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CONSTITUIÇÃO NO TEMPO
RIGIDITY AND FLEXIBILITY: THE CONSTITUTION
IN THE LONG RUN
ABSTRACT: The discussion in this article revolves around the Juridical Sociology field
of knowledge rather than the Public Law area. It questions whether the acquired rights
are effective, in a society as dynamic and changeable such as the Brazilian society.
The issue of Constitutional longevity and effectiveness serves as the background for
this analysis. The author tries to enlighten the paradox between politics and ethics
concerning the “stony clauses” (unchangeable clauses) in cases when the constitu-
tional order must adapt to the real economic conditions in Brazil. Considering the
market economy new demands (global economy), the experience of a politically settled
solution may be a resource in preserving the course of democracy to ensure the rule
of law is respected and effective.
imposto pelo poder originário – um poder pétrea, por vezes não se revela uma medida
constituinte. antidemocrática, restringindo o campo de
ação de maiorias parlamentares legitima-
1. As implicações éticas e morais das mente escolhidas a cada nova eleição? Por
cláusulas pétreas fim, como evitar o risco de que o “excesso
de Constituição” não acaba tendo o efeito
Na aparência, essas distinções e esses perverso de obrigar operadores políticos e
limites parecem claros. Na prática, contu- jurídicos a terem de fazer leituras compla-
do, eles encerram pelo menos dois proble- centes de suas normas, com o objetivo de
mas. Um é de caráter político e está “salvar” a Constituição para a realidade e
associado à compatibilidade da rigidez adequá-las à mutação das circunstâncias
constitucional, expressa sob a forma das históricas? (Moreira, 2001: 272). De que
cláusulas pétreas, com a própria essência modo impedir que esse “excesso da Cons-
da democracia. O outro problema é de tituição” não resulte, contraditoriamente,
natureza essencialmente ética e tem impli- num perigoso déficit de normatividade
cações transgeracionais. constitucional?
Em termos políticos, um texto constitu- Desse problema político decorre o pro-
cional sempre representa um limite decisó- blema ético acima referido. Ele se expressa
rio à vontade popular. Em nome da con- sob a forma de um paradoxo. Na perspec-
sagração de determinadas liberdades, ele tiva do poder constituinte originário, a
impõe determinadas restrições. Ou seja: maioria que elabora, aprova e promulga
institucionaliza direitos e obrigações. Esta- uma Constituição reivindica um corte ju-
belece prerrogativas e deveres. Promulgar rídico com o passado, ao mesmo tempo em
uma Constituição significa assim limitar a que se arvora ao direito de poder vincular
liberdade da maioria em cada momento o futuro. Todavia, por mais democrática
histórico. Por conseqüência, lembra um que seja no momento de sua promulgação,
arguto analista, quanto mais Constituição, é moralmente aceitável que um texto cons-
mais limitação do princípio democrático. titucional possa, com seus dispositivos de
“Constitucionalizar é colocar fora do co- intangibilidade ou irreversibilidade materi-
mércio político, fora do alcance da vontade al, sob a forma de cláusulas pétreas, blo-
da maioria tudo aquilo que é constitucio- quear a capacidade de autodeterminação
nalizado”, diz ele (Moreira, 2001: 272). No jurídica das gerações vindouras? É justo
âmbito político, por isso mesmo, o proble- que esse texto constitucional, por mais
ma é saber até que ponto as normas nobres e generosas que sejam suas inten-
constitucionais relativas aos limites mate- ções, possa impor compulsoriamente às
riais de revisão não se traduzem em pre- gerações futuras obrigações de cunho fi-
juízo do princípio da regra de maioria que nanceiro e encargos fiscais vindos do pas-
caracteriza o regime democrático. sado?
Nesse sentido, em que medida um poder Como sair dessa armadilha e escapar
constituinte originário pode impor ad eter- desse paradoxo, principalmente quando
nitates uma vontade democrática para o essa Constituição está excessivamente
futuro? Em que medida a limitação na marcada pela conjuntura social, e política
liberdade de revisão material de um texto de sua origem, como é o caso da nossa?
constitucional, prevista por uma cláusula Uma saída polêmica contrapõe a idéia do
constituições tão extensas, prolixas e pro- ficando sua interpretação condicionada pelas
gramáticas, como a brasileira de 1988, vem circunstâncias do momento, a partir dos
diminuindo. Ao exigir novos padrões de interesses em conflito e da capacidade de
contratualidade, formas jurídicas mais fle- negociação de cada geração. Com isso, o
xíveis e uma institucionalidade complexa, campo das realizações de políticas públicas
a integração dos mercados e a formação de é deslocado para o âmbito da legislação
grandes blocos comerciais transnacionais ordinária, cujos critérios de revisão são
reduziram o alcance dos poderes legislati- muito mais simples do que os de um texto
vo, administrativo e judicial antes conside- constitucional. É esse processo que foi
rados exclusivos dos Estados e diluíram a chamado no item anterior de “poder cons-
soberania nacional numa rede de foros tituinte evolutivo”, um provocativo jogo de
internacionais e organismos multilaterais. palavras concebido para denunciar o gran-
Com isso, as regras daí advindas passaram de pecado dos defensores da idéia de poder
a coexistir com as normas constitucionais, constituinte originário como um poder
competindo entre si em diferentes âmbitos absoluto e imutável – a incontinência, a
de validez material, espacial e temporal e imodéstia, a arrogância e a soberba de
obrigando os governos a promover suces- pensar que o legislador constitucional es-
sivas revisões em seus ordenamentos jurí- tava num momento demiúrgico da história
dicos, para harmonizá-las. e dispunha de autoridade e legitimidade
Na dinâmica desse processo, fortemente para disciplinar para todo o futuro as
determinado pelas relações de poder inte- maiorias democráticas, subtraindo-lhes a
restatais assimétricas que caracterizam a liberdade pelo recurso às cláusulas pétreas
integração econômica mundial, o tradicio- (Moreira, 2001: 288).
nal papel da Constituição como norma Privada assim de suas funções unifica-
fundamental ou “lei das leis” foi perdendo doras, a Constituição perde seu caráter
sentido. À medida que todo o direito estatal absoluto, de texto intocável, não conse-
teve sua exclusividade posta em xeque e guindo mais dotar suas normas de um
mercados globalizados e organismos mul- significado concreto determinado a priori.
tilaterais foram progressivamente criando Pelo contrário, no atual contexto de poli-
as normas de que necessitam para resolver centrismo decisório e pluralismo jurídico,
litígios transnacionais, a própria Constitui- esse significado agora só pode ser determi-
ção acabou ficando diante de uma encru- nado a posteriori, em função das tensões,
zilhada. Como ignorar processos econômi- problemas e dilemas decorrentes da velo-
cos e políticos que transcendem os limites cidade, intensidade e complexidade socio-
do território por ela coberto, mas que econômica do mundo contemporâneo. Em
influenciam de modo decisivo a aplicabi- outras palavras, no lugar do caráter fecha-
lidade de suas normas e comprometem sua do, unívoco e predeterminado das normas
eficácia? constitucionais e da idéia que o poder
Para fugir dessa encruzilhada, as cons- constituinte originário se extingue no ato
tituições contemporâneas foram submeti- unigênito e unimomentâneo de produção
das a reformas ainda mais amplas do que da Constituição está surgindo um direito
as anteriores, com o expurgo de normas constitucional novo, fundado sobre um
rígidas, a relativização dos limites de revi- conjunto de matérias normativas mais fle-
são e a utilização de normas mais abertas, xíveis, permitindo a adaptação do texto