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Ativismo Judicial e Judicialização da Política1

2023

Resumo

[[[[[[[[[[[[[[[[[[[A contemporaneidade jurídica categórica é identificada pelas constituições de caráter


normativo, depreendendo aplicação direta e controle de constitucionalidade quanto às normas do
ordenamento jurídico que tutelam. Ainda nessa orientação, no período posterior à Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), houve a transição do ”Estado Legicêntrico” para o ”Estado Personalista”.
Enquanto este tem como viés principal viabilizar e proteger os direitos fundamentais por meio da
Constituição Federal e dos três poderes operando de maneira harmônica, aquele operava a atuação
do Poder judiciário isoladamente. No Brasil, é consequência direta disso a atuação ampliada do
poder supramencionado, que causa incidência recíproca entre o Direito e a Política, sendo esta
última entendida de maneira ampla como fator extrajurídico. Assim, o objetivo deste artigo é pautado
em destacar a judicialização de questões sociais morais e políticas, correlacionando-as com o
ativismo judicial.

Palavras-chave: Judicialização da Política; Ativismo Judicial; Direitos Fundamentais, Proteger;


Viabilizar

Abstract

[[[[[[[[[[[[[[[[[[The categorical legal contemporaneity is identified by the constitutions of a normative


nature, implying direct application and constitutionality control regarding the norms of the legal system
that they protect. Still in this orientation, in the period after the Second World War (1939-1945), there
was a transition from the ”Legicentric State” to the ”Personalist State”. While the latter’s main bias
is to enable and protect fundamental rights through the Federal Constitution and the three powers
operating in harmony, the former operated the role of the judiciary in isolation. In Brazil, the expanded
performance of the aforementioned power is a direct consequence of this, which causes reciprocal
incidence between Law and Politics, the latter being broadly understood as an extra-legal factor.
Thus, the purpose of this article is based on highlighting the judicialization of moral and political social
issues, directly correlating their relationship with judicial activism.

Keywords: Judicialization of Politics; Judicial Activism; Fundamental Rights, Protect; enable

Introdução

A Constituição Federal de 1988 é o documento que estabelece as bases para a


organização do Estado Democrático de Direito no Brasil, definindo os poderes constituídos
de maneira tripartida. Nesse contexto, a independência do Judiciário é um dos princípios
fundamentais que asseguram a imparcialidade do Poder Judiciário em relação aos demais
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Pedro Ricardo Donatto Siqueira
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poderes e à composição de conflitos. No entanto, essa visão tradicional, que se baseia no


formalismo jurídico oriundo do período da antiga escola da exegese, enfrenta atualmente
diversas críticas e desafios, especialmente no que se refere à complexidade da interpreta-
ção jurídica e à interação cada vez mais frequente do Judiciário com outros atores políticos
relevantes. A escola supramencionada almejava separar totalmente a política da jurisdição,
afinal, os juízes do período eram escolhidos pelos reis e, quase sempre, visavam satisfazer
o interesse monárquico em detrimento dos nobres que compunham o parlamento francês. O
Código de Napoleão, documento responsável por legislar os direitos da vida civil no período,
previa, sim, direitos fundamentais. Entrementes, devido ao cerceamento da interpretação
e integração do direito, pecava quanto à efetivação material desses direitos na vida dos
cidadãos. Por isso, é importante analisar de forma crítica os contrapontos entre a auto-
contenção -antítese direta dos outros dois termos- a judicialização da política e o ativismo
judicial, fenômenos que têm ganhado destaque na agenda política e nas universidades
brasileiras, que serão abordados neste artigo.

Por conseguinte, a fim de colimar os objetivos supracitados, o artigo será dividido


em três partes. A primeira irá relatar a transição do Estado Legicêntrico para o Estado
Personalista, sendo que o desenvolvimento da atuação do poder Judiciário nos Estados
Modernos foi crucial para essa ruptura. Após isso, o artigo enveredará sua perspectiva
segmentada ao Brasil. Evidentemente, será formado um sustentáculo pautado na análise
da importância e da linha que delimita a incidência da jurisdição constitucional no mundo
moderno. Portanto, algumas questões relevantes, ilustram a atuação do poder judiciário
no mundo político, bem como a instituição de contribuição dos inativos na Reforma da
Previdência (ADI 3105/DF); a criação do Conselho Nacional de Justiça na Reforma do
Judiciário (ADI 3367); o estabelecimento de pesquisas com células-tronco embrionárias
(ADI 3510/DF); ponderações sobre liberdade de expressão e racismo (HC 82424/RS –
caso Ellwanger); a possibilidade da interrupção da gestação de fetos anencefálicos (ADPF
54/DF); a legitimidade de ações afirmativas e cotas sociais e raciais (ADI 3330); a vedação
ao nepotismo, baseado principalmente no princípio da moralidade (ADC 12/DF e Súmula nº
13); não-recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130/DF); a extradição do militante italiano
Cesare Battisti (Ext 1085/Itália e MS 27875/DF); a questão da importação de pneus usados
(ADPF 101/DF) ou da proibição do uso do amianto (ADI 3937/SP). Merece destaque a
realização de diversas audiências públicas, perante o STF, para debater a questão da
judicialização de prestações de saúde, notadamente o fornecimento de medicamentos e de
tratamentos fora das listas e dos protocolos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Posteriormente, o primeiro segmento da segunda parte resgatará a memória das


relações juridico-políticas tradicionais. Nestas, havia plena separação entre o poder judiciário
e o legislativo, relegando o primeiro a mero artífice para o cumprimento da vontade dos
legisladores, mesmo que isso não se coadunasse com os direitos fundamentais. Nesse
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sobre esses temas não seria possível sem o firmamento desse instituto. Isso se deve ao
fato de que a existência de um juiz contemporâneo, ou seja, aquele que se contrapõe ao
”juiz boca da lei” (MONTESQUIEU, 1996, p. 175) não seria possível num período pretérito
à Segunda Guerra Mundial. A dicotomia entre esses dois tipos de juristas está fulcrada
essencialmente em qual fenômeno jurídico eles se submetem. Assim, o juiz previsto por
Montesquieu na obra ”o Espírito das Leis” nada mais era do que instrumento para concretizar,
de modo irrestrito, a tripartição dos poderes, submetendo sua atuação à lei, não podendo ele
sequer recorrer às fontes subsidiárias do direito. Em contrapartida, o magistrado atual opera
não mais restringido pela lei, mas sim pelo ordenamento jurídico na totalidade, assimilando a
Constituição e os princípios, como será relatado posteriormente, correlacionando a transição
do Estado Legislativo para Estado Personalista e a incidência que essa mudança angaria
no cenário jurídico, político, moral e pertinentemente social.

O conceito de Estado adotado neste artigo é pautado essencialmente na visão


de Karl Schimidt, Balladore Pallieri, Ataiba Nogueira e Georg Jellinek. Tal perspectiva é
fundamentada na ideia de que o Estado só pode ser determinado como tal a partir de
características bem definidas, dentre elas a soberania. Contundentemente, a marca que
inaugura esse conceito é delimitada a partir dos acontecimentos da ”Paz de Westfália”,
evento de cunho histórico, religioso e político que põe fim à ”Guerra dos Trinta Anos”. Os
tratados de paz de Westfália tiveram o caráter documental, pautando suas atribuições em dar
margem ao surgimento do Estado com as características que conhecemos hoje. Portanto,
esse termo alcunha uma unidade territorial, dotada de um povo, um governo e um poder
soberano que independe de governo e permanece no tempo. De tal modo, estava formado
o Estado Moderno, que de maneira espontânea formou suas bases. É fato que conforme
passavam os anos e suas atribuições foram sedimentadas pelos arcabouços teóricos, esses
alicerces tornaram-se inclusive fins imprescindíveis, ou seja, alvos de manutenção pela
atividade do Estado para que este se possa perpetuar. (DALLARI, 2012, p. 48)
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Em consonância, é válido também explicitar que o preceito de ”soberania” supra-
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mencionado coaduna-se com a projeção de Miguel Realle. Para o autor, soberania não
é meramente pautada na força, tampouco é fenômeno submetido ao direito. Nesse rumo,
assumindo uma vertente culturalista, Realle afirma que soberania é ”o poder de organizar-se
juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões
nos limites dos fins éticos de convivência”. (REALLE, 2000, p.127) Consequentemente, a
um estado moderno o simples e puro estabelecimento de leis e a força de as fazer valer
internamente se mostram insuficientes quanto à sua caracterização. Portanto, compreende-
se que a soberania inaugura a ordem política estatal dentro do plano concreto da história,
retirando as vaguezas que pairavam o conceito de ”Estado”.

Contudo, ainda não seria possível falar em ”ativismo judicial” ou judicialização da


política. Vale ressaltar que, Estado Moderno é termo que designa gênero, sendo neste
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ocorre que factualmente, este último era vinculado ao primeiro. Dessa forma, não houve
efetivo rompimento com os privilégios da antiga monarquia, apenas transferência para outra
classe que iniciava seu apogeu. Por conseguinte, estava formado o berço do que seria o
Estado-liberal, pautado primeiramente em salvaguardar os direitos individuais.

Conclui-se que esses eventos deram origem ao chamado ”Estado legicêntrico”.


Mesmo que fosse mirada por várias críticas, a Escola da exegese constituiu os palanques
sobre os quais se sustenta o direito contemporâneo. Isso ocorre em virtude da sistematiza-
ção legal concretizada aprioristicamente pela norma jurídica vigente na França. As principais
contribuições da doutrina exegética envolvem a clarificação dos conceitos, a disciplina dos
institutos jurídicos e sua sistematização lógica. Desta forma, um dos desdobramentos da
escola da exegese é a ponderação de que mesmo em países como Inglaterra e Estados
Unidos, em que prevalece a chamada ”common law”, baseada nos usos e costumes e
na atividade jurisprudencial, abrangendo uma área maior para negociação, vige e urge a
influência do processo legislativo. Deste modo, mesmo em países de tradição consuetudi-
nária, os costumes só tem validade jurídica se forem coadunos às posturas dos tribunais.
(REALLE, 2001, p.144)

Porém, embora a base da relação entre o legislativo e o judiciário tenha perdurado


por cerca de um século, ao fim da Segunda Guerra Mundial, percebeu-se que a obediência
pura e simples à lei não mais satisfazia os interesses da sociedade do século XX. Conforme
cita o jurista Recaséns Siches ”Uma lei indeformável somente existe numa sociedade imóvel”
(SICHES, apud DINIZ, 2009, p.57). Ocorre que relegar ao jurisconsulto a tarefa de se ater
com rigor metodológico à interpretação lógico-gramatical ou sistemática, sem estar sob
a observância do controle de constitucionalidade, gera equívocos que não satisfazem os
interesses coletivos.

Com isso, tem-se durante o período posterior a 1945, uma onda de redemocratização
Você
pautada naprecisar adquirir
elaboração um plano
de constituições para
que, remover
nesse momentoanão
marca
maisd'água.
impunham apenas
limites de atuação, bem como deveres constitucionais. Esse movimento promoveu alguns
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efeitos para o ordenamento jurídico global através do instituto da ”constitucionalização do Di-
reito”. Esse fenômeno é descrito por meio de dois desdobramentos: a “constitucionalização-
inclusão” e a “constitucionalização-releitura”. Este compreende os resultados da ”eficácia
radiante” e da ”filtragem constitucional”, que no que lhes concerne, tornam os três poderes
não mais vinculados somente à lei, mas ao ordenamento jurídico categórico, considerando
também a Constituição e seus princípios. Já aquele se refere à atenção dada a temas, por
parte da Constituição, que antes eram regidos por legislação ordinária ou mesmo ignorados.
(SARMENTO e SOUZA NETO, 2012, p.25).

Contundentemente, a primeira referência no desenvolvimento do novo direito cons-


titucional na Europa foi a Lei Fundamental de Bonn, a Constituição Alemã de 1949. Pos-
teriormente, em 1947, 1975 ,1976, 1978, Itália, Grécia, Portugal e Espanha aderiram ao
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preponderante visando os valores e fins constitucionais é desejável, em outros não, como


será explanado adiante.

Diante da crescente frequência de decisões judiciais que buscam assegurar a


efetivação de direitos fundamentais, muitos têm criticado esse fenômeno, denominando-
o pejorativamente de “ativismo judicial”. No entanto, tal postura nada mais é do que o
cumprimento fiel da ordem constitucional, sob uma nova perspectiva dos princípios que
regem o Estado Democrático de Direito. Essa perspectiva não só reforça o compromisso
com os direitos fundamentais, mas também com a governabilidade, pois mesmo nas
hipóteses em que é determinada a adoção de políticas públicas pelos governos, tem-se
buscado a observância da reserva do possível. Ou seja, busca-se a implantação paulatina
dos programas sociais, de forma a não comprometer as finanças públicas nem frustrar
outros direitos sociais igualmente relevantes. Assim, conclui-se que o “ativismo judicial”
não deve ser visto como um problema, mas como uma forma de fortalecer a democracia e
assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, sem prejuízo da governabilidade.

Feitas tais considerações, inicia-se o debate acerca dos eixos do artigo Deste modo,
a judicialização da política foi impulsionada pela ampliação da conscientização dos direitos
no seio da sociedade, pelo acentuado grau de pluralismo político e social existente, pelo
fortalecimento da independência do Poder Judiciário e pela alteração da cultura jurídica
preponderante, que passou a considerar os princípios constitucionais como elementos
fundamentais, que independentemente do grau de abstração, consideram-se normas jurí-
dicas vinculantes. Esses elementos, em sua singularidade, concorreram para a elevação
da jurisdição constitucional a um papel central nos núcleos de poder político, ensejando
um fenômeno de expansão da juridicização do político, conhecido como judicialização da
política. (SARMENTO e SOUZA NETO, 2012, p.21)

Judicialização significa que algumas questões sociopolíticas transferem parte da


Você precisar
legitimidade adquirir
da discussão um plano
aos órgãos paraJudiciário,
do Poder removertornando-se
a marca d'água.
irrestritas às rela-
ções políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo, em cujo âmbito se
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encontram o Presidente da República, seus ministérios e o setor administrativo em geral.
Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais,
com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação
da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência
mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. Conclui-se
que judicializar consiste na atribuição do parecer e da intervenção judicial em questões que
antes eram de cunho unicamente político. Porém, a restrição a esse segmento frustrava
o pleno exercício dos direitos fundamentais pela sociedade. Fato é que as constituições e
poder judiciário, atualmente, não se preocupam só em escrever os direitos numa folha, mas
sim em destinar esforços para sua efetivação no plano concreto da vida.
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podem entender, por exemplo, que o princípio constitucional da igualdade proíba, viabilize ,
ou até que dependa da existência de cotas raciais no acesso às universidades públicas e
ao funcionalismo público. Analogamente, pode ser inferido que o princípio da dignidade da
pessoa humana torne legítima a prática da eutanásia, ou que a vede irremediavelmente.
São estes, os casos difíceis que tornam a judicialização da política problemática. Contun-
dentemente, a existência de um desacordo social razoável sobre a interpretação correta
de normas constitucionais torna difícil que o âmbito parlamentar lide com essas questões.
A crítica ao controle jurisdicional de constitucionalidade insiste que, em casos assim, a
decisão sobre a interpretação mais correta da Constituição deve caber ao próprio povo ou
aos seus representantes eleitos e não a magistrados.

A postura contramajoritária, referida dessa forma na doutrina, fulcra seu enten-


dimento justamente na possível irregularidade democrática que atua sob o fato de um
juiz, que não foi eleito pelo povo, ter competência para anular atos do poder Legislativo
ou do Executivo, que no concerne aos seus integrantes, há, ou deveria haver, segundo
essa perspectiva, intangibilidade do controle do mérito administrativo, afinal, eles têm seus
cargos sustentados pela vontade popular. Portanto, essa prática seria ilegítima, uma vez
que confronta o princípio da Separação dos Poderes. No Entanto, o entendimento que
vigora no mundo moderno é o de que, visando engessar as paixões momentâneas de
maiorias, pautando sua atuação na salvaguarda dos direitos fundamentais e das regras
democráticas, o poder judiciário pode e deve, através do controle de constitucionalidade,
averiguar se atos administrativos ou normativos estão em conformidade com a Constituição,
podendo inclusive os anular caso a máxima constitucional não se verifique. Judicializar a
política não significa subverter as regras do jogo, mas sim de amplia-lás para que abranjam
mais pessoas e, gradativamente, efetuem de maneira pragmática os direitos fundamentais
elencados na constituição.

Você precisar adquirir


Analogamente, um plano
essas críticas para
tornam-se remover a amarca
desarrazoadas d'água.
partir da transição jurídico-
política supramencionada. Ocorre que a eficácia irradiante e os mecanismos de controle de
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constitucionalidade são factuais no período hodierno, sendo inclusive reconhecidos pela
Constituição Federal. Vale ressaltar que esse debate tarda chegar ao Brasil, dada a falha
jurisdicional compreendida muito mais pela omissão do que pelo excesso. Entrementes, o
cenário muda de posição com o crescimento do ativismo judicial ao exercer os mecanismos
de controle constitucional. Portanto, No Brasil, o debate foge do plano técnico no que com-
preende os limites e a maneira como esse controle é depreendido, e não sobre sua adoção.
Outrossim, a evidente democratização da jurisdição constitucional, presente na elaboração
Constituição Cidadã, é fator determinante que invalida a vertente contramajoritária. Ocorre
que essas medidas tornaram o controle de constitucionalidade exponencialmente legítimo,
ao passo que representam abundante parte das diligências sociais.

Nesse ínterim, é necessário frisar que essa prática não é adotada por um partido
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na adoção de uma postura que possa atender melhor aos anseios da sociedade, que por
muitas vezes são deixados de lado pela política, frequentemente associada com ideais
inflexíveis e conservadores.

É nesse sentido que surge, como contraponto aos ideais contramajoritários, a


função representativa. No inadimplemento da função legiferante alicerçada em atender os
interesses sociais, o supremo tribunal e as cortes constitucionais assumem essa atribuição.
Ilustrações claras disso envolvem, por exemplo, a vedação do nepotismo nos três poderes.
Fato é que não existia lei que vedasse essa prática para a nomeação de parentes até o
terceiro grau em cargos comissionados. Talvez até em benefício próprio, o Congresso e as
Assembleias legislativas não tiveram pareceres coadunos a essa vedação. Apesar disso,
havia clara e manifesta atenção social à proibição dessa prática e, diante disso, o Supremo
Tribunal Federal, debruçado sobre os princípios constitucionais da moralidade administrativa
e da impessoalidade, fez valer a vontade popular e tornou essa prática ilícita.

Todavia, nem sempre a atuação do judiciário em salvaguardar interesses baseados


em direitos fundamentais será exercida concomitantemente à vontade popular da maioria.
Decisões que ilustram essa perspectiva são o estabeleciemento de cotas para o ingresso
em universidades publicas e a equiparação de uniões homoafetivas à uniões estáveis tradici-
onais. A primeira configura singularmente o entendimento referido, sendo que o exercício do
poder judiciário em efetivar cotas para estudantes negros para o ingresso em universidades
públicas, embora não correspondesse, necessariamente, à vontade da maioria absoluta da
população brasileira, de grande parte conservadora, representou um avanço. Consequência
disso foi a melhoria quanto ao princípio constitucional da igualdade, que agora, não se
limitava a tratar todos como se providos de mesmas condições fossem, mas viabilizar essas
condições a todos, atuando de maneira positiva. Diante de uma surpreendente unanimidade,
claro, considerando o histórico de divergências no Supremo Tribunal Federal, a ADPF 186
Você improcedente,
foi julgada precisar adquirir um aplano
tornando para
inserção remover
dessa políticaaafirmativa
marca d'água.
legítima no Brasil.
Aliás, essa discussão mostra-se pertinente ao que Rui Barbosa, um dos mais proeminen-
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tes juristas brasileiros ponderava, já em 1921 frases que se tornariam jargões no mundo
jurídico, como: ”A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos
desiguais, na medida em que se desigualam.” e ”Justiça atrasada não é justiça, senão
injustiça qualificada e manifesta” ”“Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos
de o governar” (BARBOSA, 1921, p.7)

Isso se deve ao fato de que, por ser fruto do iluminismo e consequentemente da razão
humanista, a judicialização da política evidentemente busca o progresso social. Exemplos
notórios dessa afirmação compreendem, por exemplo, a abolição da escravatura, a proteção
de minorias como mulheres, trans, religiões de terreiro entre outros grupos marginalizados
ao longo da história. Ocorre que esses grupos com pouca representatividade social não
gozam de mecanismos factuais que viabilizem sua inserção e, consequentemente, proteção
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jurídico para aplicar a solução abstratamente prevista na lei ao caso concreto. De fato, a
função do juiz não é criar o direito ou reescrevê-lo de acordo com suas preferências pessoais
ou influências políticas. O papel do juiz é aplicar a lei ao caso concreto, interpretando-a
consoante os princípios jurídicos e os precedentes existentes. Nesse sentido, sua atuação
é eminentemente técnica e não criativa.No entanto, é importante destacar que a atividade
jurisdicional não é neutra e desprovida de influências políticas. A interpretação da lei pelo
juiz pode ser influenciada por sua visão de mundo, seus valores e suas crenças pessoais,
bem como pelos interesses das partes envolvidas no processo. Além disso, as decisões
judiciais muitas vezes têm impacto político e social significativo, especialmente em casos
que envolvem questões de direitos humanos, discriminação e igualdade. Portanto, embora
a função do juiz seja técnica e não criativa, sua atuação não é completamente imune às
influências políticas e sociais. É fundamental que os magistrados sejam independentes e
imparciais em suas decisões, considerando apenas os fatos e a lei aplicável ao caso em
questão.

Bem como fora citado na introdução, a questão da saúde é fundamental para enten-
dermos dois fenômenos que dirigem o rumo deste artigo. Nesse momento, o controle de
constitucionalidade se choca com a intangibilidade do mérito administrativo. Isso significa
dizer que, embora decisões descricionárias baseadas no juízo de conveniência e oportuni-
dade tenham sim proteção constitucional, não se isentam de se prostrarem consoantes aos
ditames constitucionais, garantindo a implementação e a salvaguardia dos mais diversos
direitos. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou em diversas resoluções
que a Constituição deve ser observada e a sua inobservância pode levar a uma omissão
inconstitucional, considerando a sua força vinculante. Em relação ao princípio da reserva
do possível, o STF, na ADPF 45, afirmou que este princípio não pode ser aplicado quando
se trata de um direito ligado ao mínimo existencial, ou seja, direitos fundamentais básicos
como saúde, alimentação e moradia.O papel do Poder Judiciário na implementação de
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políticas públicas previstas na Constituição, mas não instituídas pelo poder público, também
foi temaYou
de need to resoluções
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to STF.
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2008, the watermark.
na ADPF 45, a corte afirmou que o
Poder Judiciário pode agir na implementação de políticas públicas, desde que não viole o
princípio da separação dos poderes. O STF também entende que a fiscalização judicial dos
parâmetros constitucionais tem como objetivo afastar abusos que possam levar à proibição
de excessos, à proteção insuficiente ou deficiente, ao combate ao retrocesso social e à
proteção do mínimo existencial.Em síntese, a fiscalização judicial e a implementação de
políticas públicas são fundamentais para garantir os direitos constitucionais, especialmente
no que se refere à saúde. O STF reforça que é legítimo o papel do Poder Judiciário na
implementação de políticas públicas, desde que respeite o princípio da separação dos
poderes e os limites estabelecidos pela Constituição.
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consonância partilhado com a vontade das maiorias. Isso porque o ”populismo judicial” é tão
ou mais pernicioso do que a omissão legislativa e administrativa. Ao tomar como alicerce
esses dois fatores, o magistrado deverá, ainda, basear seus entendimentos na objetivação
do melhor resultado possível para a sociedade de maneira categórica.

Em síntese, no constitucionalismo democrático, cabe às supremas cortes a última


palavra acerca das disposições constitucionais. Esta competência, porém, deve ser exercida
sem influências extrajurídicas, respeitando inclusive as próprias capacidades institucionais
do poder judiciário. De tal afirmação, resta a certeza de que, obstante aos casos que colocam
em risco o sistema político democrático e as garantias fundamentais da Constituição, a
atividade judiciária deve ser dotada de autocontenção, limitando-se a concretizar a função
jurisdicional.

Cabe ainda, aos três poderes, usufruírem do diálogo institucional entre eles. Ilustra-
ção disso é a reciprocidade que as cortes constitucionais detêm ao pressionar o legislador
para exercer sua função legiferante e inove o ordenamento jurídico. Essa pressão é feita
a partir da edição de normas temporárias até parecer especificamente legislativo e com a
fixação de prazo para que essa deliberação seja concretizada, caso contrário, vige o indício
de que essa norma será criada jurisdicionalmente. Em contrapartida, excluídas as cláusulas
pétreas, o legislador sempre pode superar as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal mediante proposta e posterior edição de Emenda Constitucional.

Por fim, entende-se que a judicialização é fenômeno inevitável, porém não deve
suprimir ou substituir o espaço tradicionalmente ocupado pela política e pelo governo da
maioria. É imprescindível que haja equilíbrio homogêneo entre a supremacia constitucional,
o processo político majoritário e a interpretação judicial da Constituição.

Somente com estes institutos alinhados, o melhor atendimento dos interesses popu-
lares serão atendidos. Deve ser almejado, portanto, um ponto de equilíbrio entre o alcance
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da constituição e as instâncias políticas, de modo que uma não deflagre prejuízos a atuação
You
da outra, need que
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se causem to a plan àtosoberania
malefícios removepopular.
the watermark.

Referências:

BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito


e política no Brasil contemporâneo. Revista da Faculdade de Direito- UERJ. 2012

BARROSO, Luís Roberto.Um outro país: transformações no direito, na ética e


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