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Em virtude da compreensão plena dessa tese, as bases contextuais desse processo

devem ser adequadamente expostas.

Nessa lógica, conforme o pensamento contratualista, o contrato social é um


momento hipotético em que o ser humano deixa de viver como um ser natural e
passa a viver como um ser que se destaca da natureza, criando suas próprias
normas, bússolas morais, costumes e um conjunto de instituições para a
manutenção de uma convivência harmônica. Esse conceito é reconhecido pelo
contratualismo como o seio da civilização e se destaca pela abolição da liberdade
irrestrita regida pelo “estado de natureza” - uma abstração teórica que se refere ao
estado primitivo e a anarquia da experiência humana.

Para o filósofo e teórico político inglês Thomas Hobbes, o Estado absolutista


monárquico é o agente ideal para conservar a centralização do poder e,
respectivamente, promover a harmonia social e a superação dos instintos
primitivos. Já para o filósofo inglês John Locke, os conflitos sociais derivados da lei
natural encontrariam sua plena resolução na instituição de um estado civil, com leis
e normas sociais que regulamentam a posse e a conduta humana. Além disso, para
Locke, o Estado não deveria exercer o poder político sem precedentes, devendo
agir em conformidade com a imposição de limitações, em especial na esfera
econômica. Em síntese, apesar das diferentes configurações ambos os
contratualistas defendem que, para superar a anarquia pré-civilizatória e promover
um sistema social ideal, o poder, limitado ou não, precisa ser assimilado pelo
Estado.

Assim como a necessidade de atribuição do poder para uma entidade isolada


precede a manutenção da vida em sociedade, diagnósticos históricos evidenciam
que a criação de mecanismos regulamentadores deste poder também se fazem
necessários para a garantia do equilíbrio civil e político. Posteriormente, esse
conjunto de normas criadas para configurar e limitar o poder, manifestadas pela
forma escrita ou não, serão classificadas como as primeiras manifestações da
constitucionalidade no interior das mais diversas civilizações.

De acordo com o filósofo e político germânico Karl Loewenstein em suas pesquisas


e investigações sobre a tipologia de diferentes constituições, o constitucionalismo
teve origem na antiguidade (Idade Antiga), manifestado sob forma teocrática pelo
povo hebreu na conduta dos profetas que fiscalizavam os atos dos governantes à
luz das escrituras. Dessa maneira, o poder não se configurava de forma ilimitada,
sendo administrado mediante à "Lei do Senhor", constituição material a qual se
impunha, de forma igualitária, a governantes e governados.

No referente à Grécia Antiga, dentro da experiência democrática da vida urbana,


um conjunto de princípios configuravam o regime político constitucional da época.
Esses princípios eram: a primazia absoluta de todos os cidadãos para a tomada das
decisões de relevância coletiva - havendo critérios preestabelecidos que
caracterizavam um indivíduo como cidadão, o direito de palavra e de proposição
dentro da assembleia atribuído a todo cidadão, a nomeação dos cargos políticos
por meio do sorteio, a igualdade dentre os cidadãos para a assunção dos cargos, a
alternância anual dos governantes - que após ocuparem o cargo se tornavam
inelegíveis, e a obrigação dos governantes à transparência política. Sob essa ótica,
é importante destacar que a positivação das normas jurídicas que regem o controle
administrativo de um contingente ao longo dos anos está diretamente relacionada
não só com a prevenção da usurpação do poder por vias totalitárias, mas também
com a proteção da segurança pública e individual. Como é permitido identificar no
âmago da “Magna Charta Libertatum”, promulgada na Inglaterra em 1215 pelo rei
João Sem Terra, em seu artigo 39, in verbis:

“Nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus


direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de
algum modo, de sua condição; nem procederemos com força contra ele, ou
mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legítimo julgamento de
seus iguais e de acordo com a lei da terra”.

Esse excerto histórico faz referência à expressão “não há crime nem pena sem lei
prévia” que precede, dessa maneira, uma noção constitucional basilar que
configurou, posteriormente, a essência do Estado de Direito, o princípio da
legalidade.

O princípio da legalidade está presente de forma explícita no art. 5º da Constituição


Federal (CF/88), onde se tem

II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em


virtude de lei;

Ela busca regular as condutas sociais através somente das normas jurídicas, feitas
e aprovadas pelo poder legislativo. Segundo o professor de Direito na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Vladimir da Rocha França, no livro Crise da
Legalidade e Jurisdição Constitucional

“Por meio da lei, a Sociedade procura conferir maior estabilidade às


interações sociais, ao estabelecer previamente os parâmetros que deverão
ser seguidos na criação de utilidades públicas pelo Estado e na resolução de
conflitos entre seus membros. [...] Essa técnica passou a ser especialmente
empregada pelos governantes para se assegurar maior efetividade ao seu
poder em razão da dimensão territorial de seus domínios, para melhor
defesa da religião que dava sustentação à Sociedade ou para atribuir
direitos e proteções aos governados em face de pressões sociais.”
Em suma, é possível observar, na análise dos acontecimentos históricos que
antecederam a Constituição e seus princípios, a expressão da necessidade inerente
do processo civilizatório de caracterizar as estruturas do poder vigente e qualificá-
lo. A organização do ordenamento político, portanto, em normas que medem
direitos e deveres em suas diversas variações ao longo da história, elucida o
caráter frágil da vida em comunidade e coloca em evidência a importância
irrevogável da sua preservação.

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