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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

FACULDADE DE DIREITO DE ALAGOAS

FICHAMENTO POR CITAÇÃO

Disciplina: Filosofia do Direito 2


Docente: Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar
Discente: Vyda Araujo Corado
Período: 2º período (diurno)
Referência do FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. O direito entre o futuro e o passado.
fichamento: São Paulo: Noeses, 2014. p.131-160

O capítulo VII do livro citado na referência, aborda a temática de moralidade e senso


comum, e se divide em seis outros tópicos, que em sequência, trazem sentido e explicações para
os anteriores, tendo como o inicial, especificamente, a relação entre Direito, Estado e poder.
Sobre a estrita ligação entre Direito e Estado:
“Trata-se, de uma longa tradição, do modelo westphaliano na palavra dos internacionalistas,
que permitiu a organização do direito a partir da distinção nacional/internacional, do direito
como produto do exercício da soberania de um Estado em seu território, donde a relação
entre Estados enquanto entes soberanos”. (p.131)

“O Estado subordina, via de regra, as suas atividades aos preceitos do direito que ele declara:
não no sentido de que se circunscreve à missão de tutelar os direitos individuais, mas no
sentido de que não delimita a priori a sua esfera de interferência, de que fixa a priori a
juridicidade de toda e qualquer interferência neste ou naquele outro setor da produção
humana, com o intuito de realizar o bem-estar geral.
Na palavra dos juristas, o estado é, contudo, caracterizado pelo alto grau de formalização de
sua Constituição. Seus elementos estruturais [...] reconhecidos como válidos, eles devem
produzir um efeito específico, adaptável aos condicionamentos sociais. Mas, internamente,
eles obedecem a uma estrutura peculiar, implícita na noção de soberania: a estrutura
hierárquica. ” (p.132)

“O poder é, na sociedade, um sol, é, na sociedade, uma qualidade imanente aos indivíduos


(força, capacidade) que é limitada à medida que se exige o seu agrupamento (consenso).
Na verdade, a relação entre direito, poder e força, na teoria da soberania, aponta para um
paradoxo: a força está dentro e está fora. Fora, como um elemento irredutível a qualquer
racionalização. Dentro, numa forma domesticada (pelo direito). ” (p.132 e 133)

“As dificuldades de uma racionalização conceitual por virtude do paradoxo que ela enfrenta
são passíveis de uma explicação, perceptível na construção da noção de soberania com base
em um elemento de ordem antropológica que lhe é inerente: a hierarquia” (p.133)
“No direito moderno, o estado de necessidade, ou noções como estado de sítio, são
proclamações em que se reconhece na irrupção da força, seja na forma de necessidade, seja
na forma e tumulto, seja em que forma for, alguma coisa que suspende o direito. Nessas
nações acaba-se escondendo perante o direito aquilo que o direito quer fazer parar e que se
chama poder. Como se o poder conhecido pelo direito fosse o tempo todo um poder
domesticado, sempre regulado. ” (p.133 e 134)

“Ainda que se argumente, por exemplo, que o estado de sítio está regulado pela própria
Constituição e, portanto, é uma exceção jurídica e não exceção de fato, a análise mostra que
tal exceção, no entanto, mesmo com a sua roupagem jurídica, ou seja, regulada pela
Constituição, na verdade, esconde um fenômeno (o poder) que o direito (normas, permissões,
proibições) não consegue capturar inteiramente. Trata-se de algo, de certos fatos que não se
jurisfazem totalmente. ” (p.134)

O segundo tópico tem como título “A sociedade como sociedade econômica e a


racionalização como seu espelho ético”.
“[...] as linhas distintivas entre política e economia tornam-se confusas. Não se trata mais,
por exemplo, do exercício político pelo detentor do poder econômico, na medida em que esse
passa de uma esfera de atuação (atividade econômica) para outra (atividade política), mas de
atividades com lógicas estruturalmente indiferenciadas, donde a estreita aproximação, no
mundo capitalista, entre tecnocracia pública e privada.
Isso não faz, porém, com que o poder político-jurídico, o Estado soberano, deixe de
desempenhar um papel decisivo”. (p.135)

“[...] o poder político-jurídico (soberania) torna-se um problema de exercício interno dos atos
de gestão governamental: política como economia, soberania como política econômica, tudo
conforme uma lógica tecnocrática, a lógica da “governamentalidade“. Em cujo cerne acaba
por se estabelecer um triângulo estrutural: império, disciplina e gestão econômica. ” (p.135)

“[...] “matriz da racionalização”, cujo cerne está na substituição do conceito de ação (e sua
inserção na esfera jurídica da liberdade) pelo conceito de comunicação. ” (p.136)

“Nesse quadro, na relação entre direito e poder adquire um papel decisivo o tema da
interpretação jurídica. ” (p.136)

O terceiro tópico tem como título “A hermenêutica como mediadora do ethos legitimador:
da subsunção à ponderação”.
“Para o positivismo analítico, [...] a compreensão das chamadas fontes do direito deva ser
normativa, não obstante a perplexidade produzida pelo seu fundamento: a norma
fundamental kelseniana e pressuposto de que o ordenamento como um todo seja considerado,
globalmente, como eficaz; e a regra de reconhecimento de Hart, cuja existência é tida como
uma questão de fato.
Situado nesse plano fático, torna-se inevitável a discussão da fundamentação normativa em
termos de sua legitimação: reconhecimento, por Kelsen, de uma vontade instituidora como
legítima; reconhecimento, por Hart, de que determinados atos de determinadas instituições
constituem atos criadores (do ponto de vista externo, como mera constatação; do pondo de
vista interno, aceitação da validade). ” (p.137 e 138)

O autor, ainda nesse contexto, faz um questionamento relevante para a continuidade do assunto:
“O mérito moral nada tem que ver com a juridicidade das normas, donde a expansão
normativa via interpretação ser ato valor ativo subjetivo, cuja normatividade decorre de
vontade?
Como reage a isso a interpretação dogmática do direito? ” (p.138)

E o próprio autor responde da seguinte forma:


“A questão, para a dogmática, deixa de ser, propriamente, a possibilidade de uma
interpretação correta ou objetivamente verdadeira, mas sim qual aquela que está mais bem
ou suficientemente justificada diante das evidências dadas pelos textos normativos cujos
sentidos estão inter-relacionados. ” (p.138)

“A exigência de sistematização e coerência das codificações e decodificações (comunicação


normativa), mediante soluções identificadas pelo intérprete, impõe uma racionalização do
material normativo. ” (p.138)
“[...] a interpretação é levada a cabo a partir da ficção de unidade codificadora da vontade do
legislador, que é, então, idealmente com conceptualizado na figura do chamado “legislador
racional”. ” (p.138)
“Mas a hipótese do legislador racional não é isenta de uma tomada de posição ideológica,
que se baseia no modo como se atribui relevância aos valores principais do sistema normativo
(ideologia como valoração e hierarquização de valores). Essa ideologia, implícita na
atividade hermenêutica, pode ser estática ou dinâmica. Ela é estática, quando a hipótese do
legislador racional favorece valores como a certeza, a segurança, a previsibilidade e a
estabilidade do conjunto normativo, de onde a primazia da subsunção. Ela é dinâmica,
quando favorece a adaptação das normas, a operacionalidade das prescrições normativas, de
onde, hoje, a força argumentativa da ponderação de princípios. ” (p.138 e 139)

“[...] o direito à verdade surge apenas quando a liberdade de expressão é assegurada aquela
primazia, até para desencadear a discussão tal como mencionada, isto é, deve-se reconhecer
o primado da liberdade de expressão (plúrima e divergente), sob pena de o tema nem poder
ter surgido. ” (p.140)

“Em Origens do totalitarismo, Hannah Arendt diz que todos os participantes de um


movimento totalitário — simpatizantes, membros do partido, formações de elite, círculo
íntimo que rodeia o líder e o próprio líder — apresentam uma mistura variada de credulidade
cinismo diante das mentiras e da ficção central do movimento.
Para entender esse ponto, o tema da mentira é relevante. Na mentira, ao menos do ponto de
vista do mentiroso, mas às vezes até mesmo dos destinatários, pode existir consciência sobre
a ocorrência dos eventos. Como sublinha Hannah Arendt, a mentira pode ocorrer em relação
a fatos que são amplamente conhecidos. Para ela, por isso, a mentira é uma prova forte da
liberdade. ” (p.142)
“A díade verdadeiro/falso trabalha “só“ com o aspecto referencial, isto é, neutralizando o
elemento “consciência”, ou seja, pressupõe “seriedade“ (é o que faz a ciência, por exemplo).”
(p.144)

O quarto tópico tem como título: “Moralidade e seu fundamento na interação subjetiva”.
“Não se trata nem propriamente de uma rede descritiva de rotinas e obrigações orientados
conforme princípios reconhecidos (valores socialmente hegemônicos), nem de uma ordem
dominante de práticas habituais socialmente institucionalizadas, mas de uma incorporação
normativa de valores em práticas intercomunicativas. ” (p.145)

“Por exemplo, o código de moralidade no que se refere ao comportamento sexual, para as


gerações, hoje, mais velhas, cifrava-se na esfera individual, esfera da vida privada em que
cada um pode tomar sozinho decisões para si mesmo. Daí a moralidade como da decência e
o imoral com indecente, expressões que têm por base uma codificação padronizada (de pater)
da opacidade, mas reduzida ao plano privado, que permite, no plano público, transigências
próprias do adulto experiente. ” (p.145)

“[...] é visível no sentido que toma a moralidade na atualidade, em que o tema das relações
privadas perde espaço em face do tema das relações públicas, mediante o que, para as
gerações mais jovens, os problemas de desigualdade social e de opressão política se tornam
cada vez mais o centro do compromisso moral, contra uma resistência sutil das gerações mais
velhas, que insistem em falar no comportamento permissivo dos mais jovens, cada vez mais
inclinados às experiências do conviver juntos e à inaceitabilidade das desigualdades.” (p.146)

A partir daí, surge no texto o termo “códigos de moralidade” e uma breve explicação sobre o
caminho de Karl-Otto Apel na filosofia.
“[...] Destaque para sua convicção, elevada a um a priori transcendental, de que, sendo o
homem um ser social, mesmo empiricamente, a possibilidade a validade da formação de seus
juízos e atos de vontade não pode deixar de exigir a pressuposição lógico-transcendental de
uma comunidade de comunicação enquanto realização constitutiva da consciência
individual. ” (p. 147)

“Quem argumenta sempre pressupõe que pode chegar, no discurso, a resultados verdadeiros,
ou seja, que a verdade existe. Mas quem argumenta também pressupõe que seu parceiro
comunicativo também é capaz de alcançar, em princípio, o conhecimento de verdade. E a
situação é incontornável. Trata-se do a priori da argumentação: quem quer que se dispõe a
filosofar não pode abrir mão dessa pretensão à verdade e fazê-lo significaria abrir mão de sua
própria competência para argumentar. ” (p.148)

“Em toda discussão fala-se algo, isto é, toma-se uma posição, para si e para o outro, com toda
pretensão de verdade e quem não age assim é incapaz de falar racionalmente nem com o
outro nem consigo mesmo. Assim, por um caminho não dedutivo, Apel mostra que valem
como sustentadas por fundamentação última aquelas proposições que não podem ser postas
em questão, criticamente, sem estar em contradição consigo mesmas nem podem ser postas
sem a pressuposição de que possam ser dedutivamente fundamentadas. ” (p.149)
“Ganha relevo, nesse ponto, a noção de falibilidade. Apel não ignora, ao contrário, admite
que o discurso científico parte de axiomas. ” (p.149)

“O discurso filosófico, no qual se dá a possibilidade de discutir o fundamento da


fundamentação, é um discurso crítico. Mas não critico pela crítica, visto que a razão crítica
sem padrão crítico (fundamentação última) perde sua pretensão de validade. O enunciado
nenhum enunciado é certo, inclusive ele próprio, torna a razão imune a qualquer crítica. Essa
imunização ocorre pela aplicação do princípio do falibilismo a si mesmo: todo enunciado é
falível, inclusive o próprio enunciado sobre a falibilidade de todo enunciado. Mas se tudo é
falível, então nada infalível. Com isso argumentação se torna uma questão privada, o que dá
azo, no plano ético, ao niilismo. ” (p.149)
“Ora, no discurso em que prevalece o falibilismo, Todos os imperativos éticos são
hipotéticos. A condição de possibilidade de um imperativo categórico está na superação do
falibilismo. ” (p.149)

“[...] a norma expressa por Apel: esforça-se sempre para contribuir para a realização a longo
prazo daquelas relações que se aproximam da realização de uma comunidade ideal de
comunicação e cuidar sempre para que as condições existentes da possível realização de uma
comunidade ideal de comunicação sejam conservadas. ” (p.150)

O quinto tópico tem como título: “Moralidade diante da comunicação como um paradoxo”
e faz o seguinte questionamento logo nos primeiros parágrafos:
“[...] como é possível a função referencial referente a si mesma (eu sou eu, ele é ele)? Como
é possível distinguir entre um emissor e um destinatário, se pressupomos que já estão sempre
em comunicação? ” (p.151)
“A tomada da comunicação como um axioma esconde esse paradoxo, cuja descoberta resulta
em um outro enfoque transcendental capaz de suspender a “naturalidade“ do fato interrogar
a comunicação como transgressão da incomunicabilidade didática (entre sujeitos). ” (p.151)

“[...] a possibilidade de comunicação não se funda na identidade, mas na diferença: idênticos


não se comunicam, se confundem. Só diferente se comunicam[...]” (p.152)
“[...] como é possível falar de um código comum se não a partir de uma visão monádica,
exterior à própria comunicação, portanto de um ego incomunicável? [...] como são afinal
construídos os códigos? As duas indagações são irrespondíveis, se não questionamos a
própria comunicação e a tomamos como axioma conjectural: questionar como se constituem
códigos seria já comunicar-se.” (p.152)

“[...] é possível pensar que a língua seja um código enquanto um sistema de signos e a fala
um sistema de frases em que aparece aquilo que um emissor quer dizer. De um ponto de vista
empírico, a língua é um sistema que se explicar assim mesmo: só tem o dentro, não tem o
fora. ” (p.152)
“[...] A função do signo é significar e o significado do signo é imanente ao sistema. Só a fala
tem por função comunicar, pois só na fala há sentido e referência. Como já dizia Aristóteles
(De interpretatione), O signo, isoladamente, nem é verdadeiro nem falso: pão, bread. Só na
proposição (fala) o sentido aparece pode ser verdadeiro ou falso: isto é, e, assim, traduzível:
this is bread. Enfim: a língua é o código, mas só a fala (discurso) comunica. ” (p.153)

“[...] A opacidade subjetiva faz da comunicação uma invenção paradoxal: a opacidade é


revelada como tal, isto é, como opacidade mediante a constituição de códigos. O cheiro bom
da carne assada (que eu sinto) toma sentido de cheiro bom (para o outro) não porque
desejamos ser opacos, mas porque nossa opacidade é codificada: diferentes, iguais. ”
(p.154)
“Ora, nesses termos, o que chamamos de direito e moral é um desses códigos. Trata-se de
códigos que regulam o agir (pragma) como conduta (ethos). Daí o significado que o código
ganhar para as relações chamadas éticas, em que estamos, na nossa opacidade, uns perante
os outros. (p.154)

“A noção de sentido moral tem relação, afinal, com a ideia de senso comum. ” (p.155)
“Senso comum, portanto, não é, pois, o resultado de uma capacidade comunicativa que põe
em cada qual um perante o outro numa mesma situação, mas uma espécie de codificação
ética da opacidade subjetiva enquanto opacidade, isto é, um exercício de atribuição de
significância ao outro em sua condição de outro. É, pois, o resultado da qualificação da
presença de um outro como um terceiro, que não se identifica perante mim, mas do qual
presumo expectativas sobre aquilo que se passa entre mim e os outros. ” (p.156)

“Por isso, também nesses termos, a exigência moral de justiça é uma espécie de condição
para que o direito tenha um sentido. Diante do paradoxo da comunicação, a opacidade de
cada um é vencida por receber uma significação reflexa: a opacidade subjetiva se torna
significativa a medida que é codificada como significativa.
E nesses termos pode ser compreendido o sentido moral como senso do justo[...]” (p.156)

O sexto e último tópico, tem como título: “O código da justiça e a fala justa”.
“[...] ainda que o código seja comum (todos falamos português), a comunidade do código é
insuficiente para “vencer“ a opacidade subjetiva (comunicar-se com alguém). O que desloca,
afinal, o tema do senso comum moral da codificação para o discurso.” (p.157)

Após isso, o autor utiliza o exemplo de duas heroínas de peças teatrais: Antígona e Pórcia. A
primeira, possui um forte sentimento, com uma espécie de “ethos da verdade”, e é através dele
que ela derrota o tirano. Pórcia, inicia com o ponto do seu adversário, e somente no final sua
verdade é revelada, depois que o ponto adversário é degradado.
“A justiça enquanto código doador de sentido ao direito é, no paradigma discursivo de
Antígona, um princípio constitutivo: sem justiça o direito não se constitui, é inteiramente
destituído de sentido. No paradigma discursivo de Pórcia, é um princípio regulativo, não
constitutivo. Ou seja, embora o direito e moral seja destituído de sentido, isto não quer dizer
que ele não exista concretamente. ” (p.158)
O autor conclui o capítulo com o seguinte pensamento:
“[...] a compulsoriedade da condenação em nome da vinculabilidade da obrigação jurídica
não desaparecia com a injustiça do ato. Mas na fala do senso justo comum, um direito imoral
pode até existir (constituir-se), embora perca o sentido como direito. ” (p.159)

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