Você está na página 1de 136

Geografia na BNCC

temas étnicos-raciais, Direitos


Humanos e interdisciplinaridades

Airton Rosa Lucion Guites


(Organizador)
Geografia na BNCC
temas étnicos-raciais, Direitos Humanos
e interdisciplinaridades
Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais:

Renato Martins e Silva (Editor-chefe)


http://lattes.cnpq.br/4416501555745392

Lia Beatriz Teixeira Torraca (Editora Adjunta)


http://lattes.cnpq.br/3485252759389457

Ilma Maria Fernandes Soares (Editora Adjunta)


http://lattes.cnpq.br/2687423661980745

Célia Souza da Costa


http://lattes.cnpq.br/6191102948827404

Chimica Francisco
http://lattes.cnpq.br/7943686245103765

Diego do Nascimento Rodrigues Flores


http://lattes.cnpq.br/9624528552781231

Dileane Fagundes de Oliveira


http://lattes.cnpq.br/5507504136581028

Erika Viviane Costa Vieira


http://lattes.cnpq.br/3013583440099933

Joana Ribeiro dos Santos


http://lattes.cnpq.br/0861182646887979

Marcia Tereza Fonseca Almeida


http://lattes.cnpq.br/4865156179328081

Ricardo Luiz de Bittencourt


http://lattes.cnpq.br/2014915666381882

Vitor Cei
http://lattes.cnpq.br/3944677310190316
Geografia na BNCC
temas étnicos-raciais, Direitos Humanos
e interdisciplinaridades

1ª Edição

Airton Rosa Lucion Guites


(Organizador)

Rio de Janeiro
Eulim
2020
Copyright © da editora, 2020.

Capa e Editoração
Mares Editores

Todos os artigos publicados neste livro sob a forma de capítulo de coletânea


foram avaliados e aprovados para sua publicação por membros de nosso
Conselho Editorial e/ou colaboradores pós-graduados da Mares Editores,
assim como pelos organizadores da obra.

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)

Geografia na BNCC: temas étnicos-raciais, Direitos


Humanos e interdisciplinaridades / Airton Rosa Lucion
Guites (Organizador). – Rio de Janeiro: Eulim, 2020.
136 p.
ISBN 978-65-87698-06-9
doi.org/10.35417/978-65-87698-06-9

1. Educação. 2. Ensino 3. Geografia I. Título.

CDD 370
CDU 37/49

Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam


necessariamente a opinião da editora.

2020
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores e seus selos editoriais
Eulim é um selo editorial de Mares Editores
Contato: mareseditores@gmail.com
Sumário

Apresentação .................................................................................. 9

Ensinar Geografia para garantir os Direitos Humanos nas


competências transversais da BNCC ............................................ 14

A transformação territorial das universidades federais após a Lei


Federal nº 12.711/2012................................................................ 34

Uma contribuição dos geogames para o ensino inclusivo da


Geografia frente à BNCC ............................................................... 62

Reflexões sobre o ensino de Geografia e a BNCC ....................... 78

O ensino de Geografia como ferramenta de ressignificação


espaçosocial do indivíduo ............................................................. 94

Elaborando o currículo “Território de Bossoroca”: reflexões


teóricas em consonância à BNCC ............................................... 119

Sobre os autores ......................................................................... 133


Apresentação

A obra “Geografia na BNCC: temas étnico-raciais, Direitos


Humanos e interdisciplinaridades” reúne trabalhos sobre as
aplicações teóricas e práticas da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) na disciplina de Geografia. Organizada por Airton Rosa Lucion
Guites, especialista e mestre em Geografia, a obra apresenta relatos
de experiências, reflexões teóricas e contextualizações com outras
áreas da ciência. A seguir, confira um breve resumo sobre cada
capítulo desta coletânea digital.
No primeiro capítulo intitulado de “Ensinar Geografia para
garantir os Direitos Humanos nas competências transversais da
BNCC”, escrito por Airton Rosa Lucion Guites (UFSM) e Eduardo
Schiavone Cardoso (UFSM), reflete que frente ao complexo debate
acerca dos Direitos Humanos que ocorre nos últimos anos e os ataques
que estes direitos sofrem no Brasil, é relevante trabalhar essa temática
em sala de aula, principalmente a Geografia sendo uma ciência que
busca desenvolver o senso crítico nos discentes, refletindo a realidade
socioespacial dos Direitos Humanos no mundo e no Brasil. O presente
artigo relata a experiência em uma escola localizada no interior do
município de Bossoroca/RS, a fim de refletir sobre os Direitos
Humanos em uma perspectiva geográfica através da análise de
notícias que cumprem ou violam os Direitos Humanos,

-9-
contextualizando as diferenças culturais e geopolíticas nas notícias e
propondo uma solução aos problemas sociais apresentados pelas
notícias.
Em “A transformação territorial das universidades federais
após a Lei Federal nº 12.711/2012”, escrito por Wilson Carlos Diniz
(UFCAT) e Ronaldo da Silva (UFCAT), é o segundo capítulo da obra, que
aborda sobre à disponibilização e acesso ao ensino básico e superior à
população negra escrava e ex-escrava no território brasileiro, desde a
primeira Constituição promulgada em 1824, envolvendo leis
infraconstitucionais, até a Constituição Federal do Brasil de 1988, na
qual a educação é tida como um direito de todos. Aborda-se também
conceitos da ciência geográfica correlacionando-os com textos
legislativos que serviam e como mecanismos para a perpetuação da
vontade e do poder de determinado grupo dominante sobre um outro,
dominado. No caso, as relações de poder entre a população branca
para com a negra territórios escolares. Por fim, correlaciona a Lei
12.711/12 como instrumento de transformação socioespacial nas
universidades públicas a partir de sua publicação.
Escrito por Tuane Telles Rodrigues (UFSM) e João Henrique
Quoos (UFSM), o terceiro capítulo é “Uma contribuição dos geogames
para o ensino inclusivo da Geografia frente à BNCC”, demonstrando
que o lugar, expresso como um dos principais conceitos geográficos na
BNCC, possui diversas formas de representação, seja através dos

- 10 -
mapas, de imagens, ou através de tecnologias, como os jogos digitais
educacionais, ou àqueles voltados exclusivamente ao entretenimento.
Nesse sentido, utilizamos o jogo digital “CartoCon: Nossa Expedição
Geográfica” como recurso para abordar o tema em duas oficinas
realizadas em uma escola de educação especial em Santa Maria/RS.
Como resultado, apresentamos a impressão dos alunos diante do
reconhecimento do lugar representado no jogo digital, juntamente
com suas nuances e possibilidades futuras, qualificando não apenas a
utilização do recurso como método de aprendizagem, como também
uma ferramenta contemporânea para a expressão do lugar.
O quarto capítulo da coletânea é denominado de “Reflexões
sobre o ensino de Geografia e a BNCC”, cuja autoria são de Alessandra
Souza (UFSM), Roberto Rech (UNICAMP) e Ana Carla Lenz (UFSM),
trazendo algumas reflexões sobre a importância do ensino de
Geografia na Base Nacional Comum Curricular – BNCC e o caráter
formativo da Geografia enquanto disciplina escolar. Para isso, fez-se
uso da abordagem qualitativa e de leituras relacionadas à proposta.
Segundo a BNCC (2018), o ensino de Geografia deve desenvolver
atividades para que o aluno construa a habilidade de “fazer a leitura
do mundo em que vivem, com base nas aprendizagens em Geografia,
os alunos precisam ser estimulados a pensar espacialmente,
desenvolvendo o raciocínio geográfico”. Consoante com esse ponto de
vista, justificamos a importância do presente texto.

- 11 -
O penúltimo capítulo da coletânea foi escrito por Wilson Carlos
Diniz (UFCAT), cujo título é “O ensino de Geografia como ferramenta
de ressignificação espaçosocial do indivíduo”, em que são tratados
diversos conceitos da ciência geográfica, procurando-se relacioná-los
com o processo de formação de professores de Geografia e bem com
o processo de ensino-aprendizagem de Geografia e a transformação
da sociedade. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica,
relacionando-se as ideias dos diversos autores que já trataram do
tema. A relação entre ensino de Geografia e ressignificação espacial
do indivíduo é complexa e difícil de expor; no entanto, procurou-se,
ainda que de forma sucinta, demonstrar essa relação e sua
importância.
Por fim, o último capítulo apresentado será “Elaborando o
currículo “Território de Bossoroca”: reflexões teóricas em
consonância à BNCC”, cujo autor é Airton Rosa Lucion Guites (UFSM),
relatando que ao longo de 2019, foi realizado nos âmbitos municipais,
uma formação sobre a nova legislação educacional que entraria em
vigor em 2020, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Sendo
assim, era necessário adequar a legislação municipal, da mesma forma
que a esfera estadual da educação no Rio Grande do Sul já havia
adequado em 2018, através do Referencial Curricular Gaúcho (RCG).
Desta forma, foi elaborado o currículo “Território de Bossoroca”, a fim
de estabelecer as bases de conteúdos programáticos em

- 12 -
competências e habilidades no município gaúcho de Bossoroca/RS.
Neste artigo, iremos refletir sobre uma análise teórica da BNCC que
norteia o ensino de Geografia, bem como relatar o que foi inserido nas
habilidades locais para a disciplina.
Os artigos aqui apresentados como capítulos desta coletânea
digital contribuem ao debate da ciência geográfica e propõe uma
reflexão sobre a legislação educacional em vigência atual, bem como
sobre temas diversos aos Direitos Humanos correlacionados ao
processo de ensino-aprendizagem em Geografia na
contemporaneidade, que está cada vez mais comprometido com
assuntos sociais e de formação cidadã-crítica dos discentes. Deseja-se
uma ótima leitura a todos!

O organizador.

- 13 -
Ensinar Geografia para garantir os Direitos Humanos nas
competências transversais da BNCC

Airton Rosa Lucion Guites1


Eduardo Schiavone Cardoso2

Introdução e Contextualizações
Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mundo
encontrava-se devastado, seja em decorrência dos bombardeios
durante os conflitos bélicos, seja com o extermínio de populações.
Neste cenário, é fundada por 51 países – dentre eles, o Brasil – a
Organização das Nações Unidas (ONU), uma organização
intergovernamental com sede oficial em Nova York (EUA) e três sedes
subsidiárias em Genebra (Suíça), Viena (Áustria) e Nairóbi (Quênia),
além de diversos escritórios pelo mundo, tendo por objetivo principal
a promoção da paz e o desenvolvimento mundial.
Em 1948, a ONU promulgou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que viria a assegurar o direito de todas as pessoas de ter
uma vida digna, principalmente após os horrores das guerras ocorridas
na primeira metade do século XX. Segundo o site da ONU (2019):

1
Mestre em Geografia, UFSM. Professor concursado da rede pública municipal de
Bossoroca/RS. E-mail: airtonlucion@bol.com.br.
2
Doutor em Geografia, USP. Orientador do trabalho. Professor titular de graduação
e pós-graduação no curso de Geografia, UFSM. E-mail: educard@smail.ufsm.br.
- 14 -
Os direitos humanos incluem o direito à vida e à
liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o
direito ao trabalho e à educação, entre muitos
outros. Todos merecem estes direitos, sem
discriminação. [...] Estão expressos em tratados, no
direito internacional consuetudinário, conjuntos
de princípios e outras modalidades do Direito. A
legislação de direitos humanos obriga os Estados a
agir de uma determinada maneira e proíbe os
Estados de se envolverem em atividades
específicas. No entanto, a legislação não
estabelece os direitos humanos. Os direitos
humanos são direitos inerentes a cada pessoa
simplesmente por ela ser um humano. (ONU,
2019).

Sendo assim, é relevante a abordagem dos Direitos Humanos


como tema transversal nas escolas, a fim de fazer com que os
discentes compreendam o que de fato são tais direitos, explicar como
eles funcionam e qual a importância de seu cumprimento. A Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), atual legislação educacional em
vigor no Brasil, trata o tema dos Direitos Humanos como uma das
competências da educação básica. Como informa o Ministério da
Educação (MEC, 2017, p. 10) no documento orientador da nova lei, é
dever da escola “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de
conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o
respeito ao outro e aos direitos humanos”, impedindo qualquer forma
de preconceito e valorizando a diversidade de “grupos sociais, seus
saberes, identidades, culturas e potencialidades”.

- 15 -
Mais especificadamente no capítulo sobre as Ciências
Humanas, em que se inclui a Geografia, o MEC (2017, p. 357) afirma
na BNCC que é necessário “negociar e defender ideias e opiniões que
respeitem e promovam os direitos humanos” através da
responsabilidade e do protagonismo para construir “uma sociedade
justa, democrática e inclusiva”. Portanto, podemos entender como as
características principais dos Direitos Humanos, segundo informa o
site oficial da ONU (2019):

Os direitos humanos são fundados sobre o respeito


pela dignidade e o valor de cada pessoa. [...] São
universais, o que quer dizer que são aplicados de
forma igual e sem discriminação a todas as pessoas.
[...] São inalienáveis, e ninguém pode ser privado
de seus direitos humanos; eles podem ser limitados
em situações específicas. Por exemplo, o direito à
liberdade pode ser restringido se uma pessoa é
considerada culpada de um crime diante de um
tribunal e com o devido processo legal. [...] São
indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes,
já que é insuficiente respeitar alguns direitos
humanos e outros não. Na prática, a violação de um
direito vai afetar o respeito por muitos outros.
(ONU, 2019).

Diante disto, observamos no sentido geopolítico, a importância


da ONU no contexto mundial da segunda metade do século XX até a
atualidade. A organização conta com a participação de 193 países,
incluindo o Brasil, e acaba por analisar e decidir sobre o futuro de
conflitos internacionais, como guerras e missões de paz. O Conselho

- 16 -
de Segurança da ONU, por exemplo, é reconhecido como o maior
órgão político do planeta. O Brasil tem papel importante na ONU e é
reconhecido por sua característica pacífica diante dos conflitos
internacionais, sempre buscando o diálogo e a ajuda humanitária. Por
conseguinte, desde a primeira assembleia geral da organização, é um
representante do Brasil (geralmente, o Presidente da República) quem
discursa nas conferências de abertura. Sobre o Brasil, o site da ONU
(2019) menciona que:

Desde 1948, o Brasil participou de mais de 30


operações de manutenção de paz da ONU, tendo
cedido um total de mais de 24 mil homens.
Integrou operações na África (entre outras, no
Congo, Angola, Moçambique, Libéria, Uganda,
Sudão), na América Latina e Caribe (El Salvador,
Nicarágua, Guatemala, Haiti), na Ásia (Camboja,
Timor-Leste) e na Europa (Chipre, Croácia). (ONU,
2019).

O Brasil possui cerca de 30 representantes na sede oficial, em


Nova York, onde compõe a Missão Permanente junto às Nações
Unidas, com pauta principal aos interesses da América do Sul. Na sede
subsidiária de Genebra, o Brasil possui mais 30 representantes,
dedicados a missões na Ásia, África e Oriente Médio. Até a finalização
deste texto, o Brasil ainda não possuía representantes na sede
subsidiária em Nairóbi. A maioria dos escritórios da ONU no Brasil se
localizam na capital federal, em Brasília; entretanto existem outros
escritórios nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador.

- 17 -
Conforme dados do site do Ministério das Relações Exteriores
(2020), o papel do Brasil na ONU para assegurar a paz mundial
atualmente é percebido em missões no Líbano, Sudão, Sudão do Sul,
Saara Ocidental, República Centro-Africana, República Democrática do
Congo, Chipre e Iêmen.
Portanto, ao integrar a ONU, o Brasil deve cumprir os artigos
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, podendo ser expulso
da organização em caso de violação, como qualquer outro país. Para
tal, o país aprovou na década passada, no plano jurídico e social, a
Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e
Culturais (DHESCA Brasil), sendo reconhecida pela ONU como um
grande avanço na garantia da declaração. (TEXEIRA, M. I. A.;
CAVALCANTE, M. H. K. 2012, p.124). Além disso, as autoras afirmam
na mesma publicação que:

No corpo de leis internacionais, já existem


sancionados os direitos específicos de
comunidades indígenas, de povos originais, de
migrantes e ciganos. Países como o Brasil [...]
assinaram a declaração de direitos das crianças e o
Estatuto do Idoso. Do mesmo modo, temos de
defender direitos dos portadores de necessidades
especiais, das minorias étnicas e assim por diante...
Mesmo se ainda são pouco cumpridos, o simples
fato de a lei internacional tornar obrigatório o
respeito aos direitos fundamentais de qualquer
pessoa, pobre ou rica, branca ou negra, torna
ilegais todas as ditaduras, revela a inquietude de
qualquer tipo de tortura e mostra que é impossível
uma verdadeira civilização sem respeito às

- 18 -
liberdades individuais e à dignidade humana.
(TEXEIRA, M. I. A.; CAVALCANTE, M. H. K. 2012, p.
124).

Mesmo com estes diplomas legais, todavia, a relação do Brasil


frente aos Direitos Humanos tem gerado discussões sobre uma
mudança de postura, com relação às conferências anteriores a de
2019. Tal mudança pode ser interpretada, segundo Araújo e Pereira
(2020), como “um claro desalinhamento com os objetivos principais da
organização”, pois “não há como se comprometer com a paz mundial
e a igualdade entre os povos, se o país não puder firmar o mesmo
compromisso dentro de seu próprio território”.
A Geografia pode trazer a discussão dos Direitos Humanos
como um tema transversal, a fim de esclarecer o significado e
aplicabilidade da declaração, bem como compreender sua
espacialização. Através da noção dos países que integram a ONU e
suas missões ou então por informações de atitudes de países em
acordo ou desacordo aos artigos da declaração, é possível ao professor
de Geografia que instigue seus alunos a entender como os países se
organizam frente aos Direitos Humanos e também refletir
conjuntamente com a turma sobre quais os contextos sociais,
econômicos, políticos e culturais que permeiam o cumprimento ou
violação dos direitos.
O presente artigo é um relato de experiência que ocorreu na
Escola Municipal de Educação Básica Guiomar Medeiros, localizada no

- 19 -
interior do município de Bossoroca/RS, no ano de 2019. Foi realizado
com uma turma de 7º ano do Ensino Fundamental e teve por objetivo
geral: refletir sobre os Direitos Humanos em uma perspectiva
geográfica; e por objetivos específicos: (1) analisar notícias com ações
que cumprem ou violam os Direitos Humanos; (2) contextualizar as
diferenças culturais e geopolíticas nas notícias; (3) propor uma solução
aos problemas sociais apresentados pelas notícias.

Desenvolvimento e Metodologia
Para estimular o interesse dos alunos frente a temática dos
Direitos Humanos, buscou-se na obra de Bruner e seu método de
aprendizagem por descoberta. Segundo Lakomy (2014):

O método de aprendizagem por descoberta é uma


forma de aprendizagem em que os alunos são
estimulados pelo professor por meio de perguntas
que geram estudos e pesquisas. Na busca por
respostas, podem descobrir, sozinhos, algumas
ideias ou princípios básicos relacionados a questão
colocada. [...] O professor traz o conteúdo sob a
forma de problema a ser resolvido de forma ativa
pelo aluno, por meio de investigação, perguntas,
pesquisa, experimentação etc. Com isso, o
professor ajuda-o a resolver o problema,
discutindo as alternativas apresentadas pelo
próprio aluno. (LAKOMY, A. M. 2014, p. 45).

Nesta ótica, o professor também se torna pesquisador,


produzindo ciência no âmbito escolar, buscando construir com os

- 20 -
alunos um conhecimento pautado na investigação e no planejamento.
Sobre o professor-pesquisador, Lopes (2012) afirma:

O professor pode e deve fazer as pesquisas na


escola, sempre efetuando a ligação entre os
conteúdos previamente selecionados, ou que
estejam relacionados àquela série. Como é possível
concluir, fazer ciência no ambiente escolar é uma
rotina do professor. Nesse ambiente, cada
atividade é uma experimentação prática, com
todas as dificuldades próprias das ciências. Logo, o
ato de planejar faz parte desse processo realizado
em forma de pesquisa. [...] Também nesse
processo, você pode promover no ambiente
escolar projetos interdisciplinares e/ou
multidisciplinares. (LOPES, J. S. F. 2012, p. 120).

A atividade sobre Direitos Humanos foi previamente


organizada da seguinte forma: primeiramente, foi elaborado uma
aula-debate sobre o que eram os Direitos Humanos, trazendo à tona a
discussão em sala de aula, com questionamentos acerca do
conhecimento empírico dos alunos e colocando em pauta situações-
problemas para que eles refletissem sobre a justiça social promovida
pela declaração. Neste momento, houve uma condução ao
esclarecimento sobre os Direitos Humanos, fazendo com que os
estudantes compreendessem a origem e a necessidade deles, bem
como ao papel do Brasil na ONU frente a tais direitos.
Em um segundo momento, a turma foi dividida em grupos,
onde cada um recebeu duas notícias. Uma delas estava cumprindo os
artigos da declaração e a outra estava violando, cabia aos discentes

- 21 -
discutirem em grupo qual notícia cumpria e qual violava, bem como
quais artigos comprovariam isto. As notícias foram selecionadas pelo
professor através de sites oficiais da imprensa ou de governos,
baseado na relevância e proporções que tais notícias ganharam na
mídia. Assim também foi possível gerar uma discussão sobre a
influência da mídia na perpetuação de notícias, que podem
estereotipar situações, como a ideia de que os países desenvolvidos
são cumpridores fiéis dos Direitos Humanos, enquanto os países em
desenvolvimento são violadores compulsórios dos Direitos Humanos;
todavia, é preciso romper com generalizações.
Por fim, a última etapa da atividade consistia em cada grupo
apresentar aos demais suas notícias e conduzir o debate, afirmando os
artigos da Declaração Universal onde se comprovava que as notícias
cumpriam ou violavam. Além disso, o grupo deveria propor uma
solução ao problema apresentado pela notícia em que se confirmou a
violação da declaração. Nesta etapa, o professor teve papel mediador
no debate, em que esclarecia os contextos sociais, geográficos,
históricos, políticos e culturais em torno das notícias, fomentando
ainda mais o aprendizado e a participação de todos com suas opiniões
e dúvidas.
A proposta de analisar a espacialidade mundial dos Direitos
Humanos através de notícias nacionais e internacionais é uma forma
de linguagem geográfica para o processo de ensino-aprendizagem.
Desta forma, os discentes puderam sentir na prática como os artigos

- 22 -
da declaração afetam a vida das populações, quando cumprem ou
violam. Em relação as linguagens no ensino de Geografia, Rundnick e
Souza (2012) explicam:

As linguagens podem se caracterizar como recursos


didáticos, e seu uso pelo professor é
extremamente importante na atualidade, seja na
escola ou em outro ambiente, pois, na condição de
mediador do processo de ensino-aprendizagem,
permitem melhor aproveitamento e maior
interação do aluno com o conhecimento. O uso de
algumas linguagens nessa área do conhecimento já
foi incorporado em manuais didáticos como, por
exemplo, o uso de livros paradidáticos, filmes,
músicas, poesias, mapas, gráficos, imagens, jogos,
entre outros, colaborando para melhorar a
compreensão e o aprofundamento do
conhecimento do espaço geográfico. (RUDNICK, R.;
SOUZA, S. 2012, p. 20).

Corroborando com isto, Castellar (2014) indica a importância


do professor de Geografia em desenvolver as habilidades dos alunos
por meio da prática:

Em relação ao ensino de Geografia, penso que se


deve superar as aprendizagens repetitivas e
arbitrárias e passar a adotar outras práticas de
ensino, investindo nas habilidades: análises,
interpretações e aplicações em situações práticas;
por isso, os currículos tradicionais ainda têm muito
que mudar. Em um processo de aprendizagem
fundamentado no construtivismo epistemológico,
saber e compreender são duas coisas diferentes, o
ato simples do saber não considera o aluno sujeito
da sua aprendizagem, além disso, compreender é

- 23 -
diferente de relacionar ou elaborar. (CASTELLAR, S.
2014, p. 48).

As notícias selecionadas para a análise dos discentes mediante


ao acesso dos artigos que compõem a Declaração Universal dos
Direitos Humanos estão dispostas na tabela a seguir.

Tabela 1: material utilizado para atividade sobre Direitos Humanos.


TÍTULO E FONTE DA NOTÍCIA OBSERVAÇÃO
Postos de saúde disponibilizam A notícia cumpre o artigo 27º, que
vacinas gratuitas durante todo o afirma que todos têm direito a usar
ano. (Governo do Brasil, os benefícios da ciência.
06/07/2018).
FUNAI assinará termo de posse de A notícia cumpre o artigo 17º, que
fazenda para índios Krenyê. (G1, indica o direito à propriedade a
25/02/2019). todos, inclusive aos povos
indígenas.
Modernização e regulamentação de A notícia cumpre o artigo 26º,
ensino a distância ampliam acesso. sobre o direito à educação e do
(Correio Braziliense, 31/08/2017). ensino superior ser de acesso a
todos.
Último país que proibia mulheres de A notícia cumpre os artigos 2º, 3º e
dirigir, Arábia Saudita começa a 13º, que correspondem a igualdade
expedir carteira de motorista para entre sexo, o direito à liberdade e
elas. (G1, 05/06/2018). de circulação no espaço.
Tirar dupla cidadania exige pesquisa A notícia cumpre os artigos 13º e
e muita paciência. (Gazeta do Povo, 15º, que demonstram o direito a
29/03/2017). circulação no espaço e o direito a
nacionalidade ou de mudá-la.
Brusque (SC) lidera a lista de cidades A notícia cumpre os artigos 22º e
mais pacíficas do Brasil, diz 25º, que indicam o direito à
pesquisa. (G1, 15/06/2018). segurança social.
Preso cubano revela os porões da A notícia viola os artigos 5º e 18º,
ditadura. (Folha de São Paulo, referidos a tortura e a liberdade de
09/09/2002). pensamento.

- 24 -
Continuação
TÍTULO E FONTE DA NOTÍCIA OBSERVAÇÃO
Talvez duas crianças tenham A notícia viola os artigos 3º, 4º e 5º,
morrido para você ter seu celular. sobre o direito à vida, a escravidão
(Brasil de Fato, 11/09/2012). e a tortura.
Índia responde por 40% dos A notícia viola o artigo 16º, que
casamentos infantis no mundo. (O afirma idade núbil para o
Globo, 22/08/2013). matrimônio.
Coreia do Norte pode mandar matar A notícia viola os artigos 5º, 12º e
cristãos “flagrados” com uma Bíblia. 18º, que correspondem a tortura,
(Guia-me, 20/11/2017). intromissão na vida privada e
liberdade religiosa.
Após atentados, mais países fecham A notícia viola os artigos 2º, 13º e
fronteiras a imigrantes. (O Globo, 14º, referentes a igualdade de raça,
23/03/2016). direito de circulação e ao asilo por
perseguição.
Jornalista da Venezuela é preso e A notícia viola os artigos 10º, 11º,
acusado após protesto contra 12º, 18º e 19º, sobre o direito ao
Maduro. (G1, 05/09/2016). julgamento imparcial, a inocência
até que se prove a culpa, a
intromissão na vida particular, a
liberdade de pensamento e de
expressão.
Fonte: GUITES, A. R. L.; CARDOSO, E. S. (2019).

Resultados e Discussões
A seleção de notícias trouxe ao contexto da sala de aula o
debate sobre temas da atualidade, mesclando nos enfoques de
educação, saúde, segurança, política e cultura. Os alunos foram
instigados a interpretação de texto, ao raciocínio crítico, ao
pensamento lógico e ao debate em grupo. Ao professor, coube o papel
de mediador e de contextualizar os fatos apresentados pelas notícias
e fomentar o debate entre os próprios alunos, que opinavam sobre o

- 25 -
cumprimento ou violação que foram apresentados, além de sugerir
soluções aos problemas sociais indicados pelas notícias que traziam
fatos que violaram a Declaração Universal.
Dentre várias contextualizações, ressalta-se a questão cultural
dos povos indígenas, que se articulam no território nacional e lutam
pelo direito a exercer seu modo de vida em parcelas do país destinadas
pelo governo, e que apesar da cultura diferente, são partes integrantes
da sociedade brasileira. Também se ressalta a questão das ditaduras,
em que há violação extrema da declaração, uma vez que o
pensamento livre não é permitido, censurando a imprensa e
interferindo na vida privada dos cidadãos.
Outra ressalva a ser feita é que, em nenhum momento, a
atividade orientou os alunos a pensar que países desenvolvidos
(“ricos”) cumprem a declaração, enquanto os países em
desenvolvimento (“pobres”) violam. Há inúmeras exceções, baseado
em vários critérios, mas que reforçam a necessidade do professor em
ensinar os Direitos Humanos com o olhar geográfico sem relacionar o
poder financeiro de um país com sua conduta na declaração. Exemplo
disto é a Finlândia, país desenvolvido da Europa e que viola três artigos
da declaração na notícia apresentada pelo professor; e a Arábia
Saudita, país em desenvolvimento da Ásia e que cumpre três artigos
da declaração na notícia apresentada pelo professor. Sendo assim,
focou-se em algumas atitudes de alguns países com relação a
Declaração Universal, sem generalizar o país como um todo.

- 26 -
Portanto, a atividade ocorreu mediante a problematização do
conteúdo e a contextualização geográfica. Em relação a isto, Stefanello
(2012) conclui que:

O professor pode tornar o conteúdo interessante


para o aluno, criando um elo entre o fenômeno
(conteúdo) a ser ensinado e a realidade do
educando, fazendo com que tal fenômeno se torne
um caso, o qual o aluno precisa ajudar a resolver,
chamando-o, dessa forma, à responsabilidade para
o que ocorre com e no planeta. [...] Na educação
básica, o aluno precisa sentir que pode fazer algo
para melhorar o seu cotidiano, o seu país, o seu
planeta. (STEFANELLO, A. C. 2012, p. 72).

A problematização dos Direitos Humanos através de notícias


que circulam na mídia, ofereceu aos discentes a possibilidade de
entender na prática o que são esses direitos e ainda estimulou os
mesmos a pensar em soluções, baseado em seus conhecimentos
geográficos sobre a realidade global-local. Refletiu-se também que,
embora quase todos os países integrem a ONU e, consequentemente,
sigam sua declaração, ainda há atitudes em desacordo que geram
polêmicas e receios de retrocessos. Um mesmo país pode cumprir e
violar artigos diferentes da declaração, cabendo a ONU julgar em caso
de denúncia. Porém, como bem informa o site da organização, é
insuficiente o respeito de apenas alguns artigos, pois a violação de um
direito vai acabar afetando vários outros, já que tais direitos são

- 27 -
universais, inalienáveis, indivisíveis, inter-relacionados e
interdependentes (ONU, 2019).
Para finalização da atividade, foi confeccionado um cartaz por
todos os discentes, onde continha uma breve explicação sobre a
origem e importância dos Direitos Humanos, bem como os 30 artigos
dispostos em ordem. O cartaz foi fixado na sala da turma, a fim de ficar
exposto durante o ano letivo, retornando as discussões pelo professor
de Geografia sempre que fosse possível ou necessário.

Imagem 1: cartaz da atividade sobre os Direitos Humanos.

Fonte: GUITES, A. R. L.; CARDOSO, E. S. (2019).


- 28 -
Por meio deste cartaz, os discentes passaram a buscar maior
conhecimentos dos artigos da Declaração Universal e, nas semanas
posteriores da finalização da atividade, seguiam conversando entre si
e questionando o professor acerca da declaração. Pela exposição na
sala, o cartaz pode ser utilizado por outros professores em suas
respectivas disciplinas, uma vez que o tema dos Direitos Humanos é
algo transversal e multidisciplinar. Exemplo disso pode ser observado
no relato dos professores de História e Sociologia, que utilizaram o
cartaz na contextualização de temas em suas aulas.
A atividade incentivou a turma a refletir, criticar e propor
mudanças na realidade, além de compreender a importância destes
direitos no seu dia a dia. Um cartaz sobre a Declaração Universal em
sala de aula, baseado na construção intelectual da turma a partir da
interpretação das notícias, foi de suma relevância para o
esclarecimento e desmistificação a respeito do cumprimento de seus
direitos, de como eles afetam suas vidas e de que maneira podem ser
reivindicados ou denunciados (em caso de violação).

Considerações Finais
Nos últimos anos, uma constante ideia circulou entre a
sociedade brasileira, que indignada com casos de corrupção em cargos
públicos, as injustiças sociais e a crescente violência urbana, atribuiu

- 29 -
erroneamente aos Direitos Humanos a culpabilidade da crise no Brasil,
com a mentalidade de que esses direitos “defendem criminosos”.
A perpetuação desta ideia vem de encontro com as lutas de
movimentos sociais para reivindicar seus direitos e suas liberdades. E
neste sentido, cabe a Geografia um posicionamento frente a
disseminação de pensamentos errôneos a respeito da Declaração
Universal. A ciência geográfica está pautada na relação entre a
sociedade com a natureza; logo, é papel da Geografia defender os
Direitos Humanos e debater isto nas escolas e universidades, uma vez
que essa defesa vai promover a justiça social e desvelar fatos
importantes no contexto da produção do espaço geográfico.
Com esta atividade, foi possível observar o engajamento dos
discentes do 7º ano do Ensino Fundamental, que tiveram a inquietude
de buscar esclarecimentos sobre suas dúvidas em relação aos Direitos
Humanos e permaneceram sempre ativos no processo de ensino-
aprendizagem ao analisar, interpretar e aplicar na realidade os fatos
anunciados pelas notícias. A curiosidade e a empatia foram
motivadoras aos grupos, que interagiam e opinavam de forma
democrática e organizada. Além disso, foi uma forma de incentivar os
estudantes a ler um gênero textual de pouco interesse entre as
crianças e adolescentes, que são as notícias, buscando assim um
complemento com a disciplina de Língua Portuguesa.
Assegurar a manutenção dos Direitos Humanos em uma
sociedade descrente, cuja desinformação se perpetua de forma

- 30 -
avassaladora pelas redes sociais, é uma tarefa árdua e complexa.
Reconhecer a importância histórica da ação do Brasil na ONU em
missões de paz pelo mundo é de grande relevância, uma vez que é uma
forma de perceber na prática a ocorrência desses direitos. Em
contrapartida, superar os aspectos em que o Brasil está em falta para
garantir os Direitos Humanos em seu território e se alinhar à
Declaração Universal, é fundamental, uma vez que devemos manter
constante o olhar crítico e a busca incessante por justiça e equidade
social.
Os professores de Geografia – e das demais disciplinas do
processo de escolarização – devem estar preparados para levar até a
escola este conhecimento, em defesa da paz, incentivando os
estudantes para que se tornem autônomos em reconhecer, reivindicar
e garantir o cumprimento dos Direitos Humanos nas distintas escalas
geográficas.

- 31 -
Referências

ARAÚJO, G. S. S.; PEREIRA, F. L. B. Opinião: 74 anos depois, a mudança


no papel do Brasil na Organização das Nações Unidas. Consultor
Jurídico, 15.10.2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/
2019-out-15/opiniao-mudancas-papel-brasil-onu-74-anos-depois.
Acesso em: 12.09.2020.

ANGIEUSKI, P. N.; TORRES, P. L. A transversalidade e os direitos e


deveres, p. 323-346. In: TORRES, P. L. (Org.). Uma leitura para os
temas transversais: ensino fundamental. Curitiba: SENAR-PR, 2003,
610p.

CASTELLAR, S. Educação geográfica: teorias e práticas docentes. São


Paulo: Contexto, 2014, 167p.

DHESCA BRASIL. Plataforma DHESCA. Disponível em:


https://www.plataformadh.org.br. Acesso em: 05.09.2020.

GUITES, A. R. L.; CARDOSO, E. S. Geografia e Direitos Humanos: uma


experiência didática em Bossoroca/RS, p. 4479-4489. In: Anais do 14º
Encontro Nacional de Prática de Ensino em Geografia, Campinas/SP,
2019.

LAKOMY, A. M. Teorias cognitivas da aprendizagem. Curitiba:


InterSaberes, 2014, 69p.

LOPES, J. S. F. Professor-pesquisador em educação geográfica.


Curitiba: InterSaberes, 2012, 183p.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular. 2017,


595p.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. O Brasil e as operações de


manutenção da paz da ONU. Disponível em: http://www.itamaraty.
gov.br/pt-BR/politica-externa/paz-e-seguranca-internacionais/4783-
o-brasil-e-as-operacoes-de-paz. Acesso em: 12.09.2020.

- 32 -
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Artigos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos em português. Disponível em:
https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por.
Acesso em: 04.03.2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. O que são os direitos humanos?


Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/. Acesso
em: 04.03.2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Brasil na ONU. Disponível em:


https://nacoesunidas.org/conheca/brasil-na-onu/. Acesso em:
04.03.2019.

PORTUGAL, J. F. Docência em territórios rurais: Geografia Escolar,


práticas pedagógicas e narrativas de professores, p. 21-43. In:
PORTUGAL, J. F. (Org.). Educação geográfica: temas contemporâneos.
Salvador: EDUFBA, 2017, 345p.

RUDNICK, R. SOUZA, S. O ensino de Geografia e suas linguagens.


Curitiba: InterSaberes, 2012, 244p.

STEFANELLO, A. C. Didática e avaliação da aprendizagem no ensino


de Geografia. Curitiba: InterSaberes, 2012, 193p.

TEIXEIRA, M. I. A.; CAVALCANTE, M. H. K. Datas comemorativas:


textos, poesias e dinâmicas para celebrar a vida. Porto Alegre: Editora
PUCRS, 2012, 135p.

- 33 -
A transformação territorial das universidades federais após a Lei
Federal nº 12.711/2012

Wilson Carlos Diniz3


Ronaldo da Silva4

Introdução
A educação, no Brasil, em seus diferentes níveis, é instrumento
propulsor para a diminuição ou mesmo a erradicação das
desigualdades socio-econômicas, pois, proporciona acesso à formação
e a conhecimentos e saberes, dos essenciais ao pleno, seja em
qualquer fase de ensino, seja o ensino técnico ou superior. Dá também
às pessoas as condições técnicas e científicas e capacita-as para
obterem melhor remuneração no mercado de trabalho e a exercerem
funções que, necessariamente, são reservadas à população que possui
qualificação para tal. É o esperado.
No entanto, no Brasil, a educação, por muito tempo, se
apresentou com uma série de particularidades que não a tornava
acessível para toda a população. Na história do País, ainda no período
colonial, alguns grupos de pessoas eram dela excluídos,
especialmente, os escravos e ex escravos. Mesmo a Independência do

3
Mestrando em Geografia, UFCat. E-mail: wilson.dinizc@hotmail.com
4
Doutor em Geografia, UFU. Docente do PPG em Geografia, da Universidade Federal
de Catalão. E-mail: ronaldogeografia@yahoo.com.br
- 34 -
Brasil, ocorrida em 1822 não fez todas as pessoas independentes,
tampouco garantiu a todos o direito de ser livre, de usufruir dos
mesmos direitos, dos mesmos lugares, como as escolas.
O Brasil, promulgou em 1824 a sua primeira Carta
Constitucional que continuou a reproduzir o sistema escravocrata de
antes, ainda que do outro lado do Atlântico, a Revolução Francesa
ainda em 1789, propusesse liberdade, igualdade e fraternidade para
todos. Com a independência, o Brasil contrai uma enorme dívida
externa junto à Inglaterra que, antes, devido às invasões napoleônicas,
havia socorrido, protegido e colocado em segurança em terras
brasileiras a Corte portuguesa. Para Prado Júnior (2004), a Inglaterra,
assim, estava executando um plano para as terras do Novo Mundo
visando compensar as perdas sofridas na Europa, segundo o autor,

[...] o plano inglês de compensar-se de suas


derrotas no continente europeu com a conquista
das colônias ibero-americanas é óbvio. No caso do
Brasil, as circunstâncias favoreceram e facilitaram
o plano. Não precisará aí de exércitos e de
intervenções armadas, pois o soberano português
entendeu mais conveniente aceitar o oferecimento
inglês e embarcar sob proteção britânica para o
Brasil. Conservava com isto sua coroa e títulos, mas
terá cedido ao aliado inglês sua independência e
liberdade de ação. A monarquia portuguesa não
será daí por diante mais que um joguete nas mãos
da Inglaterra. O soberano permanecerá no Rio de
Janeiro sob a guarda de uma divisão naval inglesa
que se incumbirá de dirigir a luta contra a ocupação
francesa. Um general inglês, Beresford, será o

- 35 -
comandante supremo do exército português e o
efetivo governador do Reino libertado em 1809
(PRADO JR., 2004, p. 108).

Na Europa, Portugal foi invadido pelas tropas francesas de


Napoleão e o povo português as enfrentava enquanto seu rei
transferia a sede do reino para o Brasil e aqui permanecia em
segurança, porém sem liberdade verdadeira. No entanto, foi assim
desencadeada a independência do Brasil de Portugal. Com a derrota
do exército de Napoleão na Europa e a volta da família real à Portugal,
que deixava como príncipe regente Dom Pedro I, em 1822,
oficialmente, o Brasil proclama sua Independência.
Mas, na construção da nação o povo negro escravizado assim
continuou e, dentre tantas coisas essenciais que lhes eram negadas,
começando pela liberdade, era negado também o acesso à educação.
Seguiu em macha a consolidação do sistema socioeconômico
capitalista escravocrata. A extinção oficial da escravidão no Brasil,
ocorrida em 13 de maio de 1888 e o advento da República em 1889
não implantaram, de fato, o acesso à educação para os negros. Textos
normativos jurídicos já no período republicano tratavam de impedir o
ingresso da população negra no ensino, em especial o superior.
Somente a Constituição Federal de 1988 que se tratará o acesso à
educação como um direito de todos e um dever do Estado e da
Sociedade.

- 36 -
O Ensino Púbico Superior para os escravos e pretos precedentes à
Constituição Federal de 1988
É necessário relacionar a construção social daquele Brasil com
os demais lugares e suas histórias que influenciavam-na época. O
homens se relacionam e exteriorizam pelas/nas relações de poder de
uns sobre os outros no mesmo território ou não, o que pode
acontecer, por exemplo, através das redes. Por isso, lugares são
diferentes entre si, ainda que relativamente próximos ou distantes,
como o Brasil, Portugal e a Inglaterra. É certo que um lugar não explica
tudo por si mesmo porque é preciso considerar as relações de poder
que nele e a partir dele se dão e que afetam-no. Por isso, o geógrafo
precisa preocupar-se também com a história das relações sociais. Para
Santos (1998),

[...] a geografia deve preocupar-se com as relações


presididas pela história corrente. O geógrafo torna-
se um empiricista, e está condenado a errar em
suas análises, se somente considera o lugar, como
se ele tudo explicasse por si mesmo, e não a
história das relações, onde o objeto acolhe as
relações sociais, e estas impactam os objetos
(SANTOS, 1988, p. 21).

Desse modo, o objeto de estudo (principal categoria analítica)


da Geografia é o espaço natural modificado pelo homem, ou seja, é o
espaço geográfico. Os outros conceitos principais da Geografia são
território, região, paisagem e lugar. Ao se estudar um fenômeno pode-
se optar por utilizar um só desses conceitos ou fazer uma combinação

- 37 -
de dois deles ou mais. Mas, o espaço é o conceito a partir do qual os
outros se desenvolvem, assim, sempre estará presente em uma
pesquisa geográfica. Neste estudo, além do conceito de espaço, seu
tema requer a utilização dos conceitos de território e lugar.
Apesar de lastrear-se na Geografia, por vezes este estudo
incursionará pelos acontecimentos históricos e buscará portanto, as
relações ente (Geografia, História e Direito, considerando, desse
modo, que o homem age sobre o espaço para satisfazer suas
necessidades, nele estabelece relações e modifica-o (Geografia) e
esses acontecimentos e suas consequências se dão no tempo
(História) e é necessário estabelecer normas para dirimir os conflitos
decorrentes (Direito).
Lugar, por não ser capaz de explicar tudo por si mesmo, mas a
partir das relações sociais que nele ocorrem e que para ele convergem,
é uma “porção discreta do espaço total” (SANTOS, 1978, p. 152)
identificada por um nome. Mesmo a menor de todas as relações
sociais e a mais específica delas contém parte das relações que são
globais (SANTOS, 1988),

[...] mas nenhum lugar pode acolher nem todas


nem as mesmas variáveis, nem os mesmos
elementos nem as mesmas combinações. Por isso,
cada lugar é singular, e uma situação não é
semelhante a qualquer outra. Cada lugar combina
de maneira particular variáveis que podem, muitas
vezes, ser comuns a vários lugares (SANTOS, 1988,
p 21).

- 38 -
Sobre território, aqui na perspectiva de não fazer confusão com
o conceito de lugar, pois são diferentes, pode-se afirmar, segundo
Sequet (2004), que

[...] o território é produzido espaço-


temporalmente pelas relações de poder
engendradas por um determinado grupo social.
Dessa forma, pode ser temporário ou permanente
e se efetiva em diferentes escalas, portanto, não
apenas naquela convencionamente reconhecida
como território nacional sob gestão Estado-Nação
(SAQUET, 2003, p.10, apud BORDO, et al, 2004,
pp.4-5).

De acordo com as considerações de Santos, pode-se afirmar


que tanto o espaço tem lugares quanto que os lugares têm lugares.
com a devida atenção para se evitar uma excessiva fragmentação. Os
sujeitos, na sociedade de classes, capitalista e globalizada, também
têm lugares que lhe são determinados.
Os negros escravizados no território brasileiro a exemplo, não
tinham lugar na sociedade, nas igrejas, nas escolas e nem na educação
pública. Nos engenhos, lavouras, minas, nos lares, no governo, no
trabalho e na produção eram mão-de-obra de seus proprietários.
Entender o lugar ocupado por cada indivíduo significa também
entender o domínio exercido por um sobre o outro, ou seja, o lugar do
dominador e do dominado, e o lugar do escravizador e do escravizado.

- 39 -
Nesta perspectiva, a fim de perpetuar o tratamento de
exclusão dos negros escravos e/ou libertos da sociedade em geral,
uma das ferramentas utilizadas, e com grande êxito foi o direito. Leis
oficiais formalmente segregavam os negros, na prática, impondo-lhes
limites dentro dos quais podiam existir. Leis e Estado servem à parcela
da sociedade que é dominante. Assim, o Estado brasileiro legalizava o
racismo. As escolas não eram lugar de/para negros. Neste sentido, os
artigos 1º e 3º da Lei nº 1 de 1.837, determinavam que

Artigo 1º As Escolas Publicas de instrucção primaria


comprehendem as tres seguintes classes de ensino:
1ª Leitura, e escrita; as quatro operações de
Arithmetica sobrenumeros inteiros, fracções
ordinarias, e decimaes, e proporções: principiosde
Moral Christã e da Religião do Estado; e a
Grammatica da LinguaNacional.
2ª Noções geraes de Geometria theorica e
pratica.3ª Elementos de Geographia.
[...]
Artigo 3º São prohibidos de frequentar as Escolas
Publicas:
1º Todas as pessoas que padecerem molestias
contagiosas.
2º Os escravos, e os pretos Africanos, ainda que
sejão livres ou libertos.

A independência política-administrativa que o Brasil conseguiu


de Portugal em 1822 não trouxe a igualdade social nem a liberdade
para os escravos, ex-escravos e seus descendentes. A Constituição de
1824 determinou que o ensino primário fosse gratuito para todos os
cidadãos, mas, sem que sejam necessários muitos argumentos, sabe-

- 40 -
se que os pobres livres e negros e pardos, escravos ou libertos, não
eram cidadãos. A escravidão só acabaria (formalmente) em 1888,
sessenta e seis anos após a Proclamação da Independência.
Legislações infraconstitucionais tratavam de manter os
privilégios dos brancos (grupo dominante), tratados como pessoas,
enquanto os negros eram tratados como coisas, como no artigo 42 da
consolidação das Leis Civis, feita por Teixeira de Freitas, citado por
MAZZAROBA e DE CASTRO no artigo “História do direito constitucional
brasileiro: a Constituição do Império do Brasil de 1824 e o sistema
privado escravocrata”,

art. 42. Os bens são de três espécies: móveis,


imóveis, e ações exigíveis (1).
(1) [...] Na classe dos bens móveis entram os
semoventes, e na classe dos semoventes entram os
escravos. Posto que os escravos, como artigos de
propriedade, devam ser considerados coisas; não
se equiparam em tudo aos outros semoventes, e
muito menos aos objetos inanimados, e por isso
tem legislação peculiar.
(7) Os escravos maiores de 14 anos, e as escravas
maiores de 12, também se consideram partes
componentes desses Estabelecimentos, mas tão
somente para se não desmembrarem nas
execuções.
(8) É o denominado privilégio da integridade [...]
Vulgarmente também denominado privilégio de
senhor d’engenho [...] Reputam-se partes
integrantes das propriedades agrícolas, para o
efeito de poderem ser objeto de hipoteca (Art. 2º
§1º da novíssima Lei hipotecária) os escravos e
animais pertencentes às ditas propriedades, que

- 41 -
forem especificados no contrato, sendo
hipotecados com elas. (FREITAS, 2002, pp. 35,49,
apud MAZZAROBA e DE CASTRO, 2017, p. 115).

Neste sentido, a população negra do Brasil, liberta ou escrava,


formalmente excluída da educação, estava totalmente segregada da
sociedade e totalmente dominada. Ficou impossibilitada de ter acesso
à educação, o que poderia contribuir para o processo de emancipação
social e econômica para a busca da liberdade de melhores condições
de vida e de subsistência.
Ainda que limitando o acesso à educação, quarenta e um anos
depois, em 06 de setembro de 1878, em meio ao desenvolvimento do
movimento de libertação da escravidão, o Decreto 7031-a, deu
oportunidade de acesso ao ensino, em período noturno para homens
(negros) livres ou libertos, maiores de 14 anos, desde que não
acometidos por moléstias e devidamente vacinados, conforme
especificavam os artigos 5º e 6º,

Art. 5º Nos cursos nocturnos poderão matricular-


se, em qualquer tempo, todas as pessoas do sexo
masculino, livres ou libertos, maiores de 14 annos.
As matriculas serão feitas pelos Professores dos
cursos em vista de guias passadas pelos respectivos
Delegados, os quaes farão nellas as declarações da
naturalidade, filiação, idade, profissão e residencia
dos matriculandos.
Art. 6º Não serão admittidos á matricula pessoas
que não tiverem sido vaccinadas e que padecerem
molestias contagiosas. (BRASIL, 1878, [s.p])

- 42 -
Assim, estavam proibidos de frequentar a escola no período
noturno, os escravos e escravas e a população feminina livre.
Certamente a intenção era em manter a população negra no trabalho
forçado, escravo, consumindo seus esforços no trabalho diário,
impossibilitando-a de participar do processo de ensino-aprendizagem
para que, quando a escravidão acabasse (o que ocorreu cem anos
depois), os negros continuassem dominados, subalternos e excluídos
da sociedade.
Em se tratando de ensino superior, sua implementação no
Brasil, ocorreu em 1808 com a vinda de Dom João VI e da Corte
portuguesa para o Brasil. Foram criadas a Escola de Cirurgia da Bahia
(medicina), em Salvador, em 1808, as faculdades de Direito de São
Paulo e de Olinda-PE, em 1827. No Rio de Janeiro em 1920 foi criada a
primeira universidade.
O Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, reformou o ensino
primário e o secundário no município da Côrte (Rio de Janeiro) e o
superior em todo o Império, além de regulamentar os exames de
preparatórios nas províncias, e os estatutos das Faculdades de Direito
e de Medicina e da Escola Polytechnica. Nele são observados alguns
progressos. Afirma-se em seu artigo 2º que “até se mostrarem
habilitados em todas as disciplinas que constituem o programma das
escolas primarias do 1º gráo, são obrigados a frequental-as, no
municipio da Còrte, os individuos de um e outro sexo, de 7 a 14 annos
de idade” (BRASIL, 1879, [s.p]).

- 43 -
Proclamada a República, em 1889, dentre os textos
normativos, chama a atenção o Decreto 8.659, de 11 de abril de 1911,
que aprovou a Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na
República e trazia os requisitos para a concessão de matrículas no
Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro como idade, formas de avaliação
para admissão, pagamento de matrícula e curso e a possibilidade de
se ter, na escola, alunos que não pagassem para frequentá-la.

Art. 73. Para requerer matricula no Collegio Pedro


II os Paes ou tutores dos menores provarão:
a) que o candidado tem 12 annos de idade, no
mínimo, e, para a secção do Internato, 14 annos,
no maximo;
b) que se acha habilitado a emprehender o estudo
das materias do curso fundamental. Para isto o
candidado se sujeitará a um exame de admissão,
que constará de prova escripta em que revele
conhecimento da lingua vernacula (dictado,
analyses, lexicologica e syntactiva) e prova oral,
que versará sobre leitura com interpretação do
texto, rudimentos da lingua franceza, de
chorographia e de historia do Brazil, e toda a parte
pratica da arithmetica elementar.
§ I. Os candidatos pagarão taxa de matricula e taxa
de curso, que serão fixadas no regulamento do
Collegio.
§ II. O regulamento determinará o numero de
alumnos gratuitos de cada secção do
estabelecimento. (BRASIL, 1911 [s.p])

Pode-se afirmar que, nesta lei, não havia política de inclusão de


pobres e negros, e, sim, uma política de exclusão. Como pobres e
negros pobres podiam ter, antes dos doze anos, adquirido os

- 44 -
conhecimentos necessários para serem aprovados no exame de
admissão? Nas escolas públicas? É como pagariam a matrícula e o
curso? A escola era pública mas não era gratuita. O mesmo Decreto
8.659, de 11 de abril de 1911, estabelecia as regras para a entrada nos
cursos superiores,

art. 64. Para requerer matricula nos institutos de


ensino superior os candidatos deverão provar:
a) idade minima de 16 annos;
b) idoneidade moral.
Art. 65. Para concessão da matricula, o candidato
passará por exame que habilite a um juizo de
conjuncto sobre o seu desenvolvimento
intellectual e capacidade para emprehender
efficazmente o estudo das materias que
constituem o ensino da faculdade.
§ I. O exame de admissão a que se refere este artigo
constará de prova escripta em vernaculo, que
revele a cultura mental que se quer verificar e de
uma prova oral sobre línguas e sciencias;
§ II. A commissão examinadora será composta, a
juízo da Congregação, de professores do proprio
instituto ou de pessoas estranhas, escolhidas pela
Congregação, sob a presidencia de um daquelles
professores, com a fiscalização, em ambos os
casos, do director e de um representante do
Conselho Superior;
§ III. O exame de admissão se realizará de 1 a 25 de
março
§ IV. Taxas especiaes de exame de admissão serão
cobradas, sendo do seu producto pagas as diárias
dos examinadores. (BRASIL, 1911, [s.p]).

Assim, o Estado, utilizando-se do seu direito de legislar sobre a


educação, é, ele próprio, o opressor e o mantenedor da política de

- 45 -
segregação, não só durante o período em que o Brasil foi colônia de
Portugal, mas também, com a independência, durante o Império, em
que a escravidão de negros era legalizada. A proclamação da República
(1889), com a abolição da Escravidão um ano antes (1888) não traz
nenhuma mudança na segregação a que negros e pobres eram
submetidos na educação pública e de forma legal.
Logo depois da Independência, o Brasil, passou a ter sua
Constituição. A Constituição Política do Império do Brasil (outorgada
de 25 de março de 1824) em seu art. 179 tratava da inviolabilidade dos
direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros e tinha por base a
liberdade, a segurança individual, e a propriedade. Mas escravos e
negros livres não eram considerados cidadãos porque a escravidão
ainda estaria em vigor até 1888.
Assim, a população negra, não estava contemplada com o
acesso à educação gratuita conforme rezava o próprio inciso 32 deste
mesmo artigo cujo afirmava que “a instrução primária é gratuita para
todos os cidadãos” (BRASIL, 1824, [s.p]). A Constituição da República
dos Estados Unidos do Brasil (promulgada em 24 de fevereiro de 1891)
mantém a exclusão do povo negro, não faz alterações quanto ao
acesso ao ensino pela população negra. Até para a população não
negra não era garantido o livre acesso ao ensino e ensino gratuito.
Já a Constituição Federal, de 10 de novembro de 1937, trazia
em seu Artigo 129 que à infância e à juventude, a que faltarem os
recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever

- 46 -
da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de
instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade
de receber uma educação às suas faculdades, aptidões e tendências
vocacionais. Mas essa foi a Constituição da ditadura do Estado Novo e,
sabe-se, numa ditadura, as leis podem não ser aplicadas pelos
governantes ou são aplicadas conforme a vontade e o interesse deles.
E este artigo 129 é destinado à educação profissional, ou seja, para a
formação de trabalhadores adequados, (BRASIL, 1937, [s.p]).
Assim, a Constituição de 1837 retrocedeu em relação à de
1934, fruto das mudanças e fatos ocorridos a partir da Revolução de
1930. Passada a ditadura do Estado Novo, a Constituição de 1946
buscou restaurar, para a educação, as normas da Constituição de 1934
e o Capítulo II, do Título VI, foi dedicado à educação, à família e a
cultura. O Artigo 169 da Constituição de 1946 previa que a União
gastasse nunca menos que dez por cento (10%) de seu orçamento com
a educação. Os estados, o Distrito Federal e os municípios, nunca
menos que vinte por cento (20%), (BRASIL, 1937). Depois do golpe
militar de 1964, que instaurou novamente a ditadura no Brasil, foi
elaborada a Constituição de 1967, no seu Título IV, Da Família, Da
educação e da Cultura,

art 168 - A educação é direito de todos e será dada


no lar e na escola; assegurada a igualdade de
oportunidade, deve inspirar-se no princípio da
unidade nacional e nos ideais de liberdade e de
solidariedade humana.

- 47 -
§ 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus
pelos Poderes Públicos.
§ 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é
livre à Iniciativa particular, a qual merecerá o
amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos,
inclusive bolsas de estudo (BRASIL, 1967, [s.p.]).

O parágrafo 3º do artigo 168 trazia os princípios em normas,


que a legislação do ensino deveria adotar em seis incisos, dos quais
destaca-se:

[...] II – o ensino dos sete aos quatorze anos è


obrigatório para todos e gratuito nos
estabelecimentos primários oficiais.
III - o ensino oficial ulterior ao primário será,
igualmente, gratuito para quantos, demonstrando
efetivo aproveitamento, provarem falta ou
insuficiência de recursos. Sempre que possível, o
Poder Público substituirá o regime de gratuidade
pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o
posterior reembolso no caso de ensino de grau
superior (BRASIL, 1967. [s.p]).

Desse modo, a Constituição de 1824, reconheceu a educação


primária, pública e gratuita, como um direito de poucos. A de 1891
retrocedia em relação à de 1823 por não mais garantir o acesso ao
ensino primário, público e gratuito. A Constituição de 1934 durou
apenas três anos. As constituições das Ditaduras (1937 e 1967)
preocuparam-se com a formação da mão-de-obra, por isso não
contem exclusões explícitas, e com a privatização do ensino. A
constituição de 1946 criou a vinculação orçamentária.

- 48 -
Entre avanços e retrocessos constitucionais, em tempos de
ditaduras explícitas, de exclusões claras e em tempos menos
tenebrosos, o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade para
a população negra foi negado de várias formas, na teoria e na prática.
Além da legislação constitucional, é preciso considerar, ainda, a
infraconstitucional. Finalmente a Constituição Federal de 1988, que
reconheceu os direitos humanos fundamentais e aperfeiçoou as
possibilidades de se buscar a igualdade e combater o racismo, o
preconceito e a discriminação contra os negros praticados desde
sempre no Brasil.
Na redemocratização do Brasil, após o fim da ditadura militar,
iniciada em 1964, a promulgação da Constituição Federal em 1988,
tornou-o um País formalmente mais igualitário, em direitos e deveres.
Preceitua o Artigo 5° da vigente Constituição da República Federativa
do Brasil (CF/88), que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, [...]”(BRASIL, 1988, [s.p.]).
Esses direitos humanos fundamentais são individuais.
Na mesma intenção, a Constituição Federal de 1.988 também
garante aos brasileiros direitos sociais, dentre eles o da educação,
conforme dispõe em seu artigo 6°: “São direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,

- 49 -
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL,
1988, [s.p]), e trata da educação em todos os níveis, bem como do
acesso à ela.
Antes de os direitos humanos fundamentais serem
formalizados na Constituição de 1988, a Assembleia Geral das Nações
Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, fez a proclamação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que, em seu
Artigo 1º afirma que “todos os seres humanos nascem libres e iguais
em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem
agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, (ONU,
1948, [s.p.]). E o Artigo XXVI da DUDH determina que “todo ser
humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos
nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos,
bem como a instrução superior, está baseada no mérito”, (ONU, 1948,
[s.p.]).
Aqui se depara com um tema, que é um dos argumentos
utilizados pelos indivíduos que são contra os direitos humanos, como
um ponto de inflexão para as políticas públicas voltadas para o acesso
à educação: a meritocracia que é estabeleceria o direito de acesso ao
ensino. Mas, os méritos de uma pessoa depende das condições
educacionais, sociais, culturais, econômicas da sociedade da qual faz
parte. Daí só a igualdade total de condições legitimariam a
meritocracia, fariam dela um fator aceitável, ainda que pudessem

- 50 -
levar à extrema competição entre indivíduos. Não se pode nem é
necessário aqui alongar o debate sobre a meritocracia, basta apenas
admitir que a DUDH não tenha feito um bom uso da palavra ou que
quem a usa como argumento contrário ao acesso universal à educação
superior é quem faz esse mau uso.
Neste sentido, deixando de lado, por enquanto, a meritocracia,
a Constituição Federal de 1988 estabelece uma série de princípios e
direitos que levam à garantia da implementação de ações afirmativas
através de políticas públicas a fim de dar promover a equidade social
para aquelas pessoas que são iguais na lei mas desiguais na vida. Em
seu Art. 206, a CF/88 determina que o ensino será ministrado com
base nos princípios da “igualdade de condições para acesso e
permanência na escola”; da “gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais” e de uma “gestão democrática do ensino
público” (BRASIL, 1988, [s.p]).
Se nunca houve igualdade de condições para acesso e
permanência, em todos os níveis de educação e se a educação pública
gratuita é sem qualidade, como se aplicar a meritocracia como
elemento de aferição para a entrada nos cursos públicos oferecidos
pelas universidades brasileiras, principalmente as públicas? A
desigualdade alcança todas as áreas da vida. Assim, quando se junta à
condição de raça outras variáveis, como na condição econômica, por
exemplo, a exclusão se potencializa e se torna permanente.

- 51 -
Daí a necessidade da interferência do Estado em implantar
políticas públicas para a promoção dos direitos, como a igualdade,
como a Lei das Cotas, uma ação afirmativa, uma discriminação
positiva, que, com base no Direito, possibilita, como direito, condições
de acesso à educação técnico-profissionalizante de nível médio e à
educação superior. E o que tem haver a Lei das Cotas com a Geografia?
Ora, essa lei só é necessária e foi criada em detrimento da
desterritorialização feita na África pelos europeus sem que aqui no
Brasil os africanos e seus descendentes pudessem se territorializar,
com tudo o que isso implica e significa. Melhor dizendo, “as cotas [...],
como uma lei, são formas sociais não-geográficas [que] tornam-se um
dia ou outro, formas sociais geográficas” (SANTOS, 2011, p 75)5.

A Lei 12.711/2012 e a transformação territorial nas Universidades


Públicas Federais
Ações afirmativas são instrumentos legais e políticos para
promover a inclusão, de excluídos e a diminuição e/ou erradicação de
desigualdades, de vários tipos, de indivíduos, grupos e/ou classes
sociais de determinados lugares. São arranjos jurídicos que dão
suporte para que um governo estabeleça a efetivação dos direitos
fundamentais e que devem perdurar até se atingir a equidade.

5
SANTOS, Renato Emerson dos. Sobre espacialidade das relações sociais: raça,
racialidade e racismo no espaço urbano. In: SANTOS, Renato Emerson dos (Org.).
Questões urbanas e racismo. Petrópolis ABPN, 2012. Pp. 261-243.
- 52 -
No Brasil, a Lei 12.711/2012 – Lei de Cotas – foi criada após o
reconhecimento da constitucionalidade das Cotas Raciais pelo
Superior Tribunal Federal – STF, no ano de 2012, por meio da ADPF –
186/DF, após o partido político Democratas (DEM) questionar a
constitucionalidade dos atos normativos da Universidade Federal de
Brasília (UnB) em ter implantado, em 2004, uma política de ação
afirmativa em que previa reserva de vinte por cento (20%) das vagas
para candidatos negros e um pequeno número para indígena. Como
resultado, todos os ministros do STF a consideraram constitucional.
Essa forma de democratização da educação superior teve início
na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que no ano de 2000
por meio da reserva de 50% (cinquenta por cento) das suas vagas para
estudantes que tivessem estudado em escolas públicas cariocas.
Depois, em 2004, a UnB, cria o sistema de cotas raciais para negros e
índios. Assim, depois da Lei nº 17.711/12, as cotas no Brasil, não são
apenas raciais, mas também sociais. A lei das Cotas foi regulamentada
pelo Decreto 7.824/2012 que determina os percentuais de vagas nas
universidades públicas para cada grupo étnico-social.
Estas medidas facilitaram o acesso às instituições de ensino
superior e público para grupos étnicos-socias contemplados, que
passaram a ser um território múltiplo, plural, mais representativo,
mais democrático e mais igual. O tratamento desigual para aqueles
considerados desiguais pela sociedade efetiva o direito à educação

- 53 -
profissional e superior e promove o desenvolvimento social e
econômico não só para aqueles que se encontram em situação de
vulnerabilidade, mas para toda a população.
A Lei 12.711/2012 ainda não foi aceita por diferentes setores
da sociedade, que argumentam, por exemplo, que ela diminuiria a
qualidade do ensino além de aumentar o preconceito, a discriminação
e o racismo porque os estudantes não beneficiados por ela se sentem
prejudicados. Para Cunha (2017),

[...] as cotas sociais, mais precisamente as cotas


raciais, também são objeto de críticas quanto à
questionável qualidade dos candidatos
ingressantes. O que se afirma é que, ao abandonar
o critério do mérito, reservando-se vagas para as
cotas, o nível de qualidade dos estudantes que
entram nas universidades públicas cairá,
impacitando sobre a qualidade do ensino com um
todo. Isso não significa entretanto que os alunos
agraciados pelo programa são semianalfabezados,
pois há uma exigência mínima de nota para o
ingresso (CUNHA, 2017, p. 270).

Mas, geralmente as “cotas” sofrem mais ataques quando o


mesmo assunto se refere apenas à população “negra, parda e
quilombola”, para essas pessoas, ao que parece, entre os desiguais, há
os ainda mais desiguais.
Contudo, Lei de Cotas, não se apresenta como instrumento que
possa prejudicar a qualidade do ensino superior tampouco nele coloca
estudantes sem conhecimento básicos e inaptos para o aprendizado

- 54 -
mais elevado, pois, os estudantes, para dela se beneficiar, devem,
necessariamente, alcançar a nota mínima estipulada (pela legislação)
no processo seletivo a que se submetem. Assim, as cotas no ensino
superior e no médio profissionalizante efetivam o direito à educação
e promovem a diminuição das desigualdades sociais, incluindo as
materiais, entre os grupos que a ela têm direito e os brancos com boa
situação econômica.
A tabela abaixo elaborada através de compilação de dados
obtidos no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep) e também apresentada em artigo intitulado
Desigualdades Sociais e a Lei De Cotas Nas Universidades Federais
Brasileiras: políticas públicas de ações afirmativas para negros e
pardos na busca da transformação espaçosocial, apresentado no
evento ENANPEGE, no ano de 2019, mostra, em números, um pouco
da nova realidade territorial das universidades públicas a partir do ano
de 2011, ano anterior ao ano de 2012 em que a Lei 12.711 foi
implementada, até 2017.

- 55 -
Dados Gerais - Graduação Presencial e a Distância
MATRÍCULAS NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO PRESENCIAIS E A DISTÂNCIA, POR
COR / RAÇA – DE 2011 A 2017
PORCENTAGEM PORCENTAGEM
POR RAÇA ou GERAL SOBRE
POPULAÇÃO POR RAÇA OU COR
COR SOBRE AS O NUMERO DE
VAGAS MATRÍCULAS
ANO

Total Geral

Pretos e
Branca

Branca

Branca

Pardos
Parda

Parda
Preta

Preta
2011 224.115 58.305 145.035 427.455 52% 14% 34% 52% 48%
2012 253.961 64.436 163.289 481.686 53% 13% 34% 53% 47%
2013 288.996 70.103 198.439 557.538 52% 13% 36% 52% 48%
2014 360356 69.162 290.035 719.553 50% 10% 40% 50% 50%
2015 411.887 92.698 333.838 838.423 49% 11% 40% 49% 51%
2016 458.549 107.660 387.457 953.666 48% 11% 41% 48% 52%
2017 492.462 127.708 438.139 1.058.309 47% 12% 41% 47% 53%
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep)
Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-
da-educacao-superior. Acesso em 02 de jul de 2019.
Org. O autor, 2019.

Os dados da tabela mostram significativa modificação nos


territórios universitários com o aumento da população preta e parda
a partir de 2012. Da menor porcentagem de negros e pardos somados
(47% em 2012) passou-se para a maior (53% em 2017), um aumento
de seis pontos percentuais. Do lugar de produção de conhecimento
essa transformação socioespacial pode alcançar outros cidadãos e
cidadãs que são excluídos e ajudar-lhes a transformar suas condições
de vida e a sociedade, porque é a ação humana que cria e recria o
espaço geográfico (SANTOS, 2018), que junto com outras categorias
- 56 -
(território, região, paisagem, lugar) cabe à Geografia estudar. Na
relação entre a Lei 12.711/12 e a Geografia interessa especialmente as
categorias território e lugar. E, neste sentido, segundo Santos (2003),
o território

[...] é o chão e mais a população, isto é uma


identidade, o fato e o sentimento de pertencer
àquilo que nos pertence. O território é a base do
trabalho, da residência, das trocas materiais e
espirituais e da vida, sobre as quais ele influí.
Quando se fala em território deve-se, pois, de logo,
entender que está falando em território usado,
utilizado por uma população (SANTOS, 2003, p.47)

Já lugar para Santos (2002), [...] define-se como funcionalização


do mundo e é por ele que o mundo é percebido empiricamente [...].
Assim, cada lugar se define tanto por sua existência corpórea, quanto
por sua existência relacional (SANTOS, 2002a, p.158-159, apdud
BARTOLY, s/a, p. 4).
Assim, afirma-se que universidades públicas não podem ser
territórios usados apenas por parte da população. Todos os grupos que
compõem a população têm direito a todo território, e não apenas
partes dele. A Lei 12.711/12 juntamente com outros mecanismos que
garantem a entrada e permanência de grupos étnicos-sociais no
ensino superior e também no ensino médio profissionalizante são
recentes instrumentos de inclusão e de reparação da desigualdade
social e não diferentemente de outros assuntos, como, por exemplo,
os que tratam sobre os direitos humanos, necessitam constantemente

- 57 -
de produção e exposição de trabalhos e pesquisas científicas afim de
fomentar a dinâmica e a transformação socioespacial do território
universitário federal e ir além, para que aquela parte da sociedade que
não os compreendem ou que não aceita, saiba da sua necessidade e
importância, em especial a da Lei de Cotas, que passará por revisão em
2022 e pode ser afetava negativamente por falta de conhecimento ou
de negação de seus benefícios para toda a sociedade.

Conclusão
Considerando o quadro histórico de preconceito e de
discriminação, de falta de políticas públicas educacionais, em especial
no Ensino Superior voltadas para as “minorias”, que perdurou por
longo período, e as primeiras ações afirmativas criadas a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988, é possível afirmar que:
atualmente em algum lugar no território brasileiro há um ou mais
estudantes universitários negros oriundos das favelas e das periferias
brasileiras em geral se reafirmando como pessoa e como marca ou
marcas da sobrevivência, da resistência, pois tornou-se/tornaram-se
agora mais visíveis ampliando a visibilidade para outros lugares cujo o
acesso até pouco tempo era , não por leis propriamente, mas pelo
preconceito, pela discriminação e pelo racismo, que podem e devem
ser contidos assiduamente com leis que punam os agressores e com
leis que afirmem os direitos e os colocam em prática. A transformação
sócio-espacial é contínua, para o bem e para o mal, cabe às pessoas e
à sociedade efetuá-las.
- 58 -
Referências

BARTOLY, Fávio. Debates e perspectivas do lugar na Geografia.


Universidade Federal Fluminense. Disponível em: https://periodicos.
uff.br/geographia/article/view/13625. Acesso em: 22 set, 2020

BRASIL. [Constituição (1824)]. Constituição Política Do Império Do


Brazil 1824. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao24.htm . Acesso em 19 set, 2020.

_______. [Constituição (1981)]. Constituição da República dos


Estados Unidos do Brasil de 1981. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.ht
m . Acesso em: 19 set, 2020.

_______. [Constituição (1934)]. Constituição da República dos Estados


Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/Constituicao34.htm . Acesso em: 23 set, 2020.

_______. [Constituição (1937)]. Constituição dos Estados Unidos do


Brasil de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao37.htm . Acesso em 19 set, 2020.

_______. [Constituição (1946)]. Constituição dos Estados Unidos do


Brasil de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 23 set, 2020.

_______. [Constituição (1967)]. Constituição dos Estados Unidos do


Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao67.htm . Acesso em: 23 de set, 2020.

_______. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa


do Brasil de 1988: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 19 set, 2020.

BRASIL. Decreto 7031-a 06 de setembro de 1878. Crêa cursos


nocturnos para adultos nas escolas publicas de instrucção primaria do

- 59 -
1º gráo do sexo masculino do municipio da Côrte. Disponivel em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-
7031-a-6-setembro-1878-548011-publicacaooriginal-62957-pe.html.
Acesso em: 22 set, 2020.

BORDO, Adilson Aparecido. Et al. As diferentes abordagens do


conceito de território. Disponível em: https://gpect.files.wordpress.
com/2013/11/as-diferentes-abordagens-do-conceito-de-territc3b3
rio.pdf. Acesso em: 19 set. 2020.

CUNHA, Helvécio Damis de Oliveira. Políticas públicas de ingresso no


ensino superior brasileiro. Curitiba, CRV, 2017.

DINIZ, Wilson Carlos; SILVA da, Ronaldo. Desigualdades Sociais e a Lei


De Cotas Nas Universidades Federais Brasileiras: políticas públicas de
ações afirmativas para negros e pardos na busca da transformação
espaçosocial. Disponível em: https://www.enanpege2019.
anpege.ggf.br/resources/anais/8/1562639470_ARQUIVO_Desigualda
dessociaisealeidecotasnasuniversidadesfederaisbrasileiras-
politicaspublicasdeacoesafirmativasparanegrosepardosnabuscadatra
nsformacaoespacosocial.pdf. Acesso em: 22 set, 2020.

MAZZAROBA, Orides; DE CASTRO, Matheus Felipe. História do direito


constitucional brasileiro: a constituição do Império do Brasil de 1824 e
o sistema privado escravocrata / History of brazilian constitutional law:
the Constitution of the Empire of Brasil of 1824 and the slavery private
system/ Histoire du droit constitutionnel bresilien : la Constitution
Imperiale Bresilienne et le systeme esclave. Revista Brasileira de
Direito, Passo Fundo, v. 13, n. 2, p. 99-119, ago. 2017. ISSN 2238-0604.
Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/
article/view/1894. Acesso em: 10 out. 2020. doi:
https://doi.org/10.18256/2238-0604/revistadedireito.v13n2p99-119.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível


em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/
por.pdf . Acesso em 20 out, 2020.

- 60 -
PRADO Jr. Formação do Brasil Contemporâneo (Colônia). 6. ed. São
Paulo: Brasiliense. 1961.

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 26 ed. São Paulo:


Brasiliense, 2004. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo
.com.br/posfsa/autores/Prado%20Jr,%20Caio/Historia%20Economica
%20do%20Brasil.pdf. Acesso em: 26, set. 2020.

RIO DE JANEIRO. Lei nº 1 de 1.837. Paulino José Soares de Sousa,


Presidente da Provincia do Rio deJaneiro: Faço saber a todos os seus
habitantes, que a Assembléa LegislativaProvincial Decretou, e eu
sanccionei a Lei seguinte. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/asphe/article/viewFile/29135/pdf. Acesso em:
22 set, 2020.

SANTOS, Milton. METAMORFOSES DO ESPAÇO HABITADO,


fundamentos Teórico e metodológico da geografia. São Paulo: Hucitec.
1988.

______. Por outra globalização – do pensamento único à consciência


universal. Rio de Janeiro: Record, 2003. Disponível em:
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/sugest
ao_leitura/sociologia/outra_globalizacao.pdf. Acesso em 17 set, 2020.

_______. Por uma Geografia nova. São Paulo: EDUSP; Hucitec, 1978.

- 61 -
Uma contribuição dos geogames para o ensino inclusivo da
Geografia frente à BNCC

Tuane Telles Rodrigues6


João Henrique Quoos7

Introdução
A Geografia Escolar não é mera disciplina curricular. Sua
importância no aprendizado e na formação do cidadão vai além da
capacidade de ler e compreender as relações naturais e sociais. A
Geografia contemporânea busca ir à frente, motivada por debates
mais participativos das comunidades que, em um processo de
constante busca pelo aperfeiçoamento dos meios de comunicação
social, evidenciam cada vez mais a importância do respeito e o
reconhecimento das individualidades humanas. Nesse contexto, a
Geografia tende a modificar-se para se tornar mais acessível em seus
métodos de ensino e aprendizagem.
No Ensino de Geografia, que segundo Rodrigues (2020) é
versada em muitas linguagens, como a cartográfica que possui uma
relação semiótica com a Língua Brasileira de Sinais, o domínio de seus
conhecimentos torna-se muito relevante sob a perspectiva
educacional de uma formação crítica e consciente. De forma

6
Doutoranda em Geografia, UFSM.
7
Mestre em Geografia, UFSM.
- 62 -
semelhante, Gonçalves (1988, p.18), contribui dizendo que a
“Geografia, deve ser entendida como um momento necessário da
sociedade, que só pode ser compreendida dentro da totalidade social
de que faz parte e que ajuda a construir”.
Atualmente, as pesquisas que envolvem a Geografia Escolar e
o processo de inclusão estão muito bem representadas por centros e
laboratórios especializados, como é o caso do LabTATE (Laboratório de
Cartografia Tátil e Escolar) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e também do
Laboratório de Cartografia Tátil da UNESP de Rio Claro, que
desenvolvem pesquisas interessantes voltadas à deficiência visual.
Esse movimento corrobora com o que disse Oliveira (1998), que o
professor de Geografia se encontra com a tarefa de desenvolver na
criança a visão de totalidade da sociedade brasileira, sendo ela o
produto da unidade e da diversidade.
Para Bobbio (2004), a historicidade dos direitos humanos, nos
quais se incluem os direitos das pessoas com deficiência, é dada pela
correlação entre as transformações técnicas na sociedade e a condição
de enunciação dos direitos. À medida em que as condições de vida e
produção se alteram e se sofisticam, torna-se possível a reivindicação
de novos direitos e esse raciocínio ajuda a compreender a evolução
das práticas sociais. Ele também diz que esse processo é acompanhado
pela especificação de direitos para populações e grupos específicos no
interior do conjunto abstrato de direitos presente nas declarações

- 63 -
internacionais, que embora nem sempre tenham efeitos vinculantes
sobre os países que as adotam, funcionam como um horizonte
programático de padrão civilizatório para as sociedades
contemporâneas. Assim, os direitos são anunciados em compromissos
internacionais, e em seguida as instituições nacionais, de acordo com
as condições políticas vigentes, fazem refletir esses compromissos nos
ordenamentos jurídicos. A partir daí, a concretização dos direitos
depende de uma série de fatores, estatais e extraestatais.
A inclusão escolar é o retrato de um processo de
aperfeiçoamento da educação, nela os agentes modificam-se e
transformam-se em prol do desenvolvimento das habilidades e
técnicas para que o conhecimento seja proporcionado coletivamente.
De acordo com Silva e Aranha (2005, p.377) “a escola se torna inclusiva
à medida que reconhece a diversidade que constitui seu alunado e a
ela responde com eficiência pedagógica”, e concluem atentando para
a necessidade na adequação dos diferentes elementos curriculares, de
forma a atender as peculiaridades de cada um e de todos os alunos.
No que se refere aos recursos em geral, para o uso em sala de
aula, deve-se considerar seus aspectos democráticos e humanizados,
especialmente hoje com a presença cada vez mais ativa e participativa
das comunidades no processo das decisões sociais. Nesse contexto, no
plano das deficiências físicas e cognitivas, como a surdez e a deficiência
auditiva - público para o qual o jogo digital utilizado na pesquisa se
direciona, a necessidade de pensar para além da convencionalidade é

- 64 -
fundamental. A educação inclusiva deve levar em conta as
transformações dos meios de comunicação e entretenimento e utilizar
suas linguagens a seu favor. A comunicação é o lócus central desse
processo e o contexto de atuação privilegiada do educador. Nela
devem operar os esforços de integração e valorização das diferentes
experiências. Democratizar a educação é, assim, não apenas a
introdução de um conceito político-liberal nos modos de gestão da
instituição escolar. É torná-la efetivamente um espaço de convivência
capaz não apenas de reproduzir, mas alterar relações sociais.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2010, com a
publicação oficial das novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais,
ampliou e organizou o conceito e a contextualização da inclusão como
“a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à
diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações
de cada comunidade” (CNE/CEB nº 7/20106). Com isso, sob as premissas
da igualdade, diversidade e equidade, a BCC (p.15) encontra um
respaldo importante e que deve ser considerado pelos agentes da
educação, não cabendo qualquer tipo de negligência ou
desresponsabilização de qualquer parte da hierarquia escolar para
com os alunos. Dessa forma, a BNCC diz que:

De forma particular, um planejamento com foco na


equidade também exige um claro compromisso de
reverter a situação de exclusão histórica que
marginaliza grupos – como os povos indígenas
originários e as populações das comunidades

- 65 -
remanescentes de quilombos e demais
afrodescendentes – e as pessoas que não puderam
estudar ou completar sua escolaridade na idade
própria. Igualmente, requer o compromisso com os
alunos com deficiência, reconhecendo a
necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e
de diferenciação curricular, conforme estabelecido
na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Lei nº 13.146/2015)14. (BRASIL, p. 15-
16)

Nos novos moldes das pretensões da Base Nacional Comum


Curricular (BNCC, p. 9), figura dentre as competências gerais da
Educação Básica a necessidade de “compreender, utilizar e criar
tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica,
significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as
escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações”
assim como na produção de conhecimentos e na resolução de
problemas, fazendo dos sujeitos, protagonistas em prol da
coletividade e si mesmos. Posteriormente, a BNCC aponta como uma
ideia de informatização para a modernização das prática pedagógicas,
a inserção tecnológica mais efetiva no Ensino Médio, entretanto, isso
não significa que o apoio dessas ferramentas deve ser introduzido
apenas nesta etapa da escolarização já que o manuseio de jogos, redes
sociais e, agora com o ensino remoto, as aulas online, estão cada vez
mais difundidas na sociedade brasileira contemporânea, salvo os casos
em que a dificuldade de acesso advém da relação entre renda familiar

- 66 -
e inclusão digital que ainda é uma realidade proeminente em muitas
partes do território nacional.
Há quem afirme, que a BNCC apresenta indicativos de há um
distanciamento entre planejamento, currículo, avaliação e educação
inclusiva, no que se refere às especificidades das pessoas com
deficiência e a proposta curricular que contemple a discussão da
inclusão escolar. Dentre os pesquisadores estão as professoras
Elisangela Mercado e Neiza Fumes (2017, p. 7), ao discutirem que “no
que tange à Educação Especial na ótica da BNCC, que é o objetivo do
debate proposto neste artigo, o documento aponta o grande desafio
de definir numa BNCC os pressupostos da Inclusão Escolar”.
A inserção dos jogos digitais educacionais têm sido cada vez
mais frequente, servindo como ponte entre a aprendizagem dos
conteúdos, a iniciação tecnológica para além das redes sociais, a
inclusão escolar. Para a Geografia, esse recurso consolida-se como
uma possibilidade na aprendizagem de uma grande variedade de
temas e conteúdos geográficos, tais como, a Cartografia, a
Climatologia, a Geomorfologia, a Geografia Cultural, entre outros,
podendo trabalhar diversas escalas e conceitos geográficos. Segundo
Tarouco (2008), os jogos digitais proporcionam a melhora da
flexibilidade cognitiva, ao servir como exercício mental que favorece o
estímulo de conexões neurais e modifica o estado reflexivo mediante
a exigência de concentração. Dessa forma, os jogos digitais tendem a
instigar a busca por resoluções ao mesmo tempo em que ensina sobre

- 67 -
um conteúdo específico, e não possibilita que o aluno entre em um
estado de repostas mecânicas daquilo que decorou em um
procedimento de ensino antiquado e individualista.
Observada como “uma atividade lúdica do ser social”, Cezar
(2009, p.33) discute a socialização como aspecto importante dos jogos
e como ferramenta de aprendizagem, dizendo que “o confronto de
diferentes pontos de vista, essencial ao desenvolvimento do
pensamento lógico, está sempre presente no jogo”, e que tudo
depende das exigências que fazemos em relação a educação da
criança surda e quais objetivos que essa educação persegue. Assim,
em um cenário social/educacional contemporâneo em que as práticas
e técnicas de ensino transformam-se em compasso com a evolução
científica e informacional que chega às escolas, refletir sobre o uso
desses recursos como atividades práticas, sempre mediadas pelos
professores, é fundamental.
Ao explorar outros aspectos dos jogos digitais para o ensino de
Geografia, temos o estudo do lugar. Conceito geográfico que, segundo
Callai (2000, p. 71) “na literatura geográfica, o lugar está presente de
diversas formas” e que estudá-lo é fundamental, pois, ao mesmo
tempo em que o mundo é global, as coisas da vida e as relações sociais
se concretizam nos lugares específicos. Lugar esse que a BNCC (2017,
p. 365) destaca como:

[..] ao se estudarem os objetos de aprendizagem de


Geografia, a ênfase do aprendizado é na posição
- 68 -
relativa dos objetos no espaço e no tempo, o que
exige a compreensão das características de um
lugar (localização, extensão, conectividade, entre
outras), resultantes das relações com outros
lugares. Por causa disso, o entendimento da
situação geográfica, pela sua natureza, é o
procedimento para o estudo dos objetos de
aprendizagem pelos alunos.

Muitos autores discutem o lugar e a importância de uma


discussão ampla sobre este conceito por ser considerado aquele que
mais se aproxima da realidade dos alunos e, portanto, sua apropriação
facilita uma leitura humanizada sobre o espaço de vivência e o palco
de muitas relações, sejam topofílicas ou topofóbicas (TUAN, 1980).
Aqui, damos destaque à afirmação de Carlos (2007, p. 17) ao dizer que:

O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser


analisado pela tríade habitante-identidade-lugar. A
cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no
plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele
do local. As relações que os indivíduos mantêm
com os espaços habitados se exprimem todos os
dias nos modos do uso, nas condições mais banais,
no secundário, no acidental. É o espaço passível de
ser sentido, pensado apropriado e vivido através
do corpo (p.17).

A BNCC, ao dizer que em uma mesma atividade a ser


desenvolvida pelo professor, os alunos podem mobilizar, ao mesmo
tempo, diversas habilidades de diferentes unidades temáticas, pode-
se pensar nos recursos e nos temas como estratégia ao ensino. Onde
se lê que “a ênfase nos lugares de vivência, dada no Ensino
- 69 -
Fundamental – Anos Iniciais, oportuniza o desenvolvimento de noções
de pertencimento, localização, orientação e organização das
experiências e vivências em diferentes locais” (p. 368), deve-se pensar,
além das possíveis metodologias, nos alunos.
Moreira e Hespanhol (2007) discursam sobre o lugar como uma
construção social em que ele pode ser entendido a partir da
fundamentação das relações espaciais diretas, do cotidiano e na
articulação entre atividades e seus resultados experienciados. Dessa
forma, “o lugar apresenta-se tanto como expressão de resistência
como de adaptação à ordem global” (Ibid. p. 1). Já Staniski et al. (2014)
atentam sobre as diferentes abordagens do lugar sob as perspectivas
da etnoecologia, ao ecoturismo em áreas de conservação e ao
patrimônio cultural. E apontam sobre a possibilidade de reconhecer
dois sentidos epistemológicos em que lugar ocupa: “o da Geografia
Humanística, que considera lugar como produto experiência humana.
E a Geografia Radical ou dialética marxista, em que o lugar assume
uma compreensão enquanto espaço de singularidade” (Ibid. p. 4).
Assim, este projeto objetivou avaliar a questão do lugar
representado no jogo digital tridimensional deficientes auditivos
interpretam o lugar quando representado digitalmente nos jogos. Para
isso, utilizamos o jogo digital educacional “CartoCon: Nossa Expedição
Geográfica”8 para o ensino de Geografia com os alunos surdos da

8 Disponível em: https://tuanytel.wixsite.com/cartografiaescolar


- 70 -
Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser,
localizada no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul. O trajeto
delimitado no jogo permite que as atividades voltadas à Cartografia se
desenvolvam dentro de uma área em que o emprego de detalhes se
torna mais sofisticado e que permite uma boa exploração do lugar.

Metodologia
Esta pesquisa foi realiza na Escola Estadual de Educação
Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser (Escola Cóser), no município de
Santa Maria, RS. O mapa a seguir mostra a localização da escola:

Figura 1- Mapa de localização da Escola Cóser

Fonte: Quoos, 2020.

As oficinas contaram a participação de 5 alunos, 3 do sexto ano


e 2 do sétimo. Desses, 4 são surdos (com 1 autista) e 1 deficiente
auditivo. As oficinas foram realizadas na Escola Estadual de Educação
Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser, localizada no bairro Lorenzi em
Santa Maria/RS, e contaram com a participação de 5 alunos, 3 do sexto

- 71 -
ano e 2 do sétimo. Desses, 4 são surdos (com 1 autista) e 1 deficiente
auditivo. Embora o jogo seja para alfabetização cartográfica de alunos
surdos e deficientes auditivos, é possível trabalhar com os alunos
outros aspectos do jogo, como o lugar, frente à realidade simulada. A
figura 2 mostra o cenário onde o jogo digital se desenvolve a partir de
uma visão horizontal.

Figura 2- Cenário do jogo digital

Fonte: Rodrigues, 2019.

A sequência didática foi concebida em duas etapas. Na


primeira etapa foi realizado o contato com alunos onde, após uma
breve apresentação em Libras mediada pela professora da classe
sobre quem somos e nossas intenções com projeto, realizamos uma
introdução à Cartografia Escolar abordando os elementos que
constituem os mapas e sobre o lugar representado no jogo digital. Com
isso os alunos puderam entender melhor sobre os objetivos da
pesquisa e quais elementos seriam investigados.

- 72 -
Na segunda etapa fomos ao laboratório de informática para
que os alunos interagissem com o jogo digital “CartoCon: Nossa
Expedição Geográfica” e assim trabalhar de forma prática os
conteúdos apresentados anteriormente de forma teórica. A figura 3
mostra como foi esta atividade:

Figura 3- Alunos no laboratório de informática

Fonte: registro da autora, 2019.

Após a atividade discutimos sobre a compreensão dos alunos


sobre o lugar representado. Em um primeiro momento, pensou-se em
utilizar um questionário com esta finalidade, mas, dadas as
circunstâncias que envolveram o processo de alfabetização em língua
portuguesa voltada à leitura que os alunos estavam passando,
realizamos com a professora da classe uma interação mais dinâmica e
objetiva. Nisso, os alunos foram perguntados sobre os elementos do

- 73 -
jogo os objetos utilizados para representar pontos específicos do lugar
como, chafariz, calçadão, termômetro e relógio digital, os bancos, o
coreto, entre outros. Além disso, os alunos foram questionados sobre
quais elementos foram difíceis de identificar, do espaço percorrido
pelo personagem, as imagens que retiraram as lojas e outros serviços
no cenário.

Resultados e Considerações finais


Como resultados, os alunos relataram que conseguiram
reconhecer o lugar representado e que conseguiram realizar as
atividades cartográficas apresentadas. Também afirmaram que os
principais pontos do centro de Santa Maria, considerados locais de
passeio e encontros sociais, estiveram bem colocados e que
contribuíram para reconhecer melhor o lugar. Mesmo que o centro de
Santa Maria não seja propriamente o lugar onde os alunos residem,
ainda assim é um espaço de muitas experiências afetivas dos alunos.
Esta pesquisa surge de forma pertinente em um cenário
social/educacional contemporâneo em que as práticas e técnicas de
ensino transformam-se em compasso com a evolução científica e
informacional que chega às escolas. Parte-se aqui da busca por
consistentes discussões no que se refere à necessidade de
desenvolvimento de pesquisas voltadas a criação de recursos didáticos
contemporâneos – que possam ser utilizados por alunos que tenham
necessidades especiais, como a surdez ou a deficiência auditiva - como

- 74 -
as ferramentas digitais interativas voltadas à alfabetização
cartográfica, utilizando conceitos e teorias acerca da educação
democrática. Sabemos que existem diversos contextos nos quais as
escolas se inserem na medida em que buscam, através do ensino,
mudar a realidade dos alunos e da comunidade, e isso significa
reconhecer que existem instituições de ensino que não possuem uma
estrutura apropriada para sequer planejar o uso de jogos digitais como
ferramenta.
No que se refere à BNCC, e nas pesquisas realizadas sobre a
discussão acerca da efetiva contemplação do documento a um
processo de inclusão escolar, podemos dizer que, embora possa haver
lacunas em alguns aspectos, não cabe exclusivamente à Base Nacional
Comum Curricular a articulação de métodos e processos para uma
inclusão escolar adequada, mas sim de uma mistura entre interesse,
participação popular, e discussões mais objetivas sobre como fazer.

- 75 -
Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmera de Educação Básica.


Parecer nº 7, de 7 de abril de 2010. Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de
julho de 2010, Seção 1, p. 10. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb007_10.pdf. Acessado
em 22 de out. de 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.


2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.
Acessado em 22 de out. de 2020.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

CALLAI, H. C.; CASTROGIOVANNI, A. C. (Org.). Estudar o lugar para


compreender o mundo. In: Ensino de Geografia: práticas e
textualizações no cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000. p.71-114.

CARLOS, A. F. A. O lugar no/ do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996.

CEZAR, Kelly Priscilla L. Acentolândia: criação e aplicações de um jogo


de regras sobre acentuação gráfica para séries iniciais do ensino
fundamental. Maringá: 2009.

GONÇALVES, Carlos W. P. Reflexões sobre a Geografia e educação:


notas de um debate. In: O Ensino da Geografia em Questão e outros
temas. Terra Livre: Marco Zero, n° 2, 1988.

MERCADO, E. L. de O.; FUMES, N. de L. F. Base nacional comum


curricular e a educação especial no contexto da inclusão escolar.
Anais do 10° Encontro Internacional de Formação de Professores, no
7, vol. 10. 2017. Disponível em: https://eventos.set.edu.br/enfope
/issue/view/11/showToc. Acessado em 22 de out. de 2020.

MOREIRA, E. V.; HESPANHOL, R. A. de M. O lugar como construção


social. Revista Formação, n⁰14 volume 2 – p. 48‐60. 2007. Disponível

- 76 -
em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/view/
645. Acessado em 22 de out. de 2020.

RODRIGUES, T. T. A Relação Semiótica entre linguagem cartográfica e


língua brasileira de sinais. Geografia (Londrina) v. 29. n. 1. pp. 231 –
245, janeiro/2020.

SILVA, S. C. & ARANHA, M. S. F. Interação entre professora e alunos em


salas de aula com proposta pedagógica de educação inclusiva. Revista
Brasileira de Educação Especial, dez. 2005, vol.11, no.3, p. 373-394.

STANISKI, A.; KUNDLATSH, C. A.; PIREHOWSKI, D. O conceito de lugar


e suas diferentes abordagens. Revista Perspectiva Geográfica, v. 9, no
11. 2014. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/
pgeografica/article/view/11154. Acessado em 22 de out. de 2020.

TAROUCO, Liane Margarida R. et. at. Jogos Educacionais, Novas


Tecnologias na Educação. CINTED-UFRGS. 2008.

TUAN, Y. Topofilia: Um Estudo da percepção, atitudes e valores do


meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.

- 77 -
Reflexões sobre o ensino de Geografia e a BNCC

Alessandra Souza9
Roberto Carlos Rech10
Ana Carla Lenz11

Introdução
O presente capítulo aborda a importância do ensino de
Geografia. Haja vista que os seus conteúdos programáticos e os
conceitos geográficos favorecem a inserção dos elementos culturais,
os atrelados ao modo de vida dos alunos, nos processos de ensino e
de aprendizagem. Além de auxiliar na constituição e na solidificação
das identidades, as quais são reveladas pela paisagem brasileira. O que
evidencia a diversidade cultural da população que a habita, promover
reflexões sobre essa riqueza faz parte dos afazeres da Geografia
Escolar, afirmativa ratificada na Base Nacional Curricular Comum -
BNCC.
Assim, observa-se que o ensino de Geografia colabora para
com o desvendamento dos diferentes cenários que compõem as
unidades de paisagens do Brasil. Por conseguinte, ela, a Geografia, o
seu ensino torna-se uma ponte entre os conceitos geográficos e os

9
Graduada em Geografia, UFSM.
10
Doutorando em Geografia, UNICAMP.
11
Doutoranda em Geografia, UFSM.
- 78 -
conhecimentos locais. O que favorece a ampliação do entendimento
de mundo dos alunos e no processo de construção de tal
conhecimento o professor de Geografia é o condutor, o orientador.
Profissional que vislumbra a formação integral dos alunos.
Como as demais disciplinas curriculares ela segue a orientação
de documentos normativos, um deles é a BNCC. Logo, no primeiro
subtítulo do capítulo intitulado “O SENTIDO FORMATIVO DO ENSINO
DE GEOGRAFIA”, trazemos algumas considerações sobre o sentido
formativo do ensino de Geografia, isto é, sobre a Geografia que se
ensina na sala de aula. No segundo subtítulo “A BNCC E A
IMPORTÂNCIA DA GEOGRAFIA” aborda questões, julgadas pelos
autores, relevantes no texto do documento que ressaltam a
importância do ensino de Geografia, não só para a formação integral
dos sujeitos, como também, para toda a sociedade. Já o terceiro
“ENSINO DE GEOGRAFIA, BNCC E OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO” é uma
correlação dos dois fragmentos anteriores. Destaca -se nele que as
estratégias do ensino de Geografia fazem o aluno pensar, a refletir
sobre as dinâmicas sociais, econômicas, culturais, educacionais entre
outras que ocorrem nas paisagens que compõem o globo terrestre.
A abordagem utilizada para a redação deste capítulo foi a
qualitativa. No primeiro momento realizou-se o levantamento
bibliográfico sobre os documentos norteadores da educação
brasileira, em especial a Base Nacional Comum Curricular - BNCC. Na
sequência deu-se prioridade para leitura voltadas ao sentido

- 79 -
formativo da Geografia; ensino de Geografia e Geografia Escolar.
Observamos que não temos a intenção de sanar as discussões
referentes aos temas aqui apresentados, mas sim colaborar com a
comunidade acadêmica e com os futuros estudos que os terão como
pauta.

O sentido formativo do ensino de Geografia


Nesse tópico trazemos algumas considerações sobre o sentido
formativo do ensino de Geografia, isto é, sobre a Geografia que se
ensina na sala de aula. E com o pressuposto de Moraes (2008, p. 2),
para quem, o sentido formativo da Geografia é ajudar as pessoas a
“entender o mundo em que vivem”.
Para desenvolver nosso objetivo, atravessamos por duas
perguntas centrais: a) qual a tarefa do ensino de Geografia? e, b) para
que ensinar Geografia?
O ensino de Geografia tem como tarefa básica em sala de aula
falar sobre o objeto de estudo da ciência geográfica, ou seja, sobre o
espaço, e como essa categoria aparece nas relações sociais, em suas
diversas escalas. O espaço, que é apenas uma das formas possíveis de
entender a realidade social.
Moraes (2008, p. 5) diz que temos que ter “consciência do
espaço”, das “práticas sociais que qualificam o espaço a cada
momento”, das “heranças espaciais acumuladas”, o que quer dizer o
entendimento do “uso dos lugares”, e de que como a construção das

- 80 -
formas espaciais através da ação do homem, isto é , do espaço, passa
pela consciência do espaço, isto é, pelo objetivo individual e social de
que espaço queremos.
É nesse sentido, que o ensino tem seu papel, o de contribuir na
formação do sujeito que constrói o espaço e que dele tem consciência.
Moraes (2002, p. 13) diz que “o ensino, ao meu ver, é a tarefa
socialmente mais importante da Geografia” de que “o professor de
Geografia está participando com um conteúdo e com uma temática
essencial na formação da cidadania”. Para o mesmo autor, “a auto
localização do indivíduo no mundo é essencial na formação da sua
consciência social. O indivíduo precisa se localizar no mundo nas
variadas escalas, para entendê-lo e se entender nele” (p. 14).
É nesse sentido que para Eduardo Girotto (2015, p. 232) “o
ensino de Geografia contribua na formação de leitores de mundo”, e
que “ler o mundo significa [...], ler as condições que os limitam ou
possibilitam se tornarem sujeitos” (p. 236).
Essas condições não estão diretamente ligadas apenas às
condições imediatas do cotidiano, isto é, do entorno, mas se associam
a diferentes escalas geográficas. Ou seja, o cotidiano e as relações
sociais passam pelos lugares que fazemos parte, e por lugares que
muitas vezes nem “pisamos” ou fazemos ideia que existam.
É aqui que cabe importância do que Moraes (2008, p. 5) chama
de horizonte geográfico, “que se refere exatamente a esse acervo de
conhecimento geográfico que extrapola o espaço imediato da nossa

- 81 -
vivência”. Para o autor esse conceito se forma no “interior da
mentalidade de cada época”. Esse “imaginário geográfico” é
socializado “através de sistemas formais e informais de educação – o
próprio sistema escolar sendo o principal deles na atualidade”,
sistemas que são fundamentais para a “conformação da nossa
consciência do espaço”.

A BNCC e a importância da Geografia


A Geografia Escolar, por meio dos conteúdos programáticos,
favorece o desenvolvimento da visão de mundo dos alunos. Isso
porque o docente da área, na maioria das vezes, busca correlacionar
os conceitos geográficos com os conhecimentos e peculiaridades
locais. Para aproximar a escola da realidade local, além de pontuar que
os lugares fazem parte do global.
Por isso cabe lembrar que,

[...] os lugares são os espaços geográficos com os


quais os homens e mulheres estabelecem relações
de sentimentos como: alegria ou tristeza, conforto
ou desconforto, proteção e exposição, silêncio ou
barulho e as expressões dos grupos com o espaço
dependem das características físicas do mesmo e
dos interesses do grupo social. As interações na
paisagem humanizada, ou não, envolve sua
transformação em cultura, por isso toda paisagem
possui significado simbólico enquanto apropriação
e transformação motivo pelo qual se faz necessário
inseri-las nas práticas de ensino escolar (LENZ;
VARGAS, 2020, p. 228).

- 82 -
O pontuado está de acordo com a Base Nacional Comum
Curricular - BNCC. Ela orienta que os professores de Geografia, ao
construírem seus planos de aula, ao montarem as suas estratégias de
ensino façam uso de aspectos fundamentais como: localização
(distribuição dos fenômenos na superfície da terra); conexões
existentes entre os componentes que compõem a paisagem;
ordenamento territorial e ações antrópicas no meio. Para fortalecer o
processo de desenvolvimento integral dos sujeitos, além de, contribuir
para com a compreensão das diferentes realidades locais e globais.
(BRASIL, 2018).
Para Batista e Becker (2019),

[...] a BNCC é uma normativa que define o conjunto


de elementos essenciais à aprendizagem de todos
os alunos durante a Educação Básica, mesmo
sendo muito contestada, foi aprovada e passou a
ser o documento que rege a Educação Básica no
Brasil. Por isso, precisa ser estudada e
compreendida como forma de viabilizar a sua
implementação gradativa no processo de ensino-
aprendizagem e também como uma maneira de
propor alternativas metodológicas que aliem o que
está na Base com o desenvolvimento do
pensamento crítico-reflexivo dos estudantes.
(BATISTA; BECKER, 2019, p.5).

Na realização do descrito pelas autoras supracitadas, no propor


alternativas metodológicas para o uso das orientações da BNCC,
acredita-se que o professor de Geografia associa, nos seus

- 83 -
planejamentos de ensino, os sete princípios do documento (Quadro 1)
com os conhecimentos locais.

Quadro 1 - Sete princípios da BNCC - Geografia


SETE PRINCÍPIOS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

Um fenômeno geográfico sempre é comparável a


1º Analogia
outro.

Um fenômeno geográfico nunca acontece


2º Conexão
separadamente.

3º Diferenciação Diferenciação dos fenômenos na superfície terrestre.

Como os objetos se distribuem no espaço


4º Distribuição
geográfico.

Espaço finito e contínuo delimitado pela ocorrência


5º Extensão
dos fenômenos geográficos.

Posição particular de um objeto na superfície


terrestre. Absolutas - coordenadas geográficas - ou
6º Localização
relativas - relações espaciais topológicas por
interações espaciais.

Estruturação do espaço de acordo com as regras da


7º Ordem
própria sociedade que a produz.
Fonte - adaptado da BNCC/2018 - Geografia, 2020.

Este documento orientador, a BNCC/2018, em seu texto válida


a contribuição da Geografia, do ensino de Geografia para a Educação
Básica. Segundo ele, está em promover o desenvolvimento do
pensamento espacial dos sujeitos, estimulando o raciocínio

- 84 -
geográfico. O que beneficia o ato de ler e interpretar o mundo, mesmo
que ocorram transformações permanentes, relacionando
componentes dos grupos sociais e da natureza. Logo, realiza a
aproximação dos conceitos para o domínio do conhecimento factual,
aqueles que podem ser observados e localizados no tempo e no
espaço, e para o exercício da cidadania. (BRASIL. BNCC, 2018).
Também cabe destacar que,

A educação escolar brasileira está atualmente


dividida em Educação Superior, Educação Básica,
mas também atende a Educação de Jovens e
Adultos e a Educação Profissional. Na Educação
Básica os sujeitos passam por alguns níveis:
Educação Infantil subdividida em creche (para
crianças de até três anos de idade) e pré-escola
(para crianças de quatro a seis anos de idade),
Ensino Fundamental em anos iniciais e anos finais
e Ensino Médio cada uma dessas etapas possui um
currículo específico ( LENZ; VARGAS, 2020, p.223).

Por ter essa divisão no Ensino Fundamental, anos iniciais e anos


finais, a BNCC - Geografia, acrescenta que nos primeiros anos o
conteúdo programático da disciplina o foco seja a articulação com
outros conhecimento, priorizando a alfabetização (ler e escrever), o
letramento (uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais) e
os diferentes raciocínio estimulando no aluno o desenvolvimento da
correlação dos saberes. Privilegiando as reflexões a respeito de si,
como saber responder: Onde se localiza? Por que se localiza? Como se

- 85 -
distribui? Quais são as características? ou seja, focar na alfabetização
cartográfica. (BRASIL. 2018).
Já nos anos finais, do 6º ao 9º ano, é orientado garantir a
progressão das aprendizagens. Porquanto os estudantes devem
demonstrar capacidade não apenas de visualização, mas sim, de
relacionar e entender espacialmente os fenômenos, os fatos, os
objetos técnicos e o ordenamento espacial do território usado. Para
isso, o documento sugere que se trabalhe no 6º ano os conceitos de
paisagem, lugar, clima; no 7º ano conceito de território, de
territorialidades e dos fluxos econômicos; no 8º ano o entendimento
de Geopolítica e de economia e no 9º ano a política, cultura e a
industrialização. (BRASIL, 2018).
Essas são apenas algumas das recomendações, mas a partir
delas já pode-se inferir que a Geografia Escolar por meio dos seus
conteúdos curricular correlacionados com os conhecimento locais é
uma disciplina importante, não só no que tange a formação integral
dos sujeitos/alunos, bem como para toda a sociedade.

Ensino de Geografia, BNCC e os sujeitos da educação


No início da vida escolar, mais especificamente no quinto ano
do ensino fundamental, a criança tem o seu primeiro contato com o
ensino de Geografia. Neste momento os processos de ensino e
aprendizagem são voltados para os aspectos gerais dos seus lugares
de vivência. Nesse contexto, inclui-se a residência familiar, a escola e

- 86 -
os demais espaços que compõem a unidade de paisagem que ele faz
parte. Estimula - se a observação do que está ao seu redor, dos
elementos paisagísticos e, também, das pessoas. A partir delas, das
observações, se incentiva a descrição, a reflexão e a construção de
sínteses.
O descrito segue as orientações da BNCC, que segundo Batista
e Becker (2019),

[...] a Geografia se constitui em “uma oportunidade


para compreender o mundo em que se vive, na
medida em que essa componente curricular
aborda as ações humanas construídas nas distintas
sociedades existentes nas diversas regiões do
planeta” (BRASIL, 2018, p. 357). Aponta também
que essa área do saber contribui com a formação
do conceito de identidade e, por conseguinte, de
pertencimento e para edificação da “consciência
de que somos sujeitos da história, distintos uns dos
outros e, por isso, convictos das nossas diferenças”
(BRASIL, 2018, p. 357), as quais devem ser
conhecidas e respeitadas (BATISTA; BECKER, 2019,
p. 5).

Os conceitos geográficos facilitam o entendimento da


diversidade cultural brasileira. Assim como, a compreender os
processos de formação territorial do país. Mas não só, com o ensino
de Geografia e suas estratégias, as quais ensinam a pensar, a refletir
sobre as dinâmicas sociais, econômicas, culturais, educacionais entre
outras que ocorrem nas paisagens que compõem o globo terrestre, os
alunos formam-se cidadãos conscientes e atuantes no meio em que

- 87 -
vivem. Por isso observa-se a importância do acesso universal a uma
Educação Geográfica de qualidade por meio da Geografia Escolar.
Um exemplo do descrito foi apresentado por Lenz e Vargas
(2020), as autoras transcreveram as experiências agrícolas vividas na
infância, na Educação Básica, por um estudante. Na atualidade, ele,
atua no meio em que vive fazendo uso do que aprendeu na escola com
o seu professor,

[...] a partir dessa vivência/experiência marcante, o


entrevistado reproduz o que aprendeu “lá atrás” na
paisagem santa-mariense por meio de trabalhos
voluntários em duas instituições do município, Lar
das Vovozinhas e casa de Apoio Dona Odete. Além
disso, mantém um cultivo orgânico em sua
propriedade do qual faz uso do excedente para
preparar marmitas e distribuir a crianças e idosos
em vulnerabilidade social do município de Santa
Maria, através do projeto “Proteínas de Carinho”
criado por ele. (LENZ; VARGAS, 2020, p. 234-235).

O docente, à época, supracitado fazia uso da horta da escola


para ensinar práticas agrícolas vivenciadas na vida comunitária pelos
alunos. Por meio das suas estratégias de ensino pontuava os direitos e
deveres sociais, os quais foram transmitidos, mas além disso os valores
humanos, como o de cuidar do meio em que se vive e das pessoas que
o habitam faziam parte do arsenal de boas práticas do educador (LENZ;
VARGAS, 2020).
O ensino de Geografia, por meio dos seus conteúdos
curriculares favorece essas práticas positivas. Pois, eles permitem que

- 88 -
os alunos conheçam e percebam o seu mundo.Para isso o docente da
disciplina de diferentes recursos didáticos, como os trabalhos em
campo, diretamente nos lugres, em contato com a população e com
as peculiaridades, necessidades entre outros elementos. Ações que
desenvolvem diferentes consciências como: a de descarte correto do
lixo.
Contudo, na contemporaneidade, ao pensar em estratégias de
ensino de Geografia, em muitos casos, cabe realizar alguns
questionamentos, como:

O que é a Geografia escolar na atualidade? Como


ela se realiza? Como o professor a constrói? Quais
os desafios da prática do ensino da Geografia?
Quem são os alunos da Geografia? Como são esses
alunos? Como praticam a Geografia do dia-a-dia?
Como aprendem Geografia na escola? Que
significados têm para os alunos aprender
Geografia? Que dificuldades eles têm para
aprender os conteúdos trabalhados nessa
disciplina? (CAVALCANTI, 2006, p. 66).

Isso porque, “a BNCC alterou significativamente a estrutura e a


organização das habilidades e objetos de conhecimento da Educação
Básica”. (BATISTA; BECKER, 2019, p.11). Mas o documento norteador
reforça a importância da Geografia Escolar e do ensino de Geografia,
principalmente no que tange a aprendizagem voltada para o respeito
das diferenças, da diversidade e do seu lugar no mundo. Aborda, de
maneira não tão clara, que os as temáticas específicos da disciplina são

- 89 -
formadores de cidadãos e não apenas conteúdos para serem
decorados.
Porque a Geografia enquanto ciência possui relações diretas
com outras ciências, o mesmo ocorre com a Geografia Escolar, o que
facilita o seu ensino e os trabalhos interdisciplinares, multidisciplinares
favorecendo a ampla compreensão dos fenômenos. Por isso que se diz
que ensinar Geografia é auxiliar no desvendamento do mundo.
Oliveira (2009), acrescenta nesse contexto que,

[...] o ensino de geografia tem como papel resgatar


identidades, fomentar criatividades, colaborar na
construção de personalidades equilibradas,
capazes de atuar nos diversos espaços da
sociedade com o diferencial da ética e da cidadania
planetária. Devemos fazer com que o aluno
perceba qual a importância do espaço, na
constituição de sua individualidade e da(s)
sociedade(s) de que ele faz parte (escola, família,
cidade, país etc.). Um dos maiores objetivos da
escola, e também da Geografia, é formar valores de
respeito ao outro, respeito às diferenças (culturais,
políticas, religiosas), combate às desigualdades e às
injustiças sociais. (OLIVEIRA, 2009, p. 3).

Desse modo, entende-se que a Geografia Escolar por meio do


ensino de Geografia na Educação Básica tem por objetivo contribuir
com a comunidade escolar à modo de fazê-la pensar, refletir sobre a
organização paisagística local e global. Por meio das estratégias de
ensino, correlacionando as diretrizes da BNCC com os conhecimentos
locais, contribui não só com a formação de sujeitos com

- 90 -
responsabilidade social, atuantes no meio em que vivem, mas também
com a valorização da diversidade, da pluralidade cultural do Brasil.

Considerações finais
Observamos que para ensinar Geografia se faz necessário
realizar duas perguntas centrais: a) qual a tarefa do ensino de
Geografia? e, b) para que ensinar Geografia? a BNNC colabora com as
respostas por meio da definição de um conjunto de elementos
essenciais à aprendizagem de todos os alunos durante a Educação
Básica. O documento, também, valida a contribuição da Geografia, do
ensino de Geografia para a Educação Básica. Ela promove, por meio
dos seus conteúdos curriculares, o desenvolvimento do pensamento
espacial dos sujeitos, estimulando o raciocínio geográfico.
Contudo, inferimos que se faz necessário realizar uma
correlação, uma união dos conceitos geográficas com os
conhecimentos locais. Para que o aluno desenvolva o sentimento de
pertencimento a sua paisagem e, a partir dele, torne-se um cidadão
consciente e atuante no meio em que vive, mesmo que, não futuro
venha habitar outro espaço geográfico. Por isso tudo, concluímos que
o ensino de Geografia, a Geografia Escolar, não é apenas uma
disciplina curricular a ser cumprida ao longa do período escolar, mas
sim, são importantes conhecimentos que estão na vida cotidiana dos
seres humanos.

- 91 -
Referências

ANDRADE, Manuel Correa. Geografia: Ciência e Sociedade. São Paulo:


Atlas, 1987.

BATISTA, N. L et al. A cartografia escolar no ensino de Geografia da


BNCC: um olhar para os anos finais do ensino fundamental. VIII
Congresso Internacional de Educação (2019). www.fapas.edu.br/
congresso; www.fapas.edu.br/revistas/anaiscongressoie. Santa
Maria, RS, Brasil.

BRITO, Dayane Galdino. A trajetória da natureza na geografia escolar


brasileira: permanências e mudanças. Geog Ens Pesq, Santa Maria, v.
24, e16, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/geografia/
article/view/41837

CAVALCANTI, Lana de Souza. Ensino de Geografia e Diversidade:


Construção de conhecimentos geográficos escolares e atribuição de
significados pelos diversos sujeitos do processo de ensino. São Paulo:
Contexto, 2006.

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e Práticas de ensino. Goiânia:


Alternativa, 2002.

GIROTTO, Eduardo Donizeti. “Formando leitores do mundo: algumas


considerações sobre o ensino de Geografia no mundo
contemporâneo”. Boletim Campineiro de Geografia, v 5, n 2, 2015.

MORAES, Antonio Carlos Robert. A contribuição social do ensino de


Geografia. Rio de Janeiro: CAP/UERJ, 2002.

MORAES, Antonio Carlos Robert. O sentido formativo da Geografia.


São Paulo: IEA-USP, 2008.

- 92 -
VARGAS, D.L. et al. Passando adiante as heranças: experiências na
horticultura urbana no município de Santa Maria/RS. In. DE DAVID,
Cesar; BATISTA, Natália Lampert; LENZ, Ana Carla (Orgs.) Formação
inicial e continuada de educadores do campo: vivências, práticas e
desafios – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020.

- 93 -
O ensino de Geografia como ferramenta de ressignificação
espaçosocial do indivíduo

Wilson Carlos Diniz12

Introdução
A ressignificação espaçosocial que o indivíduo, em busca de
liberdade, autonomia e igualdade necessariamente se propõe a
alcançar bem como a plena efetivação de seus direitos fundamentais,
requer, sobre tudo educação, ou seja, conhecimentos e/ou
fundamentos necessários para o enfrentamento das constantes
exclusões, étnico-socais, por exemplo, que as relações de poder
advindas do processo de reprodução/reprodução do domínio exercido
pelo dominar sobre o dominado. Assim, a educação serve tanto para
libertar ou reformular pensamentos e posicionamentos daqueles que
lhe acessam, embora ela seja uma das formas que a sociedade
capitalista tem para se produzir.
Para Mészáros,

[...] poucos negariam hoje que a educação e os


processos de reprodução mais amplos estão
intimamente ligados. Consequentemente, uma
reformulação significativa da educação é
inconcebível sem a correspondente transformação
do quando social no qual as práticas educacionais
da sociedade devem realizar as suas vitais e

12
Mestrando em Geografia, UFCat. E-mail: wilson.dinizc@hotmail.com
- 94 -
historicamente importantes funções de mudança
(MÉSZÁROS, s/a, p. 2).

Neste sentido, ensino de geografia ou a educação geográfica,


serve como importante instrumento de auxílio para a ressignificação
dos indivíduos, pois apresenta-se como, uma metodologia de ensino
que pode reformular o quadro social, a sociedade, o que seria uma
“guerra”, como mais à frente se discutirá, pois, a geografia serve
também para fazer a “guerra”.
Em uma “guerra” é importante ter o conhecimento do
território numa perspectiva ampla e, considerando que as relações de
poder que nele ocorrem influenciam a educação, a ciência geografia e
o geógrafo educador detêm vantajoso posicionamento. Para que isso
não seja tratado como uma utopia, basta lembrar as palavras de Marx
quando ele afirma que as circunstancias e a educação “são alteradas
pelo homem e que o educador deve ele próprio ser educado”, (MARX,
apud MÉSZÁROS, s/a, p. 1)
Numa sociedade capitalista sempre há domínio em diferentes
setores e acúmulo de capital. Neste ínterim, o capitalismo requer, para
que os capitalistas continuem acumulando capital, o domínio máximo
da natureza, por isso pode-se afirmar, de acordo com Smith, que, sob
o capitalismo, ocorre a produção da natureza, porque “a produção em
geral é a produção da natureza” (SMITH, 1988, p. 93) e a produção do
espaço. A produção requer o trabalho do homem e desta relação o

- 95 -
“trabalho humano produz a primeira natureza e as relações humanas
produzem a segunda (SMITH, 1988, p. 95).
As concepções de primeira e segunda natureza são dadas por
Smith (1988) pela leitura da concepção da natureza em Marx que
Alfred Schimidt, da escola de Frankfurt, realizou em sua obra “The
concept of Nature”. Segundo Smith,

[...] ele faz uma distinção útil entre “natureza


primeira” e “natureza segunda”. Estes eram
conceitos utilizados por Hegel e aqui Schimidt está
em apuros para distinguir Marx de Hegel, enquanto
demonstra, ao mesmo tempo a dívida de Marx de
Hegel: “Hegel descreveu a primeira natureza, um
mundo de coisas existindo fora do homem, como
ocorrência de conceito ofuscante e
incompreensível. O mundo dos homens, como ele
se apresenta no Estado, no direito, na sociedade e
na economia, é para ele “segunda grandeza”, razão
manifesta, Espírito objetivo”. A análise marxista,
diz Schmidt, “opõe a isto a visão que ‘segunda
grandeza’ de Hegel deveria ser descrita nos termos
que ele aplicou à primeira. A humanidade ainda
não deu um passo além da história natural” (pp.42-
3). Para Marx, explica Schmidt, “a própria
sociedade (segunda natureza) era um meio
natural”, precisamente porque “os homens não
estão ainda no controle de suas próprias forças
produtivas em face da natureza” (SMITH, 1988, p.
16).

A expressão “produção da natureza” é preferida por Smith


(1988), em vez de “dominação da natureza”, porque para o autor, só
assim a natureza pode ser tomada como uma prioridade social.

- 96 -
[MARX] começa considerando a relação com a
natureza como sendo uma unidade e considera
qualquer separação que exista entre elas como
resultado histórico e lógico. Desta maneira, a
prioridade social da natureza não é algo que deverá
ser infundido de fora, mas algo que já existe na
relação social com a natureza. Ao invés da
dominação da natureza, devemos, portanto,
considerar o processo muito mais complexo de
produção da natureza. Enquanto o argumento da
dominação da natureza sugere um futuro sombrio,
unidimensional e livre de contradições, a ideia de
produção da natureza sugere um futuro histórico
que está ainda para ser determinado pelo eventos
e pelas forças políticas e não pela necessidade
técnica. Porém, os eventos e as forças políticas são
precisamente aquelas que determinam o caráter e
a estrutura do modo capitalista de produção[...]
(SMITH, 1988, pp.64-65).

O próprio Smith (1988) alerta para o fato de que a ideia de


produção da natureza parece absurda mesmo no contexto da
sociedade capitalista. No entanto, na conceituação das categorias
analíticas da ciência geográfica fica evidente que não existe mais
nenhuma parte da natureza intocada pelo homem. Segundo o autor,

[...] quando essa aparência imediata da natureza é


colocada no contexto histórico, o desenvolvimento
da paisagem material apresenta-se como um
processo de produção da natureza. Os resultados
diferenciados dessa produção da natureza são os
sintomas materiais de desenvolvimento desigual.
No nível mais abstrato, todavia, é na produção da
natureza que se fundem e se unem os valores-de-

- 97 -
uso e os valores-de-troca, e o espaço da sociedade
(SMITH, 1988, p. 65).

A sociedade estrutura e compõe o espaço geográfico,


mantendo as mais diversas relações humanas, principalmente as de
poder e assim espaço e território são os dois lados de uma mesma
moeda.
A noção de território herdada da modernidade ainda é aquela
mesma tida com um conceito impuro que atravessa séculos sem que
haja por parte de grande parcela de indivíduos a indagação do que é e
como é a real utilização de um território (Santos, 2005). Pesquisar e
revisar para confirmar ou até mesmo para refutar significados
científicos é a arte que faz do pesquisador e/ou educador um ser em
constante transformação, assim como ocorre com as paisagens.
O território, em todas as suas formas de utilização, está
intrinsicamente ligado a uma relação de poder exercido por um agente
sobre os demais que sempre pode se modificar em sua forma mas não
seu objetivo. Adapta-se para a permanência das relações de poder e
também para e nas formações de redes. Além de um com fronteiras
demarcadas se dá o desenvolvimento da vida de todos os seres vivos,
o que o torna uma “instituição” permanente. (SANTOS, 2005).
Na modernidade, as relações de poder levaram a situação de
que papel do Estado definir o território, o que tornava e ainda torna
sempre submisso. Mas, na pós-modernidade, o papel do Estado

- 98 -
mudou. Milton Santos, na obra “O retorno do território”, faz-se mais
uma vez sábio ao afirmar que

[...] o Território era a base, o fundamento do


Estado-Nação que, ao mesmo tempo, o moldava.
Hoje, quando vivemos uma dialética do mundo
concreto, evoluímos da noção, tornada antiga, de
Estado Territorial para a noção pós-moderna de
transnacionalização do território (SANTOS, 2005, p.
255).

Mas também afirma que “assim como antes tudo não era
digamos assim território “estatizado”, hoje tudo não é estritamente
“transnacionalizado” (SANTOS, 2005, p. 200), pois mesmos nos
“lugares” onde a força da mundialização opera com maior intensidade
e eficácia o mesmo território é capaz de gerar novas forças que se
contrapõem ao mundo, o que o torna sempre visitante do “início da
história” e coloca sempre no caminho do retorno.
De tal maneira, é no território que as relações de força
acontecem, assim, o território deixa de ser visto apenas como forma
geométrica de países, Estados, nações, cidades ou mesmo vilarejos,
como era e passa a ser visto e tido como o conjunto de objetos e ações
humanas, sinônimo de espaço humano, espaço habitado. (SANTOS,
2005). Nesta lógica, o espaço na ciência geográfica passa a ser principal
categoria de estudo, o objeto de estudo da Geografia.
Santos (1999, p. 88) simplifica o exposto acima ao afirmar que
"o espaço é a síntese, sempre provisória, entre o conteúdo social e as

- 99 -
formas espaciais", Assim, o espaço antecede o território, e as relação
de poder promovem a territorialização do espaço. Partindo desta
perspectiva,

[...] o território, [...] é fundamentalmente um


espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder. A questão primordial, aqui, não
é, na realidade, quais são as características
geoecológicas e os recursos naturais de uma certa
área, o que se produz ou quem produz em um dado
espaço, ou ainda quais as ligações afetivas e de
identidade entre um grupo social e seu espaço. [...]
o verdadeiro Leitmotiv é o seguinte: quem domina
ou influencia e como domina ou influencia esse
espaço? Esse Leitmotiv traz embutida ao menos de
um ponto de vista não interessado em escamotear
conflitos e contradições sociais, a seguinte questão
inseparável, uma vez que o território é
essencialmente um instrumento de exercício de
poder: quem domina ou influencia quem nesse
espaço, e como? (SOUZA, 2012, pp. 78-79).

A resposta para essa pergunta de Souza certamente passa pela


educação, mas uma educação “consciente” que promova a cidadania
bem como a inclusão de todos em todos os territórios.
No Brasil, a educação surge regulamentada após o processo de
Independência, ocorrido em 7 de setembro de 1822, pactuando-se
como elemento de conquista, de domínio e de poder e, junto a ela, a
figura do professor como elemento fundamental para a “transferência
de conhecimentos”.

- 100 -
Cinco anos após a independência do Brasil, a lei imperial de 11 de
agosto de 1827 criou dois cursos de ciências jurídicas e sociais, introduziu seu
regulamento e o estatuto para o curso jurídico e dispôs sobre o título (grau)
de doutor para o advogado”. Dois meses após, promulgou-se a Lei de 15 de
outubro de 1.827, pelo então Imperador Dom Pedro I que previa seu artigo
1º que “em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as
escolas de primeiras letras que forem necessárias” (grifos originais) e em seu
artigo 6°instituiu-se que

[...] os professores ensinarão a ler, escrever as


quatro operações de arithmetica, pratica de
quebrados, decimaes e proporções, as nações mais
geraes de geometria pratica, a grammatica da
lingua nacional, e os principios de moral chritã e da
doutrina da religião catholica e apostolica romana,
proporcionandos á comprehensão dos meninos;
preferindo para as leituras a Cosntituição do
Imperio e a Historia do Brazil.

Já seu artigo 11 determinava que “haverão escolas de meninas


nas cidades e villas mais populosas, em que os Presidentes em
Conselho, julgarem necessario este estabelecimento”. A princípio, por
um lado visualiza-se a ordem clara de que professores ensinariam a
“ler” e a “escrever” e por outro, o poder do Estado sobre as relações
humanas ao separar o ensino para “meninos” e “meninas”.
No ano de 1879, o Decreto de nº 7.247 instituiu a reforma do
ensino primário e secundário no município da Côrte e o superior em
todo o Império, dos exames de preparatórios nas províncias, e os

- 101 -
estatutos das Faculdades de Direito e de Medicina e da Escola
Polytechnica.

Do ensino médico do tempo do rei, depois com o


ensino jurídico já no Brasil independente, originou-
se o ensino superior por ordem de faculdades. Os
principais tipos de ensino foram o médico, os
cursos jurídicos, seguidos do militar e profissional,
das aulas e cursos isolados e das instituições
culturais (BOAVENTURA, 2009, p. 131).

Boaventura (2009) citando Cunha (1986, p. 76) conclui “que o


núcleo do ensino superior nasceu com D. João VI e edificou-se tal como
se tem até os nossos dias: ´O ensino superior atual nasceu, assim, junto
com o Estado Nacional, gerado por ele e para cumprir,
predominantemente, as funções próprias deste´”. Assim, o Estado
tratou de constituir uma formação educacional que não apenas lhe
garantisse a mão de obra mas que também, conforme Boaventra
(2009) apud Luiz Antônio Cunha (1986), influenciassem na formação
da sociedade,

[...] ao analisar o ensino superior no Império (1822


a 1889), observou que, em 1808, emergia o Estado
Nacional e houve necessidade de imprimir
mudanças no ensino superior que vinha do período
colonial. Criaram-se “cursos e academias
destinados a formar burocratas para o Estado e
especialistas na produção de bens simbólicos,
como subproduto, formar profissionais liberais
(CUNHA,1986, p. 67).

- 102 -
A educação em geral e não só a superior foi elaborada e
institucionalizada como uma ferramenta de domínio e de poder sobre do
Estado e de uma até da sociedade, a elite, sobre o restante da população. A
sociedade, tanto através da educação que o Estado oferece quanto através
de outros meios se especializa, se transforma em espaço.
Para Santos (1978),

[...] a sociedade se transforma em espaço através


de sua redistribuição sobre as formas geográficas,
e isto ela o faz em benefício de alguns e em
detrimento da maioria; ela também o faz para
separar os homens entre si, atribuindo-lhes um
pedaço de espaço segundo um valor comercial: o
espaço-mercadoria vai aos consumidores como
uma função de seu poder de compra. O estudo do
espaço exige que se reconheça os agentes dessa
obra, o lugar que cabe a cada um, seja como
organizadora da produção e dono dos meios de
produção, seja como fornecedor de trabalho
(SANTOS,1978, p. 262).

Assim, a sociedade que se beneficia dos espaços de ensino por meio


da formação no ensino fundamental, no médio, ou mesmo no
superior, com formação profissional, na busca ou na produção de
conhecimento científico ou mesmo ainda em formação de mão de
obra para o mercado, seja no espaço da produção industrial, no da
saúde, no das humanas ou no das exatas, como alunos ou como
professores, que transformarão seus espaços, lugares de estar, de fala,
de trabalho, de vida.
Mas, ao se tratar da ciência geográfica e sua contribuição para
o processo de ressignificação do indivíduo, torna-se necessário falar
- 103 -
que, a geografia, inicialmente, na antiguidade, tinha a função de
descrever portos e os caminhos importantes para a organização do
comércio e também para a defesa militar e Geografia, enquanto
disciplina, surge no século XIX, como ferramenta para o domínio.
Atrelada ao desenvolvimento do capitalismo, deveria se adequar às
suas necessidades de expansão do comércio e de novas fontes de
matérias primas bem como de alimentos para os países
industrializados. Era urgente que os países pobres se adequarem às
suas novas tarefas, que teriam que assegurar sem descontinuidade,
(SANTOS, 2008).
No decorrer da história da Geografia, entre os geógrafos, havia
“aqueles que preconizaram claramente o colonialismo e o império do
capital e aqueles, mais numerosos, que se imaginando humanistas,
não chegaram a construir uma ciência geográfica conforme a seus
generosos anelos” (SANTOS, 2008, p. 30), mas também “aqueles que
lutavam pelo advento de um mundo mais justo, onde o espaço seria
organizado com o fim de oferecer ao homem mais igualdade e mais
felicidade” (SANTOS, 2008, p. 30).
Além dos problemas internos, a Geografia teria que enfrentar
problemas nas suas relações com as outras ciências e com a sociedade,
principalmente porque o conhecimento do espaço e uma questão de
cidadania, conforme Lacoste,

[...] a despeito das aparências cuidadosamente


mantidas, de que os problemas da geografia só

- 104 -
dizem respeito aos geógrafos, eles interessam, em
última análise, a todos os cidadãos. Pois, esse
discurso pedagógico que é a geografia dos
professores, que parece tanto mais maçante
quanto mais as mas media desvendam seu
espetáculo do mundo, dissimula, aos olhos de
todos, o temível instrumento de poderio que é a
geografia para aqueles que detêm o poder
(LACOSTE, 1976 p. 9).

Assim, na educação, a Geografia deve-se também caminhar no


sentido de se transformar para poder se aquilo que também deve ser:
um instrumento de cidadania que leve os estudantes à conscientização
das relações de poder.
Santos (2008), sobre uma fase da geografia, esclarece que, a
Geografia, nascida tardiamente como ciência, encontrou dificuldades
em se desligar do berço dos grandes interesses, pois uma de suas
metas conceituais foi a de esconder o papel do Estado e também o das
classes durante o processo de organização da sociedade e do espaço,
na modernidade.
Nesta linha de pensamento, por isso, Lacoste (1976) afirmou
que a Geografia “serve, em princípio, para fazer a guerra”, mas
também a vê como ciência que auxilia na organização dos territórios e
de controle dos espaços habitados, Conforme Lacoste (1976),

[...] para toda ciência, para todo saber deve ser


colocada a questão das premissas epistemológicas;
o processo científico está ligado à uma história e
deve ser encarado, de um lado, nas suas relações
com as ideologias, de outro, como prática ou como

- 105 -
poder. Colocar como ponto de partida que a
geografia serve, primeiro, para fazer a guerra não
implica afirmar que ela só serve para conduzir
operações militares; ela serve também para
organizar territórios, não somente como previsão
das batalhas que é preciso mover contra este ou
aquele adversário, mas também para melhor
controlar os homens sobre os quais o aparelho de
Estado exerce sua autoridade (LACOSTE 1976, p. 9).

Esses “homens” não são apenas os soldados de um governo,


afinal, o Estado exerce autoridade sobre toda a população, embora de
diferentes maneiras para grupos de pessoas diferentes.
Sobre este aspecto, o autor chama a atenção o ensino da
Geografia enquanto disciplina escolar para que esta não seja
meramente produção e desenho de mapas representativos de
territórios, mas sim que leve à análise das dinâmicas que ocorrem nos
territórios e, especialmente, nos lugares de vida dos alunos, para que
a partir deles os alunos possam buscar o entendimento das relações
de poder, tanto as locais quanto as globais.
Assim, cabe também aos professores geógrafos a busca de
novas formas de ensinar e de dialogar sobre a geografia enquanto
instrumento libertador e para o conhecimento do mundo por meio do
lugar e suas relações.
Para Santos (1988),

[...] a geografia deve preocupar-se com as relações


presididas pela história corrente. O geógrafo torna-
se um empiricista, e está condenado a errar em

- 106 -
suas análises, se somente considera o lugar, como
se ele tudo explicasse por si mesmo, e não a
história das relações, onde o objeto acolhe as
relações sociais, e estas impactam os objetos
(SANTOS, 1988).

O lugar, por não ser capaz de explicar tudo por si mesmo, mas
a partir das relações sociais que nele ocorrem e que para ele
convergem, é “uma porção discreta do espaço total” (SANTOS, 1978,
p. 156) identificada por um nome. Mesmo a menor de todas as
relações sociais e a mais específica delas contém parte das relações
que são globais (SANTOS, 1988), mas nenhum lugar pode acolher nem
todas nem as mesmas variáveis, nem os mesmos elementos nem as
mesmas combinações. Por isso, cada lugar é singular, e uma situação
não é semelhante a qualquer outra. Cada lugar combina de maneira
particular variáveis que podem, muitas vezes, ser comuns a vários
lugares.
Daí a necessidade em se ter a geografia como uma ciência
dotada de teorias que ultrapassem a “mistificação da geografia como
mera identificação com o conhecimento empírico dos lugares”
(GOMES, 2009, p. 19). Tinha-se na geografia dificuldade de produzir
modelos de explicação ou mesmo na sua incapacidade de criar um
campo analítico de investigação (GOMES, 2009). Mas, o mesmo autor
ressalta a importância da diferença entre a produção do
conhecimento, empírico e/ou teórico e a aplicação do conhecimento.

- 107 -
A geografia, enquanto disciplina científica, que, conforme
(Cavalcanti, 2011, p. 5) forma “prioritariamente profissionais para
atuarem no ensino, mas, nas expectativas idealizadas e na prática de
professores que formam esses profissionais, e também dos alunos, a
perspectiva de formação é a do profissional pesquisador, planejador,
técnico”.
Cavalcanti (2011), faz ainda importante afirmativa ao discutir a
formação de professores e também à construção da autonomia do
pensamento

[...] o pressuposto é o de que o curso de formação


inicial tem a responsabilidade de promover
fundamentos relevantes para a construção
consciente de uma proposta de trabalho pelo
professor, o que, por sua vez, está associado à
construção de autonomia de pensamento. Isso
requer, por parte dos formadores, os que se
dedicam às disciplinas pedagógicas e também os
que ministram as chamadas disciplinas de
conteúdos (os especialistas nas diferentes áreas da
Geografia), melhor compreensão dos processos
cognitivos dos próprios professores em formação e
a estruturação de seus saberes (CAVALCANTI,
2011, p. 9).

Assim, o momento histórico está requerendo a formação de


um novo educador, em geral, e em geografia em particular, que deverá
ser

[...] capaz de entender, explicar e tomar uma


posição emancipadora frente às realidades

- 108 -
limitantes do desenvolvimento humano, com clara
percepção dos momentos históricos e políticos que
se vive em uma sociedade que, a cada momento,
nos surpreende com novos achados científicos,
tecnológicos, artísticos e culturais em geral [...].
este profissional entende que a teoria e a prática
caminham juntas em seu pensar e acionar, e que é
capaz de organizar e reorganizar seu conhecimento
da realidade, ao mesmo tempo, que procura
ensinar pesquisando, isto é, refletindo, pensando e
originando novas formas de conhecimento
(TRIVIÑOS, BURIGO e COLAO, 2003, p. 36).

Ainda sobre o ensino da geografia, (CAVALCANTI, 2011)


demonstra que há urgente necessidade em ultrapassar o ensino
pautado na realidade técnica que é a predominante na preparação dos
professores. Nesta perspectiva, a autora cita as palavras de (PEREIRA,
1999), o qual afirma que

[...] é a racionalidade técnica que, igualmente,


predomina nos programas de preparação de
professores, apesar de essas instituições
oferecerem, na maioria das vezes, apenas a
licenciatura e, consequentemente, de a formação
docente ser realizada desde o primeiro ano. Trata-
se de uma licenciatura inspirada em um curso de
bacharelado, em que o ensino do conteúdo
específico prevalece sobre o pedagógico e a
formação prática assume, por sua vez, um papel
secundário (PEREIRA, 1999, p. 113 apud
CAVALCANTI, 2011, p. 5).

Neste sentido, percebe-se que há a urgente necessidade de


uma reformulação dos cursos de Geografia para a formação de

- 109 -
professores de uma geografia libertária. O papel do professor dos
cursos de graduação é fator determinante para a propositura e busca
de novos paradigmas para essa educação em geografia.
Para Gomes,

[...] esse colossal equívoco entre produção do


conhecimento, relativo à esfera da ciência e,
portanto, necessariamente atravessado por
questões epistomologicas e a aplicação do
conhecimento, relativo à esfera das engenharias,
da solução de problemas práticos, tecnicidade e
operacionalização dos conhecimentos, tem sido
fruto de imensos problemas na definição do papel
do geógrafo e de suas competências. Esse equívoco
não afeta somente à identidade do saber
geográfico, ele se transforma em grave problema
na formação dos geógrafos e na inserção deles no
mercado de trabalho (GOMES, 2009, p 23).

Por isso, o autor afirma que a integração entre os campos físico


e humano da geografia “responde não mais do que a simples aplicação
de um conhecimento na tentativa de solução de um problema prático”
(GOMES, 2009, p. 23).
A crise iniciada pela insuficiência de argumentos que
alicerçavam a chamada geografia clássica fez com que os geógrafos se
lançassem em um amplo debate para salvá-la enquanto disciplina.
Mas era necessário discutir o objeto de estudo da Geografia; ele já
estava definido: o espaço, Gomes (2009). Essa crise, conforme Santos
(1976), define a geografia como sendo a viúva do espaço. O autor
afirma que

- 110 -
[...] sua base de pesquisa e a história dos
historiadores, a natureza “natural” e a economia
neoclássica, todas as três tendo assumido o espaço
real, o das sociedades em seu devir, por qualquer
coisa de estático ou simplesmente não existente,
de ideológico. É por isso que tantos geógrafos
discutem tanto sobre a geografia – uma palavra
cada vez mais vazia de conteúdo – e quase nunca
do espaço como sendo o objeto, o conteúdo da
disciplina geográfica. Consequentemente, a
definição deste objeto, o espaço, tornou-se difícil e
a da geografia, impossível (SANTOS, 2008, pp. 118-
119).

Santos (2008), em sua obra, traz a posição de Sautter (1975),


sobre a importância da geografia e seu objeto de estudo, o espaço,
formado por outros espaços unidos, em relação uns com os outros.

Em primeiro lugar, é da natureza da geografia – e


isso a torna insubstituível – outorgar inteira
atenção à unidade essencial dos espaços. Os
geógrafos estão conscientes, como seu trabalho o
demonstra, de que as relações entre um grupo de
pessoas e o pedaço de chão que elas ocupam em
um dado meio são, de modo inevitável, afetadas
por outros espaços mais ou menos longe, ou a uma
escala geográfica mais ampla que as da vizinhança
imediata do grupo (SAUTTER, 1975, p. 239).

Na obra “Por uma nova geografia’, Santos (2008) afirma que o


espaço é uma da sociedade embora essa estrutura não seja fixa,
imutável, como comumente a palavra faz parecer. Ela e transforma

- 111 -
pela sociedade mesma. E, mesmo sofrendo transformações as formas
geográficas são duráveis.
Santos (2008) compreende que

[...] em seu papel específico como uma estrutura da


sociedade vem, entre outras razões, do fato de que
as formas geográficas são duráveis e, por isso
mesmo, pelas técnicas que elas encarnam e às
quais dão corpo, isto é, pela sua própria existência,
elas se vestem de uma finalidade que é
originalmente ligada, em regra, ao modo de
produção precedente ou a um de seus momentos.
Assim mesmo, o espaço como forma não tem, de
modo algum, um papel fantasmagórico, pois os
objetos espaciais são periodicamente revivificados
pelo movimento social (SANTOS, 2008 pp.186-87).

Duráveis não quer dizer que “sempre iguais” ou “intocáveis”,


por isso o autor afirma ainda que o espaço não é jamais um produto
terminado, nem fixado, nem congelado para sempre. A produção do
espaço é um processo que influencia e é influenciado pela história, que
também é um processo e ambos são globais.
Necessário se faz a renovação das teorias, que, conforme
Santos (2008) são incompletas e vulneráveis e por isso não podem ser
apresentadas como um valor absoluto; o autor afirma que, se assim
ela for posta, o “preceito doutrinário adquire uma função de controle,
e, em consequência, de obstáculo a que a verdade possa ser atingida”
(SANTOS, 2008, p. 194).

- 112 -
Cavalcanti (2011) afirma que a formação profissional em
licenciatura em geografia, precisa possibilitar ao professor
ferramentas para que ele faça e tenha um conhecimento amplo sobre
o processo de elaboração da Geografia escolar e também de indicar o
seu papel na construção dessa geografia.
Esta formação deve capacitar o professor a tomar
posicionamento teórico-metodológico sobre a Geografia, não
somente isso, mas também sobre o ensino de Geografia, “processo
que é fundamental para que ele se aproprie de um método, como
matriz teórica da Geografia que orienta a elaboração de sua própria
proposta de trabalho, ao longo de sua vida profissional” (CAVALCANTI,
2011, p. 10).
Nesta perspectiva, o professor torna-se em uma ponte entre o
aluno e a fronteira da aprendizagem, que ultrapassa o conhecimento
do “ler” e “escrever”, mas de poder ver, sentir, falar, das categorias da
geografia para a compreensão do seu lugar, do mundo à sua volta e de
seu espaço no mundo, Assim, o professor da ciência geográfica, deve
tê-la compreendida, tanto no seu processo de formação quanto no
processo de ensino “sala de aula” como ferramenta que ao mesmo
tempo que mostra os caminhos e dimensões (mapas e escalas) ela
também controla e faz a guerra.

A geografia, enquanto descrição metodológica dos


espaços, tanto sob os aspectos que se
convencionou chamar "físicos", como sob suas

- 113 -
características econômicas, sociais, demográficas,
políticas (para nos referirmos a um certo corte do
saber), deve absolutamente ser recolocada, como
prática e como poder, no quadro das funções que
exerce o aparelho de Estado, para o controle e a
organização dos homens que povoam seu território
e para a guerra (LACOSTE, 1988, p. 10).

Desta forma, torna-se imprescindível ao professor de


geografia, a partir de sua formação científica compreender seu papel
enquanto educador, no lugar e no mundo, e mostrar aos alunos como
compreenderem o papel deles como cidadãos no lugar e no mundo.
Assim, cabe dentro deste lugar a busca em conhecer outros lugares,
dos quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado
pelo seu uso, (CARLOS, 1996). Na educação geográfica, lugar

[...] só pode ser compreendido em suas referências,


que não são específicas de uma função ou de uma
forma, mas de um conjunto de sentidos e uso.
Assim, o lugar permite pensar o viver, o habitar, o
trabalho, o lazer enquanto situações vividas,
revelando, no nível do cotidiano, os conflitos que
ocorrem ou ocorreram no mundo (CARLOS, 1996
pp. 21-22).

A formação do espaço implica modificações contínuas, que


podem ocorrer em várias escalas e em diferentes tempos e ritmos no
meio físico e social promovidas por diferentes agentes, de acordo
com o modo de produção vigente. O espaço, objeto de estudo da
ciência geográfica e sua principal categoria analítica, é, desse modo

- 114 -
social e humano e não é possível a sua compreensão sem a definição
de outras categorias geográficas, tradicionais, que são: lugar, área,
região, território, habitat, paisagem, população. Também há as atuais,
conforme (SANTOS, 1988) propõe em face da reorganização que o
espaço vem sofrendo. (SANTOS, 1988), no entanto, não propõe novas
categorias, apenas que as categorias tradicionais sejam renovadas.
Nas palavras do autor: “as mudanças que o território vai conhecendo,
nas formas de sua organização, acabam, por invalidar os conceitos
herdados do passado e a obrigar a renovação das categorias de
análise (SANTOS, 1988).

Conclusão
A Geografia, como ciência geográfica, é um instrumento
eficazmente propulsor de transformação sócio‐espacial bem como da
transformação da sociedade. O geógrafo tem, com ela, o poder de
tramar uma relação entre ensino de geografia e a ressignificação
espacial do indivíduo ao fazê‐lo compreender as relações de poder
que ocorrem em/no territórios e no seu lugar de pertencimento.
Daí, os indivíduos, com a concepção do lugar, não apenas
como apenas um espaço ocupado mas como local onde acontecem
as transformações, onde o cotidiano ganha forma e vida, onde as
sensações de exteriorizam, palco das relações de poder, como
produto final das relações humanas, passa a desvendar os demais
processos de domínio. Assim, a Geografia e o geógrafo têm ligação

- 115 -
direta e tomam a ciência geográfica e suas categorias como
elementos de transformação espacosocial de todos, que se
configuram como coautores das transformações locais e globais.

- 116 -
Referências

BOAVENTURA, E. M. A construção da universidade baiana: objetivos,


missões e afrodescendência [online]. Salvador: EDUFBA, 2009.

LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar para fazer


guerra. Tradução Maria Cecília França – Campinas, SP: Papirus, 1988.
Disponível em: http://geografialinks.com/site/wp-content/uploads/
2008/06/geografiayveslacoste.pdf. Acesso em 02 de nov. 2019.

QUEIROZ, Cosme Jorge Patricio. Uma breve história da geografia: da


antiguidade ao Brasil do século XXI. Disponível em:
http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABA
LHO_EV056_MD1_SA1_ID8442_01082016132020.pdf. Acesso em: 02
de nov. de 2019

BRASIL. Constituição Federal (1988): Compilada. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em 02 de jun. de 2019.

BRASIL. Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012. Regulamenta a


Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso
nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico
de nível médio. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/Decreto/D7824.htm. Acesso em 27 de jun. de 2019.

BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Dispõe sobre a criação de


escolas de primeiras letras. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/
lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-publicacao
original-90222-pl.html. Acesso em 27 de jun. de 2019.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo:


Hucitec, 1996.

GOMES, Paulo César da Costa. Um olhar para a Geografia: contra o


simples, o banal e o doutrinário. In MENDONÇA, Francisco de Assis,

- 117 -
LOWEN-SHAR, Márcia Silva (Orgs.). Curitiba: Associação de Defesa do
Meio Ambiente e Desenvolvimento de Antonina (ADEMADAN), 2009.

MÉSÁROS, Instván. A educação para além do capital. In: Intervenção


na abertura do Fórum Mundial de Educação. Porto Alegre. Brasil,
2004.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. BÚRIGO, Carla Cristina Dutra;


COLAO, Magda Maria. A formação do educador como pesquisador. In:
______. (Org.). A formação do educador como pesquisador no
MERCOSUL – CONE SUL. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2003.

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção.


São Paulo: Hucitec, 1999.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos


teórico e metodológico da geografia. São Paulo: Hucitec, 1988.

________, Milton. O retorno do território. OSAL: Observatório de


América Latina. Año 6 n° 16 (jun. 2005). Buenos Aires: CLACSO, 2005.

________, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a


geografia crítica. 6ª ed., 1. reimpr. São Paulo: Ed USP, 2008.

SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual. Tradução de A. Navarro. Rio


de Janeiro, Bertrand Brasil, 1988.

- 118 -
Elaborando o currículo “Território de Bossoroca”: reflexões
teóricas em consonância à BNCC

Airton Rosa Lucion Guites13

Breve Introdução
Em 2017, foi aprovado e publicado a nova legislação
educacional do Brasil, denominada de Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). A lei veio para estabelecer os novos parâmetros do
ensino no país, as disciplinas obrigatórias no currículo e norteou o
processo de aprendizagem com base em competências e habilidades,
que devem ser seguidas pelos professores e alcançada pelos alunos.
No ano seguinte, em 2018, foi a vez os estados adequarem suas
legislações educacionais a fim de se alinhar a BNCC. Para tal, o Rio
Grande do Sul elaborou o Referencial Curricular Gaúcho (RCG), que
buscou acrescentar questões estaduais aos conteúdos nacionais da
BNCC, aproximando as visões das disciplinas para mais próximo da
realidade dos alunos.
Por fim, em 2019, os municípios deveriam adequar suas
legislações também, para agora se alinhar não apenas a BNCC, mas
também ao RCG. Através de uma formação com os professores do
município de Bossoroca/RS ao longo de meses, foi acrescentado no

13
Mestre em Geografia, UFSM. Professor concursado da rede municipal de
Bossoroca/RS. E-mail: airtonlucion@bol.com.br.
- 119 -
documento as habilidades locais de conteúdos estabelecidos no
âmbito nacional e estadual, a fim de aproximar ainda mais a realidade
dos alunos nos temas que devem ser trabalhados obrigatoriamente
pela lei.
O presente artigo é uma reflexão sobre os pontos positivos e
negativos da BNCC com relação ao ensino de Geografia, bem como é
um relato de experiência sobre a elaboração do currículo local
“Território de Bossoroca”, buscando justificar o acréscimo de
conteúdos no âmbito municipal.

Contextualizações Teóricas
A BNCC está estruturada em três etapas da educação básica:
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A Geografia
aparece em todas os anos do processo de escolarização, mas como
disciplina individual é apenas a partir do 6º ano do Ensino
Fundamental.
Sendo assim, a legislação nacional estabelece dez
competências gerais, que norteiam todo o documento, na qual os
alunos devem atingir para conseguir alcançar os conhecimentos das
diversas disciplinas. Como bem informa o MEC (2017):

Na BNCC, competência é definida como a


mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e
socioemocionais), atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana, do pleno

- 120 -
exercício da cidadania e do mundo do trabalho
(BNCC, 2017, p. 8).

Além disso, os conteúdos estão divididos na BNCC em três


critérios: Unidades Temáticas (subdividido em cinco eixos: “O sujeito e
seu lugar no mundo”, “Conexões e escalas”, “Mundo do trabalho”,
“Formas de representação e pensamento espacial” e “Natureza,
ambiente e qualidade de vida”), Objetos de Conhecimento e
Habilidades. Por conseguinte, quando houve o estabelecimento dos
referenciais estadual e municipal, houve o acréscimo de mais dois
critérios: a Habilidades RS e a Habilidades Documento Local. Dentre as
várias propostas pela BNCC, as mais inovadoras foram com relação a
linguagem corporal no ensino, a larga utilização de tecnologias digitais,
o incentivo ao protagonismo juvenil, a valorização da
interdisciplinaridade e o incentivo do ensino integral.
Com relação a isso, o RIO GRANDE DO SUL (2018) informa no
RCG que:

As tecnologias digitais, sempre em mudança,


trazem para o contexto escolar uma inquietação,
pois, ao mesmo tempo em que exigem da escola
uma nova abordagem, também proporcionam a
oportunidade de abandonar um modelo obsoleto,
refletindo sobre uma metodologia
contemporânea, que promove a participação
efetiva dos estudantes, a humanização dos
processos escolares e a implantação de
metodologias ativas, nas quais o projeto
pedagógico contemple a nova realidade escolar,
com inúmeras alternativas de interações,

- 121 -
conexões, experiências, ensino pela pesquisa,
descobertas e desafios (RIO GRANDE DO SUL, 2018,
p. 32).

Mais especificadamente a Geografia, ela insere-se na área de


Ciências Humanas. Para o MEC (2017, p. 359), a disciplina “é uma
oportunidade para compreender o mundo em que se vive”,
contribuindo assim “para a formação do conceito de identidade”
através da percepção da paisagem, da relação com os lugares vividos,
dos resgastes de costumes e memórias sociais, da identidade cultural
e do reconhecimento dos sujeitos históricos. Sobre o ensino de
Geografia no RCG, o RIO GRANDE DO SUL (2018) indica que “tem como
objeto de estudo a sociedade” por intermédio de conceitos-chaves
com “alto grau de parentesco, pois todos se referem à ação humana
sobre a superfície terrestre”, ou seja, tratam-se do espaço, lugar,
território, região e paisagem.
Portanto, o conhecimento geográfico na BNCC é norteado por
sete princípios: analogia, conexão, diferenciação, distribuição,
extensão, localização e ordem. Observamos a tabela a seguir, extraída
do documento oficial da nova lei.

- 122 -
Tabela 1: descrição do raciocínio geográfico na BNCC.

Fonte: MEC, 2017, p. 360.

Aspectos do Currículo Local


Durante os meses de 2019, foram realizados alguns encontros
presenciais na Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) em
Bossoroca, ou individualmente nas escolas do município, a fim de
estudar a BNCC e o RCG em grupos, seja por áreas do conhecimento
ou por disciplinas. Através disso, foi possível compreender o que a lei
nacional propunha sobre o ensino de Geografia, quais os aspectos

- 123 -
foram inseridos na lei estadual e gerou uma reflexão sobre o que
poderia ser complementado na lei municipal.
Com o diálogo entre todos os professores de Geografia do
município de Bossoroca após um estudo minucioso sobre a BNCC e
RCG, ficou acertado que iríamos inserir no documento local as
habilidades que acreditávamos faltar nas habilidades nacional e/ou
estadual ou então que correspondiam a aspectos geográficos do
município e/ou região, a fim de estabelecer uma proximidade dos
temas estudados ao círculo de vivência dos estudantes.
As orientações curriculares da BNCC indicam que houve uma
mudança na ordem dos conteúdos de Geografia. No 6º ano, trabalha-
se as noções básicas de Cartografia e da organização do espaço; no 7º
ano é a vez de enfocar os aspectos geográficos do território brasileiro
em sua totalidade e na divisão regional; no 8º ano aborda-se as
características naturais e socioeconômicas dos continentes América e
África, bem como das regiões polares (Ártico e Antártida); e por fim, o
9º ano corresponde as características naturais e socioeconômicas dos
continentes Europa, Ásia e Oceania.
Sendo assim, em consonância com a BNCC e com o RCG, o
referencial curricular local “Território de Bossoroca” veio a
complementar os temas centrais do ensino de Geografia, a fim de
inserir aspectos locais para enfatizar a aproximação do espaço de
vivência dos estudantes em questões, aparentemente, distantes em
suas mentalidades, demonstrando também que todos os lugares do

- 124 -
mundo estão inseridos no processo de globalização e, mesmo
distantes geograficamente, estão próximos nas relações econômicas e
culturais.

Reflexões a partir do documento municipal


Com relação ao 6º ano, foi decidido em conjunto aos
professores de Geografia de Bossoroca que seriam inseridos assuntos
voltados a Geografia local, complementando os temas nacionais e
estaduais já indicados pela BNCC e RCG. Para tal, adicionamos temas
como a hidrografia, a vegetação e a climatologia de Bossoroca na
conjuntura do estado, em especial abrindo ao debate sobre a
influência de espécies exóticas no ambiente natural e sobre a
importância do Aquífero Guarani que está localizado no subsolo da
região do município. Também destacamos a presença indígena e negra
na formação de Bossoroca, principalmente da etnia Guarani Mbyá,
que os registros históricos indicam sua distribuição geográfica no local
pelas reduções jesuíticas dos Sete Povos da Missões, principalmente
nas ruínas em São Miguel das Missões/RS, município limítrofe que é
Patrimônio da Humanidade. Visando inserir Bossoroca no contexto do
mundo globalizado, resolvemos anexar ao currículo local o estudo
sobre a influência internacional no espaço geográfico do município,
demonstrando assim aos alunos que todos os lugares do planeta estão
interligados e próximos, em especial pelo comércio.

- 125 -
No 7º ano, foi unânime entre os professores de Geografia no
município que seria importante adicionar assuntos do espaço local
com relação a divisão regional do Brasil; no caso, a Região Sul, em que
o Rio Grande do Sul se localiza. Portanto, reforçou-se a presença negra
na formação do município, principalmente em Bossoroca que possui
pontos turísticos de memória, como o cemitério dos cativos e a
senzala. Adicionamos o debate sobre a economia solidária, que aos
poucos se insere na ciência em geral como uma alternativa aos
impactos ambientais; bem como aproveitamos o estudo sobre a
regionalização do Brasil para indicar a necessidade de estudar a
regionalização do estado do Rio Grande do Sul pelos critérios do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelos Conselhos
Regionais de Desenvolvimento (COREDES), sempre reforçando a
localização de Bossoroca em cada forma de regionalizar.
Ao currículo do 8º ano, foi aquele que apresentou a maior
anexação de conteúdos para complementar a BNCC e o RCG, uma vez
que os professores de Geografia de Bossoroca perceberam, ao longo
das formações, que haviam uma discrepância com relação as
abordagens geográficas da América com a África, enfocando mais no
continente americano em detrimento dos debates sobre o continente
africano. Desta forma, buscou-se acrescentar temas sobre a África nos
mesmos tópicos que a BNCC e RCG indicavam temas sobre a América,
a fim de gerar um contraponto e um complemento. Além disso, propôs
o estudo das novas relações geopolíticas entre Estados Unidos e Brasil;

- 126 -
a presença do Rio Grande do Sul na conjuntura dos BRINCS e do
Mercosul, em especial por Bossoroca estar próximo da fronteira com
a Argentina, o principal parceiro comercial do Brasil no bloco
econômico; refletir sobre a importância da descoberta do Aquífero
Grande Amazônia – o maior do mundo – no contexto da geopolítica
internacional da água; analisar a organização dos Sete Povos das
Missões – em que Bossoroca pertence a região – no contexto histórico
do espaço geográfico da América Latina; debater sobre a presença do
Brasil na Antártida, a fim de entender a importância dos estudos e
pesquisas científicas da base brasileira na Região Polar; bem como
entender a formulação de políticas públicas através da realidade local,
percebendo como Bossoroca se orienta neste sentido, trazendo
exemplos do município para entender o mesmo assunto com relação
ao continente.
Por conseguinte, a BNCC e RCG do 9º ano apresentou um
problema semelhante ao 8º ano, quando enfocou nos aspectos
geográficos da Europa em detrimento da Ásia e Oceania. Portanto, foi
decidido pelos professores de Geografia de Bossoroca que seriam
complementado no documento local os temas já indicados pelos
referenciais nacional e estadual sobre o continente europeu, agora
indicando a visão para os continentes asiático e oceânico. Além disso,
indicamos a importância em se estudar sobre a influência da Europa
na formação do Rio Grande do Sul e de Bossoroca através dos
movimentos migratórios dos séculos anteriores; entender a dinâmica

- 127 -
e atuação crescente de grupos terroristas no mundo; e refletir sobre a
relevância da religião na organização dos países europeus e asiáticos.

Considerações Finais
A BNCC veio com a proposta de homogeneizar os conteúdos
programáticos do ensino no território nacional, bem como buscou
oferecer um espaço para os entes federados inserirem os contextos
mais próximos de sua realidade para complementar tais conteúdos.
Além disso, priorizou a inserção de tecnologias e o protagonismo
juvenil nas escolas.
Aqui já podemos observar a primeira consideração. As escolas
brasileiras estão preparadas para orientar seus conteúdos
programáticos com base em tecnologias digitais? O exemplo atual nos
oferece a resposta. Com a pandemia pelo coronavírus, as aulas
presenciais foram suspensas ao longo de meses em 2020, acarretando
em adaptações diversas, a fim de tentar oferecer uma forma de
aprendizagem à distância. Conteúdo, as desigualdades sociais e
regionais no Brasil ficaram evidentes quando grande parte dos alunos
não conseguiu acompanhar aulas virtuais nos estados e municípios
que optaram por esse caminho, evidenciando assim que não estamos
preparados para a proposta de enfocar em tecnologias digitais como
indicou a BNCC e reforçou o RCG. O próprio município de Bossoroca
não utilizou as aulas virtuais como alternativa de ensino remoto, mas

- 128 -
sim atividades programadas impressas e distribuídas nas escolas ou
até mesmo nas residências das famílias pelo transporte público.
A segunda consideração que fazemos, é com relação aos
conteúdos em si. Ficou nítido a maior presença dos debates sociais,
em especial aos povos indígenas e quilombolas, bem como a reforçar
a nova posição da Ásia e África nos contextos geopolíticos da Nova
Ordem Mundial. Todavia, o currículo ainda apresenta um enfoque
superior aos aspectos geográficos da América e Europa em
significativa redução do estudo sobre Ásia, África e Oceania, relegando
a esses continentes uma parte secundária dos debates, não centrais
como os continentes europeu e americano. Ou seja, mesmo se
atualizando, a BNCC e RCG mantiveram certo grau de proximidade
com as décadas anteriores no ensino, que também apresentavam um
debate reduzido sobre os continentes asiático, africano e oceânico.
Entretanto, o documento “Território de Bossoroca” foi formulado para
tentar equilibrar melhor essa discrepância, apenas a prática ao longo
dos anos irá demonstrar se isso será possível.
O debate para formulação de conteúdos locais no referencial
municipal foi importante para discutir entre os professores de
Geografia aquilo que seria mais relevante no contexto do espaço de
vivência dos alunos ou que era necessário para completar alguma
lacuna nos referenciais nacional e estadual. Portanto, é importante
entender que não existirá currículo perfeito ou ideal, mas sim
tentativas, apenas a prática individual de cada profissional da

- 129 -
educação na liberdade de cada instituição de ensino é que será
possível de estabelecer uma metodologia capaz de condicionar a
aprendizagem geográfica em sua plenitude.

- 130 -
Referências

BOSSOROCA. Cemitério dos cativos. Disponível em:


https://www.bossoroca.rs.gov.br/site/conteudos/2346-cemiterio-
dos-cativos. Acesso em: 20.10.2020.

BOSSOROCA. Território de Bossoroca – Geografia 6º Ano. Secretaria


Municipal de Educação e Cultura, Bossoroca, 2019, 6p.

BOSSOROCA. Território de Bossoroca – Geografia 7º Ano. Secretaria


Municipal de Educação e Cultura, Bossoroca, 2019, 8p.

BOSSOROCA. Território de Bossoroca – Geografia 8º Ano. Secretaria


Municipal de Educação e Cultura, Bossoroca, 2019, 12p.

BOSSOROCA. Território de Bossoroca – Geografia 9º Ano. Secretaria


Municipal de Educação e Cultura, Bossoroca, 2019, 8p.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular.


Brasília, 2017, 595p.

MUSEU DA UFRGS. 12000 anos de História: arqueologia e pré-história


do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2013, 116p.

PORTUGAL, J. Educação geográfica: temas contemporâneos. Salvador:


EDUFBA, 2017, 345p.

RIO GRANDE DO SUL. Atlas Socioeconômico: Estado do Rio Grande do


Sul. Secretaria de Coordenação e Planejamento, Porto Alegre: SCP,
2012, 112p.

RIO GRANDE DO SUL. Referencial Curricular Gaúcho – Ciências


Humanas. Secretaria Estadual de Educação, Porto Alegre, 2018, 197p.

SCHUCH, L. A. O Brasil na Antártida: uma metodologia educativa.


Santa Maria: APUSM, 1997, 152p.

- 131 -
SOUZA, A. P. Geografia do Rio Grande do Sul: literatura gaúcha. Porto
Alegre: Martins Livreiro Editora, 2015, 146p.

TORRES, P. L. Uma leitura para os temas transversais: ensino


fundamental. Curitiba: SENAR-PR, 2003, 610p.

- 132 -
Sobre os autores

Airton Rosa Lucion Guites (Organizador)


http://lattes.cnpq.br/2593510584005210
Graduado em Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM). Especialista em Metodologia do Ensino de
História e Geografia pelo Centro Universitário Internacional
(UNINTER). Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em
Geografia (PPGGEO) da UFSM. Tem ênfase na pesquisa da área do
Ensino de Geografia. Atua como professor de Geografia e Ensino
Religioso na rede pública municipal de Bossoroca/RS; bem como é
revisor do periódico "Geografia Ensino & Pesquisa".

Alessandra Souza
http://lattes.cnpq.br/9839169522949475
Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria -
UFSM. Atuou como Professora de Geografia em Grécia Cursos. Atuou
como Professora de Geografia em SOS Aulas. Atuou como Professora
de Geografia em Intensivo ENEM em Super Aprovação Concursos.
Atuou como bolsista |PIBID - Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação a Docência - Subprojeto Geografia. Atuou como Professora
de Geografia em CS cursos e concursos. Atuou como Professora de
Geografia em Super Reforço Sassá. Atuou como Professora de
Geografia na Escola de Ensino Médio Tia Elis (Rosário do Sul). Atua
como Professora de Geografia na empresa Triunfo Cursos. Atua como
Professora de Geografia na empresa FASA - Projeto de olho no futuro
/ENEM (Santo Angelo).

- 133 -
Ana Carla Lenz
http://lattes.cnpq.br/0888770742442030
Mestre e Doutoranda em Geografia pelo Programa de Pós-graduação
em Geografia da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM, RS.
Graduada em Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal
de Santa Maria - UFSM, RS. (2018). Integrante do Grupo de Pesquisa
em Educação e Território (GPET/UFSM). Integrante do Núcleo de
Pesquisa da Paisagem ( NEPA/ Silveira Martins). E-mail:
anacarlalenz@gmail.com

Eduardo Schiavone Cardoso


http://lattes.cnpq.br/6467146489705005
Possui graduação em Geografia - Bacharelado pela Universidade de
São Paulo (1989), graduação em Geografia Licenciatura pela
Universidade de São Paulo (1991), mestrado em Geografia (Geografia
Humana) pela Universidade de São Paulo (1996) e doutorado em
Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (2001).
Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal de Santa
Maria. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em
Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes temas:
geografia, ensino, pesca, pescadores e espaço geográfico.

João Henrique Quoos


http://lattes.cnpq.br/7196463042755225
Possui curso técnico profissionalizante pelo Colégio Politécnico da
Universidade Federal de Santa Maria (2005). Graduação em Geografia
Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (2010) e
Mestrado em Geografia pela mesma instituição (2013). Atualmente é
Professor de Geografia e coordenador do Curso Superior em Gestão
Ambiental no Instituto Federal de Santa Catarina, Campus Garopaba,

- 134 -
SC. Atua na área de Cartografia e Ensino, Patrimônio Natural, Objetos
de Aprendizagem, Geomática, Gestão Ambiental e temas afins.

Roberto Carlos Rech


http://lattes.cnpq.br/0943318058290967
Graduação e mestrado em Geografia pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, e no atual doutoramento pela Universidade Estadual
de Campinas.

Ronaldo da Silva
http://lattes.cnpq.br/3873274894552993
Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Goiás
(1997), mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Goiás
(2002) e doutorado em Geografia pela Universidade Federal de
Uberlândia (2010). Atualmente é professor associado 1 da
Universidade Federal de Catalão/UFCAT. Tem experiência na área de
Geografia, com ênfase em Geografia Econômica, Urbana/Indústria e
Geografia Política. Na tese de doutorado, pesquisou a integração da
América do Sul e tem trabalhado com geopolítica, integração da
América do Sul e política externa brasileira. Foi visiting Scholar, bolsista
CAPES/Estagio na American University em Washington DC, American
University, School of International Service.

Tuane Telles Rodrigues


http://lattes.cnpq.br/5487178721406774
Formada em Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM), em 2017. Possui mestrado em Geografia
(PPGGeo/UFSM, 2019), especialização em Metodologia no Ensino de
Geografia e Educação a Distância: Gestão e Tutoria (UNIASSELVI).
Atualmente é doutoranda em Geografia no Programa de Pós-
Graduação em Geografia (PPGGeo/UFSM). Desenvolve pesquisas nas

- 135 -
áreas de Ensino de Geografia e Inclusão, Cartografia Escolar, e
Cosmografia Geográfica.

Wilson Carlos Diniz


http://lattes.cnpq.br/1080382296331321
Mestrando em Geografia, UFCat. Possui graduação em Direito pelo
Centro de Ensino Superior de Catalão (2012). Atualmente é advogado.

- 136 -

Você também pode gostar