INSTITUTOS FUNDAMENTAIS determinação jurídica do fato,
DE DIREITO II mediante normas.
RELAÇÃO JURÍDICA Coerente com o pensamento da
Escola História do Direito, da qual foi o Introdução ao Estudo do Direito seu corifeu, Savigny atribuiu grande Paulo Nader importância ao fato social na formação da relação jurídica. Principalmente com Stucka e Pasukanis, a teoria marxista do Direito, que vê no fenômeno jurídico – Capítulo 29 – apenas um conteúdo econômico, RELAÇÃO JURÍDICA: CONCEITO, concorda com a origem social do FORMAÇÃO, ELEMENTOS Direito. A concepção de Savigny é predominante entre os estudiosos da Sumário: 165. Conceito de Relação matéria. No Brasil é aceita, entre Jurídica. 166. Formação da Relação outros, pelo jurista Pontes de Miranda, Jurídica. 167. Elementos da Relação para quem “relação jurídica é a relação Jurídica. inter-humana, a que a regra jurídica, incidindo sobre os fatos, torna 165.CONCEITO DE RELAÇÃO jurídica”.2 Em igual sentido é a opinião JURÍDICA de Miguel Reale: “Quando uma relação A relação jurídica faz parte do de homem para homem se subsume ao elenco dos conceitos jurídicos modelo normativo instaurado pelo fundamentais e constitui um ponto de legislador, essa realidade concreta é convergência de vários componentes reconhecida como sendo relação do Direito. A sua compreensão é jurídica.”3 elemento-chave para o conhecimento da Teoria Geral do Direito. Nela se Além da concepção de Savigny, entrelaçam fatos sociais e normas para quem a relação jurídica é sempre jurídicas. É no quadro amplo das um vínculo entre pessoas, há outras relações jurídicas que se apresentam os tendências doutrinárias. Para Cicala, sujeitos do direito e se projetam por exemplo, a relação não se opera direitos subjetivos e deveres jurídicos. entre os sujeitos, mas entre estes e a norma jurídica, pois é por força desta Pode-se afirmar que a doutrina que se estabelece o liame. A norma das relações jurídicas teve início a partir jurídica seria, assim, a mediadora entre dos estudos formulados por Savigny no as partes. Alguns juristas defenderam a século XIX. De uma forma clara e tese de que a relação jurídica seria um precisa, o jurista alemão definiu relação nexo entre a pessoa e o objeto. Este foi jurídica como “vínculo entre pessoas, o ponto de vista de Clóvis Beviláqua: em virtude do qual uma delas pode “Relação de direito é o laço que, sob a pretender algo a que a outra está garantia da ordem jurídica, submete o obrigada”.1 Em seu entendimento, objeto ao sujeito.”4 Modernamente toda relação jurídica apresenta um esta concepção foi abandonada, elemento material, constituído pela principalmente em face da teoria dos relação social, e outro formal, a sujeitos, formulada por Roguin. As dúvidas que havia em relação ao direito de propriedade foram dissipadas pela desaparece quando, no local de exposição desse autor. A relação destino, o preço da corrida é pago. jurídica nessa espécie de direito não Outras há cujos efeitos são duradouros, seria entre o proprietário e a coisa, mas como se passa nas relações entre aquele e a coletividade de matrimoniais. Na maior parte dos pessoas, que teria o dever jurídico de vínculos, os dois sujeitos possuem respeitar o direito subjetivo. direitos e deveres, como nas relações de emprego. Há relações em que os Na concepção de Hans Kelsen, poderes e as obrigações são recíprocos significativa por partir do chefe da e de igual conteúdo para as duas corrente normativista, a relação jurídica partes: dever de coabitação entre os não consiste em um vínculo entre cônjuges. pessoas, mas entre dois fatos enlaçados por normas jurídicas. Como 166.FORMAÇÃO DA RELAÇÃO exemplo, figurou a hipótese de uma JURÍDICA relação entre um credor e um devedor, As relações de vida formam-se afirmando que a relação jurídica em decorrência de determinados “significa que uma determinada fatores que aproximam os homens e os conduta do credor e uma determinada levam ao convívio. Tais fatores são de conduta do devedor estão enlaçadas de natureza fisiológica, econômica, moral, um modo específico em uma norma de cultural, recreativa etc. A necessidade direito...”5 que o homem possui de suprir as suas várias carências o induz à convivência. No plano filosófico, há a É pela vida associativa que obtém os indagação se a regra de Direito cria a complementos indispensáveis à sua relação jurídica ou se esta preexiste à sobrevivência, à satisfação de seus determinação jurídica. Para a corrente instintos básicos, ao conhecimento das jusnaturalista, o Direito apenas coisas e da própria natureza. São as reconhece a existência da relação relações intersubjetivas que formam o jurídica e lhe dá proteção, enquanto o suporte ou a matéria das relações de positivismo assinala a existência da direito. Quando essas relações de vida relação jurídica somente a partir da repercutem no equilíbrio social, não disciplina normativa. Há determinadas podem permanecer sob o comando relações que efetivamente antecedem aleatório das preferências individuais. à regulamentação jurídica, pois Nessa hipótese é mister a expressam fenômenos de ordem regulamentação jurídica. Uma vez natural, in rerum natura, como é o fato, subordinadas ao império da lei, as por exemplo, da filiação. relações sociais ganham qualificativo jurídico. São as relações jurídicas que dão movimento ao Direito. Em cada uma Quanto às relações sociais que ocorre a incidência de normas jurídicas, surgem espontaneamente e não em que definem os direitos e os deveres decorrência de uma elaboração legal, dos sujeitos. Há relação jurídica que se como assinala Jean Dabin, há uma extingue tão logo é produzido o seu categoria que se revela legítima e outra efeito: a relação que se estabelece que se forma de acordo com os entre o passageiro e o taxista princípios e valores sociais. Quanto às relações sociais consideradas negativas legislador, pois “o espírito sopra onde ou prejudiciais ao interesse coletivo, o quer”. Quando as relações sociais se Estado pode proibi-las mediante desenvolvem normalmente pelos normas específicas. Tais relações costumes, sem acusar problemas de passam a ser consideradas ilícitas e convivência, não é recomendável que a combatidas pela coercitividade estatal. lei as discipline pois, além de inútil, A atitude quanto a essa classe de pode quebrar a harmonia que relação social poderá ser outra, espontaneamente existe nas relações contudo. Por razões de oportunidade intersubjetivas. ou de impotência para controlá-la, o Estado é levado à tolerância. Não as 167.ELEMENTOS DA RELAÇÃO proíbe, mas também não as declara JURÍDICA lícitas. Quanto às relações sociais Integram a relação jurídica os voluntárias, que beneficiam o interesse elementos: sujeito ativo, sujeito coletivo, além de reconhecer a sua passivo, vínculo de atributividade e licitude, o Estado poderá discipliná-las, objeto. O fato e a norma jurídica, que se for conveniente, e até mesmo ajudá- alguns autores arrolam como las.6 elementos, são antes pressupostos da existência da relação jurídica. As relações jurídicas se formam pela incidência de normas jurídicas em 167.1. Sujeitos da Relação fatos sociais. Em sentido amplo, os Jurídica. Entre os caracteres das acontecimentos que instauram, relações jurídicas, há a chamada modificam ou extinguem relações alteridade, que significa a relação de jurídicas denominam-se fatos jurídicos. homem para homem. Nesse vínculo Quando ocorre um determinado intersubjetivo, cada qual possui uma acontecimento regulado por regras de situação jurídica própria. Esta consiste Direito, instaura-se uma relação na posição que a parte ocupa na jurídica. Se toda relação jurídica relação, como titular de direito ou de pressupõe uma relação de vida, dever. Denomina-se situação jurídica Lebenverhaltniss, nem toda relação ativa a que corresponde à posição do social ingressa no mundo do Direito, agente portador de direito subjetivo e apenas as relativas aos interesses situação jurídica passiva, a do possuidor fundamentais de proteção à pessoa e à de dever jurídico. Parte é a pessoa ou coletividade. Assim, os vínculos de conjunto de pessoas com uma situação amizade, laços sentimentais, jurídica ativa ou passiva. A referência permanecem apenas no plano fático. que se faz com o vocábulo parte é para distinguir os participantes da relação É a política jurídica que indica ao dos chamados terceiros, que são legislador as relações sociais carentes pessoas alheias ao vínculo jurídico. de regulamentação jurídica.7 O Estado possui a faculdade de impor normas de Denomina-se sujeito ativo a conduta às diferentes questões sociais. pessoa que, na relação, ocupa a A legitimidade para a ação legislativa, situação jurídica ativa; é o portador do contudo, apresenta limites. As relações direito subjetivo que tem o poder de puramente espirituais, os fatos da exigir do sujeito passivo o cumprimento consciência, escapam à competência do do dever jurídico. Como na maioria das relações jurídicas as duas partes personalíssimos, em que todas as possuem direitos e deveres entre si, pessoas têm o dever de respeitá-los, sujeito ativo é o credor da prestação investindo-se, pois, na situação jurídica principal. Sujeito ativo ou titular do passiva. A relação jurídica pode ser de direito é a pessoa natural ou jurídica. Direito Público ou de Direito Privado. A Na opinião de Jean Dabin, há muitas primeira hipótese, também regras jurídicas que não apresentam denominada relação de subordinação, sujeito ativo, como as relativas ao ocorre quando o Estado participa na sistema da tutela, domicílio ou as relação como sujeito ativo, impondo o ditadas em interesse de terceiros em seu imperium. É de Direito Privado, ou geral. Daí o antigo professor da de coordenação, quando integrada por Universidade de Louvain considerar particulares em um plano de igualdade, “um erro representar--se o mundo do podendo o Estado nela participar não Direito, sob o pretexto de que rege as investido de sua autoridade. relações dos homens entre si, como uma rede de laços de direitos e Dever de proteção aos animais. obrigações entre pessoas Embora a literatura jurídica atual determinadas”.8 Mas, se é possível aborde o tema Direito dos Animais, uma norma jurídica que não apresente deve-se entender por Direito uma sujeito ativo, tal não é admissível relação entre pessoas naturais ou quanto às relações jurídicas. jurídicas. Os animais devem ser considerados tão somente objetos de Sujeito passivo é o elemento que proteção dos ordenamentos. integra a relação jurídica com a obrigação de uma conduta ou Os animais constituem bem prestação em favor do sujeito ativo. O móveis que possuem vida, sujeito passivo é o responsável pela sensibilidade. A posse não autoriza aos obrigação principal. Sujeito ativo e seus proprietários a imposição de passivo apresentam-se sempre em danos corporais, nem a eliminação conjunto nas relações jurídicas. Um não plena de sua liberdade. Em se tratando pode existir sem o outro, do mesmo de animais selvagens, não se deve modo que não existe direito onde não impedir a vida no habitat que lhe é há dever. próprio.
A relação jurídica que envolve O ordenamento não considera
apenas duas pessoas é denominada crime o abate de animal quando a simples. Plurilateral é a relação em que conduta do agente decorrer do seu mais de uma pessoa apresenta-se na estado de necessidade ou para saciar a situação jurídica ativa ou passiva.9 sua fome ou a de seus familiares. Quanto aos sujeitos ainda, as relações podem ser relativas ou absolutas. A matéria em pauta é regulada Relativa é aquela em que uma pessoa pela Lei 9.605, de 12.02.1998, ou um grupo de pessoas figura como modificada em parte pela Lei 14.064, sujeito passivo. Absoluta é quando a de 29.09.2020. coletividade se apresenta como sujeito passivo, o que ocorre, v.g., quanto ao 167.2. Vínculo de Atributividade. direito de propriedade e nos direitos No dizer de Miguel Reale, “é o vínculo que confere a cada um dos Gallo, nesse sentido, afirmou: “está por participantes da relação o poder de elaborar-se uma teoria geral do objeto pretender ou exigir algo determinado do direito, ponto sobre o qual existe ou determinável”. O vínculo de notória confusão e disparidade de atributividade pode ter por origem o critérios...”12 contrato ou a lei.10 O objeto da relação jurídica recai 167.3. Objeto. O vínculo existente sempre sobre um bem. Em função na relação jurídica está sempre em deste, a relação pode ser patrimonial função de um objeto. As relações ou não patrimonial, conforme jurídicas são estabelecidas visando a apresente um valor pecuniário ou não. um fim específico. A relação jurídica Autores há que identificam o elemento criada pelo contrato de compra e econômico em toda espécie de relação venda, por exemplo, tem por objeto a jurídica, sob o fundamento de que a entrega da coisa, enquanto no contrato violação do direito alheio provoca uma de trabalho o objeto é a realização do indenização em dinheiro. Como analisa trabalho. É sobre o objeto que recai a Icílio Vanni, há um equívoco porque na exigência do sujeito ativo e o dever do hipótese de danos morais, o sujeito passivo. ressarcimento em moeda se apresenta apenas como um sucedâneo, uma Ahrens, Vanni e Coviello, entre compensação que tem lugar apenas outros juristas, distinguem objeto de quando a ofensa à vítima acarreta-lhe conteúdo da relação jurídica. O objeto, prejuízo, direta ou indiretamente, em também denominado objeto imediato, seus interesses econômicos. A é a coisa em que recai o poder do indenização não é medida pelo valor do sujeito ativo, enquanto conteúdo, ou bem ofendido, mas pelas objeto mediato, é o fim que o direito consequências decorrentes da lesão ao garante. O objeto é o meio para se direito. atingir o fim, enquanto o fim garantido ao sujeito ativo denomina-se conteúdo. A doutrina registra, com muita Flóscolo da Nóbrega, com clareza, divergência, que o poder jurídico de exemplifica: “Na propriedade, o uma pessoa recai sobre: a) a própria conteúdo é a utilização plena da coisa, pessoa; b) outras pessoas; c) coisas. o objeto é a coisa em si; na hipoteca, o Quanto à possibilidade de o poder objeto é a coisa, o conteúdo é a jurídico incidir sobre a própria pessoa, garantia à dívida; na empreitada, o alguns autores a rejeitam, sob a conteúdo é a realização da obra, o alegação de que não é possível, do objeto é prestação do trabalho; numa ponto de vista da lógica jurídica, uma sociedade comercial, o conteúdo são os pessoa ser, ao mesmo tempo, sujeito lucros procurados, o objeto é o ramo ativo e objeto da relação. Tendo em de negócio explorado.”11 vista o progresso da ciência, que tornou possíveis conquistas extraordinárias, No estudo do objeto da relação como a de um ser vivo ceder a outro jurídica, várias questões ainda se um órgão vital, parte de seu corpo, em acham pendentes de definição face do elevado alcance social e moral doutrinária. Entre os autores não há que esse fato apresenta, entendemos uniformidade de pensamento. Hübner que a Ciência do Direito não pode recusar essa possibilidade, devendo, estabelece. Assim a lei civil atribui ao sim, a lógica jurídica render-se à lógica pai uma soma de poderes e deveres da vida. quanto à pessoa do filho menor, que é a razão do instituto do pátrio poder”.14 Dentro dessa ordem de indagação, surge um problema BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL apresentado por João Arruda: o Ordem do Sumário: indivíduo possui direito sobre as peças anatômicas destacadas de seu corpo? 165 –Giuseppe Lumia, Principios Extirpado um órgão do corpo humano, de Teoría e Ideología del Derecho; José esse pode ser apropriado pelo María Rodríguez Paniagua, Ley y cirurgião? João Arruda defendeu a tese Derecho; de que “o homem tem direito às diferentes partes do seu corpo, mesmo 166 –Jean Dabin, Teoría General quando essas partes sejam deste del Derecho; separadas... não se dá aí direito ao médico, pelo corte de uma parte do 167 –Miguel Reale, Lições corpo, ou ao dentista pela extração de Preliminares de Direito; Icílio Vanni, dentes, é que não há, nesses casos, Lições de Filosofia do Direito; João como se diz, a ocupação determinando Arruda, Filosofia do Direito; Jorge I. a propriedade do operador”.13 Hübner Gallo, Introducción al Derecho. Entendemos que o aspecto jurídico desta matéria acha-se inteiramente 1Apud José María Rodríguez subordinado aos valores morais. O Paniagua, op. cit., p. 69. Direito Positivo deve consagrar alguns princípios apenas para admitir, em tal 2Pontes de Miranda, Tratado de hipótese, que a pessoa autorize ou não Direito Privado, ed. cit., vol. I, p. 117. uma destinação nobre para o órgão extraído de seu corpo. O Código Civil de 3Miguel Reale, Lições 2002, pelo caput do art. 14, dispôs: “É Preliminares de Direito, ed. cit., p. 211. válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do 4Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 54. próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.” 5Apud Ariel Alvarez Gardiol, op. cit., p. 67. Quanto à possibilidade de o poder jurídico recair sobre outra 6Cf. Jean Dabin, Teoría General pessoa, a maior parte da doutrina del Derecho, Editorial Revista de revela-se contrária, destacando-se, Derecho Privado, Madrid, 1955, p. 122. nesse sentido, as opiniões de Luis Legaz y Lacambra e Luis Recaséns Siches. 7Para o autor Boris Starck, Entre nós, Miguel Reale admite que “Entende-se por política jurídica – uma pessoa possa ser objeto de direito, denominada também política legislativa sob a justificativa de que “tudo está em – a elaboração do conteúdo da regra de considerar a palavra ‘objeto’ apenas no direito a reformar ou a construir”, sentido lógico, ou seja, como a razão Introduction au Droit, 3ª ed., Paris, em virtude da qual o vínculo se Libraire de la Cour de Cassation, 1991, p. 132.
8Jean Dabin, op. cit., p. 128.
9Terminologia empregada por
Alessandro Groppali, Introdução ao Estudo do Direito, ed. cit., p. 140.
10Miguel Reale, Lições
Preliminares de Direito, ed. cit., p. 214.
11Flóscolo da Nóbrega, Introdução ao Direito, 5ª ed., José Konfino, Editor, Rio de Janeiro, 1972, p. 161.