreanos perderam 3 143 vidas, 11 532
feridos e 525 desaparecidos. Por último, os registros chineses afirmam que tiveram 116 mil mortos de suas forças,
220 mil feridos e 29 mil desaparecidos, somando 336 mil chineses, mas estima-se realisticamente que o total tenha
chegado para mais de 900 mil chineses [1016].

Coreia (1953 – Início do Século 21)


A Coreia do Sul teve sua vida independente após a Guerra da Coreia (1950 – 1953) sob a liderança de Syngman
Rhee. Sua liderança advinha de seus anos de luta pela independência coreana contra a dominação japonese e
comunista. Rhee vinha de uma família de valores cristãos coreanos, e tinha se casado com uma austríaca. Sem ter
filhos, Rhee era considerado como um líder sem ligações familiares e tendências ao nepotismo na sociedade
coreana, o que lhe rendeu valor pelo seu compromisso às causas nacionais. Seu longo exílio no exterior conferiu-lhe
novas perspectivas e ideais para o futuro coreano, tendo obtido seu doutorado na Universidade de Princeton, em
Nova Jersey, EUA. Era vivo admirador do sistema americano, e queria isso a ser implementado na Coreia do Sul
nascente. Seu ensino quando jovem foi feito por missionários americanos que lhe deu valores éticos baseados no
cristianismo protestante.
Apesar de seu fervor político, Rhee teve que lidar com a condição social e histórica da Coreia após a traumática
guerra que terminou em 1953. Desde o início do século 20, os coreanos foram destituídos de qualquer liberdade de
pensamento e participação política, a não ser na clandestinidade. A maioria coreana, portanto, resumia sua vida
política a obediências de um poder opressivo e brutal. A economia coreana também teve reflexos históricos. Por
décadas, os principais setores econômicos foram geridos a apoiar políticas estratégicas dos japoneses e, depois da
Segunda Guerra Mundial, aos preceitos do comando militar americano visando conter o comunismo. A economia
sul-coreana, em específico, dependeu em grande parte da agricultura e mineração, com as principais indústrias
japonesas se instalando no norte do paralelo 38 e na Manchúria. Com a crise da Guerra Mundial e da Guerra da
Coreia, a elite sul-coreana também se viu destituída de qualquer perspectiva de emprego e ocupação numa economia
em ruínas, mesmo aqueles egressos das universidades e faculdades. O governo militar americano, após 1945, tentou
fornecer ajuda para a reconstrução da economia sul-coreana, mas boa parte dos investimentos foram para as áreas
militares e Forças Armadas. Isso tudo resultou numa sociedade de crise, desempregada, politicamente volúvel, sem
tradição democrática e com proeminência dos setores militares.
Foi nesse contexto que a Coreia do Sul, em 1953, que o presidente Syngman Rhee iniciou seu mandato, com
inúmeros desafios a serem enfrentados e por amplas críticas da oposição. Apesar de sua idade avançada já à época,
Rhee demonstrou uma determinação férrea de se manter no poder e assim se deu por uma década. Isso, no entanto,
começou a demonstrar sua tendência autoritária. Rhee foi criticado principalmente por oprimir a oposição com o uso
da Lei de Segurança Nacional aprovada em 1948. Mas a Coreia do Sul na década de 1950 era bem diferente de antes
da guerra. O crescimento populacional sul-coreano era palpável, com sustentada alta taxa de natalidade, isso num
cenário de rápida urbanização e ampla escolaridade da população que não estavam mais dispostos a tolerar
tendências autoritárias.
Nas eleições presidenciais de 15 de março de 1960, o rival de Rhee para a presidência tinha sofrido uma morte
prematura, e Rhee foi reeleito pela quarta vez. Contudo, dessa vez, a oposição passou a manifestar seu
descontentamento com amplas acusações de intimidação eleitoral em algumas circunscrições eleitorais no interior
coreano. E foram das províncias que surgiram as primeiras manifestações massivas contra o processo eleitoral de
1960. Em Masan, no sul da península, um estudante de ensino médio havia sido morto no dia das eleições por forças
policiais, instigando uma manifestação estudantil em Seul que se deu no dia 19 de abril de 1960. No evento, foi
estimado em cerca de 20 mil estudantes participantes, principalmente de universitários e secundaristas que foram às
ruas gritando “abaixo a ditadura!”. A repressão policial foi aumentada depois que alguns foram em direção ao
palácio presidencial, com a morte de 100 pessoas [1017]. Diante da comoção dos eventos, em 26 de abril, o presidente
Rhee submeteu-se às pressões e declarou sua renúncia, indo viver no Havaí.
O poder político na Coreia do Norte, depois de 1953, começou a gravitar cada vez mais em torno da figura de
Kim Il Sung e isso se deu através de uma série de perseguições a oposicionistas. O quadro das lideranças do Partido
dos Trabalhadores da Coreia do Norte foi alterado quando, em outubro de 1950, Ho Ka-i (ou Alexei Ivanovich
Hegai) (1904 – 1953), um proeminente coreano com ligações soviéticas e segundo no comando partidário, foi
reprimido por ter cometido erros na reconstrução partidária durante os eventos da Guerra da Coreia. Mais tarde, foi
relatado que ele alegadamente cometeu suicídio em Pyongyang em 1953 [1018] e foi substituído como vice-secretário
geral do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores por Pak Chang-ok (? – 1960). No mesmo ano, Kim Mujong,
um dos principais generais do Partido, da facção chamada de Yanan ( 연안파 ) – de coreanos comunistas com
ligações chinesas – foi expulso do país por conduta imprópria. Mas o maior objetivo político de Kim Il Sung foi Pak
Hon-yong, maior líder comunista sul-coreano do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul. No início de 1953, um
dos partidários de Pak havia sido preso no norte e confessou, possivelmente sob torturas, que havia um complô em
andamento. Desde então, Pak nunca mais foi visto em ocasiões oficiais e em agosto de 1953 foi definitivamente
preso. Dois anos depois, foi condenado à morte por espionagem [1019]. Pak e seus seguidores foram todos
responsabilizados e acusados pelos fracassos da “guerra de unificação”.
Quando houve as famosas acusações contra Stalin por Nikita Khrushchev (1894 - 1971) na URSS no 20º
Congresso do Partido Comunista Soviético em fevereiro de 1956, isso repercutiu amplamente no sistema norte-
coreano. Os membros da facção de Yanan, passaram a planejar uma mudança na estrutura política do país, a mudar
a liderança centralizada numa pessoa por uma liderança coletiva. Isso se deu enquanto Kim Il Sung estava em visita
de estado em Moscou no verão de 1956. Assim que Kim retornou, os membros de Yanan foram imediatamente
condenados por acusações de antirrevolucionários. Moscou e Pequim tentaram veementemente intervir no evento,
mas Kim declarou em março de 1958 que havia definitivamente liquidado todos os dissidentes na Coreia do Norte.
Nos anos posteriores, a Coreia do Norte passou a se fechar cada vez mais, e passou a assentar o seu sistema político
numa ideologia própria, a não depender do estrangeiro, pela política do juche (“autoconfiança”, 주체 ). No setor
econômico após a guerra, Kim planejou a restauração das atividades através de planos trienais, claramente
inspirados nos planos quinquenais dos soviéticos. Na mesma época, em 1956, Kim lançou um amplo programa de
reforma e revitalização chamado de Chollima (“Cavalo Alado”, 천리마운동 ), uma versão coreana do Grande Salto
Adiante de Mao Zedong. Esses programas tiveram resultados notáveis, a considerar o estado da economia norte-
coreana depois de 1953, mas o excessivo esforço resultou em crônica falta de matéria-prima e da estrutura
produtiva. Embora o setor industrial tenha crescido, isso se deu às custas da agricultura que passou por crises de
colheitas de grãos. A mão-de-obra foi exaurida no trabalho, provocando efeitos nefastos na sociedade. A
coletivização agrícola acarretou em fome e miséria no campo. Apesar de seus defeitos e número desconhecido de
mortes, Kim Il Sung – e seu filho e sucessor, Kim Jong-Il - sempre declarou a glória do Programa Chollima e dos
planos de desenvolvimento, como feito no 6º Plenário do Partido em outubro de 1980 [1020].
Depois da renúncia de Syngman Rhee, em junho de 1960, a Assembleia Nacional da Coreia do Sul adotou uma
nova constituição que estipulava um sistema parlamentar bicameral, anunciando o que seria a Segunda República.
Nas eleições gerais, realizadas em 19 de julho, o Partido Democrata originado do antigo Partido Democrático
Coreano dominou as duas câmaras do Parlamento, com 175 dos 233 assentos entre os deputados, e 31 dos 58
senadores. O parlamento então escolheu o católico Chang Myon (1899 – 1966), ex-vice-presidente e ex-embaixador
em Washington, como primeiro-ministro e Yun Posun (1897 – 1990) como presidente. O cargo de primeiro-ministro
acabou sendo o chefe de governo, com seu próprio gabinete, enquanto a presidência se tornou mais uma figura de
estado, apenas. Chang Myon era um fervoroso democrata e acreditou que poderia continuar o que Rhee não tinha
conseguido. E suas crenças políticas, fortemente ancoradas no sistema dos EUA, apontavam para uma imprensa
livre, sem censuras. No entanto, o Partido Democrata de Chang, atormentado por rivalidades faccionais, foi incapaz
de resolver o grave desemprego nas cidades e escassez de mantimentos no campo. Ademais, a nascente
administração de Chang passou a enfrentar crescentes manifestações e descontentamentos de jovens, estudantes,
professores, sindicatos e outros grupos sociais organizados. Entre os estudantes e professores, foram vários os
clamores por partidos de esquerda e unificação com o norte que agitou a cena política sul-coreana. Isso, juntamente
com o desemprego e precariedade social de vários setores da sociedade, visto como pretexto para que militares,
receosos do comunismo, se projetassem para o cenário político.
Apesar dos programas de modernização de Chang para superar as dificuldades econômicas na Coreia do Sul, um
grupo de jovens oficiais militares, liderados pelo Major-General Park Chung-Hee (1917 -1979), realizaram um
golpe de estado em 16 de maio de 1961 (fig.). O corpo do exército sul-coreano tinha crescido consideravelmente
para mais de 600 mil homens após a Guerra da Coreia, equipados e treinados por oficiais americanos. Modelado na
administração militar dos EUA, o Exército Nacional tornou-se eficiente e disciplinado diante das incertezas da
sociedade coreana na década de 1950 e 1960. Park Chung Hee era produto dessa transformação militar. Formou-se
em Tóquio e também na Manchúria, como cadete do exército. Outros apoiadores seus, como Kim Jong-pil (1926 - ),
formaram-se depois da ocupação japonesa, em academias coreanas depois da Segunda Guerra Mundial. A maioria
dos oficiais à época do golpe de 1961, portanto, eram jovens, ambiciosos e inquietos diante das mudanças políticas.

Fig. – Park Chung-Hee, ditador sul coreano de 1961 a 1979.

Na madrugada de 16 de maio de 1961, com o golpe de estado, os militares transmitiram por rádio para toda a
Coreia do Sul mensagem contendo os objetivos para o futuro da nação: anticomunismo, estreitar e manter laços com
os EUA, combater a corrupção, reconstrução da economia, contenção do regime norte-coreano e promessa de
retorno ao governo civil em momento posterior. Com isso, a junta militar no poder declarou lei marcial e dissolveu a
Assemblei Nacional. A constituição foi suspensa e todas as atividades políticas foram proibidas. Ademais, a
liberdade de imprensa foi limitada pela censura. Em seguida, a junta nomeou-se como Conselho Supremo da
Reconstrução Nacional, presidido por Park Chung Hee. Foi criado em 13 de junho de 1961 o Serviço Nacional de
Inteligência (Gukga Jeongbowon, 국가정보원 ), a ser chefiada por Kim Jong-pil, para que pudesse controlar e
investigar as informações no meio nacional e exterior. Os ministérios do novo governo foram quase todos ocupados
por militares.
O regime militar sul-coreano passou a promulgar leis de cunho anticomunista com base na Lei de Segurança
Nacional. Isso permitiu a detenção e prisão de políticos e intelectuais de tendência esquerdista. Com relação a outros
da sociedade, os militares buscaram eliminar os privilégios e práticas de corrupção como entre o empresariado. Para
recuperar a economia, os militares lançaram um ambicioso programa, Plano Quinquenal de Desenvolvimento
Econômico ( 경제사회발전 5 개년계획 ), em 1962. Este seria o primeiro de muitos outros posteriores. O governo
americano, considerando o regime como um baluarte contra o comunismo norte-coreano e chinês, aceitou o novo
regime, mas com a promessa de que haveria retorno ao comando civil no futuro. Era evidente, no entanto, que os
militares desejaram manter o poder, mesmo que sob forma civil no futuro.
Em dezembro de 1962, o Conselho Supremo da Coreia do Sul adotou uma nova constituição sob sistema
presidencial e unicameral. Ou seja, centralizou-se o poder. Logo, em janeiro de 1963, certas atividades políticas
foram retomadas, mas sempre a manter o comunismo afastado. Kim Jong-pil havia organizado o Partido
Republicano Democrático, mas mesmo assim as eleições presidenciais e legislativas em nível nacional no final do
ano deu vitória apertada para Park Chung Hee, com pequena margem de liderança sobre o ex-presidente Yun Posun.
Ao se legitimar no cargo presidencial, Park inaugurou a chamada Terceira República em 16 de dezembro de 1963
[1021]
.
As perspectivas no norte-coreano eram ainda mais sombrias. No início de 1957, Kim Il Sung quase eliminou
todos os seus oponentes do Partido dos Trabalhadores. No meio internacional, a refletir seu crescente isolacionismo,
Kim manteve-se neutro nas crescentes tensões entre Pequim e Moscou. Ao se posicionar assim, Kim buscou
barganhar com os dois centros de poder, visando angariar maior apoio e ajuda ao seu regime. Em termos políticos
internos, o partido de Kim era o estado. Em fevereiro de 1960, Kim, acompanhado de outros membros do partido,
foi visitar uma vila agrícola coletivizada perto de Pyongyang, em Chongsan. Ao se deparar com problemas, passou a
acusar alguns membros do partido pelos erros. Em cima disso, elaborou uma política renovada para as vilas e
comunidades interioranas, “Orientação Locais do Grande Líder” (Suryong), e isso foi aplicado para todo o país. O
método visava melhorar a produtividade econômica e agrícola através de maior compromisso e fidelidade às
orientações do líder norte-coreano.
Em outubro de 1960, na comemoração dos 15 anos do Partido dos Trabalhadores, foi iniciada uma nova fase
histórica do comunismo norte-coreano. Dali em diante, Kim Il Sung passou a ser a fonte de toda a sabedoria e
verdade em relação ao passado, presente e futuro da nação. Assim passou-se a formular uma interpretação dos
eventos históricos como repleto de inimigos da nação, de burgueses e capitalistas, imperialistas desde os japoneses
aos estadunidenses, dos lacaios sul-coreanos, e a ascensão libertadora do comunismo sob a liderança de Kim Il
Sung. Esse tipo de discurso passou a legitimar o regime norte-coreano, a pautar-se nas agressões e ameaças do
exterior e a enfatizar o heroísmo do povo e dos líderes comunistas.
Na economia, a Coreia do Norte apresentou índices de crescimento ao final dos anos de 1950, o que reforçou
ainda mais autoconfiança do regime unitário. Os planos de desenvolvimento, quinquenais, contudo, sempre
passaram a relatar a superação dos objetivos esperados. Em 1962, um novo plano de sete anos foi elaborado. A
prioridade passou a ser a indústria leve e agricultura, com o continuado destaque à indústria pesada [1022]. No 4º
Congresso do Partido dos Trabalhadores, referido como “Congresso dos Vitoriosos”, realizado em 11 de setembro
de 1961, foi entusiasticamente confirmado como ideologia do estado o patriotismo socialista irrestrito a ser esperado
por todos os norte-coreanos, ao que resultaria no nascimento de um novo homem socialista para o mundo.
A Terceira República da Coreia do Sul teve início com os programas de desenvolvimento de Park Chung Hee.
Militar de formação, Park testemunhou como os japoneses administraram com eficiência a Manchúria com a ajuda
de tecnocratas advindos de instituições do Japão. Inspirado por isso, Park passou a orientar seu governo para a
mesma eficiência, e assim implementou uma série de planos econômicos de cinco anos, e criou o Conselho de
Planejamento Econômico, chefiado por aliados e submetendo todos os ministérios a esse conselho. A maioria dos
militares no governo gradualmente passaram os seus cargos para tecnocratas mais eficientes recrutado no país e no
exterior, entre os quais muitos economistas e administradores formados nos EUA. A ênfase econômica era, antes de
tudo, buscar montar uma base industrial forte a garantir uma sustentada pauta exportadora superavitária,
principalmente de produtos industriais leves como têxteis, sapatos e acessórios, e conter os gastos de importações
[1023]
. Os militares, contudo, permaneceram nos setores estratégicos de segurança nacional e do Serviço Nacional de
Inteligência.
Como outros países subdesenvolvidos, a Coreia do Sul precisou de capital estrangeiro para impulsionar sua
modernização econômica. O presidente Park tinha constatado que o Japão havia alcançado uma rápida recuperação
econômica e crescimento depois da Segunda Guerra Mundial graças à demanda da Guerra da Coreia, evento em que
os EUA usaram o arquipélago como base de suprimentos. Assim, apoiado pelos EUA que desejava uma
reaproximação entre coreanos e japoneses, foi normalizada a relação entre Seul e Tóquio, depois de negociações
sobre compensações pelo domínio colonial japonês. Houve consideráveis manifestações estudantis contra o acordo
que foi considerado como precipitado e injusto, mas Park chegou a estabelecer de vez as relações diplomáticas com
o Japão em junho de 1965, recebendo apenas 300 milhões de dólares como compensação histórica, e outros 500
milhões em empréstimos financeiros públicos e privados [1024].
Em agosto de 1965, o governo sul-coreano ratificou pela Assembleia Nacional o envio de forças militares ao
Vietnã, acatando o pedido do governo dos EUA, baseado nas promessas contidas no Memorando Brown. Nesse
documento, Washington se comprometeu a modernizar e ampliar o meio industrial e militar sul-coreano, assim
como empréstimos regulares. Assim, um total de mais de 300 mil soldados sul-coreanos foram lutar com os
americanos no Vietnã entre 1965 e 1973, um dos maiores contingentes dos aliados ao EUA [1025].
Durante o Primeiro Plano de Desenvolvimento Econômico Quinquenal (1962 – 1966), a economia sul-coreana
teve desempenho de crescimento anual médio de 7,8%, alcançando um expressivo aumento de exportações do setor
têxtil com intensivo uso de mão-de-obra. A Guerra do Vietnã, os empréstimos japoneses e americanos asseguraram
os investimentos industriais para o Segundo Plano Quinquenal (1967 – 1971), juntamente com a poupança nacional.
Graças ao crescimento econômico, Park venceu novamente as eleições presidenciais em maio de 1967 sobre seu
rival, Yun Posun. Sob sua liderança autoritária e desenvolvimentista, a Coreia do Sul passou a se transformar numa
economia moderna, com intenso uso de mão-de-obra que reduziu o desemprego e com o uso gerencial de burocratas
conjugado com a classe empresarial industrial. Esse conluio gerencial com o governo passou a se consolidar como
uma classe dirigista que se aglomerou em torno de chaebol, conglomerado de empresas controladas por famílias e
associados.
Em abril de 1971, Park Chung Hee concorreu de novo para presidência, removendo o impedimento
constitucional que impedia três mandatos consecutivos na Coreia do Sul. O candidato da oposição, Kim Dae-Jung
(1925 - 2009), um político defensor da democracia que por anos se opusera ao autoritarismo de Park, foi derrotado
nas urnas. Chaebols tinham contribuído consideravelmente para a campanha eleitoral para a campanha de Park, e o
Serviço Nacional de Inteligência manteve-se vigilante para investigar e intimidar qualquer industrial que apoiasse
Kim Dae-Jung. Ademais, a promessa de unificação com o norte coreano de Kim Dae-Jung pareceu soar comunista
ou esquerdista demais para os elementos anticomunistas e conservadores da Coreia do Sul. O eleitorado sul-coreano,
nas eleições, tinha mostrado certa divisão geográfica, com as províncias no sudoeste a apoiaram mais o candidato da
oposição, enquanto os mais sulistas, ao presidente Park. Apesar de sua vitória, Park Chung Hee teve que lidar com
uma crescente inquietação social diante de seu regime autoritário. Diante disso, Park passou em 1972 a concentrar
ainda mais o poder presidencial, a garantir a ordem pública, e não permitir dissidências e críticas ao seu regime [1026].
Com a mudança de poder soviético, nas mãos do Nikita Khrushchev e de sua atitude irresoluta na crise cubana
em 1962, a liderança norte-coreana passou a considerar Moscou como fraco e inábil diante do imperialismo norte-
americano. Ademais, a Coreia do Norte tinha piorado em seu relacionamento com a China após membros da Guarda
Vermelha chinesa terem criticado abertamente o regime de Kim Il Sung em 1967 durante a Revolução Cultural.
Assim, o norte coreano passou a sentir-se ameaçado, ainda mais quando a Coreia do Sul de Park Chung Hee firmou
tratados com o Japão e EUA. Para piorar ainda mais, o exército sul-coreano fortaleceu-se consideravelmente com a
ajuda dos EUA depois da participação na Guerra do Vietnã.
Desde 1962, a Coreia do Norte tinha enfatizado uma política de defesa a ser implementado junto com o
desenvolvimento econômico, como declarado no slogan da época: todas as pessoas armadas, todo território
fortificado, todas as forças autorizadas e modernizadas. O orçamento de defesa tinha aumentado abruptamente para
cerca de 30% do orçamento nacional entre 1967 a 1971. No entanto, isso começou a afetar o crescimento econômico
da nação, gerando críticas e descontentamentos mesmo no opressivo ambiente do Partido dos Trabalhadores da
Coreia do Norte. As perseguições seguiram-se a isso. Membros de um subgrupo de comunistas guerrilheiros que
lutaram contra os japoneses, da facção Gapsan, foram expurgados em 1967 [1027].
Em certa ocasião em 1965, Kim Il Sung declarou que o Partido dos Trabalhadores manteria consistentemente sua
filosofia única, juche, autossuficiência política e econômica e autodefesa militar. O juche permitiu a Kim solidificar
de vez o culto à sua figura no regime norte-coreano, a não depender de outros regimes, nem a tolerar dissidências.
Seu local de nascimento, em Mangyongdae, foi declarado como santuário sagrado nacional e seus ancestrais foram
sepultados e cultuados como heróis combatentes. Supostamente, seu avô foi considerado como um dos envolvidos
no incêndio do navio americano, General Sherman, em 1866. O senso de isolamento norte-coreano aumentou ainda
mais em janeiro de 1968, quando um grupo se infiltrou na Zona Desmilitarizada na fronteira ao longo do paralelo 38
e foi para o sul e tentou atacar o presidente Park Chung Hee. Outro grupo norte-coreano planejou um ato na costa
oriental da Coreia do Sul. Ademais, foi nessa época que um navio dos EUA, o USS Pueblo, foi capturado no Mar do
Leste, perto da Coreia do Norte, enquanto estava em operação.
Essas provocações, no entanto, pouco efeito surtiu e fez com que Park Chung Hee fortalecesse sua autoridade
sobre qualquer movimento dissidente e democrático de estudantes e oposicionistas na Coreia do Sul. Em meados de
1970, Kim Il Sung, instigou outra onda de expurgos de líderes dentre do seu partido, substituindo-os por uma nova
geração de revolucionários, a incluir seu filho mais velho, Kim Jong Il (1942 – 2011) que passou a ser chamado de
“Querido Líder” [1028]. O núcleo do poder político norte-coreano começou a ser ocupado pela família Kim e seus
familiares.
O início da década de 1970 pareceu ser promissor para uma maior unificação da península coreana. Em abril de
1971, o premiê norte-coreano, Kim Il Sung, anunciou uma série de propostas para uma Coreia unida em forma
confederada. Em agosto, o presidente Park Chung Hee também se expressou visando uma maior integração com o
norte. Eventualmente, a Cruz Vermelha da Coreia do Sul passou a se envolver nos esforços humanitários de famílias
separadas pela divisão da península. Para isso, representantes de ambos os lados do paralelo 38 trocaram
publicamente declarações de unidade e foram realizadas reuniões preparatórias em contatos secretos entre Seul e
Pyongyang. Finalmente, em 4 de julho de 1972, um acordo foi tornado público entre Kim Yong-ju (1920 - ), diretor
do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte e irmão de Kim Il Sung, e Lee Hu-rak (1924 - 2009), diretor do
Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul que visitou a capital norte-coreana em segredo. O encontro entre
os dois representantes coreanos resultou numa declaração de três princípios de reunificação: autoconfiança, paz e
solidariedade nacional. Os dois lados concordaram em estabelecer uma Comissão Coordenada Norte-Sul, e a ligar os
dois gabinetes de governo diretamente por uma linha telefônica. E assumiram o compromisso de diminuir as
acusações um contra o outro nas declarações públicas.
Apesar das boas intenções, o comunicado de 4 de julho de 1972 não levou as duas Coreias para uma
reunificação. Na verdade, acabou exacerbando ainda mais o controle político de ambas as partes. A fim de criar um
sistema político mais eficiente para promover a solidariedade nacional contra os comunistas, Park Chung Hee
suspendeu a constituição sul-coreana em 17 de outubro, declarou lei marcial e dispersou a Assembleia Nacional. Foi
esboçada uma nova constituição, a de Yusin (“restauração”, também referido como Outubro Yusin, 시월유신 ) que
maximizou ainda mais o poder presidencial, com autoridade para emitir decretos de emergência, dissolver o
parlamento e nomear um terço dos legisladores, isso num mandato de seis anos sem limites de mandatos. O
presidente sul-coreano seria a partir da nova constituição eleito indiretamente por delegados distritais pelo país, que
poderiam ser facilmente influenciados pelo poder executivo nacional. Já em dezembro de 1970, Park Chung Hee foi
reeleito como presidente praticamente onipotente na Coreia do Sul.
Enquanto isso, em Pyongyang, o Conselho Supremo convocou uma sessão para adotar uma nova constituição
norte-coreana que passou a concentrar ainda mais o poder de Kim Il Sung, que a partir de então seria presidente do
país. O presidente, no comando do Comitê Central do Povo, órgão executivo máximo recém-criado, foi adotado
constitucionalmente com todos os poderes sem precedentes no mundo. Enquanto essas duas tendências das duas
Coreia tiveram curso, em 30 de agosto de 1972, houve negociações entre representantes de ambos os lados pela
Cruz Vermelha em Pyongyang. Delegações sul-coreanas oficialmente atravessaram a fronteira pela primeira vez
desde a divisão da península. Mês seguinte, norte-coreanos foram a Seul. No entanto, o diálogo entre as partes nunca
chegou a uma conclusão substancial, já que os sul-coreanos desejaram resolver antes as questões familiares e
humanitárias da separação, enquanto os norte-coreanos queriam resolver primeiramente questões políticas como a
abolição das leis anticomunistas no sul. As visitas, nesse sentido, começaram a ser mais apresentações cerimoniais
para a mídia, não tendo mais resultados concretos produzidos. Apesar disso, as trocas familiares ainda continuaram
até agosto de 1973, quando Kim Yong-ju, presidente da Comissão Coordenada Norte-Sul, resolveu suspender os
diálogos como protesto contra o sequestro de Kim Dae-Jung pelo serviço secreto sul-coreano quando estava em
exílio em Tóquio em 8 de agosto [1029].
Park Chung Hee e seus seguidores acreditaram que a democracia sul-coreano poderia esperar até que a economia
estivesse desenvolvida o suficiente para lidar com a pobreza generalizada do país. De fato, o lema de seu governo
foi “economia agora, democracia depois” [1030]. Como resposta à crescente desigualdade social devido aos anos de
industrialização urbana, a partir de abril de 1970 o presidente Park passou a implementar o programa de
desenvolvimento e modernização agrário, no Movimento Saemaul (“Nova Comunidade”, 새마을운동 ),
especialmente nas regiões e províncias mais precárias. O programa rural foi inspirado nas tradições comunitários
coreanas, de solidariedade, cooperação laboral (dure, 두레 ) e autogoverno (hyangyak, 향약 ). Park estendeu esses
conceitos para toda a nação em uma política nacional aplicando-o para as empresas, escolas e organizações sociais.
Apesar disso, a sociedade sul-coreana tinha mudado e passou a ser cada vez mais crítica com seu regime
antidemocrático. Em 1973, intelectuais, líderes religiosos, políticos de oposição e líderes estudantis iniciaram uma
ampla campanha contra a constituição Yusin. Isso foi amplificado depois do sequestro de Kim Dae-jung no Japão
em agosto. Uma campanha de petição para novas emendas constitucionais surgiu. Park, reagiu duramente a isso, e
suprimiu o direito de manifestação conforme o Decreto de Emergência no. 1, segundo o qual a lei marcial poderia
condenar infratores com até 15 anos de prisão. Mesmo assim, as manifestações se intensificaram e se espalharam
pela Coreia do Sul. Após outro decreto emergencial, o de no. 4, entrar em vigor, oito estudantes foram presos e
executados e 14 sentenciados à pena de morte. Um deles foi um poeta e escritor ativista, Kim Chi-ha (1941- ), que
se tornou célebre pelo seu poema “Cinco Bandidos” (Ojok) sob seu pseudônimo, Jiha (“subterrâneo”) [1031].
O clima ficou ainda mais tenso no regime sul-coreano quando um agente norte-coreano tentou assassinar o
presidente Park no Dia da Independência em 15 de agosto de 1974. O agente falhou em seu alvo, mas atingiu a
primeira-dama que estava junto com o presidente na cerimônia de comemoração do dia. O regime Yusin de Park
perdurou com vigor, e passou a reprimir e censurar qualquer manifestação de oposição e suspeita. Com a vitória dos
comunistas no Vietnã em 1975, o regime de Park passou a temer ainda mais a ameaça esquerdista, fortalecendo
ainda mais os decretos de emergência. Essas medidas draconianas de supressão dos direitos humanos provocaram
reações internacionais. Isso se tornou um escândalo quando foi revelada a ação de um lobista sul-coreano, Tongsun
Park, a subornar legisladores dos EUA em Washington visando impedir o governo de pressionar a Coreia do Sul, no
que depois ficou conhecido como o caso Koreagate, revelado na imprensa americana em 1976. Essa questão
diplomática delicada foi combatida pelo presidente Jimmy Carter (1924 - ), que passou a pressionar pela retirada das
tropas americanas na Coreia do Sul pelas violações dos direitos humanos do regime de Park, conforme declarou em
sua visita a Seul em 1978 [1032].
Apesar das pressões, Park Chung Hee não buscou reformar seu regime para maior democratização, enfatizando
em primeiro plano o desenvolvimento econômico da Coreia do Sul. Isso começou a gerar desgaste no meio político
sul-coreano. Em maio de 1979, Kim Young-sam (1927 - 2015), um ativista social contra o regime Yusin, foi eleito
líder da oposição. Por manobras deliberadas do governo, Kim foi retirado de sua posição por agentes do Serviço
Nacional de Inteligência. Kim tinha por anos defendido maior pressão do governo de Carter sobre o presidente Park
pelos abusos dos direitos políticos e humanos. Em outubro, uma grande manifestação estudantil tomou as ruas de
Pusan, cidade portuária no sul da península e terra natal de Park Chung Hee. Quando os protestos começaram a
ganhar a mídia e se espalhar para a cidade próxima de Masan, o governo declarou nova lei marcial e Forças
Especiais foram mobilizadas. No mesmo mês, como protesto, os americanos decidiram retirar seu embaixador de
Seul, e Kim Young-sam e seus partidários do Novo Partido Democrático da Assembleia Nacional [1033].
A rivalidade política começou a se avizinhar do círculo mais próximo do presidente Park. Em 26 de outubro,
Kim Jae-gyu (1926 – 1980), diretor do Serviço Nacional de Inteligência, foi discutir sobre os protestos com o
presidente. No evento, Kim atirou e matou Park Chung Hee. Isso demonstrou o desgaste e impopularidade crescente
do regime Yusin, que passou a ser criticado inclusive por agentes de segurança e inteligência, além de militares sul-
coreanos apoiados por americanos e sob comando nominal das Nações Unidas desde a invasão norte-coreana em
1950. Park, diante disso, tinha criado um corpo de segurança sob comando presidencial para suprimir rebeliões e
insurreições. O chefe dessa guarda de segurança era o paraquedista Cha Chichol (1934 – 1979) que tinha se
desentendido ao longo do tempo com o diretor do Serviço Nacional de Inteligência, Kim Jae-gyu. As duas
organizações, portanto, começaram a rivalizar pelas questões cruciais de segurança da Coreia do Sul. No dia do
assassinato do presidente, Park tinha favorecido a posição de Cha em detrimento dos pedidos de Kim. Sendo assim,
Kim, vendo-se afastado dos favores do presidente sobre como lidar com os protestos e manifestações, decidiu por
bem atirar contra Park Chung Hee e também matando Cha. Kim Jae-gyu, depois foi condenado à pena de morte por
enforcamento em 24 de maio de 1980.
Depois de 18 anos de governo autoritário, Park Chung Hee construiu uma nação sul-coreana moderna, próspera e
industrializada. Frequentemente é alegado que a Coreia sob Park foi mais uma empresa, onde 51% das ações dos
grandes conglomerados nacionais, chaebols, pertenciam ao próprio presidente. De fato, o PIB da Coreia do Sul
subiu de US$ 2,3 bilhões em 1962 para US$ 61,4 bilhões em 1979. A renda per capita aumentou de US$ 87 para
US$ 1 597 no mesmo período [1034]. Mas esse desenvolvimento veio às custas da supressão de qualquer tendência
democrática e livre expressão social e política.
A questão sucessória de Kim Il Sung apareceu em setembro de 1973, em Pyongyang, dando destaque ao seu
filho mais velho, Kim Jong Il (1942 - 2011) que tinha sido nomeado como o segundo posto mais poderoso do
regime norte-coreano do Partido dos Trabalhadores, a ser responsável pela parte da propaganda, organização e
orientação. Depois que se tornou membro pleno do Comitê do Partido em fevereiro de 1974, Kim Jong Il tornou-se
o herdeiro oficial do “Grande Líder”, seu pai. Nos anos seguintes, Kim filho passou a empreender uma ampla
campanha conhecida como Movimento Revolucionário, em que foi promovida a ideologia juche, em três dimensões:
filosofia, tecnologia e cultura. Com isso, o sucessor norte-coreano passou a liderar uma nova geração de elites da
Coreia do Norte, a consolidar seu papel de dirigente nacional.
A sucessão foi oficialmente confirmada no 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores em outubro de 1980
(fig.), quando Kim Jong Il foi nomeado como membro de duas organizações importantes da Coreia do Norte: do
Comitê Executivo Político do Partido (ou Politburo) e do Comitê Militar do Secretariado do Partido [1035].
Fig. – 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte em 1980, com Kim Il Sung sentado (esq.) e seu filho sucessor Kim Jong Il (dir.).

A política pautada no juche da Coreia do Norte passou a exigir o total compromisso e lealdade de cada cidadão
coreano, numa estrutura econômica isolada que se estagnou durante a década de 1970. As dificuldades econômicas
para o desenvolvimento não foram superadas apesar do Plano de Seis Anos (1971 – 1977) e o subsequente Plano de
Sete Anos (1978 -1984). Ademais, a taxa de crescimento foi inferior a 2%, enquanto o vizinho ao sul tinha
alcançado taxa de cerca de 10%. Em 1980, o PIB da Coreia do Sul, quase US$ 65 bilhões, era mais de seis vezes
maior que o do norte, que ficou em torno de um total de quase US$ 10 bilhões. O desempenho de crescimento do
PIB norte-coreano será sofrido entre os anos de 1980 a 1985, estimado em torno de 3,6% anual, e ainda mais sofrido
entre os anos de 1985 a 1990, em torno de 1,4% [1036]. Devido em grande parte à orientação autossuficiente, a
economia norte-coreana sofreu com a falta de inovação tecnológica com o tímido contato com o exterior, a baixa
atividade comercial que era quase toda controlada pelo estado e as deficiências do setor energético. Mesmo assim, a
liderança norte-coreana e sua estrutura partidária manteve-se no poder.
O assassinato de Park Chung Hee passou a ser investigado pelo Major General Chun Doo-Hwan (1931 - ) no
comando da área de segurança do governo sul-coreano. No processo judicial, Chun começou a crescer no cenário
político e militar entre a geração mais nova depois da morte de Park e de seu chefe de segurança pessoal, Cha
Chichol. Segundo a Constituição Yusin em vigor na época no artigo 48, o presidente assume as funções do chefe de
governo nessas ocasiões, e assim Choi Kyu-hah (1919 – 2006) chegou ao posto máximo da Coreia do Sul em 1979.
No entanto, nos círculos militares houve grande inquietação sobre o futuro político da nação. Oficiais da área de
segurança e defesa leais a Chun, como o Major General Roh Tae-woo (1932 - ), organizaram um golpe de estado em
que o Chefe do Estado-Maior do Exército da Coreia do Sul foi detido e preso em 12 de dezembro de 1979. Como
em 1961, os EUA pouco fizeram a respeito para impedir o golpe. Assim, Chun e Roh deram o primeiro passo em
direção à hegemonia política.
Depois de 18 anos do governo autoritário de Park Chung Hee, o povo sul-coreano passou a exigir reformas
democráticas e maior liberdade política, depois de décadas de crescimento econômico. Líderes políticos da
oposição, como Kim Dae-jung, Kim Jong-pil e Kim Young-sam prepararam-se para concorrer às novas eleições
presidenciais. Os militares, no entanto, não pretendiam abrir mão do governo, e pouco fizeram para implementar o
processo de normalização política. Em 14 de maio de 1980, houve grande manifestação estudantil pela
democratização em Seul. No próximo dia, dezenas de milhares encheram o centro de Seul e protestaram contra a
tentativa dos militares de obstruir a democracia sul-coreana. Esse “Primavera de Seul”, contudo, teve vida curta,
pois em 17 de maio, uma lei marcial foi decretada e todas as atividades políticas foram proibidas. Os militares
passaram a reprimir as manifestações nas ruas e campi universitários. Kim Dae-jung e Kim Jong-pil foram presos
acusados de insurreição e desordem. Kim Young-sam foi colocado em prisão domiciliar.
Chun Doo-Hwan formou uma junta militar a ser presidida por ele mesmo nas instâncias máximas do poder. E no
dia 18 de maio de 1980, novas manifestações de larga escala foram reprimidas, dessa vez em Gwangju, a sudoeste
do país e região natal de Kim Dae-jung. A cidade de Gwangju, capital da província, chegou a ser controlada pelos
rebeldes e mantiveram assim por mais de uma semana, até 27 de maio, e o caso passou a inspirar outros movimentos
pela Coreia do Sul. Mas no dia 27, logo as Forças Especiais entraram na cidade e mataram centenas de
manifestantes e estudantes. Há estimativas de que foram mortas 606 pessoas [1037]. Essa breve chama pela
democratização foi apagada pelo regime militar. Os EUA, em maio de 1980, tinham cerca de 37 mil tropas
estacionadas na Coreia do Sul, mas preferiu seguir uma política de não-interferência, que os tornaram figura
criticada pelos democratas e opositores ao regime sul-coreano.
Em setembro de 1980, Chun Doo-Hwan foi eleito presidente indiretamente pelos delegados da Assembleia
Nacional, órgão criado por Park Chung Hee na Constituição Yusin. Logo antes de sua eleição, Chun havia ampliado
o mandato presidencial para o limite de sete anos. Pressionado pelo golpe de estado no ano anterior e pela repressão
em Gwangju, o presidente Chun passou a promover políticas de apaziguamento e visibilidade, como a abolição do
toque de recolher, abrandamento das leis de segurança e permitir viagens ao exterior. Para impulsionar a imagem da
Coreia do Sul no meio internacional, o governo juntamente com o apoio de chaebols, defenderam em 1981 a
hospedagem em Seul dos Jogos Olímpicos a ser realizado em 1988.
No plano econômico, o governo de Chun passou a colher os frutos de anos de investimento na indústria leve,
química, metalúrgica e naval durante a década de 70 sob o presidente Park, e começou a traçar novas metas na
década de 80 para bens de consumo. Devido ao baixo preço do barril de petróleo, dos dólares americanos e dos
juros, a indústria sul-coreana tinha se consolidado expressivamente no setor automobilístico, naval e eletrônicos que
passaram a ser a sua principal pauta exportadora. Em 1986, surgiu o primeiro carro sul-coreano produzido em
massa, o Hyundai Excel, que entrou com sucesso no mercado dos EUA. Em 1987, o PIB da Coreia do Sul atingiu a
marca de US$ 1, 284 trilhões, com renda per capita de US$ 3,098 [1038]. Apesar disso, ainda havia considerável
desigualdade econômica na sociedade, entre o meio urbano e rural, e isso iria resvalar para movimentos de protestos
e sindicatos.
No 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia em 10 de outubro de 1980, o presidente norte-coreano,
Kim Il Sung propôs uma fórmula de reunificação das duas Coreias, a serem estabelecidas numa forma
confederativa, a República Democrática Confederada de Koryo [1039]. O governo proposto seria um estado com dois
sistemas, com o governo central a ser responsável pelas questões de assuntos internacionais e militares, enquanto
cada um dos dois teria governos com total autonomia interna. Embora a ideia de Kim Il Sung tenha parecido
plausível, a questão de quem iria controlar o governo central permaneceu disputado e incerto se a forma confederada
fosse implementada. Em 1982, o presidente Chun Doo-Hwan propôs uma contrapartida, sua própria fórmula de
reunificação coreana, em que seria adotada uma constituição democrática unida. Tendo em vista as dificuldades das
negociações entre o norte e o sul, essa ideia também pareceu irreal. Em outubro de 1983, a perspectiva de união
tornou-se impraticável, quando um terrorista norte-coreano colocou uma bomba na tentativa de assassinar o
presidente Chun em visita diplomática à Birmânia (Mianmar). Apesar do presidente ter conseguido sair com vida,
17 membros de sua delegação foram mortos.
As conversas unitárias se resumiram apenas às questões humanitárias diante de famílias separadas desde a
Guerra da Coreia. Nesse sentido, em setembro de 1985, pela primeira vez desde 1953, membros de famílias do sul e
do norte atravessaram Panmunjom, na Área de Segurança Conjunta da ONU da Zona Desmilitarizada. Um grupo de
norte-coreanos veio depois visitar familiares em Seul, enquanto sul-coreanos selecionados foram para Pyongyang.
O sistema norte-coreano começou a ser solidificar num monólito de culto aos Kims ao longo da década de 1980.
As publicações e a campanha ideológica e propagandística começaram a construir o mito da vida de Kim Jong Il.
Supostamente Kim Jong Il teria nascido em um acampamento secreto da montanha sagrada de Baekdu, onde teria
originado Dangun, a figura fundadora da nação coreana. Kim Júnior teria sido um aluno brilhante e teria formulado
planos de estado, incluindo atentados contra a Coreia do Sul como a que aconteceu na Birmânia (Mianmar) em
1983, assim como ocorrido contra o voo 858 da Korean Air em pleno ar sobre o Mar de Andamão em 29 de
novembro de 1987 [1040]. A filosofia juche foi reforçada na Coreia do Norte, a fundamentar a continuidade do regime
de Kim Il Sung para o esforço de construção da nação para o futuro. No início da década de 1990, Kim Jong Il já
tinha se tornado no comandante supremo do Exército do Povo Coreano e presidente do setor de defesa do país.
A partir de meados da década de 1980, a sociedade sul-coreana começou a se mobilizar mais uma vez pedindo a
revisão da Constituição Yusin para instituir a votação popular para presidência. No entanto, o presidente Chun Doo-
Hwan persistiu em manter a constituição no qual seu sucessor no poder seria escolhido indiretamente por delegados.
Em 10 de junho de 1987, houve a morte de um estudante por tortura policial que desencadeou outra grande
manifestação no centro de Seul. No evento, ficou claro que as contestações tinham crescido para além dos
oposicionistas e esquerdistas sul-coreano.
Relutantemente, o presidente Chun e seu candidato sucessor, Roh Tae-woo, cederam às demandas populares e
anunciaram em 29 de junho a aceitação de eleições presidenciais diretas. Essa eleição ocorreu finalmente em
dezembro de 1987, para um mandato presidencial para cinco anos, modificando a constituição. Foi o primeiro voto
universal direto para presidente em 16 anos. Roh Tae-woo acabou vencendo com 36% dos votos, acima dos
opositores, Kim Young-sam e Kim Dae-jung, que não conseguiram se unir na oposição democrática. No entanto,
nas eleições legislativas posteriores, realizada em abril de 1988, o partido de Roh não conseguiu maioria parlamentar
e assim teve que formar coalizão com Kim Young-sam e Kim Jong-pil, alienando de vez Kim Dae-jung na política
sul-coreana.
O verão de 1988 marcou o momento de maior visibilidade de Seul e da Coreia do Sul em décadas. Foi quando
foram realizadas em setembro, na capital, os 24º Jogos Olímpicos (fig.), com participação dos países comunistas
depois do boicote aos jogos anteriores em 1984 em Los Angeles. A Coreia do Norte foi o único que não mandou
representantes e atletas. As Olimpíadas de Seul refletiram os novos tempos e esperanças de uma península unificada
e paz mundial nos anos finais da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, deu oportunidade à Coreia do Sul a demonstrar seu
desenvolvimento econômico e comprometimento democrático recente. Aproveitando a ampla visibilidade, o
governo de Roh Tae-woo buscou melhorar a imagem da Coreia do Sul depois de anos de repressão antidemocrática
e abusos de direitos humanos. A partir de fevereiro de 1989, no contexto das mudanças na Europa, a Coreia do Sul
estabeleceu relações diplomáticas com a Hungria e depois com a União Soviético em setembro de 1990 e com a
China comunista em agosto de 1992. Buscando o diálogo com o vizinho ao norte, o presidente Roh propôs uma série
de visitas em sua declaração feita em 7 de julho de 1988. Prometeu que o sul-coreano iria apoiar o estabelecimento
dos contatos de Pyongyang com o Japão e EUA. Para fins de unificação da península, Roh apresentou um programa
em 1989, para uma Comunidade Nacional Unificada [1041], e as duas Coreias entraram com representações próprias
na ONU em 17 de setembro de 1991, depois de meses de intercâmbios esportivos e culturais acordados entre Seul e
Pyongyang. Em 13 de dezembro, foram assinados acordos de alto nível sobre reconciliação entre as partes, e foi
almejado cooperação, trocas e não-agressão. Os dois lados coreanos concordaram em reconhecer a existência de
cada governo, a respeitar suas diferenças e autonomias.

Fig. – Abertura das Olimpíadas de Seul em 17 de setembro de 1988, marco da abertura sul coreana ao mundo e à democracia.

Embora tenha sido um grande gesto diplomático, ainda não foi reconhecido acordos sobre a liberdade de
imprensa e indústria, que resultou em crescente movimentos de protesto de sindicatos e de trabalhadores de
colarinho branco como professores e jornalistas na Coreia do Sul. Isso ganhou força depois do número de sindicatos
e associações trabalhistas ter aumentado consideravelmente depois de 1987. Greves e paralisações tornaram-se cada
vez mais frequentes na Coreia do Sul no fim da década, que passou a afetar o desempenho econômico da nação.
Para as eleições presidenciais de dezembro de 1992 na Coreia do Sul, os dois candidatos democráticos, Kim
Young-sam e Kim Dae-jung saíram à frente nas pesquisas. O presidente do grupo Hyundai, o maior chaebol da
Coreia do Sul, Chung Ju-yung (1915 – 2001), também fez sua candidatura como dissidente do regime anterior.
Young-sam, que havia feito coalizão com o partido governista de Roh, venceu as eleições.
Como primeiro presidente civil sul-coreano em 32 anos, Kim Young-sam passou a investir no processo de
democratização da Coreia do Sul. Para tanto, seu governo foi marcado por denunciar os abusos do regime militar do
passado e a legitimar a república com base na Segunda República (1960 – 1961) de Chang Myon e da Primeira
(1948 – 1960) de Syngman Rhee, indo até mesmo ao Governo Provisório da República da Coreia sediada em
Xangai durante a ocupação japonesa. Para destruir o passado de opressão, Young-sam mandou demolir o antigo
prédio do governador-geral japonês em Seul (Joseon-chongdokbu Cheongsa, 조선총독부 청사 ), o “Capitólio de
Seul”, em novembro de 1996. No campo político, o novo presidente passou a perseguir e condenar membros
corruptos e militares do regime autoritário anterior. E passou a defender eleições provinciais ausentes no país desde
o golpe do General Park Chung Hee em 1961. Kim Young-sam, por fim, conseguiu levar a julgamento os dois
presidentes anteriores, Roh Tae-woo e Chun Doo-Hwan. Apesar de terem sido condenados pelo envolvimento no
golpe de dezembro de 1979, e pelas repressões em Gwangju em maio de 1980, foram depois anistiados em momento
posterior. Juntamente com várias lideranças políticas, militares e empresariais.
No início dos anos 90, a Coreia do Sul de Kim Young-sam passou a sofrer pressões globais para liberalizar seu
mercado. Em agosto de 1993, o presidente Kim reformou, para tal fim, as práticas bancárias ao adotar um sistema de
transações em tempo real para dar maior transparência financeira. Em dezembro, o governo sul-coreano assinou o
Acordo da Rodada Uruguai, abrindo de vez a maioria do seu mercado interno, incluindo para commodities, finanças,
construção, distribuição e serviços. Em setembro de 1996, a Coreia do Sul foi admitida para o seleto grupo de países
desenvolvidos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada para
cooperação e desenvolvimento conjunto internacional. De fato, em números, a Coreia do Sul apresentava-se com
altos índices de desenvolvimento, chegando sua renda per capita a US$ 10 000 em 1996, tendo crescido a renda
consistentemente na década em média 5% por ano [1042].
O crescente isolamento do regime da Coreia do Norte complicou a sobrevivência econômica do país na década
de 1980, e isso foi ainda mais dificultado depois da queda dos regimes comunistas em 1989. A economia norte-
coreana, até então, tinha persistido no seu esforço de autossuficiência (juche) com ajuda de envio de alimentos e
petróleo da China e União Soviética. Mas com pouca terra arável, e com escassos recursos energéticos, a Coreia do
Norte teve que negociar e barganhar como pôde sob o comando de Kim Jong Il. Após o colapso do Muro de Berlim,
a URSS cortou seu fornecimento de petróleo, pois passaram dali a exigir pagamento devido em divisas
internacionais. Da China, igualmente, foi exigido que Kim Jong Il passasse a reformar sua economia de mercado
aberto.
O governante norte-coreano, então, teve que optar por uma estratégia crucial para a sobrevivência de seu regime.
Desde 1980, na pequena cidade de Yongbyon, a cerca de 100 km de Pyongyang, esteve em desenvolvimento um
centro de pesquisas e usina nuclear experimental em andamento. Em 1986, foram obtidos os primeiros resultados
positivos do material radiativo. A usina e o centro de pesquisa nuclear de Yongbyon (Nyeongbyeon haeksiseol. 녕
변핵시설 ), começou a chamar atenção mundial quando imagens de satélite revelaram sua existência. As imagens
foram publicadas no New York Times em 1989. O material acumulado de plutônio do uso de urânio da usina poderia
ser usado para posterior fabricação de armamento nuclear, algo que os EUA começaram a monitorar de perto.
Apesar de ter ratificado o acordo do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) em 1985, a Coreia do Norte
recusou receber uma equipe de investigação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), organização que
fiscaliza a proliferação de armas nucleares no mundo. Assim sendo, Kim Jong Il passou a barganhar com sua
posição nuclear, a fim de obter ajuda econômica internacional, chegando mesmo a anunciar a sua retirada do TNP
em 1993. Mas isso não chegou a se concretizar, pois em julho de 1994 Kim, após uma série de negociações com os
EUA com os bons ofícios do ex-presidente americano Jimmy Carter que visitou Pyongyang em missão não-oficial,
concordou em abolir o desenvolvimento do programa de Yongbyon na condição de que os americanos e seus aliados
providenciassem ajuda nuclear para a construção de reatores de água leve para atender as demandas energéticas.
Essas estações, evidentemente, não produziriam combustível que pudesse ser usado em armas nucleares.
Ademais, Jimmy Carter havia solicitado como condição em Pyongyang o prosseguimento das negociações com o
regime sul-coreano, e para isso tinha antes recebido o compromisso do presidente sul-coreano, Kim Young-sam para
tal.
Alguns meses antes da visita de Carter, o Kim Young-sam tinha realizado reuniões com norte-coreanos a fim de
negociar a soltura de presos comunistas na Coreia do Sul. Ao ser informado da missão de Carter ao norte, Young-
sam então propôs uma reunião de cúpula Norte-Sul. Em 28 de junho de 1994, foi realizado os primeiros contatos
preliminares entre delegados dos dois países asiáticos. Entretanto, Kim Il Sung, que tinha negociado para a parte
norte-coreana, chegou a falecer de infarto do miocárdio em 8 de julho, e as negociações foram interrompidas.
Kim Jong Il havia ascendido ao cargo de governante de fato há anos na Coreia do Norte, muito antes da morte de
seu pai, o “Grande Líder” da nação norte-coreana. Visando respeitar a posição única de Kim Il Sung, foi preservado
seu cargo de presidente, e Kim Filho assumiu apenas a função de presidente da Comissão Nacional de Defesa.
Efetivamente era o líder inconteste, ainda mais reforçado com o laço sanguíneo de seu genitor. Uma vez no poder,
sem qualquer obstrução, Kim Jong Il passou a adotar uma posição mais assertiva sobre a questão nuclear com os
EUA. Em outubro de 1994, o governo norte-coreano e os EUA assinaram novo acordo, em que foi prometida a
interrupção da estação de Yongbyon, em troca do fornecimento pelos EUA e aliados de 5 mil toneladas de petróleo
anualmente até que fossem concluídas a construção de duas instalações nucleares de água leve na Coreia do Norte.
Para tanto, foi estabelecida em 15 de março de 1995 a Organização de Desenvolvimento de Energia da Península
Coreana (Korean Peninsula Energy Development Organization, KEDO), no qual a Coreia do Sul, Japão, União
Europeia e outros, participariam financeiramente com a construção das estações de água leve [1043].
Assim, Kim Jong Il conseguiu assegurar o fornecimento energético de petróleo desesperadamente necessário
para a economia norte-coreana. Mas ainda havia a questão da carência alimentar. Em 1995, a China passou a exigir
o pagamento por divisas internacionais de seu suprimento de alimentos para a Coreia do Norte. No referido ano,
Kim Jong Il passou a pleitear ajuda alimentar para as Nações Unidas, pelo Programa Alimentar Mundial (PMA), a
atender áreas emergenciais atingidas pela fome. Para justificar seu pedido à agência internacional, Kim Jong Il tinha
apresentado como causa da fome e morte de cerca de 5 milhões de norte-coreanos, inundações sem precedentes. Foi
nesse veio que a mídia norte-coreana passou a divulgar imagens de milhões de coreanos em situação famélica que
chocou a opinião internacional. Apesar disso, os inspetores do PMA somente puderam visitar uma área limitada do
país, e não puderam confirmar o fato de crise generalizada, nem as causas destrutivas das supostas inundações em
1995. Mesmo assim, o governo norte-coreano continuou a insistir na crise humanitária até 1997, quando o PMA
resolveu atender os pedidos humanitários [1044].
O presidente sul-coreano, Kim Young-sam em 1997 enfrentou uma grave crise financeira. Isso decorreu depois
de anos de investimentos e empréstimos de bancos coreanos com juros baixos em mercados de alto risco no sudeste
asiático e na Rússia. Quando os investidores internacionais se retiraram dos mercados de risco da Indonésia e
Tailândia, a crise se alastrou pelos mercados asiáticos no verão de 1997. A Coreia do Sul não ficou imune a isso. O
governo de Kim teve, portanto, via o Ministro das Finanças, Lim Chang-yuel, de pedir ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) para resgatar os bancos sul-coreanos de declarar moratória.
As eleições presidenciais sul-coreanas ocorreram, como esperado, em 18 de dezembro de 1997. Desta vez, Kim
Dae-jung se colocou como opositor e concorreu contra o candidato da situação, o ex-primeiro ministro de Kim
Young-sam, Lee Hoi-chang (1934 - ). Em 3 de dezembro, alguns dias antes das eleições, o governo sul-coreano
havia sancionado o primeiro pacote de resgate financeiro do FMI, no valor histórico de US$ 57 bilhões, sob duras
condições [1045]. A sociedade sul-coreana, que havia desfrutado de décadas de prosperidade, sofreu com as amargas
demissões exigidas pelo plano de reestruturação do FMI e da alta das taxas de juros. Insatisfeitos, a maioria do
eleitorado nas urnas escolheu o oposicionista, Kim Dae-jung para presidente. Uma vez no cargo presidencial, Kim
Dae-jung agiu rapidamente para resolver o problema da crise financeira da Coreia do Sul. Usando seu capital
histórico e pessoal, Dae-jung conseguiu convencer a maioria dos sul-coreanos a enfrentar a crise social nos dois
anos seguintes. Em 2000, a Coreia do Sul já tinha pagado parte substancial de seu empréstimo do FMI.
Com a estabilidade econômica e financeira recuperada, o presidente Kim Dae-jung passou a formular uma nova
política de unificação da península coreana. Como líder da oposição liberal que havia por anos clamado por uma
postura mais negociadora com a Coreia do Norte, o presidente Kim Dae-jung tinha sido no passado rotulado pelos
militares e conservadores como liberal e marginalizado demais no sistema político autoritário sul-coreano. Agora,
como presidente, Dae-jung elaborou uma nova postura com a “Política da Luz do Sol” (Haetbyeot jeongchaek, 햇
볕 정책 ), termo inspirado numa das fábulas de Esopo, “O Vento do Norte e o Sol”, que enfatiza a superioridade do
poder da persuasão sobre o uso da força. Sob essa nova política, o governo sul-coreano iria prestar assistência
econômica ao norte, em vez de buscar estrangulá-la por pressões e bloqueios, visando assim persuadir Pyongyang
das vantagens de uma maior integração.
No veio dessa nova política, o presidente sul-coreano tinha convencido a participação de um dos maiores
empresários da Coreia do Sul, dono do maior chaebol, o Grupo Hyundai, a contribuir para uma política de
investimentos e empréstimos para o regime do norte. Foi assim que, em junho de 1990, o empresário Chung Ju-yung
(1915 - 2001), atravessou a fronteira militarizada para o norte juntamente com milhares de cabeças de gado a
fornecer alimentos e aliviar a pressão da fome. O ato, apesar de comovente, surtiu pouco efeito integrativo no norte-
coreano. Isso se aliou ao ceticismo de muitos sul-coreanos em relação à pouca inclinação de Kim Jong Il buscar
reformar a estrutura do poder e liberalizar a economia da Coreia do Norte. No entanto, as novas atitudes de
conciliação com o norte surtiu mais efeito entre a geração mais nova dos sul-coreanos, que nunca haviam
experimentado as consequências da fratura da península e do regime autoritário do General Park Chung Hee. Foi
nesse contexto que começou a haver uma divisão ideológica na Coreia do Sul na virada do século, entre aqueles
idealistas e jovens contra o ceticismo conservador dos mais velhos.
A “Política da Luz do Sol” de Kim Dae-jung continuou como meta de seu governo, e buscou -se incentivar
investimentos ao norte do paralelo 38, visando angariar apoio internacional e convencer pela mudança o regime de
Kim Jong Il. O Grupo Hyundai, como exemplo, chegou a investir na região das Montanhas Kumkang
(Kumkangsan), um grandioso projeto turístico na Coreia do Norte. Em momento culminante, o próprio presidente
Kim Dae-jung foi visitar oficialmente Kim Jong Il em Pyongyang em 13 de junho de 2000. No evento, os dois
líderes concordaram com uma nova cooperação entre as duas nações irmãs. Disso resultou a Declaração Conjunta
Norte-Sul de 15 de junho, que enfatizou a importância na busca de conciliação das diferenças e do projeto de
unificação da península, além de questões humanitárias, cooperação econômica e intercâmbios. Ademais, houve a
promessa de Kim Jong Il de retribuir a visita no futuro.
O idealismo do encontro resultou em desconfianças dos setores mais conservadores da Coreia do Sul, que
enxergava que uma forma confederativa da península apenas manteria o regime comunista norte-coreano que,
eventualmente, poderia se alastrar para o sul. Apesar das críticas manifestadas, a Declaração Conjunta foi o único
consenso conseguido entre o norte e sul coreano em décadas. Como reconhecimento de seus esforços diplomáticos
intercoreanos, Kim Dae-jung foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz de 2000.
***
A virada para o século 21 trouxe novas perspectivas para a península coreana. O governo de Kim Dae-jung, na
Coreia do Sul, conseguiu angariar forte apoio popular e internacional. A indústria sul-coreana começou a crescer
para outros setores investidos, especialmente na área de Tecnologia da Informação. A realização da Copa do Mundo
em 2002, juntamente com o Japão, mais uma vez chamou a atenção para a região leste asiática. No campo
diplomático, Kim Dae-jung, obteve poucos resultados com o regime norte-coreano, com sua “Política da Luz do
Sol”. Isso foi obstruído com os eventos de 11 de setembro de 2001, quando o presidente dos EUA, George W. Bush,
passou a pressionar ainda mais a Coreia do Norte para mudanças e abertura.
Em 2003, Roh Moo-hyun (1946 - 2006), foi eleito presidente da Coreia do Sul em dezembro. Sua vitória teve
forte apoio entre os mais jovens que tinham esperanças de um regime democrático mais participativo, especialmente
entre ativistas jovens que tinham crescido protestando contra os regimes autoritários do passado, chamados de
“Geração 386” (sampallyuk sedae, 세대 ). O novo governo empreendeu reformas econômicas liberalizantes que
acarretou em consequências sociais impopulares. Foi durante seu governo que a Coreia do Sul passou a ser a 10ª
maior economia do mundo [1046].
Presidente Roh almejou ir além de regionalismo e privilégios entre o governo e o setor empresarial, buscando
combater práticas abusivas e corruptas na Coreia do Sul. Apesar de seus esforços, Roh passou a enfrentar crescente
descontentamento entre os mais jovens e desempregados a partir de 2003. Ano seguinte, Roh sofreu impedimento
(impeachment) pela Assembleia Nacional, sob alegações de corrupção e violação das leis eleitorais. Apesar disso,
seu partido manteve-se como maioria no parlamento nas eleições realizadas em abril de 2004, e Roh foi
reempossado pela Suprema Corte. As discussões da sociedade civil e imprensa ainda persistiram nos anos seguintes.
Em 2009, Roh e seus familiares passaram a ser investigados por práticas de suborno e corrupção. Em 23 de maio de
2009, não suportando mais as pressões, Roh cometeu suicídio [1047].
Lee Myeong-bak (1941 - ) sucedeu Roh em fevereiro de 2008. Visando revitalizar a democracia e economia sul-
coreana, Lee planejou medidas para inserir competitivamente a nação no mundo globalizado, a conciliar com a
Coreia do Norte e trazer benefícios e bem-estar à sociedade. Em abril, o partido de Lee conseguiu maioria
parlamentar, que garantiu ao presidente aprovação aos seus projetos nacionais. Em negociações com os EUA, Lee e
Bush abordaram as questões de construir uma área de livre comércio, ajudando a aliviar as tensões entre os dois
países. Lee concordou em suspender o bloqueio da importação de carne bovina dos EUA, que causou protesto entre
os pecuaristas e industrialistas sul-coreanos.
A postura de Lee Myeong-bak com o norte-coreano foi mais incisiva e dura. O presidente apostou em pressões
conjuntas com a Rússia, China, Japão e EUA. Nesse sentido, as relações diplomáticas globais da Coreia do Sul
melhoraram, cujo êxito veio quando hospedou a Cúpula dos Países do G20 em novembro de 2010 em Seul.
Em fevereiro de 2013, Lee foi sucedido pela Park Geun-hye (1952 - ), primeira mulher presidente da Coreia do
Sul, e filha mais velha do General Park Chung-hee. Park não concluiu seu mandato presidencial por um escândalo
que levou ao seu impeachment em dezembro de 2016. A causa foi devido a corrupção envolvendo relatos de várias
organizações de notícias reportarem abusos cometidos pela sua assessora Choi Soon-sil (1956 - ) em 2016, sob
acusações de tráfico de influência. Isso causou as maiores ondas de protesto da história da Coreia do Sul, mesmo
com a aprovação no parlamento de impedimento da presidente. Uma vez retirada do cargo presidencial, as
investigações foram julgadas e condenadas na Suprema Corte. Assim, o impeachment de Park Geun-hye foi
confirmado em 10 de março de 2017. Após alguns meses, com novas eleições presidenciais, Moon Jae-in (1953 - )
foi eleito em 10 de maio. Em suma, o regime sul-coreano parece ter se consolidado em bases democráticas, com
uma sociedade civil independente e crítica, assentada numa economia desenvolvida e próspera.
O contraste com o norte-coreano é revelador quando se observa fotos de satélite em órbita terrestre no período
noturno. Ao norte do paralelo 38, quase não há focos de luz e eletricidade, um notável contraste com a concentração
ao sul (fig.). O regime de Kim Jong Il teve que se adequar às demandas mais duras do presidente dos EUA, George
W. Bush, que passou a concentrar seus esforços de luta e combate ao terrorismo sobre regimes considerados
pertencentes ao “Eixo do Mal”, que incluiu a Coreia do Norte, a partir de fins de 2001. Nesse sentido, a política
conciliadora da “Luz do Sol” de Kim Dae-jung foi desconsiderada, provocando uma reação de rearmamento
convencional e nuclear de Pyongyang. Kim Jong Il tinha considerado com atenção o que os EUA fizeram com o
regime de Saddam Hussein ao derrubá-lo em 2003. Três anos depois, o programa nuclear norte-coreano começou a
retomar seu programa de desenvolvimento de ogivas e capacidade balística. Em 9 de outubro, foram realizadas
detonações nucleares na base subterrânea de Punggye-ri [1048].
Figura – A distância de dois mundos na península coreana, vista noturna tirada de satélite orbital.

Kim Jong Il parece ter compreendido a importância de revitalizar a economia norte-coreana. Isso foi expressado
depois de sua visita à China em janeiro de 2006, quando depois declarou ter ficado impressionado com as reformas
de mercado feito desde fins da década de 1970 [1049]. Apesar das expectativas de reformas econômicas, o governo não
abriu mão do controle das atividades do país.
As tensões com os EUA e a Coreia do Norte parecem ter aumentado depois que um navio de guerra sul-
coreano, Cheonan, ter naufragado em 26 de março de 2010 na costa ocidental da península perto da fronteira dos
países coreanos. O clima se agravou ainda mais depois de exercícios militares realizados pelas forças sul-coreanas
na ilha de Yeonpyeong em 23 de novembro terem sofrido ataques de artilharia norte-coreana. O incidente foi
amplamente condenado nos organismos internacionais.
Em 17 de dezembro de 2011, Kim Jong Il morreu de ataque cardíaco. Após meses de especulações e incertezas
no meio internacional, finalmente foi revelado de que seu filho mais novo, Kim Jong-un (1983 - ), seria seu
sucessor. Este continuou com a política de seu pai, diante das pressões e condenações internacionais ao programa
nuclear da Coreia do Norte que tinha demonstrado desenvolver e testar mísseis de longo alcance e bombas de
hidrogênio capazes, teoricamente de ir além do arquipélago japonês e atingir partes da costa do Pacífico dos EUA.
As perspectivas pareciam sombrias até fins de 2017. No entanto, no ano seguinte, a Coreia do Norte anunciou
que iria participar das Olímpiadas de Inverno de Pyeongchang na Coreia do Sul realizadas em fevereiro. Em março,
o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que iria se encontrar numa cúpula com Kim Jong-um em 12 de
junho, em Cingapura, a tratar da desnuclearização norte-coreana. Ao que tudo indica, há vontade de Pyongyang e
Kim Jong-un de negociar e dialogar com a Coreia do Sul e EUA, mas na espera de contrapartida a preservar a
soberania de seu regime. Resta saber se isso terá consequências duradouras para a paz e prosperidade da sofrida
sociedade norte-coreana.
Sudeste Asiático

“Uma construção de tal modo extraordinária que não é possível descrevê-la com uma caneta, principalmente
por ser como nenhuma outra no mundo”
(Relato do frade português Antônio da Madalena sobre as ruínas de Angkor Wat, 1586)

Pyu e Pagan (Século 8 d.C. – 13 d.C.)

As origens do reino birmanês [1050] de Pyu (mapa), o mais antigo e considerável reino no sudeste asiático, foram
narradas nas linhas mitológicas das crônicas de Yazawin Kyaw de 1502. Nessas, conta-se que houve um célebre e
virtuoso governante, Pyusawhti, descendente de uma princesa dragão e do espírito solar, que ascendeu ao trono
legitimado pelas divindades e espíritos da natureza. Outras crônicas birmanesas, como a Crônica do Palácio de
Vidro (Hmannan Yazawin) de 1829, apontam as origens do reino de Pyu para o próprio clã de Sidarta Gautama, o
Buda.

Mapa - A confederação de cidades do reino Pyu no século 8 d.C. O rio Irauádi que passa por Pagan e seus afluentes corta toda a região no sentido
norte-sul.

Ainda de acordo com a Crônica do Palácio de Vidro, do clã de Buda, Shakya, descendeu um príncipe indiano,
Abhiyaza, do século 9 a.C. E foi este que fundou uma cidade fortificada no norte birmanês, chamada de Tagaung,
parte integrante de Pyu. Após a morte do regente, seus dois filhos passaram a disputar a sucessão e uma guerra civil
se seguiu. Ao final das disputas entre os irmãos, o derrotado migrou mais para o sul e se instalou na cidade de
Arakan, outra cidade de Pyu. Anos depois, a cidade de Tagaung sofreu intensos ataques de invasores, mas sua
ordem foi restaurada sob Dhajaraja, outro príncipe indiano. Foi este governante que depois foi atribuída ligação
familiar com o Buda.
Consta na história birmanesa desse período formativo que as cidades guerrearam entre si, a disputar a
proeminência política e espiritual. E, de acordo com as crônicas e lendas, há uma crucial atenção para a ligação dos
regentes e líderes com o budismo, nascido das pregações de Buda no norte indiano nos séculos 5 e 6 a.C. Foi no
meio de períodos de instabilidades nos conflitos entre as cidades que os regentes almejaram os princípios virtuosos
ensinados da vida de Buda e sua busca pela Iluminação.
O último rei de Tagaung, ao norte, Bhunnakaraja, foi forçado a mover-se mais para o sul, a fundar uma nova
capital próxima à atual Binnaka. Entre as comunidades dispersadas de Tagaung, ainda de acordo com as Crônicas do
Palácio de Vidro, uma dessas fundou a cidade de Sriksetra, ao longo do vale do rio Irauádi (Irrawaddy), que se
tornaria uma das mais notáveis do período antigo birmanês. A causa dessa dispersão aparentemente foram os pyus, e
Tagaung parece ter sido um dos primeiros reinos birmaneses invadidos e dominados no caminho desses novos povos
a caminho para o sul birmanês.
A cidade de Sriksetra, “Campo da Fortuna” ou “Campo da Glória”, foi amplamente louvada nas crônicas
birmanesas. Ela também é descrita por fontes chinesas, como o do viajante Chang Chu do século 4 d.C. [1051], que
revelou ser uma cidade de tamanho considerável, com uma grande fortificação e fossos profundos, uma dúzia de
portões de madeira esculpida e dourada. Certamente deveria ser uma das maiores cidades do reino Pyu e do sudeste
asiático nos primeiros séculos de nossa era.
Não é certa a presença incontestável do budismo e, Sriksetra, apesar das lendas birmanesas recitarem que o Buda
predisse sobre a futura glória do local. Há indícios de que a cultura indiana era marcante, contudo, e de que essa foi
incorporada com a religiosidade popular birmanesa no culto aos espíritos naturais, árvores, rochas, campos e
cachoeiras, chamado de nats. O budismo melhor se adequou a esses cultos, pois desconsiderava a hierarquia de
castas que os brâmanes indianos defendiam.
Os pyus, povo que gradativamente controlou as terras setentrionais e dos grandes rios birmaneses centrais,
tiveram contato com a cultura indiana desde o século 2, possivelmente através de regiões no leste da Índia e do Sri
Lanka, e indiretamente através das regiões no sul do Mianmar. Como consequência disso, a religião em Sriksetra
combinou elementos do budismo, hinduísmo e do animismo birmanês popular, conforme indicam as inscrições e
costumes funerários achados na cidade.
A prosperidade de Sriksetra veio da fertilidade dos campos de arroz irrigados de precipitações pluviais. E pela
intermediação entre as cidades indianas ao leste e sul com o mundo chinês que estava sob a Dinastia Han (206 a.C. –
220 d.C.). Mas no século 9 d.C., o fim de Sriksetra estava evidente, pois houve uma invasão chinesa em 832 vindos
da província de Yunnan. Outra fonte indica que a decadência final da cidade foi encontrada na cidade de Pagan,
sugerindo que o local foi abandonado.
Pagan floresceu como a principal cidade birmanesa no século 11, decorrente do reinado de Anawrahta (r. 1044 –
1078), que estendeu a autoridade sobre todo o vale do rio Irauádi e sobre as terras do sul birmanês. Essa cidade fora
fundada alguns séculos antes através da datação de suas fortificações, por volta de 980 d.C. e que houve a presença
de delegações birmanesas dessa cidade na corte chinesa da Dinastia Song (960–1279) em 1004 [1052]. E foi
Anawrahta que alegou ter arrasado Sriksetra.
Outra cidade que sofreu a ira de Anawrahta encontrava-se mais próximo da fronteira atual com a Tailândia,
Thaton. Foi invadida em 1056 por povos tais como resultado de recusa de seu rei da etnia mon, Manuha (r. c. 1030 –
1057), por não entregar suas escrituras budistas trazidas do Sri Lanka. A política do regente de Pagan demonstra o
apreço dado aos documentos budistas que serviram para legitimar o poder real e projetar-se sobre toda a região.
Thaton era a capital de um reino birmanês meridional que passou a ser um reino vassalo de Pagan. Por volta da
mesma época, outra cidade birmanesa próxima, na região do delta do Irauádi, Pegu, sofreu similar destino.
Anawrahta foi somente coroado em 1044, aos 29 anos de idade. E foi somente sob esse regente que boa parte de
Mianmar atual parece ter sido centralizado. Seu reino era centralizado ao longo do rio Irauádi, com vários reinos
tributários nas regiões adjacentes. Como ato inicial de sua coroação, o rei de Pagan buscou, depois de ter tido um
sonho com uma entidade nat, Thagyamin, construir e patrocinar inúmeros templos, pagodes, mosteiros e asilos.
Visando garantir maior apoio entre a comunidade budista, buscou apoiar e financiar as ordens dessa religião, muitos
vindos como refugiados de regiões indianas no século 11.
Ademais, o regente empreendeu amplos projetos de irrigação e construção de canais para garantir o sustento de
suas cidades e populações. Ao norte de seus domínios, entre os povos da etnia shan, Anawrahta conseguiu
aproveitar os métodos locais para irrigação em solo mais montanhoso de Arakan (ou Arracão). E ao sul e a leste, o
recurso hídrico a ser aproveitado era mais uma questão de controle das inundações e cheias das chuvas torrenciais.
Uma nova variedade de arroz, mais resistente ao clima e intempéries e de amadurecimento precoce começou a ser
cultivada nessas regiões, que depois teria um grande impacto no futuro da região e do sudeste asiático.
O entusiasmo de Anawrahta pelo budismo foi resultado de sua conversão por um monge da etnia mon de Thaton
que morava num eremitério perto de Pagan. O monge era adepto do budismo teravada [1053], e levou uma vida
exemplar de simplicidade e dedicação, impressionando o rei paganês. Visando atender ao seu entusiasmo, o
soberano investiu na busca de escrituras budistas do Sri Lanka e Índia, entre elas os famosos estudos do sábio
Budagosa do século 5 das quais foram trazidas para as regiões costeiras birmanesas, razão pela qual Thaton e Pegu
foram atacadas. E na mesma época, Anawrahta forneceu apoio aos regentes cingaleses budistas no Sri Lanka que
estavam sendo agredidos pelos hindus cholas do sul da Índia. Como recompensa, Anawrahta recebeu várias
escrituras budistas teravadianas. E ainda mais, pois em 1073, o rei Vijayabahu I do Sri Lanka (r. 1055 – 1110)
solicitou a Pagan o envio de monges budistas almejando reabilitar o culto da ilha após mais de setenta anos de
guerra contra os cholas.
A incorporação de Shan ao norte proporcionou a Pagan uma frágil aliança a ser administrada. Pois eram
conhecidos os povos guerreiros da região que a qualquer momento poderiam irromper em rebeliões em regiões
estratégicas frente aos domínios indianos e chineses. Visando garantir a lealdade desses povos, Anawrahta contraiu
matrimônio com uma princesa shan, mas decidiu nomear como sua rainha uma filha, Panchakalyani, de um rei de
Vesali, de Bengala no leste indiano. Após desentendimentos depois de sua chegada a Pagan, a rainha buscou exílio e
deu luz ao futuro rei de Pagan, Kyanzittha (r. 1084 – 1112 ou 1113). Devida às condições de seu nascimento, este,
quando jovem, teve que ser criado não como o legítimo herdeiro ao trono de seu pai que tinha sido seu meio irmão,
filho de uma princesa shan, Sawlu (r. 1078 - 1084).
Kyanzittha mostrou seu valor quando foi enviado por seu pai para defender a cidade de Pegu, obtendo grande
êxito. Seu retorno a Pagan foi celebrado pelo rei, mas pouco depois vieram novos desentendimentos sobre uma das
princesas de Pegu, Hkin U, causando posterior isolamento de Kyanzittha. Essa expedição, assim como a que foi
estabelecida em Arakan, ao norte, nos revela um aspecto político do reino de Pagan. Eram feitas as alianças com
líderes locais sem alterar a sua estrutura de poder. A autoridade desses vassalos a Pagan era restrita territorialmente,
estendendo-se apenas na área ao redor pouco além das muralhas. No interior, o terreno era bastante propenso a
avanço de invasores e exércitos rebeldes. Pagan, portanto, nunca exerceu autoridade direta sobre os povos que
viviam no interior, nas colinas e montanhas do sul, leste e das regiões mais ao norte.

Mapa - O império de Pagan em seu auge, nos séculos 12 e 13.

Outra fragilidade aparente de Pagan foi o generoso patrocínio e promoção dos budistas. Essas foram fruto da
ansiedade do regente de Pagan em beneficiar-se em termos religiosos e políticos, doando extensas propriedades com
isenções fiscais a instituições budistas juntamente com a mão-de-obra camponesa. A onerar a arrecadação e gasto do
tesouro imperial. Uma dessas generosas construções foi o grandioso templo de Ananda, em Pagan, construído no
reinado de Kyanzittha, e de mais de três mil outros templos, estupas e pagodes [1054] erguidas na capital nos próximos
séculos. Poucas dessas construções em Pagan foram associadas a Anawrahta, mas conta-nos as Crônicas do Palácio
de Vidro que o regente foi atrás de um dente do Buda a ser instalado na estupa de Shwezigon (fig.), uma das mais
antigas e influentes construções da cidade.

Fig. - A estonteante Estupa de Shwezigon em Pagan.

Sawlu viu seu reinado terminar quando foi reprimir algumas rebeliões nas regiões meridionais birmanesas.
Nessas, o governador de Pegu, Yamankan, recusou obediência ao rei de Pagan e navegou o rio Irauádi a montante
em meados de 1082 quando enfrentou as tropas sob comando de Kyanzittha que tinha sido chamado de volta de seu
exílio. Sawlu, no calor da batalha, decidiu por conta própria desrespeitar o comando de seu meio irmão e foi
capturado por Yamankan em novembro de 1082. Irado, Kyanzittha foi atrás do cativeiro e, na tentativa de resgate,
Sawlu foi morto por Yamankan. Não demorou muito para as forças rebeldes serem derrotadas e Kyanzittha ser
proclamado como o terceiro rei de Pagan em abril de 1084. Ao chegar ao poder, Kyanzittha anunciou que sua única
filha deveria se casar com o filho de Sawlu, visando retornar a linhagem imperial de Anawrahta. Quando ela deu à
luz, o menino foi batizado de Alaungsithu.
O reinado de Kyanzittha o tornou como um dos mais célebres reis de Pagan. Fortaleceu o império que seu pai
tinha construído e prosseguiu em controlar as rebeliões principalmente entre os povos mon no sul, cultura o qual
aprendeu a ter respeito por ter passado anos de seu exílio entre eles. Como tal, muitos estudiosos e monges mons
frequentaram sua corte, e os templos construídos em Pagan apresentam clara influência de artistas e língua mon,
assim como a tradicional escrita pyu de seus antepassados. A língua páli era usada para fins litúrgicos budistas desde
1057, gradativamente abandonando o sânscrito. E passou-se cada vez mais no final do reinado de Kyanzittha a ser
usada a língua birmanesa, conforme apresenta a inscrição Myazedi de 1112.
Mas talvez o maior legado de Kyanzittha foi a construção do templo de Ananda, em Pagan (fig.). O templo é um
perfeito e harmonioso exemplo da mistura da cultura paganesa, mon, budismo teravada com elementos da religião
popular nat. O rei de Pagan deu asilo a muitos budistas da Índia que fugiram de perseguições de hindus e
muçulmanos no século 11. Ananda, como efeito, fora planejado inspirado num templo budista nas colinas de
Udayagiri de Orissa, costa oriental indiana. E também completou e ampliou o pagode de Shwezigon iniciado por seu
pai em Pagan. Ademais, Kyanzittha não se mostrou intolerante com outras crenças em seu reino, pois tolerou a
presença de cultos não-budistas, como ao deus Vixnu e as entidades nats.

Fig. - Templo de Ananda, Pagan.

A política de Kyanzittha mostrou-se eficaz pois não foram apresentadas grandes rebeliões no restante de seu
reinado, apesar de ter ido ajudar reprimir insurreições em Arakan. A presença internacional de Pagan foi notada
pelos chineses sob a Dinastia Song em 1106, quando houve novo envio de delegações. Ao leste, o império khmer
respeitou as fronteiras meridionais dos paganeses, e foram estabelecidas boas relações com os cholas indianos.
Ao final de seu reinado, Kyanzittha deixou claro que seu neto, Alaungsithu, fosse o legítimo herdeiro pois não
tinha conhecimento de nenhum filho seu. Anos depois, uma de suas esposas, Thanbula, apareceu em Pagan com um
filho seu. Para sanar tal situação delicada de sucessão, decidiu nomear o menino como governante de Arakan com o
título de Yazakumar. Kyanzittha morreu provavelmente em 1112, aos 82 anos de idade. Yazakumar, atendendo
piedosamente ao pedido do rei no leito de morte, concordou em abandonar qualquer pretensão ao trono a favor de
Alaungsithu e honrou seu pai ao fortalecer a autoridade de Pagan na região de Arakan e promoveu ativamente o
budismo, a língua e cultura paganesa.
Alaungsithu (r. 1112 ou 1113 - 1167), uma vez no trono, empreendeu longas viagens visando estender e
consolidar o poderio de Pagan no sudeste asiático. Visitou Bassein (atual Pathein) no vale do Irauádi, Arakan, a
península malaia e Bengala no leste indiano. Sua ausência na corte, no entanto, alimentou intrigas e suspeitas entre
seus filhos. Na sua velhice, Alaungsithu decidiu nomear como seu sucessor Narathu (r. 1167 - 1171). Que se revelou
imprudente com a perspectiva de poder, pois mandou Alaungsithu para o retiro num de seus templos favoritos, o de
Shwegu, esperando assim sua morte iminente. Ao descobrir, contudo, que o velho soberano apresentou sinais de
melhora de uma doença, Narathu resolveu sufocá-lo com um cobertor em 1167. Rumores de seu assassinato
começaram a se espalhar no funeral do falecido rei de Pagan, afetando gravemente a popularidade de Narathu nos
anos seguintes, a ecoar as palavras condenatórias de um monge venerável, Panthagu (1083 – c. 1174), que o
considerou como um ser vergonhoso e maldito.
Visando reverter tal impopularidade e condenação, Narathu passou a venerar monges e locais sagrados. Perto de
Pagan, visitou o santuário do Monte Popa, e atendeu aos conselhos de Mahagiri, entidade maior nat ao construir um
grandioso templo piramidal em Pagan que depois ficou conhecido como o Dhammayan (fig.). Mas parece que suas
decisões não aplacaram a ira da oposição, pois em 1171 fora assassinado por pessoas enviadas disfarçadas de
brâmanes por um rei indiano de Pateikkaya que buscou vingar a desonrosa morte de sua filha. Foi o prenúncio da
decadência de Pagan.
Fig. - Templo de Dhammayan, Pagan.

No final do século 12 e início do seguinte, Pagan mostrou-se dividida e com autoridades enfraquecidas. Houve
relatos de uma invasão naval enviada de Sri Lanka que atingiu a cidade de Bassein em 1165, aparentemente pela
recusa dos paganeses em exportar elefantes demonstrando a fragilidade das relações com os cingaleses sob o rei
Parakrambahu.
Narapatisithu (r. 1174 - 1211) ascendeu ao trono paganês e, visando redimir sua violenta ascensão ao poder,
começou a construir os imponentes templos de Sulamani (fig.) e de Gadawpalin em Pagan, que somente foi
completado pelo seu sucessor na década de 1210. Tal como seus ancestrais, o rei de Pagan viu-se gradativamente
com menos autoridade e recursos frente a líderes locais e crescente comunidade budista que era isenta de impostos e
detentora de grandes propriedades fundiárias, estimada em cerca de 60% de todas as terras cultivadas das regiões
centrais e norte de Mianmar da época. No século 13, portanto, a autoridade de Pagan era limitada aos recursos
fiscais e de mão-de-obra civil e militar para fazer frente a qualquer séria ameaça de invasão de estrangeiros.

Fig. - Templo de Sulamani em Pagan.

Nadaungmya (r. 1211 - 1235) (também referido como Htilominlo) sucedeu seu pai em 1211 e dedicou sua vida
às orações e vida monástica como um exemplar devoto budista, deixando as decisões políticas para seus irmãos e
aliados. Nesse sentido, o rei paganês foi um fervoroso regente a favor da construção de inúmeros templos budistas
pela capital. Seu filho, Kyaswa (r. 1235 - 1251), revelou-se igualmente devoto às causas e construções religiosas que
começou a onerar os recursos públicos de Pagan.
O penúltimo rei de Pagan foi Uzana (r. 1251 - 1256), ao contrário, pareceu ter desprezado a devoção religiosa
como seus antecessores. Casou-se com inúmeras mulheres pelo país, apreciava a caça de animais e de bebedeiras.
Sua paixão pela caça selou seu destino ao ser morto pisoteado por elefantes selvagens em 1254. O último governante
de Pagan, Narathihapate (r. 1256 - 1287), filho de Uzana, se mostrou desde cedo desrespeitoso com os monges e
cerimônias budistas. A gota d’água foi quando, por capricho, mandou punir enviados mongóis do imperador chinês,
Kublai Khan (r. 1260 - 1294) fundador da Dinastia Yuan. Que provocou uma invasão mongol ao reino de Pagan em
1277. O ataque mongol fora descrito pelo viajante veneziano, Marco Polo, que enfatizou o grande número de
soldados nas regiões birmanesas e da fúria dos ataques, estupros e pilhagens promovidas. O uso extensivo de flechas
e de armas de fogo provocou um efeito aterrador sobre os elefantes usados em campo de batalha pelos birmaneses.
Em 1287, uma segunda expedição mongol caiu sobre o que restou do reino de Pagan, e o rei fugiu da cidade.
Aparentemente, as pinturas paganesas posteriores retratam os mongóis como novos senhores a serem respeitados, e
que boa parte dos templos budistas em Pagan fora conservado, apesar do saque dos seus valores. Prova disso foi a
continuada existência de mais de três mil construções religiosas budistas espalhadas pela cidade mesmo após os
eventos cataclísmicos de fins do século 13.
As invasões mongóis, no entanto, enfraqueceram de maneira terminal a autoridade de Pagan sobre as regiões
birmanesas. Libertando assim os antigos vassalos como os shans e de líderes dos povos tais próximos. Foram os
shans os maiores invasores ao que restou da capital Pagan entre 1359 a 1368, danificando seus templos, estupas e
pagodes.

Funan, Chenla e Khmer (2º Milênio a.C. – Século 14 d.C.)

Há uma antiga lenda cambojana que nos conta que, certo dia, um estrangeiro advindo das terras indianas, um
brâmane chamado Kaundinya ou Preah Thaong, veio a barco para a costa do que hoje referimos como o Camboja.
Certo dia, uma princesa local, Nagi Soma, foi falar com o viajante e foi atingida por uma flecha mágica que a fez se
apaixonar por ele. Tomada pela paixão, a princesa foi logo pedir a aprovação de seu pai, o rei de linhagem dos nagas
[1055]
que, como dote, deu ao novo casal todas as terras que tinha emergido depois que as águas foram engolidas pelo
rei. A essas novas terras deu-se o nome de “Kambuja”. A lenda nos revela um pouco das origens míticas dos
cambojanos. Advindos por parte de seres ligados à natureza e, por outra parte, de povos estrangeiros aculturados no
universo indiano.
Em termos históricos, a presença humana no Camboja remete a povos da etnia khmer-mon que migraram do
norte e se instalaram na região entre o Mianmar e o Mar da China Meridional antes do terceiro milênio a.C. Esses
habitantes eram caçadores e coletores que percorreram as florestas e pântanos em busca de alimentos.
Os achados mais remotos foram descobertos na caverna de Laang Spean, na região de Battambang, atual região
ocidental cambojana. As datas científicas indicam de que os povos nessa região a habitaram há pelo menos 70 mil
anos atrás, com uso atestado de ferramentas e lascas de pedra possivelmente pertencentes à cultura neolítica de
Hoabinhiano [1056]. Por volta de 3000 a.C., particularmente ao leste do rio Mekong na região de Snuol, foram
encontradas evidências de vida sedentária e agricultura e algum tipo de roça ou coivara, a desembaraçar o terreno e
adubá-lo com as cinzas produzidas. Essas sociedades sedentarizadas apresentaram sustentado uso de ferramentas de
cobre e bronze por volta de 1500 a.C. e, ao longo do tempo, passaram a habitar comunidades estratificadas
possibilitadas por uma agricultura e pecuária eficiente. É improvável que tenha havido à época um estado unificado,
pois eram mais povoados organizados chefiados por líderes e clãs locais.
Nos primeiros séculos de nossa era, certa organização política foi notada por fontes chinesas do século 2 d.C.
entre povos que floresceram no território cambojano, conhecido como o reino de Funan. Essa entidade política não
se concretizou num estado centralizado, mas foi uma aliança de cidades que prosperaram com o comércio entre
indianos, chineses e ilhas do sudeste asiático a partir do delta do rio Mekong. A presença de grandes obras
realizadas, como canais de irrigação sugerem um poder organizado e forte, capaz de planejar e gerenciar grande
número de mão-de-obra necessário para tais projetos. E tais realizações dependeram de suprimento alimentares
regulares resultado de uma agricultura eficiente e de um sistema de cobrança de impostos.

Mapa - Reinos de Funan, Chenla entre outros no sudeste asiático, entre 400 e 500 d.C.

As fontes chinesas afirmam que o primeiro regente de Funan foi um homem chamado de Fan Shih Man, mas não
temos como saber de sua existência histórica. O termo “Fan” é de origem chinesa que poderia ser uma corrupção do
sânscrito varman, que significa protetor e foi usado nos nomes de reis posteriores no Camboja. Ainda é
desconhecida a etnia e língua falada entre os funaneses e talvez possamos considerá-los como proto-khmers.
Embora a cultura de Funan revele influência da cultura indiana, todos os vestígios de sua escrita desapareceram no
calor e excessiva umidade e todas as inscrições em pedra antes do século 7 aparecem em sânscrito. A bem da
verdade, nem mesmo sabemos como esses povos se referiam a si mesmos, pois o termo “Funan” advém do chinês
que possivelmente poderia ser uma corruptela da língua khmer, “Phnom”. Até que novas evidências apareçam,
permanecemos mais no terreno da especulação nesse ponto.
Foram os funaneses que construíram uma cidade impressionante e próspera no delta do rio Mekong, no atual
distrito cambojano de Angkor Borei. Talvez essa tenha sido a capital, mas outros estudiosos apontam para as cidades
de Vyadhapura, Banteay Prei Nokor e Prey Veng, todos no delta do Mekong ou nas proximidades. Talvez nem tenha
sido um estado unitário, mas uma confederação de cidades. Outra cidade importante foi a de Oc Eo, na península de
Camau. Os vestígios encontrados nessa cidade portuária apontam para construções de tijolos, mas raramente de
pedra. As construções devem ter sido de madeira e bambu, perecíveis diante da passagem do tempo, da umidade e
calor. As construções de tijolos possivelmente são de templos ou mausoléus, e não apresentam baixos-relevos como
nos templos posteriores de Angkor dos khmers.
A água era um elemento abundante para Funan e, a fim de evitar as inundações, grandes canais e reservatórios
foram construídos para a generosa precipitação pluvial e dos afluentes do Mekong. Alguns autores sugerem que isso
possa ter depois influenciado as grandiosas obras hidráulicas de Angkor do século 12. As baixas altitudes do delta
do Mekong contribuíram para a maior disposição desses reservatórios e canais que, além do uso para irrigação,
foram usados como meio de transporte, comunicação e comércio.
Mas, no geral, os vestígios materiais encontrados de Funan são escassos e boa parte da informação legada vem
de fontes chinesas. O primeiro relato do reino foi escrito por chineses da Dinastia Jin (265 – 419 d.C.), na obra Shu
Chin. Nessa crônica, os chineses descrevem os funaneses como seminus em público com a pele escura e cabelo
crespo, demonstrando o senso etnocêntrico chinês da época em retratá-los como bárbaros e não civilizados.
Curiosamente, no entanto, também são considerados pacíficos, honestos e astutos.
Outro livro chinês, o Livro de Liang, aponta a fundação de Funan por um estrangeiro, Huntian, que veio do país
de Jiao, talvez na península malaia ou arquipélago indonésio, depois de ter sonhado com um espírito que lhe
entregou um arco divino e mandou-o embarcar para a terra em Funan. No caminho naval, foi atacado por forças de
uma rainha, Liuye, que fora derrotada pelo arco divino e depois tornou-se sua esposa. E do casal nasceu o futuro rei
de Funan e fundador de sete cidades da região. A lenda contada aponta para as origens marítimas de Funan e a
evidente estreita ligação com regiões malaias, indonésias e chinesas.
Os chineses ainda relataram coisas fascinantes dos costumes do povo de Funan. Habitavam em casas de madeira
ou bambu, com telhados de sapé e elevados sobre palafitas. Comiam peixes e arroz, sendo este abundantemente
plantado na região. Cultivavam também frutas como laranjas, romãs e cana-de-açúcar, assim como criaram
galináceos e suínos. Na metalurgia, dominavam o bronze e ferro. A escravidão era parte integrante da sociedade que
apresentava alguma ordem estratificada.
O comércio de Funan era próspero, alcançando regiões como a Pérsia, Europa, Índia e China. De acordo com os
chineses, os funaneses tinham uma marinha considerável. Escavações de sítios funaneses revelam moedas romanas
apresentando o amplo alcance de sua rede comercial. Para reger as relações sociais, religiosas e comerciais dessa
vibrante sociedade, elaboraram um código legal com nítida influência indiana advindos de comerciantes a partir do
primeiro século de nossa era. Os funaneses adotaram o sânscrito para fins litúrgicos e intelectuais. Os chineses
viram, no século 3 d.C., grandes bibliotecas e coleções de livros em sânscrito entre eles, mas pouco sobreviveu aos
insetos e umidade, mas podem ter sido livros em forma de palmeiras costuradas ou coladas, tal como ainda era usada
no Camboja no século 19.
Os indianos certamente trouxeram a cultura religiosa com eles, no culto a Xiva, Brahma e Vixnu, além da pletora
de divindades do panteão hindu. Também apresentaram a ideia cosmológica do centro do mundo em torno do mítico
Monte Meru, cercado por oceanos cósmicos, a ser replicado em modelo na construção de templos em cume com
águas no entorno. Elementos budistas também foram trazidos dos navios, e é provável que esse caudal cultural
indiano tenha se misturado e miscigenado com crenças religiosas populares dos funaneses.
O declínio de Funan, de acordo com as crônicas chinesas, veio sob um rei chamado Rudravarman que tinha
oferecido um rinoceronte ao imperador chinês em Pequim em 539. Depois disso, os chineses raramente tiveram
registro dos funaneses, acreditando que deveriam ter desaparecidos ou dominados pela ascensão de um outro
poderio local mais ao norte do delta do Mekong, chamado de Chenla (ou Zhenla).
Fontes posteriores chinesas do século 13 narram a ascensão de um rei chamado Bhavavarman (r. 550 – 590) que
viveu em fins do século 6 que, possivelmente, foi descendente da aristocracia funanesa e que se casou com uma
mulher de família khmer mais do interior. Mas o fato é que Bhavavarman se tornou o primeiro grande estadista de
Chenla que se estenderá por toda a região cambojana e delta do Mekong, incorporando os domínios anteriores de
Funan.
Ainda não está claro se Chenla foi um conjunto de entidades políticas confederadas ou um estado centralizado.
Nem mesmo há consenso sobre os seus limites políticos, mas a maioria dos autores da área apontam para a região
sul do Laos, Camboja e sul do Vietnã em torno do delta do Mekong (mapa) durante os séculos 6 ao 8.
Mapa - O delta do rio Mekong (em vermelho) com os reinos de Funan e Chenla.

A ascensão de Chenla se deu, portanto, nas terras interioranas cambojanas, provavelmente em torno do lago
Tonle Sap ou na província laosiana de Champasak, e depois passou a expandir-se ao norte e sul-sudeste sobre o
declínio de Funan. Os funaneses que eram em grande parte da etnia mon, naturalmente, não desapareceram mas
passaram a ser aliados submetidos a dinastias de outras regiões. Os de Chenla, que eram khmers, passaram a
promover a sua língua e cultura sobre o seu reino ascendente, a incorporar hábitos e costumes herdados e
conquistados, o que não representou nenhuma ameaça à vida da maioria dos funaneses. Mas houve, a partir do
século 7 relativo declínio da atividade comercial marítima de suas cidades portuárias, conforme atestam os sinais
encontrados em Oc Eo. Nesse esteio, as rotas marítimas da costa vietnamita começaram a ser dominadas por outros
povos mais do norte, os chams.
Os reis de Chenla demonstraram profunda influência da cultura indiana. Pois reivindicaram serem descendentes
de um dos sete sábios, Bhrigu, e filho do deus Brahma. A capital de Chenla permanece um mistério geográfico. De
acordo com os registros chineses, a capital localizava-se perto de uma montanha, em cujo cume havia um templo
guardado por mil soldados. Nessa cidade, a cada ano, o rei de Chenla vinha para realizar sacrifício humano como
oferta ao deus Xiva cuja popularidade talvez possa ser explicada por ser associado a divindades populares locais.
Xiva passou a ser gradativamente associado ao rei de Chenla e as inscrições religiosas e cerimoniais mais
importantes a partir do século 7 foram feitas em sânscrito. A língua khmer, por sua vez, permaneceu como a língua
do cotidiano, da administração e do comércio. O budismo também era notável em Chenla, possivelmente originada
dos povos funaneses, mas essa religião não predominou em terras cambojanas até os anos de decadência de Angkor
no século 15.
A estrutura política de Chenla parece ter sido mais complicada do que é narrado tradicionalmente. Invés de um
ou dois estados centralizados, como consideraram os antigos narradores chineses, Chenla foi mais um conjunto de
principados aliados sob um regente cuja corte pode ter se localizado perto do lago cambojano de Tonle Sap. No
início do século 7, o rei de Chenla, Isanavarman (r. 616 - 637), consolidou o reino que se estendeu desde a costa e o
rio Mekong, e foi o primeiro soberano khmer a enviar uma embaixada aos chineses em 616.
Ao final do século, outro rei de Chenla, Jayavarman I (r. c. 657 – c. 690), tornou mais rígido o controle sobre
aliados locais e líderes vassalos, fortaleceu o código legal e supervisionou os fundamentos religiosos do reino. De
seu empenho e reformas, foram deixadas nas inscrições a seu respeito que foi uma “encarnação da vitória e flagelos
dos inimigos, senhor das terras que herdou de seus antepassados e conquistador de novas terras” [1057]. Era, pois, o
senhor inconteste de todos os povos khmers e mons. Depois de algumas décadas, ao final do século 7, um de seus
descendentes, Jayavarman II (r. 802 - 835), decidiu mudar a capital mais para o norte, em Angkor.
Jayavarman II tinha sido governador desde 790 das regiões mais orientais do Camboja antes de ter sido
consagrado rei. Por essa razão, quando chegou ao trono imperial, decidiu realocar a capital do reino mais ao interior,
visando melhor controlar as regiões distantes e interioranas. Ademais, havia sido uma política de distanciamento dos
mares do mundo, dominado por potências marítimas do século 7 ao que se refere como “Java”, mas na verdade o
reino de Srivijaya da ilha de Sumatra.
A sua nova capital localizava-se mais ao norte do vale do rio Mekong, nas colinas de Kulem, próximos da atual
cidade cambojana de Siem Reap. Apesar de seu protagonismo, não há quase evidência hoje de seu período de
governança na região. Um de seus maiores legados, no entanto, parece ter sido algo menos tangível, pois estabeleceu
uma estrutura política centralizada a controlar os pequenos reinos e potentados locais, ao que seria chamado em
sânscrito de Kambuja-desa, a “Terra de Kambuja”. Jayavarman II, portanto, tornou-se o primeiro soberano com
amplos poderes na região, indo muito além de seus antepassados.
Apesar dos termos pretensiosos, houve muitas rebeliões e forças opositoras ao que consideraríamos como um
estado centralizado. Os sucessores de Jayavarman II encontraram-se com frequência com pouco poder a reprimir
revoltas locais e invasores estrangeiros no século 9. A sorte maior coube àqueles regentes que governaram em
períodos de paz ou de relativa calmaria, dando oportunidade para programas de construção e ampliação de obras
públicas, templos e santuários religiosos. Os reis khmers eram considerados sagrados pela sua posição regencial,
essencial para assegurar a fertilidade do solo e bem-estar do reino. Deveria o regente portar-se como tal, a atender os
rituais esperados. Em troca de sua proteção e ordem, a população submetia-se a diversos serviços militares e deveres
laborais para o reino e instituições budistas e hindus.
Ao final do século 9, após a morte de Jayavarman II, a capital cambojana mudou-se novamente para mais
próximo das margens norte do lago Tonle Sap. O rei Indravarman I (r. 877 – 889) mandou construir no local um
amplo reservatório e diversos templos, incluindo uma estrutura piramidal, chamada de Bakong (fig.), um dos
primeiros templos a ser construído de pedra [1058]. Esse templo depois se tornaria um modelo para edificações
posteriores em Angkor.

Fig. - Templo de Bakong, que serviu de modelo para posteriores construções khmers.

O filho e sucessor de Indravarman, Yasovarman I (r. 889 – c. 910), mudou de novo a localidade da capital, para
mais próximo de Siem Reap, ao local que se chamaria de Angkor, termo derivado do sânscrito com o significado de
“cidade” e que se tornaria o nome popular dessa grande civilização cambojana. A cidade que Yasovarman fundou se
chamaria à época de Yasodharapura e permaneceu como capital cambojana até o século 16. Os templos foram
construídos sobre uma colina natural que dominava o horizonte plano da cidade, afastado e imponente sobre as
planícies dos campos de arroz e do lago Tonle Sap. Os templos foram construídos evocando a montanha sagrada, o
Monte Meru, abrigo mítico dos deuses hindus e centro do universo. Nas proximidades, Yasovarman construiu
amplos reservatórios (barays) e uma muralha com cerca de 4 km cada lado. O sistema de águas garantiu ao reino
anos de fertilidade e condições para generosas safras agrícolas. Possibilitando ao rei khmer o comando e
mobilização de uma numerosa mão-de-obra.
Nas próximas décadas, conflitos e guerras dominaram a região e Yasodharapura fora abandonada até as
restaurações do rei Rajendravarman II (r. 944 – 968) que governou num período de paz e prosperidade de quase cem
anos desde meados do século 10 ao 11. Seu sucessor, Jayavarman V (r. 968 – c. 1000), mandou a construção de um
dos mais belos templos em Angkor, o Banteai Srei (fig.), construído nos arredores da capital tendo como patronos
uma família de sacerdotes e professores do rei.

Fig. - Templo de Banteai Srei, Angkor. A delicada arte khmer no arenito.

Outro templo construído foi o imponente Ta Keo, que fora depois completado pelo seu sucessor, Suryavarman I
(r. 1004 – c. 1050). Suryavarman foi um soberano inovador, e sua ascensão envolveu intrigas e supressão de muitos
líderes e opositores revoltosos. Como resultado, uma vez no poder, o reino khmer se tornou um império que
subjugou vários pontetados que antes tinham vivido com relativa autonomia. Esse rei estendeu, além disso, o
império para regiões na atual Tailândia, onde construiu um grande templo chamado de Preah Viherar. Durante seu
reinado, o número de cidades liderada pela capital, Yasodharapura, cresceu para mais de 50, o comércio floresceu
assim como o controle burocrático. Seu sucessor no poder aproveitou-se da nova ordem e prosperidade, e mandou a
construção do templo de Baphuon (fig.).

Fig. - Templo de Baphuon, Angkor.

Nos anos finais do século 11, houve período de confusão e fragmentação novamente. Em certas ocasiões, houve
diversos soberanos khmers cada um a reivindicar o título de chakravartin, termo que remete a um governante
universal ideal, prerrogativa do imperador khmer. Uma nova dinastia começou a despontar, que perduraria por mais
de um século em Angkor após esse tempo de incertezas. Seu soberano mais poderoso tomou o nome de
Suryavarman II (r. 1113 – c. 1150). Como seu antecessor de nome, foi um formidável líder militar, e vingou as
invasões feitas pelo reino de Champa, da costa vietnamita ao leste, e organizou campanhas contra as regiões
tailandesas.
Mas o maior legado desse regente foi o complexo de templos de Angkor Wat (fig.), permanecendo como uma
das maiores estruturas religiosas construídas no mundo. O templo que também se tornaria seu túmulo, foi dedicado a
Vixnu. Seus baixos-relevos mostram com vivacidade eventos descritos nos épicos hindus, Maabárata e Ramaiana,
com centenas de graciosas entidades femininas, apsaras. As águas dos reservatórios (barays) e fossos construídos ao
redor do templo refletem ainda hoje a grandiosidade e simetria da construção do século 12.

Fig. – Esplendor dos céus na terra. O imponente templo de Angkor Wat, construído a mando de Suryavarman II.

Yasovarman II (r. 1160 – 1166) reinou após certo período de incertezas políticas do império khmer. Foi no seu
período de governo que muitas construções iniciadas por Suryavarman II foram concluídas. Yasovarman foi tirado
do poder por um golpe dado por um de seus oficiais militares quando retornou de campanhas nas regiões
tailandesas. Após o golpe, outro príncipe, Jayavarman VII (r. 1181 – c. 1220), voltou a ocupar o trono imperial, mas
passou anos antes a enfrentar invasões dos chams do reino Champa. Em 1177, à frente de seu exército, conseguiu
expulsar os invasores chams, conforme ilustra vividamente o baixo-relevo num de seus mais icônicos templos em
Angkor, o de Bayon. Visando conter de vez a onda cham, Jayavarman invadiu e anexou a capital do reino Champa,
Vijaya. Mas seus problemas não estavam resolvidos. No âmbito interno, Jayavarman enfrentou contestações de
líderes de poderios locais.
Em 1191, Jayavarman aparentemente, depois de décadas de campanhas de conquista e subjugação contra
rebeldes, passou a construir obras públicas e edificações grandiosas. Numerosos templos, estátuas, pontes e
inscrições em Angkor são testemunhas do vigor do reinado de Jayavarman VII. A capital e arredores foram
reformados e fortificados. O rei era um fervoroso budista da escola maaiana [1059], e assim deu vazão a esculturas
diversas de Buda por Angkor, como a que testemunhados em Bayon (fig.). Como seus antepassados, o soberano
khmer tolerou e apoiou os cultos hindus e de entidades locais.
Fig. - Representações de Buda no templo de Bayon, Angkor. Arte budista maaiano em seu primor.

Depois da morte de Jayavarman por volta de 1220, as construções de pedra quase cessaram, e poucas inscrições
foram achadas. Por dedução, o império khmer parece ter entrado num período de declínio. As vitoriosas campanhas
de Jayavarman pareceram memórias passadas, pois no século 13, vários reinos da região norte da atual Tailândia,
centrada na cidade de Sukhotai, tornaram-se fortes o suficiente para se livraram da dominação khmer. Em meados
do século, esses exércitos dos tais invadiram Angkor e todo o império começou a desagregar-se [1060].
Mas o brilho e fascínio da capital khmer ainda impressionaria os viajantes nos próximos séculos. Em fins do
século 13, especificamente em 1296, um detalhado relato de um enviado chinês, Zhou Daguan, descreve a cidade
como espalhafatosa e vibrante. O chinês se deparou com numerosas comunidades de monges budistas da vertente
teravada, demonstrando que os maaianos começaram a perder popularidade entre os khmers. Mas os tempos eram
outros, e a glória de Angkor agora defrontava-se com os tais nas suas fronteiras. Ataques desses povos foram
registrados em 1369, 1389 e em 1431, além de outros não registrados com precisão. Em contrapartida, a influência
khmer foi tamanha que a nova capital dos tais, Ayutthaya [1061], no vale do rio Chao Phraya, fundada em 1351, (não
muito distante da atual megalópole Bangkok) foi modelada conforme Angkor.

Van Lang, Nam Viet, Dai Viet e Champa (1º Milênio a.C. – Século 15 d.C.)

As origens mais remotas dos vietnamitas que se conhece ainda é pouco conhecido. Os primeiros indícios
apontam para um povo, chamado de lac, que viveu na região do rio Vermelho (Song Hong), no norte do Vietnã.
Alguns estudiosos relacionam os lacs com outros povos da região, conhecidos como viets, yues em chinês, que
habitaram a costa da Ásia oriental desde o vale do rio Yangzi até o rio Vermelho durante o primeiro milênio antes de
nossa era. Outros defendem que os atuais vietnamitas compartilham origens culturais e linguísticos com povos não-
chineses nas redondezas do sudeste asiático.
As pesquisas linguísticas distinguem os vários grupos étnicos do sudeste asiático e aponta para a origem
diversificada dos vietnamitas. Pelas semelhanças morfológicas e das consoantes, há sinais de que o vietnamita pode
ser ligado a um grupo de línguas austronésias que alimentou a especulação de que foi essa a origem dos povos lacs.
Todavia, como os tais, os vietnamitas desenvolveram uma estrutura fonética própria, talvez como consequência do
contato com as línguas chinesas, o qual guarda certa semelhança de tonalidades e gramaticais. Do grupo das línguas
khmer-mon, os vietnamitas derivaram sua estrutura e palavras básicas.
De acordo com as lendas, o primeiro antecedente dos vietnamitas foi De Minh, descendente de um regente
chinês considerado o pai da agricultura. De Minh casou-se com uma entidade feminina das montanhas e tiveram um
filho que se tornaria Duong. Este, por sua vez, estabeleceu matrimônio com uma filha de um lendário dragão dos
mares. Seu filho, Lac Long Quan, “Senhor Dragão de Lac”, foi o primeiro verdadeiro rei vietnamita. Ao longo de
sua vida, teve mais de cem filhos com uma mulher imortal chinesa, Au Co. Depois de se separarem, Au Co levou
cinquenta de seus filhos para as montanhas e Lac Long Quan manteve a outra metade para continuar reinando nas
terras baixas costeiras do Vietnã. O filho mais velho sucedeu seu pai como o primeiro rei (vuong) da primeira
dinastia vietnamita, a de Hung.
Essas lendas nos mostram os conflitos, engajamentos e fusões entre povos das montanhas e da costa. Os
montanheses eram considerados como guerreiros imortais, enquanto os costeiros eram descendentes dos dragões. A
separação de Au Co para as montanhas com seus filhos foi uma tentativa de explicar a separação em grupos distintos
dos proto-vietnamitas no delta do rio Vermelho. A maior parte desses contos tomaram forma por volta do ano 1200
de nossa era.
A Dinastia Hung (ou Hong Bang) teve 18 reis, cada qual reinou por volta de 150 anos. O país deles, chamado de
Van Lang, “Terra dos Homens Tatuados”, incluía partes do delta do rio Vermelho e sul da China (mapa). O último
dos Hungs foi destronado por volta de 258 a.C. por um líder guerreiro rebelde, Thuc Phan, que conquistou toda Van
Lang. O novo domínio, o líder renomeou como Au Lac, e passou a ser o soberano conhecido como An Doung. Au
Lac, aparentemente, sobreviveu até o ano de 207 a.C., quando foi incorporado por um general chinês, Trieu Da (r.
203 – 137 a.C.) ao reino de Nam Viet (Nanyue).

Mapa - Localização do antigo reino de Van Lang, no norte do Vietnã e regiões.

Este reino estendia-se por boa parte das regiões meridionais chinesas e Trieu Da tinha sua capital próxima da
atual cidade de Gaungzhou (Cantão). Mas as ambições do ex-general chinês foram além, pois revoltou-se contra os
oficiais leais ao imperador chinês, adotou os costumes de Viet e proclamou-se soberano de um vasto império mais
ao sul. Fez isso ao estender seus domínios além de Au Lac, do delta do rio Vermelho, mas também a costa
vietnamita até a região atual de Da Nang. Nesse sentido, com o fim de Au Lac pelas mãos de Trieu Da, por volta de
217 a.C., marcou-se o fim do período lendário da história vietnamita.
Após quase cem anos de conflitos políticos e militares subsequentes entre os chineses da Dinastia Han e os
sucessores de Trieu Da, Nam Viet foi ocupado por forças chinesas sob o comando do imperador Wu (r. 141 – 87
a.C.) em 111 a.C. Portanto, todos os domínios vietnamitas caíram nas mãos do soberano da Dinastia Han, e Nam
Viet foi dividida em nove distritos militares com nomes chineses, três desses mais meridionais se chamaram Gao
Chau, região atual norte do Vietnã.
A sociedade vietnamita da época, na região do delta do rio Vermelho, conhecia o uso do bronze e ferro.
Apredenderam a cultivar o arroz irrigado dos rios, embora o arado e tração animal ainda eram desconhecidos na
agricultura. Complementavam sua dieta com peixes e caça, no manejo do arco e flecha, e comerciavam as presas de
marfim dos elefantes por ferro da China.
A organização social antes da dominação chinesa nos últimos séculos antes de nossa era apresentava alguma
hierarquia, com o poder residindo nas mãos de líderes tribais e comunitários. Normalmente, esses chefes
acumulavam poderes civis, religiosos e militares e seus cargos eram hereditários. Provavelmente havia um chefe que
se destacava entre todos os outros. Havia sinais de uma classe de latifundiários que mantinha os camponeses em
regime de servidão. Os vestígios religiosos indicam o culto de seres sobrenaturais e espíritos, alguns dos quais de
animais, de regentes mortos ou ancestrais.
A chegada dos chineses trouxe novas influências ao norte do Vietnã. Um dessas foi a introdução de inovações
técnicas e administrativas. O processo foi resultado deliberado do governo chinês em buscar sinicizar os vietnamitas
impondo, para tal, a língua, costumes e instituições chinesas. Naturalmente, houve resistência e luta contra essa
assimilação, marcando notadamente a própria história vietnamita: por um lado uma tendência chinesa a dominar e
por outro, uma busca por identidade própria advindos de seu povo e influência do interior e mares do sudeste
asiático.
Após a dominação chinesa a partir do segundo século a.C., o norte do Vietnã foi local de construção de estradas,
canais e ancoradouros a fim de maior controle e acesso chinês a partir do norte. A agricultura foi reformada com a
introdução de novos métodos de irrigação, arado e animais de tração. Assim como novas ferramentas e armas,
cerâmica e técnicas de mineração. Apesar disso, houve por mais de século certa reticência do governo imperial
chinês, sob a Dinastia Han, de intervir diretamente nos assuntos políticos locais. O Nam Viet seria administrado nas
mãos de lideranças hereditárias locais que mantinham laços de lealdade às autoridades e elite chinesa. De fato, Nam
Viet foi mais um protetorado do que uma província integrante do império chinês.
Esse quadro mudou com o primeiro século de nossa era, quando um governador chinês passou a almejar maior
controle e sinicização de Nam Viet. Desejou igualmente ampliar os recursos naturais oferecidos no vale e delta do
rio Vermelho e das montanhas interioranas. Locais onde havia indícios de grandes jazidas minerais, além de pérolas
na costa, elefantes com preciosos marfins e numerosa mão-de-obra camponesa a ser explorada. O interesse
estratégico chinês maior era controlar o delta do rio Vermelho, e torná-lo como ponto de parada e abastecimento de
navios da Dinastia Han que estavam engajados no próspero comércio com as ilhas indonésias, Índia e Oriente
Médio.
Esses esforços de maior controle e presença chinesa resultaram na dominação sobre o Nam Viet em todos os
aspectos. Costumes e valores locais sofreram forte influência e imposição dos ritos, instituições e valores chineses.
Ensinamentos confucianos e taoístas foram promovidos assim como o da língua chinesa. Roupas e penteados
tornaram-se obrigatórios e considerados como sinais de status entre a elite local [1062].
A primeira grande rebelião contra o governo chinês começou em 40 d.C., liderada pelas irmãs Trung (fig.). Uma
delas, Trung Trac, era uma mulher nobre de nascimento cujo marido, um senhor tribal, tinha sido executado pelos
chineses. Ela e sua irmã, Trung Nhi, reuniram os chefes tribais e seus seguidores, atacaram e dominaram as
fortalezas chinesas, e foram proclamadas as duas como rainhas de um reino vietnamita independente. Três anos
depois, em 43, um poderoso exército enviado pelo imperador Han restabeleceu a dominação chinesa. A aristocracia
local envolvida na rebelião foi privada de todo poder e o Vietnã passou a sofrer uma administração chinesa
centralizada e a sinicização foi retomada com maior intensidade. As irmãs Trung foram aparentemente mortas [1063].

Fig. – O protagonismo feminino na história vietnamita. As duas irmãs Trung indo ao combate em cima de elefantes. Suas façanhas são até os dias
atuais celebrados pelos vietnamitas.

O governo chinês, apesar de ter sido desafiado inúmeras outras vezes por rebeldes vietnamitas da época,
permaneceu com seu poder consolidado no norte do Vietnã nos séculos seguintes. Somente quando a dinastia
chinesa Tang (618 - 907) entrou em declínio no início do século 10, ocorreu nova série de grandes revoltas no
Vietnã que resultou em 939 na restauração da independência vietnamita.
O primeiro período de independência frente aos chineses se deu, portanto, numa situação de fragilidade e
instabilidade. Pois os líderes vietnamitas tiveram que repelir seguidas investidas a partir do norte, quando a China
recuperou sua ordem sob a Dinastia Song (960 - 1279). A dinastia vietnamita que se estabeleceu passou a ser
chamada de Dinastia Le. Contudo, por mais de um século, o Vietnã não conheceu paz nem estabilidade até por volta
do início do século 11, quando o reino foi unificado e centralizado por Ly Thai To (r. 1009 - 1028) (fig.) que fundou
uma dinastia sucessiva pelo seu nome, a Dinastia Ly (1009 – 1225). Os regentes dessa dinastia estabeleceram sua
capital em Thang Long, perto de Hanói atual, no delta do rio Vermelho. Nessa cidade, modernizaram o sistema
agrícola e, em 1076, reformaram o sistema administrativo tradicional baseado no sistema chinês de servidores civis
públicos selecionados por exames.

Fig. - Estátua de Ly Thai To, fundador da Dinastia Ly.

Outras reformas realizadas desde o reinado de Ly Thai To foram a mudança do nome do reino para Dai Viet, “O
Grande Viet”, em 1054 – rejeitando o antigo nome chinês de Annam (ou An Nam), “Sul Pacificado”; fortalecimento
da ordem interna, visando assegurar autonomia e independência da China; expansão do território do reinado,
visando garantir maior integração ao interior e costa sul e; maior proteção contra estrangeiros invasores vizinhos,
entre os mais notáveis estava um reino ao sul, o de Champa (mapa).

Mapa - O reino de Champa no sul vietnamita e o de Dai Viet, ao norte.

O reino de Champa tinha florescido na costa sul e central vietnamita que sempre teve vocação marítima com
outras partes do sudeste asiático. A língua cham pertence à família austronésia, e sua cultura está relacionada com o
de Aceh, no norte da ilha indonésia de Sumatra. O estado Champa foi fundado em 192 d.C. e, por sua vocação
marítima e comercial, começou a absorver influências do mundo índico, via a intermediação de Funan. O hinduísmo
foi estabelecido cedo em Champa, demonstrado na construção de templos hindus e inscrições em sânscrito.
O primeiro rei de Champa de destaque foi Bhadravarman (r. 380 – 413) que relacionou sua autoridade com o
culto de Xiva. Entre os séculos 7 ao 10, a força naval cham começou a ser fortalecida, pois foi crucial para a
manutenção do comércio marítimo. A frota de Champa chegou a controlar a rota de especiarias e sedas do Mar da
China Meridional, entre a China, Índia e o arquipélago indonésio. Como contrapartida, os chams prosperaram
exportando marfim e aloe, mas também intermediando (e pirateando) o rico comércio naval asiático. A crescente
influência e prosperidade de Champa despertou o interesse de rivais, como o do reino da ilha de Java, mais ao sul
nas ilhas indonésias. Nos anos de 767, 774 e 787, a costa de Champa foi invadida e saqueada por frotas javanesas e
piratas. Mas seu maior adversário veio de sua fronteira ao norte.
Voltando ao reino Dai Viet, foi durante a Dinastia Ly que os vietnamitas começaram a sua longa marcha para o
sul (Nam Tiem) à custa do reino dos chams, Champa. Em 1069, o reino Champa ganhou apoio da dinastia chinesa
Song, que fez com que as autoridades chams deixassem de pagar seus tradicionais tributos para Dai Viet,
provocando a ira do soberano vietnamita. Como resultado, o imperador vietnamita Ly Thanh Tong (r. 1054 - 1072)
organizou uma expedição contra Champa (na chamada Guerra Champa – Dai Viet de 1069) e capturou com êxito o
rei de Champa, Rudravarman III [1064].
Então Rudravarman III assinou tratado de paz com Ly Thanh Tong, e cedeu partes de seu território para a
expansão de Dai Viet. Como consequência, Champa teve que retomar o sistema de tributos pagos para a Dinastia
Ly. E logo depois dos acordos, uma leva de migrantes vietnamitas começou a se deslocar para ocupar as antigas
terras pertencentes aos chams, transformando-as em campos de arroz, com o incentivo e aval dos reis de Ly. À
medida que iam expandindo, as autoridades vietnamitas começaram a buscar fortalecer a administração central e
política agrícola do reino. A partir de 1070, o rei Ly Than Tong mandou construir academias e institutos reais para
educação de oficiais para o serviço público, a seguir o modelo adotado entre os chineses. Em 1089, foi criada uma
hierarquia de funcionários do estado com graus de oficiais civis e militares. Tudo visando organizar e fortalecer a
estrutura e administração interna do reino de Dai Viet.
Por volta do início do século 13, a Dinastia Ly começou a mostrar sinais de esgotamento, muito decorrente de
anos de conflitos renovados contra Champa e também com os khmers ao oeste. Depois de um período conturbado,
uma nova dinastia vietnamita ascendeu em 1225, a de Tran (1225 – 1400) [1065].
Os antepassados do clã de Tran originaram-se da província chinesa de Fujian antes de migrarem para Dai Viet.
Ao longo dos séculos, os Trans misturaram-se com vários membros reais da Dinastia Ly, como o foi o caso de Tran
Ly e Tran Thua, cujo filho se tornaria o primeiro imperador da Dinastia Tran. A ascensão definitiva de Tran se deu
com um dos últimos reinados da Dinastia Ly, sob Ly Cao Tong (r. 1175 - 1210), em que o herdeiro ao trono, Ly
Sam, decidiu por casar-se com uma bela filha do clã Tran, Tran Thi Dung em 1209. E como ajuda para restaurar a
ordem imperial, Ly Cao Tong decidiu nomear vários membros de Tran para altos cargos na corte real.
Ly Sam depois de entronado se tornou Ly Hue Tong (r. 1210 - 1226) após a morte de seu antecessor, Ly Cao
Tong. No entanto, o novo imperador começou a sofrer de doenças mentais por longos anos até decidir ceder seu
trono para a sua filha de sete anos de idade, a princesa Ly Chieu Tong, em outubro de 1224. Um de seus ministros
mais poderosos, do clã Tran, Tran Thu Do (1194 - 1264), foi nomeado como tutor da pequena regente Ly até a
maioridade. O reinado da pequena Ly Chieu Tong durou apenas até 1225, pois nesse ano Tran Thu Do aproveitou a
oportunidade para derrubar de vez a Dinastia Ly e estabelecer uma nova para seu clã.
Para tal intento, tinha organizado um casamento entre a pequena regente Ly com um de seus sobrinhos, Tran
Canh, visando maior legitimidade de seu clã no trono. Após anunciar o casamento, Tran Thu Do considerou a
menina Ly como incapaz de regência e Tran Canh foi escolhido como seu sucessor. Como resultado, o reinado de
mais de 200 anos da Dinastia Ly terminou em fins de 1225.
A Dinastia Tran, portanto, nasceu do controle de Tran Thu Do sobre seu sobrinho no trono imperial vietnamita.
Temendo a reação de adversários políticos, membros reais da família Ly foram perseguidos até 1232. Seu sobrinho
tinha apenas oito anos de idade quando foi entronado que exigiu de Tran Thu Dong anos de dedicação como
chanceler e tutor para consolidar o poder sob as mãos dos Trans. Uma das primeiras revoltas que enfrentou foi entre
povos da região montanhosa de Bac Giang e Hai Duong que foram finalmente controladas em 1229.
Tran Thu Do preocupou-se com a sucessão de seu sobrinho quando este começou a se tornar adulto. Em 1237,
vendo que o casal real não tinha filhos sucessores, buscou o irmão mais velho de Than Canh a ceder sua esposa para
o imperador, a princesa Thuan Thien. Aparentemente a princesa já estava grávida de três meses antes de assumir o
título de rainha. Embaraçado com toda a situação, o imperador decidiu depois se retirar da cena política e se tornar
um monge na montanha de Yen Tu.
Mas o evento mais perturbador do reinado de Tran Canh se deu a partir de 1257, quando tropas mongóis
invadiram Dai Viet. No início dos confrontos, ficou evidente a esmagadora vantagem e experiência da cavalaria
mongol que já tinha conquistado amplas áreas da Ásia. A confusão e medo da corte Trang foi tamanha que muitos
consideraram simplesmente abandonar a capital e fugir para a corte chinesa da Dinastia Song, mais ao norte. Mas
graças à resiliência e coragem de algumas lideranças vietnamitas, como o do chanceler Tran Thu Do, a Dinastia
Tran conseguiu reter os avanços mongóis posteriores em fins de 1257 [1066].
Mas houve anos depois novas invasões mongóis, em 1284, sob a liderança do imperador mongol no trono
imperial chinês da Dinastia Yuan, Kublai Khan. Sob comando em campo do príncipe Toghon, os mongóis de Yuan
atacaram Dai Viet em duas frentes, uma por infantarias vindas do norte e outro pela marinha sob Sogetu nas
fronteiras ao sul com o apoio do reino de Champa.
Ao todo, o número estimado de soldados mongóis chegou a 300 mil homens, mas mesmo assim a Dinastia Tran
resistiu duramente às campanhas de cerco e ataques dos mongóis. Eventualmente, Kublai Khan, já perto do final de
seu reinado no trono chinês, decidiu abandonar maiores pretensões de controle sobre o Dai Viet. Os líderes militares
vietnamitas que conseguiram essa façanha, como o general Tran Hung Dao (1228 - 1300), até os dias atuais são
figuras heroicas veneradas na história vietnamita.
Mas os recursos de Dai Viet para os longos anos de guerra foram exauridos e muitas terras foram devastadas.
Desavenças e ódios se tornaram comum entre aqueles que sofreram com o flagelo da guerra, conduzindo para uma
crise econômica e social que perdurou ao longo do século 14. Ao final do século, a Dinastia Tran teve que solicitar
ajuda aos chineses para assegurar-se no trono vietnamita. Mas os chineses, desde a queda da Dinastia Yuan em
1368, eram agora governados por novos regentes da Dinastia Ming (1368 – 1644), que aproveitaram a ocasião e
invadiram Dai Viet em 1407. Daí em diante os Mings restabeleceram o controle chinês direto e foram retomadas as
antigas políticas de assimilação. Dai Viet se tornou novamente Annam.
Novas esperanças foram manifestadas no início do século 15, pois muitos vietnamitas se recusaram a serem
assimilados pela política de controle Ming. Le Loi, um rico proprietários de terras da província de Thanh Hoa, ao sul
do delta do rio Vermelho, organizou amplas campanhas de resistência nacional em 1418. Depois de dez anos de
embates e confrontos, os chineses foram forçados a se retirarem de Dai Viet. Le Loi, que se declarou imperador de
uma nova dinastia sob o nome de Le Thai To (r. 1428 - 1433), tornou-se assim fundador da terceira grande dinastia
vietnamita, mais conhecida como a de Le Tardia (para diferenciar da Dinastia Le de fins do século 10). Foram esses
Les tardios que governaram Dai Viet até 1788.

Srivijaya, Majapahit e Malaca (1º Milênio a.C. – Século 15 d.C.)


A parte da península malaia, as ilhas de Sumatra, Bornéu, Java, Bali e outras do arquipélago indonésio guardam
uma história extraordinária ligada ao vigor das rotas marítimas e do comércio internacional. Não foi por mera
chance que essa região foi depois cobiçada por soberanos interessado na riqueza de seus produtos, desde especiarias
e recursos minerais, e no controle de suas passagens que dão acesso ao Oceano Índico ao oeste e para o Mar da
China Meridional ao leste.
A região do sudeste asiático como um todo sofreu processo de influência cultural indiana desde o início de nossa
era, através de sacerdotes e comerciantes advindos dos pallavas, guptas, palas e cholas até meados do século 12 [1067].
Várias entidades políticas floresceram antes, como o de Gangga Negara (séculos 2 - 11), Langkasuka (séculos 2 -
14) e o obscuro reino de Pan Pan (séculos 3 - 5), todos na península malaia, e apresentaram através de vestígios
materiais achados e pelas narrativas de viajantes uma forte influência indiana hindu.
Mais ao sul, houve referências nos épicos indianos, como no Ramaiana, de um reino hindu na ilha de Java por
volta de 200 a.C., local para onde o exército de Rama partiu para achar sua esposa, Sita. De acordo com os textos
tâmeis, do sul da Índia, Java era um reino florescente e organizado a partir de sua capital, Nagapuram.
As evidências arqueológicas mais antigas em Java se encontram no Parque Nacional de Ujung Kulon, na parte
ocidental da ilha de Java, em que foi encontrado uma estátua do deus Ganesha do primeiro século d.C. Outros sinais
da cultura indiana foram também encontrados na mesma região e na ilha de Bornéu, apontando para a presença de
indianos do sul da Dinastia Pallava dos séculos 4 e 5 d.C.
A presença de mercadores javaneses e de Sumatra foi notada por oficiais chineses, a considerar a grande e
promissora quantidade de especiarias da região, principalmente incenso. No século 5, o rei de Holotan (Heloudan),
Visanvarman, em Java ocidental, mandou sete missões entre 430 e 452 para uma dinastia chinesa com sua capital
em Nanquim (Nanjing). Aparentemente, o interesse primordial de Holotan era manter boas relações visando o
comércio, pois a China era grande consumidora de seus produtos que incluíam também resinas aromáticas,
artesantos e outras especiarias. Em troca, a China poderia oferecer apoio naval no Mar da China Meridional e ferro,
minério raro na ilha javanesa [1068]. Enquanto a Índia era fonte inconteste da religião e cultura, o papel político e
militar da China era evidente.
Posteriores regentes do arquipélago indonésio perceberam a importância das relações com a China. Holotan,
como os chineses chamavam Java ocidental (mapa), por chance não foi dominado por outros javaneses mais ao leste
da ilha no vale do rio Catarum, próximo da atual cidade de Jacarta. Ali, prosperou um reino referido como
Tarumanagara sob o rei Purnavarman que tinha estabelecido amplo cultivo do arroz depois de grandes obras de
irrigação e contenção hídrica. Há numerosas inscrições em sânscrito relacionando Purnavarman com o deus Vixnu e
seu pássaro-sol mítico, Garuda. Esse soberano javanês tinha percebido o poder de se associar a divindade hindu,
pois Vixnu tinha, em uma de suas encarnações como um anão, conquistado amplos domínios de terra no universo
depois de ter burlado o demônio cósmico, Bali. A prosperidade do comércio marítimo, no entano, parece não ter
sido essencial para o reino de Tarumanagara. Um dos reinos na costa oriental de Sumatra, Srivijaya, certamente se
beneficiou das rotas comerciais internacionais.
Mapa - Holotan, Tarumanagara e Srivijaya.

A capital de Srivijaya, Palembang, estava situada em local estratégico privilegiado no sudeste da ilha de
Sumatra. Situada no rio Musi, a 65 km da costa pantonosa, a cidade ficava perto da confluência de três rios que
permitia pleno acesso ao interior florestal a escoar para a costa. Ademais, a capital tinha um excelente ancoradouro e
o vale do rio Musi era amplo e fértil para o cultivo intensivo em suas margens.
Os fundadores do reino de Srivijaya foram povos malaios e o termo do reino, em sânscrito, significa “grande
glória”. Os primeiros relatos que temos desse reino vieram de um monge budista chinês, I Ching (ou Yijing) (635 -
713), em 671, na sua viagem da China para a Índia. O monge tinha parado por seis meses na cidade e constatou a
prosperidade e efervenscência do seu comércio portuário [1069]. Em certo momento, o budista fica impressionado,
quando esteve a estudar o sânscrito nas escolas locais, com a quantidade vasta de estudantes e monges budistas de
várias partes do mundo.
No seu retorno da Índia, I Ching permaneceu por mais quatro anos em Palembang, tempo em que dedicou a
traduzir os textos budistas para o chinês. Em 689, depois de ter ido buscar alguns assistentes em Guangzhou
(Cantão), montou uma escola de tradução na capital de Srivijaya. A vida desse monge chinês é sinal dos tempos, em
que o budismo na China florescia e os contatos com novos parceiros no mundo asiático estava se tornando
prementes. Para a religião e o comércio.
Quando a China se estabilizou na Dinastia Tang em fins do século 7, o volume de negócios a ser explorado nos
mares meridionais da China era promissor. Os imperadores Tang queriam tornar a cidade de Guangzhou (Cantão)
como porta de entrada do comércio internacional, e, na década de 690, foram regulamentadas a presença e as trocas
comerciais com estrangeiros na cidade. Mas no advento de instabilidades que ocorreram na China após 705 com a
eclosão de rebeliões pela China, o comércio e ordem dos Tangs nunca mais foram recuperados. Em 880, a própria
cidade de Cantão foi ocupada por seguidores de um líder rebelde, Huang Chao (835 - 884), resultando em massacre
de seus habitantes e muitos da comunidade de comerciantes residentes. O volume de comércio de Cantão só viria a
se restabelecer com o imperador Gaozong da Dinastia Song (r. 1127 - 1162).
Os acontecimentos na China e em Cantão afetaram diretamente o comércio e as relações com o sudeste asiático.
Essencialmente, todos almejaram o mercado chinês, mas para tal acesso era necessário o envio de tributos ao
imperador chinês. O interesse chinês no sudeste asiático concentrava-se em produtos exóticos. Além do incenso e
mirra, vindos das terras árabes, pimentas e resinas, algumas com propriedades medicinais apreciadas pela medicina
chinesa.
Ainda de acordo com I Ching, havia outro potentado mais ao norte na ilha de Sumatra, Malayu, que rivalizava
com Srivijaya e que acabou sucumbindo por volta de 671. Sua capital, Jambi, comandava outro sistema fluvial
importante na ilha. A vitória de Srivijaya, portanto, conferiu-lhe predominância em toda a ilha e costa virada para o
atual Estreito de Malaca, passagem essencial entre os mares indianos e árabes ao oeste e chineses ao norte e leste.
Após Malayu, as inscrições de Kota Kapur afirmam que a ilha de Bangka, ao sul de Sumatra foi conquistada em fins
do século 7 [1070].
O próximo alvo de Srivijaya foi mais ao sul de Sumatra, para a prósepera ilha de Java. O regente de Srivijaya
provável da época era Jayanasa (r. 671 - 702), cujas proezas sobrenaturais eram admiradas por Sumatra e respeitadas
até em Java. Jayanasa, também, foi o primeiro soberano a mandar uma impressionante embaixada para a China, em
695, exibindo uma poderosa comitiva naval e de mercadores (fig.). Essa exibição, na verdade, objetivava demonstrar
a confiança do poderio de Srivijaya e apontar para relações comerciais e políticas estáveis entre os dois reinos.
Nesse intento, Jayanasa buscou acalmar a pirataria vigente nos mares do sudeste asiático (principalmente os temidos
piratas malaios e chineses), uma expressiva ameaça naval às transações comerciais asiáticas.

Fig. – Intrépidos navegadores. Retrato de navio de Srivijaya no templo de Borobudur.

Como os portugueses no século 16, os malaios de Srivijaya buscaram assegurar a dominação marítima
internacional através do controle de portos estratégicos, sem maiores interesses interioranos. Cedo, portos e cidades
costeiros na península malaia, sul da Tailândia vieram a ser dominados por Srivijaya nos séculos 7 e 8 Regiões
distantes dos interesses marítimos e comerciais, como o norte de Sumatra em Aceh, ou ao oeste de Palembang em
Minangkabau, foram ignorados e permaneceram independentes das ambições de Srivijaya, contanto que não
interferissem e mantivessem as ligações comerciais interessadas. Disso muito se explica, por exemplo, a unicidade
da língua e cultura de Minangkabau, diferente dos malaios e muçulmanos do restante de Sumatra.
Mas o poderio de Srivijaya dependia, essencialmente, da força do seu comércio naval que se relacionava com os
acordos com as autoridades chinesas e, por meios não tão lícitos e oficiais, com os piratas da região que exigiam
pagamentos constantes a fim de controlar e vigiar os carregamentos. Uma vez que o imperador chinês da Dinastia
Song, Gaozong, buscou estreitar relações com autoridades em Java, o declínio de Srivijaya ficou evidente no século
12.
Talvez o maior legado de Srivijaya, portanto, foi a disseminação da sua língua usada nos portos e comércio, o
malaio (jawi) [1071]. Usava-se a escrita baseada no árabe, sinal da relação com o distante mercado ao oeste, e isso foi
fundamental para o posterior alastramento do Islã a partir do norte de Sumatra no século 11. Ao final do século 15, o
jawi era a língua da corte dos sultões de Aceh, de Malaca, de Johor, de Brunei, de Sulu, de Pattani e de Ternate,
demonstrando a importância dessa língua para o alastramento islâmico no sudeste asiático [1072].
Indo além do mundo comercial e político, no aspecto religioso a sociedade de Srivijaya apresentou-se como um
rico caudal de crenças e costumes, decorrente do seu envolvimento no comércio transasiático. Além do hinduísmo,
budismo, confucionismo, islamismo e cristianismo, havia o culto de espíritos de ancestrais e da natureza. Essas
crenças populares preocupavam-se mais com os problemas do cotidiano, enquanto as religiões importadas lidavam
mais com questões cosmológicas e de ordem social e política. Isso não resultou em realidades estanques, pois foi
mais regra a mistura e miscigenação dos cultos populares com as religiões vindas com sacerdotes, comerciantes e
navegadores estrangeiros. Em Srivijaya, havia o culto de espíritos das águas e das ilhas, essenciais para a fertilidade
e prosperidade do reino, assim como o das montanhas que habitavam os cumes dos vulcões de Sumatra. Os
habitantes de Srivijaya, portanto, sabiam da importância de aplacar a ira desses espíritos e ao respeito ao soberano
pois esse encarnava a garantia das boas colheitas, prosperidade e paz. A proteger das intempéries das tempestades,
enchentes, guerras e influências malignas.
Possivelmente, nesse sentido, o soberano de Srivijyaya tenha investido tanto como patrono do budismo. Ser
considerado como o regente exemplar pelo modelo budista, um rei darma, atrairia grande e numerosa comunidade
budista desde a Índia e Sri Lanka, atual Mianmar e costa sul tailandesa até regiões ao norte na China e Japão. Nesse
sentido, foi construído em Palembang um dos maiores centros de estudos budistas no mundo, ficando atrás apenas
da lendária Nalanda no norte indiano. Há, no entanto, poucas evidências materiais dessa grandeza, pois a pedra é um
recurso escasso em Sumatra. Ao contrário de Java, que igualmente patrocinou construções budistas de magnitude
entre os séculos 8 e 11. Os maiores legados de Srivijaya foram as feitas em bronze, estátuas de Buda e de outras
entidades (fig.), que são testemunhas do fervor budista desse reino.

Fig. – A plasticidade e sensualidade na arte. Um busto de bronze de Avalokiteshvara, exemplo da sofisticada arte de Srivijaya.

O declínio de Srivijaya começou a ficar evidente com os progressivos ataques navais advindos dos cholas, do sul
da Índia. Em 1025, houve uma massiva invasão e ataque a Palembang, conforme descreve uma inscrição no templo
de Tanjavur no estado indiano de Tamil Nadu. Em que celebra os feitos do rei chola, Rajendra I (r. c. 1014 – c.
1044), a dominar a capital de Srivijaya e de outros portos na península malaia e Sumatra. O motivo desse ataque
ainda permanece um mistério, mas certamente os interesses cholas de estreitar as relações com os chineses deve ser
um fator. Ademais, as relações entre Srivijaya e o império chola estavam se deteriorando antes de 1025, quando
houve notícias de uma embaixada chola enviada aos chineses em 1017 de que eram considerados como dependentes
de Srivijaya aos olhos das autoridades chinesas. Nada poderia ter irritado mais Rajendra I pela posição subordinada,
e o soberano dos cholas decidiu não tolerar tal insulto. O ataque de 1025 parece não ter afetado significativamente
Srivijaya, mas foi o início de uma série de outros que se seguiram no século 11.

Mapa - A intensa rede marítima dominada por Srivijaya entre os séculos 12 a 13.

Outro fator de declínio de Srivijaya foram as relações com a China, do qual dependia a força e vitalidade de seu
comércio marítimo. Os mercadores tâmeis dos cholas passaram gradativamente a dominar o mercado chinês e
chegaram a dar sinais de presença dominante na ilha de Sumatra no século 12. Como sinal das mudanças dos
tempos, fora erguido à mesma época uma estátua dedicada a Xiva, principal divindade cultuada pelos cholas, em
Cantão.
A ascensão de Java durante o século 10 desviou a rota predominante controlada por Srivijaya. Nesse sentido, o
próprio Estreito de Malaca ficou redundante na ligação com a Índia dos cholas e da China da Dinastia Song. As
raízes da ascensão política da ilha de Java remetem ao reino na sua região central chamada de Mataram. Graças ao
solo vulcânico da região, havia condições férteis excepcionais para o cultivo de produtos tropicais javaneses.
Os primeiros sinais de excepcional organização e centralidade política javanesa se deu sob a Dinastia Sailendra
(séculos 7 ao 11), cuja devoção budista assombra até hoje os turistas na planície de Kedu, ao norte de Yogyakarta: o
complexo de templos e estupas de Borobudur. Mas uma das mais antigas e veneráveis dinastias javanesas foram os
Sanjayas, que tinham demonstrado igual fervor hindu sob o rei Sanjaya Canggal que decidiu erguer lingas (ou
lingams, em sânscrito, िल ग◌ं ) [1073] em homenagem a Xiva, Brahma e Vixnu a partir de 732 e depois em Prambanan.
O rei de Sanjaya, assim como outros regentes posteriores no arquipélago indonésio e malaio, patrocinaram a
construção desses monumentos visando legitimar-se como encarnações ou descendente das divindidades.
O complexo de templos de Prambanan (fig.) indica-nos de que houve um tempo na região central javanesa de
que os cultos oficiais eram voltados aos deuses hindus, especificamente Xiva, popular entre as regiões meridionais
indianas. Prambanan demandou décadas até ser completada e permanecem 244 templos do seu imenso complexo. O
maior desses é dedicado a Xiva e de outros locais a servir de mausoléu aos regentes tal como observamos em
Angkor com os reis khmers.

Fig. - Prambanan na ilha de Java.

Na construção de Borobudur (fig.), que durou de 778 a 824, constatamos que houve uma mudança de orientação
religiosa e política javanesa para a fé budista. Apoteose do budismo, Borobudur em termos arquitetônicos é singular
na ilha de Java e de outras partes do mundo. O complexo foi construído numa colina inteira, com mais de setenta
estupas dipostas em forma concêntrica. Seus relevos e caminhos objetivam levar o visitante e peregrino ao processo
de iluminação (nirvana), através do ensinamento das limitações e sofrimentos do processo cármico dos
renascimentos (samsara) a ser rompido.

Fig. - Templo de Borobudur. Um dos maiores complexos de templos do mundo e herança da arquitetura budista para a humanidade.

Quando a Dinastia Sailendra ascendeu ao poder no início do século 7, seu reino era ainda apenas um reino entre
muitos na região central de Java. Ao invés de tentar subjugar os reinos vizinhos, os reis de Sailendra buscaram
contatos e alianças internacionais e ergueram Borobudur visando projetar a região como local de atração e
peregrinação budista mundial. Os laços com Srivijaya foram logo estabelecidos, visto que as duas cortes
endossavam a mesma religião. Há relatos de que por volta de 850, os laços de desses dois reinos resultaram num
príncipe de Sailendra no trono em Palembang.
O comércio dos Sailendras parece ter se concentrado mais no excedente cultivo do arroz demandado por toda a
região do sudeste asiático. O declínio dessa dinastia javanesa se deu no século 10 e ainda é inexplicado. Mas
certamente houve um gradativo deslocamento de poder mais para o leste de Java na época, centrado na bacia do rio
Brantas. Nessa região, na década de 930, um rei chamado de Mpu Sindok (r. 929 - 947) começou a promover a
migração de camponeses e mercadores para seus domínios e portos fluviais. E foi durante o reinado desse rei que o
épico indiano, Ramaiana, foi traduzido pela primeira vez para a língua javanesa. Esse épico retrata as façanhas
heroicas de Rama, uma das encarnações do deus Vixnu, a derrotar as forças demoníacas. Nesse processo, Rama com
a ajuda do deus macaco Hanuman, sobrepõe-se aos rivais do demônio Ravana no Sri Lanka. A tradução dessa
magnífica obra trouxe prestígio e visibilidade ao hinduísmo em Java e permitiu depois a sua propagação para a ilha
vizinha ao leste, em Bali, única ilha indonésia atual que mantém as tradições dessa religião.
Bali, na verdade, foi incorporada na órbita cultural javanesa por um rei chamado Erlanga (ou Airlangga) (991 -
1049) (fig.). Nascido por volta do ano 1000, foi filho do rei Udayana e da princesa Mahendradatta, tataraneta de
Mpu Sindok. Na sua jeventude, Erlanga casou-se com uma das filhas do rei Dharmavamsa (r. 990 - 1006), um dos
mais poderosos regentes javaneses orientais do reino de Medang. Em 1016, houve uma grande invasão de Srivijaya
na região oriental de Java, e os líderes vassalos de Dharmavamsa começaram a proclamar suas independências,
dando efetivamente fim do reino de Medang.

Fig. - Erlanga retratado como o deus Vixnu montado no seu veículo, Garuda.

Foi nesse cenário de desagregação política javanesa e de invasores estrangeiros na ilha que Erlanga começou sua
regência. Foram trinta anos até que seus esforços dessem frutos, a restaurar num novo reino javanês chamado de
Kahuripan em 1037. Kahuripan é nome da capital do reino que durou apenas até 1045, e ainda hoje sua localização
permanece um mistério arqueológico. A extraordinária vida de Erlanga demonstra que era devoto de Vixnu,
tolerante aos cultos budistas, e promoveu amplamente obras de controle hídrico essenciais para safras mais frutíferas
da ilha javanesa. Ao conter as enchentes do rio Brantas e outros da região, Erlanga conseguiu ampliar as terras
cultiváveis. Ao conquistar Bali, Erlanga aparentemente conseguiu devolver ordem e prosperidade na ilha e ajudou a
consolidar nela as crenças hindus.
O maior legado de Erlanga, contudo, foi a abertura dos portos de Java oriental para o comércio internacional. Foi
durante seu reinado que houve registro de estrangeiros e mercadores em Java. Evidências arqueológicas de época
mostram a presença de árabes, chineses, malaios e indianos, tornando Java uma presença a rivalizar com Srivijaya
em Sumatra. A partir de 1042, Erlanga parece ter cansado da vida política e se retirou para se dedicar a um mosteiro
budista. Dois anos depois morreu e suas cinzas se encontram numa fonte perto do Monte Penanggungan, em Java
oriental [1074].
Após Erlanga, ascendeu em Java um reino em 1044 no curso inferior do rio Brantas chamando de Kadiri. Isso
ocorreu devido à proeminência dos seus reis em tornar o reino numa potência organizada, próspera e voltada ao
comércio marítimo e culto divino dos seus regentes. Erlanga tinha sido considerado na história javanesa como o
único raja (ou rajá, राजन◌् ), figura de significado imperial a combinar autoridade religiosa e secular. Os soberanos
de Kadiri tentaram evocar tais precedentes nos anos posteriores no século 11 e 12.
Em outra região no leste de Java, outro reino originou-se distante das pretensões reais como em Kadiri. Ken
Arok (? – 1227), um aventureiro, conseguiu casar-se com a esposa de um falecido regente e assumiu o trono de um
reino chamado de Singhasari em 1221. Mas sua projeção não foi significativa em Java oriental. Nem mesmo durante
o longo reinado de Kertanagara, que reinou de 1263 a 1292, apesar deste ter se tornado uma figura divinizada depois
de sua morte. Talvez o evento mais significativo de seu governo foi ter insultado enviados mongóis chineses da
Dinastia Yuan na sua corte em 1289. Considerando-se invencível, mandou tatuar os rostos dos representantes e
mandou-os de volta para sua terra natal em Pequim. Kertanagara tinha conseguido expandir a presença javanesa para
a ilha de Sumatra quando tinha atacado Palembang de Srivijaya em 1272, partes da península Malaia, Bornéu e Bali.
E talvez tenha enxergado que seu próximo grande rival era o imperador chinês mongol e fundador da Dinastia Yuan,
Kublai Khan (r. 1260 – 1294).
O imperador Kublai Khan, no entanto, se ressentiu da presença de Kertanagara no sudeste asiático e mandou
uma esquadra de mais de mil navios para intimidar o rei de Singhasari. Tendo conseguido várias vitórias navais, a
frota mongol chegou a desembarcar perto da atual cidade javanesa de Surabaia, e as forças de Kublai Khan
marcharam em direção à corte de Kertanagara. Surpreendemente, um cunhado do rei javanês, Raden Vijaya (r. 1293
- 1309), convenceu os mongóis de que ele seria a solução para a crise entre os dois reinos e passou então a ocupar o
trono de um novo reino com capital em Majapahit (mapa) [1075], permitindo o saque e pilhagem de tesouros javaneses
como recompensa às ofensas feitas aos mongóis.

Mapa - Localização da fundação do reino de Majapahit, na ilha de Java.

A fundação do reino de Majapahit é controversa. Pois relata-se que o seu verdadeiro fundador foi Kertanagara,
descrito pelo monge budista, Mpu Prapanca, como regente exemplar no seu épico, Nagarakretagama, de 1365. Por
outro lado, há narrativas que consideram o rei javanês como um degenerado, bêbado e mulherengo, como é narrado
no livro Pararaton, “Livro dos Reis”, do século 15. Talvez o maior trunfo de Kertanagara tenha sido declarado
como um jina, termo javanês que designa alguém que tenha alcançado a iluminação. Na obra poética javanesa
Kukawin Sutasoma, esse rei aparece como uma figura divina e exemplo de vida perfeita.
Mas as raízes de Majapahit se encontram na decadência do reino de Singhasari. Kertanagara tolamente
desconsiderou a ameaça mongol e isso definiu o futuro do reino de Majapahit para os mares do mundo a lidar com
os mongóis da dinastia chinesa Yuan. Majapahit, a nova capital, foi fundada a cerca de 40 km da costa, perto de
Surabaia atual. Por ter aceitado a ajuda mongol, Raden Vijaya tornou-se tributário dos mongóis e foi afortunado pelo
desinteresse no comércio marítimo do sucessor de Kublai Khan em Pequim, Temur Khan (r. 1294 - 1307). Para
manter as boas relações, Rajen Vijaya mandou várias missões de tributo para Pequim, e o retorno foi uma relativa
época de paz e ordem marítima no sudeste asiático, beneficiando o comércio de Majapahit. Assim, o reino javanês
pode expandir sua presença pelo Oceano Índico a atender a interminável demanda mundial por especiarias (mapa).
Mapa - O vigor do comércio asiático antes da chegada dos europeus. Auge do império de Majapahit no século 14.

A sucessora foi sua mãe, Rajapatni, descendente de Kertanagara, que depois foi sucedida pelo seu neto, Hayam
Wuruk (r. 1350 - 1389). Nesse período de incertezas de sucessão, destacou-se um famoso ministro, Gajamada (? -
1364), que lidou com habilidade os assuntos políticos e administrativos do nascente império de Majapahit.
Gajamada, agindo em nome dos regentes reais, conseguiu assegurar o predomínio em toda a Java oriental e também
expandiu a presença sobre a ilha vizinha de Madura. Nomeou para as províncias familiares e aliados confiáveis que,
a partir de 1343, chegou a incluir Bali. O representante italiano enviado do papa, Odorico de Pordenone (1265/1270
- 1331), chegou a se impressionar com a influência de Majapahit, descrevendo o palácio real como nada a dever aos
outros grandes do mundo.
A extensão do poder de Gajamada é descrito por Prapanca, que diz que sua política mudou de vez os antigos
costumes em Bali. Essa ilha, a partir de então, passa a ser considerada parte do império de Majapahir em Java.
Apesar do que nos conta Prapanca, foi preservada em Bali toda a estrutura de poder de famílias poderosas locais que
eram hindus. E foi por meio do hinduísmo que passou a ser canalizado toda as cerimômias de poder e pompa
balinesa, sempre a reafirmar a divindade dos regentes como eixo primordial do mundo.
Gajamada tornou Majapahit num império sucessor de Srivijaya, na medida em que expandiu sua presença por
várias ilhas e portos do sudeste asiático, desde Sumatra até a Nova Guiné e as Filipinas. Regularizou o lucrativo
comércio das especiarias no século 14 e colecionou tributos de reino submetidos. Oficiais chineses notaram com
espanto o largo uso de moedas de cobre, prata e ouro em grandes quantidades nas transações comerciais na capital.
A pimenta sempre foi demandada para o mercado chinês e Mahapahit beneficiou-se desse comércio em troca do
cobre. Ouro e prata vinham das demandas por especiarias do Oriente Médio e Europa.
A queda dos mongóis em Pequim em 1368 marcou uma virada para o destino de Majapahit, pois a nova dinastia
chinesa, Ming (1368 – 1644), escolheu Palembang como o representante tributário chinês. Assim, o comércio com a
China sob nova dinastia reativou o Estreito de Malaca como o foco central do comércio marítimo do sudeste
asiático, e diante disso, a prosperidade de Majapahit declinou com o passar das gerações. Nesse meio tempo,
começou a ganhar proeminência o ancoradouro em Malaca na costa ocidental da península malaia (mapa), nome o
qual depois se dará o nome do estreito marítimo ao leste de Sumatra. Ascendeu como regente desse novo porto,
Paramesvara (ou Iskandar Shah) (r. 1402 - 1414), um nativo de Palembang e marido de uma princesa de Majapahit
que tinha expulsado povos tais da ilha de Cingapura mais ao sul da península. Em 1389, Paramesvara decidiu fugir
de Cingapura depois de ter sido difamado por inúmeros casos de adultério, de acordo com os anais malaios, o
Sejarah Melayu dos séculos 15 e 16.
Mapa – Máxima extensão do Sultanato de Malaca em fins do século 15.

No início do século 14, o fim de Majapahit estava claro depois de uma série de conflitos internos de sucessão e
Malaca tornou-se cada vez mais independente e a servir de principal entreposto do comércio do sudeste asiático.
Paramesvara estabeleceu-se como regente e, por ter se convertido ao Islã em Cingapura, tornou-se o sultão de
Malaca. E por ter recebido o grande almirante Ming chinês, que era muçulmano, Zheng He (1371 - 1433) em 1405,
o sultão ganhou o título de rei de Malaca pelo imperador Yongle (r. 1402 - 1424).

Ava, Lanna e as Dinastias Toungou e Konbaung (Século 13 d.C. – 19)


Em 1287, os tempos pareciam turbulentos na corte birmanesa. No ano, o príncipe Thihathu envenenou seu pai, o
rei Narathihapate de Pagan e três de seus irmãos. O trunfo de Thihathu foi breve, contudo, pois as sublevações
atormentaram seu reino ao ponto do regente se matar com uma flecha. Um de seus sobrinhos tentou depois
reassegurar a sobrevivência da autoridade em Pagan e chegou a sondar alianças com os chineses ao enviar tributos,
mas os shans estavam impacientes e, em 1365, resolveram fundar um reino independente com capital em Ava, a
montante do rio Irauádi (mapa).
Mapa - Reino de Ava e arredores por volta de 1450.

Os shans, nesse sentido, passaram a perseguir os aliados de Pagan e os budistas, saqueando os templos,
mosteiros, e provocando uma grande migração desses para a região do vale do rio Sittang, em Toungou (ou
Toungoo). Foi esse local que depois se tornaria o futuro núcleo de um poderio birmanês que conquistaria toda a
região meridional do país, em meados do século 16 com a capital em Pegu.
Um dos fatores crucias de mudança no cenário comercial e militar birmanês na época foi a chegada de
portugueses no século 16. Em 1511, os portugueses tinham capturado a cidade de Malaca e assim todo o comércio
asiático marítimo, dominado pelos muçulmanos, desviou-se e centrou-se a partir do Sultanato de Aceh, no norte de
Sumatra. Aceh comerciava com a região meridional birmanesa, ou a Baixo Birmânia, atraindo para essa região
numeroso contigente de mercadores muçulmanos e indianos. Na década de 1550, já havia bairros muçulmanos
inteiros, com sua própria mesquita na cidade de Pegu, esta se tornando um dos principais entrepostos comerciais da
Baixa Birmânia na região meridional.
A contribuição portuguesa decisiva, contudo, foi de cunho militar. Por volta de 1530, soldados e mercenários
portugueses ofertaram seus serviços para regentes birmaneses locais que viram que seus armamentos de fogo
poderiam ser superiores aos canhões fornecidos pelos indianos e chineses. Tabinshwehti (r. 1530 - 1550), foi o
primeiro líder da Baixa Birmânia, de uma nova dinastia chamada de Toungou (1486 - 1599), que começou a usar
tais novos armamentos e soldadesca europeia em combate. E, de fato, as novas táticas em campo e armamentos
provaram ser superiores em termos de precisão e rapidez de disparo.
Seguiram anos de notável expansão da Dinastia Toungou em direção à costa birmanesa. Já na década de 1550,
Tabinshwehti e seus sucessores, com o uso de novos armamentos e aliados, tinham criado o maior império da região
desde a queda de Pagan em 1287.
A Dinastia Toungou floresceu com o domínio de toda a região da Baixa Birmânia e seu lucrativo acesso aos
mares asiáticos, e ao interior pelas grandes vias fluviais. Tabinshwehti, assim, concretizou seu plano de buscar
dominar as regiões meridionais, ignorando os confrontos com os shans mais ao norte da região de Ava. Nessa sua
estratégia meridional, o regente de Toungou conseguiu dominar a cidade de Pegu em 1539 [1076], local para onde
mudou toda a sua corte e tornando-a como capital. Após essa conquista, o rei passou a patrocinar e promover a
cultura mon local, e o controle da próspera cidade permitiu ao reino de Toungu organizar mais exércitos contra
forças rivais da região e da costa. Com o uso de canhoneiras portuguesas, as ofensivas a favor de Tabinshwehti
conquistaram Muttama em 1541, Prome em 1542 e repeliu um ataque dos shans em 1544, conseguindo com isso
isolar esses do acesso ao comércio e contato com os estrangeiros.
Contudo, a cidade de Chittagong, na costa oeste birmanesa, resistiu bem aos ataques e sítios. Não somente ao
exército de Toungou como também aos portugueses. Os soberanos dessa cidade deveram lealdade ao reino de
Arakan, cuja dinastia rivalizava com os Toungous. E a prosperidade de Chittagong vinha de seu acesso portuário e
para a região indiana de Bengala mais ao oeste. Os reis de Arakan, apesar de serem budistas, adotaram títulos
muçulmanos, uma curiosa prática a agradar e manter as ligações com os imperadores muçulmanos mogóis indianos
dos quais dependiam para o comércio e alianças políticas.
O envolvimento de Arakan com o império mogol resultou no asilo de Shuja, um dos irmãos perseguidos pelo
imperador mogol Aurangzeb (1618 - 1707), o mesmo que tinha aprisionado seu pai, Shah Jahan, numa cela a passar
o resto de seus dias a contemplar o mausoléu construído, o Taj Mahal, em Agra. Shuja, uma vez na corte de Arakan,
tentou subornar alguns líderes e ministros mas acabou sendo descoberto pelos monarcas locais e foi executado em
1661. Nesse meio tempo, o governador de Bengala, aliado a Aurangzeb, tinha invadido o reino de Arakan e
capturou a cidade de Chittagong em 1666 [1077].
Depois de repelir os shans em 1544, o rei de Toungou, Tabinshwehti, decidiu investir contra o reino de Arakan e
Ayutthaya, um reino dos tais mais ao leste. Aparentemente, o soberano birmanês almejava controlar o comércio de
toda a região, mas ambas campanhas falharam miseravelmente. Em ambas as cidades, os mercenários portugueses
empregados apresentaram notável resistência nessas cidadades fortificadas. O sucessor de Tabinshwehti,
Bayinnaung (r. 1550 - 1581), pela mesma razão, desistiu de sitiar a cidade de Prome. A morte de Tabinshwehti tinha
sido feita por seus guardas da etnia mon em 1550, e Bayinnaung cedo aprendeu de que não deveria descuidar dos
assuntos da corte, mesmo envolvido em longas campanhas fora da capital do reino.
Bayinnaung, no início de seu reinado, teve que se concentrar em retomar a cidade de Pegu, que tinha sido
tomada por um líder local, Smim Htaw, e proclamado sua autonomia. O regente birmanês tomou a próspera cidade
em meados de 1552 depois de um longo sítio diante de suas muralhas e com o uso de numeroso contingente de
shans, mons e alguns portugueses. Um ano antes, Bayinnaung, contando com a lealdade de muitos soldados tais
aliados, expandiu seu império ao tomar a cidade de Ava depois de cinco dias de bombardeio de artilharia. Logo
depois, o regente voltou sua atenção mais para o leste, para a capital do reino Lanna, Chiang Mai. Esse reino tai
sucumbiu somente em 1558, inaugurando dois séculos de suserania birmanesa.
A dominação do reino Lanna serviu ao propósito dos reis birmaneses de Toungou para lançar ataques posteriores
contra Ayutthaya, mais ao sul. O que não revelou ser uma tarefa fácil. Ayutthaya caiu diante de Bayinnaung por
duas vezes, em 1546 e 1549, fazendo excelente uso da artilharia contra as muralhas defensivas da cidade. Mas
sempre houve viva resistência dos tais locais, resultando em repetidas rebeliões e retomada de Ayutthaya do controle
birmanês. Outras regiões também foram alvo do expansionismo de Bayinnaung, como a de outro reino tai ainda
mais ao leste, Lan Xang, atualmente no Laos, entre os anos de 1568 e 1570, e contra um reino shan ao oeste na
fronteira com a Índia Mogol, Manipur, que acabou se rendendo em 1560. O império de Toungou vivia seus
momentos de auge (mapa).
Mapa - O império birmanês de Toungou (Taungoo), em seu auge, cerca de 1580.

Logo após a morte de Bayinnaung, contudo, vieram as causas do declínio da Dinastia Toungou. O sucessor no
trono, Nandabayin (r. 1581 - 1599), de acordo com as crônicas birmanesas, tornou a tomada definitiva de Ayutthaya
sua obsessão que o fez onerar demasiadamente os cofres de seu reino e ignorar todos os outros assuntos de estado. A
sua raiva contra Ayutthaya vinha de um príncipe tai, Naresuan, que tinha vivido em Pegu durante seus anos de
cativeiro e observado a fragilidade política do império de Toungou sob Nandabayin, que não se concentrou em
manter as lealdades políticas de líderes e regentes locais vassalos pelo império. Aproveitando-se desse cenário,
Naresuan, desafiou a autoridade de Nandabayin e proclamou a indepedência de Ayutthaya em 1592, que resultou
numa ampla guerra entre os dois regentes. Ao final dos conflitos, os birmaneses foram derrotados em Nong Sarai, a
120 km de Ayutthaya.
Depois de Nong Sarai, Nandabayin passou a concentrar todos seus esforços a vingar a sua ignominiosa derrota,
mas a sua rede de lealdade começou a se desfazer. Muitos líderes e aliados se recusaram a mandar seus homens,
outros desertaram quando em marcha. E talvez o maior sinal da decadência do seu reinado adveio com uma praga
que devastou os campos e o arroz estocado, provocando uma onda geral de fome e descontentamento em 1594.
A gota d'água veio para o reinado de Nandabayin quando este decidiu lançar mais outra campanha contra
Ayutthaya em 1599. Como resposta, muitos vassalos se rebelaram, outros proclamaram suas independências da
dominação Toungou, como Pegu, que tinha buscado aliança contra outros rebeldes em Arakan e mesmo os tais de
Ayutthaya. A aliança com Arakan foi crucial, pois permitiu o bloqueio costeiro e naval contra qualquer contato
marítimo de Nandabayin.
A morte de Nandabayin ocorreu no fim do referido ano, cessando os conflitos contra Pegu. O império Toungou
entrou, depois, num longo processo de desagregação política. Em Ava, no norte birmanês, um dos filhos de
Nandabayin, Nyaungyan, tomou o poder. Uma filha do falecido regente foi tomada pelos arracaneses para servir no
harém real. E na cidade de Siriam (ou Sirião), na Baixa Birmânia, que tinha sofrido durante os conflitos, foi tomada
por mercenários portugueses em 1601 sob o comando de um aventureiro chamado de Filipe de Brito e Nicote (1566
- 1613) (Nga Zinga, entre os birmaneses), que buscou fama e fortuna nas terras birmanesas da época.
Foi o filho de Nyaungyan, rei de Ava, Anaukpetlun (r. 1605 - 1628), que restaurou a Dinastia Toungou
novamente no século 17. Este, quando ainda príncipe, tomou o controle do palácio em Ava e proclamou-se rei antes
dos seus irmãos e familiares ao saber da morte de seu pai em 1605. Ao tomar o trono, o novo regente de Ava buscou
novamente submeter todos aqueles que antes tinham jurado lealdade ao império Toungou. Uma das primeiras
iniciativas de Anaukpetlun foi confrontar os rebeldes shans ao norte, um dos mais poderosos reinos birmaneses, para
depois consolidar sua dominação na próspera região meridional.
Nos primeiros anos de seu governo, Anaukpetlun atacou a cidade de Prome e, em 1610, organizou uma ampla
ofensiva contra seu primo, Natshinnaung em Toungou, que se rendeu quase sem resistência. Ao descobrir que seu
primo continuou conspirando com alguns portugueses, este foi prontamente capturado e morto. Com relação à
Arakan e seus aliados, Anaukpetlun teve que lidar com os portugueses sob comando de Filipe de Brito que tinha
tomado o controle de Siriam e de quase todo o delta do rio Irauádi. Este aventureiro europeu prosperou
enormemente com o controle do comércio birmanês com as rotas marítimas e do vácuo de poder que tinha assolado
a região em fins do século 16. E nesse sentido, acabou tendo a autorização do governo português em Goa, na costa
oeste indiana, o chamado Estado da Índia, e montou uma alfândega na cidade, visando taxar as relações entre a
Baixa Birmânia, a Índia e o arquipélago indonésio. Para tanto, foi agraciado com um título vitalício e hereditário,
dando-lhe acesso a nobreza da sociedade portuguesa.
Em 1612, Filipe de Brito aliou-se aos regentes de Martaban, vassalos de Ayutthaya, e atacou em conjunto a
cidade de Toungou. A queda dessa cidade convenceu Anaukpetlun de que algo deveria ser feito para deter o
europeu, cujos domínios impediram o acesso à costa birmanesa. Em 1613, Anaukpetlun atacou as forças de Brito e
acabou tomando o controle do forte de Siriam. O português foi capturado e, por ter cometido sacrilégios contra os
templos budistas, foi empalado numa estaca de ferro. A esposa do português, Luísa de Saldanha, recusando fazer
parte do harém do rei birmanês, virou servente do palácio real. Os soldados de Brito foram poupados e depois
serviram como responsáveis hereditários, chamados de bayingyi, pela artilharia do reino de Toungou [1078].
O destino de Siriam demonstrou os limites da atuação europeia quando confrontados com forças organizadas
asiáticas da época. Pois Portugal, apesar de terem sido pioneiro na presença no continente, nunca teve disponível
grande contingente de homens a povoar e controlar além de portos e cidades costeiras estratégicas na Ásia. Há
estimativas de que o Estado da Índia, como era chamado o império português pela Ásia, não tinha mais do que 10
mil homens [1079].
O império de Toungou, restaurado, na primeira metade do século 17, resultou num estado muito mais
centralizado e organizado, a evitar as desagregações de vassalos como ocorreram no passado. Até mesmo as
instituições budistas foram controladas e taxadas, a evitar seu excessivo fortalecimento. E todos aqueles pertecentes
às famílias nobres e altas autoridades religiosas deveriam residir na capital, Ava. Os estrangeiros, depois de Brito,
foram vigiados quando não eram evitados e expulsos de qualquer contato com o império, conferindo a Ayutthaya
como novo palco da presença europeia na região do sudeste asiático a partir de então.
O sucessor de Anaukpetlun, Thalun (r. 1629 - 1648), coroado em 1629 como o oitavo rei da Dinastia Toungou,
continuou com a política de seu pai em estender a hegemonia pelas regiões birmanesas. Buscou valorizar mais a
cultura birmanesa em contraste com os a dos mons que até então tinham influência predominante na corte do
império. Foi durante seu reinado que o império de Toungou começou a revelar suas fissuras na estrutura política.
Uma vez centralizado, o império tornou-se excessivamente grande e burocrático, com muitos cargos administrativos
sendo ocupados por ministros e conselheiros. E foram entre esses que as intrigas contra o trono foram elaboradas.
Em 1648, Pindale sucedeu Thalun, e esse regente foi incapaz de conter a sua corte, sendo eventualmente
destituído do trono em 1661. Pindale teve uma série de infortúnios na sua vida, pois foi acusado de não pertencer à
família real por ter nascido de uma das concubinas de seu pai. Ademais, na esfera externa, Pindale enfrentou
incursões dos chineses sob nova dinastia desde 1644, a Qing, nas regiões setentrionais birmanesas. Essa série de
desastres desgastou a legitimidade de Pindale, que depois acabou sendo afogado por um meio-irmão seu, Pye, no rio
Chindwin.
Esse golpe em 1661 provocou uma mudança de lealdades no império de Toungou. O novo rei, Pye, acabou sendo
influenciado por aqueles que o ajudaram a chegar ao trono imperial: ministros, líderes e conselheiros da corte. A
figura do rei, em suma, tornou-se uma mera peça a ser manipulada a atender os interesses políticos. No trono
subsequente de Pye, Narawara (r. 1672 - 1673), que governou por nem um ano devido às suas doenças, estava
evidente que o palácio real de Ava não era mais do que uma mera sombra da grandeza de seus antepassados. E disso
decorreram décadas de instabilidades e emergência de múltiplos centros de poder a rivalizarem entre si pelo domínio
birmanês. Cidades foram fortificadas e muralhadas a proteger de inimigos e bandidos. O último da Dinastia
Toungou, Maha Dhamma Yaza (r. 1733 - 1752), tentou mais uma vez retornar o efetivo poder para Ava, mas o
declínio era evidente. Pois em 1752, a capital fora invadida e saqueada por uma fulminante esquadra que tinha
subido o rio Irauádi.
Alaungpaya (r. 1752 – 1756), um birmanês natural de Shwebo, foi quem fundou uma nova dinastia, a de
Konbaung, em abril de 1752. Descendente de famílias nobres locais, Alaungpaya começou em meados do século 18
a reunificar e revigorar a unidade imperial birmanesa uma vez mais. Suas primeiras vitórias nesse sentido foram
militares, a começar pelo norte do país, para depois recompensar seus soldados e aliados com terras e controle de
recursos naturais. Para recompor a estrutura administrativa, jurídica e religiosa, Alaungpaya concedeu aos antigos
integrantes do governo de Toungou. Na Baixa Birmânia, Alaungpaya encontrou notável resistência dos mons e uma
de suas cidades, a de Siriam, apresentou longa tenacidade no uso de canhoneiras francesas de embarcações francesas
de Pondicherry, na Índia Francesa, que estavam ancoradas na cidade. Foi uma benção inesperada a captura desses
armamentos por Alaungpaya em 1757 e alguns desses franceses capturados foram depois admitidos como altos
funcionários militares a serviço da nova dinastia birmanesa.
Revigorado depois de Siriam, Alaungpaya depois passou a fustigar a cidade próxima de Pegu, uns 50 km ao
norte de Siriam. Foram necessários cinco meses de sítio para capturar a capital dos mons. A ferocidade do saque e
pilhagem foi um dos maiores fatores para a quase total obliteração dos monumentos culturais dessa histórica cidade
na Baixa Birmânia. Dois anos depois, em 1759, Alaungpaya, uma vez senhor inconteste de toda a região meridional,
passou a avançar para cima das terras dos tais, ao leste. A capital dos tais, Ayutthaya, foi sitiada por anos a partir de
1760 que somente foi capturada sete anos depois, com o resultado de um magnífico saque dos seus tesouros
imperiais [1080] (fig.). A capital tailandesa nunca mais seria a mesma. Na mesma época, houve tentativas de invasões
dos chineses a comando do imperador Qing, Qianlong, em 1765. Que resultou numa situação de impasse no norte
birmanês e a retomada das relações diplomáticas e envio de simbólicos tributos para Pequim nos anos subsequentes.

Fig. - Ruínas do que restou da capital Ayutthaya.

Essas vitórias não se traduziram em anos de paz para a Dinastia Konbaung. Em 1782, o quinto filho de
Alaungpaya, Bodawpaya (r. 1782 - 1819), tomou o trono de alguns de seus irmãos e primos que não tinham
apresentado talento político suficiente. Para tal, Bodawpaya perseguiu sistematicamente todos aqueles que poderiam
minar sua autoridade, dando vez a um selvagem massacre. Uma vez no trono, Bodawpaya mudou a capital do reino
para Amarapura (fig.), talvez a afastar-se de consipadores rivais em Ava. Não seria a última capital dos Konbaung,
pois em 1857, a capital seria novamente mudada para Mandalay.

Fig. - Retrato do antigo palácio imperial de Amarapura, em 1855.

Problemas advieram das relações com o reino de Arakan. Pois com esses, os birmaneses de Konbaung
começaram a se envolver contra os interesses dos britânicos, presente na fronteira logo ao oeste, na Índia. As
convivências com a Índia Britânica rapidamente se deterioraram quando as autoridades arracanesas buscaram o
apoio dos britânicos, e esses começaram a enxergar uma possível aliança dos birmaneses com os franceses a
ameaçar suas fronteiras na Índia. Ademais, Arakan era considerada como parceira comercial dos britânicos da
Companhia das Índias Orientais Britânica (CIOB) que administraram a partir de Calcutá. Vendiam vastas
quantidades de madeira (teca) para a crucial construção e manutenção de navios.
Foi nesse sentido que foi enviada para Amarapura uma missão britânica liderada por Michael Symes em 1795.
Mas que foi ignorada pela corte de Bodawpaya. Depois de uma segunda missão fracassada em 1813, Symes passou
a recomendar uma ação mais decisiva contra os birmaneses. As relações passaram a ser violentas a partir da década
de 1820. Foi o neto e sucessor de Bodawpaya, Bagyidaw (r. 1819 - 1837), que provocou uma reação bélica dos
britânicos, ao mandar perseguir sob comando de um de seus generais, Bandula, alguns fugitivos arracaneses em
Chittagong, então sob a proteção da CIOB. Como reação, em 1824, a cidade de Rangum na Baixa Birmânia foi
bombardeada por navios britânicos e ocupada. Uma vez na cidade, contudo, os britânicos não conseguiram avançar
mais ao interior, devido às condições adversas do clima e doenças tropicais.
Bandula, após essa conquista, buscou angariar e reagrupar suas forças a noroeste de Rangum, mas o general
acabou sendo morto pelos bombardeios dos britânicos em 1825. Os momentos decisivos ocorreram no ano seguinte,
quando houve o envio de navios encouraçados dos britânicos a partir de Calcutá. Um deles, o Diana, a que os
birmaneses chamaram de "o demônio de fogo", alcançou Amarapura navegando o rio Irauádi acima e logo foram
assinados os termos de paz. Os termos foram tão ultrajantes que provocou a ira de Bagyidaw e mandou castigar o
negociante birmanês. Foram cedidos os territórios de Manipur, Assam, Arakan e Tennaserim à supervisão britânica,
além do pagamento de quase um milhão de libras esterlinas da época. Assim foi concluída a chamada Primeira
Guerra Anglo-Birmanesa em fevereiro de 1826 [1081].

Lanna, Sukhothai, Ayutthaya e Sião (Século 13 d.C. – 19)


O cenário no sudeste asiático em fins do século 13 propiciou o surgimento de novos centros de poder. Em 1287,
Pagan e outros reinos birmaneses haviam entrado em colapso repentino com a chegada dos mongóis. Mais ao leste,
a autoridade dos khmers demonstrava uma decadência difícil de disfarçar. E foi ainda mais trágico para esses a
gradual ascensão na sua vizinhança dos tais durante o século 14.
As lendas tais remetem as suas origens ao deus Khun Borom, inventor da agricultura, artesanato, aprendizado,
rituais e costumes. Essa figura heroica reinou na região do norte vietnamita próximo a Dien Bien Phu e, de lá,
mandou seus sete filhos para governar sobre todos os povos tais no sudeste asiático. Esses povos incluiriam, além da
grande nação dos tais propriamente ditos, shans, khuns, lus, laos e yuans. E o destino desses dependeria de
habilidades agrícolas e bélicas.
Etnicamente, os tais parecem ter migrado da região meridional chinesa, em Yunnan [1082]. Com os conflitos e
perseguições feitas em meados do século 13 contra os mongóis, houve massivo deslocamento para outras regiões
mais ao sul, em direção ao sudeste asiático. Assim, foram estabelecendo inúmeras entidades políticas que ia desde o
Vietnã, através do rio Mekong e Chao Phraya até o Golfo de Martaban na costa birmanesa. Nenhum dessas unidades
teve proeminência a dominar seus vizinhos até a fundação de Ayutthaya em 1351.
Antes de Ayutthaya, o reino de Lanna foi fundado em 1296 por um líder dos tais chamado de Mangrai (r. 1292 -
1311), descendente de mons e khmers. Foi um rei astuto e inteligente, com rara sensibilidade e senso diplomático
que soube aproveitar a ocasião histórica na decadência do reino khmer de Angkor depois do reinado de seu último
efetivo líder, Jayavarman VII em 1218. Às custas dos khmers, Lanna expandiu e cresceu em seus domínios. Mangrai
revelou-se um estadista ao resolver as disputas entre dois reis, os de Phayao e de Sukhotai ao sul de Lanna.
Ademais, Mangrai conseguiu conquistar reinos antes dominados pelos birmaneses, quando invadiu o reino mon de
Haripunjaya em 1281. Oito anos depois, esse rei expandiu sua influência para a cidade de Pegu, a maior cidade mon
na Baixa Birmânia. Como consequência, o rei de Pegu ofereceu como sinal de aliança sua filha em casamento ao rei
de Lanna.
Das regiões setentrionais birmanesas, ou a Alta Birmânia, Mangrai mandou vir contingentes de artesãos
especializados para embelezar sua capital em Chiang Mai, atualmente uma das mais belas cidades no norte da
Tailândia. Com os chineses, Mangrai enfrentou uma invasão em 1301 de cerca de 20 mil homens. Ao final, essa
expedição chinesa produziu pouco efeito prático, a não ser normalizar as relações entre Lanna e Pequim, com o
envio periódico de tributos a partir de 1315 a manter as ligações comerciais e poíticas entre os dois reinos. Em 1311,
Mangrai chegou a falecer, acarretando um período confuso e incerto de crises de sucessão que perdurou até 1324
[1083]
. Lanna, ao final dessas instabilidades, sobreviveu mas viu-se diante dos crescentes conflitos entre birmaneses e
Ayutthaya, um poderoso reino tai que tinha se estabelecido no vale do rio Chao Phraya.
Ao sul de Lanna, o reino de Sukhothai (mapa) também passou por processo similar de construir uma rede de
alianças como a que foi feito por Mangrai. Em 1295, um enviado chinês reportou que Sukhothai tinha incorporado
vastos domínios antes pertencentes ao império de Angkor. E tal como o reino khmer, Sukhothai tinha abraçado o
hinduísmo e cultuou as figuras de Vixnu e Xiva, além dos cultos budistas.
Mapa - Reinos de Lanna (marrom), Sukhothai (laranja) e Ayuthhaya (verde) por volta de 1400.

A fortuna de Sukhothai parece ter mudado na década de 1320, um prelúdio para a ascensão de Ayutthaya. A
história começa nas províncias ocidentais do que era parte do império Angkor, centradas em Lopburi, que o regente
local buscou novas alianças longe do alcance de Angkor. Desde fins do século 13, líderes de Lopburi mandaram
missões de tributo para a China, almejando futuras alianças e possibilidades comerciais.
Lopburi foi liderada por um notável estrategista e aventureiro, chamado de U Thong (1314 - 1369). Nascido
numa próspera família de mercadores chineses, casou-se depois com uma princesa tai que lhe permitiu acesso às
cortes dos reinos locais e contato com as autoridades chinesas ao norte. Eventualmente, U Thong ascendeu ao trono
de Lopburi como rei Ramathibodi (r. 1350 - 1369), e após um surto de varíola, decidiu mudar sua corte para o vale
do rio Chao Phraya, em Ayutthaya. O nome da nova cidade soava propício, pois advinha da fortaleza do herói Rama
do épico indiano, Ramaiana. Os chineses, por sua vez, passaram a chamá-la de Xian, que os portugueses depois
adaptaram o termo para Sião.
O reino estabelecido de Ayutthaya consolidou sua posição com alianças táticas com Sukhothai, que tinha
permanecido independente até 1438 quando foi declarada como província de Ayutthaya. Tal aliança foi necessária
para combater os khmers de Angkor que tinham dado combate com os tais entre 1351 a 1431. Apesar dos
prolongados conflitos, a corte de Ayutthaya não escondia a admiração pela cultura khmer de Angkor, adotando seus
ritos, protocolos e tradições que irão marcar a cultura de Ayutthaya.
A sociedade de Ayutthaya era hierarquizada, presidida por membros de famílias nobres e oficiais nomeados pelo
governo. Os chineses, como comunidade estrangeira, sempre tiveram forte influência em Ayutthaya, principalmente
pela sua próspera classe comercial e contatos diplomáticos. No topo de toda a sociedade, consolidou-se a figura
quase divina do rei, como portador de certa essência do Buda, benevolente e impassível diante das mundanidades.
As obrigações dos altos oficiais foram definidas pelo rei Borommatrailokanat (r. 1448 - 1488), ou Trailok. Foi este
que adquiriu novos territórios para Ayutthaya e reorganizou toda a estrutura política e administrativa do reino. As
províncias passaram a responder diretamente a capital, centralizando todas as decisões e recursos do estado. Para as
lideranças locais, foram nomeados governantes da casa real e não mais a depender de famílias nobres locais. No
campo jurídico, as penalidades foram agravadas em caso de delito contra um funcionário do estado, visto como uma
ofensa ao próprio rei. Como resultado, Trailok cimentou a base de um sistema que iria perdurar por séculos na
sociedade tailandesa até as reformas ocidentalizadas no século 19 e da revolução de 1932 que aboliu a monarquia
absoluta.
No aspecto externo, Trailok foi desafiado por dois reinos tais rivais, Lanna e Lan Xang. Angkor já não
apresentava nenhuma séria ameaça na segunda metade do século 15. Os birmaneses sob a Dinastia Toungou ainda
não tinham se consolidado como potência ao oeste. Em Lanna, contudo, a ascensão do rei Tilokaracha (r. 1441 -
1487) em 1441 resultou na expansão rumo ao reino de Lan Xang, cuja capital localizava-se no curso médio do rio
Mekong, em Luang Prabang (mapa).

Mapa - Os reinos de Lanna (ou Lan Na), Lan Xang (ou Lan Sang) e Ayutthaya (Ayudhya) em 1540.

De acordo com as lendas laosianas, o filho do primeiro rei de Luang Prabang tinha fugido para Angkor para se
casar com uma princesa khmer, Keo Kaengkana. Ele era Fa Ngum (r. 1353 - 1372), um príncipe que reivindicava ser
descendente do deus dos tais, Khum Borom. Com a ajuda de soldados khmers, Fa Ngum conquistou amplas áreas do
vale do Mekong e, em 1355, instalou-se em Luang Prabang como rei de Lan Xang. Depois da morte da rainha, Keo
Kaengkana, Fa Ngum degenerou-se numa vida dissoluta, passando seu trono para seu filho, Samsenethai, em 1372
que passou a governar de maneira exemplar pelos próximos 43 anos.
O reino de Lan Xang sobreviveu livre de grandes conflitos do sudeste asiático muito por causa de sua localização
geográfica remota. Perigosamente próximo da China, alimentou-se de seu comércio e possíveis alianças a qual
sempre mandou missões de tributo. No entanto, não foram os chineses que provocaram mudanças no reino de Lan
Xang, mas os de Ayutthaya e birmaneses que resultou na mundança da capital do reino laosiano em 1563 de Luang
Prabang para um local mais seguro e distante, Vientiane.
Sukhothai, nesse meio tempo, tinha se rebelado contra Ayutthaya em 1462, justamente durante os conflitos deste
contra Lanna. Percebendo a importância de ser manter uma presença militar no norte de seu reino, Trailok de
Ayutthaya transferiu seu centro de decisões políticas para Phitsanulok, perto de Sukhothai, e nomeou seu filho,
Borommaracha Thirat III (r. 1488 - 1491), como regente em Ayutthaya e futuro rei até 1491. Trailok, em seus anos
finais, desiludido com as guerras contra Lanna, abdicou e retirou-se para uma vida monástica budista perto de
Phitsanulok.
Em 1488, Trailok morreu e Ayutthaya já se encontrava proeminente no continente asiático e tinha estendido seu
poder na esfera marítima, tornando Ayutthaya no principal fornecedor de arroz para Malaca, sobre o qual tinha
conseguido acordos de soberania. A tal ponto que os portugueses, quando chegaram em Malaca em 1511,
consideraram a cidade como vassala de Ayutthaya. A expansão de Ayutthaya também tinha ido para as regiões de
Tavoy e Tenasseriam, motivado para maior controle do comércio internacional da Baía de Bengala ao oeste.
Naturalmente essa expansão fez com que entrassem em conflito com os birmaneses, uma vez que a Dinastia
Toungou tinha conseguido reunificar o país. E foram contra esses que as guerras do século 16 resultaram no sítio e
destruição das proximidades de Ayutthaya em 1546 e 1569 pelo rei birmanês Bayinnaung. Foi somente sob
Naresuan em 1590, que os tais de Ayutthaya conseguiram autonomia maior frente aos birmaneses.
O maior conflito entre os tais e birmaneses se deu entre os anos de 1592 e 1593. Quando o rei de Toungou,
Nandabayin, desceu e conquistou a cidade de Kanchaburi, uns 120 km ao oeste de Ayutthaya. Naresuan decidiu
arriscar e mobilizou suas forças para o campo de batalha. Uma das testemunhas da batalha foi um português,
Mendes Pinto, que afirmou a convocação dos europeus em Ayutthaya para os conflitos pelo seu precioso
conhecimento de artilharia, foi em boa parte atendido visando os privilégios prometidos de generosa aposentadoria e
direito a terem uma igreja católica construída na capital.
Tendo isso, Naresuan avançou com suas tropas para Kanchaburi no início de 1593 (fig.). Apesar de estar em
número inferior aos de Toungou, Naresuan parece ter tido sucesso nas táticas em campo, numa formação de tropas
conhecida como a "matriz de lótus", a explorar e usar os flancos abertos a encuralar o inimigo em tempo oportuno.
Isso ocorreu em Nong Sarai, quando os tais conseguiram confundir os birmaneses e cerca-los após duras batalhas.

Fig. - Pintura mostrando a entrada triunfal de Naresuan na cidade birmanesa de Pegu em 1599, perto do Pagode de Shwemawdaw, ao fundo.

Tirando lições da batalha, Naresuan buscou empregar oficiais e mercenários europeus para usar os mais
modernos e eficazes armamentos, superiores aos fornecidos aos birmaneses pelos chineses e turcos. Com isso,
Ayutthaya importou significativo número de canhões e armas de fogo dos portugueses e europeus. Quando a capital
tai chegou a cair para os birmaneses em 1767, seu estoque de armamento continha mais de 22 mil mosquetes [1084]
De todos os reis de Ayutthaya, foi Narai (r. 1656 - 1688) que mais dedicou em manter as forças bélicas
tailandesas a par com o que havia de mais moderno. Apesar de Naresuan ter revitalizado Ayutthaya ao derrotar os
birmaneses em 1593, isso não significou plena independência nas décadas seguintes. Narai subiu ao trono em 1656
com o apoio de ricos mercadores muçulmanos e buscou sempre se informar e se inserir no tabuleiro internacional da
época. Buscou a ajuda de holandeses, mas também não descartou o interesse da Coroa Francesa no sudeste asiático.
Esses últimos europeus foram representados por um grego, Constatine Phaulkon (referido pelos portugueses como
Constantino Falcão) (1647 - 1688), que tinha chegado à capital tailandesa com a CIOB e passou a servir de tradutor
na corte de Narai. Foi útil ao fazer a ponte de contato entre os europeus residentes em Ayutthaya e o governo, e
serviu de conselheiro para a construção de pontes, fortificações e outras obras públicas. Pela sua contribuição, não
foi de se estranhar que o rei Narai passou a se interessar em contatar Paris para maiores assistências. Phaulkon, de
sua parte, alimentava a esperança de que o rei e sua corte converteriam-se ao cristianismo, algo que se revelou
equivocado pela profunda assimilação e popularidade do budismo entre a população tailandesa. Não era, portanto,
de interesse de um soberano se converter a uma crença estrangeira de pouca compreensão popular.
Os contatos com os franceses, contudo, apresentaram também problemas para Narai. Pois esses começaram a ser
vistos com desconfiança pela população e comunidade budista. Isso ficou evidente quando houve uma fracassada
defesa do porto de Mergui contra os britânicos em 1686. A temperatura subiu na corte em 1688, quando houve um
golpe pouco antes da morte de Narai. Um dos líderes mais proeminentes nesse movimento político foi Phetracha (r.
1688 - 1703) que passou a perseguir os seus rivais, os franceses e Phaulkon.
Phetracha contraiu matrimônio com uma filha de Narai, a princesa Sudawadi ou Yothathep (1656 - 1735), que
viveu longamente por cinco reinados. O casal real atuou como defensor e restaurador da cultura tradicional e
budismo tailandês. Isso foi reflexo de seu desgosto com os franceses e ingleses, que deixou apenas os holandeses
como potenciais parceiros comerciais. Todavia, mesmo esses começaram a ser, por vezes, problemáticos, uma vez
que Batávia, atual Jacarta, na ilha de Java, tornou-se centro das atenções das companhias de comércio de Amsterdã e
Roterdã. Poderia, portanto, naturalmente surgir desavenças com relação aos interesses entre os dois países no plano
de comércio asiático.
Apesar de ter sido um usurpador ao trono, Phetracha conseguiu se assegurar no trono até 1703 quando foi
sucedido por seu filho, Suriyenthrathibodi (r. 1703 - 1709). Mas a ordem e a paz somente retornariam para o reino
de Ayutthaya com a coroação do rei Thai Sa (r. 1709 - 1733). Foi durante esse último reinado que houve
crescimento e prosperidade comercial com a China que tinha aberto seus portos para o comércio de arroz em 1727.
Isso foi alavancado com os privilégios concedidos aos mercadores chineses em Ayutthaya que desbancaram os
holandeses mais interessados em defender o comércio javanês. Ademais, Thai Sa decretou éditos proibindo a
proselitização de padres católicos no seu reino, mas seu sucessor, Borommakot (r. 1733 - 1758), relaxou essas
restrições religiosas, permitindo-os até mesmo a visitar templos e estupas sagradas budistas, irritando alguns mais
intransigentes da comunidade budista e de sua corte.
Na época de sua sucessão, em 1758, houve novos conflitos políticos em Ayutthaya, que provaram ser fatais para
o reino. Pois foi nessa época que os birmaneses de uma renovada dinastia de Konbaung começaram a ter interesses
expansionistas. As lutas e desavenças chegaram a paralisar o comando centralizado do reino de Ayutthaya, que se
tornou fragilizado a invasões estrangeiras. A capital tailandesa quase foi capturada em 1760, se não fosse por um
mero golpe de sorte ao explodir os armamentos de fogo usados no sítio pelas tropas birmanesas, ferindo gravemente
o rei Alaungpaya e provocando sua morte no caminho de volta para as terras birmanesas. A tarefa da conquista
definitiva de Ayutthaya coube ao segundo filho de Alaungpaya, Hsinbyushin (r. 1763 - 1776), que tinha ganhado
experiência nos combates contra Lanna e Lan Xang nos anos anteriores. Logo antes da queda de suas muralhas aos
birmaneses, em 1767, Ayutthaya tinha sofrido anos de bombardeio e um incêndio que atingiu cerca de 10 mil casas.
Sem misericóridia, o exército birmanês, uma vez rompida as muralhas, estupraram, pilharam e saquearam seus
valores e tesouros culturais e religiosos. Milhares de tailandeses foram feitos prisioneiros e vendidos como escravos.
Ironicamente, a destruição e saque de Ayutthaya em 1767 resultou numa maior unificação dos tailandeses no
longo prazo, abarcando os reinos de Lanna e Lan Xang sob uma nova dinastia, a de Chakri, a partir de 1787, uma
das mais longevas do mundo atual. O fundador dessa nova ordem foi um líder, Sin, que tinha sido adotado por uma
família nobre tai. À época da invasão birmanesa, Sin estava servindo como governante da província Tak. Daí seu
nome para a posteridade, Tak Sin, ou Taksin. Depois da catástrofe de 1767, Taksin (r. 1767 - 1782) decidiu fundar
uma nova capital dos tais, Thonburi, às margens do rio Chao Phraya na sua margem ocidental. Na outra margem do
rio surgiria depois Bangkok.
Taksin assim proclamou um novo reino, chamado de Sião (Siam) a restaurar a glória de Ayutthaya, com a
presença cosmopolita de estrangeiros em sua corte, indianos, persas, chams, malaios e chineses. Seu empenho e
sucesso em batalhas contra os birmaneses asseguraram a vida inicial de sua capital, mas em 1779 estava claro que o
regente tai tinha se cansado da vida política e buscou se dedicar de corpo e alma à vida monástica budista. De tal
maneira que, ao final de sua vida, insistia em ser chamado por um nome santificado e aqueles que o recusassem
foram açoitados ou banidos ao trabalho forçado. Em 1782, Taksin encontrou uma morte violenta quando alguns
monges, membros de famílias tradicionais e mercadores chineses, todos descontentes com sua obsessão espiritual, o
colocaram num saco de veludo e espancado até a morte, a obedecer a tradição de que nenhum súdito podia tocar
diretamente e causar dano ao corpo de um rei tailandês [1085].
Um dos generais de Taksin, Phra Phutthayotfa Chulalok, então ascendeu ao trono em 1782 como Rama I (r. 1782
- 1809). E um de seus primeiros atos como rei foi mudar a capital para Bangkok atual, do outro lado do rio Chao
Phraya, a ficar mais distante dos possíveis ataques dos birmaneses ao oeste. Rama I, convencido de que a decadência
de Ayutthaya foi causado por negligência dos ensinamentos e estudos budistas e buscou patrocinar templos e
traduções para o tailandês de clássicos, como o Milida Panha, "As Questões do rei Milinda", corpo de texto escrito
em páli nos primeiros séculos de nossa era que deu início à tradição teravada do budismo. Além disso, o rei buscou
reformar todas as ordens monásticas, perseguindo práticas corruptas e exigindo a identificação de todos os monges
pelo reino. Ao fim de seu reinado, em 1809, o budismo tai havia assegurado uma coesão e unidade forte o suficiente
para conferir à Tailândia sua própria identidade nos séculos seguintes.
O reino de Sião conheceria um período de consolidação além de suas fronteiras, pois, com seu ativo
envolvimento no comércio asiático, colecionou diversos tratados de vassalagem com reinos menores. Um deles, o
do sultanato de Kedah ao sul, na península malaia, concedeu uma ilha, a de Penang, em 1786 a um britânico, Francis
Light, por ter protegido a região contra o ataque de piratas indonésios. Foi um gesto de gratidão e reconhecimento
do sultão, porém acendeu o sinal de alerta em Bangkok, pois Kedah tinha assim desrespeitado a suserania acordada
com o reino siamês. Aos olhos britânicos, Penang surgiu como uma base de ancoragem na região dos Estreitos,
passagem estratégica entre o Oceano Índico e o Mar da China Meridional. Os franceses, alguns anos antes, tinham
firmado acordos com o sultão de Aceh, para basear e ancorar seus navios no norte da ilha de Sumatra. Em 1794,
pouco antes da morte de Light, Penang já contava com milhares de residentes, muitos deles mercadores chineses e
muçulmanos que tinham fugido da dura política comercial implantada pelos holandeses a partir de Java. E foram os
holandeses que tinham dominado também toda a rota do Estreito de Malaca, pois tinham desde 1641 tomado o
controle de Malaca dos portugueses e, pouco antes dos britânicos em Penang, avançado seu controle sobre a região
central de Sumatra, em Riau.
A presença britânica e europeia começou a ser considerada como ameaçadora pela corte em Bangkok.
Especialmente depois da aquisição de Tenasserim após a Guerra Anglo-Birmanesa de 1824-1826. Uma ampla
fronteira foi formada com isso, entre os siameses e britânicos, mas o rei de Bangkok ficou aliviado ao tomar
conhecimento de que foi respeitada sua suserania sobre os estados malaios de Patani, Kedah, Kelantan e Trengganu
em momento posterior à morte de Francis Light. Em último momento, no início do século 20, somente seria
preservada a região de Patani aos siameses.
Apesar dos acordos anglo-siameses de 1826 terem estabelecidas as relações com os países ocidentais, a
desconfiança com os europeus em Bangkok fora sempre presente. Isso foi expressado por um dos sucessores no
trono em Bangkok, Nangklao ou Rama III (r. 1824 - 1851), que foi realista ao considerar o prospecto de evitar
quaisquer conflitos com os birmaneses e vietnamitas e a privilegiar as atenções com os países ocidentais, ainda mais
depois da esmagadora vitória desses na Primeira Guerra do Ópio (1839 - 1842) contra o império chinês.
Seu irmão, Mongkut, Rama IV (r. 1851 - 1868), conseguiu a façanha de preservar a soberania siamesa no duro
jogo imperialista europeu em meados do século 19 no sudeste asiático. A situação de seu reino estava longe de estar
tranquila, pois as regiões birmanesas e malaias foram gradativamente sendo incorporadas pelos britânicos e pelos
franceses vindos do Vietnã. Para regularizar as relações, foram assinados cruciais tratados em 1855 com os
britânicos e, um ano após, com os franceses, nunca a perder de vista as oportunidades comerciais, inclusive com
relação ao infame comércio de ópio levado a cabo pelos britânicos nas próximas regiões indianas, em Bengala, e
birmanesas.
Chulalongkorn, ou Rama V (r. 1868 - 1910) (fig.), sucessor de Rama IV, foi hábil em buscar explorar os temores
expansionistas de britânicos e franceses no sudeste asiático. E nesse sentido, o reino siamês passou a ser considerado
como um estado tampão entre as duas potências europeias, os britânicos ao oeste e sul, os franceses ao leste.
Chulalongkorn continuou a política de modernização ocidental implantada pelo seu pai e cultivou as boas relações
com os governos europeus, com particular cuidado com a presença de comunidades estrangeiras e missionários em
seu reino. Ademais, o rei adquiriu gosto por aprender as línguas europeias e importou livros e obras para se manter a
par das artes e ciências de fins do século 19. Seu interesse foi em grande parte despertado na sua criação por uma
governanta e tutora indo-britânica, Anna Loenowens (1831 - 1915). No restante de seu governo, Chulalongkorn
reformou amplamente a estrutura política e administrativa do reino siamês. Decretou o fim da servidão em 1905,
renovou a estrutura jurídica, militar e burocrática para mais próxima aos modelos europeus e buscou coibir as
práticas clientelistas e corruptas de seu governo. Em suma, foi durante os governos de Rama IV e Rama V que o
Sião conheceu, de 1851 a 1910, uma revitalização reformadora que preservou sua autonomia frente ao imperialismo
ocidental no sudeste asiático.
Fig. - Foto do rei Chulalongkorn ou Rama V em seus trajes cerimoniais.

Essa relativa independência, contudo, veio com um custo pesado a negociar os seus territórios antes dominados
pelos siameses com os britânicos e franceses. No Laos e Camboja, os franceses estabeleceram protetorados a partir
das decisões do monarca cambojano em 1863 em abdicar da suserania siamesa para favorecer os franceses. O rei
siamês foi obrigado a aceitar tal acordo, depois da demonstração de força de um navio canhoneira francês ter
ancorado na cidade cambojana de Phnom Penh. Em 1893, outra vez, canhoneiras francesas navegaram
ostensivamente pelo rio Chao Phraya a persuadir o governo em Bangkok a aliviar a suserania sobre o Laos (mapa).

Mapa - Regiões cedidas aos europeus do reino de Sião entre 1867 e 1909.

Angkor tinha perdido sua grandeza política desde 1431, quando os khmers passaram a se tornar vassalos dos
tailandeses. Eventualmente, a cidade principal khmer mudou-se mais para o sul, Lovek, não distante de Phnom
Penh, de onde podiam comerciar com as vias que o rio Mekong oferecia para a costa. O maior legado khmer talvez
tenha sido sua extraordinária cultura, herança passada para os siameses e presentes na arquitetura e artes tailandesas.
Angkor nunca deixou de ser atração para os cambojanos, pois há relatos de peregrinações budistas e hindus para
seus templos como o feito pelo rei cambojano, Ang Chan I (r. 1516 - 1566), antes de sua morte em 1566. Um
missionário português, Gaspar da Cruz (c. 1520 - 1570), que visitou Lovek na segunda metade do século 16, tinha se
admirado pela lealdade e respeito do povo khmer pelo rei e monges budistas.
Em fins do século 16, o rei cambojano Barom Reachea II (r. 1597 - 1599) buscou firmar acordos com outro
português, Diogo Veloso, que tinha prometido ajuda a partir de Madri, considerando que as duas coroas ibéricas
estavam unidas até 1640 e, em 1597, uma expedição sob comando de Veloso partiu de Manila, nas Filipinas, ao
reino cambojano. Quando chegou, Veloso encontrou com o rei deposto por um usurpador desconfiado de qualquer
presença estrangeira no seu reino. Depois de algum tempo, o segundo filho de Reachea II, Ponhea Nhom, chegou ao
trono e garantiu privilégios aos ibéricos no seu culto católico e concedeu uma pequena ilha a jusante de Lovek para
Veloso, onde este poderia erguer uma fortaleza e taxar o comércio fluvial na região.
A ideia de ter uma fortaleza e base no reino cambojano parece ter tido apelo na Espanha, que passou a mandar
homens e recursos para tal empreendimento. Em 1599, quando reforços espanhóis chegaram em Phnom Penh, o
contingente europeu desentendeu-se com a comunidade de malaios locais, durante o qual quase todos os ibéricos e
filipinos envolvidos foram massacrados. A partir de então, os reis cambojanos procuraram evitar maiores concessões
para os europeus nos seus domínios, preferindo privilegiar as relações com seus vizinhos budistas como os siameses
e o reino de Lan Xang ao norte. Lovek e Phnom Penh tornaram-se ao longo dos séculos 17 e 18 como entrepostos
comerciais do curso do rio Mekong e seus afluentes. Havia bairros separados para os mercadores chineses, malaios,
japoneses, árabes, indianos, indonésios e alguns portugueses e espanhóis. Boa parte dessas receitas ia parar nos
cofres reais, e a comunidade malaia e chinesa se beneficiou dos contatos comerciais e diplomáticos. No século 19, o
Camboja encontrava-se no meio das disputas entre vietnamitas e os siameses que tinham guerreado entre si entre
1841 e 1845 pela região. Terminou o reino cambojano sendo submetido a uma suserania dual e depois se tornou
alvo da cobiça dos franceses que tinha avançado em 1867 a partir do sul vietnamita, do delta do rio Mekong, da
região chamada de Conchichina.

Tonquim, Annam e Conchichina (Século 15 – 19)


As relações cordiais entre o Vietnã e a China da Dinastia Song foram interrompidas em 1407. Naquele ano, os
chineses atenderam as solicitações de intervenção feitas por um filho de um imperador vietnamita assassinado, cuja
morte acarretou em anos de confusão e conflitos civis pelo país. Mas a oposição aos chineses foi tamanha, no uso
bem-sucedido de táticas de guerrilha contra as forças de ocupação, que Pequim não teve outra escolha a não ser a
retirada e negociação em 1427.
Apesar disso, a influência chinesa revelou-se determinante no futuro vietnamita. Os regentes da Dinastia Le
(1428 - 1788) foram seguidores dos conceitos confucionistas, ainda mais entusiastas nesse sentido que seus
antecessores da Dinastia Tran (1225 - 1400), que tinham favorecido o budismo. Os vinte anos de ocupação chinesa,
de 1407 a 1427, parecem ter revitalizado o interesse em Confúcio, cujo pensamento serviu de baluarte ideológico a
manter a estrutura social e política vietnamita. O budismo, por sua vez, começou a ser encarado cada vez mais como
meio de salvação pessoal.
A dinastia vietnamita de Le estabeleceu-se cedo em 1428 depois da retirada chinesa, e provou ser a mais longeva
das dinastias do país por mais de 350 anos. Annam, como era chamada as províncias do norte do Vietnã pelos
chineses, somente recuperou seu vigor com o reinado de Le Thanh Tong (r. 1460 - 1497), talvez o maior soberano
vietnamita. A este líder foi atribuído a reintrodução do confucionismo, com a abertura de escolas provinciais e
distritais, e sua aura foi tamanha que muitos o consideraram como descendente de divindades e sua ambição
considerava Annam como reduzida demais para ele reger. Para tanto, buscou incorporar o reino indianizado de
Champa mais ao sul da costa com o apoio das autoridades chinesas em 1471 (mapa). Ao submeter o rei de Champa,
dizem as lendas que colocou sua cabeça na proa do navio ao navegar de volta das campanhas.
Mapa: A expansão vietnamita para o sul do século 10 ao 18.

Além de ter se estendido ao sul de Annam, Le Thanh Tong é celebrado por ter codificado um novo sistema
jurídico baseado no neo-confucionismo. Essa linha de pensamento foi formulada por Zhu Xi (1130 - 1200) que
buscou revigorar e adaptar as ideias de Confúcio aos novos tempos, a resgatar as verdadeiras virtudes e
comportamentos. Cabia ao valoroso respeitar a ordem hierárquica, a lealdade, piedade, a cultuar os ancestrais e zelar
pelos dependentes e descendentes. Isso tornou-se o pilar central da cultura chinesa que se alastrou pelo reino de
Annam. As obras do pensador chinês foram, depois de sua morte em 1200, reimpressas e adotadas nos centros de
ensino de Annam, tornando-se seu sustento ideológico. Para os delitos criminais, as punições tornaram-se menos
severas do que as anteriores, e foram considerados inadequados castigos físicos para doentes, deficientes e idosos.
Zhu Xi considerava as obras confucianas como suficientes para a plena elevação moral do indivíduo e que assim
poderia, através dos estudos, edificar-se para maior esclarecimento. Essa visão permitiu florescer centros de ensino e
adoção de exames nacionais a encorajar os candidatos ao estudo para o sistema de funcionalismo público altamente
prestigiado. Entre 1463 e 1509, nunca houve tantos candidatos nos exames palacianos na históra vietnamita. O
impacto social disso foi descrito na literatura da época como um clima de grande entusiasmo a todos que pudessem
provar seus conhecimentos adquiridos pelos estudos, e não mais a depender das ligações familiares tradicionais. Um
aprovado nesses exames poderia trazer grande prestígio para a sua família e aldeia, e era a ele isentado de impostos
além de ter garantido uma generosa aposentadoria. Tal prestígio foi contado por Nguyen Sinh Sac (1862 - 1929), pai
de um dos maiores líderes vietnamitas do século 20, Ho Chi Minh (Nguyen Sinh Cung) (1890 - 1969), que
expressou ter ganhado grande estima somente depois de ter sido aprovado nesses exames.
As preparações para esses exames, naturalmente, envolviam anos de estudos e dedicação, mas consolidou na
sociedade vietnamita, sob o imperador Le Thanh Tong, a valorização do cânone confucionista. A isso se alastrou o
ensino e alfabetização nas escolas provinciais, e passou a ser requerido o pleno domínio das letras para se exercer
algum tipo de liderança, mesmo no nível de aldeia. O orgulho da adoção de tal cultura literária explica as exigências
de Le Thanh Tong que, ao conquistar novos territórios para Annam, exigiu dos povos chams e laos se civilizarem e
cultivarem os devidos modos e hábitos vietnamitas.
A paz e ordem social foram garantidas por outros fatores além do confucionismo. A agricultura foi ampliada
com o confisco de terrenos não cultivados, construção de novos canais de irrigação e represas principalmente nas
regiões costeiras e meridionais. Assim se explica o surto na produção agrícola que chegou a alimentar mais de cinco
milhões de vietnamitas em fins do século 15. No longo prazo, esse crescimento agrícola produziu uma numerosa
classe de camponeses prósperos e proprietários rurais de onde vieram muitos estudiosos e funcionários do governo
aprovados pelos exames confucionistas.
Em 1497, Le Thanh Trong morreu e deixou um rico legado para o reino de Annam e futuro vietnamita. Com seu
endosso ao neo-confucionismo, reformou e revigorou a administração central e educação, emblematizado na
expansão do Templo da Literatura, Van Mieu, hoje em Hanói (fig.), como o pináculo do espírito de estudo e
pesquisa do seu tempo. Por sua vez, o budismo não teve tal apoio, e seus templos, estupas e mosteiros foram
desencorajados. Mas houve outro lado mais sinistro do reinado de Le Thanh Trong que foi sua negligência em não
ter trabalhado num sucessor inconteste seu ao trono. De seus 14 filhos e 20 filhas, surgiu um cenário após 1497, de
intrigas e disputas intensas a causar um pandemônio que afetou a estabilidade política vietnamita. O primeiro e
terceiro filho de Le Thanh Trong governaram por curtos períodos, até 1505 quando o segundo filho do falecido
imperador tomou o trono com o título de Le Uy Muc (r. 1505 - 1509).

Fig. - Templo da Literatura (Van Mieu) em Hanói. Sìmbolo da valorização da educação e leitura do confucionismo.

Le Uy Muc tornou-se lendário pela sua impetuosidade e violência que tinha eliminado qualquer ameaça ao seu
poder, desde sua avó, irmãos, irmãs, cortesãos e ministros mais próximos. Esse imperador, nos diz a tradição
vietnamita, aprazia-se com lutas de elefantes contra tigres, e de seus guardas palacianos a se digladiarem até a morte.
Sua perda de prestígio foi tal que muitos começaram a questionar sua lucidez ao conferir as mais altas prerrogativas
a um guarda pessoal seu, um homem de origens humildes chamado de Mac Dang Dung. Isso gerou revolta entre os
ministros e familiares do imperador, e um de seus primos, Le Tuong Duc (r. 1509 - 1516), tomou o poder por meio
de um golpe em 1509.
O novo regente Le demonstrou igual extravagância de seu primo assassinado. Alimentava gosto por grandes
festivais em lagos artificialmente construídos, desafiando o recato e sobriedade valorizado pelo confucionismo. Os
seus críticos e oponentes foram logo ignorados, e um de seus comandantes militares, depois de ter sido açoitado em
público, depois organizou a morte do imperador em 1516. Mac Dang Duc assumiu brevemente em 1527 depois da
capital de Annam, Thang Long (atual Hanói), ter sido saqueada. A ascensão de Mac provocou uma onda de
indignação entre os membros da família real e de altos funcionários do reino, e o caos reinou no país até o fim do
século 16. Quatro famílias passaram a disputar a hegemonia e poder: os de Mac, Le, Nguyen e Trinh. Os Macs
foram logo retirados da disputa política depois de 1592, quando o trono foi retornado à família reinante da Dinastia
Le na capital restaurada, Thang Long. Mas o verdadeiro poder começou a ser exercida pela família Trinh, cujos
membros mais proeminentes passaram a controlar o poder pelos corredores do trono e da corte imperial. Nove
imperadores Le ascenderam depois somente com a permissão dos Trinhs até 1788 quando uma rebelião massiva, a
de Tay Son, pôs termo a esse domínio familiar.
A Dinastia Le acabou perdurando, portanto, mesmo que sob controle dos Trinhs. Mas isso se deu no norte
vietnamita que depois ficou conhecido como o reino de Tonquim (Dong Kinh), e os da família Nguyen discordaram
do status de poder da região. Com isso, os Nguyens passaram a fundar um novo reino mais para o sul, com a capital
em Hué, em Annam, e no estado que depois foi referido por portugueses, holandeses e franceses como
Conchinchina [1086] (Nam Ky) fundado em 1558 por Nguyen Hoang (r. 1558 - 1613). As disputas entre esses dois
reinos vietnamitas se estenderiam até 1672 (mapa).
Mapa - Os reinos de Tonquim (Dong Kinh), ao norte, Annam e Conchinchina (Nam Ky), ao centro e sul, em 1697. O reino de Champa aparece bem
mais restrita ao sul depois de submetida aos Nguyens.

Os primeiros contatos com os europeus ocorreram em 1535, quando um navio português entrou na baía de Da
Nang. Poucos anos depois, os portugueses estabeleceram um posto de comércio em Hoi An que depois se tornaria
no principal porto vietnamita para entrada de bens estrangeiros. Pela divisão do país, havia residentes estrangeiros
em ambas as regiões, em Tonquim ao norte e Conchinchina ao sul. Poucas décadas depois, os franceses começaram
a se fazer presentes, principalmente missionários católicos e espanhóis que buscaram melhores relações e
possibilidades comerciais com as cortes de Nguyen e de Le no século 17. Os comerciantes europeus foram mais bem
recebidos, pois foram depois proclamadas leis que baniram a atividade católica nos dois reinos. No século 18, o
comércio floresceu com os europeus, e assim foram alimentados acordos de assistência e amizade, incluindo de
caráter militar que pudesse fortalecer um reino vietnamita contra o outro.
Os Trinhs em Tonquim procuraram favorecer os holandeses, enquanto os Nguyens, os portugueses, inicialmente.
Havia certo destaque com a Coroa Portuguesa, pois tinham fundado por um fundidor chamado João da Cruz uma
fábrica de canhões em Macau, que ajudou primordialmente a construir a artilharia dos Nguyens. Em 1642, os
Nguyens tinham já mais de 200 canhões, depois 1200 em 1750 e, em 1822, a artilharia em Hué contava com mais de
duas mil peças [1087].
Apesar de ter desvantagem na infantaria com relação a Tonquim, os militares de Nguyen eram melhor treinados
e equipados com armas de fogo mais modernas. Ademais, havia uma divisão de elefantes dos Nguyens que era
particularmente valorizada que teria o efeito aterrador sobre os soldados tonquineses. Para manter seguro a fronteira
entre os dois reinos, um ministro Nguyen, Dao Duy Tu (1572 - 1634), sugeriu a construção de muralhas em Dong
Hoi (mapa). Essas fortificações correriam paralelas à costa para dar melhor suporte aos canhões instalados nos
navios, além da série de muralhas que correria das montanhas do leste para oeste até o litoral, aproximadamente 50
km. A defesa de Conchinchina foi assegurada por essa excelente construção, com o apoio decisivo de sua artilharia
em solo e no mar. Nesse sentido, a última grande ofensiva de Tonquim se deu em 1672, quando uma força de mais
de 200 mil homens sob comando de Trinh Trang foi arrasada pela artilharia e marinha dos Nguyens. Após essa
vitória gloriosa, Dao Duy Tu fora nomeado para ser alto membro do governo Nguyen em Hué. Com a resiliência de
Nguyen contra os ataques de Tonquim, foram assinados acordos de trégua em 1672, estabelecendo as fronteiras
entre os dois reinos no rio Gianh, próximo do sistema de muralhas e fortalezas desenhados por Dao Tuy Tu.
Mapa - Localização de Dong Hoi, a meio caminho entre Hanói (Ha Noi) e Hué e Da Nang.

As causas profundas da divisão vietnamita foram suas desavenças políticas e tensões regionais. Na verdade, foi o
gênio político de Le Thanh Tong que manteve essa desunião acalmada durante seu reinado. Uma vez morto, a
realidade das duas regiões começou a ficar evidente novamente. O reino dos Nguyens, ao sul, dispõe de uma ampla
costa que a predispõe ao comércio marítimo asiático no Mar da China Meridional, as ilhas das Filipinas e o
arquipélago indonésio. Nesse contexto, era natural a chegada dos portugueses que passaram a visitar regularmente o
porto de Hoi An, ao sul de Hué, da década de 1540 em diante, assim como havia feito os holandeses, espanhóis e
japoneses. Esses últimos eram tão numerosos na cidade que um jesuíta considerava Hoi An como uma cidade
japonesa.
As relações entre Cochinchina e Batávia, centro colonial holandês na ilha de Java, frequentemente provocaram
tensões e conflitos com os Nguyens. Isso por ter sido causado pelo fato dos portugueses terem sido controlados pela
Coroa Espanhola, durante o período da União Ibérica (1580 - 1640), época em que os espanhóis eram os grandes
inimigos dos holandeses. Os holandeses passaram a ser mais agressivos contra os ibéricos depois de terem sido
fragosamente derrotados na batalha de Manila em 1617, quando depois decidiram investir toda a sua política asiática
na construção de uma cidade em Java a controlar o comércio das especiarias. Em Goa, principal cidade portuguesa
na Ásia, os holandeses chegaram a bloquear o acesso ao seu porto por seis anos, de 1623 a 1644, e de todo o contato
com Lisboa. De Macau, os holandeses passaram a controlar todos os bens dali comerciados, afetando inclusive a
lucrativa troca de seda, pimenta e especiarias com o Japão e ilhas do sudeste asiático. Tal era a fúria e eficiência
desses bloqueios e controle das rotas marítimas asiáticas no século 17, que os chineses consideravam as
embarcações asiáticas como "demônios do oceano".
A sorte pendeu para o lado holandês quando os católicos foram banidos depois de suspeitas de proselitização nas
ilhas japonesas, e foram banidos num édito (sakoku) pelo xogum Iemitsu Tokugawa (g. 1623 - 1651) em 1635. O
xogunato privilegiou apenas os holandeses como os únicos "bárbaros do sul" (nanban) a manter ocasional contato
com a Europa por mais de 300 anos. Nisso, os holandeses foram os poucos que podiam comerciar seda demandada
pelos japoneses disponível em Tonquim. Tal era o lucro desse comércio que os holandeses fizeram o que puderem
para assistir aos planos políticos e militares dos Trinhs. Isso foi consubstanciado num tratado de 1651 que buscou
restaurar as boas relações entre Tonquim e Cochinchina, mas que azedaram depois de ter sido descoberta a atuação
de espionagem de agentes holandeses advindos da colônia em Batavia.
A paz na perspectiva dos Trinhs em Tonquim tinha que lidar com os chineses da Dinastia Ming além de sua
fronteira norte. Uma guerra contra os vietnamitas do sul, de Conchichina, dificilmente daria tranquilidade ao reino
de Tonquim quando havia turbulências após o fim dos Mings em 1644, quando uma nova dinastia chinesa chegou ao
poder, os Qings, ou manchus. Os Trinhs tiveram que aguardar a poeira abaixar até 1667, quando houve o envio de
uma missão manchu para Tonquim a pedido do imperador Kangxi (r. 1661 - 1722). Os Nguyens estavam menos
preocupados em manter as boas relações com Pequim, e acolheram inúmeros refugiados chineses anti-manchu como
colonos na cidade portuária de Saigon, no delta do rio Mekong, que tinha sido adquirida nos anos de 1680. Essa
extensão meridional dos Nguyens fez com que Conchichina incorporasse regiões e povos khmers e chams que
viviam na região nos séculos anteriores. Nesse sentido, foi proveitosa a política de casamentos entre regentes
Nguyens e membros da realeza cham e khmer, solidificando as relações com esses reinos meridionais.
Depois de 1672, no entanto, a postura da Cochinchina mudou com relação a Champa, e passaram a exigir maior
exigência aos costumes, hábitos e cultura vietnamita, a abandonar suas tradições indianizadas do passado como o
culto a Xiva. Semelhante processo se deu contra os khmers que acarretou numa grande sublevação popular nos
arredores de Saigon com estimados 10 mil mortos na região. Apesar disso, foi mais regra entre os Nguyens
tolerarem a diversidade cultural e religiosa de seu reino do que o irrestrito apoio confucionista em Tonquim.
Isso decorreu do fato que o comércio marítimo trazer consigo toda a diversidade de povos, ideias e contatos nas
cidades portuárias. Hoi An tornou-se assim desde meados do século 17, ainda mais depois do banimento dos
Tokugawas ao comércio e imigração japonesa ao exterior. Pois as exportações ao Japão passaram a ser controladas
principalmente por Cantão, no sul chinês e pelo porto vietnamita. Como Bangkok, Hoi An atraiu grande contingente
de estrangeiros e principalmente chineses que depois passaram a migrar cada vez mais para o pujante porto de
Saigon mais ao sul. Por volta de 1750, metade das receitas anuais da Dinastia Nguyen vinha das taxações do seu
comércio marítimo.
Tonquim, em comparação, não tinha tanta prosperidade comparável. Oprimida por governos corruptos e ineptos,
o governo setentrional começou a enfrentar uma série de revoltas camponesas que culminaram na rebelião de Tay
Son de 1771. Tais eventos começaram num distrito de Tay Son, na região central vietnamita, em que os populares
perseguriam oficiais e funcionários corruptos, e passaram a distribuir as propriedades confiscadas. A primeira fase
da rebelião, entre 1771 a 1776, testemunhou crescimento mais para o sul que resultou na fuga da família real de
Nguyen de Hué e avanço dos Trinhs no norte da Cochinchina. Na segunda fase, a partir de 1776 até 1786, Tay Son
começou a combater as forças de Nguyen na região do delta do rio Mekong. Na última fase, os revoltosos se
voltaram contra Tonquim ao norte cuja capital, Thang Long, caiu em 1786. O poder dos Trinhs nunca mais se
recuperou depois disso, deixando no trono imperial de Tonquim apenas uma figura da Dinastia Le a ser preservado
como mero símbolo. Nos anos seguintes, depois de ter solicitado ajuda ao imperador Qianlong (r. 1735 - 1796) , as
tropas chinesas foram derrotadas pelos membros de Tay Son na batalha de Ngoc Hoi Dong Da em 1789, obrigando
a Pequim, mais uma vez a negociar com o insurgentes vietnamitas.
Mesmo assim, as autoridades chinesas resolveram reconhecer a Dinastia Nguyen a assumir o trono vietnamita
unificado invés dos rebeldes de Tay Son. As forças de Nguyen, depois de mais de três décadas de batalhas e
conflitos por Tay Son, avançaram ao norte e capturaram de volta Hué em 1801 e, depois, Thang Long no ano
seguinte. O rei Nguyen Phuc Anh foi coroado como primeiro imperador a governar o Vietnã unificado a partir da
capital revigorada, Hué. Em 1802, assumiu o título imperial de Gia Long (r. 1802 - 1820). Nascia uma nova fase
dinástica vietnamita. Como sinal dos novos tempos conciliatórios, Gia Long perdoou os chineses envolvidos nas
rebeliões e manteve o respeito aos seus cultos confucionistas no reino. E atendeu aos pedidos de Pequim ao retornar
para a China aqueles rebeldes que se envolveram em rebeliões que se alastraram de Tay Son para as províncias
meridionais chinesas.
Foi somente com a queda das rebeliões de Tay Son que ascendeu, portanto, uma dinastia unificada vietnamita
sob os Nguyens. E desde então, o país passou a ser referido pelos chineses como Vietnã, variação do antigo nome,
Nam Viet, usado no século 2 na Dinastia Trieu. E pela primeira vez, a autoridade do imperador vietnamita se
estendia desde o rio Vermelho ao delta do rio Mekong. A nova estrutura burocrática que sustentou esse novo
império Nguyen adveio da retomada das políticas de concursos e ensino dos clássicos confucionistas, como na época
de Le Thanh Tong no século 15. Sob o governo de Gia Long a partir de 1807, muitos oficiais e estudiosos que
serviram aos rebeldes de Tay Son foram readmitidos e todos puderam concorrer aos exames de acesso aos cargos de
elite do funcionalismo público.
O filho de Gia Long, Minh Mang (r. 1820 - 1839), herdou em 1820 um império unificado e organizado em
termos centrais como nunca na história vietnamita. Foi continuado um sistema aperfeiçoado de administração
inspirado nos chineses a apagar quaisquer traços de diferenças e privilégios locais nas regiões do império, que gerou
algumas revoltas no sul entre 1833 a 1835, na Rebelião Le Van Khoi. Ademais, o governo de Minh Mang teve que
lidar com ameaças de invasão de exércitos tais do reino de Sião que tinha desafiado a influência vietnamita sobre o
Camboja e Laos, resultando na Guerra Siamês-Vietnamita de 1831 a 1834.
Ao adotar os métodos chineses de governo, Minh Mang buscou revigorar os antigos ideais e valores confucianos.
Mas selou o destino do Vietnã, pois o cenário internacional tinha mudado em meados do século 19. Os franceses
tinham avançado no sudeste asiático a reivindicar algum espaço imperialista. As autoridades francesas tinham já se
estabelecido na Indochina (como os franceses se referiram ao Vietnã, Laos e Camboja) desde o fim da agressão
anglo-francesa a Pequim em 1860. Mesmo antes, o almirante francês, Rigault de Genouilly (1807 - 1873) tinha
atacado em 1858 o porto de Da Nang (Tourane, para os franceses) com a intenção clara de invadir a capital
vietnamita, Hué (fig.). O longo sítio de dois anos, no entanto, além da incompetência francesa diante dos seus
inadequados navios para navegação fluvial e das doenças tropicais, resultou no fracasso do plano do almirante.
Como recompensa, de Genouilly dirigiu-se com seus navios mais para o sul, para Saigon, onde missionários
franceses já tinham se estabelecido há tempos. Em 1862, vendo-se diante de uma força bélica formidável, o quarto
imperador Nguyen, Tu Duc (r. 1847 - 1883), aceitou assinar acordos com os franceses e cedeu à França três
províncias meridionais, Bien Hoa, Dinh Toung e Gia Dinh, além da ilha de Poulo Condore. Com isso, os franceses
tinham se firmado numa região estratégica na rota comercial no Mar da China Meridional, entre as ilhas do sudeste
asiático e a China. Havia o prospecto de que via o rio Mekong, cujo delta em diante passou para a administração
francesa, poderia ser desbravada uma rota fluvial a alcançar a China, a passar pelo Laos e Camboja.

Fig. - A ofensiva francesa sobre Saigon, em 1859.

A entrada dos franceses mudou a política vietnamita. O imperador Gia Long tinha aceitado a ajuda francesa
contra os rebeldes de Tay Song em 1787, mas isso teve pouco efeito pela eclosão da Revolução Francesa em 1789.
Apesar desse acordo, Gia Long alimentou uma profunda desconfiança contra os missionários católicos europeus no
seu reino que considerava como afronta às tradições confucianas de culto aos ancestrais. Depois da queda de
Napoleão, o rei Louis XVIII da França tentou retomar os acordos assinados em 1787. Mas somente em 1819 Gia
Long permitiu a ancoragem de dois navios franceses em Da Nang. Minh Mang, seu sucessor, não manteve tal
abertura aos franceses, pois considerava-os como agentes do imperialismo europeu que estava assolando os países
asiáticos. Para tanto, proclamou uma série de leis que proibia a livre atuação de padres católicos franceses no Vietnã.
Em 1835, o padre Joseph Marchand (1803 – 1835), entre outros, foram julgados como traidores em Hué. A brutal
execução de Marchand, por desmembramento (“mil cortes”, lingchi, 凌遲 ) e exibição de sua cabeça em público,
causou viva indignação entre os franceses.
No restante do reinado de Minh Mang, que terminou em 1841, os missionários católicos passaram a atuar de
forma clandestina e escondida aos olhos do governo. Um dos próximos imperadores vietnamitas, Thieu Tri (r. 1841
- 1845), seguiu a política de seus antecessores no trono com relação aos europeus. Em outras partes, teve que lidar
com rebeliões massivas no Laos e Camboja que foram causadas por uma dura política impositiva de Hué a
vietnamizar esses povos e a apagar suas tradições enraizadas da cultura indiana, hindu e budista. Como reação a
isso, houve uma grande rebelião no Camboja, em Phnom Penh, em 1840 e 1841, que resultou na evacuação das
tropas vietnamitas da cidade e tornou a revigorar a hegemonia tailandesa no reino cambojano.
O imperador Thieu Tri era firmemente contra o catolicismo, mas ciente da presença europeia, não buscou
provocar os franceses no sul. Seu filho, Tu Duc (r. 1847 - 1883), teve menos sorte em defender o Vietnã. Em
meados do século 19, a França alimentou um plano imperial de rivalizar com os britânicos no sudeste asiático, e
desenhou a Indochina como seu espaço de influência e negociar limites com o reino de Sião ao oeste. Como
primeiro passo, Saigon serviu de base imperialista. Mas contratempos na França em 1870 e 1871, na derrota aos
prussianos, atrasaram subsequentes planos imperialistas de expansão. Devido a isso, ficou a cargo de
empreendedores e aventureiros franceses na região de Saigon buscar a grandeur francesa na Indochina. Como
primeiro ato, um mercador francês, Jean Dupuis (1829 - 1912), ancorou no Rio Vermelho e passou a exigir a
passagem de seu comboio de carregamento de sal a navegar até Hunan, na região meridional chinesa, onde o sal
vietnamita poderia ser comerciado por trinta vezes o seu valor. Diante do impedimento das autoridades vietnamitas,
que tinham ordens em somente permitir passagens de embarcações a carregar essa mercadoria por aprovação
imperial, Dupuis ordenou a seus tripulantes chineses atacar e tomar, com a decisiva ajuda do oficial militar Francis
Garnier (1839 - 1873) enviado de Saigon, a cidade de Hanói em 1873. Depois disso, as autoridades francesas, agora
sob Napoleão III que ambicionava um novo império mundial a resgatar o orgulho francês perdido, concordou em
enviar uma missão de ajuda e resgate a Dupuis. Em 1874, Tu Duc se viu obrigado a assinar acordos concedendo
direitos de residência e privilégios aos franceses em Hanói e no seu acesso portuário na cidade de Haiphong.

Java, Ilhas do Sudeste Asiático e Filipinas (Século 15 – 19)


A política externa chinesa sob o imperador Yongle (r. 1402 - 1424) foi bem mais ousada e com impactos de
longo prazo no comércio marítimo no sudeste asiático. Enquanto houve o envio de missões punitivas de Kublai
Khan (r. - 1260 - 1294), seu antecessor no Trono Celestial, para Java em 1292, Yongle comissionou amplas viagens
exploratórias de um de seus favoritos, o almirante Zheng He (1371 - 1433), a ampliar os contatos e alianças ao
Império do Meio. Foi coincidência o fato do reino vietnamita ter sucumbido em crises no seu mandato e, apesar dos
vinte anos de ocupação chinesa em Annam de 1407 a 1427, nunca foi uma diretriz da política chinesa ampliar
imperialmente seus domínios ao sudeste asiático no início do século 15. As missões de Zheng He devem ser antes
entendidas como uma manifestação de explorações e trocas diplomáticas.
As viagens de Zheng He se deram entre 1405 e 1433, no comando de sete grandes viagens resultou no
reconhecimento da autoridade imperial do Filho do Céu desde as ilhas asiáticas, Oceano Índico e Arábico, Egito e
até a costa oriental africana. Essas expedições eram diferentes em sua natureza do que as encarregadas pelos
portugueses no fim do século, pois os chineses engajaram-se numa séria tentativa de ampliação diplomática a trocar
presentes entre regentes e a buscar o reconhecimento simbólico do imperador Yongle como mandante dos céus. Essa
política tolerante foi evidente com relação à Malaca que estava se tornando uma base estratégica no arquipélago
indonésio e das frotas navais chineses. O rei de Malaca, em contrapartida, tinha repetidamente declarado seu tributo
aos chineses. Ao adotar o Islã, o sultão de Malaca, Iskandar Shah (r. 1400 - 1415), ampliou seus contatos e alianças
com os mercadores muçulmanos e indianos que dominavam os mares do sudeste asiático no século 15. Isso foi de
grande benefício à Zheng He, um muçulmano por igual, que foi acolhido com entusiasmo na cidade portuária em
sua quarta viagem entre 1413 e 1415. Tal política contrastou com o fanatismo católico dos portugueses que tinham
moldado seu senso de nacionalidade combatendo os mouros muçulmanos. Quando Alfonso de Albuquerque (1453 -
1515), o segundo vice-rei português da Ásia, tomou Malaca de assalto em 1511, seus seguidores buscaram destruir a
presença islâmica na cidade e estrangular o seu comércio com Cairo e Meca, além de buscar forçar os venezianos a
comprarem especiarias em Lisboa.
Apesar de alguns chams terem adotado a fé islâmica no século 10, o sudeste asiático ficou por mais três séculos
sem qualquer presença significativa dessa religião. A presença maior se dava por mercadores e navegadores árabes,
mas esses permaneceram em grande parte nos portos e bairros restrito de algumas cidades. Apesar das narrativas
entusiasmadas nos Anais de Semarang [1088] sobre a histórica presença da fé islâmica entre alguns chineses em pontos
da ilha de Java. Os clamores de Alfonso de Albuquerque de romper a hegemonia muçulmana com a dominação de
Malaca nunca foi verdade, pois, além da crescente presença islâmica nos portos asiáticos a partir do século 15 além
de Malaca, os próprios comerciantes da região sabiam que era mais assegurado o comércio nas mãos de navegadores
e comerciantes islâmicos há muito acostumados e presentes no Oceano Índico, Arábico e costa oriental da África.
O avanço português ao leste foi mais decorrente da retirada dos chineses dos mares, deixando um vácuo de poder
nas águas do sudeste asiático que os europeus aproveitaram e preencheram a partir do século 16. As explorações de
Zheng He, apesar de espetaculares, assustou muitos cortesãos e eunucos da corte imperial chinesa, que passaram a
questionar os altos custos das expedições e do pouco retorno financeiro. Outro fator foi a mudança da capital
chinesa, na década de 1420, de Nanquim mais ao sul e perto da foz do rio Yangzi, para bem mais ao norte, em
Pequim, mais afastado dos acessos aos mares asiáticos. Esse deslocamento feito pelos Mings no trono chinês buscou
privilegiar as relações com povos (e ameaças) do centro-asiático, como os mongóis e a reforçar a linha defensiva da
Grande Muralha.
Nem passados 50 anos da conquista portuguesa e Malaca e da construção de seu forte, a dominação marítima da
região passou para Aceh (ou Achém), um sultanato no norte da ilha de Sumatra. Os achéns tinham se convertido ao
Islã em 1204, conforme nos conta o Majlis Aceh, "Regras para os Reis". Esse livro de ritos e códigos para a realeza
não deixa dúvida, o bom regente deveria ser temente a Alá e assim todos deveriam obedecê-lo. Uma vez que o
soberano deixasse de seguir os preceitos divinos, os súditos teriam o dever de se rebelarem.
Durante o reinado de Alauddin al-Kahar (r. 1537/39 - 1571), Aceh organizou uma grande ofensiva em 1547
contra os portugueses, que teve apoio inclusive de tropas e armas vindas do califa otomano em Istambul [1089] (fig.).
Foi também este sultão que buscou fortalecer as defesas de Aceh e foi depois considerado como um dos maiores
heróis muçulmanos que combateu os infiés no sudeste asiático em meados do século 16. Depois de al-Kahar, em
fins do século 16, houve uma grande instabilidade no sultanato, em que cinco regentes achéns reinaram num período
de dez anos. Quem nos conta isso foi um capitão britânico que aportou na região, John Davis. Este continua
afirmando que parecia ser inerente a instabilidade política, pois todos almejaram o controle e poder sobre as riquezas
acumuladas pelo vibrante comércio marítimo de seus portos.
Fig. - Frota otomana no Oceano Índico no século 16, expressão do pan-islamismo vindos do califado em Istambul a socorrer muçulmanos pelo mundo.

Em 1604, o Sultão Ali al-Din Ridayatu Shah foi derrubado por seu filho, Iskandar Muda (r. 1607 - 1636), que
inaugurou um novo período de estabilidade em Aceh. Foi sob Muda que o sultanato conheceu seu auge e maior
extensão territorial, a controlar toda a região ocidental do arquipélago indonésio e o Estreito de Malaca, pois em
1629 Muda organizou outra grande ataque aos portugueses em Malaca, com o uso dos maiores navios construídos à
época, conhecido como "Terror do Universo" com mais de 100 canhões [1090]. Seu filho e sucessor, Iskandar Thani (r.
1636 - 1641), empreendeu novas guerras de conquista, mas seu curto reinado não resultou na grandeza de seu pai.
Ao final de sua vida, sua viúva ascendeu ao poder, Taj ul-Aman (r. 1641 - 1675). Conta-se que houve depois mais
três sultanas no controle político do sultanato.
Regentes femininas também foram constatadas em Patani, no atual sul da Tailândia. Um mercador inglês, Peter
Peloris, nos explicou que em 1611, o sultão de Pahang chegou a Patani para pedir a mão da irmã mais nova da
sultana. Depois de insistentes e humildes pedidos, foi lhe concedido o matrimônio. A sultana de Patani de então,
Hijau (r. 1584 - 1616), figurou como uma soberana de respeito e temor que repeliu e evitou qualquer avanço do
reino de Ayutthaya. Seu poder provavelmente advinha da prosperidade consequente do deslocamento do comércio
de Malaca sob as mãos portuguesas. O poder feminino de Patani declinou em meados do século 17, com a morte da
chamada Rainha Amarela (Ratu Kuning), a última de quatro sultanas sucessivas no reino.
As tradições matriarcais também foram mantidas na ilha de Sumatra. Conta-se que os homens casados no reino
de Minangkabau, na região ocidental da ilha, pertenciam à ordem matriarcal da família. Os homens eram
considerados evanescentes que iam e vinham como cinzas de um tronco queimado de árvore. O mesmo costume foi
observado com consternação pelos espanhóis nas Filipinas, com a facilidade do divórcio por vontade feminina. E
como em muitas outras partes do sudeste asiático até fins do século 19, o comércio era dominado pelas mulheres,
nos mercados e nas negociações. Em Java, Thomas Stamford Raffles (1781 - 1826), futuro estadista que inaugurou a
presença britânica em Cingapura, descreveu como na ilha as mulheres conduziam todos os aspectos dos negócios, de
pequeno a grande porte, nas compras e vendas [1091].
A captura de Malaca das mãos portuguesas pelos holandeses em 1641 marcou o fim da presença lusitana no
sudeste asiático, exceção dada à presença no reino da Conchinchina como conselheiros e aliados da Dinastia Nguyen
na costa vietnamita. As notícias de Malaca entusiasmaram os holandeses mesmo porque alguns anos antes, em 1619,
o seu governador-geral, Jan Pietersgoon Coen, informou aos diretores da Companhia das Índias Orientais
Holandesas (CIOH ou VOC, Vereenigde Oostindische Compagnie) que tinha conquistado o reino de Jayakarta em
Java ocidental e dali tinha começado a construir a futura sede da companhia na ilha. Essa nova cidade seria chamada
de Batávia, antigo nome da Holanda. A nova cidade holandesa fundada seria ponto central de onde a dominação
holandesa se estabeleceria nas Índias Orientais, a combater a presença portuguesa e espanhola, e a dominar o
comércio das especiarias e produtos da região.
Batávia fora projetada e construída com grande cuidado e importou-se seu material para construção (fig.). A
cidade projetava-se para o Estreito de Sunda, que faz a ligação com os mares do Oceano Índico, Arábico, Sri Lanka,
Índia e costa oriental e meridional africana ao oeste, e o Mar da China Meridional, Sião, costa vietnamita, chinesa e
ilhas japonesas ao norte, além das ilhas de Banda e Molucas ao leste. Em contraste com boa parte das cidades
portuárias do sudeste asiático, a baía de Batávia oferecia excelente ancoradouro o ano inteiro para as embarcações,
mesmo com o regime de ventos das monções.

Fig. - Vista de Batávia, ilha de Java, por volta de 1780. Uma réplica nostálgica das cidades holandesas nos trópicos.

Após a captura de Malaca em 1641, as autoridades malaias começaram a se tornar impacientes com a pretensão
holandesa de monopolizar todo o comércio das especiarias, a controlar os preços de sua venda nos estoques. O que
levou a frequentes conflitos, como a que ocorreu em Perak, parte do sultanato de Aceh em 1651, quando 27
holandeses foram atacados defendendo o forte e os estoques locais [1092]. Mas, à medida que a área de controle
holandesa se ampliou no sudeste asiático, pouco sentido tinha a resistência armada dos mercadores e regentes locais
se almejassem alguma participação no lucrativo comércio.
Os holandeses também tinham ampliado sua presença para tratar da canela do Sri Lanka e dos têxteis indianos,
cujo lucro era estimado de 40% a 100%. Na Índia, basearam-se na costa noroeste, em Gujarat, no porto de Surat e
com sua ligação interiorana com a corte mogol em Agra, onde vendiam cravo-da-índia e noz-moscada. A elite
muçulmana mogol era ávida consumidora desses temperos que os tornaram clientes fiéis e lucrativos aos interesses
da CIOH.
A presença holandesa na parte ocidental javanesa tinha necessidade de suprimento de arroz e madeira para o
sustento e reparo de seus habitantes. E disso decorreram campanhas de expansão holandesa, a partir da Batávia,
mais para o sul e leste na segunda metade do século 17. Isso gerou conflitos com reinos interioranos javaneses. Entre
os mais poderosos desses estava o de Mataram que tinha consolidado seu domínio a partir da década de 1570 em
torno da atual cidade de Yogyakarta, cujo primeiro líder expressivo foi Sutawijaya (r. 1584 - 1601) que tinha cedo se
convertido ao Islã (mapa). Seu filho sondou as possibilidades de alianças com os holandeses a suprir presença naval
a bloquear os seus rivais em Surabaia (Surabaya), na costa norte javanesa.

Mapa - Expansão de Mataram pela ilha de Java no século 17.

Mas a conquista de Surabaia veio apenas com um de seus descendentes em 1625, o Sultão Agung (r. 1613 -
1645) de Mataram, dando ao seu reino acesso pleno aos mares indonésios e taxas do seu comércio. Agung tinha
considerado inicialmente os holandeses como aliados na guerra javanesa, mas as desavenças começaram na cidade
sagrada islâmica de Gresik, perto da fronteira entre os dois domínios. Gresik fora local de homens santos
muçulmanos, walis, e esses foram fundamentais para o alastramento dessa crença por Java e para as ilhas de
Lombok, Bornéu e Sulawesi. Esses walis eram em parte devotos de Xiva, um curioso sincretismo javanês, que
buscavam a iluminação mística com a divindade. Um desses santos se chamou Wali Joko (Pangeran Panggung)
(1463 - 1526), e sua devoção extrema às todas as criaturas vivas, seus cachorros e Alá escandalizaram os
muçulmanos e o sultão de Mataram. Com isso, o wali foi condenado com seus cachorros ao fogo, ao que parecem
ter saído incólumes, causando grande impressão a todos os presentes. Depois disso, os escritos desse santo
começaram a ser adotados e lidos por muitos seguidores javaneses, e seu túmulo é um dos mais populares até hoje.
Depois da queda de Surabaya, Agung, que tinha se tornado um profundo admirador de Wali Joko, decidiu
começar a conter os holandeses ao leste. Entre 1628 e 1629, suas forças sitiaram Batávia, pois considerou todos os
muçulmanos javaneses como seus súditos a serem defendidos na sua fé contra infiéis cristãos europeus. Em Gresik,
Agung tinha mostrado seu lado mais intolerante, quando perseguiu um outro líder religioso local, Sunan Giri (1442 -
1506), antigo mestre de Wali Joko, por ignorar as orações muçulmanas de sexta-feira. Batávia, nesse meio tempo,
resistiu duramente aos assaltos de Agung, mesmo depois desse ter buscado aliança naval com os portugueses a
bloquear os mares. Mas tornou-se claro que os holandeses tinham supremacia marítima, e posteriores ataques a
Batávia foram cancelados após 1629. Sua rivalidade contra os holandeses ainda permaneceu no seu governo,
negando-lhes qualquer apoio e base, e assistindo somente muçulmanos que, em teoria, era negada qualquer
possibilidade de conversão por parte dos holandeses adeptos do duro protestantismo reformado. Ao contrário dos
espanhóis e portugueses, era proibido aos holandeses na Ásia qualquer contato religioso, cultural duradouro e
casamento com locais, com o risco de ser discriminado e banido para sempre da Holanda.
O fim das hostilidades entre Mataram e Batávia não foi concluída com a morte de Agung em 1646, e a situação
política holandesa no sudeste asiático somente melhorou com a tomada de Malaca dos portugueses. Que permitiu a
CIOH acesso e controle pleno do Estreito de Malaca, ainda mais depois de terem assumido controle em partes
orientais da ilha de Sumatra. O sucessor de Agung, Amangkurat I (r. 1646 - 1677) não herdou o brilho de seu pai, e
governou de maneira despótica e brutal que desgastou a autoridade de Mataram. Em um de seus rompantes, em
1648, esse sultão mandou matar mais de cinco mil pessoas por supostamente terem se envolvido numa tentativa de
rebelião [1093].
As calamidades naturais pioraram a condição política do reino de Mataram a partir de meados do século 17 e
muitos apontaram como causa o desgoverno de Amangkurat. As rebeliões começaram a se tornar frequentes, assim
como o abandono e deserção de homens e aliados. O sultão, nesse sentido, buscou ajuda dos holandeses visando
controlar seu reino, ao que concedeu, em troca, o controle e monopólio do arroz e açúcar, o comércio de têxteis,
ópio, e controle do porto de Surabaia. Praticamente abdicando de quase toda a receita de Mataram e dando enorme
vantagem soberana aos holandeses na ilha.
Apesar disso, os holandeses nunca empreenderam grandes guerras de conquista no sudeste asiático, mesmo em
Java, pois dependiam dos interesses dos acionistas da CIOH, mais interessados nos lucros e reticentes com os altos
custos de uma guerra. Os holandeses, adeptos do Protestantismo, enxergavam maior ofensa religiosa vindos dos
católicos portugueses e espanhóis do que os muçulmanos, que consideravam esses como de outra crença distante.
Tanto que ao tomarem controle de Ambon (ou Amboina), nas ilhas Molucas, dos portugueses em 1605, os
holandeses conservaram a comunidade muçulmana local, mas prontamente expulsaram todos os católicos se não
convertessem ao credo protestante. E não houve interesse dos holandeses em proselitismo, pois se consideravam
como uma comunidade à parte dos asiáticos, algo que somente seria mudado com o fim da CIOH em 1795.
A influência holandesa mais ao leste no arquipélago indonésio foi mais limitado e comedido. Em Timor, o
interesse principalmente se deu em torno do sândalo. As ilhas de Flores, Suva e Sumba não despertaram interesse
comercial (mapa). Os portugueses tinham ocupado Flores em 1575 quando viram o lucro que poderiam ter com o
sândalo, que depois foi retomado pelos holandeses em 1613 quando tomaram dos portugueses o forte de Kupang na
parte oriental da ilha de Timor. Os habitantes e descendentes dos portugueses e timorenses mais ao leste da ilha
foram ignorados. Essa comunidade mestiçada foi depois reforçada por refugiados de Malaca depois da conquista
holandesa em 1641. O Timor Leste permaneceria por muitos séculos como parte da Coroa Portuguesa até meados do
século 19, quando Portugal abdicou da sua condição na ilha em 1859. Os holandeses somente manifestaram algum
interesse posterior em 1908, mesmo ano em que se interessaram pela ilha de Bali que tinha permanecido intocada
pelas autoridades muçulmanas e holandeses em Java. A mesma política de distanciamento se deu com boa parte das
ilhas indonésias orientais, que conservaram suas crenças tradicionais com ocasionais convertidos católicos pelas
mãos portuguesas.
Mapa - Ilhas de Flores, Suva, Sunda e Timor no arquipélago indonésio, ao leste de Java e norte da Austrália.

Além da ilha de Java, os holandeses tinham ignorado quase por completo a região norte da ilha de Bornéu, onde
floresceu no seu norte o sultanato de Brunei (mapa). O seu rei tinha se convertido ao Islã desde o século 15 [1094], e
com isso ampliou a alcance e contatos com os mercadores e regentes muçulmanos no sudeste asiático. Em 1530, há
impressionantes descrições de portugueses das muralhas da cidade de Brunei. Os espanhóis tiveram contato com o
sultanato depois de alguns sobreviventes da expedição de Fernão de Magalhães (1480 - 1521) ter terminado nas
Filipinas mais ao norte de Bornéu. A presença dos malaios de Brunei foi notada nas Filipinas que então estava
dominada em algumas partes pela Coroa Espanhola desde meados do século 16. A língua malaia era prestigiada
entre a elite filipina e para o comércio asiático em geral.

Mapa - Antigo mapa do arquipélago indonésio e malaio, com destaque em amarelo para a ilha de Bornéu (Borneo).

Johor, no extremo sul da península malaia, tinha sido fundada por um descedente malaio do regente de Malaca, e
esse porto foi depois tomado pelos portugueses em 1511. Em 1641, os holandeses tiveram ajuda de autoridades
malaias para retomar essa cidade e como sinal de gratidão, as autoridades muçulmanas em Johor tiveram grande
autonomia, mesmo contra as pretensões de dominação de Aceh. Foi de Johor que a família real de Brunei recebeu
sua condição e status depois de 1514. Apesar das ligações pela religião, contudo, a predisposição ao comércio levou
os sultões de Brunei para maior contato e comércio com a China e as Filipinas, isolando-os relativamente do restante
do mundo muçulmano a partir de meados do século 16. Tal era o apreço que o imperador chinês, Yongle, tinha pelo
regente de Brunei, sultão Abdul Majid Hassan (r. 1402 - 1408), que tinha erguido um grandioso túmulo em sua
homenagem quando este veio a falecer na capital chinesa, Nanquim, em 1408.
Uma vez presentes nas Filipinas em 1517, os espanhóis passaram a se concentrar mais ao sul desse arquipélago e
atacaram Brunei em 1578, na chamada Guerra Castelhana (Perang Kastila, em malaio), instalando depois
governantes na região. Prosperaram com o controle da cidade que tinha um vibrante comércio vindo da China,
Vietnã, Camboja, Ayutthaya, Java, Patani, Pahang, Molucas, Sumatra e da parte meridional muçulmana das
Filipinas, Mindanao. A ocupação espanhola provou ser breve, mas deu a oportunidade para o sultão vizinho de Sulu
proclamar sua independência em 1578 da sua dependência de Brunei e deu aos seus regentes a oportunidade de
expandir para a região norte de Bornéu [1095]. Restou aos espanhóis, depois de terem sido expulsos de Bornéu, se
concentrarem na ilha de Luzon, nas Filipinas, quando construíram uma fortaleza em Manila em 1570 a tentar conter
a expansão muçulmana no arquipélago (mapa).
Isso não se traduziu no fim da expansão islâmica na região, pois houve continuados ataques piratas muçulmanos
(entre eles os temidos moros) contra as embarcações espanholas entre as ilhas Filipinas a partir de meados do século
16. Nem mesmo o posto espanhol de Zamboanga, situado no sul do arquipélago filipino, escapou da cobiça dos
marinheiros islâmicos, que foi repetidas vezes atacada e bombardeada. Zamboanga se tornaria numa das principais
cidades coloniais espanholas somente depois sob ordens do rei Filipe IV (r. 1621 - 1665).
O controle espanhol das inúmeras ilhas filipinas provou ser dificultosa, pois havia uma miríade de potentados e
lealdades conflitantes e ininteligíveis entre si no universo filipino. O mais organizado deles foram os muçulmanos,
no sul, que se consolidaram em torno do Sultanato de Sulu a controlar o tráfico marítimo no Mar de Sulu. Para isso
foi investido tanto na fortificação pela Coroa Espanhola em Zamboanga. Mesmo a autoridade de Sulu, cuja capital,
Jolo, ficava estrategicamente situado a meio caminho entre a ilha de Mindanao ao norte e Bornéu ao sul, derivava
boa parte de sua legitimidade de sua religião apenas, e não em termos políticos de lealdade.
Essa rede pulverizada de lealdades nas Filipinas confundiu as autoridades espanholas, que se viram diante de
uma situação singular de construir uma autoridade mais ampla na região. Um desses pilares se deu pela conversão
dos filipinos, pelo menos em Luzon, ao catolicismo. Foi o comércio e a proximidade com a costa sul chinesa que fez
com que Madri se concentrasse no arquipélago. Desde a dinastia chinesa Song do Sul (1127 - 1279), sabemos que os
mercadores chineses prezaram pelos produtos valiosos e exóticos que eram transportados e comercializados por
navegadores filipinos. Em tempos ainda mais recuados, os filipinos estavam presentes em Funan e serviram de
intermediários no comércio entre a Índia e a China. Diante de tal prosperidade, floresceu na parte norte de Mindanao
o porto de Butuan que incomodou as autoridades chinesas pelas constantes recusas de seus líderes indianizados (que
eram tratados como rajás desde o século 10) em estabelecerem relações tributárias com o Império do Meio.
Os primeiros contatos com os espanhóis no século 16 foram modestos aos olhos filipinos, pois em 1521, a
missão de Magalhães falhou miseravelmente em se manter diante do saque na ilha de Mactan de sua valiosa carga
de especiarias que tinha adquirido nas ilhas Molucas. As tentativas posteriores de assegurar presença espanhola
somente tiveram algum sucesso em 1564, quando cinco navios com mais de 400 homens chegaram do México, com
claras instruções de buscar converter os nativos ao cristianismo e assegurar uma rota para o vice-reinado da Nova
Espanha na América Central e México. Nesse ímpeto, foi construída uma fortaleza (a de Santiago) em Manila a
partir de 1571 por Legaspi que depois seria ampliada em volta de toda a cidade em 1650 [1096]. A construção dessas
muralhas em pedra era sinal claro das intenções espanholas como potência colonial em Luzon (mapa).

Mapa - Mapa britânico de 1763 das Filipinas sob os espanhóis. A cidade de Manila e a ilha de Luzon é a mais setentrional.

Pela inexistência de uma autoridade única no arquipélago filipino, os espanhóis tiveram que lidar com muitos
imigrantes europeus para levar adiante seu projeto colonizador. Foram a brutalidade e a miscigenação desses
imigrantes com o aval de Manila que marcaram as primeiras décadas coloniais espanholas nas Filipinas. As
conversões foram incentivadas, mas apenas os missionários poderiam ir ao interior das ilhas, uma vez que as
autoridades espanholas temiam por maiores resistências e rebeliões locais antes de sua plena conversão ao
Evangelho e, depois, obediência à Coroa Espanhola. A Igreja tornou-se proprietária de imensas terras pelas
paróquias estabelecidas nas Filipinas. E depois de 300 anos da administração espanhola, em torno de 85% dos
filipinos em tempos atuais declararam ser católicos [1097], embora com mesclas de crenças tradicionais populares [1098].
Em 1762, a aliança da Espanha com a França na Guerra dos Sete Anos (1756 - 1763) provocou a ira dos
britânicos, que atacaram as bases espanholas nas Filipinas. Os britânicos, sob a Companhia das Índias Orientais
Britânicas (CIOB), apesar de terem retornado a autoridade no arquipélago aos espanhóis, estimularam a crítica dos
mercadores chineses nas Filipinas que tinham sido protagonistas nos conflitos rebelados contra dureza da autoridade
espanhola em Manila em 1639, 1662 e 1686. Depois de 1762, os chineses foram expulsos e banidos das Filipinas
espanhola. Que não deteve novos fluxos de imigração chinesa para o arquipélago nas décadas seguintes, em busca
do lucrativo comércio.
Mas os maiores ressentidos da dominação espanhola, sem dúvida, foram os próprios filipinos. Em 1660, uma
grande rebelião contra os espanhóis ocorreu pela ilha de Luzon que perdurou, em várias ocasiões e lugares, até a
intervenção dos britânicos em 1762, quando os habitantes de Manila os consideraram como libertadores do jugo do
rei, padre e governador. Dessa euforia nasceu o movimento nativo pela autonomia liderado por Diego Silang (1730 -
1763), que tinha formado um governo alternativo em Vigan, próximo de Manila. Silang foi depois capturado e
executado sob mando de clérigos espanhóis locais em 1763.
Apesar das Filipinas se revelar cada vez mais problemática e onerosa para a Coroa Espanhola, colheitas de
produtos rentáveis no mercado internacional foram incentivadas e impostas, como o tabaco. Mas poucos espanhóis,
ao longo dos séculos 17 e 18, tiveram incentivo de sair de Manila e de outras cidades para o interior, pois a carreira
governamental era ainda visto como melhor meio de poder e enriquecimento. Permaneceu no meio rural de Luzon
grandes propriedades visadas à monocultura, com seus proprietários frequentemente ausentes e mais interessados
em manter contatos com a sociedade e governo em Manila (fig.).

Fig. - A Plaza de Roma e Catedral em Manila, sob a dominação espanhola, em 1792.

Sudeste Asiático (Século 19 – Início do Século 20)


A segunda metade do século 19 foi tempo em que os países asiáticos sofreram com a maior atuação do Ocidente.
Nenhum evento foi mais emblemático do que a humilhante derrota e saque de Pequim e do Palácio Imperial de
Verão em 1860, a mando do comandante britânico Lord Elgin, James Bruce (1811 - 1863), a roubar a inestimável
coleção histórica de porcelanas, muitas datando das dinastias Shang (1600 a.C. - 1046 a.C.), Zhou (1046 a.C. - 256
a.C.) e Han (206 a.C. - 220 d.C.). Após isso, seguiram-se três dias de incêndio em todo o palácio.
Esse episódio marcou um ponto de inflexão em toda a influência chinesa no sudeste asiático. O Vietnã buscou e
teve ajuda dos chineses da Dinastia Qing a resistir o avanço francês em 1885, com pouco efeito prático. A cultura
confuciana no Vietnã, contudo, ainda persistiu nas décadas posteriores. Mas já despontava uma nova contestação
como a recusa do pai de Ho Chi Minh, que tinha sido aprovado nos exames imperiais, a servir a um imperador títere
dos franceses. O próprio Ho Chi Minh, em 1905, buscou aprender o francês (e não chinês) visando conhecer melhor
seu inimigo colonial.
O reino de Sião, atual Tailândia, sobreviveu sem maiores ameaças coloniais, espremido entre os franceses na
Indochina e os britânicos na Birmânia (hoje Mianmar) e a península malaia, apenas com a condição de servir de
tampão entre as ambições dos dois países europeus.
Os britânicos iniciaram suas ofensivas imperialistas no sudeste asiático quando perceberam, em fins do século
18, que os franceses tinham assegurado uma base naval em Aceh, no norte da ilha de Sumatra, e os holandeses nas
regiões centrais da mesma ilha. Para a CIOB, não havia certeza de passagem e manutenção de seus navios ao leste
de Calcutá, na Baía de Bengala. Uma base naval foi, pois, considerada como urgente se almejassem maiores
negócios com o sudeste asiático e a China.
O primeiro passo britânico se deu com Francis Light (1740 - 1794) que tinha assegurado a posse da ilha de
Penang em 1786, presente do sultão de Kedah, Abdullah Mukarram Shah (r. 1778 - 1797), pela ajuda crucial contra
piratas indonésios. Nessa ilha, Light ergueu uma paliçada e ancoradouro. Visando melhor colonizar a região, o
britânico concedeu terras na região a muitos, dentre esses chineses que tinham do monopólio holandês em Java. Em
1794, a pequena ilha já mostrava sinais de prosperidade devido à sua política liberal de comércio portuária, assim
como aconteceria depois com Cingapura. Seis anos depois, uma faixa de terras do outro lado da ilha de Penang na
península malaia foi entregue a CIOB, visando aumentar a proteção do sultanato de Kedah. Essa nova província
britânica se chamaria Província Wellesley.
Nas terras birmanesas, os britânicos agiram de acordo com as ameaças dos franceses com o governo imperial
local da Dinastia Konbaung (1752 - 1885). Havia claros sinais de que a dominação britânica na região de Bengala da
Índia Britânica, multiplicaria o comércio local. Assim, os mercadores britânicos (e muitos indianos) no sul birmanês,
em Rangum, convenceram as autoridades da CIOB a mandar uma expedição punitiva em 1852 que resultou na
Segunda Guerra Anglo-Birmanesa. Com o resultado de pleno domínio da Baixa Birmânia e a cidade de Pegu rio
acima.
A corte birmanesa de Konbaung ainda assim resistiu em Amarapura, mas houve intensos conflitos pelo trono até
a ascensão do rei Mindon (r. 1853 - 1878). Esse soberano buscou o quanto pôde a reformar e modernizar as forças
birmanesas, inclusive mandando seus oficiais e militares mais talentosos a estudar na França e, após a derrota na
Guerra Franco-Prussiana (1870 - 1871), na Alemanha de Bismarck. Ademais, houve preocupação em buscar um
local para a nova capital a sinalizar as mudanças buscadas pelo rei. Assim, foi fundada em 1857 mais acima do rio
Irauádi, Mandalay, que fora planejada para trazer de volta a ordem cosmológica a favor dos birmaneses. Mindon
morreu em 1878, e tinha antes nomeado um sucessor que foi assassinado no palácio real por príncipes dissidentes.
Foi pouco surpreendente então que o próximo rei, Thibaw (r. 1878 - 1885), agiu com brutalidade a afastar qualquer
ameaça ao seu trono, a matar muitos de sua família, filhos e esposas. Nos anos finais de Thibaw, as autoridades
britânicas, embora com relutância pelos altos custos e crescente impopularidade de indianos, intervieram
decisivamente contra Mandalay a assegurar a dominação no reino.
As hesitações britânicas tiveram fundamento, pois a chamada Terceira Guerra Anglo-Birmanesa de 1885,
envolveram quatro anos de conflitos e mais de 30 mil soldados anglo-indianos. Thibaw, então com 28 anos, foi
capturado junto com suas duas esposas e embarcado como prisioneiro a bordo de um navio a vapor em Mandalay
para seu exílio em Ratnagiri, na Índia (fig.). Ao longo do caminho do Irauádi, os birmaneses prontamente se
jogaram ao chão em prostração quando tinham avistado o sinal da realeza da sombrinha branca. Thibaw foi o último
rei birmanês. Quando toda a resistência tinha sido controlada, a anexação britânica se deu ao integrar a Alta e Baixa
Birmânia. Em 1887, já tinha começado a construção da linha ferroviária a ligar Mandalay a Rangum, e depois a ser
estendida mais para o norte nos estados shans perto da fronteira com a China.

Fig. – O crepúsculo dos deuses. Foto do rei Thibaw e suas duas esposas à época de sua rendição e exílio.

Os britânicos também tinham investido na Alta Birmânia recém conquistada em termos agrícolas para o cultivo
do arroz. Muito dos investimentos vieram de mercadores indianos que tinham ampla presença na Baixa Birmânia e
no delta do rio Irauádi. Em 1935, as autoridades britânicas atenderam aos pedidos de impedir maior presença de
indianos por empresários britânicos interessados, e foi concedida maior autonomia a Birmânia na aprovação da Lei
da Birmânia (Burma Act).
A Lei Birmânia, de fato, não atendeu às aspirações nacionalistas dos birmaneses nem, muito menos, de um maior
governo autônomo. Um dos líderes birmaneses insatisfeitos à época era um estudante universitário, Aung San (1915
- 1947), futuro líder nacionalista. Aung San e outros birmaneses anti-coloniais, no período da Segunda Guerra
Mundial (1939 - 1945), passaram a recorrer a métodos combativos quando foi fundado o Partido da Liberdade
(Dobama-Sinyetha Asiayone) a buscar a independência imediata. Ao que as autoridades britânicas, representadas na
Birmânia pelo Governador Colonial, Sir Reginald Dorman-Smith (1899 - 1977), buscaram persuadir os nacionalistas
rumo a uma transição para o status de domínio [1099] ao fim da Segunda Guerra Mundial. Os nacionalistas
birmaneses, contudo, não se convenceram das promessas britânicas e buscaram quaisquer meios para a
independência.
Contrastando com a Birmânia, a península malaia e Cingapura atravessaram relativa calmaria até a chegada de
tropas japonesas em 1941 e 1942. As razões para isso foram a relativa brandura da dominação britânica na região.
Com a vitória britânica sobre Napoleão em 1815, os britânicos se viram dominantes sobre o sudeste asiático, pois o
monarca holandês, à época Guilherme V (r. 1751 - 1806), tinha procurado exílio na Inglaterra no Palácio Kew. E
com isso tinha prometido negociar suas possessões coloniais em contrapartida. A companhia britânica, o CIOB,
assim ganhou controle das posses coloniais holandesas em Java e no Estreito de Malaca, mas foram, eventualmente,
retornadas à Casa dos Orange, especialmente Java. Pois o tratado assinado em 1824 tinha excluído a península
malaia, permitindo os britânicos tomarem de vez a posse da região de Malaca e Cingapura.
Java entre 1815 e 1824 tinha sido designada para a administração de Sir Thomas Stamford Raffles (1781 - 1826)
(fig.) que também tinha fundado Cingapura em 1819 visando controlar todo o fluxo no Estreito de Malaca, Sumatra
e a região meridional da península malaia. Nesse intento, foram dados amplos incentivos à imigração de chineses,
por volta de 5 mil, para Malaca e regiões de Sumatra, conferindo à região uma presença marcante sínica e todo o seu
capital envolvido. Assim, muitos foram designados como classe mercantil, aos campos de arroz e às minas de
estanho da Malaia (como era chamada a península malaia). Isso depois complicou a relação com os malaios
muçulmanos que viram sua presença tradicional ser ameaçada pelos imigrantes chineses ao longo do século 19.

Fig. - Sir Thomas Raffles, fundador de Cingapura e administrador de Java.

A Malaia colonial seria dividida pelos britânicos, portanto, em linhas étnicas. Essa foi a atitude típica do
Governador dos Estreitos, Sir Frank Swettenham (1850 - 1946), que comissionou a modernização da região visando
atender aos interesses investidos de firmas britânicas e americanas. Aos chineses, Swettenham que apreciava seu
espírito empreendedor, foi conferido tratamento amistoso, mas distante, pois eram essenciais para as minas e
comércio. Os indianos, que vieram para trabalhar nos seringais de borracha (suas mudas tinham sido colhidas da
Amazônia e cultivadas inicialmente nos Jardins de Kew em Londres), foram essencialmente separados do restante
da população malaia a definir sua posição social. Essa comunidade sofreu particularmente com surtos de malária,
como a de 1912, que somente depois da Primeira Guerra Mundial teve-se acesso a um grau de controle inocular.
O status da elite malaia, dos sultões e seus familiares, foi garantido pelos britânicos. Mas esses tiveram que
aceitar o chamado Sistema Residencial que, de acordo com Swettenham, almejou viabilizar e modernizar a colônia a
empregar mão-de-obra de chineses, indianos e conhecimento técnico dos britânicos. Na realidade, os sultões tiveram
que aceitar os britânicos como residentes na sua corte, a interferir em todos os assuntos de governo, menos os
religiosos e costumes tradicionais. Assim foi garantida certa harmonia entre os poderes, muito graças ao
administrador britânico, Hugh Low (1824 - 1905), que assim procedeu em Perak entre 1877 e 1889. Low tinha
ganhado experiência sendo amigo de James e Charles Brooke, que seriam os regentes rajás em Sarawak no norte da
ilha de Bornéu. Os Brookes tinham consolidado uma política de estrito respeito aos costumes locais e de
cooperação. Nesse sentido, Low apresentou uma atitude pacífica semelhante com os regentes muçulmanos malaios.
Destarte, a ordem malaia foi garantida. Os sultões mantiveram a tradição de autoridade em termos divinos e
hereditários. Quando vieram as reformas políticas em direção a um sistema parlamentar e monárquico inspirado em
Westminster, o primeiro premiê malaio, Tunku Adbul Rahman (1903 - 1900), tentou conservar o status do sultanato
que se revelou depois problemático pela arrogância e desmando de alguns membros da família real malaia até o
governo do primeiro-ministro Mahatir Mohamad (1925 - ), quando impôs sua autoridade de vez. Nas regiões que
fariam parte da Federação Malaia, nos estados de Sarawak e Sabah, no Bornéu, os sultões malaios não os
consideraram como parte de sua autoridade tradicional.
A Federação Malaia, que veio a ser implementada a partir de 1896, portanto, foi um dos atos que desagradaram
as tradições de poder dos sultões. Mesmo assim, a transferência da capital malaia para Kuala Lumpur no coração da
região mineradora do estanho indicou as intenções coloniais britânicas a criar uma economia próspera e estratégica
no sudeste asiático. Em Cingapura, a situação começou a ser diferenciada do restante da península, pois desde 1845,
mais da metade de sua população era formada por chineses que tinham emigrado das crises da Dinastia Qing. Esses
chineses migraram visando a prosperidade dos negócios mercantis e mandavam de volta às suas famílias na China
seus dividendos. Mas muitos, com o tempo, acabaram se assentando e formando famílias na cidade portuária,
envolvidos inclusive em atividades lucrativas e ilícitas como a prostituição, jogos de azar e ópio. Para o alívio das
autoridades britânicas que, de maneira discreta, poderiam taxar essas atividades comuns em cidades portuárias.
O mesmo padrão de envolvimento de mão-de-obra chinesa se observou em outras partes da Malaia e Bornéu. Em
Sarawak, a vila de Kuching era predominantemente chinesa em 1900. Essa vila se tornaria capital da região devido
ao empreendimento de James Brooke (1803 - 1868) (fig.), um aventureiro britânico nascido na Índia e funcionário
da CIOB. Este chegou em 1839 a Cingapura e, inspirado na administração de Raffles que revitalizou Java, Brooke
foi em busca de similar oportunidade em outras regiões próximas, escolhendo o norte de Bornéu. As autoridades da
CIOB consideraram positivas as intenções de James Brooke, pois queriam a presença britânica em Bornéu na
passagem marítima para a China e a servir de contrapeso aos espanhóis nas Filipinas e os franceses na costa
vietnamita. Assim, Brooke ajudou reprimir uma rebelião local contra o sultanato de Brunei e ganhou como gratidão
ampla autoridade hereditária em Kuching. No local, instalou-se como um regente, rajá, e governou de maneira
pacífica e buscando assimilar as tradições e costumes locais. A repressão contra os piratas dyaks permitiu a Brooke
consolidar sua hegemonia que surpreendeu os britânicos e o sultão de Brunei, que decidiu depois ceder também a
ilha de Labuan.

Fig. - O rajá de Sarawak, James Brooke. Parte da geração de famílias de rajás europeus no norte de Bornéu.

A atitude de Brooke contrastou com a administração holandesa ao sul de Sarawak. Charles, sobrinho de James,
que se tornaria o segundo rajá em 1868, buscou manter o isolamento de seu reino dos europeus. Incentivou a
migração de homens, mas manteve com rigor a presença feminina europeia que poderia distrair os oficiais de seus
ofícios. Naturalmente, isso gerou inúmeros casos de envolvimentos com mulheres locais que foram permitidos
desde que mantida a discrição e no âmbito privado. Aos descendentes mestiços, foram designados postos de
administração local que serviram para assegurar a administração colonial britânica.
O legado do regime dos Brookes resultou numa reação diferente à chegada dos japoneses em 1941. Em Sarawak,
a reação dos locais foi de dura resistência contra qualquer compromisso aos invasores nipônicos e leais aos
britânicos. No Bornéu holandês ao sul, em Kalimantan, deu-se o contrário. Devido à dura administração holandesa,
os japoneses passaram a ser vistos como libertadores do jugo ocidental e muitos aceitaram a proposta de uma Esfera
de Co-Prosperidade Asiática do governo de Tóquio, a restaurar a Ásia para os asiáticos. Os habitantes de
Kalimantan desejaram, antes de tudo, distância do retorno dos holandeses. No norte de Bornéu, em Sarawak, ao
contrário, a sua população multiétnica, junto com Brunei, desejaram a presença britânica mesmo após a retirada dos
japoneses em 1945.
Os britânicos assim se beneficiaram com a política dos Brookes em Sarawak. E viram com bons olhos a
decadência das autoridades dos holandeses na região que tinham marcado presença em Aceh depois da longa Guerra
de Aceh (1874 - 1904) e dos espanhóis sobre o sultanato de Sulu na década de 1870. O sultão de Sulu tinha inclusive
requisitado ajuda a Londres na luta contra os espanhóis, mas o Secretário de Estado de Relações Exteriores em
Londres, Lord Granville (1815 - 1891), convenientemente negou assistência, pois assim veria o enfraquecimento de
duas presenças a se contrapor ao norte de Sarawak. O mesmo Lord Granville, visando o pleno domínio britânico no
sudeste asiático, tinha negado pedidos do rei belga, Leopoldo II (r. 1865 - 1909), que buscou insistentemente uma
colônia tropical rentável em Bornéu que acabou se concretizando no Congo africano na década de 1880.
As relações dos britânicos e holandeses em geral foram boas, pois desde 1824 tinham acordado que a Holanda
não pretendia expandir sua presença na ilha de Bornéu ao ponto de ameaçar Sarawak. Além disso, no ano seguinte,
as autoridades britânicas conseguiram assinar acordo com o sultão de Brunei que não haveria cessão de territórios na
ilha sem a prévia concordância de Londres. Isso não se aplicou ao restante do arquipélago indonésio, que assistiu à
expansão batava até mesmo na ilha de Bali. Foi nessa que ocorreu um dos capítulos mais infames do colonialismo
holandês, pois em 1908, a família real balinesa em Klungkung marchou empunhando apenas lanças e espadas contra
as metralhadoras da força expedicionária holandesa (fig.). Episódio similar tinha ocorrido em Bandung, em Java. O
episódio ilustrou a firme crença dos balineses em vidas reencarnadas do hinduísmo, presente em Bali desde antes do
advento do Islã em Java, fazendo-os considerar essa vida como uma entre muitas a serem superadas. A morte
perfeita, sampura, é valorizada como um fim almejado no longo ciclo de vidas e mortes.

Fig. - O massacre (puputan, em balinês) de Klungkung em Bali, em 1908. A abdicação extrema da vida firmado nos ideais hinduístas da transmigração
em vidas sucessivas (samsara).

O massacre em Klungkung causou furor na opinião pública internacional e na monarquia holandesa, fazendo
com que a rainha Guilhermina (r. 1890 - 1948) aprovasse uma série de leis a assumir preceitos éticos da
administração colonial no sudeste asiático. O que não impediu os holandeses de empregarem mão-de-obra
compulsória e escrava em Java e nas outras ilhas ocupadas da região desde os tempos da CIOH no século 17 no
cultivo das especiarias, como noz-moscada na ilha de Banda. Em 1859, os holandeses adquiriram parte das ilhas
Sunda e parte da ilha de Timor dos portugueses que estavam em bancarrota. E passaram a promover uma política de
cotas de cultivos compulsórios em suas colônias, cultuurstelsel [1100], Tanam Paksa em indonésio, "plantações
forçadas". Em Sumatra, houve longos conflitos na Guerra de Aceh (1874 - 1904) que teve um fim exaustivo para
ambos os lados em conflito. Estava aparente, portanto, as limitações e decadência do colonialismo holandês. A
atitude intransigente dos batavos na Ásia ficou evidenciada na declaração de um de seus conselheiros em assuntos
estrangeiros, quando preferiu erradicar a população de Aceh a ser repovoada por colonos holandeses advindos de
Amboina, nas ilhas Molucas. Essa atitude depois seria apenas tolerada pelos americanos quando se viram frente à
expansão japonesa no sudeste asiático em meados do século 20, mas a queda da Holanda aos nazistas em 1940
acelerou o fim de seu império colonial de maneira inexorável.
Foi na Indochina Francesa que houve um amplo movimento de resistência armada ao colonialismo europeu. Os
vietnamitas jamais aceitaram o que foi negociado com os últimos regentes da Dinastia Nguyen. O imperador Tu Duc
(r. 1847 - 1883), cuja morte adveio em 1883, acelerou ainda mais a imposição francesa em administrar boa parte do
Vietnã, incluindo as regiões centrais e setentrionais. O avanço francês acendeu o sinal de alerta dos chineses que
consideravam o norte vietnamita, Tonquim, como parte tributária de seu império no passado. Com a morte de Tu
Duc, muitos de seus conselheiros e ministros decidiram convocar a população para lutar contra as forças francesas.
Tropas chinesas chegaram da fronteira norte para reforçar as lutas contra os franceses, mas o resultado em 1885
forçou os chineses e vietnamitas a abdicar de qualquer soberania. Assim foi assinado o Tratado de Tianjin, com a
autoridade imperial chinesa abrindo mão de sua histórica suserania sobre o Vietnã. A partir de então, até o último
imperador vietnamita, Bao Dai (r. 1926 - 1945), o Vietnã seria governado colonialmente pelos franceses.
O interesse francês se concentrou em explorar as possibilidades agrícolas e estratégicas do rio Mekong. Foi por
esse rio que os franceses adentraram e começaram a impor sua autoridade sobre a monarquia cambojana. Em 1856,
houve uma tentativa de parte da corte cambojana em Phnom Penh de rejeitar os termos franceses, mas houve reverso
dessa tendência em 1863, quando a França por meio de tratado, assegurou poder sobre todos os assuntos
administrativos, jurídicos e comerciais do Camboja. Sem dúvida a presença de uma canhoneira no rio perto da
capital cambojana teve seu efeito persuasivo. Os tailandeses, mais ao oeste, teriam o mesmo desgosto, quando em
1893 os franceses foram tirar satisfação em Bangkok pela morte de um oficial no Laos. Decorrente disso, a
Tailândia abdicou de seu suserania sobre a região para Paris.
Foi preservada a estrutura monárquica cambojana com a nomeação de um rei francófilo, Sisowath (r. 1906 -
1927) em 1906 (fig.). Na sua coroação, o soberano cambojano ainda era considerado como a própria ordem cósmica
pelos seus súditos, e sua coroa pontiaguda como moradia da deusa Indra, o Monte Meru. Mas a coroa havia sido
entregue pelo Residente-Superior francês, Henri Félix de Lamothe (g. 1902 - 1904), presente na cerimônia,
revelando a verdadeira face do poder colonial. Sisowath, atuou como vitrine da tradição e cultura khmer nos anos
seguintes, a servir ao propósito francês colonial. Atendeu com sua corte e dançarinas reais à Exibição Colonial em
Marselha em 1906, provocando viva admiração na sociedade ocidental com as suas apresentações de danças [1101].

Fig. - Foto do rei cambojano Sisowath em seus trajes cerimoniais e coroa real que remete à ordem cósmica do Monte Meru.

A última adição ao império francês se deu com o Laos, um reino cercado de terra com acesso apenas ao médio
curso do rio Mekong. O reino no passado havia sido disputado por chineses, vietnamitas, birmaneses e tailandeses.
Esses últimos ainda consideravam a região como vassalos e estavam presentes na capital laosiana, Luang Prabang,
com um regimento militar desde que o reino de Sião tinha conquistado a região em 1779, apesar disso ter sido
motivo de guerra entre os siameses e vietnamitas entre 1831 e 1834. Em meados do século 19, o Laos encontrava-se
em estado abandonado e deplorável. Dependia da importação de arroz, pois seu solo não era tão fértil quanto os do
Camboja e Vietnã. Em 1893, depois dos franceses terem tomado o Laos do controle tailandês, foi transferida a
capital laosiana mais para o sul, ao longo da parte navegável do Mekong, em Vientiane. Os franceses tentaram
promover o desenvolvimento da sua colônia, mas houve escassez de mão-de-obra para trabalhar nas lavouras. Os
imigrantes vietnamitas preferiram se envolver no comércio e no governo francês colonial.
Voltando ao Vietnã, as relações com os franceses começaram a azedar ainda mais em 1906, quando o líder
nacionalista Phan Chu Trinh (1872 - 1926) escreveu uma carta ao Governador-Geral, Paul Beau (g. 1902 - 1907),
para implementar as reformas modernizadoras necessárias e a respeitar os vietnamitas como iguais. Pleiteou também
a liberdade de imprensa, abertura de escolas e ampliação de direitos de todos. Beau concordou com tais termos, mas
houve viva reação por parte dos defensores do imperialismo francês, militares, colonos e tradicionalistas
vietnamitas. Em 1907, Beau foi removido do seu cargo e as propostas de reformas foram abandonadas. A situação
no Vietnã depois se agravou depois que o imperador Thanh Thai (r. 1889 - 1907) foi forçado a abdicar do seu trono
por supostamente ser suspeito de participar de atividades rebeldes anti-francesas. Seu filho e sucessor, um menino
de oito anos, Duy Tan, tentou depois implementar as reformas modernizadoras inspiradas no Imperador Meiji do
Japão, mas sua autoridade imperial se encontrava subserviente aos franceses e isolado na corte imperial em Hué.
Ameaça mais séria foi organizada por Phan Boi Chau (1867 - 1940) (fig.), que tentou envenenar em Hanói
alguns oficiais franceses num banquete. Esperava com isso catalisar uma rebelião massiva na cidade a se alastrar
pelo país. A dosagem de veneno foi insuficiente e Phan Boi Chau fugiu para o exterior antes de ser capturado em
Xangai em 1925. Retornado para a Indochina Francesa, Phan Boi Chau foi aprisionado e torturado na infame prisão
Hao Lo ("Buraco do Inferno") em Hanoi e depois foi colocado em prisão domiciliar. A tentativa de fomentar
rebelião de Phan Boi Chau falhou miseravelmente até meados da década de 1930, quando ocorreram motins de
soldados vietnamitas contra o Exército Colonial, provocando dura reação francesa. Houve bombardeios na capital da
província de Nghe An, a meio caminho entre Hanói e Hué. Liderado por nacionalistas, os soldados amotinados se
juntaram a milhares de camponeses descontentes com anos de abuso de proprietários rurais e altos impostos
cobrados. Após um dia de ataque aéreo francês, foram mortos dois mil ativistas e mais de 50 mil foram detidos.
Entre esses presos estava a irmã e cunhada de Vo Nguyen Giap (1911 - 2013), professor de história napoleônica que
se revelou um dos mais brilhantes generais do século 20.

Fig. - Phan Boi Chau, um dos maiores ativistas vietnamitas contra a dominação francesa que tinha se inspirado nas ideias de Rousseau.

O imperador Bao Dai (r. 1926 - 1945) ascendeu ao trono vietnamita em 1926, e pouco depois decidiu prosseguir
seus estdos na França, retornando ao Vietnã apenas em 1932. Tendo visto como as autoridades francesas impediram
qualquer tentativa de reforma, Bao Dai tentou defender maior abrandamento da administração colonial. Com pouca
resposta do Governador-Geral, Pierre Marie Antoine Pasquier, mais preocupado em desarticular e prender
qualquer atividade revolucionária na Indochina. Bao Dai entendeu que os franceses jamais iriam mudar o tom de sua
dominação em assuntos que afetariam a soberania da Indochina.
Nas Filipinas, ocorreu um curioso caso de intervenção dos EUA quando o governo de Washington decidiu
declarar guerra à Espanha em 1898. Os atritos começaram no Caribe, quando o presidente William McKinley (g.
1897 - 1901) reagiu com fúria ao afundamento do navio USS Maine na Baía de Havana. Diante de anos anteriores de
revoltas dos cubanos contra os abusos das autoridades espanholas, o governo em Washington resolveu intervir e
invadir a ilha em abril de 1898. A opinião pública americana foi severamente influenciada por publicações
tempestivas de tablóides publicados pelo magnata William Randolph Hearst (1863 - 1951) e por Joseph Pullitzer
(1847 - 1911).
A invasão cubana acarretou depois na invasão de outras colônias espanholas no mundo, no que veio o interesse
de Washington pelas Filipinas, próximas ao visado mercado chinês e a garantir uma posição estratégica no Pacífico.
McKinley, um ardoroso metodista, ficou chocado com a conversão dos filipinos ao catolicismo depois de séculos de
administração espanhola. E passou a ver o papel dos EUA em revelar a verdadeira palavra dos Evangelhos a partir
de 1899. Nesse sentido, missionários americanos foram para as Filipinas em massa, que ficaram consternados com a
forte presença muçulmana que sempre resistiu às tentativas espanholas nas ilhas meridionais em torno de Mindanao.
A Espanha enfrentava uma dura situação colonial nas Filipinas em fins do século 19, que veio a servir ao
propósito de McKinley em assegurar bases americanas no sudeste asiático e Pacífico. Assim, a ilha de Guam
próxima às Filipinas foi anexada em 1898, a primeira conquista da Guerra Hispano-Americana (1898 - 1899). No
mesmo ano, McKinley derrobou a monarquia nas ilhas do Havaí, temendo o plano imperial japonês em ampliar sua
presença no norte do Pacífico. Além do Havaí, os americanos conseguiram o controle da Baía de Subic, a sudoeste
de Manila nas Filipinas. Guam, Havaí e Subic se tornariam nas maiores bases navais americanas no Pacífico e
sudeste asiático no século 20.
Os filipinos, naturalmente, reagiram com exasperação ao avanço americano contra os espanhóis. Tinham
percebido a verdadeira intenção dos novos invasores, e um dos líderes rebeldes, Emilio Aguinaldo (1869 - 1964)
(fig.), declarou que os novos mestres apenas estariam repondo os antigos. Em 1899, depois de terminado os conflitos
entre americanos e espanhóis, Aguinaldo, eleito como primeiro presidente filipino, começou a mobilizar seus
homens em táticas de guerrilhas, pois estava ciente da superioridade bélica dos EUA em táticas convencionais. As
tropas americanas, depois de anos de conflito, começaram a perder paciência e passaram a usar métodos brutais de
destruição. Nomeado como comandante militar em 1900, Arthur MacArthur Jr. (1845 - 1912), pai do general da
Segunda Guerra Mundial, Douglas MacArthur (1880 - 1964), passou a rapidamente considerar negociações com
líderes filipinos para suavizar os conflitos. Para tanto, buscou latifundiários que passaram a cooperar com os
americanos a combater e isolar os guerrilheiros filipinos rebeldes e impedi-los de entrar na arena política.

Fig. - Emilio Aguinaldo, fruto de uma geração apaixonadamente comprometida com os ideiais de independência e liberdade da Declaração da
Independência dos Estados Unidos, não sem certa ironia.

Eventualmente Aguinaldo foi capturado pelos aliados filipinos aos americanos em 1901 [1102], e teve que esperar
pela invasão japonesa em 1941 para ver alguma perspectiva de mudança na soberania filipina. O público americano,
nesse meio tempo, começou a reagir diante dos abusos cometidos nas Filipinas e uma campanha foi organizada a
defender o fim da dominação colonial. Foi estabelecida uma data de independência para 4 de julho de 1946, mesmo
dia em que os americanos comemoram sua independência. Mas as agressões sofridas pelos rebeldes filipinos diante
dos americanos, e depois com os japoneses, teriam um longo reflexo na política filipina na metade do século 20.

Sudeste Asiático (Meados do Século 20)


Os japoneses começaram a se destacar na Ásia depois de terem derrotados os russos na batalha naval de
Tsushima de 1905, despertando a atenção das autoridades europeias e americanas que temeram pelo futuro da China
nos seus últimos anos imperiais. Em 1937, esses temores começaram a se concretizar, dando início a nove anos de
lutas e expansões sobre a costa chinesa, dando aos japoneses uma base para posteriores avanços às ilhas chinesas e o
sudeste asiático nos eventos da Segunda Guerra Mundial. No interior chinês, contudo, a presença do Exército
Imperial Japonês foi sofrida, dando espaço ao surgimento de organizações que depois frutificará na tomada do poder
em Pequim em outubro de 1949 pelos comunistas chineses.
Vendo-se limitado ao acesso ao interior chinês, portanto, foi um dos fatores que explicam a guinada japonesa
rumo ao sudeste asiático, a partir do Vietnã e ilhas da costa chinesa em diante a partir de 1941. O governo chinês
nacionalista, o Guomindang (GMD ou KMT), que tinha governado o país desde 1928, liderado por Chiang Kai-Shek
(1887 - 1975) e seus aliados, tinha se refugiado dos japoneses rumo à província interiorana de Sichuan, na cidade de
Chongqing em 1937. Atolados diante das dificuldades em estender suas ofensivas para o interior chinês, os
japoneses começaram a sofrer diante de uma série de embargos econômicos de países europeus e dos EUA,
principalmente de ferro, níquel e petróleo, essenciais para sua máquina de guerra e economia. Havia reservas desses
recursos naturais no sudeste asiático, como na Malaia e ilhas indonésias, e assim que os alemães invadiram a França
em 1940, Tóquio resolveu então partir para a Indochina Francesa cujo Governador-Geral, o Almirante Jean Decoux
(g. 1940 - 1945), tinha jurado lealdade como aliado ao novo governo francês de Vichy pró-nazista e, portanto,
também dos japoneses via o Pacto Tripartite de 1940.
As repercussões da Segunda Guerra Mundial na Europa foram, portanto, decisivas no sudeste asiático. A
Indochina Francesa inseriu-se imediatamente no contexto da guerra, ao seguir a nova política de Vichy em oferecer
bases e apoio aos aliados dos alemães na Ásia. Ademais, todas as relações com os britânicos e seus aliados foram
rompidas. No Sião, o ditador Luang Phibunsongkhram (ou Phibun como era conhecido) (g. 1938 - 1944) (fig.)
rapidamente orientou sua política a buscar ganhos diante dos aliados nazistas alemães e japoneses. Mudou o nome
do país para Tailândia, visando enfatizar a herança dos tais em detrimento dos descendentes de chineses a agradar os
japoneses. Assim, Phibun ganhou promessas de Tóquio de que a Tailândia teria recuperado seus territórios ao leste,
no Camboja e Laos que tinham perdido aos franceses no final do século 19. Adotando tal postura, a Tailândia passou
a receber aviões, armamentos e torpedos do Governo Imperial Japonês a partir de 1940 e 1941. E como recompensa
por ingressar na Grande Esfera de Co-Prosperidade Asiática, nome pelo qual foi referido o império japonês, Phibun
almejou ter de volta alguns territórios perdidos aos britânicos no norte da península malaia e Birmânia.

Fig. - General Phibun revistando as tropas em 1941.

Phibun teve, pois, o aval das autoridades japonesas na medida em que esses começaram a ter um avassalador
sucesso ofensivo sobre o leste e sudeste asiático. E o Japão pressionou seu aliado, Alemanha, a convencer da
importância de ter garantida a passagem pelo território da Indochina Francesa (que jurou obediência ao regime de
Vichy) para depois avançar em direção à península malaia a chegar à maior base britânica na Ásia, Cingapura.
Sendo assim, Hitler mandou comandos proibindo qualquer envio de esquadras e reforços franceses para a região,
deixando-a vulnerável aos japoneses.
A estratégia japonesa no sudeste asiático e Pacífico, pois, dependeu da Alemanha a conter os britânicos e
americanos em 1941. Os EUA já tinham se colocado como adversários aos japoneses quando tinham aprovado uma
série de leis de embargo de venda de produtos estratégicos ao país leste asiático: ferro, petróleo e aço entre outros.
Outros países aliados se juntaram a Washington nesse mesmo sentido, perfazendo o que foi chamada em inglês
como a Linha ABCD (ebishidi rain, em japonês): America, Britain, China and Dutch. A presença americana já tinha
se consolidado desde fins do século 19 nas Filipinas, Guam e no Havaí, mantendo-se apreensivos com o
expansionismo nipônico. Por outro lado, os japoneses tinham assinado acordos de neutralidade com Moscou em
1941, pois tinham sido derrotados na Mongólia após a batalha de Nomonhan em 1938, perto do rio Khalkhin Gol.
No que os japoneses depois decidiram se concentrar nos avanços ao sul sobre a China e sudeste asiático.
O governo em Tóquio resolveu partir para ofensivas além da China quando ficou sabendo das invasões alemãs
sobre o território soviético em junho de 1941, rompendo com o Pacto de Não-Agressão de Ribbentrop-Molotov. Os
japoneses estavam cientes de que estender as suas operações para mais adiante da imensidão chinesa comprometeria
seu esforço de guerra, e por isso decidiu agir o mais rápido possível para ter o máximo efeito de surpresa e
consternação das possessões coloniais europeias na Ásia, e poder depois garantir uma retaguarda a evitar posteriores
avanços dos EUA do Pacífico e do Mar da China Meridional.
Foi como parte dessa estratégia que a Marinha Imperial Japonesa lançou em 8 de dezembro de 1941 um ataque
naval surpresa contra a maior base americana no Pacífico, em Pearl Harbor, no Havaí. Que não se revelou bem-
sucedida, apesar da surpresa, pois não estavam presentes os cruciais porta-aviões, dois deles, USS Lexington e o
USS Enterprise que depois seriam fundamentais para os ataques no Mar de Coral e Midway. Mesmo os navios de
guerra atingidos em Pearl Harbor foram afundados a pouca profundidade perto de suas ancoragens, permitindo os
seus consertos posteriores. Assim, foi garantido aos EUA o apoio e base necessária para seus ataques contra os
japoneses nos meses seguintes da guerra.
Nas Filipinas, contudo, a invasão japonesa dez horas depois do ataque de Pearl Harbor trouxe perspectivas
imediatas mais sombrias. O comandante militar no arquipélago, General Douglas MacArthur (1880 - 1964), buscou
chamar a atenção das autoridades em Washington das limitações materiais e humanas para a defesa do país. O
avanço nipônico foi extraordinário nos meses seguintes de 1942. Já em março, a Malaia, Cingapura, Bornéu dos
britânicos e as Índias Orientais Holandesas foram tomadas pelo Exército Imperial Japonês. A partir dos acordos com
Phibun da Tailândia, o Japão fez ofensivas sobre a Birmânia e buscou cortar a linha de suprimentos dos aliados dos
chineses mais ao norte. Os americanos e filipinos resistiram até maio, com a saída de MacArthur para bases
australianas em março de 1942. Essas notícias assombraram o mundo ocidental, mas não provocou maior impacto
do que a tomada de Cingapura dos britânicos, com a rendição de 85 mil homens. Foi um tremendo golpe no orgulho
imperial britânico, ao que o primeiro-ministro Winston Churchill (g. 1940 - 1945) declarou ser o pior desastre da
história britânica.
Essa ofensiva tinha sido resultado de meses de ofensivas bem-sucedidas pela Tailândia e península malaia. Os
britânicos bem que tentaram, envolvidos no esforço de guerra contra os alemães, conter os japoneses no Istmo de
Kra, na fronteira da Malaia com a Tailândia. Mas a ousadia dos planos do General Tomoyuki Yamashita (1885 -
1946), presente na região meridional tailandesa em Singora, resultou no prosseguimento rumo às terras malaias mais
ao sul em novembro de 1941, a buscar melhores bases aéreas e assim capturando forças britânicas ainda
despreparadas (fig.). A rapidez de seus homens, da 25ª Divisão, foi fator decisivo para alcançar e pegar desprevenida
a defesa terrestre de Cingapura que foi realizada em fevereiro de 1942, a tempo de servir de presente de aniversário
ao Imperador Hirohito em 29 de abril.

Fig. - Tropas japonesas agachadas numa rua em Johore Bahru nas etapas finais da campanha de ofensivas na Malaia Britânica.

Phibun, sem hesitação, tinha assinado acordos com os japoneses garantindo o reino tailandês autonomia no teatro
de guerra. Em princípio, a nação tailandesa se manifestou entusiasmada por enxergar a independência da Tailândia
como única no sudeste asiático. Mas as duras imposições de Tóquio, de arroz, borracha e estanho, em troca de nada
da economia japonesa, começaram a mudar tal atitude. As forças ocupantes, ademais, começaram a intensificar seus
esforços de guerra e passaram a imprimir mais moeda tailandesa que gerou pressões inflacionárias e aumento do
mercado paralelo diante dos elevados preços e falta de suprimentos de mercadorias. Já em meados de 1942,
começaram a surgir massivos movimentos de resistência anti-japonesa e contra Phibun, como o Seri Thai. Phibun
não resistiu aos rebeldes tailandeses, apoiados pelos EUA, e caiu de seu cargo de líder ditatorial em junho de 1944.
No nordeste da Malaia, o oficial japonês Masanobu Tsuji (1901 - 1961) tinha descrito o contraste da tomada de
Singora com a de Kota Baru, capital de Kelantan. Nessa região, os britânicos apresentaram maior resistência e os
japoneses foram atacados por aviões da Royal Air Force (RAF), custando aos japoneses a baixa de 320 mortos e
mais de 530 feridos. Mas com a tomada das bases aéreas britânicas da região foi dada superioridade aos planos
ofensivos de Tomoyuki Yamashita sobre o restante da península. A superioridade naval japonesa já tinha sido
demonstrada, pois os britânicos mal conseguiram mobilizar navios de guerra suficientes, como o Prince of Wales e o
Repulse, além do porta-aviões Indomitable, para a defesa de Cingapura. Ao que restou apenas 246 aviões da RAF
para resguardar a ilha contra os ágeis aviões caça dos japoneses, o Mitsubishi Zero [1103]. Três dias depois de Pearl
Harbor, praticamete toda a força naval britânica tinha sido afundada. Restaram apenas alguns destróiers com cerca
de dois mil marinheiros que se renderam facilmente sem o apoio aéreo necessário (fig.). A culpa das seguidas
derrotas britânicas na Ásia começou a afetar a popularidade do primeiro-ministro, Winston Churchill.
Fig. – O império britânico se desmorona. A rendição oficial de Cingapura pelas mãos do General Arthur Percival aos japoneses na pessoa do General
Tomoyuki Yamashita em 1942.

Pois o líder britânico ainda acreditava na superioridade naval britânica, natural por ter sido membro da orgulhosa
Royal Navy, e julgava as selvas malaias como intransponíveis para avanços terrestres japoneses. Tomoyuki
Yamashita explorou essa falha estratégica britânica com brilho militar. O comandante japonês tinha aprendido isso
quando lutou em Saigon contra guerrilhas vietnamitas rebeldes. Mesmo com a ação de alguns militares britânicos
treinados em guerra na selva, como o do regimento britânico de infantaria de Argyll e Sutherland, sem o apoio naval
e de transporte, pouco se podia fazer a deter os japoneses na Malaia.
A última falha na defesa de Cingapura adveio das decisões precipitadas do General Gordon Bennett (1887 -
1962) à frente da 8ª Divisão Australiana a defender a frente noroeste da ilha. Recusando-se a ouvir ordens sobre suas
tropas, Bennett recusou-se a admitir seus erros quando subestimou as ofensivas japonesas e, depois, em não
comunicar ao seu superior em comando sobre a rendição de seus homens, abandonando-os quando fugiu para a
Austrália num navio pesqueiro. A rendição de Cingapura foi assinada em 15 de fevereiro de 1942, numa antiga
fábrica da Ford em Bukit Timah. Tomoyuki Yamashita admitiu que a tomada da base britânica foi rápida, assim
como as campanhas na Malaia que duraram ao todo apenas 70 dias. Os japoneses renomearam a ilha como Syonan,
"Ilha da Luz e Paz no Sul", mas a paz nunca adveio sobre seus habitantes, pois milhares de cingapurense, homens
entre 15 a 50 anos de idade, foram detidos e mortos. Mais temido ainda foi a Polícia do Exército Imperial Japonês, o
Kempeitai, que agiu duramente na perseguição e repressão contra qualquer sinal de traição e rebelião.
Depois da tomada de Cingapura, outras bases britânicas no sudeste asiático ficaram vuneráveis. Kuching, capital
de Sarawak no norte da ilha de Bornéu, foi sujeitada a ataques aéreos constantes a testar a resilência de seus
habitantes desde dezembro de 1941 até sua rendição em abril do ano seguinte. A ausência de aviões e navios aliados
esgotou a moral dos defensores de Kuching e muitos passaram a considerar o governo da dinastia dos Brookes como
incapaz e débil. Na Birmânia, o impacto dos avanços japoneses foi ainda maior contra os britânicos. Pois muitos
birmaneses começaram a articular com Tóquio um futuro governo nacionalista anti-britânico a sere negociado por
Aung San. Esse elo, contudo, rapidamente se esvaiu aos olhos birmaneses, uma vez que os japoneses começaram a
se retirar da região depois do infame massacre de Kalagong em julho de 1945.
Com a derrota dos britânicos a se restringir à Índia, a presença europeia no sudeste asiático foi ínfima. Lisboa
ainda esteve presente no leste da ilha de Timor mas isso não impediu a ação dos australianos de conduzirem ações
de guerrilha contra os japoneses na região. A mudança colonial acarretou numa humilhação dos ocidentais ante a
percepção das populações locais. Na Malaia, os prisioneiros britânicos e australianos foram obrigados ao trabalho
forçado manual a servir de serventes aos japoneses. Nas Filipinas, os americanos e filipinos envolvidos na
resistência foram forçados a uma marcha, a de Bataan, em abril de 1942, em que mais de 60 mil prisioneiros
andaram mais de 100 km até Camp O'Donnell com mais de cinco mil mortos. A intransigência japonesa foi
especialmente dirigida aos filipinos, considerados como lacaios coloniais. Nos últimos meses de guerra, em 1945, no
norte de Bornéu, em Sandakan, por volta de dois mil e 500 prisioneiros aliados aos britânicos foram forçados a
marchar até a morte, provocando a ira dos libertadores australianos que recapturaram a cidade e fizeram vista grossa
com os caçadores de cabeças dos dyaks contra os japoneses restantes na ilha. Em Kuching, onde havia a maior
prisão na ilha de Bornéu, os detentos dos japoneses escaparam por pouco com a chegada dos aliados anti-japoneses.
A impetuosidade dos japoneses produziu rancor entre boa parte da população asiática. Nas Índias Orientais
Holandesas, os nativos passaram a se concentrar contra a volta dos holandeses, como ocorreu em Java e Sumatra.
No norte dessa última ilha, em Aceh, a resistência tinha inspiração muçulmana mesmo à época da ocupação
japonesa e esses tiveram que intervir contra as campanhas locais de sabotagem em 1942, organizados por clérigos
islâmicos da Associação Pan-Aceh de Estudiosos Religiosos (PUSA, Persatuan Ulama Seluruh Aceh) [1104], contra a
economia local, ao que acabou piorando ainda mais os efeitos deletérios do esforço de guerra almejado por Tóquio.
As revoltas locais indonésias tiveram efeitos na agricultura que tinha sido reorientada para beneficiar o Japão. O
preço do açúcar foi mantido artificialmente baixo visando a vantagem dos fazendeiros japoneses, causando revolta e
fome entre os trabalhadores rurais indonésios. Na Malaia, as consequências dessa política agrícola japonesa resultou
em períodos de subnutrição e fome, afetando o crescimento e desenvolvimento da estatura de crianças e jovens
malaios. Há relatos de crianças de 14 anos com altura semelhante a de crianças de 7 ou 8 de idade. A escassez
crônica de alimentos resultou no deslocamente forçado de 300 mil cingapurenses, por volta de 40% da população da
ilha para Endau, no norte de Johor [1105].
Desde o início, as autoridades japonesas tentaram aplacar e negociar com as lideranças políticas e religiosos
indonésias, visando extrair cooperação na luta contra a presença europeia no arquipélago. Alguns indonésios
sinceramente esperavam com isso algum grau de independência contra os holandeses e talvez a esperar acordos de
cooperação com a moderna economia japonesa. Talvez isso tenha impedido de muitas lideranças de enxergar a
exploração das bases e recursos da Indonésia a atender unicamente aos interesses dos japoneses, assim como havia
sido feito os holandeses nos séculos anteriores. A única mudança com relação ao passado colonial foi o rompimento
racial que os holandeses tinham implementado contra os locais, pois os japoneses se esforçaram em humilhar a
condição da suposta superioridade inerente dos europeus. Ainda assim, os japoneses impuseram duras condições de
dominação entre os indonésios, com a implementação de reformas no campo da educação, a ensinar
compulsoriamente o ensino da língua japonesa [1106].
Ahmed Sukarno (1901 - 1970) (fig.), futuro primeiro presidente indonésio, não teve ilusões a respeito das
intenções japonesas, mas tirou proveito de sua ocupação para avançar sua agenda nacionalista e combater a presença
holandesa. Foram as autoridades imperiais japonesas que buscaram tirar esse líder nacionalista, juntamente com
Mohammad Hatta (1902 – 1980), das prisões holandesas e a trabalhar para uma nova constituição republicana
independente. O novo estado a nascer teria um forte cargo presidencial a consolidar a união entre as incontáveis
ilhas e diversidade étnica e cultural, mesmo entre alguns povos na Malaia e em Bornéu (algo que depois teria que ser
negociado com os britânicos e lideranças locais após a Segunda Guerra Mundial). Os líderes indonésios, contudo,
não quiseram ser vistos como meros lacaios dos japoneses e Sukarno esperou dois dias após a rendição dos
japoneses para proclamar a independência indonésia em 17 de agosto de 1945.

Fig. - Ahmed Sukarno, arquiteto, filho de brâmanes balineses e aristocratas indonésios que estudou em prestigiadas escolas holandesas em Java para
depois reivindicar independência em meio ao turbilhão da Segunda Guerra Mundial.

Os americanos já tinham prometido a independência das Filipinas depois da expulsão dos japoneses na Segunda
Guerra Mundial. A presença japonesa entre os filipinos causou ressentimento e revolta, muito em parte devido à
dureza no tratamento aos filipinos que não se interessaram em cooperar rumo à Grande Esfera Asiática de Co-
Prosperidade. Na Birmânia, houve certo alento no movimento de libertação colonial com a chegada dos japoneses e
isso resvalou para a vizinha Índia, na ascensão de um partido ultranacionalista sob liderança de Subhas Chandra
Bose (1897 - 1945), que não se deteve em buscar se aliar aos alemães e japoneses para combater a presença britânica
colonial. Bose conseguiu o apoio de 18 mil homens armados, muitos deles tâmeis e bengalis, mas poucos oficiais
indianos responderam aos seus apelos extremados. A tentativa de Bose em formar um Exército Indiano Nacional,
portanto, foi dado ao fracasso, uma vez que não contou com nenhuma massiva adesão nacional indiana que preferiu
os discursos de Gandhi, Nehru e de Ali Jinnah. Na Birmânia, os japoneses se viram acuados frente ao avanço de
tropas nacionalistas birmanesas e do comando da 14ª Divisão do australiano, General William Slim (1891 - 1970).
As vitórias decisivas dos britânicos e indianos contra os japoneses na região se deram ainda no extremo leste indiano
em meados de 1944, em Imphal e em Kohima, em que mais de 100 mil soldados japoneses foram depois expulsos e
mortos em combate com a recaptura da cidade birmanesa de Rangum no início de 1945.
De meados de 1944, os americanos já tinham começado a retomar as ilhas do Pacífico e do sudeste asiático
contra os japoneses e conquistaram as estratégicas ilhas de Iwo Jima e Okinawa depois de terem retomado as
Filipinas (mapa). Nessas batalhas nas ilhas meridionais japonesas, houve ondas de suicídio e desespero tático
demonstrando a extrema lealdade (e desconhecimento) da população japonesa frente aos americanos. Desses ganhou
fama jovens membros do Divisão Especial de Ataque dos japoneses, tokkotai, que demonstraram sua lealdade a
refletir o código de honra dos samurais, o bushidô, a cometerem suicídio ao jogarem aviões, embarcações e
protótipos de foguetes (Yokosuka MXY-7 Ohka) contra os inimigos. Essas táticas, no entanto, pouco efeito
produziu a deter o avanço dos Aliados contra o Império do Sol Nascente. Depois de mais alguns meses de luta, os
americanos perceberam que as autoridades em Tóquio dificilmente iriam apresentar rendição, mesmo com intensos
bombardeios incendiários nas grandes cidades japonesas a partir de bases americanas conquistadas. Diante disso, o
presidente Harry Truman (g. 1945 - 1953) decidiu autorizar o lançamento de duas bombas atômicas sobre as cidades
de Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945. Mesmo após alguma hesitação, o imperador Hirohito (1901 - 1989) foi
ouvido pela primeira vez numa transmissão gravada para a população japonesa a clamar o Japão a buscar restaurar a
paz e aliviar o mundo dos sofrimentos da guerra. Nunca a humilhante palavra derrota nem rendição foi usada no
discurso transmitido. A família imperial japonesa ainda seria poupada pelo novo comandante americano no Japão,
General Douglas MacArthur.

Mapa – O titã se volta com fúria. As ofensivas americanas e aliados contra os japoneses entre 1941 a 1945.

A dramática rendição de Cingapura em 1942 não deu fim definitivo ao colonialismo ocidental no sudeste
asiático. Certamente um dos fatores para a revisão da política imperialista britânica se deu com a eleição do
primeiro-ministro do Partido Trabalhista, Clement Attlee (g. 1945 - 1951), que buscou reorientar toda a postura de
Londres com o que considerava como possessões coloniais onerosas e anacrônicas. Seu primeiro passo se deu com a
Índia e Paquistão que conquistaram a independência em 1947 após anos de lutas de suas lideranças nacionalistas. No
mesmo ano, a Birmânia conquistou o mesmo status, apesar de seu primeiro líder, Aung San (fig.), ter sido
metralhado em seu gabinete em 19 de julho de 1947, poucos meses depois de ter assumido seu ofício. A Birmânia
tinha decidido deixar a Comunidade Britânicas das Nações (Commonwealth), entidade que buscava preservar os
laços entre os países que fizeram parte do império britânico.
Fig. - Aung San, primeiro e talvez único líder inconteste da Birmânia (Mianmar).

Na Malaia, as perspectivas depois da Segunda Guerra Mundial pareceram ser mais otimistas, pois os britânicos
conseguiram negociar com Tunku Abdul Rahman (g. 1957 - 1971), a fazer a transição política para a independência.
Nascido em família rica, irmão do sultão de Kedah, Tunku ("Príncipe" em malaio) soube acalmar a ansiedade da
sociedade malaia constituída historicamente pela diversidade entre muçulmanos malaios, chineses e indianos. Sua
postura conciliadora impressionou Londres e Washington que passaram a considerá-lo como baluarte contra
possível alastramento de comunistas advindos do Vietnã, Laos, Camboja e do presidente Sukarno da Indonésia.
No norte da ilha de Bornéu, os britânicos tiveram que lidar com as expectativas de sua população sobre o futuro
reino de Sarawak, sob a dinastia da família Brooke, os "rajás brancos". O último rei, Charles Vyner Brooke (r. 1917
- 1946), tinha cedido seu reino aos britânicos em 1946 e os habitantes de Sarawak buscaram então manter sua
autonomia frente a possíveis incorporações a Malaia. Londres, nesse sentido, propôs uma Federação da Malásia, em
que Sarawak faria parte a partir de um governo em Kuala Lumpur a garantir sua autonomia em assuntos
governamentais internos. Essa conquista política se deu após exaustivas rodadas de negociações e a decisiva
participação de Sir Anthony Abell (1906 - 1994) a quem os sarawakianos tinham grande estima. Assim, em 31 de
agosto de 1957, o poder colonial britânico foi transferido para o primeiro-ministro Tunku Abdul Rahman.
Restava a condição dos territórios ricos em petróleo de Brunei, além da ponta meridional da península malaia,
Cingapura, que poderiam cair na dominação comunista a partir de suas comunidades chinesas. Que parece ter sido
em boa parte infundados esses temores, pois muitos simpatizantes da esquerda logo se viram na clandestinidade ou
buscaram o exílio na China comunista ou Indonésia sob Sukarno. Brunei ainda era um sultanato autocrático e sua
população logo se viu desfavorecida ao que foi prometido na independência da Federação da Malásia nas vizinhas
regiões de Sarawak e Sabah. Ressentia-se do fato de todo o poder estar nas decisões arbitrárias do sultão, à época
Omar Ali Saifuddien III (r. 1950 - 1967). Seu pai e antecessor no trono de Brunei, Ahmad Tajuddin (r. 1924 - 1967),
tinha começado a fazer as reformas modernizadoras do reino a partir das descobertas de enormes reservas
petrolíferas. Mas os tempos eram outros na década de 1950, e as demandas por melhores acessos à educação, saúde
e habitação, além de participação política, resultaram em algumas mudanças constitucionais em 1959. As reformas
foram consideradas demasiadamente insuficientes para A. M. Azahari (1928 - 2002) que, como líder do Partido
Popular de Brunei, lutou para ampliar os direitos sociais. Em 1962, após anos de lutas e manifestações, os poderes
do sultanato foram revistos e foi garantido a não inclusão de Brunei na Federação da Malásia.
Durante esse meio tempo, as Filipinas passaram a reivindicar as regiões do norte da ilha de Bornéu como
historicamente integrantes do Sultanato de Sulu no século 17, na região meridional filipina. Esses clamores foram
prontamente ignorados pelas autoridades em Londres e Washington, pois se temia desestabilizar ainda mais essa
região em fase formativa de independência. A paz em Bornéu somente adveio em 1966, com o fim das hostilidades
promovidas por Sukarno a reivindicar territórios ao norte da província indonésia de Kalimantan mais ao sul da ilha.
Restou apenas o destino da ilha de Cingapura, que temia pelo seu futuro pelo tamanho de seu território. Mas sob a
liderança de Lee Kuan Yew (g. 1959 - 1990) (fig.), que governou a ilha por décadas, Cingapura resolveu sair da
Federação da Malásia em 1965, e os cingapurenses transformariam seu estado num dos pontos mais prósperos da
economia global na segunda metade do século 20.
Fig. - Lee Kuan Yew. Líder do renascimento cingapurense no século 20.

Os holandeses e franceses, diferentemente dos britânicos, se recusaram de qualquer maneira de considerar as


independências de suas colônias após a Segunda Guerra Mundial. A presença imperial era considerada como
necessidade a restaurar o prestígio humilhado pelas ocupações nazistas. Assim, Paris teve que enfrentar as
expectativas prometidas dos japoneses ao Laos, Camboja e Vietnã de independência nos eventos da guerra. O
mesmo se dava com os indonésios sob os holandeses. Mas nenhum dos dois países europeus tinham saído da guerra
com suas finanças e força militar capaz de restaurar a administração colonial depois da rendição japonesa em 1945.
Acima do Paralelo 16 Norte, no Vietnã, os japoneses tinham sido ordenados a entregar seus equipamentos e
armas aos chineses que depois, a partir da tomada de Mao Zedong (g. 1949 - 1954 - 1959) em 1949 em Pequim,
passaram para os comunistas que os entregaram às forças do Viet Minh, "Liga Vietnamita", ordenação essa que
tinha sido organizada em 1941 a partir de rebeldes antifranceses e antijaponeses para lutar pela liberdade vietnamita.
Assim, esses revolucionários sob comando de Ho Chi Minh (1890 - 1969) foram supridos de metralhadoras, rifles e
cargas de munições. O Viet Minh tinha recusado terminantemente a reconhecer o imperador vietnamita restaurado,
Bao Dai (r. 1926 - 1945; 1949 - 1955), e invadiram Hanói e o norte do Vietnã com a rendição japonesa e declararam
uma república em 2 de setembro de 1945. Os franceses, uma vez retornados ao Vietnã visando restaurar seus
domínios após a guerra em 1946, tiveram assim que lidar com os comunistas do Viet Minh do norte vienamita como
uma entidade política declarada dentro do que Paris ainda considerava como a Indochina Francesa. Teve início a
Primeira Guerra Indochinesa que duraria até 1954.
No sul do Paralelo 16 no Vietnã, Paris articulou-se para manter sua hegemonia. E ali foi instalado um governo
autonômo, sob a regência imperial de Bao Dai que ficou no trono desde 1949 como figura a ser controlado pelos
franceses. No norte, os franceses recorreram ao Corpo Expedicionário Francês do Extremo Leste (Corps
Expéditionnaire Français en Extrême-Orient, CEFEO) e uma brutal tática de repressão e perseguição aos membros
do Viet Minh. O Viet Minh, confrontando-se com uma organização militar maior e com meios bélicos superiores em
termos convencionais de batalha, passaram a usar suas vantagens de conhecimento do campo e do apoio da
população local nos meios urbanos e rurais. Isso se deu principalmente pela genialidade do comandante militar do
Viet Minh, Vo Nguyen Giap (1911 - 2013) (fig.), que usou todo seu conhecimento prático e histórico das campanhas
napoleônicas de artilharia, e passou a fustigar ao longo dos anos os franceses em emboscadas, sabotagens e ataques
relâmpagos.

Fig. - Vo Nguyen Giap, ex-professor de história napoleônica que usou as táticas em campo contra franceses.

Com o passar dos anos, os franceses se viram obrigados a recorrer a mercenários, cujo comportamento, mesmo
da Legião Estrangeira, passou a ser cada vez mais questionado na sua lealdade. Aos olhos da população vietnamita,
houve maior alienação por enxergarem os soldados contratados como meramente a serviço da fortuna e glória.
Assim, com o desgaste dos anos, em 1954 a derrota francesa adveio, mesmo com o apoio aéreo dos EUA e seu
financiamento de mais de 80% de suas operações. Como última grande ofensiva a reverter os rumos da guerra no
norte vietnamita, os franceses reforçaram uma guarnição em Dien Bien Phu, remotamente ao noroeste de Hanói
perto da fronteira com o Laos. Foi uma falha fundamental, pois subestimaram as forças do Viet Minh sob Vo
Nguyen Giap tinha conhecimento do terreno local e conseguiu descarregar mais de 130 mil tiros de armas e
artilharia contra as posições francesas. Quando Dien Bien Phu finalmente se rendeu em 7 de maio de 1954, havia
apenas a área de dois campos de futebol sendo controladas pelos franceses, que se renderam ao Viet Minh (fig.). A
derrota foi humilhante ao governo francês. Conta-se que as estações de rádio tocaram por diversas vezes o Réquiem
de Berlioz [1107].

Fig. - Bandeira do Viet Minh hasteada sobre a base francesa capturada em Dien Bien Phu em 1954.

A guarnição francesa tinha se rendido logo antes de uma grande Conferência de Paz que se realizou em Genebra
sobre o destino do norte do Vietnã em 1954. Com a retirada francesa, a defesa anticomunista passou a ser priorizada
pelo governo dos EUA a zelar pela região, considerando o que ocorreu na China em outubro de 1949. Foi acordado
em Genebra de que haveria eleições nacionais em todo o Vietnã em 1956, mas isso foi recusado pelo presidente do
Vietnã do Sul, Ngo Dinh Diem (g. 1955 - 1963), pois considerava como certa a vitória de Ho Chi Minh no norte.
Assim, visto no impasse político e com a força do Viet Minh e seus aliados no interior até mesmo no sul vietnamita
e países vizinhos, os EUA passaram a apoiar intervenções armadas contra esses rebeldes vietnamitas que deu lugar
ao período da Segunda Guerra do Vietnã, ou Segunda Guerra da Indochina (1955 - 1975).
Os holandeses também recorreram à força para garantir suas possessões coloniais nas suas Índias Orientais.
Londres tinha proposto negociações entre as lideranças nacionalistas em Java e Amsterdã, mas a intolerância maior
holandesa prevaleceu, principalmente sob Hubertus van Mook (g. 1942 - 1948), Governador-Geral da Índias
Holandesas na época. Esse governante acreditou que uma atuação mais firme e forte dos holandeses poderia reverter
a tendência nacionalistas nas ilhas indonésias, recusando-se a enxergar a popularidade dos apelos de Sukarno e
Hatta. Assim, os holandeses se viram cada vez mais isolados no cenário internacional, a custear e financiar suas
próprias guerras coloniais, mesmo com a ampla condenação das Nações Unidas feitas em 1947 após as suas infames
"operações policiais" (politionele acties) contra a população javanesa e de Sumatra. O desgaste junto a opinião
pública foi enorme e os EUA, juntamente com a União Soviética, começaram a condenar a Holanda nas instâncias
internacionais. Em 4 de agosto de 1947, foi aprovado um cessar-fogo pelo Conselho de Segurança da ONU, na
resolução 27 [1108]. Em 1949, os holandeses se viram obrigados a reconhecer a independência da Indonésia, após
ameaças dos EUA em cortar seus fundos de empréstimos do Plano Marshall.
Apesar de ter sido um grande alívio para os filipinos a rendição japonesa em 1945, começou-se a revelar a
amplitude dos estragos feitos pela guerra nas ilhas. As Filipinas, como a Birmânia, foram os países do sudeste
asiático mais afetados pelos conflitos, e os EUA foi determinante para recuperar a economia e estabilidade política
filipina, a cargo do General Douglas MacArthur que tinha retornado a Manila em 27 de fevereiro de 1945 a trabalhar
com o presidente Sergio Osmeña (g. 1944 - 1946). Foram mais de 100 mil filipinos mortos e Manila foi em grande
parte reduzida aos escombros e sem qualquer infra-estrutura urbana efetiva [1109]. Muitos filipinos não sabiam se era
mais desolador lidar com os estragos feitos pelos japoneses ou o retorno das ingerências americanas após a guerra. A
ocupação japonesa tinha exacerbada as tensões entre camponeses e latifundiários, exilados e prisioneiros,
guerrilheiros e colaboradores. Um dos maiores movimentos de guerrilha filipina, o Hukbalahap, emergiu na região
central da ilha de Luzon que canalizou toda a frustração camponesa contra a ganância dos proprietários filipinos. Foi
essa organização, popularmente referido como os Huks, que foi depois o principal contestador do status político das
Filipinas.

Sudeste Asiático – Parte Continental (Segunda Metade do Século 20)


O sudeste asiático, após a Segunda Guerra Mundial, se tornou numa região independente do jugo colonial. Mas o
novo contexto da Guerra Fria trouxe novas intervenções externas que resultaram em significativas perdas e lutas,
como a longa e desgastante Guerra do Vietnã que durou até 1975 que resvalou para o Laos e Camboja. Os conflitos
internos marcaram a independência da Birmânia (atual Mianmar) desde a violenta morte de seu líder, Aung San, em
1947. Ao contrário da Tailândia que experimentou décadas de estabilidade durante o reinado de Rama IX, Bhumibol
Adulyadej (r. 1946 - 2016). A Malásia parece ter equacionada sua diversidade étnica (e Cingapura ter encontrado
espetacular desenvolvimento desde a sua separação em 1965), algo que a Indonésia, desde os tempos de Sukarno,
passou sempre a ter que considerar, ainda mais depois das suspeitas de inclinação comunista do presidente por parte
dos aliados dos EUA e do golpe em 1965. Por fim, as Filipinas foram marcadas por constantes lutas civis, reflexo da
profunda desigualdade que caracterizou seu sistema político e social.
O país do sudeste asiático que atravessou o mais longo período de conflitos civis foi a Birmânia (Mianmar).
Desde a capitulação japonesa, não houve vácuo de poder no país como ocorreu nas colônias francesas e holandesa.
No Mianmar, as forças aliadas já tinham estabelecido o controle em 1945 e o primeiro-ministro britânico, Clement
Attlee apreciou o fato de ter um líder birmanês com quem negociar a independência, Aung San. Com isso, com a
vontade política e conciliadora de ambas as partes, a independência birmanesa veio com rapidez. Foram assinados
os Acordos de Panglong em 12 de fevereiro de 1947, garantindo um estado unificado e autonomia para os povos
shans, kachans e chins e prevendo a criação de uma província para os karens. Nada foi previsto para os mons e os
arakaneses (ou arracaneses) [1110] (mapa). Mesmo após a morte de Aung San por seus rivais em outubro de 1947, a
independência foi declarada em janeiro de 1948, com U Nu (g. 1948 - 1956; 1960 - 1962) ocupando o cargo de
primeiro-ministro e a retirado do país da Comunidade Britânica das Nações (Commonwealth). Mas a morte de San
trouxe uma triste perspectiva para o país, pois era, como Attlee tinha declarado, o único considerado como
unanimidade entre a diversidade étnica birmanesa.

Mapa - A diversidade étnica no Mianmar.

A principal dificuldade relacionava-se aos karens, povos que tinham ganhado promessas de uma província e que
ocupavam uma ampla área de relevo adjacente à fronteira tailandesa ao leste. De fato, a área era tão grande que as
lideranças birmanesas se preocupavam com a perda de soberania de Mianmar. Foi alcançado entendimento e
delimitada região para os karens depois de uma década, mas esses sempre consideraram a área demarcada como
insuficiente, e muitos entre eles já tinham se revoltado desde janeiro de 1949 e passaram a combater o governo em
Rangum. A resiliência dos karens no terreno montanhoso e selva já era apreciada pelo General William Slim,
comandante australiano da região na Segunda Guerra Mundial, e foram eles os responsáveis que minaram com
ferocidade os japoneses em 1945.
Embora as outras minorias, shans, kachins e chins, vivessem em regiões menores nas fronteiras, houve igual
relutância de Rangum em conceder a esses maiores autonomias com o temor de ameaçar a unidade do país. Nas
regiões meridionais, na Baixa Birmânia, próxima da capital Rangum, havia ainda as reivindicações dos mons que
agravaram ainda mais as divisões étnicas no vale do Rio Irauádi. Como resultado desse quadro, a Birmânia viveu
um período de lei marcial de dois anos a partir de 1948. E foi nomeado como maior autoridade de fato do país o
Comandante-Geral Ne Win (1910 - 2002) que começou a expandir e modernizar o exército nacional para cerca de
40 mil homens. Para tanto, Ne Win buscou fechar novas alianças no contexto mundial a aumentar o recrutamento
militar, desenvolver uma marinha e força aérea que, ao final, permitiu ao governo central maior atuação contra os
insurgentes nas fronteiras ao norte e leste. Em 1962, a presença predominante dos militares na esfera política
resultou num golpe de estado, quando tanques entraram em Rangum e houve prisões de ministros acusados de
corrupção. Temiam os militares que o governo de U Nu estivesse sendo permissivo demais com as minorias étnicas
separatistas. Ne Win acabou ocupando o cargo máximo político birmanês, o de primeiro-ministro de 1962 até 1974.
E foi depois sucedido por outro militar, General Sein Win (g. 1974 - 1977), e Coronel Maung Kha (g. 1977 - 1988).
Em 1988, houve intensos protestos pelo Mianmar, que o governo de Maung Kha buscou reprimir com
truculência, muitos desses dissidentes, monges budistas e estudantes em Rangum. O governo foi logo substituído
pelo comando dos militares, e assim Saw Maung (g. 1988 - 1992) subiu ao poder. Este último militar inclusive
começou a se considerar como digno herdeiro dos reis de Pagan, como reencarnação de Kyanzittha. Qualquer um
que questionasse seu status via-se logo diante de uma pistola que ele sempre carregava consigo devidamente
municiada. Como tentativa de apaziguar os oposicionistas e dar um recado à comunidade internacional, Saw Maung
pediu para que o país fosse reconhecido oficialmente como União de Mianmar, a afastar as pretensões anteriores de
favorecimento aos povos birmaneses.
Em 1992, Saw Maung tentou fechar acordos de cessar-fogo com os rebeldes karens, mas isso pouco afetou a
popularidade de seu governo, cada vez mais visto envolvido em escândalos de corrupção e ostentação de riquezas de
elites e aliados próximos ao poder. Um dos setores mais críticos da sociedade ao governo era de instituições budistas
e seus monges, considerados como sagrados e longe das tentações mundanas. O budismo tinha sido considerado
como parte fundamental da identidade de Mianmar há séculos, e no governo de U Nu, logo após a independência em
1947, foi revogado o pedido da Associação Budista Pan-Birmanesa de declarar fim da liberdade religiosas no país, a
declarar o budismo como religião oficial. A recusa de U Nu talvez tenha sido crucial, pois o país poderia ter
desandado para conflitos e perseguições contra minorias religiosas como o que ocorreu no Sri Lanka que privilegiou
exclusivamente o budismo teravada contra os tâmeis hindus (entre esses se organizariam movimentos de guerrilhas
que assolaria a ilha por décadas).
Os protestos de 1988 tinham sido protagonizados por monges budistas, que fez com que Saw Maung buscasse
dar maior atenção a essa comunidade e a cuidar das intenções das outras minorias religiosas do país. Muitos povos
das fronteiras, como os karens, tinham se convertido ao cristianismo na época da dominação colonial britânica,
assim como a vinda de milhares de bengalis muçulmanos no século 19 da Índia Britânica para a região de Arakan.
As eleições marcadas para 1990 confrontou-se com o problema da candidatura de uma filha de Aung San,
crescida e educada no Reino Unido, Aung San Suu Kyi (1945 - ) (fig.). Apesar de seu partido, Liga Nacional para a
Democracia, ter tido vitória esmagadora nas eleições, Suu Kyi foi declarada pelos militares no poder como
inelegível por ser considerada estrangeira. Restou a ela a prisão domiciliar até 2010, quando depois foi permitida sua
concorrência novamente na arena política birmanesa, como parte do plano governamental militar de melhorar a
imagem do país. Durante o seu período de prisão, Suu Kyi foi declarada como ganhadora do Prêmio Nobel da Paz
em 1991, ao que ela foi impedida de receber em pessoa em Oslo. A reprovação mundial contra o Mianmar cresceu
novamente quando o Ciclone Nargis desalojou e matou milhares na costa do país em 2008. O maior comandante
militar na época, Than Shwe que foi primeiro-ministro de 1992 a 2003, pouco caso fez para aliviar o sofrimento da
população atingida e recusou ajuda de governos estrangeiro ao ponto de ter sido acusado contra ele crimes contra a
humanidade a ser julgado na Corte Internacional de Justiça em Haia. Somente após terem sido feito ameaças do
maior parceiro comercial e aliado militar de Mianmar, a China, o general concordou em abrir para o apoio
internacional para a reconstrução das áreas atingidas mesmo que, possivelmente, boa parte dos recursos tenham ido
parar nas contas bancárias dos generais em comando. E sem dúvida uma parte tenha ido para o grandioso projeto de
construção de uma nova capital de Mianmar, em Naypyidaw (Naipidau), local de onde Aung San tinha lançado seu
movimento de independência.
Fig. - Aung San Suu Kyi.

Em 2010, com a soltura de Suu Kyi, seu partido nas eleições nacionais foi boicotado, dando mais uma vez vitória
aos militares. Em 2015, contudo, o Liga Nacional para a Democracia obteve vitória esmagadora nas eleições a
ocupar 86% dos assentos parlamentares. Suu Kyi foi impedida de ocupar o cargo político máximo no novo governo,
mas foi a ela permitido o ofício de Conselheira de Estado, cargo criado similar ao de primeiro-ministro. Houve,
claramente, um desconforto dos militares com o poder ascendente de Suu Kyi, e a filha de Aung San talvez tenha se
cansado depois de tantos anos de prisão à margem da vida política. Seu partido, Liga Nacional para a Democracia,
acabou decepcionando muitos ao se ter notícias de financiamento de empresas ligadas aos militares e a Than Shwe.
E ainda mais grave, Suu Kyi, com o tempo no governo, passou a não se declarar contra as crescentes tensões nas
regiões ocidentais de Mianmar, em Arakan (atualmente chamado de Rakhine), contra a comunidade muçulmana
local (os rohingyas) que buscam refúgio nos mares e em Bangladesh a fugir da perseguição e morte pelas mãos de
extremistas e militares aliados ao governo.
Ao leste, a Revolução de 1932 na Tailândia mudou todo o sistema político do país, que tinha posto fim à
monarquia absoluta no Sião de então. Os líderes dessa mudança, especialmente um estudante de direito, Pridi
Banomyong (1900 - 1983), consideraram a importância de limitar a autoridade do rei dentro dos limites de uma
constituição. Mas sua falha foi não ter considerado a força de atuação dos militares. Durante a década de 1930, o
Partido Popular, responsável pelo golpe constitucional, se dividiu em dois campos, um mais civil e outro militar,
com seus respectivos líderes, Pridi Banomyong (ou Pridi) e Luang Phibunsongkhram (ou Phibun). Pridi e seus
seguidores privilegiaram um sistema político a defender a liberdade individual e dos poderes como no sistema
europeu misturado com pitadas de socialismo, enquanto os militaristas sob Phibun desejavam maior autoridade
governamental para a construção da nação.
Os acontecimentos internacionais com a ascensão de regimes ultranacionalistas no Japão e Alemanha na década
de 1930 marcaram impressão no jovem sistema político tailandês. Em 1938, Phibun foi nomeado como primeiro-
ministro e pouco depois acumulou o cargo de Chefe-Maior das Forças Armadas. Em seu gabinete, foi endossada
legislação visando maior controle e ordem da sociedade tailandesa. Novos regulamentos foram aprovados visando
abandonar velhos costumes e hábitos considerados retrógrados aos olhos dos militares. Roupas tradicionais
deveriam ser trocadas e hábitos inapropriados do passado como os sanitários e à mesa foram revistos, ensinados e
divulgados nas escolas e cartazes. Tudo a indicar que o país deveria se mostrar no rumo a um novo futuro.
O Marechal Phibun, no plano nacional, decidiu renomear o nome oficial do país, de Sião para Tailândia. E
buscou o apoio dos japoneses, pois assim mirou nas conquistas frente às províncias perdidas aos franceses no Laos e
Camboja em fins do século 19. Phibun tinha imaginado que, ao aliar-se a Tóquio, poderia ganhar notoriedade e
poder no sudeste asiático depois dos eventos da Segunda Guerra Mundial. Assim foram feitas as ofensivas na
Guerra Franco-Tailandesa, de 1940 a 1941, com a superioridade tailandesa evidente [1111] depois das tribulações que
a colônia francesa tinha atravessado após a queda frente aos alemães em maio de 1940. Apesar disso, o Exército
Imperial do Japão explorou o máximo a Tailândia como um estado ocupado e seus recursos para as operações de
guerra. Em 1944, quando estava ficando claro que os aliados tinham virado o jogo contra os japoneses, o grupo de
Pridi começou a acusar e desarticular Phibun, a renovar o cenário político tailandês visando melhores termos de
negociação de paz com os americanos.
O destino favoreceu de certa maneira a Tailândia depois de 1945. Pois o embaixador tailandês em Washington,
Seni Pramoj (1905 - 1997), tinha se mostrado sempre reticente em apresentar declaração de guerra aos aliados feita
por Phibun em 1942. Sendo assim, as autoridades dos EUA nunca tiveram um posicionamento oficial da Tailânida
nos eventos da guerra. E mais substancialmente, Seni foi capaz de convencer Washington de que a Tailândia poderia
ser um futuro aliado depois da Segunda Guerra Mundial. Naturalmente, os avanços contra o Laos e Camboja
tiveram que ser desfeitos como demandaram os franceses, retornando as fronteiras antes da guerra.
A queda de Phibun trouxe Pridi ao centro das decisões políticas, e junto com ele alguns membros monarquistas,
que enxergavam o futuro da Tailândia em moldes parlamentaristas combinado com a monarquia à maneira britânica.
Os militares foram inicialmente afastados. E o embaixador Seni foi chamado de volta para ocupar o cargo de
primeiro-ministro (g. 1945 - 1946). No entanto, foram aumentadas as suspeitas sobre as simpatias comunistas de
Pridi que tinha favorecido a criação de sindicatos, preocupando os monarquistas. A adicionar maior instabilidade, o
rei Ananda Mahidol, Rama VIII, morreu misteriosamente em 1947, com uma arma de fogo até os dias atuais sem
esclarecimentos. Bangkok entrou num período de histeria que facilitou a volta dos militares ao poder por meio de
um golpe em 10 de novembro do mesmo ano. Em 1948, Phibun tinha retornado ao poder como primeiro-ministro e
tentou novamente impor as reformas uniformizantes sobre a sociedade tailandesa. Mas sua permanência no poder
enfrentou viva resistência e diversas tentativas de golpe em 1948, 1949 e 1951. O último desses foi mais visível pois
tinha ocorrido quando Phibun estava a bordo de um navio almirante, Sri Ayutthaya, em 29 de junho no rio Chao
Phraya, na presença do navio americano, Manhattan, como parte do plano de estreitar as relações com Washington a
tornar a Tailândia como baluarte contra o comunismo no sudeste asiático.
Disputas posteriores se seguiram até 1957, quando novo golpe foi feito por um general, Sarit Thanarat (g. 1959 -
1963), comandante das tropas em Bangkok. Phibun fugiu ao exílio no Japão e Pridi já tinha ido para a China
comunista. Sarit apresentou suas intenções ao monarca, Bhumibol Adulyadej, Rama IX (r. 1946 - 2016), quando o
militar fez frequentes visitas a Washington com a determinação de convencer o Secretário de Estado, John Foster
Dulles (1888 - 1959), de sua convicção anti-comunista. Em 1958, Sarit declarou lei marcial, dissolveu o Parlamento,
revogou a constituição, baniu os partidos políticos e perseguiu e aprisionou oposicionistas em geral. Nada parecia
impedir de tornar a Tailândia o mais fiel e duro aliado dos EUA contra os regimes de esquerda em ascensão no
sudeste asiático em fins da década de 1950. E, de fato, a maior parte dos bombardeios aéreos dos EUA sobre o Viet
Minh tinha decolado de sete bases na Tailândia, três quartos delas, durante a Segunda Guerra do Vietnã (1955 -
1975).
Uma das consequências menos atrativas do envolvimento com os americanos foi tornar a Tailândia num reduto
de prostituição e drogas dos soldados no Vietnã. Bangkok atravessou um intenso período de crescimento da
indústria do sexo, atraindo por volta de 50 mil visitantes dessa natureza em fins de 1967. Três anos depois, Bangkok
tinha se tornado numa das cidades mais visitadas do sudeste asiático por turistas, muitos interessados e envolvidos
nessas atividades. Essa tendência foi desconsiderada pelo governo de Sarit, que se importou mais com o
acolhimento e base aos militares americanos. O general tinha morrido em 1963, depois de levar uma intensa vida
envolvido com mulheres e bebidas.
Em 1963, o aliado mais próximo de Sarit, Thanom Kittikhachon (g. 1963 - 1973) subiu ao posto de premiê. A
perspectiva de reformas democráticas pareceu ainda distante no seu governo. Estudantes e oposicionistas tinham ido
às ruas das grandes cidades tailandesas em protesto contra a rede de corrupção infiltrada no governo e a
subserviência aos interesses dos EUA. O aborrecimento maior da oposição tailandesa, contudo, não tirou a
preocupação do governo em ter visto a queda da monarquia no Laos a ser abolida por um aliado dos comunistas do
Viet Minh, o Pathet Lao, em dezembro de 1975. Os avanços comunistas no Vietnã e Camboja foram uma
preocupação adicional para a monarquia e militares tailandeses, que passaram a considerar os oposicionistas e
estudantes como comunistas. Como aliado dos EUA, Thanom passou então a reprimir duramente os oponentes no
Parlamento, mas isso não desencorajou meio milhão de manifestantes a irem às ruas em Bangkok em outubro de
1976. Nesse turbilhão social, surgiram as lideranças moderadas de Seni e seu irmão, Kukrit Pramoj, a dialogar com
o monarca Rama IX, até então retirado de participação maior na arena política. Bhumibol, a contragosto dos
generais, passou então a se declarar como defensor dos fracos e dos oposicionistas e contra qualquer forma de
violência repressora [1112], ecoando seu papel como encarnação do espírito budista de compaixão e perseverança.
Kukrit Pramoj (g. 1975 - 1976) tentou distanciar a Tailândia dos EUA que desde 1969 tinham enfrentado
derrotas no Vietnã. Kukrit chegou a dialogar com Mao Zedong em Pequim e restaurou as boas relações com a
China. Mais impactante foi sua política de buscar desenvolvimento social, para aliviar a miséria e perturbações no
meio rural. Nada disso agradou os militares que passaram a considerá-lo demasiadamente próximos da ideologia de
esquerda. Em 1975, verdadeiramente, foi um ano terrível para os anticomunistas, pois o Viet Minh tinha expulsado
os americanos e aliados de Saigon, último reduto desses, e Phnom Penh, no Camboja, caiu para as forças
comunistas, assim como foi dado o fim da monarquia laosiana. Isso tudo causou pânico entre a classe média e alta
tailandesa, entre militaristas e conservadores que temiam um prelúdio de um período revolucionário no país.
Assim foi o contexto das manifestações de outubro de 1976, quando as tropas do governo reprimiram os
estudantes da Universidade de Thammasat em Bangkok (fig.), derrubando o governo de Kukrit e retornando o cargo
para as mãos de Thanom. Thammasat tinha se tornado no maior núcleo de pensamento e crítica da Tailândia da
época, e muitos de seus estudantes e intelectuais pretendiam reformar a política tailandesa com a saída dos militares
do poder. Para os generais, a universidade tinha se tornado num antro comunista e passaram a conter quaisquer
manifestações e atividades suspeitas. Quebrada a resistência antimilitar, o governo anunciou, apesar das
condenações retóricas do monarca, um período de transição de doze anos para o retorno da democracia
constitucional. No meio rural, depois da radicalização do governo do Khmer Vermelho no Camboja entre 1975 a
1979, os insurgentes começaram a ser cada vez mais vistos com impopularidade pela sociedade tailandesa e uma
anistia foi assinada em 1983.
Fig. - Imagens de estudantes da Universidade de Thammasat sendo agredidos em outubro de 1976 em Bangkok.

Mas no início da década de 1980 a Tailândia já era um país transformado. Sua economia tinha crescido por
décadas que fortaleceu a ditadura militar e reviveu a popularidade da monarquia e culto a Bhumibol. O fim dos
conflitos no Vietnã, no Camboja e Laos na década resultou num clima menos contestador. Bangkok tinha se
transformado numa megalópole atraindo cada vez mais a migração pobre interiorana e os negócios multinacionais,
além dos turistas.
Um escândalo foi provocado em 1981, quando Chamlong Srimuang, um ativista oposicionista aos militares
tailandeses no poder, declarou que Bangkok tinha se tornado num grandioso prostíbulo e que todos os bordéis
tinham que ser fechados. A sua sugestão começou a lhe render fama e atenção mundial. Chamlong depois decidiu
sair das Forças Armadas e apresentou sua candidatura em 1985 a combater a degenerescência e corrupção como
prefeito de Bangkok. Eleito no mesmo ano, sua carreira política durou pouco pois em 1991 e 1992, mandou reprimir
com violência as manifestações estudantis na capital por maiores aberturas democráticas e liberdade de expressão.
Sua queda veio com sua inabilidade de cultivar o diálogo com a comunidade executiva, militar e monarquista.
A maior crise financeira que atingiu a economia tailandesa se deu em fins de 1997, quando uma grande
comunidade da classe média de Bangkok obrigou o governo a rever sua política monetária. Esses protestantes deram
voz ao crescente temor de instabilidade econômica do país, muitos temendo a perda do valor real de seus salários e
emprego. A Tailândia, em um ano, deixou de ser modelo de desenvolvimento para se tornar vítima do colapso
especulativo financeiro global. Depois de mais de uma década de crescimento, sua economia começou a apresentar
sinais de crise em 1996 quando houve queda de suas exportações e endividamento excessivo. O valor do bhat
despencou, perdendo metade de seu valor frente ao dólar americano em um ano.
A Tailândia teve que recorrer aos humilhantes empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) no início
de 1998, com sua economia ainda em agonia, apesar de ter significativas reservas cambiais e uma economia sólida,
mas isso não tinha impedido temores sobre os valores dos ativos e da taxa cambial que afugentaram os investidores
internacionais. O choque dessa crise financeira acarretou num clima geral de demandas por mudanças políticas, pois
muitos perceberam que somente com instituições mais sólidas e menos corruptas o país recuperaria sua credibilidade
internacional. Bhumibol, o monarca, chegou a admitir no auge da crise que nada adiantaria pretender ser um "tigre"
tal como as efervescentes economias da Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong. A desaceleração
econômica na Tailândia trouxe a lucidez de volta sobre a verdadeira natureza do capital especulativa global que foge
através das fronteiras ao primeiro sinal em grande velocidade.
As dificuldades enfrentadas em fins do século 20 explicam a vitória esmagadora em 2001 da eleição de um
empresário, Thaksin Shinawatra (g. 2001 - 2006), líder do partido Thai Rak Thai ("Tai Ama Tai"), a recuperar a
auto-estima da nação. Thaksin incorporou o executivo-chefe que tomaria as rédeas da economia novamente baseado
na sua experiência corporativa. Além do mais, a constituição foi alterada dando mais poderes ao primeiro-ministro
que depois sustentaria seu governo e os subsequentes. Foi então implementada uma série de reformas na
administração pública e métodos de favorecimento aos negócios no seu governo, além de políticas a incrementar a
habitação, saúde publica, campanhas anti-drogas e aumento do poder aquisitivo da população em geral, atraindo
grande popularidade. No que resultou na sua reeleição em 2005 que teve a maior participação eleitoral da história
tailandesa.
Nem tudo estava bem, entretanto. Houve um surto de violência separatista nas províncias do sul, em Patani, Yala
e Narathiwat, por comunidades muçulmanas historicamente marginalizadas. Foi então imposto lei marcial nessas
regiões e Thaksin foi acusado de esconder o massacre que ocorreu em fins de 2004, quando 78 muçulmanos
morreram sob custódia militar. A indústria do turismo foi afetada pelo ocorrido, assim como diante das notícias de
epidemias de AIDS que afetou milhões de tailandeses como soropositivos. E não menos dramático, veio o tsunami
em 24 de dezembro de 2004, que afetou habitações costeiras e turísticas nas regiões meridionais viradas ao Mar de
Andaman (Andamão), causando a morte de mais de 5 mil tailandeses e turistas.
As acusações de corrupção contra Thaksin trouxeram o fim de sua vida política. Nisso estava envolvido suspeitas
de ter indevidamente vendido ativos de empresas tailandesas a investidores estrangeiros, causando
descontentamento entre a classe mais conservadora, nacionalista e militarista. Em 2006, quando o premiê estava no
exterior, adveio um novo golpe militar. Thaksin recusou asilo no Reino Unido mas aceitou inicialmente ficar em
Montenegro. Foi banido da vida política tailandesa por cinco anos, e os membros de seu partido, Thai Rak Thai,
tiveram que se reorganizar num novo partido, Pheu Thai, em torno de uma nova liderança, dessa vez uma executiva
de sucesso da mesma família Shinawatra de descendentes de chineses, Yingluck Shinawatra (g. 2011 - 2014) que
ganhou as eleições em 5 de agosto de 2011.
Yingluck fez como plataforma de seu governo de três anos a reconciliação nacional, a buscar erradicar a pobreza
e redução de impostos. Contudo, ao fim de 2013, após crescentes protestos de setores conservadores da sociedade,
Yingluck dissolveu a composição parlamentar em 9 de dezembro de 2013 a realizar novas eleições. Meses depois,
em maio de 2014, a premiê foi julgada culpada em casos de corrupção e abuso de poder pela Suprema Corte. Pouco
depois foi dado um golpe militar e Yingluck foi detida junto com ministros e líderes de seu partido político.
Ascendeu ao poder tailandês mais um militar, ex-Comandante-Chefe do Exército, Prayut Chan-o-cha (g. 2014 - )
que prometeu trazer ordem e controlar os dissidentes no país. E como promessa, comprometeu-se a realizar um
plebiscito sobre mudanças constitucionais que foram realizadas em 7 de agosto de 2016. Pouco depois, o rei
Bhumibol morreu aos 88 anos de idade, sendo sucedido por seu filho Vajiralongkorn (1952 - ) como Rama X.
O processo mais longo e desgastante do fim do colonialismo no sudeste asiático se deu na Indochina Francesa.
Primeiramente pela atitude imperialista francesa em manter suas dominações a qualquer custo depois da Segunda
Guerra Mundial e, segundamente, pelos interesses do contexto da Guerra Fria que levou ao maior envolvimento dos
EUA depois da derrota dos franceses em Dien Bien Phu em 1954.
A Conferência de Paz de Genebra em 1954 tinha encerrada a intervenção francesa no Vietnã, e a União Soviética
e a China ambas tinham expectativas de que a paz voltaria na região. Mas o acordo não foi aceito por Ngo Dinh
Diem (g. 1955 - 1963), que tomou o poder no Vietnã do Sul e forçou a abdicação do último imperador Bao Dai em
1955 com a concordância dos EUA. Assim, Ngo Dinh Diem negou qualquer perspectiva de eleições vietnamitas
gerais conforme acordado em Genebra, pois sabia que o Viet Minh iria ganhar as eleições. Hanói pouco se importou
com a tomada ditatorial no Vietnã do Sul a princípio. E Ngo Dinh Diem passou cada vez mais a depender da ajuda
de Washington para se manter no poder, alegando ser um ardoroso defensor anti-comunista. Ademais, o vietnamita
era um fervoroso católico, mesma crença do presidente John F. Kennedy, e seu irmão mais velho, Ngo Dinh Thuc
(1897 - 1984), que era o arcebispo de Hué. Esse perfil religioso agravou a popularidade do ditador sul-vietnamita
aos olhos da numerosa comunidade budista, ainda mais depois do arcebispo ter certa vez mandado dispersar uma
multidão que tinha se reunido na cidade para celebrar o aniversário de Buda.
A oposição nesse contexto cresceu contra o regime do presidente sul-vietnamita. Ganhou a atenção da mídia
internacional os protestos de monges budistas em Saigon a se auto-imolarem, a denunciar a intolerância religiosa e
da dependência financeira e militar dos EUA. A pressão popular vietnamita chegou ao ponto de Washington
começar a pressionar Ngo Dinh Diem a introduzir reformas democráticas. Que gerou frustração dos militares sul-
vietnamitas que passaram a exigir garantias de maior apoio ao embaixador dos EUA em Saigon, Henry Cabot Lodge
Jr. (1902 - 1985). Em 28 de outubro de 1963, no aeroporto de Saigon, Lodge declarou à imprensa de que os EUA
não iriam abandonar o Vietnã do Sul. Os generais vietnamitas perceberam isso como sinal de que poderiam dar um
golpe contra o governo impopular de Ngo Dinh Diem. Depois de quatro dias, o ex-presidente sul-vietnamita foi
encontrado morto, e seu irmão, o arcebispo de Hué tinha escapado por se encontrar no exterior na época.
Apesar dos EUA no ano desses atentados ter limitada presença no Vietnã do Sul, com apenas 11 mil conselheiros
presentes, essa figura depois iria aumentar para mais de 500 mil homens no auge da Segunda Guerra do Vietnã
(1955 - 1975). Mas desde 1963 estava claro o maior envolvimento americano na região, pois o golpe militar dado
contra Ngo Dinh Diem contou com o aval de Washington. O sucessor de John F. Kennedy (que tinha sido
assassinado no Texas em 22 de novembro de 1963), Lyndon B. Johnson (g. 1963 - 1969), tinha até pensado numa
eventual retirada americana no sul vietnamita conforme depois declarou em campanha eleitoral em 1964, mas era
impensável a Washington arriscar ver o Vietnã unificado no comunismo como tinha acontecido em 1949 na China.
As perspectivas de Hanói, no Vietnã do Viet Minh, começaram a mudar depois do incidente no Golfo de
Tonquim. Em que houve um confronto naval pouco esclarecido que resultou no afundamento em agosto de 1964 de
dois contratorpedeiros americanos em águas internacionais a mais de 60 km da costa vietnamita. Johnson passou
então a exigir medidas imediatas para repelir quaisquer futuras agressões aos americanos e aliados na região. Foi
essa atitude americana que agravou os conflitos no Vietnã. Nos quatro anos posteriores, os americanos mandariam
mais de 300 mil homens para o Vietnã do Sul e despejaria mais bombas contra os comunistas vietnamitas e locais
considerados suspeitos do que toda a época da Segunda Guerra Mundial. Hanói, depois do Incidente de Tonquim,
tinha percebido a mudança dos ventos de Washington e passaram a fortalecer apoio a guerrilheiros comunistas no
Vietnã do Sul (pejorativamente chamados pelo ex-arcebispo de Hué como "Vietcongues"). O poder do Vietnã do
Sul, nesse meio tempo, foi ocupado por generais anti-comunistas aliados a Washington: Nguyen Cao Ky, um antigo
admirador de Hitler, como vice-presidente, e Nguyen Van Thieu (g. 1967 - 1975) como presidente.
As autoridades em Hanói ainda apresentaram certa indecisão sobre como reagir à presença americana no sul
vietnamita. Muitos defenderam a ênfase política no desenvolvimento econômico e social do Vietnã comunista, mas
outros priorizaram a segurança e confrontos com os vizinhos meridionais. Essas hesitações não agradaram a Le
Duan (1907 - 1986), o maior líder comunista do Vietnã do Sul, que passou a lutar pela imediata expulsão das tropas
americanas e do regime no sul. Sua atitude refletiu sua vida de perseguições sofridas pelo governo de Ngo Dinh
Diem, e tinha visto a presença decisiva dos conselheiros e apoio de Washington em Saigon. Ao contrário do sul, no
Vietnã do Norte tinha atravessado um relativo período de abertura e tolerância com relação à religião. Os budistas,
cristãos e confucionistas não encontraram problemas nos seus cultos, apesar de serem desencorajados quando iam
contra o ideal comunista de plena igualdade.
A queda de Ngo Dinh Diem em Saigon em outubro de 1963 provocou uma reviravolta na política de Hanói. Le
Duan no sul tinha visto a oportunidade histórica e passou a clamar por maior apoio dos comunistas do norte
vietnamita. Assim, Hanói, apesar de muitos membros do governo discordarem, começou a mandar tropas para a
fronteira com o sul e para as regiões de fronteira no Laos e Camboja. No tempo em que Johnson optou pela escalada
dos conflitos em 1965, a União Soviética e a China passaram a defender o posicionamento de Hanói. Armas e
equipamentos chegaram em massa ao Vietnã do Norte, assim como pessoal militar qualificado. As tropas chinesas
se envolveram especificamente na defesa aérea, logística e construção. O comandante militar dos comunistas
vietnamitas no norte coube a Vo Nguyen Giap (1911 - 2013), um brilhante estrategista que defendeu as táticas de
guerrilhas a compensar a superioridade bélica dos EUA, assim como tinha comandado contra os franceses.
Os chineses tinham simpatias pela estratégia de Vo Nguyen Giap, mas os russos defenderam maiores confrontos
convencionais contra os americanos. Ho Chi Minh, na escalada das tensões na segunda metade da década de 1960,
apesar de ser considerado como o herói da independência do Vietnã e líder prestigioso dos comunistas, já estava
apresentando os sinais de avançada idade. Mas foi sua decisão de apoiar uma intervenção mais agressiva contra o sul
que resultou no rompimento dos impasses de guerra na chamada Ofensiva Tet (mapa). Essa ofensiva, cujo nome
remete às celebrações de Ano Novo vietnamita, "Tet", foi talvez a maior operação guerrilheira na segunda metade
do século 20. Essas operações iniciadas em 1968 se basearam no decisivo apoio dos camponeses e vilas rurais no
interior vietnamita e nas regiões do Laos e Camboja ao oeste. Vo Nguyen Giap temia pelas perdas humanas e
materiais, mas passou a comandar toda a movimentação e confrontos contra as tropas sul-vietnamitas e americanas.
A via maior de deslocamento e suprimentos se deu na chamada Trilha Ho Chi Minh, vulgo nome a designar uma
rede de caminhos e acessos pela selva e relevos interioranos de difícil acesso e visibilidade. Foi por esse caminho
que milhares de tropas e toneladas de suprimentos se destinaram às ofensivas no Vietnã do Sul. Para distrair as
atenções do inimigo, Vo Nguyen Giap deu sinais de que iria atacar a base americana em Khe Sahn, na fronteira
perto do Paralelo 17 Norte ao longo do rio Ben Hai. Foram decorrentes desses conflitos que os EUA apresentaram
para sua mídia e sociedade as aparentes vitórias contra os comunistas. Com os anos de combates e vitórias, o
governo dos EUA passou a considerar sua iminente vitória, mas não tinham percebido a importância do que se
passava na Trilha de Ho Chi Minh que se revelou decisivamente na Ofensiva Tet lançada em 30 de janeiro de 1968.
Mapa - A Ofensiva Tet de 1968.

A Ofensiva Tet, portanto, foi o verdadeiro ponto de virada da Segunda Guerra do Vietnã. Os EUA já se
encontravam retirando muitos de seus combatentes de guerra diante das vitórias em Khe Sahn, mas foram pegos de
surpresa e reduzidos a partir de janeiro de 1968. Tirando vantagem do elemento surpresa, os comunistas vietnamitas
avançaram rapidamente em direção aos centros urbanos no Vietnã do Sul e, primordialmente, contra Saigon. Nesses
conflitos, as baixas comunistas foram estimadas em mais de 30 mil mortos, com iguais perdas do lado sul-vietnamita
e americano. O público americano ficou horrorizado e imagens começaram a chegar à mídia dos EUA de soldados
mortos ensacados mandados de volta das batalhas. Quando o presidente Johnson insistiu que a guerra ainda poderia
ser revertida em 1968, o clima de protestos e contestações aumentou no solo americano. A opinião pública
americana e do mundo capitalista começou a mudar suas convicções, ainda mais agravado quando um comandante
americano ter ordenado a total destruição de uma cidade no delta do Rio Mekong, Ben Tre, em fevereiro de 1968
[1113]
(fig.).

Fig. - As consequências das investidas americancas contra vilas e cidades vietnamitas nos anos finais da guerra.

A morte de Ho Chi Minh em 2 de setembro de 1969 não afetou a moral dos combatentes comunistas no Vietnã.
Antes de sua morte, o líder vietnamita tinha encorajado os combates de guerrilha, evocando a memória de Tran
Hung Dao (1228 - 1300), que tinha empregado táticas semelhantes na luta contra as invasões mongóis no século 13.
A morte de Ho trouxe maiores consequências nas relações das lideranças vietnamitas com Moscou e Pequim que
repercutiu na década de 1970. Mas a partir de 1969 já havia uma mudança de atitude de Washington com relação
aos conflitos no Vietnã. Pois no mesmo ano foi eleito Richard Nixon, que tinha prometido na sua campanha eleitoral
dar fim à guerra e trazer de volta a paz. A bem da verdade, Nixon referiu-se apenas ao envio de americanos para o
sul vietnamita, continuando com os bombardeios aéreos e apoio logístico e operacional para os combatentes sul-
vietnamitas aliados em solo. Até 1973, durante os dois anos do mandato de Nixon, a Força Aérea Americana
despejou durante a Operação Menu e depois na Operação Freedom Deal, mais de 250 mil toneladas de bombas [1114]
sobre bases no Camboja e regiões fronteiriças com o Vietnã do Sul. Essas campanhas endureceram uma geração
inteira de guerrilheiros e camponeses, muitos dos quais depois iriam integrar o regime do Khmer Vermelho no
Camboja. E estava cada vez mais clara a determinação das tropas comunistas à espera da retirada do apoio
americano.
Nixon ainda tinha apoiado uma massiva invasão terrestre ao Camboja em 1970, a partir do Vietnã do Sul, que
transformou a região num palco de destruição e escombros, para o horror da população cambojana. A reação do
público americano atingiu seu ápice, com a morte de quatro manifestantes no campus da Universidade de Kent
State, em Ohio, em 4 de maio de 1970. Ademais, os empresários e banqueiros de Wall Street começaram a
pressionar o fim do envolvimento americano visando a estabilidade financeira da Bolsa de Valores de Nova York.
Depois dos escândalos de Watergate, Nixon entrou em desespero por um trunfo político, e foi em visita presidencial
a Pequim se encontrar com Mao Zedong em 1972. A China de então tinha demonstrado rivalidade contra os
soviéticos desde as disputas de fronteira no rio Ussuri com as autoridades soviéticas em 1969. Mao passou a
considerar o Vietnã do Norte como demasiadamente inclinado ao apoio de Moscou e tinha retirado todo seu apoio.
Isso decorreu depois de insistentes pedidos de Pequim a Hanói para romper a ajuda soviética, que foi seguidamente
negado. O resultado afetou seriamente as relações sino-vietnamitas.
Os entendimentos de Nixon com Mao resultaram no Comunicado de Xangai de 28 de fevereiro de 1972,
assinado com Zhou Enlai que anunciou que os dois países se oporiam a qualquer tentativa de imposição hegemônica
na região da Ásia-Pacífico. Essa reviravolta diplomática dos EUA, contudo, pouco consolo trouxe às baixas no
Vietnã. Mais de 300 mil soldados americanos foram dados como mortos, feridos ou desaparecidos. As forças sul-
vietnamitas apresentaram mais de 300 mil feridos e por volta de 137 mil mortos. Estimados 400 mil civis faleceram
e muitos outros foram feridos, não somente de munições e minas terrestres, mas dos efeitos de herbicidas lançado de
bombas de Agente Laranja pela Força Aérea Americana. Do lado norte - vietnamita, foram admitidos oficialmente
mais de 600 mil mortes. Ao todo, quase 2 milhões e meio de vietnamitas e aliados tinham sucumbido na guerra entre
1967 e 1973, ano em que foram assinados os Acordos de Paris que deram fim oficial à Segunda Guerra do Vietnã.
No ano seguinte dos Acordos de Paris, Nguyen Van Thieu desafiou o acordado e se declarou como ditador
presidencial do Vietnã do Sul, assim como tinha sido feito por Ngo Dinh Diem na década anterior. O ditador sul-
vietnamita considerou tal atitude um desespero, pois tinha percebido a iminente retirada americana e a proximidade
dos comunistas vietnamitas. Vo Nguyen Giap, com isso, passou a ter aval para sua ofensiva final contra Saigon e
conduziu brilhantemente uma campanha relâmpago a partir de bases interioranas do sul-vietnamita. Em abril de
1975, Saigon tinha sido ocupada pelos comunistas, dando efetivo fim à guerra. Com o mandato exaurido de Nixon e
com a delicada situação impopular dos republicanos americanos a continuar no Vietnã, nada podia mudar o destino
de Nguyen Van Thieu que já tinha fugido de Saigon em 21 de abril de 1975 a bordo de um avião americano
juntamente com toda sua família, junto com 16 toneladas de ouro e valores retirados dos cofres do Banco Nacional
em Saigon [1115].
Como se não fosse o suficiente o Vietnã ter atravessado a Primeira e Segunda Guerra do Vietnã, contra
japoneses, franceses e americanos desde a Segunda Guerra Mundial, houve ainda mais conflitos armados que
ocorreram em 1978 e 1979 contra a China. Diante da recusa de Hanói em romper alianças com Moscou, as
autoridades chinesas foram dar exemplo punitivo ao que considerava como histórico vassalo de Pequim. Ademais, o
Camboja tinha atravessado um período turbulento com a ascensão de um regime apoiado pelos chineses, o Khmer
Vermelho, em 1975. Esses também passaram a atravessar a atacar as fronteiras vietnamitas. Exasperado diante de
mais ofensivas, os vietnamitas reagiram e invadiram o Camboja em 1978 e, ano seguinte, tinham afastado o infame
líder khmerista, Pol Pot (g. 1976 - 1979) do poder (fig.), instalando um regime aliado, a inaugurar a República
Popular da Kampuchea.
Fig. - Pol Pot, líder do Khmer Vermelho.

Nessa época, depois de décadas de guerras, a economia vietnamita estava arruinada, a agricultura arrasada,
repleta de minas terrestres restantes, devastada por agentes herbicidas lançados, e a indústria em escombros. Para
tentar reerguer a economia, Hanói passou a traçar metas visando controlar os recursos do sul a se integrar com as
regiões do norte vietnamita. Os conflitos com os chineses impediram essa recuperação econômica integrada do
Vietnã, que ao final das agressões resultou num impasse e frustrou qualquer intenção maior de Pequim. A China, em
fins da década de 1970, especificamente em 1976, tinha começado a entrar numa nova fase política, com a morte de
Mao Zedong e de seus partidários mais próximos. Deng Xiaoping (1904 - 1997) tinha começado a deixar seu marco
na política em Pequim e buscar um novo rumo pragmático de desenvolvimento chinês, e talvez isso tenha se
refletido na retirada da China contra o Vietnã em março de 1979. Naturalmente, a experiência superior de combate
dos vietnamitas e do uso de armas e equipamentos adquiridos dos americanos contou a favor dos vietnamitas nos
conflitos.
Um dos efeitos das décadas de guerras foi o aumento vertiginoso da pobreza. Hanói introduziu uma série de
reformas visando revitalizar a agricultura nas mãos da iniciativa privada, a restaurar a qualidade de vida no campo.
Mas o mesmo não foi feito nas cidades, até pelo menos a morte de Le Duan em 1986. Pois nesse ano foi aprovado
pela ala mais moderada das lideranças comunistas, liderada por Nguyen Van Linh (g. 1986 - 1991) (fig.), um
abrandamento do controle estatal sobre a atividade de mercado, religião e atividades culturais e de imprensa. Van
Linh tinha adotado uma postura mais pragmática e aprendeu com as reformas feitas por Deng Xiaoping na China.
Com o fim da União Soviética em 1991, o Vietnã retomou as boas relações com Pequim, além de renovar os laços
com Moscou e buscou oportunidades de investimentos com o Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura. E não
menos importante, Van Linh buscou renovar o quadro partidário do governo, a combater a excessiva ortodoxia e
corrupção que tinham assolado o meio oficial. Acima de tudo, Van Linh procurou revitalizar a cultura vietnamita,
atendendo às suas festividades de aldeia e eventos religiosos budistas e confucionistas. Após décadas de destruições,
o Vietnã na década de 1990 começou a se reerguer com anos seguidos de crescimento econômico voltados à sua
vocação natural ao comércio marítimo internacional.

Fig. - Nguyen Van Linh conversando com lideranças camponesas vietnamitas.

O sucessor de Van Linh como Secretário-Geral do Partido Comunista do Vietnã, Do Muoi (g. 1991 - 1997),
prosseguiu com as reformas feitas por seu antecessor, mas sempre preservando o poder nas mãos do seu partido.
Nong Duc Manh (g. 2001 - 2011) foi escolhido para o cargo político mais poderoso no Vietnã na virada do século
21, e fez parte de uma nova geração de políticos mais voltados aos negócios. Por ter estudado por anos em
instituições soviéticas e fluente em russo, Nong Duc Manh manteve privilegiada as relações com Moscou. E foi de
seu termo no ofício que foram traçados ambiciosos planos de desenvolvimento da economia vietnamita a ser
concretizado até 2020, plano que está sendo continuado pelo seu próximo no cargo desde 2011, Nguyen Phu Trong
(g. 2011 - ).
A trajetória histórica do Laos também remete às influências hegemônicas em disputa na região. A monarquia lao
traça suas origens a Fa Ngum (r. 1353 - 1372), um príncipe tai que em 1353 se tornou rei de Lan Xang com apoio de
aliados e tropas khmers. O reino manteve-se relativamente isolado e, por vezes, à mercê de regentes vietnamitas em
meados do século 15 [1116]. No século 16, os laosianos enfrentaram as ofensivas dos tais do reino de Lan Na, de
Ayutthaya e depois dos birmaneses sob o rei Bayinnaung em 1565.
Em fins do século 19, quando se encontrava como reino vassalo do Sião, o Laos passou para a administração
colonial francesa em 1893. Quadro que depois mudou com o repentino avanço japonês na região durate a Segunda
Guerra Mundial. Os japoneses tinham proposto ao rei Sisavang Vong (r. 1904 - 1945 como rei de Luang Prabang; r.
1946 - 1959 como rei do Laos) a independência dos franceses como retribuição de maior apoio. O soberano depois,
de fato, declarou a independência do país depois de considerar o fim do protetorado francês em 8 de abril de 1945.
Mas, pouco depois, com a volta dos franceses à região depois do fim da guerra, Sisavang Vong, aprisionado no seu
palácio, aceitou novamente a supervisão francesa. Como parte da resistência a esse ato imperialista, um movimento
foi criado, o Lao Issara, "Laos Livre", que lutou contra os franceses com o apoio de membros inconformados da
família real, como Souvanna Phouma (1901 - 1984) e Souphanouvong (1909 - 1995), e de nacionalistas e
socialistas.
Mas o Lao Issara não era páreo para os franceses e assim, muitos fugiram para o exílio ou foram mortos em
combate. O príncipe Souvanna Phouma aceitou uma proposta de anistia e retornou depois de Bangkok ao Laos em
1949, quando se tornou primeiro-ministro (g. 1951 - 1954). Seu meio-irmão, contudo, o príncipe Souphanouvong
radicalizou em sua postura e se juntou ao Viet Minh, proclamando em Hanói a criação de um novo governo de
resistência em 1950 chamado de "Terra do Laos", ou Pathet Lao [1117]. Souphanovoung não alimentava grandes
afinidades ao comunismo, era antes de tudo um nacionalista, mas sua dependência ao Viet Minh deixou-lhe pouca
liberdade de escolha política, arrastando o Pathet Lao aos conflitos da Segunda Guerra do Vietnã (1955 - 1975).
Ironicamente, muitos membros dessa facção laosiana eram de etnias não propriamente laosianas, mas de habitantes
das regiões mais marginais e montanhosas da fronteira do Laos com o Vietnã que nutriam profundo ódio aos
franceses.
O premiê Souvanna Phouma acreditou que poderia ter trabalhado com seu familiar, Souphanovoung, a rechaçar
o envolvimento comunista vietnamita na política laosiana, afastando assim qualquer possibilidade de agressões dos
americanos no Vietnã e fronteiras. Mas o Pathet Lao começou a ganhar popularidade e visibilidade na política,
ganhando assentos no parlamento em Vientiane, capital do Laos. Mas o que mais preocupou as autoridades
americanas foram as ofensivas armadas que o grupo, chamado de Grupo 559, mais organizado e treinado com apoio
de Hanói, começou a fazer contra o governo laosiano que acabou destituindo Souvanna Phouma do poder em junho
de 1958. O caos parecia ser iminente no Laos. A ala mais anticomunista chegou ao poder e conseguiu capturar e
prender Souphanouvong por traição. Contudo, pouco depois, esse líder conseguiu escapar da prisão, marcando o
início de décadas de facções polarizadas e lutas laosianas até 1975.
A força do Pathet Lao permaneceu forte e popular entre as camadas mais pobres e rurais no Laos. Isso adveio do
envolvimento maior de seus membros nas obras comunitárias nas aldeias e vilas interioranas do Laos,
historicamente ignoradas pela elite do país. O rei Sisavang Vong morreu em 1959, e foi sucedido no trono pelo
príncipe Savang Vatthana (r. 1959 - 1975) que sempre teve aversão a qualquer colaboração com os vietnamitas e o
Pathet Lao. A atitude do novo rei agravou ainda mais as tensões no Laos, mas foi um deleite para os EUA que
enxergaram nele um aliado a combater os comunistas na região. Souvanna Phouma, nesse meio tempo agora como
Ministro da Defesa, começou a se posicionar de maneira mais conciliadora com relação aos conflitos civis no Laos,
demonstrando interesse de negociação com o Pathet Lao e atraindo as autoridades em Moscou. O que irritou o novo
rei e os seus militares aliados que tinham ganhado a boa vontade dos EUA na luta contra os comunistas aliados ao
Viet Minh.
Em janeiro de 1968, o Viet Minh lançou uma grande ofensiva ao sul-vietnamita que passava por regiões orientais
do Laos, que acabou resultando em conflitos e derrota das forças do governo do rei Savang Vatthana em Nam Bac.
Isso permitiu ao Pathet Lao e os comunistas vietnamitas consolidarem suas bases de apoio e linhas de comunicação
e suprimento na chamada Trilha Ho Chi Minh. Foi a partir de então que os americanos começaram a bombardear
extensamente a região oriental laosiana, no seu esforço de romper o avanço do Viet Minh para o sul, arrasando de
vez toda a economia e agricultura laosiana.
No início da década de 1970, portanto, o Laos era um país em escombros. As negociações em Paris de 1973
entre os EUA e o Vietnã resultaram num cessar-fogo que permitiu ao Pathet Lao ampliar ainda mais suas bases no
país. O governo oficial laosiano sobreviveu precariamente apenas a ser sustentado pelos americanos que remetia
armamentos, comidas e remédios. A situação mudou finalmente em abril de 1975, quando com a retirada dos EUA e
a vitória do Viet Minh, o Pathet Lao ocupou o poder com um golpe de estado. Isso provavelmente foi consequência
de anos de desgaste e fadiga de guerra, algo que o rei deposto, Savan Vatthana reconheceu e abdicou em 2 de
dezembro para a ascensão da presidência de Souphanouvong (g. 1975 - 1991) (fig.). Com o novo regime
presidencial, o Laos passou a receber apoio do Vietnã unificado e da União Soviética. Temendo por novos golpes
dos monarquistas, a família real foi mandada para um campo de reeducação em Sam Neua, perto da fronteira com o
Vietnã, em 1977. O primeiro presidente laosiano governaria até 1991, quando se aposentou e viveu mais quatro anos
em Vientiane.

Fig. - Souphanouvong (esq.) com Ho Chi Minh (dir.).

Desde então o Laos, com o fim da Guerra Fria, passou a reformar sua economia. Ao contrário do Vietnã, o país
não tem acesso aos mares, que o torna dependente de acordos com os países vizinhos. Sua relação estabelecida
desde 1989 com a China revelou-se fundamental, que tem nos últimos anos investido em obras de integração, infra-
estrutura e geração de energia hidrelétrica. Com a Tailândia, foram assinados diversos acordos que se concretizaram
na construção de estradas e pontes, como a que liga a cidade de Viang Chan com Nong Khai em 1994. Outras três
grandes pontes depois seriam construídas sobre o Rio Mekong nos anos seguintes, revitalizando a economia laosiana
integrando-a com a tailandesa.
Como no Laos, o reino do Camboja sempre foi dominado por membros de uma elite de descendência real. O rei
cambojano, Norodom Sihanouk (r. 1941 - 1955) (fig.), tornou-se adepto de suprimir qualquer oposição,
particularmente os esquerdistas, a preservar seu status monárquico. Sua atitude provou ser eficaz e o manteve no
poder durante as turbulências das décadas de 1950 e 1960, mas Sihanouk foi obrigado a conceder algumas
prerrogativas, como a de se tornar um "cidadão" para poder liderar um partido político, e assim a manter seu pai,
Norodom Suramarit (r. 1955 - 1960) no trono de maneira simbólica até sua morte em 1960. A astúcia política de
Sihanouk rendeu-lhe 80% dos votos nas eleições em 1955 dos assentos na Assembleia Nacional.

Fig. - Norodom Sihanouk em visita oficial a França em 1946.

Apesar de sua popularidade com o eleitorado, a vitória de Sihanouk eclipsou todos os outros partidos no cenário
político cambojano em 1955. Isso se revelou fatal para qualquer manifestação de contestação e oposição pelos meios
institucionais. A relativa prosperidade e paz no restante da década não impediram em 1963 alguns membros mais de
esquerda do governo de Sihanouk resignarem aos seus postos ministeriais a criticar a excessiva centralidade de seu
governo. Na mesma época, houve manifestações nas ruas por comunistas cambojanos, como em Siem Reap, que
foram duramente reprimidos por forças policiais, forçando um de seus ativistas, Saloth Sar (depois conhecido como
Pol Pot) (1925 - 1998), a buscar refúgio no interior.
A morte de Suramarit em 1960 teve um efeito devastador em Sihanouk, e o líder cambojano passou a articular
uma nova figura real para a sucessão. Mas sua atuação política como líder de governo o impediu de assumir ele
mesmo o trono monárquico, e não confiava em mais ninguém de sua família ao simbólico cargo. Assim, Sihanouk
resolveu criar um Conselho Regencial, uma instância que lhe serviu como instrumento de influência na família real
repleta de membros que apresentaram uma vida dissoluta. Sihanouk, portanto, manteve-se como Chefe de Governo
e de Estado. O que talvez tenha alimentado sua ambição maior na política cambojana no restante da década de 1960.
Os eventos começaram a ser tornar dramáticos na fronteira com o Vietnã do Sul na guerra contra os comunistas
ao norte e americanos. Sihanouk tentou o quanto pôde manter seu país afastado da Guerra do Vietnã, mas isso
provou ser cada vez mais insustentável. Em 1966, Sihanouk secretamente entrou em acordo com Hanói, permitindo
as suas operações em solo cambojano e a receber cargas e suprimentos pelo porto meridional de Sihanoukville.
Quando revelado, os americanos ficaram indignados com a atitude do estadista. E pior, não agradou também aos
comunistas cambojanos, chamados por Sihanouk de Khmer Vermelho (Khmer Rouge) agora liderados por Pol Pot
em bases clandestinas no interior que enxergaram excessiva submissão ao Viet Minh em Hanói.
Em 1970, quando Sihanouk esteve no exterior, em visita de estado a Pequim, elementos militares conservadores
com apoio dos EUA, tomaram por meio de um golpe o poder cambojano liderado pelo General Lon Nol (g. 1969 -
1972; 1972 - 1975), que alimentava planos políticos de tornar o Camboja como base de apoio e ataque contra os
vietnamitas e cambojanos comunistas. Nesse sentido, sentindo-se encorajado com a nova liderança, os EUA
passaram a bombeardear sistematicamente as regiões cambojanas fronteiriças com o Vietnã, que serviam de
passagem e comunicação do Viet Minh. A campanha trouxe a destruição e ruínas de grandes áreas e comunidades
cambojanas, agravando ainda mais a condição humanitária e radicalizou o movimento de resistência cambojano
contra Lon Nol pelo Khmer Vermelho. Apesar do presidente dos EUA, Nixon, estar ciente da precariedade do
governo de Lon Nol, mesmo assim autorizou o apoio e avanço de mais de 50 mil americanos e 48 mil sul
vietnamitas aliados ao Camboja, com a intenção de romper de vez a Trilha Ho Chi Minh [1118].
O movimento de Nixon provou ser fatal para sua carreira política que passou a enfrentar crescentes
questionamentos e contestações nos EUA. E ainda mais contra Lon Nol, que passou a ser considerado no Camboja
como mera peça no tabuleiro dos EUA e Vietnã do Sul. O Viet Minh não somente perdurou no seu avanço contra o
sul pela Trilha Ho Chi Minh, como também derrotou as forças cambojanas de Lon Nol no interior cambojano,
criando uma grande onda de refugiados camponeses, em torno de dois milhões, na fértil região do delta do rio
Mekong a inchar as grandes cidades como Phnom Penh. Em 1975, a situação de Lon Nol era tão delicada que sua
autoridade não ia muito além da capital, a se manter por suprimentos aéreos dos EUA. Quando os americanos se
retiraram do Vietnã, poucos membros do governo de Lon Nol estavam presentes no Camboja.
Em contrapartida, nesse vácuo de poder, cresceu o Khmer Vermelho vindo de suas bases do interior e alimentado
por membros endurecidos depois de anos de conflitos na selva. Desconfiado de toda a elite e habitantes urbanos que
conviveram sob Lon Nol e Sihanouk, Pol Pot mandou esvaziar as grandes cidades cambojanas, mandando a maioria
de seus habitantes para programas de reeducação através do trabalho no interior. Vendo-se como sucessor dos
soberanos de Angkor, Pol Pot buscou mobilizar radicalmente toda a nação a se reerguer em novas bases
revolucionárias na liderança de membros de seu partido contra os membros conservadores e reacionários do passado
cambojano. Assim, foram estimados mais de três milhões de deslocados compulsioriamente ao interior, muitos deles
vindo a morrer por castigos, torturas e exaustão. Sobreviventes do governo de Pol Pot (g. 1975 - 1979) chamam o
período de Samai a-Pot ("A Era do Abjeto Pot").
Pol Pot almejou criar, em curto período, uma nova sociedade com base na agricultura coletivizada e investir os
ganhos da exportação para criar uma indústria nacional, tornando o Camboja menos dependente da economia
internacional. As expectativas provaram ser irrealistas, pois sua política arruinou toda a estrutura financeira
nacional, severamente limitando qualquer ganho e acúmulo de capital a ser investido. Como emblema da sua
política de rejeição ao passado cambojano, o Banco Nacional do Camboja foi dinamitado logo após a ocupação de
Phnom Penh em 17 de abril de 1975. Permitir a volta do livre comércio e finanças, argumentou Pol Pot, era trazer de
volta as nocividades do capitalismo. A política agrícola coletivizada estava fadada ao fracasso, pois as lideranças do
Khmer Vermelho não tinham quase nenhuma experiência no campo, tornando impossível seu plano de triplicar a
colheita do arroz, ainda mais a depender do trabalho forçado de habitantes urbanos a limpar o terreno florestal. No
que resultou em milhares de mortos por fome e produziu uma geração inteira de crianças órfãs e desnutridas. Contra
a realidade, os relatórios eram manipulados para agradar as autoridades em Phnom Penh. Contra quaisquer críticas,
o governo de Pol Pot considerava seus opositores como elementos capitalistas e, nesse sentido, milhares foram
aprisionados em locais como em Tuol Sleng, hoje símbolo remanescente do brutal regime.
Foi essa intolerância e brutalidade que acabou minando a legitimidade do regime do Khmer Vermelho. As
condenações e sentenças tornaram-se arbitrárias afetando até mesmo membros cambojanos com histórico de
lealdade à causa comunista. Talvez isso decorreu da crescente desconfiança de Pol Pot de potenciais rivalidades a
ameaçar seu cargo político e sua vida. O Vietnã comunista unificado, depois de 1975, foi mais um ingrediente de
seu temor. O apoio maior começou a vir das autoridades chinesas a partir de fins de 1976, que passaram a apoiar Pol
Pot a minar o regime de Hanói uma vez que tinha se aliado a Moscou. Foi nesse contexto que se deve considerar os
ataques dos cambojanos contra os vietnamitas no início de 1977, que agravou ainda mais a estabilidade política
interna do Camboja. Pois Hanói começou a instigar e apoiar forças de esquerda antagônicas ao Khmer Vermelho em
regiões adjacentes ao Vietnã.
Por ter mandado perseguir e executar todos aqueles simpatizantes ao Vietnã, o Khmer Vermelho começou a
gradativamente orbitar para o isolamento no sudeste asiático. O auge da crise chegou em 1979, quando os
vietnamitas resolveram partir para a força no Camboja que não contou com nenhum apoio internacional,
considerando que Deng Xiaoping na China tinha reconsiderado seu apoio a Pol Pot. A queda de Phnom Penh, em 7
de janeiro de 1979, marcou o fim do governo khmerista e foi anunciado um novo regime pró-vietnamita, a
República Popular da Kampuchea [1119]. Uma invasão paralela ocorreu do sul do Laos que derrotou as bases do
Khmer Vermelho no interior fronteiriço. Para os vietnamitas, Pol Pot fora desarticulado, e Hanói passou a
influenciar o regime político cambojano até 1989, quando decidiu retirar suas tropas do país, por volta de 200 mil
homens. Muito no Camboja sentiram-se aliviados a partir de então, pois o Khmer Vermelho parecia ser uma
memória passada. A presença vietnamita, no entanto, deixou um delicado legado no país, pois muitos desses
permaneceram com a posse de terras nas regiões orientais e no delta do Rio Mekong.
Com o fim da Guerra Fria, a intensidade das rivalidades cambojanas diminuiu. Para o Vietnã, o líder soviético,
Gorbachev, anunciou mudanças na sua política externa e apoio. Na China, Deng Xiaoping começou a colher os
frutos de anos de reformas econômicas e não mais se posicionava nas relações entre Hanói e Phnom Penh.
Sihanouk, nesse meio tempo, resolveu voltar de Pequim ao Camboja em setembro de 1991. A calmaria e anistia
dominaram o Camboja depois da assinatura dos acordos de paz em Paris em outubro de 1991 a ser supervisionado
por tropas da ONU. Dois anos depois, em 24 de setembro de 1993, Sihanouk foi convidado pelo longevo premiê
cambojano, Hun Sen (g. 1985 - 1993; 1993 - 1998; 1998 - ) a assumir o trono monárquico e se tornar Chefe de
Estado.
Das lideranças do Khmer Vermelho, restaram poucos. Ieng Sary (1925 - 2013), depois de ter abandonado os
khmeristas, foi julgado e anistiado por Sihannouk em 1996. Com essa mesma atitude, o monarca evitou condenar
outras lideranças que foram julgadas, que acabou custando-lhe impopularidade interna e externa com o tempo. Hun
Sen, como primeiro-ministro, enxergou a oportunidade política e resolveu dar um golpe em julho de 1997 com o
apoio dos militares, chegando a deter e executar dezenas de políticos oposicionistas. Apesar disso, Pol Pot ainda
permaneceu escondido e somente foi achado e julgado por um tribunal internacional na região em abril de 1998.
Pouco depois, em 15 de abril, Pol Pot veio a falecer. Seu corpo foi incinerado junto com pneus e pilhas de lixo [1120].
O restante histórico posterior do Camboja foi dominado por Hun Sen, até os dias atuais no poder. Sihanouk,
vendo-se apenas como figura simbólica e afastado do processo decisório, decidiu abdicar do trono em 2004. Dando
a sucessão ao seu irmão mais novo, Norodom Sihamoni. Aos 89 anos de idade, em 15 de outubro de 2012, Sihanouk
morreu em Pequim, deixando muitos admiradores, mas ainda mais críticos de seu enriquecimento pessoal e estilo de
vida faustosa.

Sudeste Asiático – Parte Insular (Segunda Metade do Século 20)


A Malásia, relativamente aos países ao norte do sudeste asiático, sofreu menos traumas no seu processo de
independência, decorrente das percepções das elites malaias e das autoridades em Londres sob o governo de
Clement Attlee. A emancipação política veio oficialmente em 1º de abril de 1946. Mas o processo não ficou isento
de tensões e disputas políticas e étnicas na nova União Malaia. Apenas dois anos depois da declaração de
independência, que incluía a península malaia (com todos os sultanatos malaios), Cingapura e os dos
Estabelecimentos dos Estreitos (Malaca, Penang, Dinding e da ilha de Labuan, todas ex-colônias da Coroa
Britânica), o acordo de união começou a se desfazer. E, com essa tendência centrífuga, surgiu a Organização
Nacional da União Malaia (UNMO, United Malay National Organization) a buscar conter a excessiva ingerência
britânica a favorecer a elite malaia muçulmana.
Mapa - A Malásia atual.

Em 1957, Tunku Adbul Rahman (g. 1957 - 1970) (fig.) tornou-se primeiro-ministro da Malaia, mesmo ano em
que explodiram tensões em Penang, no norte malaio. Esses conflitos estavam adormecidos desde as contestações dos
Estabelecimentos dos Estreitos em 1948, pois muitos de seus habitantes eram chineses que tinham prosperado sob a
administração colonial britânica. Os malaios muçulmanos, em contrapartida, não consideravam os direitos políticos
plenos a ser estendidos aos chineses e outras comunidades consideradas "estrangeiras", como os descendentes dos
indianos importados pelos britânicos para os seringais. Assim, houve nos anos iniciais de independência da União
Malaia um favorecimento à comunidade malaia, endossado por Londres. Para agravar ainda mais, o status de porto
livre de Penang foi abolido por Kuala Lumpur em 1969 [1121], algo que tinha trazido prosperidade comercial para a
região depois de dois séculos de intensa atividade portuária sob os britânicos desde a administração de Francis Light
(1740 - 1794) no século 18, a primeira colônia britânica no sudeste asiático.

Fig. - Tunku Adbul Rahman em discurso de independência (merdeka) em Kuala Lumpur em agosto de 1957.

As preocupações com outras etnias no país pelas autoridades em Kuala Lumpur foram mais exarcebadas em
Cingapura, onde havia uma numerosa comunidade de origem chinesa, e nas nações nativas de Sarawak, Brunei e
norte de Bornéu. O premiê malaio, Abdul Rahman, apostava que a união dessa diversidade se daria naturalmente
com o tempo e que nesse processo deveria ser garantido a todos os mesmos direitos que os malaios. Entretanto,
apesar da vontade política, grupos políticos começaram a se desentender a respeito das peculiaridades de cada nação,
o controle e acesso aos recursos naturais e minerais e o orçamento alocado a cada um.
Em Sarawak, essas tensões ficaram evidentes com as discussões entre o interior da ilha e Kuching, onde era
representado o governo federal. Em Cingapura, um partido local ganhou cada vez mais proeminência, o Partido da
Ação Popular (PAP), sob a liderança de um advogado graduado em Cambridge, Lee Kuan Yew (g. 1959 - 1900).
Esse partido tinha ascendido ao poder cingapurense em 1959 prometendo maior autonomia a manter algum vínculo
com a Malaia. Mas os desentendimentos entre Lee Kuan Yew e Tunku Abdul Rahman tornaram essa associação
cada vez mais distante, apesar de Cingapura ter conseguido poderes plenos sobre as áreas de educação, política
trabalhista e portuária. Em 1962, 71% dos cingapurenses votaram para manter-se como parte da Federação da
Malásia, uma nova proposta de Kuala Lumpur a almejar a unidade de suas partes federativas.
Contudo, o mesmo entusiasmo não foi observado nos territórios no Bornéu que resistiram mais à ideia de uma
Malásia (ao invés de “Malaia”, termo que privilegiava os malaios). Sarawak e o norte do Bornéu tinham atravessado
décadas de administração colonial britânica separados da península malaia, que possivelmente estimulou seu senso
de autonomia. Ademais, havia na época dos plebiscitos visando formar a Malásia em 1963 uma liderança no norte
de Bornéu (à época, Sabah), da nação kadazan, Donald Stephens ou Fuad Stephens (g. 1963 - 1964), que sempre
tinha se declarado contra a ideia de federação. Stephens considerava que uma entidade federativa iria fortalecer e
privilegiar os malaios contra os bornéus. Em 1964, após intensas negociações, Stephens convenceu-se com Tunku
Abdul Rahman e Lee Kuan Yew da importância de Sarawak e o norte de Bornéu se tornarem parte da nova Malásia.
O mesmo não convenceu Brunei que, depois de ter atravessado o ano de 1962 por protestos e intervenção de tropas
britânicas, decidiu por não se associar à Malásia. Assim nasceu a Malásia em sua nova fase, em 1963, almejando
uma unidade mais coesa e a respeitar as autonomias de cada parte.
Os problemas políticos, entretanto, ainda não foram todos resolvidos na nascente Malásia. Nas eleições de
Cingapura de 1963, o PAP começou a apresentar propostas que foram rejeitadas por Kuala Lumpur e Lee Kuan Yew
ficou determinado que a comunidade chinesa de sua nação deveria ser plenamente representada na Malásia. Em
essência, essas batalhas políticas resumiram-se sobre os privilégios dos malaios e os temores dos chineses (e da
numerosa classe de indianos) em não se verem devidamente representados no governo nacional. Assim se explica as
contestações do PAP em reivindicar mais assentos parlamentares em Kuala Lumpur. Preocupado com os potenciais
conflitos étnicos pela Malásia, Abdul Rahman decidiu, após plenário parlamentar em 9 de agosto de 1965 com a
notável ausência dos delegados cingapurenses, por 126 votos contra zero [1122] decretar o fim da união e dar
independência plena para CIngapura, sem mesmo ter consultado seu povo e Lee Kuan Yew que acreditava que
somente junto à Malásia, Cingapura poderia prosperar no seu futuro. Depois de alguns anos, Abdul Rahman chegou
a admitir que sua primordial motivação foi ter afastado politicamente Lee Kuan Yew do poder na Malásia. Essas
diferenças de ambição apontam para as tendências políticas de cada líder: Tunku Abdul Rahman advinha de uma
família real malaia, a do sultanato de Kedah, que esperava preservar a histórica elite muçulmana regente na
península; e a de Lee Kuan Yew, um ambicioso descendete de chineses que prosperaram com o comércio e que teve
acesso a novas ideias e planos para um novo país asiático. A tradição, portanto, chocou-se contra a inovação. E
nesse veio de mudanças, o líder cingapurense não aguentou mais lidar com a legislação tradicional que privilegiava
as famílias e títulos tradicionais de malaios em detrimento da força empreendedora dos descendentes chineses e
indianos que tinham aportado em terras malaias há mais de meio milênio.
Com a secessão de Cingapura, o governo coligado em Kuala Lumpur agora se concentrou em manter Sarawak e
o norte de Bornéu (Sabah). O relativo isolamento e atraso econômico dessas regiões foram considerados ao conceder
maior tempo de ajuste para uma maior integração nacional futura. Mas Kuala Lumpur foi ficando impaciente contra
as tentativas de líderes locais, como a do ministro Fuad Stephens, dos kadazans, de tentar preservar de qualquer
maneira as tradições e identidades locais. Em Sabah, houve resistência por parte de Mustapha Harun (1918 - 1995),
ministro-chefe de 1967 a 1975, que acreditou firmemente em poder governar a região como um domínio pessoal e
hereditário, como um sultanato, mas com o tempo passou a alienar cada vez mais grupos nativos que rejeitaram seus
planos de tornar o Islã como a religião oficial, assim como seu programa autoritário de malaianização, causando-lhe
sua destituição do cargo em 1975. A última gota d'água foi seu flerte ao apoio dos povos moros, de rebeldes
muçulmanos nas ilhas meridionais do arquipélago filipino, pondo em risco a própria soberania malásia. Tendo, em
fim, conseguido a integração de Sabah, Kuala Lumpur evitou de qualquer maneira complicações com as Filipinas,
tendo Fuad Stephens, a maior liderança restante no Bornéu malásio, assumindo o cargo ministerial após Mustapha, e
a ter que lidar com as demandas de alguns muçulmanos a manter os vínculos históricos com as ilhas islamizadas
filipinas de Mindanao e Palawan, partes integrantes do antigo sultanato de Sulu. A vida política de Fuad Stephens,
portanto, foi crucial para manter a integridade da Malásia além da península e sua morte por um acidente de avião,
em 1976, ressaltou a todos sua vida pública de respeito à diversidade étnica e cultural dos bornéus e muçulmanos:
Fuad tinha se convertido ao Islã desde 1971 e era fluente em várias línguas locais. Em Sarawak, houve uma nova
geração de lideranças mais conciliadoras e representativas das tradições nativas não-muçulmanas. Em 1966, já
despontava no interior Temengong Oyong Lawai Jau, da nação kenyah, que combateu as intransigências do líder
dos dyaks, maior grupo étnico de Sarawak, Stephen Kalong Ningkan (g. 1963 - 1966). Foi, portanto, Oyong, um
homem pacifista e respeitador das tradições nativas que dialogou e abrandou as diferenças da diversidade étnica e
cultural de Bornéu na década de 1960. Depois de ter proposto instituir a Lei Costumeira das Terras dos Nativos [1123]
em junho de 1966, Ningkan foi destituído do cargo ministerial maior de Sarawak por Abdul Rahman a ser
substituído por alguém mais brando, outro dyak chamado Tawi Sli (g. 1966 - 1970).
Desde 1970, o maior beneficiário de Sarawak dessas mudanças políticas foi Abdul Taib Mahmud (1936 - ),
chefe-ministro de 1981 a 2014, que passou a dominar o cenário decisório da ilha, como líder dos muçulmanos. Para
contrapor a esse bloco, os dyaks começaram a se agremiar em torno da ideologia do dyakismo. Esses confrontos
vieram à tona nas eleições locais de 1983, quando o Parti Bansa Dyak Sarawak ("Partido da Nação Dyak de
Sarawak") elegeu vários parlamentares. Coligado com esse partido, Abdul Taib Mahmud teve depois que buscar a
conciliação e diálogo a manter afastado as outras forças opositoras da política de Sarawak, o que lhe garantiu uma
longa carreira de liderança.
A calmaria estava longe do centro do poder malásio. A estabilidade articulada pela coligação de partidos, a
Aliança, por Tunku Abdul Rahman, começou a ruir com manifestações durante as eleições em 1969. Os resultados
apresentaram uma sensível diminuição de assentos parlamentares da Aliança provocando temor da comunidade
malaia e euforia crescente de minorias que sempre reivindicaram maior participação política na esfera federal, como
os chineses. Assim, confrontos armados foram reportados nas ruas de Kuala Lumpur no referido ano. De igual
importância, foi a perda da Aliança nas assembleias estaduais, em que as comunidades malaias começaram a rachar
suas lealdades, uma delas a apoiar uma tendência mais islamizante da política, no Parti Islam Sa-Melayu (PAS),
especialmente apelativo aos votantes nos estados orientais da península malaia de Kelantan e Trengganu. De acordo
com estimativas oficiais, foram mais de 200 pessoas mortas e mais de 400 feridos nas revoltas em Kuala Lumpur,
mas os números certamente foram maiores, pois foram feitas muitas vítimas chinesas.
O cerne das revoltas foi a crítica dos privilégios mantidos pelos malaios e um dos políticos de época, Mahatir
Mohamad (g. 1981 - 2003) (fig.), começou a culpar esse sistema herdado de Tunku Abdul Rahman. Mahatir tinha
sido expulso de seu partido pelas suas veementes críticas na década de 1970, mas voltou com sucesso estrondoso em
1982 para liderar a Malásia por mais de duas décadas. Na época, a Aliança tinha sido desfeita por uma ampla
coalizão de partidos, a Barisan National, congregando nesse a Associação Malásia Chinesa e o Congresso Malásio
Indiano. Outra mudança com o governo do Barisan foi a ênfase dada para o desenvolvimento econômico da
Malásia, envolvendo ambiciosos planos de investimentos em regiões pouco exploradas com promissores recursos
naturais.

Fig. - Mahatir Mohamad discursando na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2003.

Mahatir Mohamad reuniu em si uma curiosa mistura de incontido autocrata e franco crítico. Certa vez, em 1986,
quando lhe acusaram por execuções bárbaras de traficantes de drogas pela imprensa australiana, o premiê
prontamente respondeu que muitos da Austrália descendem de criminosos [1124]. Mas sua atitude tempestiva não
ocultava sua tendência centralizante que ignorou a crescente corrupção e nepotismo que estava assolando a política
malásia nos anos de expressivo crescimento econômico nas décadas de 1980 e 1990 com a exploração das imensas
reservas petrolíferas descobertas, manchando decisivamente a reputação do Barisan. Mahatir aumentou sua
autoridade minando a atuação independente do poder judiciário e das lideranças hereditárias das famílias reais com
quem Abdul Rahman tinha negociado antes. Particularmente acrimoniosos foram as acusações de Mahatir contra o
Chefe de Estado da época, cargo de natureza rotativa chamado de Yang di-Pertuan Agong pela constituição,
ocupado pelo rei de Johor, Iskandar (r. 1984 - 1989), expondo seu estilo de vida luxuoso e extravagante. Mahatir
acreditou, com isso, ampliar seu apoio da classe média malásia que estava se expandindo na década de 1980 a
questionar os antigos membros privilegiados das famílias monárquicas.
Mas nem tudo parecia estar conforme os planos de Mahatir Mohamad. Em 1997, adveio a crise financeira que
desvalorizou o valor cambial da moeda nacional, o ringgit, provocando a queda dos valores da Bolsa de Ações em
mais de três quartos. A resposta de Kuala Lumpur inicialmente foi de negação, mas ao fim do ano, Mahatir passou a
proibir a venda de certas ações, a desencorajar maiores especulações e a comprar com fundos governamentais dos
acionistas malásios interessados. Esse conjunto de intervenções de emergência preocupou aqueles que ainda
consideravam a Malásia como um livre mercado, mas foram pragmáticos o suficiente para mitigar maiores fugas de
capitais durante a crise financeira. Ano seguinte, em 1998, o Banco Central, Bank Negara Malaysia, admitiu que as
causas para a situação foram decorrentes de anos de falta de reformas econômicas e financeiras.
O seu revés veio com a detenção, julgamento e prisão de Anwar Ibrahim (1947 - ), ex-ministro das Finanças.
Esse político era um dos mais próximos aliados ao Mahatir até o momento em que este o desconsiderou como seu
sucessor como primeiro-ministro, ao considerá-lo como responsável pela crise financeira de 1997. Pouco depois, foi
feita uma grande campanha difamatória contra o ex-ministro, amplamente publicizada, acusando-o de
homossexualidade e corrupção. Sob custódia, Anwar Ibrahim foi depois detido e agredido por membros da polícia
investigativa. Anwar foi posteriormente julgado novamente e libertado em 2004 por acusações de sodomia, mas as
queixas de corrupção impediram ainda por mais alguns anos a sua volta para a vida política. Nas eleições de 2013,
finalmente de volta nas eleições, Anwar Ibrahim quase venceu contra o Barisan, com amplas acusações de fraude e
intimidação eleitoral. Apesar disso, Mahatir já tinha deixado o cargo há dez anos e foram seus aliados que ainda se
mantiveram no poder. E de maneira mais substancial, as comunidades de chineses e indianos passaram a não se
considerarem representados no Barisan, buscando articular o apoio a novos partidos políticos, pulverizando o
cenário parlamentar malásio.
Após anos de governo da coalizão de partidos do Barisan, o governo malásio começou a ser visto com
indiferença pelo eleitorado. Agravou-se ainda mais depois de um longo período em que o governo em Kuala
Lumpur buscou favorecer os empreendimentos ao desenvolvimento do país, afetando de maneira significativa o
desmatamento florestal. Desde meados dos anos de 1980, houve favorecimento às lucrativas plantações de óleo de
palma. Com isso, provocado os incêndios para o desmatamento, houve ocorrências frequentes de névoas de fumaça
que se espraiaram por várias regiões do sudeste asiático, como em Sumatra e Cingapura. Parecia que a política
malásia nas primeiras décadas do século 21 estava imersa num ambiente de ganância e corrupção visando a
implacável exploração de seus recursos naturais inflingido um desastre ambiental para toda a região.
Na ponta da península, em 1957, Lee Kuan Yew tornou-se parte essencial na estratégia internacional da Guerra
Fria. Pois o líder cingapurense tinha começado a adotar uma postura cada vez mais rígida contra movimentos de
esquerda na ilha. O que agradou as autoridades americanas que enviaram a Cingapura parte de sua esquadra naval da
7ª Frota do Pacífico a conter as ambições políticas do primeiro presidente indonésio, Sukarno [1125]. O partido de Lee,
o PAP, logo depois de assumir o comando, começou a desarticular e perseguir todos aqueles que poderiam pôr em
risco os negócios e investimentos avidamente almejados na cidade. Em 1961, Lee anunciou o fim de todas essas
organizações, junto com os comunistas, e que somente poderiam se filiar à criada Frente Socialista (Barisan
Sosialis), um ramo esquerdista do PAP. Sendo assim, Lee pôde melhor vigiar e controlar os dissidentes na política
cingapurense. Essa ação demonstrou como o PAP aprendeu com o tempo a conter os mais estridentes oposicionistas,
conferindo ao partido extraordinária longevidade política.
Superadas as consequências políticas e econômicas da separação da Malásia em 1965, Lee depois soube
conduzir as decisões cruciais de Cingapura nas décadas seguintes que resultaram num ambiente excepcionalmente
favorável e estável aos investimentos e desenvolvimento. Isso sem dúvida foi também obra de sua equipe de
ministros e colegas, que entenderam a importância dessa política para viabilizar a economia diminuta da cidade com
tamanho aproximado de 716 km2, ou menos da metade da cidade de São Paulo. Atualmente, Cingapura desponta
como uma das economias mais vibrantes do mundo em contraste com boa parte de outros países asiáticos vizinhos.
As incertezas e volatilidades das economias no sudeste asiático tornaram Cingapura atrativa para os olhos dos
investidores asiáticos, que além de manter uma estabilidade política favorável aos investimentos com baixas taxas
portuárias e alfandegárias, deu ênfase à política educacional e o ensino universal do inglês nas escolas, atraindo
levas de estudantes descendentes de chineses de todo o sudeste asiático. A política discriminatória a favor dos
malaios na Malásia também levou empresários a se estabelecer na ilha, que foram fundamentais na expansão do
setor manufatureiro nos anos de 1980 e 1990. O governo de Lee Kuan Yew tinha dado ênfase à educação pois sabia
que sem uma mão-de-obra altamente qualificada, a economia de Cingapura tinha pouca chance de atração do capital
internacional. Foi nesse sentido que os cingapurenses cedo buscaram manter os vínculos acadêmicos com as
melhores universidades britânicas e americanas, ecoando a tradição confucionista de prestigiar aqueles aprovados
nos mais exigentes exames.
Cingapura, nesse sentido, começou a apresentar uma sustentabilidade de crescimento econômica, com
respeitável média de crescimento anual de seu PIB de 1975 a 2017 em 6,79% [1126], sem com isso perder de vista
suas identidades e tradições. Foram dois séculos de imigrações massivas de chineses, malaios e indianos,
confucionistas, budistas, muçulmanos e hindus, em sua maioria, para a região de clara vocação portuária e marítima
desde os tempos de Raffles em 1819. Nos anos do governo de Lee Kuan Yew, e depois com seus sucessores do PAP
que se mantiveram no poder até os dias atuais em 2017, buscou-se resguardar os direitos por igual de todas as
tradições e culturas da nação. Ao fim, quando Cingapura tinha deixado a Malásia em 1965, seu PIB era estimado
pouco abaixo de US$ 1 bilhão, comparado com quase US$ 3 bilhões da Malásia. Em 1975, o PIB cingapurense já
era metade do malásio e igualou-se em tamanho as duas economias em 1995 [1127], assim se mantendo desde então
(fig.).
Fig. – A exuberância da prosperidade. Vista da marina de Cingapura.

Com bilionária reserva cambial de dólares americanos e com menos de meio milhão de habitantes, Brunei figura
tal como um Kuwait no sudeste asiático. A política ainda se mantém no controle da família do sultão, cujas receitas
advêm do petróleo e gás. Brunei guarda relações históricas com Cingapura, o sultão Hassanal Bolkiah (r. 1967 - )
mantinha especial apreço por Lee Kuan Yew, e assim as duas economias por décadas se complementaram. Com
Brunei a fornecer hidrocarbonetos e Cingapura com expertise nos campos da tecnologia e engenharia.
Uma das maiores empresas conglomeradas de Brunei é a Qaf Holdings, administrada pelo irmão do sultão,
Príncipe Jefri Bolkiah (1954 - ). Originalmente o conglomerado tratava de terras, comércio, serviços e petróleo, mas
com o tempo, a Qaf se fez atuante em praticamente todos os setores da economia de Brunei, conferindo à Casa dos
Bolkiahs vultosos rendimentos [1128]. O evento mais dramático no desenvolvimento recente do país se deu em 1998,
com acusações de desvio de dezenas de milhões de dólares por Jefri e outros membros da família real.
Apresentando-se sempre como inocente, Jefri recusou-se a comparecer a uma audiência judicial em 2008. O
escândalo ganhou as manchetes internacionais, afetando os investimentos na economia de Brunei, mas a posição de
Hassanal Bolkiah foi mantida, cuja popularidade firma-se na sua devoção ao Islã, pois quase 70% do reino são
muçulmanos.
As pressões por mudanças constitucionais e políticas tornaram-se raras depois das revoltas lideradas por Azahari
em 1962 e 1963. Parte da explicação pode ser por amplos projetos subsidiados do governo para a população, desde
educação à saúde, e com praticamente todos os cargos políticos e gerenciais das grandes empresas se encontrarem
na família dos Bolkiahs, assemelhando-se ao que ocorre com a Arábia Saudita nesse aspecto. Ademais, Hassanal
teve a preocupação de ter seu exército composto por estrangeiros contratados, como os temidos nepaleses gurkhas,
afastando qualquer possibilidade de insurreições internas. Pelo apreço ao Islã, Hassanal em 2014 adotou muito da
legislação corânica, da shari’a, para as diversas áreas jurídicas, especialmente na área penal. Mas espera-se que haja
um certo abrandamento na aplicação de tais leis, pois guarda-se as prerrogativas de interpretação dos membros da
Supremo Corte, última instância de apelação jurídica, assim como ocorre no Paquistão.
Na Indonésia, quando os japoneses chegaram no início de 1942, a oportunidade histórica não foi perdida por
Sukarno que buscou capitalizar o momento para avançar a causa da independência contra os holandeses. O Japão,
como foi revelado, apesar de ter proposto uma Esfera de Co-Prosperidade Asiática a supostamente expulsar a
dominação ocidental e fortalecer os laços fraternais dos povos asiáticos, não hesitou em explorar a economia do
arquipélago indonésio e da mão-de-obra de mais de 100 mil trabalhadores malásios e indonésios para a construção
da infame estrada de ferro da Birmânia. O General Hitoshi Imamura (1886 - 1968), comandante máximo em Java,
declarou a importância da colaboração de lideranças locais, ainda mais de uma figura proeminente como Sukarno, a
ajudar na administração das Forças Imperiais Japonesas nos eventos da Segunda Guerra Mundial. Sukarno, em
suma, aderiu às forças de ocupação nipônica, mas antes visou angariar apoio e força para expulsar de vez todo
vestígio da ocupação holandesa na Indonésia. Ao fim da guerra, Sukarno já tinha avançado seu plano anticolonial,
ao ponto de postergar a declaração após a rendição dos japoneses em 17 de agosto de 1945.
Um dia após a declaração, Sukarno foi declarado como o primeiro presidente com poderes ilimitados por seis
meses. Os conflitos começaram logo depois, pois tropas britânicas e indianas desembarcaram em Java no mês
seguinte, em novembro de 1945. Em Surabaia, uma das maiores cidades portuárias de Java, conflitos foram
relatados com significativa resistência dos nacionalistas javaneses. Os holandeses, nesse meio tempo, parecem ter
reunido recursos e homens após as devastações da guerra, tomaram um posicionamento cauteloso em princípio, e o
que tinha à disposição eram 18 mil homens de Amboina das forças das Índias Orientais Holandesas. Portanto, coube
a Londres a delicada tarefa de se ver a sustentar a condição colonial holandesa em Java.
Mas a atitude britânica começou a mudar com as eleições que levaram o Partido Trabalhista ao poder em
Westminster em fins de 1945. O envolvimento custoso e impopular dos britânicos resultou em questionamentos
orçamentários, além das tropas cansadas que desejaram voltar para a vida civil, entre eles muitos indianos com a
premente perspectiva de independência da Índia da Coroa Britânica. Isso tinha sido demonstrado em 1946 com o
Regimento de Pára-Quedistas na Malaia, onde mais de 200 soldados foram acusados de desobediência militar. Entre
os indianos da Marinha Real Britânica (Royal Navy), houve um motim que envolveu 10 instalações navais e mais de
56 navios. A intransigência holandesa e o desespero britânico, portanto, foi o cenário colonial restante na Indonésia
após a Segunda Guerra Mundial até 1949.
A tomada dos comunistas na China em outubro de 1949 mudou a percepção de Washington sobre a Ásia, que
viram o quão iminente era a retirada dos holandeses para forças nacionalistas de Sukarno na Indonésia. Uma vez no
poder, nas décadas de 1950 e 1960, o presidente indonésio buscou ampliar o máximo a influência e sua presença nas
ilhas do sudeste asiático, reivindicando espaços na ilha de Bornéu, a que se referia como Kalimantan, contra o
projeto do governo malásio de integrar suas regiões setentrionais (Sarawak, Sabah e, apesar da posterior separação,
Brunei). Na distante ilha ao leste, na Nova Guiné, Sukarno confrontou a resistência de povos mais interessados em
manter vínculos com os holandeses do que ser submetido à Jacarta, a mais de 3 mil km de distância (mapa). Em
1976, os indonésios invadiram a porção leste da ilha de Timor, onde subsistiu uma comunidade portuguesa
mestiçada por séculos. Não foi à toa que muitos ilhéus da imensa diversidade de ilhas que compõe hoje a Indonésia
(termo a que se referem como Nusantara, “arquipélago”, advindo da língua javanesa) começou a enxergar a saída
dos holandeses a ser substituído por um novo imperialismo de Java, onde metade da população indonésia vivia. A
nova capital foi rebatizada em cima da antiga Batávia, Jacarta, cuja população chegou a duplicar com as migrações
do interior entre 1945 e 1961.
A Indonésia tinha atravessado por turbulências parlamentares em fins da década de 1950, quando o partidarismo
tomou conta do cenário político após os eufóricos anos iniciais de independência. Reformistas muçulmanos e
conservadores começaram a exigir maior participação e voz política, contra a crescente popularidade dos comunistas
endossados por Sukarno. Em Sumatra, ao oeste, e Sulawesi, ao leste de Java, as elites locais começaram a se
articular com militares locais visando resguardar suas fontes de rendimentos a não mais ser enviado para Java. Nesse
sentido, o tráfico e mercado ilícito começaram a florescer nas ilhas, erodindo a unidade indonésia e sua integração
fiscal. Em desespero, o Comandante-Chefe das Forças Armadas, o general Abdul Haris Nasution (1918 - 2000),
natural de Sumatra, buscou intensificar o combate a militares rebeldes e forças rebeldes, granjeando-lhe ampla
visibilidade popular e no meio conservador e militar indonésio.

Mapa - A Indonésia.

Na arena internacional, o governo dos EUA passou cada vez mais a ver com ansiedade a política autônoma
defendida por Sukarno, tendo esse cada vez mais apoio do meio comunista indonésio. Em abril de 1955, Sukarno
organizou e hospedou a Primeira Conferência dos Países Não-Alinhados em Bandung, na ilha de Java. Com a
presença de mais de 29 países, a maioria do continente asiático e africano, Sukarno projetou-se como um estadista
que desafiou a lógica bipolar da Guerra Fria. Washington tinha consciência das novas articulações no mundo pós-
colonial e buscou rapidamente se apaziguar com os governos no sudeste asiático visando futuras alianças
anticomunistas. Nesse sentido, reconheceu o governo malásio sob Abdul Rahman a combater as facções chinesas
comunistas no país, assim como tinha feito com Lee Kuan Yew de Cingapura em fins da década de 1950. A atitude
dos americanos irritou profundamente Sukarno, pois ainda mantinha ambições territoriais disputadas na ilha de
Bornéu contra o governo de Kuala Lumpur.
Outro fator de maior envolvimento dos EUA no sudeste asiático foi a percepção do peso dos militares na política
indonésia. E que isso poderia ser explorado num eventual período pós-Sukarno a combater as forças comunistas no
arquipélago. Na década de 1960, a grande popularidade de Sukarno começou a ser erodida por questionamentos de
comandantes militares, por setores conservadores da elite e da população muçulmana ortodoxa. A economia
apresentava sinais de deterioração, com índices de hiper-inflação a atingir a marca de 500% anuais entre 1959 e os
novos planos econômicos de dezembro de 1965. A combinação política defendida por Sukarno de forte intervenção
estatal, gerenciamento centralizado, planos de desenvolvimento socialista e crença na unidade da nação (combinação
ideológica chamada de Pancasila) tinham lhe dado grandes poderes no início de seu mandato, mas ficou cada vez
mais claro que, com a crise, o descontentamento iria buscar novos focos de poder organizado, que na década de
1960 na Indonésia eram basicamente dois lados inconciliáveis: os militares e os comunistas.
Em 1963, as reformas agrárias defendidas por membros de tendências comunistas do governo de Sukarno
provocaram a reação de latifundiários, clérigos muçulmanos e militares. Os confrontos se ampliaram nos anos
seguintes, a polarizar a sociedade indonésia. Sukarno eventualmente sucumbiu à doença em agosto de 1965, quando
houve oportunidade dos militares indonésios por mudança de poder. Ao fim do mês, um grupo da Força Aérea
ligado aos comunistas tentou dar um golpe antes dos outros setores militares. A falha desse golpe provocou ainda
mais indignação dos anti-comunistas que detiveram as lideranças envolvidas em Jacarta. Como contraparte, foi
proposto a assumir o comando político o General Suharto (g. 1968 - 1998) (fig.) após consumado um novo golpe
dado dessa vez pelos conservadores. Nos meses seguintes, Suharto declarou o Partido Comunista como ilegal e
passou a perseguir seus membros. A propaganda organizada visando o fim dos oposicionistas ao novo regime foi
considerável, retratando os comunistas como conspiradores lascivos contra as tradições familiares e religiosas da
Indonésia. Inflamado pelas acusações na mídia, os muçulmanos foram encorajados a buscar entregar qualquer
elemento suspeito. Os anos de 1965 e 1966 testemunharam um massacre de mais de 500 mil detidos com a
participação das Forças Armadas da Indonésia [1129]. O General Nasution tinha explicitamente dado ordens em
Jacarta para entregar os conspiradores que deveriam ser todos destruídos e postos em quarentena, como se fossem
elementos biológicos nocivos ao corpo social indonésio.

Fig. - General Suharto, ditador anticomunista que governou a Indonésia por trinta anos.

A doença de Sukarno com o passar do tempo levou-o à morte em 1970, mas muito antes ele já tinha sido
marginalizado pelo presidente Suharto que passou a propor em 1968 uma "Nova Ordem" no país, a buscar a paz,
ordem e harmonia social entre a diversidade das ilhas. Washington tinha visto com bons olhos a consolidação de
militares anticomunistas na Indonésia, convenientemente ignorando o massacre ocorrido entre os oposicionistas nos
anos anteriores. A onda de violência não se restringiu a Java, pois foram reportadas matanças em Bali e Kalimantan,
no lado indonésio de Bornéu. Estimados 80 mil balineses morreram entre 1965 e 1966, cerca de 5% de sua
população, em confronto com os comunistas locais que lutaram para manter os direitos dos camponeses nas
reformas agrárias. Em Kalimantan, as tensões explodiram ao sul de Sarawak depois das suspeitas recaírem em cima
dos fazendeiros e comerciantes chineses, vistos como suspeitos e, irracionalmente, tendeciosos ao comunismo
ecoando o governo chinês desde 1949. As lutas também se deram em fins de 1967 entre dyaks e madureses, esses
últimos originados da ilha de Madura na costa norte de Java. Os dyaks foram motivados por um crescente
ressentimento contra sua marginalização da política de Java, sob a "Nova Ordem", ignorando seus pleitos históricos
por acesso à terra e controle dos recursos naturais, especialmente a madeira explorada de suas florestas. Esses
conflitos com os dyaks, contra a concessão de agricultores e colonos de outras partes da Indonésia, depois se
manifestou trinta anos depois em 1997, revelando o lado mais perverso da política de Java contra as comunidades
indígenas. Foi somente depois da queda de Suharto, em 1998, que Jacarta começou a rever sua política a respeitar a
diversidade de povos indonésios e das questões ambientais.
A brutalidade do regime de Suharto se revelou em sua plenitude em 1975. Na parte leste da pequena ilha de
Timor, havia há séculos comunidades de descendentes de portugueses e timorenses. Essa colônia tinha atravessado
problemas de invasões dos japoneses na Segunda Guerra Mundial em 1942, mas foi considerada estratégia e
próxima demais do norte australiano, e foi por essa nação defendida pelo contingente chamado de Sparrow Force
usando táticas de guerrilha. Nesses conflitos, mais de 30 mil timorenses morreram, a maior parte por doenças
consequentes da subnutrição. Em 1945, após a rendição japonesa, Lisboa tentou retomar o controle da parte de ilha e
assim permaneceu a condição de Timor Leste até o fim da ditadura do regime de Salazar em Portugal em abril de
1974, quando houve uma declaração unilateral de independência dos timorenses em 28 de novembro. Que forneceu
a Suharto, com o devido aval dos EUA, Reino Unido e Austrália, e de temores da tomada de comunistas locais, a
oportunidade de invadir a região em 7 de dezembro de 1975 [1130]. Depois de intensos bombardeios aéreos e navais,
as tropas indonésias invadiram a capital, Dili. Nisso, milhares de civis inocentes foram estuprados e massacrados,
muitos considerados potenciais comunistas ou infiés cristãos a serem combatidos por soldados javaneses
muçulmanos encolerizados.
O massacre ganhou a mídia internacional depois de 16 anos, quando o exército indonésio matou mais de 250
habitantes de Dili no Cemitério de Santa Cruz (fig.). Na ocasião, em 1991, 3 mil timorenses lamentaram a morte de
um estudante de 18 anos de idade que tinha sucumbido ao lutar contra as forças indonésias da parte ocidental de
Timor. No funeral, soldados indonésios brutalmente abriram fogo contra os presentes, causando pânico e correria no
cemitério e muitos foram buscar abrigo no jardim da residência do bispo de Dili, Carlos Ximenes Belo (1948 - ). No
que o católico passou a defender a causa dos feridos e perseguidos contra os interesses de Suharto nos anos
seguintes. O massacre atraiu atenção indevida aos olhos do governo em Jacarta, mesmo com a discreta atuação de
Washington em não comentar e desmerecer o episódio. A situação somente mudou em 1993, quando o recém-eleito
Bill Clinton na Casa Branca começou a manifestar oficialmente sua reprovação. Durante os próximos anos, ficou
óbvio que o Timor Leste não deveria ter mais nenhuma ligação com a Indonésia. O último ato veio com o Prêmio
Nobel da Paz concedido a Carlos Ximenes Belo, juntamente com o porta-voz da resistência timorense, José Ramos-
Horta, em 1996. Três anos depois, em 1999, as Nações Unidas confirmaram o envio de tropas multinacionais para
resguardar a devida separação do Timor Leste da Indonésia.

Fig. - Foto do massacre no Cemitério de Santa Cruz, em Dili, Timor Leste, em 1991.

Mas um ano antes, em maio de 1998, adveio o fim do regime de Suharto que foi desalentador para Washington.
Desde a queda de Sukarno, o governo dos EUA tinha considerado o regime da "Nova Ordem" de Suharto como
necessário para conter os rebeldes comunistas do sudeste asiático. Nesse sentido, os militares indonésios sempre
tiveram destaque, com a garantia de generosas aposentadorias, acesso a bons hospitais, escolas e habitações. Os
aliados mais próximos e familiares de Suharto acumularam, ao longo de trinta anos de governo, propriedades e
investimentos de grandes companhias no país, resultando em fortunas particulares. Em meados de 1998, depois da
crise financeira asiática do ano anterior, a economia indonésia começou a sofrer as moléstias, o valor da rúpia
indonésia chegou a perder 80% de seu valor, gerando desemprego e críticas contra um regime considerado como
corrupto e nepotista. Os investidores estrangeiros começaram a fugir do país, a Bolsa de Valores de Jacarta
despencou e muitos buscaram ambiente financeiro mais estável em Cingapura.
Nesse contexto, seguiram-se dez dias de protestos em Jacarta por uma população que destruiu milhares de
estabelecimentos comerciais da capital. Suharto, relutantemente, decidiu após pressões de seu gabinente e militares,
a abdicar do poder em 21 de maio de 1998 em favor de seu sucessor de 62 anos de idade, Bacharuddin Jusuf Habibie
(g. 1998 - 1999). Habibie tornou-se apenas uma peça de transição do poder presidencial, pois em 1999 foi então
eleito uma figura religiosa muçulmana popular, Abdurrahman Wahid (g. 1999 - 2001). Apesar do breve governo,
Habibie marcou um período de reflexão e conciliação na história republicana indonésia. Esse presidente buscou
soltar todos os presos políticos, revogou as leis de subversão endossadas no regime de Suharto, aprovou novas leis
de liberdade de imprensa e de formação de partidos políticos. Quanto aos direitos humanos, fomentou o
cancelamento das operações militares em Aceh, no norte de Sumatra, que tinha se recusado a aceitar o autoritarismo
de Jacarta desde 1972, além de ter negociado a independência do Timor Leste em 1999. Por último, Habibie buscou
descentralizar o poder indonésio em Java, permitindo maior autonomia politica e financeira da miríade de ilhas do
grande arquipélago. No entanto, mesmo com esses avanços, Habibie teve que acatar as duras condições de reforma
impostas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) quando aceitou um empréstimo da instituição de US$ 43
bilhões, além de ter impedido o devido julgamento dos crimes de corrupção de Suharto.
Sucedeu-se que Habibie não foi candidato à reeleição em 1999. Wahid, uma vez eleito, representou mais o lado
conservador e ressentido dos muçulmanos [1131] que sentiram os efeitos da crise econômica. Wahid veio de uma
linhagem política e religiosa impressionante. Seu avô foi fundador da maior organização muçulmana da Indonésia, o
Nahdlatul Ulama, e seu pai foi o primeiro ministro de assuntos religiosos depois da independência. Wahid, portanto,
já era uma figura popular quando chegou à presidência, e logo no começo de seu governo passou a conter a presença
dos militares na política indonésia. Demitiu diversos ministros e militares ligados aos esquemas de corrupção dos
tempos de Suharto e envolvidos nos abusos de segurança no Timor Leste. Além do Timor, Wahid visitou Aceh e a
parte ocidental da ilha de Papua, onde buscou reconciliar a coesão nacional depois de anos de imposição autoritária
javanesa. A despeito de suas iniciativas, Wahid começou a mostrar sinais de problemas de saúde (do coração e dos
rins) em 2001, ano em que o parlamento aprovou seu impeachment por acusações de abuso de poder e corrupção.
Seguiram-se meses de impasses até a saída de Wahid da presidência. Ao fim dos eventos, sucedeu a ele no cargo sua
aliada, Megawati Sukarnoputri (g. 2001 - 2004), filha mais velha do primeiro presidente da Indonésia, Sukarno.
Megawati Sukarnoputri revelou ser uma presidente ainda mais surpreendente que seu antecessor. Seu estilo
casual e jovial rendeu-lhe popularidade entre a classe média urbana. O maior feito de seu mandato foi a instauração
de um tribunal especial para julgar aqueles responsáveis pela violência em Timor Leste, apesar dos parcos resultados
alcançados. Em 2004, nas eleições presidenciais, Sukarnoputri perdeu para o candidato da oposição, o ex-general
Susilo Bambang Yudhoyono (g. 2004 - 2008; 2008 - 2014) com 61% dos votos [1132] que na sua cerimônia de posse
foi ignorado pela sua oponente. O governo de Yudhoyono foi logo marcado por um desastre natural, quando um
terremoto na região de Aceh provocou um tsunami em dezembro de 2004 que atingiu a capital da província, Banda
Aceh, matando milhares de pessoas. O impacto do desastre persuadiu os rebeldes de Aceh a procurarem dar fim às
suas históricas lutas armadas contra Jacarta. Libertado da prisão, o líder dos rebeldes achéns, Irwandi Yusuf (g. 2007
- 2012; 2017 - ) depois assumiu como governador provincial depois de realizadas eleições diretas locais.
O restante da presidência de Yudhoyono foi marcado também pelos atentados de extremistas islâmicos do grupo
Jemaah Islamiyah, com ligações a Al-Qaeda, na ilha de Bali em outubro de 2005, três anos depois de ter explodido
uma outra numa boate em Denpasar. A economia indonésia apresentou respeitável crescimento anual em torno de
5% a 6% em 2005 e 2006, mas houve tendência de alta inflacionária no referido período, desgastando a
popularidade do presidente, ainda mais agravado depois com a atitude posterior de Yudhoyono de reduzir os
subsídios aos combustíveis, que foi objeto de intensos protestos em maio e junho de 2008 nas grandes cidades
indonésias.
Em 2014, novas eleições presidenciais foram realizadas, e o ex-prefeito de Surakarta (2005 - 2012) e ex-
governador de Jacarta (2012 - 2014), Joko Widodo foi eleito com 53% dos votos apurados. A política de "Jowoki"
concentrou-se em temas populares, a buscar o aumento do emprego e a combater aos bandidos tanto na costa das
ilhas indonésias como nas grandes cidades, a incluir a repressão aos traficantes de drogas. As prisões e penas sob seu
governo têm gerado críticas de organismos internacionais e governos estrangeiros, pois o novo presidente,
cumprindo promessa de campanha, tem levado a cabo as execuções sumárias de condenados por penas capitais,
embora previstas na constituição da Indonésia. Resta saber a eficácia dessas novas medidas num país
extraordinariamente diversificado, com firme base muçulmana, e aberto aos turistas internacionais.
Em 4 de julho de 1946, o governo dos EUA assinou com a República das Filipinas um tratado que previa o pleno
reconhecimento da independência das Filipinas e renúncia à administração americana sobre as ilhas. Entretanto,
Washington manteve algumas bases militares por considerações estratégicas, em contrapartida houve acordos
comerciais entre os dois países, aprovadas na Bell Trade Act, favorecendo a entrada de produtos filipinos no
mercado americano, e empresas estadunidenses com acesso aos recursos naturais do arquipélago asiático. Em suma,
parecia que as Filipinas estavam retomando a sua condição antes das invasões japonesas em 1942.
O Congresso das Filipinas foi convocado em 1945 para escolher Manuel Roxas como presidente do Senado. Foi
esse que nas eleições nacionais de 1946 foi eleito presidente em 1946 como candidato da ala liberal do Partido
Nacionalista. Roxas foi um aliado do General Douglas MacArthur durante a Segunda Guerra Mundial, e a quem
prometeu manter as boas relações e vínculos com a economia americana depois de eleito em 23 de abril com 54%
dos votos. Foi sob Roxas que os EUA obtiveram a concessão de bases militares, 23 delas por 99 anos, além de
privilégios especiais para investidores americanos no arquipélago. Talvez por isso as críticas da oposição se
avolumaram, ainda mais com a crescente corrupção de seu governo, e da repressão em cima dos combatentes
comunistas no interior da ilha de Luzon, os Hukbalahaps, ou Huks, levando a uma grande impopularidade entre a
população camponesa.
Em 15 de abril de 1948, quando discursava na base aérea americana de Clark, Roxas teve um infarto cardíaco e
foi sucedido no cargo pelo seu vice, Elpidio Quirino (g. 1948 - 1953) dois dias depois. No ano seguinte, foram
realizadas novas eleições presidenciais que confirmaram Quirino na presidência, apesar dos resultados terem sido
vivamente contestados pelo seu oponente, José Paciano Laurel (1891 - 1959), do Partido Nacionalista, que tinha no
passado colaborado com a ocupação japonesa na guerra. A administração de Quirino enfrentou uma crescente
ameaça dos Huks. Embora esse grupo comunista tenha se originado nos combates aos japoneses em Luzon, sua
popularidade começou a aumentar sob a liderança de Luis Taruc (1913 - 2005) que, em 1948, tinha convocado todos
a derrubar o governo de Quirino. Ademais, os seis anos de Quirino tiveram que lidar com a reconstrução do pós-
guerra das Filipinas, em grande parte alavancada com recursos americanos. Contudo, os problemas sociais,
especialmente nas áreas rurais, foram negligenciados a atender a influência marcante dos latifundiários
historicamente presentes no poder filipino.
Ao fim de seu mandato, em 1953, Quirino foi depois derrotado por significativa margem para seu rival, Ramon
Magsaysay (g. 1953 - 1957). Magsaysay representou maior resguardo da soberania filipina. Quando eleito, como
símbolo, foi vestido na posse com um barong, tradicional camisa filipina. Um ano depois de eleito, em setembro de
1954, hospedou os encontros que resultaram no Pacto de Manila, conjunto de países aliados aos EUA [1133] que se
comprometeu a combater o comunismo no sudeste asiático, sul da Ásia e Pacífico. Ao final desses encontros foi
concretizada a Organização do Tratado do sudeste asiático (SEATO, Southeast Asia Treaty Organization). Apesar
disso, Magsaysay manteve uma imagem popular, abrindo com frequências os portões do Palácio Presidencial de
Malacañang e viajando a bordo de aviões da Força Aérea das Filipinas. E foi seu entusiasmo aeronaútico que lhe
custou a vida. Vindo da Cidade de Cebu para Manila, em 16 de março de 1957, o avião em que estava a bordo, um
C-47, caiu na região do Monte Manunggal matando todos a bordo exceto um jornalista sobrevivente. O seu vice,
Carlos P. Garcia, assumiu interinamente o restante dos oito meses do termo presidencial. No enterro de Magsaysay,
foi estimada a presença de mais de duas milhões de pessoas em Manila.
Carlos P. Garcia (g. 1957 - 1961) depois concorreu as eleições e foi eleito presidente em 1957. Sua
administração foi marcada por ter reduzido o prazo de arrendamento das bases americanas para 25 anos, pela
aprovação de uma lei constitucional que permite a reeleição presidencial e promoção de algumas reformas no
comércio visando proteger os empresários filipinos. Apesar de ter visado a reeleição, foi derrotado em 1961 por
Diosdado Macapagal (g. 1961 - 1965), seu opositor do Partido Liberal, com 55% dos votos. Uma vez no poder,
Macapagal procurou estimular o crescimento econômico filipino, ao permitir a livre flutuação cambial do peso
filipino mas que depois foi impedido pela bancada nacionalista do Congresso. Entre as conquistas mais
significativas de Macapagal foi a abolição do contrato de arrendamento rural e uma reforma agrária conforme
aprovado no Código Agrícola de 1963. Isso tudo feito desagradou os conservadores e elite latifundiária filipina que
passaram a apoiar o presidente do Senado, Ferdinand Marcos (1917 - 1989), que depois concorreu nas eleições de
1965.
Apesar de ter sido apoiado pelos setores tradicionais da velha ordem filipina, Marcos era de origem humilde. Sua
família advinha de camponeses do norte de Luzon, mas isso não foi impedimento para sua ambição. Em 1965,
depois de anos de vida pública desde os 32 anos de idade, foi eleito presidente e depois reeleito em 1969.
Possivelmente cansado com a vida republicana, Marcos, uma vez no poder, passou a defender uma "Nova Ordem",
tal como Suharto na Indonésia, a buscar um novo arranjo constitucional a preservar a ordem e unidade filipina. Para
tanto, usando suas prerrogativas, declarou lei marcial em 1972 passando por cima dos limites dos dois termos
presidenciais de mandato. Sua ditadura assim consolidada não foi impopular a muitos, pois tinha prometido acabar
com a corrupção, maior reforma agrária e atrair mais investimentos estrangeiros. Em contrapartida, muito de seus
críticos e opositores acabaram sendo presos e torturados, sem direito a julgamentos, além de proibir a liberdade de
imprensa e fortalecer a atuação dos militares. Tudo isso foi devidamente justificado por Washington que considerou
Marcos como um importante aliado na contenção comunista e parceiro nos negócios no arquipélago. A atitude pró-
capitalista de Marcos chegou ao ponto de ele se comparar com Lee Kuan Yew de Cingapura, como um presidente-
empresário a promover o melhor ambiente para os investimentos internacionais.
No final da década de 1970, contudo, estava evidente que a "Nova Ordem" de Marcos servia cada vez mais ao
seu enriquecimento e de seus aliados militares. A dissidência parecia não causar preocupação, desde que estivesse
apoiado pelos militares com aval de Washington, sempre a usar como justificativa o combate aos comunistas mesmo
que, por vezes, os rebeldes fossem, além dos Huks, os moros nas ilhas meridionais que lutaram para reestabelecer o
sultanato de Sulu como independente. Em 1981, Marcos deu termo à lei marcial, talvez acreditando ser invencível
na cena política filipina. O que trouxe a insustentabilidade política foi o assassinato de seu maior oponente, Benigno
“Ninoy” Aquino Jr. (1932 - 1983), no Aeroporto Internacional de Manila, em 21 de agosto de 1983 (fig.). Até os
dias atuais não foram esclarecidas as motivações de sua morte, mas estava evidente que foi executado a mando com
tiros disparados na nuca por forças de segurança. O episódio catalisou crescente críticas ao regime de Marcos, e
houve fuga de capital investido na economia filipina, assim como crescente imigração das classes afluentes para os
EUA e exterior. A drenagem de dinheiro e mão-de-obra qualificada começou a provocar consequências nos
indicadores econômicos do país, com dívida acumulada em mais de US$ 27 bilhões e uma inflação galopante,
chegando a ser necessário empréstimo do Banco Mundial. As negociações com os credores internacionais duraram
mais de um ano em 1984 e 1985 [1134]. Poucos acreditaram que Marcos iria conseguir reverter as dívidas e alavancar
o crescimento filipino.

Fig. - Cena logo depois do assassinato de Benigno Aquino Jr. no Aeroporto Internacional de Manila, Filipinas, em agosto de 1983.

Diante desse cenário desolador, a viúva de Benigno Aquino Jr., Corazon Aquino (g. 1986 - 1992), passou a
figurar como porta-voz das frustrações e críticas ao regime de Marcos. Ajudou muito o fato dela ter como aliado o
Arcebispo de Manila, Cardeal Jaime Sin (1928 - 2005), que era popular e feroz crítico de Marcos que nunca temeu
pela sua vida. Com isso, foram marcadas eleições presidenciais para fevereiro de 1986. Estava claro que Marcos
tinha perdido o controle da situação, mesmo com o apoio de seu mais importante aliado internacional, o presidente
dos EUA à época, Ronald Reagan. Apesar de fortes indícios de manipulação, as eleições presidenciais favoreceram
Corazon Aquino. Quando eleita, a população de Manila foi para as ruas em celebração e chegaram a rodear o
Palácio Malacañang. Temendo por maiores pertubações, Marcos e sua família decidiram fugir do país num avião
dos EUA. Apesar de terem sido aliados no passado, os militares decidiram abandonar Marcos e prometeram
lealdade à nova presidente, assim como o fizeram a classe latifundiária e empresarial visando a retomada dos
negócios.
Corazon herdou um ambiente econômico endividado e desacreditado. Mas muitos acreditaram num período de
renovação e crescimento. A Igreja Católica, beneficiada pela figura de Jaime Sin, passou a se aliar à nova
presidência. Corazon, com o tempo, começou a flertar cada vez mais com o alto comando militar e de seu ministro
da defesa, Fidel Ramos. A tal ponto que o tornou proeminente na cena política, o que lhe rendeu a vitória nas
eleições de 1992. Depois de seis anos de mandato, foi sucedido por Joseph Estrada (g. 1998 - 2001), um ex-ator de
cinema, que depois foi acusado sistematicamente por corrupção e custou-lhe o fim de seu termo em abril de 2001
após ter sido julgado e condenado pela Suprema Corte.
Novo fôlego adveio com as eleições de 2004, com Gloria Macapagal-Arroyo (g. 2001 - 2004; 2004 - 2010). Foi
sob seu governo que as Filipinas começaram a apresentar consideráveis sinais de crescimento econômico. Em
termos políticos, o movimento separatista dos moros parece ter acalmado atendendo à atitude conciliadora de
Manila, mesmo após a fracassada tentativa de invasão desses muçulmanos contra a região norte de Bornéu (ex-
Sabah) que historicamente pertenceu ao sultanato de Sulu até o início do século 20. Mas o episódio serviu de alerta
ao governo filipino para o diálogo e atenção às minorias diversificadas do país.
Nas eleições de 2010, o filho de Corazon Aquino, Benigno Aquino III (g. 2010 - 2016), ganhou o cargo
presidencial. Sua administração enfrentou crescente crítica com o desastroso episódio de sequestro no Parque Rizal
em Manila em 23 de agosto de 2010. Benigno mostrou-se incapaz de lidar com os sequestradores no que resultou na
morte das vítimas envolvidas. Poucas horas depois, preparando-se para dar entrevista para a televisão, o presidente
foi visto dando risadas despreocupadas, manchando sua reputação pública. A ineptidão de seu governo foi mais uma
vez evidenciada ao lidar com as catastróficas consequências do Tufão Yolanda que assolou as Filipinas em
novembro de 2013. E não ajudou muito a morte de muitos agentes de segurança envolvidos na captura de um
terrorista malaio, Zulkifli Abdhir (1966 - 2015), em 25 de janeiro de 2015.
Diante de subsequentes incapacidades, a população filipina decidiu eleger Rodrigo Duterte (g. 2016 - ) como
presidente. Ex-prefeito da Cidade de Davao, uma das mais violentas do país, Duterte deu ênfase na sua campanha à
uma política de extrema intolerância a criminosos, traficantes e usuários de drogas. O estilo falastrão de Duterte
rendeu-lhe muitas críticas internacionais, mas muitos o enxergam como último recurso no combate ao crime e
terrorismo nas Filipinas. Resta saber como o presidente irá lidar com toda a complexidade de se governar um país
como as Filipinas.

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SOBRE O AUTOR

Doutor em História Social pela FFLCH/ USP (2007), Mestre em Postcolonial Politics pela University of Wales, Aberystwyth, País de Gales, Reino
Unido (2002) e graduado em Relações Internacionais pela UnB (2000). É professor do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes) e tem vários artigos e publicações na área de História da Ásia.

[1]
Inspirado na fala de Rosalinda ao melancólico Jaques em “Como Queiras” de Shakespeare:
“És viajante. Pois tendes razões de sobra para serdes triste;
receio que houvésseis vendido vossas terras para ver a dos outros;
Ter visto muito e nada possuir, equivale a ter olhos ricos e mãos pobres”
(Ato 4, Cena 1) (tradução nossa).
[2]
FOCUS ECONOMICS. The World's Top 10 Largest Economies. Disponível em: < https://www.focus-economics.com/blog/the-largest-economies-in-
the-world>. Acesso em 1º de maio 2019.
[3]
SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. de Bolso, 2007.

[4] Onde supostamente um dos doze apóstolos, São Tomé, pregou o Evangelho.
[5] PANNIKAR, K. M. A Dominação Ocidental na Ásia: do século XV aos nossos dias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
[6]
O nome oficial que os próprios indianos referem ao seu país é bem diferente, Bharata ou Bárata, como dignos filhos do personagem mítico do épico
Maaabárata, o rei Bárata, o “abençoado”.
[7]
MCINTOSH, Jane. The Ancient Indus Valley: New Perspectives. Santa Barbara, Califórnia: ABC-CLIO, 2008, pp. 396-400.
[8]
Povos do grupo linguístico pertencentes à família indo-ariana que têm sua história guardada em memória nos épicos dos Vedas, cuja compilação ao
longo do tempo serviu de base posterior para a ordenação do hinduísmo e da língua sânscrita.
[9]
FORTSON IV, Benjamin W. Indo-European Language and Culture: An Introduction. Nova York: Blackwell, 2010, p. 209.
[10]
BRYANT, Edwin F. The Quest for the Origins of Vedic Culture: The Indo-Aryan Migration Debate. Oxford & Nova York: Oxford University Press,
2001, pp. 43-45.
[11]
JONES, William & LORD TEIGNMOUTH. The Works of Sir William Jones - With the Life of the Author by Lord Teignmouth, Vol. 3. “The Third
Anniversary Discourse, on the Hindus, delivered 2d of February, 1786”. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 2013, pp. 24-46.
[12]
BRYANT, Edwin F. & PATTON, Laurie L. The Indo-Aryan Controversy: Evidence and Inference in Indian History. Nova York: Routledge, 2005, pp.
468-504.
[13]
Poeta, romancista, polímata, músico e dramaturgo indiano, de origem bengali, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1913, o primeiro não-
europeu a receber o prêmio. Além da vasta erudição e influência de suas obras, seus escritos inspiraram os hinos nacionais de Bangladesh e da Índia.
[14]
Apud NEHRU, Jawaharlal. The Discovery of India. Nova Delhi: Oxford University Press, 1994, p. 79.
[15]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 33.
[16]
O rio Ganges foi tão crucial para os assentamentos humanos que é venerado como o mais sagrado dos rios indianos pelos hindus, como a deusa Ganga.
BHATTACHARJI, Sukumari. Legends of Devi. Hyderabad: Orient Longman, 1995, p. 54.
[17]
GRIFFITH, Ralph Thomas Hotchkin. The Hymns of the Rig Veda. Benares, Lazarus: 1896–7.
[18]
Ibidem.
[19]
Purusha, no Rig Veda , é descrito como um ser que se torna uma vítima sacrificial dos deuses, e cujo sacrifício criou todas as formas de vida, incluindo
os seres humanos.
[20]
Ibidem.
[21]
ERALY, Abraham. The First Spring: The Golden Age of India. Nova Delhi: Penguin Books India, 2011, p. 258.
[22]
THAPAR, Romila. Early India: From the Origins to A.D. 1300. Berkeley & Los Angeles: University of California Press, 2004, pp. 63-64.
[23]
Épico composto por mais de dois milhões de versos, dez vezes mais volumoso do que a Ilíada e Odisséia combinados.
[24]
Divindade, primeiro filho de Xiva e Parvati. Identificado com um corpo de homem e cabeça de elefante, é normalmente retratado sentado com as
pernas cruzadas, com um livro e caneta à mão indicando seu apreço pelo intelecto e sabedoria, sendo o patrono das artes e ciências. Idolatrado por
mercadores e homens de negócio, juntamente com sua consorte, Lakshmi.
[25]
Cf. HILTEBEITEL, Alf. Rethinking the Mahabharata: A Reader's Guide to the Education of the Dharma King. Chicago: University of Chicago Press,
2001, pp. 32-91.
[26]
“Descida” em sânscrito, que consiste numa manifestação encorpada em forma humana usado por divindades, como Vixnu, para melhor guiar e
aconselhar a humanidade.
[27]
Divindades e personagens diversos da mitologia hindu.
[28]
EASWARAN, Eknath. The Bhagavad Gita (Classics of Indian Spirituality). Tomale, California: Nilgiri Press, 2007.
[29]
WOLPERT, Stanley A. India. Berkeley: University of California Press, 2005, p. 32.
[30]
MÜLLER, Friedrich Max & DEUSSEN, Paul. The Golden Book of Upanishads. Nova Delhi: Lotus Press, 2006, p. 15.
[31]
SHARMA, Ram Sharan. Ancient India. Madras: National Council of Educational Research and Training, 1981, p. 71.
[32]
SINGH, M. P. & ROY, Himanshu (Orgs.). Indian Political Thought: Themes and Thinkers. Nova Delhi: Pearson, 2011, p. 11.
[33]
Filósofo e pensador indiano (350 a.C. a 275 a. C.) que escreveu extensamente sobre a política, o poder, economia política e estratégia militar na sua
clássica obra “Artaxastra”.
[34]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 49.
[35]
Uma das línguas litúrgicas indo-arianas usadas entre os séculos 5 a.C. a 1 a. C. com possíveis origens do sânscrito clássico. O páli foi o meio usado no
período mais antigo da literatura budista, como nas compilações do Tripitaca e dos cânones do budismo teravada.
[36]
Conjunto literário que narra as 547 vidas encarnadas passadas de Buda, Sidarta Gautama.
[37]
HARVEY, Peter. An Introduction to Buddhism: Teachings, History and Practices. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 88.
[38]
Antigo nome de uma região na Ásia Central, em sua maior parte no norte afegão e paquistanês. Local de nascimento do Zoroastrismo e mais tarde
região fundamental do florescimento cultural do budismo, de onde irradiou para o norte e nordeste em direção ao Tibete e China. A partir do século 7, foi
incorporado ao califado islâmico Rashidun (632 d. C. – 661 d. C.).
[39]
Em páli, "questões de Milinda", é um conjunto de textos budistas de cerca de 100 a. C. que trata de um diálogo entre o rei indo-grego Menandro I
(chamado de “Milinda” em páli) debatendo questões com o sábio budista Nagasena.
[40]
SINGH, Upinder. A History of Ancient and Early Medieval India: From the Stone Age to the 12th Century. Nova Delhi: Pearson Education India,
2008, p. 331.
[41]
SEN, Sailendra Nath. Ancient Indian History and Civilization. Nova Delhi: New Age International Publishers, 1999, pp. 142-144.
[42]
RADHAKUMUD, Mookerji. Asoka. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1995, pp. 8-9.
[43]
TARANATHA. History of Buddhism in India. Nova Delhi: Motilal Banarsidass Publishers Private Limited, 1990.
[44]
Série de 33 inscrições em pilares, pedras e cavernas erguidos espalhados pelo império máuria de Asoka.
[45]
SMITH, Vincent Arthur & WILLIAMS, A. V. (Orgs.). History of India, in Nine Volumes – From the Sixth Century B. C. to the Mohammedan
Conquest, including the Invasion of Alexander the Great. Vol. 2. Nova York: Cosimo Classics, 2008, p. 150.
[46]
Teravada (em páli, “ensino dos anciões”) é a mais antiga e ortodoxa escola budista. Atualmente, é a escola que predomina em boa parte dos países do
sudeste asiático, Sri Lanka e por minorias na China, Vietnã e Bangladesh.
[47]
WILLIAMS, Paul (Org.). Buddhism: Buddhist origins and the early history of Buddhism in South and Southeast Asia. Vol. 1. Londres & Nova York:
Routledge, 2005, pp. 55-56.
[48]
BURSTEIN, Stanley M. (Org.). The Hellenistic Age from the Battle of Ipsos to the Death of Kleopatra VII. Nova York: Cambridge University Press,
2005, p. 68.
[49]
DEVI, Sanasam Sandhyarani. India Nepal Relations: Historical, Cultural and Political Perspective. Nova Delhi: VIJ Books India, 2011, p. 6.
[50]
RADHAKUMUD, Mookerji. Asoka. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1995, pp. 35-36.
[51]
Literalmente "antigo, velho" em sânscrito. Consiste em um grande gênero de literatura indiana sobre uma gama enciclopédica de tópicos que inclui
diversos temas como a cosmogonia, cosmologia, genealogias de deuses, deusas, reis, heróis, sábios e semideuses, contos populares, peregrinações, templos,
medicina, astronomia, gramática, mineralogia, humor, histórias de amor, assim como teologia e filosofia. Os Puranas são de autoria anônima e não gozam
de status de escrituras no hinduísmo. Foram provavelmente compostas entre o século 3 e 10 d. C.
[52]
PRUTHI, R. K. (Org.). Jainism and Indian Civilization. Nova Delhi: Discovery Publishing House, 2004, p. 71.
[53]
Livro jainista que trata no capítulo citado da sucessão por várias gerações do pontificado da religião após Mahavira.
[54]
THAPAR, Romila. Asoka and the Decline of the Mauryas. Nova Delhi: Oxford University Press, 1997, pp. 182-185.
[55]
GOKHALE, Balkrishna Govind. Ancient India: History and Culture. Bombaim: Popular Prakashan, 1995, pp. 47-48.
[56]
Ibidem.
[57]
Calidasa (século 5 d. C.) foi um renomado poeta e dramaturgo, geralmente considerado como o maior escritor no sânscrito.
[58]
Malavikagnimitram (“Malavika e Agnimitra”) é uma peça de teatro, escrita em sânscrito por Calidasa, que trata essencialmente de uma história de
amor de Agnimitra por uma bela servente de sua esposa e rainha, Malavika.
[59]
AVARI, Burjor. India: The Ancient Past: A History of the Indian Subcontinent from c. 7000 BC to AD 1200. Londres & Nova York: Routledge, 2016,
p. 167.
[60]
CHAURASIA, Radhey Shyam. History of Ancient India: Earliest Times to 1000 A. D. Nova Delhi: Atlantic Publishers, 2008, p. 132.
[61]
Kanishka foi o imperador no segundo século d. C. que levou o império dos Cuchanas ao seu auge e maior extensão, desde Turfan na bacia do rio
Tarim, no oeste da China, passando pela Báctria até a planície do rio Ganges na cidade imperial dos mágadas, Pataliputra. A sua principal capital se
estabeleceu em Gandara, atual Afeganistão onde, com as intensas trocas e prosperidade da Rota da Seda, floresceu, irradiou e sincretizou a filosofia e arte
budista maaiana para Caracórum (Karakorum) e a China.
[62]
HARMATTA, J.; PURI, B. N.; LELEKOV, L.; HUMAYUN, S. & SIRCAR, D. C. “Religions in the Kushan Empire” In: HARMATTA, J.; PURI, B.
N. & ETEMADI, G. F. (Orgs.). History of Civilizations of Central Asia - the development of sedentary and nomadic civilizations: 700 B.C. to A.D. 250.
Vol. 2. Paris: Unesco Publishing, 1994, pp. 313, 321-322.
[63]
Na escola maaiana, uma pessoa que, antes de atingir a Iluminação e fim do sofrimento humano, adia a sua suprema superação a fim de aprofundar sua
compaixão por todas as formas vivas.
[64]
GAULIER, Simone; JERA-BEZARD, Robert & MAILLARD, Monique. Buddhism in Afghanistan and Central Asia – part one. Vol. 2. Leiden: Brill,
1976, p. 15.
[65]
ASSAVAVIRULHAKAM, Prapod. The Ascendancy of Theravada Buddhism in Southeast Asia. Chiang Mai: Silkworm Books, 2010, pp. 44-46.
[66]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 86; VOHRA, Ranbir. The Making of India: A
Historical Survey. Armonk, Nova York & Londres: ME Sharpe, 2001, pp. 22-23.
[67]
TAM, William Woodthorpe. The Greeks in Bactria and India. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p. 264.
[68]
Manu é o nome atribuído ao progenitor da humanidade, que aparece no mundo no início de um novo kalpa (“éon”) após a destruição universal. De
acordo com os Puranas, catorze Manus aparecerem em cada kalpa. O Código de Manu serviu, após os trabalhos de Sir William Jones de tradução e
compilação, de base jurídica e moral para reger a sociedade indiana no período de dominação britânica.
[69]
BRODD, Jeffrey. World Religions: A Voyage of Discovery. Winona, Minnesota, EUA: Saint Mary's Press, 2015, p. 45.
[70]
Manifestação corporal temporária de uma divindade imortal com o propósito de trazer justiça, ordem e conselhos à humanidade. Deriva do sânscrito
avatára, que significa descida.
[71]
FEUERSTEIN, Georg & FEUERSTEIN, Brenda. O Bhagavad-Gita – uma nova tradução. tradução de Marcello B. Cipolla. São Paulo: Pensamento,
2015.
[72]
BASSUK, Daniel E. Incarnation in Hinduism and Christianity: The Myth of the God-Man. Londres: Macmillan, 1987, p. 29.
[73]
Épico composto ao longo de gerações que ganhou sua versão final sob autoria do sábio Valmiki, entre 500 e 100 a. C.
[74]
DONIGER, Wendy. The Hindus: An Alternative History. Nova York: The Penguin Press, 2009, pp. 155-156.
[75]
PRABHUPADA, A. C. Bhaktivedanta Swami. Krishna - the Supreme Personality of Godhead. Vol. 1. Boston: Iscon Press, 1970, pp. 190 – 191.
[76]
HOLT, John C. The Buddhist Visnu: Religious Transformation, Politics, and Culture. Nova York: Columbia University Press, 2013, p. 14.
[77]
DONIGER, Wendy. The Hindus: An Alternative History. Nova York: The Penguin Press, 2009, pp. 307-316.
[78]
WILKINS, W. J. Hindu Mythology, Vedic and Puranic. Calcutá: Thacker, Spink & Co.; Londres: W. Thacker & Co., 1900, p 104.
[79]
DONIGER, Wendy. The Hindus: An Alternative History. Nova York: The Penguin Press, 2009, pp. 251-252, 269-272, 394.
[80]
WILKINS, W. J. Hindu Mythology, Vedic and Puranic. Calcutá: Thacker, Spink & Co.; Londres: W. Thacker & Co., 1900, p. 106.
[81]
PHILLIPS, Charles; KERRIGAN, Michael & GOULD, David. Ancient India's Myths and Beliefs. Nova York: Rosen, 2012, p. 105.
[82]
STORL, Wolf-Dieter. Shiva: The Wild God of Power and Ecstasy. Rochester, Vermont, EUA: Inner Traditions, 2004, p. 92.
[83]
WILKINS, W. J. Hindu Mythology, Vedic and Puranic. Calcutá: Thacker, Spink & Co.; Londres: W. Thacker & Co., 1900, pp. 106-111.
[84]
Cf. KAUTILYA. The Arthashastra. Londres: Penguin Classics, 1992.
[85]
THEODORE DE BARY, W. M.; HAY, Stephen; WEILER, Royal & YARROW, Andrew (Orgs.). Sources of Indian Tradition. Nova Delhi: Motilal
Banarsidass, 1988, p. 237.
[86]
Cf. VATSYAYANA. Kama Sutra. São Paulo: Universo dos Livros, 2013.
[87]
SATCHIDANANDA, Swami. The Yoga Sutras of Patanjali. Buckingham, Virgínia: Integral Yoga Publications, 2012.
[88]
ERALY, Abraham. The First Spring: The Golden Age of India. Nova Delhi: Penguin Books India, 2011, p. 40.
[89]
MOOKERJI, Radhakumud. The Gupta Empire. Nova Delhi: Motilal Banarsidass Publishing, 1989, p. 14.
[90]
SHARMA, Tej Ram. A Political History of the Imperial Guptas: From Gupta to Skandagupta. Nova Delhi: Concept, 1989, pp. 11-14.
[91]
Regente cingalês que trouxe à ilha o sagrado dente de Buda (em páli, danta dhātuya) para a cidade de Kandy.
[92]
MAHAJAN, V. D. Ancient India. Nova Delhi: S. Chand, 2007, p. 467.
[93]
Suposto local de nascimento de Krishna e distrito atual do estado de Uttar Pradesh.
[94]
SEN, Sailendra Nath. Ancient Indian History and Civilization. Nova Delhi: New Age International Publishers, 1999, p. 213.
[95]
Foi um lendário imperador da Índia antiga de controversa historicidade, caracterizado como o rei ideal, conhecido por sua generosidade, coragem e
patrocínio de estudiosos. Alguns acreditam que foi uma figura histórica antes de nossa era, enquanto outros estudiosos afirmam que Vikramaditya é uma
figura lendária. Vikramaditya, portanto, acabou se tornando um título honorífico adotado por vários reis indianos. SIRCAR, Dineshchandra. Ancient
Malwa and the Vikramaditya Tradition. Nova Delhi: Munshiram Manoharlal, 1969, pp. 94-103.
[96]
AGRAWAL, Ashvini. Rise and Fall of the Imperial Guptas. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1989, p. 162.
[97]
Seguindo o que nos conta a tradição popular, sua corte tinha nove estudiosos famosos, assim como supostamente havia na corte do imperador indiano
mogol Akbar (r. 1556 – 1605). De acordo com um suposto tratado de Calidasa, o Jyotirvidabharana, os nove estudiosos seguintes, incluindo o próprio
Calidasa, participaram da corte de Chandragupta II: Amara Sinha, Dhanvantari, Ghatakarapara, Calidasa, Kshapanaka, Shanku, Varahamihira, Vararuchi e
Vetala-Bhatta. No entanto, muitos estudiosos indianos consideram o termo sem valor histórico, como Dineshchandra Sircar, ao considerar essa tradição
"absolutamente inútil para fins históricos". SIRCAR, Dineshchandra. Ancient Malwa and the Vikramaditya Tradition. Nova Delhi: Munshiram Manoharlal,
1969, pp. 120-123.
[98]
BEAL, Samuel. Travels of Fah-Hian and Sung-Yun, Buddhist pilgrims, from China to India (400 A.D. and 518 A.D.). Londres: Trübner & Co., 1869.
p. 130.
[99]
LEGGE, James. A Record of Buddhistic Kingdoms – being an account by the Chinese monk Fâ-Hien of his travels in India and Ceylon (A.D. 390 -
414) in search of the Buddhist works of discipline. Oxford: Clarendon Press, 1886. p. 43.
[100]
SEN, Sailendra Nath. Ancient Indian History and Civilization. Nova Delhi: New Age International Publishers, 1999, p. 240.
[101]
LAHIRI, Latika. Chinese Monks in India: Biography of Eminent Monks Who Went to the Western World in Search of the Law During the Great
T’ang Dynasty. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1986.
[102]
De acordo com jainistas, os ensinamentos sagrados são gradualmente esquecidos ao longo do tempo. Para reverter essa tendência, um raro indivíduo
nasce, um tirthankara, que em momentos de sua vida renuncia ao mundo visando conquistar o samsara (“o ciclo de morte e renascimento”) por conta
própria. Depois procede em ensinar aos outros o caminho para a libertação do samsara e atingir o moksha (“libertação”).
[103]
BHATTACHARJI, Sukumari History of Classical Sanskrit Literature. Londres: Sangam Books, 1993, p.93.
[104]
Cf. THURSTON, Hugh. Early Astronomy. Berlim: Springer, 1996, p. 188.
[105]
ANÔNIMO. The Agni Purana. Vol. 1. Capítulo 43. Nova Delhi: Sri Satguru Publications, 2009.
[106]
Durante seu reino, foi erguido originalmente em Matura o famoso pilar de ferro que se encontra hoje no complexo de Qutb em Nova Delhi.
[107]
SUDRAKA. The Little Clay Cart. Nova York: New York University Press, 2009. Ato 10, linha 58.
[108]
As línguas dravidianas ou dravídicas formam uma grande família linguística, diferente das indo-europeias do norte indiano, no sul do subcontinente
indiano. Entre essas línguas incluem-se: tâmil, o malaiala, o canarês e o telugo.
[109]
RATH, Saraju. Aspects of Manuscript Culture in South India. Leiden & Boston: Brill, 2012, pp. 9-11.
[110]
SINGH, Upinder. A History of Ancient and Early Medieval India: From the Stone Age to the 12th Century. Nova Delhi: Pearson Education India,
2008, p. 423.
[111]
Conjunto literário que floresceu durante o período Sangam (tamilakam) abrangendo desde cerca de 300 a. C. a 300 d. C. A vasta coleção contém mais
de dois mil poemas compostos por 473 poetas, sendo que 102 dos quais permanecem anônimos. HART III, G. L. The Poems of Ancient Tamil. Oakland:
University of California Press, 1975.
[112]
MAJUMDAR, Ramesh Chandra. Ancient India. Nova Delhi: Motilal Banarsidass Publishers, 1977, p. 106.
[113]
A mais antiga obra na literatura tâmil que versa sobre a gramática, ortografia, morfologia, semântica, prosódia e linguística tâmil. Datado entre o
século 3 a. C. e o século 10 d. C.
[114]
ERALY, Abraham. The First Spring: The Golden Age of India. Nova Delhi: Penguin Books India, 2011, p. 655.
[115]
ZVELEBIL, Kamil. Companion Studies to the History of Tamil Literature, Leiden: Brill: 1992, p. 250.
[116]
RAMACHANDRAN, S. Love and Landscapes in Sangam Poetry. 2016. Disponível em: <http://swarajyamag.com/culture/love-and-landscapes-in-
sangam-poetry>. Acesso em 22 jun. 2016.
[117]
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada: contendo o antigo e o novo testamento. tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica
do Brasil, 1966.
[118]
SASTRI, K. A. Nilakanta. A History of South India: from prehistoric times to the fall of Vijayanagar. Nova Delhi: Oxford University Press India,
2002, p 23. Na sua obra Indica que sobreviveu apenas em fragmentos, Megástenes informa que quem governou o reino de Pandia (Pandaea) são mulheres
descendentes de Hércules. Fragmento LVI. B. “Catálogo das raças indianas”. In: MCCRINDLE, J. W. Ancient India as Described by Megasthenes and
Arrian. tradução por J. W. Crindle. Calcutá & Bombaim: Thacker, Spink, 1877, pp. 30-174.
[119]
BISWAS, A. K. & SULEKH, Biswas. “Minerals and Metals in Kautiliya's Arthasastra” In: Minerals and Metals in Ancient India. Vol. 2. D.K. Nova
Delhi: Printworld Publishers Limited, 1996.
[120]
THAPAR, Romila. Early India: From the Origins to A.D. 1300. Berkeley & Los Angeles: University of California Press, 2004, p. 211.
[121]
SAHU, N. K. History of Orissa. Vol 1. Bhubaneswar: Utkal University Press, 1964, p. 303.
[122]
Possivelmente foi atrás de uma relíquia jainista no reino dos mágadas. SAHU, N. K. Kharavela. Bhubaneswar: Utkal University Press, 1984, p. 79.
[123]
Ibidem, p.64.
[124]
Ibidem, p. 98.
[125]
MCCRINDLE, J. W. Ancient India as Described by Megasthenes and Arrian. tradução por J. W. Crindle. Calcutá & Bombaim: Thacker, Spink, 1877,
pp. 30-174.
[126]
CHATTOPADHYAYA, Sudhakar. Some Early Dynasties of South India. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1974, p. 37.
[127]
SINGH, Upinder. A History of Ancient and Early Medieval India: From the Stone Age to the 12th Century. Nova Delhi: Pearson Education India,
2008, p. 382.
[128]
SEN, Shailendra Nath. Ancient Indian History and Civilization. Nova Delhi: New Age International, 1999, pp. 172-176.
[129]
Ibidem.
[130]
Ibidem.
[131]
LIENHARD, Siegfried. A History of Classical Poetry: Sanskrit, Pali, Prakrit. Wiesbaden: Otto Harrassowitz Verlag, 1984, p. 85. Para maiores
detalhes sobre os antigos poemas indianos, Cf. WEBER, Albrecht. Indische Streifen, 3 vols. Berlim, 1868-1879.
[132]
Dinastia que promoveu ativamente as artes budistas como o foi durante o reinado de Harixena (c. 475 – 500) no complexo de cavernas de Ajanta.
[133]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 97.
[134]
FAROOQUI, Salma Ahmed. A Comprehensive History of Medieval India: from twelfth to the mid eighteenth century. Nova Delhi: Dorling
Kindersley, 2011, p. 26
[135]
SASTRI, Kallidaikurichi Aiyah Nilakanta. A History of South India: From Prehistoric Times to the Fall of Vijayanagar. Madras: Oxford University
Press, 1958, p. 141.
[136]
O termo, em tâmil, refere-se à região geográfica habitada pelos antigos povos tâmeis, atualmente os estados indianos de Tamil Nadu, Kerala,
Puducherry, Lakshadweep e partes do sul de Andhra Pradesh e Karnataka.
[137]
SASTRI, Kallidaikurichi Aiyah Nilakanta. A History of South India: From Prehistoric Times to the Fall of Vijayanagar. Madras: Oxford University
Press, 1958, p. 82.
[138]
MAJUMDAR, Ramesh Chandra. Ancient India. Nova Delhi: Motilal Banardidass, 2003, p. 136.
[139]
SASTRI, Kallidaikurichi Aiyah Nilakanta. A History of South India: From Prehistoric Times to the Fall of Vijayanagar. 2a Ed. Madras (Chennai):
Oxford University Press, 1958, p. 85.
[140]
MAJUMDAR, Ramesh Chandra. Ancient India. Nova Delhi: Motilal Banardidass, 2003, p. 106.
[141]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 98.
[142]
HUNTINGFORD, George Wynn Brereton. The Periplus of the Erythraean Sea, Vol. 2, Parte 4, Edição 151. Farnham: Ashgate Publishing Ltd., 1980,
pp. 51, 116. Neste, o reino de Pandia é referido como “Pandion”. O porto de Nelkunda, mencionado nos textos antigos, situa-se hoje a 80 km a sul da
cidade de Kodungallur no estado de Kerala.
[143]
HILL, John E. The Peoples of the West from the Weilüe 魏略 by Yu Huan 魚豢 : a third century Chinese account composed between 239 and 265
CE. 2004. tradução inglesa com anotações. Seção 8. Disponível em: < http://depts.washington.edu/silkroad/texts/weilue/weilue.html>. Acesso em 25 Jun.
2016.
As narrativas do chinês consistem numa descrição geográfica de valor inestimável das terras ocidentais da China a incluir as regiões mais a leste do
Império Romano (Da Qin).
[144]
STRABO. Geographica. Livro XV, seções 4 e 73. Disponível em: <http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Strabo/home.html>. Acesso
em 28 Jul. 2016.
[145]
Termo que em geral designa notas finais de um manuscrito ou de um livro impresso. Alguns historiadores indianos, todavia, denunciam esses cólofons
como adições posteriores e não confiáveis como documentos históricos.
[146]
A dinastia dos Kalabhras governou o sul da Índia, na região de Tâmil, entre o 3º e o século 7º d.C. Informações a respeito deles são escassas, pois não
deixaram nem artefatos, nem monumentos e as únicas fontes de informação são mencionados na literatura Sangam, budista e jainista. Foi no período dos
Kalabhras que o budismo floresceu no sul da Índia, e provavelmente também o jainismo. A língua sânscrita e o prácrito introduzidas na região a partir do
norte resultaram numa gramática e literatura tâmil própria.
[147]
SASTRI, K. A. Nilakanta. A History of South India: from prehistoric times to the fall of Vijayanagar. Nova Delhi: Oxford University Press India,
1976, pp. 22-25.
[148]
Termo em tâmil de um estilo distinto de templo hindu que segue a arquitetura dravidiana, estilo que enfatiza as torres em formas piramidais e
construídas com o uso de arenito, pedra-sabão ou granito.
[149]
AIYANGAR, Sakkottai Krishnaswami. South India and her Muhammadan Invaders. Ithaca: Cornell University Library, 2009, p. 97.
[150]
FAROOQUI, Salma Ahmed. A Comprehensive History of Medieval India: From Twelfth to the Mid-Eighteenth Century. Nova Delhi: Dorling
Kindersley, 2011, p. 26.
[151]
SASTRI, K. A. Nilakanta. A History of South India. Chennai: Oxford Univ. Press, 2005, p. 213.
[152]
KARASHIMA, Noboru. A Concise History of South India: Issues and Interpretations. Oxford & Nova York: OUP, 2014, p. 121.
[153]
AIYANGAR, Sakkottai Krishnaswami. Ancient India: Collected Essays on the Literary and Political History of Southern India. Nova Delhi: Asian
Educational Services, 1911, p. 103.
[154]
SASTRI, K.A. Nilakanta. The Cholas. Madras: University of Madras, 1984.
[155]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 115.
[156]
SPENCER, George Woolley. The Politics of Expansion: The Chola Conquest of Sri Lanka and Sri Vijaya. Madras: New Era Publications, 1983, p. 2.
[157]
DEHEJIA, Vidya. Art of the Imperial Cholas. Nova York: Columbia University Press, 1990, pp. 80-81.
[158]
Ibidem, p. 14.
[159]
MÜLLER, Friedrich Max. The Sacred Books of the East. Vol 1. The Upanishads. Aitareya Upanishad. Oxford: Clarendon Press, 1879.
[160]
REDDY, K. Krishna. Indian History. Nova Delhi: Tata McGraw-Hill Publishing, 2008, p. A244.
[161]
Entre as mais destacadas cidades portuárias: Muchiri Pattanam, Tondi, Semne, Podoperoura, Bakarei e Koreoura. MENON, A. Sreedhara. A Survey of
Kerala History. Kottayam: National Book Stall, 1967, pp. 58-59.
[162]
KLOSTERMAIER, Klaus K. A Survey of Hinduism. Albany, Nova York: State University of New York Press, 2007, p. 252.
[163]
SASTRI, K. A. Nilakanta. A History of South India: From Prehistoric Times to the Fall of Vijayanagar. Nova Delhi: Oxford University Press India,
1976, p. 135.
[164]
Foi na decisiva batalha de Mahodaya Puram em 1019 que o rei Bhaskara Ravi Varman I (r. 962 -1019) foi derrotado e morto pelo regente Chola,
Rajendra Chola, enfraquecendo significativamente as forças cheras. MENON, A. Sreedhara. A Survey of Kerala History. Kottayam: National Book Stall,
1967, p. 130.
[165]
Traduzido como “Os Feitos de Harsha”. Considerada como um marco inicial das obras poéticas e históricas na língua sânscrita. Consta que nessa obra,
Bana faz as primeiras referências a um jogo de xadrez, a representar os dilemas e estratégias nas decisões dos regentes no jogo político.
[166]
O deslocamento de uma capital imperial ao longo da bacia do rio Ganges e Yamuna permitiu, de acordo com Kulke & Rothermund, a uma maior
projeção de governantes indianos as regiões centrais e setentrionais indianas. KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. 3. Ed.
Londres: Routledge, 1998, p. 105.
[167]
HARSHA. Nagananda. tradução de Palmer Boyd. Sanskrit Drama Series, Ontário: Cambridge, 1999.
[168]
TANDLE, Sanjeevkuma. Indian History (Ancient History). Solapur, Maarastra, Índia: Laxmi Book Publication, 2014, p. 187.
[169]
Em sânscrito, gur denota “inimigo” e ujjar, “destruidor”. São povos que depois se estabelcerão no Rajastão, Gujarate e Maarastra. SINGH, Kumar
Suresh (Org.). People of India: Maharashtra. Vol. XXX. Parte 3. Mumbai: Popular Prakashanp, 2004, p. xxviii.
[170]
Tal nome decorre do que ficou conhecido entre os indianos de sveta huna (hunos brancos). Foram também chamados de heftalitas que formaram uma
confederação nômade na Ásia central cujo auge se deu entre os séculos 6 e 7.
[171]
Os rajputs ou rajaputes (do sânscrito raja, “rei”, putra, “filhos”) consistem num conjunto de clãs descendentes de guerreiros (xátrias) das regiões
centrais e setentrionais indianas.
[172]
SMITH, V. A. “White Hun’ coin of Vyaghramukha of the Chapa (Gurjara) dynasty of Bhinmal”. The Journal of the Royal Asiatic Society of Great
Britain and Ireland. Outubro de 1907. Cambridge: Cambridge University Press, 1907, pp. 923-928.
[173]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, pp. 109-110.
[174]
SEN, Sailendra Nath. Ancient Indian History and Civilization. Nova Delhi: New Age International, 1999, p. 266.
[175]
TRIPATHI, Rama Shankar. History of Kanauj: To the Moslem Conquest. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1989, p. 224.
[176]
Ibidem, pp. 268-269.
[177]
MAJUMDAR, Ramesh Chandra. Ancient India. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1977, p. 288.
[178]
GUHA-THAKURTA, Tapati. Monuments, Objects, Histories: Institutions of Art in Colonial and Post-Colonial India. Nova York: Columbia
University Press, 2004, p. 260.
[179]
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haeological Department, 1933, p. 83.
[180]
KAMATH, Suryanath U. A Concise History of Karnataka: from pre-historic times to the present. Bangalore: Jupiter Books, 2001, p. 76.
[181]
É uma das principais línguas do ramo dravidiano do sul da Índia e uma das mais antigas do país. Consta como a principal língua do estado de
Karnataka e um dos atuais idiomas oficiais da Índia.
[182]
PICKOVER, Clifford A. The Math Book: From Pythagoras to the 57th Dimension, 250 Milestones in the History of Mathematics. Nova York:
Sterling Publishing Company, 2009, p. 88.
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100.
[195]
Tipo de escola hinduísta antiga com características de um colégio interno, em que os estudantes convivem com um mestre, guru, por largo período, e
aprendem a se organizar e trabalhar na manutenção da instituição.
[196]
Dinastia que reinou por boa parte da região dos tâmeis no sul da Índia, entre os séculos 3 e 7, derrotando e fragmentando os reinos locais dos cholas,
pandias e cheras.
[197]
WARDER, A. K. Indian Kavya Literature. Vol. 3. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1988, pp. 198–233.
[198]
RAMASWAMY, Vijaya. Historical Dictionary of the Tamils. Nova York: Scarecrow Press, 2007, p. 178.
[199]
A peça retrata as acusações de um asceta xivaísta bêbado contra um monge budista que é acusado de ter furtado sua tigela de esmola. Ao final,
descobre-se que foi apenas um cão que tomou a tigela. LOCKWOOD, W. & BHAT, A. V. The Farce of Drunken Sport. Madras: Christian Literature
Society, 1981.
[200]
Conta a lenda que após a vitória o rei Pallava Narasimhavarman I trouxe consigo vários artistas e escultores Chalukyas que tinham projetado e
adornado as cavernas de Ajanta e Ellora para embelezar a cidade de Kanchi, trazendo assim a influência artística e arquitetônica para seu reino. RAO. P. R.
Indian Heritage and Culture. Nova Delhi: Sterling Publishers, 1989, p. 30.
[201]
DIKSHIT, Durga Prasad. Political History of the Chālukyas of Badami. Nova Delhi: Abhinav Publications: 1980, p. 130.
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RAMESAN, N. The Eastern Chalukyas Of Vengi. Hyderabad: Andhra Pradesh Sahithya Akademi, 1975, pp. 1-4.
[207]
CHOPRA, P. N.; RAVINDDRAN, T. K. & SUBRAHMANIAN, N. History of South India - Ancient, Medieval and Modern. Nova Delhi: Chand
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[208]
FLOOD, Gavin Dennis. An Introduction to Hinduism. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. pp. 238-239.
[209]
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[210]
EASWARAN, Eknath. The Bhagavad Gita (Classics of Indian Spirituality). Tomale, California: Nilgiri Press, 2007. Capítulo 9, verso 34.
[211]
FLOOD, Gavin Dennis. An Introduction to Hinduism. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 131.
[212]
Alguns estudiosos enfatizam a importância dos ensinamentos bhaktistas no pensamento do primeiro sikh guru e fundador do siquismo, Guru Nanak
(1469 – 1539). LORENZEN, David. Bhakti Religion in North India: Community Identity and Political Action. Nova York: State University of New York
Press, 1995, pp. 1-2.
[213]
SCHORER, Karine & McLEOD, W. H. (Orgs). The Saints: Studies in a Devotional Tradition of India. Nova Delhi: Motilal Banarsidass, 1987, pp. 1-
2.
[214]
As divindades teriam seu espaço de influência de acordo com seu lugar na hierarquia do pateão e pela distância de seu sítio, tirtha, que podem ser
cruzamentos, templos, rios, grutas e marcos naturais. Quanto maior a distância, seus poderes eram menores, assumindo no território o poder de divindades
locais mais próximas. MICHAELS, Axel. Hinduism: Past and Present. Princeton University Press, 2004, pp. 288-289.
[215]
HUNTER, William Wilson. The Indian Empire: Its People, History, and Products. Londres: Forgotten Books, 2016, p. 346.
[216]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, pp. 143-144.
[217]
Como a evidente influência da arte da escola Amaravati (séculos 3 a 5) dos Pallavas na estátua de bronze de Buda encontrada em Sampaga na ilha de
Sulawesi no leste da Indonésia.
[218]
Atestado na nomenclatura da língua oficial da Indonésia, o Bahasa Indonesia. Bahasa vem do sânscrito que significa “língua”.
[219]
Na região oriental da ilha de Bornéu há indícios de por volta do século 5 de um rei, Kundunga, que não foi registrado em sânscrito que depois foi
sucedido por seu filho, já em escrita sânscrita, Ashvavarnam, que adotou e se legitimou no poder com as orientações de brâmanes a fundar uma nova
dinastia doravante. HANNIGAN, Tim. A Brief History of Indonesia - Sultans, Spices, and Tsunamis: The Incredible Story of Southeast Asia's Largest
Nation. North Clarendon, Vermont, EUA: Tuttle Publishing, 2015, p. 29.
[220]
Shahabuddin Ghauri ou Mohammad Ghauri (r. 1173 – 1206).
[221]
As região do Sind situava-se no limite do mundo islâmico a leste das terras persas à época do século 7, região que depois foi denominada pelos árabes
de al-Hind. Com a qual os muçulmanos já mantinham significativos e lucrativos laços comerciais. Incursões de piratas na costa do Sind, aparentemente,
levaram à uma intervenção mais enérgica por partes de comandantes muçulmanos a intervir e buscar manter a corrente comercial. WINK, Andre. Al-Hind,
the Making of the Indo-Islamic World: Early Medieval India and the Expansion of Islam 7th – 11th Centuries. Vol 1. Leiden: Brill, 2002, pp. 51-52.
[222]
Os árabes na Índia governaram a partir de 871 sob dinastias islâmicas independentes dos califados árabes, governando a partir das cidades de Manjura,
no Sind, e Multan, no Punjab. E conduziram uma política de coexistência pacifica e tolerante com a população não-muçulmana local. MACLEAN, Derryl
N. Religion and society in Arab Sindh. Leiden: Brill, 1989, pp. 24, 140-143.
[223]
Amplo grupo étnico-linguístico eurasiano que engloba os azeris, cazaques, turcomanos, turcos modernos, uzbeques, quirguizes e uigures.
[224]
ASHER, Catherine B. & TALBOT, Cynthia. India Before Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 19.
[225]
Doutrina islâmica que acredita ser como o “Verdadeiro Imã”, successor do Imã Jafar al-Sadiq, Ismail ibn Jafar. No xiismo, os “Verdadeiros Imãs” são
os sucessores e os líderes máximos do Profeta Maomé, que possuem conhecimento divino e autoridade sobre os muçulmanos.
[226]
THAPAR, Romila. Somanatha: The Many Voices of a History. Gurgaon: Penguin Books India, 2004, pp. 36-37, 75.
[227]
Grande épico composto no século 10 que narra a história e mitologia do Irã (Pérsia), desde a criação do mundo até a consquista árabe no século 7.
[228]
Autor da obra Tarikh Al-Hind (História da Índia) depois de analisar por anos o passado, os costumes, crenças e política indianas. Foi dado a ele o
título de al-Ustadh (“O Mestre”) pela sua excepcional descrição das terras indianas no começo do século 11 e considerado como fundador da Indologia.
[229]
SACHAU, Edward .C. Alberuni’s India. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 22.
[230]
CHANDRA, Satish. Medieval India: From Sultanat to the Mughals (1206-1526). Nova Delhi: Har-Anand Publications, 2006, pp. 44-45.
[231]
Ibidem, p. 38.
[232]
Em referência à dinastia que tornou como capital a cidade de Ghur, no Afeganistão central, do qual adveio Muhammad de Ghur. A dinastia, que
ganhou status de sultanato durou de 879 até 1215. Assim como os ghaznávidas, forjaram um amplo império na Ásia Central, Paquistão, Pérsia (Irã),
Afeganistão e norte da Índia. E assim promoveu o alastramento do Islã e da literatura e arte pérsica.
[233]
WINK, Andre. Al-Hind, the Making of the Indo-Islamic World: Early Medieval India and the Expansion of Islam 7th – 11th Centuries. Vol 1. Leiden:
Brill, 2002, p. 156.
[234]
AL-BADAONI (Abdul-Qadir Ibn-i-Muluk Shah). The Muntakhabu-’rūkh.Traduzido e organizado por George S. A. Ranking, Sir Wolseley Haig & W.
H. Lowe. Vol 1. Calcutá, Baptist Mission Press: 1884, p. 96.
[235]
Essas crônicas narram a história islâmica compilada e escrita pelo sábio persa Minhaj-i-Juzjani, completadas em 1260. Grande parte dessa coleção,
com 23 volumes, foi dedicada aos feitos das dinastias dos ghaznávias e dos gúridas. AL-JAWZJANI, Siraj al-Din. Tabaqat-i-Nasiri. Calcutá: College Press,
1864.
[236]
SYED, Muzaffar Husain; AKHTAR, Syed Saud & USMANI, B. D. Concise History of Islam.
Nova Delhi: Vij Books India, 2011, pp. 232-233.
[237]
JACKSON, Peter. The Delhi Sultanate: A Political and Military History. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, p. 56.
[238]
Nas linhas do poema épico, Jayasi narra que a estonteante beleza da rainha de Chittor, Rani Padmini, foi a causa das ofensivas ao forte da cidade.
[239]
AYALON, David. Studies in Islamic History and Civilization. Leiden: Brill, 1986, p. 271.
[240]
PURI, B. N. & DAS, M. N. A Comprehensive History of India: Comprehensive history of medieval India. Nova Delhi: Sterling Publishers, 2005, p.
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[241]
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[248]
CHAURASIA, Radhey Shyam. History of Medieval India: From 1000 A.D. to 1707 A.D. Nova Delhi: Atlantic Publishers, 2002, p. 68.
[249]
Ibidem, p. 74.
[250]
PURI, B. N. & DAS, M. N. A Comprehensive History of India: Comprehensive history of medieval India. Nova Delhi: Sterling Publishers, 2005, p.
84.
[251]
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[253]
Ordem mística e contemplativa do Islã, em que procuram uma relação mais íntima e direta com Deus.
[254]
SEN, Sailendra Nath. Ancient Indian History and Civilization. Nova Delhi: New Age International Publishers, 1999, p. 438.
[255]
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[258]
MANSINHA, Mayadhar. History of Oriya Literature. Nova Delhi: Sahitya Akademi, 1962, p. 67.
[259]
Estudos recentes apontam que os fundadores de Vijyanagara já eram chefes aliados aos hoysalas antes de se instalarem em Kampili. KULKE,
Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 188; KARMARKAR, A. P. Cultural history of Karnataka:
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[269]
Provavelmente composto por Allasani Peddana, Nandi Thimmana, Madayyagari Mallana, Dhurjati, Ayyala-raju Rama-Bhadrudu, Pingali Surana,
Ramaraja Bhushanudu e Tenali Rama Krishna.
[270]
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[274]
COLLIER. Dirk. The Great Mughals and Their India. Nova Delhi: Hay House India, 2016, edição Kindle. Capítulo 1, seção “Onward to Hindustan”,
parágrafo 6.
[275]
MAHAJAN, V. D. History of Medieval India. Nova Delhi: S. Chand, 2010, pp. 428–429.
[276]
MAJUMDAR, R. C.; RAYCHAUDHURI, H. C. & DATTA, K. K. An Advanced History of India. Noida: Macmillan India, 1973, p. 429.
[277]
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[278]
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[279]
GULBADAN. Humayun Nama: The History of Humayun. Traduzido por Annette S. Beveridge. Nova Delhi: Munshiram Manoharial Publishers,
2001, p. 109.
[280]
NEWITT, Malyn. A History of Portuguese Overseas Expansion 1400–1668. Londres: Routledge, 2004, p. 109.
[281]
Ibidem, p. 109.
[282]
GASCOIGNE, Bamber & GASCOIGNE, Christina. The Great Moghuls. Nova York: Harper & Row, 1971, p. 50.
[283]
GASCOIGNE, Bamber. A Brief History of the Great Moguls. Nova York: Carroll & Graf, 2002, p. 39.
[284]
Os conflitos entre o islã sunita e xiita baseiam-se fundamentalmente na discordância sobre os sucessores do Profeta Maomé. Os xiitas acreditam que
Ali ibn Abu Talib (conhecido pelo seu primeiro nome, Ali), cunhado e primo de Maomé, fora apontado como o “Primeiro Imã” por meio divinos. Os
sunitas, por sua vez, escolheram como sucessor um hábil conselheiro de Maomé, Abu Bakr, mas sem nenhum parentesco de sangue com o Profeta.
[285]
Em português, xá, é um título dado a imperadores, reis, príncipes e regentes da Pérsia (atual Irã) e regiões com acentuada influência pérsica, como o
foi a Índia Mogol. No livro, foi adotado por conveniência o termo não-aportuguesado, shah.
[286]
RICHARDS, John F. The Mughal Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 11.
[287]
SMITH, Vincent. The Oxford History of India. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 337.
[288]
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A longa resistência apresentada pelos maratas de Ahmadnagar aos mogóis foi notável, em grande parte devido ao comando de guerrilla liderado por
um escravo da Abissínia, atual Etiópia, Malik Ambar (1549 - 1626). RICHARDS, John F. The Mughal Empire. Cambridge: Cambridge University Press,
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[304]
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[306]
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[312]
As constantes disputas e intrigas ao trono mogol remetem a ausência de costume entre esses do primogênito assumir o trono na morte do antecessor.
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[315]
Palavra árabe que significa Lei de Deus (Alá), que regula todos os aspectos da vida, desde o casamento, divórcio, herança, até os rituais a serem
observados, política, economia, negócios, contratos e crimes.
[316]
MALIK, Jamal. Islam in South Asia: a short history. Leiden: Brill, 2008, pp. 194-197.
[317]
Prática tradicional hindu de aparição pública do regente para concessão de bênçãos, tolerado desde os tempos de Akbar.
[318]
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[329]
Aparentemente o saque de Delhi foi de tal monta - estimados US$ 117 milhões à época ou equivalente a mais de US$ 6,5 bilhões nos dias de hoje -
que Nader Shah não tributou a Pérsia por três anos seguidos após seu retorno. E possibilitaram aos imperadores (shahs) persas confrontarem seus
arquiinimigos a oeste, os otomanos, durante a Guerra Otomano-Persa (1743-1746). AXWORTHY, Michael. The Sword of Persia: Nader Shah, from Tribal
Warrior to Conquering Tyrant. Londres: I. B. Tauris, 2006, pp. 211-212.
[330]
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[331]
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[335]
Assim chamada pelo principal negociador e presidente da BEIC no período, Sir Josiah Child (1630 - 1699).
[336]
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[341]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 208.
[342]
Família que estavam entre os mais poderosos banqueiros da Índia durante a primeira metade do século 18, fundamentais depois para o financiamento
das guerras dos britânicos e aliados contra os regentes bengalis.
[343]
DAVID, M. D. History of Bombay – 1661-1708. Bombaim: University of Bombay, 1973, pp. 179, 304.
[344]
KULKE, Hermann & ROTHERMUND, Dietmar. A History of India. Londres: Routledge, 1998, p. 209.
[345]
O nome advém da Costa Canaresa (mais conhecida como Costa de Coromandel) no litoral sudeste da Índia. Essas guerras foram uma cadeia de
confrontos entre os britânicos da BEIC e franceses da Compagnie na Índia entre os anos de 1746 a 1748, de 1749 a 1754 e de 1756 a 1763. Ao final desses,
predominou a presença britânica na Índia, abrindo-lhes a perspectiva de dominação na Índia a partir de meados do século 18. Aos franceses, restou
essencialmente o controle em Pondicherry.
[346]
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[360]
WOLPERT, Stanley. A New History of India. Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 190.
[361]
Considerada por alguns autores como uma das batalhas mais cruentas e decisivas da Índia no século 18. Cf. VERMA, Abhas. Third Battle of Panipat.
Nova Delhi: Bharatiya Kala Prakashan, 2013.
[362]
BERNSTEIN, Jeremy. Dawning of the Raj: The Life and Trials of Warren Hastings. Plymouth, Reino Unido: Ivan R. Dee, 2000. pp. 137-138.
[363]
RATHOD, N. G. The Great Maratha Mahadaji Scindia. Nova Delhi: Sarup & Sons, 1994, pp. 20-27.
[364]
Dando início à chamada Segunda Guerra Anglo-Mysore (1780 - 1784).
[365]
MAHMOOD, Mahmood Khan. Kingdom of Hyder Ali and Tipu Sultan: translated from Sultanat e Khudadad. Bloomington, Indiana, EUA: Xlibris
Corporation, 2013, pp. 92-93.
[366]
BRYANT, G. J. The Emergence of British Power in India, 1600 – 1784: a Grand Strategic Interpretation. Woodbridge, Suffolk, Reino Unido: Boydell
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[367]
RATHOD, N. G. The Great Maratha Mahadaji Scindia. Nova Delhi: Sarup & Sons, 1994, p. 74.
[368]
O princípio da Terceira Guerra Anglo-Mysore (1790 - 1792).
[369]
FORREST, Dennys. Tiger of Mysore: The Life and Death of Tipu Sultan. Londres: Chatto & Windus, 1970, p. 296.
[370]
HASAN, Mohibbul. History of Tipu Sultan. Nova Delhi: Aakar Books, 2005, pp. 331, 342-343, 358.
[371]
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[372]
SEN, Sailendra Nath. Anglo-Maratha Relations, 1785-96. Vol. 2. Nova Delhi: Popular Prakashan, 1995, pp. 246-248.
[373]
SINGH, Patwant. Empire of the Sikhs: The Life and Times of Maharaja Ranjit Singh. Londres: Peter Owen, 2008, pp. 73–76.
[374]
WICKWIRE Franklin & WICKWIRE, Mary. Cornwallis: The Imperial Years. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2012, p. 43.
[375]
William Jones foi um gênio poliglota. Aprendeu o persa, árabe, grego, latim e hebraico e algo da língua chinesa em tenra idade, além do galês, celta e
o inglês. Depois, com os estudos dos Vedas e dos clássicos indianos, tornou-se proficiente em sânscrito, hindi, bengali, urdu entre outras línguas asiáticas.
É de sua autoria a tese de que as línguas indo-europeias guardam uma origem em comum com o sânscrito. Fundou depois, com outros estudiosos, a
Sociedade Asiática em Calcutá em 1784, sede de estudos orientais e da indologia.
[376]
Ibidem, p. 94.
[377]
Divisão administrativa britânica na Índia que era administrado por um conselho e governador local da BEIC a ser aprovado pelo parlamento em
Londres. Cabia a administração de cada presidência assegurar o bom andamento dos negócios da companhia na Índia e, caso fosse necessário, fazer uso da
força local e de oficiais britânicos para a imposição da ordem. De 1765 até as reformas indo-britânicas de 1858 e a transferência da capital indiana para
Delhi em 1911, a presidência de Bengala, centrada na cidade de Calcutá, serviu como centro político e residência do governador-geral. FRANDA, Marcus
F. West Bengal and the Federalizing Process in India. Princeton: Princeton University Press, 1968, p. 9.
[378]
KEAY, John. The Honourable Company: A History of the English East India Company. Londres: Macmillan Publishing, 1991, p. 390.
[379]
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[380]
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[381]
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[382]
INGRAM, Edward. Empire-builing and Empire-builders: Twelve Studies. Londres: Frank Cass, 2013, p. 117.
[383]
Região de ofício britânico que englobava partes a noroeste do atual estado indiano de Madhya Pradesh, localizada na porção central da Índia.
[384]
SINGH, R. S. N. The Unmaking of Nepal. Nova Delhi: Lancer, 2010, p. 74.
[385]
NARAVANE, M. S. Battles of the Honourable East India Company. Nova Delhi: A. P. H. Publishing, 2014, pp. 79-86.
[386]
BLACKBURN, Terence R. The British Humiliation of Burma. Bangkok: Orchid Press, 2000, p. 28.
[387]
MYINT-U, Thant. The River of Lost Footsteps: Histories of Burma. Nova York: Farrar, Straus & Giroux. 2006, p. 113.
[388]
Thomas Babington Macaulay ( 1800 – 1859) foi um poeta, escritor, historiador britânico que defendeu a idéia de que uma cultura, como a indiana,
deveria ser substituída por aquela considerada mais adequada ao mundo moderno, como o inglês, atuando assim sobre o sistema educacional indiano. Suas
idéias ganharam voga na Índia a partir do governo de Bentick em diante.
[389]
Um dos maiores pensadores indianos do século 19 que propôs um movimento de reforma religiosa, a Brahmo Samaj (Sociedade do Absoluto), que
buscou adotar elementos do Cristianismo como o monoteísmo, o universalismo e a rejeição de desiguldades da condição do homem diante da divindade.
Ademais, defendeu que o ensino da ciência e filosofia ocidental revigoraria o pensamento indiano.
[390]
UPADHYAYA, Poonam. Social, Political, Economical Ideas of Raja Rammohun Roy. Nova Delhi: Mittal Publications, 1990, p. 59.
[391]
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[392]
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[393]
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[394]
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[395]
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[396]
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[397]
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[398]
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[399]
JAMES, Lawrence. Raj: The Making and Unmaking of British India. Nova York: St. Martin's Press, 1997, p. 115.
[400]
Dalhousie teria argumentado sobre os eventos, citando uma frase de Wellesley, de que qualquer insulto a bandeira britânica no Ganges seria a mesma
ofensa se fosse feita no Tâmisa. BAIRD, J. G. A. (Org.). Private Letters of the Marquess of Dalhousie. Edinburgh: William Blackwood & Sons, 1910.
Disponível em: <https://archive.org/stream/privatelettersof00dalhiala/privatelettersof00dalhiala_djvu.txt>. Acesso em: 27 de setembro de 2016.
[401]
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[402]
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[403]
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[404]
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[406]
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[410]
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[417]
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[418]
O termo se refere àqueles no Islã do ramo do sufismo que seguem uma vida ascética e austera para atingir maior contemplação mística divina.
[419]
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Cf. DALRYMPLE, William. The White Mughals. Londres: Penguin Books, 2002.
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[446]
Um local de retiro e comunhão onde se pratica a ioga, a música e estudo de questões religiosas e filosóficas.
[447]
Ibidem, p. 33.
[448]
BAKSHI, S. R. Simon Commission and Indian Nationalism. Nova Delhi: Munshiram Manoharlal, 1977 , p. 102.
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[450]
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[451]
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[452]
Estimados em mais de 500 unidades diferentes.
[453]
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pp. 101, 159.
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Ibidem, p. 138.
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[457]
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[458]
Composta à época pelas províncias de Assam, Bengala, Bihar, Bombaim, Madras, Orissa, Províncias Centrais, Província Noroeste, Províncias Unidas,
Punjab e Sind.
[459]
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[469]
MENON, V. P. The Story of the Integration of the Indian States. Nova York: Macmillan, 1956, pp. 394-395.
[470]
Domínio se refere a uma entidade política dentro daqueles países que foram colônias britânicas e que passaram a ter ampla soberania sobre todas as
áreas do poder, exceto, simbolicamente, a conservar a figura da monarquia britânica como representante máximo de chefe de Estado, mas sem qualquer
poder executivo efetivo. DOUGLAS, Roy. World Crisis and British Decline, 1929-56. Londres: Macmillan, 1986, p. 126.
[471]
WILSON, A. Jeyaratnam. Sri Lankan Tamil Nationalism: Its Origins and Development in the Nineteenth and Twentieth Centuries. Vancouver: UBC
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[472]
MARSH, Kate. Fictions of 1947: Representations of Indian Decolonization 1919-1962. Berna: Peter Lang, 2007, p. 11.
[473]
GUHA, Ramachandra. India after Gandhi: the History of the World’s Largest Democracy. Nova Delhi & Londres: Picador India, 2007, p. 36.
[474]
Ibidem, pp. 42-43.
[475]
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[477]
GUHA, Ramachandra. India after Gandhi: the History of the World’s Largest Democracy. Nova Delhi & Londres: Picador India, 2007, pp. 48-49.
[478]
YAGNIK, Achyut & SHETH, Suchitra. The Shaping of Modern Gujarat: Plurality, Hindutva and Beyond. Nova Delhi: Penguin Books India, 2005,
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[479]
METCALF, Barbara D. & METCALF, Thomas R. A Concise History of India. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, pp. 223-224.
[480]
KATE, P. V. Marathwada under the Nizams, 1724–1948. Nova Delhi: Mittal Publications, 1987, p.75.
[481]
Os pandits da Caxemira são os caxemirenses que praticam a religião hindu. Eles são os habitantes originados do vale de Caxemira. Sua história
remonta há milhares de anos e preservaram a sua religião às vindas do budismo, o islamismo e do sikhismo no vale.
[482]
BAJWA, Kuldip Singh. Jammu and Kashmir War, 1947-1948: Political and Military Perspective. Nova Delhi: Har-Anand, 2004, pp. 90-91.
[483]
GUHA, Ramachandra. India after Gandhi: the History of the World’s Largest Democracy. Nova Delhi & Londres: Picador India, 2007, pp. 62-63.
[484]
Ibidem, p. 65.
[485]
SCHOFIELD, Victoria. Kashmir in Conflict: India, Pakistan and the Unending War. Londres & Nova York: I. B. Taurus, 2000, pp. 67-71.
[486]
KORBEL, Josef. Danger in Kashmir. Princeton: Princeton University Press, 1966, p. 25.
[487]
KHANNA, H. R. Making of India’s Constitution. Lucknow: Eastern Book Company, 2008, pp. 13-14.
[488]
Ibidem, pp. 134-135.
[489]
GUHA, Ramachandra. India after Gandhi: the History of the World’s Largest Democracy. Nova Delhi & Londres: Picador India, 2007, p. 112.
[490]
Ibidem, p. 114.
[491]
Ibidem, p. 115.
[492]
De acordo com um censo realizado em 2001, a Índia tinha 122 línguas, e mais de 1500 dialetos. Foram categorizadas 30 línguas faladas por mais de
um milhão de pessoas, e 122 línguas faladas por mais de 10 mil pessoas. Na parte na parte XVII da constituição indiana, foi reconhecida mais de vinte
línguas oficiais regionais: assamês, bengali, bodo, canará, caxemira, concani, dogri, gujarati (guzerate), maithili, malaiala, manipuri, marata, nepali, oriá,
panjabi, sânscrito, santali, sindi, tâmil, télugo e urdu, além de outras línguas regionais que eram faladas, mas não reconhecidas como oficiais pelo Estado da
Índia. KING, Robert Desmond. Nehru and the Language Politics of India. Oxford & Nova Delhi: Oxford University Press, 1997, pp. 3-4; MACEDO,
Emiliano Unzer. História da Ásia: uma introdução à sua história moderna e contemporânea. Vitória: SEAD/ Ufes, 2016, p. 97.
[493]
O hindustani é uma língua popular amplamente falada principalmente no norte indiano. A língua incorporou elementos da língua hindi e urdu, aquela
escrita em forma devanagari derivada do sânscrito e esta em letras árabes. Diante dessa origem dual, o hindustani pode ser escrito tanto em árabe como no
alfabeto devanagari.
[494]
GUHA, Ramachandra. India after Gandhi: the History of the World’s Largest Democracy. Nova Delhi & Londres: Picador India, 2007, pp. 119-120.
[495]
KHANNA, H. R. Making of India’s Constitution. Lucknow: Eastern Book Company, 2008, p. 90.
[496]
TODD, Anne M. Mohandas Gandhi. Nova York: Chelsea House, 2009, p. 87.
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ERDMAN, Howard Loyd. The Swatantra Party and Indian Conservatism. Nova York: Cambridge University Press, 2007, p. 65.
[498]
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[499]
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Programa de testes nuclares cujo codinome era “Buda Sorridente”.
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Butão, Nepal, Índia, Paquistão, Sri Lanka, Maldivas, Bangladesh e, desde 2008, o Afeganistão.
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[533]
STUENKEL, Oliver. The BRICS and the Future of Global Order. Londres & Nova York: Lexington, 2015, pp. 25-26.
[534]
RUSSELL, Malcolm B. The Middle East and South Asia 2014: The World Today Series 2014-2015. Lanham, Maryland, EUA: Rowman &
Littlefiled, 2014, p. 238.
[535]
Organização intergovernamental, de caráter não-politico, composta por 53 países membros independentes. Todas as nações membros, com exceção de
Moçambique e Ruanda, faziam parte do império britânico
[536]
ANAND, Rahul. Understaning India’s Food Inflation. Washington, D. C.: International Monetary Fund, 2016, p. 6.
[537]
GUHA, Ramachandra. India after Gandhi: the History of the World’s Largest Democracy. Nova Delhi & Londres: Picador India, 2007, pp. xix-xx.
[538]
THE REGISTRAR GENERAL & CENSUS COMMISSIONER, INDIA, MINISTRY OF HOME AFFAIRS, GOVERNMENT OF INDIA. Census of
India: Religious Composition. Nova Délhi, 2001. Disponível em: <http://goo.gl/7ZPfdR>. Acesso em: 25 jun. 2015.
[539]
SHAKESPEARE, William. Hamlet. São Paulo: L&PM Pocket, 1997.
[540]
THE ECONOMIST. Population Forecasts: The World’s Biggest Country. 15 de agosto de 2015. Disponível em:
http://www.economist.com/news/asia/21661055-worlds-biggest-country. Acesso em: 10 jul. 2016.
[541]
Shaanxi ( 陕 西省 ) significa “Terra ao oeste da Passagem de Shan”. Os nomes das províncias chineses normalmente se referem a montanha (“shan”,
山 ), rio (“he”, 河 ), lago (“hu”, 湖 ) ou direções, oeste (“xi”, 西 ), leste (“dong”, 东 ), norte (“bei”, 北 ) e sul (“nan”, 南 ). Como exemplo, a província
de Shanxi ( 山西省 ) (e não como a vizinha Shaanxi) significa “a oeste das montanhas. Hunan ( 湖南省 ) é “ao sul do lago”.
[542]
CHANG, Kwang-chih. Shang Civilization. New Haven, Connecticut, EUA: Yale University Press, 1980, pp. 38-39, 42-52.
[543]
BAGLEY, Robert. “Shang Archaeology” In: LOEWE, Michael & SHAUGHNESSY, Edward L. The Cambridge History of China: From the Origins
of Civilization to 221 B.C. Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 1999, pp. 139-140.
[544]
LAO TZU. Tao Te Ching: the Book of the Way. Tradução de Sam Torode. North Charleston, Carolina do Sul, EUA: Createspace, 2013, capítulo 8.
[545]
Ibidem, capítulo 11.
[546]
DUYVENDAK, J. J. L. The Book of Lord Shang: a classic of Chinese School of Law. Londres: Arthur Probsthain, 1928, p. 109.
[547]
SUN TZU. The Art of War. Norwalk, Connecticut, EUA: Puppet Press, 2001, p. 52.
[548]
Ibidem, p. 56.
[549]
Estimado em mais de oito mil soldados, carruagens, arqueiros e cavalos, cada qual com seus detalhes individuais e uniformes de acordo com a
hierarquia militar. Há evidências de que outras figuras de terracota de civis, artistas, músicos, acrobatas e funcionários que estão sendo descobertos na
medida em que as escavações prosseguem no sítio.
[550]
BRESLIN, Thomas A. Beyond Pain: the Role of Pleasure and Culture in the Making of Foreign Affairs. Santa Bárbara, Califórnia: ABC- Clio, 2001,
p. 5.
[551]
KUAN, Huan. Discourses on Salt and Iron: A Debate on State Control of Commerce and Industry in Ancient China. Leiden: Brill, 1931.
[552]
O “Livro dos Documentos”, “Livro dos Cânticos”, “Livro das Mutações”, “Livro dos Ritos” e os “Anais da Primavera e Outono”.
[553]
PERRENBOOM, R. P. Law and Morality in Ancient China: The Silk Manuscripts of Huang-Lao. Nova York: State University of New York Press,
1993, pp. 249 -250.
[554]
YAO, Xinzhong & YAO, Hsin-chung. An Introduction to Confucianism. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 86.
[555]
Conjunto de conhecimento que engloba ensinamentos e técnicas que floresceram do terceiro século a. C. até o quinto século d. C. que abrangem a
alquimia, astrologia, adivinhação, exorcismo, geomancia, medicina, magia, misticismo, necromancia, ocultismo, taumaturgia e bruxaria.
[556]
LEWIS, Mark Edward. The Early Chinese Empires: Qin and Han. Harvard, Massachussets, EUA: Harvard University Press, 2010, p. 101.
[557]
Conceito ideal amplo e abstrato do confucionismo que denota o dever e sacrifício religioso, respeito às cerimônias, rituais, decoro, propriedade, boa
forma e costume.
[558]
SULLIVAN, Michael. The Arts of China. Berkeley: University of California Press, 1999, p. 92.
[559]
WEINBERGER, Eliot (Org.). The New Directions Anthology of Classical Chinese Poetry. Nova York: New Directions, 2003, p. 43.
[560]
Até os dias atuais é comum os chineses do norte se referirem como “filhos de Han”, a lembrar a ascendência da dinastia Han. Em contrapartida,
chineses que vivem ao sul do rio Yangzi se referem como "filhos de Tang", porque Tang (618 – 907) foi a primeira grande dinastia centralizada no sul
chinês.
[561]
A contribuição dos taoístas na alquimia e suas pesquisas sobre a natureza e imortalidade resultara em significativos avanços na área química,
tingimento, tecelagem, medicamentos e medicina. Needham, grande estudioso da ciência e cultura chinesa, considera as contribuições taoístas e chinesas
como uma espécie de proto-ciência. NEEDHAM, Joseph. Science and Civilisation in China. Vol. 5. Part 2. Chemistry and Chemical Technology
Spagyrical Discovery and Invention: Magisteries of Gold and Immortality. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, pp. 62 – 127.
[562]
ZÜRCHER, Erik. The Buddhist Conquest of China: The Spread and Adaptation of Buddhism in Early Medieval China. Leiden: Brill, 2007, pp. 52-53.
[563]
KUMAR, Yukteshwar. A History of Sino-Indian Relations: 1st Century A.D. to 7th Century A.D. :Movement of Peoples and Ideas Between India and
China from Kasyapa Matanga to Yi Jing. Nova Delhi: APH Publishing, 2005, p. 96.
[564]
LITIAN, Fang. Chinese Buddhism and Traditional Culture. Londres & Nova York: Routledge, 2019, p. 129.
[565]
Boa parte dos relatos chineses da dinastia Tang nesse livro pautou-se nos Antigos Anais Tang (“Jiu Tangshu”) e os Novos Anais (“Xin Tangshu”).
Sobre as lendas tibetanas ao longo do livro, que guardam um fascínio todo próprio para a narrativa histórica, foram baseadas nas Antigas Crônicas
Tibetanas. Para essas, ver:
PELLIOT, Paul. Histoire Ancienne du Tibet. Paris: Librairie d’Amérique et d’Orient. 1961. Disponível em: http://www.worldcat.org/title/histoire-
ancienne-du-tibet/oclc/1732214
DOTSON, Brandon. The Old Tibetan Annals: An Annotated Translation of Tibet’s First History. Vienna: Austrian Academy of Sciences Pres. 2009.
[566]
Literalmente "soberano que olha para baixo” ou “aquele que considera e preza pelos clamores do mundo", é a entidade budista, um ser iluminado
(bodisatva ou bodhisattva), que representa a suprema compaixão por todos aqueles no plano mundano.
[567]
Conjunto de caminhos e estradas que se estabeleceu no continente asiático e prosperou através da oferta e compra de seda, têxtil, ouro, prata, algodão,
açúcar, chá, gengibre, camelo e jade da China; de lã e menta do Tibete; de canela, pimenta, óleos aromáticos, açafrão, sândalo e jasmim da Índia; âmbar e
penas de faisão da Birmânia; além de cavalo, lápis-lazúli, cristal e metais da Ásia Central. Esse rico painel comercial foi mantido ao longo dos séculos, a
ser trocado com o Ocidente nos mercados do Cairo, Constantinopla (Istambul) e Veneza. MACEDO, Emiliano Unzer. História da Ásia: uma introdução à
sua história moderna e contemporânea. Vitória: SEAD/ Ufes, 2016., p. 7.
[568]
SHAKABPA, Tsepon W. D. One Thousand Moons: an advanced political history of Tibet. Leiden: Brill, 2009, p. 109.
[569]
SCHAFFER, Kurtis R.; KAPSTEIN, Matthew & TUTTLE, Gray. Sources of Tibetan Tradition. Nova York: Columbia University Press, 2013, p. 4.
[570]
MACEDO, Emiliano Unzer. História da Índia: uma narrativa do Vale do Rio Indo a Chandrayaan-1. Columbia, Carolina do Sul, EUA: Amazon
Independent Publishing, 2017, pp. 109-110.
[571]
BECKWITH, Christopher. The Tibetan Empire in Central Asia. Princeton, Nova Jersey, EUA: Princeton University Press, 1987, p. 20.
[572]
GOLDEN, Peter B. Central Asia in World History. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 41.
[573]
Ambas as princesas são cultuadas como bodisatvas femininas no budismo tibetano, como Taras, simbolizando a compaixão suprema.
[574]
KAPSTEIN, Matthew P. “The Indian Literary Tradition in Tibet”. In: POLLOCK, Sheldon (Org.). Literary Cultures in History: Reconstructions from
South Asia. Berkeley & Los Angeles: University of California Press, 2003, p. 753.
[575]
Grupo de povos eurasianos originados da Ásia Central que falam línguas pertencentes à família de línguas turcas, túrquicas ou turcomanas. O termo
turco aqui representa uma ampla categoria etno-linguístico e engloba sociedades atuais como os cazaques, uzbeques, quirguizes, uigures, azeris,
turcomenos e os turcos modernos propriamente ditos.
[576]
Monumento erguido sobre os restos mortais de alguma importante pessoa dentro do budismo.
[577]
BECKWITH, Christopher. The Tibetan Empire in Central Asia. Nova Jersey, EUA: Princeton University Press, 1987. pp. 14-15, 48-65.
[578]
PLETCHER, Kenneth (Org.).The History of China. Nova York: Britannica Educational Publishing, 2011, p. 127.
[579]
Eventualmente, Silla iria depois se unir na península e expulsar os chineses de Tang depois de uma guerra entre 668 e 676. SHIN, Hyong Sik. A Brief
History of Korea. Seul: Ewha Womans University Press, 2006, p. 51
[580]
A elite japonesa inclusive incorporou a escrita chinesa como meio culto de expressão, e as vestimentas de Tang como sinal de prestígio e poder.
[581]
LEE, Ji-Young. China's Hegemony: Four Hundred Years of East Asian Domination. Nova York: Columbia University Press, 2016, pp. 17-18.
[582]
BERNSTEIN, William J. A Splendid Exchange: How Trade Shaped the World. Nova York: Grove Press, 2008, pp. 86-89.
[583]
BOLLAS, Christopher. China on the Mind. Nova York & Londres: Routledge, 2013, pp. 24 – 25.
[584]
FUNG, Sydney S. K. & LAI, Shu Tim. 25 T'ang Poets: Index to English Translations. Hong Kong: Chinese University Press, 1984, pp. 465-466.
[585]
LEHNERT, Martin. “Tantric Threads between India and China”. In: HEIRMAN, Ann & BUMBACHER, Stephan (Orgs.). The Spread of Buddhism.
Leiden & Boston: Brill, 2007, pp. 260-261.
[586]
Que acreditavam ser a encarnação do bodisatva Manjushri (Jampelyang em tibetano) que representa o espírito da inteligência e sabedoria. OLSON,
Carl. The Different Paths of Buddhism: A Narrative-Historical Introduction. Londres: Rutgers, 2005, p. 203.
[587]
KVAERNE, Per. Tibet Bon Religion: A Death Ritual of the Tibetan Bonpos. Leiden: Brill, 1985, pp. 6-11.
[588]
TUCCI, Giuseppe. Religions of Tibet. Traduzido por Geoffrey Samuel. Londres: Routledge, 2009, p. 213.
[589]
RUSSELL-SMITH, Lilla. Uygur Patronage In Dunhuang: Regional Art Centres On The Northern Silk Road in the Tenth and Eleventh Centuries.
Leiden & Boston: Brill, 2005, p. 57.
[590]
BAJPAL, S. C. Lahaul-Spiti: a Forbidden Land in the Himalayas. Nova Delhi: Indus, 2002, pp. 14-16.
[591]
VAN SCHAIK, Sam. “Tibetan Buddhism in Central Asia: Geopolitics and Group Dynamics”. In: MEINERT, Carmen (Org.). Transfer of Buddhism
Across Central Asian Networks: 7th to 13th Centuries. Leiden: Brill, 2015, p. 59.
[592]
Esses eventos foram depois compilados e narrados em 200 capítulos no chamado “Velho Livro de Tang” ( 舊唐書 ), feitos por Liu Xu em 945 d. C.
Disponível em: < http://ctext.org/wiki.pl?if=gb&res=456206>.
[593]
KAPSTEIN, Matthew T. The Tibetan Assimilation of Buddhism: Conversion, Contestation, and Memory. Nova York: Oxford University Press, 2000,
capítulo 4.
[594]
Ahmad al-Ya'qubi ou simplesmente Ya'qubi, (? – 897/898). Foi o primeiro grande historiador do Califado Abássida (750 – 1258).
[595]
SHAKABPA, Tsepon W. D. Tibet: A Political History. New Haven & Londres: Yale University Press, 1967, p. 48.
[596]
FIEY, J. M. Pour un Oriens Christianus Novus: répertoire des diocèses Syriaques orientaux et occidentaux. Beirute: Orient-Institut, 1993, p. 139.
[597]
Shakyamuni (ou Sakyamuni). Referido popularmente fora do mundo budista como o príncipe Sidarta, ou simplesmente Buda.
[598]
NARADA. The Buddha and His Teachings. Mumbai: Jaico, 2006, pp. 213-214.
[599]
Conceito moral amplo que prescreve os direitos e deveres, o exercício de uma tarefa espiritual, ordem social, conduta reta e virtude.
[600]
KAPSTEIN, Matthew. The Tibetan Assimilation of Buddhism: Conversion, Contestation, and Memory. Londres & Nova York: Oxford University
Press, 2002, pp. 41-42.
[601]
SCHAFFER, Kurtis R.; KAPSTEIN, Matthew & TUTTLE, Gray. Sources of Tibetan Tradition. Nova York: Columbia University Press, 2013, p. 138.
[602]
MURTHY, K. Krishna. Buddhism in Tibet. Delhi: Sundeep Prakashan, 1989, pp. 18-27.
[603]
Designa uma série de tratados indianos sobre filosofia comportamental, ritual, meditação e disciplina. No Tibete, o budismo dessa vertente se
popularizou como a tradição Nyingma a partir de Padmasambhava.
[604]
TUTTLE, Gray & SCHAEFFER, Kurtis (Orgs.). The Tibetan History Reader. Nova York: Columbia University Press, 2013, p. 168.
[605]
Elementos presentes também no conhecido templo de Angkor Wat, no Camboja.
[606]
RUEGG, David Seyfort. “On the Tibetan Historiography and Doxography of the Great Debate of Samyé”. In: TUTTLE, Gray & SCHAEFFER,
Kurtis (Orgs.). The Tibetan History Reader. Nova York: Columbia University Press, 2013, pp. 108-122.
[607]
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Cia. das Letras & Penguin, 2010, cap. 12.
[608]
Foi no reino de Song do Sul que houve a notável invenção do uso do papel moeda que dinamizou ainda mais a economia local.
[609]
SHAKABPA, Tsepon W. D. One Thousand Moons: an advanced political history of Tibet. Leiden: Brill, 2009, p. 146.
[610]
Ibidem, p. 147.
[611]
GIER, Nicholas F. The Origins of Religious Violence: an Asian Perspective. Londres: Lexington, 2014, p. 137.
[612]
Conjunto de sutras (escrituras canônicas registradas dos ensinamentos orais de Buda) das mais antigas, advindas da Índia e composta entre 100 a. C. a
600 d. C.
[613]
SHAKABPA, Tsepon W. D. Tibet: A Political History. New Haven & Londres: Yale University Press, 1967, pp. 51-55.
[614]
BECKWITH, Christopher. The Tibetan Empire in Central Asia. Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1987, pp. 168-169.
[615]
SHAKABPA, Tsepon W. D. One Thousand Moons: an advanced political history of Tibet. Leiden: Brill, 2009, p. 173.
[616]
DAVIDSON, Ronald M. Tibetan Renaissance: Tantric Buddhism in the Rebirth of Tibetan Culture. Delhi: Motilal Banarsidass, 2008, p. 88.
[617]
MORRISON, Elizabeth. The Power of Patriarchs: Qisong and Lineage in Chinese Buddhism. Leiden & Boston: Brill, 2010, p. 2.
[618]
VAN SCHAIK, Sam. Tibet: a history. Londres & New Haven: Yale University Press, 2011, p. 51.
[619]
Conjunto de normas disciplinares que rege as ordens monásticas e da comunidade budista (sanga).
[620]
HANDA, Omacanda. Buddhist Western Himalaya: A politico-religious history. Delhi: Indus Publishing, 2001, pp. 325-327.
[621]
Representação gráfica da relação entre o homem e o cosmo.
[622]
Primeiro das três divisões interiores dos tantras a ser superado na busca pela libertação e união de acordo com a escola Nyingma do budismo tibetano.
DARGAY, Eva M. The Rise of Esoteric Buddhism in Tibet. Delhi: Motilal Banarsidass, 1998 , pp. 59-61.
[623]
POWERS, John & TEMPLEMAN, David. Historical Dictionary of Tibet. Lanham, Toronto & Plymouth: Scarecrow Press, 2012, p. 673.
[624]
RINCHEN, Geshe Sonam. Atisha's Lamp for the Path to Enlightenment. Ithaca, Traduzido e editado por Ruth Sonam. Nova York: Snow Lion, 1997,
p. 182.
[625]
SCHAFFER, Kurtis R.; KAPSTEIN, Matthew & TUTTLE, Gray. Sources of Tibetan Tradition. Nova York: Columbia University Press, 2013, pp.
176 - 183.
[626]
Mantras são fórmulas místicas e rituais recitadas ou cantadas repetidamente pelos fiéis e adeptos. É repetido de forma a auxiliar a concentração
durante a meditação.
[627]
VAN SCHAIK, Sam. Tibet: a history. Londres & New Haven: Yale University Press, 2011, pp. 63 - 64 .
[628]
VAN SCHAIK, Sam. Approaching the Great Perfection: Simultaneous and Gradual Approaches to Dzogchen Practice in Jigme Lingpa´s Longchen
Nyingtig. Boston: Wisdom Publications, 2004, p. 4.
[629]
VAN SCHAIK, Sam. Tibet: a history. Londres & New Haven: Yale University Press, 2011, pp. 65-66.
[630]
PETTIT, John W. Mipham's Beacon of Certainty: illuminating the view of Dzogchen, the Great Perfection Studies in Indian and Tibetan Buddhism.
Vol. 2. Boston: Wisdom Publications, 1999, p. 4.
Para maiores detalhes sobre as origens da tradição Dzogchen: VAN SCHAIK, Sam. Approaching the Great Perfection: Simultaneous and Gradual
Approaches to Dzogchen Practice in Jigme Lingpa´s Longchen Nyingtig. Bostin: Wisdom Publications, 2004.
[631]
MOOKERJI, Radha Kumud. Ancient Indian Education: Brahmanical and Buddhist. Delhi: Motilal Banarsidass, 2003, pp. 557-560.
[632]
BEER, Robert. Legends of the Mahasiddhas: Lives of the Tantric Masters. Londres: Wisdom Publications, 1986, capítulo “Mahassidha Kukkuripa”.
[633]
HERUKA, Tsangnyon.The Life of Milarepa. Traduzido por Andrew Quintman. Londres: Penguin Classics, 2010, pp. 7-8.
[634]
MILAREPA. Songs of Milarepa. Traduzido por John Murray. Mineola, Nova York: Dover, 2003, p. xii.
[635]
VAN SCHAIK, Sam. Tibet: a history. Londres & New Haven: Yale University Press, 2011, p. 72.
[636]
Ibidem, pp. 74-75.
[637]
MAY, Timothy. “Writing Systems”. In: MAY, Timothy (Org.). The Mongol Empire: a historical encyclopedia. Santa Barbara & Boulder: ABC-Clio,
2017, pp. 107-110.
[638]
FUNG, Andy Shui-lung & HANG-LUN, Zhan. “Chinese Humour as Reflected in Love-Theme Comedies of the Yuan Dynasty” In: DAVIS Jessica
Milner & CHEY, Jocelyn (Orgs.). Humour in Chinese Life and Letters: Classical and Traditional Approaches. Hong Kong: Hong Kong University Press,
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[639]
TEJIRIAN, Eleanor H. & SIMON, Reeva Spector. Conflict, Conquest, and Conversion: Two Thousand Years of Christian Missions in the Middle
East. Nova York: Columbia University Press, 2012, p. 41.
[640]
ZENG, Yi, POSTON, Dudley L., VLOSKY, Denese Ashbaugh & GU, Danan (Orgs.). Healthy Longevity in China: Demographic, Socioeconomic,
and Psychological Dimensions. Berlim: Springer, 2008, pp. 5 – 6.
[641]
TSAI, Shih-Shan Henry. Perpetual Happiness: The Ming Emperor Yongle. Seattle: University of Washington Press, 2001, pp. 51-52.
[642]
Para informações sobre o tamanho das sete expedições navais de Zheng He, ver: INFORMMATION OFFICE OF THE PEOPLE’S GOVERNMENTT
FUJIAN PROVINCE. Zheng He's Voyages Down the Western Seas. China Intercontinental Press, 2005, p. 24.
[643]
A reorientação da política externa da China Ming é discutida em detalhes nos capítulos 6 e 7 de TWITCHETT, Denis; MOTE, Frederick W. (Orgs.).
The Cambridge History of China. Vol. 8. Part 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, pp. 301 – 374.
[644]
BROOK, Timothy. The Confusions of Pleasure: Commerce and Culture in Ming China. Berkeley: University of California Press, 1998, p. 206.
[645]
TWITCHETT, Denis; MOTE, Frederick W. (Orgs.). The Cambridge History of China. Vol. 8. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 8.
Tael é uma medida de peso largamente usado no leste asiático. Um tael à época corresponde a aproximadamente 31,25 gramas.
[646]
A barba, o cabelo desgrenhados e as pesadas roupas de lã exalando fortes odores naturais, além do considerado repugnante ato de se comer com
“armas”, ou seja, garfo e faca quando não com as mãos, certamente contribuíram para a condição de degradados aos olhos da elite dos letrados chineses.
[647]
Muito decorrente das pressões feitas por franciscanos espanhóis que buscaram romper as boas relações dos jesuítas com a corte imperial chinesa.
Entre os últimos jesuítas que trabalharam na corte chinesa estavam Louis Antoine de Poirot (1735 – 1813) e Giuseppe Panzi (1734 – c. 1812) que
trabalharam para o Imperador Qianlong da dinastia Qing como pintores e tradutores.
[648]
Ao que resultou na expulsão dos japoneses, mas no crescente isolamento coreano do reino de Joseon a partir do século 17, e no enfraquecimento dos
chineses na região próxima da Manchúria diante de povos da região como os jurchens.
[649]
Sistema de valas e aterros plantados com salgueiros destinados a restringir o movimento militar para a Manchúria, depois foi ampliado durante fins do
século 17 pela dinastia Qing.
[650]
Nascido em 624 em Hirado, na província de Hizen perto de Nagasaki, no sul do Japão, filho de um comerciante e pirata chinês e de uma mulher
japonesa registrada apenas pelo nome Tagawa sem sobrenome. Ele foi criado lá até a idade de sete anos com o nome japonês de Fukumatsu.
[651]
Embora a ilha de Taiwan esteja apenas a 100 quilômetros da província de Fujian, ela foi ignorada pelos chineses durante a maior parte de sua história.
Os habitantes originais, a quem chamamos de Formosanos, eram uma nação que falavam línguas malaio-polinésias, o que significa que estão relacionados
aos atuais residentes das Filipinas e da Indonésia. Hoje, eles são apenas 300 mil, cerca de 1,5% da população atual de Taiwan, e vivem principalmente nas
montanhas menos acessíveis e na costa leste.
Taiwan parece ter sido explorada pelo reino de Wu durante a era dos Três Reinos (século 3 d. C.) mas recebeu pouca atenção exceto como base para os
piratas chineses e japoneses. Em 1590 os portugueses visitaram e deram seu outro nome, Ilha de Formosa. Os holandeses estabeleceram um assentamento
em Anp'ing no sul em 1624 e os espanhóis estabeleceram-se em Chi-lung no norte em 1626. A divisão de Taiwan terminou em 1646, quando os holandeses
tomaram o assentamento espanhol e governaram toda a ilha até Coxinga assumir.
Quando os espanhóis e holandeses chegaram na ilha, havia apenas cerca de 30 mil chineses vivendo nela. A maioria deles havia aparecido apenas alguns
anos antes para escapar da fome no continente. Isso mudou drasticamente com Coxinga. A imigração de outros refugiados e fiéis aos Mings incharam a
população chinesa para 200 mil e fizeram deles a maioria indiscutível. Tudo considerado, o legado de Coxinga para o mundo moderno foi que ele fez de
Taiwan uma parte permanente da China.
[652]
DE BARY, William T & BLOOM, Irene (Orgs.). Sources of Chinese Tradition. Nova York: Columbia University Press, 2000, p. 326.
[653]
MOTE, Frederick W. Imperial China: 900 - 1800. Cambridge, Massachusetts, EUA: Harvard University Press, 2003, p. 843.
[654]
Esses relatos monumentais vieram ao Ocidente principalmente por relatos de jesuítas que tiveram permissão de acompanhar essas expedições de caça,
como a que ocorreu em 1683, nos relatos do flamengo Ferdinand Verbiest. ALLSEN, Thomas. The Royal Hunt in Eurasian History. Filadélfia,
Pennsylvania, EUA: University of Pennsyvalnia Press, 2006, p. 33.
[655]
Essa grandiosa obra, um monumento enciclopédico, compreende 79.309 juan (seções) e foram originalmente mantidas no Pavilhão Wenjin do Palácio
de Verão em Rehe (Jehol, atualmente Chengde). Em 1914, eles passaram a fazer parte dos patrimônios da Biblioteca Capital (atual Biblioteca Nacional da
China em Pequim). A coleção completa está dividida em quatro seções: clássicos, histórias, mestres e belas letra.
[656]
Essa classificação de ocupação de acordo com os ensinamentos confucionistas, chamado de “As Quatro Ocupações” ( 士農工商 ) era usada na China
antiga por eruditos confucionistas ou legalistas desde a dinastia Zhou Tardia. Essas categorias eram nessa ordem: shi (eruditos), nong (camponeses), gong
(artesãos e artífices) e shang (mercadores e comerciantes). As quatro categorias não eram classes socioeconômicas rígidas, e riqueza e status social não
correspondiam a essas categorias, nem eram hereditárias.
[657]
ZHANG, Longxi. Mighty Opposites: From Dichotomies to Differences in the Comparative Study of China. Palo Alto, Califórnia, EUA: Stanford
University Press, 1998, p. 41.
[658]
WONG, Roy Bin. China Transformed: Historical Change and the Limits of European Experience. Ithaca, Nova York, EUA: Cornell University Press,
1997, pp. 9-10, 14-15, 68-70.
[659]
THE ABORIGINES’ PROTECTION SOCIETY. The Opium Trade between India and China in Some of its Present Aspects. Londres: William
Tweedie, 1870, p. 7.
[660]
WONG, J. Y. The ‘Arrow’ Incident: a Reappraisal. Modern Asian Studies, Cambridge, v. 8, n. 3, p. 373-389, may 1974. Disponível em:
<http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=2694256>. Acesso em: 05 jun. 2015.
[661]
Solidariedade em parte inspirada pelo intelectual pan-islamista Jamal al-Din al-Afghani (1838-1897). Cf. MISHRA, Pankaj. From the Ruins of
Empire: the Intellectuals who Remade Asia. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2012. cap. 2.
[662]
SETTLEMENT OF MATTERS GROWING OUT OF THE BOXER UPRISING (BOXER PROTOCOL). Disponível em:
<http://www.loc.gov/law/help/us-treaties/bevans/m-ust000001-0302.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2015.
[663]
RÖHL, John. The Kaiser and his Court: Wilhelm II and the Government of Germany. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1996. p. 14 (tradução
nossa).
[664]
KUJIP, L. W. J. van der. “On the life and political career of Ta'i-si-tu byang-chub rgyal-mtshan (1302-1364)”. In: MCKAY, Alex (Org). The History
of Tibet: Volume 2, The Medieval Period: c. 850-1895, the Development of Buddhist Paramountcy. Nova York: Routledge, 2003, pp. 433-434.
[665]
Construção típica que tem as funções simultâneas de centro religioso, militar, burocrático e administrativo de determinada região.
[666]
SHAKABPA, Tsepon W. D. Tibet: A Political History. New Haven & Londres: Yale University Press, 1967, p. 81.
[667]
A partir de 1354, as autoridades chineses da dinastia Yuan estavam sucumbindo diante de uma série de revoltas na China, entre elas dos Turbantes
Vermelhos, que acabou minando a autoridade central dos mongóis na China e, em último momento, resultando na sua queda em 1368.
[668]
LAMA KUNSANG; LAMA PEMO & AUBELE, Marie. History of the Karmapas: The Odyssey of the Tibetan Masters with the Black Crown.
Traduzido por Jonathan C. Bell. Ithaca, Nova York: Snow Lion, 2012, pp. 73-76.

[669]
Ibidem, pp. 89 – 92.
[670]
Um dos mais notáveis historiadores tibetanos, que escreveu o clássico “História do Budismo na Índia e Tibete” no século 14. Para uma versão
moderna do livro, ver: BU-STON, Rinchen Gru & OBERMILLER E. The History of Buddhism in India and Tibet. Delhi: Winsome Books India, 2006.
[671]
VAN SCHAIK, Sam. Tibet: a history. Londres & New Haven: Yale University Press, 2011 , p. 92.
[672]
STEWART, Jampa Mackenzie. The Life of Longchenpa: The Omniscient Dharma King of the Vast Expanse. Boston: Snow Lion, 2013 , p. 12.
[673]
SCHAFFER, Kurtis R.; KAPSTEIN, Matthew & TUTTLE, Gray. Sources of Tibetan Tradition. Nova York: Columbia University Press, 2013, p. 416.
[674]
GERMANO, David & GYATSO, Janet. “Longchenpa and the Possession of the Dakinis” In: WHITE, David Gordon (Org.). Tantra in Practice. Delhi:
Motilal Banarsidass, 2000, p. 243.
[675]
Dakinis são entidades divinas femininas representadas em posições sinuosas e dançantes. São associadas ao desnudamento mental e não à sexualidade,
embora o sexo fosse considerado como libertador por correntes tântricas. Os reveladores (tertons) tinham uma relação especial com as dakinis, pois eram
elas que poderiam indicar onde as obras ocultas (termas) poderiam estar escondidas.
[676]
Para uma versão traduzida para o português, ver: EVANS-WENTZ, W. Y. O Livro Tibetano dos Mortos. São Paulo: Pensamento, 2005.
[677]
Representado pelo raio e diamante, o vajra simboliza a indestrutibilidade do diamante e a irresistibilidade da força do raio.
[678]
Escola budista maaiana fundada pelo sábio indiano Nagarjuna (c. 150 – c. 250 d. C.) e baseada na sutra da Perfeição da Sabedoria que acredita que
todos os fenômenos são vazios por si e que somente possuem substância ou essência quando relacionado com o todo. Para maiores esclarecimentos, ver:
BRUNNHOZL, Karl. Center of the Sunlit Sky: Madhyamaka in the Kagyu Tradition. Ithaca, Nova York: Snow Lion, 2004, pp. 70 – 75.
[679]
DIVALERIO, David M. The Holy Madmen of Tibet. Oxford & Nova York: Oxford University Press, 2015, p. 123.
[680]
LUO, Jia. Social Structuration in Tibetan Society: Education, Society, and Spirituality. Londres, Lexington, 2017, pp. 129 -130.
[681]
DIVALERIO, David M. The Holy Madmen of Tibet. Oxford & Nova York: Oxford University Press, 2015, pp. 134 – 138.
[682]
LAIRD, Thomas. The Story of Tibet: Conversations with the Dalai Lama. Nova York: Grove Press, 2006, p. 146.
[683]
Segundo maior representante da ordem Gelug, ficando abaixo apenas do Dalai.
[684]
MULLIN, Glenn. The Fourteen Dalai Lamas: A Sacred Legacy of Reincarnation. Santa Fé, Novo México, EUA: Clear Light, 2000, pp. 184-191.
[685]
PANCHEN ERDENIS & HANZHANG, Ya. Biographies of the Tibetan Spiritual Leaders. Pequim: Foreign Languages Press, 1994, pp. 30-33.
[686]
LAIRD, Thomas. The Story of Tibet: Conversations with the Dalai Lama. Nova York: Grove Press, 2006 , pp. 158 – 161.
[687]
Ibidem, p. 175.
[688]
Entidade que representa a ordem (darma) e a proteção.
[689]
Estabelecidas por Tsong Khapa, em homenagem a Buda.
[690]
VAN SCHAIK, Sam. Tibet: a history. Londres & New Haven: Yale University Press, 2011, pp. 129-130.
[691]
SHAKABPA, Tsepon W. D. Tibet: A Political History. New Haven & Londres: Yale University Press, 1967 , pp. 125 – 128.
[692]
MCCORMICK, Patrick C.; SUVIKAPAKOMKUL, Shane; ZEHNER, Edwin & BECKER, Jane. The Dalai Lamas: A Visual History. Zurique:
Etnographic Museum, 2005, p. 66.
[693]
PETECH, Luciano. China and Tibet in the Early 18th Century: History of the Establishment of Chinese Protectorate in Tibet. Leiden & Boston: Brill,
1972, pp. 9-10.
[694]
Pelo seu desaparecimento inconclusivo, não há um túmulo ao 6º. Dalai Lama no Palácio de Potala.
[695]
NORBU, Dawan. China's Tibet Policy. Richmond, Surrey, Reino Unido: Curzon, 2001, p. 76.
[696]
Resultado de uma invasão butanesa sobre o reino de Kochi Behar, parte integrante da região de Bengala da Índia Britânica. Os regentes da dinastia de
assameses Koch então pediram assistência aos britânicos para contrapor a ofensiva butanesa feita em 1772.
[697]
SYMONS, Van J. "The imperial tours to Chengde" In: DUNNELL, Ruth W.; ELLIOTT, Mark C.; Forêt, Philippe; et al. New Qing Imperial History:
the Making of Inner Asian Empire at Qing Chengde. Londres & Nova York: Routledge, 2004, p. 57.
[698]
Um dos cinco Budas tibetanos da meditação.
[699]
Desrespeitando o costume budista tibetano de espera mínima de três dias após o falecimento para as devidas recitações ritualísticas da passagem do
corpo pelo portal (bardo) da vida para a morte.
[700]
MULLIN, Glenn. The Fourteen Dalai Lamas: A Sacred Legacy of Reincarnation. Santa Fé, Novo México, EUA: Clear Light, 2000, p. 175.
[701]
DAI, Yingcong. The Sichuan Frontier and Tibet: Imperial Strategy in the Early Qing. Seattle, Washington, EUA: University of Washington Press,
2009, p. 41.
[702]
COALES, Oliver. "Narrative of a journey from Tachienlu to Ch'amdo and back via Batang". In: MCKAY, Alex (Org.). The History of Tibet: Volume
2, The Medieval Period: c. 850-1895, the Development of Buddhist Paramountcy. Londres: Routledge, 2003, pp. 223 - 224.
[703]
BERGER, Patricia Ann. Empire of Emptiness: Buddhist Art and Political Authority in Qing China. Honolulu: University of Hawaii Press, 2003, pp.
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[704]
VAN SCHAIK, Sam. Tibet: a history. Londres & New Haven: Yale University Press, 2011, pp. 165-169.
[705]
MORRIS, James. Farewell the Trumpets. Londres: The Folio Society, 1992, p.102.
[706]
ALLEN, Charles. Duel in the Snows: The True Story of the Younghusband Mission to Lhasa. Londres: Hachette UK, 2004, pp. 120 – 156.
[707]
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[708]
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[709]
GOLDMAN, Merle; GORDON, Andrew (Orgs.). Historical Perspectives on Contemporary East Asia. Cambridge: Harvard University Press, 2000. p.
190.
[710]
Ocasião em que as tropas japonesas estavam nos arredores executando exercícios militares de rotina, que foram interpretados como ação ofensiva por
parte de soldados chineses em vigilância resultando em troca de tiros.
[711]
CHANG, Iris. The Rape of Nanking: the forgotten Holocaust of World War II. New York: Basic Books, 1997.
[712]
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[713]
Conhecido por ter sido um dos últimos amban no Tibete, juntamente com Lien Yu, pois a dinastia dos manchus (Qing) caiu em 1911 na China.
[714]
Consistindo esses em certos tipos de iogues reconhecidos na tradição Vajrayana do budismo e além. Os Mahasiddhas são praticantes tântricos que
poderiam servir de mestres e gurus.
[715]
POWERS, John & TEMPLEMAN, David. Historical Dictionary of Tibet. Plymouth, Reino Unido: Scarecrow, 2012, pp. 640 – 641.
[716]
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Um dos mais renomados mestres do mosteiro de Shenchen, em Kham. Ficou famoso pelos seus métodos não usuais de ter contato com os grandes
mestres e santos do passado (siddhas), chamado de “Sabedoria Louca”. Para ser mais preciso, o método que consistia numa conduta ióguica em interpretar
visões e sonhos para melhor alertar e ensinar. Para maiores informações sobre esse fascinante mestre. MUKPO, Diana J. Dragon Thunder: My Life with
Chogyam Trungpa. Boston: Shambhala, 2006, pp. 67-68.
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Local onde os budistas consideram como centro do universo, e os hindus como morada do deus Xiva.
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largura. NAUMANN, Nelly. Japanese Prehistory: The Material and Spiritual Culture of the Jōmon Period. Memmingen, Bavária, Alemanha: Otto
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[772]
Um dos reinos (18 a. C. – 660 d. C.), juntamente com os de Silla, de Goguryeo e do pequeno Gaya, que vigoraram na península coreana. Esse reino foi
depois derrotado pelo reino de Silla, por volta de 660 d. C.
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[810]
Em geral, a sutra refere-se aos ensinamentos orais e cânones de Buda e de outras figuras sagradas do mundo budista.
[811]
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[812]
DUNCAN, John B. The Origins of the Choson Dynasty. Seattle & Londres: University of Washington Press, 2000, p. 183.
[813]
Dando inicio à dinastia Yuan (1271 – 1368).
[814]
A dinastia Sung (ou Song) foi somente submetido às forças mongóis em 1279, dando-lhe fim na linha dinástica e incorporada ao trono imperial em
Khanbaliq ou Cambalique (atual Beijing ou Pequim).
[815]
ROSSABI, Morris. Khubilai Khan: His Life and Times. Berkeley: University of California Press, 2009, pp. 100-101.
[816]
TURNBULL, Stephen. The Mongol Invasions of Japan 1274 and 1281. Londres & Nova York: Bloomsbury Publishing, 2013, pp. 59-69.
[817]
O trono imperial, Takamikura( 高御座 ), localizado no Palácio Imperial de Quioto é o trono imperial mais antigo do mundo ainda em uso.
[818]
SUSUMU, Ishii. “The Decline of the Kamakura Bakufu”. In: YAMAMURA, Kozo (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan. vol. 3.
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[819]
A Restauração Kenmu (ou Kemmu, 建武の新政 Kenmu no shinsei) foi uma tentativa feita pelo imperador Go-Daigo entre 1333 a 1336 de levar o
poder decisório do Japão de volta para a casa imperial e a nobreza associada, buscando assim restaurar um governo civil depois de quase um século e meio
de regência militar.
[820]
GOBLE, Andrew Edmund. Kenmu: Go-Daigo's Revolution. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press – East Asian Monograph, 1996, p.
122.
[821]
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[829]
O teatro Nô é uma forma clássica de drama japonês que combina canto, pantomima, música e poesia. As representações geralmente se baseiam na
literatura tradicional com o a narrativa de um ser sobrenatural incorporado num herói.
[830]
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[832]
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[833]
Durante o chamado Incidente de Kyôtoku em que os clãs da região disputaram o posto de delegado máximo do xogum de Kantô (kantō kubô).
[834]
“Montanhas orientais” em japonês em referência à localização a leste e noroeste de Quioto, o Higashiyama floresceu baseado em grande parte nos
ideais e estética do zen budismo.
[835]
KEENE, Donald. Yoshimasa and the Silver Pavilion: the Creation of the Soul of Japan. Nova York: Columbia University Press, 2003, pp. 142-146.
[836]
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[837]
SANSOM, Sir George Bailey. A History of Japan, 1334–1615. Stanford, California: Stanford University Press, 1961, pp. 243-245.
[838]
Composta por fazendeiros, monges, sacerdotes, nobres locais e samurais descontentes que se juntaram a lutar por maior igualdade e justiça universal,
inspirados na seita Terra Pura.
[839]
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pungsu.
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A primeira expedição dirigiu-se principalmente à ilha meridional japonesa de Kyushu em novembro de 1274. A segunda expedição foi planejada em
várias frentes a serem desdobradas em momento posterior, mas foram obstruídas por surtos de doenças e fortes ventos nos mares no mês de agosto.
Acredita-se que na primeira expedição foram mobilizados em torno de 15 mil homens mongóis e chineses e 8 mil coreanos, além de 300 navios de grande
porte e mais de 500 menores. YOON, Tae-Ryong. “Historical Overhang or Legacy is What States Make of It: The Role of Realism and Morality in Korea-
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159 – 160.
[1050]
Birmanês é o termo usado para se referir à região da Birmânia, antigo nome ao que hoje é o Mianmar. Alguns países atualmente não reconhecem o
nome de Mianmar, a pedido do governo desde os eventos de golpe em 1988. O Brasil reconheceu o novo termo oficial do país asiático, mas alguns da
comunidade internacional, como o Canadá e Reino Unido, ainda referem ao país como Birmânia (Burma).
[1051]
LUCE, Gordon. Phases of Pre-Pagan: language and history. Nova York: Oxford University Press, 1985, p. 47.
[1052]
AUNG-THWIN, Michael. Pagan: The Origins of Modern Burma. Honolulu: University of Hawai'i Press, 1985, pp. 21-22.
[1053]
Teravada, ou "Doutrina dos Anciãos", é a escola budista que se inspira na obra Tipitaca, na língua páli, que os estudiosos dessa escola consideram
como o mais antigo registro sobrevivente dos ensinamentos de Buda. As diferenças doutrinárias com as outras grandes escolas budistas, como o Maaiano e
Vajraiano, resultam da sua sistematização dos ensinamentos budistas que busca manter a linguagem estritamente precisa e formalizada da doutrina de
Buda, enfatizando a análise, conhecimento e crítica, e não a verificação empírica dos ensinamentos.
[1054]
Estupas são construções budistas que alegam guardar em seus recintos mais sagrados vestígios do corpo de Buda ou de pessoas sagradas. Pagodes
são templos sagrados, de múltiplos níveis, normalmente localizados perto de um mosteiro (vihara).
[1055]
Raça mítica de seres reptilianos que possuíam amplos territórios e impérios em tempos recuados.
[1056]
Cultura pré-histórica no sudeste asiático que floresceu até cerca de 2000 a. C. O termo advém de uma região no norte do Vietnã, Hoa Binh, onde
foram encontradas as primeiras evidências dessa cultura lítica.
[1057]
HIGHAM, Charles. The Civilization of Angkor. Londres: Weidenfeld & Nicolson, 2003, p. 40.
[1058]
CHANDLER, David. A History of Cambodia. Nova York: Avalon, 2009, p. 43.
[1059]
Um dos principais ramos do budismo. Os ensimanamentos maaianos referem-se às tradições deixadas por seres iluminados, bodisatvas, que buscam
conduzir todos os seres vivos para a plena iluminação (nirvana). Os maaianos, nesse sentido, acreditam que a iluminação, a ruptura com o ciclo de
sofrimento e renascimentos (samsara) pode ser alcançada numa única vida, mesmo por um leigo. Ao contrário dos teravadas, que acreditam num processo
mais demorado e retirado em busca da iluminação espiritual.
[1060]
Conta-se que a dominação tai sobre os khmers foi tão evidente que alguns antigos vassalos do império khmer pensaram em se converter ao
cristianismo para contar com o apoio militar espanhol no século 16. COTTERELL, Arthur. A History of Southeast Asia. Cingapura: Marshall Cavendish,
2014, p. 66.
[1061] Nesse estudo, decidiu-se usar o termo “Ayutthaya” pois assim se encontra grafado na maioria dos estudos de história da Tailândia, mas há o termo

equivalente em português, Aiutaia.


[1062]
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[1063]
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[1065]
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[1066]
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[1071]
A escrita arábica foi usada na língua malaia até meados do século 19, quando foi latinizado o seu alfabeto.
[1072]
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[1073]
Símbolo fálico de fertilidade, energia e vitalidade ligado ao culto de Xiva.
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[1086]
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meridional indiana, foi acrescentada China ao final pela proximidade do império asiático ao norte. CORFIELD, Justin. Historical Dictionary of Ho Chi
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[1098]
Outro pilar da consolidação da dominação católica e espanhola sobre a elite hispano-filipina foi a precoce inauguração da Universidade de São
Tomás em Manila, em 1611, que virou uma das primeiras universidades ocidentais na Ásia, a ensinar direito canônico, teologia, filosofia, lógica,
gramática, artes e direito civil.
[1099]
Status político de plena autonomia dentro do império britânico, que tinha sido negociado antes com a Austrália, Nova Zelândia, África do Sul,
Canadá e a Irlanda.

[1100]
Política concebida pelo Governador-Geral das Índias Orientais Holandesas, Johannes van den Bosch (g. 1830 - 1833), designando um quinto da mão-
de-obra javanesa e 66 dias por ano para o cultivo de safras exportáveis.
[1101]
EDWARDS, Penny. Cambodge: The Cultivation of a Nation, 1860-1945. Honolulu: University of Hawaii Presss, 2007, pp. 86-91.
[1102]
Essa figura histórica filipina foi por diversas vezes preso e libertado, quando não fugido das prisões. Que não o impediu de organizar a resistência
colonial e fundar associações e organizações de veteranos rebeldes de guerra, como a Asociación de los Veteranos de la Revolución. Concorreu às segundas
eleições presidenciais filipinas contra Manuel Quezon (g. 1935 - 1941) em 1934 para quem perdeu.
[1103]
COTTERELL, Arthur. Western Power in Asia: Its Slow Rise and Swift Fall, 1415 – 1999. Cingapura: John Wiley & Sons, 2009, p. 230.
[1104]
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[1105]
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[1106]
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Aparentemente uma das motivações das invasões do reino de Dai Viet foi a recusa em 1479 do regente Lao de mandar um elefante branco,
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[1122]
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[1123]
Lei estatutária na Constituição da Malásia que previa a alocação de terras para grupos nativos de determinada região. No caso de Sarawak, os efeitos
dessa lei, se levada ao extremo, poderiam gerar maiores conflitos desagregadores com outros grupos étnicos minoritários além dos dyaks.
[1124]
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[1125]
Em 1971, foram assinados os Cinco Acordos de Força de Defesa (Five Power Defence Arrangements, conhecida como FPDA, sigla em inglês) com o
Reino Unido, EUA, Malásia e Cingapura, Austrália e Nova Zelândia visando o intercâmbio e ajuda mútua desses países em casos de agressões externas.
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[1127]
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[1128]
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[1129] HEARMAN, Vanessa. “The 1965-1966 Violence, Religious Conversions and the Changing Relationship between the Left and Indonesia’s Churches”

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[1130]PINTO, Constâncio & MATTHEW, Jardine. East Timor's Unfinished Struggle: Inside the Timorese Resistance. Boston, EUA: South End Press,
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[1131]
A Indonésia tem a maior população mundial de muçulmanos, aproximadamente 203 milhões de pessoas de um total de 238 milhões, de acordo com
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[1132]
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[1133]
Austrália, França, Nova Zelândia, Paquistão (incluindo à época o Paquistão Oriental, hoje Bangladesh), Filipinas, Tailândia, Reino Unido e,
naturalmente, os Estados Unidos.

[1134]BOYCE, James K. The Philippines: The Political Economy of Growth and Impoverishment in the Marcos Era. Honolulu: University of Hawaii Press,
1993, pp. 267 – 273.

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