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TEORIA DO FATO JURÍDICO

CAP 1: O FENÔMENO JURÍDICO

O homem, a adaptação social e o direito

O homem não é um simples produto da natureza, mas o resultado do convívio


com os outros homens. Por isso, apesar de sua sociabilidade, há neles, sempre, algo
de próprio, tipicamente individual, que não se dissolve no social nem se torna comum.
Nesse contexto, apesar da conduta dos homens serem amplamente influenciadas pelos
grupos sociais que fazem parte, cada indivíduo tem, naturalmente, uma inclinação de
fazer prevalecer os seus interesses quando em confronto com os seus semelhantes.
Dessa forma, se os homens agissem sempre por livre-arbítrio, eles seriam incapazes
de viver em sociedade. Assim, o jugo social passa a ser aceito como unia imposição
necessária à vida social. Contudo, essa imposição traz como resultante a possibilidade
sempre presente de reação e rebeldia do homem aos padrões traçados pela sociedade,
fatores que são encontrados em todo o desenrolar da história, gerando revoluções.
Disso decorre a exigência de estabelecer normas de conduta que tenham uni caráter
obrigatório. Essas regras constituem as normas jurídicas que, no seu conjunto, formam
o direito da comunidade em que elas são vigentes.

O caráter necessário do direito

O direito — um dos processos de adaptação social — embora seja essencial à


sociedade, não é ao homem em estado de natureza. O direito é essencial ao homem
enquanto integrante da sociedade. Ou seja, o homem sozinho não necessita de direito
ou de qualquer outra norma de conduta. Assim, o direito não está na natureza do ser
humano, sendo-lhe estranho e dispensável. Contudo, quando se trata de sociedade, o
direito sendo rudimentar ou refinado, elementar ou complexo, simples ou prolixo, é
indispensável e insubstituível, pois constitui o único meio hábil e eficaz de evitar o caos
social e obter uma coexistência harmônica entre os seres humanos.

Mundo tático e mundo jurídico

Tudo o que ocorre na nossa vida são fatos. Isto é, a vida é uma sucessão
permanente de fatos. Nesse cenário, o direito valora os fatos e, através das normas
jurídicas, leva à categoria de fato jurídico aqueles que têm relevância para o
relacionamento inter-humano.

Os fatos são classificados em eventos e condutas. O primeiro diz respeito


àqueles fatos puros por natureza, que acontecem independentemente da atuação
humana ou, quando há presença dessa atuação em sua origem, esta resulta,
exclusivamente, sua condição natural, como, por exemplo, nascer e morrer. As
condutas, por sua vez, são os atos humanos resultantes do seu querer, ou até mesmo
os involuntários, mas que não sejam decorrência exclusiva de sua natureza animal.

A constatação de que há fatos relevantes, a que a norma jurídica imputa efeitos


no plano do relacionamento inter-humano, e fatos que, considerados irrelevantes,
permanecem sem normatização, permite distinguir, o mundo fático (que é o universo
dos fatos, o mundo em geral) e o mundo jurídico (formado apenas pelos fatos jurídicos).

Logicidade do mundo jurídico

As modificações por que passam as situações jurídicas jamais implicam


alterações na natureza mesma dos fatos, mas, ao contrário, as transformações havidas
nas situações de fato podem determinar mutações nas situações jurídicas. Por exemplo:
a venda, pelo proprietário, da safra do coqueiral, não altera o ciclo natural da frutificação
(a situação jurídica foi modificada, mas não implicou em alteração na natureza do
coqueiral); se o bem móvel é consumido pelo fogo, extingue-se o direito de propriedade
(houve transformação pela natureza, Implicando na transformação da situação jurídica
do bem).

Direito e realidade

A norma jurídica não deixa de ser algo abstrato, mas que se refere a alguma
coisa concreta (os fatos) que, se ocorrer, deverá produzir determinada consequência no
campo do relacionamento inter-humano (= efeito jurídico). Se atentarmos para que os
mais simples atos do dia-a-dia têm conteúdo jurídico, chegaremos à evidência de que
muito mais se cumpre do que se descumpre o direito. Essa realização do direito é, na
maioria das vezes, inconsciente, até. Você cumpre e aplica o direito, muitas vezes, sem
a consciência de que está aplicando-o e cumprindo-o. Assim, pela sua atuação no
ambiente social, adaptando a conduta humana, diz-se que o direito é um fato social.

As dimensões do fenômeno jurídico

O fenômeno jurídico desenvolve-se em três dimensões:

Dimensão política, na qual a comunidade jurídica valora os fatos da vida e,


quando os considera relevantes para o relacionamento inter-humano, edita norma que
passa a regulá-lo em suas consequências no plano jurídico.

Dimensão normativa, onde aqui o direito passa a ser tratado apenas em razão
de seus comandos. Essa dimensão tem caráter dogmático. Somente importa se existe
uma norma regularmente posta e vigente que, só por isso, é obrigatória,
independentemente da circunstância de sua efetivação no meio social.

Dimensão sociológica. A regra jurídica somente se realiza quando, além da


coloração, que resulta da incidência, os fatos ficam efetivamente subordinados a ela. A
perfeita realização do direito implica a subordinação dos fatos da vida à norma jurídica
que os previu e regulou. Se há descompasso entre a incidência e a aplicação,
demonstra-se que, ou a realidade social é diferente das normas prescritas, ou o
aparelhamento encarregado de realizar o direito é insatisfatório. Essa, no entanto, é
uma visão que relaciona a norma jurídica à efetiva atuação no mundo social, portanto
uma visão sociológica do direito.

Uma visão integrada do fenômeno jurídico

Por urna questão de posicionamento doutrinário (monista), é comum o trato do


fenômeno jurídico sob urna determinada dimensão, apenas. Esta doutrina jurídica
costuma tratar do direito, exclusivamente, sob o ângulo da norma jurídica. Exemplo
disso foi o jurista Hans Kelsen, em sua tentativa de purificar o direito, libertando a ciência
jurídica de qualquer ingerência axiológica e sociológica. Contudo, o abuso do poder do
Estado respaldado pela invocação do princípio de que todos são obrigados a cumprir a
lei, seja ela qual for, levou a humanidade a situações extremamente dolorosas, como a
experiência nazista que, à visão do direito da época, era legítima.

Com isso, é necessário que o direito seja sempre analisado sob o tríplice aspecto
dos valores, da norma e do fato, para que assim se possa ter um direito que,
efetivamente, se realize no meio social por que consubstancia os seus valores.

Corte epistemológico

Contudo, é possível, por urna questão metodológica — e não doutrinária — tratar


o fenômeno jurídico somente sob uma de suas dimensões, desde que não se esqueça
de que o corte epistemológico que tal atitude representa não envolve urna exclusão dos
outros aspectos de juridicidade. Este livro desenvolverá o fenômeno jurídico sob o
ângulo especifico da Teoria Geral do direito, portanto, na dimensão normativa.

CAP 2: NORMA E FATO JURÍDICO

A previsão normativa do fato jurídico 1.

A norma jurídica constitui urna proposição através da qual se estabelece que,


ocorrendo determinado fato ou conjunto de fatos (= suporte fático), a ele devem ser
Norma jurídica e definição do mundo jurídico
atribuídas certas consequências no plano do relacionamento intersubjetivo (= efeitos
jurídicos). Então, urna proposição jurídica, para ser completa, há de conter, ao menos:

(a) A descrição de um suporte fático do qual resultará o fato jurídico;

(b) A prescrição dos efeitos atribuídos ao fato jurídico respectivo.

2. Norma e ordenamento jurídico

2.1_ Normas explícitas

Nos sistemas de direito escrito, as normas jurídicas, em geral, são expressadas


através de proposições formuladas em textos sintéticos, ordenados segundo urna
metodologia própria com a finalidade de fazer deles um conjunto harmônico, ordenado
e coerente, em que as diversas normas que o compõem se integram e se completam
entre si. Por isso, é comum haver proposições jurídicas que não se encontra expressa
a descrição de suporte fático, ou a correspondente prescrição dos efeitos jurídicos.
Nesse sentido, se examinadas isoladamente aparentam ser sem sentido lógico-jurídico.
Porém, se examinadas integradamente dentro do conjunto das normas jurídicas que
constituem o ordenamento jurídico, constata-se que há sentido lógico-jurídico. Essas
situações são comumente encontradas quando se trata de instituições jurídicas que
constituem um conjunto de normas que regula determinada relação jurídica. Assim, para
que não haja repetições inúteis, aquelas normas cujo suporte fático não esteja expresso
no seu texto, são relacionadas ao suporte fático de outra norma que lhes corresponder.

Há, ainda, normas jurídicas que são formuladas, precisamente, para integrar
outras normas jurídicas, sem determinar efeitos jurídicos próprios. Exemplo: "considera-
se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos
poderes inerentes à propriedade". Essa norma não imputa de modo específico efeitos
jurídicos a certo fato, ou seja, não atribui direitos ou deveres a alguém em virtude de um
fato, mas, estabelecendo quem de se ser considerado possuidor, para os fins de direito,
constitui norma integrativa de toda a instituição jurídica da posse.

Parecidas com as integrativas, as normas jurídicas remissivas não integram


outras, mas as fazem integrantes suas. Em outras palavras, as normas jurídicas
remissivas apanham outras normas e as consideram parte de seu conteúdo.

2.2_ Normas implícitas

No entanto, os ordenamentos jurídicos não conseguem atender, com suas


normas objetivamente postas, todas as situações da vida social que tenham um
conteúdo jurídico. Assim, há mais normas vigentes numa comunidade do que aquelas
explicitadas nos documentos legislativos que compõem o ordenamento jurídico. Essa
problemática está ligada diretamente à questão das lacunas do direito positivo.

Para resolver isso, o intérprete, na solução dos casos, tomando como


fundamento os princípios que norteiam o sistema jurídico, extrai norma que torna
específico aquele princípio. Assim, não há criação de norma nova, mas, apenas,
revelação de norma que existe de modo não expresso, implícito, no sistema jurídico (ou
seja, não é uma atividade legislativa, já que o juiz não tem competência para tal. A
liberdade que lhe é concedida se limita à busca de norma que dê sentido jurídico à
conduta dentro da analogia, dos costumes, dos princípios gerais do direito ou, em última
análise, da equidade).

Diante disso, é possível a conclusão de que o direito de uma comunidade não


se restringe às normas jurídicas explicitadas em textos legislativos escritos. No entanto,
após a sua especificação pela jurisprudência ou pela doutrina, desaparece a sua
indeterminação e, portanto, passa ela a integrar o próprio sistema jurídico.

A estrutura lógico-formal da norma jurídica

1. Expressão essencial da norma jurídica

Do ponto de vista lógico-formal, a norma jurídica constitui uma proposição


hipotética que, usando-se a linguagem da lógica tradicional, pode ser assim expressada:
"se SF então deve ser P", em que a hipótese (= antecedente) é representada pelo
suporte fático (SF) e a tese (= consequente) pelo preceito (P).

2. Sancionistas e não-cancionistas

O problema da estrutura lógica da norma jurídica tem provocado profundas


divergências doutrinárias. Sintetiza-se essas divergências em duas posições principais:

2.1. Norma primária e norma secundária (sancionistas)

Para Hans Kelsen, a norma jurídica completa teria um estrutura dúplice,


constituída por uma norma primária e uma norma secundária, e configuraria um juízo
hipotético cuja expressão em linguagem lógico-formal seria: se F então deve ser P
(norma secundária), se não-P então deve ser S (norma primária), onde F é a situação
de fato prevista, P é a conduta humana que a norma ordena como devida em
decorrência da situação de fato F, não-P é a conduta humana contrária ao preceito P
(descumprimento da norma) e 5 a sanção pelo descumprimento. Ou seja, a norma
secundária é aquela que, para dada situação de fato, ordena certa conduta, enquanto
que a norma primária é a que prescreve uma sanção para o caso de não se realizar a
conduta ordenada.

Lembrando que a concepção normativista do direito, como construída por


Kelsen, tem como fundamentos as ideias de que (a) o mundo do direito seria constituído,
exclusivamente, por normas e (b) uma norma social para ser considerada jurídica
deveria conter, necessariamente, urna sanção punitiva.

OBS: Kelsen, em sua mesma obra, muda totalmente a sua concepção acerca de
norma primária e secundária, afirmando ser primária o preceito e secundária a sanção.
Contudo, em um terceiro pensamento — na mesma obra — Kelsen volta ao seu
pensamento original, mas com urna diferença: tal classificação depende de que, na
formulação legislativa da norma, somente esteja expressa a sanção para o caso de
transgressão da conduta desejada, quando implícita na disposição legal. Pode-se
perceber na passagem em que Kelsen diz: "A expressa formulação da norma que proíbe
o furto e da norma que impõe o pagamento de um empréstimo recebido, isto é, a norma
que prescreve a conduta que evita a sanção é efetivamente supérflua, pois está — como
já indicado anteriormente = implicada na norma que estatui a sanção. Pois a norma que
estatui um ato coercitivo como sanção então aparece como a norma primária, e a norma
nela implícita (a qual não é de fato, nem necessita sê-lo, expressamente formulada), a
norma secundária".

2.1. Não-sancionistas

A outra posição, adotada por autor como Pontes de Miranda, sustenta que a
norma jurídica é urna proposição completa quando contém, simplesmente, a descrição
do suporte fático e a prescrição do preceito a ele correspondente, Dessa forma, se a
norma prevê, ou não, uma sanção para o caso de ser transgredida não tem qualquer
importância. A incompletude da norma reside, apenas, na falta de menção ao suporte
fático ou ao preceito.

Análise crítica das doutrinas

A diferença entre as duas posições doutrinárias é que para os kelsenianos, a


coação, representada pela sanção, constitui o elemento essencial da norma jurídica.
Assim, as proposições jurídicas que não especifiquem uma sanção para o caso de
serem infringidas são proposições incompletas, imperfeitas ou. simplesmente, preceitos
auxiliares. Para os outros, o que importa, na caracterízação de uma norma jurídica
completa, e, apenas, a descrição de uni suporte fático e a prescrição de efeitos jurídicos
a ele especificamente imputados, independentemente de serem esses efeitos uma
sanção ou uma vantagem.

A proposta kelseniana parece insuficiente para explicar, em sua plenitude, o


fenômeno jurídico. Isto. porque, além de excluir do universo do direito normas de
altíssima relevância (como as normas que definem os direitos fundamentais), essa
doutrina confunde a obrigatoriedade das normas com a coação. Ser obrigatório não
significa que seja necessariamente punitivo. Obrigatoriedade quer dizer possibilidade
de imposição da norma pela autoridade que detenha o poder de realizar, forçadamente,
o direito, no caso de ser transgredida. Na obrigatoriedade pode haver coação, pena,
sanção, mas sempre com caráter de probabilidade e nunca de necessidade. As normas
penais são necessariamente coativas, mas as normas como as que compõe os Livros I
e II do Código Civil não são. Contudo, ambas são obrigatórias. Dessa forma, é possível
concluir que as normas jurídicas nem sempre necessitam de sanção punitiva e de
coação para realizar-se.

CAP 3: OS ELEMENTOS DA ESTRUTURA DA NORMA JURiDICA


O suporte fático

1. Conceito

Em poucas palavras, suporte fático é a hipótese fãtica condicionante da


existência do fato jurídico. Ou seja, algo que poderá ocorrer no mundo e que, por ter
sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica. É, portanto, um
conceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, pois só virará fato jurídico após
os seus elementos se concretizarem no mundo e, assim, pela incidência da norma,
surgirá o fato jurídico.

2. Espécies

Há duas conotações a considerar quando se fala em suporte fático:

(a) Uma que designa o enunciado lógico da norma em que se representa a


hipótese fática condicionante de sua incidência (suporte fático abstrato, ou
seja, existe somente corno hipótese prevista pela norma);

(b) Outra, que nomeia o próprio fato quando materiaiizado no mundo (suporte
fático concreto, ou seja, quando o fato previsto como hipótese se concretiza
no mundo fático).

3. Significação e importância do conceito


O conceito de suporte fático é de aplicação universal na Ciência Jurídica, não
sendo privativo de um determinado ramo do direito. Contudo, nos diversos campos
jurídicos o vemos empregado, muitas vezes, disfarçado por outras denominações.

4. Elementos do suporte fático

4.1. Relevância dos fatos

A norma jurídica representa a valoração de fatos feita pela comunidade jurídica.


A regulação dos fatos, assim, está na contingência da sua maior ou menor afetação
pelas necessidades dos homens. Por isso é que, para serem elevados à categoria de
fato jurídico, basta que os fatos do mundo sejam relevantes à vida humana em sua
interferência intersubjetiva, independentemente de sua natureza.

4.2. Fatos da natureza e do animal

Do fato da natureza ou do animal se exige que esteja relacionado a alguém. Isso,


porque, tudo o que, na natureza, não possa ser atribuído ao homem ou lhe seja
inacessível constitui objeto materialmente impossível e, portanto, não deve entrar nas
cogitações do direito.

4.3. Atos dos homens

Quanto aos atos humanos, de regra, interessam os que se dão ao conhecimento


das pessoas.

4.4. Dados psíquicos

Não apenas os atos, mas simples atitudes e dados anímicos, portanto internos,
podem, também, integrar supor fático. Há situações em que a norma jurídica leva em
consideração dados íntimos, como o conhecimento ou não-conhecimento de alguma
circunstância, a intenção na prática de certo ato (dolo ou culpa) e até os motivos em
praticá-lo. Vale lembrar que esses dados, naturalmente, são significativos somente
enquanto relacionados a um acontecimento, um ato materializado, não em si ou
isoladamente.

4.5. Estimações valorativas

As estimações valorativas podem integrar suporte fático. A malícia, a idoneidade


do tutor, a negligência e a imprudência, bons costumes, etc. são casos em que a
conduta humana recebe uma avaliação e que a qualificação valorativa a ela atribuída
entra na composição do suporte fático.

4.6. Probabilidades
Não apenas acontecimentos em concreto, mas também meras probabilidades
podem ser elementos de suporte fático. Por exemplo, os direitos do nascituro, onde aí
se tem a probabilidade de o feto vir a ser uma pessoa.

4.7. Fatos do mundo jurídico

Há hipóteses em que são os próprios fatos jurídicos que constituem o suporte


fático de outros fatos jurídicos. Por exemplo, quando havia o crime de adultério, para
cometer adultério é necessário o casamento do adúltero. Ou seja, o pressuposto do
crime de adultério é o fato jurídico do casamento de adúltero. Se, em vez de casamento,
há união estável, não se pode falar em adultério.

4.8. O tempo

O tempo em si não pode ser fato jurídico, porque é de outra dimensão. Mas o
seu transcurso integra com muita frequência suportes (áticos: na usucapião, na
prescrição, na mora, por exemplo.

Elementos subjetivo e objetivo do suporte fático

5.1. Elemento subjetivo

Os fatos jurídicos pressupõem uma necessária referibilidade a sujeitos de direito,


pois sua eficácia jurídica se liga, essencialmente, a alguém ou a algum ente, inclusive a
conjunto patrimonial, a que o ordenamento jurídico outorga capacidade de direito. Por
esse motivo, os suportes fáticos são integrados, sempre, por elemento subjetivo
(indicação de certo sujeito de direito), mesmo quando não esteja explícito, caso em que
deve ser pressuposto. Na configuração de cada suporte fático, portanto, é necessário
considerar, como dado completante de seu núcleo, o elemento subjetivo que o compõe,
não se podendo tê-lo concretizado se o sujeito não existir ou, se existir, não for aquele
previsto pela norma. Por exemplo: os crimes em que o sujeito passivo somente pode
ser órgão da administração pública e, em algumas espécies, o sujeito ativo há de ser
servidor público.

5.2. Elemento objetivo

Os bens da vida. em geral, quando não haja norma jurídica que os pré-exclua de
apropriação (bens de uso comum do povo) ou que, por sua natureza, sejam
inapropriáveis a alguém (Sol), podem integrar suportes táticos, constituindo seus
elementos objetivos. Por exemplo: os bens materiais constituem parte objetiva da posse.

Quando há no suporte fático, mesmo implícito, elemento objetivo, este integra o


núcleo do suporte fático como elemento completante.
Elementos nucleares e complementares do suporte fático; elementos
integrativos

No estudo dos suportes fáticos complexos (aqueles que mais de um fato os


compõem), em especial dos negócios jurídicos, é preciso ter em vista que há fatos que,
por serem considerados pela norma jurídica essenciais à sua incidência e consequente
criação do fato jurídico, constituem-se nos elementos nucleares do suporte fático ou,
simplesmente, no seu núcleo.

O núcleo é subdividido em cerne e completantes. O cerne diz respeito ao fato


que determina a configuração final do suporte fático, fixando, no tempo, a sua
concreção. Por exemplo: a morte, quanto à sucessão. Os elementos nucleares do
suporte fático têm sua influência diretamente sobre a existência do fato jurídico, de modo
que a sua falta não permite que se considerem os fatos concretizados corno suporte
fático suficiência à incidência da norma jurídica. Por exemplo, nos negócios jurídicos,
em que a manifestação da vontade consciente é o cerne do suporte fático, a sua
ausência implica não existir o negócio. O mesmo pensamento vale para a falta dos
elementos completantes.

Raras vezes, a forma do negócio jurídico entra na composição do suporte fático


como elemento completante. Por exemplo: se as disposições de última vontade de
alguém não forem feitas através de testamento (forem gravadas em vídeo, por
exemplo), testamento não há. Dessa maneira, a forma do negócio jurídico constitui, no
caso, elemento que a lei considera necessária à sua própria existência.

6.2. Elementos complementares

Na configuração do suporte fático dos atos jurídicos, em especial, dos negócios


jurídicos, há de se considerar, além dos elementos nucleares, outros dados que o
completam e, por essa razão, são ditos elementos complementares. Não compõem o
núcleo do suporte fático e se referem, exclusivamente, à perfeição de seus elementos.

São elementos complementares: (a) ao sujeito: (i) a capacidade de agir; (ii) a


perfeição da manifestação de vontade (ausência de erro, dolo, coação, estado de
perigo, etc.); (b) ao objeto: (i) a licitude; (11) a moralidade, etc. (c) à forma da manifestação
da vontade: o atendimento à forma quando precrita ou não defesa em lei.

Conclui-se que os elementos complementares apenas constituem pressupostos


de validade ou eficácia dos negócios jurídicos, ou seja, não têm qualquer influência no
plano da existência e, portanto, dizem respeito a atos jurídicos I lícitos lato sensu. Quando
se trata de fato jurídico stricto sensu, de ato-fato jurídico ou de fato ilícito lato sensu, não
há de se cogitar de elementos complementares, pois essas espécies de fatos jurídicos
não estão sujeitas a invalidada ou ineficácia.

6.3. Elementos integrativos

Dizem respeito às espécies de negócios jurídicos em que são necessários atos


jurídicos praticados por terceiros, em geral autoridade pública, que o integram, mas,
apenas, no plano da eficácia. Esses atos integrativos não compõem o suporte fático do
negócio jurídico e, portanto, não interferem quanto à sua existência, validade ou eficácia
própria, mas atuam no sentido de que se irradie certo efeito que se adiciona à eficácia
normal do negócio jurídico. Por exemplo:

No sistema brasileiro, a eficácia real dos negócios jurídicos relativos à


constituição, translação ou extinção de direitos reais sobre bens imóveis depende de
seu registro no Registro de Imóveis. Enquanto não efetivado o registro, o negócio
jurídico da compra-e-venda, ou da doação, existe e, se é válido, produz toda a sua
eficácia de natureza obrigacional; não se irradia, porém, a eficácia real da transmissão
do direito de propriedade ao adquirente. A falta do registro implica continuar a
propriedade a pertencer ao alienante, sem, contudo, acarretar qualquer consequência
negativa quanto à existência, validade ou eficácia obrigacional do negócio jurídico de
compra-e-venda ou da doação, tampouco do acordo de transmissão que lhe disser
respeito.

Consequências da ausência dos elementos completantes, complementares e


integrativos

A falta dos elementos completantes, junto ao elemento cerne, tem como


consequência não haver fato jurídico, pois estes são pressupostos necessários à
incidência da norma jurídica. Os elementos complementares e os integrativos,
diferentemente, não se referem à suficiência do suporte fático, mas à eficiência de seus
elementos. Dessa forma, se os elementos de suficiência se concretizam, o ato jurídico
existe, mas será inválido ou ineficaz se falta elemento complementar ou integrativo,
conforme a espécie.

Fato (real), suporte fático e fato jurídico

Entre o fato (real), ou seja, o fato em si mesmo, e o suporte fático há o elemento


valorativo, que os qualifica diferentemente. A morte, por exemplo. só compõe suporte
fático quando conhecida. Mas, se da morte não se tem conhecimento, a pessoa é
considerada apenas ausente, mesmo que esteja realmente morta. Assim, a morte é fato
e a morte conhecida é suporte fático. Um mesmo fato, como o nascimento de um animal,
pode compor suporte fático, se esse animal tem um dono, e não ser suporte fático e o
animal é adéspota, pois o suporte fático se constitui do fato real (do nascimento do
animal) + a sua referência ao homem (pertencente a alguém), pelo menos. Conclui-se,
portanto, que o fato integra o suporte fático e, assim, não podem ser iguais.

Também há diferença entre suporte fático e fato jurídico. Em geral, o suporte


fático é constituído por vários fatos e até por situações que envolvem omissões, silêncio
e não-acontecimento. Desses fatos, alguns, mas não todos, são considerados
relevantes e a eles a norma jurídica dá entrada no mundo jurídico, através da incidência.
Esses fatos, que são transportados para o mundo jurídico por força da incidência,
constituem o fato jurídico. Assim, apenas parte do suporte fático entra no mundo jurídico
e compõe o fato jurídico, permanecendo a outra parte no suporte fático. Por exemplo: a
usucapião (fato jurídico) tem como suporte tático (a) a posse própria, (b) sem oposição
de outrem, (c) por quinze anos, ininterruptamente. Tendo isso, ocorrerá a incidência da
norma, gerando a usucapião (fato jurídico). Contudo, a posse própria que constitui o
elemento relevante do suporte fático que se transforma no fato jurídico. A passagem do
tempo e a ausência de oposição compõe apenas o suporte fático, não entrando no
mundo jurídico, pois não se tratam de seres e sim de não-seres.

Além disso, o fato jurídico há de ser considerado como unidade, embora possa
ser constituído por vários fatos. Diferentemente, o suporte fático mantém a sua estrutura
complexa de conjunto de fatos, sem que se tenha necessidade de considerá-lo como
unidade.

Urna terceira diferença é que o suporte fático se concretiza, sofre a incidência da


norma jurídica, dando ensejo ao surgimento do fato jurídico e se extingue. Ao contrário
disso, o fato jurídico permanece no mundo jurídico, independentemente da permanência
dos elementos de seu suporte fático.

Por fim, com a perda da vigência da norma jurídica o suporte tático deixa de ser
suporte fático a partir daí, mas nem por isso o fato jurídico perde a sua qualidade. A
exemplo disso o contrato, onde a modificação da norma não implica na alteração de
suas cláusulas que estão de acordo com a norma revogada. O fato jurídico somente
deixa de existir se desconstituído por um novo fato jurídico, como, por exemplo, a
rescisão de um contrato.

O preceito

1. Conceito
O preceito constitui a parte da norma jurídica em que são prescritos os efeitos
atribuídos aos fatos jurídicos. Representa, assim, a disposição normativa sobre a a
eficácia jurídica. Toda e qualquer consequência jurídica que se atribua a um fato
constitui eficácia jurídica, objeto, portanto, de um preceito.

2. Classificação

Há dois sentidos a considerar: (a) um abstrato (dito preceito abstrato), definido


na norma jurídica; (b) um outro concreto (dito preceito concreto), que corresponde à
efetivação do preceito abstratamente previsto pela norma jurídica.

CAP 4: A FENOMENOLOGIA DA JURIDICIZAÇÃO


A incidência da norma jurídica

1. Noção de incidência

A incidência é o efeito da norma jurídica de transformar em fato jurídico a parte


do seu suporte fático que o direito considerou relevante para ingressar no mundo
jurídico. O fato, enquanto apenas fato, e a norma jurídica, enquanto não se realizar seu
suporte fático (pressuposto de incidência), não têm qualquer efeito vinculante
relativamente aos homens.

2. Características da norma
2.1. Incondicionalidade

Enquanto nos demais processos de adaptação social a adoção da conduta


ditada pela norma é livre aos seus destinatários, quando se trata de norma jurídica há
obrigatoriedade em catá-la e não se condiciona à concordância ou aceitação da
comunidade ou do indivíduo. Ou seja, ocorrendo a concretização do suporte fático, a
norma incide independentemente do querer das pessoas.

A incondicionalidade da incidência existe em todas as normas, mesmo naquelas


espécies em que o ordenamento jurídico permite à vontade do sujeito o poder afastá-la,
dispondo de modo diverso da norma, sem infringi-la. Disso se conclui que há normas
cuja incidência é inafastável pela vontade das pessoas, enquanto outras a deixam ao
seu arbítrio. Assim, podemos classifica-Ias em (i) cogentes (ii) não-cogentes.

Normas cogentes são aquelas que dispõem imperativamente, impondo ou


proibindo determinada conduta. Não há, nessas normas, permissivos à chamada
autonomia da vontade. Se agir de modo contrário à norma constitui infração.
As normas não-cogentes, por outro lado, podem ser dispositivas ou
interpretativas, As dispositivas se destinam a suprir a falta de manifestação de vontade
negociai naquelas áreas em que é livre a estruturação das relações jurídicas, podendo
as pessoas estabelecer a regulamentação que melhor atenda a seus interesses. As
interpretativas têm por finalidade definir o sentido em que devem ser tomadas as
manifestações de vontade, quando duvidoso o seu conteúdo. Dessa forma, não há
ilicitude no ato que importa seguir regulamentação diferente daquela estabelecida por
norma dispositiva.

A distinção terminativa entre cogência e não-cogência reside, portanto, na


possibilidade de ser afastada, ou não, pela vontade individual a incidência da norma
jurídica.

2.2. lnesgotabilidade

A incidência não se esgota por haver ocorrido unia vez, Ao contrário, toda vez
que o suporte fático se compuser, a norma incidirá, Contudo, pode ocorrer de a norma
jurídica incidir apenas uma vez, como, por exemplo, aquelas que se destinam a regular
caso isolado e único. Dessa forma, conclui-se que a possibilidade de incidir somente
deixa de existir quando a norma jurídica perde a sua vigência. Ou seja, a incidência tem
como pressupostos essenciais: (a) a vigência da norma jurídica; (b) a concreção do
suporte fatie° suficiente,

A vigência da norma jurídica

Nos sistemas de direito escrito é preciso distinguir duas situações em que a


norma jurídica se pode encontrar: (a) a norma existe simplesmente e (b) a norma existe
com vigência.

(a) Existe a norma jurídica que está posta no mundo, independentemente de ser
vigente (vacatio legis), de ser válida ou de ser eficaz. Por isso, é possível que uma
norma jurídica deixe de existir sem ter sido vigente, sem que isso implique qualquer
contradição.

(b) A norma jurídica existe com vigência quando tem a possibilidade de produzir
os seus efeitos específicos, incidindo sobre seu suporte fatie° e, pela criação do fato
jurídico respectivo, ordenar a conduta humana no sentido de seus comandos.

Portanto, o que distingue a norma simplesmente existente da norma jurídica


vigente é a possibilidade de ser eficaz, ou seja, a possibilidade de incidir sobre seus
pressupostos fáticos quando concretizados, subordinando-os ao sentido que {hes
impõe. Dai se conclui que é a (possibilidade da) eficácia o que caracteriza a vigência.
Se a norma jurídica não tem a possibilidade lógica de ser eficaz, não pode ser
considerada vigente. Conclui-se, também, que é possível que urna norma jurídica deixe
de ser vigente sem jamais ter sido eficaz: basta que seu suporte fático não se haja
concretizado alguma vez. Mas note que há a possibilidade de incidência, visto que a
norma estava vigente, mas inutilizada.

A concreção do suporte fático

1. Generalidades

A problemática da concreção do suporte fático envolve não somente aspectos


dogmáticos, mas questões de ordem filosófica e também de natureza sociológica. Aqui
irá se analisar o caráter dogmático.

2. Fato e realidade

Somente fato cuja ocorrência alguém tem conhecimento ou que seja passível de
prova pode ser considerado concretizado para os fins de incidência das normas
jurídicas. Aqueles que não seja de conhecimento de alguém, mesmo ocorrido, não será
integrante do suporte fático concreto. Ou seja, é preciso ter em mente que a incidência
não se dá sobre o fato bruto (real), mas sobre o suporte fático, que, como vimos, difere
daquele, ao menos pela sua qualificação.

A segurança jurídica no tráfico social, no entanto, não pode permitir que a


incerteza quanto à apuração dos fatos e a precariedade de sua conferência com a
verdade possam influir na estabilidade das relações inter-humanas e refletir na justiça,
que deve ser o valor maior na realização do direito. Por isso é que a técnica jurídica, no
sentido de reduzir, ao mínimo possível, a incerteza das situações, lança mão de
soluções que nem sempre representam a realidade fática, mas que satisfazem a
necessidade de segurança jurídica. São as presunções e as ficções que facilitam a
realização do direito.

As ficções se dá sempre um caráter absoluto, ou seja, não se permite a prova


em contrário ao seu sentido. Quanto às presunções, a técnica jurídica, considerando o
grau de probabilidade de certeza na prova da realidade, trata os fatos com maior ou
menos credibilidade.

3. A formação do suporte fático


3,1 Suficiência do suporte fático
O suporte fático pode ser simples ou complexo, formado por um fato apenas ou
por mais de um, respectivamente. Quando se trata de suporte fático simples, ele ou
ocorreu ou não ocorreu. Quando se trata de suporte fático complexo somente pode
considerar concretizado o suporte fático quando todos os fatos previstos na hipótese
legal estejam materializados. Sendo assim, a ausência de qualquer dos pressupostos
implicará insuficiência do suporte fático e consequente impossibilidade lógica da
incidência da norma jurídica respectiva, impedindo o surgimento do fato jurídico.

3.2. Suporte fático deficiente

Pode ocorrer que o suporte fático suficientemente formado seja deficiente (a) por
lhe faltar algum elemento complementar ou (b) porque algum de seus elementos
nucleares seja imperfeito. Portanto, a deficiência do suporte fático atua no plano da
validade ou da eficácia.

Se os fatos são do homem (conduta), os sistemas jurídicos cobrem 'alguns como


vedados, outros como vedáveis pela concordância dos interessados, e deixa outros à
vontade de cada um". Por isso é que (a) nem os fatos jurídicos stricto sensu (em cujo
suporte fático não há ato humano), (b) nem os atos-fatos jurídicos (em que a vontade
em praticar o ato ou não existe ou é irrelevante), (c) nem os fatos ilícitos em geral, estão
sujeitos a invalidadas. Em relação aos atos jurídicos (lato sensu), por entrarem nas
áreas de vedações criadas pelo direito, é que as normas estabelecem pressupostos
para que possam ter vida eficiente no mundo jurídico.

Quanto aos elementos complementares do núcleo do ato jurídico, a sua ausência


implica nulidade ou ineficácia. Se, porém, os elementos complementares se referem
não ao núcleo em si, mas a elementos seus — vícios da vontade, por exemplo a
consequência é a anulabilidade.

No negócio jurídico em que um dos figurantes tenha sido coagido a manifestar


sua vontade, mesmo que a vontade exteriorizada seja suficiente a compor o suporte
fático, a coação é circunstância que a torna deficiente e, portanto, anulável o negócio.

Portanto, a deficiência dos elementos do suporte fático não impede a incidência,


da qual surge o fato jurídico, mas repercute sobre a sua sorte nos planos da validade e
da eficácia.

As consequências da incidência
Toda incidência é, necessariamente, juridicizante. Há fatos jurídicos cuja eficácia
típica é diferente: não se destina a originar relações jurídicas, mas a produzir
consequências outras, como: (a) excluir, previamente, a juridicização do ato jurídico
(pré excluir de juridicidade); (b) tornar nulo ou anulável o negócio jurídico (invalidar);
-

(c) eliminar eficácia já produzida por fato jurídico ou encobrir-lhe a força (deseficacizar);
ou, finalmente, (d) possibilitar que negócio jurídico seja excluído do mundo jurídico onde
está (desjuridicizar).

1. Juridicização

O efeito fundamental da incidência consiste em criar fatos jurídicos. Essa é a


mais comum das consequências da incidência.

2. Pré-exclusão de juridicidade

Normas juridicas cuja incidência cria fato jurídico que tem a finalidade de impedir
(a) que suporte tático que seria, normalmente, juridicizado em certo sentido, assim o
seja, ou (b) que certo fato venha a se tornar jurídico.

(a) Exemplo: As normas que dizem que matar alguém em legítima defesa exclui
a conduta criminosa. Ou seja, a incidência da norma de legítima defesa se dá para criar
fato jurídico cujo efeito consiste em excluir, previamente, o caráter de ilicitude que a
conduta danosa teria.

(b) Norma que veda a entrada no mundo jurídico de atos, inclusive negociais,
que as infrinjam. Por exemplo: negócios proibidos, corno empreitada para matar alguém,
se praticados, não entram no mundo jurídico nem mesmo como negócios jurídicos
nulos; simplesmente não existem como negócio jurídico.

3. Invalidação

As normas jurídicas cogentes podem ter, quando infringidas, a consequência de


tornar não-válidos os atos jurídicos, declarando-os nulos ou anuláveis. As primeiras
poderíamos denominar normas jurídicas nulificantes e as outras, anulantes. Nesse
sentido, o ato jurídico existe, porém nulo ou anulável.

4. Deseficacização

Há, ainda, normas jurídicas cuja incidência cria fato jurídico que tem o efeito de
desfazer a eficácia que outro fato jurídico já produziu no mundo jurídico, sem, contudo,
alcança-lo em sua existência ou validade. Portanto, atuam apenas no campo da eficácia
Por exemplo: as normas sobre prescrição.

5. Desjuridicização
Há normas jurídica de cuja incidência resulta tornar negócio jurídico passível de
ser desjuridicizado, sendo excluído do mundo jurídico, trazido de volta ao mundo fático.
Por exemplo: normas sobre revogação.

CAP 5: OS PLANOS DO MUNDO JURÍDICO

Generalidades

Tem autores que tratam a existência, a validade e a eficácia dos fatos jurídicos
como sinônimos. Contudo, sabemos que (a) existência, validade e eficácia são três
situações distintas por que podem passar os fatos jurídicos e, portanto, não é possível
trata-las como se fossem iguais; (b) o elemento existência é a base de que dependem
os outros elementos. Assim. Pontes de Miranda divide o mundo jurídico em três planos,
o da existência, o da eficácia e o da validade.

Plano da existência

Ao sofrer a incidência de norma jurídica juridicizante, a parte relevante do suporte


fático é transportada para o mundo jurídico, ingressando no plano da existência, Neste
plano, que é o PLANO DO SER, entram todos os fatos jurídico, lícitos ou ilícitos. No
plano da existência não se cogita de invalidade ou eficácia do fato jurídico, importa,
apenas, a realidade da existência. Tudo, aqui, fica circunscrito a saber se o suporte
fático suficiente se compõe, dando ensejo à incidência. Naturalmente, se há falta, no
suporte fático, de elemento nuclear, mesmo completante do núcleo, o fato não tem
entrada no plano da existência, donde não haver fato jurídico.

Plano da validade

Se o fato jurídico existe e é daqueles em que a vontade humana constitui


elemento nuclear do suporte fático (ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico) há de
se passar pelo plano da validade, onde o direito fará a triagem entre o que é perfeito
(que não tem qualquer vício invalidante) e o que está poluído de defeito invalidante.

Os fatos jurídicos lícitos em que (a) a vontade não aparece como dado do
suporte fático (fatos jurídicos stricto sensu e ato-fato jurídico), bem como (b) os fatos
ilícitos lato sensu )inclusive o ato ilícito), não estão sujeitos a transitar pelo plano da
validade, uma vez que não podem ser nulos ou anuláveis. Isso, porque, (a) um fato ilícito
nulo ou anulável iria beneficiar o infrator e (b) um nascimento, por exemplo, a vontade
não aparece como dado do suporte fático e, assim, não dá para anular um nascimento.

Dessa forma, a nulidade ou a anulabilidade — que são graus da invalidade —


prendem-se à DEFICiÊNCIA (e não suficiência) de elementos complementares do
suporte fático relacionados ao sujeito, ao objeto ou à forma do ato jurídico. A invalidade,
no entanto, pressupõe corno essencial a suficiência do suporte tático, portanto a
existência do fato jurídico. Ou seja, para um ato ser válido ou inválido, é necessário
existir.

Plano da eficácia

O plano da eficácia. como o da validade, pressupõe a passagem do fato jurídico


pelo plano da existência. não, todavia, essencialmente, pelo plano da validade. Por
isso, o que se passa para que o fato jurídico tenha acesso ao plano da eficácia é:

(i) Quanto aos fatos jurídicos stricto sensu, atos-fatos jurídicos, e fatos ilícitos
lato sensu, salvo lex specialis, basta que existam. Ou seja, essas espécies de fato
jurídico do plano da existência ingressam, diretamente, no plano da eficácia e irradiam,
instantaneamente, a sua eficácia. Não estão, nem podem estar, sujeitos a termos,
condições ou quaisquer outras determinações que atuem na sua eficácia. .

(ii) Quanto aos atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos, há de distinguir:

(a) Os atos jurídicos válidos têm entrada imediata no plano da eficácia, mesmo
enquanto pendentes termos ou condições suspensivos. Porém, há hipóteses em que o
ato jurídico, mesmo válido, é ineficaz.

(b) Os atos anuláveis entram, de logo, no plano da eficácia e irradiam seus


efeitos, mas provisoriamente, pos poderão ser desconstituídos caso sobrevenha a
decretação da sua anulabilidade. Os efeitos dos atos anuláveis, no entanto, podem
tornar-se definitivos pela sanação da anulabilidade, inclusive pela decadência da
pretensão anulatória.

(c) Os atos nulos, de regra, não produzem sua plena eficácia. Contudo, há casos,
embora poucos, em que o ato jurídico nulo produz. plena e definitivamente, efeitos
jurídicos que lhe são atribuídos. Por exemplo: casamento putativo.

CAP 6: CONCEITO DE FATO JURÍDICO


A concepção de Pontes de Miranda

O fato jurídico é o que fica do suporte fático suficiente, quando a regra jurídica
incide e porque incide. No suporte fático se contém, por vezes, fato jurídico, ou ainda,
se contêm fatos jurídicos. Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual
incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez
condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica. Não importa se é singular, ou
complexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade.

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