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CRÍTICA À A REVOLUÇÃO BRASILEIRA, DE CAIO PRADO JÚNIOR – 1967

Ruy Mauro Marini

Neste texto, Ruy Mauro Marini, um dos elaboradores da Teoria Marxista da


Dependência, apresenta uma análise crítica do livro “A Revolução Brasileira” publicado
Caio Prado Júnior em 1966. Neste livro, Prado Jr., ex-deputado estadual pelo PCB de
São Paulo, faz uma análise da conjuntura do Brasil na época, destacando os aspectos
necessários para a realização de uma revolução brasileira. A presente crítica de Marini a
este livro foi publicada no México pela Revista Mexicana de Sociologia no ano de 1967.

Na busca de proporcionar uma cobertura ideológica à divisão que se espalha


atualmente nas fileiras do comunismo brasileiro, o autor da conhecida História
econômica do Brasil (Buenos Aires, 1960) faz uma análise crítica, em sua mais recente
obra, da tese básica do marxismo oficial no Brasil – a do caráter democrático- -burguês,
ou, se preferirem, antifeudal e anti-imperialista do processo revolucionário nacional. No
entanto, o faz incompletamente, esquivando-se de discutir a própria validade de tal
caracterização. (MARINI, 2012, p. 101)

Prado Jr. rejeita claramente a concepção que apresenta as relações de produção


vigentes no campo brasileiro como remanescentes feudais. (...) Argumentou, com as
mesmas estruturas da colonização portuguesa, analisando as situações concretas que se
apresentam atualmente na agricultura brasileira; demonstra e proporciona com isso as
melhores páginas do seu ensaio – o caráter capitalista dessas relações, cujas distorções
não seriam reminiscências feudais, e sim escravistas. (MARINI, 2012, p. 101-102)

Segue com sua argumentação tomando agora a tese consagrada de uma


“burguesia nacional”, de caráter anti-imperialista e, após insistir no mesmo caráter de
importação apresentado por essa tese, procura demonstrar a natureza própria das
relações que tradicionalmente o Brasil tem mantido com o mundo capitalista, muito
diferentes, certamente, daquelas que vigoraram nos países coloniais da Ásia e África.
(MARINI, 2012, p. 102)

Retificado o enfoque, Prado Jr. considera que o sentido profundo do processo


brasileiro, sua dialética, digamos assim, seria a transição de uma situação colonial “para
uma coletividade nacionalmente integrada, ou seja, voltada a si mesma, e estruturada
social e economicamente em função de sua individualidade coletiva e para atender às
aspirações e necessidades próprias” (p. 130). (...) Retoma-se assim, embora 103 o autor
não o diga explicitamente, a linha de pensamento que vem sendo desenvolvida em obras
como as de Celso Furtado, do já citado Wanderley Guilherme e outros, que constitui a
valorização de um dos filões mais fecundos do marxismo. (MARINI, 2012, p. 102-103)

No entanto, é a partir daqui que começam a se manifestar as limitações do


estudo. Preocupado em propor um programa político para a revolução brasileira e em
identificar as forças sociais encarregadas de sua aplicação, Caio Prado vai se chocar
com as insuficiências de sua análise de classe, as mesmas que o impediram de
esclarecer a validade do caráter democrático-burguês proposto pelo marxismo oficial
para a revolução brasileira. (MARINI, 2012, p. 103)

O autor trata, contudo, de identificar as forças revolucionárias, e as encontra nos


trabalhadores da cidade e do campo, não tendo, porém, realizado uma análise profunda
da burguesia, que só é tentada no que se refere às relações desta com o imperialismo.
Não tem os elementos necessários para pôr em evidência as contradições que se
desenvolvem no seio da sociedade brasileira entre o capital e o trabalho. Tende, pois, a
superestimar o papel dos trabalhadores rurais, cuja ação hegemonizaria, no seu
entender, a política revolucionária e aos quais o proletariado urbano deveria se
submeter, transformado praticamente em braço auxiliar da organização e das
reivindicações do campo. (MARINI, 2012, p. 103-104)

Na etapa atual, no entanto, as reformas propostas não implicam uma mudança no


sistema. Mesmo quando se refere ao Estado e a seu papel decisivo nesta fase, o autor
não parece acreditar necessariamente em modificar suas bases de classe. Recomenda
inclusive modéstia às “forças trabalhadoras e de esquerda”, as quais deveriam atuar
“sem sectarismos, sem pretensões utópicas, sem as ânsias de conquistar posições de
mando” (p. 294). (MARINI, 2012, p. 104)

As inconsequências de Prado Jr. quanto à caracterização da burguesia brasileira


debilitam outros aspectos de sua análise, notadamente no que se refere à integração
econômica continental (pp. 306-309). O autor se esquece, aparentemente, das
vinculações que constatou entre a burguesia nacional e as empresas imperialistas e se
limita a considerar a tendência à integração regional como um movimento derivado
exclusivamente dos interesses dos grupos estrangeiros que operam na América Latina.
(MARINI, 2012, p. 105)

Finalmente, Caio Prado Jr. expressa a convicção de que, levando adiante suas
reivindicações de salário e emprego, os trabalhadores rurais poderão abrir o caminho
para a superação definitiva da velha sociedade brasileira, dentro de uma via progressiva,
que não implica a ruptura radical do sistema vigente. Não analisa, contudo, o efeito das
reivindicações similares levantadas pelos trabalhadores urbanos, os quais, em anos bem
recentes, desencadearam um violento processo de radicalização política, aceleraram o
processo da depressão econômica e levaram a um enfrentamento direto com as classes
dominantes, que culminou com a ditadura militar de 1964. (MARINI, 2012, p. 105)

O que o autor não considera em nenhum momento é a própria natureza do


desenvolvimento capitalista brasileiro, o qual tem conduzido a uma integração crescente
à economia capitalista internacional e tem motivado uma completa inadequação da
estrutura de produção às necessidades de emprego e salário das massas trabalhadoras,
tudo isso não em caráter circunstancial, e como consequência da sobrevivência de
reminiscências coloniais, mas sim pela própria dinâmica do crescimento econômico em
uma economia capitalista periférica. Isso, que constitui a tendência profunda da
dialética capitalista no Brasil, coloca divisões muito mais radicais para as forças sociais
envolvidas no processo do que as que Prado Jr. supõe. (MARINI, 2012, p. 105-106)

Em última instância, o resultado é a invalidação definitiva das concepções


reformistas, as mesmas que, apesar da crítica que faz ao reformismo oficial, continuam
norteando o pensamento do autor. (MARINI, 2012, p. 106)

REFERÊNCIA

MARINI, Ruy Mauro. Crítica à a revolução brasileira, de Caio Prado Júnior. In:
STEDILE, João Pedro (Org.). A questão agrária no Brasil: O debate na esquerda –
1960-1980. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012. Cap. 2. p. 101-106. Disponível
em: <http://www.reformaagrariaemdados.org.br/biblioteca/livro/quest%C3%A3o-
agr%C3%A1ria-no-brasil-vol-2-o-debate-na-esquerda-1960-1980>. Acesso em: 11 out.
2019.

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