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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS/CCHL


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS/DCJ
INTRODUÇÃO AO DIREITO – PROFESSORA: OLÍVIA BRANDÃO

RAMYSES DE MACEDO RODRIGUES

FICHAMENTO DO(S) LIVRO(S):


“A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO” – Ferdinand Lassalle
“A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO” – Konrad Hesse

TERESINA-PI
2023
1. AUTOR(ES) E OBRA(S)

No presente fichamento, serão discutidas as obras de dois autores clássicos do


direito: Ferdinand Lassalle e Konrad Hesse, com suas obras “A essência da
Constituição” e “A força normativa da Constituição”, respectivamente.
Ferdinand Lassale nasceu em 11 de abril de 1825, em Breslávia, e morreu em
31 de agosto de 1864, na cidade de Carouge. Foi teórico social-democrata, escritor e
político alemão de origem judia, e contemporâneo de Marx. Estiveram juntos na
Revolução Prussiana de 1848. Lassale morreu em consequência de um duelo com
um nobre em 1864, aos 39 anos. Estabeleceu o conceito sociológico de Constituição,
relacionando-o à realidade política do país e a consequência desta com a sua
efetividade.
Lassalle foi autor de diversos livros, sendo traduzidos para o português “A
essência da Constituição” (1988), objeto do presente fichamento, e “O que é uma
constituição política” (1987).
Já Konrad Hesse nasceu em 29 de janeiro de 1919, em Königsberg, Prússia
Oriental e morreu em 15 de março de 2005, na cidade de Friburgo, na Brisgóvia. Foi
jurista alemão, exercendo de 1975 a 1987 a função de juiz do Tribunal Constitucional
Federal Alemão, localizado na cidade alemã de Karisruhe.
Hesse serviu as forças armadas alemãs logo no início da Segunda Guerra
Mundial, suspendendo seus estudos em Direito nesse período. Após a guerra,
retornou ao curso e graduou-se em 1955, tornando-se professor catedrático de Direito
Público da Universidade de Freiburgo, onde permaneceu até se aposentar em 1987.
Presidiu a Associação de Professores de Direito de Estado da Alemanha de 1971 a
1973 e integrou a Academia Bávara de Ciências de 2003 até sua morte em 2005.
Além da obra em fichamento, traduzida para o português pelo então Procurador
da República Gilmar Mendes, Hesse também publicou, sob os títulos traduzidos, as
obras “Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha” (1998)
e “Direito Constitucional e Direito Privado” (2012).
Ambas as obras tratam da Constituição, seus conceitos sociológicos e
percepções de efetividade, sendo complementares no tocante ás opiniões dos
autores.
2. TRANSCRIÇÕES DOS PRINCIPAIS TRECHOS DA(S) OBRA(S)

“A essência da Constituição”
p. 3 – “A verdadeira ciência – nunca será demais lembrar – não é mais do que essa
clareza de pensamento que não promana de coisa preestabelecida, mas dimana de
si mesma, passo a passo, todas as duas consequências, impondo-se com força
coercitiva da inteligência à quele que acompanha atentamente seu desenvolvimento.”
p.5 – “O que é uma Constituição? Qual é a verdadeira essência de uma constituição?
Em todos os lugares e a qualquer hora, à tarde, pela manhã e à noite, estamos ouvindo
falar da Constituição e de problemas constitucionais. Na imprensa, nos clubes, nos
cafés e nos restaurantes, é este o assunto obrigatório de todas as conversas”
p.5 – “Não basta apresentar a matéria concreta de uma determinada constituição, a
da Prússia ou outra qualquer, para responder satisfatoriamente à pergunta por mim
formulada: onde podemos encontrar o conceito de uma Constituição, seja ela qual
for?”
p.6 – “Se fizesse essa indagação a um jurisconsulto, receberia mais ou menos esta
resposta: Constituição é um pacto juramentado entre o rei e o povo, estabelecendo os
princípios alicerçais da legislação e do governo dentro de um país.”
p.10 – “Sendo a Constituição a lei fundamental de uma nação, será – e agora já
começamos a sair das trevas – qualquer coisa que logo poderemos definir e
esclarecer, ou, como já vimos, uma força ativa que faz, por uma exigência da
necessidade, que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam
o que realmente são. Promulgada, a partir desse instante, não se pode decretar,
naquele país, embora possam querer, outras leis contrárias à fundamental.”
p.10 – “Os fatores reais do poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força
ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando
que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são.”
p.12 – “Como podeis ver, um rei a quem obedecem o exército e os canhões é uma
parte da Constituição.”
p.13 – “Vejam, pois, como uma nobreza influente e bem-vista pelo rei e sua corte é
também uma parte da constituição.”
p. 14 – “Demonstra-se, assim, que os grandes industriais, enfim, são todos, também,
um fragmento da Constituição.”
p.16 – “Vemos, mais uma vez, que também os grandes banqueiros, sejam eles quem
forem, a bolsa, inclusive, são também partes da Constituição”
p. 16 – “É que, dentro de certos limites, também a consciência coletiva e a cultura
geral da nação são partículas, e não pequenas, da Constituição.”
p. 23 – “Tenho demonstrado a relação que guardam entre si as duas constituições de
um país: essa constituição real e efetiva, integralizada pelos fatores reais de poder
que regem a sociedade, e essa outra constituição escrita, à qual, para distingui-la da
primeira, vamos denominar folha de papel.”
p. 33 – Quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa e duradoura? A
resposta é clara e parte logicamente de quanto temos exposto: quando essa
constituição escrita corresponder à constituição real e tiver suas raízes nos fatores d
poder que regem o país.”
p. 37 “De nada servirá o que se escrever numa folha de papel se não se justifica pelos
fatores reais e efetivos do poder”

“A força normativa da Constituição”


p. 10 – “E que a história constitucional parece, efetivamente, ensinar que, tanto na
praxis política cotidiana quanto nas questões fundamentais do Estado, o poder da
força afigura-se sempre superior à força das normas jurídicas, que a normatividade
submete-se à realidade fática”
p. 10 – “Considerada em suas consequências, a concepção da força determinante das
relações fáticas significa o seguinte: a condição, de eficácia da Constituição jurídica,
isto é, a coincidência de realidade e norma, constitui apenas um limite hipotético
extremo. É que, entre a norma fundamentalmente estática e racional e a realidade
fluida e irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não se deixa
eliminar.”
p. 11 – “A ideia de um efeito determinante exclusivo da Constituição real não significa
outra coisa senão a própria negação da Constituição jurídica. Poder-se-ia dizer,
parafraseando as conhecidas palavras de Rudolf Sohm, que o Direito Constitucional
está em contradição com a própria essência da Constituição.”
p. 11 – “Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal
justa, cumprindo-lhe tão-soment4 a miserável função – indigna de qualquer ciência –
de justificar as relações de poder dominantes”
p, 11 – “Afigura-se justificada a negação do Direito Constitucional, e a consequente
negação do próprio valor da Teoria Geral do Estado enquanto ciência, se a
Constituição jurídica expressa, efetivamente, uma momentânea constelação de
poder.”
p. 14 – “A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A
sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser
concretizada na realidade.”
p. 15 – “A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas
também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições
fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas”
p. 15 – “Para usar a terminologia acima referida, "Constituição real" e "Constituição
jurídica" estão em uma relação de coordenação. Elas condicionam-se mutuamente,
mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra”
p. 15-16 – “Ainda que não de forma absoluta, a Constituição jurídica tem significado
próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo
de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força
normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia
p. 18 – “A norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com
base na natureza singular do presente.”
p. 20 – “Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza
singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força
normativa.”
p. 24 – “a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não
pode ser separada
da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente
pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. A Constituição jurídica não
configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo,
ela ordena e conforma a realidade política e social. As possibilidades, mas também
os limites da força normativa da Constituição resultam da correlação entre ser (Sein)
e dever ser (Sollen).”
p. 25 – “A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel, tal como
caracterizada por Lassalle. Ela não se afigura "impotente para dominar, efetivamente,
a distribuição de poder", tal como ensinado por Georg Jellinek como, hodiernamente,
divulgado por um naturalismo e sociologismo que se pretende cético.”
3. RESUMO E CRÍTICAS

Ambas as obras analisadas este trabalho abordam a questão da Constituição,


com seus conceitos, fundamentos e características de efetividade e poder normativo
para uma nação. Mas Hesse se esforça em contrapor as ideias de Lassalle no sentido
de que este último chegar a comparar a constituição escrita a um pedaço de papel,
sem o poder normativo que deveria possuir, diante das forças sociais que
efetivamente comandariam a organização social. Para Hesse, existem pressupostos
realizáveis na prática que permitem assegurar que a força normativa da Constituição
é, sim, efetiva.
O texto de Ferdinand Lassale contido na obra “A essência da Constituição“ é a
representação de seu discurso proferido em uma conferência para intelectuais e
operários da antiga Prússia, em 1863. O autor sustenta em seus argumentos que os
problemas constitucionais não são problemas de direito, mas sim do poder cujas
forças regem a nação. Que a verdadeira constituição de um país somente tem por
base os denominados fatores reais e efetivos do poder vigentes naquela nação e que
as constituições escritas não têm valor nem são duráveis senão exprimirem fielmente
esses fatores do poder que imperam na realidade social.
Para Lassalle, são exemplos de fatores reais do poder o Rei, a força militar, a
nobreza, os banqueiros, a grande e a pequena burguesia e a classe operária, os quais
são, em essência, a própria Constituição de um país. Juntando-se todos os fatores
reais de poder e apondo-os em uma folha de papel, adquirem a forma de instituto
jurídico, ou constituição jurídica, absorvendo a força do direito. Somente a partir disso,
agora dotados de força normativa, haverá punição para aquele que atentar contra
seus preceitos.
Mas, segundo ele, as forças políticas movem-se consoante suas próprias leis,
que atuam independente das formas jurídicas. Sustenta que a história constitucional
parece, efetivamente, ensinar que, na prática, o poder da força afigura-se sempre
superior ao das normas jurídicas, ou seja, que a realidade sempre acaba suplantando
a normatividade. A condição de eficácia da Constituição jurídica só permanece
enquanto houver coincidência entre realidade e norma.
Contrapondo a visão de Lassalle, Konrad Hesse apresenta outro ponto de vista.
Embora com limitações, a Constituição carrega uma força própria, motivadora e
ordenadora da vida do Estado. Não haverá, contudo, existência de força normativa
autônoma em face da realidade e que sua essência reside em sua vigência, ou seja,
a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade.
O autor desenvolve seu raciocínio a partir de três abordagens a fim de justificar
suas concepções: 1) através da análise do condicionamento recíproco existente entre
a Constituição jurídica e a realidade político-social, onde cunhou as expressões
“Constituição jurídica” e “Constituição real”; 2) da análise dos limites e possibilidades
da atuação da Constituição jurídica; e 3) os pressupostos de eficácia da Constituição.
Konrad reforça ainda que a força condicionante que a Constituição exerce
sobre a realidade pode ser diferenciada da sua respectiva normatividade, mas, não
podem ser separadas ou confundidas. Sem o que ele nomeou como “a vontade de
constituição”, a constituição jurídica não se converte em força ativa. Deve também a
constituição corresponder à realidade social, devendo ser consideradas em um
inseparável contexto, em um condicionamento recíproco. A vontade da constituição
deve ser preservada, mesmo que para isso tenha-se que renunciar à certas
vantagens. Isso é um sacrifício necessário em prol da manutenção da força normativa
da constituição.
Hesse também sustenta que não haveria como prever o desfecho de um embate
hipotético entre a realidade político-social e a norma constitucional. A força dessa
norma depende essencialmente do fortalecimento da força da Constituição e do seu
pressuposto, que é a vontade de constituição.
Nessas condições, a Constituição subjugaria as forças do poder em caso de
embate, pois aquela sustenta pressupostos realizáveis que permitem assegurar a sua
força normativa. Em outros contextos, admite que a Constituição jurídica sucumbiria
diante da Constituição real.
Em outras palavras, segundo Hesse: “somente a Constituição que se vincule a
uma situação histórica concreta e suas condicionantes, dotada de uma ordenação
jurídica orientada pelos parâmetros da razão, pode, efetivamente, desenvolver-se.”
Em relação ao direito constitucional enquanto ciência, nesse contexto, ele
afirma: “o Direito Constitucional não está obrigado a abdicar de sua posição enquanto
disciplina científica. Em outros termos, o Direito Constitucional deve explicitar as
condições sociais as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia
possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática, e da interpretação
constitucional.”.
Por fim, analisando-se as duas obras, pôde-se chegar a seguinte conclusão
crítica:
A obra de Lassalle conduz a uma reflexão aprofundada do significado de
Constituição, considerando aspectos sociais, históricos, culturais e relações de poder
em determinada sociedade. Pela sua lógica, a Constituição jurídica (a escrita) está
sujeita integralmente ao poder de grupos sociais organizados. A construção do
ordenamento jurídico desse país, cujo ápice é a lei fundamental, resta, portanto,
subjugado a esse poder.
Não obstante a época de sua publicação, a tese de Lassalle não se configura
obsoleta. Há, infelizmente, exemplos contemporâneos de nações cujos fenômenos
sociais estão efetivamente sujeitos à essas forças, notadamente nos continentes
africano e Ásia Oriental.
Hesse, por outro lado, leva-nos a uma reflexão mais confiante e esperançosa
no poder da norma constitucional, já que ele afirma que esta possui força ativa para
influenciar os acontecimentos sociais, trazendo, portanto, uma sensação de
segurança jurídica e estabilidade.
Ambas as obras são leituras basilares ao estudante do direito e de grande
importância também para o estudo do direito constitucional, levando o leitor a maior
compreensão dos fatores que levam à máxima efetividade das normas jurídicas.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição; tradução de Gilmar


Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1991.

Lassale, Ferdinand. A essência da Constituição; Coleção Clássicos do


Direito, 7 Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. ISBN 978-85-375-
0032-3.

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