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Quem disser que não, estará mentindo: a parte mais aguardada de um livro
bastidores sempre atraem mais interesse do que o enredo da novela, e isso só torna mais
difícil a tarefa de quem os escreve. Por isso mesmo, vamos logo ao que interessa: esta
tese começou a ser vislumbrada ainda na graduação; formulada depois como um projeto
trabalho resultou integralmente do apoio da CAPES, única razão pela qual consegui
que, mesmo não tendo sido aluna de todos, me ensinaram muito sobre a profissão, como
Martha Abreu, Sheila de Castro Faria e Gladys S. Ribeiro. Ronaldo Vainfas e Virgínia
Fontes acompanharam toda a trajetória da elaboração desta tese, tendo participado das
e incentivos foram de tal maneira importantes para os rumos deste trabalho que não
seria exagero considerá-los quase como co-orientadores, ainda que eles nunca tenham
Botafogo às seis da tarde, nas conversas que não raro desdobravam-se para além da
ponte. Com Ana Mauad compartilhei dúvidas e tombos de bicicleta, e – talvez por estes
últimos – desenvolvemos uma amizade que ultrapassou em muito os portões da
Universidade.
Guilherme dos Santos, Sidney Chalhoub, João José Reis, Martha Abreu e Hebe Mattos,
a boa vontade com que receberam um texto mais longo do que o normalmente esperado,
foram fundamentais para a revisão deste texto e para a continuação da reflexão sobre o
assunto.
sobre as relações entre direito e escravidão com Elciene Azevedo e Eduardo Spiller
Ainda que de longe, o contato com eles certamente influenciou os rumos deste trabalho,
Ana Nogueira, Patrícia Sampaio, Ivana Stolze Lima, Mariana Muaze e Ricardo Salles
Parte desta tese foi redigida nos Estados Unidos, quando estudei na University of
por ela e por Ira Berlin foram fundamentais para a minha formação acadêmica, a
Palmié, Rebecca Lord, Jon e Eli Shurberg fizeram com que eu fosse muito feliz no
quanto isto era importante naquele momento. Como elas, só a minha querida madrinha
Sussu, que, além de tudo o mais, foi a primeira a ler e corrigir este manuscrito. Maria
Almeida também corrigiu todo o texto, salvando-me das peças pregadas pela língua
portuguesa.
Fischer e Emilio Kouri fizeram com que eu me sentisse em casa em pousos distantes
como Ann Arbor e Amherst. Sueann e Brodie me incentivaram das mais diferentes
grandes amigas desde as tardes quentes de verão no Arquivo Nacional. Bebete foi uma
das muitas boas surpresas vindas com o Rebola F.C., – impossível citar todo mundo! –
que há mais de cinco anos vem demonstrando que futebol é, definitivamente, jogo para
mulheres.
Alexandre Valuzuela. Meus amigos de sempre – Drica, Dani Caldas, Dani Uziel, Karen,
Mirinha, Martinha, Si, Sheila, Lucia, Zé e Anita – sempre vão estar nesta lista. Com
alguns divido a profissão, com outros fotografias e planos; mesmo se não houvesse nada
em comum, ainda assim eles continuariam aqui. Destes, José Antonio Ribas Soares e
Anita Almeida ainda leram partes do manuscrito original, me ajudando a reunir forças
para enfrentar a reta final, e Lucia Grinberg ouviu pacientemente – pelo telefone, como
Tenho o maior orgulho de ter sido orientada por Hebe Mattos, a quem dei muito
trabalho nestes – devo lembrar? – dez anos de convivência cada vez mais próxima. É
fácil reconhecer seu dedo em várias partes do texto e na própria forma de conceber a
Rebouças, dividindo comigo um tema de estudo que seria seu, foi minha principal
interlocutora em todas as fases de elaboração da tese e virou uma grande amiga, depois
difícil agradecer como se deve, já que não dá para ter idéia, assim no dia-a-dia, da
extensão de sua importância. Mas talvez tenha finalmente chegado a hora de agradecer
direito a meus pais, Piedade e Túlio Grinberg, que sempre respeitaram e incentivaram
todas as minhas idéias, por mais estapafúrdias que elas lhes parecessem – e esta, no
Ao Flávio Limoncic, de novo e sempre, aquilo tudo que nem é possível escrever,
Agradecimentos......................................... ....................................p. 3
...................................
Lista de Quadros, Gráficos e ....................................p. 8
Tabelas...........................................
Introdução .................................................
..................................p. 10
...................................
Parte I: Direitos Civis
1. O Mundo de
Rebouças ................................
....................
1. “Todo Pardo ou Preto Pode ser
General”.........................
Parte II: Direitos Civis e Liberalismo
1. A Q u a l i d a d e d o C i d a d ã o
Brasileiro ................................
1. O Fiador dos
Brasileiros ...............................
...................
1. “ P a l a v r a s T e r r i v e l m e n t e
Anárquicas” ............................
Parte III: Direitos Civis e Direito Civil
1. N o Império da
Propriedade ............................
................
1. A d v o g a d o s em
Ação .......................................
.................
1. À M a r g e m d o C ó d i g o
Civil ........................................
.....
Conclusão: As Marcas Jurídicas da
Escravidão .........................
Fontes e
Bibliografia ...............................................
....................
Anexos ......................................................
...................................
Lista de Quadros, Gráficos e Tabelas
Antonio Pereira Rebouças enviava estas palavras a seu jornal. Conhecido combatente da
abuso de autoridade: além da ordem de sua prisão ter sido emitida apenas por um aviso
desde que, em 1824, afrontara Francisco Vicente Vianna, então Presidente daquela
por uma vaga no Senado. Envolvido dos pés à cabeça nas querelas pela hegemonia
restauração lusitana. Por isso, não era nada querido entre os grandes proprietários de
Província, tinha poderes para coibir atos que considerasse abusivos por parte de quem
fosse, inclusive grandes proprietários da região que não haviam sido eleitos para
Não à toa, sua causa era a “Causa da Justiça”, aquela que o “Imperador jurou”, e
Provincial. Teriam sido estas rivalidades que levaram Rebouças à prisão em 1828, que
durou pouco – foi solto depois de pagamento de fiança – mas foi recheada de termos
Mas aquelas palavras não eram apenas fruto da situação adversa. Ao contrário,
elas demonstravam, com surpreendente visão, a trajetória que este advogado autodidata
reafirmava sua opção pela ordem constituída, definida em contraposição a tudo o que
reforma judiciária e redação das leis civis, defensor em juízo daqueles que tiveram suas
garantia às liberdades individuais. A felicidade que ele buscava, assim, estava na adoção
dos ideais que entendiam a proteção das Leis como a manutenção da fortuna e da
segurança dos “Cidadãos de todas as classes e Corporações”. Mas esta felicidade ainda
demoraria muito tempo a ser vivida, se é que ele algum dia a alcançou.
que suar muito antes de se tornar conhecido na Corte por seus conhecimentos de direito
civil. Autodidata, teve seus esforços reconhecidos com a permissão para advogar na
ocorridos no Império, a começar pelas lutas pela Independência, foi por diversas vezes
civil durante o Segundo Reinado. Se isso não era tudo, já seria o suficiente para que
deputados que ajudaram a fazer com que o Império brasileiro tenha sido construído da
forma como o foi; mas, talvez pela fama e importância do filho abolicionista, este
Rebouças passou para a posteridade apenas como o “Rebouças pai”. Não é à toa que sua
trajetória até hoje não tenha despertado grande interesse entre historiadores e outros
exemplo, os livros de Luiz Henrique Dias Tavares, Maria Thetis Nunes e Felisbelo
Freire, nos quais Rebouças é analisado como o militante da independência. Ou então,
referência ao fato de Rebouças, por ser mulato, ter-se destacado por defender, na
Câmara dos Deputados, uma maior participação de seus pares na vida pública brasileira.
Luiz Mott também considerou a atuação política do rábula a partir do critério da cor,
mas, no entanto, a ela atribuiu um sentido totalmente diferente. Para este autor, que
Rebouças foi um exemplo de conspirador, que, justamente por sua cor, se uniu a outros
Rebouças, chega à conclusão de que ele teria sido um oportunista de primeira categoria,
sempre procurando estar nas horas certas e nos lugares certos, como atestariam suas
em sua situação social, únicas possibilidades de integração social para mulatos no Brasil
oitocentista.
como um mulato sem berço pôde, ainda no início do século XIX, lograr ascender
socialmente e ocupar posições de prestígio no cenário político e jurídico do Império
brasileiro, consolidando sua presença entre os membros da elite da Corte. Esta também
é uma das razões pelas quais me interessei por Rebouças. Mas não é apenas a
importância singular deste personagem que explica sua adoção como fio condutor desta
narrativa.
Janeiro no século XIX, para elaborar a tese de doutorado de que este livro é fruto. O
minha curiosidade. Mesmo assim, não sabia de quem se tratava. Mas minha orientadora
sabia, e incentivou-me a procurar mais referências a seu respeito. Foi aí que começaram
Library of Congress, em Washington. Isto sem falar nos arquivos da Bahia e do Sergipe,
onde devem estar esperando mais outros tantos papéis para serem lidos, que os rígidos
procurar.
redação de algo bem diferente, mudei de idéia e resolvi orientar o estudo para a análise
de sua trajetória biográfica. Devo alertar os leitores, no entanto, que infelizmente não se
trata de uma biografia. Limitei-me a usar a figura de Rebouças para sintetizar os temas
Rebouças nunca deixou de ser visto por seus pares como aquele arrivista que
chegou aonde chegou por mérito, apesar da origem social, apesar da cor. Como se verá,
em não poucos momentos ele teve que provar sua condição, demonstrar que dispunha
de direitos civis. Por outro lado, ele também foi um político conhecido e um advogado
das ações cíveis, que deviam sempre ser baseadas em provas e argumentos lógicos.
Neste sentido, foi mesmo o melhor representante do liberalismo histórico pintado por
foram incapazes de elaborar seu código civil justamente por manter boa parte destes em
permanente cativeiro.
Mas Antonio Pereira Rebouças foi personagem real, não peça de ficção, e
injustiça seria vê-lo apenas sob o prisma da exemplaridade. Rebouças foi um destes
homens que, como poucos, alargaram os parâmetros de seu tempo, esticando o elástico
das possibilidades históricas a que estamos todos submetidos. Justamente por isso, sua
trajetória é uma boa porta de entrada para entender o mundo dos advogados do século
XIX, seu universo jurídico e político, suas ligações com a política e, principalmente,
com os grandes debates de seu tempo, dos quais os mais importantes tinham relação
minhas questões.
polêmica. É comum dizer que o fato de o Brasil ter-se tornado independente sem
composta em grande parte por escravos não poderia ser seriamente considerado liberal.
Por isso, discutir cidadania e direitos civis no período imperial seria pura perda de
tempo.
liberalismo brasileiro, que teria sido importado da Europa como modelo e aplicado,
apenas na aparência, à realidade brasileira do século XIX, sem que a essência patriarcal
corresponderiam à realidade por eles vivenciada. Bem definidas por Roberto Schwarz
no artigo “As idéias fora do lugar”, escrito na década de 1970, e ainda encontrando eco
em textos bastante recentes, pode-se dizer que estas idéias fazem parte da trajetória do
livrando-a dos ranços da escravidão. Para eles, a construção da nova nação passava por
codificação do direito civil. O direito deveria ser a porta de entrada para a civilização, e
esta não podia ser imiscuída dos antigos elementos coloniais que, para muitos, já
deveria ter sido apagado há muito mais tempo. Assim, estes juristas contribuíam para
racionalização das leis e da abertura comercial. Como misturar este processo, que só
benefícios tinha a trazer ao país, com a escravidão que então findava, ainda mais por ter
Entendendo a organização do direito civil como uma dos principais etapas para
mostrar que havia sido justamente esta última que havia impedido o desenvolvimento
jurídica pernambucana, seguidor da linha iniciada por Tobias Barreto, da qual também
sistema de ciência positiva do direito e Tratado de direito privado, ele também dava à
questão racial, como aqueles que lhe precederam, o pleno espaço que ela merecia como
que, para Bevilácqua, a tolerância era um dado positivo; quanto à questão racial, ela
influência negra:
Assim como Pontes de Miranda, Beviláqua também operou com a separação que
influência da instituição escravista. Também para ele, não poderia haver interseção entre
inicialmente estabelecidos pela Constituição de 1824, grande parte dos poucos estudos
sobre cidadania e direitos civis no período imperial enfatiza não só a ausência destes
Europa Ocidental, no qual ele propõe a seqüência direitos civis – direitos políticos –
direitos sociais como um viés explicativo para a forma como a cidadania foi constituída
na Inglaterra, José Murilo de Carvalho vem chamando a atenção para a importância dos
estudos sobre a cidadania no Brasil do século XIX, lembrando que este foi o período no
critérios tradicionais para análise da cidadania no Brasil do século XIX, alertando para o
Unidos, o exame das formas de participação social nesta época deveria atentar para
outros países é que aqui ela havia sido uma iniciativa estatal, “de cima para baixo”,
que se prezasse moderno. Assim, o fato de a população ter-se revoltado com medidas
implementadas pelo Estado deveria ser compreendida como a recusa em permitir uma
regulação vinda de cima, que não levava em conta seus direitos tradicionais ou, como se
a cara do Estado que a população viu era pouco atraente (...); As leis
reformadoras e os novos deveres cívicos introduziam na vida
cotidiana mudanças cujo sentido não era compreendido.
nacional. Mas, no texto que ora se inicia, será defendido que a “cara do Estado” vista
pela população brasileira foi, por vezes, atraente; que houve, a partir da independência
a experiência da escravidão.
E mais: embora este processo não tenha ocorrido da mesma forma como em
alguns dos países da Europa Ocidental, ele teve muitos aspectos semelhantes à trajetória
de vários países das Américas, principalmente a partir da ênfase no fato de que africanos
encamparam diversas ações para reivindicar a extensão jurídica e prática dos direitos
civis que haviam sido estabelecidos na Constituição Imperial. De fato, desde que as
dos Estados Unidos da América, a questão da emancipação dos escravos nas Américas
país.
Afinal de contas, aquela era a hora de decidir quem faria parte do corpo de
Isto aconteceu mesmo quando a polêmica foi definida na negativa. Nos Estados
Unidos, os direitos de cidadania foram sendo aos poucos retirados dos libertos e seus
meados da década de 1960, um século depois da Guerra Civil que pôs fim ao regime de
trabalho escravo no Sul dos Estados Unidos. Em Cuba, a rebelião contra a metrópole
colonial, que chegou a um termo no fim do século XIX, só foi possível quando a
questão da emancipação dos escravos foi abordada; neste caso específico, as promessas
de liberdade e eqüidade para todos os cubanos na futura nação independente tornaram-
contexto da virada do século XVIII para o XIX nas Américas, mostrando como em
todas as grandes cidades, como Rio de Janeiro, Salvador, Baltimore, Nova Orleans e
época das independências e pela obtenção e garantia de direitos civis. Nesta parte, será
Bahia, sua posterior ida ao Rio de Janeiro, a experiência como Secretário da Província
de Sergipe em 1824 e a devassa por ele sofrida na Bahia são analisados sob o prisma
haviam ultrapassado a fronteira que separava não-cidadãos dos cidadãos neste período.
A segunda parte mostra um Rebouças mais amadurecido, voltado para a
todos os brasileiros livres, em especial aos mulatos, aqueles que ele considerava
desfavorecidos pela nova ordem. Assim, baseado nas discussões sobre o status do
segundo a sua lógica, condições para tanto. A questão é que, ao mesmo tempo em que
foi tornando-se, aos olhos de seus pares, de um liberalismo cada vez mais,
parlamentar, no entanto, ele era cada vez mais radical, por não permitir nuances em um
liberalismo que deveria ser para todos. Assim, através da análise do fim prematuro da
forma como a política do Regresso, em vigor a partir dos anos 1830, buscou restringir
Assim, o que se analisa nesta parte são as relações entre direitos civis e direito civil, e as
cotidiana e nas tribunas do Parlamento. A elaboração do código civil, portanto, teria sido
vista por Rebouças e seus contemporâneos como o último passo para a necessária
formalização do acesso à cidadania no Brasil, mas, nem por isto, o de mais fácil
civil foi tão complexo que nem chegou a ficar pronto durante o século XIX,
Direitos Civis
1. O Mundo de Rebouças
sobrava mercado para os engenhos situados no Recôncavo, região que fazia parte da
comarca da capital, uma das seis que então formavam a Capitania Geral da Bahia.
que, neste quadro, nem tudo eram flores: como as plantações de cana substituíssem as
cotidianas da população; além disso, por conta de algumas secas no sertão, o preço da
carne também era proibitivo à grande maioria. Foi olhando para este quadro que o
professor de grego Luís dos Santos Vilhena, em uma de suas cartas, definiu os
perdendo para Lisboa, a capital. Embora haja dúvidas quanto ao número exato de
habitantes desta região, as estimativas giram em torno da casa dos 100.000 habitantes,
dos quais pelo menos dois terços seriam considerados, à época, negros e mulatos,
1775 e 1807, sua proporção em relação ao total dos habitantes teria aumentado de 64
para 72%. Sem contar os escravos, era grande o número destas pessoas que, muitas
Não se sabe exatamente se estas foram as razões que levaram o casal Gaspar
Pereira Rebouças e Rita Brasília dos Santos, pais de Antonio Pereira Rebouças, a se
Gaspar, vinham do norte de Portugal tentar melhor sorte na colônia. Maragogipe, àquela
produção local e para exportar para o ultra-mar. Tendo se casado com Rita dos Santos,
Maragogipe, onde constituiu família e, segundo seu filho, “como Mestre exercia grande
influência na vila e gozava a geral estima das pessoas mais graúdas”, ainda que não
tivesse acumulado fortuna, já que não dispunha de meios para bem educar nem seus
quatro filhos homens nem suas cinco irmãs, nascidos todos depois que o casal deixou
Embora pouco se conheça da vida deste casal, a vinda de Gaspar Rebouças para
Portugal na metade do século XVIII, a colônia brasileira era uma boa opção para
regiões como o Norte fluminense e o Recôncavo baiano abriam espaço para novos
produtos agrícolas subsidiários. Além disso, a vastidão das terras brasileiras permitia
bom sossego àqueles que fugiam da justiça metropolitana ou, ainda, aos que pretendiam
retirar de seus nomes manchas do passado. Gaspar Rebouças era, portanto, mais um
português que, tendo se decidido a migrar com seu irmão Pedro com pouquíssimos
A trajetória de Rita Brasília dos Santos, ainda que totalmente diferente da de seu
marido, tampouco era menos comum. Não se sabe por quanto tempo ela havia sido
compra da alforria – que poderia até ter sido feita por terceiros nela interessados, como
Gaspar Rebouças – havia concorrido para sua libertação. Na realidade, pouco se sabe
sobre a própria condição de liberta de Rita Brasília dos Santos. A única referência está
no texto de Leo Spitzer, que menciona, em nota sobre vários assuntos, o Registro de
Maragogipe para corroborar sua afirmação; o autor não explicita, contudo, em que
documento estaria esta informação nem – mais importante – os termos usados para
caracterizar a condição. De qualquer forma, mesmo se não tivesse sido escrava, seu
neste período grande número de libertos e livres de origem africana, já que abriam
caminho para emprego em ocupações urbanas, propiciavam maior contato com livres e,
casamento era apenas uma delas e, apesar de não ser possível reputar a Rita Brasília dos
Santos uma estratégia tão calculista, parece inegável que sua união com um branco
tenha lhe propiciado uma melhoria significativa em sua condição social, ainda que não
Quanto à mudança de Salvador para o Recôncavo, ela pode ser entendida como
uma das práticas comuns a libertos e livres de origem africana. Embora a mobilidade
social fosse prática disseminada entre todos os segmentos sociais, estudos sobre a
mobilidade espacial de libertos e livres de origem africana sugerem que, além da própria
integração à sociedade dos livres, mesmo que através do casamento, podia ser
demorada, e estar num lugar desconhecido poderia ser meio caminho andado no
ligações com a escravidão, provavelmente nunca se saberá; mas, ainda que não tenha
sido uma estratégia pensada por eles, ela foi seguida à risca por seus filhos e netos: em
nenhum dos documentos biográficos por eles deixados, há referências sobre a
ascendência africana da mãe e avó. Com poucas exceções, nem mesmo a própria cor é
mencionada em seus relatos pessoais. Além disso, seus filhos, apesar de todas as
Rebouças veio ao mundo. Ventos alísios, vindos do Sudeste, eram comuns na região
vegetação local. Mas, mais do que o provável mau tempo, outros acontecimentos
sacudiam a Bahia e o mundo enquanto Antonio Pereira Rebouças ainda nem tinha
seu pai, apesar de compartilhar da profissão de parte dos envolvidos, não tomou parte.
Apesar do nome, não eram apenas alfaiates os membros desta revolta. Pelo
número de presos, sabe-se que, além destes, havia proprietários, escravos, soldados e
artesãos; muitos eram mulatos ou negros livres, o que permitiu a caracterização deste
movimento como o único, dentre aqueles que contestaram a ordem colonial nesta última
década do século XVIII, que teria produzido uma aliança entre membros de grupos
soldos e da participação dos baixos escalões nas tomadas de decisões, e a revolta contra
as limitações do comércio e as imposições tributárias, ainda que não soubessem
deixou entrever algumas propostas políticas de cunho mais amplo, todas relacionadas à
manufaturas, a abertura de novas minas e a revisão das relações do Estado com a Igreja.
do jugo da escravidão, para outros revoltosos ela era a garantia dos direitos de
para todos os homens livres. Note-se: não outra forma de igualdade, e nem a igualdade
pardos e negros livres não era menor. Para estes, a abolição não era necessariamente
condições jurídicas, o que enfraqueceria seu status social, já que seriam socialmente
partir da revolução, “serão iguais, não haverá diferença, só haverá liberdade, igualdade e
fraternidade.” Quase dez anos depois da proclamação da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão na França, o uso da palavra cidadão não seria feito à toa; ele fazia
todos, por terem direitos naturais iguais, deveriam ter direitos civis também, o que os
iguais, como desejavam. Assim, foram estes libertos que alargaram o sentido inicial das
incluídas em seus significados. Esta era uma forma, portanto, de pressionar pela
de que, na Revolta dos Alfaiates, homens de distintas condições tivessem algumas idéias
básicas comuns, e que, durante este processo, eles nivelassem suas próprias
desigualdades, ainda que apenas no interior deste grupo. Mesmo que a revolta não tenha
tido dimensões práticas maiores, só esta perspectiva já foi suficiente para arrepiar as
condenados, alguns foram presos, outros foram degredados para a África, e os de pior
sorte foram enforcados. O mais aterrorizante para estas autoridades, era a percepção de
conjunto, como já havia notado Vilhena, ao alertar para a “corporação temível e digna
São Domingos estava ali para abrir os olhos de quem quisesse ver.
mais amplos. Até então, esta era uma das mais ricas colônias do hemisfério ocidental,
450.000 escravos. Durante a Revolução Francesa, com a cisão da elite colonial, dividida
entre o apoio e a rejeição aos novos grupos no poder, negros livres, libertos e escravos
depois de treze anos e da derrota imposta aos exércitos francês, espanhol e britânico,
Os efeitos da revolta foram tais que provocaram o fim das ambições coloniais da
França nas Américas. Pouco depois, este país venderia o vastíssimo território da
singular da mistura entre guerra colonial e revolução, a revolta de São Domingos havia
escravistas das Américas. Os boatos eram espalhados pelos proprietários que deixavam
a ilha rumo à Louisiana e às Antilhas, mas também pelos grupos de libertos e negros
livres que atuavam no comércio da região. Como uma pedra que, ao cair na água, forma
escala naqueles que tinham interesses pessoais no evento. Não que não tivessem
existido rebeliões e revoltas deste tipo antes. Mas é que agora elas dispunham de um
também se sentissem incluídas nos novos projetos para a nação francesa. Foi assim que,
mesmo sendo mais influenciados pelo ideário abolicionista do que pelas idéias
muito mais radicais do que na França o eram. Assim, como já disse Genovese, o
elemento diferencial nas revoltas americanas da década de 1790 é que elas passaram a
igualdade universal reclamado por Paine; outros o faziam por reconhecer na ideologia
pressionando para obter permissão para comprar a própria liberdade, ameaçando com
colônias, contribuíam para desestabilizar aos poucos o regime escravista. Mesmo não
tendo tido sucesso, estas quase reformas contribuíram para a criação da “síndrome do
esta época não passavam de imaginários – foram responsáveis pela criação de grandes
expectativas por parte da população escrava e liberta das colônias, que pensavam que,
discriminações raciais.
Atlântico perceberam que, nesta virada do século XVIII para o XIX, nem mesmo meras
revoltas, pode-se afirmar com segurança que seus rumores causaram muitos distúrbios e
reações por parte dos senhores, obcecados com a possibilidade de ver realizado alhures
o fantasma do Haiti. Este parece ter sido o caso da rebelião liderada pelo liberto
Denmark Vesey, que, em 1822, depois de ter comprado sua liberdade, revoltou-se com a
Carolina do Sul, envolvendo de dois a três mil escravos, com planos de aniquilar os
brancos e queimar a cidade. Nesta época, a cidade estava repleta de escravos vindos de
São Domingos com seus senhores, fugidos da revolução, e acreditava-se que as idéias
esteve presente nas preocupações dos senhores e das autoridades coloniais, embora
sequer uma menção a este fato tenha sido feita pelos envolvidos na revolta.
Port Salut e Dominica, por exemplo, que começaram por causa das notícias de que
escravos teriam direito a três dias livres por semana; espalhados também em São
abolicionista francês de 1789, que foi mencionado de ilha em ilha do Caribe por grupos
uma indevida intromissão do governo britânico em suas vidas, quanto por parte dos
escravos, convencidos de que a referência pura e simples às “novas leis” já seria prova
suficiente para a libertação. David Geggus calcula que um terço das revoltas
acontecidas no Caribe tenham sido originadas de boatos como esse, numa década em
que se registraram quatro revoltas por ano, das quais uma dúzia envolveu mais de cem
escravos.
estivessem tão alarmadas com a Conspiração dos Alfaiates. Temia-se um levante dos
escravos e, mais que tudo, temia-se uma aliança entre escravos e libertos à la São
Domingos, que traria mais instabilidade ao já difícil controle sobre a população. Neste
caso, os episódios de 1798 na Bahia teriam servido para mostrar aos muitos senhores de
terras e escravos que os ideais de liberdade e revolta, que para eles significavam o fim
ganhando um novo cunho social e racial. Foram as revoltas de São Domingos que
fizeram com que defensores da “igualdade dos homens” passassem a ser mais
Rio de Janeiro, que escrevia, em 1792: “Estou muito preocupado com as Américas (...).
O que aconteceu lá [em São Domingos] demonstra o que poderá um dia vir a acontecer-
nos e que Deus permita que eu nunca veja... Vende os escravos que tens, generosamente
aliás, pela prosperidade alcançada pelo açúcar produzido no Brasil justamente quando
da retirada de São Domingos do mercado. Ainda que anticolonialistas, estas idéias eram
escravos da ilha de São Domingos numa guerra civil entre huns e outros” e
dos homens em abomináveis e destrutivos princípios, fazendo com que o apreço dos
canto, qualquer batuque era um sinal de alerta para tentar impedir que alguém sequer
Quilombos abundavam nas áreas rurais do Recôncavo e até mesmo nos arredores de
sociedade colonial nem se dava conta da escala atlântica da ameaça por eles
averiguar.
Difícil é estabelecer como tudo isto era vivenciado pelo mulato Antonio Pereira
Rebouças, nascido livre, com certas posses, que, se lhe asseguravam a devida distância
das massas de trabalhadores que povoavam o Recôncavo e a capital, não lhe permitiam
seguir adiante nos estudos, como tencionava. Que ele tinha conhecimento das revoltas
encabeçadas por libertos e mulatos livres, era quase certo. Apesar de aqui estarmos
menção a evidências como esta em seus documentos –, ele contava com quase onze
primaveras quando o juiz municipal de sua cidade decretou uma ordenança que
autorizando, inclusive, o uso da força contra aqueles que se recusassem a cooperar com
resolveu empreender uma viagem de Maragogipe a Salvador, para tentar prosseguir com
Embora não haja notícia sobre a forma como Rebouças foi de uma cidade a
devem ter sido cercados de cuidados. Afinal, há tempos que as estradas do Recôncavo
eram consideradas inseguras, e, naquele momento, pareciam ser mais ainda, desde que a
engenhos unidos a escravos e libertos haussás de Salvador. De fato, o grande medo era
bem maiores. O levante realmente aconteceu, em fevereiro de 1814, seguido por uma
conspiração em maio, liderada por escravos de ganho que pareciam circular livremente
pela cidade. Quando Antonio Pereira Rebouças chegou a Salvador – são e salvo, ao que
tudo indica –, a cidade certamente ainda padecia dos efeitos da conspiração, cuja
uma carta dirigida ao rei, reclamavam estarem “cercados por um mar de negros”, em
o governador não se resolvesse a tomar sérias providências para conter as revoltas, era
como já havia notado Vilhena, um defensor das categorias sociais nítidas. Para este, elas
divisão social entre os que possuíam os dois (os nobres), os que só possuíam direitos (os
livres em geral) e os que não possuíam nem um, nem outro, que eram os escravos. Mas
não era esta a situação vivida em Salvador: lá, a superposição de funções, exercidas por
critérios de distinção. Ainda mais porque, àquela época, a cada ano uma proporção
crescente de escravos recebia carta de alforria, boa parte deles por tê-la comprado, o que
era mais um sinal da autonomia por eles vivenciada. É por isso que, para muitos, aquela
cidade “povoada de Escravos, cafres e tão bravos como feras”, estava totalmente
desgovernada, já que os libertos, “se são moços querem mostrar aos que são cativos a
diferença que vai da liberdade ao cativeiro, o que lhes fazem ver entregando-se aos
vícios que a ociosidade lhes sugere...”, e “quase todos os Mulatos querem ser Fidalgos,
Nestes aspectos, não havia nada que diferenciasse muito Salvador das outras
grandes cidades das Américas, como Rio de Janeiro, Lima, Baltimore ou Nova Orleans,
então, estas cidades também eram focos de atração para libertos e negros livres, pelas
escravo, com alguma perspicácia, podia se passar por livre, ou podia se empregar e
acumular capital para a compra de sua liberdade. Quem era liberto podia ingressar nas
com seus senhores. O interessante é que isto aconteceu tanto em cidades que haviam
como em outras, como Lima, que viviam a lenta decadência causada, não por acaso,
política.
das Américas de fins do século XVIII a meados do XIX era o próprio fato de estar
vivendo em uma cidade, tendo acesso a todas as implicações que a vida urbana
concedidas por senhores a seus escravos, com medo de que o crescimento da população
revolta de São Domingos, pelos efeitos da Revolução Francesa deste lado do Atlântico e
aproveitando a nova situação econômica. Era uma época de grandes mudanças, e parece
Rebouças muito provavelmente deve ter levado em conta que aquela era uma das
oportunidade, poderiam encontrar uma forma de reverter as condições sociais nas quais
homens livres, fosse, como ele, buscando a diferenciação social através da educação.
descendentes nas Américas era a exclusão social geral a que estavam submetidos, ainda
que – importante frisar – em níveis e intensidades bastante distintos entre si, o que os
diferenciaria a partir de então seria a maneira pela qual reagiriam a este estado de
coisas, e o sucesso alcançado em suas empreitadas. Desnecessário enfatizar que, se o
caminho para a ascensão social e a mudança de status existia, ele não era de fácil nem
seguro percurso. Mais do que isso: embora muitos o tentassem, nada indicava que fosse
possível alcançar bom termo ao final. Nem sempre – ou melhor, quase nunca – estas
passagens eram feitas sem resistências e problemas por parte daqueles que viam este
movimento como um abuso ou uma ameaça à sua própria posição social. Mesmo assim,
no panorama da virada do século XVIII para o XIX, a situação que se descortinava era a
tarde o fez, escravos urbanos também podiam ir adiante ao adquirir sua liberdade,
demonstrando que a mobilidade social, ainda que muito restrita, existia. Por volta da
para mudança de condição jurídica e ascensão social, e o que não faltava eram pessoas
capital da Bahia. Já ia longe o tempo de sua chegada à cidade, quando tudo parecia
novo. Agora, depois de anos de estudo solitário da política, das leis e da jurisprudência,
João Carneiro da Silva Rego, “em pouco tempo tornou-se tão hábil no conhecimento do
processo em todas as suas partes e de tudo quanto respeita ao ofício de Tabelião” que
pedia para o Tribunal do Desembargo do Paço lhe conceder uma provisão especial para
Rebouças apostava na educação como meio para alcançar a estabilidade social, como o
Manoel Pereira foi o único que não passou disto, tirando o ganha-pão para o resto de
sua vida de seu emprego em um cartório. Mas Manoel Maurício e José Pereira
Antonio Pereira; José, o mais velho de todos, após algum tempo de trabalho em um
aperfeiçoava seus dons musicais, estudando piano e violino. Em 1828, ele deixava a
Bahia para ir estudar música instrumental em Paris; mais tarde, recebeu o título de
performances com seu Stradivarius que chegaram a ser ouvidas no Paço Imperial.
zarpou em 1824 para a Europa, onde se bacharelou em artes e ciências e obteve o título
deles vítimas das comuns epidemias de febre amarela e cólera. A partir do ano seguinte,
sociedade:
Parece não ter sido à toa que estes dois irmãos tenham se dedicado a escrever
sobre a instrução, provavelmente incentivando outros jovens pobres e pardos como eles
profissões que exigiam o acúmulo de notório saber, compensando o excesso deste com a
momento, a instrução fosse um capital quase tão valioso quanto o berço, já que o Estado
importante não pode passar desapercebido nas trajetórias dos Rebouças: os três que
subiram na vida passaram pelo serviço militar ou participaram das lutas pela
independência, enquanto que de Manoel Pereira, que estagnou cedo, não há nenhuma
evidência a tal respeito. José Pereira foi membro das tropas por certo tempo, e tanto
Manoel Maurício como Antonio Pereira destacaram-se nos episódios da resistência aos
como se fora bacharel formado, em 1821, ele já estava enturmado no grupo dos que
fevereiro daquele ano. Desde então, Rebouças começou a participar de reuniões com
amigos, com o intuito de demitir aquele governo e eleger outro, composto por
novembro, que só alcançaria sucesso dois meses depois, com a formação de nova Junta
toda a sua trajetória política: contra a deposição do governo pelas armas, foi favorável à
eleição de uma nova junta, para que ela pudesse substituir a antiga com maior
legitimidade. Alegando falta de “prestígio por família e riqueza, (...) apenas advogado
por provisão do Tribunal do Desembargo do Paço”, o rábula justifica não ter sido
ouvido com seriedade por ninguém durante o episódio, o que acabou salvando-o desta
vez da prisão na Fortaleza do Mar, já que os revoltosos acabaram presos, tendo sido
alguns, inclusive, mandados depois para Lisboa. Isto não o impediu, no entanto, de
momento, seguindo o pânico que já contagiava a elite local, Rebouças juntou sua
ocasião.
Os meses que se seguiram foram fundamentais para este rapaz de pouco mais de
vinte e três anos, muito provavelmente decisivos para toda sua vida; não é à toa que, das
muitas obras, manuscritas ou publicadas, que deixou para a posteridade, este foi o tema
central, o mais descrito, cujos lances heróicos ele não se cansava de repetir. O relato que
se segue é épico puro, escrito na terceira pessoa, como bem convém aos heróis,
“Eis que no dia 24 de Junho corre uma notícia que se atribuía a ter vindo da Capital
por parte do Dr. Francisco Gomes de Brandão Montezuma, que escrevia então uma
Folha Periódica Brasileira, (...) de que ia se apresentar uma representação com toda
probabilidade de ser aceita para que na mesma Capital se aclamasse Regente do Brasil
o Príncipe D. Pedro de Alcântara (...). Esta notícia foi tomada no devido apreço (...).
Para proceder-se com toda a segurança combinou Antonio Pereira Rebouças com o
Major do Regimento de Milícias para pôr em armas as companhias do Regimento ao
seu alcance com ordem expressa do Coronel Comandante que apesar de Brasileiro de
bons sentimentos tinha por muito perigoso qualquer passo reacionário contra as forças
lusitanas, e nesse intuito ditou um ofício que o Major assinou dizendo ao Coronel (...)
que por notícias falsas ou verdadeiras chegadas da Capital se achava o povo em
movimento (...). Com efeito, o Coronel muito de pronto determinou o Major que pusesse
o corpo em armas, o que imediatamente se efetuou porque quase todos os oficiais
brasileiros já estavam prevenidos, avisando inferiores e praças de suas companhias
para comparecerem (...). Dadas as mencionadas providências tinha-se de romper com a
revolução ao amanhecer no dia imediato 25 de Junho. Logo depois de meia noite
desceu de Belém o Coronel José Garcia Pacheco com alguns de seus mais íntimos e
decididos amigos e se achou com Antonio Pereira Rebouças e outros Patriotas na casa
daquele Major onde pela opinião do dito Rebouças se concordou em fazer a aclamação
da Regência do Príncipe D. Pedro com toda a solenidade possível para o que ele
passou a fazer uma proclamação adequada convocando o povo, e ofícios (...). Ao
amanhecer do dia já o povo em forma armado (...) e os mais Patriotas aguardavam um
pouco fora do interior da vila a força que de véspera se achava em Belém e chegada
ela desfilaram todos entrando pela rua imediata em marcha à praça onde em suas
imediações se portaram em formal parada. Reunidos na Sala de Sessão da Câmara
Municipal o Juiz de Fora presidente, o Procurador, e Vereadores em número legal
procedeu-se à aclamação e a lavrar Ata solene da mesma aclamação como as
circunstâncias extraordinárias exigiram. Não se tendo previamente combinado sobre
isso, (...) houve alguma discussão cujo resultado imediatamente foi eleger-se por
aclamação a Antonio Pereira Rebouças, a fim de ditar as cláusulas fundamentais da
ata o que ele cumpriu (...).
Neste dia 26 reuniram-se os principais Patriotas e resolveram eleger um governo que
dirigisse a revolução que entretanto se achava acéfala combinando politicamente em
dar-se-lhe a denominação de Junta interina conciliatória de defesa – para
corresponder ao seu justo fim de proteger os naturais de Portugal contra as reações
hostis dos mais exaltados Patriotas chamando-os ao grêmio Brasileiro (...) e ao mesmo
tempo empregando as mais enérgicas medidas para submeter os sublevados e
refratários do interior e resistir e vencer as agressões dos Lusos da Capital ou forças
armadas do General Madeira. Foi eleito membro Secretário desta Junta Antonio
Pereira Rebouças com maior número de votos do que o Presidente e outros membros da
mesma Junta. Imediatamente lavrada e assinada a Ata entrou a junta conciliatória em
exercício, trabalhando noite e dia com toda a prontidão e atividade providenciando
tudo quanto concorria para a paz e para a guerra. A primeira necessidade da Guerra
era submeter a barca lusitana (...); carecia-se absolutamente de artilharia e para ter-se
uma peça foi necessário recorrer ao vai-vem de um engenho de açúcar a qual estando
demasiadamente enferrujada pelo muito uso ou desuso teve de ser passada a fogo a
descascar. Ao anoitecer do dia 28 quando se calculava ter bastante cartucho (...),
correu notícia de que uma outra barca vinha da Cidade Capital para reforçar a
existente e que esta movendo-se dentre a povoação de São Felix e Cachoeira onde
costumava flutuar parecia descer o Rio Paraguaçu, a colocar-se num ponto em que
alargando-se mais o mesmo Rio ficaria fora do alcance do fogo das espingardas que se
lhe fizesse de uma e outra margem (...). Assim pensando o mesmo Secretário Rebouças
propunha que era oportuno atacar imediatamente a barca lusitana que se movia no
porto para ficar em estado de repelir a outra (...). Convencido (...) o membro Secretário
Rebouças (...), desceu das Salas das Sessões à praça do Chafariz (...) e disse aos
Patriotas (...) que fossem imediatamente atacar a barca (...) e voltando para a Sala das
Sessões disse aos seus Colegas da Junta e aos assistentes da discussão que em pouco
tempo ouviriam o que mais convinha no cumprimento de seus deveres. E assim se ouviu
logo que o fogo tinha rompido cruzando sobre a barca tanto do lado da Cachoeira
ocupando os atiradores em todos os pontos e as casas adjacentes como do lado de S.
Felix entrando pelo rio Paraguaçu até onde o mesmo permitia com água acima da
cintura. A Barca respondia a esse fogo com a artilharia ao princípio seguidamente e
logo depois de espaço a espaço (...). Ouvindo o Rebouças que a artilharia lusitana
tinha de todo emudecido comunicou a seus companheiros de Junta que ia ao lugar de
combate providenciar mais de perto o que fosse necessário. (...) Cessando inteiramente
o fogo (...), alguns Patriotas embarcavam-se em canoas e foram a bordo donde
trouxeram prisioneiros o tenente comandante, um sargento seu imediato, e soldados
marinheiros da guarnição que sobreviveram ao fogo, recente ataque geral e aos
tiroteios alternados desde o dia precedente. Iluminaram-se imediatamente duas
povoações vencedoras, a vila da Cachoeira e com ela a povoação de S. Felix; eram dez
para onze horas da noite e as manifestações de prazer e exaltação não tiveram limites.
juntamente com toda a artilharia da guarnição inimiga. Isto foi suficiente para armar as
a suceder-se por toda a região, em Maragogipe, Nazareth, Jaguaripe, onde quer que as
últimas novas chegassem. E foi assim que Antonio Pereira Rebouças transformou a si
que desse conta das questões civis e militares de todas as vilas do Recôncavo, que
da Cachoeira, seus colegas, quem sabe não atribuindo a ele um papel tão importante
Embora tenha alegado que na verdade não podia exercer o cargo, dizendo que
também não havia aceitado a proposta de ser eleito pela Villa da Pedra Branca porque
precisava voltar a exercer seu ofício de advogado, “dando o exemplo da Independencia
que deve ter um Patriota, não aceitando empregos de Governo quando não tenha
Rebouças mal disfarçava sua decepção. Esta logo ficou evidente quando começou a
de Governo, que, segundo ele, não hesitavam em excluir os novos membros eleitos por
vilas menos importantes, como seu amigo João Dantas de Itapicuru. Ao discursar contra
aquilo que considerava uma grande injustiça, “incompatível com a realidade das idéias
Assembléia em uma desordem geral por vias de fato donde resultaram contusões e
desordem.”
A pancadaria foi tanta, que nosso advogado achou melhor sumir por uns tempos;
acompanhado do outro derrotado, o João Dantas, foi respirar melhores ares na Corte.
Mas, mesmo saindo de fininho, ele não deu por encerrada a briga: na primeira
acusando a fraude eleitoral ocorrida que, inclusive, teria propiciado a posterior eleição
Rebouças não estava errado ao enfatizar a sua participação nas lutas pela
independência na Bahia em suas memórias, quando, no fim da vida, “já então sem vista
para ler e escrever”, as ditou, provavelmente para seu filho André. Ele sabia muito bem
que à sua atuação devia a singular carreira política e jurídica que construiu. Afinal, foi
neste momento que o Imperador decretou liberdade para os escravos que defenderam a
almejadas eram muitas, mas a realidade é que elas não eram possíveis para todos. Se a
para conseguir alguma posição. Não é à toa que, vendo-se excluído do novo jogo de
Rio de Janeiro, o único lugar onde, em pleno ano de 1823, ele poderia tentar converter o
capital simbólico obtido com as lutas pela independência por posições políticas reais.
A viagem da Bahia para a Corte, por terra e por mar, foi cheia de peripécias e
encontros fortuitos. Rebouças passou por Maragogipe, Nazaré, Morro de São Paulo,
Valença, Barra do Rio das Contas, Ilhéus, Porto Seguro, Vitória, Guarapari e Campos,
da Gama e J. Silvestre Rebello, que viria a exercer o cargo de Mordomo Mor no lugar
vago deixado por José Bonifácio, e que “lhe recomendou que se não esquecesse de o
Mas nem tudo era fácil assim: em Porto Seguro, por exemplo, foi embaraçado de
persuasão de sua identidade pelo conhecimento pessoal que manifestou ter das mais
conseguiu prosseguir, não sem antes dar uma ajudinha ao Juiz ordinário local, o que
motivos que levaram ao incidente, claro está que ele poderia ser confundido com outra
pessoa de status e condição inferior, como um liberto, problema que ele logo tratava de
resolver provando a sua identidade. Ou seja: se fosse apenas mulato, sem a fama dos
mais naqueles tempos, quando revoltas de escravos, libertos e outros pardos assustavam
os engenhos da região. Assim, para se diferenciar dos outros, Rebouças fazia uso dos
E foram estes mesmos bens que lhe renderam boa estadia na capital do Império;
conversou com o próprio em uma segunda audiência, conseguiu ser nomeado Secretário
Cruzeiro “sem que o tivesse requerido, não sendo provavelmente graduado em escala
mais elevada porque sua posição na Sociedade quanto aos meios de subsistência não
deixava de ser precária”. Mas foi no Rio também que Rebouças se deu conta de que
todo o prestígio que conseguira não tornara invisível a sua cor. Na única referência de
todas as suas memórias ao assunto, Rebouças conta como deixou de ser convidado para
jantar na casa do deputado Gondim, a quem havia ido visitar com João Dantas:
fato de ter acontecido logo com ele, “um homem que na sua profissão era Advogado e
na política tinha servido de Membro do Governo primeiro do que cada um deles e nessa
qualidade dado ordens a pessoas de hierarquia igual aos mais distintos deles”. A ferida
deve ter sido profunda, tanto é que não mais faria referências a episódios como este em
De fato, a desfeita do jantar não foi nada em comparação com o que aconteceria
Incomodados justamente com o fato de ter um mulato à frente dos negócios do governo,
os proprietários do local fizeram de tudo para tirá-lo de lá, o que conseguiram ao cabo
de um ano. Mas a história é mais complicada do que isso, e merece ser contada.
Quando Manoel Fernandes da Silveira foi escolhido primeiro Presidente da
engalfinhavam-se pelo poder local, tanto que, em novembro de 1823, nas eleições da
liberais, até então no exercício do governo, não entendiam por que a escolha da
brasileiros que os tinham prendido. E, para piorar a situação, as tropas não eram capazes
de manter a segurança: o batalhão local à esta época encontrava-se quase sem oficiais,
já que grande parte deles “era composta de inimigos declarados da Santa Causa” da
para reforçar a guarda contra estes portugueses, era composta apenas de tenentes,
onde morava a maior colônia lusitana da província, era palco de cotidianos conflitos,
chegavam à cidade.
Diante deste cenário nada edificante, dá para imaginar a recepção dada a Silveira
em março de 1824, ainda mais quando se viu que ele havia chegado com um mulato
como secretário, o “miserável neto da Rainha Ginga”, como foi logo apelidado, a quem
o presidente ouvia mais que a qualquer um. E os problemas não tardaram a começar:
logo em abril, a tal Tropa de Primeira Linha revoltou-se contra o novo governo, por não
província com o presidente no meio da noite, não sem antes redigir uma proclamação
a posse não haveria deposição. De volta à província, onde foram recebidos com festas
Bahia e, de lá, para a Corte, de onde veio a ordem de dissolução da Tropa de Primeira
Linha.
Rebouças nunca foi perdoado por ter frustrado os intentos dos proprietários
locais. E este estado das coisas só veio a ficar mais tenso em junho, quando foi chegada
o texto do vigário geral da paróquia, natural de Portugal, fez ele mesmo a leitura,
gritou “morra tudo quanto é maroto”, dando início a violentas perseguições contra
portugueses, que foram se refugiar nas matas, e de lá só saíram quando tomou posse o
Comandante das Armas designado para pacificar a região, o capitão Manoel da Silva
Daltro.
que teria como objetivo a tomada do poder dos brancos pelos pardos, de aliciar a
de ter dado vivas à Revolução do Haiti. Os relatos também diziam que a conspiração
frustrada por Rebouças não passara um desvairio inventado por ele próprio, já que
conheceu que toda aquela trama foi para as coisas tomarem a direção premeditada, aliás
agora conhecida nocivíssima.” De tudo quanto Rebouças era acusado, o episódio mais
Nesta ocasião, um grupo teria saído pelas ruas da cidade, gritando “vivam pretos e
Embora no texto se insista em que “não houve manobra”, ela parece clara. A
denúncia, não assinada, se faz em nome dos homens de bem, e ela faz uso do melhor
Secretário Antonio Pereira Rebouças, que estava “protegendo a uns poucos de homens
maus, e acabrunhando os mais ricos e probos Proprietários por não seguirem seus
desvairados caprichos.”
De nada adiantou a representação do próprio presidente Silveira, argumentando
que o Daltro estava se comportando “fora da Linha de seus deveres”, e as reuniões feitas
presidente e seu leal secretário foram demitidos, e Daltro aproveitou para se mandar de
Sergipe, alegando uma doença qualquer. Contra Rebouças, foi feita uma devassa
encabeçar uma nova rebelião, liderada por Sebastião Soares, chefe da companhia dos
Henriques, ocorrida naquele mesmo mês em Laranjeiras, só que desta vez em conjunto
com escravos. Rebouças ainda permaneceu em Sergipe até fevereiro do ano seguinte,
quando foi para Salvador, em companhia de sua mãe e irmãs, seus dois escravos e mais
dois “serviçais”, a tempo de fazer a própria defesa na devassa que já havia chegado ao
Tribunal da Relação da Bahia, onde finalmente foi absolvido por falta de provas.
Difícil saber até que ponto Rebouças estava realmente envolvido nos
acontecimentos que era acusado de liderar. Se claro está, pela leitura das várias
incomodava muita gente, complicado é estabelecer quando estes relatos foram baseados
em episódios reais ou quando tudo não passava de invenção para incriminá-lo. Difícil
crer, por exemplo, que Rebouças tenha realmente dado “vivas ao Haiti”, como, aliás,
ficou reconhecido na própria devassa feita contra ele, quando apenas cinco das vinte e
sido o líder da igualdade tal qual pintado por Luiz Mott, Rebouças teria tido mais
orgulho de sua participação, e certamente não a omitiria de suas memórias, onde outros
feitos de menor importância ganham maior espaço. Mais possível é imaginar o nosso
tornaria mais famoso nos dias que então corriam: a de que “todo homem pardo ou preto
pode ser general” que, segundo seus inimigos, ele não se cansava de repetir a quem
quisesse ouvir.
percebiam como um péssimo modelo para os locais, que poderiam realmente acreditar
que “o mulato fosse igual ao branco”, e para a chamada população de cor pelo mesmo
motivo, ao perceberem até onde poderiam alargar o significado do novo regime. Para
pardos como Sebastião Soares, que andavam convocando cativos e libertos nos
engenhos e fazendas da região para darem início a uma revolta no Natal, quem seria
melhor exemplo do que Rebouças para convencê-los de que “eles em breve eram felizes
e que a riqueza dos brancos desta terra eram para eles”? Mas, ao que parece, Rebouças
episódio ocorrido no jantar da Corte, Rebouças optou por uma solução individual para
os problemas que vivia. Negando-se a politizar a cor, ele parecia ter aprendido uma
lição que tentaria pôr em prática a partir de então: seria a partir de seus méritos e
qualificações que procuraria se distinguir, como cidadão, e aos cidadãos não deveria
importar a cor. Por isso, talvez a acusação mais grave que Rebouças tenha sofrido
durante sua triste estada em Sergipe não tenha sido nem a de arruaceiro, mas uma em
Para o denunciante, Rebouças votou sem poder e, pior, nas pessoas erradas: um
mulato não podia mesmo saber votar. Pois era exatamente este tipo de acusação que
Rebouças combatia, aquela que o comparava a qualquer outro pardo que não havia
alcançado a condição de cidadão. Ao agir desta forma, Rebouças não estava usando de
contrário, ele estava agindo exatamente como muitos de seus pares, do Brasil e de
outras paragens das Américas, ao procurar distinguir-se da maioria para alcançar algum
lugar na sociedade.
civis, assim como os escravos que compravam a liberdade e que entravam com
também Rebouças buscava provar a legitimidade de sua nova condição social, que lhe
garantiria, segundo seu próprio entender, pleno gozo de seus direitos civis. Por isto este
período seria tão significativo: em um momento não por acaso denominado A Era das
revolucionaram as sociedades onde viviam através das pressões por eles exercidas para
serem admitidos como membros efetivos e legítimos. Estas pressões ganharam formas
escravo que trabalhava ao ganho eram bem diferentes das de Rebouças. Mas elas tinham
um elemento comum: a garantia de direitos civis básicos, como o da liberdade e o da
propriedade.
A questão é que a luta por direitos civis, no Brasil daquele momento, nada tinha
de igualitária, e isto nos ajuda a entender por que esta pressão não foi exercida, com
raras exceções, em conjunto. Ser igual era estar no último degrau da escala social, e
embaixo ninguém queria ficar, nem que fosse em boa companhia. Daí que, para todos, a
inclusão entre aqueles que tinham direitos civis implicava na exclusão de um outro
lutas de cada grupo nas disputas pelos espaços públicos de cidadania. A lei que tornava
Rebouças, neste sentido, era uma figura mais do que emblemática. Ele até então
não mais fizera do que tentar manter seus direitos civis, conseguidos com a
independência. Tanto é que ele nem deu atenção a Sebastião Soares, o líder da revolta
do Natal, quando este foi buscar seu apoio para o motim que então era organizado. Não
que, com isso, ele negasse os motivos de seus pares. Mas, além de manter suas firmes
posições de que toda reivindicação deve ser feita no âmbito da lei e da ordem, o que ele
queria mesmo era solidificar a sua diferença em relação aos outros, como muitos o
parecia ser, para ele, um problema. É neste sentido que sua frase “todo homem pardo ou
preto pode ser general” deve ser compreendida. Todos até podem chegar a ser generais,
se tiverem igualdade de oportunidades, leia-se, educação. Mas nem todos chegarão a ser
generais, ou melhor, nem todos devem chegar a sê-lo, sob pena de subverter a
de expressão e os livres direitos de propriedade. Não foi à toa que logo ficou famoso por
ter defendido um proprietário de terras, que se considerava lesado pelo novo governo
imperial por nunca ter sido indenizado pelas propriedades e riquezas cedidas durante as
lutas pela independência na Bahia, e comprou o jornal O Bahiano só para garantir sua
com as leis”, como havia pedido D. Pedro I, e não aquela que “degenera em licença e
produz a anarquia, o maior de todos os males políticos.” Eram estes direitos civis que
lhe interessavam, justamente aqueles que ele ainda não tinha garantido: o acesso à
Justamente por isso, enganava-se quem pensava que seus problemas haviam
acabado. Três anos depois da devassa que quase o levou à prisão, chefe do Partido
políticos do “partido absolutista” usavam ainda das mesmas fórmulas para atacá-lo,
Serva e Filhos, junto com a cópia de parte da devassa feita contra Rebouças, única e
as autoridades, que indevidamente o haviam absolvido, para tal fato. Curiosamente, ele
escrivão admite ao finalizar a transcrição, dizendo que “não consta da mesma Devassa
Rebouças”. Revoltado com os artigos que nos jornais o advogado escrevia, mas
justamente por afirmar que Rebouças era inimigo daqueles que possuíam “pureza de
sangue, riqueza, representação Civil, ou Militar”; ou seja, dos que eram, como ele,
Cidadãos. Ignorando propositadamente que a pureza de sangue não era mais
representante civil, o tal Cidadão aparece com uma definição bem diferente da que
publicada n’O Bahiano, sabemos que o denunciante do suposto crime que levou
Rebouças a passar uma temporada na Fortaleza de São Pedro, era justamente Francisco
das Chagas de Oliveira Castilho, ex-redator do … Soldado da Tarimba! Foi assim, que,
acusado de atentar contra a segurança pública por ter dado vivas à Constituição, em
maio de 1829 ele esbravejava contra aqueles que se recusavam a entender que a sua
causa era “a Causa da Justiça, (...); esta Causa pertence aos Cidadãos de todas as classes
e Corporações.”
Apesar da frase de efeito, Rebouças sabia muito bem que a causa da Justiça
ainda não pertencia a todos os cidadãos, e que esta mesma idéia de o que fossem
cidadãos ou direitos civis longe ainda estava de produzir consenso entre os membros de
todas as classes e Corporações. Como advogado, ele sabia disto. Afinal, não seriam
poucos os processos com os quais ele teria contato, nos quais a discussão seria
mudanças produzidas pelas revoluções, ele mesmo defendia que este processo era longo
e lento, e que só estaria terminado quando o código civil, a única garantia real dos
direitos do cidadão, pudesse ser escrito. E isto ele havia dito num artigo já velho de
anos, quando, baseando-se no exemplo da revolução ocorrida em França, em um
sua posição havia sido derrotada por pouco. O tema em discussão era a escolha de
critérios para nomeação de oficiais da Guarda Nacional, e havia já dois dias que
aos homens que eram, de acordo com a constituição, considerados eleitores. Como
eleitores eram aqueles cidadãos brasileiros maiores de vinte e cinco anos que, tendo
renda líquida anual superior a duzentos mil réis em bens de raiz, indústria, comércio ou
emprego, não fossem criados de servir, nem primeiros caixeiros das casa de comércio,
nem Criados da Casa Imperial, nem administradores das fazendas rurais e fábricas, nem
aos libertos. Na primeira vez em que uma emenda com este teor foi proposta, ele
Minas, Baptista Caetano, a retirou antes mesmo que fosse posta em discussão. Mas, na
sessão seguinte, Calmon ofereceria outra emenda de igual teor: “Somente o cidadão que
pode ser eleitor poderá ser nomeado oficial das guardas nacionais.” Rebouças
considerou esta segunda proposta quase uma ofensa pessoal. Era-lhe penoso observar
que, depois de ter sido retirada pelo representante de Minas Gerais, a mesma emenda
Rebouças passou a explicar por que considerava esta emenda “injusta, incendiária,
guerra de independência do país com a mesma bravura que os outros, e o mesmo havia
acontecido em “todo o mundo civilizado”; era incendiária porque seria uma incitação à
1824. E recheava seus argumentos com seu exemplo favorito, sabendo do temor que ele
causava à audiência:
mesmo que Robespierre tenha tentado condenar todas as tentativas de restrição dos
brancos de São Domingos, prometendo não interferir nas questões raciais da colônia. Na
prática, como apontou Rebouças, a exclusão de mulatos e negros livres dos direitos de
cidadania acabou estimulando uma aliança – antes inexistente – com escravos, levando
A emenda também seria impolítica, já que negava a cidadãos um status que eles
da mais ajustada estima de todos os seus concidadãos”, mas ela era, principalmente,
inconstitucional, porque
Rebouças sabia que aquela situação não era nova no fórum parlamentar. Em
Já daquela vez, a discussão não havia rendido frutos, como se vê pela lei de 5 de
junho de 1831, cujo décimo artigo autorizava o governo a alistar, armar e empregar
apenas os cidadãos eleitores para constituir milícias civis. Mesmo assim, agora que se
“não bastará para a desejada escolha dos oficiais a qualificação, por mim proposta e
sustentada, sobre a renda de mais de 300 réis, onde os soldados devem ter aquela de 200
réis?”
discurso de Antonio Pereira Rebouças na verdade havia sido um libelo pela ordem, pela
segurança pública e pela propriedade, mas nem todos os seus pares o viam assim. Nosso
à desordem; os outros deputados achavam que temerário era armar a chamada “classe
perigosa de cidadãos”. Ao defender a propriedade como uma das “bases mais santas” da
Constituição, Rebouças dava a entender que a introdução de outros critérios que não o
devia ser absoluto e inviolável, como o pregavam todos, como negar a alguém que
Não era esse o único tema que então dividia as opiniões dos representantes das
dos deputados na manutenção da governabilidade do país. Afinal, o plano com que este
planejava dar cabo ao mesmo tempo do poder do Senado e do grupo de José Bonifácio,
outro, havia dado errado porque vários deputados, entre eles Honório, Montezuma e o
grupo dos liberais moderados, agora no poder, dificilmente escondia as grandes divisões
que o cindia. Uma delas era justamente a respeito do papel da segurança pública e da
importância das garantias dos cidadãos no regime que então se formava. Como tempos
mais tarde escreveria Joaquim Nabuco, “a situação política do partido Moderado era tal
que se não fosse o terror da restauração ele se teria esfacelado logo em começo, e que se
havia arrefecido; confrontos diretos ocorriam com certa frequência na Corte e em certas
conservadora da Regência. As sete revoltas ocorridas no ano em que Feijó foi ministro
renúncia do imperador não havia contribuído para a maior satisfação da população nem
movimento por ele iniciado ganhou força, e obteve manifestações de solidariedade por
de Santana saiu uma representação ao governo que pedia pela deportação de oitenta e
nove cidadãos, entre os quais alguns senadores, a destituição dos funcionários públicos
orçamento feito pela câmara, que cortava promoções, subsídios e salários, e com a lei de
como resultado a reforma quase total do Gabinete (à exceção do próprio Feijó); mas elas
outros para longíquas partes do país, de modo a que a guarnição militar da Corte acabou
mínima.
Claro aí estava por que o debate sobre a criação da Guarda Nacional ocupava a
ordem do dia. A tropa de Primeira Linha, antiga guardiã da ordem, agora era
que havia um motim.” Como dizia Evaristo da Veiga, um dos autores do projeto levado
à Assembléia, embora confiasse na força pública, “não podia negar que nunca a
segurança dos cidadãos é mais bem guardada do que pelos mesmos cidadãos
dos fatores mais significativos da suspeição sobre as tropas era o fato de que, pelo
menos desde as lutas pela independência e os conflitos na região do Prata, elas eram
Nacional, portanto, o nó estava na forma como o problema era formulado: para uns, esta
questão é que, da maneira como considerada por alguns dos deputados, não era possível
tratar da segurança pública sem, ao mesmo tempo, considerar a limitação das garantias
dos direitos dos cidadãos. Era contra isto que Rebouças se insurgia.
assunto específico, está o fato de que, como a ampla maioria dos parlamentares era
Rebouças levantava o tema da participação dos libertos, encontrava oposição por parte
próximos do grupo de Feijó, que, para manter a ordem, não se incomodavam em ter
nosso caro advogado alguma ingenuidade. Afinal de contas, revoltas pipocavam por
todos os lados do Império. Não estava claro, ainda mais depois da derrota no Prata, se as
forças armadas seriam suficientes para manter o controle nas províncias e, mais que
isso, se elas realmente se empenhariam em fazê-lo, já que era conhecida a insatisfação
deputados liberais. Neste sentido, não é à toa que se atribui a formação de um consenso
demonstrava estar a par do teor dos debates políticos sobre o assunto havidos bem antes
razões de sua decepção naquela tarde de julho de 1832, ao se dar conta de que a rejeição
às suas idéias era encabeçada justamente por aqueles que haviam defendido propostas
“muito de pronto para sustentar a nociva emenda”, dizendo “que não podia deixar de se
militares, defendia que a retirada desta prerrogativa seria um retrocesso, já que, mesmo
quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, eles tinham o direito de ocupar estes
postos:
Abdicação. A sua, não por acaso, ocorreu depois de visita aos Estados Unidos da
negros livres em vários estados, sob o argumento de que eles eram elementos nocivos
àquelas sociedades.
em 1823, e neste sentido sua fala foi extremamente esclarecedora. Ele fez referência ao
que, para ele, naquele momento, impossível seria desconsiderar a qualidade de cidadãos
dos libertos, sob pena de acabarem tornando-se mais despóticos do que o eram “no
comissão ao conjunto dos deputados em 1823 chegou a ter vinte e quatro dos seus
duzentos e setenta e dois artigos aprovados, antes que a câmara fosse dissolvida. Entre
(salvo, apenas, conveniência pública, que previa indenização para expropriação de bens)
foram referendados sem qualquer discussão. Outros, porém, não receberam aprovação
tão rápida: o artigo cinco, que definia quem eram os brasileiros, provocou enormes
outubro.
Império.” Foi o que bastou para o ambiente pegar fogo. À concordância de Montezuma,
solucionar o problema:
de força havemos de confessar que [índios e escravos] não entram na
classe dos cidadãos, (…) e portanto que não são brasileiros no sentido
próprio (…). São homens para não serem tiranisados, mas (permita-se-
me o uso da expressão dos jurisconsultos, bem que bárbara, mas é
política) enquanto ao exercício de direitos na sociedade são considerados
cousa, ou propriedade de alguém; como tais as leis os tratam e
reconhecem. Logo: como chamá-los brasileiros no sentido próprio?
Como mencioná-los no código, que temos a nosso cargo? (…) Senhores,
os escravos não passam de habitantes do Brasil.
O dilema estava colocado. Havia habitantes do Brasil que, mesmo tendo nascido
no país, não podiam ser considerados cidadãos, porque não eram membros da
sociedade. Mais do que isso, havia habitantes do país que não podiam ser cidadãos
retrospectivamente, a questão parece ser de fácil solução: esta não era a primeira
sociedade na qual conviveriam escravos e cidadãos (embora seja forçoso dizer que seria
uma das últimas a tolerar tal situação). Desde a Antiguidade, uma das chaves para o
escravos e estrangeiros ficavam de fora da organização social. Mas, embora para muitos
deputados fosse claro que a discussão estava restrita aos indivíduos livres – e se
limitassem a discutir a questão dos libertos, como feito logo depois –, esta definição não
parecia evidente para todos, até porque, como lembrava Dias, não se podia dizer que só
os livres tinham direitos, porque os escravos também estavam “sujeitos a todas as leis
penais, e criminais, bem como protegidos pelas mesmas leis para vingar seus direitos, e
conservar suas existências: logo não são cousas; pois a estas não competem direitos, e
deveres.”
Antes de se entrar no problema propriamente dito, há que se convir que a
sem, no entanto, deixarem de ser considerados, por direito civil, como coisas,
passível de discordâncias. Por exemplo, quando Carvalho e Melo defendia que todos os
eram “todos os que nasceram no território brasileiro, ou que se tornaram tais por força
de lei”, ele estaria incluindo escravos ou não? Africanos livres fariam parte de sua
definição, a partir do momento que se tornaram brasileiros “por força de lei”, já que o
tráfico de escravos era legal? Houve realmente quem entendesse que este deputado
resposta:
consenso sobre o que era ser brasileiro nem sobre o que era ser cidadão brasileiro,
quanto mais para se dizer quais as qualidades de um e de outro, embora isto não tenha
alguns dedicavam-se a refutar esta proposta demonstrava que ela não era de todo
inviável para outros. E não era mesmo, se levarmos em conta que, para alguns
deputados, cidadãos eram os indivíduos que tinham direitos, e era reconhecido por
Estado.
Se a grande maioria concordava que escravos africanos não deveriam ter direitos
de cidadania brasileira, posto que não tinham nascido no Brasil – poucos levavam em
consideração o fato de que não tinham vindo da África por livre e espontânea vontade –
brasileiros, já que ninguém ousava dizer que não eram indivíduos, e não se tinha como
ficou claro a partir da discussão do parágrafo 6 do mesmo artigo, que definia que “os
favor da aprovação deste item, ainda que muita discussão tenha havido quanto à
extensão dos mesmos direitos aos seus ascendentes africanos. Mesmo assim, o conteúdo
da emenda aprovada era até mais amplo do que o parágrafo original: ela estabelecia que
seriam cidadãos todos os “libertos que adquiriram sua liberdade por qualquer título
direitos civis, nunca a direitos políticos, aqueles que, para eles, tornariam possível a
intervenção efetiva nos destinos do Império. E isto acontecia mesmo quando estavam
decididamente do lado dos libertos, como Silva Lisboa, que dizia “Para que se farão
distinções arbitrárias dos libertos, pelo lugar de nascimento e pelo préstimo e ofício?
Uma vez que adquiram a qualidade de pessoa civil merecem igual proteção da lei (…).
Ter a qualidade de cidadão brasileiro é, sim, ter uma denominação honorífica, mas que
Situação semelhante acontecia em outros lugares: mesmo nos países tidos como
modelo pelos parlamentares brasileiros, como Inglaterra, França e Estados Unidos, boa
parte da população não possuía direitos políticos. Na Inglaterra, nesta mesma época, o
Depois da reforma eleitoral de 1832, quando o direito de voto foi ampliado aos
arrendatários e locatários com alguma base econômica, o que fez com que o eleitorado
período revolucionário, que todos os membros da nação seriam livres e iguais perante a
Entre eles, estavam incluídos apenas os franceses brancos, do sexo masculino, maiores
de trinta anos, com domicílio estabelecido, que pagassem 300 francos por mês em
impostos diretos. Para poder ser votado, era preciso contribuir com 1000 francos por
mês para o Tesouro Nacional em taxas. Nas eleições de 1827, apenas um entre trezentos
durante todo o período imperial dirigiam suas atenções, não só era igualmente
como, na década de 1820, não podia ser exemplo para ninguém: alegando medidas de
jus soli e de jus sanguini, juízes de estados norte-americanos como Missouri e Kentucky
paulatinamente revogaram os direitos civis da grande maioria dos negros livres, com
base no critério de que, por serem descendentes de africanos, não poderiam ser
escravistas. Em 1820, no mesmo ano do Missouri Compromise, em que este estado foi
cativeiro no Norte estava cada vez mais restrito, a constituição deste estado pretendia
John Boyle tentou fazer passar a mesma presunção, com base na justificativa de que
“negros são considerados raça degradada em quase todos os lugares, [por isso] eles não
Assim, falar em direitos políticos na primeira metade do século XIX, onde quer
que seja, implica na referência a uma concepção restritiva, e os brasileiros não tinham
como ser diferentes. Mesmo aqueles países onde a cidadania era proclamada como
sendo de direito universal – ainda que não o fosse, como os já citados França, Inglaterra
e Estados Unidos – os direitos políticos não eram considerados entre aqueles que
compunham a cidadania. Não era por acaso que o famoso livro de Benjamin Constant
favorecer unicamente a proprietários. Isto não se dava, no seu entender, por uma
sem precedentes, já que o status de proprietário não era vitalício, enquanto que o de
nobre o era. Qualquer cidadão podia tornar-se proprietário, e a partir daí, eleitor. No
caso do Brasil, o uso da teoria de Benjamin Constant poderia ser justificada até mesmo
também podiam chegar a ser cidadãos e eleitores pela mesma via. Mas o apreço ao
liberalismo de Constant não era tão grande entre os membros do Conselho de Estado
importa enfatizar algo fundamental para o argumento que aqui se desenvolve: as sessões
pública. Como vários representantes enfatizaram, era muito importante fazer uso da
Não é possível, assim, que o uso da palavra esteja destituído de seu conteúdo.
Era importante usar a palavra cidadão não só porque havia uma “classe de brasileiros”
que queria sê-lo, mas também porque diversos grupos da sociedade brasileira lhe
pressões sociais existentes durante toda esta década pelo alargamento de sua acepção.
seus discursos demonstra como estavam alerta para o que acontecia nas ruas – e, de
correlação cidadania x segurança pública realizada por muitos deputados, e com a qual
expresso intuito de assustá-los, com o exemplo do que poderia acontecer com o Brasil
proteção dos bons cidadãos, e estes tinham o dever de se preocupar e zelar por ela; por
A esta altura, parece mais do que provada a pertinência do debate sobre direitos
civis no Brasil do século XIX. Embora, como apontou José Murilo de Carvalho, as
políticos, há que se levar em conta que a definição dos direitos civis era fundamental
para os contemporâneos das décadas de 1820 e 1830, fossem eles quem quer que
fossem. Ser cidadão era uma distinção almejada, mesmo que ela não trouxesse consigo
direitos políticos, e que, na prática, ela não significasse a garantia de direitos básicos,
acontecia com os escravos e libertos que haviam lutado pela independência e por isso
1823, isto não os tornava menos importantes. Afinal, de acordo com o T.H. Marshall,
em seu clássico texto sobre o assunto, “a história dos direitos civis em seu período de
existente.”
condição de ingenuidade ter sido revogada no Senado e o Decreto de 1832 ter previsto o
assunto que era possível mesmo que Rebouças estivesse apreensivo com sua efetivação.
Afinal, algum tempo depois, a condição de ingenuidade voltou a ser aprovada pelos
reclamava que “nós, os pardos, com exclusão dos libertos, da Guarda Nacional, já
ficamos reduzidos a não podermos pertencer-lhe senão aqueles dentre nós que nasceram
determinou a exclusão dos libertos dos alistamentos, por não serem eleitores. Em aviso
Justiça Vasconcelos declarou que os libertos, por sua condição de cidadãos brasileiros,
Os temores de Rebouças advinham do fato de que, para ele, não eram os libertos
inimigos da ordem eram aqueles que apoiavam a causa da restauração, como era o caso,
Há muito, desde os tempos d’O Bahiano e de sua arbitrária prisão na Fortaleza do Mar,
Rebouças já estava escolado no assunto, quando reclamava contra a facilidade com que
mais o mesmo tempestuoso de antes. Sua vida havia mudado muito desde que saíra da
prisão, há três anos; agora era um respeitável deputado eleito para a Assembléia
Nacional – ocupava a última das treze vagas da Província da Bahia – e membro do
Conselho da Província. Em abril de 1831, casara-se com Carolina Pinto, filha do casal
Anna Joaquina e André Pinto de Silveira, este comerciante de Cachoeira, um dia antes
dos distúrbios ocorridos na capital da Bahia por conta dos ecos da “manifestação das
garrafadas”. Consta, aliás, que Rebouças teria sido interrompido em sua lua-de-mel para
reunir-se com autoridades locais, que precisavam tomar providências sobre o estado
alarmante da causa pública, por conta da sublevação das tropas. Por medo de atentados
de ter votado a favor da deposição do Comandante das Armas, teria resolvido ficar
“vigilante ao lado do mesmo Presidente durante toda a noite até ao amanhecer do dia
cinco, que foi quando se restituiu a sua casa e companhia de sua recente consorte.”
passagem dos trinta anos, Rebouças já há algum tempo vinha se opondo a qualquer
manifestação mais violenta contra a limitação das garantias e dos direitos de quem quer
que fosse, como aquelas contra os portugueses locais. Agora, preferia discutir assuntos
importantes na Camara dos Deputados, para onde foi no dia 23 de abril reassumir a sua
Tudo indicava, naquele momento, que a sua vida pessoal caminhava para uma
maior estabilidade devido a sua nova posição social. Não que ele tenha ficado de
Sergipe e na Bahia; pouco tempo antes, num debate na Câmara, Rebouças havia
tinha
que intentar uma ação contra o governo ou contra o redator do Diário do
Governo, para dar ao menos uma satisfação ao povo do Rio de Janeiro a
respeito das calúnias contra ele publicadas no mesmo Diário, parecendo
ao nobre orador que o dizer-se ali que ele promovera uma revolução de
cativos, e viera amarrado, era a asserção a mais capaz possível de
distinguir a imoralidade do governo atual, contra o qual se pronunciou
nos termos os mais fortes.
Mais detalhes ele não dava, e, pela impossibilidade de achar o referido jornal,
nós também ficamos sem sabê-los. Não parece que tenha chegado a processar o Diário
cativos, como havia ocorrido antes, mostra que não seria o cargo de deputado que o
discurso sobre a Guarda Nacional, parecia que a figura de Rebouças ainda era vista
alguns deputados. Afinal, dificilmente Rebouças era vencido num debate quando
propriedade, e de sua atrelagem à cidadania. Era possível que fosse Rebouças quem
propriedade. Para ele, buscar exceções para o exercício de cidadania sempre podia
redundar em abusos, realizados em nome da segurança pública, como aqueles que ele
via acontecendo nos estados norte-americanos. Por isso ele tão severamente criticava
aqueles que viam nos Estados Unidos um modelo a ser seguido, quando dizia
refutar uma proposta sobre a realização de prisões que não previssem o pagamento de
fianças, por caracterizar um ataque às garantias dos cidadãos, Rebouças ouviu como
resposta “eu não quereria que se ferisse a constituição; mas quando os cidadãos não têm
segurança nas suas casas, porque o mal é extremo, necessário é um pronto remédio.”
Para os parlamentares aos quais Rebouças se opunha, os direitos civis ainda seriam
vistos como privilégios, a que apenas alguns teriam direito. Estes direitos, afinal de
contas, não teriam tanta relação assim com os talentos e virtudes da forma como
consagrados na constituição.
Portanto, era na irredutibilidade dos direitos civis que estava a diferença das
adquiridos, não herdados. A propriedade – tudo bem que esta também podia ser herdada,
mas Rebouças nunca chegaria tão longe na sua crítica – podia ser adquirida e perdida.
Este fato, por si só, significava para ele um avanço sem limites, em comparação com a
Afinal, não podemos esquecer que se, aos olhos de hoje, a correlação cidadania –
significava exatamente o contrário, tendo por isso mesmo sido conceituada como sendo
apenas porque ele próprio era um destes beneficiários. Para ele, esta provavelmente era
a melhor forma de exercer seu radicalismo sem deixar de ser moderado: através do
Neste sentido, até mesmo a exclusão dos escravos do chamado “império da lei” e
definidos juridicamente como coisa, eles estavam fora do campo do direito civil, não
havia nada que se pudesse fazer. Nem mesmo o dilema apontado por Montezuma em
1823, de que haveria pessoas nascidas no Brasil que não fossem cidadãos, seria levado
em consideração por Rebouças, já que cidadania era coisa para livres. Sua questão era,
dos libertos na sociedade e não do período em que estes homens ainda eram escravos,
como o demonstram suas declarações sobre a inclusão dos libertos entre os oficiais da
Guarda Nacional. Mas ele próprio sabia que realizar esta diferenciação não era tão
simples assim. Não era simples porque, mesmo formalmente propriedade de outrem,
muitas vezes escravos conseguiam acumular dinheiro o suficiente para comprar a sua
Não pode ter sido por outra razão que Rebouças teria proposto, ainda em 1830, um
projeto para regulamentar as liberdades de escravos por pagamento de seu próprio valor.
Na sessão de 14 de maio daquele ano, ele propôs a adaptação para a realidade brasileira
da ordenação filipina liv.4 tit.11 4, que legislava a respeito dos mouros cativos em
Portugal ainda na época da presença dos povos do Norte da África na Península Ibérica,
“ninguém seja constrangido a vender seu herdamento e cousas que tiver contra a sua
vontade”, mas que a situação dos cativos era diferente “porque em favor da liberdade
são muitas cousas outorgadas contra as regras gerais”. Na verdade, o objetivo principal
segundo uma avaliação honesta de seu valor por pessoas competentes. Quando não
houvesse por quem trocar o referido mouro, ele podia ser libertado através do
propunha um outro, também restrito: que “qualquer escravo que consignar em depósito
público o seu valor, e mais a quinta parte do mesmo valor, será imediatamente
sociedade daqueles que, pela lei – por seus talentos e virtudes já haviam provado serem
capazes – ainda não o eram: ao fato de muitos escravos possuírem dinheiro para
maneira como estabelecida na referida lei, o que talvez até transformasse alforrias deste
tipo em bons negócios: considerando a crise financeira de fins dos anos 1820, um falido
de um sobrepreço de 20%.
Além disso, Rebouças também inseriu uma novidade: o senhor que quisesse,
também teria o direito de acusar o escravo de ter roubado o dinheiro apresentado para a
liberdade, claro que, para isto, apresentando provas. Mas, àquele momento, testemunhos
eram considerados provas em juízo, e bastava que o dono conseguisse duas pessoas
dispostas a falar no tribunal em seu favor que conseguiria impedir a venda. Neste
seus escravos, porque propõe, em última instância, que mesmo contra a vontade daquele
estes podem ser libertados, o projeto não deixa de basear-se na preeminência do direito
de propriedade por qualquer outro motivo que o escravo possa ter para reclamar a sua
alforria.
se aprovado, até poderia ter tido um efeito favorável na consecução da libertação por
determinada interpretação para uma lei que, apesar de específica, era usada de forma
extremamente genérica nas ações de liberdade, quando advogados faziam uso apenas da
expressão “e porque em favor da liberdade são muitas coisas outorgadas contra as
regras gerais” para argumentar que, em qualquer caso, quando se trata da libertação de
escravos, são mais fortes as razões em favor da liberdade. Afinal, como pode ser visto
Relação do Rio de Janeiro, era a mais citada nos processos pela liberdade que então
São João d’El Rei. Filha de um casal de libertos que continuava a viver na Fazenda da
Lage com o antigo senhor, ela nasceu livre e como tal foi batizada. Sua situação alterou-
com a Fazenda Nacional provocaram o seqüestro de todos os seus bens, tendo ela, aos
doze anos, sido incluída na lista dos escravos da família sem que nada pudesse fazer, já
que seu pai havia falecido e sua mãe era uma “miserável preta, não tinha conhecimento
filhos indevidamente batizados como cativos. Como o juiz da primeira instância que
julgou esta ação de liberdade decidiu por manter a escrava e seus filhos no cativeiro e,
nestes casos, cabe apelação ex-officio, o processo teve seguimento na Corte de Apelação
do Rio de Janeiro em meados do ano de 1830, exatamente quando Rebouças fazia sua
proposta à Câmara.
no fato de Felizarda ter nascido livre, e, mesmo que agora ela pertencesse a outra
pessoa, em casos como este a liberdade tinha precedência: “quando esta [a propriedade]
luta com a liberdade, parece que as Leis se curvão ao grito da Natureza, porque antes do
meu e teu existiu o homem; e ainda em séculos de menos luzes os nossos legisladores
reconheceram este princípio, outorgando muitas coisas a favor da liberdade contra as
contrária:
argumentos opostos, como em nenhum deles importava o sentido original da lei, e sim a
interpretação que lhe foi posteriormente atribuída. É bem possível que fosse justamente
este tipo de processo que Rebouças pretendesse evitar, já que, com argumentos
igualmente inválidos, a decisão final nunca poderia ser baseada na letra da lei, e sim na
interpretação feita pela banca de juízes. No caso de Felizarda, a Relação deu razão aos
Relação desde aquela data - foram trinta e quatro processos até 1832 – apenas sete
tinham como argumento o pagamento do valor. Se fosse aprovada uma lei em que o uso
da ordenação liv.4 tit.11 4 fosse restrito às tentativas de compra da liberdade, talvez as
Assim, se seu projeto parece ter sido o primeiro que juridicamente tentaria
legislar o famoso pecúlio, uma prática tão disseminada na sociedade que até viajantes
como Henry Koster achavam que ela era mesmo uma lei, ele o restringia a uma das
comprovação de propriedade.
cotidiana. Era assim, conjugando ao mesmo tempo duas frentes, que ele se dedicava aos
Independência.
respeito da prática jurídica, já que entendia que esta, para ser aceita, devia ser validada
em lei; por isso mesmo havia escolhido a opção de regulamentar a norma estabelecida
na ord. liv. 4 tit 11 4, ao invés de propor a criação de outra lei. Não só como deputado,
mas também por sua experiência jurídica, conhecia o estado calamitoso das leis do país,
consideração por seus colegas. Suas opiniões sobre a cidadania foram refutadas em
por escravos teve o pedido de urgência recusado, foi remetido para análise pela
parlamentar – sua fama de bom profissional das leis em pouco tempo correria o
Império. Desde o início da década de 1830, as muitas cartas recebidas com pedidos de
ajuda jurídica em processos julgados no Rio de Janeiro demonstram que era tão comum
combinação da prática política com a reputação jurídica que nomes como Diogo
conseguido por Rebouças na Corte, ao solicitar que ele patrocinasse a causa de uma
amiga:
Além dos elogios de praxe exigidos por este tipo de carta, nela ressaltam o
rancor de José Bonifácio, após ter sido destituído da função de tutor do menor Pedro II.
Neste sentido, há de se entender por que ele apelou justamente a Rebouças para
conspiração contra o governo, Rebouças foi um dos poucos a ampará-lo, alegando que a
Mas, os ilustres membros (…) acham que o Tutor não deve ser ouvido;
que deve ser expulso da tutela com nota de infâmia! Sim, senhores, com
a nota da infâmia! (…) E dar-se-á caso que uma lei, feita pela Assembléia
Geral do Brasil tolha ao Tutor da Pessoa Imperial, (…) direitos que a
nenhum homem são tolhidos, os direitos naturais e sociais, comuns a
todas as condições, sempre respeitadas por todos os legisladores? (…)
Nem ao menos o Tutor Imperial seja considerado como simples homem,
seja como empregado, merce que lhe permita direito de defesa, comum a
todo homem e a todo empregado? É um Ministro!!!
advogados a quem ele poderia mesmo apelar. E, de fato, não parece que Rebouças
tenha recusado o pedido de ajuda de José Bonifácio, já que suas relações com a família
continuaram bastante amistosas, a julgar por pedidos da mesma natureza feitos por
relacionadas ao direito. A partir do início da década de 1840, por exemplo, ele foi
constantemente chamado para dar pareceres sobre peças teatrais para o recém-criado
de todas as peças levadas em cartaz no Brasil, para que fosse guardado o devido decoro,
gramática até a defesa da honra familiar, como no caso de “Isabel, A Orfã Parananense”,
em que ele achava que a representação de relações conjugais conflituosas poderia servir
Mas era no meio jurídico mesmo que Rebouças era conhecido. Dizem que até
para o cargo de ministro da Justiça ele teria sido sondado em 1837. Em meio à crise
política que acabou resultando na renúncia do Regente Feijó, por conta das más relações
deste com a Assembléia Legislativa, e por causa das seguidas revoltas regenciais,
querendo fortalecer seu ministério, Feijó o havia convidado a ser Ministro da Justiça, ao
que ele teria recusado, preferindo “aguardar para ter parte na administração do Império
se com um governo que tinha tão forte oposição na câmara, ou se havia aceitado e não
chegou a assumir o cargo por razões obscuras. Pelo menos é isso o que dá a entender o
nomeação não chegou a se efetuar por motivos que não vêm a propósito aqui referir.”
feito. Afinal, como pode ser comprovado através de uma carta escrita por Feijó em
1842, este não o conhecia pessoalmente e nem sabia o seu nome completo:
Se Feijó não conhecia Rebouças em 1842, como o teria convidado para fazer
parte de seu gabinete em 1837? Como boatos correm mais rápido do que novidades
verdadeiras, o fato é que, antes mesmo do retorno à sua província natal, na Bahia já se
Pelo visto, Rebouças não gostou nada de ver desafiada a veracidade de sua
esperava vê-lo realizado, ou então por pretender conseguir dividendos políticos do fato
de ter-se tornado uma pessoa influente que uma proposta – ainda que apenas uma
proposta – pudesse lhe render. Como visto, esta história está mal contada, e
que fazer como ele: se o convite lhe foi ou não oferecido, não nos importa discutir.
Mas importa discutir a função política que Rebouças agora exercia, diferente
daquela que vinha desempenhando até meados da década de 1830. Por conta das idas e
vindas para frequentar a Assembléia Nacional, e pelos períodos em que também foi
sua província natal, deixando de ser apenas um importante político local para ser
também uma figura de proeminência nacional, ainda que indelevelmente ligado aos
negócios da Bahia.
Pedidos de todos os tipos, desde remoções de cargos de magistrado, até
de Antonio Pereira Rebouças seria requerida em boa parte dos negócios políticos que
envolviam a Bahia. Até mesmo Montezuma, com quem ele teria ficado magoado nos
seu compatrício; em seguidas cartas, pediu a sua intervenção para que agilizasse as
provincial, a que teria direito por ser suplente dos seis representantes que não
Se para isto é preciso fazer algum sacrifício, tem paciência: eu creio que
t’os mereço, e tu podes conseguí-lo por ti, por teus amigos, e talvez
também por mim, ouso dizê-lo, pois em nada ofendi aos meus Patrícios:
antes minha vida não é outra coisa, senão um encadeamento de
sacrifícios vitais feitos à sua glória, à sua Independência, e à sua
liberdade. Não merecerei, pois, uma tal demonstração de amizade?
Na realidade, Rebouças sabia que seu status como político dependia em muito da
forma como conseguiria construir e manter boas relações com as autoridades nacionais,
ao mesmo tempo que mantinha firme sua lealdade com as principais figuras políticas da
informações que recebia, como aquele de Limpo de Abreu, quando ministro, no qual
que respeita a essa Província”, referindo-se à Bahia. Quanto mais contribuísse com
aqueles que no momento constituíam o poder central, mais solicitações eles lhe
mandariam, e melhores as suas condições de pedir favores também. Mas, além disso,
maior seria seu prestígio na Bahia, por conta das amizades com pessoas-chave na
política do Império, o que, por sua vez, resultaria em outros tantos pedidos de favores,
Era por isso que Rebouças, quando na Bahia, não se cansava de enfatizar o
quanto era querido na Corte, e como mantinha boas relações com todos os setores da
sociedade:
Claro que Rebouças tinha que fazer de suas amizades uma glória; para isso, no
entanto, tinha que dedicar parte fundamental de seu tempo a continuamente legitimar
sua posição de figura de prestígio na Corte, para manter seu papel de líder provincial, e,
por outro, mostrar às autoridades imperiais que, na província, sabia fazer valer os
continuasse a desfrutar das amizades políticas e dos benefícios que delas advinham.
Mas também esta era uma atividade que dependia do jogo de interesses políticos
realizados na província. Afinal, Rebouças não era o único deputado com aspirações a
número de políticos baianos no cenário nacional, para conseguir seu intento, ele
Martins.
Gonçalves Martins era fruto daquilo que se poderia chamar de família nova na
Bahia. Outrora um “triste meleiro de Santo Amaro”, como o descreveu o Novo Diário
assim, fez parte da primeira geração de sua família que foi estudar fora e, na volta,
passou a ocupar cargos burocráticos. Após ser chefe da polícia de Salvador, Gonçalves
Martins foi deputado à Assembléia Geral entre 1834 e 1850, presidente da província da
Bahia entre 1848 e 1852, e depois entre 1868 e 1871. Foi senador, ministro dos
Como se vê, Gonçalves Martins chegou muito mais longe do que Rebouças, que
no plano político nunca passou de deputado à Assembléia Legislativa; mas, nos idos de
1835, o primeiro ainda era um magistrado aspirante a político, cuja rápida ascensão
1835 e 1837, papel proeminente seria dado às desventuras de Gonçalves Martins, que
não teria tido capacidade, no caso da Revolta dos Malês, nem vontade política, quando
Já fazia um tempo que Rebouças, tendo ficado na primeira suplência nas últimas
eleições, havia voltado a residir em Salvador. A esta altura, sua família havia aumentado
consideravelmente: além de seu pai, já bastante idoso, que com ele vivia, havia as duas
Pouco tempo depois, nasceriam mais dois, André e Antonio Pereira, ambos na Bahia.
Seu sogro, agora viúvo, também vivia na cidade e, segundo Rebouças, ele teria sido o
responsável por alertar as autoridades de que a revolta dos malês estava por acontecer.
Muito bem sabe o sr. Chefe de Polícia Gonçalves que a meu Sogro foi
que a liberta Africana revelou o segredo da insurreição iminente; que
meu Sogro logo que a ouviu fez repetir tudo às Pessoas, que com ele se
achavam (como era costume das 7 às 10 e 11 horas da noite); que a
participação foi logo a Palacio; que o Juiz de Paz do Distrito ouviu a
Africana circunstanciadamente; e, se não me engano, também a ouviu o
Comandante do Corpo Policial.
Recôncavo, trazendo consigo os planos para a maior revolta de africanos que a Bahia já
havia presenciado. As novas sobre a rebelião chegaram aos ouvidos da africana liberta
Guilhermina Rosa de Souza, que confirmou os boatos com sua comadre Sabina da Cruz,
decidiu correr à casa de seu vizinho André Pinto da Silveira, sogro de Rebouças, para
contar o que sabia, chegando lá por volta das 8 da noite. Lá encontrou outro africano,
escravo da família, e insistiu para que ele falasse sobre a revolta a seu senhor. Como
este não o fizesse e eles já tivessem atraído a curiosidade do dono da casa por estarem
de sua visita.
Rebouças não gostava de Guilhermina. Dizia que ela era “muito impertinente”,
porque alugava uma das casas de André Pinto da Silveira, vizinha à deste, e vivia
procurando-o para fazer exigências sobre o estado da residência. Provavelmente ele não
casas de seu sogro que, só porque pagavam aluguel, se achavam no direito de fazer
reclamações. Pois foi esta mesma Guilhermina que fez chegar pouco depois a Antonio
Pereira Rebouças o recado de que “fizesse acautelar” os seus escravos. Isto porque os
Nossa Senhora de Guadalupe, de propriedade de Manoel Calafate, como mais tarde veio
a se saber.
Se não se davam bem, por que Guilhermina teria mandado avisar logo a Antonio
Pereira Rebouças sobre a insurreição? Só por causa de suas relações com André
Silveira, com quem também não mantinha boa convivência? Difícil saber. Pode-se
arriscar que Guilhermina teria visto em Rebouças alguém capaz de compreender melhor
a situação e reagir de acordo com ela. Neste caso, seus contatos cotidianos com o
mundo dos africanos e libertos seria muito maior do que o percebido apenas através de
Seja como for, Rebouças teria ido rapidamente para o local, para onde também
Segundo seu próprio relato, Gonçalves Martins teria estado na ladeira da Praça,
teria visto os trinta policiais e mais cidadãos armados de archotes, a Guarda do Palácio
com suas quarenta baionetas, a do Colégio com mais de vinte, e ainda o Batalhão 3o de
Primeira Linha e a Guarda Nacional, que começavam a aproximar-se. Com tanta gente
descobertos por um juiz de paz, um policial e dois oficiais da Guarda Nacional na casa
de Manoel Calafate, e por isso tinham decidido dar início à revolta, saindo às ruas,
eles já tinham passado pela Praça do Palácio, onde, enfrentando a Guarda, tinham sem
sucesso tentado libertar alguns presos; já tinham descido a Rua da Ajuda e chegado ao
para Cabrito, onde iriam se encontrar com os africanos vindos do Recôncavo. Não
mas não a brutalidade da repressão em si. Para ele, apesar de a cavalaria chefiada por
Gonçalves Martins ter matado mais de quarenta pessoas, prendido outros e dispersado o
resto, “muito mais facilmente os derrotara, matara, prendera e dispersara na casa em que
Mais tarde, ele repetiria esta opinião na Assembléia Geral, dizendo que o chefe
Rebouças, assim como todos os liberais adeptos do adjetivo moderado, não estavam em
boa situação: por um lado, eram a favor da repressão ao movimento separatista do Rio
fazia oposição a Feijó; por outro, não via com bons olhos o Regresso, movimento
ocupar a capital da Bahia por cinco meses não foi assaz significativa, como se verá. Mas
1870, em meio a outros episódios notáveis como a luta pela independência e a atuação
São Pedro, rumou para lá, onde encontrou o comandante das armas tenente-coronel Luiz
da França com a força militar a seu cargo e o chefe de polícia, agora também juiz de
O estado de revolta em que estava a província da Bahia, que de 1831 a 1837 não
que a cidade vinha conhecendo desde pelo menos 1820, quando um rápido boom
havia falta de vários alimentos de consumo básico, como mandioca, o que estimulava a
alta de preços. Além disso, a produção descontrolada de moedas de cobre ativara uma
inflação sem precedentes na história da província. A situação financeira exacerbou os
ânimos dos federalistas, decepcionados com o caráter tomado pela nação depois da
dominava o país, clamavam por reformas jurídicas liberais e reclamavam contra os altos
impostos.
Para estes liberais, os exaltados, o Ato Adicional de 1834 havia sido uma luz no
fim do túnel. Com maior autonomia para as províncias, e, a partir de 1835, com Feijó
sozinho na Regência, eles esperavam poder fazer aprovar reformas que limitassem o
poder dos senhores ligados à Corte. Mas isto não aconteceu, e os efeitos não tardaram a
se fazer sentir em várias províncias, com a eclosão de revoltas federalistas como a dos
colocou no poder o senhor de engenho Pedro de Araújo Lima, dando início ao Regresso,
este estado de coisas. Enquanto os primeiros consideraram este motivo suficiente para o
rompimento com o governo, os últimos optaram pela via legalista, tendo que, ao mesmo
muito incentivava.
Antonio Pereira Rebouças fazia parte deste último grupo. Foi por isso que, das
imediações da fortaleza de São Pedro, logo que soube da tomada da praça do palácio do
governo pelos rebeldes João Carneiro da Silva Rego e Francisco Sabino Alves da Rocha
Manoel José de Almeida Couto para resgatar o maior número possível de moedas de
deslocar “o corpo de soldados permanentes para uma das localidades mais apropriadas
Martins? Gonçalves Martins a esta altura já havia ido para Santo Amaro, onde estava,
mesmo segundo Rebouças, “empregando toda a diligência para que se tratasse de meios
de reagir contra a rebeldia.” Mas, segundo este, Martins assim o fazia para tentar se
livrar da culpa de não ter agido com mais presteza contra a conspiração, quando dela
teve conhecimento:
… a rebelião de 7 de Novembro, abortaria se o magistrado de que trato
[Gonçalves Martins] tivesse prevenido a saída dos conspiradores quando
os observou no seu club. Bastava tê-los em custódia, e fazê-los sair ao
amanhecer do dia seguinte. Tudo ficaria descoberto; eles cuidariam de se
desculpar como pudessem, e o país não passaria pelo experimento de
uma revolução que ameaçou dissolver e perder o império!!!
De fato, é bem conhecido o encontro que o chefe de polícia teria tido com
Sabino antes da eclosão da revolta, dada a amizade de longa data que os unia.
Gonçalves Martins, assim como Rebouças e Sabino, tinha seu jornal no início da década
de 30. Sabino chegara a dirigir por pouco tempo O Bahiano depois da mudança de
Rebouças para a Corte, mas acabara fundando seu próprio periódico, o Investigador, que
era rodado na tipografia de Gonçalves Martins, onde este publicava o seu Órgão da Lei.
Quando Sabino se envolveu com os crimes que o tornaram famoso no início da década
chefe da polícia não só recusou-se a publicar qualquer notícia sobre o caso, como ainda
Sabino foi ter com Gonçalves Martins antes do início da revolta, e não só o teria
informado do que estava por acontecer, como teria pedido apoio a ele. Embora não
tenha dado a ajuda solicitada, tampouco Gonçalves Martins tomou as providências que
se esperaria de alguém na sua posição; não denunciou nem prendeu, e mais tarde
limitou-se a dizer que não o fizera porque não tinha direitos legais para tanto, embora
não tenha hesitado em prender e matar os africanos na revolta dos malês, mesmo
estando na mesma situação. Daí a origem das denúncias de Rebouças, neste episódio:
por sua omissão, Francisco Gonçalves Martins era culpado pelo prolongamento da
Sabinada.
A sequência da história é conhecida: apesar das disputas entre Gonçalves
em atacar Salvador, mantendo por cinco meses um cerco que acabou por deixar a cidade
Rebouças havia levado sua família para o Engenho Mataripe, e de lá para Cachoeira,
onde passou todo o período da rebelião morando “na mesma casa prestigiosa pelas
Para além de sua atuação no conflito propriamente dito, sem dúvida motivada
Regresso, isto era fundamental, embora não significasse necessariamente que ele
reformas básicas, como a do sistema judiciário, o que também era bem visto pelos
local, que a administrava de acordo com seus interesses políticos, e era do interesse do
grupo de Vasconcelos centralizar ao máximo a política de distribuição de cargos e de
tomada de decisões, para que elas fossem conformes ao projeto político da Corte. Esta,
por exemplo, é uma das principais justificativas de Nabuco de Araújo para ficar do lado
dos regressistas em 1837. A organização do sistema judiciário, por outro lado, também
dispondo de bom conceito entre as altas autoridades do Império mesmo depois da queda
de Feijó, como pode ser visto através da carta que lhe mandou Pedro de Araújo Lima, o
futuro Marquês de Olinda, então um dos homens mais influentes do Império, pouco
depois de ter assumido a chefia do gabinete ministerial, na qual ele demonstra confiança
Cartas como esta dão a impressão de que Rebouças estava em situação segura, e
que o prestígio já conseguido seria suficiente para manter seu espaço garantido no jogo
da política baiana e nacional. Mas a disputa local com Gonçalves Martins revela
escala nacional, Antonio Pereira Rebouças ainda era continuamente desafiado a reforçar
seus princípios de apego à ordem monárquico-constitucional. Afinal, sempre que se via
invariavelmente eram dedicados a lembrar à elite política baiana quem era Rebouças, e
quão perigosas eram suas idéias, ainda por conta dos acontecimentos de Sergipe. Com
que isso, ao chefe de polícia incomodava o fato de Rebouças, ao mesmo tempo, ser
mulato e construir sua imagem como defensor da ordem já que, segundo seu raciocínio,
haviam sido os mulatos os responsáveis por boa parte dos tumultos por que havia
passado a Bahia no passado recente. Ao invés de se conformar com esta visão, ao que
tudo indica predominante entre seus pares, Rebouças havia argumentado que,
justamente por ser mulato, ele se considerava um “fiador dos brasileiros”, como
trajetória tinha muitos elementos em comum com a de Francisco Sabino Álvares Vieira,
azuis, como enfatizam todas as descrições –, também era conhecido pela habilidade com
que praticava sua profissão de cirurgião, pela notabilidade que alcançou em sua carreira,
Embora seja sempre difícil mensurar dados relativos à cor, é importante notar que
composta por negros e mulatos. Afinal, apesar da exclusão dos africanos da participação
oficial nas tropas rebeldes, muitos escravos crioulos abandonaram seus senhores, na
fuga de brancos da cidade, como notou o consul britânico, que disse ter Salvador ficado
“totalmente enegrecida, com exceção dos estrangeiros.” Em uma carta, Barreto Pedroso
estimou que dois terços da força rebelde era composta de negros. Dos dez prisioneiros
um era cabra.
Mas enfim eles nos estão fazendo a guerra porque são brancos, e na
Bahia não devem existir negros e mulatos, principalmente para subirem a
postos, salvo quem for muito rico, e mudar as opiniões liberais,
defendendo títulos, honras, morgados, e todos os princípios da fidalguia
…
O artigo segue atacando aquele cujo exemplo não deveria ser seguido: o mulato
Antonio Pereira Rebouças, que havia ficado do lado do governo, depois de ter
… quem não for mulato rico como Rebouças, e como ele enfatuado peru,
tendo sido dos trancafios, não pode ser coisa alguma …
das motivações da Sabinada foi justamente as frustrações daqueles mulatos que viram
conseguido construir uma carreira política e profissional, mas não levantava a voz para
defender seus pares – ao menos não da forma que estes gostariam de vê-lo fazer.
ele estava lutando do lado errado. No mesmo jornal, apelavam para ele, dizendo que
Não suponham os Rebouças,(...) que ao lado da revolução não estejam
homens, que saibam dizer duas palavras juntas; estão iludidos, e Deus
queira não o conheçam sem remédio: Unam-se conosco, se querem salvar
a Bahia, e a si próprios: os direitos de igualdade, e liberdade hão de ser
defendidos pelos bravos do Dia 7 de Novembro até a morte: o solo da
Bahia não há de ser mais poluido por atrevidos fidalgões; hão de igualar
em talentos, e virtudes, se querem ser distintos; ouçam nosso conselho, e
aviso salutar, que não vem do medo, porque nada receamos, nem vemos
do que, mas é porque deveras queremos o bem de todos.
de mostrar que também havia mulatos na resistência à Sabinada. Desta forma, ele
em argumento político através de ações por ele consideradas extremas. Para ele, era
qualquer conotação racial, para demonstrar que a cor não tinha qualquer relação com a
filiação política. Ainda que pudesse concordar com a leitura dos revoltosos sobre o
Rebouças iria protestar, nem seria através do argumento da cor que ele ofereceria a sua
solidariedade.
foram tragédias do ponto de vista do seu projeto político. Se sua ênfase principal estava
ambos os movimentos faziam era justamente chamar a atenção para o fato de que
adesão a determinados princípios políticos era, no fundo, uma tentativa de reforçar seus
mulatos.
Mais do que uma disputa política pessoal, portanto, seus problemas com
Gonçalves Martins residiam no fato de ele nada ter feito para impedir que as revoltas
fossem iniciadas. Como, no entanto, elas ocorreram, a Rebouças não restava outra
opção a não ser ficar do lado da ordem. Mas esta atitude também não lhe trouxe nenhum
bem, e em nada fortaleceu a sua posição política. Ao contrário, ela evidenciou a sua
fragilidade. Todas as revoltas ocorridas na década de 1830 deixaram claro que havia um
fossem estes escravos, libertos ou livres. Para Rebouças, nada pior. O reconhecimento
desta situação no caso da Revolta dos Malês e da Sabinada fez com que sua principal
bandeira, a dos direitos civis, passasse a ser vista com extrema desconfiança pelos
Antonio Pereira Rebouças até sobreviveria politicamente por algum tempo às revoltas
que sacudiram a Bahia na década de 1830. Mas suas idéias estavam irremediavelmente
condenadas.
Afinal de contas, a política posta em prática pelos regressistas havia feito com
das tropas da repressão buscaram conseguir dividendos políticos da vitória, cujos efeitos
tinham alcance nacional, já que a pacificação da Bahia, por sua posição estratégica e por
sua importância política, era fundamental para que o Império permanecesse unido.
1838, ele não se fartou de usar a revolta como exemplo da vitória do governo contra os
“bárbaros costumes, contra o declínio da civilização”, contra aqueles que não queriam
brasileiro. A julgar por sua trajetória posterior, pode-se ver como, efetivamente, a
Foi este mesmo impulso que deu início ao lento declínio da carreira política de
Coimbra. Mais um argumento em vão. Diferentemente de Rebouças, que, por nunca ter
sido formado, nunca teve um cargo na magistratura, Gonçalves Martins foi juiz de
direito, chefe de polícia, e daí só seguiu para cima. Portanto, o principal problema de
Rebouças, a partir de então, era ter que enfrentar a ascensão política de seus adversários
na trajetória de Antonio Pereira Rebouças. Apesar de, o tempo todo, se afirmar como
defensor da ordem, mostrando que sua cor nada tinha a ver com a adesão aos princípios
Rebouças acabaria sempre considerado como aquele que, justamente por sua
outro político liberal, por mais confiança e admiração lhe devotassem Bernardo Pereira
de Vasconcelos e Pedro de Araújo Lima. Sua atuação como repressor da Revolta dos
Malês e da Sabinada não lhe havia rendido qualquer dividendo político significativo.
Como elas não foram evitadas, ficou cada vez mais difícil defender suas idéias, já que
elas estavam comprometidas pela marca racial que estes movimentos haviam tomado.
Por outro lado, justamente por causa destas revoltas, o fato de Rebouças ser mulato
passou a ser mais importante do que o conteúdo de suas idéias, daí elas terem sido
consideradas perigosas. Neste sentido, Rebouças não é o único político liberal a sofrer
Assim, mesmo já estando acostumado à conexão por seus adversários feita entre
sua cor e suas idéias políticas, passou a ser muito mais difícil para Antonio Pereira
conterrâneo João Maurício Wanderley, que em debate parlamentar de 1846, diz dele que
“água impura e lamacenta, não importa quão filtrada e purificada, sempre mostra sua
origem”. A forma como estes parlamentares a ele se referiam mostrava que sua carreira
advogados. Segundo Joaquim Nabuco, a julgar pelas impressões de seu pai, em meio a
bacharéis novatos como o próprio José Thomaz Nabuco de Araújo, um dos que mais
chamava a atenção era Antonio Pereira Rebouças. Afinal, apesar de não ter cruzado o
época um veterano, membro da geração de Coimbra, aquela que chegou ao poder entre
1820 e 1840, menos pela idade e mais pelo fato de ter entrado tão cedo na vida pública.
Souza Franco, outro que começou a militar cedo, mas entrou tardiamente para a
portuguesa, Souza Franco fez parte da guarda nacional cívica organizada em prol da
independência do Brasil, e nesta atividade foi preso e remetido para a Fortaleza de São
Julião, em Lisboa; ele só foi entrar para a Faculdade de Direito de Olinda em 1831,
dividindo os bancos escolares com Teixeira de Freitas, Urbano Sabino Pessoa de Mello
e Nabuco de Araújo. Quando estes entraram formalmente para a vida pública nacional,
como representantes de suas províncias, Rebouças era uma figura que, de tão conhecida,
dos direitos políticos e da Constituição. Esta seria “um grande mecanismo liberal”,
do Ato Adicional, até que hoje volta a ser de novo a bandeira da Constituição.”
Mas Rebouças seria, para Nabuco, mais do que um raro representante do “velho
moleque de rua por Gonçalves Martins são exatamente as mesmas que mereceram os
Nabuco, a opção pela postura política crítica mantendo, ao mesmo tempo, o respeito à
de mulatos e negros. Ainda que provavelmente ele não tenha usado diretamente esta
expressão, havia dito que era o “fiador da união geral da família brasileira”, o que por si
só já é significativo.
1843, pouco depois das más-sucedidas revoltas de 1842, quando liberais de Minas e de
poder que desde 1837 já os vinha excluindo das esferas local e provincial, acabaram
apenas Rebouças e mais alguns. “O nosso País cada vez mais piora, e onde irá parar
ninguém há que o diga com certeza”, escrevia Montezuma a Rebouças naqueles tempos,
mesmo razão, já que anos depois, em 1850, a Câmara só possuiria Souza Franco como
Paulino José Soares de Souza, cujo filho viria a ser um dos grandes destaques das
gerações vindouras, escreve sobre o assunto a Rebouças, dizendo-se contente por
constatar que a eleição deste está praticamente garantida, mas também surpreso por
A questão dos liberais naquele tempo passara a ser a oposição à obra política do
Regresso, que estava devolvendo ao governo central os poderes que havia perdido com
justiça e da polícia a seu bel-prazer, o que foi imediatamente feito, com os cargos sendo
distribuídos para seus aliados e negados a seus adversários políticos. Esta situação criou
problemas vários para os liberais: por um lado, aqueles que eram representantes de áreas
termos mais imediatos, as revoltas liberais de 1842 foram, portanto, defesa dos
interesses locais daqueles proprietários que estavam sendo alijados do centro de tomada
de decisões do Império.
Estado brasileiro fossem livres e desvinculadas dos interesses das oligarquias. Os tipos
Este último em especial, segundo as manifestações mais ardorosas dos luzias, que
“a oligarquia que hoje domina o país, [atentando] contra a Coroa, escravizando-a por
e unicamente os membros dessa facção.” Daí a fúria dos liberais quando este Conselho
Império, o trono (…) e defender estes sagrados objetos dos ataques que lhe eram feitos
fossem transformadas em transtorno para o controle da ordem social, era o fato de não
contarem com a recusa do Imperador em ser livrado daquilo que os liberais chamavam
de “coação [ao Estado] em que tem posto a oligarquia hoje dominante”. Não só o
gabinete conservador continuou no poder como manteve sua política centralizadora, que
acabou sustentada pelos próprios liberais em nome da necessidade de manter a ordem
época, os liberais voltaram a ocupar cargos no poder central, no Senado e até mesmo no
Nas palavras deste autor, portanto, os liberais teriam se fixado neste momento
projetos haviam falhado – ou que não eram seguros o suficiente para conter as revoltas
‘flor da sociedade’ e a ‘escória da população’ (...), mas também e antes de mais nada
Depois das revoltas liberais, portanto, a impressão que se tem é que os liberais
que sobraram no poder, à exceção de parte dos pernambucanos, que ainda fariam a
isto aconteceu com boa parte destes liberais. Mas este processo não abarcou a todos, e
nem aconteceu sem resistências. Havia aqueles que, como Urbano Sabino Pessoa de
Mello, futuro líder praieiro, dedicavam-se a denunciar o patronato que a partir de então
vigorava, já que os ministros, cada um com suas relações de protetores e protegidos,
distribuíam cargos àqueles que tinham os padrinhos mais fortes; outros, como o já
citado Bernardo de Souza Franco, que mais tarde faria parte do gabinete da
Conciliação, dividindo a pasta da Fazenda com Olinda, desde então defendiam teses a
e concordava com Souza Franco em relação à questão bancária. Além desta, ele tinha
outras posições políticas em comum com este último, principalmente na discussão que
veio a se tornar um dos principais debates daquela década: o fim do tráfico atlântico de
escravos para o Brasil. Desde 1840, Souza Franco vinha chamando a atenção para a
a atração de trabalhadores rurais imigrantes para o país que fossem capazes de substituir
o trabalho escravo. Rebouças estava de acordo neste sentido, e ia mais além: achava que
o Brasil devia honrar os compromissos assumidos com a Inglaterra antes de 1845, data
apresar navios que se dirigissem ao Brasil com escravos africanos, para que pudesse
de suas razões. Para ele, tão importante quanto o fim do tráfico era a necessidade de o
país estabelecer relações contratuais estáveis, honrando seus compromissos, para poder
lucrar com eles. Foi neste sentido que, ainda em 1837, quando, chegando do Senado um
o fim do tráfico negreiro para o Brasil. Para o deputado, ela só teria servido para privar
África; como o tráfico ilegal continuava, quem estava perdendo era o próprio Estado,
impossibilitado de cobrar o que antes lhe era de direito. Por isso, expondo o argumento
à época majoritário entre seus colegas liberais, propôs na época que o governo
primeiramente pelo direito, mas não o mesmo direito de Vasconcelos. Enquanto este
defendia que, enquanto o tráfico fosse legal no Brasil, este deveria continuar, o outro
sugeria a mudança destas regras, mas pela via do direito. Era por isso que Rebouças
defendia, em 1846, por causa das relações comerciais com a Inglaterra, que o Brasil
parasse de importar africanos como escravos. Mas a vinda de africanos livres deveria
Rebouças achava que sua proposta era especialmente boa porque, além de
fomentar a vinda de melhores trabalhadores para o país – “tendo de vir os africanos por
colonos, quem os haver de contratar em África principiará por fazer deles a melhor
que “os escravos negros d’África, ou Ásia, que desembarquem em Portugal ou nas
sobreditas ilhas, conseguem a liberdade natural, e os juízes das Alfândegas lhes devem
africanos como colonos são de uma lógica à primeira vista surpreendente. O que
importava para Rebouças não eram as condições de trabalho dos africanos, mas o seu
status formal. O trabalho por eles exercido deveria continuar o mesmo. A questão é que
Rebouças propunha manter a figura do traficante, que iria escolher aqueles indivíduos
quererem vir para o Brasil. Representado como sendo destituído de vontade própria, o
africano aqui também é, no limite, destituído de liberdade, já que não figuraria como
parte interessada em um contrato que deveria ser firmado, a princípio, entre iguais.
Rebouças nada mais faz, aqui, do que repetir a postura que defendia há muito
morte no código criminal do Império. Dentre os vários argumentos que este deputado
arrolou para convencer os outros de que a pena de morte era injusta e inexequível,
estava o fato de que ela não serviria para impedir a realização de crimes, não
Referindo-se aos escravos como africanos – “crêm que morrendo passarão desta
para a sua terra” – Rebouças defendia que, como os escravos não gozavam a vida,
deviam mostrar-se indiferentes à morte. Ao traduzir “bens sociais” – que não possuíam
– por liberdade, ele afirmou que única forma de gozar a vida é através da detenção de
posse de bens materiais era tão fundamental para a obtenção das demais satisfações não
materiais que podia mesmo ser tomada como a medida de todas elas: ‘cada parcela de
humano: quando ele argumenta que aos escravos deve ser consagrada uma legislação
em separado para não macular as leis dos homens livres e, logo depois, diz que
“ninguém pode tirar a vida do homem”, supõe que, neste código paralelo, se possa punir
com a morte um escravo sem que por isso se esteja tirando a vida de um homem.
Se comparada com a atitude geral relativa aos africanos nas décadas de 1830 e
1840, a posição de Rebouças nada tinha de especial: como os outros políticos, ele
também sempre se referia aos africanos como “bárbaros”. Ao mesmo tempo, reconhecia
Neste sentido, muitas de suas propostas haviam sido prejudicadas por este sentimento
relação aos africanos, e até mesmo concordar com elas. Mas a defesa da vinda de
Rebouças, os africanos poderiam até ser considerados bárbaros, mas poderiam também
deixar de sê-lo. Ao contrário da posição de dez entre dez parlamentares àquela época,
imigração e colonização por imigrantes europeus. Na realidade, como ele não via
seria melhor que se mantivesse o contato com a África que, no seu entender, resultariam
entendessem o alcance da proposta por ele feita sobre o fim do tráfico em 1846: uma lei
africanos. Seriam dois coelhos mortos de uma só vez: os africanos fariam o mesmo
trabalho de antes, e não haveria mais problemas com os ingleses. Mas talvez o
envolvimento com os traficantes fosse tanto, que os impedisse de ver o tamanho do
benefício que Rebouças lhes propunha. De fato, são notórias as relações entre os
década de 1840. Como escreveu Martim Francisco de Andrada e Silva a Rebouças sobre
partido português, e africanista: Deus queira que seja para a felicidade do Brasil.” Ao
políticos liberais e ainda mais por Rebouças, que defendia o fim do tráfico sem
interromper o fluxo de vinda de africanos para o Brasil. Neste sentido, a agenda liberal
nas décadas de 1830 e 1840 representou muito mais os interesses dos proprietários
rurais do que aqueles dos profissionais liberais, que seriam, estes, mais identificados
Se assim realmente foi, esta pode ser mais uma boa razão para o isolamento
político que Rebouças passaria a sofrer a partir de 1837. Não fossem todas as
dificuldades enfrentadas na Bahia, que, inclusive, o obrigaram a se candidatar por
muitos de seus colegas, sempre que abordava qualquer tema relativo à defesa dos
direitos civis recebia desaprovação geral. Foi assim quando ele atacou o decreto da
seguinte, Paulino José Soares de Souza atacou o “nobre deputado pela Bahia” em
grande parte de seu discurso, dizendo que ele fez mal ao censurar o decreto de
suspensão de garantias para a província do Rio Grande do Sul, quando nenhum de seus
Como defensor dos direitos civis para aqueles que eram e que podiam vir a ser
cidadãos, Rebouças ocupava uma posição cada vez mais incômoda entre os
parlamentares da sessão de 1843. Era esta a característica que fazia sua atuação ser de
uma “natureza singular”, como descreveria Joaquim Nabuco. Rebouças trabalhava com
lógica, este futuro ainda estaria distante, mais ainda do que os quarenta e cinco anos que
tráfico, ele sabia que a escravidão acabaria por ter um fim, e considerava que os liberais
deveriam se preparar para tal futuro, para o dia em que todos os brasileiros nascessem
quais apenas um pequeno grupo teria acesso aos dois. Era neste sentido que a leitura
disposições censitárias relativas aos direitos políticos. Nem mesmo a escravidão era
entendida a partir do ponto de vista – que também seria chamado de liberal, mas pelos
eram entendidas como parte das continuidades da estrutura social do antigo regime
praticamente não encontravam eco entre seus pares. Mesmo em escala atlântica, embora
seu discurso fosse semelhante ao de vários grupos que defendiam o fim do tráfico
negreiro, ou como a Société des Amis des Noirs, que defendia direitos igualitários para
negros e mulatos livres nas colônias francesas sem pregar a abolição da escravidão,
defender a universalidade do acesso aos direitos civis para nacionais livres era quase
raciais em voga desde meados do século XIX – aquelas que preconizavam a existência
argumentos com base em teorias raciais eram utilizados como tentativa de bloquear a
legitimidade da argumentação destes grupos. Não é por acaso que estas teorias
africanos.
Nos Estados Unidos, talvez o lugar onde as teorias raciais tenham sido mais
usadas como justificativa para a negação de direitos civis para negros e mulatos livres, o
locais do Sul emergiram das lutas pela independência politicamente mais poderosos do
Estados Unidos mantiveram o respeito pela grande propriedade, ao mesmo tempo que
1820, percorrendo toda a década de 1830 e parte da seguinte. Embora longe estivessem
de desenhar a sociedade em linhas raciais tão rígidas assim, medidas como a de limitar o
continuaria a estar por um bom tempo, dada a vitória do projeto saquarema – uma
direitos de cidadania então existentes. Era justamente a defesa destes direitos que fazia
de Rebouças um sujeito talvez até mais singular do que imaginava Nabuco, quando o
descreveu em O Estadista do Império. Mas seria esta peculiaridade que cedo arruinaria
também disse que, entre os excluídos da nova ordem política, estava a “população
mulata.”
avisando que suas afirmações eram “fora da ordem” das exposições. Rebouças fez que
nem era com ele; continuou falando, mostrando que “o veneno dessa intriga” concorreu
para a abdicação, e que, para superá-la, era necessário que todos os brasileiros fossem
discurso, avisando que o assunto não tinha cabimento naquela discussão. Mas Rebouças
Foi o que bastou para que a assembléia fosse transformada em uma grande
presidente da sessão não se aventurou mais a cortar a sua palavra. Rebouças seguiu
argumentando em sua forma preferida: citando exemplos de outros países, todos por ele
proposta de que ele pedisse uma sessão secreta para discutir o assunto, recusou: estava
cansado de se lhe “imputarem falsidades [o que sem dúvida fariam em uma sessão
secreta], como querer que se fizesse o tratado com a Inglaterra por amor de uma
Rebouças não estava mesmo interessado em ouvir mais boatos sobre sua posição
favorável à libertação de escravos, ainda que brasileiros: ele definitivamente não o era.
alheia. A diferença entre ele e os outros era que, no tocante aos escravos, defendia seu
acumular propriedade. Daí estar cansado de insistir na defesa de um projeto social que
como o conjunto formado pelos cidadãos do país – fosse igualmente representada por
regularidade e método que pretendia guardar na exposição” de suas idéias, terminou sua
fala abruptamente, deixando perplexos seus colegas, que o interpelaram: “—Então vai-
se embora?” Mas ele ainda não estava se despedindo. Esperava a resposta do ministro
da Marinha, a quem seu discurso era dirigido, para voltar à carga. E de fato o fez, na
reunião seguinte:
cidadãos no Conselho de Estado. Mas a resposta que ouviu foi bem diferente: Rodrigues
dizendo tudo aquilo por querer ser, ele próprio, Conselheiro de Estado. Este não disse
nem que sim nem que não; àquela altura, seu discurso já havia sido transformado em
uma sucessão de ataques, dos quais Rebouças conseguia apenas se defender. Ao ouvir
que suas palavras soavam “terrivelmente anárquicas”, respondeu que elas eram as
Mas não esperava que o ministro insinuasse que ele suscitava idéias “que
ninguém as têm!”. Neste momento, Rodrigues Torres parece ter realmente colocado o
dedo na ferida de Rebouças. Ao enfatizar que só ele defendia uma integração nacional
sem distinções raciais, mostrava que, de fato, Antonio Pereira Rebouças não se
identificava efetivamente com nenhum dos grupos políticos do Império de então: não se
com hierárquicas linhas raciais; não se identificava com os chamados liberais radicais,
política.
cunhada posteriormente por Isaiah Berlin – não tinha o mesmo temor dos outros de
cidadãos. Assim, ele não fazia qualquer concessão ao discurso que relacionava a
desordem social à igualdade jurídica entre os cidadãos. Se havia desordem, ela devia ser
tratada com a repressão que merecia; os direitos civis dos brasileiros é que não podiam
Por isso, para mais uma vez mostrar o que combatia, Rebouças seguia desfiando
os embustes de que fora vítima em 1831 e em 1835, sua participação para evitar a
1837 na Bahia. Ao final, enfatizou ainda que acreditava reunir as condições para se
considerar um homem feliz na vida moral e civil, mas parece que os outros deputados
não lhe deram fé. Ao ser perguntado que condições eram aquelas, ele perdeu de vez a
paciência, dizendo ser “muito fora de propósito que aqui viesse descrever a história” do
saber se suas opiniões a respeito do papel da população mulata nos destinos do país
cidadania e dos direitos políticos por todos os cidadãos, ou se ele levantava as questões
de exclusão racial e agitação também como metáfora para exclusão dos liberais do
O fato é que a simples menção dos direitos civis desta parcela da população foi
responsável pelo ressurgimento dos argumentos sobre o caráter perigoso de suas idéias,
deputação da época, suas idéias – e não apenas os boatos espalhados sobre elas – eram
efetivamente perigosas, justamente por sua insistência em adotar critérios únicos e fixos
Em 1846, quando a reforma da guarda nacional era mais uma vez debatida na
Assembléia, Rebouças resolveu voltar a chamar a atenção para o fato de que era
argumentos de 1832, ele dizia que, na prática, muitos libertos eram membros da guarda
nacional, e que a falta de menção destes casos apenas provava o quanto a condição civil
importante:
… porquanto, logo que algum cidadão por seu mérito sobe ao grau de
consideração que o habilita a ser escolhido para oficial da guarda
nacional ou outro qualquer emprego de importância, ninguém há que
civil e politicamente se lembre se nasceu ingênuo ou não, e se alguém se
lembra e o murmura adrede é repelido como excitando uma odiosidade
anti-social. (…) Se se entrasse na exegética da guarda nacional das
diferentes províncias, certo achar-se-ia muitos oficiais que não fossem
ingênuos; e se não me faço caso de individuar fatos, bem se vê que é
porque seria odioso e inteiramente repugnante e contrário ao meu intuito.
Seu intuito real era estabelecer a renda como critério eficaz de qualificação dos
cidadãos, o que não acontecia até então, porque para ser oficial da guarda nacional era
preciso ser eleitor, e para ser eleitor era preciso que o indivíduo tenha nascido livre.
Neste caso, o que propunha Rebouças não era a mudança dos padrões de qualificação
dos eleitores, mas a desvinculação entre este e os critérios para escolha dos oficiais da
guarda nacional.
Constituição estabelecia: de acordo com seus talentos e virtudes, que eram os meios por
excelência de aquisição de propriedade e, por extensão, posição social. Por isso mesmo,
porque estava defendendo que a guarda nacional era um lugar para quem já dispunha de
certo status, como artistas mecânicos e empregados de repartições públicas, e não para
qualquer um, é que Rebouças propôs o aumento da renda mínima de 200 para 400 réis.
Este seria o valor mínimo de que um homem teria que dispor para pagar aluguel, gastar
com roupas, calçados e alimentação, e manter dois escravos, porque “é impossível que
se considere idôneo para oficial da guarda nacional (…) quem não tiver empregado em
seu serviço pelo menos dois escravos, um em casa, outro de casa para a rua.”
A afirmação é interessante. Com ela, Rebouças não queria dizer que quem tinha
renda de 400 réis mas não tinha dois escravos não podia ser oficial da guarda nacional;
o que ele asseverava é que ninguém, nem os libertos cuja entrada na guarda nacional
defendia, que tivesse pelo menos 400 réis de rendimento, deixaria de ter dois escravos.
E, muito provavelmente, isto realmente acontecia: é notório que uma das primeiras
providências tomadas por libertos ao ascender socialmente era comprar escravos, não só
porque assim marcavam melhor a distinção entre a antiga vida e a nova, protegiam-se
de possíveis reescravizações, mas também porque não concebiam outra forma de obter
preconizava o aumento dos critérios de renda mínima. Para ele, a combinação destas
duas propostas permitiria que apenas a propriedade fosse considerada como critério para
escolha dos oficiais da guarda nacional. Nada a ver com as suas preocupações com a
quando se tratava da guarda nacional, não importava a cor de quem tinha posses; mas,
quando se tratava do Conselho de Estado, justamente a cor era escolhida como imagem
se à sua totalidade, mas àqueles determinados membros deste grupo que haviam alçado
Mas, como o fizeram na década de 1830, seus adversários não o perdoaram pelo
uso desta expressão, também em 1843 usando e abusando dos temores que provocava a
associação do nome Rebouças à função de “protetor natural da raça inferior”. Eram
toda particular, produzindo uma situação em que “não só as diversas raças nunca se
confundiam mas que muito envez disso, cada raça e cada uma das classes nunca
deixavam de mais ou menos manter e de conhecer o seu lugar”, como então dizia
população mulata, Antonio Pereira Rebouças acabou levando a pior. Queria livrar-se da
pecha de defensor de idéias perigosas, e por isso ressaltava, exagerando um bocado, sua
do argumento racial em seu discurso, mesmo como metáfora, ele mesmo permitiu que
seus adversários fizessem uso político das tensões raciais contra si. Ao final, não deixa
de ser uma ironia que Rebouças acabasse figurando no seu tempo como defensor da
população mulata, logo ele, que sempre buscou desracializar seus argumentos políticos,
insistindo que as pessoas deviam ser qualificadas por sua condição civil, suas virtudes e
Rebouças sempre tentou mostrar que a cor não poderia ser usada como critério
distintivo, fosse ela vista de forma negativa ou positiva. Negava que a cor pudesse ser
e por isso atraía a antipatia de todo o grupo político que passou a ser dirigente a partir da
ele era contrário à idéia de construção de uma solidariedade política – critério, portanto,
no qual o elemento racial seria tido como positivo – com base em identificações raciais,
e por isso era objeto de ojeriza dos sabinos. Esta é, no fundo, toda a ironia: em todas as
frentes, Rebouças tentou desracializar a forma de estruturação da sociedade, o discurso
Mas seria impossível fazer isto sem mencionar e discutir a questão da exclusão
alcançar seu objetivo, Rebouças deu um tiro pela culatra: virou o símbolo da própria
situação que queria combater, e por isso fragilizou-se politicamente, pelo medo que a
sua trajetória impunha àqueles que preferiam um mundo de hierarquias sociais e raciais
bem definidas. Por outro lado, a lógica do pensamento de Rebouças, aquele em que suas
distinções sociais que não fossem oriundas do merecimento próprio. Para ele, era
possível a existência de uma sociedade liberal escravista que não fosse racista: ela não
seria racista a partir do momento que, livre da escravidão, qualquer cidadão teria
que ele apregoava uma sociedade efetivamente liberal, onde o elemento mais importante
segurança dos cidadãos e o respeito à propriedade. Dentro desta lógica, nada mais
escravos que já eram livres na vida real. Agindo desta forma, ele demonstrava mesmo
não admitir distinções qualitativas entre os cidadãos. Para ele, ou se era livre e cidadão,
ou se era escravo; não deveria haver uma condição intermediária, como a que acabou
vingando na questão da guarda nacional, que relegava na prática os libertos a uma
cidadania de segunda classe. O que se nos apresenta, assim, é uma leitura em que a
civis, não foi aquele que imperou nas demandas dos políticos liberais da década de 1830
consideradas radicais, distanciando-se cada vez mais de seus colegas, que viam na
discurso de 1843, Rebouças não esperava que a tensão sobre as questões raciais afetasse
carreira política, fragilizando-a ainda mais, desde que havia perdido a batalha para
Gonçalves Martins, e isolando-o mais ainda diante de seus pares. Mas isto aconteceu de
forma inequívoca: sua insistência no tema dos direitos civis pela via do discurso
legalista, elegendo apenas o fórum legislativo como locus legítimo para expressão de
suas idéias, fez com que ele fosse visto com extrema antipatia por outros mulatos que,
ao contrário dele, haviam escolhido as ruas para militarem politicamente, como era o
caso de Sabino. Mas foi justamente a radicalidade de seu legalismo – que jamais o
Depois daquele fatídico discurso, Rebouças nunca mais seria eleito representante
por estar representando as Alagoas, que possuía menos candidatos de expressão; três
anos depois, ao candidatar-se novamente pela Bahia, obteve apenas novecentos votos,
ano mesmo de 1848, Antonio Pereira Rebouças encerraria sua vida parlamentar e
abandonaria a política.
pelo discurso de Rebouças que, ainda que lentamente, pensava poder se livrar da pecha
para os cidadãos de todas as cores. Antonio Pereira Rebouças ia até mais além do que os
pensando que necessitaria em breve de outros meios de defender suas idéias, já no ano
anterior havia entrado com uma petição para obter o direito de advogar no tribunal da
Relação da Corte, direito de que já dispunha na Bahia. Não que fosse impossível exercer
jurisprudência [na Corte], sem título de advogado, como a havia exercido na capital da
é possível que Rebouças não quisesse voltar a residir em Salvador, e estivesse buscando
não correria o risco de perder seu ganha-pão, caso a profissão fosse regulamentada e
ainda não havia se estabelecido definitivamente na Corte. Desde que havia voltado da
Bahia, morava com a esposa e os oito filhos em uma casa alugada na rua Matacavalos,
pertencente a Eusébio de Queiróz, onde permaneceu pelo menos até 1848. Depois,
transferiu-se para a rua do Riachuelo, e só então se mudou para a casa na qual viria a
residir até o fim dos seus dias, na rua do Aqueduto número 356 no morro de Santa
Teresa, bairro conhecido por sua boa localização, entre o centro da cidade e as
vizinhanças dos bairros nobres da Glória, Flamengo e Botafogo, e pelo ar puro e fresco,
razão pela qual era também muito procurado por estrangeiros e pessoas de saúde
sensível.
Não se sabe ao certo quando a família Rebouças subiu do Riachuelo para Santa
Silveira teve como contraponto o recebimento de uma boa herança, que incluía uma
casa no centro e um sobrado de dois andares em Salvador, este tão grande que até era
alugado para a secretaria e residência do chefe da polícia. Seria graças à fortuna familiar
e aos vencimentos como advogado que Rebouças conseguiria prover bastante conforto à
sua família, como se percebe pelas muitas jóias possuídas por sua mulher Carolina, que
prataria era abundante, o café era servido em louça de porcelana francesa e água, vinho
serviços domésticos, cuidando para que a casa dos Rebouças mantivesse sempre a
Mesmo com a herança, Rebouças nunca conseguiria manter este padrão de vida
aconteciam as ações mais rentáveis. Daí a insistência com que fazia aquele seu
requerimento, que já era o segundo. O primeiro havia sido recusado com a justificativa
de não haver falta de bacharéis formados. Rebouças argumentava que a negativa não era
políticas por ele já exercidas em prol do Império do Brasil, tentando mostrar que não era
possível negar a alguém que, mostrando “a mais decidida vocação à ciência” que
recentemente, Montesquieu – “autor do Espírito das Leis, que não tinha carta de
antigos colegas do Parlamento para continuar em sua carreira, agora com toda a
trato com as leis já bastaria para que fosse provido na profissão, ainda abusava da
erudição para mostrar que não era o canudo que garantia a competência de quem se
impressionavam. Rebouças possuía uma invejável biblioteca de dois mil e oito volumes,
entre obras em brochura e encadernadas, das quais umas poucas, como dicionários e
folhetos, ficavam em sua casa, e as outras eram distribuídas pelas seis estantes de
dos países cujos exemplos sempre utilizava em seus discursos e pareceres, como
Com uma bagagem destas, era de se esperar que Rebouças fosse um dos mais
bem-sucedidos advogados da Corte, como de fato se tornou. Embora não se saiba muito
sobre os processos de que tomou parte, fora as ações de liberdade, sabe-se que ele foi, a
advogado do Conselho de Estado, de onde vinha boa parte de sua receita. Além disso,
570 mil cruzados em moedas de ouro e prata e mais alguns bens requisitados pelo então
bens; estes até foram devolvidos, mas a cor do dinheiro nunca chegou a ser vista. O
processo rolou até 1858, quando a vitória foi garantida na justiça mas, dada a soma
volumosa que deveria ser paga, a Assembléia Legislativa sempre optava por adiar a
de Secretário de Estado do Brasil, adquirido em fins do século XVIII por seu avô como
propriedade vitalícia por 80 mil cruzados. Mesmo após a extinção de alguns cargos, a
existia mais.
propriedade. Embora não se conheça seus desfechos, Rebouças parece ter tido orgulho
interessante, porque ele defendia que fosse dado a um indivíduo um cargo público
nestes casos, sua contratação e a posterior publicação dos discursos demonstra que
direito civil e propriedade: ele, assim como outros bacharéis conhecidos pelo notório
saber, como Bernardo de Souza Franco, José Thomaz Nabuco de Araújo e Augusto
sobre os mais diversos casos organizado por João José Rodrigues, o nome de Rebouças
figura ao lado de outros importantes jurisconsultos brasileiros, além dos acima citados,
como Ramalho, Sayão Lobato, Perdigão Malheiro e Carlos Arthur Busch e Varella.
entre 1847 e 1867, sempre como advogado do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro.
Embora tenham sido poucas, elas são uma boa medida de como ele atuou, na prática,
quando se deparou com os pedidos de liberdade feitos por escravos sobre os quais já
meio jurídico, nosso advogado foi cinco vezes escolhido para ser curador a lide. No
entanto, ele não foi tão bem sucedido neste tipo de processo quanto em tantas outras
Como mostra o quadro 3, das nove ações de que participou, Rebouças foi
vitorioso em quatro e perdeu outras quatro. Destas, naquelas em que defendeu o senhor,
perdeu apenas um, enquanto que, nos processos em que atuou a favor do escravo, só
venceu um. Ou seja, como advogado, ele foi capaz de convencer os juízes com
melhores resultados quando defendia o senhor, não tendo tantos êxitos em sua persuasão
Em alguns destes processos, como o primeiro para o qual foi escolhido curador,
sua participação foi quase técnica; Rebouças limitou-se a pedir a liberação do depósito
peso, como no caso em que, defendendo o senhor, Rebouças centrou sua discussão no
assento de batismo, onde figurava, ao lado do nome do dito cativo, a designação “livre”.
batismo, não serviam para provar a condição civil de um indivíduo; este papel estaria
relacionado a questões da Igreja, e somente um registro civil – que naquela época não
existia – serviria como prova em questões como essa. Assim, astutamente livrando-se
de apresentar uma prova, como exigia então a lei, Rebouças foi vitorioso neste processo.
A mesma argumentação foi usada em outra ação de liberdade. Só que, desta vez,
Antonio Pereira defendia um escravo de Curitiba, que dizia ter sido libertado antes do
falecimento de seu senhor. Como ele não possuía carta de alforria, Rebouças alegou
que, já que o nome do suposto cativo não foi citado no inventário de seu senhor, ele
realmente deveria ter sido alforriado. Além disso, Rebouças fez uso do assento de
batismo como prova jurídica, o mesmo documento eclesiástico que antes considerava
não ser suficiente para demonstrar a condição civil, no qual o suposto cativo foi
registrado como livre. Mesmo assim, ao que parece, o argumento que ele mesmo usou
em parecer anterior sobre a necessidade do registro civil e a invalidade do documento
para impedir o prosseguimento da ação: primeiro, disse que o autor, como cativo,
deveria pedir uma licença do juiz para iniciar a contenda; depois, pediu fiança ao
depositário do escravo pelos dias de trabalho perdidos e, por último, tentou argumentar
que mulher casada não poderia alienar parte tão grande de seus bens sem o
em processo de divórcio, alegou que, ainda mais neste período, seus bens estariam
indisponíveis. De nada adiantaram suas razões: ao cabo de pouco mais de dois anos de
libertado.
liberdade, pode-se perceber que, à parte os processos nos quais ele tentava obstruir o
prosseguimento, o que era prática comum, as discussões versaram sobre três assuntos: a
de bens, por testamento ou não, pela mulher ou por seu cônjuge, o que está em jogo é a
A relação entre a posse da condição civil e a propriedade era naquela época uma
das mais complicadas do ponto de vista jurídico, a começar pela própria definição de
posse, como bem o afirmava Coelho da Rocha, em sua obra sobre o direito civil
português:
direito medieval português, já que, até pelo menos meados do século XIII, as palavras
posse e propriedade eram designadas por uma única expressão, iur (do latim ius ), o
que indica que eram termos “vacilantes, incertos e confundíveis”, possibilitando a uma
pessoa que obtivesse a propriedade de uma coisa, fosse ela uma fazenda ou uma pessoa,
através do número de anos em que ela estivesse em sua posse, mesmo se estes fossem
proprietário. Mesmo assim, ainda que o direito de propriedade de algum bem fosse
contestado, a manutenção da posse continuava a ser garantida ao possuidor enquanto
não se provasse o contrário, como enfatiza Correia Telles em seu Digesto Português:
acaba que nem o senhor tem que provar a sua propriedade, nem o cativo pode ser
obrigado a mostrar a carta de alforria, ainda mais porque, nestes casos, supostamente
prestar os serviços?
manter o africano Joaquim Rebollo como seu escravo até que ele acabasse de pagar o
que lhe devia, e só então entraria na posse de sua liberdade. O advogado do escravo
alegou que, mesmo faltando uma parte do pagamento do pecúlio, seu curado já poderia
ser libertado, porque qualquer pessoa é presumidamente livre e, além disso, ele já tinha
a posse de sua liberdade. Sua primeira alegação neste caso não deixa de ser interessante;
disse que
Mesmo escrevendo depois das duas leis de proibição do tráfico negreiro para o
Brasil, já que o processo tem início em 1861, Rebouças tentava refutar a possibilidade
de estar lidando com um africano livre, como tantos que desembarcaram na costa do
país pouco depois da definitiva abolição do comércio de escravos. Ou seja, por mais que
pelo fato de ter – ele mesmo, ou seus antepassados – chegado ao Brasil escravizado.
primeiro ser cumpridos, para só então a liberdade poder ser concedida e o libertando
poder tomar posse de sua liberdade; até então, este não poderia ser chamado de liberto:
direito português, e por extensão também pelo brasileiro, que neste caso havia mantido
as regras romanas, a propriedade só era adquirida no momento em que o comprador
tomava posse do bem. Antes de isto acontecer, quem adquiriu algo não podia ser
considerado proprietário, ainda que tivesse um contrato que o provasse. Segundo esta
lógica, no caso de Joaquim Rebollo, de nada adiantaria haver um contrato com o senhor
que garantisse a transação comercial da sua liberdade; enquanto ele não saldasse a
posse de liberdade é a “obrigação toda pessoal de prestar certos serviços”. Ou seja: este
lhe fizeram ver, ele não se aplicava ao direito brasileiro; na realidade, este advogado fez
Ao usar deste recurso jurídico, Figueira não estava sendo ingênuo, nem mostrava
destes advogados usarem de uma concepção diferente acerca dos conceitos de posse e
ampla e exclusiva que cada homem tem de usar, gozar e dispor livremente do que
licitamente adquiriu, do que é seu, sem outros limites que não sejam os da moral ou
garantido em toda a sua plenitude “se o bem público legalmente verificado exigir o uso
Pimenta Bueno, portanto, não enfatizava que, além dos limites da moral e dos
direitos alheios, havia também a faculdade de o Estado – “o bem público” – intervir nas
decidir quais bens deveriam ser confiscados, e por que razões. Isto era, inclusive,
argumentou:
O nobre deputado, sr. presidente, trouxe também outro argumento; quis
argumentar com o exemplo da desapropriação; disse: -- a constituição
garante o direito de propriedade -- entretanto mandou marcar os casos em
que pode ser desapropriada. A segunda parte desse artigo da constituição
destrói o argumento do nobre deputado. A constituição garante o direito
de propriedade, mas faz exceção; manda fazer uma lei dos casos em que
um cidadão pode ser desapropriado.
inviolável não poderia de forma alguma ser considerado um consenso àquela época.
Mais do que isto, para alguns juristas, seria impossível vir a considerar a propriedade
como um direito absoluto, enquanto a legislação que a regulasse não fosse mais clara,
Ao Leitor
Ainda que no I Livro tit XIV fica dito, em que consiste o direito de
propriedade, as espécies dela, os abusos que pode fazer o proprietário, e a
ação de reivindicação, que as Leis lhe concedem (…); contudo o assunto
é tão vasto, que ainda nos resta matéria para outro Livro, em que há de
tratar dos outros diversos modos de adquirir a propriedade, modos de a
gozar e administrar, e modos de transferir por derradeira vontade.
Enquanto a Legislação Civil não for mais clara, do que tem sido até
agora, por causa das dificuldades, que oferecem os volumosos Corpos do
Direito Romano, escritos em língua morta, e de poucos entendida: não se
pode esperar-se boa execução do artigo da Carta = É garantido o Direito
de Propriedade em toda a sua plenitude =
Mais uma vez, esta situação não era específica do Brasil ou da tradição jurídica
propriedade tão vaga quanto a anterior, qual seja “o direito de gozar e de dispor das
coisas da forma mais absoluta, desde que delas não se faça um uso proibido pelas leis
ou pelos regulamentos.”
A ausência desta definição, que perdurou por todo o século XIX, fez com que
pública na França fossem de difícil resolução, até porque alguns direitos que tinham
suas origens no Antigo Regime não foram revogados. Como mostrou Thomas Kaiser, os
juristas de fins do século XVIII francês passaram por maus momentos ao tentar
francesa.
absoluta tem origem na concepção de Locke, depois assumida por Pothier e Portalis, de
que a propriedade era uma criação anterior à existência do Estado, ou seja, que o
homem, em estado natural, teria o direito de se servir daqueles bens que tomasse para si;
propriedade também teria suas leis derivadas deste contrato. A questão é que esta
Estado iria protegê-la, era um direito positivo, porque fundamentado nas relações
sociais.
garantir que não haveria contra-revolução capaz de tirar os novos proprietários para
vários juízes. O Cours et Tribunaux de France tentou legislar sobre a interpretação deste
ser constrangido a ceder sua propriedade se não for por uma causa pública, recebendo
justa e prévia indenização”, mas o esforço parece ter sido em vão, já que as dúvidas
persistiram.
adotadas a partir do Código Civil francês, até bem mais recentemente. Lá, em termos
jurídicos, o feudalismo continuou a existir até 1856. No caso dos países que adotam a
das Real Property Laws em 1922 e 1925 na Inglaterra, continuou permeado pela
propriedade como sendo plena e absoluta desde a metade do século XVIII, baseada
tempo a fazer parte do cotidiano jurídico deste país, e também daqueles que herdaram
sua tradição jurídica, como o Brasil, como o mostram as citações das obras de doutrina
Márcia Motta.
propriedade estava mesmo mudando em vários lugares no século XIX. Obras como a
caso português e brasileiro, foram essenciais, e não só para a efetiva mudança nas
mudança na linguagem sobre a propriedade, fazendo com que o discurso sobre a sua
legitimidade passasse a girar em torno dos direitos naturais, e não mais dos privilégios
propriedade, e que, na prática cotidiana, é muito mais difícil mudar estas relações do
oitocentista foi dominada pelo paradigma da propriedade absoluta sem que, no entanto,
isto tivesse acontecido. A idéia da propriedade como sendo absoluta era uma falácia,
mas era de tal forma disseminada que é possível que pessoas como Pimenta Bueno e
acreditando.
bens legítima e ilegitimamente adquiridos. Até porque, para muitas das situações só
ocorridas a partir de meados do século XIX, não havia legislação específica. Este era o
caso da quase-posse: a última peça de legislação que havia sido escrita sobre o assunto
e juízes eram as próprias interpretações feitas por juristas. Assim, era de se esperar que
manter, neste caso, a primazia do direito romano; assim também o fez a banca naquele
caso do Rebouças, que com ele concordou e referendou as regras de direito existentes,
baseando-se na premissa de que Joaquim Rebollo realmente teria que ter provado a
posse da liberdade.
Mas Domingos Figueira não desistiu; ele provavelmente percebeu que, enquanto
dificilmente seria bem-sucedido. Neste caso, apelou para a estratégia usada pela maioria
dos curadores em processos deste tipo: deslocou seu foco, passando a sustentar que a
liberdade era um tipo de propriedade diferente das outras, e que por isso merecia ser
julgada por regras de exceção, como recomendava a ord. liv 4 tit 11 par 4:
que era, nunca podia ser revogada, mesmo que não fosse exercitada no tempo em que o
no direito vigente, a partir do qual “a posse de direitos que não dependem da posse da
cousa corpórea só se adquire pelo exercício dos mesmos direitos.” Assim, a quase-posse
caso. E esta era opinião unânime de todos os juristas, havendo até mesmo aqueles, como
O pretor não podia dar o domínio a quem não o tinha; quase dominio é
mera ficção (…). Não venho crear novidades; mas cumprir o dever, em
proveito do ensino, de explicar as ficções como ficções, e as verdades
como verdades.
posse em relação à escravidão nunca foi estabelecida. Isto fazia com que uma definição
abstrata pudesse ser considerada válida para este caso, e que, portanto, estritamente
pagar o que devia. Antonio Pereira Rebouças, portanto, foi bem-sucedido nesta ação.
para tentar convencer os juízes, tenha apelado para duas tradições jurídicas conflitantes
no século XIX: aquela que admitia a primazia do direito romano sobre outras fontes
fez uso das tradições jurídicas romana e portuguesa para defender o argumento
caso, tratava-se também de diferentes posições políticas –, o caráter abstrato das leis no
Brasil tornava possível o recurso a argumentos de diversas origens, embora nem sempre
este procedimento fosse considerado legítimo; neste caso, por exemplo, não foi.
pelo menos meados da década de 1850. Afinal, há alguns anos esta mesmíssima questão
Caetano Alberto Soares, conhecido por suas atuações jurídicas favoráveis à libertação
Sendo muito usual entre nós deixar qualquer em seu solene testamento
escravos forros com obrigação de servirem a alguma pessoa, enquanto
esta for viva, ou por certo espaço de tempo; e não menos freqüente
deixar os escravos para servirem temporariamente a alguém, e se lhes dar
a carta de liberdade, findo esse prazo, pergunta-se: 1o.) Na primeira
hipótese, se for escrava, e tiver filhos durante o tempo, que era obrigada a
prestar serviços, os filhos serão livres, ou escravos? Se livres, serão
também obrigados a prestar serviços? Se escravos, a quem pertencerão?
2o.) Na segunda hipótese e verificadas as mesmas circunstâncias, terá
lugar a mesma decisão ou diversa?
posições existentes sobre o que seria uma questão preliminar: seriam estas duas
no caso da concessão por testamento, eles decidiram que a liberdade já estava dada e o
oposta à tomada pelo Tribunal da Relação no caso de Joaquim Rebollo. De fato, este
debate teria sido de tal forma polêmico que teria provocado a saída de Teixeira de
Corte, após ter defendido em longa carta que, segundo uma interpretação literal – e,
para ele, a única possível – do direito romano, os filhos das escravas libertadas
cumprimento da condição.
A análise posterior que Perdigão Malheiro fez da questão demonstra bem como
havia muitas soluções jurídicas para o problema, mais favoráveis, inclusive, à própria
argumentou que, inicialmente, o escravo nesta condição assim permanecia até que
terminasse o serviço, mas que, aos poucos, a legislação foi modificando-se no sentido
de considerar que ele podia ser considerado meio liberto, ou, segundo as palavras de
statuliber deve ser considerado como livre de direito desde o momento da doação,
do tempo para, inclusive, defender que a alforria não deve ser considerada juridicamente
uma doação como outra qualquer, porque ela era apenas a restituição ao escravo de “seu
estado natural de livre, em que todos os homens nascem.” Este é um bom exemplo do
sociedade.
É justamente isto o que Rebouças não fez. Mesmo quando atuava como curador,
bem qualquer; no caso da ação de escravidão, na qual seus curados já tinham a posse da
liberdade, ele não argumentava que o indivíduo, uma vez liberto, não podia mais ser
escravizado. Ao contrário, discorria sobre as situações em que doações não podiam ser
argumentou que, quando as cartas de alforria foram passadas, o casal proprietário estava
da detenção, e o marido, que libertou escravos contra a vontade de sua mulher, tinha
todo o direito de fazê-lo, já que a doação não constituía mais de um terço do total do
montante do casal. Assim, a impressão que dá é que, não importa qual seja o bem, se a
doação não ultrapassasse o valor estipulado por lei, ela poderia ser feita sem problemas.
Ao realizar este tipo de argumentação, Rebouças estava trabalhando com dois
romano, adotada em Portugal e vigente no Brasil do século XIX, qualquer doação era a
por um dos cônjuges de um casal, havia algumas limitações: ela nunca podia exceder
um terço do total de bens, e devia ser insinuada se ultrapassasse o valor de 360$000 réis,
no caso de o homem realizar a doação, e 180$000 réis, se fosse a esposa quem tomasse
a iniciativa de alienar uma propriedade sua. No caso das doações por testamento, as
regras eram parecidas, com a diferença de que a aceitação do donatário não era
necessária para que ela fosse feita. Neste caso, também o que importava é que a vontade
do testador fosse obedecida e que seus herdeiros, ou melhor, a viúva, não padecesse na
miséria. Assim, as únicas restrições às doações eram aquelas onde estava em jogo o
Pois bem: embora houvesse várias formas de argumentar pelo escravo nos casos
de doação indevida, até porque existiam muitas exceções, quando o caso era de alforria,
Rebouças sempre optou pela discussão da legitimidade da doação. Assim, ainda que
sentido de atuar a favor do dono da propriedade, já que em muitas causas estava a favor
tipo de doação que não depende da aceitação do beneficiado. Ou seja: a alforria era
propriedade, como tantas diferentes havia. Nesta forma, o dado específico relativo à
escravidão é que o beneficiado não podia recusar a doação: o centro da ação está no
feito do doador, e não no objeto da doação; como qualquer outro bem, a liberdade aqui
da única lei das Ordenações Filipinas que tratava diretamente da doação da liberdade, a
A Ord liv 4 no tit 11, que tem por epígrafe: ‘Que ninguém seja
constrangido a vender seu herdamento e coisas, que tiver, contra sua
vontade’, dizendo no 4 que ‘em favor da liberdade são muitas coisas
outorgadas contra as regras gerais de direito’, conclue fazendo consistir,
ao mais, esse favor em se poder libertar o Escravo depois de ter dado e
pago ao Senhor o preço, em que for avaliado, com 20%, assim dizendo:
(…) façam dar e pagar ao Senhor do Mouro, e não seja desapossado dele
até ser primeiro pago de tudo o que houver de haver.
Como Joaquim Rebollo ainda não havia acabado de saldar a sua dívida, para
Rebouças nada mais natural que ele continuasse a ser escravo. Mas para Domingos
Figueira, esta interpretação da ord. liv 4 tit 11 par 4, que nem citava a máxima “são
Deixando à margem o que nas razões do apelante se alegou com a Ord liv
4 tit 11 par 4 que invocou com o fim de enredar, e não esclarecer a
matéria dos autos, em si mesma clara e precisa, … Pretende o apelante
que não podia o apelado (…) recorrer à justiça sem depósito prévio da
quantia de R$ 494:000 nele estipulado, ex Ord liv 4 tit 11 par 4. Além de
que esta Ord. roga espécie mui diversa, isto é, trata da ação que tem o
escravo para constranger o senhor a abrir mão de sua propriedade, (…)
não vemos razão para que a falta de pagamento da referida quantia como
de qualquer outra dúvida que contrair o apelado acarrete a reincidência
em escravidão.
Assembléia Legislativa em 1830. O que ele tentava regular, já naquela época, era
justamente o uso por ele considerado correto da referida ordenação: aquela que prevê a
através do saldo das dívidas. Rebouças pretendia eliminar a frase “são maiores as razões
Figueira vinha fazendo nesta ação. Neste sentido, a coincidência, com mais de trinta
quanto às suas reais opiniões. Ao defender a senhora dona Anna, Rebouças não apenas
estava atuando juridicamente, mas pondo em prática princípios nos quais ele mesmo
acreditava.
Afinal, dos vários escravos que Rebouças possuía, a maioria deles herdados de
seu sogro André Pinto da Silveira em favor de um de seus filhos, todos aqueles que
africana Leocádia, doada a Anna Rita Rebouças, que comprou a sua liberdade e a de sua
filha Laulina por 900$000, e com o cozinheiro Mileto, que se forrou pela fortuna de
indicava que a escrava Damiana devia entrar em posse de sua liberdade “depois que sua
filha Guilhermina tiver 21 anos e o filho Izidro 14, e se faltar a filha e o filho antes de se
verificarem as idades mencionadas, a mesma Damiana ficará liberta prestando dez anos
de serviço, a qualquer de suas filhas a quem pertencer por tempo de dez anos.”
seus serviços pelos quatro anos que lhe faltam para entrar na posse de sua liberdade
Quer dizer, não só o casal Rebouças fazia uso da liberdade condicional como
forma de garantir mais alguns anos de trabalho escravo, como mantinha expressamente
que, para Damiana entrar na posse de sua liberdade, ainda devia prestar serviços por
quatro anos ou pagar a quantia referida. Nada mais de acordo, portanto, com a
portanto, Antonio Pereira Rebouças reforçava a sua interpretação sobre a forma pela
propriedade.
falas de Antonio Pereira Rebouças. Se, conforme foi defendido, é possível estabelecer
Rebouças não protegia o senhor, mas a propriedade, fosse ela do senhor ou do escravo.
relações civis, fossem elas quais fossem. No caso de alguém ser dono de mais uma
liberdade que não a sua própria, o que preocupava Rebouças era a obrigação de as
relações entre o proprietário e o sujeito destituído de propriedade serem reguladas por
Assim, a maneira por ele encontrada para defender os escravos não tem nada a
princípios liberais, demonstrados tanto no campo do direito civil quanto através de sua
é que o senhor de escravos aparece como aquele que possui a liberdade de outro, não
como quem detém o poder de vida e morte sobre um outro ser. Estes mesmos princípios
liberais, no entanto, não foram suficientes para que Rebouças fizesse a crítica da forma
pela qual foi estabelecida a aquisição daquele tipo de propriedade que era o escravo.
sendo de direito natural sem se perguntar sobre as origens sociais deste direito, e sem
dar importância ao fato de que este direito, para usar a linguagem dos jurisconsultos da
França revolucionária, constituía uma usurpação dos direitos naturais de outras pessoas.
Se pensasse diferente, teria optado por libertar seus escravos sem requerer indenização,
pagamento ou trabalho.
1850 e 1860 tornavam possível que tanto a leitura de Rebouças quanto a abordagem de
Abundantemente citadas durante todo o século XIX, estas duas leis nada
tinham a ver com a liberdade dos escravos descendentes de africanos, mas com a
baseada na anterior, comenta que a escravização ilegal dos índios naquele Estado e no
do Grão-Pará não só não tinha cessado, como vinha aumentando. Nos dois textos, é
“se não conseguirá nunca, se não for pelo próprio, e eficaz meio de se civilizarem estes
citação direta, portanto, que à primeira vista autorizasse o uso destas leis em ações de
ilegalmente escravizados. Mas, mesmo assim, estas duas leis, somadas aos alvarás de 30
para justificar qualquer tipo de argumento favorável à liberdade utilizado por advogados
em seus arrazoados.
Nem por isso, o uso desta legislação era considerado incorreto do ponto de vista
jurídico. Ao contrário, como demonstrado no quadro 4, se estas leis eram tão citadas, era
porque sua utilização fazia sentido no contexto do século XIX, ainda mais porque não
ao fazer uso de uma lei que não tinha relação expressa com o assunto debatido, além de
escravidão no século XIX, foi a partir do contexto gerado pelo fim do tráfico atlântico e
Embora ainda fosse legal, do ponto de vista jurídico, a escravidão era cada vez
considerada menos legítima por alguns setores da sociedade brasileira de então. Neste
contexto, o direito de propriedade de um indivíduo sobre outro ainda era garantido pela
lei, ao mesmo tempo em que o direito de liberdade era considerado cada vez mais
legítimo, embora não fundamentado em lei. Era o dilema da peteca, da forma como
naquele período em função das pressões sociais realizadas por escravos, defensores de
escravos faziam uso da legislação existente. Quanto mais abstrata a legislação utilizada,
mais necessária a introdução de critérios outros para a decisão do caso que não os
estritamente jurídicos. Ou seja: já que as leis não eram claras, a decisão de cada ação
dependia muito das opiniões políticas de quem julgava. Esta abertura jurídica fazia com
imprevisíveis, o que constituía um problema para todos. Foi justamente em função deste
Instituto dos Advogados Brasileiros, com o objetivo de orientar as decisões sobre este
tipo de caso e, como se dizia então, criar direito novo. Neste ponto, Rebouças era
pautadas em apreciações com base nas regras de direito. Lugar de política era na
Assembléia, e enquanto a lei não fosse formalmente mudada pelos membros do corpo
Nada mais reprovável, segundo esta visão, do que a atitude do Instituto dos Advogados
Mas, embora a pressão pela mudança nas regras do direito fosse grande nas
décadas de 1850 e 1860, tanto para aqueles que queriam alargar o significado da lei
como para os que pretendiam restringí-lo, esta questão ainda levaria muitos anos para
ser resolvida. Enquanto isso, o campo jurídico brasileiro parecia ser um território aberto
interroga-se: “– Pois qual é a missão do advogado, senão empregar meios e modos para
alterar a favor do seu constituinte o juízo feito pelos jurados? Qual é a missão do
advogado senão converter a quem supõe um homem estar tão inocente como no dia em
que vestiu o seu primeiro par de calças?”. Ao ouvir a resposta de que “o advogado serve
para muitas outras coisas; serve para evitar que um inocente sofra a pena que não
Teobaldo não parecia ter a profissão da advocacia em alta conta. Além de ter o
sem bigode e de óculos na testa”, o advogado era um sujeito que fazia o que queria das
No direito tudo admite sofismas; tudo se pode inverter; tudo está sujeito a
mil e um alvarás e a duas mil e tantas reformas!
bem entendesse, bem que podia fazê-lo por motivos nobres. Como, por exemplo,
libertar escravos.
Tanto Sidney Chalhoub quanto Hebe Mattos, autores pioneiros na análise sobre
justiça como estratégia para libertação. Estes advogados teriam contribuído para
segunda metade do século XIX e, em Mattos, às condições objetivas para realização das
ações de liberdade, como o acesso à justiça e a influência das relações pessoais entre
cativos, libertos e livres no resultado dos processos, não há dúvida de que os dois foram
bastante convincentes ao demonstrar que “o direito foi uma arena decisiva na luta contra
a escravidão.”
usada com o objetivo político de favorecer a libertação de escravos. Neste sentido, foi
Chalhoub quem levou mais longe suas afirmações; citando batalhas jurídicas ocorridas
em algumas ações de liberdade, para mostrar como se davam os embates entre o direito
dadas as várias possibilidades de entendimento dos textos legais, cada advogado e cada
juiz interpretavam estas normas de acordo com as suas próprias posições políticas.
tem relação com a própria constituição do direito brasileiro no século XIX: afinal, será
partir de suas condutas profissionais? A polêmica é antiga, já que diz respeito ao caráter
de verdade passível de ser extraído de uma argumentação jurídica, o que tem a ver,
portanto, com a própria concepção de direito e retórica jurídica. A discussão pode ser
Neste caso, pode-se perguntar se as opiniões políticas dos advogados podem ser
realmente percebidas através dos processos e, em caso positivo, quais seriam os fatores
perto: citando um processo em que as mãe e filha Rubina e Fortunata alegaram estar
mantidas em ilegítimo cativeiro, ele mostrou como o juiz da segunda vara de direito e,
diferente as razões escritas pelo advogado das requerentes, que usou as Ordenações
oposta.
Ao defender, portanto, que os agentes do direito moviam-se em um “campo
liberdade, colocaram seus préstimos a serviço dos cativos. Há que se saber, portanto, se
mesmo no século XIX. Havia séculos que ele ocupava as mentes de juristas em todos os
exatamente, desde que o chamado direito comum começou a ser substituído por aquelas
fontes que eles consideravam ser verdadeiramente nacionais. A questão era que o uso do
portanto, e adotar normas para regulamentar a atividade jurídica faziam parte de uma
mesma problemática, que, em Portugal, pode ser remontada ao século XV, quando da
O ponto era de particular importância porque, até então, era o rei que, como árbitro,
assumia o papel de criar o direito, decidindo entre o costume e as tradições canônica e
romana. Este corpo legislativo foi substituído algum tempo depois pelas Ordenações
para juristas e juízes dos séculos seguintes no que se refere à adoção das fontes de
Acúrsio e Bártolo; e, por último, o rei decidiria com o recurso ao costume. Na prática,
porém, o que acontecia era uma inversão dos critérios: a primazia era do direito romano,
abolição da palavra “jurisprudência” da língua francesa, pois “num Estado que tem uma
constituição, uma legislação, a jurisprudência dos tribunais não é outra coisa senão a
lei.” Não foi outro o espírito da criação, naquele país, da Cour de Cassation em 1790:
cassar toda decisão judicial que tivesse feito uma interpretação errada, ou não-
autorizada, da lei.
entendiam ser fundamental delimitar ao máximo o corpo de leis que servia como base
interpretação, já que “aquilo que os juristas entendem ser o direito vigente, objeto do
seu trabalho construtivo, está longe de coincidir com aquilo que o poder político
autoritariamente lhes definira como tal.” Afinal, a questão do reinado de D. José, tendo
expulsão dos jesuítas, tidos como “inimigos da independência nacional, contra a coroa,
carência de respostas legais a situações concretas. Era premente, portanto, uma reforma,
não só do ensino, mas de toda a estrutura jurídica. Era preciso limitar as fontes
utilização dos Index romanos passou a ser vista como um atentado ao projeto do Estado
português.
data mais exatamente de 1768, quando, depois de uma série de decretos, foi
eliminação completa da doutrina. O juiz não poderia interpretar, apenas aplicar a lei em
seu sentido literal; se por acaso esta interpretação literal fosse contra a eqüidade, o rei
determinaria seu melhor uso. Esta utilização da legislação, porém, nunca deveria criar
jurisprudência: a cada caso semelhante, novo apelo ao soberano deveria ser feito. Esta
cada dúvida existente. A limitação maior, no entanto, foi a da confecção de leis. Agora,
por outras cortes. Assim, a questão da interpretação, naquele momento, ficou reduzida
Mas este método não deixou de sofrer suas críticas. No famoso debate entre
Antonio José Ribeiro dos Santos e Pascoal José de Melo Freire sobre a reforma dos
estudos de Coimbra, os dois concordavam que os assentos não deveriam ter tamanho
alcance, nem que tanta fosse a importância dada à Casa da Suplicação na formulação da
interpretação era parte da lei, e que portanto só aquele que tinha o poder de determinar a
lei – o governante – podia interpretar. Este procedimento, no seu entender, levaria a uma
maior segurança dos súditos, porque, caso contrário, seria impossível prever se a leitura
dos magistrados seria conforme à do legislador. A questão básica desta discussão refere-
No Brasil, mesmo depois da criação dos cursos jurídicos em São Paulo e Olinda,
Justiça interpretar a lei, concedendo ou denegando revistas nas causas pela maneira que
a lei determinasse. Desta forma, uma das maneiras de se reduzir o número de leis
Algo está errado, portanto: ou estas leis nunca foram implementadas, ou faltam dados à
argumentação. Parece que tentar acompanhar esta história apenas através do processo de
do texto. Como fundamento desta concepção de direito, estava a asserção de que todo o
jurídico; até pelo menos a metade do século XIX, as obras de doutrina eram escritas por
exclusividade da lei como fonte de direito; para eles, a lei retirava sua força do direito, e
civis à luz do direito romano, como fez Savigny, que em 1814 publicou a obra Über den
nosso tempo para a legislação e a ciência do direito”), na qual combatia a tendência que
Universal e das Gentes, História Civil dos Povos e Direitos Romano e Português, o
novo sistema de interpretação também levou muito tempo para ser posto em prática. Só
para se ter uma idéia, em 1815 a Mesa do Desembargo do Paço concedeu a Correia
Telles licença para publicar a sua tradução da Teoria da Interpretação das Leis de
da lei do que a adoção dos conceitos de justiça e eqüidade como critérios para
interpretação jurídica e julgamento de processos. Se havia uma noção sobre a qual não
havia –não há – consenso era a de justiça; afinal, só para ficar no plano das ações de
liberdade, mesmo depois de décadas de lutas nos tribunais, ainda havia quem tentasse
defender – ainda haverá? – que o direito à propriedade privada individual era tão justo e
De fato, o conceito de eqüidade, tão caro aos teóricos do direito natural adotados
em Portugal a partir da reforma pombalina, ainda era central para a forma como a
justiça e o direito eram entendidos em meados do século XIX, o que pode ser percebido
lusitani de Pascoal José de Mello Freire, um dos responsáveis pela reforma universitária
Heineccius. Este jurisconsulto alemão do século XVIII era então conhecido por
organizar e também refutar certos aspectos da obra de Hugo Grotius, considerado o pai
o conjunto das leis que Deus promulgou ao gênero humano por meio da
reta razão. Se se quer considerá-lo como ciência, a jurisprudência natural
será a maneira prática de conhecer a vontade do legislador supremo, tal
como se expressa pela reta razão.
Este autor acreditava, portanto, que a lei era expressão da vontade de Deus, e
neste ponto afasta-se das premissas básicas de Grotius de que a justiça e o direito
deviam ser definidos a partir de bases laicas, distintas tanto da política quanto da
religião. A lei seria, para o primeiro, uma necessidade social, ditada pela consciência
humana, mas esta consciência, a razão, seria determinada pelos desígnios divinos. Ela
não faria mais do que permitir o conhecimento das leis de Deus. A grande questão de
Heineccius a partir daí foi a de como harmonizar esta norma suprema com a liberdade
sociedade na vontade divina. Aliás, seria justamente a sociedade perfeita o que provaria
a existência de Deus.
direito natural moderno, sendo sua obra bastante popular em Coimbra, principalmente
depois que o livro Elementos de Filosofia Moral foi traduzido para o português, por
volta de 1785. Mesmo que, depois dos projetos de reforma educacional de Mello Freire,
obra daquele autor continuou a ser utilizada como referência para as obras sobre
doutrina que eram citadas nos processos, como a de Almeida e Souza, contribuindo para
a oferecer uma leitura mais restrita sobre a interpretação. Em seu Curso de Direito Civil
interpretação das leis, as regras existentes para tal e os vários tipos de interpretação que
Liz Teixeira enfatizava que nenhuma lei civil podia ser interpretada em um
sentido que lhe alterasse o significado original, mas ao mesmo tempo dizia que, como a
legislação civil era baseada no direito natural, o intérprete devia antes de tudo se basear
fatos ocorrentes ou silenciosa” – definição nem tão restrita assim –, ainda discordava de
qualquer lei à vida real, definindo esta como a própria reconstrução do pensamento
Como indicam as citações acima, as diferenças entre Liz Teixeira e Paula Batista
por parte de juízes, a partir da metade do século XIX. Mas a tabela abaixo, que contém
de liberdade, demonstra que este movimento levou um bom tempo para ser consolidado,
interpretação. Embora a grande maioria das referências seja feita a livros que contém
Processo Civil, de Joaquim José Caetano Pereira e Souza, as obras Direito Civil de
do século XIX, baseavam-se nos pressupostos divulgados por Heineccius, enquanto que
algumas obras, pode-se ver que havia uma grande quantidade de livros comumente
conceitos como o de eqüidade e justiça, fundados naquelas fontes de direito romano que
rejeição da outra. Em termos práticos, a pergunta é simples: como se diria hoje em dia, a
Embora formulada de outra forma, esta pergunta já foi feita antes. Correia Telles,
em seu Comentário Crítico à Lei da Boa Razão, publicado em 1845, achava que não.
Para ele, um sinal de evidência da aplicação desta lei seria o número de assentos
proferidos pela Casa de Suplicação a partir de sua promulgação, já que a partir de então
a interpretação cabia apenas a esta instituição; como encontrou cinquenta e oito entre
1769 e 1800, número que considerou diminuto, concluiu que a jurisprudência não foi
efetivamente unificada neste período. Arno e Maria José Wehling chegaram à conclusão
oposta, analisando processos que passaram pelo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro.
Por terem encontrado muitas ações cujas argumentações eram baseadas na Lei da Boa
Razão, e o uso do direito romano apenas nas partes em que esta lei indicava, ou seja,
quando não havia legislação nacional a respeito, eles chegaram à conclusão de que a
Tudo indica que os dados dos Wehling, embora ainda careçam de investigações
posteriores, devam ser confirmados quanto à aplicação da Lei da Boa Razão e à efetiva
substituição do direito romano utilizado. De fato, nas ações de liberdade que pararam no
mesmo Tribunal da Relação por eles analisado, a mesma lei é mencionada diretamente
em dezenove casos durante o século XIX, e várias são as citações da obra de Mello
pelo menos nos processos ocorridos até 1850, como visto na tabela 5. Nenhuma citação,
64, que caiu em desuso quando da promulgação desta lei. Quanto ao direito romano, só
Parece, portanto, que o antigo direito comum passou realmente a ser subsidiário
a partir da promulgação da Lei da Boa Razão, como, aliás, enfatizou algum tempo
mesma legislação. Muito pelo contrário: mesmo nas vezes em que a lei da Boa Razão é
metade do século XIX, com o objetivo de chamar a atenção para decisões anteriores já
tomadas por este tribunal em casos semelhantes e evitar interpretações diferentes para a
e esta é uma hipótese para a qual serão apresentados apenas alguns indícios –, assim
através da Lei da Boa Razão também levaram algum tempo para ser incorporadas pela
que as promessas de liberdade a ela feitas por seu senhor deviam ser cumpridas, não
podendo ser revogadas, citou sentenças de outros casos em que situação análoga foi
contava que a citação de quatro casos semelhantes, todos decididos a favor da libertação
dos escravos em questão, contribuísse para obtenção de sucesso em sua causa. Sua
permaneceu no cativeiro.
parece ter sido considerada válida. Em uma ação de Angra dos Reis iniciada em 1857, o
caso é o de Anna, cuja avó havia sido coartada em testamento para pagar metade de seu
valor e ficar livre; seus filhos e netos a seguiriam assim que os primeiros completassem
trinta anos, o que aconteceu com todos, menos com ela, que nasceu antes de uma das
filhas alcançarem esta idade. Como em muitos outros processos semelhantes, a questão,
a mesma discutida no Instituto dos Advogados Brasileiros naquele mesmo ano, era se o
ventre da mãe de Anna era livre ou não à época de seu nascimento. Aureliano de
facilidade, chamando a atenção para o fato de que todos concordavam com o fato de que
Além dos distintos climas políticos – a própria discussão havida no Instituto dos
em 1850 –, a diferença nos resultados também aponta para uma mudança no padrão de
período defesas baseadas nos conceitos de eqüidade e justiça eram aceitas com relativa
os textos citados anteriormente sobre a forma pela qual a interpretação ideal deveria ser
realizada no Império.
Desde 1841 esta questão havia sido introduzida na Assembléia, quando um projeto
de lei tentava estabelecer que o Supremo Tribunal de Justiça fosse autorizado a dar
assentos com força de lei, isto é, a estabelecer que suas resoluções fossem consideradas
como leis pelos juízes dos tribunais de primeira e segunda instância de todo o Império,
como acontecia com os assentos da antiga Casa de Suplicação. Pela lei da Boa Razão,
que neste aspecto confirmava a ordenação livro 1, título 5, 5, os antigos assentos não
existente, não constituindo, portanto, direito novo. A Constituição Imperial não tinha, no
entanto, ratificado este mesmo direito ao Supremo Tribunal de Justiça, daí o início da
discussão.
judiciário, a questão permaneceu em aberto ainda por muitos anos, fazendo com que o
Justiça Nabuco de Araújo, que, em seu relatório anual de 1854, ao centrar seu discurso
Absurdo também, para ele, era que se pudesse consultar o governo, através do
Conselho de Estado, sobre questões que ainda estavam sujeitas a um julgamento, o que
necessárias para que isto acontecesse ainda não havia sido tomadas, dois anos depois ele
interpretação:
sua decisão em fazer a circular de 7 de novembro de 1856 que, mesmo não dando ao
pode ter uma idéia da ocorrência deste processo através da análise do padrão de citações
referência às ordenações filipinas, leis e alvarás, o que significa que, mesmo tendo a Lei
da Boa Razão sido colocada em prática mais efetivamente a partir de meados do século
XIX, não eram muito comuns as referências às decisões diretas dos tribunais superiores,
novas leis e seus regulamentos foram sendo promulgados, as Ordenações Filipinas que
antes eram aplicadas a estes casos foram deixando de ser utilizadas. Assim, se até a
metade do século XIX as ditas ordenações perfaziam 65% da legislação citada em ações
de liberdade, a partir de então este número caiu bruscamente, passando a ser apenas
32%, ao passo que cresceu o número percentual de leis, códigos e regulamentos. Depois
deixaram de ser um recurso jurídico válido nas ações de liberdade, como pode ser mais
mas ele não era tão aberto assim. Embora os advogados usassem da autonomia
interpretativa de que dispunham, havia limites, demarcados por regras jurídicas, aos
Assim, é importante notar que, pelo menos até meados dos oitocentos,
outros previamente enunciados. Isto não quer dizer, no entanto, que a citação de leis e
Este estado de coisas fazia com que a tarefa dos compiladores da legislação
existente fosse ainda mais penosa do que normalmente já era, como bem o mostrou o
Português, como havia sido difícil escolher quais doutrinas usar, e quais deixar de fora
de sua obra:
Não por acaso, o número de publicações tendo como tema o direito civil ou o direito
além da demanda pelo uso deste tipo de manual nas faculdades de direito, cujo número
de alunos era maior a cada ano, que o uso correto das leis exigia mesmo a leitura de um
longo do século XIX da mesma forma como a legislação passível de ser utilizada na
argumentação. Neste sentido, o fato de as Ordenações Filipinas perderem força
de interpretação, já que, por serem referentes à realidade de séculos atrás, eram usadas
apenas em seu sentido genérico, como feito com a ordenação livro 4 título 11 4,
possível, as leis e os processos com fins abolicionistas, ou, ao menos, com motivações
políticas.
dos agentes estatais, dentre os quais políticos, militares, juízes e advogados. Isto, por
sua vez, motivou estudos como o de Fernando Uricoechea e José Murilo de Carvalho,
assim como padres e soldados, formaram a sólida elite estatal por compartilharem
ocupação e carreira política. Assim, a elite política brasileira podia ser chamada de
homogênea no século XIX por causa de sua unidade ideológica, conseguida graças à
educação superior comum. “Ilha de letrados num mar de analfabetos”, este grupo seria
composto por indivíduos que nem sempre teriam nascido em boa situação social, mas
que a ele teriam chegado por terem seguido formação jurídica que, por ser tão
conhecimentos e habilidades.
É exatamente este grupo, a elite letrada do Império brasileiro, que se supõe atuar
nas ações de liberdade aqui analisadas. É preciso saber, portanto, quem são estes
advogados e como participam das ações de liberdade, para se poder chegar a conclusões
totalidade das ações ocorridas entre 1806 e 1888, na primeira instância, foram
cinco ou mais processos e quinhentos e treze (ou 83%) participaram de apenas uma
no máximo duas ações somam 96% do total. Neste casos, a explicação está na variedade
geográfica e temporal deste conjunto; como os processos estão distribuídos por muitas
cidades e por várias décadas, era de se esperar que não fossem os mesmos indivíduos
que atuassem em cada um deles. Além do mais, antes do conhecido boom da formação
solicitadores sem instrução, mas com permissão para exercer a profissão, eram peças
raras mesmo nos maiores centros urbanos como Rio de Janeiro e Salvador, que dirá em
localidades do interior de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Efetivamente,
é na Corte do Império que estão alocados os poucos advogados que trabalham em mais
O que estas informações nos levam a crer é que, pelo menos até 1871, parece
mesmo sem terem continuado a trabalhar no caso, provavelmente por não serem
embora incluam o período entre a promulgação da Lei do Ventre Livre e a abolição final
que regulamentou aquela lei, estabeleceu que daí em diante estas ações seriam
número muito menor de ações tiveram suas sentenças apeladas a partir de então, sendo
ações de liberdade do universo por mim analisado tenha caído bruscamente a partir de
1871, sabe-se por pesquisas baseadas em causas de primeira instância que, na realidade,
houve um grande aumento no número de escravos que buscavam a justiça para tentar
De fato, a atuação dos advogados abolicionistas de que até hoje se tem notícia,
como Luiz Gama, parece ter ocorrido a partir de meados da década de 1860, mas
das províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo tinham como origem a militância de
abolicionistas, o que não elimina a possibilidade de terem existido antes disso, aqui e
ali, advogados cuja atuação tenha se caracterizado como favorável à emancipação dos
escravos. Este parece ter sido o caso de Joaquim José Affonso Alves, de Pelotas, cuja
trajetória mereceria pesquisa mais aprofundada, por ter comandado entre 1858 e 1867
quatro ações que chegaram ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, todas decididas
em primeira instância a favor da libertação de escravos. Embora nem sempre tenha sido
este o caso das defesas de Joaquim Alves, são muitas as ações ocorridas na fronteira
entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai que fizeram uso de uma engenhosíssima
argumentação: baseando-se na lei de 7 de novembro de 1831, aquela que, pioneira na
proibição do tráfico de escravos para o Brasil, ficou mais conhecida como “lei para
inglês ver”, argumenta-se que escravos que tenham passado para as bandas do Uruguai,
mesmo que por acaso, acompanhados de seus senhores, ou tendo ido buscar gado
fugido, teriam direito à liberdade, já que, ao entrar em território livre, livres teriam
ficado. Sua volta ao Brasil poderia ser juridicamente caracterizada como tráfico ou
escravização ilegal.
vinte e seis tomam parte em cinco ou mais ações, como se vê na tabela a seguir:
Tabela 8: Número de advogados atuantes na segunda instância das ações de liberdade,
1806-1888
referendadas aqui, já que a maioria dos advogados (quase 60%) também atua em apenas
Tribunal da Relação é bem diferente: nela, vinte e seis advogados (ou 9% do total)
este pequeno grupo foi solicitado para atuar em mais de um terço das causas de
concentração bem maior do que a ocorrida em primeira instância. Isto era devido, muito
Direito ou com permissão especial para advogar, como Rebouças – habilitados para
fácil analisar o desempenho destes nas ações de liberdade, como feito através das
informações a seguir:
Império” por Edmundo Campos Coelho, que por não serem, na opinião deste autor,
1853 e senador do Império a partir de 1858, perdeu uma ação dois anos depois, quando
defendia a escrava Theodosia, que fora roubada da companhia de sua mãe, vendida e
revendida várias vezes, por não ter conseguido provar que a menina por quem pedia era
Daí não parecer que eles tenham sido chamados para atuar nestes casos por
defender uma destas partes com exclusividade. À exceção, talvez, de Severo Amorim do
Valle, que defendeu vinte senhores em vinte e três casos, não há quem possa ser
mais solicitados para atuar em qualquer tipo de processo, não apenas em causas de
Ao mesmo tempo, é importante enfatizar que nem sempre era o escravo quem
contratava seu advogado na segunda instância. Como a apelação era automática nos
curador era designado pelo juiz, quando o processo chegava ao Tribunal da Relação, na
Corte. Obter curador gratuito era um direito que lhes assistia, como pessoas miseráveis
que eram, assim como a viúvas e orfãos. Pode-se imaginar, portanto, que nem sempre
um advogado aceitasse com boa vontade sua escolha para defender um escravo; este foi
Ricarda, que, na introdução de seu arrazoado, lamentava mais a própria situação do que
a de sua curatelada: “Agora sim é que tenho de desempenhar a árdua tarefa de curador
escala a partir de 1832, com a formação das primeiras turmas das Faculdades de Direito
pequenas localidades, mudavam-se para a Corte, não só o centro político, mas o local
almejada por muitos, nem sempre era alcançada, como mostram os dados biográficos
Como se vê, são grandes as diferenças entre as trajetórias destes advogados. Boa
parte deles, ou a metade do total, dispuseram de pelo menos algum prestígio na vida
pública do Império, seja por terem obtido títulos honoríficos, por terem publicado
exercido cargos nos poderes executivo e legislativo ou mesmo por terem sido
trabalhado, tiveram uma participação efetiva nas altas esferas da política, para além de
se debater por prazos, acumular sentenças, e neste andar construíram suas carreiras.
Faria, branco, de “estatura ordinária e rosto comprido e bexigoso”, de quem se sabe
juiz de direito da Comarca de Paranaguá. Mesmo assim, entre 1858 e 1865, enquanto
morava num quarto alugado na rua dos Ourives, foi um dos advogados que mais
Cruzando os dados dos quadros 9 e 10, pode-se constatar que, à exceção de Teixeira de
Freitas, estes, que se dedicam unicamente à profissão, são justamente os que mais
fazia, dentro deste mundo, serem escolhidos para advogar nestas causas.
Mello, que freqüentou por décadas o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Azevedo e
Mello foi o advogado que mais atuou em ações de liberdade, representando treze
durante a guerra contra a França, em 1808, mas, ao chegar das batalhas, teve de
enfrentar uma doença e o infortúnio de ter tido sua casa destruída, seus móveis
saqueados e suas posses roubadas. Diante desta situação, não teve outra alternativa a
não ser pedir ajuda ao Estado, começando por requerer o ofício de Correio Mor de
Coimbra, e acabando por imigrar para o Rio de Janeiro, para pedir ajuda diretamente ao
rei.
Já na Corte, foi talvez o primeiro que a ter a idéia de pedir indenização à Coroa
por ter sido soldado voluntário na guerra contra a França, requerendo a “remuneração
extraordinária” de 500 mil réis. Mesmo sendo filho de desembargador – ainda que
permissão para advogar no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Desta ocupação tirou
o sustento para o resto da vida, chegando mesmo a atuar em causas célebres como a
defesa de Cipriano Barata no processo de revista da devassa feita contra ele, em 1830.
sua argumentação em torno da idéia da ilegitimidade da devassa, por ela ter sido
mandada por um ministro de Estado, e não pelo competente poder judiciário, e por o
processo tratar-se de uma peça de intriga, movida por ódios pessoais. Interessante que,
imprensa ao mesmo tempo em que usou da idéia de que, apenas com as suas palavras,
Citando uma frase de Montesquieu contra o abuso de poder – “para que não se
abuse do poder, é preciso que o poder pare o poder” – Miguel Borges de Castro
Azevedo e Mello encerrou sua defesa, e terminou por ganhar a causa. Mas este
momento de glória não lhe renderia nenhum outro benefício profissional. Em 1860,
social que estavam as maiores diferenças entre os seus membros. Havia alguns
chácaras e escravos”, ou Honório Augusto Ribeiro, dono de prédios na Rua dos Arcos.
Outros eram pobres de dar dó, como o citado Domingos Martins de Faria e Manoel
segundo em seu quarto, alugado a uma casa de cômodos – que, juntos, mal chegam a
cem mil réis, figuravam apenas móveis quebrados e roupas velhas. Advogado por mais
Galvão deve ter sido mesmo a própria profissão: seu diploma foi encontrado guardado
Carvalho sobre a formação da elite política imperial, os dados deixam entrever que a
estes advogados, exceto Antonio Pereira Rebouças, que, como se sabe, estudou por
conta própria, eram formados em Direito em Coimbra, Olinda ou São Paulo. Este fato,
aliás, parecia ser reconhecido pelos próprios contemporâneos, como mostra a
debate na Assembléia Legislativa, de um deputado que dizia não confiar nos tribunais
judiciários:
Por ventura não é ele também composto de homens? Não são os mesmos
homens com quem vivemos? Não receberam a mesma educação? Não
vivem no meio da mesma população? Não têm os mesmos hábitos? Não
podem ter as mesmas virtudes, os mesmos vícios?
José Xavier da Silva Capanema e Miguel Borges de Castro Azevedo e Mello, todos os
Pereira Rebouças, que não ocupou qualquer destas posições. Mas sua indignação com o
fato de que a indicação para cargos na magistratura fosse limitada àqueles que
possuíssem diploma de bacharel formado, como mais de uma vez fez questão de frisar
A revolta de Rebouças, que neste caso parece ter mesmo origem em questões
campo que, conforme ganhava importância no decorrer do século, era cada vez mais
procurado, principalmente por aqueles que, como o próprio Rebouças, não dispunham
de outros bens que não seus “talentos e virtudes”. De fato, a partir de meados do século
XIX, o número de formados era tanto que, pela primeira vez, já não havia vagas para
estes os que mais nos interessam agora. Quando advogados como Carlos Arthur Busch e
também, a usar do prestígio político acumulado desde a Independência para montar seus
esses advogados notáveis tinham o escritório de advocacia como uma estação inicial de
onde embarcavam para a aventura da política”, parece que foi o contrário que ocorreu,
desde que deixara de ser ministro em 1857, [José Thomaz] Nabuco [de
Araújo] estabelecera-se como advogado no Rio de Janeiro. Entra logo
para a profissão como um dos primeiros de um foro em que eram
autoridades Teixeira de Freitas, Rebouças, Caetano Alberto Soares,
Urbano Pessoa, Perdigão Malheiro, Zacarias, Silveira da Mota,
Octaviano, Taylor e outros.
Já se sabe que este foi o caso de Antonio Pereira Rebouças. Assim também foi
com Urbano Sabino Pessoa de Mello, que foi juiz municipal, de órfãos e de direito de
dos Defuntos e Ausentes, Capelas e Resíduos das Vilas de Santo Antonio de Sá e Magé
Araújo, que só foi atuar em causas de liberdade depois de já ter sido promotor público,
tinham suas idéias sobre o estado das leis do país, a situação nos foros, e,
evidentemente, sobre o assunto que desde meados da década de 1840 sacudia a Câmara:
passavam a também usar suas habilidades para advogar por conta própria. Sem dúvida,
a própria escolha da advocacia tinha relações com suas concepções políticas. Afinal, dos
XIX, todos eram membros do partido liberal ou com ele identificado, à exceção de José
Thomaz Nabuco de Araújo, que viraria liberal apenas em fins da década de 1860. Isto
partidos políticos no Império, segundo as quais os profissionais liberais teriam feito uma
coalizão com donos de terra interessados em maiores poderes regionais para formar o
exemplo neste sentido. Saindo da Ilha da Madeira para ser deputado liberal na Corte de
Lisboa, em 1828, Soares imigrou para o Brasil quando da perseguição aos liberais
promovida por D. Miguel. Embora nunca mais tenha exercido atividades político-
liberdade, defendendo nove escravos e cinco senhores; mesmo assim, passou para a
identificaram, de diferentes formas, com aquelas idéias e movimentos que mais tarde
Pessoa de Mello, por exemplo, foi um dos líderes da revolução praieira, representante
muitas vezes por Pernambuco na Assembléia Legislativa, aonde veio a ser, entre as
décadas de 1840 e 1860, um das fortes presenças do partido liberal. Durante boa parte
tendo tido participação importante nas discussões da Lei do Ventre Livre, em 1871.
Será sempre a honra do Instituto dos Advogados poder dizer que a série
dos seus primeiros Presidentes (como mais tarde os que se lhes seguiram,
Nabuco e Saldanha Marinho), Montezuma, Carvalho Moreira, Caetano
Alberto Soares, Urbano Pessoa, Perdigão Malheiro, quando ainda fora
não se tratava da emancipação, foi toda de abolicionistas. Numa época
em que o princípio da escravidão era acatado por todos como um mistério
sagrado, aqueles nomes representam o protesto solitário do direito.
defesas de Urbano Sabino, que, em carta de 1869, diz que “nunca o Brasil será
Nabuco, é sempre bom olhar com cautela as apologias feitas por este ao progressismo
Nabuco, à exceção de seu pai, é possível inserir estes advogados no mesmo espectro
político a partir do qual conservadores e liberais eram divididos nas décadas de 1830 e
1840, quando foram companheiros de Antonio Pereira Rebouças, ainda que não
com o partido liberal e não terem feito uso da possibilidade de atuar politicamente a
favor da liberdade dos escravos. Mesmo correndo o risco de concluir o óbvio, vale a
pena ressaltar que, embora tenha havido, possivelmente, advogados que usaram da
arena jurídica para lutar pela libertação dos escravos antes de meados da década de
1860, eles não eram, necessariamente, militantes da liberdade. E, mais do que isso, a
suas atuações nas ações de liberdade, elas foram bem parecidas às de Rebouças,
preocupados com a extensão dos direitos civis a libertos, eles também o fariam
merecer entrar no mundo dos livres. Neste sentido, eles estavam atuando de forma
de ser escravistas, o que, mais uma vez, demonstra não só como liberalismo e
liberdade começou a ocorrer mesmo depois de meados da década de 1850, quando ficou
cada vez mais difícil encarar as tentativas de escravos de conseguir a alforria pela via do
direito apenas sob o prisma individual. Afinal, se as ações de liberdade eram geralmente
individuais até então, a partir desta década começou a haver um grande aumento do
Hebe Mattos. Neste sentido, passou a ser muito mais complicado legitimar
começaram a ficar mais restritas, por obra da elaboração de novas leis desde a outorga
fim do tráfico atlântico e a pressão pela emancipação dos escravos, o que realmente
Império, agora isto havia se transformado em uma questão premente. Afinal, o aumento
propriedade, majoritárias até então, não podiam mais ser resolvidas sem que se
Não por acaso, cinco anos depois da promulgação da Lei de Terras, da lei que
Freitas foi contratado pelo governo imperial para escrever as Consolidações das Leis
Civis, livro que deveria servir como preâmbulo para a redação do Código Civil.
Também não é mero acaso que, ao mesmo tempo em que alguns jovens começavam a
discutir possibilidades de dar novo significado às leis vigentes, usando-as mesmo como
Antonio Pereira Rebouças apegavam-se cada vez mais à via legalista como campo único
A. Simplício de Salles
ou
Antonio Pereira Rebouças
O Cavalo de Mazzepa, 1854
travaram uma suave polêmica nos jornais da Corte. Teixeira de Freitas havia acabado de
publicar o livro Consolidação das Leis Civis, destinado a ser uma compilação de todo o
direito civil então em vigor com vistas à posterior elaboração do código civil brasileiro,
não ter sido escolhido para fazer parte da comissão encarregada de rever o trabalho de
Teixeira de Freitas, formada por José Thomaz Nabuco de Araújo, Caetano Alberto
Soares e Paulino Soares de Souza (o visconde do Uruguai). Daí ter resolvido divulgar as
Mercantil, ao contrário do que fez a comissão, que apenas havia encontrado falhas na
trecho acima: o estado das leis seria tão caótico e “desvairado pela incerteza e
seu sentido original, que uma obra que buscasse clarificar e organizar o sentido das leis
civis, ainda que com defeitos ocasionais, era mais do que bem-vinda, não só para o uso
A estes elogios seguiram críticas e mais críticas, que mais tarde ocupariam um
volume inteiro publicado por Rebouças, e obrigariam Freitas a editar mais duas edições
respostas a este. Mas o trabalho extra e o caráter do debate iniciado por este advogado
não haviam melindrado a Teixeira de Freitas. Ao contrário, honrado pela resposta do ex-
Era justa a nossa mágoa, ressentindo-nos da frieza dos tempos para com
os estudos sérios, e trabalhos científicos, e saiba-se, que nem ao menos
correspondidos fomos (houveram exceções) em cartas dirigidas às
pessoas, que passam por Papinianos, mas de ciência guardada, só
atestada por discípulos que adoram seu mestre, e juram em suas palavras.
Felizmente ainda existem corações nobres, que sentem as pulsações do
amor por tudo que é grande, e glorioso para a pátria. (…) um ilustrado
jurisconsulto o Sr. Antonio Pereira Rebouças, que já particularmente nos
havia dado uma prova de apreço aos nossos trabalhos, encetara no
Correio Mercantil a publicação de várias censuras ao dispositivo de
alguns artigos da Consolidação das Leis Civis, e ilustrações de suas
notas. Cordialmente agradecemos ao nosso distinto colega este tão
louvável expediente. Todos os seus judiciosos reparos serão
cuidadosamente tomados em consideração (…). Muito feliz fora o Brasil,
outro espetáculo apresentaria a sua administração da Justiça, se ele
contasse muitos homens virtuosos e patriotas, como é o ilustre
jurisconsulto, a quem prestamos esta homenagem.
pessoas esperarem uma reação desfavorável da parte do autor das Consolidações, este
das maiores autoridades do Império por ele obtido, sem se importar de ser acusado de
falta de modéstia.
Pode parecer estranho que Rebouças dissesse de si próprio que vivia à margem,
Corte, chamado para aconselhar todos os tipos de casos de direito civil e para atuar em
processos importantes. Mas, ao que tudo indica, não era este tipo de reconhecimento
que ele buscava. Acostumado a fazer parte das comissões revisoras de reforma da
ostracismo político a que foi submetido depois do fim de sua carreira parlamentar,
ocorrida dez anos antes. Provavelmente, achava que os seus conhecimentos jurídicos e
os benefícios por ele prestados à nação deveriam ser mais bem reconhecidos pelos seus
pares. Mas isto estava longe de acontecer. Por outro lado, a publicação do livro de
Teixeira de Freitas também não havia causado o frisson por este esperado, donde sua
mágoa pela quase absoluta falta de comentários sobre o conteúdo jurídico da obra.
polêmica ocorrida dois anos antes no Instituto dos Advogados Brasileiros, quando, ao
defender que os filhos das escravas libertas condicionalmente deveriam seguir o status
da mãe pelo menos enquanto esta permanecesse escrava e perceber que sua opinião era
Malheiro e Urbano Sabino Pessoa de Mello, acusou seus colegas de ignorarem o direito
Corpus Juris Civilis, obra básica do direito civil romano que ele não havia encontrado
A parte mais acirrada de sua discussão se deu justamente com Caetano Alberto
Soares, a quem reconheceu “suas mui louváveis tendências em favor da liberdade”, mas
censurou o fato de sempre permitir que sua “idéia predileta” apaixonadamente “toldasse
os espíritos no exame de uma questão jurídica, que aliás devera ser calmo e refletido.”
discussão jurídica entre Antonio Pereira Rebouças e Augusto Teixeira de Freitas. Talvez
de seus colegas; mas, por outro lado, pode ser que o suposto isolamento dos dois fosse
devido justamente à forma como o debate jurídico por eles realizado abordou a questão
da escravidão.
As primeiras sondagens do então ministro da Justiça José Thomaz Nabuco de
Araújo ao advogado Augusto Teixeira de Freitas para que ele elaborasse um plano de
reformas.” A proposta foi aprovada, e a partir do ano seguinte Teixeira de Freitas foi
legislação antiga era relativa a costumes e práticas não mais em voga no Brasil, do seu
segurança dos direitos civis, para a paz e a felicidade das famílias, efetividade dos
advertia sobre a urgência da realização do código civil era de tal forma convincente que
dava até a impressão de que a codificação era uma necessidade histórica, sem a qual o
mostrava que a discussão acerca da reforma da legislação civil era tamanha porque,
Ainda que não soubesse dos percalços inerentes a qualquer codificação, Teixeira
de Freitas o teria descoberto antes de passar à elaboração do código em si, para o qual
apenas por causa dos conflitos havidos com Caetano Alberto Soares. Em sua introdução
à Consolidação, ele havia escrito que havia optado expressamente por não incluir os
escravos em seu projeto de código civil, para não “maculá-lo com o mal que ainda
Este também foi um dos pontos mais enfatizados por Antonio Pereira Rebouças,
pontos falhos omitidos pela Comissão. No entanto, não foi a ausência propriamente dita
de menções à escravidão que motivou sua crítica, mas a sua tentativa de sanar as
com Caetano Alberto Soares? É bem possível, e, se este for o caso, é interessante
constatar, que tempos depois, ele considerava “delicadas” as questões que envolviam a
interpretação feita pelo autor às delicadas questões que relações contratuais e doações
estabeleceu que a “única exceção à plenitude do direito de propriedade (...) terá lugar
tratar da libertação dos escravos via pagamento da própria alforria, podia ser
argumentação:
interpretação da sua preciosa ord. liv 4 tit 11 par 4, mas fez referência ao costume de, na
Bahia, um escravo poder ser libertado através do pagamento do seu valor, acrescido da
quinta parte, dando a entender que esta seria a aplicação correta desta legislação filipina.
tomada pelo governo no sentido de facilitar a emancipação, ainda que lenta, dos
pensando na proibição do tráfico de escravos de 1850, que, como visto, tanto para ele
como para muitos, teria inaugurado o processo de emancipação. Seja como for,
Rebouças tentou fazer ver a Teixeira de Freitas que havia exceções ao direito de
alforria.
Freitas não concordou com esta argumentação; disse que, de tais alforrias
forçadas, não havia exemplo na Corte, e alegava ser a citada Ordenação muito
Mas isto não era bem verdade. Teixeira de Freitas não só sabia da existência
deste tipo de ação na Corte, como havia defendido com sucesso um escravo em um
deles, em 1844, em um processo cujo advogado do senhor era ninguém menos do que
Caetano Alberto Soares. Das duas, uma: ou ele já havia se esquecido que tinha
conseguido libertar um escravo justamente através da alforria forçada ou, apesar de ter
atuado como advogado neste caso, sua posição política era de tal forma contrária a este
emancipacionistas de Freitas.
Neste caso, cabe ressaltar a posição de Rebouças em mostrar que havia alforrias
forçadas, mas também que elas deviam ser consideradas legais porque eram legítimas,
tribunais. Temos aqui, portanto, um Antonio Pereira Rebouças menos preocupado com o
pelo fim do tráfico atlântico de escravos. Ao mesmo tempo, vê-se que, para ele, havia
era o código civil, que deveria ser discutido e aprovado pela Assembléia Legislativa.
poder legislativo.
Teixeira de Freitas revelam suas posições acerca das condições ideais em que deveria
tinham de estáticos.
mulheres poderiam dispor para fazer doações gratuitas sem precisar fazer um registro de
comprovação por escrito. Na nota, Teixeira de Freitas chamou a atenção para o fato de
que este artigo incluía a doação gratuita de alforrias, por ser considerada um ato
unilateral depois de aceita. A ênfase está nas três últimas palavras: “depois de aceita.”
Uma carta de alforria encontrada por ocasião do falecimento do senhor, para ele, só
deveria ter validade a partir da data de sua morte. Conclusão? “Os filhos, pois, de uma
escrava libertada nestas circunstâncias nascidos antes de ter a carta de alforria produzido
Advogados Brasileiros, Teixeira de Freitas voltasse ao mesmo assunto, num artigo que
direito romano, uma vez interpretadas pelos legisladores das Ordenações Filipinas e
filipina liv 4 tit 63 par 7, a alforria não era dependente da aceitação do beneficiado.
Quer dizer, parte-se do princípio um tanto razoável de que nenhum escravo recusaria a
liberdade, ainda mais de graça, oferecida por seu senhor. Ele argumentou também que,
quando um escravo era legado em testamento para um herdeiro, ainda que este não
tomasse posse do bem no momento em que a carta de doação havia sido escrita, passava
Mas Teixeira de Freitas não foi convencido por estes argumentos. Na terceira
primeiro lugar, não era inconcebível que escravos recusassem a liberdade oferecida
pelos senhores e, inclusive, que havia muitos exemplos de escravos brasileiros que o
haviam recusado, embora não tenha citado nenhum. Como já se sabe que Teixeira de
Freitas não era especialmente rigoroso quanto à acuidade das informações que usava em
suas argumentações, resta analisar a parte jurídica. Nela, este advogado discordou da
alforria não poderia ser considerada uma doação, o que uma observação sobre as
especificidades da doação de liberdade estaria fazendo em um artigo sobre doações?
Mais ainda, como explicar que o senhor para ele continuaria sendo considerado como o
Mais uma vez, Freitas concluiu que a decisão jurídica sobre uma questão como
Interessante aqui que, para ele, a única argumentação que seria livre de opiniões e de
acordo com os corretos princípios jurídicos seria a sua própria. Mas Rebouças também
havia feito sua interpretação particular do direito: ao sustentar seus argumentos, havia
optado por considerar a alforria gratuita como um contrato de dotação, no qual a doação
da alforria seria um ato bilateral; assim, concluiu que a escrava entrava na posse da
períodos do século XIX, não cabe mais indagar qual a real opinião de Rebouças naquele
mais do que discutido processo. Está claro que, livre dos encargos de advogado, ele
tinha possibilidades de argumentar com razões que sua posição de defensor do senhor
então não o permitia. Mesmo assim, um ponto merece ser ressaltado: mantendo a
conceituação das transações que envolviam a alforria como sendo operações contratuais
que, portanto, envolviam transmissão de bens. Como toda transação comercial, ele
defendia que, se não fosse plenamente cumprida, ela deveria ser anulada. Isto o levou a
à escravidão.
alforrias, Teixeira de Freitas sustentou que, não importa o que acontecesse, era
impossível revogar a alforria de um liberto nascido no Brasil, e isto porque ele já havia
de libertos de Antonio Pereira Rebouças, era de se esperar que ele endossasse esta nota.
Mas não: perguntando “que tem que os libertos pelo fato de o serem adquiram a
qualidade de cidadão para que deixem de a perder uma vez que tornados ao cativeiro?”,
ele defendeu que, se o liberto for ingrato, não importa o local de seu nascimento, deve
voltar a ser escravo. Acontece que ele não estava se referindo a qualquer ingratidão, mas
a um caso específico:
Quer dizer: aqueles libertos que haviam pagado por suas liberdades, ou que a
haviam adquirido através de outra forma legítima, sendo brasileiros, deviam se tornar
cidadãos plenos, sem cláusulas de restrição como, por exemplo, aquelas sugeridas
durante a discussão da Guarda Nacional. Mas aqueles que tentavam obter a liberdade
por meios ilegítimos e enganosos, estes deviam perder os direitos de cidadania, já que
porque este seria “mais um caso de perda dos direitos de cidadão além dos três que o
que suas próprias razões poderiam ser contestadas, já que não acreditava que a mesma
convencimento foi tal que até o fez retornar, ainda mais uma vez, ao tema da condição
dos filhos das libertas: “admitindo este caso possível de revogação de alforrias, quid –
revogação por ingratidão (…). São escravos os filhos concebidos depois da revogação,
não assim os concebidos antes dela.” Este advogado assumia, assim, que a ordenação liv
totalmente revogada, apesar de considerar esta prática não mais aceitável no país.
imperfeitos”, aqueles que estavam cumprindo condição, poderiam ter suas alforrias
revogadas por ingratidão, já que, por ainda não estarem no pleno gozo dos seus direitos
civis, não podiam ser considerados cidadãos. Mas, se o liberto já tivesse sido
“manumitido puramente”, não podia mais ser reduzido à escravidão por motivo de
ingratidão, porque já era cidadão e não podia perder os direitos de cidadania por alguma
razão que não as três citadas pela Constituição. Trigo de Loureiro, portanto, havia sido a
fonte de Teixeira de Freitas; este autor considerava a alforria como uma restituição à
liberdade natural, e, ainda que a forma às vezes fosse ilegal ou injusta, como ele o dizia,
de Freitas para condenarem a possibilidade jurídica de uma alforria ser anulada por
dizendo:
Uma das questões que mais entre nós se tem debatido é, se esta Ord liv 4
tit 7 acha-se ou não revogada [cita textualmente a Consolidação e o
livro de Lourenço Trigo de Loureiro] Desejamos que esta opinião, que
não podemos aqui discutir, prevaleça no Foro, tendente como é a
restringir a escravidão.
romano, em muitos casos os libertos eram até exonerados das obrigações que lhes
cabiam, e por isso não fazia sentido que a alforria por ingratidão, por qualquer razão,
ainda fosse considerada válida no país. Todos estes autores, portanto, ainda que com
a alforria era uma restituição da liberdade natural devida a qualquer escravo e que, ao se
revogar uma alforria, estava-se na verdade reduzindo uma pessoa livre à escravidão, o
Mas eles omitiam um trecho importante do livro de Trigo de Loureiro. Ele dizia
que apenas as alforrias sem nenhuma condição suspensiva, e que não fossem ilegais ou
injustas, poderiam ser consideradas “puras”. Quer dizer: no caso descrito por Rebouças,
aquele autor provavelmente concordaria que as alforrias devessem ser revogadas. Neste
contexto, vê-se que a opinião de Rebouças sobre a revogação das alforrias daqueles que
encontrar ainda quem com ele concordasse. Em nenhum dos livros escritos na década de
supostamente ilegal. E isto acontecia porque, provavelmente, estava cada vez mais
àquele de quem ela fora indevidamente usurpada. Claro que esta opinião não fazia de
pessoas como Antonio Pereira Rebouças, para quem a liberdade e, por extensão, a
como uma restituição da liberdade natural, Rebouças demonstra nunca ter chegado a
conceber a própria escravidão como sendo ilegítima. Quando completou setenta anos de
décadas de 1830 e 1840, quando a defesa da propriedade e dos direitos individuais dos
libertos não aparecia como sendo contraditória, e a escravidão era tida, para a grande
maioria dos representantes políticos, como legítima. Mas, na década de 1860, o Brasil
aquelas em que vários escravos de uma região rural tentavam conseguir suas liberdades
ao mesmo tempo, mostravam que aumentava a pressão pela consideração das alforrias e
dos direitos a elas conectados como uma questão coletiva, que terminaria
inevitavelmente por abranger a todos os escravos. Da mesma forma, cada vez mais
apareciam advogados, como Joaquim José Affonso Alves no Rio Grande do Sul e Luiz
Gama em São Paulo, dispostos a utilizar os dispositivos legais com o expresso objetivo
uma questão individual. Seu problema fundamental continuou sempre sendo a defesa
dos direitos civis, mas em um país escravista. Disto se apercebeu o redator do Novo
colaboração de André Rebouças, que uma vez dedicou a matéria de capa à história do
ilustre advogado:
edição da obra, com a reprodução de parte de suas notas. Sua evidente tentativa de
por ninguém, caiu no vazio. Além das respostas do próprio Teixeira de Freitas, em
proferidos por ocasião de sua morte, quando todos são vistos com olhos benevolentes.
codificação civil brasileiro que caiu no esquecimento. Toda a sua trajetória como
político e jurista ficou sintomaticamente esquecida, apesar dos seus muitos esforços em
preservar sua memória. Liberal entre conservadores na década de 1830, era tido como
conservador entre os novos liberais de meados dos anos 1860. Mas talvez se possa
aventar outras razões para este esquecimento: em toda a sua vida, Antonio Pereira
exercício de cidadania de uma definição racial. Assim, tanto para aqueles que entendiam
a ascendência africana uma característica negativa, quanto para aqueles que a viam
civis, que, por sua vez, reforçava a luta individual pelo exercício cotidiano da cidadania.
Para ele, a luta pela posse e garantia dos direitos civis devia ser feita através da
militância individual ou, no máximo, por um conjunto de indivíduos, mas nunca por
direitos. Origem étnica, para o bem ou para o mal, não deveria diferenciar ninguém. Por
mais improváveis que fossem as suas idéias, a forma como ele continuamente as
expressou não deixou de trazer problemas, nem que fossem apenas conceituais, àqueles
Freitas ainda por ocasião do lançamento da obra, e também seu esforço em perpetuar a
lembrança de seus feitos, já que, no seu entender, ninguém parecia deles lembrá-los.
cegueira que marcaria seus últimos dez anos de vida, Rebouças passou a ditar suas
memórias a André, tarefa iniciada em 1867 e só finda em 1870, com a publicação dos
Para não ter feito isto em um assunto de tal importância, é porque nada mais queria
mesmo da terra: entre ele e os homens já havia se quebrado o negro laço que os unia,
como descrito n’O Cavalo de Mazzepa. O que não deixa de ser uma triste ironia;
promulgada quando encerrava sua carreira, a lei de 1871, além de estabelecer que, a
partir de então, “Na terra da Santa Cruz, ninguém mais nasce escravo”, ela finalmente
seu projeto com que iniciou suas intervenções na Assembléia, antes considerado tão
subversivo e perigoso.
Cego e viúvo, Antonio Pereira Rebouças passaria os últimos anos de sua vida
comemoração da independência. Foi visto pela última vez na igreja, quando completava
direito, ele acreditava poder, através do exemplo de sua própria trajetória, garantir que a
universalização dos direitos civis a todos os brasileiros sem quaisquer distinções era o
caminho certo para a eliminação das marcas da escravidão. Não chegaria, no entanto, a
acontecimento certamente seria comemorado por ele, se fosse possível viver tanto
assim. Rebouças sempre insistira que só o código civil garantiria os direitos civis dos
cidadãos, ao mesmo tempo em que acreditava que este corpo de leis era realmente capaz
contemporâneos seus como Augusto Teixeira de Freitas e Nabuco de Araújo, esta era
uma realidade ainda longe de ser alcançada. A história da codificação da legislação civil
elaboração daquela primeira compilação das leis existentes, ainda teria um longo
caminho pela frente. Afinal, o projeto de elaboração do código civil, tal como
vislumbrado no Império, nunca foi realizado. Mesmo depois de ter escrito e publicado o
Esboço do código civil, Teixeira de Freitas nunca chegou a completá-lo, e abandonou a
Anos mais tarde, em 1872, José Thomaz Nabuco de Araújo tomou para si a tarefa, mas
morreu seis anos depois, antes de terminá-la, deixando dezenas de volumes de notas,
Três anos depois, o jurista Felício dos Santos apresentou ao governo um livro, os
para avaliar o texto não o tivesse aprovado, eles próprios foram incumbidos de redigir
Felício dos Santos, mal chegou a se reunir, e acabou dissolvido em 1883. A última
formada no próprio ano de 1889, composto por, entre outros, Afonso Pena, Candido de
Oliveira e até o Imperador, foi extinta com o fim do regime. Desde então, e até a
principal causa mortis de Nabuco. Há também muitos que acreditam que a alegada
legislação civil. Estes dois argumentos, principalmente este último, já foram bastante
explorados pela historiografia, e não serão desenvolvidos aqui. O que importa, neste
caso, é a constatação: enquanto houve escravidão, não houve código civil no Brasil. E é
trajetória política e nas Observações à Consolidação das Leis Civis, no que se refere à
prática cotidiana das relações civis entre livres e escravos e na definição do status dos
libertos, não chegaram a ser resolvidos durante o período imperial, apesar de a lei do
Ventre Livre ter equacionado importantes problemas relativos à condição jurídica dos
escravos e às relações entre estes e livres, como no caso da interminável discussão sobre
o status dos filhos das escravas libertadas com condição de prestarem serviços por um
que oficializou aquilo que quase todos esperavam, mas receavam tornar público: o fim
do sistema escravista neste país, ao estabelecer que todos os filhos de escravos nascidos
a partir de então seriam considerados livres. Assim, mesmo se demorasse algum tempo
– aspecto criticado por muitos, à época – estavam contados os dias para o término da
escravidão. E isto não era pouca coisa, como bem notou Nabuco de Araújo, ao defender
o projeto de emancipação no Senado, por mais críticas que a ele pudessem haver,
dizendo que:
Assim, mesmo que ainda fossem necessárias outras leis e providências para
importante:
nenhuma menção à escravidão em suas notas para elaboração do código civil. Para ele,
status civil assegurado para o futuro, o de livres e cidadãos como todos os outros. Se
muitos podem objetar que isto não é o suficiente para que estes direitos sejam realmente
normas de direito civil, o problema deixa de existir. Neste caso, a lei de 1871 pode ser
considerada como a que estabelece, como princípio, o fim do dilema teórico entre
testemunharam tentativas de elaboração de códigos civis sem que, por causa disso, este
na distinção entre pessoas – livres – e coisas – escravos. Não custa lembrar que este foi
o principal argumento de Teixeira de Freitas ao negar-se a macular o código civil com
iniciar a interpretação do tema por este viés. Para ele, a promulgação do Código
Comercial (1850), tão “abrangente, regendo quase todas as relações da vida civil quanto
a obrigações e contratos”, sem o correspondente código civil ou, como queria Teixeira
civil que, denominado como tal, regesse as relações entre senhores e escravos, o
direito civil.
que a escravidão, ainda que tenha sido um grande empecilho da codificação do direito
civil brasileiro, de forma alguma era o único. As polêmicas em torno da união do Estado
brasileiro com a Igreja, por exemplo, também foram fundamentais para a tomada de
intenso debate a partir de 1873, quando se iniciou a chamada questão religiosa, em que
dois bispos desafiaram as até então pacíficas relações do Estado brasileiro com o
Papado através das críticas à existência da maçonaria no Brasil. Além disso, por conta
das estreitíssimas relações entre Estado e Igreja, até o fim do Império não havia
católicos poderiam ser eleitos para cargos públicos. Este último ponto configurava uma
clara limitação da cidadania, já que aqueles que não professavam a fé católica não
poderiam ser cidadãos plenos, mesmo que satisfizessem as outras exigências existentes
básicos que a questão religiosa suscitava no Partido Liberal, do qual fazia parte:
podiam ser resolvidas quando ficasse pronto o código civil, como defendeu ao
Só por este exemplo, já se vê que a escravidão não pode ser considerada como
que, assim como no processo de codificação do direito civil na França, era mais fácil
privado.
Mas, além disso, regime de trabalho escravo e código civil não eram, por
francês e espanhol, tinha suas leis vinculadas à tradição jurídica romana, e não à
common law, não só o código civil foi promulgado durante a vigência da escravidão,
civil da Louisiana continha pelo menos quatro artigos referentes a escravos: o artigo
aqueles relacionados com a sua própria emancipação; o artigo 177, que estabelecia que
o escravo não podia ser parte em nenhuma ação civil, à exceção de quando reclamasse a
sua liberdade; o artigo 189, que dispunha sobre a impossibilidade de uma alforria ser
revogada, por qualquer razão; e o artigo 461, que considerava que os escravos, apesar
Código Civil de Teixeira de Freitas tinham o sentido de afirmar que, mesmo devendo ser
que, nesta última, desde o início do século XIX, as boas vendas do açúcar e do algodão
direito civil brasileiro no século XIX pode ser a transitoriedade do estado civil do
trabalho escravo ainda não parecia seriamente ameaçado, a alforria era um horizonte
século XIX: seu tema principal não era a escravidão em si, mas a regulamentação das
país.
Seguindo esta lógica, entende-se por que ele considerava a emancipação dos
escravos como um processo lento, mas não como uma marca que tornasse inviável a
disseram. Assim, para Rebouças, não havia uma incompatibilidade lógica entre
escravidão e código civil; o que havia era uma grande dificuldade dos dirigentes
políticos – leia-se, aí, os responsáveis pelo projeto do Regresso, consolidado a partir dos
definição do conceito de cidadania. Dificuldades que eram, não custa repetir uma vez
mais, comuns a todos os países que tinham a construção de um Estado liberal entre suas
pretensões, formado por um conjunto de cidadãos. Como visto ao longo deste livro, nos
países escravistas das Américas, que durante o século XIX se viam, por diversas razões,
no fato de ter percebido que nenhuma das grandes questões discutidas durante a
construção do Estado e da nação brasileiros poderia ser resolvida sem que esta fosse, ao
menos, formulada. Partindo de sua própria experiência, ainda na década de 1820,
Mais ainda, ela seria incoerente com o próprio passado, já que, com a extinção dos
Estatutos de Sangue, haviam sido abolidas todas as distinções de origem, que excluíam
Assim, nos últimos tantos anos do período colonial, o liberto, assim como o índio ou o
reintroduzir critérios de distinção baseados na origem. Foi por isso que, na década de
e, mais tarde, repudiou os critérios de escolha dos oficiais da Guarda Nacional. Foi por
isso também que se bateu contra a política conservadora do Regresso, que visava ao
deixado de existir mesmo em Portugal. E, por fim, foi pela mesma razão que se
preocupou com a consolidação das lutas por direitos civis em um corpo de leis, já que
Rebouças não conseguiu se fazer lembrado para além de sua geração. Entrou para a
homem dividido entre as "duas raças", incompreendido tanto por aqueles a quem o
passado escravista era uma vergonha que deveria ser eliminada da memória coletiva da
nação, como o pensavam os codificadores do direito civil no início do século XX, como
por aqueles que pretendiam realizar uma construção positiva da idéia de raça, como,
alguém poderia ter sido profundamente liberal sem, no entanto, deixar de ser escravista.
Ao mesmo tempo, para aqueles que pretendiam construir uma memória e uma
identidade positivas do passado africano, era difícil compreender por que Rebouças
optava por abordar a questão racial como fez, procurando mostrar que as diferenças de
origem não deveriam ser critérios distintivos para a cidadania. Através de sua trajetória,
A. Fontes Manuscritas
Séries de Documentos
• Ações de Liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro (1808-1888).
• Decretos Honoríficos. Ordem de Cristo. Cx 787 (1824).
• Graças Honoríficas: Antonio Pereira Rebouças, Miguel Borges de Castro
Azevedo e Mello.
• Inventários: Antonio Ferreira Lima (1850); Carolina Pinto Rebouças (1865)
• Juízo da Segunda Vara Cível. Processos Cíveis. Maço 851 (1859).
• Juízo de Ausentes. Processos de Arrecadação. Cx. 517 (1865); Cx. 592
(1844).
• Juízo dos Feitos da Fazenda. Processos de Penhora. Maço 2322 (1867).
• Justiça - Magistratura e Justiça Federal (1808-1958). Fich. 94, IJ4 e IJ5.
• Matrículas e diplomas de estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra.
Fich. 75, gav.7.
• Mesa do Desembargo do Paço. Cx 166 (1823).
• Patentes Militares – Alferes. Cx 1 (1813).
• Segundo Ofício de Notas. Livro 20 (1816).
• Universidade de Coimbra (1770-1827). Diplomas. Cx. 726 (1770-1819); Cx.
727 (1820-1827).
Códices
• Cód. 117: Mesa do Desembargo do Paço e Consciência e Ordens. Índices.
vol.3: Magistratura, etc.
• Cód. 137: Registro Geral das Mercês
• Cód. 16: Faculdade de Direito de São Paulo. Índice onomástico de 1831 a
1883. Grau de Bacharéis e Doutores.
• Cód. 23: Livro de Assento do Tribunal do Desembargo do Paço: concurso de
habilitação dos bacharéis (1809-1827).
• Cód. 377: Entrada de Estrangeiros: Passaportes
• Cód. 381: Entrada de Estrangeiros (1835-1836)
• Cód. 422: Entrada de Estrangeitos: Passaportes
• Cód. 544: Mesa do Desembargo do Paço. Documentos referentes à
magistratura. 134 volumes (1799-1830).
• Cód. 604: Registro de Alvarás, Decretos e cartas de ministros da Casa de
Suplicação.
• Cód. IG1105: Ministério da Guerra – Sergipe – Correspondência do
Presidente da Província.
• Cód. IJ7-4: Primeiro Livro para Registro de Decretos da Regência em Nome
do Imperador - Regulamento das Relações do Império (1833).
2. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro:
Cartas
• Carta de Antonio Pereira Rebouças ao Cel. Henrique Garcez Pinto de
Madureira, sobre a confirmação da patente de Joaquim Simões. 1830.
• Carta de Antonio Pereira Rebouças a Simão Gomes Ferreira Veloso, dando os
parabéns pelo noivado de sua filha com José Antonio Saraiva. Rio de
Janeiro, 05/10/1859.
Fotografias
• Antonio Pereira Rebouças [fotografia], p.40, s.l / s.d. 1 foto p&b; 8,5 x 5cm.
Busto, ligeiro perfil. Álbum oferecido ao Barão de Cotegipe em 01/01/1878.
• Ampliação fotográfica de um desenho representando o Conselheiro Antonio
Pereira Rebouças, deputado. Desenho e fotografia não assinados. Busto, ½
perfil, casaca, com o broche da Ordem do Cruzeiro à lapela. 245 x 345.
Oval.
Coleções
• Bernardo de Souza Franco
• José Thomaz Nabuco de Araújo
• Sabino de Mello
Documentos Biográficos
• Caixas 378, 732, 872, 1001
• Documentos C-12-4; C-552-13, C-777-13, C-285-13, C733-56, C809-22;
C906-13, C1018-98; C412-34; C1018-85; C1065-36
Demais Documentos
B. Fontes Impressas
1. Legislação
• ALMEIDA, Candido Mendes de (org.) Ordenações Filipinas. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1985. Edição fac-similar à de 1870.
• ARAÚJO, José Figueroa Nabuco de. Legislação Brazileira de 1808 até 1831.
Rio de Janeiro, J. Villeneuve, 1836-1844. 7 vols.
• CARNEIRO, Manoel Borges. Mappa Chronologico das Leis, e mais
Disposições de Direito Português, Publicadas desde 1603 até 1817. Lisboa,
1818.
• Collecção Chronológica dos Assentos da Casa de Suplicação e do Civil.
Coimbra, 1852.
• Collecção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal. Parte II. Da
Legislação Moderna. Leis, decretos, etc. 1556-1832. Coimbra, Real
Imprensa da Universidade, 1819.
• Collecção das Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Nacional.
• Collecção dos Breves Pontificios e Leys Régias que forão expedidos e
publicados desde o ano de 1741, sobre a liberdade das pessoas, bens e
commercio dos Índios do Brasil. Lisboa, Secretaria de Estado.
• LISBOA, José da Silva. Roteiro brasílico ou colecção de princípios e
documentos de direito político em série de números. Rio de Janeiro,
Typographia Nacional, 1822.
• MENDONÇA, Francisco Maria de Souza Furtado de. Repertório geral ou índice
alfabético das leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Eduardo &
Henrique Laemmert, 1850.
• Regimento da Relação do Rio de Janeiro que D. José há por bem de dar para o
Governo da Relação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, na
forma que nelle se declara. Lisboa, 1751.
• RIBEIRO, João Pedro. Indice Chronologico e Remissivo da Legislação
Portuguesa, Posterior à Publicação do Código Filipino. 6 vols. Lisboa,
1820.
• SILVA, Antonio Delgado. Colleção de Legislação Portuguesa desde a Última
Compilação das Ordenações. Lisboa, Typografia Maigrense, 1825-1830. 6
vols.
• SILVA, Manoel J.N. da. Synopsis da Legislação Brazileira. Rio de Janeiro,
1879.
• VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa. Elucidário das Palavras, Termos e
Frases que em Portugal Antigamente se Usaram e que Hoje Regularmente
se Ignorão. Lisboa, 1963.
2. Periódicos
• Correio Mercantil, 16 de setembro de 1857.
• Jornal do Commercio, 5 de abril de 1942.
• Novo Diário da Bahia, 26 de dezembro de 1837.
• O Bahiano; pela constituição e pela lei. Bahia, Typographia Imperial e
Nacional, 1828-31.
• O Constitucional. Bahia, abr/ago 1822.
• O Correio da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, 1831.
• O Novo Mundo: Periódico Ilustrado do Progresso da Edade, vol. V no. 53. Por
J.C. Rodrigues. New York, 22 de fevereiro de 1875.
• Revista Mensal do Ensaio Philosophico Paulistano, 30 de setembro de 1855.
5. Obras Jurídicas
• BATISTA, Francisco de Paula. Compendio de theoria e pratica do processo civil
comparado com o comercial e de hermeneutica jurídica, para uso das
faculdades de direito do Império. Pernambuco, 1872, 3a edição [1860].
• BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação
(Coleção “Os Pensadores”). São Paulo, Abril Cultural, 1979.
• BEVILACQUA, Clóvis. “Instituições e costumes jurídicos dos indígenas
brasileiros ao tempo da conquista”, in Revista Contemporânea, ano I,
número I. Recife, 1894.
• BEVILACQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado
por Clóvis Bevilácqua. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1917.
• BROTERO, José Maria de Avellar. Princípios de Direito Natural. Rio de
Janeiro, Typographia Imperial e Nacional, 1829.
• CARNEIRO, Manuel Borges. Direito Civil de Portugal. Lisboa, 1851.
• CARVALHO, Alberto Antonio de Moraes. Praxe Forense ou Directorio Pratico
do Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos
Livreiro Editor, 1910. 3a. edição.
• COELHO RODRIGUES. Projeto do Código Civil precedido da história
documentada do mesmo e dos anteriores. Rio de Janeiro, Typographia Jornal
do Commercio, 1897.
• Defesa do bacharel Cipriano José Barata contra as falsas acusações da devassa
tirada em Pernambuco em novembro e dezembro de 1824. Rio de Janeiro,
Typographia do Diário, 1825.
• FREIRE, Pascoal José de Mello. Instituições de Direito Civil Lusitano.
Pernambuco, Typographia de Santos e Companhia, 1839.
• FREITAS, Augusto Teixeira de. A Consolidação das Leis Civis. 2a. edição
aumentada. Observações do advogado conselheiro Antonio Pereira Rebouças
confirmando e ampliando as da primeira edição. Rio de Janeiro, Laemmert,
1867.
• FREITAS, Augusto Teixeira de. A Consolidação das Leis Civis. Rio de Janeiro,
Typographia Universal de Laemmert, 1865.
• FREITAS, Augusto Teixeira de. Código Civil. Esboço. Rio de Janeiro,
Typographia Universal Laemmert, 1864.
• GONZAGA, Tomás Antonio. Tratado de Direito Natural. Rio de Janeiro, MEC /
INL, 1957.
• HEINECCIUS, Johannes Gottlieb. Prelecções. Elementos de direito civil,
segundo a ordem das Institutas. Versão portuguesa por Dermillo Duperron.
Recife, Medeiros, 1875.
• LOBÃO, Manuel de Almeida e Souza de. Notas de uso prático e críticas aos
livros I, II e III das Instituições do dr. Paschoal José de Mello Freire. Lisboa,
Imprensa Nacional, 1868.
• LOBÃO, Manuel de Almeida e Souza de. Segundas Linhas sobre o Processo
Civil, ou antes Addições às Primeiras do Bacharel Joaquim José Caetano
Pereira e Souza. Lisboa, 1817, 2 vols.
• LOBÃO, Manuel de Almeida e Souza de. Tractado das obrigações recíprocas,
que produzem ações civis. Lisboa, Imprensa Nacional, 1852.
• LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. Rio de
Janeiro, B.L. Garnier, 1871- 2. 2 vols.
• MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. “Illegitimidade da propriedade
constituida sobre o escravo. - Natureza de tal propriedade. - Justiça e
conveniencia da abolição da escravidão; em que termos", in Revista do
Instituto dos Advogados Brasileiros, no. 2, vol. 3, p. 131-52, julho-set. 1863.
• MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. Escravidão no Brasil - ensaio
histórico, jurídico, social. Petrópolis, Vozes/INL, 1976 (1866).
• MOREIRA, Francisco Ignácio Carvalho de. “Da revisão geral e codificação das
leis civis e do processo no Brasil”. Revista do Instituto dos Advogados
Brasileiros, anos I e II, 1862, 1863. Edição fac-similar, no especial, ano XI,
1977.
• OLIVEIRA, Antonio J.R. Conselheiro Fiel do Povo ou Colleção de Fórmulas.
Rio de Janeiro, H. Laemmert, 1884.
• PIMENTA BUENO, José Antonio. Apontamentos sobre as formalidades do
processo civil. Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Livreiro Editor,
1911. 3a. edição.
• PIMENTA BUENO, José Antonio. Direito Público Brasileiro e Análise da
Constituição do Império. Rio de Janeiro, Ministério da Justiça e Negócios
Interiores, 1958 (1858).
• PINTO, Antonio Joaquim de Gouveia. Tractado Regular e Pratico de
Testamentos e Sucessões. Rio de Janeiro, Eduardo & Henrique Laemmert,
1877. 3 vols.
• PINTO, José Maria Frederico Souza. Primeiras Linhas sobre o Processo Civil.
Rio de Janeiro, Eduardo & Henrique Laemmert, 1875.
• PONTES DE MIRANDA. Fontes e Evolução do Direito Civil Braileiro, Rio de
Janeiro, Forense, 1981 (1928).
• POTHIER. Tratado das obrigações pessoais e recíprocas nos pactos, contratos,
convenções, etc. Rio de Janeiro, H. Garnier, 1906.
• Projeto do Código Civil Brasileiro: trabalhos da Comissão Especial da Câmara
dos Deputados. Vol. II. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1902.
• PUFENDORF, Samuel. On the Duty of Man and Citizen According to Natural
Law. Cambridge, Cambridge University Press, 1991.
• RAMALHO, Joaquim Ignácio. Prática Civil e Comum. São Paulo, Typographia
Imparcial de Joaquim Roberto de Azevedo Marques, 1861.
• RAMALHO, Joaquim Ignácio. Praxe Brasileira. São Paulo, Typographia do
Ypiranga, 1869.
• ROCHA, Manuel Antonio Coelho da. Instituições de direito civil português.
Coimbra, 1852.
• RODRIGUES, João José. Consultas Jurídicas ou Coleção de Propostas sobre
Questões de Direito Civil, Comercial, Criminal, Administrativo e
Eclesiástico respondidas pelos Primeiros Jurisconsultos Brasileiros…Rio de
Janeiro, Laemmert, 1873, 2 volumes.
• SAVIGNY, Friedrich Karl von. Traité du droit romain. Paris, F. Didot, 1855.
• SOARES, Caetano Alberto. “Direito civil - questões de liberdade - Se escravos
libertos em testamento com obrigação de servir tiverem filhos enquanto
durar este ônus, eles são livres - etc. ", in Revista do Instituto dos Advogados
Brasileiros, 1977 (1862 e 1863).
• SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Esboço de hum diccionario jurídico,
theorético e prático, remissivo às leis... Lisboa, Typographia Rollandiana,
1825.
• SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras Linhas sobre o Processo
Civil. Lisboa, 1834. 4 vols.
• TEIXEIRA, Antonio Ribeiro da Liz. Curso de Direito Civil Portuguez; ou
Commentario às Instituições do sr. Paschoal José de Mello Freire sobre o
mesmo direito ... Segunda edição, feita pelo próprio autor, e com as
addicções e correcções que n’elle se achavão. Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1848. 2 vols. em 3.
• TELLES, José Homem Correia. Commentario critico à lei da boa razão, em
data de 18 de 08 de 1769. Lisboa, A.J. da Rocha, 1836.
• TELLES, José Homem Correia. Digesto Português, ou Tratado dos modos de
adquirir a propriedade, de a gozar e administrar, e de a transferir por
derradeira vontade; para servir de subsídio ao novo código civil. Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1846.
• TELLES, José Homem Correia. Doutrina das Acções; accomodada ao Foro de
Portugal. 3a. edicão, com adicções da nova legislação do código
commercial portuguez, do decreto n. 24 de 16 de maio de 1832, e outros, que
derão nova face a administração da justiça. Lisboa, Imprensa Nacional,
1837.
• TELLES, José Homem Correia. Theoria da interpretação das leis. In: Boletim
da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, vol. LV, 1979 (Lisboa,
A.J. da Rocha, 1838).
• VAMPRÉ, Spencer. (org.) Institutas do Imperador Justiniano traduzidas e
comparadas com o Direito Civil Brasileiro. São Paulo, Livraria Magalhães,
1915.
6. Demais Obras
• "Proposta de um voto de pesar pelo falecimento do Conselheiro Antonio Pereira
Rebouças", in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo
43, vol.2. Rio de Janeiro, Laemmert, 1880.
• “A Sabinada nas Cartas de Barreto Pedroso a Rebouças”, Anais da Biblioteca
Nacional 88 (1968), p. 207-218.
• CONSTANT, Benjamin. Cours de Politique Constitutionelle. Bruxelles, Société
Belge de Librairie, Imprimerie e Papeterie, 1837 (terceira edição).
• Falas do trono desde o ano de 1823 até o ano de 1889 … Brasília, Instituto
Nacional do Livro, 1977.
• FIGUEIRA DE MELLO, Jerônimo Martiniano. Crônica da rebelião praieira em
1848 e 1849. Rio de Janeiro, 1849.
• FONSECA, Antonio Borges da. Manifesto político: apontamentos de minha
vida política e da vida política do sr. Urbano Sabino Pessoa de Mello.
Recife, 1867.
• NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo - Conferências e Discursos
Abolicionistas. São Paulo, IPE, 1949.
• NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. Rio de Janeiro, Topbooks, 1998,
5a edição.
• PESSOA DE MELLO, Urbano Sabino. Apreciação da revolta praieira de
Pernambuco. Rio de Janeiro, 1849.
• REBOUÇAS, André. Apontamentos para a Biographia do Engenheiro Antonio
Pereira Rebouças Filho. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1874.
• REBOUÇAS, André. Diário e Notas Autobiográficas. Texto escolhido e anotado
por Ana Flora e José Ignácio Veríssimo. Rio de Janeiro, Livraria José
Olympio, 1938.
• REBOUÇAS, Manoel Maurício. Tratado sobre a Educação Doméstica, e
Pública em harmonia com a ordem do desenvolvimento orgânico dos sexos
desde a gestação até a emancipação civil e política. Bahia, Typographia de
Antonio Olavo da França Guerra, 1859.
• SOARES, Caetano Alberto. Memória para melhorar a sorte dos nossos
escravos, lida na sessão geral do Instituto dos Advogados Brasileiros, no dia
7 de setembro de 1845. Rio de Janeiro, Typographia de Paula Brito, 1847.
• SOUZA FRANCO, Bernardo. A situação econômica e financeira do Brasil, in
Bibliotheca Brasileira, 1863, tomo 1, nos. 1 e 2.
• SOUZA FRANCO, Bernardo. Discursos pronunciados na câmara dos
deputados na sessão de 1851 da nona legislatura da assembléia geral. Rio
de Janeiro, 1851.
• SOUZA FRANCO, Bernardo. Os bancos do Brazil, sua história, defeitos da
organização atual e reforma do sistema bancário. Rio de Janeiro, 1848.
• VILHENA, Luís dos Santos, Recopilação de Notícias Soteropolitanas e
Brasílicas... (1802). Salvador, Imprensa Oficial do Estado da Bahia, 1921.
C. Obras de referência
“E porque em favor da liberdade são muitas cousas outorgadas contra as regras gerais:
se alguma pessoa tiver algum Mouro captivo, o qual seja pedido para na verdade se
haver de dar e resgatar algum Christão captivo em terra de Mouros, que por tal Mouro
se haja de cobrar e remir: mandamos que a pessoa, que tal Mouro tiver, seja obrigado de
o vender, e seja para isso pela Justiça constrangido. E se o comprador e Senhor do
Mouro se não concertarem no preço, no lugar, onde houver dous Juizes, eles ambos com
um dos Vereadores mais antigo, não senso suspeito, se meterá outro em seu lugar, em
maneira que sejam três, avaliem o Mouro; informando-se bem do que pode valer
segundo comum valia a estimação, e não segundo afeição particular, havendo respeito a
sua idade, saúde, saber, costume, serviço, disposição, arte e oficio, ou outra qualidade,
por bem da qual deva valer mais, ou menos. E bem assim, se é de resgate, e se tem dele
tratado, e se tem dele certificado seu Senhor por Alfaqueque, de maneira que pareça,
que aquilo poderá haver de seu resgate. E em aquilo, que acharem, que na verdade
poderá em salvo haver, tirados todos os custos do resgate, assim de despezas, como de
dízima, fretes, e quaisquer outros, avaliem tal Mouro. E o que não for de resgate, por-
lhe-hão sua valia, como dito é, ouvindo sempre primeiro as partes sobre as ditas
qualidades para sua informação. E o em que for avaliado, com mais a quinta parte da
avaliação, que é a razão de vinte por cento, façam dar e pagar ao Senhor do Mouro, e
não seja desapossado dele, até ser primeiro pago de tudo o que houver de haver, dando
apelação e agravo às partes. E em Lisboa terão o dito conhecimento ambos os Juízes do
Cível, se não forem suspeitos, com um Corregedor dos da Cidade. E seguindo-se caso,
por que tal resgate não se faça, pelo Cristão cativo morrer, ou se tornar elche, fique
escolha ao Senhor que foi do Mouro, para o tornar a haver, tornando o que por ele
recebeu, ou ter antes o preço, que tiver recebido.”
2. Projeto apresentado por Antonio Pereira Rebouças à Assembléia Legislativa em 14 de
maio de 1830
Alvará, em que se determinou, que por ser contra Direito natural o cativeiro, não
pudessem cativar-se os gentios do Brasil.
“Eu El Rei faço saber aos que esta Lei virem, que sendo o senhor Rei D.
Sebastião, meu Primo, que Deus tem, informado dos modos ilícitos, com que nas partes
do Brasil se cativavam os Gentios, e dos grandes inconvenientes, que disso resultavam,
defender por uma Lei, que fez em Évora a 20 de Março de 1570, os ditos modos ilícitos,
e mandou que se por modo, nem maneira alguma os pudessem cativar, salvo aqueles,
que fossem tomados em justa guerra, que se fizesse com sua licença, ou do Governador
das ditas Partes, e os que salteassem os Portugueses, e a outros Gentios para os
comerem; com declaração, que as pessoas, que pelas ditas maneiras os cativassem,
dentro de dois meses primeiro seguintes os fizessem escrever nos livros das Provedorias
das ditas partes, para se poder saber quais eram os que licitamente foram cativos; e não
os fazendo escrever dentro no tempo de dois meses, perdessem a ação de os terem por
cativos, e os Gentios ficassem livres, e todos os mais, que por qualquer modo se
cativassem. E El Rei meu Senhor, que Santa Gloria haja, por atalhar os meios paleados,
de que os moradores do Brasil usavam, para com pretexto de justa guerra os cativarem,
houve por bem de revogar a dita Lei por outra, que fez em 11 de novembro de 1595,
pela qual mandou, que em nenhum caso os ditos Gentios fossem cativos, salvo aqueles,
que se cativassem na guerra, que por Provisões particulares, por eles assinadas,
mandasse que se lhes fizesse; e os que por qualquer outra maneira fossem cativos, os
havia também por livres; e que como tais, não pudessem ser constrangidos a cousa
alguma, como mais largamente se contém nas ditas Leis. E por quanto fui informado
que, sem embargo das declarações da dita Lei, não cessavam grandes inconvenientes
contra o serviço de Deus e meu, e consciência dos que assim os cativavam, com grande
perda das fazendas daquele estado; mandei por uma Provisão de 05 de junho de 1605,
que em nenhum caso se pudessem os Gentios cativar; porque, posto que por algumas
razões justas de direito se possa em alguns casos introduzir o dito cativeiro, são de tanto
maior consideração as que há em cativeiro, principalmente pelo que toca à conversão
dos Gentios à nossa Santa Fé Católica, que se devem antepor a todas as mais; e assim
pelo que convém ao bom governo, e conservação da paz daquele Estado; e para se
atalharem os grandes excessos, que poderá haver, se o dito cativeiro em algum caso se
permitir, para de todo se cessar a porta a isto, com o parecer dos do meu Conselho
mandei fazer esta Lei, pela qual declaro todos os Gentios daquelas partes do Brasil por
livres conforme a Direito, e seu nascimento natural, assim os que já forem batizados, e
reduzidos à nossa Santa Fé Católica, como os que ainda viverem como Gentios,
conforme a seus Ritos e Cerimônias; os quais todos serão tratados, e havidos por
pessoas livres, como são; e não serão constrangidos a serviço, nem a cousa alguma
contra sua livre vontade; e as pessoas, que deles se servirem nas suas fazendas, lhes
pagarão seu trabalho, assim, e da maneira, que são obrigados a pagar a todas as mais
pessoas livres, de que se servem: e pelo muito, que convém à conservação dos ditos
Gentios, e poderem com liberdade e segurança morar, e comerciar com os moradores
das Capitanias, e para o mais, que convier a meu serviço, e benefício das fazendas de
todo aquele Estado, e cessem de todos os enganos e violências, com que os Capitães e
moradores os traziam do Sertão; pelo que convém ao serviço de Deus e meu, e por
outros justos respeitos, que a isso me movem: Hei por bem, que os Religiosos da
Companhia de Jesus, que ora estão nas ditas partes, ou ao diante a elas forem, possam ir
ao Sertão pelo muito conhecimento e exercício, que desta maneira têm, e pelo crédito e
confiança, que os Gentios deles fazem, para os domesticarem, e assegurarem em sua
liberdade, e os encaminharem no que convém ao mesmo Gentio, assim nas coisas de sua
salvação, como na vivenda comum, e comércio com os Mercadores daquelas partes: Hei
por bem, que os ditos Gentios sejam Senhores das suas fazendas nas Povoações, em que
morarem, como o são na serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes
fazer moléstia, nem injustiça alguma; e o Governador, com o parecer dos ditos
religiosos, aos que vierem da Serra assinará lugares para neles lavrarem e cultivarem,
não sendo já aproveitados pelos Capitães dentro no tempo, como por suas doações são
obrigados; e das Capitanias e Lugares, que lhes forem ordenados, não poderão ser
mandados para outros contra sua vontade (salvo quando eles livremente o quiserem
fazer); e hei por bem, que nas Povoações, em que estiverem, aonde não houver Ouvidor
dos Capitães e Governador, lhes ordene um Juiz Particular, que seja Portugues, Cristão
Velho de satisfação, o qual conhecerá das cousas, que o Gentio tiver com os
Mercadores, ou os Mercadores com eles; e terá de alçado no Cível até dez cruzados, e
no Crime até 30 dias de prisão; não sendo delito, que mereça maior castigo; porque se o
merecer, em tal caso, correrá o livramento pelas Justiças Ordinárias; e assim ordenará
uma pessoa de confiança, Cristão Velho, para com ordem dos ditos religiosos possa
requerer o que for devido aos Gentios; e na execução do que liquidamente se lhes dever
de seu serviço, se procederá sumariamente conforme as minhas Ordenações, aos quais
se fará o favor, que a Justiça permitir: o que tudo é conforme ao que El Rei meu Senhor
e Pai, mandou por uma Provisão sua feita em 26 de julho de 1596, como mais
largamente nela se contém. E em quanto nas ditas Povoações estivessem os ditos
Religiosos da Companhia, os terão a seu cargo, assim ao que convém ao Espiritual da
doutrina Cristã, como ao que para quando forem necessárias para meu serviço, os
apresentarem ao Governador, ou Capitão General, a que tocar; e para as pessoas, que
dele se houverem de servir, em suas fazendas os acharem com mais facilidade; e quando
os ditos Religiosos deles se servirem, também serão obrigados da mesma maneira
pagar-lhes seu trabalho, como pagam os mais moradores daquelas partes; e enquanto os
ditos Gentios estiverem nas Povoações de quaisquer Capitanias, os Capitães não terão
sobre eles mais vassalagem, poder, nem jurisdição da que por seu Regimento e doações
tem sobre as mais pessoas livres, que nelas moram; e não lhes poderão lançar tributos
reais, nem pessoais; e os tributos, que lhes forem lançados, o Governador lhos tirará, e
lhes fará tornar logo o que tiverem injustamente pago: o que executará sem apelação,
nem agravo. E porque sou informado, que em tempo de alguns Governadores passados
se cativavam muitos Gentios contra a forma das Leis de El-Rei, meu Senhor e Pai, e do
Senhor Rei D. Sebastião meu Primo, que Deus tem, e principalmente nas terras de
Jaguaribe: Hei por bem e mando, que todos sejam postos em sua liberdade; e que se
tirem logo do poder de quaisquer pessoas, em cujo poder estiverem, e os mandem para
sua Terras, sem embargo de os que deles estiverem de posse dizerem, que os
compraram, e que por cativos lhes foram julgados por sentenças: as quais vendas e
sentenças declaro por nulas, por serem contra Direito, ficando resguardado aos
compradores o que pretenderem contra os que lhe venderem. E mando ao Governador
que... os que forem contra forma desta Lei trouxerem Gentios da Serra, ou se servirem
deles, como cativos, ou os venderem, incorrerão nas penas, que por Direito Comum e
Ordenações incorrem os que cativam e vendem pessoas livres; e por esta revogo todas
as Leis, Regimentos e Provisões, que até agora são feitas, e passadas por mim, e pelos
Reis meus antecessores sobre a liberdade dos Gentios do Estado do Brail; e esta hei por
bem e mando... e se enviará ao Sertão e Terras, aonde os Gentios moram, para ir a
notícia de todos, e como os hei; e declaro a todos por livres, e senhores de suas
fazendas, para com mais facilidade poderem comerciar nas ditas Capitanias. Antonio de
Almeida a fez em Madrid a 30 de julho de 1609. Francisco Pereira de Betancor a fez
escrever. Rei.
6. Alvará de 31 de Março de 1680
“Eu o Príncipe, como Regente, e Governador dos Reinos de Portugal e Algarves -- Fço
saber aos que este meu Alvará virem, que, de mais do que tenho ordenado, ao
Governador do Estado do Maranhão, Igancio Coelho da Silva, e ao Bispo do mesmo
Estado, por cartas de 30 de março do presente ano de 1680, sobre a repartição dos
Índios do Maranhão – hei por bem, e mando, que os Governadores do dito Estado, por
si, nem por interposta pessoa, não hão de ter comercio, mercancia, ou cultura alguma; e
só ao Governador presente, Itancio Coelho da Silva permito poder cultivar cacau, para
com seu Exemplo se animarem os moradores a o fazer; e para este efeito, se lhe darãoos
Indios somente necessários, até a décima parte dos que houver para repartir, ficando
sempre as nove partes para os demais moradores, fazendo depósito do salário, na forma
das ditas Cartas. E outrossim hei por bem se cumpra a Provisão de que com esta vai a
cópia, por que se proibia aos Governadores do Estado do Brasil poderem comerciar; e
que na mesma forma os Governadores do Estado do Maranhão não façam negócio
algum, nem façam comercio, e que não poderão cobrar dívidas alheias, nem seus
criados, por si, nem por procurador estabelecido por eles; nem mandaram ao Sertão
buscar drogas, e que nem o Governador, Bispo, ou outra alguma pessoa, possam tomar
Índios das Aldeias, e somente se serviram dos que lhe forem dados na repartição; e para
os que se houvessem de dar a algum dos repartidores, votrem os mais, e que antes da
repartição tomem todos juramento, que lhe dará o Bispo, de o fazerem fiel e
verdadeiramente, conforme a razão e justiça, exceto o Bispo, a quem, por sua dignidade,
se não dará juramento. E de quem por ele se deve fiar e fará justamente – e que do dito
juramento se faça termo assinado pelos que o receberem no princípio dos autos de
repartição. (...)
Manoel Rodrigues de Amorim o fez, em Lisboa, a 31 de março de 1680. O Secretário
André Lopes de Lavra o fez escrever = Príncipe.
7. Biblioteca de Antonio Pereira Rebouças, segundo o Inventário de Carolina Pinto
Rebouças (Arquivo Nacional, 1865).
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Politicas da Provincia da
Bahia
Revista da Jurisprudência 15 15$000
Revistas Brasileiras 10 05$000
Projetos das Ordenações
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para o Reino de Portugal
Revistas do IHGB
45 100$000
compreendendo o Salvatão
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3 15$000
littérature
Revistas Nacionais 10 05$000
Revistas Estrangeiras 10 05$000
Virgilio; Eneida (traduzido
1 01$000
em verso português)
Minerva Brasiliense 10 05$000
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Perdigão Maleiro; Index 30 30$000
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