Turma: Direito 2020.2 Turno: Noturno Anderson Paulo dos Santos Cândido Konrad Hesse - A Força Normativa da Constituição
O autor introduz o capítulo discorrendo um pouco sobre Lassalle e sua tese
fundamental, onde questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim políticas. Sendo assim, a Constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes: o poder Militar, social, econômico, intelectual e a cultura geral. Desse ponto é retirado que os fatores reais de poder formar a Constituição real de um país, onde a Constituição jurídica é só um pedaço de papel de que nada servirá senão estiver alinhado à Constituição real. Sendo assim, regra em um pedaço de papel não se mostram aptas a controlar, efetivamente, a divisão de poderes políticos. No âmbito histórico constitucional, tanto na prática política cotidiana, quanto nas questões fundamentais do estado, o poder da força afigura-se sempre superior à força das normas jurídicas e que a normatividade submete-se à realidade fática. Entretanto, entre a norma fundamentalmente estática e racional e a realidade fluida e irracional, existe uma tensão necessária e que não se deixa eliminar. Nessa parte, o autor já introduz um pouco da importância da carta constitucional, mostrando que ciência normativa é diferente das ciências da realidade(sociologia e ciência política), explicando que o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, apenas com a função de justificar as relações de poder dominante. Se essa teseé adotada pela ciência da Constituição e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência normativa, sendo apenas ciência do ser, sem diferença entre sociologia e ciência política. Mas qual é o alcance dessa força normativa constitucional? Hesse discorre que o conceito de Constituição Jurídica é a própria definição da ciência do Direito Constitucional enquanto ciência normativa e dependem da resposta a essas indagações. O autor cita três critérios para responder essa pergunta. 1. Deve haver um condicionamento recíproco existente entre a Constituição Jurídica e a realidade político-social. Ou seja, temos uma realidade esvaziada de elemento normativo e uma norma despida de qualquer elemento da realidade, entretanto, temos que encontrar um caminho entre as duas. A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade, por isso, devem ser consideradas as condições naturais, técnicas, econômicas, históricas, sociais, para poder ter eficácia, entender a pretensão, o pensamento do povo. O autor explica também que é necessário entender que a pretensão de eficácia da norma é diferente das condições de sua realização, não podem ser definitivamente separadas ou confundidas, ou seja, a Constituição é ser mais um dever ser, e nenhuma pode ser fundamental separadamente. 2. Nesse ponto o autor fala que devem ser considerados os limites e as possibilidades da atuação da Constituição Jurídica, onde a Constituição é uma relação coordenada entre sua parte real e jurídica, onde a norma(razão) e a situação histórica concreta atuam no desenvolvimento da Constituição. De acordo com o raciocínio supracitado, a razão possui capacidade para dar forma a matéria disponível, mas não produz substâncias novas. Sendo assim, a razão direciona a força que reside na natureza das coisas. Desse modo, você não pode impor uma norma a uma realidade totalmente divergente a ela. Hesse fala que a Constituição jurídica não deve procurar construir o estado de forma abstrata e teórica, se isso for feito: • A constituição não pode emprestar "forma e modificação à realidade"; • Onde inexistir força a ser despertada — força esta que decorre da natureza das coisas — não pode a constituição emprestar-lhe a direção; • se as leis sociais, políticas econômicas imperantes são ignoradas, a Constituição não serve de nada. Construir um futuro com base na natureza singular do presente, significa um funcionamento adequado da constituição, ou seja, a força vital e a eficácia da Constituição apresentam-se na sua vinculação as forças espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo. Logo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa caso se façam presentes, na consciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição. Essa vontade origina-se de: • Necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrável, projetando o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. • Essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos e por isso precisa estar sempre em processo de legitimação. • Essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Sendo assim, nós também damos conformação a vida do Estado. 3. Hão de ser investigados os pressupostos de eficácia da Constituição. a) Quanto mais conteúdo de uma Constituição corresponder à natureza singular do presente, mais seguro será o desenvolvimento de sua força normativa, a qual deve levar em conta não só elementos sociais, políticos e econômicos, mas também o estado espiritual de seu tempo, assegurando o apoio e a defesa da consciência geral. Dessa maneira, o autor ressalta que a Constituição deve ser capaz de adaptar-se a eventuais mudanças. Também não deve assentar-se numa estrutura unilateral, ou seja, se pretende preservar a força normativa dos seus princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária, evitando uma Constituição 100% pura. b) O autor também fala que para um ótimo desenvolvimento da força normativa da constituição é necessária a dependência não apenas do seu conteúdo mas também de sua práxis. Dessa maneira, a pessoa que sacrifica um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do estado. Outro ponto importante é a questão das reformas constitucionais frequentes, que abalam a confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa. A estabilidade constitui a condição fundamental da eficácia da Constituição. Por fim Hesse cita a interpretação(submetida ao princípio da ótima concretização da norma), como significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. Por isso, a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. Em outras palavras, uma mudança nas relações fáticas pode, ou deve, provocar mudanças na interpretação da Constituição. Sendo assim, a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica e ela não pode ser parada da realidade concreta de seu tempo. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. As possibilidades bem como os limites da força normativa da Constituição, resultam da correlação entre ser e dever ser. Desse modo, a Constituição jurídica confere forma e modificação à realidade., despertando a força que reside na natureza das coisas, tornando-a ativa e sendo imposta quanto mais for a convicção sobre sua inviolabilidade. Em relação aos fatos supracitados, o autor fala que a prova de força de uma constituição dá-se nas situações de emergência, nos tempos de necessidade. De fato, Carl Schmitt discorre que em um estado de necessidade deve-se verificar a superioridade da norma sobre as circunstâncias fáticas e não o contrário. Dessa maneira, a Constituição jurídica não é apenas um papel como afirma Lassale. A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição. Somente quando esses pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a conversão dos problemas constitucionais, enquanto questões jurídicas (Rechtsfragen). em questões de poder (Machtfragen). Nesse caso, a Constituição jurídica sucumbirá em face da Constituição real. No entanto, o Direito Constitucional não se encontra em contradição com a natureza da Constituição. Assim, se a Constituição jurídica possui significado próprio em face da Constituição real, não se pode cogitar de perda de legitimidade dessa disciplina enquanto ciência jurídica. Segundo Hess, o Direito Constitucional depende das ciências da realidade mais próximas, como a História, a Sociologia e a Economia. Isso significa que o Direito Constitucional deve preservar, modestamente, a consciência dos seus limites. A Ciência do Direito Constitucional cumpre seu papel de forma adequada não quando procura demonstrar que as questões constitucionais são questões do poder, mas quando envida esforços para evitar que elas se convertam em questões de poder (Machtfragen). Como já aludido, a força normativa da Constituição depende da satisfação de determinados pressupostos referentes à praxis e ao conteúdo da Constituição. Esses pressupostos não foram ainda totalmente satisfeitos. Por fim, o autor cita novamente o estado de necessidade, questionando até que ponto a força normativa impera diante do acaso, diante de um estado de guerra por exemplo, haja vista que na Constituição citada não tem um artigo que contemple essa parte e, mesmo que tivesse, qual seria o limite do estado de necessidade e qual o tipo?