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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARÁ

5ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE BELÉM


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SENTENÇA

Processo nº: 0844394-33.2021.8.14.0301

Reclamante: ALESSANDRO SILVA DOS SANTOS

Reclamado: BANPARÁ

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO


FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL E
TUTELA DE URGÊNCIA, na qual o Reclamante alega e requer, em
síntese, o seguinte:

“I - DOS FATOS

A Demandante é Cabo da Polícia Militar do Estado do


Pará, na ativa, no dia 28/05/2021 foi surpreendido
com dois descontos indevidos em sua conta, nos
valores de R$ 95,84 (noventa e cinco reais e oitenta e
quatro centavos) e R$ 921,23 (novecentos e vinte e um
reais e vinte e três centavos), como se depreende do
seu extrato bancário do mês de abril (anexo), os
descontos são realizados sob título de “liquidação
antecipada”.
Encaminhou-se então a uma agência do Banco
Requerido para questionar a situação, momento em
que foi informado que se tratava de um mal-entendido
da parte administrativa e o valor seria devolvido. Pois
bem, no dia 08/06/2021, o valor foi restituído, sob o
título de “lançamento para acerto”, situação que
acarretou diversos transtornos, já que comprometeu
parte considerável de sua remuneração, acarretando-
lhe diversas privações e constrangimentos.

No mesmo mês, no dia 29/06/2021, quando caiu o


salário do Autor, foram efetuados novos descontos, nos
valores de R$ 82,84 (oitenta e dois reais e oitenta e
quatro centavos) e R$ 1.530,15 (mil, quinhentos e
trinta reais e quinze centavos). Novamente
encaminhou-se ao Banco Requerido, onde pediu para
falar diretamente com o gerente, o que não foi lhe
permitido, tendo que enfrentar uma enorme fila para
atendimento, conforme se depreende das fotos e senha
anexas, inclusive enfrentando o risco de contaminar-se
com covid-19, devido a aglomeração que foi
submetido.

Quando enfim foi atendido, o gerente novamente falou


que se tratou de um erro e que o valor que seria
restituído, mas que poderia lhe precisar a data, teria
que aguardar.

Precisando urgente do valor descontado, que tinha


sido ainda superior ao do mês anterior, o Autor muito
envergonhado teve que recorrer a um empréstimo com
um amigo, que felizmente pode lhe emprestar o valor,
conforme conversa anexa.

Foi então que no corrente mês de julho de 2021,


recebeu o seu salário do mês, e foi novamente
surpreendido pelo bloqueio para fins de pagamento de
empréstimo no valor de R$ 1.489,85 (mil, quatrocentos
e oitenta e nove reais e oitenta e cinco centavos).
Ocorre que o Autor não possui nenhum empréstimo
nesse montante, tendo sido novamente descontado o
referido valor indevidamente de seus proventos.
Novamente foi ao Banco Réu e lhe foi informado que o
era desconto indevido e valor será restituído sem
qualquer previsão de data para tanto, devendo o
Demandante esperar.

Nobre julgador, a situação já ultrapassou em muito de


um mero dessabor, acarretando transtornos
irremediáveis ao Autor, que trabalhar arduamente no
interior do Estado e todo mês, quando recebe seus
proventos é surpreendido com descontos indevidos e
quando questiona a situação junto ao Requerido, ele
reconhece que houve o erro, mas demora vários dias
para restituir o valor e ainda por cima repete a mesma
conduta no mês seguinte, agindo pelo terceiro mês
seguido desta forma. Eis os fatos.

III - DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer-se:

a) Que seja deferida a concessão da Justiça Gratuita


ao Demandante, tendo em vista que não possui
condições de custear as despesas do presente
processo;

b) Que seja designada audiência de conciliação,


prevista no artigo 319, VII, do CPC, de modo a
realizar tentativa de composição e resolução amigável
da situação.

c) Que seja determinado, nos termos do art. 300 e


seguintes do CPC, em caráter liminar, a concessão de
tutela de urgência, para que o Requerido se abstenha
de efetuar descontos mensais indevidos dos proventos
do Autor, sob pena do pagamento de multa diária no
valor de R$ 500,00 (cinquentos reais) por dia de
descumprimento, mas se V. Excelência entender que
este montante não é o que melhor se coaduna ao caso
em tela, se digne a determinar outro valor;

d) Que o Réu seja condenado a reparar o prejuízo


material suportado pelo Réu, no valor de R$ 1.489,85
(mil, quatrocentos e oitenta e nove reais e oitenta e
cinco centavos) devidamente corrigido, valor este foi
bloqueado dos vencimentos do Demandante, conforme
extrato bancário anexo, no final do mês de julho de
2021.

e) Que seja arbitrada indenização no patamar de R$


10.000,00 (dez mil reais), a título de reparação por
danos morais, já que um valor reparatório menor, não
cumprirá a função reparatória-punitiva, devendo levar
em consideração a estrutura do Banco Requerido.

Entretanto, caso V. Excelência entenda que este


montante não é o melhor se coaduna com o presente
caso, se digne a determinar um quantum indenizatório,
em observância aos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade.

f) A citação do Demandado para, querendo, contestar


a presente ação, nos termos do artigo 564 do Novo
CPC, sob pena de confissão e efeitos da revelia (art.
344 do Novo CPC);

g) Que sejam arbitrados honorários advocatícios, no


patamar de 20% (vinte por cento) sobre o valor da
causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC;

h) Protesta o Demandante por provar o alegado


através de todos os meios de prova em direito
admitidos.
Dá-se a causa o valor de R$ 11.489,85 (onze mil,
quatrocentos e oitenta e nove reais e oitenta e cinco
centavos)....”

A tutela de urgência foi deferida no (id. 37550915),


nos seguintes termos:

“...Posto isto, defiro, em parte, o pedido e determino


que o Banco Reclamado suspenda quaisquer descontos
referente ao empréstimo questionado nesta demanda,
sob pena de multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos
reais) para cada nova cobrança, limitada ao valor
correspondente a 40 (quarenta) salários mínimos
vigentes por ocasião da execução....”.

Em sua contestação o Reclamado referiu que os


descontos na conta bancária do Reclamante decorreram de uma falha nos
sistema interno de processamento de pagamento de débitos do Banco.
Todavia, defendeu que tal fato ocorrera em virtude de que o Reclamante ser
devedor de parcelas de empréstimos em atraso as quais realizou negociação
com uma empresa terceirizada de cobrança. Além disso, alegou que o valor
descontado R$ 1.489,85 (mil quatrocentos e oitenta e nove reais e noventa
e cinco centavos) foi estornado para a conta bancária do Reclamante, em
06/08/2021. Assim, defendeu a inexistência de dano moral e material,
pugnando pela total improcedência dos pedidos autorais.

Na audiência (59184188) as partes mantiveram suas


posições antagônicas. Não houve conciliação. Foi tomado o depoimento do
Reclamante e, após, os autos foram conclusos para sentença.

É o relatório. Decido.
Primeiramente, cumpre registrar que se cuida de
relação de consumo, em que figura o Reclamante como consumidor. Além
disso, os bancos são fornecedores de serviços e a eles é aplicado o Código
de Defesa do Consumidor (art. 3º, § 2º, do CDC; Súmula 297-STJ; STF
ADI 2591).

Cinge-se a controvérsia em analisar se os descontos


realizados na conta bancária do Reclamante foram regulares e quais as
consequências jurídicas decorrentes dos descontos, caso indevidos.

Na hipótese, incontroverso que houve três descontos na


conta bancária do Reclamante, e que tais descontos decorreram de falha do
Reclamado, conforme confissão constante na própria contestação, a qual
informa que “os descontos decorreram de uma falha nos sistema interno
de processamento de pagamento de débitos do Banco”.

Diante disso, restaria ao Reclamado provar que os


descontos seriam regulares, ou que não houve ato ilícito ou que tendo
ocorrido, o defeito inexiste ou decorreu de culpa exclusiva do consumidor
(art. 14, §3º, I e II do CDC), o que a meu ver, não ficou demonstrado.

Além disso, a justificativa de que os descontos


ocorreram em virtude de o Reclamante ser devedor de parcelas de
empréstimos em atraso e que este teria realizado negociação com uma
empresa terceirizada de cobrança não se sustenta, na medida em que se
tratando de descontos de valores indevidos, não há que se imputar a culpa
ao Reclamante em razão de débito que possui junto à instituição, o qual não
autorizava o desconto nos valores que estavam sendo deduzidos. Assim, os
descontos realizados se mostram irregulares.

Nesse passo, sendo irregulares os descontos realizados


na conta bancária do Reclamante, exsurge o dever de indenizar pelo
Reclamado, eis que se trata de conduta ilícita e apta a causar danos que
extrapolam o mero aborrecimento, considerando que os abatimentos de
valores sobre o salário mensal do Reclamante certamente causaram
transtornos para o cumprimento das obrigações contraídas por ele,
notadamente quando este aduziu que realizou empréstimo com pessoa
próxima para saldar suas dívidas.

Caracterizada a ofensa e o prejuízo decorrente de


conduta ilícita, surge configurada a necessidade e a responsabilidade de que
trata o art. 5o, inciso X, da Constituição Federal; o art. 186 c/c art. 927, do
Código Civil e o art. 6o, inciso VI, c/c art. 14, do Código de Defesa do
Consumidor.

O valor da indenização por danos morais deve inibir o


Reclamado de incorrer, futuramente, em conduta semelhante, todavia,
respeitando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, não
podendo se mostrar exorbitante, sob pena de enriquecimento ilícito do
ofendido e, da mesma forma, não deve se configurar em valor ínfimo,
incapaz de punir a incúria do ofensor.

Nesse diapasão, atenta aos critérios sedimentados pela


doutrina e jurisprudência, que indicam que devem ser levadas em
consideração as circunstâncias em que se deu o evento, a situação
patrimonial das partes e a gravidade da repercussão da ofensa e os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitro a indenização por
danos morais em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), cujo valor considero
adequado à reparação dos referidos danos.

No que tange aos danos materiais, considerando que o


Reclamado comprovou a devolução do valor de R$ 1.489,85 (mil
quatrocentos e oitenta e nove reais e noventa e cinco centavos) ao
Reclamante, conforme extrato bancário no (id. 58811981 – pág. 2), o
pedido de restituição deste valor não merece prosperar.
Posto isto, ratifico a tutela de urgência e julgo
parcialmente procedentes os pedidos para condenar o Reclamado ao
pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a ser atualizado
monetariamente pelo INPC, a partir desta decisão, e acrescidos de juros de
mora simples de 1% (um por cento), ao mês a partir da citação, a título de
indenização por danos morais, nos termos da fundamentação.

Extingo o processo com resolução de mérito, nos


termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Defiro ao Reclamante os benefícios da gratuidade da


justiça, conforme requerido.

Isento as partes do pagamento de custas, despesas


processuais e honorários de sucumbência, em virtude da gratuidade do
primeiro grau de jurisdição dos Juizados Especiais (arts. 54 e 55, da Lei n.º
9099/95).

Certificado o trânsito em julgado, e sendo mantida a


decisão, aguarde-se requerimento da parte Reclamante e, após intime-se o
Reclamado para cumprimento da sentença, no prazo de 15 (quinze), findo o
qual, o valor da condenação deverá ser atualizado com a incidência de pena
de multa de 10% (dez por cento), nos termos do art. 523, § 1º, do Código
de Processo Civil, caso não haja pagamento.

Havendo cumprimento espontâneo, expeça-se alvará


ou transfira-se o valor à conta bancária que for indicada pela parte
Reclamante ou seu/sua advogado(a) (caso haja pedido e este tenha poderes
expressos para receber e dar quitação) do valor recebido, após arquivem-se
os autos, dando-se baixa nos registros.
Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem requerimento
pela Reclamante, arquive-se imediatamente os autos com as baixas
necessárias.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Belém, PA, 17 de maio de 2023.

TANIA BATISTELLO

Juíza de Direito Titular da 5ª Vara do JEC de Belém.

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