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Keila Grinberg

“O Fiador dos Brasileiros”:


Cidadania, Escravidão e Direito Civil no Tempo de
Antonio Pereira Rebouças
Aos meus pais
Ao Flávio
Agradecimentos

Quem disser que não, estará mentindo: a parte mais aguardada de um livro

originado de tese acadêmica é a dos agradecimentos. Como em qualquer lugar, os

bastidores sempre atraem mais interesse do que o enredo da novela, e isso só torna mais

difícil a tarefa de quem os escreve. Por isso mesmo, vamos logo ao que interessa: esta

tese começou a ser vislumbrada ainda na graduação; formulada depois como um projeto

de mestrado, acabou transformada em doutorado, defendida em setembro de 2000 no

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Nestes

tempos de carência de financiamento à pesquisa universitária, cabe ressaltar que este

trabalho resultou integralmente do apoio da CAPES, única razão pela qual consegui

terminá-la dentro do prazo.

No Departamento de História da UFF tive a sorte de conviver com professores

que, mesmo não tendo sido aluna de todos, me ensinaram muito sobre a profissão, como

Martha Abreu, Sheila de Castro Faria e Gladys S. Ribeiro. Ronaldo Vainfas e Virgínia

Fontes acompanharam toda a trajetória da elaboração desta tese, tendo participado das

bancas de defesa de projeto de mestrado e da qualificação do doutorado. Suas argüições

e incentivos foram de tal maneira importantes para os rumos deste trabalho que não

seria exagero considerá-los quase como co-orientadores, ainda que eles nunca tenham

sabido disso. Virgínia conseguiu a proeza de encurtar o caminho entre Niterói e

Botafogo às seis da tarde, nas conversas que não raro desdobravam-se para além da

ponte. Com Ana Mauad compartilhei dúvidas e tombos de bicicleta, e – talvez por estes
últimos – desenvolvemos uma amizade que ultrapassou em muito os portões da

Universidade.

Devo à banca de avaliação da tese, composta pelos professores Wanderley

Guilherme dos Santos, Sidney Chalhoub, João José Reis, Martha Abreu e Hebe Mattos,

a boa vontade com que receberam um texto mais longo do que o normalmente esperado,

com mais erros de impressão do que o normalmente admissível. Suas observações

foram fundamentais para a revisão deste texto e para a continuação da reflexão sobre o

assunto.

Apresentei partes deste trabalho em sessão conjunta das linhas de pesquisa de

cultura e escravidão da Unicamp, onde tive a oportunidade de aprofundar as reflexões

sobre as relações entre direito e escravidão com Elciene Azevedo e Eduardo Spiller

Pena, além de ouvir os importantes comentários de Sílvia H. Lara e Sidney Chalhoub.

Ainda que de longe, o contato com eles certamente influenciou os rumos deste trabalho,

como se verá. Dividi com colegas de pós-graduação as agruras cotidianas da pesquisa:

Ana Nogueira, Patrícia Sampaio, Ivana Stolze Lima, Mariana Muaze e Ricardo Salles

foram presenças constantes.

Parte desta tese foi redigida nos Estados Unidos, quando estudei na University of

Maryland at College Park sob a orientação de Leslie Rowland. Se os cursos ministrados

por ela e por Ira Berlin foram fundamentais para a minha formação acadêmica, a

amizade da própria Leslie, de Daryle Williams e James Rostron, Doris e Stephan

Palmié, Rebecca Lord, Jon e Eli Shurberg fizeram com que eu fosse muito feliz no

tempo em que lá vivi. Nunca conseguirei agradecer devidamente à Leslie e à Rebecca: a

primeira carinhosamente me incluiu em seu dia-a-dia, e a segunda não permitiu que eu


ficasse um fim-de-semana sequer sem ter o que fazer, percebendo imediatamente o

quanto isto era importante naquele momento. Como elas, só a minha querida madrinha

Sussu, que, além de tudo o mais, foi a primeira a ler e corrigir este manuscrito. Maria

Almeida também corrigiu todo o texto, salvando-me das peças pregadas pela língua

portuguesa.

Ainda nos Estados Unidos, Sueann Caulfield e Elizabeth Martins, Brodwyn

Fischer e Emilio Kouri fizeram com que eu me sentisse em casa em pousos distantes

como Ann Arbor e Amherst. Sueann e Brodie me incentivaram das mais diferentes

formas em minhas incursões no meio acadêmico norte-americano e discutiram

entusiasticamente os muitos pontos em comum entre nossas pesquisas, além de serem

grandes amigas desde as tardes quentes de verão no Arquivo Nacional. Bebete foi uma

das muitas boas surpresas vindas com o Rebola F.C., – impossível citar todo mundo! –

que há mais de cinco anos vem demonstrando que futebol é, definitivamente, jogo para

mulheres.

Na Escola Eliezer Steinbarg, onde aprendi a ler, escrever e ensinar, continuo

compartilhando da companhia de colegas – alguns dos quais meus antigos professores –

que viraram amigos, principalmente Morá Tania Holperin, Hena Lemgruber e

Alexandre Valuzuela. Meus amigos de sempre – Drica, Dani Caldas, Dani Uziel, Karen,

Mirinha, Martinha, Si, Sheila, Lucia, Zé e Anita – sempre vão estar nesta lista. Com

alguns divido a profissão, com outros fotografias e planos; mesmo se não houvesse nada

em comum, ainda assim eles continuariam aqui. Destes, José Antonio Ribas Soares e

Anita Almeida ainda leram partes do manuscrito original, me ajudando a reunir forças
para enfrentar a reta final, e Lucia Grinberg ouviu pacientemente – pelo telefone, como

de hábito – minhas reclamações, sem se importar que eu as repetisse todos os dias.

Tenho o maior orgulho de ter sido orientada por Hebe Mattos, a quem dei muito

trabalho nestes – devo lembrar? – dez anos de convivência cada vez mais próxima. É

fácil reconhecer seu dedo em várias partes do texto e na própria forma de conceber a

questão que o motivou. Hebe me presenteou com a trajetória de Antonio Pereira

Rebouças, dividindo comigo um tema de estudo que seria seu, foi minha principal

interlocutora em todas as fases de elaboração da tese e virou uma grande amiga, depois

que a redação chegou ao fim.

Ao Lelê, meu irmão, à Rachel, ao Opa, e às famílias, a natural e a adquirida, é

difícil agradecer como se deve, já que não dá para ter idéia, assim no dia-a-dia, da

extensão de sua importância. Mas talvez tenha finalmente chegado a hora de agradecer

direito a meus pais, Piedade e Túlio Grinberg, que sempre respeitaram e incentivaram

todas as minhas idéias, por mais estapafúrdias que elas lhes parecessem – e esta, no

início, certamente era uma delas.

Ao Flávio Limoncic, de novo e sempre, aquilo tudo que nem é possível escrever,

porque não cabe no papel.


“É impossível defrontar-se alguém com o Brasil de
Dom Pedro I, de Dom Pedro II, da Princesa Isabel,
da campanha da Abolição, da propaganda da
República por doutores de pince-nez, dos namoros
de varanda de primeiro andar para a esquina da rua,
com a moça fazendo sinais de leque, de flor ou de
lenço para o rapaz de cartola e de sobrecasaca, sem
atentar nestas duas grandes forças, novas e
triunfantes, às vezes reunidas numa só: o bacharel e
o mulato.”
Gilberto Freire, Sobrados e Mucambos
Sumário

Agradecimentos......................................... ....................................p. 3

...................................
Lista de Quadros, Gráficos e ....................................p. 8

Tabelas...........................................
Introdução .................................................
..................................p. 10
...................................
Parte I: Direitos Civis
1. O Mundo de

Rebouças ................................

....................
1. “Todo Pardo ou Preto Pode ser

General”.........................
Parte II: Direitos Civis e Liberalismo
1. A Q u a l i d a d e d o C i d a d ã o

Brasileiro ................................
1. O Fiador dos

Brasileiros ...............................

...................
1. “ P a l a v r a s T e r r i v e l m e n t e

Anárquicas” ............................
Parte III: Direitos Civis e Direito Civil
1. N o Império da

Propriedade ............................

................
1. A d v o g a d o s em

Ação .......................................

.................
1. À M a r g e m d o C ó d i g o

Civil ........................................

.....
Conclusão: As Marcas Jurídicas da

Escravidão .........................
Fontes e

Bibliografia ...............................................

....................
Anexos ......................................................

...................................
Lista de Quadros, Gráficos e Tabelas

1. Citação da Legislação em Ações


de Liberdade do Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro,
1806-1832 ...............................
............................................
1. A r g u m e n t o s d e A ç õ e s d e
Liberdade do Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro,
1806-1832 ...............................
.................................................
.......
1. Atuação de Rebouças em ações de
l i b e r d a d e ,
1847-1867 ...............................
.................................................
......................................
1. Citações de legislação referentes à
escravização de indígenas em
ações de liberdade, 1806-1888
.................................................
..................................
1. Autores citados nas ações de
l i b e r d a d e ,
1806-1888................................
....
1. Padrão de Citação da Legislação
nas ações de liberdade,
1806-1888 .........
1. Número de Advogados Atuantes
em Primeira Instância das
ações de liberdade, 1806-1888
.................................................
.................................
1. Número de Advogados Atuantes
em Segunda Instância das
ações de liberdade, 1806-1888
.................................................
..................................
1. Desempenho dos Advogados
Atuantes em mais de cinco
ações de liberdade, 1806-1888
.................................................
..................................
1. D a d o s B i o g r á f i c o s d o s
Advogados Atuantes nas
Ações de Liberdade do
Tribunal da Relação do Rio de
J a n e i r o ,
1806-1888 ...............................
......
1. Livros Citados nas ações de
l i b e r d a d e ,
1806-1888 ...............................
.......
Introdução

“Ninguém sirva ao despotismo e à iniquidade – este Mundo dá muitas voltas – os


exemplos desta verdade são muitos, muito recentes e muito tocantes e até pungentes – a
minha Causa é a Causa da Justiça, é a Causa que S.M. o Imperador jurou; e que toda
Nação tem jurado; esta Causa pertence aos Cidadãos de todas as classes e Corporações
– esta Causa é do gênero humano – é de todos os racionais que esperam da proteção das
Leis, e do seu cumprimento e observância, sua fortuna, sua segurança, sua felicidade, a
felicidade de seus Filhos, de suas Mulheres, de seus Irmãos, e Parentes – numa palavra,
de sua Pátria.”

De dentro da prisão da Fortaleza de São Pedro, em meados de maio de 1829,

Antonio Pereira Rebouças enviava estas palavras a seu jornal. Conhecido combatente da

causa da Independência na Bahia, ex-Secretário da Província de Sergipe, Conselheiro

do Governo e membro do Conselho Geral da Província da Bahia, este advogado de

trinta anos de idade reclamava contra o que considerava perseguição política e um

abuso de autoridade: além da ordem de sua prisão ter sido emitida apenas por um aviso

verbal, atribuía seu encarceramento a uma conspiração de seus inimigos do partido

“absolutista”, ou daqueles “portugueses” partidários da restauração colonial, contrários

à consolidação da independência e ao estabelecimento da ordem liberal no Brasil.

Rebouças colecionava inimigos entre a gente importante da cidade da Bahia

desde que, em 1824, afrontara Francisco Vicente Vianna, então Presidente daquela

Província, ao defender em juízo o Coronel Lima, levantando dúvidas acerca da disputa

por uma vaga no Senado. Envolvido dos pés à cabeça nas querelas pela hegemonia

política da Bahia desde a proclamação da independência, Rebouças era conhecido pelas

firmes posições a favor de uma ordem liberal, de respeito à Constituição e rejeição à

restauração lusitana. Por isso, não era nada querido entre os grandes proprietários de

Sergipe, onde havia sido Secretário do Presidente de Província em 1824, e colecionava


inimigos entre a gente graúda da Bahia, já que, como membro do Conselho da

Província, tinha poderes para coibir atos que considerasse abusivos por parte de quem

fosse, inclusive grandes proprietários da região que não haviam sido eleitos para

funções legislativas do governo provincial.

Não à toa, sua causa era a “Causa da Justiça”, aquela que o “Imperador jurou”, e

não a causa pessoal do Imperador. Acusado de chefiar um partido de oposição, o

Constitucional, Rebouças se dizia perseguido pela imprensa. Afinal, era oponente

político do Presidente da Província, a quem acusava ter “com tendências ao

absolutismo”, comprovadas pela proibição da circulação de seu jornal O Bahiano e pela

armação de um plano para prender todos os oposicionistas durante assembléia à Câmara

Provincial. Teriam sido estas rivalidades que levaram Rebouças à prisão em 1828, que

durou pouco – foi solto depois de pagamento de fiança – mas foi recheada de termos

fortes, convenientemente publicados no jornal de sua propriedade e direção.

Mas aquelas palavras não eram apenas fruto da situação adversa. Ao contrário,

elas demonstravam, com surpreendente visão, a trajetória que este advogado autodidata

percorreria posteriormente durante sua vida político-profissional. Várias vezes deputado

na Assembléia Geral nas décadas de 1830 e 1840, notabilizava-se por discursos

comprometidos com a ordem constitucional e com a manutenção dos princípios da

liberdade política; peça importante na repressão à Sabinada, ocorrida em 1837,

reafirmava sua opção pela ordem constituída, definida em contraposição a tudo o que

para ele significasse despotismo, fosse de poucos ou muitos; membro de comissões de

reforma judiciária e redação das leis civis, defensor em juízo daqueles que tiveram suas

propriedades dilapidadas pelo apoio à guerra da independência na Bahia, advogado do


Conselho do Estado e Conselheiro do Imperador, destacou-se pela preocupação com a

garantia às liberdades individuais. A felicidade que ele buscava, assim, estava na adoção

dos ideais que entendiam a proteção das Leis como a manutenção da fortuna e da

segurança dos “Cidadãos de todas as classes e Corporações”. Mas esta felicidade ainda

demoraria muito tempo a ser vivida, se é que ele algum dia a alcançou.

Nascido no Recôncavo baiano, de pai português e mãe liberta, Rebouças teve

que suar muito antes de se tornar conhecido na Corte por seus conhecimentos de direito

civil. Autodidata, teve seus esforços reconhecidos com a permissão para advogar na

Bahia, e depois em todo o Império; além de participar de importantes episódios políticos

ocorridos no Império, a começar pelas lutas pela Independência, foi por diversas vezes

parlamentar, e participou de importantes discussões sobre a regulamentação do direito

civil durante o Segundo Reinado. Se isso não era tudo, já seria o suficiente para que

Antonio Pereira Rebouças tivesse lugar de destaque entre os muitos advogados e

deputados que ajudaram a fazer com que o Império brasileiro tenha sido construído da

forma como o foi; mas, talvez pela fama e importância do filho abolicionista, este

Rebouças passou para a posteridade apenas como o “Rebouças pai”. Não é à toa que sua

trajetória até hoje não tenha despertado grande interesse entre historiadores e outros

cronistas do passado, ao passo que a vida e o pensamento de André Rebouças

mereceram, com razão, várias análises.

Os textos que noticiam as atividades de Antonio Pereira Rebouças são,

geralmente, descrições e análises regionais sobre o processo de independência na Bahia

e o período em que foi secretário do presidente da província do Sergipe, como, por

exemplo, os livros de Luiz Henrique Dias Tavares, Maria Thetis Nunes e Felisbelo
Freire, nos quais Rebouças é analisado como o militante da independência. Ou então,

são referências à sua atividade político-parlamentar, como é o caso da obra de Joaquim

Nabuco. Em O Estadista do Império, Rebouças é retratado como advogado e

parlamentar, verdadeiro “representante do velho liberalismo histórico”, “que reunia o

refinamento aristocrático e esse espírito de igualdade próprio dos que possuem no

mesmo grau o sentimento de altivez e o da eqüidade”. Nabuco à certa altura faz

referência ao fato de Rebouças, por ser mulato, ter-se destacado por defender, na

Câmara dos Deputados, uma maior participação de seus pares na vida pública brasileira.

Luiz Mott também considerou a atuação política do rábula a partir do critério da cor,

mas, no entanto, a ela atribuiu um sentido totalmente diferente. Para este autor, que

analisou a influência dos acontecimentos de São Domingos no Brasil, Antonio Pereira

Rebouças foi um exemplo de conspirador, que, justamente por sua cor, se uniu a outros

para celebrar a independência do Haiti e formular revoltas contra os proprietários locais,

coisa que, diga-se de passagem, provavelmente nunca aconteceu. Visão radicalmente

contrária é a defendida por Leo Spitzer. A partir dos documentos biográficos de

Rebouças, chega à conclusão de que ele teria sido um oportunista de primeira categoria,

sempre procurando estar nas horas certas e nos lugares certos, como atestariam suas

participações nos episódios da independência e da Sabinada, para conseguir promoções

em sua situação social, únicas possibilidades de integração social para mulatos no Brasil

oitocentista.

Apesar de nenhum destes textos pretender realizar um estudo mais minucioso da

vida de Antonio Pereira Rebouças, todos buscaram compreender, de diferentes ângulos,

como um mulato sem berço pôde, ainda no início do século XIX, lograr ascender
socialmente e ocupar posições de prestígio no cenário político e jurídico do Império

brasileiro, consolidando sua presença entre os membros da elite da Corte. Esta também

é uma das razões pelas quais me interessei por Rebouças. Mas não é apenas a

importância singular deste personagem que explica sua adoção como fio condutor desta

narrativa.

Topei com Antonio Pereira Rebouças pela primeira vez ao pesquisar os

advogados que trabalharam em ações de liberdade no Tribunal da Relação do Rio de

Janeiro no século XIX, para elaborar a tese de doutorado de que este livro é fruto. O

sobrenome famoso, que aparecia em um número razoável de processos, despertou

minha curiosidade. Mesmo assim, não sabia de quem se tratava. Mas minha orientadora

sabia, e incentivou-me a procurar mais referências a seu respeito. Foi aí que começaram

a aparecer documentos, livros e imagens de tudo quanto era arquivo: da seção de

manuscritos da Biblioteca Nacional, onde está localizada a Coleção Antonio Pereira

Rebouças, do Arquivo Nacional, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do

Instituto dos Advogados Brasileiros, da Câmara de Deputados de Cachoeira e até da

Library of Congress, em Washington. Isto sem falar nos arquivos da Bahia e do Sergipe,

onde devem estar esperando mais outros tantos papéis para serem lidos, que os rígidos

prazos de elaboração de teses acadêmicas de hoje em dia não me permitiram ir até lá

procurar.

Deste esforço de pesquisa, o resultado foi a conclusão de que estava diante de

um personagem fascinante. Tanto que, já depois de meio caminho andado na direção da

redação de algo bem diferente, mudei de idéia e resolvi orientar o estudo para a análise

de sua trajetória biográfica. Devo alertar os leitores, no entanto, que infelizmente não se
trata de uma biografia. Limitei-me a usar a figura de Rebouças para sintetizar os temas

abordados nestes livro.

Rebouças nunca deixou de ser visto por seus pares como aquele arrivista que

chegou aonde chegou por mérito, apesar da origem social, apesar da cor. Como se verá,

em não poucos momentos ele teve que provar sua condição, demonstrar que dispunha

de direitos civis. Por outro lado, ele também foi um político conhecido e um advogado

muitíssimo bem-sucedido, preocupado com a regulamentação das relações privadas,

com a defesa dos direitos de propriedade, e com a absoluta necessidade de transparência

das ações cíveis, que deviam sempre ser baseadas em provas e argumentos lógicos.

Neste sentido, foi mesmo o melhor representante do liberalismo histórico pintado por

Nabuco. Figura exemplar para a retórica liberal do Império brasileiro, cujos

governantes, se não negavam direitos civis aos descendentes de escravos africanos,

foram incapazes de elaborar seu código civil justamente por manter boa parte destes em

permanente cativeiro.

Mas Antonio Pereira Rebouças foi personagem real, não peça de ficção, e

injustiça seria vê-lo apenas sob o prisma da exemplaridade. Rebouças foi um destes

homens que, como poucos, alargaram os parâmetros de seu tempo, esticando o elástico

das possibilidades históricas a que estamos todos submetidos. Justamente por isso, sua

trajetória é uma boa porta de entrada para entender o mundo dos advogados do século

XIX, seu universo jurídico e político, suas ligações com a política e, principalmente,

com os grandes debates de seu tempo, dos quais os mais importantes tinham relação

direta com seu destino pessoal: a cidadania, o fim da escravidão no Brasil e a


constituição de direitos civis para africanos e seus descendentes. Estas é que são as

minhas questões.

Não são temas novos no pensamento social brasileiro, e tampouco livres de

polêmica. É comum dizer que o fato de o Brasil ter-se tornado independente sem

grandes lutas sangrentas, ao mesmo tempo que manteve a vigência do regime de

trabalho escravo, tornou risíveis quaisquer tentativas de estabelecimento de critérios

mínimos para o exercício da cidadania no Brasil imperial. Já que direitos civis

pressupõem a formação de um corpo de cidadãos livres, um país cuja população era

composta em grande parte por escravos não poderia ser seriamente considerado liberal.

Por isso, discutir cidadania e direitos civis no período imperial seria pura perda de

tempo.

É este raciocínio que fundamenta as famosas teses sobre o caráter dual do

liberalismo brasileiro, que teria sido importado da Europa como modelo e aplicado,

apenas na aparência, à realidade brasileira do século XIX, sem que a essência patriarcal

da sociedade tivesse sido transformada. Em um liberalismo “fora de lugar”, nada mais

compreensível do que a existência de direitos civis de fachada, que não

corresponderiam à realidade por eles vivenciada. Bem definidas por Roberto Schwarz

no artigo “As idéias fora do lugar”, escrito na década de 1970, e ainda encontrando eco

em textos bastante recentes, pode-se dizer que estas idéias fazem parte da trajetória do

pensamento brasileiro desde, pelo menos, o início do século XX.

De fato, contando os juristas entre os intelectuais que consolidaram uma

determinada interpretação da sociedade brasileira desde o final dos Oitocentos, percebe-

se que, desde o início do processo de elaboração do código civil, um dos grandes


projetos liberais do Império só realizado na República, o liberalismo foi visto como um

conjunto de idéias que, externo à realidade brasileira, seria capaz de aperfeiçoá-la,

livrando-a dos ranços da escravidão. Para eles, a construção da nova nação passava por

uma operação fundamental: a regulação do direito, para a qual era imprescindível a

codificação do direito civil. O direito deveria ser a porta de entrada para a civilização, e

esta não podia ser imiscuída dos antigos elementos coloniais que, para muitos, já

deveria ter sido apagado há muito mais tempo. Assim, estes juristas contribuíam para

firmar uma dada concepção de liberalismo, evidentemente incompatível com o passado

escravista. O liberalismo desejável deveria ser aquele que caminhava no sentido da

racionalização das leis e da abertura comercial. Como misturar este processo, que só

benefícios tinha a trazer ao país, com a escravidão que então findava, ainda mais por ter

sido esta indesejável desde a Independência?

Assim pensava, por exemplo, Pontes de Miranda, um dos mais proeminentes

especialistas em direito civil durante a Primeira República, quando afirmava em seu

livro Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, de 1928, que

o liberalismo do Código Civil brasileiro é sempre o liberalismo de um


povo que construiu um Império constitucional, racionalista, quase
secular, e a ambição de ciência e de ‘justiça idealista’, que o move, há,
forçosamente, de se refletir nas leis.

Entendendo a organização do direito civil como uma dos principais etapas para

a construção de um Estado e de uma sociedade liberais, Pontes de Miranda contribuiu

para reforçar a idéia da incompatibilidade entre liberalismo e escravidão, procurando

mostrar que havia sido justamente esta última que havia impedido o desenvolvimento

pleno do liberalismo brasileiro ainda no Império:


Que é que caracteriza o direito brasileiro? A tolerância, a afetividade,
cercadas, porém, de sugestões patriarcais e capitalistas. Aquela
tolerância e aquela afetividade têm um lado bom, que é o de maior
adaptação humana, menor despotismo, e outro mau, que é o não
resistir a elementos perniciosos e ser demasiado absolvente, às vezes
indiferente aos próprios direitos. Dois efeitos distintos, como distintas
as causas; formação americana do sentimento, livre da violência
peninsular; restos do indiferentismo jurídico da economia escrava.

Quer dizer: apesar do caminho no sentido da evolução democrática, o direito

brasileiro teria como característica principal a benevolência jurídica, resquício do

patriarcalismo colonial, atribuído pelo autor ao “defeito de energia” provocado pela

presença do elemento negro mesclado à população brasileira.

Pontes de Miranda é considerado o último dos grandes homens da tradição

jurídica pernambucana, seguidor da linha iniciada por Tobias Barreto, da qual também

faziam parte Sílvio Romero e Clóvis Beviláqua. Além da matriz positivista, da

concepção de direito como ciência, que o fez produzir as importantíssimas obras O

sistema de ciência positiva do direito e Tratado de direito privado, ele também dava à

questão racial, como aqueles que lhe precederam, o pleno espaço que ela merecia como

chave para desvendar vários dos problemas nacionais.

Sua inspiração vinha diretamente de Clóvis Beviláqua. Para Pontes de

Miranda, o redator do código civil e criador da expressão benevolência jurídica

corretamente identificava os elementos perniciosos da presença dos negros no direito

brasileiro, embora não atribuísse ao fato o mesmo significado. A diferença estava em

que, para Bevilácqua, a tolerância era um dado positivo; quanto à questão racial, ela

havia deixado de existir com a abolição da escravidão e a promulgação da constituição


republicana, por ter promovido a integração de todos na nova sociedade, a partir da

concessão dos direitos de cidadania a todos os brasileiros.

Acreditando na integração da sociedade via ordenamento jurídico, também

Bevilácqua dissociava a escravidão do processo de elaboração do direito civil, já que

não se lembrava de ter encontrado uma instituição jurídica em que se verificasse a

influência negra:

Justamente porque entrou para a formação do povo brasileiro na


qualidade de escravo, isto é, sem personalidade, sem atributos
jurídicos além daqueles que podem irradiar de um fardo de
mercadorias, a raça negra apenas aparece em nossa legislação para
determinar o regime de exceção do escravagismo que ainda a tisnou
em nossos dias. No estudo das leis da escravidão, tais como se
decretaram em nosso país (...), enfrentaremos o elemento africano,
mas incontestavelmente ele entra aí sem feição peculiar.
É um escravo. Que importa a cor das granulações de seu pigmento?
Que importa a sua origem étnica?
Eliminando o regime de escravidão, foram os pretos definitivamente
incorporados à sociedade brasileira já formada e distinta
especificamente. Não poderão mais ser objeto de uma análise
particular do historiador nem do etnologista do direito.

Assim como Pontes de Miranda, Beviláqua também operou com a separação que

considerava fundamental para a compreensão do liberalismo no Brasil: a ausência de

influência da instituição escravista. Também para ele, não poderia haver interseção entre

o direito civil, e portanto o liberalismo, e a escravidão.

Esta concepção de liberalismo, direito civil e direitos civis fincou raízes

profundas no pensamento social brasileiro. A dicotomia entre liberalismo e escravidão

perpassou a reflexão sobre o século XIX e a formação da sociedade brasileira

contemporânea, desde aqueles que viam na escravidão o limite do liberalismo da

Independência, até aqueles que consideravam o liberalismo como uma formulação


totalmente estrangeira à realidade do Brasil de então. Até hoje, apesar do

reconhecimento de que os direitos civis e políticos para a população livre foram

inicialmente estabelecidos pela Constituição de 1824, grande parte dos poucos estudos

sobre cidadania e direitos civis no período imperial enfatiza não só a ausência destes

direitos na prática cotidiana, como também a falta de pressão de diversos setores da

sociedade pela sua obtenção.

Exemplar, neste sentido, é a obra de José Murilo de Carvalho. Tendo como

referência o clássico texto de T.H. Marshall sobre o desenvolvimento da cidadania na

Europa Ocidental, no qual ele propõe a seqüência direitos civis – direitos políticos –

direitos sociais como um viés explicativo para a forma como a cidadania foi constituída

na Inglaterra, José Murilo de Carvalho vem chamando a atenção para a importância dos

estudos sobre a cidadania no Brasil do século XIX, lembrando que este foi o período no

qual, para além do momento da Independência e da promulgação da Constituição de

1824, um número enorme de brasileiros se viu incluído entre aqueles indivíduos

considerados cidadãos. Neste sentido, ele aponta para a impossibilidade de se usar

critérios tradicionais para análise da cidadania no Brasil do século XIX, alertando para o

fato de que, ao contrário de países como a própria Inglaterra, a França e os Estados

Unidos, o exame das formas de participação social nesta época deveria atentar para

mecanismos informais de representação e expressão populares.

Para ele, a grande diferença da formação da cidadania no Brasil para a destes

outros países é que aqui ela havia sido uma iniciativa estatal, “de cima para baixo”,

parte do processo de secularização, organização e burocratização de qualquer Estado

que se prezasse moderno. Assim, o fato de a população ter-se revoltado com medidas
implementadas pelo Estado deveria ser compreendida como a recusa em permitir uma

regulação vinda de cima, que não levava em conta seus direitos tradicionais ou, como se

dizia então, costumeiros. O exercício de direitos civis no Brasil oitocentista seria,

portanto, um exercício da cidadania em negativo. Uma sociedade sem anseios próprios

estaria apenas reagindo às intromissões do Estado, sendo seus membros no máximo

embriões de cidadão. Daí a conclusão de que

a cara do Estado que a população viu era pouco atraente (...); As leis
reformadoras e os novos deveres cívicos introduziam na vida
cotidiana mudanças cujo sentido não era compreendido.

Esta tese parte de perspectiva um pouco distinta. Não se trata, evidentemente,

de defender que a presença da escravidão em nada afetou a sociedade brasileira, nem

que a persistência do regime de trabalho escravo durante a vigência do Império não

tenha deitado raízes fundas na organização do Estado e na configuração da sociedade

nacional. Mas, no texto que ora se inicia, será defendido que a “cara do Estado” vista

pela população brasileira foi, por vezes, atraente; que houve, a partir da independência

do país, uma efetiva pressão de distintos setores da sociedade brasileira pelo

reconhecimento de seu direito à cidadania, e que este movimento partiu principalmente

daqueles indivíduos que tinham vivenciado diretamente ou através de seus antecessores

a experiência da escravidão.

E mais: embora este processo não tenha ocorrido da mesma forma como em

alguns dos países da Europa Ocidental, ele teve muitos aspectos semelhantes à trajetória

de vários países das Américas, principalmente a partir da ênfase no fato de que africanos

e seus descendentes, alguns ainda escravizados, muitos outros libertos e livres,

encamparam diversas ações para reivindicar a extensão jurídica e prática dos direitos
civis que haviam sido estabelecidos na Constituição Imperial. De fato, desde que as

Treze Colônias norte-americanas iniciaram o movimento que resultou na independência

dos Estados Unidos da América, a questão da emancipação dos escravos nas Américas

esteve estreitamente vinculada à da formação da nacionalidade de cada recém-fundado

país.

Afinal de contas, aquela era a hora de decidir quem faria parte do corpo de

indivíduos – agora melhor denominados cidadãos – que passariam a formar as novas

nações. Esta questão mudou definitivamente a forma de encarar o problema da alforria e

da emancipação dos escravos, já que seria necessário resolver se eles e seus

descendentes, agora livres, também seriam considerados cidadãos. Assim, embora

partindo de circunstâncias e períodos distintos, países como os Estados Unidos, Cuba,

Jamaica e o Brasil se viram obrigados a discutir a questão da cidadania tendo como

horizonte final a libertação dos escravos.

Isto aconteceu mesmo quando a polêmica foi definida na negativa. Nos Estados

Unidos, os direitos de cidadania foram sendo aos poucos retirados dos libertos e seus

descendentes após a falência do projeto da Reconstruction, que previa a integração

destes indivíduos no processo de desenvolvimento capitalista daquele país. Neste caso,

a população de afro-descendentes do Sul só conquistaria direitos civis plenos em

meados da década de 1960, um século depois da Guerra Civil que pôs fim ao regime de

trabalho escravo no Sul dos Estados Unidos. Em Cuba, a rebelião contra a metrópole

colonial, que chegou a um termo no fim do século XIX, só foi possível quando a

questão da emancipação dos escravos foi abordada; neste caso específico, as promessas
de liberdade e eqüidade para todos os cubanos na futura nação independente tornaram-

se centrais para a formação da idéia de nacionalidade cubana.

No Brasil, o fato de direitos civis e políticos terem sido definidos teoricamente

desde a outorga da Constituição de 1824 fez com que a questão da definição da

categoria de cidadão ganhasse contornos polêmicos desde a independência. É a tensão

entre as disputas em torno do conceito de cidadania e a permanência do trabalho escravo

que será analisada daqui em diante, através, especificamente, do processo de

codificação do direito civil levado a cabo no Brasil do século XIX.

A partir da trajetória de Antonio Pereira Rebouças, este texto foi organizado em

três partes. Na primeira, através dos anos de formação de Rebouças, apresento o

contexto da virada do século XVIII para o XIX nas Américas, mostrando como em

todas as grandes cidades, como Rio de Janeiro, Salvador, Baltimore, Nova Orleans e

Lima, escravos e libertos pressionavam pelo alargamento do significado de liberdade na

época das independências e pela obtenção e garantia de direitos civis. Nesta parte, será

abordado especificamente o processo de luta pelos direitos civis no Brasil durante a

década da independência. Os episódios vivenciados por Antonio Pereira Rebouças na

Bahia, sua posterior ida ao Rio de Janeiro, a experiência como Secretário da Província

de Sergipe em 1824 e a devassa por ele sofrida na Bahia são analisados sob o prisma

das tentativas de reconhecimento de sua cidadania e as dificuldades por ele enfrentadas,

mostrando os conflitos e os problemas existentes para aqueles que, mesmo advogados,

haviam ultrapassado a fronteira que separava não-cidadãos dos cidadãos neste período.
A segunda parte mostra um Rebouças mais amadurecido, voltado para a

militância político-parlamentar e preocupado com a extensão dos direitos de cidadania a

todos os brasileiros livres, em especial aos mulatos, aqueles que ele considerava

desfavorecidos pela nova ordem. Assim, baseado nas discussões sobre o status do

cidadão ocorridas durante as reuniões da Assembléia Constituinte de 1823, ele propôs a

regulamentação do projeto de compra de alforria, buscando normalizar o trânsito entre a

escravidão e liberdade e garantir direitos de cidadania àqueles que provassem ter,

segundo a sua lógica, condições para tanto. A questão é que, ao mesmo tempo em que

Rebouças procurava consolidar-se como uma liderança importante no quadro da política

regional, destacando-se na repressão às revoltas dos Malês e da Sabinada, seu discurso

foi tornando-se, aos olhos de seus pares, de um liberalismo cada vez mais,

paradoxalmente, moderado e radical, já que ele propunha a igualdade no acesso aos

direitos de cidadania sem nenhuma concessão a diferenças de origem. Em suas ações

políticas, Rebouças era o símbolo da moderação, pela ênfase no discurso da ordem e

pela recusa em encampar ações ilegais, mesmo se as considerasse legítimas. Como

parlamentar, no entanto, ele era cada vez mais radical, por não permitir nuances em um

liberalismo que deveria ser para todos. Assim, através da análise do fim prematuro da

carreira político-parlamentar de Antonio Pereira Rebouças, tentei ajudar a desvendar a

forma como a política do Regresso, em vigor a partir dos anos 1830, buscou restringir

as possibilidades de acesso a direitos civis a partir da constituição de um modelo de

sociedade de acordo com privilégios e critérios distintivos de nascimento.

A terceira parte busca mostrar um esforço da geração de Antonio Pereira

Rebouças em solidificar juridicamente as novas relações sociais surgidas depois da


Independência do Brasil. Neste sentido, o objetivo de homens como Rebouças era

defender uma determinada concepção de direitos civis, e consolidar esta interpretação

na legislação civil, considerada, para eles, imprescindível para a modernização do país.

Assim, o que se analisa nesta parte são as relações entre direitos civis e direito civil, e as

dificuldades de se consolidar na legislação aqueles princípios defendidos na prática

cotidiana e nas tribunas do Parlamento. A elaboração do código civil, portanto, teria sido

vista por Rebouças e seus contemporâneos como o último passo para a necessária

formalização do acesso à cidadania no Brasil, mas, nem por isto, o de mais fácil

realização. A realidade mostrou, aliás, o contrário: o processo de elaboração do código

civil foi tão complexo que nem chegou a ficar pronto durante o século XIX,

demonstrando que a questão da definição dos direitos civis e da cidadania no Império

foi assunto dos mais complicados, quiçá ainda hoje inconcluso.


Parte I:

Direitos Civis
1. O Mundo de Rebouças

A Bahia onde Antonio Pereira Rebouças nasceu e se criou, em fins do século

XVIII, vivia um boom econômico sem precedentes. Depois da alta internacional do

preço do açúcar e da revolta de escravos de 1791 na colônia francesa de São Domingos,

sobrava mercado para os engenhos situados no Recôncavo, região que fazia parte da

comarca da capital, uma das seis que então formavam a Capitania Geral da Bahia.

A prosperidade causada pela venda do açúcar também fazia-se refletir de outras

formas: o grande acesso ao mercado internacional tornava interessante o cultivo de

produtos subsidiários, como algodão, aguardente e tabaco, e isso, somado ao aumento

no número de engenhos, levou ao crescimento na importação de escravos africanos. Só

que, neste quadro, nem tudo eram flores: como as plantações de cana substituíssem as

de gêneros alimentícios básicos, faltava mandioca, então caríssima, nas refeições

cotidianas da população; além disso, por conta de algumas secas no sertão, o preço da

carne também era proibitivo à grande maioria. Foi olhando para este quadro que o

professor de grego Luís dos Santos Vilhena, em uma de suas cartas, definiu os

habitantes da Bahia de então, “com a exceção dos comerciantes e alguns lavradores

aparatosos como os senhores de engenho”, como “uma congregação de pobres”.

Se é verdade que o Brasil abrigava nesta época 1,5 milhão de habitantes,

praticamente um quinto destas pessoas vivia na Bahia, quase todas concentradas em

Salvador, nos engenhos e em pequenas cidades do Recôncavo. Salvador sozinha tinha

cerca de 60.000 habitantes. Era a segunda maior cidade do Império Português, só

perdendo para Lisboa, a capital. Embora haja dúvidas quanto ao número exato de

habitantes desta região, as estimativas giram em torno da casa dos 100.000 habitantes,
dos quais pelo menos dois terços seriam considerados, à época, negros e mulatos,

fossem escravos ou livres. Assim, se o crescimento da população geral da comarca era

evidente, o número de habitantes de origem africana aumentava a olhos vistos: entre

1775 e 1807, sua proporção em relação ao total dos habitantes teria aumentado de 64

para 72%. Sem contar os escravos, era grande o número destas pessoas que, muitas

vezes alforriados, às vezes agregados de proprietários de terras e escravos, trabalhavam

como criados ou pequenos agricultores. Se não moravam em Salvador, espalhavam-se

pelo Recôncavo, já que a proximidade da capital e os recursos hídricos tornavam esta

uma área de grandes atrativos.

Não se sabe exatamente se estas foram as razões que levaram o casal Gaspar

Pereira Rebouças e Rita Brasília dos Santos, pais de Antonio Pereira Rebouças, a se

mudar de Salvador para a pequena localidade de Maragogipe no final da década de

1780. O desenvolvimento de pequenos centros urbanos naquela região abriu

oportunidades de ascensão social e econômica para os vários alfaiates que, como

Gaspar, vinham do norte de Portugal tentar melhor sorte na colônia. Maragogipe, àquela

altura, contava com cerca de 5.000 habitantes, e sobrevivia da venda de grande

quantidade de farinha de mandioca e mariscos, usada para suprir as deficiências da

produção local e para exportar para o ultra-mar. Tendo se casado com Rita dos Santos,

liberta natural de Salvador, Gaspar Pereira Rebouças encontrou a estabilidade em

Maragogipe, onde constituiu família e, segundo seu filho, “como Mestre exercia grande

influência na vila e gozava a geral estima das pessoas mais graúdas”, ainda que não

tivesse acumulado fortuna, já que não dispunha de meios para bem educar nem seus
quatro filhos homens nem suas cinco irmãs, nascidos todos depois que o casal deixou

Salvador. Antonio Pereira Rebouças, de agosto de 1798, era o caçula.

Embora pouco se conheça da vida deste casal, a vinda de Gaspar Rebouças para

o Brasil, o casamento, e a mudança não são fatos de se estranhar. Para muitos

portugueses, especialmente depois do terremoto que avassalou regiões inteiras de

Portugal na metade do século XVIII, a colônia brasileira era uma boa opção para

conquista de melhores condições de vida, já que o incremento da lavoura canavieira em

regiões como o Norte fluminense e o Recôncavo baiano abriam espaço para novos

centros urbanos, com suas pequenas atividades comerciais e dedicação ao cultivo de

produtos agrícolas subsidiários. Além disso, a vastidão das terras brasileiras permitia

bom sossego àqueles que fugiam da justiça metropolitana ou, ainda, aos que pretendiam

retirar de seus nomes manchas do passado. Gaspar Rebouças era, portanto, mais um

português que, tendo se decidido a migrar com seu irmão Pedro com pouquíssimos

bens, aportou em Salvador disposto a recomeçar a vida.

A trajetória de Rita Brasília dos Santos, ainda que totalmente diferente da de seu

marido, tampouco era menos comum. Não se sabe por quanto tempo ela havia sido

escrava, nem se alguma circunstância especial, como descendência do senhor ou a

compra da alforria – que poderia até ter sido feita por terceiros nela interessados, como

Gaspar Rebouças – havia concorrido para sua libertação. Na realidade, pouco se sabe

sobre a própria condição de liberta de Rita Brasília dos Santos. A única referência está

no texto de Leo Spitzer, que menciona, em nota sobre vários assuntos, o Registro de

Casamentos do Arquivo da Cúria de Salvador e o Registro de Batizados da freguesia de

Maragogipe para corroborar sua afirmação; o autor não explicita, contudo, em que
documento estaria esta informação nem – mais importante – os termos usados para

caracterizar a condição. De qualquer forma, mesmo se não tivesse sido escrava, seu

nascimento em Salvador seria fato casual. As cidades da colônia brasileira recebiam

neste período grande número de libertos e livres de origem africana, já que abriam

caminho para emprego em ocupações urbanas, propiciavam maior contato com livres e,

por conseguinte, maior possibilidade de afastamento do passado escravista. A via do

casamento era apenas uma delas e, apesar de não ser possível reputar a Rita Brasília dos

Santos uma estratégia tão calculista, parece inegável que sua união com um branco

tenha lhe propiciado uma melhoria significativa em sua condição social, ainda que não

necessariamente econômica, só pelo fato de ver impedidas quaisquer tentativas de

reescravização que porventura ainda pudessem existir.

Quanto à mudança de Salvador para o Recôncavo, ela pode ser entendida como

uma das práticas comuns a libertos e livres de origem africana. Embora a mobilidade

social fosse prática disseminada entre todos os segmentos sociais, estudos sobre a

mobilidade espacial de libertos e livres de origem africana sugerem que, além da própria

liberdade de ir e vir, muitos buscavam libertar-se do passado escravista, quando não de

tentativas reais de reescravização, através da constituição de novas relações sociais. A

integração à sociedade dos livres, mesmo que através do casamento, podia ser

demorada, e estar num lugar desconhecido poderia ser meio caminho andado no

processo de desaparecimento da referência à cor, ou melhor, à condição social.

Se a intenção dos pais de Antonio Pereira Rebouças foi realmente a de apagar as

ligações com a escravidão, provavelmente nunca se saberá; mas, ainda que não tenha

sido uma estratégia pensada por eles, ela foi seguida à risca por seus filhos e netos: em
nenhum dos documentos biográficos por eles deixados, há referências sobre a

ascendência africana da mãe e avó. Com poucas exceções, nem mesmo a própria cor é

mencionada em seus relatos pessoais. Além disso, seus filhos, apesar de todas as

dificuldades, foram bem-sucedidos em suas opções de vida, e todos conseguiram galgar

mais degraus sociais do que aqueles vencidos por seus pais.

É possível que ventasse e chovesse muito naquele dia de agosto em que

Rebouças veio ao mundo. Ventos alísios, vindos do Sudeste, eram comuns na região

durante o inverno, quando frequentemente traziam as chuvas que mudavam as cores da

vegetação local. Mas, mais do que o provável mau tempo, outros acontecimentos

sacudiam a Bahia e o mundo enquanto Antonio Pereira Rebouças ainda nem tinha

consciência da própria existência. Dois dias depois de seu nascimento, eclodia em

Salvador e em algumas cidades do Recôncavo a famosa Revolta dos Alfaiates, da qual

seu pai, apesar de compartilhar da profissão de parte dos envolvidos, não tomou parte.

Apesar do nome, não eram apenas alfaiates os membros desta revolta. Pelo

número de presos, sabe-se que, além destes, havia proprietários, escravos, soldados e

artesãos; muitos eram mulatos ou negros livres, o que permitiu a caracterização deste

movimento como o único, dentre aqueles que contestaram a ordem colonial nesta última

década do século XVIII, que teria produzido uma aliança entre membros de grupos

sociais distintos. Distribuindo pasquins pelas ruas de Salvador e espalhando idéias

através dos Avisos ao Povo Bahianense, os revoltosos divulgaram seus objetivos

imediatos, como a contemplação das necessidades da tropa, através do aumento de

soldos e da participação dos baixos escalões nas tomadas de decisões, e a revolta contra
as limitações do comércio e as imposições tributárias, ainda que não soubessem

claramente como transformá-los em realidade. A devassa realizada com os envolvidos

deixou entrever algumas propostas políticas de cunho mais amplo, todas relacionadas à

idéia de liberdade, como a rejeição ao governo repressivo de D. Fernando José de

Portugal, no poder na Bahia desde 1788, a independência nacional, a formação de um

regime republicano, a defesa do pleno direito de propriedade, a plena igualdade do

cidadão perante a lei, o fim da discriminação racial, o estabelecimento de fábricas e

manufaturas, a abertura de novas minas e a revisão das relações do Estado com a Igreja.

Evidentemente, nem todos os objetivos eram compartilhados por todos os

membros do movimento; se a palavra liberdade para os escravos significava a libertação

do jugo da escravidão, para outros revoltosos ela era a garantia dos direitos de

propriedade e seus correspondentes, como o livre comércio e a igualdade de direitos

para todos os homens livres. Note-se: não outra forma de igualdade, e nem a igualdade

jurídica para todos. Se havia discrepância de objetivos e interesses entre proprietários e

escravos envolvidos, forçoso é reconhecer que a distância de propósitos entre escravos e

pardos e negros livres não era menor. Para estes, a abolição não era necessariamente

uma vantagem: o fim deste regime de trabalho implicaria no fim da hierarquia de

condições jurídicas, o que enfraqueceria seu status social, já que seriam socialmente

igualados aos que até então eram escravos.

Assim, os libertos e livres de ascendência africana pretendiam, como cidadãos,

eliminar as diferenças raciais entre os brancos e eles próprios, “homens pardos e

pretos”, notadamente os soldados, “que vivem escornados e abandonados” e que, a

partir da revolução, “serão iguais, não haverá diferença, só haverá liberdade, igualdade e
fraternidade.” Quase dez anos depois da proclamação da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão na França, o uso da palavra cidadão não seria feito à toa; ele fazia

uma clara referência ao fato de estes homens pretenderem o reconhecimento de que

todos, por terem direitos naturais iguais, deveriam ter direitos civis também, o que os

transformaria em cidadãos de fato e de direito. A cidadania significava, neste contexto, a

abolição de critérios distintivos de nascimento; isto é o que os tornaria efetivamente

iguais, como desejavam. Assim, foram estes libertos que alargaram o sentido inicial das

palavras liberdade e igualdade, de forma a que suas próprias demandas estivessem

incluídas em seus significados. Esta era uma forma, portanto, de pressionar pela

inclusão numa sociedade à qual desejavam pertencer, não transformar.

As divergências de interesses políticos, no entanto, não eliminavam o fato básico

de que, na Revolta dos Alfaiates, homens de distintas condições tivessem algumas idéias

básicas comuns, e que, durante este processo, eles nivelassem suas próprias

desigualdades, ainda que apenas no interior deste grupo. Mesmo que a revolta não tenha

tido dimensões práticas maiores, só esta perspectiva já foi suficiente para arrepiar as

autoridades, e a repressão adotada não deixa dúvidas quanto a isso: entre os

condenados, alguns foram presos, outros foram degredados para a África, e os de pior

sorte foram enforcados. O mais aterrorizante para estas autoridades, era a percepção de

que negros ou mulatos, africanos ou crioulos, escravos ou livres, podiam se sublevar em

conjunto, como já havia notado Vilhena, ao alertar para a “corporação temível e digna

de bastante atenção” que eram, não se devendo

tolerar que pelas ruas e terreiros da cidade façam multidões de negros de


um, e outro sexo, os seus batuques bárbaros a toque de muitos, e
horrorosos atabaques, dançando desonestamente, e cantando canções
gentílicas, falando línguas diversas, e isso com alaridos tão horrendos, e
dissonantes que causam medo e estranheza, ainda aos mais afoitos, na
ponderação das consequências que daí podem vir.

E de fato, havia razões para tantos temores: se já não bastasse a explícita

referência à influência dos ideais revolucionários franceses, o exemplo da revolta de

São Domingos estava ali para abrir os olhos de quem quisesse ver.

Tendo começado como uma rebelião contra a escravidão e os proprietários

franceses, a revolução da colônia francesa São Domingos ganhou contornos políticos

mais amplos. Até então, esta era uma das mais ricas colônias do hemisfério ocidental,

com uma produção açucareira que suplantava em muito a de seus concorrentes no

continente e uma população de 40.000 brancos, 28.000 mulatos ou negros livres e

450.000 escravos. Durante a Revolução Francesa, com a cisão da elite colonial, dividida

entre o apoio e a rejeição aos novos grupos no poder, negros livres, libertos e escravos

comandaram a revolta que destruiu plantations, expulsou os brancos proprietários e,

depois de treze anos e da derrota imposta aos exércitos francês, espanhol e britânico,

terminou na proclamação da independência do país que passou a ser denominado Haiti.

Os efeitos da revolta foram tais que provocaram o fim das ambições coloniais da

França nas Américas. Pouco depois, este país venderia o vastíssimo território da

Louisiana aos Estados Unidos, desligando-se quase totalmente da região. Produto

singular da mistura entre guerra colonial e revolução, a revolta de São Domingos havia

sido um caso único na história das Américas, o mais violento e o de maiores

repercussões de todos os tempos. Mas, naquele momento, ninguém sabia disso.


Durante toda a década de 1790, circularam rumores de que a revolução que

acabou na independência do Haiti poderia se espalhar do Caribe para as outras regiões

escravistas das Américas. Os boatos eram espalhados pelos proprietários que deixavam

a ilha rumo à Louisiana e às Antilhas, mas também pelos grupos de libertos e negros

livres que atuavam no comércio da região. Como uma pedra que, ao cair na água, forma

círculos cada vez maiores, os rumores provocavam aspirações e medos em grande

escala naqueles que tinham interesses pessoais no evento. Não que não tivessem

existido rebeliões e revoltas deste tipo antes. Mas é que agora elas dispunham de um

novo componente: o ideário da Revolução Francesa, que inspirava especialmente as

possessões francesas do Caribe. Embora não estivesse inicialmente questionando a

escravidão e nem defendendo a igualdade racial, ao colocar em cheque as instituições

do Antigo Regime, os revolucionários da metrópole contribuíram para que as colônias

também se sentissem incluídas nos novos projetos para a nação francesa. Foi assim que,

mesmo sendo mais influenciados pelo ideário abolicionista do que pelas idéias

revolucionárias francesas, os revoltosos do Caribe interpretaram a Revolução Francesa

como sendo anti-escravista, e as reformas propostas foram entendidas como se fossem

muito mais radicais do que na França o eram. Assim, como já disse Genovese, o

elemento diferencial nas revoltas americanas da década de 1790 é que elas passaram a

ser politizadas, adquirindo um significado até então inexistente.

As interpretações correntes sobre o sentido da Revolução Francesa nas Américas

vinham acrescidas do impacto da Declaração de Independência das Treze Colônias

norte-americanas e da posterior abolição da escravidão em algumas destas ex-colônias

inglesas, como Pennsylvania e Massachusetts. Muitos senhores imbuídos do espírito


revolucionário libertavam seus escravos, obedecendo à invocação ao princípio da

igualdade universal reclamado por Paine; outros o faziam por reconhecer na ideologia

da independência as razões divinas, que tornavam iguais escravos e senhores perante a

divindade. Muitos escravos também aproveitaram o momento para conseguir a

liberdade, fosse participando diretamente na guerra de independência, fosse

pressionando para obter permissão para comprar a própria liberdade, ameaçando com

fuga ou rebelião em caso de resposta negativa. Além disso, as tentativas de reforma,

realizadas principalmente pelo movimento abolicionista inglês, com vistas a interromper

o tráfico de escravos vindos da África e modificar o regime de trabalho em vigor nas

colônias, contribuíam para desestabilizar aos poucos o regime escravista. Mesmo não

tendo tido sucesso, estas quase reformas contribuíram para a criação da “síndrome do

rumor”. Os rumores sobre possíveis decretos emancipatórios – que, a bem da verdade, a

esta época não passavam de imaginários – foram responsáveis pela criação de grandes

expectativas por parte da população escrava e liberta das colônias, que pensavam que,

uma vez implementadas, estas medidas trariam a emancipação e o fim das

discriminações raciais.

Nem é preciso mencionar as frustrações sofridas quando estes escravos do

Atlântico perceberam que, nesta virada do século XVIII para o XIX, nem mesmo meras

reformas viriam, imagine-se a libertação. Embora seja difícil precisar se os

acontecimentos em São Domingos foram responsáveis pela ocorrência de outras

revoltas, pode-se afirmar com segurança que seus rumores causaram muitos distúrbios e

reações por parte dos senhores, obcecados com a possibilidade de ver realizado alhures

o fantasma do Haiti. Este parece ter sido o caso da rebelião liderada pelo liberto
Denmark Vesey, que, em 1822, depois de ter comprado sua liberdade, revoltou-se com a

contínua escravização de sua família e liderou uma grande revolta em Charleston, na

Carolina do Sul, envolvendo de dois a três mil escravos, com planos de aniquilar os

brancos e queimar a cidade. Nesta época, a cidade estava repleta de escravos vindos de

São Domingos com seus senhores, fugidos da revolução, e acreditava-se que as idéias

revolucionárias se espalhavam rapidamente graças a libertos como Vesey. Na colônia

inglesa de Demerara-Essequibo, na Guiana, onde cerca de 12 mil escravos se rebelaram

em 1823, o medo da repetição do fenômeno que levou à formação do Haiti sempre

esteve presente nas preocupações dos senhores e das autoridades coloniais, embora

sequer uma menção a este fato tenha sido feita pelos envolvidos na revolta.

Outras revoltas tiveram suas origens em boatos os mais variados, como as de

Port Salut e Dominica, por exemplo, que começaram por causa das notícias de que

escravos teriam direito a três dias livres por semana; espalhados também em São

Domingos e Martinica, estes rumores provavelmente foram derivados de um tratado

abolicionista francês de 1789, que foi mencionado de ilha em ilha do Caribe por grupos

de ativistas libertos. Outras revoltas foram provocadas pela suspeita de que os

governantes coloniais tivessem sido informados de medidas emancipatórias, mas

estivessem recusando-se a implementá-las. Em Demerara mesmo, o boato de que papéis

vindos da Inglaterra concediam liberdade aos escravos fizeram-se acompanhar de

distúrbios e instatisfações, tanto entre os colonos, revoltados contra o que consideravam

uma indevida intromissão do governo britânico em suas vidas, quanto por parte dos

escravos, convencidos de que a referência pura e simples às “novas leis” já seria prova

suficiente para a libertação. David Geggus calcula que um terço das revoltas
acontecidas no Caribe tenham sido originadas de boatos como esse, numa década em

que se registraram quatro revoltas por ano, das quais uma dúzia envolveu mais de cem

escravos.

Diante deste quadro, não era de se espantar que, na Bahia, as autoridades

estivessem tão alarmadas com a Conspiração dos Alfaiates. Temia-se um levante dos

escravos e, mais que tudo, temia-se uma aliança entre escravos e libertos à la São

Domingos, que traria mais instabilidade ao já difícil controle sobre a população. Neste

caso, os episódios de 1798 na Bahia teriam servido para mostrar aos muitos senhores de

terras e escravos que os ideais de liberdade e revolta, que para eles significavam o fim

do jugo colonial, teriam outra interpretação entre diferentes extratos da população,

ganhando um novo cunho social e racial. Foram as revoltas de São Domingos que

fizeram com que defensores da “igualdade dos homens” passassem a ser mais

cautelosos, como Manuel José Novais de Almeida, membro da Sociedade Literária do

Rio de Janeiro, que escrevia, em 1792: “Estou muito preocupado com as Américas (...).

O que aconteceu lá [em São Domingos] demonstra o que poderá um dia vir a acontecer-

nos e que Deus permita que eu nunca veja... Vende os escravos que tens, generosamente

concede-lhes a liberdade e terás menos inimigos.”

Afinal, até então a palavra liberdade tinha um significado político, defendida

pela elite mineira, ou econômico, expresso na defesa do livre-comércio, justificado,

aliás, pela prosperidade alcançada pelo açúcar produzido no Brasil justamente quando

da retirada de São Domingos do mercado. Ainda que anticolonialistas, estas idéias eram

produto da influência da Revolução Americana que, já há mais de duas décadas, havia

conseguido a realização de mudanças políticas sem o comprometimento com a mudança


das estruturas sociais. Agora, como o modelo era outro, membros da elite colonial e

metropolitana voltavam-se contra “os abomináveis e destrutivos princípios da

liberdade”, que eram a causa do “fogo de revolta, insurreição, fazendo levantar os

escravos da ilha de São Domingos numa guerra civil entre huns e outros” e

concretizando “a fatal revolução”. Foi justamente esta interpretação radicalizada,

defendida por parte dos conspiradores de 1798, que, ao propor um significado

socialmente igualitário e racial (ou melhor, desracializado, já que defendia a igualdade

de oportunidade e o fim da discriminação racial), transformou a liberdade e a igualdade

dos homens em abomináveis e destrutivos princípios, fazendo com que o apreço dos

proprietários a estas idéias diminuísse consideravelmente.

Na realidade, aos olhos de quem mandava, sobravam motivos para isso.

Especialmente na Bahia, depois dos eventos de 1798, qualquer movimentação, qualquer

canto, qualquer batuque era um sinal de alerta para tentar impedir que alguém sequer

pensasse em repetir ali as ousadias ocorridas no Caribe. E, naquele momento da virada

do século XVIII, não faltavam cantorias e batuques na cidade de São Salvador.

Quilombos abundavam nas áreas rurais do Recôncavo e até mesmo nos arredores de

Salvador, muitos formados por africanos recém-chegados à Bahia, que mal

vislumbravam uma oportunidade e já aproveitavam para escapar. Possivelmente, boa

parte dos africanos e crioulos envolvidos nestes movimentos de rejeição à estrutura da

sociedade colonial nem se dava conta da escala atlântica da ameaça por eles

representada à estabilidade pública. Mas as autoridades, escondidas por trás da violenta

repressão, estavam de tal forma amedrontadas que nem se davam ao trabalho de

averiguar.
Difícil é estabelecer como tudo isto era vivenciado pelo mulato Antonio Pereira

Rebouças, nascido livre, com certas posses, que, se lhe asseguravam a devida distância

das massas de trabalhadores que povoavam o Recôncavo e a capital, não lhe permitiam

seguir adiante nos estudos, como tencionava. Que ele tinha conhecimento das revoltas

encabeçadas por libertos e mulatos livres, era quase certo. Apesar de aqui estarmos

perigosamente afundando os pés na lama da conjectura histórica – não há qualquer

menção a evidências como esta em seus documentos –, ele contava com quase onze

primaveras quando o juiz municipal de sua cidade decretou uma ordenança que

estabelecia toques de recolher e proibia batuques e reuniões de escravos e libertos,

autorizando, inclusive, o uso da força contra aqueles que se recusassem a cooperar com

seus esforços em pacificar a região; e já havia completado dezesseis anos quando

resolveu empreender uma viagem de Maragogipe a Salvador, para tentar prosseguir com

seus estudos, exatamente na mesma ocasião em que se planejava a grande conspiração

dos escravos haussás.

Embora não haja notícia sobre a forma como Rebouças foi de uma cidade a

outra, se foi só ou acompanhado, se por terra ou por mar, os preparativos da viagem

devem ter sido cercados de cuidados. Afinal, há tempos que as estradas do Recôncavo

eram consideradas inseguras, e, naquele momento, pareciam ser mais ainda, desde que a

câmara da Cachoeira havia alertado para a possibilidade de um levante de escravos dos

engenhos unidos a escravos e libertos haussás de Salvador. De fato, o grande medo era

este: se raramente crioulos, mesmo escravos, uniam-se a africanos em revoltas comuns,

quando esta possibilidade existia, as probabilidades de se tornarem incontroláveis eram

bem maiores. O levante realmente aconteceu, em fevereiro de 1814, seguido por uma
conspiração em maio, liderada por escravos de ganho que pareciam circular livremente

pela cidade. Quando Antonio Pereira Rebouças chegou a Salvador – são e salvo, ao que

tudo indica –, a cidade certamente ainda padecia dos efeitos da conspiração, cuja

repressão, segundo os residentes, havia sido insuficiente para restabelecer a ordem. Em

uma carta dirigida ao rei, reclamavam estarem “cercados por um mar de negros”, em

proporção de quase vinte para um em relação ao número de brancos e mulatos, e que, se

o governador não se resolvesse a tomar sérias providências para conter as revoltas, era

melhor que fosse destituído.

O cenário encontrado por Rebouças, portanto, era o de uma cidade

aparentemente confusa, onde a hierarquia e as regras sociais pareciam perder a nitidez,

como já havia notado Vilhena, um defensor das categorias sociais nítidas. Para este, elas

deviam continuar sendo baseadas nos critérios de direitos e privilégios, orientando a

divisão social entre os que possuíam os dois (os nobres), os que só possuíam direitos (os

livres em geral) e os que não possuíam nem um, nem outro, que eram os escravos. Mas

não era esta a situação vivida em Salvador: lá, a superposição de funções, exercidas por

livres, libertos e escravos ao mesmo tempo, e o crescimento de novos grupos,

principalmente o dos libertos, atrapalhava a classificação baseada nestes antigos

critérios de distinção. Ainda mais porque, àquela época, a cada ano uma proporção

crescente de escravos recebia carta de alforria, boa parte deles por tê-la comprado, o que

era mais um sinal da autonomia por eles vivenciada. É por isso que, para muitos, aquela

cidade “povoada de Escravos, cafres e tão bravos como feras”, estava totalmente

desgovernada, já que os libertos, “se são moços querem mostrar aos que são cativos a

diferença que vai da liberdade ao cativeiro, o que lhes fazem ver entregando-se aos
vícios que a ociosidade lhes sugere...”, e “quase todos os Mulatos querem ser Fidalgos,

muito fofos e soberbos e pouco amigos dos brancos e dos negros.”

Nestes aspectos, não havia nada que diferenciasse muito Salvador das outras

grandes cidades das Américas, como Rio de Janeiro, Lima, Baltimore ou Nova Orleans,

só para citar algumas. Importantes centros econômicos, portos de escoamento da

produção regional, local de estabelecimento e concentração das abastadas famílias de

então, estas cidades também eram focos de atração para libertos e negros livres, pelas

oportunidades de trabalho que criavam e pelas possibilidades de se misturarem a um

grande contingente populacional de condição social e jurídica indefinida. Quem era

escravo, com alguma perspicácia, podia se passar por livre, ou podia se empregar e

acumular capital para a compra de sua liberdade. Quem era liberto podia ingressar nas

redes de solidariedade formadas por seus pares, e assim começar a se integrar na

sociedade que o cercava, através do emprego em atividades remuneradas, da economia

de rendimentos e da posterior obtenção da liberdade pela compra ou por outros acordos

com seus senhores. O interessante é que isto aconteceu tanto em cidades que haviam

vivido momentos de grande crescimento econômico e populacional, como Baltimore,

como em outras, como Lima, que viviam a lenta decadência causada, não por acaso,

pelo declínio da instituição escravista imiscuído à retração econômica e à instabilidade

política.

Assim, o que fazia a diferença na vida de um escravo de qualquer meio urbano

das Américas de fins do século XVIII a meados do XIX era o próprio fato de estar

vivendo em uma cidade, tendo acesso a todas as implicações que a vida urbana

proporcionava. Em maior ou menor escala, em todas as áreas urbanas das Américas,


havia a possibilidade de consecução da liberdade, especialmente via compra da alforria,

mesmo que, em alguns estados norte-americanos, o Estado restringisse as alforrias

concedidas por senhores a seus escravos, com medo de que o crescimento da população

livre trouxesse inevitável desordem e perda de controle sobre a região.

Iniciada com a proclamação de independência dos Estados Unidos, seguida pela

revolta de São Domingos, pelos efeitos da Revolução Francesa deste lado do Atlântico e

pelos movimentos anticolonialistas nas colônias espanholas e na portuguesa, este foi

realmente um período em que escravos, libertos e descendentes de africanos em geral

lograram modificar suas condições de vida, assumindo para si novos ideais ou

aproveitando a nova situação econômica. Era uma época de grandes mudanças, e parece

que, otimistas ou pessimistas, apavorados ou esperançosos, todos se apercebiam disto, e

o rapaz Antonio Pereira Rebouças também.

Ao se decidir pelo estabelecimento de Salvador como seu local de morada,

Rebouças muito provavelmente deve ter levado em conta que aquela era uma das

cidades onde as indefinições sociais contavam a seu favor: lá se confundiam escravos,

libertos e livres; muitos, inclusive, com alguma astúcia e bastante senso de

oportunidade, poderiam encontrar uma forma de reverter as condições sociais nas quais

se encontravam, fosse negando a escravidão, fosse logrando ingressar no universo dos

homens livres, fosse, como ele, buscando a diferenciação social através da educação.

Afinal, se o que unia todos estes africanos e suas várias gerações de

descendentes nas Américas era a exclusão social geral a que estavam submetidos, ainda

que – importante frisar – em níveis e intensidades bastante distintos entre si, o que os

diferenciaria a partir de então seria a maneira pela qual reagiriam a este estado de
coisas, e o sucesso alcançado em suas empreitadas. Desnecessário enfatizar que, se o

caminho para a ascensão social e a mudança de status existia, ele não era de fácil nem

seguro percurso. Mais do que isso: embora muitos o tentassem, nada indicava que fosse

possível alcançar bom termo ao final. Nem sempre – ou melhor, quase nunca – estas

passagens eram feitas sem resistências e problemas por parte daqueles que viam este

movimento como um abuso ou uma ameaça à sua própria posição social. Mesmo assim,

no panorama da virada do século XVIII para o XIX, a situação que se descortinava era a

da fluidez dos significados de muitas normas e práticas sociais.

Se era possível a um mulato pobre chegar a advogado, como Rebouças mais

tarde o fez, escravos urbanos também podiam ir adiante ao adquirir sua liberdade,

demonstrando que a mobilidade social, ainda que muito restrita, existia. Por volta da

década de 1820, no Brasil, este estado de coisas possibilitava a existência de espaços

para mudança de condição jurídica e ascensão social, e o que não faltava eram pessoas

dispostas a alargá-los. Antonio Pereira Rebouças era uma delas.


2. Todo Pardo ou Preto Pode Ser General

Nos idos de 1820, Rebouças começava a colher os frutos de sua permanência na

capital da Bahia. Já ia longe o tempo de sua chegada à cidade, quando tudo parecia

novo. Agora, depois de anos de estudo solitário da política, das leis e da jurisprudência,

e do trabalho como escrevente do cartório dos tabeliães Francisco Alves de Albergaria e

João Carneiro da Silva Rego, “em pouco tempo tornou-se tão hábil no conhecimento do

processo em todas as suas partes e de tudo quanto respeita ao ofício de Tabelião” que

pedia para o Tribunal do Desembargo do Paço lhe conceder uma provisão especial para

advogar na Relação da Bahia e nos auditórios daquela Província. Sem recursos,

Rebouças apostava na educação como meio para alcançar a estabilidade social, como o

demonstrou anos mais tarde, em um discurso na Sociedade Amante da Instrução,

quando lembrava que

Diferentemente dos outros seres organizados, o homem estende sem


cessar e indefinidamente seus conhecimentos. Enquanto os animais
vivem presentemente como viviam seus semelhantes, desde o princípio
do Mundo, ao contrário, cada geração humana junta a alguma nova
descoberta a ciência, que se lhe havia transmitido, ou, ao menos, à
perfeição no seu estado preexistente dilatando mais e mais a esfera de sua
útil aplicação. Assim é que o mais imperioso dos deveres do homem não
pode deixar de ser a instrução daqueles que a seguem na senda da vida: é
mesmo para a espécie humana não só uma obrigação moral, como uma
condição inerente à sua própria existência.

Neste ponto, Antonio Pereira em nada se diferenciava dos outros irmãos

Rebouças. Todos foram matriculados na escola primária e, ao terminá-la, todos também

se viram obrigados a encontrar outros meios de seguir na formação. Provavelmente não

por acaso, os quatro irmãos começaram trabalhando como assistentes de escreventes.

Manoel Pereira foi o único que não passou disto, tirando o ganha-pão para o resto de
sua vida de seu emprego em um cartório. Mas Manoel Maurício e José Pereira

prosseguiram no investimento em suas carreiras, sustentadas, mais tarde, pelo irmão

Antonio Pereira; José, o mais velho de todos, após algum tempo de trabalho em um

cartório de Cachoeira, passou a servir como militar, ao mesmo tempo em que

aperfeiçoava seus dons musicais, estudando piano e violino. Em 1828, ele deixava a

Bahia para ir estudar música instrumental em Paris; mais tarde, recebeu o título de

mestre em harmonia e contraponto no Conservatório de Música de Bologna, e, ao voltar

à Bahia, virou maestro da Orquestra do Teatro em Salvador, além de realizar

performances com seu Stradivarius que chegaram a ser ouvidas no Paço Imperial.

Paris também foi o destino de Manoel Maurício: após também passar um

período servindo ao exército brasileiro como voluntário no batalhão dos periquitos,

zarpou em 1824 para a Europa, onde se bacharelou em artes e ciências e obteve o título

de doutor em medicina. Após o retorno à Bahia, em 1832, ele dedicou-se

simultaneamente ao ofício de médico e acadêmico: cuidava de seus pacientes, muitos

deles vítimas das comuns epidemias de febre amarela e cólera. A partir do ano seguinte,

e pelos vinte e cinco subseqüentes, ocupou a cadeira de Botânica e Zoologia da Escola

de Medicina de Salvador, dedicando-se ao estudo da educação médica, assunto que

motivou a publicação de alguns artigos e livros, como o Tratado sobre a Educação

Doméstica, e Pública, no qual insistia na importância da educação física, através da

higiene, e mental, a partir da instrução, para o aperfeiçoamento do ser humano e da

sociedade:

“O homem sem instrução não tem moralidade; é a primeira necessidade


do povo; pois que a instrução sendo um bem comum a todos; pelo menos
a primária importa uma dívida da sociedade perante o povo, é uma
obrigação do legislador que prepara e dispõem os presentes, e futuros
para concorrerem ao bem comum (...). A instrução é a base do direito
político e o cidadão no gozo deste direito civil pode aspirar aos empregos
os mais eminentes do estado; sem instrução o cidadão fica limitado ao
direito civil, e tolhido de toda espécie de aspirações que envolvam o
interesse público.”

Parece não ter sido à toa que estes dois irmãos tenham se dedicado a escrever

sobre a instrução, provavelmente incentivando outros jovens pobres e pardos como eles

a seguirem o caminho da educação. Fosse através do ensino formal, obtido na Europa,

ou do autodidatismo de Antonio Pereira, o sucesso dos três deveu-se ao destaque em

profissões que exigiam o acúmulo de notório saber, compensando o excesso deste com a

falta de um título de nascimento ou sobrenome famoso. É possível que, naquele

momento, a instrução fosse um capital quase tão valioso quanto o berço, já que o Estado

que então se formava carecia, fundamentalmente, de pessoal. Mas um elemento

importante não pode passar desapercebido nas trajetórias dos Rebouças: os três que

subiram na vida passaram pelo serviço militar ou participaram das lutas pela

independência, enquanto que de Manoel Pereira, que estagnou cedo, não há nenhuma

evidência a tal respeito. José Pereira foi membro das tropas por certo tempo, e tanto

Manoel Maurício como Antonio Pereira destacaram-se nos episódios da resistência aos

portugueses na cidade da Cachoeira, no Recôncavo Bahiano.

Quando Antonio Pereira Rebouças obteve permissão para advogar na Bahia

como se fora bacharel formado, em 1821, ele já estava enturmado no grupo dos que

pretendiam “reagir contra as pretensões que manifestaram o governo e os Deputados de

Lisboa de recolonizarem o Brasil.” Assim que as medidas das Cortes portuguesas,

contrárias à autonomia administrativa do Brasil, se fizeram conhecidas na Bahia, um


movimento de oposição começou a ser articulado. Este movimento se fez mais intenso

quando os baianos se viram obrigados a aceitar a nomeação de um governador de

armas, delegado do poder executivo, cujas atribuições seriam independentes daquelas

concernentes à Junta Governativa, independente do governo do Rio de Janeiro desde

fevereiro daquele ano. Desde então, Rebouças começou a participar de reuniões com

amigos, com o intuito de demitir aquele governo e eleger outro, composto por

brasileiros, favoráveis ao reconhecimento de D. Pedro como Príncipe Regente do Brasil

e à formação de um Estado Constitucional, o que resultou no movimento militar de 3 de

novembro, que só alcançaria sucesso dois meses depois, com a formação de nova Junta

Governativa para a província.

Já neste episódio, Rebouças mostraria a verve legalista que o caracterizou em

toda a sua trajetória política: contra a deposição do governo pelas armas, foi favorável à

eleição de uma nova junta, para que ela pudesse substituir a antiga com maior

legitimidade. Alegando falta de “prestígio por família e riqueza, (...) apenas advogado

por provisão do Tribunal do Desembargo do Paço”, o rábula justifica não ter sido

ouvido com seriedade por ninguém durante o episódio, o que acabou salvando-o desta

vez da prisão na Fortaleza do Mar, já que os revoltosos acabaram presos, tendo sido

alguns, inclusive, mandados depois para Lisboa. Isto não o impediu, no entanto, de

continuar acompanhando o movimento, até quando a posse do novo governador de

armas Madeira de Mello em fevereiro de 1822 ensanguentou as ruas de Salvador. Neste

momento, seguindo o pânico que já contagiava a elite local, Rebouças juntou sua

família e a acomodou na única embarcação que, àquela altura dos acontecimentos,

aceitou transpor a barra do rio Paraguaçu em direção ao Recôncavo, mais precisamente


à cidade da Cachoeira, onde se desenrolariam alguns dos episódios mais importantes da

ocasião.

Depois de acomodar a sua família, rever seus irmãos e estabelecer-se

profissionalmente na cidade, Rebouças tratou de juntar-se àqueles que organizavam a

resistência no Recôncavo, aclamando a regência de D. Pedro I, contanto que fosse

rejeitada a constituição de Portugal. Foi membro da Junta Provisória de Governo,

aclamada em junho de 1822, como secretário.

Os meses que se seguiram foram fundamentais para este rapaz de pouco mais de

vinte e três anos, muito provavelmente decisivos para toda sua vida; não é à toa que, das

muitas obras, manuscritas ou publicadas, que deixou para a posteridade, este foi o tema

central, o mais descrito, cujos lances heróicos ele não se cansava de repetir. O relato que

se segue é épico puro, escrito na terceira pessoa, como bem convém aos heróis,

literalmente extraído – dada a impossibilidade de realizar melhor descrição – da menos

contida de suas biografias manuscritas:

“Eis que no dia 24 de Junho corre uma notícia que se atribuía a ter vindo da Capital
por parte do Dr. Francisco Gomes de Brandão Montezuma, que escrevia então uma
Folha Periódica Brasileira, (...) de que ia se apresentar uma representação com toda
probabilidade de ser aceita para que na mesma Capital se aclamasse Regente do Brasil
o Príncipe D. Pedro de Alcântara (...). Esta notícia foi tomada no devido apreço (...).
Para proceder-se com toda a segurança combinou Antonio Pereira Rebouças com o
Major do Regimento de Milícias para pôr em armas as companhias do Regimento ao
seu alcance com ordem expressa do Coronel Comandante que apesar de Brasileiro de
bons sentimentos tinha por muito perigoso qualquer passo reacionário contra as forças
lusitanas, e nesse intuito ditou um ofício que o Major assinou dizendo ao Coronel (...)
que por notícias falsas ou verdadeiras chegadas da Capital se achava o povo em
movimento (...). Com efeito, o Coronel muito de pronto determinou o Major que pusesse
o corpo em armas, o que imediatamente se efetuou porque quase todos os oficiais
brasileiros já estavam prevenidos, avisando inferiores e praças de suas companhias
para comparecerem (...). Dadas as mencionadas providências tinha-se de romper com a
revolução ao amanhecer no dia imediato 25 de Junho. Logo depois de meia noite
desceu de Belém o Coronel José Garcia Pacheco com alguns de seus mais íntimos e
decididos amigos e se achou com Antonio Pereira Rebouças e outros Patriotas na casa
daquele Major onde pela opinião do dito Rebouças se concordou em fazer a aclamação
da Regência do Príncipe D. Pedro com toda a solenidade possível para o que ele
passou a fazer uma proclamação adequada convocando o povo, e ofícios (...). Ao
amanhecer do dia já o povo em forma armado (...) e os mais Patriotas aguardavam um
pouco fora do interior da vila a força que de véspera se achava em Belém e chegada
ela desfilaram todos entrando pela rua imediata em marcha à praça onde em suas
imediações se portaram em formal parada. Reunidos na Sala de Sessão da Câmara
Municipal o Juiz de Fora presidente, o Procurador, e Vereadores em número legal
procedeu-se à aclamação e a lavrar Ata solene da mesma aclamação como as
circunstâncias extraordinárias exigiram. Não se tendo previamente combinado sobre
isso, (...) houve alguma discussão cujo resultado imediatamente foi eleger-se por
aclamação a Antonio Pereira Rebouças, a fim de ditar as cláusulas fundamentais da
ata o que ele cumpriu (...).
Neste dia 26 reuniram-se os principais Patriotas e resolveram eleger um governo que
dirigisse a revolução que entretanto se achava acéfala combinando politicamente em
dar-se-lhe a denominação de Junta interina conciliatória de defesa – para
corresponder ao seu justo fim de proteger os naturais de Portugal contra as reações
hostis dos mais exaltados Patriotas chamando-os ao grêmio Brasileiro (...) e ao mesmo
tempo empregando as mais enérgicas medidas para submeter os sublevados e
refratários do interior e resistir e vencer as agressões dos Lusos da Capital ou forças
armadas do General Madeira. Foi eleito membro Secretário desta Junta Antonio
Pereira Rebouças com maior número de votos do que o Presidente e outros membros da
mesma Junta. Imediatamente lavrada e assinada a Ata entrou a junta conciliatória em
exercício, trabalhando noite e dia com toda a prontidão e atividade providenciando
tudo quanto concorria para a paz e para a guerra. A primeira necessidade da Guerra
era submeter a barca lusitana (...); carecia-se absolutamente de artilharia e para ter-se
uma peça foi necessário recorrer ao vai-vem de um engenho de açúcar a qual estando
demasiadamente enferrujada pelo muito uso ou desuso teve de ser passada a fogo a
descascar. Ao anoitecer do dia 28 quando se calculava ter bastante cartucho (...),
correu notícia de que uma outra barca vinha da Cidade Capital para reforçar a
existente e que esta movendo-se dentre a povoação de São Felix e Cachoeira onde
costumava flutuar parecia descer o Rio Paraguaçu, a colocar-se num ponto em que
alargando-se mais o mesmo Rio ficaria fora do alcance do fogo das espingardas que se
lhe fizesse de uma e outra margem (...). Assim pensando o mesmo Secretário Rebouças
propunha que era oportuno atacar imediatamente a barca lusitana que se movia no
porto para ficar em estado de repelir a outra (...). Convencido (...) o membro Secretário
Rebouças (...), desceu das Salas das Sessões à praça do Chafariz (...) e disse aos
Patriotas (...) que fossem imediatamente atacar a barca (...) e voltando para a Sala das
Sessões disse aos seus Colegas da Junta e aos assistentes da discussão que em pouco
tempo ouviriam o que mais convinha no cumprimento de seus deveres. E assim se ouviu
logo que o fogo tinha rompido cruzando sobre a barca tanto do lado da Cachoeira
ocupando os atiradores em todos os pontos e as casas adjacentes como do lado de S.
Felix entrando pelo rio Paraguaçu até onde o mesmo permitia com água acima da
cintura. A Barca respondia a esse fogo com a artilharia ao princípio seguidamente e
logo depois de espaço a espaço (...). Ouvindo o Rebouças que a artilharia lusitana
tinha de todo emudecido comunicou a seus companheiros de Junta que ia ao lugar de
combate providenciar mais de perto o que fosse necessário. (...) Cessando inteiramente
o fogo (...), alguns Patriotas embarcavam-se em canoas e foram a bordo donde
trouxeram prisioneiros o tenente comandante, um sargento seu imediato, e soldados
marinheiros da guarnição que sobreviveram ao fogo, recente ataque geral e aos
tiroteios alternados desde o dia precedente. Iluminaram-se imediatamente duas
povoações vencedoras, a vila da Cachoeira e com ela a povoação de S. Felix; eram dez
para onze horas da noite e as manifestações de prazer e exaltação não tiveram limites.

Depois da batalha decisiva, a vitória ficou fácil, com a liberação do rio

Paraguaçu para as tropas brasileiras: a canhoneira do barco lusitano foi confiscada,

juntamente com toda a artilharia da guarnição inimiga. Isto foi suficiente para armar as

trincheiras de um dos engenhos da região e a fortaleza do Paraguaçu, erigida em

Maragogipe; com isso, as proclamações de adesão à aclamação da Cachoeira passaram

a suceder-se por toda a região, em Maragogipe, Nazareth, Jaguaripe, onde quer que as

últimas novas chegassem. E foi assim que Antonio Pereira Rebouças transformou a si

próprio em herói da independência.

Consolidada esta vitória militar, o passo seguinte foi o de constituir um governo

que desse conta das questões civis e militares de todas as vilas do Recôncavo, que

tratavam, basicamente, da resistência aos portugueses que haviam tomado a capital.

Apesar de Rebouças considerar-se natural candidato ao cargo de representante da Villa

da Cachoeira, seus colegas, quem sabe não atribuindo a ele um papel tão importante

quanto o pintado em suas autobiografias, escolheram eleger Francisco Gomes Brandão,

ou Francisco Gê Acayaba de Montezuma, recém-chegado da capital da província.

Embora tenha alegado que na verdade não podia exercer o cargo, dizendo que

também não havia aceitado a proposta de ser eleito pela Villa da Pedra Branca porque
precisava voltar a exercer seu ofício de advogado, “dando o exemplo da Independencia

que deve ter um Patriota, não aceitando empregos de Governo quando não tenha

ordenado ou renda de bens patrimoniais que bastem à sua congrua subsistência”,

Rebouças mal disfarçava sua decepção. Esta logo ficou evidente quando começou a

atacar a honestidade dos meios empregados pelos representantes do Conselho Interino

de Governo, que, segundo ele, não hesitavam em excluir os novos membros eleitos por

vilas menos importantes, como seu amigo João Dantas de Itapicuru. Ao discursar contra

aquilo que considerava uma grande injustiça, “incompatível com a realidade das idéias

patrióticas dominantes na atualidade”, Rebouças acabou tendo que “converter a

Assembléia em uma desordem geral por vias de fato donde resultaram contusões e

arranhaduras em uns, roupas rasgadas em outros, até que se conseguiu acalmar a

desordem.”

A pancadaria foi tanta, que nosso advogado achou melhor sumir por uns tempos;

acompanhado do outro derrotado, o João Dantas, foi respirar melhores ares na Corte.

Mas, mesmo saindo de fininho, ele não deu por encerrada a briga: na primeira

oportunidade, escreveu e fez publicar um longo requerimento ao agora já Imperador,

acusando a fraude eleitoral ocorrida que, inclusive, teria propiciado a posterior eleição

de Montezuma como representante da Bahia na Assembléia de 1823, e fez suas

reclamações serem debatidas pela Comissão de Constituição da própria Assembléia

Constituinte que, no entanto, se eximiu de apurá-las por falta de maiores informações.

Rebouças não estava errado ao enfatizar a sua participação nas lutas pela

independência na Bahia em suas memórias, quando, no fim da vida, “já então sem vista

para ler e escrever”, as ditou, provavelmente para seu filho André. Ele sabia muito bem
que à sua atuação devia a singular carreira política e jurídica que construiu. Afinal, foi

neste momento que o Imperador decretou liberdade para os escravos que defenderam a

província, e foi a partir de então que surgiram as melhores possibilidades de mobilidade

social e política para aqueles que conseguissem aproveitar as chances. As liberdades

almejadas eram muitas, mas a realidade é que elas não eram possíveis para todos. Se a

desordem política do momento abriu oportunidades de consecução de alguma

notoriedade política antes impensáveis para mulatos como Rebouças e também

Montezuma, estas posições foram conquistadas a unha e dentes. Impossível destacar as

oportunidades de mobilidade social abertas pela independência sem, ao mesmo tempo,

reforçar o quão afuniladas elas eram. No momento de constituição de novos grupos de

poder, como o demonstram as eleições da Cachoeira, aqueles que dispunham apenas da

notoriedade alcançada pela participação nas lutas contra os portugueses se atracavam

para conseguir alguma posição. Não é à toa que, vendo-se excluído do novo jogo de

forças políticas estabelecido no Recôncavo, Rebouças tenha resolvido tentar a sorte no

Rio de Janeiro, o único lugar onde, em pleno ano de 1823, ele poderia tentar converter o

capital simbólico obtido com as lutas pela independência por posições políticas reais.

A viagem da Bahia para a Corte, por terra e por mar, foi cheia de peripécias e

encontros fortuitos. Rebouças passou por Maragogipe, Nazaré, Morro de São Paulo,

Valença, Barra do Rio das Contas, Ilhéus, Porto Seguro, Vitória, Guarapari e Campos,

sempre se encontrando com a gente influente do local, como o coronel Manoel

Gonçalves Bittencourt, posterior membro do Conselho do Governo da Província da

Bahia, Chichorro da Gama, pai do futuro desembargador da Relação Chichorro Pinto

da Gama e J. Silvestre Rebello, que viria a exercer o cargo de Mordomo Mor no lugar
vago deixado por José Bonifácio, e que “lhe recomendou que se não esquecesse de o

procurar no Rio de Janeiro”.

Mas nem tudo era fácil assim: em Porto Seguro, por exemplo, foi embaraçado de

seguir viagem, mas “valendo-lhe o conhecimento que já aí tinha de seu nome e a

persuasão de sua identidade pelo conhecimento pessoal que manifestou ter das mais

notáveis ocorrências patrióticas e profissionalmente da legislação em matéria forense”

conseguiu prosseguir, não sem antes dar uma ajudinha ao Juiz ordinário local, o que

ainda lhe rendeu um pão-de-ló de presente. Embora Rebouças não especifique os

motivos que levaram ao incidente, claro está que ele poderia ser confundido com outra

pessoa de status e condição inferior, como um liberto, problema que ele logo tratava de

resolver provando a sua identidade. Ou seja: se fosse apenas mulato, sem a fama dos

recentes feitos, Rebouças possivelmente nem passaria da fronteira da província, ainda

mais naqueles tempos, quando revoltas de escravos, libertos e outros pardos assustavam

os engenhos da região. Assim, para se diferenciar dos outros, Rebouças fazia uso dos

dois únicos recursos de que dispunha: a profissão e a independência.

E foram estes mesmos bens que lhe renderam boa estadia na capital do Império;

ali Rebouças fez contatos, conheceu os Andradas, beijou a mão do Imperador,

conversou com o próprio em uma segunda audiência, conseguiu ser nomeado Secretário

da Província do Sergipe e, além disso, foi condecorado cavalheiro da Ordem do

Cruzeiro “sem que o tivesse requerido, não sendo provavelmente graduado em escala

mais elevada porque sua posição na Sociedade quanto aos meios de subsistência não

deixava de ser precária”. Mas foi no Rio também que Rebouças se deu conta de que

todo o prestígio que conseguira não tornara invisível a sua cor. Na única referência de
todas as suas memórias ao assunto, Rebouças conta como deixou de ser convidado para

jantar na casa do deputado Gondim, a quem havia ido visitar com João Dantas:

Era a dita casa em uma chácara ao lado esquerdo da entrada de São


Cristóvão e lá se achavam o Vigário do Rio Pardo (...), Miguel e Antonio
Calmon e o Cel Villasboas ao depois Barão de Maragogipe. Estavam
próximos a dirigir-se à mesa para jantar. Notou então o Rebouças que o
Deputado Des Gondim se dirigisse ao Cel Villasboas e lhe falasse como
quem lhe pedia licença para o convidar a fim de jantar com eles como
quem achava, na qualidade de mulato do Rebouças, que não deixava de
ser ao Des Gondim um embaraço para jantar com os seus hóspedes
brancos e nobres. A resposta do Cel Villasboas pelo que o Rebouças
observou de sua gesticulação e do movimento de seus braços e mãos
pareceu-lhe significar que ele estava em sua casa e poderia fazer o que
quisesse. Em seguimento o dono da casa dirigiu-se ao Cel João Dantas e
falando-lhe, pareceu ao Rebouças (...) que o próprio Des Gondim lhe dava
uma satisfação de lhe não convidar para jantar porque teria também
necessidade de convidar ao seu companheiro em desagrado de seus
hóspedes.

Rebouças foi embora revoltado, menos com a discriminação em si e mais com o

fato de ter acontecido logo com ele, “um homem que na sua profissão era Advogado e

na política tinha servido de Membro do Governo primeiro do que cada um deles e nessa

qualidade dado ordens a pessoas de hierarquia igual aos mais distintos deles”. A ferida

deve ter sido profunda, tanto é que não mais faria referências a episódios como este em

suas memórias, e eles não tardaram a se repetir.

De fato, a desfeita do jantar não foi nada em comparação com o que aconteceria

em 1824, quando Rebouças tomou posse como Secretário da Província do Sergipe.

Incomodados justamente com o fato de ter um mulato à frente dos negócios do governo,

os proprietários do local fizeram de tudo para tirá-lo de lá, o que conseguiram ao cabo

de um ano. Mas a história é mais complicada do que isso, e merece ser contada.
Quando Manoel Fernandes da Silveira foi escolhido primeiro Presidente da

Província de Sergipe, levando consigo como Secretário Antonio Pereira Rebouças, o

estado político da província era dos mais calamitosos. Corcundas e Liberais

engalfinhavam-se pelo poder local, tanto que, em novembro de 1823, nas eleições da

Junta de Governo, a violência imperou de ambos os lados da disputa, e vinte e três

proprietários considerados favoráveis à causa de Portugal foram parar na cadeia. A

chegada de Silveira e Rebouças não veio melhorar muito os ânimos na região. Os

liberais, até então no exercício do governo, não entendiam por que a escolha da

Presidência havia recaído sobre Silveira, natural de Sergipe, mas já septuagenário e há

muitos anos vivendo na Bahia. Os portugueses proprietários juravam vingança aos

brasileiros que os tinham prendido. E, para piorar a situação, as tropas não eram capazes

de manter a segurança: o batalhão local à esta época encontrava-se quase sem oficiais,

já que grande parte deles “era composta de inimigos declarados da Santa Causa” da

independência, e a Tropa de Primeira Linha, criada pela Junta Provisória justamente

para reforçar a guarda contra estes portugueses, era composta apenas de tenentes,

coronéis e capitães, consumindo toda a renda provincial. Enquanto isto acontecia, a

cidade de Laranjeiras, o maior centro urbano de Sergipe – apesar de a capital estar

situada em São Cristóvão –, onde se estabeleciam negros livres e libertos, e também

onde morava a maior colônia lusitana da província, era palco de cotidianos conflitos,

intensificados à medida que as notícias sobre os acontecimentos em Pernambuco

chegavam à cidade.

Diante deste cenário nada edificante, dá para imaginar a recepção dada a Silveira

em março de 1824, ainda mais quando se viu que ele havia chegado com um mulato
como secretário, o “miserável neto da Rainha Ginga”, como foi logo apelidado, a quem

o presidente ouvia mais que a qualquer um. E os problemas não tardaram a começar:

logo em abril, a tal Tropa de Primeira Linha revoltou-se contra o novo governo, por não

ter recebido o soldo, e se amotinou no quartel; os corcundas aproveitaram a divergência

para ganhar as simpatias da guarnição, e elaboraram um plano que previa a deposição

do presidente justamente no dia da posse dos seis conselheiros da província eleitos,

nenhum deles membro de seu partido.

Foi aí que Rebouças entrou em ação: alertado sobre a conspiração, deixou a

província com o presidente no meio da noite, não sem antes redigir uma proclamação

aos soldados, rogando que abandonassem os oficiais revoltosos e que os seguissem:

Habitantes da Província do Sergipe. Brasileiros. O Presidente, legítimo


Administrador da Província, não podia cuidar do vosso Bem ser, como
desejava, porque estava coacto. A Força Militar, paga a vosso custo, para
garantir-vos, tem sido a primeira, encabeçada a violar vossos Direitos.
Habilitada a obedecer, e desobedecer o grado de seus Mandões, não
podia amalgamar-se com a Administração de um Presidente, que não
conseguiam superar. Minha Dignidade e Autoridade eminente que, em
mim Delegou Sua Majestade o Imperador, me instavam, como Dever
Sagrado, chamasse a ordem os indóceis, e insubordinados. Chamei-os;
chamou-os o Comandante Militar, e por meios brandos. Não acederam.
Gênios exaltados, e inexperientes homens afeitos ao vício, não se podiam
moldar ao acesso, nem a voz da razão. Baldei medidas conciliatórias.
(…) O Gênio do mal sugere-lhes a revolta; e já não tarda de vulgarizar-
se, que o Presidente e Secretário serão depostos pelo Batalhão da
Primeira Linha. (…) Espera-se pela eleição do Conselho, cuja
convocação determinei em virtude da Lei. A maioria dos votos, rendidos
dos Beneméritos da Pátria; mas em contradição ao que indigetavam os
Zangões, e Parasitas, desenganando-os de acharem arrimo no Conselho,
decide-os igualmente a obstar com Armas a posse de Conselheiros,
legitimamente nomeados! Que! E de braços cruzados me conservaria,
quando cercado de Inimigos armados, e contemplado de Amigos
desarmados?
O plano havia falhado. Sem presidente não haveria posse de conselheiros, e sem

a posse não haveria deposição. De volta à província, onde foram recebidos com festas

populares, as autoridades mandaram prender os oficiais, que foram enviados para a

Bahia e, de lá, para a Corte, de onde veio a ordem de dissolução da Tropa de Primeira

Linha.

Rebouças nunca foi perdoado por ter frustrado os intentos dos proprietários

locais. E este estado das coisas só veio a ficar mais tenso em junho, quando foi chegada

a hora de jurar a Constituição. No dia marcado, Rebouças dirigiu-se à Igreja e, tomando

o texto do vigário geral da paróquia, natural de Portugal, fez ele mesmo a leitura,

permitindo ao padre somente que celebrasse a missa. Ao final, depois de se haverem

dado os “Vivas da Etiqueta”, um dos tenentes coronéis do Batalhão dos Henriques

gritou “morra tudo quanto é maroto”, dando início a violentas perseguições contra

portugueses, que foram se refugiar nas matas, e de lá só saíram quando tomou posse o

Comandante das Armas designado para pacificar a região, o capitão Manoel da Silva

Daltro.

Desta data em diante, todos os dias chegavam representações contra Rebouças à

mesa de Daltro. Rebouças era acusado de tudo, de pertencer à “Sociedade Gregoriana”,

que teria como objetivo a tomada do poder dos brancos pelos pardos, de aliciar a

população em geral contra os brancos, de ser republicano e democrata, e, pior de tudo,

de ter dado vivas à Revolução do Haiti. Os relatos também diziam que a conspiração

frustrada por Rebouças não passara um desvairio inventado por ele próprio, já que

“nenhum Cidadão de senso e critério teve o menor sobressalto, porque claramente se

conheceu que toda aquela trama foi para as coisas tomarem a direção premeditada, aliás
agora conhecida nocivíssima.” De tudo quanto Rebouças era acusado, o episódio mais

importante parece ter sido o acontecido em Laranjeiras, na noite do dia 25 de junho.

Nesta ocasião, um grupo teria saído pelas ruas da cidade, gritando “vivam pretos e

mulatos, morram marotos e caiados”, “indo acompanhados de um zabumba e outros

instrumentos”. No dia seguinte, pasquins teriam sido pregados em postes, com as

mesmas palavras de ordem inscritas. Na denúncia feita ao Comandante das Armas,

Rebouças aparece como o cabeça do movimento:

Senhor Governador das Armas. ALERTA. Uma pequena faísca faz um


grande incêndio. O incêndio já vai lavrando. No jantar que deram nas
Laranjeiras os ‘Mata Caiados’ se fizeram três saúdes: primeiro à extinção
de tudo quanto é do Reino, a que chamam de ‘marotos’; a segunda a tudo
quanto é branco do Brasil, a que chamam ‘caiporas’; a terceira à
igualdade de sangue e de direitos. Que tal alerta e bem alerta. Um menino
R..... irmão de outro bom menino, fez muitos elogios ao Rei de Haiti, e
porque não o entendiam, falou mais claro: São Domingos, o Grande São
Domingos. Não houve manobra. Vossa Exa tome cuidado. Os homens de
bem confiam em Vossa Exª. Só querem Religião, Trono e Sistema de
Governo jurado no dia 6 de junho. Alerta. Alerta. Acudir enquanto é
tempo. Laranjeiras, 26 de junho de 1824. Philioordinio.

Embora no texto se insista em que “não houve manobra”, ela parece clara. A

denúncia, não assinada, se faz em nome dos homens de bem, e ela faz uso do melhor

recurso de convencimento disponível à época: a menção ao Haiti. E a estratégia deu

certo. Um mês depois, o capitão Daltro mandaria uma representação ao Imperador,

informando da situação da província, e dizendo que o responsável por tudo era o

Secretário Antonio Pereira Rebouças, que estava “protegendo a uns poucos de homens

maus, e acabrunhando os mais ricos e probos Proprietários por não seguirem seus

desvairados caprichos.”
De nada adiantou a representação do próprio presidente Silveira, argumentando

que o Daltro estava se comportando “fora da Linha de seus deveres”, e as reuniões feitas

com os conselheiros da província para tentar bloquar as acusações. Em dezembro, o

presidente e seu leal secretário foram demitidos, e Daltro aproveitou para se mandar de

Sergipe, alegando uma doença qualquer. Contra Rebouças, foi feita uma devassa

responsabilizando-o por todos os distúrbios daquele ano, e ainda acusando-o de

encabeçar uma nova rebelião, liderada por Sebastião Soares, chefe da companhia dos

Henriques, ocorrida naquele mesmo mês em Laranjeiras, só que desta vez em conjunto

com escravos. Rebouças ainda permaneceu em Sergipe até fevereiro do ano seguinte,

quando foi para Salvador, em companhia de sua mãe e irmãs, seus dois escravos e mais

dois “serviçais”, a tempo de fazer a própria defesa na devassa que já havia chegado ao

Tribunal da Relação da Bahia, onde finalmente foi absolvido por falta de provas.

Difícil saber até que ponto Rebouças estava realmente envolvido nos

acontecimentos que era acusado de liderar. Se claro está, pela leitura das várias

representações dirigidas ao capitão Daltro, que a presença de um secretário pardo

incomodava muita gente, complicado é estabelecer quando estes relatos foram baseados

em episódios reais ou quando tudo não passava de invenção para incriminá-lo. Difícil

crer, por exemplo, que Rebouças tenha realmente dado “vivas ao Haiti”, como, aliás,

ficou reconhecido na própria devassa feita contra ele, quando apenas cinco das vinte e

uma testemunhas convocadas, todas consideradas brancos proprietários, apontaram

como efetiva a participação do advogado no motim de Laranjeiras. Se tivesse realmente

sido o líder da igualdade tal qual pintado por Luiz Mott, Rebouças teria tido mais

orgulho de sua participação, e certamente não a omitiria de suas memórias, onde outros
feitos de menor importância ganham maior espaço. Mais possível é imaginar o nosso

rábula realmente defendendo a igualdade de direitos, e pronunciando a frase que o

tornaria mais famoso nos dias que então corriam: a de que “todo homem pardo ou preto

pode ser general” que, segundo seus inimigos, ele não se cansava de repetir a quem

quisesse ouvir.

Líder ou não, Rebouças certamente foi um exemplo. Para os proprietários, que o

percebiam como um péssimo modelo para os locais, que poderiam realmente acreditar

que “o mulato fosse igual ao branco”, e para a chamada população de cor pelo mesmo

motivo, ao perceberem até onde poderiam alargar o significado do novo regime. Para

pardos como Sebastião Soares, que andavam convocando cativos e libertos nos

engenhos e fazendas da região para darem início a uma revolta no Natal, quem seria

melhor exemplo do que Rebouças para convencê-los de que “eles em breve eram felizes

e que a riqueza dos brancos desta terra eram para eles”? Mas, ao que parece, Rebouças

não queria ser exemplo para ninguém.

Ao se retirar para fazer a sua defesa sozinho em Salvador, assim como no

episódio ocorrido no jantar da Corte, Rebouças optou por uma solução individual para

os problemas que vivia. Negando-se a politizar a cor, ele parecia ter aprendido uma

lição que tentaria pôr em prática a partir de então: seria a partir de seus méritos e

qualificações que procuraria se distinguir, como cidadão, e aos cidadãos não deveria

importar a cor. Por isso, talvez a acusação mais grave que Rebouças tenha sofrido

durante sua triste estada em Sergipe não tenha sido nem a de arruaceiro, mas uma em

que ele era desqualificado como eleitor:


O mesmo Rebouças, não estando nesta Cidade e Freguesia se não de 5 de
março em diante (...), atreveu-se a votar na Eleição Paroquial no dia 27
do passado Junho, à força, pelo que foi impedido pela Mesa; e mesmo
por não poder ter conhecimento das pessoas, em que havia de votar, o fez
naquelas que não tinham as qualidades exigidas nas Instruções.

Para o denunciante, Rebouças votou sem poder e, pior, nas pessoas erradas: um

mulato não podia mesmo saber votar. Pois era exatamente este tipo de acusação que

Rebouças combatia, aquela que o comparava a qualquer outro pardo que não havia

alcançado a condição de cidadão. Ao agir desta forma, Rebouças não estava usando de

uma “deliberada estratégia” de embranquecimento, como quer Leo Spitzer. Ao

contrário, ele estava agindo exatamente como muitos de seus pares, do Brasil e de

outras paragens das Américas, ao procurar distinguir-se da maioria para alcançar algum

lugar na sociedade.

Em um tempo em que não havia definição concreta de o que seriam direitos

civis, assim como os escravos que compravam a liberdade e que entravam com

processos na justiça para garantir ou mudar de condição, ou como portugueses pobres e

mulatos livres que disputavam mercado de trabalho e oportunidades de ascensão social,

também Rebouças buscava provar a legitimidade de sua nova condição social, que lhe

garantiria, segundo seu próprio entender, pleno gozo de seus direitos civis. Por isto este

período seria tão significativo: em um momento não por acaso denominado A Era das

Revoluções, a atuação destes escravos, libertos e mulatos nascidos livres

revolucionaram as sociedades onde viviam através das pressões por eles exercidas para

serem admitidos como membros efetivos e legítimos. Estas pressões ganharam formas

distintas, e tinham mesmo objetivos imediatos diferentes. As expectativas de um

escravo que trabalhava ao ganho eram bem diferentes das de Rebouças. Mas elas tinham
um elemento comum: a garantia de direitos civis básicos, como o da liberdade e o da

propriedade.

A questão é que a luta por direitos civis, no Brasil daquele momento, nada tinha

de igualitária, e isto nos ajuda a entender por que esta pressão não foi exercida, com

raras exceções, em conjunto. Ser igual era estar no último degrau da escala social, e

embaixo ninguém queria ficar, nem que fosse em boa companhia. Daí que, para todos, a

inclusão entre aqueles que tinham direitos civis implicava na exclusão de um outro

grupo. As idéias compartilhadas de liberdade e defesa de direitos civis “davam lugar às

lutas de cada grupo nas disputas pelos espaços públicos de cidadania. A lei que tornava

uns cidadãos, circunscrevia e limitava a vida e o cotidiano de outros.” Os outros, no

caso, eram os estrangeiros produzidos pela independência, os portugueses e africanos,

que, de diferentes formas, viam seu acesso à cidadania questionado.

Rebouças, neste sentido, era uma figura mais do que emblemática. Ele até então

não mais fizera do que tentar manter seus direitos civis, conseguidos com a

independência. Tanto é que ele nem deu atenção a Sebastião Soares, o líder da revolta

do Natal, quando este foi buscar seu apoio para o motim que então era organizado. Não

que, com isso, ele negasse os motivos de seus pares. Mas, além de manter suas firmes

posições de que toda reivindicação deve ser feita no âmbito da lei e da ordem, o que ele

queria mesmo era solidificar a sua diferença em relação aos outros, como muitos o

faziam. Reforçando a hierarquia como princípio de organização social, Rebouças

acabava privilegiando critérios distintivos de exercício da cidadania, mas isso não

parecia ser, para ele, um problema. É neste sentido que sua frase “todo homem pardo ou

preto pode ser general” deve ser compreendida. Todos até podem chegar a ser generais,
se tiverem igualdade de oportunidades, leia-se, educação. Mas nem todos chegarão a ser

generais, ou melhor, nem todos devem chegar a sê-lo, sob pena de subverter a

ordenação ideal da sociedade.

É por isso que, ao retornar a Salvador, Rebouças realmente dedicou-se a garantir

os direitos civis: aqueles garantidos pela Constituição de 1824, basicamente a liberdade

de expressão e os livres direitos de propriedade. Não foi à toa que logo ficou famoso por

ter defendido um proprietário de terras, que se considerava lesado pelo novo governo

imperial por nunca ter sido indenizado pelas propriedades e riquezas cedidas durante as

lutas pela independência na Bahia, e comprou o jornal O Bahiano só para garantir sua

liberdade de expressão quando as “forças lusitanas” ameaçavam desrespeitar seus

direitos constitucionais. Rebouças defendia justamente “a liberdade que é compatível

com as leis”, como havia pedido D. Pedro I, e não aquela que “degenera em licença e

produz a anarquia, o maior de todos os males políticos.” Eram estes direitos civis que

lhe interessavam, justamente aqueles que ele ainda não tinha garantido: o acesso à

propriedade e à liberdade de expressão.

Justamente por isso, enganava-se quem pensava que seus problemas haviam

acabado. Três anos depois da devassa que quase o levou à prisão, chefe do Partido

Constitucional da Bahia, recém-eleito Conselheiro da mesma província, seus oponentes

políticos do “partido absolutista” usavam ainda das mesmas fórmulas para atacá-lo,

lembrando a quem houvesse esquecido quem era Antonio Pereira Rebouças:

Senhor Redactor do Soldado da Tarimba. Sobremaneira maravilhado, que


o rábula A.P.Rebouças, outrora Secretário de Governo da Província do
Sergipe, perseguidor de todos os seus honrados habitantes, com
especialidade dos que pela pureza de sangue, riqueza, representação
Civil, ou Militar, ofuscavam seu caráter invejoso, turbulento, e inimigo
de quanto é boa ordem; e onde fora acusado pela voz pública de ser
cabeça da revolta dos negros forros, e cativos, a qual tinha por objeto o
massacre geral dos brancos, e a instituição do horroroso sistema da Ilha
de S. Domingos; (...) sobremaneira, digo, maravilhado, que um tal
indivíduo bem longe de procurar por uma nova linha de conduta fazer
esquecer a torpeza do passado, prevalecendo-se do Ofício de Rábula,
insulta em nome das partes, as autoridades constituídas por meio de
façanhosos requerimentos; é (assinando-se Catão) o Chefe da guerrilha
demagógica do Diário Constitucional, veículo por onde há muitos anos se
deprimem, e caluniam aquelas perante o Povo, tática favorita dos
anarquistas de todas as épocas, e Nações; e por onde a reputação, e honra
dos habitantes da Província atrocissimamente tem sido vilipendiada; (...)
compelido por tão ponderosas considerações, mandei requerer ao Juiz
competente a certidão junta, a fim de que V.m. por intermédio de sua
proveitosa folha a faça distribuir por todos os seus assinantes, e se
possível for remeter para as principais Cidades do Império; com
especialidade para a Corte do Rio de Janeiro, onde naturalmente deverá
chegar ao conhecimento do Constitucional e providente Ministério de
Sua Magestade Imperial, que sem a mínima dúvida ordenará ao
Excelentíssimo Presidente da Província a maior cautela e vigilância sobre
os passos, e conduta de tão perigoso indivíduo (...).
Um Cidadão

Este Cidadão que assina o texto mandou imprimí-lo na tipografia da Viúva

Serva e Filhos, junto com a cópia de parte da devassa feita contra Rebouças, única e

exclusivamente para demonstrar o quanto Rebouças era um indivíduo perigoso, e alertar

as autoridades, que indevidamente o haviam absolvido, para tal fato. Curiosamente, ele

só manda que se copie os trechos da devassa contrários a Rebouças, como o próprio

escrivão admite ao finalizar a transcrição, dizendo que “não consta da mesma Devassa

haverem mais Testemunhas que jurassem contra o Suplicado Antonio Pereira

Rebouças”. Revoltado com os artigos que nos jornais o advogado escrevia, mas

impedido de acusá-lo de qualquer crime, o anônimo autor da carta principiava

justamente por afirmar que Rebouças era inimigo daqueles que possuíam “pureza de

sangue, riqueza, representação Civil, ou Militar”; ou seja, dos que eram, como ele,
Cidadãos. Ignorando propositadamente que a pureza de sangue não era mais

considerado qualificativo de cidadania, e que Rebouças era, ele próprio, um

representante civil, o tal Cidadão aparece com uma definição bem diferente da que

então vigia na sociedade brasileira, da qual Rebouças estaria excluído.

O grave é que a representação parece ter sido ouvida. Pela correspondência

publicada n’O Bahiano, sabemos que o denunciante do suposto crime que levou

Rebouças a passar uma temporada na Fortaleza de São Pedro, era justamente Francisco

das Chagas de Oliveira Castilho, ex-redator do … Soldado da Tarimba! Foi assim, que,

acusado de atentar contra a segurança pública por ter dado vivas à Constituição, em

maio de 1829 ele esbravejava contra aqueles que se recusavam a entender que a sua

causa era “a Causa da Justiça, (...); esta Causa pertence aos Cidadãos de todas as classes

e Corporações.”

Apesar da frase de efeito, Rebouças sabia muito bem que a causa da Justiça

ainda não pertencia a todos os cidadãos, e que esta mesma idéia de o que fossem

cidadãos ou direitos civis longe ainda estava de produzir consenso entre os membros de

todas as classes e Corporações. Como advogado, ele sabia disto. Afinal, não seriam

poucos os processos com os quais ele teria contato, nos quais a discussão seria

exatamente esta: a concessão de direitos civis, o conceito de cidadania, e as

características e limites do direito de propriedade. No entanto, contrário às bruscas

mudanças produzidas pelas revoluções, ele mesmo defendia que este processo era longo

e lento, e que só estaria terminado quando o código civil, a única garantia real dos

direitos do cidadão, pudesse ser escrito. E isto ele havia dito num artigo já velho de
anos, quando, baseando-se no exemplo da revolução ocorrida em França, em um

parágrafo resumiu todo o seu pensamento liberal, ao defender

que nem são essenciais aqueles estragos às regenerações dos Povos,


ainda passando de Escravos imediatamente para livres nem também o
meio de beneficiar os homens é fazer prédicas aos tiranos; é sim instruir
o Povo de seus direitos. (...) Sem letras, Povos do Brasil, nada seremos
nunca: a liberdade proclamada de uma duração efêmera, será substituída
pelo mais insolente despotismo e arbitrariedade; sem letras debalde se
esforçarão os amigos da Humanidade por assegurar-nos um código,
resumo dos direitos naturais, e sociais do cidadão. (...).
Parte II:

Direitos Civis e Liberalismo


3. A Qualidade do Cidadão Brasileiro
“A palavra cidadão não induz igualdade de direitos”
Deputado Araújo Lima, 1823

O deputado Antonio Pereira Rebouças deve ter saído furioso da sessão da

Assembléia Legislativa de 25 de agosto de 1832: depois de um contundente discurso,

sua posição havia sido derrotada por pouco. O tema em discussão era a escolha de

critérios para nomeação de oficiais da Guarda Nacional, e havia já dois dias que

emendas eram propostas no sentido de restringir a possibilidade de escolha unicamente

aos homens que eram, de acordo com a constituição, considerados eleitores. Como

eleitores eram aqueles cidadãos brasileiros maiores de vinte e cinco anos que, tendo

renda líquida anual superior a duzentos mil réis em bens de raiz, indústria, comércio ou

emprego, não fossem criados de servir, nem primeiros caixeiros das casa de comércio,

nem Criados da Casa Imperial, nem administradores das fazendas rurais e fábricas, nem

“filhos famílias” que estivessem na companhia de seus pais, nem religiosos

enclausurados, criminosos, ou libertos, a intenção dos projetos propostos era mesmo a

de restringir ao máximo o pertencimento à Guarda Nacional brasileira.

Nenhuma destas restrições irritava tanto a Rebouças como a cláusula referente

aos libertos. Na primeira vez em que uma emenda com este teor foi proposta, ele

imediatamente a contestou, e com tal veemência que o seu autor, o representante de

Minas, Baptista Caetano, a retirou antes mesmo que fosse posta em discussão. Mas, na

sessão seguinte, Calmon ofereceria outra emenda de igual teor: “Somente o cidadão que

pode ser eleitor poderá ser nomeado oficial das guardas nacionais.” Rebouças

considerou esta segunda proposta quase uma ofensa pessoal. Era-lhe penoso observar
que, depois de ter sido retirada pelo representante de Minas Gerais, a mesma emenda

pudesse ser proposta por um deputado logo da Bahia, onde os sentimentos de

“igualdade e justiça, de união e de liberdade” se achavam tão generalizados, como se

podia comprovar: “o exemplo, senhores, vós continuamente o achais em mim”.

Sem esclarecer se o exemplo pessoal demonstrava o caráter justo e igualitário

dos habitantes da província da Bahia ou se era apenas falta de modéstia mesmo,

Rebouças passou a explicar por que considerava esta emenda “injusta, incendiária,

impolítica, e inconstitucional”. Ela era injusta porque os libertos haviam lutado na

guerra de independência do país com a mesma bravura que os outros, e o mesmo havia

acontecido em “todo o mundo civilizado”; era incendiária porque seria uma incitação à

revolta, já que a Assembléia estaria negando plenos direitos de cidadania a um segmento

da população que havia conquistado estes direitos desde a outorga da Constituição de

1824. E recheava seus argumentos com seu exemplo favorito, sabendo do temor que ele

causava à audiência:

Se acaso o edito de Luiz XIV (…) fosse cumprido na parte respectiva a


considerar franceses e capazes de todos os empregos e ocupações os
libertos das colônias, sem dependência alguma de carta de naturalização;
se acaso se fizessem efetivas as salutares e conciliadoras medidas,
propostas pelo Duc de la Rochefoucauld e outros ilustres franceses na
constituinte e mais assembléias, que se lhe seguiram; certamente, os
colonos refratários e obstinados não sofreriam tanto, nem teriam lugar as
cenas de horror e de atrocidade que fazem arrepiar as carnes apenas se
nos afiguram a imaginação! (…) Mas, enfim, todos os meios
reconciliatórios foram perdidos, e os colonos na rainha das Antilhas,
como o clero e a nobreza na França, por nada quererem ceder, sem tudo
ficaram…
Rebouças sabia do que estava falando, ao mencionar o caso francês. Afinal,

mesmo que Robespierre tenha tentado condenar todas as tentativas de restrição dos

direitos estabelecidos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a


Assembléia Constituinte francesa decidiu que judeus, negros e mulheres não estavam

incluídos na definição de cidadania. Especialmente em relação aos negros e mulatos

livres das colônias, a pressão exercida para revogar a legislação discriminatória em

vigor de nada adiantou, já que os constituintes se curvaram à pressão dos proprietários

brancos de São Domingos, prometendo não interferir nas questões raciais da colônia. Na

prática, como apontou Rebouças, a exclusão de mulatos e negros livres dos direitos de

cidadania acabou estimulando uma aliança – antes inexistente – com escravos, levando

à eclosão da famosa revolta.

A emenda também seria impolítica, já que negava a cidadãos um status que eles

já haviam obtido, como aqueles “oficiais beneméritos, clérigos e condecorados, no gozo

da mais ajustada estima de todos os seus concidadãos”, mas ela era, principalmente,

inconstitucional, porque

… a constituição somente exceptuou os cidadãos brasileiros que


nasceram ingênuos de serem eleitor de paróquia, conselheiro de
província, deputado, senador, conselheiro de estado; e com esta exceção
firmou a regra geral em contrário, e de acordo com os princípios
consagrados na mesma constituição, de serem todos os cidadãos
obrigados a pegar em armas em defesa da pátria, de serem acessíveis a
todos os empregos sem outra distinção que não a dos seus talentos e
virtudes. (…) Logo, acrescentar-se-á essa exceção a de não poder ser
votado para oficial das guardas nacionais, é aumentar a mesma exceção,
e restringir a regra geral. Logo, é reformar a constituição na parte
respectiva aos direitos individuais e políticos do cidadão fora dos
trâmites da mesma constituição e contra as bases mais santas dela!

Rebouças sabia que aquela situação não era nova no fórum parlamentar. Em

1830, discutindo ainda o projeto de criação das guardas nacionais, Paulino de

Albuquerque, argumentando que o número de membros da guarda nacional seria por

demais pequeno se nem todos os cidadãos fossem soldados, advertia que:


Se queremos a boa ordem, façamos por ilustrar aquela classe de cidadãos
que não é tão perigosa como se parece querer inculcar. Eu muitas vezes
tenho lembrado, e já esbocei um projeto de lei para que todo o cidadão
brasileiro fosse soldado.

Já daquela vez, a discussão não havia rendido frutos, como se vê pela lei de 5 de

junho de 1831, cujo décimo artigo autorizava o governo a alistar, armar e empregar

apenas os cidadãos eleitores para constituir milícias civis. Mesmo assim, agora que se

legislava sobre a reforma daquela norma, Rebouças insistia em perguntar à Assembléia,

“não bastará para a desejada escolha dos oficiais a qualificação, por mim proposta e

sustentada, sobre a renda de mais de 300 réis, onde os soldados devem ter aquela de 200

réis?”

Ao levantar a questão dos “direitos individuais e políticos do cidadão”, o

discurso de Antonio Pereira Rebouças na verdade havia sido um libelo pela ordem, pela

segurança pública e pela propriedade, mas nem todos os seus pares o viam assim. Nosso

representante da Bahia considerava um perigo que a determinados cidadãos fosse

negada a responsabilidade de combater pela ordem do país, o que acabaria incitando-os

à desordem; os outros deputados achavam que temerário era armar a chamada “classe

perigosa de cidadãos”. Ao defender a propriedade como uma das “bases mais santas” da

Constituição, Rebouças dava a entender que a introdução de outros critérios que não o

da renda significavam um atentado ao direito de propriedade. Afinal, se este realmente

devia ser absoluto e inviolável, como o pregavam todos, como negar a alguém que

possuísse os 200$000 ou 300$000 réis o direito de ser oficial da guarda nacional?

Não era esse o único tema que então dividia as opiniões dos representantes das

províncias do Império do Brasil na Assembléia Legislativa. De fato, em meados de


1832, pouco mais de um ano depois da abdicação de D. Pedro I e passado menos de um

mês da tentativa de golpe de Estado – o chamado “golpe do 30 de Julho” – liderado

pelo ministro da Justiça Diogo Antonio Feijó, fundamentais eram as responsabilidades

dos deputados na manutenção da governabilidade do país. Afinal, o plano com que este

planejava dar cabo ao mesmo tempo do poder do Senado e do grupo de José Bonifácio,

por um lado, e recuperar a governabilidade perdida com as revoltas dos exaltados, de

outro, havia dado errado porque vários deputados, entre eles Honório, Montezuma e o

próprio Rebouças, haviam se posicionado de forma contrária à sua execução, receosos

de que, ao invés de apenas destituição dos restauradores, ele significasse também um

indesejado acúmulo de poder por parte de Feijó.

Por isso mesmo, também difíceis eram os debates na câmara, principalmente

aqueles que envolviam as discussões sobre o projeto de reforma da constituição,

considerado fundamental pela maioria liberal, que defendia a descentralização da

estrutura política e administrativa do Império, e as querelas sobre a segurança pública,

para a qual era importante a formação da Guarda Nacional. Mesmo convencido da

necessidade das reformas constitucionais e da anulação das autonomias locais para

recuperar a governabilidade, o que permitiu, inclusive, amplas concessões ao Senado, o

grupo dos liberais moderados, agora no poder, dificilmente escondia as grandes divisões

que o cindia. Uma delas era justamente a respeito do papel da segurança pública e da

importância das garantias dos cidadãos no regime que então se formava. Como tempos

mais tarde escreveria Joaquim Nabuco, “a situação política do partido Moderado era tal

que se não fosse o terror da restauração ele se teria esfacelado logo em começo, e que se

não fosse o mesmo terror nenhuma reforma ele teria feito.”


De fato, desde a escolha dos membros da regência e a posse dos ministros, em

junho de 1831, o clima de descontentamento e insegurança que se seguiu à Abdicação

na capital do Império continuava a existir: a insatisfação contra a presença de

portugueses em postos públicos importantes e no exército, por parte da população, não

havia arrefecido; confrontos diretos ocorriam com certa frequência na Corte e em certas

capitais provinciais, como Recife e Salvador, e aumentavam à medida que as intenções

dos restauradores, organizados em prol da retomada de suas posições na primeira linha

do governo, tornavam-se mais visíveis. Jornais denunciavam diariamente a política

conservadora da Regência. As sete revoltas ocorridas no ano em que Feijó foi ministro

da Justiça, cinco no Rio de Janeiro, uma no Ceará e uma em Pernambuco, além de

conflitos de menores proporções em outras províncias, dão bem a dimensão de como a

renúncia do imperador não havia contribuído para a maior satisfação da população nem

de alguns dos líderes exaltados, ao perceberem que, do novo arranjo político

encabeçado pelos moderados, não sairiam reformas políticas suficientemente profundas.

Poucos dias depois da posse do novo ministro, o 26o batalhão de infantaria,

lotado no Mosteiro de São Bento, sublevou-se; mesmo sendo rapidamente dissolvido, o

movimento por ele iniciado ganhou força, e obteve manifestações de solidariedade por

todos os grupos armados da Corte, à exceção da artilharia da Marinha, do primeiro

corpo de artilharia da posição e de parte do segundo. Da reunião das tropas no Campo

de Santana saiu uma representação ao governo que pedia pela deportação de oitenta e

nove cidadãos, entre os quais alguns senadores, a destituição dos funcionários públicos

considerados contrários à causa nacional e a suspensão da entrada de portugueses no

país por uma década.


O clima tenso tinha, entre outros motivos, a insatisfação das tropas. Tidas como

descontroladas desde o 7 de Abril, estavam descontentes com a substancial redução no

orçamento feito pela câmara, que cortava promoções, subsídios e salários, e com a lei de

5 de julho, que subordinava todas as forças armadas ao super-poderoso ministro Feijó,

garantindo a este o direito de controlar todo o aparato judiciário e policial do Império.

Além disso, a mesma lei autorizava o governo a constituir as chamadas Guardas

Municipais, milícias civis de cidadãos eleitores, enquanto não se aprovava a lei da

formação da Guarda Nacional. As reivindicações das tropas, levadas à sessão

permanente da Câmara, em conjunto com o Senado, o Ministério e a Regência, tiveram

como resultado a reforma quase total do Gabinete (à exceção do próprio Feijó); mas elas

não impediram outras medidas por parte do governo: suspensão do recrutamento,

franqueamento das baixas individuais, dissolução de alguns batalhões e remoção de

outros para longíquas partes do país, de modo a que a guarnição militar da Corte acabou

mínima.

Claro aí estava por que o debate sobre a criação da Guarda Nacional ocupava a

ordem do dia. A tropa de Primeira Linha, antiga guardiã da ordem, agora era

considerada “indisciplinada, arrogante, um corpo anárquico que alçava a cabeça logo

que havia um motim.” Como dizia Evaristo da Veiga, um dos autores do projeto levado

à Assembléia, embora confiasse na força pública, “não podia negar que nunca a

segurança dos cidadãos é mais bem guardada do que pelos mesmos cidadãos

interessados na sua conservação.”

Se a aprovação da lei sobre a criação da Guarda Nacional foi diretamente

influenciada pelos acontecimentos de julho de 1831, a discussão sobre os critérios de


escolha de seus membros, um ano depois, não poderia ser menos importante. Afinal, um

dos fatores mais significativos da suspeição sobre as tropas era o fato de que, pelo

menos desde as lutas pela independência e os conflitos na região do Prata, elas eram

compostas pelos mais variados segmentos da população, incluindo aí os tão temidos

libertos que Antonio Pereira Rebouças defendia.

Na discussão sobre as condições de elegibilidade de cidadãos para a Guarda

Nacional, portanto, o nó estava na forma como o problema era formulado: para uns, esta

era matéria de segurança pública; para outros, tratava-se de qualificar a cidadania. A

questão é que, da maneira como considerada por alguns dos deputados, não era possível

tratar da segurança pública sem, ao mesmo tempo, considerar a limitação das garantias

dos direitos dos cidadãos. Era contra isto que Rebouças se insurgia.

Uma das dificuldades em se entender o comportamento da Câmara, neste

assunto específico, está o fato de que, como a ampla maioria dos parlamentares era

liberal, próximo ao partido moderado, é impossível realizar uma clivagem entre os

deputados baseando-se em suas simpatias partidárias. Na realidade, sempre que

Rebouças levantava o tema da participação dos libertos, encontrava oposição por parte

de seus pares, principalmente daqueles como Carneiro da Cunha e Vasconcelos, liberais

próximos do grupo de Feijó, que, para manter a ordem, não se incomodavam em ter

que, por vezes, sacrificar as liberdades e garantias individuais.

Tendo em vista o cenário político do momento, é plausível que se atribuísse ao

nosso caro advogado alguma ingenuidade. Afinal de contas, revoltas pipocavam por

todos os lados do Império. Não estava claro, ainda mais depois da derrota no Prata, se as

forças armadas seriam suficientes para manter o controle nas províncias e, mais que
isso, se elas realmente se empenhariam em fazê-lo, já que era conhecida a insatisfação

de vários de seus segmentos. Ao mesmo tempo – e a experiência das lutas pela

independência já o havia demonstrado – naquela ocasião era impossível prever quais

seriam as demandas e expectativas de escravos e libertos que participassem destes

movimentos. Partindo deste ponto de vista, entender-se-ia a precaução da maioria dos

deputados liberais. Neste sentido, não é à toa que se atribui a formação de um consenso

conservador entre deputados moderados e exaltados ao medo da perda da

governabilidade que se seguiu à abdicação de D. Pedro I.

Mas não havia inocência nas proposições de Rebouças. Ao defender a

inconstitucionalidade da restrição dos direitos de cidadania aos libertos, ele

demonstrava estar a par do teor dos debates políticos sobre o assunto havidos bem antes

de sua eleição como representante da nação. E, possivelmente, eram estas as maiores

razões de sua decepção naquela tarde de julho de 1832, ao se dar conta de que a rejeição

às suas idéias era encabeçada justamente por aqueles que haviam defendido propostas

semelhantes durante a reunião da Assembléia Constituinte, como o padre Henriques de

Rezende, antigo revolucionário de 1817, de cuja atuação em 1823 Rebouças bem se

recordava; seriam “outros os seus sentimentos de agora”, já que havia se levantado

“muito de pronto para sustentar a nociva emenda”, dizendo “que não podia deixar de se

conformar com ela e de preferí-la a todas as outras”?

Afinal, como representante de Pernambuco na Assembléia Constituinte em 1823,

Venâncio Henriques de Rezende, ao discutir os direitos dos libertos de ocupar postos

militares, defendia que a retirada desta prerrogativa seria um retrocesso, já que, mesmo
quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, eles tinham o direito de ocupar estes

postos:

Ora os escravos desde que se forravam, sentavam praça no corpo


competente, e ocupavam postos militares: nem se diga que era desde
então que eles ficavam sendo cidadãos; mas supõem-nos. Como, pois,
queremos nós agora tirar aos libertos os direitos que eles sempre gozaram
no tempo do próprio despotismo mesmo? Pois então porque estão em um
sistema de governo liberal, hão de os libertos ficar em pior condição do
que estavam no tempo do governo despótico?

A mudança de atitude de Henriques de Rezende, agora o primeiro a apoiar as

restrições destes direitos, é reveladora das mudanças no espectro político brasileiro na

década de 1820, engendradas a partir da experiência vivida durante o Primeiro Reinado,

e demonstra a guinada conservadora pela qual muitos haviam passado após a

Abdicação. A sua, não por acaso, ocorreu depois de visita aos Estados Unidos da

América, onde, neste momento, não só eram formalmente restringidas as possibilidades

de alforria a escravos existentes em larga escala no período posterior à independência

norte-americana, como também eram negados direitos de qualquer espécie a libertos e

negros livres em vários estados, sob o argumento de que eles eram elementos nocivos

àquelas sociedades.

Mas o clérigo ex-revolucionário havia tocado em pontos de grande significado

em 1823, e neste sentido sua fala foi extremamente esclarecedora. Ele fez referência ao

fato de os libertos gozarem de direitos antes da independência, o que lhes conferiria,

inclusive, status equivalente ao de cidadãos, se esta denominação então existisse. Daí

que, para ele, naquele momento, impossível seria desconsiderar a qualidade de cidadãos
dos libertos, sob pena de acabarem tornando-se mais despóticos do que o eram “no

tempo do próprio despotismo.”

O fato de estes debates estarem sendo realizados exatamente naquele momento

merecem maior consideração. O projeto da constituição que foi apresentado pela

comissão ao conjunto dos deputados em 1823 chegou a ter vinte e quatro dos seus

duzentos e setenta e dois artigos aprovados, antes que a câmara fosse dissolvida. Entre

eles, os de número vinte e vinte e um, sobre a inviolabilidade do direito de propriedade

(salvo, apenas, conveniência pública, que previa indenização para expropriação de bens)

foram referendados sem qualquer discussão. Outros, porém, não receberam aprovação

tão rápida: o artigo cinco, que definia quem eram os brasileiros, provocou enormes

discussões, compreendidas nas oito sessões ocorridas entre 23 de setembro e 2 de

outubro.

Tudo começou quando, à epígrafe do mencionado artigo, “Dos membros da

sociedade do Império do Brasil”, Vergueiro propôs que, ao invés de membros, se usasse

a palavra cidadãos, acrescentando: “se é que se chamam cidadãos os membros do

Império.” Foi o que bastou para o ambiente pegar fogo. À concordância de Montezuma,

que considerou necessário “desvanecer a idéia de que se há de fazer diferença entre

brasileiros, e cidadãos brasileiros; (…) ser brasileiro, é ser membro da sociedade

brasileira: portanto todo brasileiro é cidadão brasileiro”, sobrevieram uma série de

apartes, advindos do entendimento de que este deputado havia incluído entre os

cidadãos os índios e escravos – o que ele apressou-se a negar, sem, no entanto,

solucionar o problema:
de força havemos de confessar que [índios e escravos] não entram na
classe dos cidadãos, (…) e portanto que não são brasileiros no sentido
próprio (…). São homens para não serem tiranisados, mas (permita-se-
me o uso da expressão dos jurisconsultos, bem que bárbara, mas é
política) enquanto ao exercício de direitos na sociedade são considerados
cousa, ou propriedade de alguém; como tais as leis os tratam e
reconhecem. Logo: como chamá-los brasileiros no sentido próprio?
Como mencioná-los no código, que temos a nosso cargo? (…) Senhores,
os escravos não passam de habitantes do Brasil.

O dilema estava colocado. Havia habitantes do Brasil que, mesmo tendo nascido

no país, não podiam ser considerados cidadãos, porque não eram membros da

sociedade. Mais do que isso, havia habitantes do país que não podiam ser cidadãos

porque, mesmo sendo brasileiros, eram propriedade de outros brasileiros. Olhando

retrospectivamente, a questão parece ser de fácil solução: esta não era a primeira

sociedade na qual conviveriam escravos e cidadãos (embora seja forçoso dizer que seria

uma das últimas a tolerar tal situação). Desde a Antiguidade, uma das chaves para o

entendimento do conceito de cidadania era a sua aplicação apenas a homens livres;

escravos e estrangeiros ficavam de fora da organização social. Mas, embora para muitos

deputados fosse claro que a discussão estava restrita aos indivíduos livres – e se

limitassem a discutir a questão dos libertos, como feito logo depois –, esta definição não

parecia evidente para todos, até porque, como lembrava Dias, não se podia dizer que só

os livres tinham direitos, porque os escravos também estavam “sujeitos a todas as leis

penais, e criminais, bem como protegidos pelas mesmas leis para vingar seus direitos, e

conservar suas existências: logo não são cousas; pois a estas não competem direitos, e

deveres.”
Antes de se entrar no problema propriamente dito, há que se convir que a

ambiguidade de significados tinha sua razão de ser. Em primeiro lugar, porque,

efetivamente, aos escravos cabia certa responsabilidade legal e prerrogativas jurídicas,

sem, no entanto, deixarem de ser considerados, por direito civil, como coisas,

propriedades de alguém. Por outro lado, o próprio significado de “brasileiro” era

passível de discordâncias. Por exemplo, quando Carvalho e Melo defendia que todos os

brasileiros fossem “condecorados com o título de cidadãos”, e que cidadãos brasileiros

eram “todos os que nasceram no território brasileiro, ou que se tornaram tais por força

de lei”, ele estaria incluindo escravos ou não? Africanos livres fariam parte de sua

definição, a partir do momento que se tornaram brasileiros “por força de lei”, já que o

tráfico de escravos era legal? Houve realmente quem entendesse que este deputado

estava referindo-se aos escravos, como Almeida e Albuquerque, ao esbravejar sua

resposta:

Pretender que sejam cidadãos brasileiros todos os membros da sociedade


é querer confundir as idéias: seria bom que todos fossem cidadãos, mas
não é isto uma verdadeira quimera? Em um país onde há escravos, onde
uma multidão de negros arrancados da costa da África e de outros lugares
entram no número dos domésticos e fazem parte das famílias, como é
possível que não haja esta divisão? (…) Como seremos nós os que
desapreciaremos o título de cidadão brasileiro, dando-o indistintamente a
todo o indivíduo?

Depois de muita discussão, chegou-se à conclusão de que não havia nenhum

consenso sobre o que era ser brasileiro nem sobre o que era ser cidadão brasileiro,

quanto mais para se dizer quais as qualidades de um e de outro, embora isto não tenha

impedido a aprovação da emenda de Vergueiro ao referido artigo cinco. Mesmo que a

hipótese de conceder direitos de cidadania a escravos não fosse considerada com


seriedade pelo conjunto dos membros da Assembléia Constituinte, o vigor com que

alguns dedicavam-se a refutar esta proposta demonstrava que ela não era de todo

inviável para outros. E não era mesmo, se levarmos em conta que, para alguns

deputados, cidadãos eram os indivíduos que tinham direitos, e era reconhecido por

muitos que os escravos tinham direitos, principalmente o de serem protegidos pelo

Estado.

Se a grande maioria concordava que escravos africanos não deveriam ter direitos

de cidadania brasileira, posto que não tinham nascido no Brasil – poucos levavam em

consideração o fato de que não tinham vindo da África por livre e espontânea vontade –

teoricamente não era fácil argumentar a favor da exclusão da cidadania a escravos

brasileiros, já que ninguém ousava dizer que não eram indivíduos, e não se tinha como

invalidar o nascimento em território brasileiro. Seguindo este raciocínio, seria quase

impossível negar direitos de cidadania a libertos, principalmente aos brasileiros, como

ficou claro a partir da discussão do parágrafo 6 do mesmo artigo, que definia que “os

escravos que obtiverem carta de alforria” poderiam ser cidadãos.

Não só Henriques de Rezende, mas vários outros deputados pronunciaram-se a

favor da aprovação deste item, ainda que muita discussão tenha havido quanto à

extensão dos mesmos direitos aos seus ascendentes africanos. Mesmo assim, o conteúdo

da emenda aprovada era até mais amplo do que o parágrafo original: ela estabelecia que

seriam cidadãos todos os “libertos que adquiriram sua liberdade por qualquer título

legítimo”, o que previa, além da carta de alforria, a possibilidade de consecução da

liberdade via compra, sem distinção de local de nascimento.


Quando falavam em extensão da cidadania para libertos – e nisso todos

concordavam – os representantes da Assembléia Constituinte estavam referindo-se a

direitos civis, nunca a direitos políticos, aqueles que, para eles, tornariam possível a

intervenção efetiva nos destinos do Império. E isto acontecia mesmo quando estavam

decididamente do lado dos libertos, como Silva Lisboa, que dizia “Para que se farão

distinções arbitrárias dos libertos, pelo lugar de nascimento e pelo préstimo e ofício?

Uma vez que adquiram a qualidade de pessoa civil merecem igual proteção da lei (…).

Ter a qualidade de cidadão brasileiro é, sim, ter uma denominação honorífica, mas que

só dá direitos cívicos e não direitos políticos (…).”

Situação semelhante acontecia em outros lugares: mesmo nos países tidos como

modelo pelos parlamentares brasileiros, como Inglaterra, França e Estados Unidos, boa

parte da população não possuía direitos políticos. Na Inglaterra, nesta mesma época, o

direito de voto era condicionado à posse de padrões mínimos de renda ou propriedade.

Depois da reforma eleitoral de 1832, quando o direito de voto foi ampliado aos

arrendatários e locatários com alguma base econômica, o que fez com que o eleitorado

aumentasse em 57%, artesãos e trabalhadores despossuídos continuaram sem direitos de

representação. Na França, mesmo que a Assembléia Nacional tenha decidido, durante o

período revolucionário, que todos os membros da nação seriam livres e iguais perante a

lei, a posterior definição de cidadãos passivos e ativos – os primeiros, apenas de posse

dos “direitos naturais” de proteção da sua própria pessoa, da liberdade e da propriedade

– tornaria bastante restrito o grupo de cidadãos franceses de posse de direitos de voto.

Entre eles, estavam incluídos apenas os franceses brancos, do sexo masculino, maiores

de trinta anos, com domicílio estabelecido, que pagassem 300 francos por mês em
impostos diretos. Para poder ser votado, era preciso contribuir com 1000 francos por

mês para o Tesouro Nacional em taxas. Nas eleições de 1827, apenas um entre trezentos

e sessenta habitantes da França eram eleitores; contando apenas os homens adultos,

havia um eleitor para cada cinquenta ou sessenta cidadãos.

O caso dos Estados Unidos, então, para onde os parlamentares brasileiros

durante todo o período imperial dirigiam suas atenções, não só era igualmente

excludente – mulheres, menores, escravos e despossuídos não podiam ser cidadãos –

como, na década de 1820, não podia ser exemplo para ninguém: alegando medidas de

segurança pública e realizando contorcionismos jurídicos para conciliar princípios de

jus soli e de jus sanguini, juízes de estados norte-americanos como Missouri e Kentucky

paulatinamente revogaram os direitos civis da grande maioria dos negros livres, com

base no critério de que, por serem descendentes de africanos, não poderiam ser

considerados plenamente cidadãos americanos, situação imprevista até mesmo durante a

conturbada década de 1790, quando os fantasmas do Haiti perturbavam as mentes

escravistas. Em 1820, no mesmo ano do Missouri Compromise, em que este estado foi

admitido na União como estado escravista, ao mesmo tempo em que o regime de

cativeiro no Norte estava cada vez mais restrito, a constituição deste estado pretendia

prevenir a entrada de negros livres. Na Corte de Apelação de Kentucky, em 1822, o juiz

John Boyle tentou fazer passar a mesma presunção, com base na justificativa de que

“negros são considerados raça degradada em quase todos os lugares, [por isso] eles não

podem virar cidadãos dos Estados Unidos.”

Assim, falar em direitos políticos na primeira metade do século XIX, onde quer

que seja, implica na referência a uma concepção restritiva, e os brasileiros não tinham
como ser diferentes. Mesmo aqueles países onde a cidadania era proclamada como

sendo de direito universal – ainda que não o fosse, como os já citados França, Inglaterra

e Estados Unidos – os direitos políticos não eram considerados entre aqueles que

compunham a cidadania. Não era por acaso que o famoso livro de Benjamin Constant

de comentários à constituição francesa, Cours de Politique Constitutionelle, era citado

pelos deputados constituintes em tamanha larga escala.

Nele, Constant defende explicitamente a diferenciação entre direitos civis e

políticos, alegando que a concessão destes últimos, que definem os membros da

sociedade política, além de obedecer aos critérios do nascimento e da idade, devia

favorecer unicamente a proprietários. Isto não se dava, no seu entender, por uma

preferência pelas estruturas sociais hierárquicas: ao contrário, a abolição da nobreza

como distintivo social e a adoção do critério da propriedade significava uma abertura

sem precedentes, já que o status de proprietário não era vitalício, enquanto que o de

nobre o era. Qualquer cidadão podia tornar-se proprietário, e a partir daí, eleitor. No

caso do Brasil, o uso da teoria de Benjamin Constant poderia ser justificada até mesmo

em relação aos escravos; se estes podiam libertar-se comprando a própria liberdade,

também podiam chegar a ser cidadãos e eleitores pela mesma via. Mas o apreço ao

liberalismo de Constant não era tão grande entre os membros do Conselho de Estado

que acabaram por redigir a constituição outorgada, e a possibilidade de libertos

tornarem-se eleitores foi devidamente excluída.

Mas, para além da constatação da separação entre direitos civis e políticos,

importa enfatizar algo fundamental para o argumento que aqui se desenvolve: as sessões

dedicadas a discutir os direitos civis dos libertos revelam a extensão da importância do


conceito da cidadania para os seus contemporâneos, tanto por conta do “novo pacto

social” que então se gestava, quanto como forma de manutenção da tranqüilidade

pública. Como vários representantes enfatizaram, era muito importante fazer uso da

palavra cidadão, porque

ainda que a significação seja a mesma [de “membro da sociedade”],


contudo na época presente dá-se tanta importância a esta palavra, que
haveria grandes ciúmes, e desgostos, se uma classe de brasileiros
acreditasse que este título se queria fazer privativo a outra classe.

Não é possível, assim, que o uso da palavra esteja destituído de seu conteúdo.

Era importante usar a palavra cidadão não só porque havia uma “classe de brasileiros”

que queria sê-lo, mas também porque diversos grupos da sociedade brasileira lhe

atribuíam importância, haja vista a discussão parlamentar sobre seu significado e as

pressões sociais existentes durante toda esta década pelo alargamento de sua acepção.

Por isso, o fato de os deputados mencionarem frequentemente escravos e libertos em

seus discursos demonstra como estavam alerta para o que acontecia nas ruas – e, de

fato, muitas coisas aconteciam nas ruas.

O medo de sublevações, revoltas e descontrole social explica a construção da

correlação cidadania x segurança pública realizada por muitos deputados, e com a qual

o próprio Rebouças jogou em 1832, ao alertar seus pares, aparentemente com o

expresso intuito de assustá-los, com o exemplo do que poderia acontecer com o Brasil

se seus colegas insistissem em realizar os mesmos erros cometidos pelos franceses em

São Domingos, agora Haiti. A segurança pública estava relacionada ao bem-estar e à

proteção dos bons cidadãos, e estes tinham o dever de se preocupar e zelar por ela; por

isso a dificuldade de muitos em considerar os libertos como cidadãos de fato, já que,


para aqueles, estes seriam alguns dos principais responsáveis pela onda de revoltas e

descontentamentos que varria o Império.

A esta altura, parece mais do que provada a pertinência do debate sobre direitos

civis no Brasil do século XIX. Embora, como apontou José Murilo de Carvalho, as

análises historiográficas a respeito se concentrem quase que exclusivamente no tema

das eleições e da participação eleitoral, traduzindo cidadania por exercício de direitos

políticos, há que se levar em conta que a definição dos direitos civis era fundamental

para os contemporâneos das décadas de 1820 e 1830, fossem eles quem quer que

fossem. Ser cidadão era uma distinção almejada, mesmo que ela não trouxesse consigo

direitos políticos, e que, na prática, ela não significasse a garantia de direitos básicos,

como o da segurança pessoal. Ainda que o significado corrente da expressão “direitos

civis” fosse o de reconhecer a validade de uma situação anteriormente existente, como

acontecia com os escravos e libertos que haviam lutado pela independência e por isso

mereciam a tal “denominação honorífica” de que falava Henriques de Rezende em

1823, isto não os tornava menos importantes. Afinal, de acordo com o T.H. Marshall,

em seu clássico texto sobre o assunto, “a história dos direitos civis em seu período de

formação é caracterizada pela adição gradativa de novos direitos a um status já

existente.”

Por tudo isto, entendem-se as preocupações de Rebouças com os membros da

Guarda Nacional, naquela já longíqua tarde de agosto de 1832. Mesmo depois de a

condição de ingenuidade ter sido revogada no Senado e o Decreto de 1832 ter previsto o

ingresso de libertos, tão dividida estava a Assembléia Nacional em relação a este

assunto que era possível mesmo que Rebouças estivesse apreensivo com sua efetivação.
Afinal, algum tempo depois, a condição de ingenuidade voltou a ser aprovada pelos

deputados, “também por diferença de mui poucos votos.”

Neste vai-e-vem, continuaram persistindo as dúvidas acerca das reais

possibilidades de recrutamento dos libertos. Em 1833, o jornal O Brasileiro Pardo

reclamava que “nós, os pardos, com exclusão dos libertos, da Guarda Nacional, já

ficamos reduzidos a não podermos pertencer-lhe senão aqueles dentre nós que nasceram

livres”. Em um aviso de 1835, em resposta a uma consulta, o ministro da Justiça

determinou a exclusão dos libertos dos alistamentos, por não serem eleitores. Em aviso

de 1838, no entanto, em resposta a outra dúvida sobre a mesma questão, o ministro da

Justiça Vasconcelos declarou que os libertos, por sua condição de cidadãos brasileiros,

poderiam ser alistados na Guarda Nacional.

Os temores de Rebouças advinham do fato de que, para ele, não eram os libertos

os responsáveis pela instabilidade política do Império do Brasil. Os verdadeiros

inimigos da ordem eram aqueles que apoiavam a causa da restauração, como era o caso,

por exemplo, dos partidários do Visconde de Camamú, conhecido defensor dos

interesses de Portugal na Bahia, a quem Rebouças atribuía as perseguições que sofria.

Há muito, desde os tempos d’O Bahiano e de sua arbitrária prisão na Fortaleza do Mar,

Rebouças já estava escolado no assunto, quando reclamava contra a facilidade com que

se suspendiam as garantias dos cidadãos por qualquer pretexto.

Mas agora as reações de Rebouças seriam diferentes daquelas demonstradas

durante os episódios da independência na Bahia e das acusações em Sergipe; não era

mais o mesmo tempestuoso de antes. Sua vida havia mudado muito desde que saíra da

prisão, há três anos; agora era um respeitável deputado eleito para a Assembléia
Nacional – ocupava a última das treze vagas da Província da Bahia – e membro do

Conselho da Província. Em abril de 1831, casara-se com Carolina Pinto, filha do casal

Anna Joaquina e André Pinto de Silveira, este comerciante de Cachoeira, um dia antes

dos distúrbios ocorridos na capital da Bahia por conta dos ecos da “manifestação das

garrafadas”. Consta, aliás, que Rebouças teria sido interrompido em sua lua-de-mel para

reunir-se com autoridades locais, que precisavam tomar providências sobre o estado

alarmante da causa pública, por conta da sublevação das tropas. Por medo de atentados

ao presidente da província por algum “exaltado Patriota de má índole”, Rebouças, além

de ter votado a favor da deposição do Comandante das Armas, teria resolvido ficar

“vigilante ao lado do mesmo Presidente durante toda a noite até ao amanhecer do dia

cinco, que foi quando se restituiu a sua casa e companhia de sua recente consorte.”

O certo é que, com a maturidade advinda da proximidade do casamento ou da

passagem dos trinta anos, Rebouças já há algum tempo vinha se opondo a qualquer

manifestação mais violenta contra a limitação das garantias e dos direitos de quem quer

que fosse, como aquelas contra os portugueses locais. Agora, preferia discutir assuntos

importantes na Camara dos Deputados, para onde foi no dia 23 de abril reassumir a sua

cadeira e “mostrar seus princípios monárquico-constitucionais.”

Tudo indicava, naquele momento, que a sua vida pessoal caminhava para uma

maior estabilidade devido a sua nova posição social. Não que ele tenha ficado de

imediato livre de antigas acusações, como aquelas ocorridas em 1824 e 1825 em

Sergipe e na Bahia; pouco tempo antes, num debate na Câmara, Rebouças havia

mencionado a necessidade de se tomar “algumas medidas contra o júri”, porque ele

tinha
que intentar uma ação contra o governo ou contra o redator do Diário do
Governo, para dar ao menos uma satisfação ao povo do Rio de Janeiro a
respeito das calúnias contra ele publicadas no mesmo Diário, parecendo
ao nobre orador que o dizer-se ali que ele promovera uma revolução de
cativos, e viera amarrado, era a asserção a mais capaz possível de
distinguir a imoralidade do governo atual, contra o qual se pronunciou
nos termos os mais fortes.

Mais detalhes ele não dava, e, pela impossibilidade de achar o referido jornal,

nós também ficamos sem sabê-los. Não parece que tenha chegado a processar o Diário

do Governo, ou Diário Fluminense, como passou a se chamar a partir de 1824. Mesmo

assim, só o fato de vê-lo de novo às voltas com denúncias de promoção de revolução de

cativos, como havia ocorrido antes, mostra que não seria o cargo de deputado que o

tornaria imune a infundadas acusações. Assim como os libertos que defendia no

discurso sobre a Guarda Nacional, parecia que a figura de Rebouças ainda era vista

como emblemática e controversa para muita gente.

Seu apego à inviolabilidade da Constituição parecia ser um problema para

alguns deputados. Afinal, dificilmente Rebouças era vencido num debate quando

fundamentava seu raciocínio na carta de 1824 e em suas prerrogativas. Em sua retórica,

o uso da constituição como argumento era feito através da inviolabilidade do direito de

propriedade, e de sua atrelagem à cidadania. Era possível que fosse Rebouças quem

estivesse assustado pelo fato de tantos deputados aceitarem a introdução de critérios

outros para aferição da cidadania que não o inviolável e sacrossanto direito de

propriedade. Para ele, buscar exceções para o exercício de cidadania sempre podia

redundar em abusos, realizados em nome da segurança pública, como aqueles que ele
via acontecendo nos estados norte-americanos. Por isso ele tão severamente criticava

aqueles que viam nos Estados Unidos um modelo a ser seguido, quando dizia

Mas estaremos nós em Illinois, Indiana, Georgia, Carolina meridional,


Kentucky, e outros estados, cujas constituições a par de um pomposo
manifesto de princípios e direitos do homem trazem exclusões as mais
merecedoras, como o têm sido, da contínua censura dos escritores
europeus? Estaremos mesmo nos livres estados da Pensilvania,
Massachussets e New York, onde os filhos de Deus e da mesma religião
não podem concorrer em comum nos templos, nas oficinas, nas salas, nos
teatros, (…)?

Em um debate anterior, o deputado baiano já tinha vivido esta situação: ao

refutar uma proposta sobre a realização de prisões que não previssem o pagamento de

fianças, por caracterizar um ataque às garantias dos cidadãos, Rebouças ouviu como

resposta “eu não quereria que se ferisse a constituição; mas quando os cidadãos não têm

segurança nas suas casas, porque o mal é extremo, necessário é um pronto remédio.”

Para os parlamentares aos quais Rebouças se opunha, os direitos civis ainda seriam

vistos como privilégios, a que apenas alguns teriam direito. Estes direitos, afinal de

contas, não teriam tanta relação assim com os talentos e virtudes da forma como

consagrados na constituição.

Portanto, era na irredutibilidade dos direitos civis que estava a diferença das

idéias de nosso deputado: ao enfatizar sempre o direito de propriedade, Rebouças estava

demonstrando o quanto seu pensamento tinha de efetivamente liberal, no sentido

construído por Benjamin Constant: a cidadania devia ser baseada em critérios

adquiridos, não herdados. A propriedade – tudo bem que esta também podia ser herdada,

mas Rebouças nunca chegaria tão longe na sua crítica – podia ser adquirida e perdida.
Este fato, por si só, significava para ele um avanço sem limites, em comparação com a

situação vivida anteriormente.

Afinal, não podemos esquecer que se, aos olhos de hoje, a correlação cidadania –

propriedade tem significado fundamentalmente restritivo, no início do século XIX ela

significava exatamente o contrário, tendo por isso mesmo sido conceituada como sendo

o caráter revolucionário do capitalismo. A substituição dos critérios distintivos de

nascimento pelos de propriedade havia permitido uma incorporação de pessoas à

sociedade sem precedentes, e Rebouças estava convencido de seus benefícios, não

apenas porque ele próprio era um destes beneficiários. Para ele, esta provavelmente era

a melhor forma de exercer seu radicalismo sem deixar de ser moderado: através do

apego irrestrito à propriedade e à lei.

Neste sentido, até mesmo a exclusão dos escravos do chamado “império da lei” e

das prerrogativas da cidadania não constituía, para Rebouças, um problema. Se,

definidos juridicamente como coisa, eles estavam fora do campo do direito civil, não

havia nada que se pudesse fazer. Nem mesmo o dilema apontado por Montezuma em

1823, de que haveria pessoas nascidas no Brasil que não fossem cidadãos, seria levado

em consideração por Rebouças, já que cidadania era coisa para livres. Sua questão era,

efetivamente, o momento a partir do qual ex-escravos ganhavam status de pessoa,

passando a integrar a sociedade civil. Suas preocupações giravam em torno da inserção

dos libertos na sociedade e não do período em que estes homens ainda eram escravos,

como o demonstram suas declarações sobre a inclusão dos libertos entre os oficiais da

Guarda Nacional. Mas ele próprio sabia que realizar esta diferenciação não era tão

simples assim. Não era simples porque, mesmo formalmente propriedade de outrem,
muitas vezes escravos conseguiam acumular dinheiro o suficiente para comprar a sua

liberdade e, neste caso, nada mais justo que a obtivessem.

Não pode ter sido por outra razão que Rebouças teria proposto, ainda em 1830, um

projeto para regulamentar as liberdades de escravos por pagamento de seu próprio valor.

Na sessão de 14 de maio daquele ano, ele propôs a adaptação para a realidade brasileira

da ordenação filipina liv.4 tit.11 4, que legislava a respeito dos mouros cativos em

Portugal ainda na época da presença dos povos do Norte da África na Península Ibérica,

quando de lá foram expulsos durante a Reconquista. O texto original estabelecia que

“ninguém seja constrangido a vender seu herdamento e cousas que tiver contra a sua

vontade”, mas que a situação dos cativos era diferente “porque em favor da liberdade

são muitas cousas outorgadas contra as regras gerais”. Na verdade, o objetivo principal

da norma era possibilitar a troca de cativos mouros por correspondentes cristãos

segundo uma avaliação honesta de seu valor por pessoas competentes. Quando não

houvesse por quem trocar o referido mouro, ele podia ser libertado através do

pagamento do próprio valor acrescido de 20%.

Esta ordenação filipina tinha um conteúdo bem específico, e a este Rebouças

propunha um outro, também restrito: que “qualquer escravo que consignar em depósito

público o seu valor, e mais a quinta parte do mesmo valor, será imediatamente

manutenido se seu senhor não convier em conferir-lhe amigavelmente a liberdade.”

Rebouças, assim, mostra que era mesmo francamente favorável ao ingresso na

sociedade daqueles que, pela lei – por seus talentos e virtudes já haviam provado serem

capazes – ainda não o eram: ao fato de muitos escravos possuírem dinheiro para

comprar a si próprios ou a seus parentes deveria corresponder o direito de depositarem


seu valor em juízo e garantirem sua liberdade. A partir daí, passariam a ser libertos e,

portanto, cidadãos. Importante notar que Rebouças mantém a indenização do senhor da

maneira como estabelecida na referida lei, o que talvez até transformasse alforrias deste

tipo em bons negócios: considerando a crise financeira de fins dos anos 1820, um falido

senhor poderia ter interesse em recuperar o seu investimento em um escravo acrescido

de um sobrepreço de 20%.

Além disso, Rebouças também inseriu uma novidade: o senhor que quisesse,

também teria o direito de acusar o escravo de ter roubado o dinheiro apresentado para a

liberdade, claro que, para isto, apresentando provas. Mas, àquele momento, testemunhos

eram considerados provas em juízo, e bastava que o dono conseguisse duas pessoas

dispostas a falar no tribunal em seu favor que conseguiria impedir a venda. Neste

sentido, apesar de chocar-se de frente com a prerrogativa do controle do senhor sobre

seus escravos, porque propõe, em última instância, que mesmo contra a vontade daquele

estes podem ser libertados, o projeto não deixa de basear-se na preeminência do direito

de propriedade por qualquer outro motivo que o escravo possa ter para reclamar a sua

alforria.

Aqui, portanto, Rebouças dá provas de seu apego à propriedade como

fundamento de organização social. Seu interesse em regulamentar a referida ordenação,

se aprovado, até poderia ter tido um efeito favorável na consecução da libertação por

parte de escravos. No entanto, dificilmente isto teria acontecido. Ao propor a

regulamentação da ordenação filipina liv.4 tit.11 4, ele estava propondo uma

determinada interpretação para uma lei que, apesar de específica, era usada de forma

extremamente genérica nas ações de liberdade, quando advogados faziam uso apenas da
expressão “e porque em favor da liberdade são muitas coisas outorgadas contra as

regras gerais” para argumentar que, em qualquer caso, quando se trata da libertação de

escravos, são mais fortes as razões em favor da liberdade. Afinal, como pode ser visto

na tabela a seguir, a referida ordenação, a julgar pelo padrão observado no Tribunal da

Relação do Rio de Janeiro, era a mais citada nos processos pela liberdade que então

corriam pelos tribunais do país.

Tabela 1: Citação de Legislação em Ações de Liberdade do Tribunal da Relação do Rio


de Janeiro, 1806-1832

Legislação Número de Citações


Ordenação Filipina 4, 11, 4 15
Lei 06/junho/1755 10
Ordenação Filipina 3, 66 7
Alvará 16/janeiro/1773 6
Alvará 30/julho/1609 6
Ordenação Filipina 3, 87, 1 5
Constituição Imperial 4
Ordenação Filipina 3, 69 4
Ordenação Filipina 3, 75 4
Ordenação Filipina 4, 42 4
Ordenação Filipina 4, 58 4
Ordenação Filipina 4, 61, 1 4
Lei 20/outubro/1823 4
Alvará 01/abril/1680 3
Alvará 16/janeiro/1759 3
Ordenação Filipina 1, 62, 21 3
Ordenação Filipina 1, 78, 4 3
Ordenação Filipina 3, 20, 2 3
Ordenação Filipina 3, 63 3
Ordenação Filipina 4, 13, 1 3
Lei 22/dezembro/1761 3
Outros* 194
Total 295
Fonte: Ações de Liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro – Arquivo Nacional
* Legislação citada uma ou duas vezes

Foi isto o que aconteceu, por exemplo, no processo da infeliz Felizarda

Bernarda, que tentou reaver a liberdade perdida em um processo iniciado em 1827, em

São João d’El Rei. Filha de um casal de libertos que continuava a viver na Fazenda da

Lage com o antigo senhor, ela nasceu livre e como tal foi batizada. Sua situação alterou-

se radicalmente, no entanto, com a morte do libertador de seus pais; as dívidas deste

com a Fazenda Nacional provocaram o seqüestro de todos os seus bens, tendo ela, aos

doze anos, sido incluída na lista dos escravos da família sem que nada pudesse fazer, já

que seu pai havia falecido e sua mãe era uma “miserável preta, não tinha conhecimento

de seus direitos”. Felizarda, portanto, foi vendida e ilegalmente escravizada, e seus

filhos indevidamente batizados como cativos. Como o juiz da primeira instância que

julgou esta ação de liberdade decidiu por manter a escrava e seus filhos no cativeiro e,

nestes casos, cabe apelação ex-officio, o processo teve seguimento na Corte de Apelação

do Rio de Janeiro em meados do ano de 1830, exatamente quando Rebouças fazia sua

proposta à Câmara.

A argumentação do advogado dos autores escravizados era inteiramente baseada

no fato de Felizarda ter nascido livre, e, mesmo que agora ela pertencesse a outra

pessoa, em casos como este a liberdade tinha precedência: “quando esta [a propriedade]

luta com a liberdade, parece que as Leis se curvão ao grito da Natureza, porque antes do

meu e teu existiu o homem; e ainda em séculos de menos luzes os nossos legisladores
reconheceram este princípio, outorgando muitas coisas a favor da liberdade contra as

regras gerais de Direito / ord. liv. 4 tit 11 par. 4/.”

O defensor do senhor, no entanto, usou da mesma citação para defender posição

contrária:

Ainda que reconhecemos o quanto é favorável a causa da liberdade, e que


as Leis permitem que algumas vezes em prol dela sejam muitas coisas
outorgadas contra as regras gerais de Direito seguindo a frase da ord liv 4
tit 11 par 4, contudo também nos não é desconhecido, que a
inviolabilidade da propriedade do cidadão em luta com a liberdade é
sobremodo atendida. Que a manutenção daquela não deixa em verdade
de ser menos necessária que a desta. Tanto este princípio se não opõe à
boa razão que o vemos adaptado por todas as Nações Cultas, e lá o
vamos encontrar ditado na ord liv 4 tit 11 par 4 que diz = ninguém pode
ser forçado a vender o que é seu = com ela se identifica a Lei de 18 de
agosto de 1769 (…) = que diz muito claramente, que é a certeza do
domínio que pode conservar o público sossego = Lá está em harmonia o
par. 22 do art. 149 do Código Fundamental do Império, e o Decreto de 25
de maio de 1821, confirmado pela carta de lei de 20 de outubro de 1823,
ordenando que tal seja a inviolabilidade do direito de propriedade, que
não possa jamais receber restituição a menos que não for exigida por uma
necessidade pública, e urgente (…).

Neste caso, portanto, não só a dita ordenação é usada para fundamentar

argumentos opostos, como em nenhum deles importava o sentido original da lei, e sim a

interpretação que lhe foi posteriormente atribuída. É bem possível que fosse justamente

este tipo de processo que Rebouças pretendesse evitar, já que, com argumentos

igualmente inválidos, a decisão final nunca poderia ser baseada na letra da lei, e sim na

interpretação feita pela banca de juízes. No caso de Felizarda, a Relação deu razão aos

proprietários. Mas a probabilidade de o contrário acontecer também era grande.

No Rio de Janeiro, contando só os processos que haviam chegado ao Tribunal da

Relação desde aquela data - foram trinta e quatro processos até 1832 – apenas sete

tinham como argumento o pagamento do valor. Se fosse aprovada uma lei em que o uso
da ordenação liv.4 tit.11 4 fosse restrito às tentativas de compra da liberdade, talvez as

outras vinte e sete ações nem pudessem ter sido iniciadas.

Tabela 2: Argumentos de Ações de Liberdade do Tribunal da Relação do Rio de


Janeiro, 1806-1832

Argumentos Número de Processos


Doação de carta de alforria 12
Pagamento do valor 7
Protesto contra escravização ilegítima 7
Ventre livre, com base em ascendência
6
indígena
Violência do senhor contra o escravo 2
Outros 4
Total 38
Fonte: Ações de Liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro – Arquivo Nacional

Assim, se seu projeto parece ter sido o primeiro que juridicamente tentaria

legislar o famoso pecúlio, uma prática tão disseminada na sociedade que até viajantes

como Henry Koster achavam que ela era mesmo uma lei, ele o restringia a uma das

únicas formas que considerava legítima: a da demonstração do direito à liberdade via

comprovação de propriedade.

Neste sentido, pode-se dizer que Rebouças atuava conjuntamente em duas

esferas: suas propostas no Parlamento buscavam soluções para a prática jurídica

cotidiana. Era assim, conjugando ao mesmo tempo duas frentes, que ele se dedicava aos

temas de sua predileção política: a regulamentação das leis, a organização da estrutura

judiciária do Império, a criação de um sistema de justiça dotado de eqüidade e a

constituição de um corpo de cidadãos que, de acordo unicamente com seus talentos e


virtudes, fosse capaz de superar os problemas enfrentados no período posterior à

Independência.

De fato, ser-lhe-ia difícil desvincular a postura parlamentar de suas idéias a

respeito da prática jurídica, já que entendia que esta, para ser aceita, devia ser validada

em lei; por isso mesmo havia escolhido a opção de regulamentar a norma estabelecida

na ord. liv. 4 tit 11 4, ao invés de propor a criação de outra lei. Não só como deputado,

mas também por sua experiência jurídica, conhecia o estado calamitoso das leis do país,

e a necessidade de reformá-las, como estabelecido na própria lei de 20 de outubro de

1823 aprovada pela Assembléia Constituinte.

Apesar de todas estas preocupações com o futuro da justiça no Império

brasileiro, parece que as idéias de Rebouças nem chegaram a ser levadas em

consideração por seus colegas. Suas opiniões sobre a cidadania foram refutadas em

1832; além disso, o projeto sobre o pecúlio e a regulamentação do acesso à liberdade

por escravos teve o pedido de urgência recusado, foi remetido para análise pela

comissão correspondente, e de lá nunca mais voltou.


4. O Fiador dos Brasileiros
“A Constituição diz bem expressa e claramente que – todos
tem [direito] igual aos cargos, e empregos, da Nação, com
tanto que tenham os quesitos dos talentos, e virtudes. – Mas
era isso o que se observava!”
Novo Diário da Bahia, 26 de dezembro de 1837

Rebouças certamente tinha conhecimento da ocorrência de processos como as

ações de liberdade nos tribunais. Mesmo não advogando no Tribunal da Relação da

Corte – só receberia licença para fazê-lo em 1847, quando já se despedia da atividade

parlamentar – sua fama de bom profissional das leis em pouco tempo correria o

Império. Desde o início da década de 1830, as muitas cartas recebidas com pedidos de

ajuda jurídica em processos julgados no Rio de Janeiro demonstram que era tão comum

encontrá-lo no fórum como na Assembléia Legislativa. Foi justamente por conta da

combinação da prática política com a reputação jurídica que nomes como Diogo

Antonio Feijó e a família Andrada e Silva escolheram procurar Rebouças ao se

depararem com problemas nos tribunais.

Em carta de 1835, José Bonifácio fez menção expressa ao duplo prestígio

conseguido por Rebouças na Corte, ao solicitar que ele patrocinasse a causa de uma

amiga:

Meu amigo da minha particular estimação. Já há várias semanas, eu devia


escrever-lhe para recomendar-lhe que se interesse e tome entrega da
Procuração que lhe devo enviar a Exma Condessa de Itapagipe. A sua
habilidade jurídica, e a sua probidade me afiançam que há de mostrar-se
ainda o mesmo Rebouças que trovejava em 32. Eu lhe ficarei muito
obrigado porque sou verdadeiramente amigo da Condessa e ela o merece.
Eu cá vou passeando na mesma solidão de Paquetá livre hoje dessa raça
perversa que tem gratuitamente procurado enxovalhar-me. Continue V.S.
a debelar velhacos e malandrines que formigam na nossa desgraçada
terra, como cogumelos em pau podre. D. Maria e minha filha se
recomendam saudosas. Tenho a honra de ser de Vossa Senhoria amigo
sincero.
Paquetá, 7 de abril de 1835,
José Bonifácio de Andrada e Silva

Além dos elogios de praxe exigidos por este tipo de carta, nela ressaltam o

rancor de José Bonifácio, após ter sido destituído da função de tutor do menor Pedro II.

Neste sentido, há de se entender por que ele apelou justamente a Rebouças para

defendê-lo: em 1832, em meio às crises políticas posteriores à Abdicação, quando Feijó

propõs a destituição de Bonifácio da tutoria do futuro imperador, acusando-o de liderar

conspiração contra o governo, Rebouças foi um dos poucos a ampará-lo, alegando que a

ele deveria, ao menos, ser dado o direito de defesa:

Mas, os ilustres membros (…) acham que o Tutor não deve ser ouvido;
que deve ser expulso da tutela com nota de infâmia! Sim, senhores, com
a nota da infâmia! (…) E dar-se-á caso que uma lei, feita pela Assembléia
Geral do Brasil tolha ao Tutor da Pessoa Imperial, (…) direitos que a
nenhum homem são tolhidos, os direitos naturais e sociais, comuns a
todas as condições, sempre respeitadas por todos os legisladores? (…)
Nem ao menos o Tutor Imperial seja considerado como simples homem,
seja como empregado, merce que lhe permita direito de defesa, comum a
todo homem e a todo empregado? É um Ministro!!!

Naquela ocasião, a argumentação de Rebouças fundamentara-se na suposta

audácia do Ministro da Justiça Feijó, propondo a destituição de Bonifácio, que então

acumulava o cargo de deputado, quando só a Assembléia Geral poderia fazê-lo. Dado o

posterior exílio do ex-tutor em Paquetá, Rebouças provavelmente seria um dos únicos

advogados a quem ele poderia mesmo apelar. E, de fato, não parece que Rebouças

tenha recusado o pedido de ajuda de José Bonifácio, já que suas relações com a família
continuaram bastante amistosas, a julgar por pedidos da mesma natureza feitos por

Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Silva.

Se a intimidade de Rebouças com grandes autoridades do país revela a chegada

efetiva de sua geração, a “geração da Independência”, ao poder, ela também demonstra

como, aos poucos, a carreira de deputado e a fama de jurisconsulto foram garantindo-

lhe um grande prestígio em escala nacional, mesmo em áreas não diretamente

relacionadas ao direito. A partir do início da década de 1840, por exemplo, ele foi

constantemente chamado para dar pareceres sobre peças teatrais para o recém-criado

Conservatório Dramático Brasileiro, instituição que tinha o encargo de fazer a censura

de todas as peças levadas em cartaz no Brasil, para que fosse guardado o devido decoro,

principalmente quando a família imperial estivesse presente na apresentação. Em suas

observações, Rebouças opinava sobre qualquer assunto, desde o correto uso da

gramática até a defesa da honra familiar, como no caso de “Isabel, A Orfã Parananense”,

em que ele achava que a representação de relações conjugais conflituosas poderia servir

de mau exemplo para a platéia.

Mas era no meio jurídico mesmo que Rebouças era conhecido. Dizem que até

para o cargo de ministro da Justiça ele teria sido sondado em 1837. Em meio à crise

política que acabou resultando na renúncia do Regente Feijó, por conta das más relações

deste com a Assembléia Legislativa, e por causa das seguidas revoltas regenciais,

principalmente a do Rio Grande do Sul, conta Rebouças em suas memórias que,

querendo fortalecer seu ministério, Feijó o havia convidado a ser Ministro da Justiça, ao

que ele teria recusado, preferindo “aguardar para ter parte na administração do Império

depois que o Imperador assumisse pessoalmente o Governo.”


Pelas fontes, é difícil saber se Rebouças recusou o convite, temendo identificar-

se com um governo que tinha tão forte oposição na câmara, ou se havia aceitado e não

chegou a assumir o cargo por razões obscuras. Pelo menos é isso o que dá a entender o

texto publicado em sua homenagem na Revista do IHGB, no qual se afirma que “a

nomeação não chegou a se efetuar por motivos que não vêm a propósito aqui referir.”

Na realidade, há mesmo poucas evidências de que o convite tenha sido efetivamente

feito. Afinal, como pode ser comprovado através de uma carta escrita por Feijó em

1842, este não o conhecia pessoalmente e nem sabia o seu nome completo:

Ilmo. Sr. Rebouças,


Apesar de achar-me reduzido à escravidão pelo Governo do Brasil,
alijado de todo lado, [ilegível], pobre, privado de mais pensão, e sem
serventia, [ilegível] o árbitro do mesmo nesta solidão, não sei até quando
e de tudo [ilegível] [ilegível] por luta me procura para o proteger nessa
Cidade a fim de se lhe facilitar a cobrança de uma herança. Ora, eu lhe
certifiquei, que eu só conhecia pelo bom nome ao Sr. Rebouças, e que
não lhe negaria valesse a um homem necessitado, e que esperava tivesse
[ilegível] seu gênio bom [ilegível]. Portanto faça o que Deus lhe manda
em casos semelhantes que dele terá [ilegível]. Eu por nada [ilegível]
contudo se quedar servir-lhe em alguma coisa me acho bem [ilegível].
Vitória, 15 de novembro de 1842.
De V.Sr., antigo colega, Diogo Antonio Feijó.
Perdoe não escrever seu nome no sobscrito, pois ignoro.

Se Feijó não conhecia Rebouças em 1842, como o teria convidado para fazer

parte de seu gabinete em 1837? Como boatos correm mais rápido do que novidades

verdadeiras, o fato é que, antes mesmo do retorno à sua província natal, na Bahia já se

sabia do hipotético convite, que despertou as animosidades de praxe em seus

adversários políticos, principalmente o chefe da Polícia Gonçalves Martins, que há

muito não se entendia com Rebouças. Em reunião na Assembléia Provincial, Martins

reclamava que Rebouças


declarou haver rejeitado constantemente grandes Empregos e até o de
Ministro da Justiça, que nunca lhe fora oferecido; não cessou de falar na
sua independência e riqueza: motivos que faziam rejeitar todo o lugar
subalterno no Brasil.

Rebouças, por sua vez, respondeu que

Eu declarei na Assembléia provincial que não aceitaria lugar subalterno


no meu País? E onde o aceitaria eu? Guardar-me-ei pretendente de algum
em qualquer dos Estados da União anglo-americana? Que, por isso,
rejeitara o Emprego de Ministro da Justiça. Se me foi ou não oferecido
pouco me importa o discutir.

Pelo visto, Rebouças não gostou nada de ver desafiada a veracidade de sua

história sobre o convite para integrar o gabinete. Provavelmente porque realmente

esperava vê-lo realizado, ou então por pretender conseguir dividendos políticos do fato

de ter-se tornado uma pessoa influente que uma proposta – ainda que apenas uma

proposta – pudesse lhe render. Como visto, esta história está mal contada, e

lamentavelmente, por total ausência de maiores informações sobre o assunto, teremos

que fazer como ele: se o convite lhe foi ou não oferecido, não nos importa discutir.

Mas importa discutir a função política que Rebouças agora exercia, diferente

daquela que vinha desempenhando até meados da década de 1830. Por conta das idas e

vindas para frequentar a Assembléia Nacional, e pelos períodos em que também foi

representante na recém-criada Assembléia Legislativa Provincial, ele realmente

conseguiu tornar-se uma figura-chave na relação entre a Corte e os correligionários de

sua província natal, deixando de ser apenas um importante político local para ser

também uma figura de proeminência nacional, ainda que indelevelmente ligado aos

negócios da Bahia.
Pedidos de todos os tipos, desde remoções de cargos de magistrado, até

recomendações ao Ministério do Império, além de demonstrarem mais uma vez a

extensão da importância do clientelismo para a política imperial brasileira,

evidenciavam como, independente das idéias que defendesse no Parlamento, a mediação

de Antonio Pereira Rebouças seria requerida em boa parte dos negócios políticos que

envolviam a Bahia. Até mesmo Montezuma, com quem ele teria ficado magoado nos

episódios da Independência em Cachoeira, teve que se curvar à força da influência de

seu compatrício; em seguidas cartas, pediu a sua intervenção para que agilizasse as

formalidades necessárias para conseguir tomar assento na cadeira de deputado

provincial, a que teria direito por ser suplente dos seis representantes que não

assumiram seus lugares:

Se para isto é preciso fazer algum sacrifício, tem paciência: eu creio que
t’os mereço, e tu podes conseguí-lo por ti, por teus amigos, e talvez
também por mim, ouso dizê-lo, pois em nada ofendi aos meus Patrícios:
antes minha vida não é outra coisa, senão um encadeamento de
sacrifícios vitais feitos à sua glória, à sua Independência, e à sua
liberdade. Não merecerei, pois, uma tal demonstração de amizade?

Na realidade, Rebouças sabia que seu status como político dependia em muito da

forma como conseguiria construir e manter boas relações com as autoridades nacionais,

ao mesmo tempo que mantinha firme sua lealdade com as principais figuras políticas da

Bahia. Assim, era fundamental que conseguisse realizar os pedidos de favores e

informações que recebia, como aquele de Limpo de Abreu, quando ministro, no qual

solicitava todas “as informações, e conselhos, que julgar necessários, principalmente no

que respeita a essa Província”, referindo-se à Bahia. Quanto mais contribuísse com

aqueles que no momento constituíam o poder central, mais solicitações eles lhe
mandariam, e melhores as suas condições de pedir favores também. Mas, além disso,

maior seria seu prestígio na Bahia, por conta das amizades com pessoas-chave na

política do Império, o que, por sua vez, resultaria em outros tantos pedidos de favores,

desta vez de líderes locais, como Montezuma. Estes solicitações, se atendidas,

renderiam as lealdades e os votos necessários para que continuasse sendo eleito

deputado por sua província.

Era por isso que Rebouças, quando na Bahia, não se cansava de enfatizar o

quanto era querido na Corte, e como mantinha boas relações com todos os setores da

sociedade:

… minhas relações de amizade e confiança se confirmam, incrementam e


dilatam progressivamente para com os maiores e mais distintos
Funcionários públicos do Brasil em todas as suas classes. No Conselho
de Ministros, no Tribunal Supremo de Justiça do Império, entre todas as
Dignidades Eclesiásticas, seculares e regulares, no Supremo Conselho de
Guerra e de Justiça, na Câmara dos Deputados, no Tribunal da Junta do
Comércio, em todas as corporações científicas e de beneficência, nas
presidências das Províncias, no Corpo Diplomático, nas Relações, no
Corpo da Magistratura em geral, nas Secretarias d’Estado, conto com
Amigos, que se não dedignam de me corresponder com sua afeição e
benevolência. Na Bahia – qual é a Autoridade que me não trate com
amizade e afeição; (…). Por que me não hei de fazer uma glória por
merecer a confiança e amizade de todas as Notabilidades do Brasil, que
de perto me tem conhecido e me conhecem?

Claro que Rebouças tinha que fazer de suas amizades uma glória; para isso, no

entanto, tinha que dedicar parte fundamental de seu tempo a continuamente legitimar

sua posição de figura de prestígio na Corte, para manter seu papel de líder provincial, e,

por outro, mostrar às autoridades imperiais que, na província, sabia fazer valer os

interesses da nação, defendendo os princípios monárquico-constitucionais, para que

continuasse a desfrutar das amizades políticas e dos benefícios que delas advinham.
Mas também esta era uma atividade que dependia do jogo de interesses políticos

realizados na província. Afinal, Rebouças não era o único deputado com aspirações a

construir uma carreira brilhante na política nacional; embora houvesse um considerável

número de políticos baianos no cenário nacional, para conseguir seu intento, ele

precisava fortalecer sua posição, evidentemente em detrimento da de outros. Esta é, em

resumo, a história de sua rivalidade com o chefe de polícia Francisco Gonçalves

Martins.

Gonçalves Martins era fruto daquilo que se poderia chamar de família nova na

Bahia. Outrora um “triste meleiro de Santo Amaro”, como o descreveu o Novo Diário

da Bahia, agora havia se transformado em proprietário de engenhos naquela localidade;

assim, fez parte da primeira geração de sua família que foi estudar fora e, na volta,

passou a ocupar cargos burocráticos. Após ser chefe da polícia de Salvador, Gonçalves

Martins foi deputado à Assembléia Geral entre 1834 e 1850, presidente da província da

Bahia entre 1848 e 1852, e depois entre 1868 e 1871. Foi senador, ministro dos

negócios do Império no gabinete de 11 de maio de 1852 e terminou seus dias agraciado

com o título de Visconde de São Lourenço.

Como se vê, Gonçalves Martins chegou muito mais longe do que Rebouças, que

no plano político nunca passou de deputado à Assembléia Legislativa; mas, nos idos de

1835, o primeiro ainda era um magistrado aspirante a político, cuja rápida ascensão

provavelmente estaria preocupando Rebouças, enquanto este era, pelo menos, um

veterano da Independência. Em seus relatos sobre os episódios ocorridos na Bahia entre

1835 e 1837, papel proeminente seria dado às desventuras de Gonçalves Martins, que
não teria tido capacidade, no caso da Revolta dos Malês, nem vontade política, quando

da Sabinada, para proteger a cidade de Salvador dos perigos que corria.

Já fazia um tempo que Rebouças, tendo ficado na primeira suplência nas últimas

eleições, havia voltado a residir em Salvador. A esta altura, sua família havia aumentado

consideravelmente: além de seu pai, já bastante idoso, que com ele vivia, havia as duas

pequenas filhas, Anna Rita e Carolina, nascidas, respectivamente, em 1832 e 1833.

Pouco tempo depois, nasceriam mais dois, André e Antonio Pereira, ambos na Bahia.

Seu sogro, agora viúvo, também vivia na cidade e, segundo Rebouças, ele teria sido o

responsável por alertar as autoridades de que a revolta dos malês estava por acontecer.

Muito bem sabe o sr. Chefe de Polícia Gonçalves que a meu Sogro foi
que a liberta Africana revelou o segredo da insurreição iminente; que
meu Sogro logo que a ouviu fez repetir tudo às Pessoas, que com ele se
achavam (como era costume das 7 às 10 e 11 horas da noite); que a
participação foi logo a Palacio; que o Juiz de Paz do Distrito ouviu a
Africana circunstanciadamente; e, se não me engano, também a ouviu o
Comandante do Corpo Policial.

Era o sábado 24 de janeiro, festa de Nossa Senhora da Guia. No dia anterior, em

frente à igreja do Bonfim, já haviam circulado rumores de que um grupo de africanos

passara todo o dia trabalhando na recepção de seus conterrâneos que chegariam do

Recôncavo, trazendo consigo os planos para a maior revolta de africanos que a Bahia já

havia presenciado. As novas sobre a rebelião chegaram aos ouvidos da africana liberta

Guilhermina Rosa de Souza, que confirmou os boatos com sua comadre Sabina da Cruz,

cujo marido Vitório Sule estava envolvido na organização da conspiração. Guilhermina

decidiu correr à casa de seu vizinho André Pinto da Silveira, sogro de Rebouças, para

contar o que sabia, chegando lá por volta das 8 da noite. Lá encontrou outro africano,

escravo da família, e insistiu para que ele falasse sobre a revolta a seu senhor. Como
este não o fizesse e eles já tivessem atraído a curiosidade do dono da casa por estarem

discutindo o assunto em altos brados, Guilhermina acabou explicando a Silveira a razão

de sua visita.

Rebouças não gostava de Guilhermina. Dizia que ela era “muito impertinente”,

porque alugava uma das casas de André Pinto da Silveira, vizinha à deste, e vivia

procurando-o para fazer exigências sobre o estado da residência. Provavelmente ele não

gostava de ver um casal de africanos habitando a mesma rua, no mesmo conjunto de

casas de seu sogro que, só porque pagavam aluguel, se achavam no direito de fazer

reclamações. Pois foi esta mesma Guilhermina que fez chegar pouco depois a Antonio

Pereira Rebouças o recado de que “fizesse acautelar” os seus escravos. Isto porque os

insurrecionários, mais de sessenta, já estariam reunidos em uma casa, perto da igreja de

Nossa Senhora de Guadalupe, de propriedade de Manoel Calafate, como mais tarde veio

a se saber.

Se não se davam bem, por que Guilhermina teria mandado avisar logo a Antonio

Pereira Rebouças sobre a insurreição? Só por causa de suas relações com André

Silveira, com quem também não mantinha boa convivência? Difícil saber. Pode-se

arriscar que Guilhermina teria visto em Rebouças alguém capaz de compreender melhor

a situação e reagir de acordo com ela. Neste caso, seus contatos cotidianos com o

mundo dos africanos e libertos seria muito maior do que o percebido apenas através de

seus próprios relatos.

Seja como for, Rebouças teria ido rapidamente para o local, para onde também

se dirigiam trinta policiais, as autoridades policiais, e “muitos cidadãos armados e


munidos de archotes para correrem todos os cantos da casa.” Todos estavam lá,

menos… Francisco Gonçalves Martins, o chefe de polícia.

Segundo seu próprio relato, Gonçalves Martins teria estado na ladeira da Praça,

teria visto os trinta policiais e mais cidadãos armados de archotes, a Guarda do Palácio

com suas quarenta baionetas, a do Colégio com mais de vinte, e ainda o Batalhão 3o de

Primeira Linha e a Guarda Nacional, que começavam a aproximar-se. Com tanta gente

armada – é de se espantar que os revoltosos tenham conseguido sair dali –, Gonçalves

teria deixado o local, e só teria começado a reprimir o movimento quando estes já

haviam chegado ao Batalhão de Cavalaria, permitindo que os africanos,

dispersando o cerco, intimidassem a Guarda de Palácio; contivessem em


respeito o Batalhão de Artilharia matando à sua vista um sargento
nacional; obrigassem a fechar um Corpo de Polícia, corressem a Guarda
do Colégio; e fossem só achar resistência e destruição onde se achava o
Sr. Chefe da Polícia Gonçalves.

Antes disso, lá pela uma da manhã de domingo, os malês haviam sido

descobertos por um juiz de paz, um policial e dois oficiais da Guarda Nacional na casa

de Manoel Calafate, e por isso tinham decidido dar início à revolta, saindo às ruas,

acordando os outros africanos, e chamando-os para “a guerra”. Quando chegaram a

Água de Meninos, onde encontraram o chefe da polícia Francisco Gonçalves Martins,

eles já tinham passado pela Praça do Palácio, onde, enfrentando a Guarda, tinham sem

sucesso tentado libertar alguns presos; já tinham descido a Rua da Ajuda e chegado ao

Largo do Teatro, onde encontraram um grande contingente de voluntários esperando-os;

já haviam descido o Pelourinho, rumo à cidade baixa, e tencionavam seguir caminho

para Cabrito, onde iriam se encontrar com os africanos vindos do Recôncavo. Não

chegariam até lá. No meio do caminho, encontraram a cavalaria de Gonçalves Martins,


e ali houve a batalha final da madrugada. Em menos de meia hora, os africanos

revoltosos foram derrotados, mortos, presos e dispersos, como descreveu

orgulhosamente o chefe de polícia.

A esta altura, não é mais novidade que Rebouças considerasse um grande

escândalo a demora do chefe da polícia em iniciar a repressão à rebelião dos africanos,

mas não a brutalidade da repressão em si. Para ele, apesar de a cavalaria chefiada por

Gonçalves Martins ter matado mais de quarenta pessoas, prendido outros e dispersado o

resto, “muito mais facilmente os derrotara, matara, prendera e dispersara na casa em que

se achavam à Ladeira da Praça, se se conservassem no cerco por mais algum tempo.”

Mais tarde, ele repetiria esta opinião na Assembléia Geral, dizendo que o chefe

de polícia não cumpriu com suas funções durante

a insurreição de Janeiro de 1835, que enlutaria para sempre o Brasil se


não fosse denunciada pouco antes de seu rompimento; (…). Eu não trato
da falta de conhecimento antecipado da trama dessa insurreição, de que a
polícia ignorasse absolutamente a iniciação do islamismo, sua
propagação entre essa raça brutal. Trato da maneira miserável por que se
portara a polícia…

Segundo Rebouças, a sucessão de trapagens de Gonçalves Martins continuaria

durante a revolta federalista conhecida como Sabinada, em 1837. Naquela época,

Rebouças, assim como todos os liberais adeptos do adjetivo moderado, não estavam em

boa situação: por um lado, eram a favor da repressão ao movimento separatista do Rio

Grande do Sul, por conta do apego ao projeto monárquico-constitucional, e por isso

fazia oposição a Feijó; por outro, não via com bons olhos o Regresso, movimento

liderado por seu amigo Vasconcelos, cuja ênfase na centralização e no reforço da

autoridade lhe provocava arrepios:


E em 1837 ainda, vindo Deputado, tive de concorrer para que a Lei
fundamental do Império fosse praticamente respeitada fazendo passar as
Leis anualmente necessárias e indispensáveis ao governo monárquico-
constitucional representativo contra uma política de inovação que se
queria prevalecer.

Justamente por estar situado no quadro político-partidário entre os conservadores

centralizadores e os liberais radicais, Rebouças talvez tenha visto na Sabinada uma

oportunidade para reforçar seu compromisso com a ordem e com os princípios

monárquico-constitucionais. Sua participação na repressão ao movimento que chegou a

ocupar a capital da Bahia por cinco meses não foi assaz significativa, como se verá. Mas

ela figura em destaque em seu livro Recordações da Vida Patriótica, publicado em

1870, em meio a outros episódios notáveis como a luta pela independência e a atuação

legalista durante os tumultos que se sucederam à abdicação de D. Pedro I.

Rebouças havia voltado para a Bahia em 1837, depois do fim da sessão

legislativa daquele ano. Assim, no dia 7 de novembro, quando correram os rumores de

que se levantava um grande movimento revolucionário nas imediações da fortaleza de

São Pedro, rumou para lá, onde encontrou o comandante das armas tenente-coronel Luiz

da França com a força militar a seu cargo e o chefe de polícia, agora também juiz de

direito da 1a Vara, Francisco Gonçalves Martins.

O estado de revolta em que estava a província da Bahia, que de 1831 a 1837 não

conhecera um instante de tranquilidade, pode ser relacionado à decadência econômica

que a cidade vinha conhecendo desde pelo menos 1820, quando um rápido boom

econômico começou a dar lugar à depressão. Depois das guerras de independência,

havia falta de vários alimentos de consumo básico, como mandioca, o que estimulava a

alta de preços. Além disso, a produção descontrolada de moedas de cobre ativara uma
inflação sem precedentes na história da província. A situação financeira exacerbou os

ânimos dos federalistas, decepcionados com o caráter tomado pela nação depois da

Independência; em conjunto com militares, também desiludidos pelos baixos soldos,

eles advogavam maior autonomia para a Bahia, condenavam a aristocracia que

dominava o país, clamavam por reformas jurídicas liberais e reclamavam contra os altos

impostos.

Para estes liberais, os exaltados, o Ato Adicional de 1834 havia sido uma luz no

fim do túnel. Com maior autonomia para as províncias, e, a partir de 1835, com Feijó

sozinho na Regência, eles esperavam poder fazer aprovar reformas que limitassem o

poder dos senhores ligados à Corte. Mas isto não aconteceu, e os efeitos não tardaram a

se fazer sentir em várias províncias, com a eclosão de revoltas federalistas como a dos

Cabanos em Pernambuco, da Cabanagem no Pará, da Farroupilha no Rio Grande do Sul,

e, um pouco mais tarde, da Balaiada no Maranhão. No caso da Bahia, a renúncia de

Feijó, dando lugar a um grupo comprometido com o fortalecimento político da Corte,

foi significativa para por fim às esperanças de levar adiante o projeto de

descentralização política e experimentação federalista. Além disso, a maciça

participação de militares na rebelião demonstra o quanto a política de reformas militares

posta em prática nos anos 30, criando a Guarda Nacional e diminuindo

consideravelmente o orçamento das tropas, desgostou os oficiais.

Portanto, o movimento liderado por Bernardo Pereira de Vasconcelos, que

colocou no poder o senhor de engenho Pedro de Araújo Lima, dando início ao Regresso,

desagradou a todos os liberais, exaltados ou moderados. A diferença estaria na reação a

este estado de coisas. Enquanto os primeiros consideraram este motivo suficiente para o
rompimento com o governo, os últimos optaram pela via legalista, tendo que, ao mesmo

tempo, lutar contra a ameaça de fragmentação do Império que a revolta na Bahia em

muito incentivava.

Antonio Pereira Rebouças fazia parte deste último grupo. Foi por isso que, das

imediações da fortaleza de São Pedro, logo que soube da tomada da praça do palácio do

governo pelos rebeldes João Carneiro da Silva Rego e Francisco Sabino Alves da Rocha

Vieira e da fuga do presidente da província para um barco na baía, começou a contactar

seus correligionários, para organizar a resistência, como sempre, a partir do Recôncavo.

Assim Rebouças convenceu o vice-presidente Paim a passar para Santo Amaro, e de lá

assumir a presidência interina da província; providenciou com o tesoureiro geral

Manoel José de Almeida Couto para resgatar o maior número possível de moedas de

cobre do Tesouro; e preveniu Antonio Simões da Silva, chefe de polícia interino, a

deslocar “o corpo de soldados permanentes para uma das localidades mais apropriadas

ao acampamento do exército da legalidade, que tivesse de sitiar os rebeldes, logo que

soubesse achar-se instalado no Recôncavo o governo legal.”

Se esta última tarefa coube ao chefe de polícia interino, a pergunta que

imediatamente se segue é: e o que fazia o chefe de polícia titular Francisco Gonçalves

Martins? Gonçalves Martins a esta altura já havia ido para Santo Amaro, onde estava,

mesmo segundo Rebouças, “empregando toda a diligência para que se tratasse de meios

de reagir contra a rebeldia.” Mas, segundo este, Martins assim o fazia para tentar se

livrar da culpa de não ter agido com mais presteza contra a conspiração, quando dela

teve conhecimento:
… a rebelião de 7 de Novembro, abortaria se o magistrado de que trato
[Gonçalves Martins] tivesse prevenido a saída dos conspiradores quando
os observou no seu club. Bastava tê-los em custódia, e fazê-los sair ao
amanhecer do dia seguinte. Tudo ficaria descoberto; eles cuidariam de se
desculpar como pudessem, e o país não passaria pelo experimento de
uma revolução que ameaçou dissolver e perder o império!!!

De fato, é bem conhecido o encontro que o chefe de polícia teria tido com

Sabino antes da eclosão da revolta, dada a amizade de longa data que os unia.

Gonçalves Martins, assim como Rebouças e Sabino, tinha seu jornal no início da década

de 30. Sabino chegara a dirigir por pouco tempo O Bahiano depois da mudança de

Rebouças para a Corte, mas acabara fundando seu próprio periódico, o Investigador, que

era rodado na tipografia de Gonçalves Martins, onde este publicava o seu Órgão da Lei.

Quando Sabino se envolveu com os crimes que o tornaram famoso no início da década

de 30, que provocaram a morte de sua mulher e o assassinato do jornalista Moreira, o

chefe da polícia não só recusou-se a publicar qualquer notícia sobre o caso, como ainda

divulgou uma nota de Sabino, em que este defendia-se das acusações.

Sabino foi ter com Gonçalves Martins antes do início da revolta, e não só o teria

informado do que estava por acontecer, como teria pedido apoio a ele. Embora não

tenha dado a ajuda solicitada, tampouco Gonçalves Martins tomou as providências que

se esperaria de alguém na sua posição; não denunciou nem prendeu, e mais tarde

limitou-se a dizer que não o fizera porque não tinha direitos legais para tanto, embora

não tenha hesitado em prender e matar os africanos na revolta dos malês, mesmo

estando na mesma situação. Daí a origem das denúncias de Rebouças, neste episódio:

por sua omissão, Francisco Gonçalves Martins era culpado pelo prolongamento da

Sabinada.
A sequência da história é conhecida: apesar das disputas entre Gonçalves

Martins e Rebouças, apesar da demora do novo presidente da província Barreto Pedroso

em atacar Salvador, mantendo por cinco meses um cerco que acabou por deixar a cidade

faminta, em março de 1838 as chamadas tropas da legalidade finalmente adentraram

Salvador, prendendo, matando e ferindo milhares de pessoas.

Enquanto navios impediam a entrada de gêneros alimentícios na baía de Todos

os Santos, esperando pela chegada de armas e munição da Corte e de Pernambuco,

Rebouças havia levado sua família para o Engenho Mataripe, e de lá para Cachoeira,

onde passou todo o período da rebelião morando “na mesma casa prestigiosa pelas

felizes recordações da causa da Independência em 1822”, onde nasceria o futuro

engenheiro abolicionista André Pinto Rebouças, em 13 de janeiro de 1838. Após o fim

da rebelião, ele regressaria para sua casa na capital da província, e de lá só sairia em

1843 para assumir novamente seu lugar na Assembléia Geral à Corte.

Para além de sua atuação no conflito propriamente dito, sem dúvida motivada

por posições políticas sinceras, é interessante verificar a importância atribuída por

Rebouças ao fortalecimento de sua imagem como defensor da ordem. Na disputa de

espaços de poder entre os liberais moderados após o início da política centralizadora do

Regresso, isto era fundamental, embora não significasse necessariamente que ele

apoiasse o projeto centralizador. Na realidade, a ala moderada dentre aqueles que

permaneciam liberais, naquele momento, preocupava-se em enfatizar a necessidade de

reformas básicas, como a do sistema judiciário, o que também era bem visto pelos

conservadores. Afinal de contas, a Justiça à época estava sob controle da aristocracia

local, que a administrava de acordo com seus interesses políticos, e era do interesse do
grupo de Vasconcelos centralizar ao máximo a política de distribuição de cargos e de

tomada de decisões, para que elas fossem conformes ao projeto político da Corte. Esta,

por exemplo, é uma das principais justificativas de Nabuco de Araújo para ficar do lado

dos regressistas em 1837. A organização do sistema judiciário, por outro lado, também

significava maior eficiência e racionalização da Justiça, o que, sem dúvida, interessava a

muitos liberais como Rebouças, e o aproximava de pessoas como os próprios Nabuco de

Araújo e Vasconcelos, que o tinham em alta conta.

Por conta de sua postura em prol da ordem e da legalidade, demonstradas nos

episódios de maior importância ocorridos em sua província, Rebouças continuou

dispondo de bom conceito entre as altas autoridades do Império mesmo depois da queda

de Feijó, como pode ser visto através da carta que lhe mandou Pedro de Araújo Lima, o

futuro Marquês de Olinda, então um dos homens mais influentes do Império, pouco

depois de ter assumido a chefia do gabinete ministerial, na qual ele demonstra confiança

na atuação de Rebouças na repressão à Sabinada:

Amigo e Sr. Rebouças (…)


Há de ter sofrido com a desordem que aí apareceu. Estou certo de que
não há de ter sido indiferente aos negócios públicos, que há tais que
obrigam a todo o homem a tomar parte neles. Aonde iremos sem um
centro comum, meu caro Amigo? Enfim o seu juízo é claro, e conto com
a sua cooperação para o restabelecimento da ordem.

Cartas como esta dão a impressão de que Rebouças estava em situação segura, e

que o prestígio já conseguido seria suficiente para manter seu espaço garantido no jogo

da política baiana e nacional. Mas a disputa local com Gonçalves Martins revela

justamente o contrário. Apesar da atuação política, da credibilidade conseguida em

escala nacional, Antonio Pereira Rebouças ainda era continuamente desafiado a reforçar
seus princípios de apego à ordem monárquico-constitucional. Afinal, sempre que se via

envolvido em uma discussão política, os argumentos de seus adversários

invariavelmente eram dedicados a lembrar à elite política baiana quem era Rebouças, e

quão perigosas eram suas idéias, ainda por conta dos acontecimentos de Sergipe. Com

Francisco Gonçalves Martins não havia sido diferente.

Naquela reunião da Assembléia Provincial, ele havia acusado Rebouças de

propagar idéias perigosas ao Brasil em 1824, no lendário jantar de Laranjeiras. Mais do

que isso, ao chefe de polícia incomodava o fato de Rebouças, ao mesmo tempo, ser

mulato e construir sua imagem como defensor da ordem já que, segundo seu raciocínio,

haviam sido os mulatos os responsáveis por boa parte dos tumultos por que havia

passado a Bahia no passado recente. Ao invés de se conformar com esta visão, ao que

tudo indica predominante entre seus pares, Rebouças havia argumentado que,

justamente por ser mulato, ele se considerava um “fiador dos brasileiros”, como

explicou alguns anos depois em sessão na Assembléia Geral:

… [Francisco Gonçalves Martins] interpretou mal ter eu dito na


assembléia provincial da Bahia que me considerava um fiador dos
brasileiros. De fato eu disse, e o digo (…). E se sou fiador da união,
proveio nestas circunstâncias calamitosas de 1837 (…); provei
eficazmente, nessa conjuntura difícil, que a minha qualidade de mulato
valia muito, como um grande elemento de ordem e de mútua confiança
entre todos os brasileiros; porquanto, figurando no partido rebelde, da
maneira a mais saliente, um homem de igual qualidade à minha, amigo
do chefe de polícia Gonçalves, foi muito vantajoso achar-me eu, meus
irmãos, meus parentes, meus amigos e muitos homens honrados da nossa
qualidade no lado da ordem, desfazendo com o nosso exemplo e nossa
devotação constitucional as intrigas desse homem de furor. É assim que
fui, sou e serei um fiador da união geral da família brasileira.

De fato, no caso específico da Sabinada, as preocupações de Rebouças em

demonstrar que sua “qualidade de mulato” não significava necessariamente


concordância com as idéias dos rebeldes eram de extrema importância para ele. Sua

trajetória tinha muitos elementos em comum com a de Francisco Sabino Álvares Vieira,

o principal líder e porta-voz do movimento, e importava reafirmar que, apesar das

aparências, as diferenças eram fundamentais. Sabino, além de ser mulato – de olhos

azuis, como enfatizam todas as descrições –, também era conhecido pela habilidade com

que praticava sua profissão de cirurgião, pela notabilidade que alcançou em sua carreira,

tornando-se catedrático da escola de medicina da Bahia (onde era colega de Manoel

Maurício Rebouças), pelo exercício do jornalismo, e pela quantidade de livros que

possuía em sua biblioteca, cujos volumes incluíam exemplares de obras de Voltaire e

Montesquieu, igualmente encontrados na coleção de Antonio Pereira Rebouças.

De mais a mais, ao contrário de revoltas anteriores, como a dos Malês, que

envolveu basicamente africanos e escravos, na Sabinada eram os descendentes de

africanos, principalmente aqueles nascidos livres, que estavam entre os protagonistas.

Embora seja sempre difícil mensurar dados relativos à cor, é importante notar que

muitos contemporâneos consideraram a revolta como sendo fundamentalmente

composta por negros e mulatos. Afinal, apesar da exclusão dos africanos da participação

oficial nas tropas rebeldes, muitos escravos crioulos abandonaram seus senhores, na

esperança de que o alistamento lhes garantisse a liberdade. Outras fontes evidenciam a

fuga de brancos da cidade, como notou o consul britânico, que disse ter Salvador ficado

“totalmente enegrecida, com exceção dos estrangeiros.” Em uma carta, Barreto Pedroso

estimou que dois terços da força rebelde era composta de negros. Dos dez prisioneiros

falecidos durante a viagem para a prisão de Fernando de Noronha, depois do fim da


rebelião, segundo a anotação do capitão do navio, seis eram crioulos, três eram pardos e

um era cabra.

Entre os porta-vozes da revolta, havia um tácito reconhecimento de que o

conflito tinha dimensões raciais. Em um editorial publicado no Novo Diário da Bahia

em dezembro de 1837, os sabinos explicitaram o motivo pelo qual os proprietários da

Bahia tinham tanta ojeriza às suas idéias:

Mas enfim eles nos estão fazendo a guerra porque são brancos, e na
Bahia não devem existir negros e mulatos, principalmente para subirem a
postos, salvo quem for muito rico, e mudar as opiniões liberais,
defendendo títulos, honras, morgados, e todos os princípios da fidalguia

O artigo segue atacando aquele cujo exemplo não deveria ser seguido: o mulato

Antonio Pereira Rebouças, que havia ficado do lado do governo, depois de ter

abandonado suas “opiniões liberais”:

… quem não for mulato rico como Rebouças, e como ele enfatuado peru,
tendo sido dos trancafios, não pode ser coisa alguma …

Realmente, a mágoa dos revoltosos para com Rebouças é compreensível: se uma

das motivações da Sabinada foi justamente as frustrações daqueles mulatos que viram

na Independência uma possibilidade de ascensão política e social, principalmente

através da carreira militar, a figura de Rebouças significava justamente o oposto: havia

conseguido construir uma carreira política e profissional, mas não levantava a voz para

defender seus pares – ao menos não da forma que estes gostariam de vê-lo fazer.

E os sabinos bem que tentaram ganhar Rebouças, tentando convencê-lo de que

ele estava lutando do lado errado. No mesmo jornal, apelavam para ele, dizendo que
Não suponham os Rebouças,(...) que ao lado da revolução não estejam
homens, que saibam dizer duas palavras juntas; estão iludidos, e Deus
queira não o conheçam sem remédio: Unam-se conosco, se querem salvar
a Bahia, e a si próprios: os direitos de igualdade, e liberdade hão de ser
defendidos pelos bravos do Dia 7 de Novembro até a morte: o solo da
Bahia não há de ser mais poluido por atrevidos fidalgões; hão de igualar
em talentos, e virtudes, se querem ser distintos; ouçam nosso conselho, e
aviso salutar, que não vem do medo, porque nada receamos, nem vemos
do que, mas é porque deveras queremos o bem de todos.

Mas Rebouças ignorou o chamado feito no jornal. Ao invés disso, enfatizou

novamente ser o “fiador da união geral da família brasileira” e ressaltou a importância

de mostrar que também havia mulatos na resistência à Sabinada. Desta forma, ele

colocou-se definitivamente contra Sabino e aqueles que pretendiam transformar a cor

em argumento político através de ações por ele consideradas extremas. Para ele, era

importante fazer justamente o contrário, desvinculando o significado da revolta de

qualquer conotação racial, para demonstrar que a cor não tinha qualquer relação com a

filiação política. Ainda que pudesse concordar com a leitura dos revoltosos sobre o

estado de coisas na província, não seria através da revolta e do separatismo que

Rebouças iria protestar, nem seria através do argumento da cor que ele ofereceria a sua

solidariedade.

Com isso, recusou a oferta de Sabino de salvar-se a si próprio através da adesão

à Sabinada. Na realidade, para ele, as ocorrências da Sabinada e da Revolta dos Malês

foram tragédias do ponto de vista do seu projeto político. Se sua ênfase principal estava

na ausência de diferenciação entre os cidadãos por conta da cor, o que os revoltosos de

ambos os movimentos faziam era justamente chamar a atenção para o fato de que

existiam reivindicações políticas específicas de negros e mulatos na Bahia. Assim, sua


ênfase quase desesperada em demonstrar que a cor não significava necessariamente a

adesão a determinados princípios políticos era, no fundo, uma tentativa de reforçar seus

princípios de tratamento igualitário a todos os cidadãos, fossem eles brancos, negros ou

mulatos.

Mais do que uma disputa política pessoal, portanto, seus problemas com

Gonçalves Martins residiam no fato de ele nada ter feito para impedir que as revoltas

fossem iniciadas. Como, no entanto, elas ocorreram, a Rebouças não restava outra

opção a não ser ficar do lado da ordem. Mas esta atitude também não lhe trouxe nenhum

bem, e em nada fortaleceu a sua posição política. Ao contrário, ela evidenciou a sua

fragilidade. Todas as revoltas ocorridas na década de 1830 deixaram claro que havia um

agudo descontentamento popular com relação à política da Regência, e que este

sentimento estava baseado em experiências vividas por africanos e seus descendentes,

fossem estes escravos, libertos ou livres. Para Rebouças, nada pior. O reconhecimento

desta situação no caso da Revolta dos Malês e da Sabinada fez com que sua principal

bandeira, a dos direitos civis, passasse a ser vista com extrema desconfiança pelos

membros da Assembléia Legislativa e dos quadros políticos da Regência. Pessoalmente,

Antonio Pereira Rebouças até sobreviveria politicamente por algum tempo às revoltas

que sacudiram a Bahia na década de 1830. Mas suas idéias estavam irremediavelmente

condenadas.

Afinal de contas, a política posta em prática pelos regressistas havia feito com

que os espaços políticos passíveis de ocupação pelos liberais diminuíssem

consideravelmente, acirrando a competição entre os pretendentes a cargos na política e

administração pública. A ocorrência da Sabinada veio a acirrar este quadro na província


da Bahia. Afinal, depois da retomada de Salvador em março de 1838, todos os membros

das tropas da repressão buscaram conseguir dividendos políticos da vitória, cujos efeitos

tinham alcance nacional, já que a pacificação da Bahia, por sua posição estratégica e por

sua importância política, era fundamental para que o Império permanecesse unido.

O chefe de polícia Francisco Gonçalves Martins foi justamente um daqueles que

mais ganhou notoriedade a partir do fim da Sabinada; deputado à Assembléia Geral em

1838, ele não se fartou de usar a revolta como exemplo da vitória do governo contra os

“bárbaros costumes, contra o declínio da civilização”, contra aqueles que não queriam

apenas mudar a forma de governo, mas causar a completa destruição do Império

brasileiro. A julgar por sua trajetória posterior, pode-se ver como, efetivamente, a

Sabinada realmente deu um grande impulso à sua carreira.

Foi este mesmo impulso que deu início ao lento declínio da carreira política de

Antonio Pereira Rebouças. Tendo perdido a batalha contra Gonçalves Martins,

Rebouças se limitava a reclamar, de tempos em tempos, da impossibilidade de Martins

ser considerado magistrado, já que nunca havia provado a formação jurídica em

Coimbra. Mais um argumento em vão. Diferentemente de Rebouças, que, por nunca ter

sido formado, nunca teve um cargo na magistratura, Gonçalves Martins foi juiz de

direito, chefe de polícia, e daí só seguiu para cima. Portanto, o principal problema de

Rebouças, a partir de então, era ter que enfrentar a ascensão política de seus adversários

justamente no momento em que a sociedade brasileira era percebida como

perigosamente dividida em linhas raciais.

As tensões raciais da década de 1830, portanto, tiveram considerável influência

na trajetória de Antonio Pereira Rebouças. Apesar de, o tempo todo, se afirmar como
defensor da ordem, mostrando que sua cor nada tinha a ver com a adesão aos princípios

monárquico-constitucionais, apesar de reforçar o compromisso total com a legalidade,

Rebouças acabaria sempre considerado como aquele que, justamente por sua

visibilidade, defendia idéias perigosas.

Neste sentido, a política do Regresso o afetou muito mais do que a qualquer

outro político liberal, por mais confiança e admiração lhe devotassem Bernardo Pereira

de Vasconcelos e Pedro de Araújo Lima. Sua atuação como repressor da Revolta dos

Malês e da Sabinada não lhe havia rendido qualquer dividendo político significativo.

Como elas não foram evitadas, ficou cada vez mais difícil defender suas idéias, já que

elas estavam comprometidas pela marca racial que estes movimentos haviam tomado.

Por outro lado, justamente por causa destas revoltas, o fato de Rebouças ser mulato

passou a ser mais importante do que o conteúdo de suas idéias, daí elas terem sido

consideradas perigosas. Neste sentido, Rebouças não é o único político liberal a sofrer

com o avanço do Regresso. Mas, sendo um dos únicos a defender um projeto de

sociedade escravista efetivamente liberal, com preocupações com a extensão da

cidadania a um conjunto maior de habitantes do país, passou a ser uma figura

extremamente contraditória e de difícil compreensão aos olhos de seus pares.

Assim, mesmo já estando acostumado à conexão por seus adversários feita entre

sua cor e suas idéias políticas, passou a ser muito mais difícil para Antonio Pereira

Rebouças defender-se de xingamentos como o de Gonçalves Martins, que o chamou de

“moleque de rua” em plena assembléia provincial ou de alusões como a de seu

conterrâneo João Maurício Wanderley, que em debate parlamentar de 1846, diz dele que

“água impura e lamacenta, não importa quão filtrada e purificada, sempre mostra sua
origem”. A forma como estes parlamentares a ele se referiam mostrava que sua carreira

política estava com os dias contados. É o que se verá.


5. Palavras Terrivelmente Anárquicas

“O juro convencional, o tráfico de Africanos e as eleições são a ruína do Brasil.”


Antonio Pereira Rebouças

Na sessão legislativa de 1843, muitos eram os deputados que também eram

advogados. Segundo Joaquim Nabuco, a julgar pelas impressões de seu pai, em meio a

bacharéis novatos como o próprio José Thomaz Nabuco de Araújo, um dos que mais

chamava a atenção era Antonio Pereira Rebouças. Afinal, apesar de não ter cruzado o

oceano para freqüentar a universidade em Portugal, Rebouças era considerado àquela

época um veterano, membro da geração de Coimbra, aquela que chegou ao poder entre

1820 e 1840, menos pela idade e mais pelo fato de ter entrado tão cedo na vida pública.

Pela idade, Rebouças estaria mais próximo de pessoas como Bernardo de

Souza Franco, outro que começou a militar cedo, mas entrou tardiamente para a

academia. Em 1821, aos dezenove anos, ao saber da proclamação da constituição

portuguesa, Souza Franco fez parte da guarda nacional cívica organizada em prol da

independência do Brasil, e nesta atividade foi preso e remetido para a Fortaleza de São

Julião, em Lisboa; ele só foi entrar para a Faculdade de Direito de Olinda em 1831,

dividindo os bancos escolares com Teixeira de Freitas, Urbano Sabino Pessoa de Mello

e Nabuco de Araújo. Quando estes entraram formalmente para a vida pública nacional,

como representantes de suas províncias, Rebouças era uma figura que, de tão conhecida,

já era quase folclórica:

A figura mais original dessa primeira Câmara a que Nabuco pertenceu


era o velho Rebouças. Ele é o quase único representante do velho
liberalismo histórico diante da cerrada falange reacionária. Tudo nele
recorda outra época, passada e esquecida: espírito, maneiras, formas de
argumentação (…). Ainda que não formado, o seu manusear dos praxistas
e estudo dos jurisconsultos deram-lhe um dos primeiros lugares em nosso
foro. Na Câmara, onde era uma tradição viva, sua conversação, sua
atitude, sua linguagem prendiam a atenção dos novos.

Por “velho liberalismo histórico”, Joaquim Nabuco provavelmente entendia as

idéias professadas pelos militantes da Independência, – dos nomes citados, só Souza

Franco mereceria a mesma denominação –, resumidas na defesa das liberdades civis,

dos direitos políticos e da Constituição. Esta seria “um grande mecanismo liberal”,

como Nabuco mesmo já havia explicado em uma conferência proferida em Recife,

quando defendia o retorno da elite política brasileira ao “verdadeiro liberalismo”, aquele

da “bandeira da Inconfidência, a bandeira de 1817, a bandeira do Ipiranga, a bandeira

do Ato Adicional, até que hoje volta a ser de novo a bandeira da Constituição.”

Mas Rebouças seria, para Nabuco, mais do que um raro representante do “velho

liberalismo histórico”; ele seria especial por conta de sua

… natureza singular, que reunia o refinamento aristocrático e esse


espírito de igualdade próprio dos que possuem no mesmo grau o
sentimento da altivez e o da eqüidade. Rebouças sempre falava em nome
da ‘população mulata.’ Homem de duas raças, pertencendo à raça branca,
como o mais puro caucásico, pela inteligência, pela consciência moral,
pela intuição jurídica, e tendo orgulho dessa procedência, ele sentia-se o
protetor natural da raça inferior de que também lhe corria o sangue nas
veias.

Apesar do comentário sobre a suposta inferioridade da “população mulata”, é

interessante reparar como as características que fizeram Rebouças ser chamado de

moleque de rua por Gonçalves Martins são exatamente as mesmas que mereceram os

elogios de Joaquim Nabuco. Claro que, conhecendo-se a trajetória e as idéias deste

Nabuco, a opção pela postura política crítica mantendo, ao mesmo tempo, o respeito à

ordem e à legalidade, só poderia ser tida como louvável. O autor de Um Estadista do


Império também se refere ao fato de o próprio Rebouças sentir-se “o protetor natural”

de mulatos e negros. Ainda que provavelmente ele não tenha usado diretamente esta

expressão, havia dito que era o “fiador da união geral da família brasileira”, o que por si

só já é significativo.

Talvez por estas peculiaridades, Joaquim Nabuco reputasse ser Rebouças “o

quase único representante do velho liberalismo histórico diante da cerrada falange

reacionária,” o que, naquelas circunstâncias, era um grande elogio. Afinal, estamos em

1843, pouco depois das más-sucedidas revoltas de 1842, quando liberais de Minas e de

São Paulo, descontentes com as reformas centralizadoras empreendidas pelo governo e

frustrados pelo fracasso de seus planos de depor o gabinete conservador, ensaiaram um

protesto armado. Depois da dissolução da revolta, devida à indecisão de seus líderes e à

rapidez da repressão, os liberais, começando a ser alijados em escala nacional de um

poder que desde 1837 já os vinha excluindo das esferas local e provincial, acabaram

praticamente ausentes da sessão da Assembléia Legislativa de 1843, da qual figuravam

apenas Rebouças e mais alguns. “O nosso País cada vez mais piora, e onde irá parar

ninguém há que o diga com certeza”, escrevia Montezuma a Rebouças naqueles tempos,

provavelmente expressando o sentimento da maioria de seus correligionários. E ele teria

mesmo razão, já que anos depois, em 1850, a Câmara só possuiria Souza Franco como

representante liberal, deixando até mesmo de ter lideranças representadas no Senado.

Não por acaso, é exatamente na eleição de 1842 que se costuma marcar a

decadência da geração da independência do poder e a ascensão política de novos nomes,

já com formação acadêmica no Brasil, como o de José Thomaz Nabuco de Araújo.

Paulino José Soares de Souza, cujo filho viria a ser um dos grandes destaques das
gerações vindouras, escreve sobre o assunto a Rebouças, dizendo-se contente por

constatar que a eleição deste está praticamente garantida, mas também surpreso por

outros estarem “arriscados a ficar de fora, ao mesmo tempo em que homens

inteiramente novos na vida pública se apresentam com votação espantosa.”

A questão dos liberais naquele tempo passara a ser a oposição à obra política do

Regresso, que estava devolvendo ao governo central os poderes que havia perdido com

a descentralização política e administrativa da regência, através do ato adicional de

1840, da lei de 23 de novembro de 1841 e da reforma do código de processo criminal

em 1841. Na nova legislação, além da recriação do Conselho de Estado, o ministro da

Justiça passava a dispor de grandes poderes, como nomear e demitir o funcionalismo da

justiça e da polícia a seu bel-prazer, o que foi imediatamente feito, com os cargos sendo

distribuídos para seus aliados e negados a seus adversários políticos. Esta situação criou

problemas vários para os liberais: por um lado, aqueles que eram representantes de áreas

economicamente decadentes como o comércio interno de São Paulo – que abastecia o

separatista Rio Grande do Sul – e a extração de minérios em Minas Gerais, acostumados

a deter o controle da polícia e do sistema judiciário em suas províncias, começaram a

perder seus postos e privilégios, ao serem substituídos por rivais conservadores. Em

termos mais imediatos, as revoltas liberais de 1842 foram, portanto, defesa dos

interesses locais daqueles proprietários que estavam sendo alijados do centro de tomada

de decisões do Império.

Mas elas significaram também a expressão de uma diferença de concepção

acerca da hierarquização dos poderes políticos previstos na Constituição. Para os

representantes liberais desvinculados da grande propriedade, seria a Assembléia


Legislativa, ao controlar as ações do Poder Executivo, o que garantiria que as ações do

Estado brasileiro fossem livres e desvinculadas dos interesses das oligarquias. Os tipos

de liberdade preconizados pela Assembléia, defendiam estes liberais, seriam a única

garantia da soberania nacional, antes ameaçada pelo elemento português, e da

autonomia das províncias, que o fortalecimento do Executivo e a formação de um novo

Conselho de Estado – o primeiro havia sido extinto em 1834 – colocavam em perigo.

Este último em especial, segundo as manifestações mais ardorosas dos luzias, que

reclamavam contra a “escravidão do povo (entendidos escravidão e povo, claro, em

sentido figurado) e o aniquilamento das garantias constitucionais” feitos para fortalecer

“a oligarquia que hoje domina o país, [atentando] contra a Coroa, escravizando-a por

meio de um Conselho que se denominou de Estado e que reduziu o Monarca a ouvir só

e unicamente os membros dessa facção.” Daí a fúria dos liberais quando este Conselho

recomendou ao recém-empossado Imperador que dissolvesse a Câmara, para que o

gabinete que estava realizando as reformas não recebesse a planejada moção de

desconfiança e acabasse destituído. Assim, o objetivo da rebelião, como dizia o edital de

11 de junho de 1842 da Câmara de Barbacena, era “sustentar a Constituição política do

Império, o trono (…) e defender estes sagrados objetos dos ataques que lhe eram feitos

diretamente pela lei das reformas dos Códigos.”

O problema dos revoltosos, além de não pretenderem que suas insatisfações

fossem transformadas em transtorno para o controle da ordem social, era o fato de não

contarem com a recusa do Imperador em ser livrado daquilo que os liberais chamavam

de “coação [ao Estado] em que tem posto a oligarquia hoje dominante”. Não só o

gabinete conservador continuou no poder como manteve sua política centralizadora, que
acabou sustentada pelos próprios liberais em nome da necessidade de manter a ordem

social e a integridade territorial, quando estes voltaram ao governo em 1844. Nesta

época, os liberais voltaram a ocupar cargos no poder central, no Senado e até mesmo no

Conselho de Estado, mas deixaram de vez de propor um projeto de direção para o

Império, permitindo que os princípios da ordem, soberania e monarquia fossem mais

valorizados do que a representação e a vontade nacionais, como argumentou Ilmar de

Mattos, e passando a insistir apenas na limitação do poder moderador.

Nas palavras deste autor, portanto, os liberais teriam se fixado neste momento

apenas na construção da soberania do Estado Imperial, ao se darem conta que seus

projetos haviam falhado – ou que não eram seguros o suficiente para conter as revoltas

populares regionais, às quais tinham tanto horror quanto os Regressistas – enquanto os

saquaremas estavam, além disso, também preocupados com a constituição de uma

classe senhorial, que implicava na difusão de um sentimento aristocrático, aquele que

“referenciava os diferentes critérios que permitiam não só estabelecer distinções entre a

‘flor da sociedade’ e a ‘escória da população’ (...), mas também e antes de mais nada

hierarquizar os elementos constitutivos da sociedade – cada qual e todos ‘nunca

deixavam de mais ou menos manter e conhecer o seu lugar’.”

Depois das revoltas liberais, portanto, a impressão que se tem é que os liberais

que sobraram no poder, à exceção de parte dos pernambucanos, que ainda fariam a

Praieira em 1848, haviam aderido à proposta centralizadora dos Regressistas. E, de fato,

isto aconteceu com boa parte destes liberais. Mas este processo não abarcou a todos, e

nem aconteceu sem resistências. Havia aqueles que, como Urbano Sabino Pessoa de

Mello, futuro líder praieiro, dedicavam-se a denunciar o patronato que a partir de então
vigorava, já que os ministros, cada um com suas relações de protetores e protegidos,

distribuíam cargos àqueles que tinham os padrinhos mais fortes; outros, como o já

citado Bernardo de Souza Franco, que mais tarde faria parte do gabinete da

Conciliação, dividindo a pasta da Fazenda com Olinda, desde então defendiam teses a

favor da liberdade bancária, partidários da colocação em circulação de moedas de vários

bancos, contra o argumento a favor da unidade de emissão, considerado fundamental

para a centralização das decisões financeiras nas mãos do governo.

Rebouças defendia as mesmas posições de Urbano na denúncia ao paternalismo,

e concordava com Souza Franco em relação à questão bancária. Além desta, ele tinha

outras posições políticas em comum com este último, principalmente na discussão que

veio a se tornar um dos principais debates daquela década: o fim do tráfico atlântico de

escravos para o Brasil. Desde 1840, Souza Franco vinha chamando a atenção para a

necessidade de se planejar uma política de colonização do Brasil, com o incentivo para

a atração de trabalhadores rurais imigrantes para o país que fossem capazes de substituir

o trabalho escravo. Rebouças estava de acordo neste sentido, e ia mais além: achava que

o Brasil devia honrar os compromissos assumidos com a Inglaterra antes de 1845, data

da divulgação do bill Aberdeen, a partir do qual os ingleses se davam ao direito de

apresar navios que se dirigissem ao Brasil com escravos africanos, para que pudesse

reclamar os direitos à indenização dos navios ilegalmente apreendidos pela Inglaterra:

É assim que podemos e devemos reclamar, é mostrando que a nossa


intenção está conforme com aquela que tínhamos quando se contratou o
que diz a letra do contrato. É assim que nós poderemos estipular novas
convenções, e (o que não pouco nos interessa) realizar o direito que
temos à indenização de todas estas presas ilícitas; porquanto, parece que
a Inglaterra não vendo realizar da parte do Brasil os meios diretos de
repressão, emprega adrede a todos, e um deles é privar-nos do dinheiro
das indenizações a que temos direito, para que não seja tentado a
empregá-lo no tráfico. Façamos, como cumpre, que esse dinheiro venha,
e não seja empregado em um tráfico reprovado pelo gênero humano, e
realmente injustificável.

Rebouças usava do seu argumento legalista para tentar convencer os governistas

de suas razões. Para ele, tão importante quanto o fim do tráfico era a necessidade de o

país estabelecer relações contratuais estáveis, honrando seus compromissos, para poder

lucrar com eles. Foi neste sentido que, ainda em 1837, quando, chegando do Senado um

projeto que proibia o tráfico interno de escravos e, curiosamente, de negros livres,

Rebouças defendeu a abolição da lei de 7 de novembro de 1831, a primeira a determinar

o fim do tráfico negreiro para o Brasil. Para o deputado, ela só teria servido para privar

o país da arrecadação de impostos pela importação de escravos e do comércio com a

África; como o tráfico ilegal continuava, quem estava perdendo era o próprio Estado,

incapaz de colocar em prática mecanismos eficientes de repressão, e, portanto,

impossibilitado de cobrar o que antes lhe era de direito. Por isso, expondo o argumento

à época majoritário entre seus colegas liberais, propôs na época que o governo

aumentasse muito as taxas de importação, para que os próprios traficantes ficassem

economicamente desmotivados em prosseguir com a atividade.

A ênfase legalista de Rebouças, ainda em fins da década de 1837, tinha

correspondência entre os saquaremas. Poucos dias depois de seu pronunciamento,

ouviria de Vasconcelos que,

mostrando que não estamos em circunstâncias de suspender todo o


comércio com a costa da África, e de irmos matar assim a nossa
indústria[,] eu fujo de propósito de entrar na questão da lei dos africanos.
Nesta discussão eu hei de ser muito franco, hei de emitir a minha opinião
claramente. Não terei a menor consideração a algumas coisas que se têm
ponderado: considerarei a questão primeiramente pelo direito.
Antonio Pereira Rebouças também achava que a questão devia ser considerada

primeiramente pelo direito, mas não o mesmo direito de Vasconcelos. Enquanto este

defendia que, enquanto o tráfico fosse legal no Brasil, este deveria continuar, o outro

sugeria a mudança destas regras, mas pela via do direito. Era por isso que Rebouças

defendia, em 1846, por causa das relações comerciais com a Inglaterra, que o Brasil

parasse de importar africanos como escravos. Mas a vinda de africanos livres deveria

continuar a ser incentivada:

O de que o Brasil carece é de braços que sirvam à agricultura e a todos os


outros misteres, a que são apropriados os africanos: porém não quer, nem
deve querer que os africanos nos venham cativos, mediante o tráfico
vedado.(…) Perguntarei sempre: – em que consiste o desejo, frequente
vezes realizado, de violar a lei proibitiva do ilícito tráfico? Seguramente
no lucro de alguns, e na persuasão de outros de que lhes é impossível
viver e medrar, faltando-lhe o serviço contínuo dos pretos africanos. Pois
bem: isso se conseguirá licitamente por meio da importação deles em
colonos sem transgressão de lei alguma. Ganharão uns comerciando, e
outros empregando-os efetivamente em todo o serviço de que eles são
capazes. (…)

Rebouças achava que sua proposta era especialmente boa porque, além de

fomentar a vinda de melhores trabalhadores para o país – “tendo de vir os africanos por

colonos, quem os haver de contratar em África principiará por fazer deles a melhor

escolha” – criaria um novo mercado para o consumo do tabaco e do aguardente

brasileiros, usando um argumento muito em voga entre os abolicionistas norte-

americanos. Aos que ponderavam seu argumento, ressaltando a probabilidade de que os

colonos africanos acabassem escravizados ilegalmente no Brasil, ele propunha que se

conferisse aos africanos cartas de alforria imediatamente quando fossem embarcados,

inspirado nas disposições dos alvarás de 19 de setembro de 1761 e de 16 de janeiro de


1773, que buscavam limitar a vinda de escravos africanos para Portugal, ao estabelecer

que “os escravos negros d’África, ou Ásia, que desembarquem em Portugal ou nas

sobreditas ilhas, conseguem a liberdade natural, e os juízes das Alfândegas lhes devem

ex officio dar carta de liberdade, logo que os navios derem entrada.”

Seus discursos contra o tráfico e, ao mesmo tempo, a favor da importação de

africanos como colonos são de uma lógica à primeira vista surpreendente. O que

importava para Rebouças não eram as condições de trabalho dos africanos, mas o seu

status formal. O trabalho por eles exercido deveria continuar o mesmo. A questão é que

Rebouças propunha manter a figura do traficante, que iria escolher aqueles indivíduos

aptos a serem contratados pelos agricultores brasileiros; em hora nenhuma ele

conjecturava a possibilidade de os africanos, agora como colonos, simplesmente não

quererem vir para o Brasil. Representado como sendo destituído de vontade própria, o

africano aqui também é, no limite, destituído de liberdade, já que não figuraria como

parte interessada em um contrato que deveria ser firmado, a princípio, entre iguais.

Rebouças nada mais faz, aqui, do que repetir a postura que defendia há muito

tempo, desde pelo menos 1830, durante a discussão do estabelecimento da pena de

morte no código criminal do Império. Dentre os vários argumentos que este deputado

arrolou para convencer os outros de que a pena de morte era injusta e inexequível,

estava o fato de que ela não serviria para impedir a realização de crimes, não

funcionando, portanto, como tática de controle sobre a escravaria:

Em tal caso não padeça a associação dos livres, a quem pertence a


constituição, por causa dos escravos, desses entes miseráveis. Mas a pena
de morte nunca foi terrível senão a quem teve em vista gozar os bens
sociais. (...) Os escravos não podem assaz prezar a vida, porque assaz não
a gozam; se para alguém a morte é menos repressiva é para eles, que sem
nenhuma esperança se insurgem e morrem brutalmente; os suicídios mais
freqüentes são os deles, que crêem na transmigração, crêem que
morrendo passarão desta para a sua terra. Faça-se para os escravos uma
ordenança separada; e por eles não façamos tamanho mal aos cidadãos,
aos homens livres. Ninguém pode tirar a vida do homem, que não deu
nem pode reparar; tirá-la é contra o Poder Divino, está fora do poder
humano; nenhum legislador pode decretar a pena de morte.”

Referindo-se aos escravos como africanos – “crêm que morrendo passarão desta

para a sua terra” – Rebouças defendia que, como os escravos não gozavam a vida,

deviam mostrar-se indiferentes à morte. Ao traduzir “bens sociais” – que não possuíam

– por liberdade, ele afirmou que única forma de gozar a vida é através da detenção de

determinados bens. Acompanhando as formulações de Bentham, concordava que “a

posse de bens materiais era tão fundamental para a obtenção das demais satisfações não

materiais que podia mesmo ser tomada como a medida de todas elas: ‘cada parcela de

riqueza tem a sua correspondente parcela de felicidade’ ”. Não usufruindo da vida, o

escravo africano não seria, levando a argumentação de Rebouças ao extremo, nem

humano: quando ele argumenta que aos escravos deve ser consagrada uma legislação

em separado para não macular as leis dos homens livres e, logo depois, diz que

“ninguém pode tirar a vida do homem”, supõe que, neste código paralelo, se possa punir

com a morte um escravo sem que por isso se esteja tirando a vida de um homem.

Se comparada com a atitude geral relativa aos africanos nas décadas de 1830 e

1840, a posição de Rebouças nada tinha de especial: como os outros políticos, ele

também sempre se referia aos africanos como “bárbaros”. Ao mesmo tempo, reconhecia

e incentivava as providências tomadas pelo governo brasileiro para restringir o tráfico.

Neste sentido, muitas de suas propostas haviam sido prejudicadas por este sentimento

de medo que imperava entre as elites políticas a partir de 1835:


Continuando o Brasil no mesmo espírito, fez o seu governo em 1835
esses outros artigos [que estenderam a apreensão estipulada na
convenção de Londres a 28 de julho de 1817 sobre os navios
efetivamente achados com cativos do tráfico a bordo], cuja ratificação a
assembléia geral refusou: bem que circunstâncias extraordinárias para
eles contribuissem; porquanto, de fato recentemente tinha havido uma
insurreição na Bahia, efeito de iniciação de propaganda de islamismo
entre os africanos; porquanto, o movimento que então houve se suspeitou
ou indiciou haver no Rio de Janeiro e em Minas, e notícias se publicaram
de que também o havia no sul e no oeste dos Estados Unidos. De modo
que parecia vir de mais longe essa propaganda insurrecional dos
africanos (…).

Rebouças mostrava entender as razões pelas quais havia tanta desconfiança em

relação aos africanos, e até mesmo concordar com elas. Mas a defesa da vinda de

africanos como colonos mostra uma diferença de concepção fundamental: para

Rebouças, os africanos poderiam até ser considerados bárbaros, mas poderiam também

deixar de sê-lo. Ao contrário da posição de dez entre dez parlamentares àquela época,

Rebouças via elementos positivos na entrada de africanos no Brasil, e, por isso,

considerava-os bem-vindos. Não reforçava, como o fez Souza Franco, os projetos de

imigração e colonização por imigrantes europeus. Na realidade, como ele não via

diferenças entre o trabalho realizado por um imigrante europeu ou por um africano,

seria melhor que se mantivesse o contato com a África que, no seu entender, resultariam

inclusive em um importante influxo comercial para o Brasil.

Mesmo assim, não conseguiu fazer com que os políticos regressistas

entendessem o alcance da proposta por ele feita sobre o fim do tráfico em 1846: uma lei

que, ao impedir o tráfico de escravos africanos, estimularia o tráfico de colonos

africanos. Seriam dois coelhos mortos de uma só vez: os africanos fariam o mesmo

trabalho de antes, e não haveria mais problemas com os ingleses. Mas talvez o
envolvimento com os traficantes fosse tanto, que os impedisse de ver o tamanho do

benefício que Rebouças lhes propunha. De fato, são notórias as relações entre os

membros do Partido Conservador e os traficantes de escravos, principalmente a partir da

década de 1840. Como escreveu Martim Francisco de Andrada e Silva a Rebouças sobre

a composição do ministério a partir de abril de 1841, depois de sua renúncia, “venceu o

partido português, e africanista: Deus queira que seja para a felicidade do Brasil.” Ao

mesmo tempo que se reprimiam os movimentos liberais de 1842, os saquaremas

garantiam os privilégios dos traficantes, com quem estavam diretamente relacionados,

estimulando os setores da economia diretamente ligados à mão-de-obra escrava, como a

produção cafeeira, e deixando de incentivar a economia voltada para o mercado interno.

Assim como nas questões sobre o autonomia das províncias e a descentralização

administrativa, também a discussão sobre o tráfico de escravos acabou perdida pelos

políticos liberais e ainda mais por Rebouças, que defendia o fim do tráfico sem

interromper o fluxo de vinda de africanos para o Brasil. Neste sentido, a agenda liberal

nas décadas de 1830 e 1840 representou muito mais os interesses dos proprietários

rurais do que aqueles dos profissionais liberais, que seriam, estes, mais identificados

com as demandas referentes às liberdades civis, participação política e reforma social.

José Murilo de Carvalho argumenta que estas reivindicações só ganharam expressão na

década de 1860, quando, por causa do desenvolvimento urbano e do aumento do

número de pessoas com educação superior, “o liberalismo clássico dos direitos

individuais teve melhores condições de se desenvolver.”

Se assim realmente foi, esta pode ser mais uma boa razão para o isolamento

político que Rebouças passaria a sofrer a partir de 1837. Não fossem todas as
dificuldades enfrentadas na Bahia, que, inclusive, o obrigaram a se candidatar por

Alagoas em 1843, nosso advogado, apesar de partilhar das preocupações políticas de

muitos de seus colegas, sempre que abordava qualquer tema relativo à defesa dos

direitos civis recebia desaprovação geral. Foi assim quando ele atacou o decreto da

suspensão de garantias civis no Rio Grande do Sul, durante a Farroupilha, denunciando

a deportação e o degredo de rebeldes feita pelo presidente daquela Província. Citando o

6 do artigo 179 da Constituição, Rebouças argumentou que naquela situação o degredo

sem julgamento era um desrespeito ao “direito natural de se conservar o homem, o

cidadão no lugar de seu nascimento e domicílio!!” A resposta veio a galope: na sessão

seguinte, Paulino José Soares de Souza atacou o “nobre deputado pela Bahia” em

grande parte de seu discurso, dizendo que ele fez mal ao censurar o decreto de

suspensão de garantias para a província do Rio Grande do Sul, quando nenhum de seus

colegas oposicionistas o havia feito.

Como defensor dos direitos civis para aqueles que eram e que podiam vir a ser

cidadãos, Rebouças ocupava uma posição cada vez mais incômoda entre os

parlamentares da sessão de 1843. Era esta a característica que fazia sua atuação ser de

uma “natureza singular”, como descreveria Joaquim Nabuco. Rebouças trabalhava com

um horizonte em que o fim da escravidão começava a ser vislumbrado. Dentro de sua

lógica, este futuro ainda estaria distante, mais ainda do que os quarenta e cinco anos que

o separavam da abolição do regime de trabalho escravo; mas, como defensor do fim do

tráfico, ele sabia que a escravidão acabaria por ter um fim, e considerava que os liberais

deveriam se preparar para tal futuro, para o dia em que todos os brasileiros nascessem

cidadãos, justamente através da discussão aprofundada das questões de cidadania.


Esta visão, no entanto, chocava-se de frente com a percepção que vinha

ganhando força com a ascensão do Regresso: a de que a sociedade brasileira devia

manter seu fundamento hierárquico baseado na escravidão, continuando a ser percebida

de forma estática, com poucas possibilidades de mobilidade social. Segundo o projeto

dos saquaremas, a organização da sociedade imperial brasileira deveria continuar a ser

pautada de acordo com os princípios hierárquicos tradicionais do antigo Império

Português. Ou seja: de acordo com os critérios de direitos e privilégios, a partir dos

quais apenas um pequeno grupo teria acesso aos dois. Era neste sentido que a leitura

liberal da Constituição de 1824 feita por estes conservadores limitava-se a ressaltar as

disposições censitárias relativas aos direitos políticos. Nem mesmo a escravidão era

entendida a partir do ponto de vista – que também seria chamado de liberal, mas pelos

tais liberais históricos como Rebouças – de defesa da propriedade privada. A

manutenção do regime de trabalho escravo e a limitação do acesso aos direitos civis

eram entendidas como parte das continuidades da estrutura social do antigo regime

português – como o regime de padroado e a superioridade da autoridade do rei por sobre

os poderes executivo, legislativo e judiciário, através do exercício do poder moderador –

e como tais deviam permanecer.

Por isso, em 1843, as idéias que Antonio Pereira Rebouças defendia

praticamente não encontravam eco entre seus pares. Mesmo em escala atlântica, embora

seu discurso fosse semelhante ao de vários grupos que defendiam o fim do tráfico

negreiro, ou como a Société des Amis des Noirs, que defendia direitos igualitários para

negros e mulatos livres nas colônias francesas sem pregar a abolição da escravidão,
defender a universalidade do acesso aos direitos civis para nacionais livres era quase

como jogar palavras ao vento.

Afinal, nesta época, baseados em critérios de distinção oriundos das teorias

raciais em voga desde meados do século XIX – aquelas que preconizavam a existência

de povos naturalmente inferiores –, vários países já haviam tomado medidas jurídicas

justamente no sentido de restringir o acesso de negros, mulatos livres e libertos aos

direitos de cidadania. Exatamente no momento em que um grande número de

descendentes de escravos tentava fazer com que os direitos de cidadania, estabelecidos

como universais pelos recém-fundados estados americanos, fossem extensivos a eles,

argumentos com base em teorias raciais eram utilizados como tentativa de bloquear a

legitimidade da argumentação destes grupos. Não é por acaso que estas teorias

tornaram-se hegemônicas justamente quando direitos civis e políticos foram

sistematicamente sendo negados ou retirados de populações de descendentes de

africanos.

Nos Estados Unidos, talvez o lugar onde as teorias raciais tenham sido mais

usadas como justificativa para a negação de direitos civis para negros e mulatos livres, o

regime de trabalho escravo adentrou o século XIX fortalecido. Os grandes proprietários

locais do Sul emergiram das lutas pela independência politicamente mais poderosos do

que o eram em tempos coloniais, principalmente depois do período de instabilidade e

turbulência política vivenciado na década de 1790. Assim, os estados escravistas dos

Estados Unidos mantiveram o respeito pela grande propriedade, ao mesmo tempo que

enrijeciam um sistema de privilégio – e não de direitos – baseado justamente nas novas

teorias raciais que ganhavam espaço à medida que o século avançava.


No caso brasileiro, este processo foi vivenciado em larga medida a partir dos

1820, percorrendo toda a década de 1830 e parte da seguinte. Embora longe estivessem

de desenhar a sociedade em linhas raciais tão rígidas assim, medidas como a de limitar o

acesso de libertos à Guarda Nacional mostravam que ainda estava em jogo – e

continuaria a estar por um bom tempo, dada a vitória do projeto saquarema – uma

concepção de sociedade cujas linhas eram também fundamentadas na exclusão dos

direitos de cidadania então existentes. Era justamente a defesa destes direitos que fazia

de Rebouças um sujeito talvez até mais singular do que imaginava Nabuco, quando o

descreveu em O Estadista do Império. Mas seria esta peculiaridade que cedo arruinaria

sua carreira político-parlamentar.

Tudo começou em abril de 1843, quando, em um agressivo discurso contra a

instituição e os privilégios do Conselho de Estado, Rebouças começou a atacar a

política engendrada pelos conservadores, que estariam convertendo a magistratura, a

polícia e a Câmara dos Deputados em “instrumentos de uma oligarquia”, separando o

monarca do resto da nação. Argumentando pela impossibilidade de bem governar sem a

presença de vários elementos no poder – estava se referindo ao alijamento sofrido pelos

liberais depois de 1837, mas principalmente depois da revolta de 1842 –, Rebouças

também disse que, entre os excluídos da nova ordem política, estava a “população

mulata.”

Outra parte da Nação carece de ter quem a represente nos conselhos da


Coroa (…), é a população mulata. Estando identificada com todas as
demais partes da Nação em todos os ramos do serviço público, importa
muito que essa identificação tenha o seu complemento nos conselhos da
Coroa. Não será tão conveniente, meus senhores, que aí se conheça,
ingenuamente as opiniões de todos os Brasileiros, e por um justo nexo se
represente a unidade nacional em todas as partes de que é realmente
composta? (…) Na sagrada causa da Independencia do Brasil tomamos
todos parte, unidos sempre, e partilhado temos todos os perigos da pátria,
cooperando juntos para a sua salvação e com a mesma lealdade e
interesse patriótico em todas as ocasiões sem exceção alguma. Por
consequencia, (…) não pode deixar de ser justo que na composição do
conselho da Coroa entrem alguns indivíduos dessa essencial parte da
Nação, atento o grau de seu mérito por patriotismo, civilização,
integridade, instrução e haveres.

O tema provocou grande polêmica. Assim que Rebouças começou a historiar as

“intrigas com as cores” feitas desde 1824, o presidente da sessão o interrompeu,

avisando que suas afirmações eram “fora da ordem” das exposições. Rebouças fez que

nem era com ele; continuou falando, mostrando que “o veneno dessa intriga” concorreu

para a abdicação, e que, para superá-la, era necessário que todos os brasileiros fossem

efetivamente representados junto ao Trono. O presidente novamente cortou o seu

discurso, avisando que o assunto não tinha cabimento naquela discussão. Mas Rebouças

continuou, argumentando que

Hoje o Governo do Brasil acha-se pessoalmente um exclusivo


representante de uma terça parte do todo da Nação, se é que a tanto se
avulta o partido dominante (…). Parece, meus senhores, que esse partido
com os seus chefes se quer parecer à Companhia das Índias com os seus
nababos…

Foi o que bastou para que a assembléia fosse transformada em uma grande

balbúrdia. O ministro da Marinha o apartou, outro deputado o interrompeu, mas agora o

presidente da sessão não se aventurou mais a cortar a sua palavra. Rebouças seguiu

argumentando em sua forma preferida: citando exemplos de outros países, todos por ele

considerados mais civilizados do que o Brasil, que corroboravam sua opinião. À

proposta de que ele pedisse uma sessão secreta para discutir o assunto, recusou: estava

cansado de se lhe “imputarem falsidades [o que sem dúvida fariam em uma sessão
secreta], como querer que se fizesse o tratado com a Inglaterra por amor de uma

proposta de liberdade de todos os naturais do país”, e ainda mandarem falsas notícias

sobre as suas posições para a Bahia.

Rebouças não estava mesmo interessado em ouvir mais boatos sobre sua posição

favorável à libertação de escravos, ainda que brasileiros: ele definitivamente não o era.

Continuava sendo, como sempre havia sido, um defensor do respeito à propriedade

alheia. A diferença entre ele e os outros era que, no tocante aos escravos, defendia seu

direito de se tornarem livres e cidadãos quando se provassem capazes de, justamente,

acumular propriedade. Daí estar cansado de insistir na defesa de um projeto social que

fosse escravista e, ao mesmo tempo, profundamente liberal, no qual a nação – entendida

como o conjunto formado pelos cidadãos do país – fosse igualmente representada por

todos os setores que a compunham.

Naquela sessão, irritado com as interrupções, que lhe fizeram “faltar à

regularidade e método que pretendia guardar na exposição” de suas idéias, terminou sua

fala abruptamente, deixando perplexos seus colegas, que o interpelaram: “—Então vai-

se embora?” Mas ele ainda não estava se despedindo. Esperava a resposta do ministro

da Marinha, a quem seu discurso era dirigido, para voltar à carga. E de fato o fez, na

reunião seguinte:

Eu ponderei que convinha que nos conselhos da Coroa tivessem parte


todas as opiniões nacionais, que presentemente assim não acontecia
excluídos como se achavam todos os maioristas. Disse com toda a
candura e lealdade, que assim é que o Monarca, tendo em seu Conselho
todas as opiniões, todos os sentimentos da Nação, estaria certo do amor e
lealdade de todos os seus súditos, e livre dos enganos de uns com
exclusão de outros e dano do país: disse em suma, que o Conselho do
Monarca deveria ser em tudo conforme à Constituição, um resumo, um
emblema da nacionalidade brasileira.
Rebouças esperava ouvir do ministro da Marinha algo como um pedido de

desculpas do governo por, inadvertidamente, não ter pensado em contemplar todos os

cidadãos no Conselho de Estado. Mas a resposta que ouviu foi bem diferente: Rodrigues

Torres teria feito uma

descrição horrível dos maioristas, que notoriamente se sabe serem o


partido seu contrário, figurando-os pelos indivíduos mais nocivos e
perigosos!… E a mim proclamou-me um archote da anarquia a mais
horrorosa, um excitador o mais abominável!

Novamente, confusão e apartes na sessão. Alguém acusou Rebouças de estar

dizendo tudo aquilo por querer ser, ele próprio, Conselheiro de Estado. Este não disse

nem que sim nem que não; àquela altura, seu discurso já havia sido transformado em

uma sucessão de ataques, dos quais Rebouças conseguia apenas se defender. Ao ouvir

que suas palavras soavam “terrivelmente anárquicas”, respondeu que elas eram as

palavras de um cidadão que pretendia chamar de maneira séria e prudente a atenção de

seus compatriotas para questões relativas ao bem geral da nação brasileira.

Mas não esperava que o ministro insinuasse que ele suscitava idéias “que

ninguém as têm!”. Neste momento, Rodrigues Torres parece ter realmente colocado o

dedo na ferida de Rebouças. Ao enfatizar que só ele defendia uma integração nacional

sem distinções raciais, mostrava que, de fato, Antonio Pereira Rebouças não se

identificava efetivamente com nenhum dos grupos políticos do Império de então: não se

identificava com os regressistas e seu projeto de formação da “boa sociedade”, aquela

cujo “sentimento aristocrático” embasava justamente a divisão da sociedade de acordo

com hierárquicas linhas raciais; não se identificava com os chamados liberais radicais,

ou exaltados, por sua preocupação com a manutenção da ordem escravista, e,


finalmente, distanciava-se cada vez mais dos liberais moderados por levar a sério a

associação entre liberdade e igualdade que teoricamente caracterizava esta corrente

política.

Afinal, se Rebouças compartilhava com seus pares da preocupação com o

alcance e poder de intervenção do Estado e na defesa do constitucionalismo como forma

de manter a fronteira entre a esfera pública e a vida privada – expresso na máxima

“Quanto sou governado?”, de Benjamin Constant, e na concepção de liberdade negativa,

cunhada posteriormente por Isaiah Berlin – não tinha o mesmo temor dos outros de

aprofundar os significados do termo igualdade, entendida como igualdade entre os

cidadãos. Assim, ele não fazia qualquer concessão ao discurso que relacionava a

desordem social à igualdade jurídica entre os cidadãos. Se havia desordem, ela devia ser

tratada com a repressão que merecia; os direitos civis dos brasileiros é que não podiam

ser sacrificados em função disso.

Por isso, para mais uma vez mostrar o que combatia, Rebouças seguia desfiando

os embustes de que fora vítima em 1831 e em 1835, sua participação para evitar a

insurreição dos africanos naquele ano e sua responsabilidade durante os conflitos de

1837 na Bahia. Ao final, enfatizou ainda que acreditava reunir as condições para se

considerar um homem feliz na vida moral e civil, mas parece que os outros deputados

não lhe deram fé. Ao ser perguntado que condições eram aquelas, ele perdeu de vez a

paciência, dizendo ser “muito fora de propósito que aqui viesse descrever a história” do

seu bem-estar doméstico e civil.

Como era de se esperar, Rebouças saiu completamente derrotado desta sessão de

21 de abril de 1843. Ninguém deu atenção às suas reflexões sobre a importância da


participação de todos os tipos de nacionais no Conselho de Estado, e nenhum

correligionário lhe deu suporte na sabatina sofrida na Câmara. Na realidade, é difícil

saber se suas opiniões a respeito do papel da população mulata nos destinos do país

eram exclusivamente relativas à importância por ele conferida ao exercício efetivo da

cidadania e dos direitos políticos por todos os cidadãos, ou se ele levantava as questões

de exclusão racial e agitação também como metáfora para exclusão dos liberais do

poder depois de 1842, como analisou Thomas Flory.

O fato é que a simples menção dos direitos civis desta parcela da população foi

responsável pelo ressurgimento dos argumentos sobre o caráter perigoso de suas idéias,

e das lembranças sobre os boatos de incitamento à revolta. Aos olhos da maioria da

deputação da época, suas idéias – e não apenas os boatos espalhados sobre elas – eram

efetivamente perigosas, justamente por sua insistência em adotar critérios únicos e fixos

para a definição da cidadania.

Em 1846, quando a reforma da guarda nacional era mais uma vez debatida na

Assembléia, Rebouças resolveu voltar a chamar a atenção para o fato de que era

“inconstitucional, inadmissível, injusto e absurdo” que a condição de ingenuidade para

exercício do oficialato da guarda nacional continuasse a existir no país. Repetindo os

argumentos de 1832, ele dizia que, na prática, muitos libertos eram membros da guarda

nacional, e que a falta de menção destes casos apenas provava o quanto a condição civil

de um cidadão no momento de seu nascimento, se escrava ou livre, era pouco

importante:

… porquanto, logo que algum cidadão por seu mérito sobe ao grau de
consideração que o habilita a ser escolhido para oficial da guarda
nacional ou outro qualquer emprego de importância, ninguém há que
civil e politicamente se lembre se nasceu ingênuo ou não, e se alguém se
lembra e o murmura adrede é repelido como excitando uma odiosidade
anti-social. (…) Se se entrasse na exegética da guarda nacional das
diferentes províncias, certo achar-se-ia muitos oficiais que não fossem
ingênuos; e se não me faço caso de individuar fatos, bem se vê que é
porque seria odioso e inteiramente repugnante e contrário ao meu intuito.

Seu intuito real era estabelecer a renda como critério eficaz de qualificação dos

cidadãos, o que não acontecia até então, porque para ser oficial da guarda nacional era

preciso ser eleitor, e para ser eleitor era preciso que o indivíduo tenha nascido livre.

Neste caso, o que propunha Rebouças não era a mudança dos padrões de qualificação

dos eleitores, mas a desvinculação entre este e os critérios para escolha dos oficiais da

guarda nacional.

Eu julgo que ou se deve estabelecer em regra geral que todo o cidadão é


apto para ser oficial da guarda nacional, uma vez que tenha capacidade
para comandar e prestar todo o serviço militar que lhe competir; ou que
estabelecendo-se uma renda como critério de qualificação, ela o deva ser
eficazmente.

Só assim um indivíduo poderia ser classificado como deveria e como a

Constituição estabelecia: de acordo com seus talentos e virtudes, que eram os meios por

excelência de aquisição de propriedade e, por extensão, posição social. Por isso mesmo,

porque estava defendendo que a guarda nacional era um lugar para quem já dispunha de

certo status, como artistas mecânicos e empregados de repartições públicas, e não para

qualquer um, é que Rebouças propôs o aumento da renda mínima de 200 para 400 réis.

Este seria o valor mínimo de que um homem teria que dispor para pagar aluguel, gastar

com roupas, calçados e alimentação, e manter dois escravos, porque “é impossível que

se considere idôneo para oficial da guarda nacional (…) quem não tiver empregado em

seu serviço pelo menos dois escravos, um em casa, outro de casa para a rua.”
A afirmação é interessante. Com ela, Rebouças não queria dizer que quem tinha

renda de 400 réis mas não tinha dois escravos não podia ser oficial da guarda nacional;

o que ele asseverava é que ninguém, nem os libertos cuja entrada na guarda nacional

defendia, que tivesse pelo menos 400 réis de rendimento, deixaria de ter dois escravos.

E, muito provavelmente, isto realmente acontecia: é notório que uma das primeiras

providências tomadas por libertos ao ascender socialmente era comprar escravos, não só

porque assim marcavam melhor a distinção entre a antiga vida e a nova, protegiam-se

de possíveis reescravizações, mas também porque não concebiam outra forma de obter

determinados serviços, agora que eram livres.

Assim como em 1832, portanto, Rebouças não via contradição alguma em

enfatizar a necessidade de revogação da condição de ingenuidade ao mesmo tempo que

preconizava o aumento dos critérios de renda mínima. Para ele, a combinação destas

duas propostas permitiria que apenas a propriedade fosse considerada como critério para

escolha dos oficiais da guarda nacional. Nada a ver com as suas preocupações com a

representatividade da população mulata, portanto. É curioso que, para Rebouças,

quando se tratava da guarda nacional, não importava a cor de quem tinha posses; mas,

quando se tratava do Conselho de Estado, justamente a cor era escolhida como imagem

para descrever os excluídos. Relacionando os dois discursos, portanto, vê-se que,

mesmo ao mencionar a expressão “população mulata”, Rebouças não estava referindo-

se à sua totalidade, mas àqueles determinados membros deste grupo que haviam alçado

posição social de destaque.

Mas, como o fizeram na década de 1830, seus adversários não o perdoaram pelo

uso desta expressão, também em 1843 usando e abusando dos temores que provocava a
associação do nome Rebouças à função de “protetor natural da raça inferior”. Eram

tempos em que as condições sociais misturavam-se às matrizes raciais de uma forma

toda particular, produzindo uma situação em que “não só as diversas raças nunca se

confundiam mas que muito envez disso, cada raça e cada uma das classes nunca

deixavam de mais ou menos manter e de conhecer o seu lugar”, como então dizia

Francisco de Paula Resende. Assim, ao chamar para si a tarefa de representar a

população mulata, Antonio Pereira Rebouças acabou levando a pior. Queria livrar-se da

pecha de defensor de idéias perigosas, e por isso ressaltava, exagerando um bocado, sua

participação nos episódios da Abdicação, da Revolta dos Malês e da Sabinada. Ao usar

do argumento racial em seu discurso, mesmo como metáfora, ele mesmo permitiu que

seus adversários fizessem uso político das tensões raciais contra si. Ao final, não deixa

de ser uma ironia que Rebouças acabasse figurando no seu tempo como defensor da

população mulata, logo ele, que sempre buscou desracializar seus argumentos políticos,

insistindo que as pessoas deviam ser qualificadas por sua condição civil, suas virtudes e

talentos, a propriedade que deles adviriam, mas nunca pela origem.

Rebouças sempre tentou mostrar que a cor não poderia ser usada como critério

distintivo, fosse ela vista de forma negativa ou positiva. Negava que a cor pudesse ser

usada como um argumento para fundamentar a exclusão de libertos da cidadania plena,

e por isso atraía a antipatia de todo o grupo político que passou a ser dirigente a partir da

implementação da política do Regresso em fins da década de 1830. Ao mesmo tempo,

ele era contrário à idéia de construção de uma solidariedade política – critério, portanto,

no qual o elemento racial seria tido como positivo – com base em identificações raciais,

e por isso era objeto de ojeriza dos sabinos. Esta é, no fundo, toda a ironia: em todas as
frentes, Rebouças tentou desracializar a forma de estruturação da sociedade, o discurso

político sobre ela e os critérios de acesso à cidadania nela baseada.

Mas seria impossível fazer isto sem mencionar e discutir a questão da exclusão

social de mulatos, sem lembrar os acontecimentos no Haiti. Ao fazê-lo, ao invés de

alcançar seu objetivo, Rebouças deu um tiro pela culatra: virou o símbolo da própria

situação que queria combater, e por isso fragilizou-se politicamente, pelo medo que a

sua trajetória impunha àqueles que preferiam um mundo de hierarquias sociais e raciais

bem definidas. Por outro lado, a lógica do pensamento de Rebouças, aquele em que suas

proposições ofereciam efetivamente uma alternativa para a forma como vinha se

organizando a sociedade brasileira de então, baseava-se na insistência em não admitir

distinções sociais que não fossem oriundas do merecimento próprio. Para ele, era

possível a existência de uma sociedade liberal escravista que não fosse racista: ela não

seria racista a partir do momento que, livre da escravidão, qualquer cidadão teria

igualdade de oportunidades sociais, políticas e econômicas.

O problema de Antonio Pereira Rebouças para seus contemporâneos, portanto, é

que ele apregoava uma sociedade efetivamente liberal, onde o elemento mais importante

seria justamente o compromisso com os direitos civis individuais, que incluíam a

segurança dos cidadãos e o respeito à propriedade. Dentro desta lógica, nada mais

compreensível que buscasse modernizar a ordenação filipina livro 4 título 11 parágrafo

4, como o fez em 1830, para possibilitar o acesso à liberdade e à cidadania àqueles

escravos que já eram livres na vida real. Agindo desta forma, ele demonstrava mesmo

não admitir distinções qualitativas entre os cidadãos. Para ele, ou se era livre e cidadão,

ou se era escravo; não deveria haver uma condição intermediária, como a que acabou
vingando na questão da guarda nacional, que relegava na prática os libertos a uma

cidadania de segunda classe. O que se nos apresenta, assim, é uma leitura em que a

escravidão podia ser efetivamente vinculada a uma sociedade liberal.

A questão é que o liberalismo que defendia, este da supremacia dos direitos

civis, não foi aquele que imperou nas demandas dos políticos liberais da década de 1830

e 1840. Ao não conceber nenhuma exceção à Constituição, ao privilegiar os direitos

individuais por sobre qualquer lógica de Estado, em qualquer um de seus níveis,

nacional, provincial ou municipal, Rebouças tomava posições que acabavam sendo

consideradas radicais, distanciando-se cada vez mais de seus colegas, que viam na

autonomia provincial e na censura aos excessos do poder moderador as expressões

primeiras da crítica liberal à política do Regresso.

Ao usar do argumento da ausência de representatividade dos mulatos naquele

discurso de 1843, Rebouças não esperava que a tensão sobre as questões raciais afetasse

de forma tão cabal a política partidária convencional e, especialmente, sua própria

carreira política, fragilizando-a ainda mais, desde que havia perdido a batalha para

Gonçalves Martins, e isolando-o mais ainda diante de seus pares. Mas isto aconteceu de

forma inequívoca: sua insistência no tema dos direitos civis pela via do discurso

legalista, elegendo apenas o fórum legislativo como locus legítimo para expressão de

suas idéias, fez com que ele fosse visto com extrema antipatia por outros mulatos que,

ao contrário dele, haviam escolhido as ruas para militarem politicamente, como era o

caso de Sabino. Mas foi justamente a radicalidade de seu legalismo – que jamais o

transformou, contudo, em um liberal radical – que lhe rendeu a aversão dos


parlamentares, já que ele recusava-se a encaixar no projeto social com o qual a maioria

dos antigos liberais conformou-se para permanecer no poder.

Depois daquele fatídico discurso, Rebouças nunca mais seria eleito representante

de sua província natal no parlamento brasileiro. Em 1845, só conseguiu ser escolhido

por estar representando as Alagoas, que possuía menos candidatos de expressão; três

anos depois, ao candidatar-se novamente pela Bahia, obteve apenas novecentos votos,

quantidade insuficiente para figurar entre os quatorze deputados daquela província. No

ano mesmo de 1848, Antonio Pereira Rebouças encerraria sua vida parlamentar e

abandonaria a política.

A vitória conservadora, consolidada nos anos 1850, significaria a derrota não

apenas de projetos liberais de cunho localistas, voltados para a descentralização política,

mas também da concepção liberal de superação da sociedade escravista representada

pelo discurso de Rebouças que, ainda que lentamente, pensava poder se livrar da pecha

da escravidão através da extinção do tráfico, da autocompra do escravo e da igualdade

de direitos civis entre os cidadãos de todas as cores. No fundo, o fracasso de

movimentos sociais como a Balaiada e a Sabinada, ocorridos na década de 1830, tanto

serviram para fortalecer o projeto de centralização política encabeçado pela direção

saquarema, como ajudaram a desmantelar uma certa liderança liberal, da qual

participavam muitos descendentes de africanos reivindicavam a igualdade de direitos

para os cidadãos de todas as cores. Antonio Pereira Rebouças ia até mais além do que os

seus pares: para ele, cidadão não tinha cor.


Parte III:

Direitos Civis e Direito Civil


6. No Império da Propriedade
A plenitude da garantia de propriedade não só é
justa, como reclamada pelas noções econômicas, e
pela razão política dos povos livres; (…) qual o
homem que semearia trigo sem ter a certeza de que
a colheita e livre disposição seria sua?
José Antonio Pimenta Bueno,
Direito Público Brasileiro e Análise da
Constituição do Império

Antonio Pereira Rebouças desistiu da vida pública em 1848. Provavelmente

pensando que necessitaria em breve de outros meios de defender suas idéias, já no ano

anterior havia entrado com uma petição para obter o direito de advogar no tribunal da

Relação da Corte, direito de que já dispunha na Bahia. Não que fosse impossível exercer

a advocacia no Rio de Janeiro sem o diploma ou a carta de habilitação; muitos o faziam

àquela época, e, no próprio documento, Rebouças dizia que “continua a exercer a

jurisprudência [na Corte], sem título de advogado, como a havia exercido na capital da

sobredita província, mediante mais de 20 anos.”

Ao tentar conseguir autorização do Tribunal da Relação para advogar na Corte,

é possível que Rebouças não quisesse voltar a residir em Salvador, e estivesse buscando

uma alternativa de garantir o seu sustento e o de sua família na capital do Império, da

forma como já vinha fazendo com os provimentos de deputado e a complementação de

um ou outro serviço como advogado. Assim, ele precisava mesmo do reconhecimento

oficial para dedicar-se exclusivamente à advocacia, porque, garantindo mais clientes,

não correria o risco de perder seu ganha-pão, caso a profissão fosse regulamentada e

aqueles que não portassem diploma fossem definitivamente proibidos de atuar.

Naquele momento, embora Rebouças dispusesse de uma situação confortável,

ainda não havia se estabelecido definitivamente na Corte. Desde que havia voltado da
Bahia, morava com a esposa e os oito filhos em uma casa alugada na rua Matacavalos,

pertencente a Eusébio de Queiróz, onde permaneceu pelo menos até 1848. Depois,

transferiu-se para a rua do Riachuelo, e só então se mudou para a casa na qual viria a

residir até o fim dos seus dias, na rua do Aqueduto número 356 no morro de Santa

Teresa, bairro conhecido por sua boa localização, entre o centro da cidade e as

vizinhanças dos bairros nobres da Glória, Flamengo e Botafogo, e pelo ar puro e fresco,

razão pela qual era também muito procurado por estrangeiros e pessoas de saúde

sensível.

Não se sabe ao certo quando a família Rebouças subiu do Riachuelo para Santa

Teresa. Provavelmente depois de 1852, quando o falecimento do sogro André Pinto da

Silveira teve como contraponto o recebimento de uma boa herança, que incluía uma

casa no centro e um sobrado de dois andares em Salvador, este tão grande que até era

alugado para a secretaria e residência do chefe da polícia. Seria graças à fortuna familiar

e aos vencimentos como advogado que Rebouças conseguiria prover bastante conforto à

sua família, como se percebe pelas muitas jóias possuídas por sua mulher Carolina, que

incluíam um cordão de pérolas com cruz de brilhantes, colares de ouro, e anéis de

brilhantes, de esmeraldas e de safiras, e pelos interiores de sua casa, decorada com

móveis de jacarandá, mesinhas de canto com tampos de mármore, candelabros e

castiçais de bronze, almofadas de seda e crochet cuidadosamente depositadas em seis

cadeiras estofadas com seda verde. Na residência de Antonio Pereira Rebouças, a

prataria era abundante, o café era servido em louça de porcelana francesa e água, vinho

ou champagne, só em copos de cristal; mesmo no dia-a-dia, as toalhas eram de linho e

os talheres, de metal Christophle. Sete escravos – um copeiro, um oficial de pedreiro,


uma doceira, um aprendiz de alfaiate, uma lavadeira e duas crianças – revezavam-se nos

serviços domésticos, cuidando para que a casa dos Rebouças mantivesse sempre a

aparência correspondente à posição social que ocupavam.

Mesmo com a herança, Rebouças nunca conseguiria manter este padrão de vida

se não fossem as suas atividades como advogado do Tribunal da Relação, onde

aconteciam as ações mais rentáveis. Daí a insistência com que fazia aquele seu

requerimento, que já era o segundo. O primeiro havia sido recusado com a justificativa

de não haver falta de bacharéis formados. Rebouças argumentava que a negativa não era

justa, como se ele …

… não fosse um jurisconsulto ou homem versado na ciência das leis, que


faz profissão do direito e de aconselhar, tem exercido e exerce a
jurisprudência com elevação e consciência, com coração reto, espírito
justo, caráter firme e alma independente, como o definem Gayot, Henrion
e Dupin.

Rebouças continuou ressaltando em seu pedido as várias atividades jurídicas e

políticas por ele já exercidas em prol do Império do Brasil, tentando mostrar que não era

possível negar a alguém que, mostrando “a mais decidida vocação à ciência” que

professava, já havendo servido em comissões de revisão da legislação na Assembléia

Legislativa, que exercesse a profissão de advogado. E seguia citando exemplos dos

“verdadeiros e primeiros jurisconsultos”, nenhum deles formado em Direito, como

Minos, Licurgos, Péricles, Demóstenes, Catoens, Cicero, Caius Papirus – “o compilador

do primeiro corpo de leis” –, Hermedoro de Epheso, Salvius Julianus, e, mais

recentemente, Montesquieu – “autor do Espírito das Leis, que não tinha carta de

formado nelas” – que, mesmo assim, “formularam, compilaram e codificaram os

princípios e regras de julgar, pelas quais se regeram os respectivos povos, e ainda,


atualmente, na mor parte se dirigem legislando e julgando as nações mais cultas e

civilizadas do velho e do novo mundo.”

Rebouças foi suficientemente convincente, conseguindo a permissão de seus

antigos colegas do Parlamento para continuar em sua carreira, agora com toda a

legitimidade. Além de dizer que, se não tinha o diploma, a experiência no fórum e no

trato com as leis já bastaria para que fosse provido na profissão, ainda abusava da

erudição para mostrar que não era o canudo que garantia a competência de quem se

dedicava à carreira jurídica.

E, de fato, mesmo aos que o conheciam pessoalmente, seus conhecimentos

impressionavam. Rebouças possuía uma invejável biblioteca de dois mil e oito volumes,

entre obras em brochura e encadernadas, das quais umas poucas, como dicionários e

folhetos, ficavam em sua casa, e as outras eram distribuídas pelas seis estantes de

vinhático, envernizadas de polimentos e envidraçadas, que compunham o seu escritório.

Além de códigos e coleções de leis, livros de jurisprudência e revistas especializadas,

Rebouças possuía dicionários geográficos e mitológicos e manuais de literatura. Ele lia

Shakespeare e os gregos em francês, tinha em sua estante todos os clássicos da

economia política inglesa e do iluminismo francês, como Adam Smith, Voltaire,

Montesquieu, Rousseau, Robespierre e a própria Enciclopédia, colecionava vários

volumes de biografias universais, e ainda mantinha a sua disposição manuais de história

dos países cujos exemplos sempre utilizava em seus discursos e pareceres, como

Portugal, França, Inglaterra, Itália, Estados Unidos e Haiti.

Com uma bagagem destas, era de se esperar que Rebouças fosse um dos mais

bem-sucedidos advogados da Corte, como de fato se tornou. Embora não se saiba muito
sobre os processos de que tomou parte, fora as ações de liberdade, sabe-se que ele foi, a

partir de 1859, advogado do governo brasileiro na Comissão mista brasileira e inglesa

encarregada de julgar as reclamações pendentes desde a Independência, e, desde 1866,

advogado do Conselho de Estado, de onde vinha boa parte de sua receita. Além disso,

publicou algumas defesas em casos importantes, geralmente pedidos de indenização

contra o Estado, por gastos feitos durante as lutas pela Independência.

Em um deles, tratava-se da defesa da família dos Teixeira Barboza, que teve

570 mil cruzados em moedas de ouro e prata e mais alguns bens requisitados pelo então

exército pacificador da Bahia. Em 1823, a família pediu a restituição do dinheiro e dos

bens; estes até foram devolvidos, mas a cor do dinheiro nunca chegou a ser vista. O

processo rolou até 1858, quando a vitória foi garantida na justiça mas, dada a soma

volumosa que deveria ser paga, a Assembléia Legislativa sempre optava por adiar a

inclusão do pagamento na discussão do orçamento anual. Atuando como advogado e

deputado, Rebouças publicou a extensa exposição que fez sobre o assunto,

estabelecendo ser a devolução de bens confiscados em guerra uma das primeiras

obrigações da “sagrada causa da Independência e do Império do Brasil.”

Em outro processo, também em exposição à Assembléia Legislativa, Rebouças

defendeu o Visconde da Torre de Garcia d'Ávila, que reclamava a indenização do ofício

de Secretário de Estado do Brasil, adquirido em fins do século XVIII por seu avô como

propriedade vitalícia por 80 mil cruzados. Mesmo após a extinção de alguns cargos, a

lei de 15 de setembro de 1827 havia estabelecido que os donos daquelas funções

deveriam continuar recebendo ordenados e teriam preferência no provimento em outros

empregos. Rebouças pretendia que o dono fosse indenizado no valor de compra do


cargo e que obtivesse do governo uma ocupação pública que substituísse aquela que não

existia mais.

Em ambas as ações, o fundamento era o mesmo, a inviolabilidade do direito de

propriedade. Embora não se conheça seus desfechos, Rebouças parece ter tido orgulho

de suas participações, não só por se tratar da defesa de pessoas importantes. Neste

último processo, então, o fato de ter publicado a sua exposição de motivos é

interessante, porque ele defendia que fosse dado a um indivíduo um cargo público

independente de seus talentos e virtudes, contrariando os princípios que mais defendeu

em toda a sua vida pública, para os outros e para si próprio.

Mais do que vaidade ou a concordância com o conteúdo de sua argumentação

nestes casos, sua contratação e a posterior publicação dos discursos demonstra que

nosso advogado parece ter sido considerado um verdadeiro especialista em questões de

direito civil e propriedade: ele, assim como outros bacharéis conhecidos pelo notório

saber, como Bernardo de Souza Franco, José Thomaz Nabuco de Araújo e Augusto

Teixeira de Freitas, era constantemente solicitado a fornecer pareceres sobre acórdãos,

aconselhando o cliente, em geral alguém que tivesse recebido uma sentença

desfavorável, sobre a impossibilidade jurídica de vencer o processo ou a melhor forma

de prosseguir a contenda. No manual Consultas Jurídicas, uma compilação de opiniões

sobre os mais diversos casos organizado por João José Rodrigues, o nome de Rebouças

figura ao lado de outros importantes jurisconsultos brasileiros, além dos acima citados,

como Ramalho, Sayão Lobato, Perdigão Malheiro e Carlos Arthur Busch e Varella.

O mesmo aconteceu com as ações de liberdade de que Rebouças tomou parte,

entre 1847 e 1867, sempre como advogado do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro.
Embora tenham sido poucas, elas são uma boa medida de como ele atuou, na prática,

quando se deparou com os pedidos de liberdade feitos por escravos sobre os quais já

havia comandado discussões na Assembléia. Gozando, como visto, de boa reputação no

meio jurídico, nosso advogado foi cinco vezes escolhido para ser curador a lide. No

entanto, ele não foi tão bem sucedido neste tipo de processo quanto em tantas outras

empreitadas já enfrentadas em sua vida.

Como mostra o quadro 3, das nove ações de que participou, Rebouças foi

vitorioso em quatro e perdeu outras quatro. Destas, naquelas em que defendeu o senhor,

perdeu apenas um, enquanto que, nos processos em que atuou a favor do escravo, só

venceu um. Ou seja, como advogado, ele foi capaz de convencer os juízes com

melhores resultados quando defendia o senhor, não tendo tantos êxitos em sua persuasão

quando atuava a favor de cativos.

Quadro 3: Atuação de Rebouças em ações de liberdade, 1847-1867

Processo Data Instância Parte Falas Resultado


C3682N446 11/06/1847 1/2 Escravo 2 Perde
6
C3689N529
12/04/1852 2 Senhor 1 Vence
2
C3684N584
18/09/1857 2 Senhor 3 Vence
9
C3690N836
20/12/1858 2 Senhor 4 Vence
7
C3691N622
06/02/1860 2 Escravo 3 Vence
9
C3683N935
31/08/1860 2 Senhor 3 Perde
4
C3683N664 Indetermina
19/03/1861 2 Senhor 3
1 do
C3679N119
03/10/1862 2 Escravo 2 Perde
90
C3687N110 16/09/1864 2 Escravo 0 Perde
34
Fonte: Corte de Apelação, Arquivo Nacional – RJ

Em alguns destes processos, como o primeiro para o qual foi escolhido curador,

sua participação foi quase técnica; Rebouças limitou-se a pedir a liberação do depósito

dos escravos, ou apenas tentava impedir o prosseguimento da ação, através da

interposição de recursos jurídicos. Em outros, no entanto, sua participação teve mais

peso, como no caso em que, defendendo o senhor, Rebouças centrou sua discussão no

documento apresentado pelo curador do escravo para sustentar sua liberdade: um

assento de batismo, onde figurava, ao lado do nome do dito cativo, a designação “livre”.

Rebouças argumentou que documentos eclesiásticos, como eram os assentos de

batismo, não serviam para provar a condição civil de um indivíduo; este papel estaria

relacionado a questões da Igreja, e somente um registro civil – que naquela época não

existia – serviria como prova em questões como essa. Assim, astutamente livrando-se

de apresentar uma prova, como exigia então a lei, Rebouças foi vitorioso neste processo.

A mesma argumentação foi usada em outra ação de liberdade. Só que, desta vez,

Antonio Pereira defendia um escravo de Curitiba, que dizia ter sido libertado antes do

falecimento de seu senhor. Como ele não possuía carta de alforria, Rebouças alegou

que, já que o nome do suposto cativo não foi citado no inventário de seu senhor, ele

realmente deveria ter sido alforriado. Além disso, Rebouças fez uso do assento de

batismo como prova jurídica, o mesmo documento eclesiástico que antes considerava

não ser suficiente para demonstrar a condição civil, no qual o suposto cativo foi

registrado como livre. Mesmo assim, ao que parece, o argumento que ele mesmo usou
em parecer anterior sobre a necessidade do registro civil e a invalidade do documento

eclesiástico continuava subsistindo: o processo foi finalizado com a vitória do senhor, e

seu curado permaneceu escravo.

Em outro processo, Rebouças foi chamado pelos descendentes de um casal de

senhores a contestar uma liberdade de um escravo, baseada em uma carta de alforria

condicional recebida de sua senhora. O advogado usou de todos os recursos possíveis

para impedir o prosseguimento da ação: primeiro, disse que o autor, como cativo,

deveria pedir uma licença do juiz para iniciar a contenda; depois, pediu fiança ao

depositário do escravo pelos dias de trabalho perdidos e, por último, tentou argumentar

que mulher casada não poderia alienar parte tão grande de seus bens sem o

consentimento do marido. Ao tomar conhecimento de que a senhora em questão estava

em processo de divórcio, alegou que, ainda mais neste período, seus bens estariam

indisponíveis. De nada adiantaram suas razões: ao cabo de pouco mais de dois anos de

discussão sobre a liberdade condicional e o estado civil do beneficiado durante o

período de duração da prestação de serviços, o crioulo Casimiro foi oficialmente

libertado.

Analisando as intervenções de Antonio Pereira Rebouças nestas ações de

liberdade, pode-se perceber que, à parte os processos nos quais ele tentava obstruir o

prosseguimento, o que era prática comum, as discussões versaram sobre três assuntos: a

legitimidade do documento eclesiástico para comprovação da demanda, as

possibilidades de doação de bens e as condições de posse de liberdade. Fosse

mencionando uma escritura ou argumentando com base nos acontecimentos que

motivaram o processo, os temas giravam em torno de um conceito: a propriedade. O


assento de batismo era mencionado como uma forma de comprovar – ou negar – a

propriedade de alguém sobre um suposto escravo; nas controvérsias sobre a transmissão

de bens, por testamento ou não, pela mulher ou por seu cônjuge, o que está em jogo é a

legalidade da doação, em face das leis existentes; e nos processos de liberdade

condicional, se discute se o escravo em questão já estaria de posse de sua liberdade

antes do fim do cumprimento da condição. Melhor dizendo, questiona-se a existência de

uma posse semiplena, ou quase-posse, no que diz respeito ao estado civil.

A relação entre a posse da condição civil e a propriedade era naquela época uma

das mais complicadas do ponto de vista jurídico, a começar pela própria definição de

posse, como bem o afirmava Coelho da Rocha, em sua obra sobre o direito civil

português:

O artigo da posse é um dos mais embaraçados da jurisprudência: as suas


regras são igualmente difíceis de expor em teoria, como de aplicar na
prática, em razão dos diferentes sentidos que se dão àquela palavra, e das
variadas relações em que se apresenta o foro.

E a variedade de sentidos conferida a esta noção podia ser percebida ainda no

direito medieval português, já que, até pelo menos meados do século XIII, as palavras

posse e propriedade eram designadas por uma única expressão, iur (do latim ius ), o

que indica que eram termos “vacilantes, incertos e confundíveis”, possibilitando a uma

pessoa que obtivesse a propriedade de uma coisa, fosse ela uma fazenda ou uma pessoa,

através do número de anos em que ela estivesse em sua posse, mesmo se estes fossem

poucos. Com o passar do tempo, os conceitos de posse e propriedade foram sendo

dissociados, aumentando o tempo necessário para um possuidor ser considerado

proprietário. Mesmo assim, ainda que o direito de propriedade de algum bem fosse
contestado, a manutenção da posse continuava a ser garantida ao possuidor enquanto

não se provasse o contrário, como enfatiza Correia Telles em seu Digesto Português:

“Título XIII: Dos direitos e obrigações que resultam da posse


O possuidor presume-se senhor da coisa enquanto não se prova o
contrário. Entretanto que outro não prova, que a coisa é sua, é o
possuidor desonerado de mostrar o título da sua posse. Em paridade de
direitos é o possuidor da melhor condição que qualquer outro. Todo
detentor, ou possuidor deve ser protegido pela Justiça contra qualquer
violência que se pretenda fazer”.

Nos casos de demanda pela liberdade, quem é o “senhor da coisa”? O senhor do

escravo – sendo o escravo a “coisa” – ou o escravo, sendo a “coisa” a liberdade? O texto

permite ambas interpretações, e, como “o possuidor é desonerado de mostrar o título”,

acaba que nem o senhor tem que provar a sua propriedade, nem o cativo pode ser

obrigado a mostrar a carta de alforria, ainda mais porque, nestes casos, supostamente

deve prevalecer o privilégio à causa da liberdade.

Esta discussão compõe o cerne do processo mais espinhoso de Rebouças,

justamente porque se tratava da liberdade condicional, em jargão jurídico chamado de

quase-posse. Nestes casos, a questão básica é: quando um escravo recebe a alforria

condicional, ele entra imediatamente na posse da liberdade, ou só quando acabar de

prestar os serviços?

Rebouças, neste processo, era o advogado da senhora D. Anna, que pretendia

manter o africano Joaquim Rebollo como seu escravo até que ele acabasse de pagar o

que lhe devia, e só então entraria na posse de sua liberdade. O advogado do escravo

alegou que, mesmo faltando uma parte do pagamento do pecúlio, seu curado já poderia

ser libertado, porque qualquer pessoa é presumidamente livre e, além disso, ele já tinha
a posse de sua liberdade. Sua primeira alegação neste caso não deixa de ser interessante;

disse que

... pretende-se o Embargante fazer aplicação do princípio, natural e


legítimo, de se ter por livre enquanto se não prova que seja Escravo,
como se fosse Índio ou, ao menos, nascido neste País. Mas, sendo o
Embargante Africano, dizendo-se Joaquim Rebolo, (...) o princípio
procedente é que (...) continuaria a ser Escravo enquanto não provasse
ser liberto (...).

Mesmo escrevendo depois das duas leis de proibição do tráfico negreiro para o

Brasil, já que o processo tem início em 1861, Rebouças tentava refutar a possibilidade

de estar lidando com um africano livre, como tantos que desembarcaram na costa do

país pouco depois da definitiva abolição do comércio de escravos. Ou seja, por mais que

possivelmente concordasse que um brasileiro, de qualquer cor, fosse presumidamente

livre, usava do artifício de considerar qualquer africano escravo, única e exclusivamente

pelo fato de ter – ele mesmo, ou seus antepassados – chegado ao Brasil escravizado.

A alegação não chegou a dar resultados. Mais adiante, discutindo questões

efetivamente jurídicas, nosso advogado passou a argumentar que os serviços deviam

primeiro ser cumpridos, para só então a liberdade poder ser concedida e o libertando

poder tomar posse de sua liberdade; até então, este não poderia ser chamado de liberto:

D. Anna Garcia Duarte, atualmente casada com o Apelante, sucedeu no


domínio e posse do Escravo Joaquim Rebollo, ora Apelado, por
falecimento de seu pai Miguel Garcia Duarte e de sua Mãe D. Bernarda
Jesuína da Silva (...). Assim, pois, em favor da liberdade do escravo
Joaquim Rebollo para com sua senhora D. Anna Garcia Duarte o mais
que se lhe poderia fazer judicialmente seria dar e pagar-lhe o preço em
que fosse avaliado (...), para que, ao depois de completamente soluto,
pudesse entrar na posse dela.

O argumento de Rebouças é compreensível do ponto de vista jurídico: pelo

direito português, e por extensão também pelo brasileiro, que neste caso havia mantido
as regras romanas, a propriedade só era adquirida no momento em que o comprador

tomava posse do bem. Antes de isto acontecer, quem adquiriu algo não podia ser

considerado proprietário, ainda que tivesse um contrato que o provasse. Segundo esta

lógica, no caso de Joaquim Rebollo, de nada adiantaria haver um contrato com o senhor

que garantisse a transação comercial da sua liberdade; enquanto ele não saldasse a

dívida, não estaria na posse plena de sua liberdade.

Mas o curador Domingos de Andrade Figueira questionou inteiramente a

formulação de Antonio Rebouças, defendendo que, na verdade, o que este chamou de

posse de liberdade é a “obrigação toda pessoal de prestar certos serviços”. Ou seja: este

último argumento propunha a diferenciação entre a posse, na qual o escravo entraria no

momento mesmo de sua libertação, e a obrigação de prestar serviços, garantida por um

contrato, já firmado entre partes iguais em direito:

Contém o papel de fl 17 um contrato entre o apelado [Joaquim Rebollo] e


a mulher do apelante [D. Anna Garcia Duarte], que lhe garantiu a
liberdade mediante a quantia de R$ 600:000, sendo recebido já por conta
R$206:000 (…). Por esse contrato, de que se passaram dois exemplares
para as duas partes contratantes um para cada uma, ficou o apelado
liberto e manutenido por efeito da livre e espontânea vontade de sua
senhora (…).

O argumento de Figueira é interessante; o problema é que, como os juízes logo

lhe fizeram ver, ele não se aplicava ao direito brasileiro; na realidade, este advogado fez

uso do conceito de transmissão de propriedade estabelecido pelo direito francês

posterior à Revolução. No código civil daquele país, determinou-se que a transmissão

da propriedade devia se fazer através do contrato; assim, havendo um acordo, a

propriedade não dependeria da posse. Quer dizer, sem o mencionar explicitamente, o


curador do escravo tentou usar de uma nova legislação para aplicá-la aos diferentes

costumes do país, em prol de sua boa causa.

Ao usar deste recurso jurídico, Figueira não estava sendo ingênuo, nem mostrava

desconhecimento da legislação do país onde atuava. Na realidade, o fato de cada um

destes advogados usarem de uma concepção diferente acerca dos conceitos de posse e

aquisição de propriedade apenas demonstra como elas estavam sendo disputadas

naquele momento, e não apenas em relação à escravidão. Afinal, apesar de

jurisconsultos como José Antonio Pimenta Bueno, o mais importante comentador da

Constituição imperial brasileira, definir o direito de propriedade como “a faculdade

ampla e exclusiva que cada homem tem de usar, gozar e dispor livremente do que

licitamente adquiriu, do que é seu, sem outros limites que não sejam os da moral ou

direitos alheios”, na Constituição estava escrito que o direito de propriedade era

garantido em toda a sua plenitude “se o bem público legalmente verificado exigir o uso

e o emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela.”

Quer dizer, a propriedade era absoluta, mas não totalmente absoluta.

Pimenta Bueno, portanto, não enfatizava que, além dos limites da moral e dos

direitos alheios, havia também a faculdade de o Estado – “o bem público” – intervir nas

relações de propriedade, ainda que indenizando os proprietários, com a capacidade de

decidir quais bens deveriam ser confiscados, e por que razões. Isto era, inclusive,

percebido pelos contemporâneos, como o deputado-advogado Urbano Sabino Pessoa de

Mello, que, ao discordar da aposentadoria forçada de magistrados pelo governo,

argumentou:
O nobre deputado, sr. presidente, trouxe também outro argumento; quis
argumentar com o exemplo da desapropriação; disse: -- a constituição
garante o direito de propriedade -- entretanto mandou marcar os casos em
que pode ser desapropriada. A segunda parte desse artigo da constituição
destrói o argumento do nobre deputado. A constituição garante o direito
de propriedade, mas faz exceção; manda fazer uma lei dos casos em que
um cidadão pode ser desapropriado.

Por isso, pode-se deduzir que a consideração da propriedade como um bem

inviolável não poderia de forma alguma ser considerado um consenso àquela época.

Mais do que isto, para alguns juristas, seria impossível vir a considerar a propriedade

como um direito absoluto, enquanto a legislação que a regulasse não fosse mais clara,

como argumentou Correia Telles:

Ao Leitor
Ainda que no I Livro tit XIV fica dito, em que consiste o direito de
propriedade, as espécies dela, os abusos que pode fazer o proprietário, e a
ação de reivindicação, que as Leis lhe concedem (…); contudo o assunto
é tão vasto, que ainda nos resta matéria para outro Livro, em que há de
tratar dos outros diversos modos de adquirir a propriedade, modos de a
gozar e administrar, e modos de transferir por derradeira vontade.
Enquanto a Legislação Civil não for mais clara, do que tem sido até
agora, por causa das dificuldades, que oferecem os volumosos Corpos do
Direito Romano, escritos em língua morta, e de poucos entendida: não se
pode esperar-se boa execução do artigo da Carta = É garantido o Direito
de Propriedade em toda a sua plenitude =

Mais uma vez, esta situação não era específica do Brasil ou da tradição jurídica

que havia herdado de Portugal. Na França, apesar de a Declaração Universal dos

Direitos do Homem de 1789 estabelecer que a propriedade era natural, imprescritível,

sagrada e inviolável, não havia um consenso sobre o conceito de propriedade, e mesmo

o código civil continuou adotando simultaneamente elementos das tradições jurídicas

revolucionária e do Antigo Regime, além de contribuir com uma definição de

propriedade tão vaga quanto a anterior, qual seja “o direito de gozar e de dispor das
coisas da forma mais absoluta, desde que delas não se faça um uso proibido pelas leis

ou pelos regulamentos.”

A ausência desta definição, que perdurou por todo o século XIX, fez com que

muitas questões referentes à propriedade privada, familiar, coletiva, comunitária e

pública na França fossem de difícil resolução, até porque alguns direitos que tinham

suas origens no Antigo Regime não foram revogados. Como mostrou Thomas Kaiser, os

juristas de fins do século XVIII francês passaram por maus momentos ao tentar

solucionar os problemas relativos ao direito alodial e ao tipo de propriedade em que os

antigos feudos seriam transformados, mesmo depois da célebre noite de 4 de agosto de

1789, quando a destruição do feudalismo foi decretada pela Assembléia Constituinte

francesa.

Na realidade, a definição da propriedade no código civil francês como sendo

absoluta tem origem na concepção de Locke, depois assumida por Pothier e Portalis, de

que a propriedade era uma criação anterior à existência do Estado, ou seja, que o

homem, em estado natural, teria o direito de se servir daqueles bens que tomasse para si;

mas, como os homens também haviam consentido em formar a sociedade e o Estado, a

propriedade também teria suas leis derivadas deste contrato. A questão é que esta

concepção continuava sendo um contrasenso: a propriedade era simultaneamente de

direito natural – e, portanto, absoluto – e sua regulamentação, ou a garantia de que o

Estado iria protegê-la, era um direito positivo, porque fundamentado nas relações

sociais.

Há que se entender as circunstâncias pelas quais a Declaração dos Direitos do

Homem e, depois, o código civil, foram promulgados; naquele momento, depois da


abolição da propriedade feudal durante a Revolução, era importante proteger os bens

daqueles que compraram as antigas terras pertencentes a membros da nobreza, e

garantir que não haveria contra-revolução capaz de tirar os novos proprietários para

restaurar a terra aos antigos donos. Mesmo assim, a possibilidade de restrição da

propriedade, possível pela ausência de boa definição do termo, continuava inquietando

vários juízes. O Cours et Tribunaux de France tentou legislar sobre a interpretação deste

conceito na Declaração dos Direitos do Homem, estabelecendo que “ninguém poderá

ser constrangido a ceder sua propriedade se não for por uma causa pública, recebendo

justa e prévia indenização”, mas o esforço parece ter sido em vão, já que as dúvidas

persistiram.

Em outros países, como o Canadá, as concepções medievais de propriedade

continuaram existindo, muitas vezes em conjunto com as mesmas concepções modernas

adotadas a partir do Código Civil francês, até bem mais recentemente. Lá, em termos

jurídicos, o feudalismo continuou a existir até 1856. No caso dos países que adotam a

common law, o regime de aquisição e transmissão de bens, mesmo com a promulgação

das Real Property Laws em 1922 e 1925 na Inglaterra, continuou permeado pela

terminologia de tempos medievais.

Voltando a Portugal, apesar da tentativa de instituição de uma definição da

propriedade como sendo plena e absoluta desde a metade do século XVIII, baseada

exclusivamente no direito natural, as ambigüidades do termo continuaram por muito

tempo a fazer parte do cotidiano jurídico deste país, e também daqueles que herdaram

sua tradição jurídica, como o Brasil, como o mostram as citações das obras de doutrina

e jurisprudência publicadas em meados do século XIX. No caso brasileiro, para


continuar apenas na propriedade fundiária, a promulgação da Lei de Terras em 1850 e

os conflitos entre latifundiários e posseiros que a ela sucederam também demonstraram

a existência de concepções distintas acerca deste tipo de propriedade, como apontou

Márcia Motta.

Com esta discussão, não se pretende refutar a idéia de que o caráter da

propriedade estava mesmo mudando em vários lugares no século XIX. Obras como a

Declaração dos Direitos do Homem, o código civil na França e as Constituições, no

caso português e brasileiro, foram essenciais, e não só para a efetiva mudança nas

formas de aquisição de propriedade. Estes textos marcaram também uma importante

mudança na linguagem sobre a propriedade, fazendo com que o discurso sobre a sua

legitimidade passasse a girar em torno dos direitos naturais, e não mais dos privilégios

de certos grupos. Mesmo reconhecendo este movimento de modificação do conceito de

propriedade, e que, na prática cotidiana, é muito mais difícil mudar estas relações do

que enunciá-las em documentos, há que se atentar para o fato de que a dogmática

oitocentista foi dominada pelo paradigma da propriedade absoluta sem que, no entanto,

isto tivesse acontecido. A idéia da propriedade como sendo absoluta era uma falácia,

mas era de tal forma disseminada que é possível que pessoas como Pimenta Bueno e

Rebouças, de tanto querer que ela se transformasse em realidade, acabassem nela

acreditando.

De qualquer forma, ao ser analisado de perto, este amplo movimento histórico da

transformação do conceito de propriedade nos tempos modernos certamente aparecerá

como um emaranhado de concepções e costumes distintos sobre a forma de tratar os

bens legítima e ilegitimamente adquiridos. Até porque, para muitas das situações só
ocorridas a partir de meados do século XIX, não havia legislação específica. Este era o

caso da quase-posse: a última peça de legislação que havia sido escrita sobre o assunto

estava nas Ordenações Filipinas, e a base de toda a interpretação posterior de advogados

e juízes eram as próprias interpretações feitas por juristas. Assim, era de se esperar que

houvesse opiniões divergentes, conforme a corrente jurídico-política a que cada

advogado se filiasse. A maioria dos jurisconsultos luso-brasileiros, no entanto, optou por

manter, neste caso, a primazia do direito romano; assim também o fez a banca naquele

caso do Rebouças, que com ele concordou e referendou as regras de direito existentes,

baseando-se na premissa de que Joaquim Rebollo realmente teria que ter provado a

posse da liberdade.

Mas Domingos Figueira não desistiu; ele provavelmente percebeu que, enquanto

mantivesse sua argumentação em torno da discussão jurídica da propriedade,

dificilmente seria bem-sucedido. Neste caso, apelou para a estratégia usada pela maioria

dos curadores em processos deste tipo: deslocou seu foco, passando a sustentar que a

liberdade era um tipo de propriedade diferente das outras, e que por isso merecia ser

julgada por regras de exceção, como recomendava a ord. liv 4 tit 11 par 4:

... é corrente em direito que as coisas incorpóreas e entre elas os direitos e


entre estes a liberdade não são suscetíveis de verdadeira posse, (...) se
não somente de uma quase posse, que se adquire com o mesmo direito ou
coisa incorpórea possuída (...). É ainda corrente em direito e recebido de
textos expressos de Direito Romano (...), que a quase posse da liberdade
adquire-se e conserva-se com o mesmo estado de liberdade,
independentemente de atos de exercício (...); que o estado de liberdade
uma vez adquirido torna-se imperecível, imprescritível, inalienável e por
isso mesmo não pode o seu não exercício autorizar a suposição de
interrupção ou cerração da quase posse (...).
Trocando em miúdos, o curador argumentou que a liberdade, como quase-posse

que era, nunca podia ser revogada, mesmo que não fosse exercitada no tempo em que o

ex-escravo estaria prestando serviços. Novamente, o argumento de Figueira esbarrava

no direito vigente, a partir do qual “a posse de direitos que não dependem da posse da

cousa corpórea só se adquire pelo exercício dos mesmos direitos.” Assim, a quase-posse

só se consumaria se o escravo em questão estivesse no exercício da liberdade. Não era o

caso. E esta era opinião unânime de todos os juristas, havendo até mesmo aqueles, como

Francisco de Paula Batista, que haviam acabado de publicar suas obras de

jurisprudência, que consideravam esdrúxula e antiga a própria consideração do conceito

de quase-posse, justamente porque a transmissão da propriedade só se dava depois da

tomada da plena posse:

O pretor não podia dar o domínio a quem não o tinha; quase dominio é
mera ficção (…). Não venho crear novidades; mas cumprir o dever, em
proveito do ensino, de explicar as ficções como ficções, e as verdades
como verdades.

Acontece que todos estes juristas, ao escreverem sobre o assunto, não se

referiam expressamente ao conceito de quase-posse em relação à escravidão e à

liberdade de indivíduos. Na realidade, em termos jurídicos, a especificidade da quase-

posse em relação à escravidão nunca foi estabelecida. Isto fazia com que uma definição

abstrata pudesse ser considerada válida para este caso, e que, portanto, estritamente

segundo a legislação, o argumento do curador Domingos Figueira não fosse suficiente

para convencer os juízes. E foi realmente o que aconteceu: os doutos magistrados em

questão consideraram que Rebollo permaneceu sendo escravo enquanto estivesse


prestando serviços, e que só entraria na posse de sua liberdade quando acabasse de

pagar o que devia. Antonio Pereira Rebouças, portanto, foi bem-sucedido nesta ação.

É interessante que Figueira, ao usar de dois conceitos distintos de propriedade

para tentar convencer os juízes, tenha apelado para duas tradições jurídicas conflitantes

no século XIX: aquela que admitia a primazia do direito romano sobre outras fontes

mais modernas de direito, no argumento da quase-posse, e as novas formas de

transmissão de propriedade estabelecidas pelo código civil francês. Rebouças também

fez uso das tradições jurídicas romana e portuguesa para defender o argumento

contrário, o que mostra que, mesmo em diferentes argumentações jurídicas – e, neste

caso, tratava-se também de diferentes posições políticas –, o caráter abstrato das leis no

Brasil tornava possível o recurso a argumentos de diversas origens, embora nem sempre

este procedimento fosse considerado legítimo; neste caso, por exemplo, não foi.

Apesar de derrotada, a posição de Figueira estava longe de ser marginal, desde

pelo menos meados da década de 1850. Afinal, há alguns anos esta mesmíssima questão

havia sido discutida no Instituto dos Advogados Brasileiros, quando o advogado

Caetano Alberto Soares, conhecido por suas atuações jurídicas favoráveis à libertação

de escravos, atento para a freqüência da doação de alforrias condicionais e preocupado

com as disparidades de interpretações defendidas sobre o assunto, formulou a seguinte

pergunta a seus colegas:

Sendo muito usual entre nós deixar qualquer em seu solene testamento
escravos forros com obrigação de servirem a alguma pessoa, enquanto
esta for viva, ou por certo espaço de tempo; e não menos freqüente
deixar os escravos para servirem temporariamente a alguém, e se lhes dar
a carta de liberdade, findo esse prazo, pergunta-se: 1o.) Na primeira
hipótese, se for escrava, e tiver filhos durante o tempo, que era obrigada a
prestar serviços, os filhos serão livres, ou escravos? Se livres, serão
também obrigados a prestar serviços? Se escravos, a quem pertencerão?
2o.) Na segunda hipótese e verificadas as mesmas circunstâncias, terá
lugar a mesma decisão ou diversa?

E ele mesmo sumarizou as opiniões dos colegas, inventariando as diferentes

posições existentes sobre o que seria uma questão preliminar: seriam estas duas

hipóteses idênticas, no que se refere ao estatuto jurídico do escravo enquanto cumpre o

tempo de trabalho estipulado? Com a licença do tamanho da citação,

Para fundamentar a identidade dessas duas hipóteses, alegou-se: 1o.) que


a natureza compõe-se de pessoas e coisas, e por isso, onde a lei permite a
escravidão, o escravo é necessariamente coisa, enquanto não é pessoa;
2o.) que a liberdade é indivisível; e portanto, se os escravos da questão
fossem declarados livres, não se lhes poderia tirar (...) a mais pequena
parte dos direitos que constituem a liberdade; 3o.) que o serviço coacto,
que presta o escravo, absorve a liberdade, e constitue o homem no estado
oposto a esta; 4o.) que servir como escravo, e ser escravo, são sinônimos;
porque a obrigação de servir no escravo não depende de sua vontade; 5o.)
que o serviço livre é resultado de um contrato, sendo a expressão de uma
só vontade.
Alegou-se em contrário para sustentar a diversidade das duas hipóteses:
1o.) que a escravidão, fundada no suposto direito de guerra de poder
matar o cativo (...), tivera diversas fases, e passara por diferentes
modificações no Direito Romano, e uma destas fora a que lhe dera
Justiniano na L.1a. Cod. comm. de manum, onde estabelecera que, dando
o senhor a liberdade ao seu escravo, ainda que este ficasse sujeito a
prestar serviços por algum tempo, ou durante a vida de alguém, servisse
ele à semelhança do escravo (quasi servus) durante esse tempo marcado,
mas que fosse desde logo liberto e como tal pudesse adquirir para si e
para seus herdeiros (...); 2o.) que a nossa legislação, longe de cercear
esses favores, dados à liberdade dos escravos pela Legislação Romana,
acrescenta que em favor da liberdade são muitas coisas outorgadas contra
as regras gerais de Direito (...); 3o.) que permitindo a lei constitucional
dispor cada um do que é seu, como bem lhe aprouver, daí se segue que as
disposições testamentárias, nas duas hipóteses propostas se deverão
observar literalmente (...); 4o.) que nas hipóteses da proposta o testador
deixa dois legados diversos, um da liberdade ao próprio escravo, e outro
do usufruto dos serviços deste por certo tempo; e tanto um, como o outro
legado, devem sortir todo o seu efeito, como se fossem deixados a outras
pessoas, isto é, se a propriedade do escravo fosse deixada a outro (...), e o
usufruto por certo tempo a pessoa diversa.
Encerrada a discussão decidiu o Instituto por maioria absoluta, que as
duas hipóteses eram diversas, não só na forma da redação, mas também
no fundo da questão; porque na primeira a escrava ficava desde logo por
morte do testador no gozo do direito da liberdade, que lhe fora legada, só
com o ônus de prestar serviços por certo tempo, e na segunda a escrava
ficava, sim, com o direito à sua liberdade, findo certo tempo, mas o gozo
desse direito ficava dependendo do tempo marcado, se a este prazo ela
sobrevivesse.

A diferença estabelecida pelos bacharéis do Instituto referia-se, então, ao

momento de doação da carta de alforria, se antes de realizados os serviços, ou depois;

no caso da concessão por testamento, eles decidiram que a liberdade já estava dada e o

indivíduo manutenido em plena posse de seus direitos, acontecesse o que acontecesse.

Seus filhos, inclusive, como continua o debate, também o seriam, livres da

eventualidade de serem os serviços de suas mães a eles transferidos. A decisão aqui é

oposta à tomada pelo Tribunal da Relação no caso de Joaquim Rebollo. De fato, este

debate teria sido de tal forma polêmico que teria provocado a saída de Teixeira de

Freitas da instituição e o seu rompimento com vários dos eminentes advogados da

Corte, após ter defendido em longa carta que, segundo uma interpretação literal – e,

para ele, a única possível – do direito romano, os filhos das escravas libertadas

condicionalmente deviam continuar sendo escravos, pelo menos enquanto durasse o

cumprimento da condição.

A análise posterior que Perdigão Malheiro fez da questão demonstra bem como

havia muitas soluções jurídicas para o problema, mais favoráveis, inclusive, à própria

idéia de liberdade do que a adotada por Domingos Figueira. Refazendo a trajetória do

conceito romano de statuliber, o escravo com liberdade condicional, Malheiro

argumentou que, inicialmente, o escravo nesta condição assim permanecia até que
terminasse o serviço, mas que, aos poucos, a legislação foi modificando-se no sentido

de considerar que ele podia ser considerado meio liberto, ou, segundo as palavras de

Figueira, já estaria na quase-posse de sua liberdade. À vontade para argumentar que o

statuliber deve ser considerado como livre de direito desde o momento da doação,

Perdigão Malheiro baseou-se no pressuposto da transformação da legislação ao longo

do tempo para, inclusive, defender que a alforria não deve ser considerada juridicamente

uma doação como outra qualquer, porque ela era apenas a restituição ao escravo de “seu

estado natural de livre, em que todos os homens nascem.” Este é um bom exemplo do

alargamento do significado de certas interpretações em dado período; Malheiro tentou

conferir conteúdo jurídico a um argumento já socialmente legítimo em alguns setores da

sociedade.

É justamente isto o que Rebouças não fez. Mesmo quando atuava como curador,

ele considerava a questão da propriedade de seres humanos como se se tratasse de um

bem qualquer; no caso da ação de escravidão, na qual seus curados já tinham a posse da

liberdade, ele não argumentava que o indivíduo, uma vez liberto, não podia mais ser

escravizado. Ao contrário, discorria sobre as situações em que doações não podiam ser

revogadas, referindo-se sempre à condição do doador, e não do beneficiado. Neste caso,

argumentou que, quando as cartas de alforria foram passadas, o casal proprietário estava

na plena administração de seus bens, os outros supostos possuidores haviam desistido

da detenção, e o marido, que libertou escravos contra a vontade de sua mulher, tinha

todo o direito de fazê-lo, já que a doação não constituía mais de um terço do total do

montante do casal. Assim, a impressão que dá é que, não importa qual seja o bem, se a

doação não ultrapassasse o valor estipulado por lei, ela poderia ser feita sem problemas.
Ao realizar este tipo de argumentação, Rebouças estava trabalhando com dois

tipos diferentes de doação de bens, os feitos por cônjuges casados em comunhão de

bens e aqueles legados em testamento. Segundo a legislação adaptada do direito

romano, adotada em Portugal e vigente no Brasil do século XIX, qualquer doação era a

“concessão irrevogável do domínio de alguma coisa a alguém”. Se a doação fosse feita

por um dos cônjuges de um casal, havia algumas limitações: ela nunca podia exceder

um terço do total de bens, e devia ser insinuada se ultrapassasse o valor de 360$000 réis,

no caso de o homem realizar a doação, e 180$000 réis, se fosse a esposa quem tomasse

a iniciativa de alienar uma propriedade sua. No caso das doações por testamento, as

regras eram parecidas, com a diferença de que a aceitação do donatário não era

necessária para que ela fosse feita. Neste caso, também o que importava é que a vontade

do testador fosse obedecida e que seus herdeiros, ou melhor, a viúva, não padecesse na

miséria. Assim, as únicas restrições às doações eram aquelas onde estava em jogo o

direito de propriedade dos outros possuidores.

Pois bem: embora houvesse várias formas de argumentar pelo escravo nos casos

de doação indevida, até porque existiam muitas exceções, quando o caso era de alforria,

Rebouças sempre optou pela discussão da legitimidade da doação. Assim, ainda que

nem sempre ocupasse o papel de defensor do direito de propriedade nos tribunais, no

sentido de atuar a favor do dono da propriedade, já que em muitas causas estava a favor

do escravo, sua linha de argumentação sempre seguiu a lógica do direito de propriedade,

e nunca a primazia da liberdade.

Assim, pode-se perceber que, mesmo defendendo princípios opostos, o

fundamento da questão sempre era formulado da mesma maneira; afinal, suas


argumentações invariavelmente eram iniciadas com a afirmação de que a alforria é um

tipo de doação que não depende da aceitação do beneficiado. Ou seja: a alforria era

enquadrada como uma forma de contrato, a doação, que tratava da transmissão de

propriedade, como tantas diferentes havia. Nesta forma, o dado específico relativo à

escravidão é que o beneficiado não podia recusar a doação: o centro da ação está no

feito do doador, e não no objeto da doação; como qualquer outro bem, a liberdade aqui

também aparece como uma coisa.

É interessante verificar a forma como isto ocorreu no processo em que Rebouças

e Domingos Figueira discutiram a liberdade condicional. Sua primeira intervenção usou

da única lei das Ordenações Filipinas que tratava diretamente da doação da liberdade, a

ord. liv. 4 tit. 11:

A Ord liv 4 no tit 11, que tem por epígrafe: ‘Que ninguém seja
constrangido a vender seu herdamento e coisas, que tiver, contra sua
vontade’, dizendo no 4 que ‘em favor da liberdade são muitas coisas
outorgadas contra as regras gerais de direito’, conclue fazendo consistir,
ao mais, esse favor em se poder libertar o Escravo depois de ter dado e
pago ao Senhor o preço, em que for avaliado, com 20%, assim dizendo:
(…) façam dar e pagar ao Senhor do Mouro, e não seja desapossado dele
até ser primeiro pago de tudo o que houver de haver.

Como Joaquim Rebollo ainda não havia acabado de saldar a sua dívida, para

Rebouças nada mais natural que ele continuasse a ser escravo. Mas para Domingos

Figueira, esta interpretação da ord. liv 4 tit 11 par 4, que nem citava a máxima “são

maiores as razões em favor da liberdade”, não devia ser levada em consideração:

Deixando à margem o que nas razões do apelante se alegou com a Ord liv
4 tit 11 par 4 que invocou com o fim de enredar, e não esclarecer a
matéria dos autos, em si mesma clara e precisa, … Pretende o apelante
que não podia o apelado (…) recorrer à justiça sem depósito prévio da
quantia de R$ 494:000 nele estipulado, ex Ord liv 4 tit 11 par 4. Além de
que esta Ord. roga espécie mui diversa, isto é, trata da ação que tem o
escravo para constranger o senhor a abrir mão de sua propriedade, (…)
não vemos razão para que a falta de pagamento da referida quantia como
de qualquer outra dúvida que contrair o apelado acarrete a reincidência
em escravidão.

Impossível não lembrar do projeto enviado por Rebouças para apreciação na

Assembléia Legislativa em 1830. O que ele tentava regular, já naquela época, era

justamente o uso por ele considerado correto da referida ordenação: aquela que prevê a

concessão da alforria através da compra, e a tomada de posse da liberdade apenas

através do saldo das dívidas. Rebouças pretendia eliminar a frase “são maiores as razões

em favor da liberdade”, justamente para impedir interpretações como a que Domingos

Figueira vinha fazendo nesta ação. Neste sentido, a coincidência, com mais de trinta

anos de diferença, entre as idéias defendidas por Antonio Pereira Rebouças na

Assembléia e as posições encampadas durante este processo deixam poucas dúvidas

quanto às suas reais opiniões. Ao defender a senhora dona Anna, Rebouças não apenas

estava atuando juridicamente, mas pondo em prática princípios nos quais ele mesmo

acreditava.

Afinal, dos vários escravos que Rebouças possuía, a maioria deles herdados de

seu sogro André Pinto da Silveira em favor de um de seus filhos, todos aqueles que

conseguiram a alforria o fizeram através da compra da liberdade. Foi assim com a

africana Leocádia, doada a Anna Rita Rebouças, que comprou a sua liberdade e a de sua

filha Laulina por 900$000, e com o cozinheiro Mileto, que se forrou pela fortuna de

2:500$000. Quando Carolina, esposa de Rebouças, faleceu em 1865, seu testamento

indicava que a escrava Damiana devia entrar em posse de sua liberdade “depois que sua
filha Guilhermina tiver 21 anos e o filho Izidro 14, e se faltar a filha e o filho antes de se

verificarem as idades mencionadas, a mesma Damiana ficará liberta prestando dez anos

de serviço, a qualquer de suas filhas a quem pertencer por tempo de dez anos.”

Damiana, segundo este documento, valia 1:500$000, e, ao que parece, já estava

prestando o serviço dos anos de trabalho, porque no inventário constava a cláusula “e os

seus serviços pelos quatro anos que lhe faltam para entrar na posse de sua liberdade

acham-se avaliados em 600$000.”

Quer dizer, não só o casal Rebouças fazia uso da liberdade condicional como

forma de garantir mais alguns anos de trabalho escravo, como mantinha expressamente

que, para Damiana entrar na posse de sua liberdade, ainda devia prestar serviços por

quatro anos ou pagar a quantia referida. Nada mais de acordo, portanto, com a

argumentação defendida naquela ação de liberdade, e com o projeto de regulamentação

das alforrias proposto à Assembléia Legislativa em 1830. Em plena década de 1860,

portanto, Antonio Pereira Rebouças reforçava a sua interpretação sobre a forma pela

qual escravos conseguiriam ter acesso a direitos civis: através da obtenção de

propriedade.

Ao final, é possível entender-se a centralidade do conceito de propriedade nas

falas de Antonio Pereira Rebouças. Se, conforme foi defendido, é possível estabelecer

relações entre seus discursos jurídicos e políticos, ao atuar em ações de liberdade,

Rebouças não protegia o senhor, mas a propriedade, fosse ela do senhor ou do escravo.

Esta posição demonstra suas inquietações quanto à necessidade de regulamentação das

relações civis, fossem elas quais fossem. No caso de alguém ser dono de mais uma

liberdade que não a sua própria, o que preocupava Rebouças era a obrigação de as
relações entre o proprietário e o sujeito destituído de propriedade serem reguladas por

lei, como qualquer outro contrato.

Assim, a maneira por ele encontrada para defender os escravos não tem nada a

ver com a defesa do fim da escravidão, mas com o reforço da necessidade de

estabelecimento de determinadas relações contratuais, o que é coerente com seus

princípios liberais, demonstrados tanto no campo do direito civil quanto através de sua

atuação política como deputado. No limite, o que se extrai do pensamento de Rebouças

é que o senhor de escravos aparece como aquele que possui a liberdade de outro, não

como quem detém o poder de vida e morte sobre um outro ser. Estes mesmos princípios

liberais, no entanto, não foram suficientes para que Rebouças fizesse a crítica da forma

pela qual foi estabelecida a aquisição daquele tipo de propriedade que era o escravo.

Antonio Pereira Rebouças defendia a inviolabilidade do direito de propriedade como

sendo de direito natural sem se perguntar sobre as origens sociais deste direito, e sem

dar importância ao fato de que este direito, para usar a linguagem dos jurisconsultos da

França revolucionária, constituía uma usurpação dos direitos naturais de outras pessoas.

Se pensasse diferente, teria optado por libertar seus escravos sem requerer indenização,

pagamento ou trabalho.

As indefinições jurídicas de que padecia o direito brasileiro nas décadas de

1850 e 1860 tornavam possível que tanto a leitura de Rebouças quanto a abordagem de

Figueira pudessem ser consideradas válidas. Um simples exemplo é bastante

significativo desta possibilidade: quando decidiu mudar a estratégia de sua

argumentação, da lógica sobre o direito de propriedade para a questão da


excepcionalidade das leis sobre a escravidão, Domingos Figueira baseou-se nas leis de 1

de abril de 1680 e de 6 de junho de 1755.

Abundantemente citadas durante todo o século XIX, estas duas leis nada

tinham a ver com a liberdade dos escravos descendentes de africanos, mas com a

proibição da escravização de indígenas no Brasil. A primeira trata dos injustos cativeiros

a que os moradores do Estado do Maranhão estavam submetendo os índios; a segunda,

baseada na anterior, comenta que a escravização ilegal dos índios naquele Estado e no

do Grão-Pará não só não tinha cessado, como vinha aumentando. Nos dois textos, é

reforçada a intenção do Rei de Portugal em instruir os índios na fé católica, missão que

“se não conseguirá nunca, se não for pelo próprio, e eficaz meio de se civilizarem estes

Índios”, o que nunca aconteceria se eles fossem reduzidos à escravidão. Nenhuma

citação direta, portanto, que à primeira vista autorizasse o uso destas leis em ações de

liberdade que envolvessem indivíduos de origem africana, ainda que também

ilegalmente escravizados. Mas, mesmo assim, estas duas leis, somadas aos alvarás de 30

de julho de 1609 e de 31 de março de 1680, eram usadas como fundamento jurídico

para justificar qualquer tipo de argumento favorável à liberdade utilizado por advogados

em seus arrazoados.

Quadro 4: Citações de Legislação referentes à escravização de indígenas em ações de


liberdade, 1806-1888
Lei Tipos de Ação Sentença Total
Alvará 30/07/1609 13 alforria 14 liberdade 29
herdeiros 15 escravidão
5 manutenção
liberdade
4 compra
2 ventre-livre
2 alforria senhor
2 manutenção
escravidão
Alvará 31/03/1680 5 alforria herdeiros 6 liberdade 12
2 manutenção 5 escravidão
liberdade 1 outros
2 manutenção
escravidão
1 ventre-livre
1 compra
1 outros
Lei 01/04/1680 12 alforria 16 liberdade 31
herdeiros 17 escravidão
4 manutenção de 2 outros
liberdade
4 manutenção de
escravidão
6 ventre-livre
2 tráfico
5 compra
1 violência
Lei 06/06/1755 3 alforria senhor 20 liberdade 49
14 alforria 28 escravidão
herdeiros 1 outros
10 manutenção de
liberdade
3 manutenção de
escravidão
10 ventre-livre
8 compra
2 violência

Fonte: Ações de Liberdade do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro

Nem por isso, o uso desta legislação era considerado incorreto do ponto de vista

jurídico. Ao contrário, como demonstrado no quadro 4, se estas leis eram tão citadas, era
porque sua utilização fazia sentido no contexto do século XIX, ainda mais porque não

havia outras, mais recentes, passíveis de serem usadas na argumentação. Na realidade,

ao fazer uso de uma lei que não tinha relação expressa com o assunto debatido, além de

chamar a atenção para a inexistência de legislação específica, advogados como Figueira

estavam tentando alargar as possibilidades de interpretação existentes nas ações de

liberdade, justamente em uma época que os chamados novos ventos humanitários

grassavam pelo Império do Brasil.

Afinal, como já amplamente demonstrado pela recente historiografia sobre a

escravidão no século XIX, foi a partir do contexto gerado pelo fim do tráfico atlântico e

pelo aumento do comércio interprovincial de cativos, que escravos passaram a exercer

diversas formas de pressão para conquistar a liberdade, inclusive a arena jurídica.

Embora ainda fosse legal, do ponto de vista jurídico, a escravidão era cada vez

considerada menos legítima por alguns setores da sociedade brasileira de então. Neste

contexto, o direito de propriedade de um indivíduo sobre outro ainda era garantido pela

lei, ao mesmo tempo em que o direito de liberdade era considerado cada vez mais

legítimo, embora não fundamentado em lei. Era o dilema da peteca, da forma como

conceituado por Sidney Chalhoub, baseando-se em crônica de Machado de Assis:

Lá que eu gosto de liberdade, é certo; mas o princípio da propriedade não


é menos legítimo. Qual deles escolheria? Vivia assim, como uma peteca
(salvo seja), entre as duas opiniões (…).

Assim, explorando as possibilidades de interpretação jurídicas existentes

naquele período em função das pressões sociais realizadas por escravos, defensores de

escravos faziam uso da legislação existente. Quanto mais abstrata a legislação utilizada,

mais necessária a introdução de critérios outros para a decisão do caso que não os
estritamente jurídicos. Ou seja: já que as leis não eram claras, a decisão de cada ação

dependia muito das opiniões políticas de quem julgava. Esta abertura jurídica fazia com

que os resultados de processos como as ações de liberdade fossem quase sempre

imprevisíveis, o que constituía um problema para todos. Foi justamente em função deste

estado de coisas que se organizou aquela discussão sobre a liberdade condicional no

Instituto dos Advogados Brasileiros, com o objetivo de orientar as decisões sobre este

tipo de caso e, como se dizia então, criar direito novo. Neste ponto, Rebouças era

decididamente conservador: um processo era um processo, e suas sentenças deviam ser

pautadas em apreciações com base nas regras de direito. Lugar de política era na

Assembléia, e enquanto a lei não fosse formalmente mudada pelos membros do corpo

legislativo, os juízes deveriam continuar julgando de acordo com a legislação em vigor.

Nada mais reprovável, segundo esta visão, do que a atitude do Instituto dos Advogados

Brasileiros. Segundo Rebouças, a atitude correta deveria ser a da formulação de projetos

para serem discutidos na Assembléia, como ele mesmo já havia feito.

Mas, embora a pressão pela mudança nas regras do direito fosse grande nas

décadas de 1850 e 1860, tanto para aqueles que queriam alargar o significado da lei

como para os que pretendiam restringí-lo, esta questão ainda levaria muitos anos para

ser resolvida. Enquanto isso, o campo jurídico brasileiro parecia ser um território aberto

ao exercício de interpretação de advogados e juízes, que decidiam pela liberdade ou

escravização de indivíduos ao seu bel-prazer.


7. Advogados em Ação

Em um trecho de O Coruja, de Bernardo Guimarães, o personagem Teobaldo

interroga-se: “– Pois qual é a missão do advogado, senão empregar meios e modos para

alterar a favor do seu constituinte o juízo feito pelos jurados? Qual é a missão do

advogado senão converter a quem supõe um homem estar tão inocente como no dia em

que vestiu o seu primeiro par de calças?”. Ao ouvir a resposta de que “o advogado serve

para muitas outras coisas; serve para evitar que um inocente sofra a pena que não

merece; serve para...”, ele interrompeu, retrucando:

– Ora qual! (...) O advogado quase nunca se acha convencido da


inocência do seu constituinte. Defende-o, porque a sua vida é defender os
réus, e para isso lança mão de todos os laços e armadilhas da retórica!

Teobaldo não parecia ter a profissão da advocacia em alta conta. Além de ter o

“aspecto de um velho carregado de alfarrábios, tresandando a pé, fanhoso, pedantesco,

sem bigode e de óculos na testa”, o advogado era um sujeito que fazia o que queria das

leis para ganhar a ação, e para isso não economizava sofismas:

No direito tudo admite sofismas; tudo se pode inverter; tudo está sujeito a
mil e um alvarás e a duas mil e tantas reformas!

O interessante é que justamente o que parecia ruim aos olhos do personagem

Teobaldo foi considerado positivo para os estudiosos da relação entre a prática da

advocacia e a escravidão no século XIX. Se o advogado podia interpretar as leis como

bem entendesse, bem que podia fazê-lo por motivos nobres. Como, por exemplo,

libertar escravos.

Tanto Sidney Chalhoub quanto Hebe Mattos, autores pioneiros na análise sobre

as ações de liberdade no Rio de Janeiro oitocentista, ressaltaram o papel fundamental


exercido pelos advogados na libertação dos vários escravos que usaram do recurso à

justiça como estratégia para libertação. Estes advogados teriam contribuído para

comprometer a política de domínio escravista, por discutirem as fronteiras legais entre

escravidão e liberdade e questionarem o “arcabouço jurídico que emprestava

legitimidade à escravidão.” Embora suas principais questões sobre o assunto estivessem

relacionadas, no caso de Chalhoub, à pressão pela liberdade exercida por escravos na

segunda metade do século XIX e, em Mattos, às condições objetivas para realização das

ações de liberdade, como o acesso à justiça e a influência das relações pessoais entre

cativos, libertos e livres no resultado dos processos, não há dúvida de que os dois foram

bastante convincentes ao demonstrar que “o direito foi uma arena decisiva na luta contra

a escravidão.”

Ambos também destacaram a forma como advogados e juízes exploraram a

legislação em vigor na época, argumentando que a multiplicidade de leis existentes foi

usada com o objetivo político de favorecer a libertação de escravos. Neste sentido, foi

Chalhoub quem levou mais longe suas afirmações; citando batalhas jurídicas ocorridas

em algumas ações de liberdade, para mostrar como se davam os embates entre o direito

de propriedade e os princípios de liberdade nos foros judiciários, ele concluiu que,

dadas as várias possibilidades de entendimento dos textos legais, cada advogado e cada

juiz interpretavam estas normas de acordo com as suas próprias posições políticas.

Em termos mais gerais, a questão formulada a partir das conclusões de Chalhoub

tem relação com a própria constituição do direito brasileiro no século XIX: afinal, será

possível extrair proposições sobre as motivações políticas de um advogado ou juiz a

partir de suas condutas profissionais? A polêmica é antiga, já que diz respeito ao caráter
de verdade passível de ser extraído de uma argumentação jurídica, o que tem a ver,

portanto, com a própria concepção de direito e retórica jurídica. A discussão pode ser

remontada às formulações de Aristóteles sobre a distinção entre o conhecimento

apodítico, que aspira à verdade absoluta através da dedução lógica ou da

experimentação empírica, e o conhecimento dialético-retórico, que recorre à

argumentação para defender o que é plausível e razoável. O discurso do direito, de

natureza argumentativa, estaria inscrito nesta segunda concepção, e o papel de seus

agentes profissionais, entre eles os advogados, seria o de deliberar a partir de opiniões

razoáveis geralmente aceites a partir de enunciados normativos gerais, mas não

necessariamente de enunciar a verdade através de seus arrazoados.

Neste caso, pode-se perguntar se as opiniões políticas dos advogados podem ser

realmente percebidas através dos processos e, em caso positivo, quais seriam os fatores

responsáveis por esta definição. Acompanhemos o raciocínio de Chalhoub mais de

perto: citando um processo em que as mãe e filha Rubina e Fortunata alegaram estar

mantidas em ilegítimo cativeiro, ele mostrou como o juiz da segunda vara de direito e,

depois, os magistrados dos tribunais superiores interpretaram de forma totalmente

diferente as razões escritas pelo advogado das requerentes, que usou as Ordenações

Filipinas para tentar comprovar os direitos destas à liberdade. Para Chalhoub, o

primeiro juiz usou, em sua sentença, “argumentos abertamente militantes contra a

escravidão”, enquanto que os outros magistrados, optando por defender as prerrogativas

da propriedade privada, tomaram decisão igualmente política, embora em direção

oposta.
Ao defender, portanto, que os agentes do direito moviam-se em um “campo

aberto de possibilidades” interpretativas, onde “interpretações conflitantes de regras

gerais de direito tinham importantes significados políticos”, Chalhoub conferiu grande

importância ao papel exercido por aqueles bacharéis que, simpáticos à causa da

liberdade, colocaram seus préstimos a serviço dos cativos. Há que se saber, portanto, se

os advogados realmente tinham tanta liberdade interpretativa assim e, em caso positivo,

que uso dela faziam.

O tema da autonomia interpretativa de advogados e magistrados já era velho até

mesmo no século XIX. Havia séculos que ele ocupava as mentes de juristas em todos os

países europeus cuja tradição jurídica remontava ao direito romano-canônico; mais

exatamente, desde que o chamado direito comum começou a ser substituído por aquelas

fontes que eles consideravam ser verdadeiramente nacionais. A questão era que o uso do

direito romano facultava a advogados e juízes uma grande variedade de fontes e

recursos para serem usados na retórica jurídica e na tomada de decisões, o que

inviabilizava qualquer projeto de unificação da justiça. Reduzir as fontes de direito,

portanto, e adotar normas para regulamentar a atividade jurídica faziam parte de uma

mesma problemática, que, em Portugal, pode ser remontada ao século XV, quando da

organização das Ordenações Afonsinas e, consequentemente, da tentativa de unificação

da justiça e da administração do Estado português.

Esta compilação tinha exatamente o objetivo de sistematizar as fontes nacionais,

estabelecendo regras gerais para a aplicação do direito romano-canônico e do costume.

O ponto era de particular importância porque, até então, era o rei que, como árbitro,
assumia o papel de criar o direito, decidindo entre o costume e as tradições canônica e

romana. Este corpo legislativo foi substituído algum tempo depois pelas Ordenações

Manuelinas e, em seguida, pelas Ordenações Filipinas, do início do século XVII; as

duas em quase nada mudaram a primeira compilação, incorporando apenas as leis

posteriores. A primeira organização legislativa, portanto, ainda era a referência básica

para juristas e juízes dos séculos seguintes no que se refere à adoção das fontes de

direito e ao estabelecimento de direito subsidiário: em primeiro lugar, deveria ser usado

o direito local; em segundo, os direitos romano e canônico; depois, as interpretações de

Acúrsio e Bártolo; e, por último, o rei decidiria com o recurso ao costume. Na prática,

porém, o que acontecia era uma inversão dos critérios: a primazia era do direito romano,

e o nacional acabava servindo como subsidiário.

Na segunda metade do século XVIII, nada disso estava de acordo com as

pretensões políticas do Estado português, nem com as discussões jurídicas travadas no

momento em toda a Europa. Na França pós-revolucionária, Robespierre defendia a

abolição da palavra “jurisprudência” da língua francesa, pois “num Estado que tem uma

constituição, uma legislação, a jurisprudência dos tribunais não é outra coisa senão a

lei.” Não foi outro o espírito da criação, naquele país, da Cour de Cassation em 1790:

cassar toda decisão judicial que tivesse feito uma interpretação errada, ou não-

autorizada, da lei.

Pelas mesmas razões, os arquitetos da reforma pombalina em Portugal

entendiam ser fundamental delimitar ao máximo o corpo de leis que servia como base

para tomada de decisões, e também estabelecer em que consistia a atividade de

interpretação, já que “aquilo que os juristas entendem ser o direito vigente, objeto do
seu trabalho construtivo, está longe de coincidir com aquilo que o poder político

autoritariamente lhes definira como tal.” Afinal, a questão do reinado de D. José, tendo

à frente o Marquês de Pombal, era fortalecer o Estado nacional, através do poder

absoluto, da centralização administrativa, da preocupação com a educação laica e da

expulsão dos jesuítas, tidos como “inimigos da independência nacional, contra a coroa,

contra a fé e contra a verdadeira cultura.” A disputa com os jesuítas englobava várias

frentes, entre elas o estabelecimento da censura e fiscalização oficiais de publicações

nacionais e estrangeiras, as reformas educacionais e as jurídicas. Havia excesso de

legislação avulsa, o que aumentava as possibilidades de interpretações díspares, e

carência de respostas legais a situações concretas. Era premente, portanto, uma reforma,

não só do ensino, mas de toda a estrutura jurídica. Era preciso limitar as fontes

utilizadas por juízes, na tentativa de eliminar a doutrina e limitar a interpretação, e

condicionar a vigência do direito romano à sua conformidade com a boa razão. A

utilização dos Index romanos passou a ser vista como um atentado ao projeto do Estado

português.

O esforço no sentido de eliminar a interpretação na doutrina jurídica portuguesa

data mais exatamente de 1768, quando, depois de uma série de decretos, foi

especificado, através da lei de 3 de novembro, que apenas o direito nacional seria

considerado direito expresso de Portugal. Esta determinação foi coroada pela

promulgação da Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769, que, abolindo o título 64

do livro 3 das Ordenações Filipinas, estabeleceu que o direito romano seria

definitivamente considerado subsidiário, o direito canônico só poderia ser aplicado em


tribunais eclesiásticos, e a Casa de Suplicação teria a atribuição de unificar os assentos,

fazendo com que toda a prática jurídica ficasse a ela subordinada.

Assim, a primeira solução proposta para a questão da interpretação foi a

eliminação completa da doutrina. O juiz não poderia interpretar, apenas aplicar a lei em

seu sentido literal; se por acaso esta interpretação literal fosse contra a eqüidade, o rei

determinaria seu melhor uso. Esta utilização da legislação, porém, nunca deveria criar

jurisprudência: a cada caso semelhante, novo apelo ao soberano deveria ser feito. Esta

proposta acabou mostrando-se inviável, já que era impossível recorrer ao governante a

cada dúvida existente. A limitação maior, no entanto, foi a da confecção de leis. Agora,

apenas a Casa de Suplicação de Lisboa – e não mais os Tribunais da Relação do Porto,

de Goa, da Bahia e do Rio de Janeiro – poderia proferir assentos passíveis de utilização

por outras cortes. Assim, a questão da interpretação, naquele momento, ficou reduzida

ao esforço de uniformização das sentenças.

Mas este método não deixou de sofrer suas críticas. No famoso debate entre

Antonio José Ribeiro dos Santos e Pascoal José de Melo Freire sobre a reforma dos

estudos de Coimbra, os dois concordavam que os assentos não deveriam ter tamanho

alcance, nem que tanta fosse a importância dada à Casa da Suplicação na formulação da

interpretação ideal da lei. Santos, particularmente, acreditava que a atividade de

interpretação era parte da lei, e que portanto só aquele que tinha o poder de determinar a

lei – o governante – podia interpretar. Este procedimento, no seu entender, levaria a uma

maior segurança dos súditos, porque, caso contrário, seria impossível prever se a leitura

dos magistrados seria conforme à do legislador. A questão básica desta discussão refere-

se à possibilidade de prever se a interpretação da lei sempre seria feita de acordo com os


ideais então fixados. Ou melhor: o objetivo era o de garantir, para o futuro, a

manutenção dos pressupostos jurídicos firmados com o pombalismo. Neste sentido,

quanto menos gente envolvida com a interpretação das leis, melhor.

No Brasil, mesmo depois da criação dos cursos jurídicos em São Paulo e Olinda,

em 1828, as orientações portuguesas continuaram sendo seguidas, o que foi confirmado

pela maneira como o poder judiciário foi organizado depois da Independência: a

Constituição Imperial e o Regulamento das Relações de 1833 especificaram que cabia

apenas aos Tribunais das Relações e, em última instância, ao Supremo Tribunal de

Justiça interpretar a lei, concedendo ou denegando revistas nas causas pela maneira que

a lei determinasse. Desta forma, uma das maneiras de se reduzir o número de leis

passíveis de utilização nos tribunais era através do cerceamento da prática jurídica.

Assim, na mesma época em que advogados atuantes nas ações de liberdade

colocavam em prática toda a sua criatividade jurídica, aparentemente citando leis e

doutrina a torto e a direito para convencer os juízes do fundamento de seus argumentos,

leis e regulamentos eram promulgados justamente no sentido de refrear esta atividade.

Algo está errado, portanto: ou estas leis nunca foram implementadas, ou faltam dados à

argumentação. Parece que tentar acompanhar esta história apenas através do processo de

formulação e promulgação de leis não nos levará muito longe.

De fato, discordâncias sobre a melhor maneira de encaminhar a interpretação

continuavam a existir entre juristas ao longo do século XIX, mesmo depois da

promulgação do código civil francês em 1804, ápice da tentativa de centralização da

produção legislativa, cujos efeitos se fizeram sentir em toda a Europa: a intenção do

código era justamente a de suprimir todo o passado jurídico – ou toda tentativa de


criação de jurisprudência – e seus comentadores deviam concentrar-se na análise interna

do texto. Como fundamento desta concepção de direito, estava a asserção de que todo o

direito encontrava-se na lei e apenas na lei, cabendo somente ao legislador elaborar o

direito, e ao juiz interpretá-lo através do raciocínio lógico nos pouquíssimos casos em

que isto fosse necessário (assim o achavam os defensores deste método).

Esta concepção, no entanto, levou muitas décadas para se estabelecer no meio

jurídico; até pelo menos a metade do século XIX, as obras de doutrina eram escritas por

juristas ainda imbuídos do uso tradicional do direito romano, que, embora

concordassem com a subordinação ao direito nacional, não admitiam o “princípio da

exclusividade da lei como fonte de direito; para eles, a lei retirava sua força do direito, e

não o direito da lei.” Estes pensadores, fundadores da chamada “escola histórica”,

principalmente na Alemanha, defendiam que era importante interpretar as codificações

civis à luz do direito romano, como fez Savigny, que em 1814 publicou a obra Über den

Beruf unserer Zeit für Gesetzgebund und Rechtwissenschaft (“Sobre a tendência do

nosso tempo para a legislação e a ciência do direito”), na qual combatia a tendência que

tinha preconizado a necessidade de codificação do direito civil alemão.

Em Coimbra, embora o ensino do direito romano e canônico tenha sido

substituído desde as reformas de 1772 pelas cadeiras de Direito Natural Público e

Universal e das Gentes, História Civil dos Povos e Direitos Romano e Português, o

novo sistema de interpretação também levou muito tempo para ser posto em prática. Só

para se ter uma idéia, em 1815 a Mesa do Desembargo do Paço concedeu a Correia

Telles licença para publicar a sua tradução da Teoria da Interpretação das Leis de

Domat, que invocava a preeminência dos conceitos de justiça universal e eqüidade na


interpretação das leis, enfatizando ainda a necessidade de se reportar à intenção original

do legislador, como pode ser percebido no trecho a seguir:

1. É absolutamente preciso interpretar as Leis em um dos dois casos: 1o


quando na Lei se encontra alguma obscuridade, alguma ambigüidade, ou
falta de expressão: 2o quando o sentido da Lei é claro nos termos, mas
conduzir-nos-ia a conseqüências falsas, e decisões injustas (…). A
evidência da injustiça, quer deste sentido aparente resultaria, obriga-nos
então a descobrir pela interpretação não o que a Lei diz, mas o que a Lei
quer, obriga-nos também a julgar pela sua intenção, qual seja sua
extensão e limites, que o seu sentido deve ter. (…)
3. (…) a equidade natural (que é o espírito universal da justiça) forma
todas as Leis, e assina a cada uma seu próprio uso: o conhecimento desta
equidade, e a vista geral deste espírito das Leis é pois o primeiro
fundamento do uso, e da interpretação de qualquer Lei em particular.
6. Portanto para fazer bom uso da equidade na interpretação das Leis não
basta prescindir o que a luz da razão descobre razoável na expressão, ou
extensão, que qualquer Lei pode ter; mas é preciso a este sentimento
juntar ainda uma vista geral da eqüidade universal, para poder discernir
se nos casos ocorrentes algumas outras Leis demandam ou não uma
justiça diferente, a fim de não aplicar alguma fora de seus limites, ou a
fato a que ela não quadra. Sendo em fins as Leis naturais hão de
conciliar-se pela extensão e limites da sua verdade: sendo positivas há e
nelas acomodar-se a eqüidade à intenção do Legislador.”

Nada mais contrário à idéia de interpretação com base exclusivamente no texto

da lei do que a adoção dos conceitos de justiça e eqüidade como critérios para

interpretação jurídica e julgamento de processos. Se havia uma noção sobre a qual não

havia –não há – consenso era a de justiça; afinal, só para ficar no plano das ações de

liberdade, mesmo depois de décadas de lutas nos tribunais, ainda havia quem tentasse

defender – ainda haverá? – que o direito à propriedade privada individual era tão justo e

inalienável quanto o da liberdade, esta também privada e individual.

De fato, o conceito de eqüidade, tão caro aos teóricos do direito natural adotados

em Portugal a partir da reforma pombalina, ainda era central para a forma como a
justiça e o direito eram entendidos em meados do século XIX, o que pode ser percebido

através da adoção como manual universitário do compêndio Institutiones iuris civilis

lusitani de Pascoal José de Mello Freire, um dos responsáveis pela reforma universitária

de Coimbra, baseada em grande parte no direito romano remanescente e na obra de

Heineccius. Este jurisconsulto alemão do século XVIII era então conhecido por

organizar e também refutar certos aspectos da obra de Hugo Grotius, considerado o pai

da moderna concepção de direito natural. Para Heineccius, o direito natural era

o conjunto das leis que Deus promulgou ao gênero humano por meio da
reta razão. Se se quer considerá-lo como ciência, a jurisprudência natural
será a maneira prática de conhecer a vontade do legislador supremo, tal
como se expressa pela reta razão.

Este autor acreditava, portanto, que a lei era expressão da vontade de Deus, e

neste ponto afasta-se das premissas básicas de Grotius de que a justiça e o direito

deviam ser definidos a partir de bases laicas, distintas tanto da política quanto da

religião. A lei seria, para o primeiro, uma necessidade social, ditada pela consciência

humana, mas esta consciência, a razão, seria determinada pelos desígnios divinos. Ela

não faria mais do que permitir o conhecimento das leis de Deus. A grande questão de

Heineccius a partir daí foi a de como harmonizar esta norma suprema com a liberdade

do homem, a ordem natural com a conduta individual. Neste sentido, considerava

importante delimitar o poder temporal e o poder eclesiástico, fundando também a

sociedade na vontade divina. Aliás, seria justamente a sociedade perfeita o que provaria

a existência de Deus.

Heineccius, portanto, tornou-se célebre por defender uma versão teológica do

direito natural moderno, sendo sua obra bastante popular em Coimbra, principalmente
depois que o livro Elementos de Filosofia Moral foi traduzido para o português, por

volta de 1785. Mesmo que, depois dos projetos de reforma educacional de Mello Freire,

o direito natural em Portugal tenha-se tornado mais concorde às noções de Grotius, a

obra daquele autor continuou a ser utilizada como referência para as obras sobre

doutrina que eram citadas nos processos, como a de Almeida e Souza, contribuindo para

perpetuar o uso dos conceitos de eqüidade e justiça em sua versão católica.

Embora o uso da eqüidade continuasse sendo recomendado daí em diante, as

obras de doutrina e jurisprudência publicadas em meados do século XIX já começaram

a oferecer uma leitura mais restrita sobre a interpretação. Em seu Curso de Direito Civil

Português, Antonio Ribeiro da Liz Teixeira, ao discorrer sobre a necessidade de

interpretação das leis, as regras existentes para tal e os vários tipos de interpretação que

podem ser usadas pelo legislador ou pelo jurisconsulto, justificava que

Nem sempre o Legislador pode acautelar e prever todas as espécies


possíveis, e que, como tais, se realizam depois da Lei promulgada:
também, por mais atento que ele seja, não pode constante e totalmente
evitar que as palavras, de que usa, se não façam suscetíveis de vários e
diferentes sentidos.

Liz Teixeira enfatizava que nenhuma lei civil podia ser interpretada em um

sentido que lhe alterasse o significado original, mas ao mesmo tempo dizia que, como a

legislação civil era baseada no direito natural, o intérprete devia antes de tudo se basear

na eqüidade para resolver a obscuridade da lei, principalmente se ela oferecer muitos

sentidos. O mesmo sublinhou Francisco de Paula Batista no Compêndio de

Hermenêutica Jurídica…, na parte relativa à hermenêutica jurídica. Este autor, além de

conceituar a interpretação única e exclusivamente como “a exposição do verdadeiro


sentido de uma lei obscura por defeitos de sua redação, ou duvidosa com relação os

fatos ocorrentes ou silenciosa” – definição nem tão restrita assim –, ainda discordava de

Savigny, que considerava a interpretação como parte integrante da aplicação de

qualquer lei à vida real, definindo esta como a própria reconstrução do pensamento

contido na lei. Para Paula Batista,

Uma semelhante doutrina, tão vaga e absoluta, pode fascinar o intérprete,


de modo a fazê-lo sair dos limites da interpretação para entrar no
domínio da formação do Direito. Ou existem motivos para duvidar do
sentido de uma lei, ou não existem. No primeiro caso, cabe interpretação,
pela qual fixamos o verdadeiro sentido da lei, e a extensão do seu
pensamento: no segundo, cabe apenas obedecer ao seu preceito literal.
(…) É verdade que a todo escrito acompanha a condição natural de dever
ser entendido segundo o pensamento de seu autor; mas daí não se segue,
que em todo o escrito se dê a necessidade de tornar esta condição efetiva
pelo ato positivo da interpretação.

Como indicam as citações acima, as diferenças entre Liz Teixeira e Paula Batista

apontam efetivamente para uma tentativa de restrição da interpretação, principalmente

por parte de juízes, a partir da metade do século XIX. Mas a tabela abaixo, que contém

dados relativos ao percentual de citação de obras de doutrina e jurisprudência nas ações

de liberdade, demonstra que este movimento levou um bom tempo para ser consolidado,

dada a abundância de livros citados que partem de pressupostos opostos sobre a

interpretação. Embora a grande maioria das referências seja feita a livros que contém

regras sobre o andamento processual, como o best-seller Primeiras Linhas Sobre o

Processo Civil, de Joaquim José Caetano Pereira e Souza, as obras Direito Civil de

Portugal, de Borges Carneiro, e Digesto Português, de Correia Telles, escritos no início

do século XIX, baseavam-se nos pressupostos divulgados por Heineccius, enquanto que

Instituições de Direito Civil Português, de Coelho da Rocha, e Curso de Direito Civil


Português, de Liz Teixeira, sobre o mesmo assunto e escritos posteriormente, basearam-

se em uma concepção laica do direito natural.


Tabela 5: Autores citados nas ações de liberdade, 1806-1888
Autores 1806-1831 1832-1849 1850-1870 1871-1888
Agostinho M. - - 2% 10%
Perdigão
Malheiro, A
Escravidão no
Brasil
Almeida e
Souza (Lobão),
Segundas 4% 9% 5% 5%
linhas sobre o
processo civil
B o r g e s - 6% 4% 5%
Carneiro,
Direito Civil
de Portugal
Coelho da
R o c h a ,
Instituições de - - 3% 5%
Direito Civil
Lusitano
Correia Telles,
D i g e s t o 4% 15% 7,5% 6%
Português
Gouveia Pinto, - 1% 1% -
Manual de
Apelações e
Agravos
Heineccius,
Elementos de
- 1% 1,1% 2%
Filosofia
Moral
Liz Teixeira,
Curso de
- - 0,5% 1%
Direito Civil
Português
Mello Freire,
Instituições de
4% 6% 1,7% 4%
Direito Civil
Lusitano
M o r a e s
Carvalho, 6% 1% 4% 4%
Praxe Forense
Paula Batista,
Compendio de
teoria e - - 0,5% 1%
prática do
processo civil
Pereira e
S o u z a ,
Primeiras 17% 26% 10% 12%
Linhas sobre o
Processo Civil
P i m e n t a
B u e n o ,
Apontamentos
sobr as - - 1,5% 2%
formalidades
d o p ro c e s s o
civil
P o t h i e r ,
Tr a t a d o d a s
Obrigações - 1% 2% 2%
Pessoais e
Recíprocas
Savigny,
Tr a t a d o d e
- - 0,1% 3%
D i r e i t o
Romano
Souza Pinto,
Primeiras
- - 2% 2%
Linhas sobre o
Processo Civil
Ramalho,
P r a x e - - 1% 8%
Brasileira
Te i x e i r a d e
F r e i t a s ,
- - 1,5% 6%
Consolidação
das Leis Civis
Trigo de
Loureiro,
Instituições de - - 1% 1%
Direito Civil
Brasileiro
Va l a s c o ,
Allegationes
2% 3% 0,2% 1%
super várias
matérias
Outros 63% 31% 50,4% 20%
TOTAL 100% 100% 100% 100%
Fonte: Tribunal da Relação – Arquivo Nacional-RJ.

A partir dos dados apontados nesta tabela, apesar da recorrência da citação de

algumas obras, pode-se ver que havia uma grande quantidade de livros comumente

citados nas ações de liberdade, e filiados a distintas concepções de direito. O quadro

vislumbrado a partir desta descrição, portanto, revela a existência de duas correntes

concomitantes, uma que propugnava a limitação da interpretação, no espírito da Lei da

Boa Razão, e outra que incentivava a argumentação e o julgamento amplos a partir de

conceitos como o de eqüidade e justiça, fundados naquelas fontes de direito romano que

ainda estavam em vigor. Resta saber a que corrente se filiavam os advogados em

atuação nestas ações de liberdade, e se a adoção de uma efetivamente implicava na

rejeição da outra. Em termos práticos, a pergunta é simples: como se diria hoje em dia, a

Lei da Boa Razão, afinal, pegou ou não pegou?

Embora formulada de outra forma, esta pergunta já foi feita antes. Correia Telles,

em seu Comentário Crítico à Lei da Boa Razão, publicado em 1845, achava que não.

Para ele, um sinal de evidência da aplicação desta lei seria o número de assentos

proferidos pela Casa de Suplicação a partir de sua promulgação, já que a partir de então

a interpretação cabia apenas a esta instituição; como encontrou cinquenta e oito entre

1769 e 1800, número que considerou diminuto, concluiu que a jurisprudência não foi

efetivamente unificada neste período. Arno e Maria José Wehling chegaram à conclusão
oposta, analisando processos que passaram pelo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro.

Por terem encontrado muitas ações cujas argumentações eram baseadas na Lei da Boa

Razão, e o uso do direito romano apenas nas partes em que esta lei indicava, ou seja,

quando não havia legislação nacional a respeito, eles chegaram à conclusão de que a

legislação pombalina foi efetivamente observada, tanto em relação à submissão do

direito romano ao direito nacional quanto à limitação da interpretação.

Tudo indica que os dados dos Wehling, embora ainda careçam de investigações

posteriores, devam ser confirmados quanto à aplicação da Lei da Boa Razão e à efetiva

substituição do direito romano utilizado. De fato, nas ações de liberdade que pararam no

mesmo Tribunal da Relação por eles analisado, a mesma lei é mencionada diretamente

em dezenove casos durante o século XIX, e várias são as citações da obra de Mello

Freire e seus comentadores, em comparação com o número total de referências feitas

pelo menos nos processos ocorridos até 1850, como visto na tabela 5. Nenhuma citação,

no entanto, é encontrada de fontes canônicas, nem da ordenação filipina livro 3, título

64, que caiu em desuso quando da promulgação desta lei. Quanto ao direito romano, só

são encontradas citações diretas ou comentários às Instituições de Justiniano, a única

fonte aceita como direito subsidiário a partir da reforma pombalina.

Parece, portanto, que o antigo direito comum passou realmente a ser subsidiário

a partir da promulgação da Lei da Boa Razão, como, aliás, enfatizou algum tempo

depois o próprio Coelho da Rocha, um dos jurisconsultos conhecidos por continuar a

obra de organização da legislação, reforçando a importância prática desta lei e a

continuidade desta para com a obra de Mello Freire:


As profundas e luminosas providências, ditadas por este memorável
Ministro [Pombal] na Lei de 18 de agosto de 1769, e nos Estatutos da
Universidade de 1772, fizeram com que este Direito assumisse, assim no
foro, como na academia, a superioridade de que até aí tinha andado
excluído pelo romano e canônico. Para o mesmo fim concorreu sobretudo
o sábio Lente da Universidade, o sr. Paschoal José de Mello Freire,
ilustre fundador da nossa escola de jurisprudência pátria (…), na qual
pela primeira vez apareceu entre nós a legislação portuguesa reduzida a
um sistema regular.

O mesmo não se pode dizer, no entanto, da limitação da interpretação prevista na

mesma legislação. Muito pelo contrário: mesmo nas vezes em que a lei da Boa Razão é

citada nas ações de liberdade do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro na primeira

metade do século XIX, com o objetivo de chamar a atenção para decisões anteriores já

tomadas por este tribunal em casos semelhantes e evitar interpretações diferentes para a

mesma situação, o argumento foi rejeitado pela banca de magistrados. Provavelmente –

e esta é uma hipótese para a qual serão apresentados apenas alguns indícios –, assim

como a doutrina, as mudanças na lógica da argumentação jurídica implementadas

através da Lei da Boa Razão também levaram algum tempo para ser incorporadas pela

cultura jurídica luso-brasileira.

Por exemplo, na apelação de um processo iniciado em 1841 no Serro, Minas

Gerais, o curador Augusto de Carvalho, representante da cativa Ricarda, ao argumentar

que as promessas de liberdade a ela feitas por seu senhor deviam ser cumpridas, não

podendo ser revogadas, citou sentenças de outros casos em que situação análoga foi

julgada por tribunais superiores, mas os resultados favoreceram a liberdade. Embora

evidentemente este não fosse o único fundamento de sua argumentação, o advogado

contava que a citação de quatro casos semelhantes, todos decididos a favor da libertação
dos escravos em questão, contribuísse para obtenção de sucesso em sua causa. Sua

tentativa, no entanto, foi em vão: nenhum dos magistrados a aceitou, e Ricarda

permaneceu no cativeiro.

A partir da segunda metade do século XIX, no entanto, esta forma de argumentação

parece ter sido considerada válida. Em uma ação de Angra dos Reis iniciada em 1857, o

caso é o de Anna, cuja avó havia sido coartada em testamento para pagar metade de seu

valor e ficar livre; seus filhos e netos a seguiriam assim que os primeiros completassem

trinta anos, o que aconteceu com todos, menos com ela, que nasceu antes de uma das

filhas alcançarem esta idade. Como em muitos outros processos semelhantes, a questão,

a mesma discutida no Instituto dos Advogados Brasileiros naquele mesmo ano, era se o

ventre da mãe de Anna era livre ou não à época de seu nascimento. Aureliano de

Azevedo Coutinho, advogado da suposta escrava, conseguiu libertá-la com relativa

facilidade, chamando a atenção para o fato de que todos concordavam com o fato de que

Anna já havia nascido livre:

Esta doutrina que é categórica e expressamente consignada nas Leis


Romanas (…) é aquela que hoje rege a matéria sujeita, porque sendo
omissa a nossa Legislação, é aquela forçosamente subsidiária nos termos
da Carta de Lei de 18 de Agosto de 1769 – e em todo o corpo daquela
imortal legislação fonte e origem de todos os Códigos modernos, que
poucos imitam, e nenhum iguala, advirá o muito ilustrado julgador
imensos casos em que a espécie controvertida se acha completamente
resolvida a favor da justa reclamação do nosso curatelado. E se nos é
lícito, e de direito é, invocar a autoridade dos casos julgados nos
Tribunais Superiores do país no sentido indicado, veremos que uma série
deles põem fora de combate a absurda impugnação da Ré; e para que o
douto julgador não receie por um momento que recorremos a tão valioso
argumento sem podermos dar razão dele, tomamos a liberdade de notar a
razão que tiveram a apelação no 6482 (Relação da Corte) (…) julgada em
17 de março do corrente ano; e a no 5481 (…) julgada em revisão pela
Relação do Maranhão – únicas que agora nos ocorrem, ou de que
tomamos nota, à vista das publicações que se fizeram dos Acordãos em
favor da doutrina que deixamos expendida.

Além dos distintos climas políticos – a própria discussão havida no Instituto dos

Advogados do Brasil demonstra como a questão da emancipação dos escravos havia se

modificado ao longo daquelas décadas, principalmente após o fim do tráfico atlântico,

em 1850 –, a diferença nos resultados também aponta para uma mudança no padrão de

argumentação e julgamento aceitos ao longo do século XIX. Se até meados deste

período defesas baseadas nos conceitos de eqüidade e justiça eram aceitas com relativa

freqüência, e a tentativa de vinculação de jurisprudência era rejeitada, esta situação

parece ter começado a se modificar a partir da metade daquele século, quando o

movimento em prol da codificação do direito civil, da interpretação com base no texto

da lei e da formação de jurisprudência fortalecia-se no Brasil, como mostram, inclusive,

os textos citados anteriormente sobre a forma pela qual a interpretação ideal deveria ser

realizada no Império.

Desde 1841 esta questão havia sido introduzida na Assembléia, quando um projeto

de lei tentava estabelecer que o Supremo Tribunal de Justiça fosse autorizado a dar

assentos com força de lei, isto é, a estabelecer que suas resoluções fossem consideradas

como leis pelos juízes dos tribunais de primeira e segunda instância de todo o Império,

como acontecia com os assentos da antiga Casa de Suplicação. Pela lei da Boa Razão,

que neste aspecto confirmava a ordenação livro 1, título 5, 5, os antigos assentos não

deveriam mudar o sentido da lei, apenas interpretá-la de acordo com a legislação

existente, não constituindo, portanto, direito novo. A Constituição Imperial não tinha, no
entanto, ratificado este mesmo direito ao Supremo Tribunal de Justiça, daí o início da

discussão.

Como o assunto envolvia discussões de jurisdição entre os poderes legislativo e

judiciário, a questão permaneceu em aberto ainda por muitos anos, fazendo com que o

problema da interpretação se tornasse mais premente, como mostrou o então ministro da

Justiça Nabuco de Araújo, que, em seu relatório anual de 1854, ao centrar seu discurso

na crítica à “anomalia que os tribunais inferiores possam julgar em matéria de direito o

contrário do que decidiu o primeiro tribunal do Império.”

Absurdo também, para ele, era que se pudesse consultar o governo, através do

Conselho de Estado, sobre questões que ainda estavam sujeitas a um julgamento, o que

era uma ofensa “à dignidade da justiça e degradante para os magistrados que a

praticavam.” Por isso, Nabuco de Araújo considerava que o direito de interpretação

devia caber ao Supremo Tribunal de Justiça. Como, no entanto, as providências

necessárias para que isto acontecesse ainda não havia sido tomadas, dois anos depois ele

fez circular um sistema provisório que facultasse ao governo o exercício do direito de

interpretação:

… o governo tem exercido esse direito de interpretação por meio de


decretos, instruções, regulamentos, e até por avisos. O que venho de dizer
porém não significa que eu entendo que seja mantido esse direito. Na
reforma judiciária eu o atribuía ao Supremo Tribunal de Justiça, como
centro da jurisprudência e maior categoria na hierarquia judiciária,
porque reconheço os inconvenientes e o perigo que a esse direito, que ao
Poder Executivo compete, se estenda às leis judiciárias, as quais dizem
respeito à propriedade, liberdade, honra e vida do cidadão, sendo que,
desde que se trata de qualquer desses objetos sagrados, começa a
competência do Poder Judiciário. Enquanto, porém, não encarregais esse
direito ao Supremo Tribunal de Justiça, o governo não pode deixar de
exercê-lo, porque, como já vos disse, alguma autoridade o deve exercer,
porque não é possível sacrificar a lei à controvérsia, ao sofisma e à
anarquia.

O mesmo achavam os membros da seção de Justiça do Conselho de Estado que, em

14 de novembro de 1855, já haviam emitido o seguinte parecer:

E porque em consequencia de outras [dúvidas] semelhantes, os tribunais


e juízes dão freqüentes exemplos de arestos contraditórios, o que é
decerto uma grande calamidade pela incerteza dos direitos que daí
resulta, a seção toma a liberdade de lembrar a conveniência de uma
medida legislativa que autorizasse o governo a consultar sobre as dúvidas
suscitadas no foro o Supremo Tribunal de Justiça e os diferentes tribunais
de segunda instância, e, quando os votos da maioria fossem conformes,
estabelecer uma interpretação com a força dos antigos assentos da Casa
de Suplicação.

Mas nem assim a questão foi decidida. O Conselho de Estado hesitou em

aprovar a concessão deste direito ao governo e a grande preocupação de Nabuco de

Araújo, que era a unidade de jurisprudência, continuou relativamente em aberto. Daí a

sua decisão em fazer a circular de 7 de novembro de 1856 que, mesmo não dando ao

poder executivo nenhuma atribuição nova, facultava-lhe o exercício de interpretação em

alguns casos. Assim, a partir da possibilidade de intervenção do governo na

interpretação das leis, ainda que não totalmente regulamentada, o processo de

cerceamento da interpretação tomou grande impulso.

Embora este seja um movimento de difícil demonstração empírica, também se

pode ter uma idéia da ocorrência deste processo através da análise do padrão de citações

da legislação durante o século XIX. Os dados apresentados na tabela 6 ressaltam a

pequena quantidade de assentos citados, principalmente em comparação com a

referência às ordenações filipinas, leis e alvarás, o que significa que, mesmo tendo a Lei
da Boa Razão sido colocada em prática mais efetivamente a partir de meados do século

XIX, não eram muito comuns as referências às decisões diretas dos tribunais superiores,

divulgadas através dos assentos.

Tabela 6: Padrão de Citação de Legislação nas ações de liberdade, 1806-1888

Legislação 1806-1831 1832-1849 1850-1870 1871-1888


Acórdão - - - 0,5%
Alvará 13% 10% 10% 8%
Assento 1% 2% 2% 2%
Aviso - 1% 12% 2%
Carta Régia - - 0,5% 1%
C ó d i g o
- 1% 1% 0,5%
Criminal
C ó d i g o
- 1% 0,5% 3,5%
Francês
C ó d i g o s
1% 1% 1,5% 4%
Romanos
Constituição 1% 3,5% 4% 3,5%
Decreto - 3% 3% 11,5%
Disposição - 0,5% - 23%
Lei 11% 9% 23% 32%
Ordenações
70% 65% 32% 0,5%
Filipinas
Provisão 1% - 0,5% 0,5%
Regulamento - 2% 9,5% 9,5%
Outros 2% 1% 1,5% 1,5%
TOTAL 100% 100% 100% 100%
Fonte: Tribunal da Relação – Arquivo Nacional-RJ

Da mesma forma, à medida que passava o tempo, a legislação mais antiga, e

portanto menos aplicável a casos concretos ocorridos então, como alvarás e as

Ordenações Filipinas, foi aos poucos perdendo a importância na argumentação jurídica,


em comparação com o uso de leis, decretos e regulamentos. Quer dizer: à medida que

novas leis e seus regulamentos foram sendo promulgados, as Ordenações Filipinas que

antes eram aplicadas a estes casos foram deixando de ser utilizadas. Assim, se até a

metade do século XIX as ditas ordenações perfaziam 65% da legislação citada em ações

de liberdade, a partir de então este número caiu bruscamente, passando a ser apenas

32%, ao passo que cresceu o número percentual de leis, códigos e regulamentos. Depois

da promulgação da Lei do Ventre Livre em 1871, as Ordenações Filipinas praticamente

deixaram de ser um recurso jurídico válido nas ações de liberdade, como pode ser mais

bem visualizado no gráfico a seguir:

E com isto estamos de volta ao ponto inicial desta longuíssima digressão: o

campo de possibilidades interpretativas ao qual Chalhoub se referiu realmente existia,

mas ele não era tão aberto assim. Embora os advogados usassem da autonomia

interpretativa de que dispunham, havia limites, demarcados por regras jurídicas, aos

quais mesmo os mais politizados advogados, defensores da liberdade ou da manutenção

da escravidão, tinham que se conformar. Do contrário, não ganhariam nenhuma ação.

Assim, é importante notar que, pelo menos até meados dos oitocentos,

advogados e juízes realmente gozavam de grande autonomia interpretativa, reticentes

que ainda eram à criação de jurisprudência e à vinculação de sentenças e acórdãos a

outros previamente enunciados. Isto não quer dizer, no entanto, que a citação de leis e

de doutrina fosse feita ao bel-prazer de quem argumentava; ao contrário, como

demonstrado, por exemplo, na ausência de referências às fontes canônicas e nas poucas


menções ao direito romano, as citações dos processos obedeciam à lógica do que era

juridicamente aceito então.

Este estado de coisas fazia com que a tarefa dos compiladores da legislação

existente fosse ainda mais penosa do que normalmente já era, como bem o mostrou o

mesmo Coelho da Rocha, ao explicar no prefácio às suas Instituições de Direito Civil

Português, como havia sido difícil escolher quais doutrinas usar, e quais deixar de fora

de sua obra:

A compilação das doutrinas não era sujeita a menos embaraços (…).


Tínhamos de extractar as leis publicadas no período de mais de dois
séculos; tínhamos de combinar as Ordenações, a cuja redação presidiu a
influência eclesiástica, ou a supremacia do direito romano, com as leis da
reforma Josephina, ditadas por um espírito inteiramente oposto; e além
disso de por em harmonia umas e outras com os princípios da Carta, e
com as reformas novíssimas; tínhamos finalmente de suprir as imensas
lacunas das leis pátrias, mendigando os materiais pelos escritos dos
praxistas, pelas coleções de direito romano e canônico, e pelos códigos
modernos das nações civilizadas. Esta tarefa complicada colocava-nos
em estado de perplexidade; ou (por que não o havemos de confessar?)
dava-nos uma arbitrariedade, que, sendo vantagem em outro gênero de
escritos, é um verdadeiro embaraço nos de direito positivo, em que a
razão se deve ocupar antes de coligir, concordar e filiar os princípios já
fixados pelas leis, do que de os escolher e discutir.

Não por acaso, o número de publicações tendo como tema o direito civil ou o direito

processual conheceu um boom em meados do século XIX no Brasil, o que demonstra,

além da demanda pelo uso deste tipo de manual nas faculdades de direito, cujo número

de alunos era maior a cada ano, que o uso correto das leis exigia mesmo a leitura de um

livro explicativo, já que a legislação, por si só, era de difícil compreensão.

Por tudo isso, o campo de possibilidades de interpretação jurídica mudou ao

longo do século XIX da mesma forma como a legislação passível de ser utilizada na
argumentação. Neste sentido, o fato de as Ordenações Filipinas perderem força

argumentativa ao longo do século significou efetivamente uma limitação na liberdade

de interpretação, já que, por serem referentes à realidade de séculos atrás, eram usadas

apenas em seu sentido genérico, como feito com a ordenação livro 4 título 11 4,

analisada anteriormente. Resta saber o que fizeram os advogados das possibilidades

jurídicas existentes em meados do século XIX. Ou melhor: para continuar a discussão

iniciada por Chalhoub, resta saber se eles realmente interpretavam, na medida do

possível, as leis e os processos com fins abolicionistas, ou, ao menos, com motivações

políticas.

Não é de hoje que o estudo do comportamento político dos advogados durante o

Brasil Imperial motiva a reflexão de estudiosos. O clássico debate sobre o caráter do

Estado Imperial, se patrimonial ou burocrático, cujos principais representantes são

Nestor Duarte e Raymundo Faoro, estimulou o interesse pela compreensão da atuação

dos agentes estatais, dentre os quais políticos, militares, juízes e advogados. Isto, por

sua vez, motivou estudos como o de Fernando Uricoechea e José Murilo de Carvalho,

respectivamente dedicados à Guarda Nacional e à elite política imperial.

É este último quem primeiro se aproxima do tema da participação de bacharéis

em direito na política do Império a partir de dados empíricos, argumentando que estes,

assim como padres e soldados, formaram a sólida elite estatal por compartilharem

formação ideológica e de treinamento, elementos mais importantes do que uma suposta

homogeneidade social. Carvalho argumenta que o fato de recrutar os governantes e a

burocracia imperial entre os setores dominantes da sociedade não diferenciava o Brasil

de outros países àquela época. A distinção brasileira estaria na homogeneidade


ideológica e de treinamento, cuja origem estaria na socialização da elite via educação,

ocupação e carreira política. Assim, a elite política brasileira podia ser chamada de

homogênea no século XIX por causa de sua unidade ideológica, conseguida graças à

educação superior comum. “Ilha de letrados num mar de analfabetos”, este grupo seria

composto por indivíduos que nem sempre teriam nascido em boa situação social, mas

que a ele teriam chegado por terem seguido formação jurídica que, por ser tão

concentrada em Coimbra, ou em Olinda e São Paulo, fornecia um núcleo comum de

conhecimentos e habilidades.

É exatamente este grupo, a elite letrada do Império brasileiro, que se supõe atuar

nas ações de liberdade aqui analisadas. É preciso saber, portanto, quem são estes

advogados e como participam das ações de liberdade, para se poder chegar a conclusões

sobre suas interpretações e o sentido político de suas atuações. Contando inicialmente a

totalidade das ações ocorridas entre 1806 e 1888, na primeira instância, foram

encontrados seiscentos e vinte indivíduos, dos quais apenas quatro participaram de

cinco ou mais processos e quinhentos e treze (ou 83%) participaram de apenas uma

ação, como pode ser visto na tabela seguinte:

Tabela 7: Número de advogados atuantes na primeira instância das ações de liberdade,


1806-1888

Número de Advogados Atuações no Conjunto dos Processos


1 7
1 6
2 5
1 4
21 3
81 2
513 1
Total: 620 -
Fonte: Tribunal da Relação - Arquivo Nacional-RJ

Uma rápida olhada nestes dados pode fornecer algumas indicações.

Aparentemente, não há advogados dedicados especialmente a atuar neste tipo de

processo, principalmente nesta primeira fase, na qual os advogados que participam em

no máximo duas ações somam 96% do total. Neste casos, a explicação está na variedade

geográfica e temporal deste conjunto; como os processos estão distribuídos por muitas

cidades e por várias décadas, era de se esperar que não fossem os mesmos indivíduos

que atuassem em cada um deles. Além do mais, antes do conhecido boom da formação

de bacharéis no último quarto do século XIX, advogados formados, ou mesmo

solicitadores sem instrução, mas com permissão para exercer a profissão, eram peças

raras mesmo nos maiores centros urbanos como Rio de Janeiro e Salvador, que dirá em

localidades do interior de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Efetivamente,

é na Corte do Império que estão alocados os poucos advogados que trabalham em mais

de quatro ações de liberdade.

O que estas informações nos levam a crer é que, pelo menos até 1871, parece

difícil achar “militantes da liberdade” entre os bacharéis que participaram como

advogados de primeira instância nestas ações de liberdade, incluindo aí aqueles que,

mesmo sem terem continuado a trabalhar no caso, provavelmente por não serem

formados ou habilitados para advogar, foram responsáveis pelo início do processo,

assinando uma petição a rogo do escravo.


A referência ao ano de 1871 é fundamental: os dados que aqui se apresentam,

embora incluam o período entre a promulgação da Lei do Ventre Livre e a abolição final

da escravidão, representam melhor os períodos anteriores. Isto porque o decreto 5.135,

que regulamentou aquela lei, estabeleceu que daí em diante estas ações seriam

consideradas sumárias, e receberiam tratamento “administrativo” dos juízes. Assim, um

número muito menor de ações tiveram suas sentenças apeladas a partir de então, sendo

resolvidas definitivamente em primeira instância. Desta forma, conquanto o número de

ações de liberdade do universo por mim analisado tenha caído bruscamente a partir de

1871, sabe-se por pesquisas baseadas em causas de primeira instância que, na realidade,

houve um grande aumento no número de escravos que buscavam a justiça para tentar

conseguir suas liberdades.

De fato, a atuação dos advogados abolicionistas de que até hoje se tem notícia,

como Luiz Gama, parece ter ocorrido a partir de meados da década de 1860, mas

principalmente a partir do decênio seguinte, quando processos coletivos de áreas rurais

das províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo tinham como origem a militância de

abolicionistas, o que não elimina a possibilidade de terem existido antes disso, aqui e

ali, advogados cuja atuação tenha se caracterizado como favorável à emancipação dos

escravos. Este parece ter sido o caso de Joaquim José Affonso Alves, de Pelotas, cuja

trajetória mereceria pesquisa mais aprofundada, por ter comandado entre 1858 e 1867

quatro ações que chegaram ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, todas decididas

em primeira instância a favor da libertação de escravos. Embora nem sempre tenha sido

este o caso das defesas de Joaquim Alves, são muitas as ações ocorridas na fronteira

entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai que fizeram uso de uma engenhosíssima
argumentação: baseando-se na lei de 7 de novembro de 1831, aquela que, pioneira na

proibição do tráfico de escravos para o Brasil, ficou mais conhecida como “lei para

inglês ver”, argumenta-se que escravos que tenham passado para as bandas do Uruguai,

mesmo que por acaso, acompanhados de seus senhores, ou tendo ido buscar gado

fugido, teriam direito à liberdade, já que, ao entrar em território livre, livres teriam

ficado. Sua volta ao Brasil poderia ser juridicamente caracterizada como tráfico ou

escravização ilegal.

Já na segunda instância, de um total de duzentos e setenta e nove pessoas, cento

e sessenta e sete defendem senhores ou escravos em apenas um processo, enquanto que

vinte e seis tomam parte em cinco ou mais ações, como se vê na tabela a seguir:
Tabela 8: Número de advogados atuantes na segunda instância das ações de liberdade,
1806-1888

Número de Advogados Atuações no Conjunto dos Processos


1 27
1 23
1 20
2 14
1 13
2 12
2 10
3 9
2 8
3 7
4 6
4 5
10 4
22 3
54 2
167 1
Total: 279 -
Fonte: Tribunal da Relação - Arquivo Nacional-RJ

À primeira vista, as conclusões relativas à primeira instância poderiam ser

referendadas aqui, já que a maioria dos advogados (quase 60%) também atua em apenas

um processo. Um olhar mais atento, no entanto, revela que o padrão encontrado no

Tribunal da Relação é bem diferente: nela, vinte e seis advogados (ou 9% do total)

participam individualmente de cinco ou mais ações, atuando em conjunto em cento e

cinquenta e quatro processos.


Lembrando que o universo é de quatrocentas e duas ações, pode-se inferir que

este pequeno grupo foi solicitado para atuar em mais de um terço das causas de

liberdade levadas à Corte de Apelação do Rio de Janeiro, o que demonstra uma

concentração bem maior do que a ocorrida em primeira instância. Isto era devido, muito

provavelmente, ao menor número de advogados – estes sim, realmente formados em

Direito ou com permissão especial para advogar, como Rebouças – habilitados para

trabalhar em processos de segunda instância localizados no Tribunal da Relação. É mais

fácil analisar o desempenho destes nas ações de liberdade, como feito através das

informações a seguir:

Quadro 9: Desempenho dos advogados atuantes em mais de cinco ações de liberdade


na segunda instância
Advogado Época de P a r t e Desempenho Número de
Atuação Representada Atuações
A g o s t i n h o 1852-1872 5 senhores 6 vitórias 7
M a r q u e s 2 escravos 1 derrota
Perdigão
Malheiro
André Pereira 1849-1874 5 senhores 3 vitórias 7
Lima 2 escravos 3 derrotas
1
indeterminado
A n t o n i o
6 escravos 5 vitórias
C o r r e i a 1834-1847 10
4 senhores 5 derrotas
Picanço
A n t o n i o 3 senhores 5 vitórias
1823-1844 12
Ferreira Lima 9 escravos 7 derrotas
3 vitórias
A n t o n i o
4 senhores 4 derrotas
P e r e i r a 1847-1864 8
4 escravos 1
Rebouças
indeterminado
8 vitórias
A u g u s t o
9 senhores 5 derrotas
Te i x e i r a d e 1844-1871 14
5 escravos 1
Freitas
indeterminado
Bernardo de
Te i x e i r a 3 senhores 7 vitórias
1838-1860 9
Moraes Leite 6 escravos 2 derrotas
Velho
Bernardo de 3 senhores 2 vitórias
1843-1855 5
Souza Franco 2 escravos 3 derrotas
8 vitórias
C a e t a n o 9 escravos 5 derrotas
1835-1864 14
Alberto Soares 5 senhores 1
indeterminado
Carlos Arthur 3 senhores 3 vitórias
1854-1878 6
Bus e Varella 3 escravos 3 derrotas
4 vitórias
7 derrotas
Domingos 5 senhores
1858-1862 1 sem final 13
Miz. de Faria 8 escravos
1
indeterminado
Galdino de
1 senhor 3 vitórias
F r e i t a s 1865-1870 6
5 escravos 3 derrotas
Travassos
H o n ó r i o
1 senhor
A u g u s t o 1862-1872 10 vitórias 10
9 escravos
Ribeiro
8 vitórias
J o a q u i m
10 senhores 10 derrotas
G a s p a r d e 1813-1846 20
10 escravos 2
Almeida
indeterminados
J o a q u i m
4 senhores 2 vitórias
Theodoro de 1834-1852 5
1 escravo 3 derrotas
Souza Soares
J o s é
1 senhor 3 vitórias
Figueiredo de 1864-1872 6
5 escravos 3 derrotas
Andrade
José Pedro
3 senhores 3 vitórias
Carlos da 1836-1860 6
3 escravos 3 derrotas
Fonseca
José Thomaz 3 vitórias
5 senhores
Nabuco de 1860-1871 3 derrotas 8
3 escravos
Araújo 2 indiferentes
3 vitórias
José Xavier da
3 senhores 3 derrotas
S i l v a 1860-1872 7
4 escravos 1
Capanema
indeterminado
1 vitória
Luís Antonio 4 senhores 3 derrotas
1862-1872 5
da Silva Nunes 1 escravo 1
indeterminado
M a n o e l
Francisco 10 senhores 3 vitórias
1819-1844 12
Rodrigues 2 escravos 9 derrotas
Pereira Galvão
Miguel Borges 9 vitórias
de Castro 13 senhores 16 derrotas
1815-1860 27
Azevedo e 14 escravos 2
Mello indeterminados
1 vitória
Paulino José
2 senhores 2 derrotas
S o a r e s d e 1862-1865 5
3 escravos 2
Souza
indeterminados
5 vitórias
Sebastião
5 senhores 3 derrotas
N a v a r r o d e 1836-1850 9
4 escravos 1
Andrade
indeterminado
8 vitórias
S e v e r o
20 senhores 12 derrotas
A m o r i m d o 1860-1875 23
3 escravos 3
Valle
indeterminados
Urbano Sabino 1840-1858 2 senhores 4 vitórias 9
Pessoa e Mello 7 escravos 5 derrotas
Fonte: Tribunal da Relação - Arquivo Nacional-RJ

O primeiro dado a chamar a atenção é justamente o fato de todos estes

advogados representarem tanto senhores quanto escravos. Isto se aplica inclusive a

nomes como Nabuco de Araújo e Perdigão Malheiro, denominados “figurões do

Império” por Edmundo Campos Coelho, que por não serem, na opinião deste autor,

“profissionais acessíveis a qualquer bolsa”, “em uma ação de liberdade estariam

certamente a serviço dos senhores de escravos”. Na realidade, o que aconteceu foi o

contrário: Nabuco de Araújo participou de oito ações, cinco representando senhores e

três defendendo escravos, e Perdigão Malheiro, atuando em sete destes processos,


defendeu dois escravos. Nabuco, por exemplo, depois de ter sido ministro da justiça em

1853 e senador do Império a partir de 1858, perdeu uma ação dois anos depois, quando

defendia a escrava Theodosia, que fora roubada da companhia de sua mãe, vendida e

revendida várias vezes, por não ter conseguido provar que a menina por quem pedia era

realmente quem dizia ser.

Daí não parecer que eles tenham sido chamados para atuar nestes casos por

serem conhecidos defensores de senhores ou de escravos. Não o seriam, ao menos, por

defender uma destas partes com exclusividade. À exceção, talvez, de Severo Amorim do

Valle, que defendeu vinte senhores em vinte e três casos, não há quem possa ser

caracterizado, à primeira vista, como militante da liberdade ou dos interesses

escravistas. A possibilidade mais provável, portanto, é que estes advogados fossem os

mais solicitados para atuar em qualquer tipo de processo, não apenas em causas de

liberdade, por serem profissionais de renome e reconhecida competência.

Ao mesmo tempo, é importante enfatizar que nem sempre era o escravo quem

contratava seu advogado na segunda instância. Como a apelação era automática nos

casos cujas sentenças contrariavam a liberdade – apelação ex-officio –, muitas vezes o

curador era designado pelo juiz, quando o processo chegava ao Tribunal da Relação, na

Corte. Obter curador gratuito era um direito que lhes assistia, como pessoas miseráveis

que eram, assim como a viúvas e orfãos. Pode-se imaginar, portanto, que nem sempre

um advogado aceitasse com boa vontade sua escolha para defender um escravo; este foi

o caso, por exemplo, do já mencionado Augusto de Carvalho, representante da escrava

Ricarda, que, na introdução de seu arrazoado, lamentava mais a própria situação do que
a de sua curatelada: “Agora sim é que tenho de desempenhar a árdua tarefa de curador

da mísera Autora Embargante, que me impõe meu dever pelo juramento…”.

Defensores por excelência de senhores ou de escravos, portanto, estes advogados

não eram. Atuavam em causas de liberdade como atuariam em quaisquer outras,

seguindo, aliás, a profissionalização do campo jurídico que começou a ocorrer em larga

escala a partir de 1832, com a formação das primeiras turmas das Faculdades de Direito

de São Paulo e Olinda. Estes advogados, principalmente aqueles mais ambiciosos,

saíam da faculdade e, geralmente depois de algum tempo servindo como juízes de

pequenas localidades, mudavam-se para a Corte, não só o centro político, mas o local

onde estavam as melhores oportunidades de emprego, ascensão social e profissional.

Mas a passagem da baixa magistratura para as altas esferas da burocracia da Corte,

almejada por muitos, nem sempre era alcançada, como mostram os dados biográficos

dos advogados destas ações de liberdade, arrolados no quadro 10:


Quadro 10: Dados Biográficos dos Advogados Atuantes nas ações de liberdade

Nome Filiação Local e Formaçã Títulos Cargos Outras Atividad Livros


Data de o Honorífi Judiciári Atividad e
Nascime Acadêmi cos os es Política
nto ca
Agostinh Agostinh Campan Faculdad M o ç o Procurad Presiden Deputad O
o o h a e de São Fidalgo or dos te do o código
Marques Marques (MG), Paulo da Casa Feitos da IAB criminal;
Perdigão Perdigão 05/01/18 Imperial, Fazenda publica
Malheiro Malheiro 24 – Rio Comend vários
e Urbana d e ador da livros,
Candida Janeiro, Ordem e n t r e
dos Reis 03/06/18 de Cristo eles A
Perdigão 81 Escravid
ão no
Brasil
André L u i z Bahia, ? Faculdad Nenhum Juiz de Sócio do Nenhum Traduziu
Pereira Pereira e de São direito Conserv a d o
Lima Lima Paulo na Corte atório italiano
Dramáti Virgínia,
co da d e
Corte Victorio
A. Asti
Desemb
argador;
auditor
d a
Portugal, Marinha;
Conselh
Antonio ? – Rio Universi correged
eiro do Nenhum Nenhum
Correia ? d e dade de or do Nenhum
Imperad a a
Picanço Janeiro, Coimbra Crime
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Fazenda
Manoel Vila da
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Cavaleir
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Ferreira A n n a (BA), ? dade de provedor Soldado Nenhum
Ordem a
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outros:
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da Soc. ções à
Auxiliad Consolid
ora à ação das
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Antonio d o d o s
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s e Rita 98 - Rio Nenhum Teixeira
Rebouça a e d a o
Basília d e d e
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d o s Janeiro, Freitas;
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Santos 28/03/18 A o s
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Juiz de Negocia
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Faculdad advogad membro
Teixeira d e 17 - Rio d a Nenhum direito
e de o do do IAB
d e Itaparica d e Ordem a civil, a
Olinda Conselh (preside
Freitas ) e Janeiro, da Rosa Consolid
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Estado 1857).
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Dignitári d e discurso
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Manoel Belém, da Rosa, guarda o d o
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Souza do cível
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Franco d a
Souza 08/05/18 G r ã - P a r á ; Ministro financeir
capital;
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estrada execuçã
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Carlos L u i z Rio de Faculdad Nenhum Nenhum sócio do Nenhum A
Arthur Nicolau Janeiro, e de São IAB a emancip
Busch e Fagunde 1826 - ? Paulo ação dos
Varella s Varela escravos
e Carlota ;
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Liberdad
e no
Brasil;
D a
instrução
a o
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proletári
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nte; A lei
d e
07/11/18
31
D o m J o s é Figueira, Universi Cavaleir Juiz de Nenhum Nenhum Nenhum
ingos Antonio 1799 - dade de o da direito; a a
Martins Martins Rio de Coimbra Ordem Juiz de
de Faria de Faria Janeiro, de Cristo fora;
e 01/08/18 Provedor
Bresida 65 d a
Angélica Fazenda
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Honório Sebastiã Minas Faculdad Cavaleir Nenhum Presiden Nenhum nehum
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Ribeiro Antonio – Rio de Paulo Ordem Banco
J o s é Janeiro, d e d e
Ribeiro 19/07/19 Cristo, Crédito
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Thomási Ordem primeiro
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Carneiro o do
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filho do Cruz da do Norte iluminaç
senador Ordem e de São ão a gaz
J o s é Salvador d e Paulo, Sociedad
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Nabuco 14/08/18 Faculdad
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Nabuco de d a público; Assembl bilidade
Araújo e d e Olinda
d e Ordem juiz de é i a limitada;
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da Costa 78 eiro do Conselh caria;
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Nabuco; or Estado, mentos
Senador, d o
Ministro Código
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Justiça
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Janeiro,
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Miguel Gouveia Comarca Cânones Membro
Borges Cavaleir
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Castro Ordem
a rg a d o r Portugal, dade de principal
Azevedo de Cristo
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e Mello Relação d e Porto;
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Porto)
Paulino Paulino Itaboraí Faculdad Cavaleir Nenhum Diretor Conselh Escreveu
J o s é J o s é ( R J ) , e de São o da da Cia. eiro de , entre
Soares Soares 21/04/18 Paulo ordem Torrens; Estado, vários
de Souza de Souza 34 – Rio turca de provedor deputado livros,
(Viscond d e Medjidié da Santa Proposta
e do Janeiro, e Casa; d o
Uruguai) 1901 Conselh governo
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Sabino Camello u c o , e de d a municip r de o ão da
Pessoa Pessoa 1811 - ? Olinda Ordem al, de filosofia revolta
de Mello de Mello da Rosa órfãos, e e praieira
d e geometri d e
direito a do Pernamb
Seminári uco
o de
Olinda;
sócio do
IHGB

Como se vê, são grandes as diferenças entre as trajetórias destes advogados. Boa

parte deles, ou a metade do total, dispuseram de pelo menos algum prestígio na vida

pública do Império, seja por terem obtido títulos honoríficos, por terem publicado

livros, por terem atuado nas esferas governamentais de sistematização do direito,

exercido cargos nos poderes executivo e legislativo ou mesmo por terem sido

presidentes de província ou ministros de Estado. Destes, nove, ou um terço do universo

trabalhado, tiveram uma participação efetiva nas altas esferas da política, para além de

suas práticas cotidianas como advogados.

Outros, como Domingos de Faria, dedicaram suas vidas a escrever arrazoados, a

se debater por prazos, acumular sentenças, e neste andar construíram suas carreiras.
Faria, branco, de “estatura ordinária e rosto comprido e bexigoso”, de quem se sabe

pouco, além de ter nascido em Portugal em 1799 e ter se formado em Coimbra, de

notório, em sua vida, só teve a nomeação de cavaleiro da Ordem de Cristo e o cargo de

juiz de direito da Comarca de Paranaguá. Mesmo assim, entre 1858 e 1865, enquanto

morava num quarto alugado na rua dos Ourives, foi um dos advogados que mais

participou das ações de liberdade que chegaram ao Tribunal da Relação da Corte.

Cruzando os dados dos quadros 9 e 10, pode-se constatar que, à exceção de Teixeira de

Freitas, estes, que se dedicam unicamente à profissão, são justamente os que mais

atuaram em ações de liberdade, e certamente dispunham de um tipo de prestígio que os

fazia, dentro deste mundo, serem escolhidos para advogar nestas causas.

Em alguns casos, a dedicação exclusiva ao mundo das letras da lei esconde

histórias de vida interessantíssimas, como a de Miguel Borges de Castro Azevedo e

Mello, que freqüentou por décadas o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Azevedo e

Mello foi o advogado que mais atuou em ações de liberdade, representando treze

senhores e quatorze escravos. Este advogado nasceu em Portugal, na comarca do Viseu,

filho do desembargador da Relação e Câmara do Porto Miguel Borges Tavares de

Azevedo Gouveia e Castro. Foi voluntário do Corpo dos Voluntários Acadêmicos

durante a guerra contra a França, em 1808, mas, ao chegar das batalhas, teve de

enfrentar uma doença e o infortúnio de ter tido sua casa destruída, seus móveis

saqueados e suas posses roubadas. Diante desta situação, não teve outra alternativa a

não ser pedir ajuda ao Estado, começando por requerer o ofício de Correio Mor de

Coimbra, e acabando por imigrar para o Rio de Janeiro, para pedir ajuda diretamente ao

rei.
Já na Corte, foi talvez o primeiro que a ter a idéia de pedir indenização à Coroa

por ter sido soldado voluntário na guerra contra a França, requerendo a “remuneração

extraordinária” de 500 mil réis. Mesmo sendo filho de desembargador – ainda que

empobrecido – Azevedo e Mello só conseguiu a mercê do Hábito de Cristo, e a

permissão para advogar no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Desta ocupação tirou

o sustento para o resto da vida, chegando mesmo a atuar em causas célebres como a

defesa de Cipriano Barata no processo de revista da devassa feita contra ele, em 1830.

Curador nomeado para representar Barata, Azevedo e Mello organizou toda a

sua argumentação em torno da idéia da ilegitimidade da devassa, por ela ter sido

mandada por um ministro de Estado, e não pelo competente poder judiciário, e por o

processo tratar-se de uma peça de intriga, movida por ódios pessoais. Interessante que,

para ressaltar a inocência de Cipriano Barata, Azevedo e Mello defendeu a liberdade de

imprensa ao mesmo tempo em que usou da idéia de que, apenas com as suas palavras,

seria impossível que Barata conseguisse fazer qualquer revolução:

Gazeteiros, Senhores, não possuem a Mágica virtude de fazer revoluções


com suas palavras que mal pode alcançar na curta esfera do seu acanhado
discurso, o complicado sistema de Andamento Político dos Governos
Liberais, que tem a sua principal força, e energia nessa mesma Liberdade
de escrever, acompanhada mesmo de todos os vícios, quantos possa ela
ter. Os débeis ecos de um Jornalista, abundante sempre de palavras, e
falta de poder, estão mui longe de fazer estremecer as bases de um
Governo que se rege pelos princípios da Justiça. Bem calados, e
submissos, tinha Filipe 4o da Espanha os Povos de Portugal, sem
nenhuma Liberdade de Escrever, e todavia viu rebentar aí a revolução
que repoz a casa de Bragança no Trono (…).”

Citando uma frase de Montesquieu contra o abuso de poder – “para que não se

abuse do poder, é preciso que o poder pare o poder” – Miguel Borges de Castro
Azevedo e Mello encerrou sua defesa, e terminou por ganhar a causa. Mas este

momento de glória não lhe renderia nenhum outro benefício profissional. Em 1860,

continuava envolvido com o cotidiano das querelas jurídicas, e assim provavelmente

terminou sua carreira.

Voltando à composição deste grupo de advogados, é provavelmente na situação

social que estavam as maiores diferenças entre os seus membros. Havia alguns

notoriamente bem de vida, como Teixeira de Freitas, “negociante de terrenos, casas,

chácaras e escravos”, ou Honório Augusto Ribeiro, dono de prédios na Rua dos Arcos.

Outros eram pobres de dar dó, como o citado Domingos Martins de Faria e Manoel

Francisco Rodrigues Pereira Galvão. Em seus processos de arrecadação de bens – os

dois morreram sozinhos e sem herdeiros, o primeiro na Santa Casa de Misericórdia e o

segundo em seu quarto, alugado a uma casa de cômodos – que, juntos, mal chegam a

cem mil réis, figuravam apenas móveis quebrados e roupas velhas. Advogado por mais

de vinte anos do Tribunal da Relação “com conduta irrepreensível”, o maior bem de

Galvão deve ter sido mesmo a própria profissão: seu diploma foi encontrado guardado

numa lata bem fechada, dentro de uma gaveta cerrada à chave.

Estes indivíduos, portanto, longe estavam de compor um grupo socialmente

homogêneo, assim como o que se chama de elite imperial no Brasil oitocentista

provavelmente também não o era. Confirmando, portanto, a análise de José Murilo de

Carvalho sobre a formação da elite política imperial, os dados deixam entrever que a

heterogeneidade social era mesmo compensada pela homogeneidade de formação: todos

estes advogados, exceto Antonio Pereira Rebouças, que, como se sabe, estudou por

conta própria, eram formados em Direito em Coimbra, Olinda ou São Paulo. Este fato,
aliás, parecia ser reconhecido pelos próprios contemporâneos, como mostra a

observação do advogado-parlamentar Urbano Sabino Pessoa de Mello, ao discordar, em

debate na Assembléia Legislativa, de um deputado que dizia não confiar nos tribunais

judiciários:

Por ventura não é ele também composto de homens? Não são os mesmos
homens com quem vivemos? Não receberam a mesma educação? Não
vivem no meio da mesma população? Não têm os mesmos hábitos? Não
podem ter as mesmas virtudes, os mesmos vícios?

Os cursos de direito seriam, portanto, mais do que uma comprovação de

pertencimento à elite, um passaporte de acesso a ela, já que a posse do diploma garantia

aos mais afortunados uma carreira tranqüila na magistratura. É o que se também se vê

no quadro 10: sem contar os indivíduos dedicados exclusivamente à advocacia, como

José Xavier da Silva Capanema e Miguel Borges de Castro Azevedo e Mello, todos os

advogados da chamada primeira geração, cuja formação é contemporânea à

Independência, fizeram carreira na magistratura. A exceção, novamente, é Antonio

Pereira Rebouças, que não ocupou qualquer destas posições. Mas sua indignação com o

fato de que a indicação para cargos na magistratura fosse limitada àqueles que

possuíssem diploma de bacharel formado, como mais de uma vez fez questão de frisar

nas discussões sobre o poder judiciário realizadas na Assembléia dos Deputados,

mostram que ele também gostaria de poder ter sido juiz:

No título do poder judiciário e capítulo dos juizes e tribunais de justiça


não se acha uma só palavra que dê lugar a entender-se que os juízes de
direito perpétuos e os membros das relações devam ser bacharéis
formados. (…) diria então que é inconstitucional exigir-se para se ser juiz
de direito a qualificação de bacharel formado em leis, mormente contra a
regra geral consagrada entre as disposições gerais e garantias de direitos
civis e políticos dos cidadãos brasileiros, de que todos podem ser
admitidos aos cargos públicos civis e políticos ou militares sem outra
diferença que não seja a dos seus talentos e virtudes. Aqui estou eu (peço
que me não atribuam a orgulho) que não sou bacharel formado. Ponham-
se as condições que se quiserem de idoneidade para ser desembargador
que estarei pronto a concorrer com qualquer dos srs. juízes de direito,
(…). Mas dir-se-me-ia: – o senhor não pode ser admitido, porque não é
bacharel formado. – E a constituição exige isto? A constituição exige
talentos e virtudes, prescreve que os privilégios são inerentes aos cargos
por utilidade pública; eu ofereceria todas as garantias que a constituição
consagra.

A revolta de Rebouças, que neste caso parece ter mesmo origem em questões

pessoais (tanto é que o exemplo escolhido para comprovar a injustiça da situação é o

seu próprio), só ressalta o quanto a posse do diploma passou a ser importante em um

campo que, conforme ganhava importância no decorrer do século, era cada vez mais

procurado, principalmente por aqueles que, como o próprio Rebouças, não dispunham

de outros bens que não seus “talentos e virtudes”. De fato, a partir de meados do século

XIX, o número de formados era tanto que, pela primeira vez, já não havia vagas para

todos que pretendiam exercer a profissão.

Foi a partir desta época que os bacharéis começaram a se dedicar

majoritariamente ao exercício da advocacia, montando escritórios próprios. Mas não são

estes os que mais nos interessam agora. Quando advogados como Carlos Arthur Busch e

Varella e Perdigão Malheiro começaram a se destacar na Corte, já a geração de

Rebouças, parte formada em Coimbra, boa parte em Olinda, começava a perder a

importância tida na época da consolidação política do Estado imperial e passavam, eles

também, a usar do prestígio político acumulado desde a Independência para montar seus

escritórios de advocacia, passando a lidar com os litígios privados da mesma clientela

com quem conviviam na esfera pública.


Afinal, apesar da afirmação de Edmundo Campos Coelho de que “via de regra

esses advogados notáveis tinham o escritório de advocacia como uma estação inicial de

onde embarcavam para a aventura da política”, parece que foi o contrário que ocorreu,

como notou Joaquim Nabuco, ao escrever que

desde que deixara de ser ministro em 1857, [José Thomaz] Nabuco [de
Araújo] estabelecera-se como advogado no Rio de Janeiro. Entra logo
para a profissão como um dos primeiros de um foro em que eram
autoridades Teixeira de Freitas, Rebouças, Caetano Alberto Soares,
Urbano Pessoa, Perdigão Malheiro, Zacarias, Silveira da Mota,
Octaviano, Taylor e outros.

Já se sabe que este foi o caso de Antonio Pereira Rebouças. Assim também foi

com Urbano Sabino Pessoa de Mello, que foi juiz municipal, de órfãos e de direito de

Goyana, juiz de direito em Recife e Assu, deputado provincial em Pernambuco depois à

Assembléia Geral, e só em 1849, quando abandonou definitivamente a magistratura,

passou a dedicar-se realmente à advocacia. Com vários de seus colegas aconteceu o

mesmo, como Bernardo de Souza Franco, deputado e presidente da província do Pará

que, apesar de ter atuado em alguns processos em meio ao desenvolvimento de sua

carreira política, só dedicou-se mesmo à advocacia depois de aposentar-se do cargo de

desembargador, em 1854; Antonio Ferreira Lima, juiz de fora e Provedor da Fazenda

dos Defuntos e Ausentes, Capelas e Resíduos das Vilas de Santo Antonio de Sá e Magé

antes de participar em ações de liberdade; e o próprio Joaquim Thomaz Nabuco de

Araújo, que só foi atuar em causas de liberdade depois de já ter sido promotor público,

juiz de direito, deputado na Assembléia Legislativa Nacional, presidente da província de

São Paulo, senador do Império e ministro da Justiça.


Quando estes deputados passaram a praticar a advocacia, portanto, já eram

políticos experientes, e muitos, como Nabuco de Araújo e Bernardo de Souza Franco,

continuariam a ocupar posições proeminentes na vida pública brasileira. Certamente

tinham suas idéias sobre o estado das leis do país, a situação nos foros, e,

evidentemente, sobre o assunto que desde meados da década de 1840 sacudia a Câmara:

as providências para acabar com o tráfico e, futuramente, com a escravidão.

Todos, como Rebouças, já haviam trabalhado a serviço do país, e agora

passavam a também usar suas habilidades para advogar por conta própria. Sem dúvida,

a própria escolha da advocacia tinha relações com suas concepções políticas. Afinal, dos

advogados que se destacaram na vida pública brasileira da primeira metade do século

XIX, todos eram membros do partido liberal ou com ele identificado, à exceção de José

Thomaz Nabuco de Araújo, que viraria liberal apenas em fins da década de 1860. Isto

também confirma as afirmações de José Murilo de Carvalho sobre a composição dos

partidos políticos no Império, segundo as quais os profissionais liberais teriam feito uma

coalizão com donos de terra interessados em maiores poderes regionais para formar o

Partido Liberal. Para este autor, os magistrados e advogados representavam dentro do

Partido as posições doutrinárias do liberalismo clássico, que só ganhariam maior

expressão a partir da década de 1860, com o aumento do número de profissionais

liberais dispostos a participar da política. Seguindo este raciocínio, é de se entender por

que só se encontram, neste período, deputados liberais entre os advogados participantes

das ações de liberdade; praticamente não havia, entre os membros do partido

conservador, aqueles que fossem profissionais liberais.


A trajetória do advogado e presbítero secular Caetano Alberto Soares é um bom

exemplo neste sentido. Saindo da Ilha da Madeira para ser deputado liberal na Corte de

Lisboa, em 1828, Soares imigrou para o Brasil quando da perseguição aos liberais

promovida por D. Miguel. Embora nunca mais tenha exercido atividades político-

parlamentares – foi naturalizado em 1833 –, ele destacou-se por sua participação em

várias comissões de revisão de obras legislativas e pela atuação no Instituto dos

Advogados Brasileiros, de que foi presidente. Também participou de quatorze ações de

liberdade, defendendo nove escravos e cinco senhores; mesmo assim, passou para a

posteridade como abolicionista, segundo o epitáfio publicado na Revista do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro quando de seu falecimento:

Nas questões de alforria, ostentava-se o paladim do liberto a quem


disputavam a liberdade, e, constante lidador em tão generoso empenho, a
música mais deliciosa para seus ouvidos era o tinir das algemas que
caíam dos braços de escravos despedaçadas por suas mãos libertadoras.

Assim como Rebouças, os outros advogados que ficaram famosos também se

identificaram, de diferentes formas, com aquelas idéias e movimentos que mais tarde

seriam chamados em conjunto de liberalismo, mesmo que englobassem práticas e idéias

tão diferentes e aplicadas a diferentes conjunturas da política imperial. Urbano Sabino

Pessoa de Mello, por exemplo, foi um dos líderes da revolução praieira, representante

muitas vezes por Pernambuco na Assembléia Legislativa, aonde veio a ser, entre as

décadas de 1840 e 1860, um das fortes presenças do partido liberal. Durante boa parte

de sua trajetória político-parlamentar, tinha como adversário José Thomaz Nabuco de

Araújo, conservador que adotou a plataforma liberal em meados da década de 1860,


quando escreveu, aliás com Bernardo de Souza Franco, o Manifesto do Centro Liberal,

tendo tido participação importante nas discussões da Lei do Ventre Livre, em 1871.

Por isso, todos estes advogados eram reconhecidamente considerados liberais

por seus contemporâneos, e especialmente por suas opiniões favoráveis ao fim do

tráfico e à posterior abolição da escravidão. Joaquim Nabuco referiu-se a eles,

principalmente àqueles que foram presidentes do Instituto dos Advogados Brasileiros,

como os precursores do abolicionismo no Brasil:

Será sempre a honra do Instituto dos Advogados poder dizer que a série
dos seus primeiros Presidentes (como mais tarde os que se lhes seguiram,
Nabuco e Saldanha Marinho), Montezuma, Carvalho Moreira, Caetano
Alberto Soares, Urbano Pessoa, Perdigão Malheiro, quando ainda fora
não se tratava da emancipação, foi toda de abolicionistas. Numa época
em que o princípio da escravidão era acatado por todos como um mistério
sagrado, aqueles nomes representam o protesto solitário do direito.

Nabuco segue ressaltando a “nobre atitude” de Caetano Alberto Soares, que

proferiu em 1845 um discurso em prol da melhoria da situação dos escravos, e as

defesas de Urbano Sabino, que, em carta de 1869, diz que “nunca o Brasil será

considerado no grande mundo como nação civilizada enquanto tiver escravos.”

Mas, como já ressaltou Eduardo Pena citando o mesmo trecho de Joaquim

Nabuco, é sempre bom olhar com cautela as apologias feitas por este ao progressismo

destes advogados, interessado que estava em ressaltar o pioneirismo dos jurisconsultos

na condenação da escravidão. Mesmo descontando a peculiar construção da narrativa de

Nabuco, à exceção de seu pai, é possível inserir estes advogados no mesmo espectro

político a partir do qual conservadores e liberais eram divididos nas décadas de 1830 e

1840, quando foram companheiros de Antonio Pereira Rebouças, ainda que não

necessariamente compartilhassem de todas as bandeiras políticas defendidas por ele.


Não surpreende o fato de estes advogados, ao mesmo tempo, serem identificados

com o partido liberal e não terem feito uso da possibilidade de atuar politicamente a

favor da liberdade dos escravos. Mesmo correndo o risco de concluir o óbvio, vale a

pena ressaltar que, embora tenha havido, possivelmente, advogados que usaram da

arena jurídica para lutar pela libertação dos escravos antes de meados da década de

1860, eles não eram, necessariamente, militantes da liberdade. E, mais do que isso, a

maioria deles nunca o foi.

Suas participações em processos de demanda pela liberdade de escravos não

significava que formulassem politicamente a questão da inserção social dos libertos ou a

formalização do acesso dos escravos à alforria. Ao contrário: a julgar pelo padrão de

suas atuações nas ações de liberdade, elas foram bem parecidas às de Rebouças,

abordando individual e profissionalmente a questão da escravidão. Se estivessem

preocupados com a extensão dos direitos civis a libertos, eles também o fariam

individualmente, defendendo aqueles que, por suas virtudes e posses, demonstraram

merecer entrar no mundo dos livres. Neste sentido, eles estavam atuando de forma

perfeitamente liberal, ao defender indivíduos e suas propriedades, sem, contudo, deixar

de ser escravistas, o que, mais uma vez, demonstra não só como liberalismo e

escravidão conviveram no Brasil de meados do século XIX, mas que a definição de

liberalismo assumida por aqueles que se autodenominavam liberais no Brasil de então

incluía posições específicas a respeito da escravidão, ainda que o chamado liberalismo

histórico, como alternativa política, tivesse sido definitivamente enterrado pelos

saquaremas na década de 1850.


O problema destes advogados, os liberais históricos, que atuavam em ações de

liberdade começou a ocorrer mesmo depois de meados da década de 1850, quando ficou

cada vez mais difícil encarar as tentativas de escravos de conseguir a alforria pela via do

direito apenas sob o prisma individual. Afinal, se as ações de liberdade eram geralmente

individuais até então, a partir desta década começou a haver um grande aumento do

número de escravos que demandavam coletivamente pela libertação, como demonstrou

Hebe Mattos. Neste sentido, passou a ser muito mais complicado legitimar

politicamente uma ação favorável à libertação de um indivíduo e negar os mesmos

direitos ao conjunto dos escravos.

Interessante que, justamente quando as possibilidades de interpretação jurídica

começaram a ficar mais restritas, por obra da elaboração de novas leis desde a outorga

da Constituição de 1824, o panorama político no Império mudava radicalmente, com o

fim do tráfico atlântico e a pressão pela emancipação dos escravos, o que realmente

provocou uma grande politização destas ações de liberdade. Se o movimento pela

regulamentação da legislação civil já era visto como problemático desde a fundação do

Império, agora isto havia se transformado em uma questão premente. Afinal, o aumento

no número de ações de liberdade apenas demonstrava como as disputas em torno da

propriedade, majoritárias até então, não podiam mais ser resolvidas sem que se

encarasse o problema da demanda por direitos civis.

Não por acaso, cinco anos depois da promulgação da Lei de Terras, da lei que

pôs fim ao tráfico atlântico de escravos e do Código Comercial, Augusto Teixeira de

Freitas foi contratado pelo governo imperial para escrever as Consolidações das Leis

Civis, livro que deveria servir como preâmbulo para a redação do Código Civil.
Também não é mero acaso que, ao mesmo tempo em que alguns jovens começavam a

discutir possibilidades de dar novo significado às leis vigentes, usando-as mesmo como

táticas para pressionar e criticar a própria monarquia, velhos jurisconsultos como

Antonio Pereira Rebouças apegavam-se cada vez mais à via legalista como campo único

para a introdução de mudanças na sociedade.


8. À Margem do Código Civil
“Eia, voa corsel: sobre teu dorso
Minha musa e amor, ninguém mais quero
(…)

Corre, corre ginete, sem destino


Vadeia a esmo a amplidão do espaço:
Nada quero da terra: já quebrou-se
Entre mim e os homens negro laço

Eu e tu, minha musa e amor


Dirigimos ao globo eterno adeus
(…)”

A. Simplício de Salles
ou
Antonio Pereira Rebouças
O Cavalo de Mazzepa, 1854

No ano de 1859, Antonio Pereira Rebouças e Augusto Teixeira de Freitas

travaram uma suave polêmica nos jornais da Corte. Teixeira de Freitas havia acabado de

publicar o livro Consolidação das Leis Civis, destinado a ser uma compilação de todo o

direito civil então em vigor com vistas à posterior elaboração do código civil brasileiro,

e Rebouças se sentiu no dever de escrever ao autor, pretendendo contribuir para o

aperfeiçoamento do “melhor e mais compendioso repertório de nossa atual legislação

civil”, principalmente depois de ler o parecer da comissão de especialistas formada

exclusivamente com o objetivo de avaliar a obra:

Legista ou jurisperito, como se me queira qualificar, em razão de meu


ofício de advogado, me senti na necessidade de verificar onde havia na
Consolidação das Leis Civis os defeitos de que se ressente um ou outro
de seus artigos; o qual a inteligência de algumas leis e a derogação
implícita de outras que a ilustre comissão excetuou e a cujo respeito se
disse estar em divergência; declarando, todavia (sem apontar nenhum)
que esses defeitos e divergências não comprometiam o mérito geral da
obra e que considera a Consolidação, pela fidelidade e clareza do texto,
pela ilustração das notas respectivas, as quaes o fundamentam e ao
mesmo passo o regeneram dos erros e abusos da praxe, sendo que desta
arte a Consolidação, além do fim especial a que se destina, presta um
serviço importante ao foro, desvairado pela incerteza e diversidade de
opiniões, as quais no vazio do direito pátrio acham largas para o arbítrio,
adotando muitas vezes como subsidiárias, por suposta omissão das
nossas leis, disposições que lhes são contrárias.

Neste trecho, Rebouças talvez revele um certo desapontamento pelo fato de

não ter sido escolhido para fazer parte da comissão encarregada de rever o trabalho de

Teixeira de Freitas, formada por José Thomaz Nabuco de Araújo, Caetano Alberto

Soares e Paulino Soares de Souza (o visconde do Uruguai). Daí ter resolvido divulgar as

suas próprias divergências jurídicas em carta aberta a Freitas publicada no Correio

Mercantil, ao contrário do que fez a comissão, que apenas havia encontrado falhas na

obra, mas não havia apontado quais elas eram:

… como crer, senão cegamente no conceito do parecer da ilustre


comissão? (…) E não terá o próprio parecer da ilustre comissão
conservado, se não aumentado, esse desvario do foro pela incerteza e
diversidade de opiniões, que excitou mesmo sobre a Consolidação das
Leis Civis, deixando-se ficar sem fazer especial menção desses defeitos e
divergências …”

A motivação de Rebouças ao agir desta forma também aparece explícita no

trecho acima: o estado das leis seria tão caótico e “desvairado pela incerteza e

diversidade de opiniões” – estado que o parecer da comissão só teria contribuído para

agravar, segundo ele –, permitindo o uso de leis em argumentações que contrariavam

seu sentido original, que uma obra que buscasse clarificar e organizar o sentido das leis

civis, ainda que com defeitos ocasionais, era mais do que bem-vinda, não só para o uso

cotidiano nos foros do país, como para o ensino da disciplina:

O meu juizo definitivo sobre a Consolidação das Leis Civis do sr.


Augusto Teixeira de Freitas é que muito bem se pode prestar ao ensino e
estudo do direito civil nas faculdades jurídicas deste Império por
expositores, que em suas preleções discriminem o menos exato, e
supram-lhe as deficiências, prevalecendo-se do muito em que se avantaja
de bom e de perfeito…

A estes elogios seguiram críticas e mais críticas, que mais tarde ocupariam um

volume inteiro publicado por Rebouças, e obrigariam Freitas a editar mais duas edições

das Consolidações, primeiro com as observações de Rebouças, depois com as suas

respostas a este. Mas o trabalho extra e o caráter do debate iniciado por este advogado

não haviam melindrado a Teixeira de Freitas. Ao contrário, honrado pela resposta do ex-

deputado, Freitas publicou uma réplica no jornal O Mercantil, dizendo que

Era justa a nossa mágoa, ressentindo-nos da frieza dos tempos para com
os estudos sérios, e trabalhos científicos, e saiba-se, que nem ao menos
correspondidos fomos (houveram exceções) em cartas dirigidas às
pessoas, que passam por Papinianos, mas de ciência guardada, só
atestada por discípulos que adoram seu mestre, e juram em suas palavras.
Felizmente ainda existem corações nobres, que sentem as pulsações do
amor por tudo que é grande, e glorioso para a pátria. (…) um ilustrado
jurisconsulto o Sr. Antonio Pereira Rebouças, que já particularmente nos
havia dado uma prova de apreço aos nossos trabalhos, encetara no
Correio Mercantil a publicação de várias censuras ao dispositivo de
alguns artigos da Consolidação das Leis Civis, e ilustrações de suas
notas. Cordialmente agradecemos ao nosso distinto colega este tão
louvável expediente. Todos os seus judiciosos reparos serão
cuidadosamente tomados em consideração (…). Muito feliz fora o Brasil,
outro espetáculo apresentaria a sua administração da Justiça, se ele
contasse muitos homens virtuosos e patriotas, como é o ilustre
jurisconsulto, a quem prestamos esta homenagem.

Rebouças também ficou satisfeito com a resposta. Afinal, apesar de muitas

pessoas esperarem uma reação desfavorável da parte do autor das Consolidações, este

havia frustrado “expectativas maliciosas” que porventura existissem, ao elogiar a

iniciativa de seu interlocutor. Na realidade, Rebouças apreciou muito as considerações

veiculadas na imprensa a seu respeito, já que…


Na situação em que vivemos à margem, senão na obscuridade, talvez
pareçam hiperbólicas as expressões que a generosidade do Sr. Dr. Freitas
nos dirige. Nós mesmos teríamos por demasiado o elogio, se, mais
ignorante e menos conhecido do que devemos ser ao presente, outrora
não tivéssemos ouvido expressões semelhantemente honrosas a nós
vindas dos varões mais notoriamente conhecidos por de maior talento,
saber, circunspeção, e severidade de caráter.

E o trecho seguia com os auto-elogios de praxe, nos quais o ex-deputado

enfatizava os benefícios por ele feitos à “história da nossa pátria” e o reconhecimento

das maiores autoridades do Império por ele obtido, sem se importar de ser acusado de

falta de modéstia.

Pode parecer estranho que Rebouças dissesse de si próprio que vivia à margem,

quase na obscuridade. Afinal, trata-se de um dos advogados mais bem-sucedidos da

Corte, chamado para aconselhar todos os tipos de casos de direito civil e para atuar em

processos importantes. Mas, ao que tudo indica, não era este tipo de reconhecimento

que ele buscava. Acostumado a fazer parte das comissões revisoras de reforma da

legislação na Assembléia, Rebouças dava indicações de não ter se recuperado do

ostracismo político a que foi submetido depois do fim de sua carreira parlamentar,

ocorrida dez anos antes. Provavelmente, achava que os seus conhecimentos jurídicos e

os benefícios por ele prestados à nação deveriam ser mais bem reconhecidos pelos seus

pares. Mas isto estava longe de acontecer. Por outro lado, a publicação do livro de

Teixeira de Freitas também não havia causado o frisson por este esperado, donde sua

mágoa pela quase absoluta falta de comentários sobre o conteúdo jurídico da obra.

Teixeira de Freitas ainda devia estar sofrendo os efeitos da derrota sofrida na

polêmica ocorrida dois anos antes no Instituto dos Advogados Brasileiros, quando, ao
defender que os filhos das escravas libertas condicionalmente deveriam seguir o status

da mãe pelo menos enquanto esta permanecesse escrava e perceber que sua opinião era

rejeitada por advogados e jurisconsultos do porte de Caetano Alberto Soares, Perdigão

Malheiro e Urbano Sabino Pessoa de Mello, acusou seus colegas de ignorarem o direito

romano. A briga, recheada de provocações como o oferecimento de dinheiro para doar o

Corpus Juris Civilis, obra básica do direito civil romano que ele não havia encontrado

na biblioteca do Instituto, só terminou com a sua saída da presidência da instituição.

A parte mais acirrada de sua discussão se deu justamente com Caetano Alberto

Soares, a quem reconheceu “suas mui louváveis tendências em favor da liberdade”, mas

censurou o fato de sempre permitir que sua “idéia predileta” apaixonadamente “toldasse

os espíritos no exame de uma questão jurídica, que aliás devera ser calmo e refletido.”

Não por acaso, a comissão encarregada de rever a Consolidação, da qual Caetano

Alberto Soares era um dos membros, havia justamente enfatizado que

“É sensível a omissão (...) a respeito das disposições concernentes à


escravidão; porquanto, posto deva ela constituir, por motivos políticos e
de ordem pública, uma lei especial, contudo convinha saber-se o estado
defectivo da legislação a este respeito.”

Frustrações de ambas as partes por se sentirem marginalizados entre os outros

advogados prestigiosos da Corte talvez expliquem a sucessão de elogios que marcou a

discussão jurídica entre Antonio Pereira Rebouças e Augusto Teixeira de Freitas. Talvez

os dois tivessem razão em reclamar, de diferentes formas, da falta de profissionalismo

de seus colegas; mas, por outro lado, pode ser que o suposto isolamento dos dois fosse

devido justamente à forma como o debate jurídico por eles realizado abordou a questão

da escravidão.
As primeiras sondagens do então ministro da Justiça José Thomaz Nabuco de

Araújo ao advogado Augusto Teixeira de Freitas para que ele elaborasse um plano de

redação do código civil começaram em 1854 quando, depois de algumas conversas,

Teixeira de Freitas sugeriu que se fizesse primeiro “uma classificação sistemática de

todos os ramos da Legislação, que no futuro servirá de base a outros melhoramentos e

reformas.” A proposta foi aprovada, e a partir do ano seguinte Teixeira de Freitas foi

encarregado pelo governo imperial da missão de, em cinco anos,

… classificar e consolidar (…) toda a Legislação Pátria, inclusive a de


Portugal, anterior à Independência do Império, compreendendo-se na
coleção e classificação as Leis ab-rogadas ou obsoletas, com exceção das
Portuguesas, que forem peculiares àquele Reino, e não contiverem
alguma disposição geral, que estabeleça regra de Direito.

O contrato de Freitas com o governo era um importante passo no sentido de

contemplar a necessidade de organizar as leis civis brasileiras, como havia tempo

juristas, políticos e advogados reclamavam. Em um famoso pronunciamento, o

presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros Francisco Ignacio de Carvalho

Moreira enfatizou que

Até hoje temos vivido sob a influência de uma legislação, parte


estrangeira, parte nacional, heterogênea às instituições juradas pela
nação, própria só por isso mesmo para demorar a nossa civilização,
retardar o engrandecimento de nossa indústria, e por consequência de
nossa riqueza e opulência nacional.

Carvalho Moreira fez, em seu discurso, um histórico da tentativa de codificação

das leis civis no Brasil, mostrando que a multiplicidade da legislação criava um

“anacronismo social”, já que o país, mesmo depois de independente, continuava sendo


regulado por leis que já haviam sido revogadas até mesmo em Portugal. Como a

legislação antiga era relativa a costumes e práticas não mais em voga no Brasil, do seu

uso só poderiam resultar funestas consequências para a “estabilidade da justiça, e

segurança dos direitos civis, para a paz e a felicidade das famílias, efetividade dos

contratos, e manutenção da propriedade.”

Na realidade, a forma como este sócio do Instituto dos Advogados Brasileiros

advertia sobre a urgência da realização do código civil era de tal forma convincente que

dava até a impressão de que a codificação era uma necessidade histórica, sem a qual o

progresso e o avanço da civilização desejados nunca ocorreriam. Mas, ao mesmo tempo,

mostrava que a discussão acerca da reforma da legislação civil era tamanha porque,

acima de tudo, a tarefa não era considerada fácil por ninguém.

Ainda que não soubesse dos percalços inerentes a qualquer codificação, Teixeira

de Freitas o teria descoberto antes de passar à elaboração do código em si, para o qual

foi contratado em 1859. Certamente, Freitas se deparou com os problemas da

codificação civil no Brasil ainda quando recebeu o parecer da comissão encarregada de

rever a Consolidação, que chamava a atenção para a necessidade de revisão de alguns

itens do livro mas, principalmente, ressaltava um ponto: a questão da escravidão. Além

da menção específica à omissão sobre ao regime de trabalho escravo, este relatório

ainda enfatizou que, da definição de pessoas, também eram excluídos os cativos:

No 1o título, o das – pessoas –, o autor considera os atos do nascimento e


morte; e distingue as pessoas somente quanto à idade, família, alienação
e ausência. Pelas razões que o autor menciona a pag. 11, excluiu deste
título o estado da escravidão. Considerando os direitos somente como
civis ou políticos, do homem ou do cidadão; sendo os direitos políticos os
que se referem à participação do poder e funções públicas, e por
consequência só e exclusivamente dos Brasileiros; e os direitos civis
comuns aos Brasileiros, e estrangeiros; o autor não assinala neste título
diversa condição nacional, e ao estrangeiro.

Provavelmente Teixeira de Freitas já esperava um comentário destes, e não

apenas por causa dos conflitos havidos com Caetano Alberto Soares. Em sua introdução

à Consolidação, ele havia escrito que havia optado expressamente por não incluir os

escravos em seu projeto de código civil, para não “maculá-lo com o mal que ainda

afligia a sociedade brasileira”:

Cumpre advertir, que não há um só lugar do nosso texto, onde se trate de


escravos. Temos, é verdade, a escravidão entre nós; mas, se esse mal é
uma exceção, que lamentamos, condenado a extinguir-se em época mais
ou menos remota; façamos também uma exceção, um capítulo avulso, na
reforma das nossas Leis Civis; não as maculemos com disposições
vergonhosas, que não podem servir para a posteridade: fique o estado de
liberdade sem o seu correlativo odioso. As Leis concernentes à
escravidão (que não são muitas) serão pois classificadas à parte e
formarão o nosso Código Negro .

Este também foi um dos pontos mais enfatizados por Antonio Pereira Rebouças,

ao ler o trabalho de Teixeira de Freitas e ao se dispor a nominar expressamente os

pontos falhos omitidos pela Comissão. No entanto, não foi a ausência propriamente dita

de menções à escravidão que motivou sua crítica, mas a sua tentativa de sanar as

lacunas da obra através da inserção de notas de rodapé. Realmente, na segunda edição,

Freitas inseriu uma nota no parágrafo relativo à possível elaboração de um “Código

Negro”, dizendo que ia

… indicado o pouco que temos de legislação civil relativa a escravos; e


além disto um copioso subsídio, que extraímos do Direito Romano, única
norma na solução dos casos ocorrentes. Assim procedemos, no intuito de
prestar um serviço ao Foro. São muito frequentes, e delicadas, as
questões que este assunto oferece.
Estaria Teixeira de Freitas nesta última frase fazendo uma alusão às discussões

com Caetano Alberto Soares? É bem possível, e, se este for o caso, é interessante

constatar, que tempos depois, ele considerava “delicadas” as questões que envolviam a

escravidão. Era aí mesmo que estava situada a principal discordância de Rebouças: na

interpretação feita pelo autor às delicadas questões que relações contratuais e doações

suscitavam em uma ordem escravista.

Assim, Rebouças questionou o artigo 63 do livro, no qual Teixeira de Freitas

estabeleceu que a “única exceção à plenitude do direito de propriedade (...) terá lugar

quando o bem público exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão por

necessidade ou utilidade.” Para Rebouças, a ordenação filipina livro 4, título 11, ao

tratar da libertação dos escravos via pagamento da própria alforria, podia ser

considerada uma questão de necessidade ou utilidade do bem público, daí sua

argumentação:

… o que no par 4 do tit 11 da ord liv 4 ficou providenciado a favor dos


escravos mouros para resgate dos cristãos, sendo promovido por uma
terceira pessoa, não poderia deixar de, por identidade e maior força de
razão, ser aplicável ao escravo cristão, promovendo ele próprio a sua
liberdade.
Na cidade da Bahia, perante os ouvidores do cível, desde longa era,
quando o escravo tinha dinheiro para libertar-se, requeria com assistência
de um curador para ser depositado, proceder-se-lhe à avaliação e
depositada a quantia dela com a quinta parte era imediatamente
manutenido em sua liberdade; e então o senhor ouvido, não tinha que
questionar mais do que sobre a justiça e equidade da avaliação.
O que assim procedia até ser proclamada a Independência no Brasil, com
o sistema de governo monárquico constitucional e representativo, não
deveria deixar de ser procedente: vendo-se pela Lei de 20 de Outubro de
1823 (uma das da assembléia constituinte e legislativa do Império) dando
nova forma aos governos provinciais, se incumbia expressamente ao
presidente em conselho no art. 24 par 10, cuidar e promover o bom
tratamento dos escravos, e propor arbítrios para facilitar a sua lenta
emancipação.
Rebouças não chegou a repetir a sua argumentação de sempre a respeito da

interpretação da sua preciosa ord. liv 4 tit 11 par 4, mas fez referência ao costume de, na

Bahia, um escravo poder ser libertado através do pagamento do seu valor, acrescido da

quinta parte, dando a entender que esta seria a aplicação correta desta legislação filipina.

Interessante que, aqui, Rebouças introduziu um elemento novo, que é a providência

tomada pelo governo no sentido de facilitar a emancipação, ainda que lenta, dos

escravos. Provavelmente, apesar da referência à lei de 20/10/1823, ele estava mesmo

pensando na proibição do tráfico de escravos de 1850, que, como visto, tanto para ele

como para muitos, teria inaugurado o processo de emancipação. Seja como for,

Rebouças tentou fazer ver a Teixeira de Freitas que havia exceções ao direito de

propriedade, e que uma destas era justamente relativa à possibilidade de consecução da

alforria.

Freitas não concordou com esta argumentação; disse que, de tais alforrias

forçadas, não havia exemplo na Corte, e alegava ser a citada Ordenação muito

específica, não implicando, como estabelece o Repertório das Ordenações, na

obrigatoriedade da venda de todo escravo que queria se libertar. Na realidade, ele

considerava esta prática um abuso, concordando com o recém-divulgado Aviso 388 de

21 de dezembro de 1855 que estabeleceu regras para a consecução da alforria forçada e

a doação da liberdade por herdeiros.

Mas isto não era bem verdade. Teixeira de Freitas não só sabia da existência

deste tipo de ação na Corte, como havia defendido com sucesso um escravo em um

deles, em 1844, em um processo cujo advogado do senhor era ninguém menos do que
Caetano Alberto Soares. Das duas, uma: ou ele já havia se esquecido que tinha

conseguido libertar um escravo justamente através da alforria forçada ou, apesar de ter

atuado como advogado neste caso, sua posição política era de tal forma contrária a este

tipo de procedimento que provocou o esquecimento do episódio. Mais provável é que

Teixeira de Freitas não concordasse mesmo com a ocorrência de alforrias forçadas, o

que confirma a tese de Eduardo Pena que relativiza os supostos sentimentos

emancipacionistas de Freitas.

Neste caso, cabe ressaltar a posição de Rebouças em mostrar que havia alforrias

forçadas, mas também que elas deviam ser consideradas legais porque eram legítimas,

ou seja, porque eram um costume amplamente praticado e já reconhecido por alguns

tribunais. Temos aqui, portanto, um Antonio Pereira Rebouças menos preocupado com o

formalismo do que com as mudanças jurídicas necessárias à nova situação engendrada

pelo fim do tráfico atlântico de escravos. Ao mesmo tempo, vê-se que, para ele, havia

uma diferença na proposta de introdução de modificações legislativas quando o objeto

era o código civil, que deveria ser discutido e aprovado pela Assembléia Legislativa.

Contra a introdução de novas concepções de direito no âmbito do poder judiciário, ele

era francamente favorável à sua realização quando os responsáveis eram os membros do

poder legislativo.

Neste sentido, as observações de Rebouças aos artigos das Consolidações de

Teixeira de Freitas revelam suas posições acerca das condições ideais em que deveria

se dar a passagem da escravidão para a liberdade e a aquisição de direitos civis. Ao

mesmo tempo, elas demonstram as dificuldades em tentar legislar de forma definitiva –


já que o objetivo final seria a composição de um código civil – sobre temas que nada

tinham de estáticos.

Por exemplo, em dois artigos referentes à alforria gratuita, juridicamente

considerada como uma doação, Rebouças discordou da interpretação fornecida por

Teixeira de Freitas. No primeiro deles, era estabelecida a quantia-limite que homens e

mulheres poderiam dispor para fazer doações gratuitas sem precisar fazer um registro de

comprovação por escrito. Na nota, Teixeira de Freitas chamou a atenção para o fato de

que este artigo incluía a doação gratuita de alforrias, por ser considerada um ato

unilateral depois de aceita. A ênfase está nas três últimas palavras: “depois de aceita.”

Uma carta de alforria encontrada por ocasião do falecimento do senhor, para ele, só

deveria ter validade a partir da data de sua morte. Conclusão? “Os filhos, pois, de uma

escrava libertada nestas circunstâncias nascidos antes de ter a carta de alforria produzido

seus efeitos, antes de ser conhecida, (…) são escravos.”

Parece inacreditável que, depois de toda a discussão havida no Instituto dos

Advogados Brasileiros, Teixeira de Freitas voltasse ao mesmo assunto, num artigo que

apenas de longe requeria esta observação: insistindo na legitimidade das regras de

direito romano, uma vez interpretadas pelos legisladores das Ordenações Filipinas e

aplicadas ao direito brasileiro de meados do século XIX. Rebouças discordou usando

exatamente os mesmos argumentos de Freitas: disse que, de acordo com a ordenação

filipina liv 4 tit 63 par 7, a alforria não era dependente da aceitação do beneficiado.

Quer dizer, parte-se do princípio um tanto razoável de que nenhum escravo recusaria a

liberdade, ainda mais de graça, oferecida por seu senhor. Ele argumentou também que,

quando um escravo era legado em testamento para um herdeiro, ainda que este não
tomasse posse do bem no momento em que a carta de doação havia sido escrita, passava

a ser imediatamente oseu senhor. O mesmo deveria acontecer com a liberdade:

Assim, pois, sempre que a carta de liberdade, aparecida ou apresentada


depois do falecimento do libertante senhor se achar pura e simples, deve-
se ter que o liberto o ficara sendo desde a sua data; e, sendo do gênero
feminino, todos os frutos do seu ventre, acontecidos depois da data do
próprio título, devem ser tidos e reconhecidos por livres e mesmo
ingênuos, aliás, dar-se-ia o absurdo de serem geralmente válidas e
efetivas todas as doações entre vivos e ao contrário valerem somente
como causa mortis as liberdades, só pelo fato de não preexistirem os
libertos de posse de respectivos instrumentos liberais ou títulos por
escrito (…) Como não ter adquirido a liberdade o liberto pelo senhor
desde que lh’a concedeu posto que desde logo não lh’a dando a saber e
gozar? Como não serem livres os filhos da liberta nascidos ulteriormente
à data do título da concessão de sua liberdade?

Mas Teixeira de Freitas não foi convencido por estes argumentos. Na terceira

edição das Consolidações, ao responder às observações de Rebouças, disse que, em

primeiro lugar, não era inconcebível que escravos recusassem a liberdade oferecida

pelos senhores e, inclusive, que havia muitos exemplos de escravos brasileiros que o

haviam recusado, embora não tenha citado nenhum. Como já se sabe que Teixeira de

Freitas não era especialmente rigoroso quanto à acuidade das informações que usava em

suas argumentações, resta analisar a parte jurídica. Nela, este advogado discordou da

possibilidade de consideração da alforria em testamento como doação entre vivos; ela

seria causa mortis, como as doações de animais. E seguiu dizendo que

Rigorosamente, em tais hipóteses, fora logicamente sustentável não haver


doação alguma, nem entre vivos, nem causa mortis; pois, como entre
vivos temos um projeto, como causa mortis um ato sem solenidades
testamentárias.

Neste caso, Teixeira de Freitas complicou seu argumento: se “rigorosamente” a

alforria não poderia ser considerada uma doação, o que uma observação sobre as
especificidades da doação de liberdade estaria fazendo em um artigo sobre doações?

Mais ainda, como explicar que o senhor para ele continuaria sendo considerado como o

donatário, responsável pelo ato unilateral da doação?

Mais uma vez, Freitas concluiu que a decisão jurídica sobre uma questão como

esta é política, como acusou os membros do Instituto dos Advogados Brasileiros de

agirem. De Rebouças, disse apenas que “Surgem continuamente questões quando os

princípios não dominam”, e confirmou a mesma opinião da época do debate no IAB.

Interessante aqui que, para ele, a única argumentação que seria livre de opiniões e de

acordo com os corretos princípios jurídicos seria a sua própria. Mas Rebouças também

havia feito sua interpretação particular do direito: ao sustentar seus argumentos, havia

optado por considerar a alforria gratuita como um contrato de dotação, no qual a doação

da alforria seria um ato bilateral; assim, concluiu que a escrava entrava na posse da

liberdade exatamente no momento da assinatura da carta de alforria, e não da

divulgação do testamento; exatamente o contrário, pois, do que argumentou naquela

ação de liberdade em que discutiu com Domingos Figueira.

Depois da discussão sobre o envolvimento político dos advogados nas ações de

liberdade e das efetivas possibilidades de interpretação existentes em diferentes

períodos do século XIX, não cabe mais indagar qual a real opinião de Rebouças naquele

mais do que discutido processo. Está claro que, livre dos encargos de advogado, ele

tinha possibilidades de argumentar com razões que sua posição de defensor do senhor

então não o permitia. Mesmo assim, um ponto merece ser ressaltado: mantendo a

coerência de suas argumentações anteriores, Rebouças continuava insistindo na

conceituação das transações que envolviam a alforria como sendo operações contratuais
que, portanto, envolviam transmissão de bens. Como toda transação comercial, ele

defendia que, se não fosse plenamente cumprida, ela deveria ser anulada. Isto o levou a

conclusões surpreendentes, como a que chegou na última de suas observações relativas

à escravidão.

No artigo 421 da Consolidação, que tratava da possibilidade de revogação de

alforrias, Teixeira de Freitas sustentou que, não importa o que acontecesse, era

impossível revogar a alforria de um liberto nascido no Brasil, e isto porque ele já havia

adquirido os direitos de cidadania. Conhecendo-se a história de defesa dos direitos civis

de libertos de Antonio Pereira Rebouças, era de se esperar que ele endossasse esta nota.

Mas não: perguntando “que tem que os libertos pelo fato de o serem adquiram a

qualidade de cidadão para que deixem de a perder uma vez que tornados ao cativeiro?”,

ele defendeu que, se o liberto for ingrato, não importa o local de seu nascimento, deve

voltar a ser escravo. Acontece que ele não estava se referindo a qualquer ingratidão, mas

a um caso específico:

Frequentemente tem se visto investirem-se da qualidade de cidadãos e


soldados homens cativos na suposição de serem ingênuos ou libertos, e
depois de serem restituídos ao domínio e posse de seus senhores, uma
vez por estes justamente reclamados, deixando desde logo de ser
cidadãos e soldados. E, entretanto, esse mal é remediável, e o tem sido
efetivamente da conta da nação por medidas gerais no interesse da causa
pública. Que outro remédio contra a ingratidão atroz senão puní-la? E
que remédio mais adequado a evitá-la senão a certeza de não ficar
impune?

Quer dizer: aqueles libertos que haviam pagado por suas liberdades, ou que a

haviam adquirido através de outra forma legítima, sendo brasileiros, deviam se tornar

cidadãos plenos, sem cláusulas de restrição como, por exemplo, aquelas sugeridas
durante a discussão da Guarda Nacional. Mas aqueles que tentavam obter a liberdade

por meios ilegítimos e enganosos, estes deviam perder os direitos de cidadania, já que

haviam sido ilegalmente obtidos, e retornar à escravidão.

Teixeira de Freitas teve dificuldades em aceitar os argumentos de Rebouças,

porque este seria “mais um caso de perda dos direitos de cidadão além dos três que o

artigo 7 da Constituição do Império taxativamente designa,” mas acabou confessando

que suas próprias razões poderiam ser contestadas, já que não acreditava que a mesma

Constituição, ao declarar que são cidadãos brasileiros os libertos, incluísse também

aqueles que haviam conseguido a liberdade através de alforrias fraudulentas. Seu

convencimento foi tal que até o fez retornar, ainda mais uma vez, ao tema da condição

dos filhos das libertas: “admitindo este caso possível de revogação de alforrias, quid –

se a liberta teve filhos depois da alforria? A solução é a mesma, como no caso da

revogação por ingratidão (…). São escravos os filhos concebidos depois da revogação,

não assim os concebidos antes dela.” Este advogado assumia, assim, que a ordenação liv

4 tit 63 7, concernente às possibilidades de revogação de alforrias, não estava

totalmente revogada, apesar de considerar esta prática não mais aceitável no país.

Esta era a opinião predominante no meio jurídico de fins da década de 1850 e

meados da seguinte. Lourenço Trigo de Loureiro, em sua obra Instituições de Direito

Civil Brasileiro, publicada inicialmente em 1851 e adotada na cadeira de “Direito Civil

Pátrio” da Faculdade de Direito de Recife, estabelecia que apenas os “libertos

imperfeitos”, aqueles que estavam cumprindo condição, poderiam ter suas alforrias

revogadas por ingratidão, já que, por ainda não estarem no pleno gozo dos seus direitos

civis, não podiam ser considerados cidadãos. Mas, se o liberto já tivesse sido
“manumitido puramente”, não podia mais ser reduzido à escravidão por motivo de

ingratidão, porque já era cidadão e não podia perder os direitos de cidadania por alguma

razão que não as três citadas pela Constituição. Trigo de Loureiro, portanto, havia sido a

fonte de Teixeira de Freitas; este autor considerava a alforria como uma restituição à

liberdade natural, e, ainda que a forma às vezes fosse ilegal ou injusta, como ele o dizia,

ela não podia ser revogada se o indivíduo fosse natural do Brasil.

Vários jurisconsultos apoiaram-se nas posições de Trigo de Loureiro e Teixeira

de Freitas para condenarem a possibilidade jurídica de uma alforria ser anulada por

ingratidão do libertando. Antonio Joaquim Ribas e Agostinho Marques Perdigão

Malheiro, em suas importantes obras de direito civil na década de 1860, praticamente

repetiram as opiniões de seus antecessores, endossando-as, como o fez o primeiro,

dizendo:

Uma das questões que mais entre nós se tem debatido é, se esta Ord liv 4
tit 7 acha-se ou não revogada [cita textualmente a Consolidação e o
livro de Lourenço Trigo de Loureiro] Desejamos que esta opinião, que
não podemos aqui discutir, prevaleça no Foro, tendente como é a
restringir a escravidão.

Perdigão Malheiro, porque tratando especificamente das leis relativas à

escravidão, dedicou mais tempo ao assunto, demonstrando como, mesmo no direito

romano, em muitos casos os libertos eram até exonerados das obrigações que lhes

cabiam, e por isso não fazia sentido que a alforria por ingratidão, por qualquer razão,

ainda fosse considerada válida no país. Todos estes autores, portanto, ainda que com

opiniões divergentes acerca de outros assuntos relativos à escravidão, concordavam que

a alforria era uma restituição da liberdade natural devida a qualquer escravo e que, ao se
revogar uma alforria, estava-se na verdade reduzindo uma pessoa livre à escravidão, o

que era crime pelas leis do Império.

Mas eles omitiam um trecho importante do livro de Trigo de Loureiro. Ele dizia

que apenas as alforrias sem nenhuma condição suspensiva, e que não fossem ilegais ou

injustas, poderiam ser consideradas “puras”. Quer dizer: no caso descrito por Rebouças,

aquele autor provavelmente concordaria que as alforrias devessem ser revogadas. Neste

contexto, vê-se que a opinião de Rebouças sobre a revogação das alforrias daqueles que

as tinham conseguido, segundo ele, ilegalmente, estava em decadência, apesar de

encontrar ainda quem com ele concordasse. Em nenhum dos livros escritos na década de

1860, encontra-se qualquer referência à exceção feita às alforrias adquiridas de forma

supostamente ilegal. E isto acontecia porque, provavelmente, estava cada vez mais

disseminada a concepção de que a alforria era uma restituição da liberdade natural

àquele de quem ela fora indevidamente usurpada. Claro que esta opinião não fazia de

Perdigão Malheiro, de Antonio Ribas ou mesmo de Caetano Alberto Soares defensores

da emancipação imediata da escravidão; mas ela os diferenciava substancialmente de

pessoas como Antonio Pereira Rebouças, para quem a liberdade e, por extensão, a

cidadania, eram direitos para aqueles que os mereciam.

Ao continuar tratando a alforria como um prêmio devido ao merecimento, e não

como uma restituição da liberdade natural, Rebouças demonstra nunca ter chegado a

conceber a própria escravidão como sendo ilegítima. Quando completou setenta anos de

idade, comemorou a data com a concessão da liberdade a uma de suas escravas, já

alforriada em testamento, como lembrou André em seu diário:


[Em seu 70o aniversário,] meu Pai celebrou o amanhecer deste grato dia
dando a liberdade à nossa cria Guilhermina, filha de Damiana, liberta em
testamento por minha chorada Mãe.

A verdade é que Antonio Pereira Rebouças, mesmo na década de 1860,

continuava tratando a liberdade e os direitos civis como o fazia na Assembléia nas

décadas de 1830 e 1840, quando a defesa da propriedade e dos direitos individuais dos

libertos não aparecia como sendo contraditória, e a escravidão era tida, para a grande

maioria dos representantes políticos, como legítima. Mas, na década de 1860, o Brasil

havia mudado, e muito. O número crescente de ações de liberdade, principalmente

aquelas em que vários escravos de uma região rural tentavam conseguir suas liberdades

ao mesmo tempo, mostravam que aumentava a pressão pela consideração das alforrias e

dos direitos a elas conectados como uma questão coletiva, que terminaria

inevitavelmente por abranger a todos os escravos. Da mesma forma, cada vez mais

apareciam advogados, como Joaquim José Affonso Alves no Rio Grande do Sul e Luiz

Gama em São Paulo, dispostos a utilizar os dispositivos legais com o expresso objetivo

de libertar o maior número possível de escravos.

Rebouças, no entanto, nunca deixou de tratar as liberdades dos escravos como

uma questão individual. Seu problema fundamental continuou sempre sendo a defesa

dos direitos civis, mas em um país escravista. Disto se apercebeu o redator do Novo

Mundo, periódico “ilustrado do Progresso da Edade”, editado em Nova York com a

colaboração de André Rebouças, que uma vez dedicou a matéria de capa à história do

ilustre advogado:

Realçamos sobremaneira o frontispício desde número inserindo aí um


belo retrato do afamado Jurisconsulto brasileiro o sr. Antonio Pereira
Rebouças, e sentimos que nos faltem sobre ele dados biográficos (...). Há
poucos – bem poucos homens – no Brasil cujas opiniões políticas do
presente sejam coerentes com as que porventura emitissem há quarenta e
sete anos. O sr. Rebouças é o único que conhecemos que se possa louvar
disso: suas idéias políticas, pelo que sabemos, são hoje as mesmas que
sustentava quando a Bahia o mandara para a Câmara dos Deputados pela
primeira vez.

E, provavelmente por isso mesmo, suas críticas à Consolidação de Teixeira de

Freitas caíram no esquecimento. Afinal, as observações que tivera tanto cuidado em

elaborar não encontraram o eco esperado, mesmo depois da publicação da segunda

edição da obra, com a reprodução de parte de suas notas. Sua evidente tentativa de

influenciar no processo de codificação da legislação civil, mesmo sem ser convidado

por ninguém, caiu no vazio. Além das respostas do próprio Teixeira de Freitas, em

nenhum lugar foram encontradas menções à leitura de Rebouças sobre os dispositivos

relativos à escravidão presentes naquela obra, à exceção dos discursos e homenagens

proferidos por ocasião de sua morte, quando todos são vistos com olhos benevolentes.

Na realidade, não foi apenas a intervenção de Rebouças no processo de

codificação civil brasileiro que caiu no esquecimento. Toda a sua trajetória como

político e jurista ficou sintomaticamente esquecida, apesar dos seus muitos esforços em

preservar sua memória. Liberal entre conservadores na década de 1830, era tido como

conservador entre os novos liberais de meados dos anos 1860. Mas talvez se possa

aventar outras razões para este esquecimento: em toda a sua vida, Antonio Pereira

Rebouças manteve um discurso no qual recusava a dotar os critérios de obtenção e

exercício de cidadania de uma definição racial. Assim, tanto para aqueles que entendiam
a ascendência africana uma característica negativa, quanto para aqueles que a viam

como um atributo positivo, as idéias de Rebouças eram um bocado desconfortáveis.

Antonio Pereira Rebouças acreditava piamente na universalidade dos direitos

civis, que, por sua vez, reforçava a luta individual pelo exercício cotidiano da cidadania.

Para ele, a luta pela posse e garantia dos direitos civis devia ser feita através da

militância individual ou, no máximo, por um conjunto de indivíduos, mas nunca por

uma comunidade que se definisse em bases étnicas e, conjuntamente, reivindicasse seus

direitos. Origem étnica, para o bem ou para o mal, não deveria diferenciar ninguém. Por

mais improváveis que fossem as suas idéias, a forma como ele continuamente as

expressou não deixou de trazer problemas, nem que fossem apenas conceituais, àqueles

que disputavam a arena política em fins dos anos 1860.

Daí entende-se a sua amargura na correspondência trocada com Teixeira de

Freitas ainda por ocasião do lançamento da obra, e também seu esforço em perpetuar a

lembrança de seus feitos, já que, no seu entender, ninguém parecia deles lembrá-los.

Depois da morte de sua esposa Carolina, já começando a dar os primeiros sinais da

cegueira que marcaria seus últimos dez anos de vida, Rebouças passou a ditar suas

memórias a André, tarefa iniciada em 1867 e só finda em 1870, com a publicação dos

livros Recordações da vida patriótica e Recordações da vida parlamentar, quando se

sabe também da última referência de suas atividades como advogado.

De fato, Antonio Pereira Rebouças não participaria de nenhuma das discussões

referentes à Lei do Ventre Livre, e nem se pronunciaria publicamente a seu respeito.

Para não ter feito isto em um assunto de tal importância, é porque nada mais queria
mesmo da terra: entre ele e os homens já havia se quebrado o negro laço que os unia,

como descrito n’O Cavalo de Mazzepa. O que não deixa de ser uma triste ironia;

promulgada quando encerrava sua carreira, a lei de 1871, além de estabelecer que, a

partir de então, “Na terra da Santa Cruz, ninguém mais nasce escravo”, ela finalmente

regulamentava a prática do pecúlio escravo, transformando-o em lei e validando aquele

seu projeto com que iniciou suas intervenções na Assembléia, antes considerado tão

subversivo e perigoso.

Cego e viúvo, Antonio Pereira Rebouças passaria os últimos anos de sua vida

lembrando os feitos do passado e comparecendo a ocasionais cerimônias de

comemoração da independência. Foi visto pela última vez na igreja, quando completava

oitenta e dois anos de idade.


Conclusão: As marcas jurídicas da escravidão
“Finalmente, a lei no 3353 de 13 de maio de 1888 aboliu a escravidão a
partir daquele mesmo dia. Esta suprema decisão do legislador brasileiro
(...) afirmava e assegurava a liberdade do trabalho. E, para os
codificadores do direito civil brasileiro, ela punha fim a um de seus
pesadelos (...).”
A. Velloso-Rebello, 1911.

Antonio Pereira Rebouças faleceu em 1880. Teve um fim melancólico, o

“fiador dos brasileiros”. Mulato favorável à moderação na política e à revolução pelo

direito, ele acreditava poder, através do exemplo de sua própria trajetória, garantir que a

universalização dos direitos civis a todos os brasileiros sem quaisquer distinções era o

caminho certo para a eliminação das marcas da escravidão. Não chegaria, no entanto, a

ver a abolição da escravidão, a proclamação da República e, muito menos, a

promulgação do código civil do Brasil, que aconteceu em 1917. Este último

acontecimento certamente seria comemorado por ele, se fosse possível viver tanto

assim. Rebouças sempre insistira que só o código civil garantiria os direitos civis dos

cidadãos, ao mesmo tempo em que acreditava que este corpo de leis era realmente capaz

de assegurar a prática destes direitos.

Mas, no início da década de 1880, malgrado os seus esforços e os de

contemporâneos seus como Augusto Teixeira de Freitas e Nabuco de Araújo, esta era

uma realidade ainda longe de ser alcançada. A história da codificação da legislação civil

no Brasil, iniciada formalmente em 1855 com a contratação de Teixeira de Freitas para a

elaboração daquela primeira compilação das leis existentes, ainda teria um longo

caminho pela frente. Afinal, o projeto de elaboração do código civil, tal como

vislumbrado no Império, nunca foi realizado. Mesmo depois de ter escrito e publicado o
Esboço do código civil, Teixeira de Freitas nunca chegou a completá-lo, e abandonou a

tarefa em 1867, alegando incompatibilidades entre a sua concepção e a do governo.

Anos mais tarde, em 1872, José Thomaz Nabuco de Araújo tomou para si a tarefa, mas

morreu seis anos depois, antes de terminá-la, deixando dezenas de volumes de notas,

mas nenhum texto.

Três anos depois, o jurista Felício dos Santos apresentou ao governo um livro, os

Apontamentos, como proposta para realização do código. Como a comissão nomeada

para avaliar o texto não o tivesse aprovado, eles próprios foram incumbidos de redigir

um novo projeto. O grupo, composto por jurisconsultos como Lafayette e o próprio

Felício dos Santos, mal chegou a se reunir, e acabou dissolvido em 1883. A última

tentativa realizada durante o Império deu-se tarde demais: a derradeira comissão,

formada no próprio ano de 1889, composto por, entre outros, Afonso Pena, Candido de

Oliveira e até o Imperador, foi extinta com o fim do regime. Desde então, e até a

contratação de Clóvis Bevilácqua em 1899, o redator do código definitivo, o chamado

projeto de elaboração do código civil não passou de tentativas individuais.

Há quem diga que a incapacidade de concluir o projeto do código civil foi a

principal causa mortis de Nabuco. Há também muitos que acreditam que a alegada

incompatibilidade de Teixeira de Freitas era na verdade um primeiro sinal da loucura

que o acometia, cuja origem estaria na dedicação sem descanso à codificação da

legislação civil. Estes dois argumentos, principalmente este último, já foram bastante

explorados pela historiografia, e não serão desenvolvidos aqui. O que importa, neste

caso, é a constatação: enquanto houve escravidão, não houve código civil no Brasil. E é

esta que merece melhor exploração.


Os problemas apontados por Antonio Pereira Rebouças durante toda a sua

trajetória política e nas Observações à Consolidação das Leis Civis, no que se refere à

prática cotidiana das relações civis entre livres e escravos e na definição do status dos

libertos, não chegaram a ser resolvidos durante o período imperial, apesar de a lei do

Ventre Livre ter equacionado importantes problemas relativos à condição jurídica dos

escravos e às relações entre estes e livres, como no caso da interminável discussão sobre

o status dos filhos das escravas libertadas com condição de prestarem serviços por um

tempo determinado. De fato, promulgada em 1871 depois de intensos debates, a Lei do

Ventre Livre alterou radicalmente o status do escravo no Brasil, a partir do momento em

que oficializou aquilo que quase todos esperavam, mas receavam tornar público: o fim

do sistema escravista neste país, ao estabelecer que todos os filhos de escravos nascidos

a partir de então seriam considerados livres. Assim, mesmo se demorasse algum tempo

– aspecto criticado por muitos, à época – estavam contados os dias para o término da

escravidão. E isto não era pouca coisa, como bem notou Nabuco de Araújo, ao defender

o projeto de emancipação no Senado, por mais críticas que a ele pudessem haver,

dizendo que:

Neste sistema há um grande princípio, um princípio que satisfaz o


nosso patriotismo; com efeito, acaba o direito da escravidão, e só
subsiste o fato da escravidão, fato transitório, que há de ser extinto
gradualmente, porque não pode ser extinto imediatamente (...).

Assim, mesmo que ainda fossem necessárias outras leis e providências para

acabar definitivamente com a escravidão no Brasil, o sistema adotado pelo projeto e


instaurado em 1871 deveria ser a última palavra do legislador e, para ele, isto era o mais

importante:

“O projeto tem imperfeições, eu as notei, mas este projeto tem uma


inscrição magnífica que me obriga a votar por ele. Eis aí a inscrição:
Na terra da Santa Cruz, ninguém mais nasce escravo”.

Nabuco de Araújo parecia realmente acreditar no que dizia. Afinal, não há

nenhuma menção à escravidão em suas notas para elaboração do código civil. Para ele,

em termos jurídicos, a questão já estaria resolvida, a população então escrava já teria um

status civil assegurado para o futuro, o de livres e cidadãos como todos os outros. Se

muitos podem objetar que isto não é o suficiente para que estes direitos sejam realmente

assegurados – e realmente não é -, devemos convir que, no caso da formulação das

normas de direito civil, o problema deixa de existir. Neste caso, a lei de 1871 pode ser

considerada como a que estabelece, como princípio, o fim do dilema teórico entre

liberdade e propriedade, embora não o faça na prática.

A permanência da escravidão e o regime monárquico já foram apontados pela

historiografia como as maiores razões para a inexistência de um código civil no Brasil

imperial. Mais a primeira do que o segundo, já que muitas monarquias européias

testemunharam tentativas de elaboração de códigos civis sem que, por causa disso, este

sistema político fosse questionado. A questão real seria a impossibilidade de conciliar

um código necessariamente liberal, no qual os direitos de cidadania devessem ser

concedidos a todas as pessoas, com o sistema escravista, fundamentado juridicamente

na distinção entre pessoas – livres – e coisas – escravos. Não custa lembrar que este foi
o principal argumento de Teixeira de Freitas ao negar-se a macular o código civil com

disposições sobre a escravidão.

Paulo Mercadante, ainda na década de 1960, foi provavelmente o primeiro a

iniciar a interpretação do tema por este viés. Para ele, a promulgação do Código

Comercial (1850), tão “abrangente, regendo quase todas as relações da vida civil quanto

a obrigações e contratos”, sem o correspondente código civil ou, como queria Teixeira

de Freitas, sem a subordinação a um código que englobasse todas as atividades do

direito privado, deveu-se à existência da escravidão. Como seria impossível um código

civil que, denominado como tal, regesse as relações entre senhores e escravos, o

comercial acabava ficando responsável por enquadrar praticamente todos os âmbitos do

direito civil.

Analisando o processo de codificação do direito civil em outros países, sabe-se

que a escravidão, ainda que tenha sido um grande empecilho da codificação do direito

civil brasileiro, de forma alguma era o único. As polêmicas em torno da união do Estado

brasileiro com a Igreja, por exemplo, também foram fundamentais para a tomada de

consciência da necessidade de se estabelecer um espaço efetivamente público no Brasil.

A questão do padroado e as restrições de direitos a ele associados foram objeto de

intenso debate a partir de 1873, quando se iniciou a chamada questão religiosa, em que

dois bispos desafiaram as até então pacíficas relações do Estado brasileiro com o

Papado através das críticas à existência da maçonaria no Brasil. Além disso, por conta

das estreitíssimas relações entre Estado e Igreja, até o fim do Império não havia

qualquer tipo de registro civil, casamento civil ou cemitérios a-católicos, e apenas

católicos poderiam ser eleitos para cargos públicos. Este último ponto configurava uma
clara limitação da cidadania, já que aqueles que não professavam a fé católica não

poderiam ser cidadãos plenos, mesmo que satisfizessem as outras exigências existentes

na lei. Nabuco de Araújo, nesta época, pronunciou-se a respeito, explicando pontos

básicos que a questão religiosa suscitava no Partido Liberal, do qual fazia parte:

O Estado deve toda proteção à Igreja, o Estado deve manter a


liberdade e independência da Igreja; mas a Igreja deve saber que o
Estado tem leis para ela, como tem para todos os cidadãos, e leis que
são inflexíveis. (...) Com efeito, se pela constituição todas as religiões
são permitidas, como privar o cidadão de direitos políticos, porque ele
tem outra religião que não a do estado? (...) Isto não é possível (...)
porque trata-se, não de tolerância de fé, mas de tolerância civil ou
política.

Mesmo Nabuco, no entanto, considerava que algumas de tais questões só

podiam ser resolvidas quando ficasse pronto o código civil, como defendeu ao

discordar, em 1877, da opinião do Clube da Reforma, que pretendia a realização de um

programa que incluísse a instituição imediata do registro civil de nascimentos e óbitos e

o contrato civil obrigatório de casamento. Com o decreto do fim do padroado, no início

de 1890, um dos primeiros da República, alguns pontos começaram a ser resolvidos. A

regulamentação da vida civil, no entanto, só ocorreu com a promulgação do código.

Só por este exemplo, já se vê que a escravidão não pode ser considerada como

empecilho único à realização da codificação civil. A existência de tantos outros

problemas relativos à caracterização das relações familiares, heranças e status jurídico

das mulheres, analisados por Sueann Caulfield em Em Defesa da Honra, demonstram

que, assim como no processo de codificação do direito civil na França, era mais fácil

fazer consolidar juridicamente uma revolução do que introduzir mudanças no direito

privado.
Mas, além disso, regime de trabalho escravo e código civil não eram, por

natureza, incompatíveis, assim como escravidão e liberalismo não eram inconciliáveis

no Império brasileiro, como já evidenciado pelo longo debate historiográfico sobre o

assunto. No estado norte-americano da Louisiana, que, por conta do período de domínio

francês e espanhol, tinha suas leis vinculadas à tradição jurídica romana, e não à

common law, não só o código civil foi promulgado durante a vigência da escravidão,

como continha provisões relativas à relação entre escravos e senhores e regulações

concernentes à possibilidade de consecução da alforria. Promulgado em 1825, o código

civil da Louisiana continha pelo menos quatro artigos referentes a escravos: o artigo

174, sobre a impossibilidade de o escravo estabelecer qualquer tipo de contrato, exceto

aqueles relacionados com a sua própria emancipação; o artigo 177, que estabelecia que

o escravo não podia ser parte em nenhuma ação civil, à exceção de quando reclamasse a

sua liberdade; o artigo 189, que dispunha sobre a impossibilidade de uma alforria ser

revogada, por qualquer razão; e o artigo 461, que considerava que os escravos, apesar

de móveis por natureza, eram considerados bens imóveis pela lei.

No Brasil, ao contrário, as únicas referências à escravidão no Esboço do

Código Civil de Teixeira de Freitas tinham o sentido de afirmar que, mesmo devendo ser

objeto de um projeto especial de lei, todos os escravos deviam ser juridicamente

considerados pessoas, porque eram capazes de adquirir direitos:

Sabe-se que neste Projeto prescindo da escravidão dos negros, reservada


para um projeto especial de lei; mas não se creia, que terei de considerar
os escravos como coisas. Pôr muitas que sejam as restrições, ainda lhes
fica aptidão para adquirir direitos; e tanto basta para que sejam pessoas.
A grande diferença, neste caso, entre os contextos brasileiro e da Louisiana é

que, nesta última, desde o início do século XIX, as boas vendas do açúcar e do algodão

no mercado mundial fomentaram a reabertura do tráfico atlântico de escravos, o

fortalecimento do regime de trabalho escravo, o aumento da distância social entre

escravos africanos das plantations e os descendentes destes que, livres, moravam em

New Orleans e, consequentemente, diminuiram as possibilidades de consecução da

alforria na região; no Brasil, ao contrário, as investidas contra o tráfico internacional e a

lenta deslegitimação da escravidão, principalmente após 1850, permitiram que a

liberdade estivesse mais ao alcance de escravos do que o eram anteriormente.

Assim, uma das razões a serem apontadas para a dificuldade em codificar o

direito civil brasileiro no século XIX pode ser a transitoriedade do estado civil do

escravo, e não, propriamente, a existência da escravidão. Afinal, a escravidão em si não

trazia problemas à regulamentação, mas o fato de que, mesmo enquanto o regime de

trabalho escravo ainda não parecia seriamente ameaçado, a alforria era um horizonte

real na vida de muitos escravos.

Não é à toa que, já em 1830, Antonio Pereira Rebouças preocupava-se com a

aprovação de um projeto de lei no qual deveria ser regulamentada a passagem da

escravidão para a liberdade. No fundo, é esta compreensão que revela a perspicácia – e,

ao mesmo tempo, as ambigüidades – da leitura de Rebouças da sociedade brasileira do

século XIX: seu tema principal não era a escravidão em si, mas a regulamentação das

possibilidades da passagem da escravidão para a liberdade e as condições posteriores de

aquisição de direitos e exercício da cidadania. Rebouças estava preocupado com a


questão da aquisição e perda dos direitos civis, não com o fato de haver escravos no

país.

Seguindo esta lógica, entende-se por que ele considerava a emancipação dos

escravos como um processo lento, mas não como uma marca que tornasse inviável a

formação e o crescimento da nação, como os juristas do início do século XX depois o

disseram. Assim, para Rebouças, não havia uma incompatibilidade lógica entre

escravidão e código civil; o que havia era uma grande dificuldade dos dirigentes

políticos – leia-se, aí, os responsáveis pelo projeto do Regresso, consolidado a partir dos

anos 1850 – de visualizar uma sociedade na qual a passagem da escravidão para a

liberdade fosse efetivamente permitida e regulamentada, e não resultado de uma

exceção para casos especiais.

No âmago, portanto, das dificuldades para a realização do projeto de

codificação civil no Brasil no século XIX estão justamente as disputas em torno da

definição do conceito de cidadania. Dificuldades que eram, não custa repetir uma vez

mais, comuns a todos os países que tinham a construção de um Estado liberal entre suas

pretensões, formado por um conjunto de cidadãos. Como visto ao longo deste livro, nos

países escravistas das Américas, que durante o século XIX se viam, por diversas razões,

obrigados a discutir o fim do regime de trabalho escravo, a estas dificuldades foi

acrescida uma questão fundamental: se os africanos e seus descendentes deixarão de ser

escravos e passarão a ser trabalhadores livres, eles serão também cidadãos?

A originalidade do pensamento de Antonio Pereira Rebouças está justamente

no fato de ter percebido que nenhuma das grandes questões discutidas durante a

construção do Estado e da nação brasileiros poderia ser resolvida sem que esta fosse, ao
menos, formulada. Partindo de sua própria experiência, ainda na década de 1820,

Rebouças percebeu que a existência de um grupo intermediário entre os cidadãos e os

escravos era totalmente incoerente com os princípios fixados na Constituição de 1824.

Mais ainda, ela seria incoerente com o próprio passado, já que, com a extinção dos

Estatutos de Sangue, haviam sido abolidas todas as distinções de origem, que excluíam

cristãos-novos, mulatos e índios de cargos e outras benesses do Império Português.

Assim, nos últimos tantos anos do período colonial, o liberto, assim como o índio ou o

cristão-novo, era súdito do rei como qualquer outro.

Não fazia sentido que, depois, fosse justamente o Império Brasileiro a

reintroduzir critérios de distinção baseados na origem. Foi por isso que, na década de

1830, Rebouças foi radical ao propor a regulamentação da prática da compra da alforria

e, mais tarde, repudiou os critérios de escolha dos oficiais da Guarda Nacional. Foi por

isso também que se bateu contra a política conservadora do Regresso, que visava ao

restabelecimento de uma sociedade fundada em princípios hierárquicos que já havia

deixado de existir mesmo em Portugal. E, por fim, foi pela mesma razão que se

preocupou com a consolidação das lutas por direitos civis em um corpo de leis, já que

ele seria a sua única salvaguarda.

Curiosamente, no entanto, a originalidade e o radicalismo de Antonio Pereira

Rebouças caíram no esquecimento. Apesar de ter sido herói da independência,

Rebouças não conseguiu se fazer lembrado para além de sua geração. Entrou para a

história como o pai do abolicionista e engenheiro André. No fundo, Antonio Pereira

Rebouças seria mesmo considerado da forma como Joaquim Nabuco o descreveu: um

homem dividido entre as "duas raças", incompreendido tanto por aqueles a quem o
passado escravista era uma vergonha que deveria ser eliminada da memória coletiva da

nação, como o pensavam os codificadores do direito civil no início do século XX, como

por aqueles que pretendiam realizar uma construção positiva da idéia de raça, como,

muito posteriormente, o fizeram aqueles que reabilitaram a imagem de André Rebouças,

José do Patrocínio, Luiz Gama e tantos outros.

Provavelmente, para as gerações posteriores, devia ser difícil entender como

alguém poderia ter sido profundamente liberal sem, no entanto, deixar de ser escravista.

Ao mesmo tempo, para aqueles que pretendiam construir uma memória e uma

identidade positivas do passado africano, era difícil compreender por que Rebouças

optava por abordar a questão racial como fez, procurando mostrar que as diferenças de

origem não deveriam ser critérios distintivos para a cidadania. Através de sua trajetória,

aprofundando um liberalismo que acreditava ser verdadeiro, Rebouças passou a vida

insistindo, na Assembléia e nos tribunais, nos princípios de eqüidade, argumentando

que, no fundo, aquilo que então se chamava de raça não importava.

Ou, ao menos, não deveria importar.


Fontes e Bibliografia

A. Fontes Manuscritas

1. Arquivo Nacional (RJ):

Séries de Documentos
• Ações de Liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro (1808-1888).
• Decretos Honoríficos. Ordem de Cristo. Cx 787 (1824).
• Graças Honoríficas: Antonio Pereira Rebouças, Miguel Borges de Castro
Azevedo e Mello.
• Inventários: Antonio Ferreira Lima (1850); Carolina Pinto Rebouças (1865)
• Juízo da Segunda Vara Cível. Processos Cíveis. Maço 851 (1859).
• Juízo de Ausentes. Processos de Arrecadação. Cx. 517 (1865); Cx. 592
(1844).
• Juízo dos Feitos da Fazenda. Processos de Penhora. Maço 2322 (1867).
• Justiça - Magistratura e Justiça Federal (1808-1958). Fich. 94, IJ4 e IJ5.
• Matrículas e diplomas de estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra.
Fich. 75, gav.7.
• Mesa do Desembargo do Paço. Cx 166 (1823).
• Patentes Militares – Alferes. Cx 1 (1813).
• Segundo Ofício de Notas. Livro 20 (1816).
• Universidade de Coimbra (1770-1827). Diplomas. Cx. 726 (1770-1819); Cx.
727 (1820-1827).

Códices
• Cód. 117: Mesa do Desembargo do Paço e Consciência e Ordens. Índices.
vol.3: Magistratura, etc.
• Cód. 137: Registro Geral das Mercês
• Cód. 16: Faculdade de Direito de São Paulo. Índice onomástico de 1831 a
1883. Grau de Bacharéis e Doutores.
• Cód. 23: Livro de Assento do Tribunal do Desembargo do Paço: concurso de
habilitação dos bacharéis (1809-1827).
• Cód. 377: Entrada de Estrangeiros: Passaportes
• Cód. 381: Entrada de Estrangeiros (1835-1836)
• Cód. 422: Entrada de Estrangeitos: Passaportes
• Cód. 544: Mesa do Desembargo do Paço. Documentos referentes à
magistratura. 134 volumes (1799-1830).
• Cód. 604: Registro de Alvarás, Decretos e cartas de ministros da Casa de
Suplicação.
• Cód. IG1105: Ministério da Guerra – Sergipe – Correspondência do
Presidente da Província.
• Cód. IJ7-4: Primeiro Livro para Registro de Decretos da Regência em Nome
do Imperador - Regulamento das Relações do Império (1833).
2. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro:

Cartas
• Carta de Antonio Pereira Rebouças ao Cel. Henrique Garcez Pinto de
Madureira, sobre a confirmação da patente de Joaquim Simões. 1830.
• Carta de Antonio Pereira Rebouças a Simão Gomes Ferreira Veloso, dando os
parabéns pelo noivado de sua filha com José Antonio Saraiva. Rio de
Janeiro, 05/10/1859.

Consultas e Pareceres Jurídicos


• Parecer de Antonio Pereira Rebouças a respeito da alienação de bens da
Fazenda Nacional. Rio de Janeiro, 19/11/1867. Col. Senador Nabuco.
• Consultas acerca de estar ou não sujeito a pena o raptor que contrai
matrimônio com a raptada logo após perpetrar o crime. Parecer de
Teixeira de Freitas, Luís Fortunato de Brito Abreu Souza Menezes, Inácio
Manuel Álvares de Azevedo e Antonio Pereira Rebouças. 1858 (recorte
de jornal)

Fotografias
• Antonio Pereira Rebouças [fotografia], p.40, s.l / s.d. 1 foto p&b; 8,5 x 5cm.
Busto, ligeiro perfil. Álbum oferecido ao Barão de Cotegipe em 01/01/1878.
• Ampliação fotográfica de um desenho representando o Conselheiro Antonio
Pereira Rebouças, deputado. Desenho e fotografia não assinados. Busto, ½
perfil, casaca, com o broche da Ordem do Cruzeiro à lapela. 245 x 345.
Oval.

Coleções
• Bernardo de Souza Franco
• José Thomaz Nabuco de Araújo
• Sabino de Mello

3. Biblioteca Nacional (Seção de Manuscritos):

Coleção Antonio Pereira Rebouças


• Correspondência Passiva (cartas)
• Documentos Biográficos

Conservatório Dramático Brasileiro


• Censuras e julgamentos feitos por Antonio Pereira Rebouças, 1841-1859.

Documentos Biográficos
• Caixas 378, 732, 872, 1001
• Documentos C-12-4; C-552-13, C-777-13, C-285-13, C733-56, C809-22;
C906-13, C1018-98; C412-34; C1018-85; C1065-36
Demais Documentos

• Nota dos primeiros movimentos dos Brazileiros na Bahia para a independência


do Brazil redigida pelo Advogado Antonio Pereira Rebouças; dirigida à
Sociedade dos Veteranos. Bahia, 12/11/1865. 12 p.
• Ata da Sessão do Conselho Provincia sobre os artigos estabelecidos pelos
Comandantes da força armada e povo, 5 de abril 1831
• Ata da Sessão do Ordinária do Conselho Provincial da Bahia, 9 de abril de
1831
• Ata do Conselho Provincial da Bahia em que se tratou a saída dos portugueses
da Província, pelos acontecimentos verificados no Rio, 14 e 15 de abril de
1831
• Carta ao Redactor do Soldado da Tarimba. Bahia, 1828.
• Memorial Histórico da Província de Sergipe desde a época de sua
independência, escrita com toda a imparcialidade oferecida ao Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor Presidente Dr. José Pereira da Silva Moraes por
um Sergipano, s.d.
• Ofício de José Egídio Gordilho de Barbudo, dirigido a Pedro de Araújo Lima,
sobre rebelião de negros. Bahia, 1828.
• Pedido de Antonio Pereira Rebouças da ajuda de custo que lhe compete como
deputado à Assembléia Geral pela Província da Bahia. 1837.
• Recibo de 20$000 a Antonio Pereira Rebouças pela Mercê de Cavaleiro da
Ordem Imperial do Cruzeiro. Rio de Janeiro, 15/10/1823.
• Sergipe – Apontamentos para a sua História, 2 de Dezembro de 1825.

B. Fontes Impressas

1. Legislação
• ALMEIDA, Candido Mendes de (org.) Ordenações Filipinas. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1985. Edição fac-similar à de 1870.
• ARAÚJO, José Figueroa Nabuco de. Legislação Brazileira de 1808 até 1831.
Rio de Janeiro, J. Villeneuve, 1836-1844. 7 vols.
• CARNEIRO, Manoel Borges. Mappa Chronologico das Leis, e mais
Disposições de Direito Português, Publicadas desde 1603 até 1817. Lisboa,
1818.
• Collecção Chronológica dos Assentos da Casa de Suplicação e do Civil.
Coimbra, 1852.
• Collecção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal. Parte II. Da
Legislação Moderna. Leis, decretos, etc. 1556-1832. Coimbra, Real
Imprensa da Universidade, 1819.
• Collecção das Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Nacional.
• Collecção dos Breves Pontificios e Leys Régias que forão expedidos e
publicados desde o ano de 1741, sobre a liberdade das pessoas, bens e
commercio dos Índios do Brasil. Lisboa, Secretaria de Estado.
• LISBOA, José da Silva. Roteiro brasílico ou colecção de princípios e
documentos de direito político em série de números. Rio de Janeiro,
Typographia Nacional, 1822.
• MENDONÇA, Francisco Maria de Souza Furtado de. Repertório geral ou índice
alfabético das leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Eduardo &
Henrique Laemmert, 1850.
• Regimento da Relação do Rio de Janeiro que D. José há por bem de dar para o
Governo da Relação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, na
forma que nelle se declara. Lisboa, 1751.
• RIBEIRO, João Pedro. Indice Chronologico e Remissivo da Legislação
Portuguesa, Posterior à Publicação do Código Filipino. 6 vols. Lisboa,
1820.
• SILVA, Antonio Delgado. Colleção de Legislação Portuguesa desde a Última
Compilação das Ordenações. Lisboa, Typografia Maigrense, 1825-1830. 6
vols.
• SILVA, Manoel J.N. da. Synopsis da Legislação Brazileira. Rio de Janeiro,
1879.
• VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa. Elucidário das Palavras, Termos e
Frases que em Portugal Antigamente se Usaram e que Hoje Regularmente
se Ignorão. Lisboa, 1963.

2. Periódicos
• Correio Mercantil, 16 de setembro de 1857.
• Jornal do Commercio, 5 de abril de 1942.
• Novo Diário da Bahia, 26 de dezembro de 1837.
• O Bahiano; pela constituição e pela lei. Bahia, Typographia Imperial e
Nacional, 1828-31.
• O Constitucional. Bahia, abr/ago 1822.
• O Correio da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, 1831.
• O Novo Mundo: Periódico Ilustrado do Progresso da Edade, vol. V no. 53. Por
J.C. Rodrigues. New York, 22 de fevereiro de 1875.
• Revista Mensal do Ensaio Philosophico Paulistano, 30 de setembro de 1855.

3. Anais da Assembléia Legislativa


• Anais do Parlamento Brazileiro. Edição fac-similar. Brasília, Câmara dos
Deputados, 1982 (1831-1847).
• Annaes do Parlamento Brasileiro: Assembléia Constituinte, 1823. Rio de
Janeiro, Typographia Imperial Instituto Artístico, 1874. (edição fac-similar).

4. Obras de Antonio Pereira Rebouças


• Alegação do recorrente Agostinho Mendes de Brito Pinto, sucessor de Joaquim
José da Silva Santos justificando a revista em que lhe é parte como
recorrido o Banco Rural e Hypothecario. Rio de Janeiro, Typographia Paula
Brito, 1865.
• Ao Sr. Chefe de Polícia, responde o Rebouças. Bahia, Typographia de Manoel
Antonio da Silva Serva, 1838.
• Aos poderes políticos e aos brasileiros em geral. Rio de Janeiro, Laemmert,
1867.
• Discurso pronunciado na Camara dos Deputados na sessão de 16 de maio, pelo
Deputado Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro, Typographia Imperial e
Constitucional de E.Seignot-Plancher, 1832.
• Discurso pronunciado na Camara dos Deputados na sessão de 17 de maio, pelo
Deputado Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro, Typographia Imp[erial
e Constitucional de E.Seignot-Plancher, 1832.
• Discursos pronunciados na Câmara dos Deputados em 1832. Rio de Janeiro,
Typographia Imperial e Constitucional de E. Seignot-Plancher, 1832.
• Exposição por parte do visconde da Torre de Garcia d'Ávila à Assembléia Geral
Legislativa do Império... Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de F.M.
Ferreira, 1851.
• Observações do advogado Antonio Pereira Rebouças à Consolidação das Leis
Civis do dr. Augusto Teixeira de Freitas. Rio de Janeiro, Typographia do
Correio Mercantil de M. Barreto, Filhos e Octaviano, 1859.
• Petição dirigida aos srs. Representantes da nação brasileira para ser
reconhecido habilitado para exercer quaisquer empregos para os quais se
hão por habilitados os bacharéis formados... como se carta de formatura
tivesse. Rio de Janeiro, Typographia do Brazil, 1847.
• Recordações da vida parlamentar do advogado Antonio Pereira Rebouças.
Moral, jurisprudência, política e liberdade constitucional... Rio de Janeiro,
Laemmert, 1870.
• Recordações da vida patriótica do advogado Rebouças compreendida nos
acontecimentos políticos de fevereiro de 1821 a setembro de 1822; de abril a
outubro de 1831; de fevereiro de 1832 e de novembro de 1837 a março de
1838. Rio de Janeiro, Typographia G. Leuzinger & Filhos, 1879.
• Requerimento dirigido ao Imperador D. Pedro I. Rio de Janeiro, Typographia
Nacional, 1823.
• Satisfação do dinheiro em moedas de ouro e prata dos Teixeiras Barbosas,
empregado de novembro de 1822 a julho de 1823 na manutenção vital do
Exército pacificador empenhado na Guerra da Independência... pelo
advogado Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro, Typographia Imperial
de J.M.N.G., 1860.

5. Obras Jurídicas
• BATISTA, Francisco de Paula. Compendio de theoria e pratica do processo civil
comparado com o comercial e de hermeneutica jurídica, para uso das
faculdades de direito do Império. Pernambuco, 1872, 3a edição [1860].
• BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação
(Coleção “Os Pensadores”). São Paulo, Abril Cultural, 1979.
• BEVILACQUA, Clóvis. “Instituições e costumes jurídicos dos indígenas
brasileiros ao tempo da conquista”, in Revista Contemporânea, ano I,
número I. Recife, 1894.
• BEVILACQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado
por Clóvis Bevilácqua. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1917.
• BROTERO, José Maria de Avellar. Princípios de Direito Natural. Rio de
Janeiro, Typographia Imperial e Nacional, 1829.
• CARNEIRO, Manuel Borges. Direito Civil de Portugal. Lisboa, 1851.
• CARVALHO, Alberto Antonio de Moraes. Praxe Forense ou Directorio Pratico
do Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos
Livreiro Editor, 1910. 3a. edição.
• COELHO RODRIGUES. Projeto do Código Civil precedido da história
documentada do mesmo e dos anteriores. Rio de Janeiro, Typographia Jornal
do Commercio, 1897.
• Defesa do bacharel Cipriano José Barata contra as falsas acusações da devassa
tirada em Pernambuco em novembro e dezembro de 1824. Rio de Janeiro,
Typographia do Diário, 1825.
• FREIRE, Pascoal José de Mello. Instituições de Direito Civil Lusitano.
Pernambuco, Typographia de Santos e Companhia, 1839.
• FREITAS, Augusto Teixeira de. A Consolidação das Leis Civis. 2a. edição
aumentada. Observações do advogado conselheiro Antonio Pereira Rebouças
confirmando e ampliando as da primeira edição. Rio de Janeiro, Laemmert,
1867.
• FREITAS, Augusto Teixeira de. A Consolidação das Leis Civis. Rio de Janeiro,
Typographia Universal de Laemmert, 1865.
• FREITAS, Augusto Teixeira de. Código Civil. Esboço. Rio de Janeiro,
Typographia Universal Laemmert, 1864.
• GONZAGA, Tomás Antonio. Tratado de Direito Natural. Rio de Janeiro, MEC /
INL, 1957.
• HEINECCIUS, Johannes Gottlieb. Prelecções. Elementos de direito civil,
segundo a ordem das Institutas. Versão portuguesa por Dermillo Duperron.
Recife, Medeiros, 1875.
• LOBÃO, Manuel de Almeida e Souza de. Notas de uso prático e críticas aos
livros I, II e III das Instituições do dr. Paschoal José de Mello Freire. Lisboa,
Imprensa Nacional, 1868.
• LOBÃO, Manuel de Almeida e Souza de. Segundas Linhas sobre o Processo
Civil, ou antes Addições às Primeiras do Bacharel Joaquim José Caetano
Pereira e Souza. Lisboa, 1817, 2 vols.
• LOBÃO, Manuel de Almeida e Souza de. Tractado das obrigações recíprocas,
que produzem ações civis. Lisboa, Imprensa Nacional, 1852.
• LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. Rio de
Janeiro, B.L. Garnier, 1871- 2. 2 vols.
• MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. “Illegitimidade da propriedade
constituida sobre o escravo. - Natureza de tal propriedade. - Justiça e
conveniencia da abolição da escravidão; em que termos", in Revista do
Instituto dos Advogados Brasileiros, no. 2, vol. 3, p. 131-52, julho-set. 1863.
• MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. Escravidão no Brasil - ensaio
histórico, jurídico, social. Petrópolis, Vozes/INL, 1976 (1866).
• MOREIRA, Francisco Ignácio Carvalho de. “Da revisão geral e codificação das
leis civis e do processo no Brasil”. Revista do Instituto dos Advogados
Brasileiros, anos I e II, 1862, 1863. Edição fac-similar, no especial, ano XI,
1977.
• OLIVEIRA, Antonio J.R. Conselheiro Fiel do Povo ou Colleção de Fórmulas.
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• CONSTANT, Benjamin. Cours de Politique Constitutionelle. Bruxelles, Société
Belge de Librairie, Imprimerie e Papeterie, 1837 (terceira edição).
• Falas do trono desde o ano de 1823 até o ano de 1889 … Brasília, Instituto
Nacional do Livro, 1977.
• FIGUEIRA DE MELLO, Jerônimo Martiniano. Crônica da rebelião praieira em
1848 e 1849. Rio de Janeiro, 1849.
• FONSECA, Antonio Borges da. Manifesto político: apontamentos de minha
vida política e da vida política do sr. Urbano Sabino Pessoa de Mello.
Recife, 1867.
• NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo - Conferências e Discursos
Abolicionistas. São Paulo, IPE, 1949.
• NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. Rio de Janeiro, Topbooks, 1998,
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• PESSOA DE MELLO, Urbano Sabino. Apreciação da revolta praieira de
Pernambuco. Rio de Janeiro, 1849.
• REBOUÇAS, André. Apontamentos para a Biographia do Engenheiro Antonio
Pereira Rebouças Filho. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1874.
• REBOUÇAS, André. Diário e Notas Autobiográficas. Texto escolhido e anotado
por Ana Flora e José Ignácio Veríssimo. Rio de Janeiro, Livraria José
Olympio, 1938.
• REBOUÇAS, Manoel Maurício. Tratado sobre a Educação Doméstica, e
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desde a gestação até a emancipação civil e política. Bahia, Typographia de
Antonio Olavo da França Guerra, 1859.
• SOARES, Caetano Alberto. Memória para melhorar a sorte dos nossos
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• SOUZA FRANCO, Bernardo. A situação econômica e financeira do Brasil, in
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• SOUZA FRANCO, Bernardo. Discursos pronunciados na câmara dos
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Anexos
1. Ordenações Filipinas, Livro 4, Título 11, Parágrafo 4:

“E porque em favor da liberdade são muitas cousas outorgadas contra as regras gerais:
se alguma pessoa tiver algum Mouro captivo, o qual seja pedido para na verdade se
haver de dar e resgatar algum Christão captivo em terra de Mouros, que por tal Mouro
se haja de cobrar e remir: mandamos que a pessoa, que tal Mouro tiver, seja obrigado de
o vender, e seja para isso pela Justiça constrangido. E se o comprador e Senhor do
Mouro se não concertarem no preço, no lugar, onde houver dous Juizes, eles ambos com
um dos Vereadores mais antigo, não senso suspeito, se meterá outro em seu lugar, em
maneira que sejam três, avaliem o Mouro; informando-se bem do que pode valer
segundo comum valia a estimação, e não segundo afeição particular, havendo respeito a
sua idade, saúde, saber, costume, serviço, disposição, arte e oficio, ou outra qualidade,
por bem da qual deva valer mais, ou menos. E bem assim, se é de resgate, e se tem dele
tratado, e se tem dele certificado seu Senhor por Alfaqueque, de maneira que pareça,
que aquilo poderá haver de seu resgate. E em aquilo, que acharem, que na verdade
poderá em salvo haver, tirados todos os custos do resgate, assim de despezas, como de
dízima, fretes, e quaisquer outros, avaliem tal Mouro. E o que não for de resgate, por-
lhe-hão sua valia, como dito é, ouvindo sempre primeiro as partes sobre as ditas
qualidades para sua informação. E o em que for avaliado, com mais a quinta parte da
avaliação, que é a razão de vinte por cento, façam dar e pagar ao Senhor do Mouro, e
não seja desapossado dele, até ser primeiro pago de tudo o que houver de haver, dando
apelação e agravo às partes. E em Lisboa terão o dito conhecimento ambos os Juízes do
Cível, se não forem suspeitos, com um Corregedor dos da Cidade. E seguindo-se caso,
por que tal resgate não se faça, pelo Cristão cativo morrer, ou se tornar elche, fique
escolha ao Senhor que foi do Mouro, para o tornar a haver, tornando o que por ele
recebeu, ou ter antes o preço, que tiver recebido.”
2. Projeto apresentado por Antonio Pereira Rebouças à Assembléia Legislativa em 14 de
maio de 1830

“A Assembléia geral legislativa decreta provisoriamente o seguinte: Art. 1o O que estava


determinado pela ordenação liv. 4 tit. 11 4 a respeito dos mouros cativos em Portugal,
terá lugar no Brasil a respeito de todos os escravos, quer nacionais, quer africanos, do
modo seguinte: 1. Todo e qualquer escravo que consignar em depósito público o seu
valor, e mais a quinta parte do mesmo valor, será imediatamente manutenido se seu
senho não convier em conferir-lhe amigavelmente a liberdade. 2. O valor se verificará
perante o juiz de paz do lugar, ou por arbitradores do conselho ou por arbitradores
nomeados e jurados à convenção das partes; exercendo o mesmo juiz de paz o arbítrio
de bom varão no caso de desistência. 3. Para ter lugar o ato de nomeação de árbitros
que procedam a avaliação do libertado ou libertada, perante o juiz de paz, deverá o
mesmo libertado ou libertada ser previamente posto sob a tutela de um depositário
idoneo, recorrendo a esse mesmo fim ao mesmo respectivo juiz de paz. O depósito
pessoal se relaxará imediatamente com o depósito do valor arbitrado e sua quinta parte.
Art. 2o Compete ao senhor do libertado ou libertada opor-se à avaliação perante o juiz
de direito, a quem competirá conceder a manutenção imediatamente que se lhe prove
que o depósito do valor e sua quinta parte se tem realizado. No caso de sucumbir o
senhor na oposição, perderá a quinta parte de mais do valor consignado, além de pagar
as custas para o então liberto ou liberta. Art. 3o Também será admitido o senhor a alegar
que o dinheiro consignado para a liberdade lhe fora furtado ou roubado, sujeitando-se à
perda do mesmo dinheiro para o então liberto ou liberta, no caso de não provar o
alegado. A indicada condenação, quando houver lugar, será fulminada ao mesmo
processo e sem a dependência de algum outro. Art. 4o Em qualquer dos casos em que
realizado o depósito legal do valor do libertado ou libertada, e a sua quinta parte, o
senhor se oponha, negando-se a passar a competente carta de liberdade, o juiz de direito
a concederá definitivamente. Ficam revogadas todas as leis e quaisquer disposições em
contrário. Paço da camara dos deputados, 14 de Maio de 1830. O deputado Antonio
Pereira Rebouças.” Annaes do Parlamento Brasileiro, sessão de 14 de maio de 1830.
3. Ordenações Filipinas, Livro 3, Título 64

“Como se julgarão os casos, que não forem determinados por as Ordenações


Quando algum caso for trazido em prática, que seja determinado por alguma Lei de
nossos Reinos, ou estilo de nossa Corte, ou costume em os ditos Reinos, ou em cada
uma parte deles longamente usado, e tal, que por Direito se deva guardar, seja por eles
julgado, sem embargo do que as Leis Imperiais acerca do dito caso em outra maneira
dispõem; porque onde a Lei, estilo, ou costume de nossos Reinos dispõem, cessem
todas as outras Leis, e Direito.
E quando o caso, de que se trata não for determinado por Lei, estilo ou costume de
nossos Reinos, mandamos que seja julgado sendo matéria, que traga pecado, par os
sagrados Canones.
E sendo matéria, que não traga pecado, seja julgado pelas Leis Imperiais, posto que os
sagrados Canones determinem o contrário.
As quais Leis Imperiais mandamos, somente guardar pela boa razão em que são
fundados.
E se o caso, de que se trata em prática, não for determinado por Lei de nossos Reinos,
estilo, ou costume acima dito, ou Leis Imperiais, ou pelos sagrados Canones, então
mandamos que se guardem as Glosas de Accursio, incorporadas nas ditas Leis,
quando por comum opinião dos Doutores não forem reprovadas; e quando pelas
ditas Glosas o caso não for determinado, se guarde a opinião de Bartholo, porque a
sua opinião comumente é mais conforme à razão, sem embargo que alguns Doutores
tivessem o contrário; salvo, se a comum opinião dos Doutores, que depois dele
escreveram, for contrária.
E acontecendo caso, ao qual por nenhum dos ditos modos fosse provido, mandamos que
o notifiquem a Nós, para o determinarmos: porque não somente tais determinações
são desembargo daquele feito de que se trata, mas são Leis para desembargarem
outros semelhantes.
E sendo o caso, de que se trata tal, que não seja matéria de pecado, e não fosse
determinado por Lei do Reino, nem estilo de nossa Corte, nem costume de nossos
Reinos, nem Lei Imperial, e fosse determinado pelos textos dos Canones por um
modo, e per as Glosas e Doutores das Leis por outro modo, mandamos que tal caso
seja remetido a Nós, para darmos sobre isso nossa determinação, a qual se guardará.
Lei de 18 de Agosto de 1769 (Lei da Boa Razão)

Declarando a autoridade do Direito Romano, e Canonico, Assentos, Estilos e


Costumes
D. José por graça de Deus, Rei de Portugal, e dos Algarves, d’aquém, e d’além
Mar em Africa, Senhor da Guiné, e da Conquista, Navegação, Commercio da Ethiopia.
Arabia, Persia e da India etc.
Faço saber aos que esta minha Carta de Lei virem, que por quanto depois de muitos
anos tem sido um dos mais importantes objetos da atentação, e do cuidado de todas
as Nações polidas da Europa o de precaverem com sábias providências as
interpretações abusivas, que ofendem a magestade das Leis; desautorizam a
reputação dos Magistrados; e tem perplexa a justiça dos litigantes; de sorte que no
direito, e domínio dos bens dos Vassalos não possa haver aquela provável certeza,
que só pode conservar entre eles o público sossego:
Considerando eu a obrigação, que tenho de procurar aos Povos, que a Divina
Onipotência por debaixo da minha proteção, toda a possível segurança nas suas
propriedades; estabelecendo com ela a união, e paz entre as famílias, de modo, que
umas não inquietem as outras com as injustas demandas, a que muitas vezes são
animadas por frívolos pretextos tirados das extravagantes sutilezas, com que
aqueles, que as aconselham, e promovem, querem temerariamente entender as Leis
mais claras, e menos suscetíveis de inteligências, que ordinariamente são opostas ao
espírito delas, e que nelas se acha literalmente significado por palavras exclusivas de
tão sediciosas, e prejudiciais cavilações:
Tendo ouvido sobre este grave, e delicado negócio um grande número de Ministros
de meu Conselho, e Desembargo, de muito timorata consciência, muito zelosos do
serviço de Deus, e meu; e muito doutos, e versados nas ciências dos Direitos
Publico, e Diplomatico, de que depende a boa, e sã Legislatura; das Leis Patrias;
dos louváveis costumes destes Reinos; das Leis dos antigos Romanos vulgarmente
chamadas Direito Civil; e das de todas as Nações iluminadas, que hoje se conhecem;
foi por todos nas repetidas Sessões (que se tiveram sobre esta materia)
uniformemente assentado, que o meio mais próprio, e eficaz para se ocorrer às
sobreditas interpretações abusivas, é que o Senhor Rei D. Manoel de gloriosa
memória (reputando justamente as mesmas interpretações por crimes graves) deixou
estabelecido pelo liv. 5 tit 58 par 1 de sua Ord.; e que dela se transportou para o liv 1
tit 4 par 1, tit 5 par 5, da Compilação das Ordenações publicada no ano de 1602; e
para o par 8 da Reformação do ano de 1603; se eu fosse servido excitar eficazmente
a disposição dos ditos parágrafos, de sorte que constituam impreteríveis regras para
os Julgadores; e fosse servido declará-los, e modificá-los de modo que mais não
possam cair em esquecimento, nem suspender-se, alterar-se, ou reduzir-se a termos
de questão a observância deles nos casos ocorrentes. E conformando-me com os
ditos pareceres, e com o que neles foi assentado: Quero, mando, e é da minha
vontade, que daqui em diante se observe aos ditos respeitos o seguinte.
Quanto a sobredita Ordenação do liv 1 tit 4 par 1: mando, que as glosas do
Chanceler da Casa de Suplicação nela determinadas se observem, e pratiquem
inviolavelmente, e sem controvérsia, ampliação, ou restrição, nos dois casos
seguintes: 10 quando a decisão da Carta, ou sentença, que houver de passar pela
Chancelaria, for expressamente contraria às Ordenações, e às Leis destes meus
Reinos; 20 quando a sobredita decisão for contra Direito expresso com erro do
referido Direito por si mesmo notório.
No primeiro dos referidos casos; verificando-se que algum, ou alguns dos
Desembargadores ou julgaram contra a expressa disposição da Lei; ou que em
lugar de julgarem o direito das partes, julgaram a inteligência duvidosa da Lei
pelo seu próprio arbítrio antes de recorrerem ao Regedor para ele na Mesa
Grande fazer tomar assento sobre a interpretação do genuíno sentido da mesma
Lei; mando, que o Chanceler suprindo neste caso o que os sobreditos
Desembargadores deveriam ter feito; leve imediatamente os autos ao Regedor
com a glosa, que neles houver posto; para sobre ela se tomar assento decisivo na
forma abaixo declarada. E ordeno, que a esta glosa, e assento sobre ela tomado
neste caso, em que se não julga o direito das partes no particular de cada uma
delas, mas sim a inteligência geral, e perpétua da Lei em comum benefício, que
não possa haver embargos, nem outro algum recurso, que não seja imediato à
minha Real pessoa, de que nunca é visto serem privados os Vassalos.
Item: Mando que no segundo dos mesmos dois casos, sendo que as Cartas, ou
Sentenças levadas com a glosa ao Regedor; este as faá julgar na sua presença em
tal forma, que, se a decisão for de um só Ministro nomeie três Desembargadores
dos mais doutos, e versados nas Leis, e estilos da Casa para a determinação da
glosa de que se tratar: se for passada por Acórdão nomeie cinco Ministros das
mesmas qualidades; e o que eles determinarem será também expedido por
acórdão assinado por todos. Parecendo às partes prejudicadas embargar os
acórdãos, que se proferirem sobre as ditas glosas; o poderam fazer neste caso. O
Regedor nomeará para a decisão dos ditos embargos oito Desembargadores das
mesmas qualidades. E o que eles decidirem será executado sem outro algum
recurso, que não seja o imediato à minha Real pessoa na sobredita forma.
Quanto à outra Ordenação do mesmo liv. 1 tit 5 par 5: mando que a disposição dele
estabeleça a praxe inviolável de julgar sem alteração alguma, qualquer que ela
seja: e que os Assentos já estabelecidos, que tenho determinado, que sejam
publicados; e os que se estabelecerem daqui em diante sobre as interpretações
das Leis; constituam Leis inalteráveis para sempre se observarem como tais
debaixo das penas abaixo estabelecidas.
Item: Quanto ao parágrafo 8 da reformação do ano de 1605: mando que as
interpretações, ou transgressões dos estilos da Casa de Suplicação nele
estabelecidos por assentos tomados na forma, que para eles está determinada,
sejam da mesma sorte sorte observados como nas Leis; excitando a prática de
levar o Chanceler as Cartas, e Sentenças, em que eles foram ofendidos, com as
suas glosas à presença do Regedor, para ele mandar proceder na mesma
conformidade acima ordenada; e ordenando que em todos os casos de assentos
sejam convocados por avisos do Guarda-Mor da Relação os Ministros de fora
dela, que o Regedor parecer convocar.
Item: Mando, que não só quando algum dos juízes da Causa entrar em dúvida sobre
a inteligência das Leis, ou dos estilos, a deva propor ao Regedor para se
proceder a decisão dela por assento na forma das sobreditas Ordenações e
reformação; mas que também se observe igualmente o mesmo, quando entre os
Advogados dos litigantes se agitar a mesma dúvida, pretendendo o do Autor, que
a Lei se deva entender de um modo; e pretendendo o do réu que se deva
entender de outro modo. E nestes casos terá o Juiz Relator a obrigação de levar
os autos à Relação, e de propor ao Regedor a sobredita controvérsia dos
Advogados; para sobre ela se proceder na forma das ditas Ordenações, e
reformação delas, a Assento, que se firme a genuína inteligência da Lei antes
que se julgue o direito das partes.
Item: Pôr quanto a experiencia tem mostrado, que as sobreditas interpretações de
Advogados consistem ordinariamente em raciocínios frívolos, e ordenados mais
a implicar com sofismas as verdadeiras disposições das Leis, do que a
demonstrar por elas a justiça das partes; mando que todos os Advogados, que
cometerem os referidos atentados, e forem neles convencidos de dolo, sejam nos
autos, a que se juntarem os Assentos, multados; pela primeira vez em cinquenta
mil réis para as despesas da Relação, e em seis meses de suspensão; pela
segunda vez em privação dos graus, que tiverem da Universidade; e pela terceira
em cinco anos de degredo para a Angola, se fizerem assinar clandestinamente as
Alegações por diferentes pessoas; incorrendo na mesma pena os assinantes, que
seus nomes emprestarem para a violação das minhas Leis, e perturbação do
sossego público dos meus Vassalos.
Item: Atendendo a que a referida Ordenação do liv. 1 tit 5 par 5 não foi estabelecida
para as Relações do Porto, Bahia, Rio de Janeiro e Índia, mas sim, e tão somente
para o Supremo Senado da Casa de Suplicação:
E atendendo a ser manifesta a diferença que há entre as sobreditas Relações
subalternas, e a Suprema Relação da minha Corte; a qual antes de pela pessoal
Presidência dos Senhores Reis meus Predecessores; e depois pela proximidade
do Trono, e facilidade de recorrer a ele; pela autoridade do seu Regedor, e pela
maior graduação, e experiência dos seus doutos, e provectos Ministros; não só
mereceu a justa confiança, que dela fizeram sempre os ditos Senhores Reis meus
Predecessores (bem caracterizada nos sobreditos parágrafos da Ordenação do
Reino, e reformação dela) para a interpretação das Leis; mas também constitui
ao mesmo tempo nos Assentos, que nela se tomam sobre esta importante matéria
toda quanta certeza pode caber na providência humana para tranquilizar a minha
Real consciência, e a justiça dos litigantes sobre os seus legítimos direitos.
Mando, que dos Assentos, que sobre as inteligências das Leis forem tomados em
observancia destas nas sobreditas Relações subalternas, ou seja por efeito das
glosas dos Chanceleres, ou seja por dúvidas dos Ministros, ou seja por
controvérsias entre os Advogados; haja recurso à Casa de Suplicação, para nela
se aprovarem, ou reprovarem os sobreditos Assentos por efeitos das contas, que
deles devem dar os Chanceleres das respectivas Relações, onde eles se tomarem.
Aos quase Chanceleres mando outrossim, que nas primeiras ocasiões, que se
lhes oferecerem, remetam indispensavelmente os ditos Assentos, antes de se
escreverem nos ditos livros, em Cartas fechadas ao dito Regedor da Casa de
Suplicação, para nela se tomarem os respectivos Assentos definitivos na forma
da sobredita Ordenação liv 1 tit 5 par 5; e se determinar por eles o que for justo;
e se responder aos sobreditos Chanceleres recorrentes com as cópias autênticas
dos Assentos tomados na Casa de Suplicação, para então serem lançados nas
ditas Relações Subalternas, e se ficarem observando nelas como Leis gerais, e
impreteríveis.
No caso em que as partes prejudicadas nos sobreditos Assentos das Relações
subalternas quiserem também deles agravar para a mesma Casa de Suplicação, o
poderão fazer livremente, e nela lhes será deferido por Assentos tomados em
presença do Regedor na sobredita forma.
Item: Sendo-me presente, que a Ordenação do livro 3 tit 64 no preambulo, que mandou
julgar os casos omissos nas Leis Pátrias, e estilos da Corte, e costumes do Reino,
pelas leis que se chamou Imperiais, não obstante a restrição, e a limitação, finais do
mesmo preâmbulo conteúdas nas palavras – as quais Leis Imperiais mandamos
somente guardar pela boa razão, em que são fundadas -, se tem tomado por
pretexto; tanto para que nas alegações, e decisões se vão pondo em esquecimento as
Leis Pátrias, fazendo uso somente das dos Romanos; como para se argumentar, e
julgar pelas ditas Leis de Direito Civil geral, e indistintamente, sem se fazer
diferença entre as que são fundadas naquela boa razão, que a sobredita Ordenação
do Reino determinou por único fundamento para as mandar seguir; e entre as que;
ou tem visível incompatibilidade com a boa razão; ou não tem razão alguma, que
possa sustentá-las, ou tem por únicas as razões, não só os interesses dos diversos
partidos, que nas revoluções da República, e do Império Romano, governaram o
espírito dos seus Prudentes e Consultos, segundo as diversas facções, seitas, que
seguiram; mas também tiveram por fundamentos outras razões assim de particulares
costumes dos mesmos Romanos, e inteiramente alheias da Cristandade dos séculos,
que depois deles se seguiram:
Mando por uma parte, que debaixo das penas ao diante declaradas se não possa
fazer uso nas ditas alegações, e Decisões de Textos, ou de autoridades de alguns
Escritores, enquanto houver Ordenações do Reino, Leis Pátrias, e usos dos meus Reinos
legitimamente aprovados também na forma abaixo declarada:
E mando pela outra parte, que aquela boa razão que o sobredito preâmbulo
determinou, que fosse na praxe de julgar subsidiária, não possa nunca ser a da
autoridade extrínseca destes, ou daqueles textos do Direito Civil, ou abstratos, ou
ainda com a concordância de outros; mas sim, e tão somente: ou aquela boa razão,
que consiste nos primitivos princípios, que contém verdades essenciais, intrínsecas,
e inalteráveis, que a Ética dos mesmos Romanos havia estabelecido, e que os
Direitos Divino, e Natural, formalizarão para servirem de Regras Morais, e Civis
entre o Cristianismo: ou aquela boa razão que se funda nas outras Regras, que de
universal consentimento estabeleceu o Direito das Gentes para a direção, e governo
de todas as Nações civilizadas: ou aquela boa razão, que se estabelece nas Leis
Políticas, Econômicas, Mercantis e Marítimas, que as mesmas Nações Cristãs tem
promulgado com manifestas utilidades, do sossego público, do estabelecimento da
reputação, e do aumento dos cabedais dos povos, que com as disciplinas destas
sábias, e proveitosas Leis vivem felizes à sombra dos tronos, e debaixo dos
auspícios dos seus respectivos Monarcas, e Príncipes Soberanos.
Sendo muito mais racionável, e muito mais coerente, que nestas interessantes
matérias se recorra antes em caso de necessidade ao subsídio próximo das sobreditas
Leis das Nações Cristãs, iluminadas, e polidas, que com ela estão resplandecendo na
boa, depurada e sã Jurisprudência; em muitas outras erudições úteis, e necessárias; e
na felicidade; do que ir buscar sem boas razões, ou sem razão digna de atender-se,
depois de mais de 17 séculos o socorro às Leis de uns Gentios; que nos seus
princípios Morais, e Civis foram muitas vezes perturbados, e corrompidos na
sobredita forma; que do Direito Natural tiveram apenas as poucas e gerais noções,
que manifestam os termos, com que o definiram; que do Direito Divino, é certo, que
não souberam de coisa alguma, e que o Comércio, da Navegação, da Aritmética
Política, e da Economia do Estado, que hoje fazem tão importantes objetos dos
Governos Supremos, não chegarão a ter o menor conhecimento.
Item: por quanto ao mesmo tempo me foi tambem presente, que da sobredita
generalidade supersticiosa das referidas Leis chamadas Imperiais se costumam
extrair outras regras para se interpretarem as minhas Leis nos casos ocorrentes:
entendendo-se que estas Leis Pátrias se devem restringir quando são corretorias do
Direito Romano: e que onde são com ele conformes se devem alargar, para
receberem todas as ampliações, e todas as limitações, com que se acham ampliadas,
e limitadas as regras contidas nos textos, dos quais as mesmas Leis Pátrias, se supõe,
que foram deduzidas, segundo esta inadmissível Jurisprudência:
Primeiramente não poderem os meus Vassalos ser governados, e os seus direitos, e
domínios seguros, como o devem estar, pelas disposições das minhas Leis, vivas,
claras, e conforme ao espírito nacional, e ao estado presente das coisas destes
Reinos:
Em segundo lugar ficarem os direitos, e domínios dos mesmos Vassalos vacilando
entregues às contingentes disposições, e às intrincadas confusões das Leis mortas, e
quase incompreensíveis daquela República acabada, e daquele Império extinto
depois de tantos séculos; e isto sem que se tenham feito sobre esta importante
matéria as reflexões, que eram necessárias, para se compreender por uma parte, que
muitas das Leis destes Reinos, que são corretorias do Direito Civil foram assim
estabelecidas, porque os sábios Legisladores delas se quiseram muito advertida, e
providentemente apartar do Direito Romano com razões fundamentais muitas vezes
não só diversas, mas contrárias às que haviam constituído o espírito dos textos do
Direito Civil, de que se apartaram; em cujos termos quanto mais se chegarem as
interpretações restritivas ao Direito Romano, tanto mais fugirão do verdadeiro
espírito das Leis Pátrias:
E sem se advertir pela outra parte, que muitas outras das referidas Leis Pátrias, que
parecem conformes ao Direito Romano; ou foram fundadas em razões nacionais, e
específicas, a que de nenhuma sorte se podem aplicar as ampliações, e limitações
das segundas sobreditas Leis; ou adotaram delas somente o que em si continham de
Ética, de Direito Natural, e de boa razão; mas de nenhuma sorte as especulações,
com que os Consultos Romanos ampliaram no Direito Civil aqueles simplices, e
primitivos principios, que são inalteráveis por sua natureza:
Em consideração do que tudo mando outrossim, que as referidas restrições, e
ampliações extraídas dos textos do Direito Civil, que até agora perturbaram as
disposições das minhas Leis, e o sossego público dos meus Vassalos, fiquem
inteiramente abolidas, para mais não serem alegadas pelos Advogados, debaixo das
mesmas penas acima ordenadas, ou seguidas pelos Julgadores, debaixo da suspensão
de seus Ofícios até minha mercê, e das mais, que reservo o meu Real arbítrio.
Excetuo contudo as restrições, e ampliações, que necessariamente se deduzirem do
espírito das minhas Leis significado pelas palavras delas tomadas no seu genuíno, e
natural sentido: as que se reduzirem por princípios acima declarados: e as que por
identidade de razão, e por força de compreensão, se acharem dentro no espírito das
disposições das minhas ditas Leis. E quando suceda haver alguns casos
extraordinários, que se façam dignos da providência nova, se me farão presentes
pelo Regedor da Casa de Suplicação, para que tomando as informações necessárias,
e ouvindo os ministros do Meu Conselho, e Desembargo, determine o que me
parecer que é mais justo, como já foi determinado pelo par 2 da sobredita Ord. Do
liv. 3 tit. 64.
Item: Havendo-me sido da mesma sorte presente que se tem feito na prática dos
Julgadores, e advogados outra grande perplexidade, e confusão com as outras
palavras do sobredito preâmbulo da Ord do liv 3 tit 64 que dizem:
E quando o caso de que se trata, não for determinado pela Lei, estilo, ou costume
de nossos Reinos, mandamos, que seja julgado, sendo matéria que traga pecado,
por os Sagrados Cânones.
E sendo matéria, que não traga pecados seja julgado pelas Leis Imperiais, posto
que os Sagrados Canones determinem o contrario.
Suscitando-se com estas palavras um conflito não só entre os textos do Direito
Canônico, e os textos do Direito Civil, mas até com os das minhas mesmas Leis, e
supondo-se com erro manifesto para sustentar o mesmo conflito, que no foro externo
dos meus Tribunais, e da minha Magistratura Temporal, se pode conhecer dos pecados,
que só pertencem privativa, e exclusivamente ao foro interior, e à espiritualidade da
Igreja:
Mando outrossim, que a referida suposição daqui em diante se haja por não escrita:
declarando, como esta declaro, que aos meus sobreditos Tribunais, e Ministros
Seculares não toca o conhecimento dos pecados; mas sim, e tão somente o dos
delitos; e ordenando, como ordeno, que o referido conflito fundado naquela errada
suposição cesse inteiramente; deixando-se os referidos textos de Direito Canônico
para os Ministros, e Consistórios Eclesiásticos os observarem (nos seus devidos, e
competentes termos) nas decisões de sua inspeção; e seguindo somente os meus
Tribunais, e Magistrados Seculares nas matérias temporais da sua competência as
Leis Pátrias, e subsidiárias, e os louváveis costumes, e estilos legitimamente
estabelecidos, na forma que por esta Lei tenho determinado.
Item: Sendo certo, e hoje de nenhum douto Ignorado, que Accursio e Bartholo, cujas
autoridades mandou seguir a mesma Ord. no par 1 do sobredito tit., foram
destituidos não só da instrução da História Romana, sem a qual não podiam bem
entender os textos que fizeram os assuntos dos seus vastos escritos; e não só do
conhecimento da Filologia, e da boa latinidade, em que foram concebidos os
referidos textos; mas também das fundamentais regras do Direito Natural, e Divino,
que deviam reger o espírito das Leis, sobre que escreveram.
E sendo igualmente certo, que ou para suprirem aquelas luzes, que lhes faltavam; ou
porque na falta delas ficaram os seus juízos vagos, e errantes, e sem as boas razões a
que se contraíssem; vieram a introduzir na Jurisprudência (cujo caráter formam a
verdade, e a simplicidade) as quase inumeráveis questões metafísicas, com que
depois daquela Escola Bartholina se tem ilaqueado, e confundido os direitos, e
domínios dos litigantes intoleravelmente: mando que as glossas, e opiniões dos
sobreditos Accursio, e Bartholo não possam mais ser alegadas em Juízo, nem
seguidas nas práticas dos Julgadores; e que antes muito pelo contrario em um, e
outro caso sejam sempre as boas razões acima declaradas, e não as autoridades
daqueles, ou de outros semelhantes Doutores da mesma Escola, as que hajam de
decidir no foro os casos ocorrentes; revogando também nesta parte a mesma
Ordenação, que o contrario determina.
Item: Porque a mesma Ordenação e o mesmo preâmbulo dela, na parte em que mandou
observar os estilos da Corte devem ser somente os que se acharem estabelecidos, e
aprovados pelos sobreditos Assentos na Casa da Suplicação: e que o costume deve
ser somente o que a mesma Lei qualifica nas palavras – longamente usado, e tal,
que por direito se deva guardar: - em cujas palavras mando; que sejam sempre
entendidas no sentido de correrem copulativamente a favor do costume, de que se
tratar, os três essenciais requisitos: de ser conforme as mesmas boas razões, que
deixo determinado que constituem o espírito das minhas Leis; de não ser a elas
contrário em coisa alguma, e de ser tão antigo, que exceda o tempo de cem anos.
Todos os outros pretensos costumes, nos quais não concorrem copulativamente
todos estes três requisitos, reprovo, e declaro, por corruptelas, e abusos: proibindo
que se aleguem, ou por eles se julgue, debaixo das mesmas penas acima
determinadas, não obstante todas, e quaisquer disposições, ou opiniões de Doutores,
que sejam em contrário.
E reprovando como dolosa a suposição notoriamente falsa, de que os Príncipes
Soberanos são ou podem ser sempre, informados de tudo o que passa nos foros
contenciosos em transgressão de suas Leis, para com esta suposição se pretextar
outra igualmente errada, que presume pelo lapso de tempo o consentimento, e
aprovação, que nunca se estendem ao que se ignora; sendo muito mais natural a
presunção, de que os sobreditos Príncipes castigariam antes os transgressores das
suas Leis, se houvessem sido informados das transgressões delas nos casos
ocorrentes.
Pelo que mando: etc.
Dada no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda em 18 de Agosto de 1769. EL-REY
com guarda. Conde de Oeiras.
5. Alvará de 30 de julho de 1609

Alvará, em que se determinou, que por ser contra Direito natural o cativeiro, não
pudessem cativar-se os gentios do Brasil.

“Eu El Rei faço saber aos que esta Lei virem, que sendo o senhor Rei D.
Sebastião, meu Primo, que Deus tem, informado dos modos ilícitos, com que nas partes
do Brasil se cativavam os Gentios, e dos grandes inconvenientes, que disso resultavam,
defender por uma Lei, que fez em Évora a 20 de Março de 1570, os ditos modos ilícitos,
e mandou que se por modo, nem maneira alguma os pudessem cativar, salvo aqueles,
que fossem tomados em justa guerra, que se fizesse com sua licença, ou do Governador
das ditas Partes, e os que salteassem os Portugueses, e a outros Gentios para os
comerem; com declaração, que as pessoas, que pelas ditas maneiras os cativassem,
dentro de dois meses primeiro seguintes os fizessem escrever nos livros das Provedorias
das ditas partes, para se poder saber quais eram os que licitamente foram cativos; e não
os fazendo escrever dentro no tempo de dois meses, perdessem a ação de os terem por
cativos, e os Gentios ficassem livres, e todos os mais, que por qualquer modo se
cativassem. E El Rei meu Senhor, que Santa Gloria haja, por atalhar os meios paleados,
de que os moradores do Brasil usavam, para com pretexto de justa guerra os cativarem,
houve por bem de revogar a dita Lei por outra, que fez em 11 de novembro de 1595,
pela qual mandou, que em nenhum caso os ditos Gentios fossem cativos, salvo aqueles,
que se cativassem na guerra, que por Provisões particulares, por eles assinadas,
mandasse que se lhes fizesse; e os que por qualquer outra maneira fossem cativos, os
havia também por livres; e que como tais, não pudessem ser constrangidos a cousa
alguma, como mais largamente se contém nas ditas Leis. E por quanto fui informado
que, sem embargo das declarações da dita Lei, não cessavam grandes inconvenientes
contra o serviço de Deus e meu, e consciência dos que assim os cativavam, com grande
perda das fazendas daquele estado; mandei por uma Provisão de 05 de junho de 1605,
que em nenhum caso se pudessem os Gentios cativar; porque, posto que por algumas
razões justas de direito se possa em alguns casos introduzir o dito cativeiro, são de tanto
maior consideração as que há em cativeiro, principalmente pelo que toca à conversão
dos Gentios à nossa Santa Fé Católica, que se devem antepor a todas as mais; e assim
pelo que convém ao bom governo, e conservação da paz daquele Estado; e para se
atalharem os grandes excessos, que poderá haver, se o dito cativeiro em algum caso se
permitir, para de todo se cessar a porta a isto, com o parecer dos do meu Conselho
mandei fazer esta Lei, pela qual declaro todos os Gentios daquelas partes do Brasil por
livres conforme a Direito, e seu nascimento natural, assim os que já forem batizados, e
reduzidos à nossa Santa Fé Católica, como os que ainda viverem como Gentios,
conforme a seus Ritos e Cerimônias; os quais todos serão tratados, e havidos por
pessoas livres, como são; e não serão constrangidos a serviço, nem a cousa alguma
contra sua livre vontade; e as pessoas, que deles se servirem nas suas fazendas, lhes
pagarão seu trabalho, assim, e da maneira, que são obrigados a pagar a todas as mais
pessoas livres, de que se servem: e pelo muito, que convém à conservação dos ditos
Gentios, e poderem com liberdade e segurança morar, e comerciar com os moradores
das Capitanias, e para o mais, que convier a meu serviço, e benefício das fazendas de
todo aquele Estado, e cessem de todos os enganos e violências, com que os Capitães e
moradores os traziam do Sertão; pelo que convém ao serviço de Deus e meu, e por
outros justos respeitos, que a isso me movem: Hei por bem, que os Religiosos da
Companhia de Jesus, que ora estão nas ditas partes, ou ao diante a elas forem, possam ir
ao Sertão pelo muito conhecimento e exercício, que desta maneira têm, e pelo crédito e
confiança, que os Gentios deles fazem, para os domesticarem, e assegurarem em sua
liberdade, e os encaminharem no que convém ao mesmo Gentio, assim nas coisas de sua
salvação, como na vivenda comum, e comércio com os Mercadores daquelas partes: Hei
por bem, que os ditos Gentios sejam Senhores das suas fazendas nas Povoações, em que
morarem, como o são na serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes
fazer moléstia, nem injustiça alguma; e o Governador, com o parecer dos ditos
religiosos, aos que vierem da Serra assinará lugares para neles lavrarem e cultivarem,
não sendo já aproveitados pelos Capitães dentro no tempo, como por suas doações são
obrigados; e das Capitanias e Lugares, que lhes forem ordenados, não poderão ser
mandados para outros contra sua vontade (salvo quando eles livremente o quiserem
fazer); e hei por bem, que nas Povoações, em que estiverem, aonde não houver Ouvidor
dos Capitães e Governador, lhes ordene um Juiz Particular, que seja Portugues, Cristão
Velho de satisfação, o qual conhecerá das cousas, que o Gentio tiver com os
Mercadores, ou os Mercadores com eles; e terá de alçado no Cível até dez cruzados, e
no Crime até 30 dias de prisão; não sendo delito, que mereça maior castigo; porque se o
merecer, em tal caso, correrá o livramento pelas Justiças Ordinárias; e assim ordenará
uma pessoa de confiança, Cristão Velho, para com ordem dos ditos religiosos possa
requerer o que for devido aos Gentios; e na execução do que liquidamente se lhes dever
de seu serviço, se procederá sumariamente conforme as minhas Ordenações, aos quais
se fará o favor, que a Justiça permitir: o que tudo é conforme ao que El Rei meu Senhor
e Pai, mandou por uma Provisão sua feita em 26 de julho de 1596, como mais
largamente nela se contém. E em quanto nas ditas Povoações estivessem os ditos
Religiosos da Companhia, os terão a seu cargo, assim ao que convém ao Espiritual da
doutrina Cristã, como ao que para quando forem necessárias para meu serviço, os
apresentarem ao Governador, ou Capitão General, a que tocar; e para as pessoas, que
dele se houverem de servir, em suas fazendas os acharem com mais facilidade; e quando
os ditos Religiosos deles se servirem, também serão obrigados da mesma maneira
pagar-lhes seu trabalho, como pagam os mais moradores daquelas partes; e enquanto os
ditos Gentios estiverem nas Povoações de quaisquer Capitanias, os Capitães não terão
sobre eles mais vassalagem, poder, nem jurisdição da que por seu Regimento e doações
tem sobre as mais pessoas livres, que nelas moram; e não lhes poderão lançar tributos
reais, nem pessoais; e os tributos, que lhes forem lançados, o Governador lhos tirará, e
lhes fará tornar logo o que tiverem injustamente pago: o que executará sem apelação,
nem agravo. E porque sou informado, que em tempo de alguns Governadores passados
se cativavam muitos Gentios contra a forma das Leis de El-Rei, meu Senhor e Pai, e do
Senhor Rei D. Sebastião meu Primo, que Deus tem, e principalmente nas terras de
Jaguaribe: Hei por bem e mando, que todos sejam postos em sua liberdade; e que se
tirem logo do poder de quaisquer pessoas, em cujo poder estiverem, e os mandem para
sua Terras, sem embargo de os que deles estiverem de posse dizerem, que os
compraram, e que por cativos lhes foram julgados por sentenças: as quais vendas e
sentenças declaro por nulas, por serem contra Direito, ficando resguardado aos
compradores o que pretenderem contra os que lhe venderem. E mando ao Governador
que... os que forem contra forma desta Lei trouxerem Gentios da Serra, ou se servirem
deles, como cativos, ou os venderem, incorrerão nas penas, que por Direito Comum e
Ordenações incorrem os que cativam e vendem pessoas livres; e por esta revogo todas
as Leis, Regimentos e Provisões, que até agora são feitas, e passadas por mim, e pelos
Reis meus antecessores sobre a liberdade dos Gentios do Estado do Brail; e esta hei por
bem e mando... e se enviará ao Sertão e Terras, aonde os Gentios moram, para ir a
notícia de todos, e como os hei; e declaro a todos por livres, e senhores de suas
fazendas, para com mais facilidade poderem comerciar nas ditas Capitanias. Antonio de
Almeida a fez em Madrid a 30 de julho de 1609. Francisco Pereira de Betancor a fez
escrever. Rei.
6. Alvará de 31 de Março de 1680

“Eu o Príncipe, como Regente, e Governador dos Reinos de Portugal e Algarves -- Fço
saber aos que este meu Alvará virem, que, de mais do que tenho ordenado, ao
Governador do Estado do Maranhão, Igancio Coelho da Silva, e ao Bispo do mesmo
Estado, por cartas de 30 de março do presente ano de 1680, sobre a repartição dos
Índios do Maranhão – hei por bem, e mando, que os Governadores do dito Estado, por
si, nem por interposta pessoa, não hão de ter comercio, mercancia, ou cultura alguma; e
só ao Governador presente, Itancio Coelho da Silva permito poder cultivar cacau, para
com seu Exemplo se animarem os moradores a o fazer; e para este efeito, se lhe darãoos
Indios somente necessários, até a décima parte dos que houver para repartir, ficando
sempre as nove partes para os demais moradores, fazendo depósito do salário, na forma
das ditas Cartas. E outrossim hei por bem se cumpra a Provisão de que com esta vai a
cópia, por que se proibia aos Governadores do Estado do Brasil poderem comerciar; e
que na mesma forma os Governadores do Estado do Maranhão não façam negócio
algum, nem façam comercio, e que não poderão cobrar dívidas alheias, nem seus
criados, por si, nem por procurador estabelecido por eles; nem mandaram ao Sertão
buscar drogas, e que nem o Governador, Bispo, ou outra alguma pessoa, possam tomar
Índios das Aldeias, e somente se serviram dos que lhe forem dados na repartição; e para
os que se houvessem de dar a algum dos repartidores, votrem os mais, e que antes da
repartição tomem todos juramento, que lhe dará o Bispo, de o fazerem fiel e
verdadeiramente, conforme a razão e justiça, exceto o Bispo, a quem, por sua dignidade,
se não dará juramento. E de quem por ele se deve fiar e fará justamente – e que do dito
juramento se faça termo assinado pelos que o receberem no princípio dos autos de
repartição. (...)
Manoel Rodrigues de Amorim o fez, em Lisboa, a 31 de março de 1680. O Secretário
André Lopes de Lavra o fez escrever = Príncipe.
7. Biblioteca de Antonio Pereira Rebouças, segundo o Inventário de Carolina Pinto
Rebouças (Arquivo Nacional, 1865).

Livros constantes do escritório de Antonio Pereira Rebouças


OBRAS ENCADERNADAS

Título (o autor, quando foi No. de Volumes Avaliação


indicado, aparece no
início)
Bíblia Sagrada 7 30$000
Assentos de Suplicação 1 03$000
Constituições Primeiras do
1 15$000
Arcebispado da bahia
Pandec; Justiniana 5 25$000
Magatin Religieux 1 08$000
To m b o d a s Te r r a s
1 10$000
Municipais
Revoux; Conflits 2 08$000
Dicionário Clássico 1 12$000
Dicionário Jurídico 2 15$000
Pegas Forenses 7 45$000
Código de Comércio de
1 06$000
Portugal
Concordances entre les
1 08$000
codes civiles
Concordances entre les
1 12$000
codes du commerce
St. Joseph; Concordances
1 06$000
des lois hypotecaires
Code Civil; Discussioni 2 10$000
Regron; Code du
1 03$000
Commerce
Vattes; Les droits des gens 2 04$000
Ferreira Borges; Contrato
1 03$000
Mercantil
Ferreira Borges;
Dicionário Jurídico 1 03$000
Comercial
Doutrinas moralis 1 02$000
Assentos da Relação 1 02$000
Filanguire; Oeuvres 1 20$000
Dumont Bentham; La
3 12$000
Legislation
Dumont Bentham;
2 07$000
Assemblés Legislatives
Leis Metives 2 10$000
J.Donat; Oeuvres 4 12$000
J.Donat; Lois Civiles 9 20$000
Dumont; Denfeure de
1 04$000
l'usure
L.Ermerier; Philosophie du
2 06$000
Droit
L.Ermerier; Histoire du
2 03$000
Droit
Birman; Origines de la
1 05$000
Legislation
Teorias das penas legais 2 08$000
Tieffe Lacroix;
1 05$000
Jurisprudence
Dumont; Peines et
2 05$000
recompenses
Pothier; Oeuvres 26 50$000
Legislação Portuguesa 1 05$000
Classes dos Crimes 1 05$000
Caminha; Libelos 1 05$000
Leopold; Diccionaire de
1 06$000
Police
Manuais das Apelações 1 04$000
Lobão; Processo 1 03$000
Lobão; Segundas Linhas
2 04$000
Civis
Lobão; Ações Sumárias 2 04$000
Lobão; Obrigações
1 04$000
Recíprocas
Lobão; Tratado das Águas 1 03$000
Lobão; Tratado de
1 01$000
Interdicto
Lobão; Dissertações
1 04$000
Jurídicas e Práticas
Lobão; Casos 1 02$000
Lobão; Tratados vários 1 02$000
Lobão; Direito Dominiaes 1 02$000
Tratado dos Testamentos 1 03$000
Artigos das Sizas 1 03$000
Lobão; Doutrina das Ações 1 04$000
Processo Civil 2 05$000
Pages; Responsabilité
1 01$000
Ministrelli
Carvalho; Linhas
2 02$000
Orfanológicas
Código Orfanológico 1 03$000
Código Criminal 1 01$000
Manual do Tabelião 1 04$000
Nova Apostila 1 04$000
Direito Pátrio 1 07$000
Pebrer; Histoire Financière
1 08$000
de l'Empire Britannique
Pardenus; Droit
2 10$000
Commerciel
Kluber; Droit des gens 2 04$000
Pothier; Obrigações 2 07$000
Servant; Oeuvres 5 16$000
Servant; Oeuvres choisies 2 08$000
Code du Jury 1 04$000
Aigacer; Histoire du Jury 1 03$000
Graphe; Commentaire de
1 03$000
la loi des ... 23/03/1855
Rulichon; Action du Gliger 1 02$000
Orfila; Leçons de
2 08$000
Medicine Legale
Tratado de Morgados 1 03$000
Causes Criminels 4 15$000
Causes Politiques 4 15$000
Causes Cèlèbres 2 09$000
Procès des Ex-Ministres 2 06$000
Juiz Eccleiastice 3 10$000
Legonas; Principes de
1 04$000
Cirurgie
Lucas; Système Penal 1 04$000
Système Penal et Repressif 1 02$000
Barros; Direito Financeiro 1 08$000
P. Bueno; Direito Público 2 08$000
Tritote; Esprit du Droit 1 04$000
Code des justices de Paix 1 03$000
Codigo Civil 1 04$000
Cours de Droit Naturel 1 04$000
Pages; Principes Generaux 1 05$000
Essai Philosophique 1 04$000
Système Penitenciaire 1 04$000
Processo Criminal 1 02$000
Megan; Causes Cèlèbres 119 60$000
Procès de Louis XVI 2 10$000
Procès de la Révolution 2 10$000
Causes Politiques 4 14$000
Causes Criminels 4 12$000
Les Huit Codes 1 06$000
Orfila; Médicine Legale 4 10$000
Expositions des Principes 1 03$000
Sociètes de Temperance
1 04$000
des États Unis
J.Bentham; Oeuvres 2 06$000
Codigo civil 3 12$000
Pheden; Philosophie 1 04$000
M. de Chateaubriand;
1 06$000
Réflexions Politiques
L'influence de la
1 03$000
démocratie
Bounim; Doctrine Sociale 1 03$000
Benate: Siècle du Divorce 1 03$000
Ensaio Canônico 1 03$000
Stuart's Elements 2 03$000
Codigo de Moura 1 03$000
Tratado sobre as Leis 1 05$000
Manual do Jury 1 05$000
Oeuvres Judiciaires 2 06$000
Lucas; Système
2 06$000
Penitenciaire
Constituição Política 1 02$000
Reflexões Críticas 1 02$000
Instituições de Medicina 1 04$000
Constitution de
2 08$000
l'Angleterre
Almeida; Runação 2 07$000
Commentaire sur
1 04$000
Filanguier
Économie Politique 5 04$000
O Oriude 2 01$000
Code d'instruction
1 02$000
criminelle
Direito Público 2 05$000
Hume; Oeuvres 2 03$000
L'arte de correspondance 1 02$000
Codigo Penal 2 05$000
L'inde en rapport 2 03$000
Variedades 1 01$000
Pradt Saint Domingue 1 02$000
Morale Universale 2 04$000
Compêndio Britânico 2 04$000
Repertório Geral das Leis
2 08$000
Extravagantes
Repertório Geral 3 09$000
Legislação Brasileira 4 04$000
Legislação Portuguesa 6 20$000
Leis do Brasil 4 04$000
Leis do Brasil desde 1822
53 180$000
até 1865
Merlin; Questão e
Repertório de 36 75$000
Jurisprudência
Code pour les États
5 01$500
Prussiens
Sistema do Regimento 1 00$500
Compêndio Histórico e
Estatutos da Universidade 1 00$500
de Coimbra
J.B. Denis; Oeuvres 3 06$000
J.B. Denis; La Littérature 2 04$000
Fouché; Memoires 2 04$000
Arditor Brasileiro 1 05$000
Apendix das Ordenações 6 18$000
Shakespeare; Oeuvres
2 04$000
Dramatiques
Processo Civil do Digesto
1 03$000
Português
Digesto Português 3 06$000
Jurisdiction de l'Église 1 03$000
Commentario critico 1 04$000
Theoria da Interpretação
1 04$000
das Leis
Direito Civil Português 3 06$000
Rocha; Direito Civil 2 05$000
Carneiro; Direito Civil 3 06$000
Carneiro; Resumo das Leis 3 06$000
Mello Freire; Opera 7 15$000
Juízos Divisórios 2 06$000
Comte; Législation 4 12$000
Blacktone; Commentaire 6 18$000
Carneiro; Direito Civil 1 03$000
Lobão; Notas a Pascoal 2 08$000
Lobão; Notas a P.J. de
4 12$000
Mello
Ordenações do Reino e
seus Repertórios (ed. 7 18$000
Coimbra)
Discours sur le prejuge 1 01$000
Molière 6 06$000
Discours de J.B. Fox et
12 06$000
W.Pite
Fruits mois de Marie 1 03$000
Quintiliano de Soares 1 01$100
Geruzes; Philosophico 1 02$000
Leçons de Littérature et de
2 04$000
Morale
Lobão; Direito
3 07$000
emphiteutico
P.Rossi; Droit Penale 3 06$000
Collection des
6 06$000
Constitutiones
A. Capilon; Oeuvres
6 06$000
Choisies
Pantoret; Histoire de la
9 10$000
Législation
Roberto; Dicionário
2 06$000
Geográfico
O razão opire 1 02$000
A.Herculano; Da
2 03$000
Inquisição de Portugal
Concilio de Trento 2 05$000
Fr. Francisco; Synonimos 2 03$000
Tesouro da Mocidade 1 02$000
Durand; Cours de
2 04$000
Éloquence
Dictionaire Mithologique 1 03$000
J. Salvador; Loi de Moyse 1 01$000
Pebrer; Histoire Financière
2 04$000
de l'Angleterre
S. Pellico; Divors des
2 04$000
Hommes
Philosophie de l'Antiquité 1 01$000
Paraíso Perdido 2 01$500
Schotcher; Abolition de
1 01$000
l'Esclavage
Veeliman: Tableau de
1 02$000
l'Éloquence
Leçons de Droite de la
1 01$000
Nature
Le Jardin des Racines
1 01$000
Grecques
Grosat; Nouvelle
1 01$000
Geographie
Classiques Français 2 04$000
J.B. Say; Cours de
5 05$000
Économie Politique
Ruiand; Principes de
2 02$000
Économie Politique
Philosophie de Économie
2 02$000
Politique
Ganith; Économie
2 02$000
Politique
A.Smith; Richesse des
7 05$000
nations
Say; Industrie 1 01$000
W. S c o t t ; O e u v r e s
2 02$000
Politiques des Aténiens
Leçons de Droit des Gens 2 02$000
Entretiens sur l'Économie
1 01$000
Politique
Tite Live; Histoire
15 10$000
Romaine
Génie du Cristianisme 4 05$000
Parisot; Lettres des
2 02$000
Jamines
Cordon; Discours sur
3 02$000
tacite
Jurigny; Septime
1 01$000
d'Emprunts
B. Constant; Événements
1 02$000
Contemporains
Progrès de l'esprit humain 1 01$000
Republique de Ciceron 2 02$000
W.Scott; Oeuvres 6 02$000
Pascal 1 02$000
Goldsmith; History of
1 01$000
Rome
Caracteres de la Bruyère 1 02$000
Époques Remarquables de
4 02$000
l'Histoire de France
Juniers 2 01$000
Dupin; Manual des
1 02$000
Étudiants
Corneille; Oeuvres 1 02$000
Metastario; Oeuvre 3 03$000
Histoire Constitutionnel de
4 08$000
la France
Ciceron; Orações 3 04$000
Beccaria; Des debits et
1 01$000
despines
Machiavel; Oeuvres 1 01$000
Curious Thoughts 1 01$000
Ovidii; Minelii 1 00$500
Mauvai éloquence de la
3 00$500
chair
Montaigne; Essais 8 05$000
Umiriade 2 01$000
Moraes; Dicionário 2 15$000
Theatro Heroneo 3 03$000
Divorcio das Cortes 1 05$000
Dictionaire du Commerce 2 05$000
Larroux; Dictionnaire
2 05$000
Français
Dictionnaire Français et
2 04$000
Anglais
Dictionnaire Latin et
1 03$000
Français
Dictionnaire du Commerce 2 05$000
Dupuin; Voyages 7 30$000
Magnum Lexicon 1 03$000
Uomei; Opera 1 02$000
Dictionnaire de la langue
1 04$000
castellana
Histoire de France 6 06$000
Casado Giraldes; Tratado
Completo de Geographia 4 10$000
Historia Antiga e Moderna
Dictionnaire de Droit
2 10$000
Politique et Administratif
Dictionnaire de
2 06$000
Géographie Maritime
Dictionnaire du Commerce 2 05$000
Rennuyer; Leçons de
2 08$000
Éloquence Judiciaire
Confederação dos Tamoios 1 03$000
Thiery; Dix Ans d'Études 1 02$000
Droit Public de l'Europe 3 06$000
Richesses sur la
2 05$000
Population
Geraud; Bienfaisance
2 03$000
Publique
Gatter; Dictionnaire de la
2 05$000
Langue Française
Coumenim; Questions de
3 12$000
Droit Administratif
Foucart; Droit
3 10$000
Administratif
Blonnet; Code
2 05$000
Administratif
Macharet; Jurisprudence
1 01$000
Administratif
Cotelle; Droit
2 05$000
Administratif
Chateaubriand; Discours
2 01$500
Historique
Les Diplomats Européens 1 02$000
Chevalier; Jurisprudence
2 05$000
Administratif
Tropelong; Transorption
1 04$000
Hypothecaire
Dictionnaire de Concilles 1 02$000
Grammaire de Sicard 2 05$000
U. Degoy; Droit
1 03$000
Administratif
Vo y a g e s A n c i è n e s e t
12 15$000
Modernes
Graverund; Legislation
5 10$000
Criminelle
D e g e r a n d ;
? ?
Perfectionnement Moral
Plutarque; Hommes
10 08$000
Ilustres
Histoire de Haiti 2 03$000
Aplication de la morale a
1 02$000
la politque
Encyclopédie Moderne 30 30$000
Biographie Universelle 52 16$000
Hurion; Annuaires
2 05$000
Biographiques
Lavromiguvey; Leçons de
2 04$000
Philosophie
Charles Tusque 2 03$000
Histoire de Bolivia 2 03$000
Droit Maritime de l'Europe 2 03$000
Cuvrer; Regne Animale 4 08$000
Histoire du Parlement
1 03$000
Anglais
Dupuis; Origine des Cultes 1 02$000
Babli; Variètè sur le
1 02$000
Portugal
Dictionnaire de Synonimes 2 02$000
La Revolution de
3 03$000
Theutro...
Chantal; Manual des Dates 1 01$000
Moeurs sur les Lois 1 01$000
Chateaubriand; Revolution 2 01$500
Système de l'Europe 1 02$000
Discours sur l'industrie 4 05$000
Boulland; Histoire
2 05$000
Universelle
Histoire Financière de la
2 04$000
France
Depract; La France et
2 03$000
l'immigration
Las Casas; Oeuvres 2 03$000
Murivel; Style
2 02$000
Diplomatique
Métaphysique Nouvelle 3 03$000
Guisat; La Peine de Mort 1 00$500
Gouvernements
2 02$000
representatifs
Les Hommes et les
2 02$000
Moeurs
Voyage dans l'Amérique
3 05$000
du Sud
Procès de Guerres de
1 01$000
César
Dupract; Revolution de
1 01$000
l'Espagne
Guerre de la Péninsule 1 01$000
Gornion; Dictionnaire 2 04$000
Felicité Publique 2 03$000
Manual du Publiciste 4 03$000
Histoire de Napoleon 2 05$000
Principes de Droit
2 04$000
Politique
L'Europe et l'Amérique
2 03$000
Comparées
Politiques des Nations 2 03$000
Gouvernements de Juillet
2 03$000
de 1830 a 1838
Trois Règnes de l'Histoire
2 04$000
de l'Angleterre
Les États Unis d'Amérique 2 03$000
Richard; Pouvoirs de Jurys 1 01$000
Macharel; Éléments de
1 01$500
Droit Politique
Voltaire; Obras 80 50$000
Correspondance de
7 07$000
Napoleon
Anciens Gouvernements 1 01$000
Felincto; Obras Completas 11 10$000
Mirabeau; Enotica
1 01$000
Biblion
Mirabeau; Elegnes de
3 02$000
Tibelle
Mirabeau; Histoire Secrète 2 02$000
Mirabeau; Lettres
2 02$000
Deferences
Mirabeau; Travaux 5 04$000
Mirabeau; Monarchie
8 10$000
Prussienne
Volney; Obras 8 10$000
Vi l l e n o n ; C o u r s d e
1 04$000
Littérature Française
Semondi; Littérature du
2 05$000
Midi de l'Europe
Noel; Gradis ad Parnasum 1 02$000
Cours de Geomorgraphie 4 03$000
Vico; Philosophie 1 01$000
Murat; Exposition du
G o u v e r n e m e n t 1 01$500
Republicaine
Dicionário Poético 1 01$000
Colones Agricoles 1 01$000
Diccionario Hespanhol 2 03$000
Annuaire Histoire
Universelle desde 1818 ate 4 20$000
1831
Essai Mastique sur le
2 02$000
Royaume de Portugal
Voyage du Jeune etna
7 04$000
chassus
Montesquieu; Oeuvres 8 04$000
La Mennaes; Oeuvres
12 30$000
Complètes
Robespierre; Mémoires 2 03$000
L'Esprit Philosophique 2 03$000
L. Salvert; La Civilisation 1 01$000
Salluste de Mollevant 1 01$000
Lições de Direito Público 1 02$000
Debates de la Convention 5 10$000
Dictionnaire infernat 4 05$000
Dictionnaire des
5 10$000
Anedoctes de l'Amour
Voyage a Tumbocton 3 05$000
Voyage a Atlas 1 02$000
Histoire du Droit
2 05$000
Municipal
Malnet; Constitution
1 01$000
Politique
Madralli; Histoire des
1 02$000
Assemblées Deliberantes
Viagem exoctica 1 01$000
Commerce des neutres 1 02$000
Horoastre confuciuso 1 01$000
Mélanges Politiques et
2 04$000
Philosophiques
Pinheiro; Cours de Droit
1 02$000
Public
Écoles Normales 10 03$000
Grammaire Allemand 1 01$000
Dictionnaire de Étiquettes 2 02$000
Vies exploites des valeurs 2 02$000
Histoire de la Restauration 4 04$000
Ve n t u r a ; R e g r a s
2 02$000
Methodicas
Gramática Francesa 1 01$000
O razão Opera 6 04$000
Etudes de la nature 3 03$000
Cicerones Orationnes 3 02$000
Gramation Grega 1 01$000
Constancio Gramatica
1 01$000
Analitica
Uoratii; ..... 1 01$000
Longivo de Sublime 1 01$000
Gramatica Castellana 1 01$000
Selecta Latina Sermonis 6 04$000
Dictionnaire des
2 02$000
Anedoctes
L'ordre social 1 01$000
Gramat Inglesa de
1 01$000
Constancio
Vieira; Sermão Vários 1 01$000
Ensaio sobre las
10 05$000
costumbres
J.J. Rousseau; Oeuvres 8 10$000
Obras varias 2 02$000
Segner; Histoire de
2 04$000
Napoleon
Memoire Storiche d'Italie 4 05$000
Bibliotheca ... 4 05$000
Derradeiro Moicano 2 04$000
L'Administration des
2 04$000
Finances
Cadet; Formulaire
1 02$000
Magistral
Manual Encyclopedico 1 01$000
Quinete; Uoratii Flaecie 1 01$000
Martyres 1 01$000
Tesouro de Meninos 1 01$000
Les Interets de Nations 1 01$000
Volney; Las Ruínas 2 02$000
Hume; Oeuvres 4 03$000
Historia de Portugal 1 02$000
Parnavo Lusitano 5 03$000
Mignet; Révolution
2 05$000
Française
Gil Braz 1 01$000
Administração da Fazenda 1 01$000
Reflexões Philosóphicas 1 01$000

OBRAS EM BROCHURA
Memorias Historicas e 10 20$000
Politicas da Provincia da
Bahia
Revista da Jurisprudência 15 15$000
Revistas Brasileiras 10 05$000
Projetos das Ordenações
3 06$000
para o Reino de Portugal
Revistas do IHGB
45 100$000
compreendendo o Salvatão
Cours familier de
3 15$000
littérature
Revistas Nacionais 10 05$000
Revistas Estrangeiras 10 05$000
Virgilio; Eneida (traduzido
1 01$000
em verso português)
Minerva Brasiliense 10 05$000
Correspondance with ...
5 05$000
Portugal, Brazil
Perdigão Maleiro; Index 30 30$000
chronologico dos fatos
mais notáveis da Historia
do Brazil

Obras existentes na casa domiciliária

Código do Comércio 1 01$000


Dicionário da Língua 2 02$000
Portuguesa
Magnum Lexicon 1 03$000
Medicina Popular 1 03$000
Código da França 1 01$000
Educação Doméstica 1 01$000
Folhetos não encadernados "grande quantidade" 40$000

TOTAL
422 Títulos 2008 Volumes 2:757$500

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