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葡京法律的大学 大象城堡
Direito Comercial II | António Menezes Cordeiro
2015/2016
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Direito Comercial II | António Menezes Cordeiro
2015/2016
VOLUME 2
Parte Geral
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Generalidades: o conceito de sociedade, tal como hoje o conhecimento, é muito recente,
em termos de Direito Privado. Data, na prática, do século XIX. Todavia, ele não foi, de
modo algum e nessa altura, criado ex nihilo: antes surgiu como ponto de chegada de toda uma
complexa e milenária evolução anterior. Podemos considerar que as sociedades atuais
surgiram no ponto de encontro de três poderosos institutos:
Do contrato romano de societas;
Da personalidade coletiva;
Das companhias dos séculos XVII e XVIII.
Parece claro que a societas deixou a sua marca no contrato civil de sociedade e, daí, nas
sociedades civis puras, enquanto a orgânica das companhias coloniais foi determinante para
as sociedades anónimas. As comunicações entre os três apontados pilares mostraram-se
enriquecedoras e constantes. Mais importante do que os reflexos nas diversas normas foram
as consequências jurídico-científicas derivadas da junção de elementos tão variados. A societas
é ius romanum, com tudo o que isso implica. A sua receção, ao longo dos tempos, foi-lhe
atualizando o perfil: mas, sempre, com as marcas de origem. A personalidade coletiva revela-
se, no fundamental, como uma conquista jurídico-científica do racionalismo. Corresponde a
um nível de abstração superior e tem diversas consequências técnicas de relevo. Finalmente,
as companhias coloniais operaram como o grande banco de ensaio que permitiu, ao Ocidente,
alcançar uma técnica jurídico-social de congregrar grandes capitais, a partir do esforço dos
particulares e organizando, para tanto, uma estrutura funcional e produtiva.
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suscitou o interesse dos juristas do princípio do século XX. A conexão das atuais sociedades
fez-se, contudo, com as experiências medievais e não , de modo direto, com as romanas. Não
era, aliás, função da societas o criar um ente novo, diferente dos contraentes nem, sobretudo,
providenciar complexas organizações, onde seriam congregados os esforços ou os capitais
de centenas ou de milhares de pessoas. A societas era, simplesmente, um contrato que traduzia
uma relação de cooperação, entre duas ou mais pessoas.
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est quod universitas deliquat: qui universitas, siant et capitulum, populus, gens, et huiusmodi, nomina sint
iuris, et non personarum – apud Rufifini. Procurando justamente passar do somatório de pessoas
singulares para a pessoa coletiva, Sinibaldo Dei Fieschi (Inocêncio IV) vem apontar que o
sujeito de direitos não é a pessoa natural, mas sim a fictícia: cum collegium in causa universitatis
fingatir una persona. Os glosadores moveram-se sobre textos romanos onde a personalidade
coletiva era patente. No entanto, seja por falta de meios científicos, seja pelo influxo da
realidade medieval ou seja, por fim, pela impossibilidade de levar demasiado longe a
capacidade de abstração, eles não avançaram. Nas palavras de Ruffini, os glosadores não
souberam conceber a personalidade jurídica sem o substrato de uma coletividade de pessoas;
a corporação seria então, simplesmente, a soma dos seus membros. Não se deve 5
menosprezar a obra dos glosadores: ela foi decisiva na evolução subsequente. A sua ligação
estreita ao canonismo permitiu recuperar a ideia de ficção para o Direito Romano. Esta linha
foi recebida pelos comentadores. Bártolo reporta-se ao que hoje chamamos pessoa coletiva
como ficção jurídica: secunde um fictionem juris universitas aliud quam homines universitatis e
acrescentando quia propria non est persona; tamen hoc est fictum positum pro vero; sicut ponimus nos
juristae. A evolução técnico-jurídica da personalidade coletiva requeria uma maior capacidade
de abstração. Apenas esta permite transcender comparações muito simplistas com corpora
ou aproximações elementares à ideia de ficção. Em princípio, os juristas do humanismo
estavam habilitados a dar o passo subsequente. Houve um certo esforço nesse sentido. Em
Donnellus, a pessoa continua, essencialmente, a ser a singular. Althusius, todavia, precede já
a uma contraposição bastante expressiva entre a pessoa singular e a coletiva. Os humanistas
prolongaram a sua influência no mos gallicum e nos jurisprudentes elegantes que o enformaram.
Eles ocuparam-se dos entes coletivos, dando azo a uma tradição própria que tomaria corpo
na pré-codificação francesa. A afirmação pode ser ilustrada com Domat, que escreve,
designadamente:
«(…) as comunidades legitimamente constituídas, funcionam como pessoas, e a sua união, que
torna comuns, a todos os seus interesses, os seus direitos e os seus privilégios, faz que elas sejam
consideradas como um só todo».
Pouco antes, explicara:
«(…) as comunidades que são corpos compostos de várias pessoas, pra um fim público, e que,
num Estado, são consideradas como se fossem pessoas».
A ideias de Domat foram, diretamente, retomadas por Pothier, cuja influência, no Code Civil,
é conhecida. Diz ele:
«Os corpos e comunidades, estabelecidos segundo as leis do reino, são
considerados, no Estado, como se fossem pessoas: veluti personam sustinet;
pois esses corpos podem, tal como as pesos, alienar, adquirir, possuir bens, litigar,
contratar, obrigar-se e obrigar os outros para com eles.
«Esses Corpos são seres intelectuais, diferentes de todas as pessoas que os compõem: universitas
distat a singulis».
Aparentemente, a pré-codificação francesa abrira o caminho, sendo de esperar que as pessoas
coletivas obtivessem um lugar condigno, no então futuro Código Napoleão. Isso não
sucederia: o período revolucionário foi fortemente contrário a entes que pudessem reduzir o
papel nuclear do cidadão individual. Além disso e sobretudo: os jurisprudentes elegantes
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franceses, embora conhecendo a ideia de personalidade coletiva, não lhe deram a focagem
sistemática necessária para, dela, fazer um dado nuclear do sistema. Exigia-se um nível de
pensamento abstrato que surgiria, entretanto, além-Reno. A personalidade coletiva,
entendida no sentido mais abstrato e como categoria geral e inserida no topo das introduções
jurídicas, foi obra do racionalismo ou segunda sistemática. Estava aberta a classificação que,
até hoje, ocupa as primeiras páginas dos tratados de Direito Civil: a que contrapõe pessoas
singulares às coletivas. Estas, por seu turno, contribuíram para a conformação das sociedades
comerciais e da sua dogmática.
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1602, foram elevados a administradores. Mas se os esquemas do poder são os que, mais
diretamente, prendem a atenção, não é possível esquecer o dia-a-dia do comércio societário.
Aí, há que jogar com regras técnicas que, embora menos visíveis, têm uma importância
decisiva no moldar de uma cultura jurídica. A esse propósito, desde Troplong que os autores
sublinham a importância direta dos estatutos da Compagnie des Indes Orientales, na redação de
certos preceitos do Code de Commerce de 1807, em matéria de sociedades anónimas. Está-se,
pois, na presença de uma linha continua, até aos nossos dias. De todo o modo, tem sido feita
uma contraposição interessante entre as experiências inglesa, holandesa e francesa, todas
importantes para o futuro das sociedades anónimas: a experiência inglesa assentou na
iniciativa particular; a holandesa visou acabar com a concorrência que existira nos Países 7
Baixos, antes da companhia de 1602; a francesa derivou de iniciativas do Estado. Como foi
dito, as companhias coloniais do século XVII dependiam da outorga do rei ou do governo.
Visando sedimentar essas sociedades como entidade autónomas e juridicamente
diferenciadas, pretendeu-se libertar os administradores de adstrições. Segundo o artigo II da
Carta da Companhia das Índias Orientais Francesa,
«(…) nem os diretores nem os particulares interessados (portanto, os sócios) poderão ficar
adstritos,, seja qual for a causa ou pretexto, a fornecer qualquer garantia, para além daquela
pela qual se obrigaram no primeiro estabelecimento da Companhia (portanto, a subscrição), ou
através de suprimento ou de outra forma».
Esta medida, em si compreensível, veio somar-se ao facto de os administradores dependerem
apenas do conselho do rei. Os interesses dos acionistas privados não estavam acautelados o
que, na época, causou vários protestos. Durante o longo período de guerra com a Espanha,
os administradores negavam-se a prestar informações aos sócios, alegando a necessidade de
segredo militar. Posteriormente, o próprio dever estatutário de prestar informações acabaria
por ser suprimido. Se não fosse a inversão provocada pela Revolução Francesa e pela
subsequente revitalização do privatismo, as companhias teriam basculhado, para o Direito
Público, comprometendo o futuro das sociedades anónimas, tal como as conhecemos. No
Século XVIII, sucederam-se as tentativas de lançar sociedades de capitais desligadas do
Estado e dos seus privilégios; chegou-se, mesmo, a falar na sua democratização. Tais
tentativas fora, porém, minadas por escândalos financeiros, de que o Banco de Law foi o
mais conhecido exemplo. A memória desses episódios impressionou os espíritos, de tal
modo que, na Revolução Francesa, uma legislação radical veio proibir as sociedades de
capitais, designadamente quando tivessem objetivos financeiros. O Diretório, em 1796, veio
inverter esse processo, abrindo as portas à decisiva reforma de 1807.
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questão. E fá-lo com argumentos ponderosos. Desde logo, coloca o tema da personalidade
depois do do direito subjetivo que, sabidamente, define como o interesse juridicamente
protegido. O primeiro elemento do direito subjetivo seria o interesse. Como segundo
elemento surge a proteção, máxime pela ação judicial, e que corresponde a um critério de
Direito Privado. Na sociedade ocorrem certos interesses, indeterminados ou gerais, cuja
defesa exige uma particular colocação de modo a poderem comportar a ação judicial. Aí
acodem as pessoas coletivas: são modos de posicionar os referidos interesses indeterminados
ou gerais, como forma de os tornar operacionais, perante a ação judicial. Mas os interesses
são-no, sempre, dos homens; por isso, Hjering passa a descobrir quem se abriga por detrás
das diversas pessoas coletivas: nessas condições estariam os verdadeiros titulares dos seus 9
direitos. Esta evolução tinha um termo lógico. Se as pessoas coletivas – e, daí, as pessoas em
geral – mais não eram do que um expediente técnico para assegurar a tutela jurídica de certos
escopos, então elas podiam ser dispensadas. As realidades deveriam ser chamadas pelos seus
nomes: os escopos com determinada aetação. Esta posição negativista foi defendida por
Brinz. O Direito não vive – não pode viver - de expedientes linguísticos. Por isso, se a pessoa
(Coletiva) mais não fosse do que um expediente, destinado a permitir a ação judicial, em
relação a escopos coletivos ou indeterminados – ou quaisquer outros – poderia ser
dispensada, como complicação suplementar inútil. Numa palavra: a crítica de Brinz não pode
ser positiva. Mas para tanto, haveria que aguardar, ainda, uma longa caminhada científica. O
vazio deixado pela tecnicização da personalidade coletiva levou a doutrina do século XIX a,
vivamente, procurar um conteúdo para preencher essa noção. As múltiplas tentativas desde
então verificadas podem agrupar-se em sistematizações que não sendo inóquas, variam com
os autores. Pela facilidade de reconstrução histórica que possibilita, vai recorrer-se à
ordenação cronológica dos esforços efetuados. A reação mais característica e cabal ao
ficcionismo técnico viria de Von Gierke e da sua conceção, que ficaria conhecida como teoria
orgânica ou do realismo orgânico e que daria azo, mais tarde, a uma generalizada busca de
substratos, para a pessoa coletia. Von Gierke desenvolve a sua construção sobre a
personalidade coletiva na base de uma crítica À denominada teoria da ficção. Após aturados
estudos históricos, Von Gierke é levado a concluir pela efetiva existência, na sociedade, de
entidades coletivas que não se podem reduzir à soma dos indivíduos que as componham. A
realidade social não permitiria, portanto, concluir pela existência, apenas, de pessoas
singulares: junto a estas operariam as pessoas coletivas. Explica este autor:
«A pessoa coletiva é uma pessoa composta. A sua unidade não se exprime numa essência
humana singular, mas, antes, num organismo social que, na sua estrutura orgânica surge,
tradicionalmente, com um corpo, com cabeça e membros e com órgãos funcionais, mas apenas
como imagem social».
Resultaria, daí, que:
«A pessoa coletiva é uma pessoa efetiva e plena, semelhante à pessoa singular; porém, ao
contrário desta, é uma pessoa composta».
A construção de Von Gierke tem sido criticada pelo insólito que implica a referência a órgãos,
especificamente cabeça e membros, nas pessoas coletivas. A crítica não é justa: Von Gierke
explica que, por um lado, também a pessoa singular só age através dos seus órgãos; por outro,
tais referências são meramente ilustrativas. Imputa-se, ainda, a Von Gierke, uma certa
definição quanto à natureza última dos organismos, que servem de substrato às pessoas
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coletivas. Na realidade, tais organismos era assumiriam natureza histórico-cultural, ora seriam
apresentados como realidades sociológicas, ora seriam remetidos para o elemento humano
subjacente. Responde Von Gierke:
«Não sabemos, verdadeiramente, o que e a vida. Mas não a podemos, por isso, excluir da
Ciência. Sabemos, de facto, que a vida existe (…). Assim, construímos um conceito de vida
com o qual operamos nas ciências da natureza e nas do espírito».
Finalmente, considera-se que o Direito Positivo, por vezes, personifica realidades pura e
simplesmente carecidas de substrato, enquanto outras, dele guarnecidas, não são
contempladas. A orientação orgânica de VOn Gierke tem o mérito de recordar que a 10
personalidade coletiva corresponde a uma realidade histórica e sociológica, que ultrapassa o
arbítrio do Direito. Este pode não reconhecer todos os organismos que o mereceriam, como
Von Gierke não deixa de notar. Mas quando isso ocorra, o legislador esquece a realidade,
atentando contra a ideia de Direito. Por outro lado, atribuir personalidade a algo que não
corresponda a qualquer substrato, estará, por certo, próximo da ficção. O grande óbice de
construção de Von Gierke reside na dimensão técnica que a personalidade coletiva veio a
assumir. Embora essa dimensão não a esgota, ela existe e não deve ser esquecida. Ora, desde
o momento que o Direito Positivo personifique entidades que ainda não têm substrato
orgânico e que – porventura – nunca o virão a ter, há que procurar, alhures, a sua essência.
Como esta ressalva, Otto Von Gierke ficará como o cientista do Direito que mais
profundamente estudou a personalidade coletiva. Embora a linguagem metafórica de on
gIerke tenha sido desamparada, a ideia básica por ele defendida permaneceria em largos
setores da doutrina. Tal ideia traduz-se na asserção de que, na personalidade coletiva, não há
uma pura criação jurídica ou um simples expediente normativo: o Direito limitar-se-ia a
reconhecer algo de preexistente, ou seja, um determinado substrato, cuja natureza, depois,
se poderia discutir. Além disso, da pessoa coletiva emanaria uma dimensão supraindividual.
Até aos nossos dias, tem sido reconhecida pelo menos uma parcela de razão a Von gIerke.
O organicismo de Vom Gierke veio ceder o lugar a substratos mais subtis. Assim, é possível
apontar três tradições que procruram o substrato das pessoas coletivas, respetivamente, em
acervo de bens, em manifestações institucionalizadas da vontade ou em organizações não
específicas. O acervo de bens ou património de afetação remonta à corajosa construção de
Brinz e, mais longe, a uma das leituras de Jhering. Perante a prática jurídica corrente,
habituada a lidar com as pessoas coletivas, esta orientação foi perdendo as suas vestes
negativistas. Em Windscheid, ainda se mantêm alguns aspetos: admitem-se os próprios
patrimónios como sujeitos de direitos. Schwarz, por fim, reconstitui a unidade das pessoas,
asseverando que, em todos os casos, a personalidade resulta do escopo dos patrimónios
afetos, numa posição que aflora igualmente em Rhode. A vontade, e com raízes em Savigny,
surge, de modo repetido e na literatura da época, como um excelente substrato para as
pessoas coletivas. Num importante trabalho, Zitelmann vem concluir que a personalidade é
a capacidade de ter uma vontade jurídica. KArlowa retoma esta orientação, conectando-a,
aliás, com o pensamento hegeliano, enquanto Regelsberger fala em centros de atuação e de
vontade. Levando esta orientação até às suas fronteiras lógicas, Hölder defende o
representante como o efetivo substrato da pessoa coletiva. Posteriormente, autores como
Haff, são levados a abordar o tema da personalidade coletiva através da vontade, como modo
de aprofundar as construções de Von Gierke. Os apelos a uma organização de tipo jurídico
– e, portanto, a não confudnir com o organicismo, de Von Gierke – vão surgir, com exemplo
em Enneccerus: as pessoas coletivas são organizações, reconhecidas como sujeitos, de
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direitos e de vontade. Todas essas orientações, cada vez de leitura mais complexa e subtil,
defrontavam-se com uma dificuldade de raiz: a multiplicação das pessoas coletivas permitia,
em contínuo, apresentar casos nos quais faltava, ora o património, ora a vontade, ora a
organização. Noutros termos: não há um património, ora a vontade, ora a organização.
Noutros termos: não há um substrato que possa, com razoabilidade, amparar todas as todas
as pessoas coletivas que a prática jurídica permite documentar. Os estudiosos recorreram,
então, a abstrações crescentes. O pensamento neo-hegeliano, particularmente apto para a
superação do personalismo kantiano através da concretização das ideias, forneceu, num
primeiro tempo, quadros mentais e linguístico para a abstração dos substratos.
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Realismo jurídico e tendências recentes: os esforços acima notados no sentido de,
para as pessoas coletivas, encontrar um substrato foram, claramente, esmorecendo. A
variedade de situações a que o Direito vinha reconhecendo a personalidade coletiva
inviabilizava qualquer hipótese razoável de construir substratos unitários ou sequer,
classificáveis. Os juristas vieram a refugiar-se em construções cada vez mais teóricas ou
técnico-jurídicas. A teoria da ficção, reportada sem grande critério a Savigny, era recusada
perante a presença efetiva de pessoas coletivas. Porém, também o organicismo e os diversos
substratos eram desamparados, dada a presença irrefutável dos mais diversos tipos de
pessoas coletivas. A pessoa coletiva veio, então, a ser definida com recurso a pura
terminologia jurídica e por à pessoa singular. Em contrapartida à teoria da ficção, esta
orientação é dita realismo; e por contraposição aos diversos substratos, ela considera-se
jurídica. O realismo jurídico remonta aos aspetos técnicos da noção de Savigny. Tais aspetos
foram sobrevalorizados por algum pandectística tardia, ao ponto de se tornarem nos únicos
fatores a ter em conta, na definição. Em troços já citados, Windscheid e de Enneccerus, nota-
se uma referência muito tímida a substratos; o essencial das respetivas noções é técnico-
jurídico. A partir daqui, autores das mais diversas formações vêm apresentar noções que
pretendem combater o ficcionismo com recurso a categorias jurídicas. Para BInder, «ser
sujeito de direito é estar numa relação, dada pela Ordem Jurídica, e que nós chamamos direito
subjetivo». Saleilles, embora considerando analítica a fórmula de Binder, adere também ao
realismo. Wolff apela a um conceito técnico-jurídico de pessoa, enquanto Brecher sublinha
que o sujeito de direito só o é por força da lei. O realismo jurídico tem sido doutrina oficial
em França, em Itália e em Portugal. O realismo jurídico teve, por fim, um influxo muito
marcado em Portugal, ao ponto de poder considerar-se, também aí, como uma verdadeira
doutrina oficial. Logo no início, essa orientação, bem documentada em José Tavares e Cunha
Gonçalves, partia de uma série de classificações de doutrinas – nem sempre muito ajustadas
ao verdadeiro pensamento dos autores classificados – rebatendo os diversos termos. No fim,
a pessoa coletiva, mais ou menos amparada em referências político-filosóficas, era defendida
como uma realidade jurídica ou técnica. Manuel de Andrade, aliás com uma referência a
Ferrara, apresenta a pessoa coletiva como um produto da ordem jurídica ou uma realidade
do mundo jurídico, na qual o essencial é o elemento jurídico. A fórmula de Andrade
reaparece, em Mota Pinto; simplesmente, dá-se uma caminhada no sentido da sua
formalização, em termos que, a ter havido evolução, poderiam ter levado a opções de tipo
analítico ou normativista, mais modernas. Perto dessa evolução esteve José Dias Marques
que , após percorrer as tradicionais classificações das doutrinas, acaba por fixar-se numa
orientação jurídica e realista, definido a pessoa como mera suscetibilidade de direitos e
obrigações. Já Paulo Cunha e Castro Mendes ficaram mais próximos de um realismo jurídico
tradicional, à semelhança de diversa doutrina que os antecedeu e que lhes sucedeu. Apenas
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personalidade jurídica, no seu todo – não pode mais ser tratada como uma categoria absoluta:
antes haverá que relativiza-la. Trata-se de um ponto para o qual a comercialística tem dado a
um contributo. A doutrina tradicional contrapunha personalidade, a capacidade: a primeira
daria um teor quantitativo do ente, enquanto a segunda se ligaria a aspetos quantitativos.
Noutros termos: as diversas pessoas podem ter maiores ou menores capacidades de direitos
ou de adstrições; mas ou são pessoas, ou não o são. Esta absolutização da personalidade, que
obriga a reduzir, num mesmo conceito, realidades profundamente diversas, constitui um dos
óbices que têm travado uma doutrina, cabal e coerente, das pessoas coletivas. Justamente:
áreas crescentes do moderno privatismo tentam pôr cobro a essa anómala absolutidade. Na
origem, encontramos alguns estudiosos clássicos do início do século XX, como Chironi, que, 13
estudando a natureza da personalidade coletiva, logo sublinham a multiplicidade das suas
concretizações: no fundo, como bem explicou de Ruggiero, a pessoa coletiva define-se,
apenas, pela negativa: não ser singular. Modernamente, temos Fabriccius, que, estudando a
relatividade da capacidade jurídica, não deixa de focar os reflexos que essa relatividade tem
nas próprias pessoas, enquanto tais. Porém, só mais recentemente, a ideia de personalidades
parcelares tem vindo a ser divulgada, sobretudo em torno do estudo das sociedades do BGB.
Trata-se de uma posição com inúmeros efeitos práticos, uma vez que permite, entre outros
aspetos, equacionar novos direitos reconhecidos às sociedades civis puras – que, no BGB,
não seriam personalizadas –, encarar a personalização parcelar das sociedades profissionais,
explicar a incidência de deveres legais, sobre sociedades em formação, bem como o seu
específico regime de responsabilidade. A essa luz, a contraposição entre sociedades de
pessoas (que, no Direito alemão, não teriam personalidade jurídica plena) e de capitais tende
a esbater-se. Com as cautelas que presidem à alteração de temas centrais deste tipo, a
evolução parece estar em marcha.
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presença de uma entidade destinatária de normas jurídicas e portanto: capaz de ser titular de
direitos subjetivos ou de se encontrar adstrita a obrigações. A afirmação da personalidade
será, pois, a consideração de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço de
legitimidade de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço de legitimidade
conferido pelos direitos de que seja titular, e deve agir, no campo das suas adstrições. O
modo por que vão ser exercidos os direitos e cumpridas as obrigações já não é esclarecido
pela afirmação sumária da personalidade: isso dependerá de múltiplas outras normas jurídicas,
cuja aplicabilidade, no entanto, postula a personalidade e deriva dela. Qualquer norma de
conduta – permissiva ou de imposição – será sempre, em última análise, acetada por seres
humanos conscientes, o que é dizer, por pessoas singulares capazes. Qualquer fruição de 14
bens será, também, sempre sentida, em última instância, por pessoas singulares e isso não
obstante, muitas vezes (quase sempre?) a verdadeira fruição exigir um compartilhar de
vantagens. Por razões históricas, culturais, económicas, práticas, linguísticas ou casuais, as
normas assumem, com frequência, fórmulas indiretas para atingir os seus destinatários. Em
Direito, pessoa é, pois, sempre, um centro de imputação de normas jurídicas, isto é: um polo
de direitos subjetivos, que lhe cabem e de obrigações, que lhe competem. A pessoa é singular,
quando esse centro corresponda a um ser humano; é coletiva – na terminologia portuguesa
– em todos os outros casos. Na hipótese da pessoa coletiva, já se sabe que entrarão, depois,
novas normas em ação de modo a concretizar a imputação final dos direitos e dos deveres.
Digamos que tudo se passa, então, em modo coletivo: as regras, de resto infletidas pela
referência a uma pessoa, ainda que coletiva, vão seguir canais múltiplos e específicos, até
atingirem o ser pensante, necessariamente humano, que as irá executar ou violar. A definição
apresentada é sistemática, técnica e funcional: permite, numa fórmula sintética, a articulação
da personalidade com o direito subjetivo e os demais níveis da ordem jurídica. É, ainda,
unitária. Pergunta-se, porém, se não apresentará um excessivo plano de formalismo,
reduzindo a personalidade a um expediente técnico, próximo das correntes normativistas e
analíticas. A verdade, porém, é que os diversos ordenamentos dos nossos dias, guiados por
necessidades materiais e de normalização, concedem a personalidade às mais variadas
entidades, independentemente do eu substrato. Por isso, não é viável induzir uma definição
plausível da pessoa coletiva que mantenha uma referência a um qualquer substrato. Além
disso, o mapa das diversas pessoas coletivas possíveis, desde o Estado até às discutíveis
sociedades civis puras, é tão vasto e diversificado que só à custa da abstração se tornaria
possível encontrar um esquema que tudo abranja. Porém – e como já foi adiantado – este
formalismo abstrato, fatalmente necessário, não vai ao ponto de esquecer a referência a
pessoa. O Direito poderia ter encontrado qualquer outra expressão para designar os centros
coletivos de imputação de normas jurídicas, que não a de pessoa. Não o fez. Numa receção
cultural, cujo mérito remonta a Savigny e seus antecessores, aos jusracionalistas e, mais longe,
aos canonistas, procedeu-se à transposição da própria figuração humana: pessoa. Houve
transposição: é bom lembrá-lo e, aqui, o retorno a Savigny surge inevitável e é saudável. Mas
transposição, quanto possível, efetiva. Tanto basta – e seria possível mais? – para que a
referência a uma pessoa coletiva, para além da imediata eficácia técnica, no plano da aplicação
de normas jurídicas, envolva representações ético-normativas, determinantes na aplicação de
normas e princípios. A focagem deste ponto – essencial, na nossa construção e isso com
múltiplas consequências dogmáticas e regulativas – é mais do que sobeja para substancializar
a personalidade coletiva.
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3 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
Coimbra, Maio 2011.
4 Por exemplo, poderemos classificar as pessoas coletivas de tipo associativo em associações e sociedades,
consoante tenham ou não fim lucrativo (o que nem é rigoroso, uma vez que as associações podem ter fins
lucrativos, enquanto as sociedades podem ser usadas sem esse fim; fala-se, já aqui, apenas de configurações
típicas). Mas as diversas formas de sociedades já não obedecem a critérios únicos: antes surgem como uma
tipologia ou justaposição de tipos, distintos entre si por uma série, de resto variável, de características.
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O problema nas sociedades civis puras; a discussão: o Código Civil não atribui,
com clareza, personalidade coletiva às sociedades civis que regula. Mas também não a nega.
O autor do anteprojeto – o Professor Ferrer Correia – teve a seguinte ideia:
«Foi de caso pensado que não propusemos a inserção no Projeto de qualquer norma consagrando
ou repudiando, neste capítulo das sociedades civis, o conceito de personalidade coletiva.
Efetivamente, este conceito, como outros do mesmo género, não é mais do que a expressão da
síntese das soluções dadas a certas questões práticas de regulamentação, que, essas sim, têm de
ser enfrentadas pelo legislador. E não há dúvida de que o Projeto as enfrentou. Resta apenas
saber que indicações se tiram das soluções adotadas pelo Projeto, no que toca ao mencionado
conceito. Mas esse é um problema de dogmática, com que o legislador não tem de se preocupar».
Temos, ainda, duas precisões. Em primeiro lugar, não é uma mera questão de conceito: antes
de construção dogmática, envolvendo consequências de entendimento e de regime.
Seguidamente: estamos perante um tema português clássico, discutido há mais de um século
e não de uma temática importada. Num momento em que a defesa do Direito Português
deve constituir prioridade absoluta, não podemos deixar cair no esquecimento as nossas
questões mais debatidas e, ainda, por resolver. Na origem da discussão ora em estudo, surge-
nos Dias Ferreira que, anotando a sociedade civil no Código de Seabra, a considera como:
«pessoa jurídica com direitos e obrigações, não só entre os seus membros, mas em relação a
terceiros».
Guilherme Moreira vem tomar posição diversa. Para ele, a personalidade só surgiria quando
se verificasse uma total independência patrimonial em relação aos sócios ou associados. Isso
leva-o a considerar as sociedades anónimas como pessoas coletivas; já as sociedades em
nome coletivo não o seriam, outro tanto sucedendo com as sociedades civis puras. Logo José
Tavares, numa análise muito incisiva e ponderosa, vem tomar posição oposta: as sociedades
civis puras teriam uma verdadeira personalidade jurídica. De facto, diversos preceitos do
Código de Seabra reconheciam, na sociedade civil, uma entidade juridicamente diferenciada
5Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
Coimbra, Maio 2011.
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dos seus sócios. Fechando este ciclo de controvérsia, Cunha Gonçalves vem negar a
personalidade coletiva das sociedades puras. Invoca argumentos de tradição e explica que a
sociedade é de tomar como sentido de os diversos sócios. Após a publicação do Código Civil
1966, o problema manteve-se: o legislador entendeu, como vimos – pensamos que bem –
não resolver expressamente o problema, remetendo-o para a doutrina. A doutrina dividiu-se.
Contra a personalidade coletiva das sociedades civis puras manifestaram-se Ferrer Correia,
Pires de Lima e Antunes Varela, Mota Pinto e Isabel Magalhães Collaço. A favor, com
algumas reservas, depunha Paulo Cunha; também com reservas, ele é propugnada por
Marcello Caetano, Castro Mendes, Carvalho Fernandes e Pedro Pais de Vasconcelos.
19
Segue; posição adotada: antes de situar o problema perante os dados atuais da teoria
da personalidade coletiva, parece útil proceder a algumas precisões. Quando a lei, de modo
expresso e eficaz, reconheça personalidade coletiva a uma entidade está, por essa via, a
determinar a aplicação de certas normas: de outro modo, a qualificação pessoa coletiva ficaria
no vazio. A personalização de um ente artificial cria uma entidade oponível erga omnes, com
direitos – incluindo de personalidade! – próprios, uma esfera específica e todas as
prerrogativas que acompanham as pessoas, em Direito. Compreende-se, por isso, que as
pessoas coletivas devam adotar figurinos normalizados, sujeitando-o, ainda, a uma certa
publicidade. De outro modo, não seria curial opor tais pessoas coletivas a terceiros: estes não
podem ser confrontados com a necessidade de respeitar situações que não conheciam nem
podiam conhecer. Mas a lei pode não ser expressa: antes se limitando a prever um regime
que, por razões de harmonia sistemática, obrigue o intérprete-aplicador a formular o juízo
ético-valorativo da personalização. No fundo, é sempre de um regime adequado que se trata.
A análise do articulado legal vigente mostra, com relevo para o problema, preceitos que:
Referem diretamente direitos e deveres como sendo da sociedade;
Parece claro que o Código Civil se exprime, neste complexo, em modo coletivo. Será
quimérico tentar convolar todas as regras em que se refere a sociedade para regras reportadas
aos sócios: é toda uma subsequente questão de regime, comum às diversas pessoas coletivas,
saber como tais regras chegam, depois, aos destinatários últimos que as devam cumprir. Além
disso, o Código Civil postula, várias vezes, a possibilidade de, por maioria, se formar uma
vontade social irredutível, pois, à de todos os sócios: assim sucede nos artigos 982.º, n.º2,
985.º, n.º2,3 e 4, 991.º, 1005.º, n.º1 e 1008.º, n.º1: umas vezes quando o pacto o permita;
outras, por lei. O RNPC contém elementos com interesse. O FNPC abrange informação
relativa às sociedades civis (artigo 4.º, n.º1, alínea a) RNPC). O seu artigo 42.º dispõe
expressamente sobre as denominações das sociedades civis sob forma comercial. Não fica,
todavia, clara a obrigação de inscrição no RNPC: o artigo 6.º do correspondente diploma
refere pessoas coletivas, não sendo seguro que as sociedades civis puras fiquem abrangidas.
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Contudo, o artigo 10.º, n.º1 RNPC sujeita a inscrição no FNPC factos relativos às entidades
referidas no artigo 4.º, n.º1, alínea d), o qual menciona:
«Entidades que, prosseguindo objetivos próprios e atividades diferenciadas das dos seus
associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica».
Quer isto dizer que as sociedades civis puras devem ser inscritas no RNPC, ou mais
precisamente (artigo 10.º, n.º1) devem sê-lo:
A sua denominação;
Esta obrigação envolve a de adotar uma denominação; ela torna-se efetiva, nos termos do
artigo 54.º, n.º2, quando a sua constituição de concretize por escritura pública: parece que
este preceito terá de se aplicar à própria constituição das sociedades civis puras,
independentemente de serem, a priori, pessoas coletivas. A sociedade civil pura, constituída
por escritura pública ou equivalentes, dotada de denominação, devidamente inscrita no
RNPC, dado o âmbito dos artigo s980.º e seguintes CC, é uma pessoa coletiva em tudo
semelhante às demais sociedades. Mostram-se assegurados os diversos interesses e valores
subsequentes. De acordo com a metodologia de Paulo Cunha podemos, então – e só então!
– recorrer ao artigo 157.º CC Verifica-se a analogia que permite a aplicação dos artigos 158.º,
n.º1 e 167.º CC: as sociedades civis puras, desde que constituídas por escritura pública ou
por outro meio legalmente admitido e com as especificações prescritas, nos seus estatutos,
são pessoas coletivas plenas. Quanto às restantes, todas as graduações são permitidas.
Relativizada a ideia de personalidade coletiva e admitindo o princípio das pessoas coletivas
rudimentares, nenhuma dificuldade haverá em considera-las com pessoas rudimentares. Só
funcionam como tal nos casos em que a lei assim o determine e para os específicos efeitos
consignados legalmente. Cumpre ainda chamar a atenção para as sociedades civis sob forma
civil que adquirem a personalidade coletiva por via de leis especiais.
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– saíam do mercado normal: não mais eram transacionados, tinham uma produtividade que
podia ser limitada e, além disso, não pagavam impostos, uma vez que ficavam envolvidos
nos privilégios da Igreja. Eram os bens de mão morta. Ao longo da História, os reis foram
aprontando regras tendentes a limitar tais bens e, designadamente: sujeitando a prévia
autorização régia a sua aquisição, pelas referidas entidades. Este estado de coisas ainda se
refletia no Código de Napoleão cujo artigo 910.º, versão original dispunha:
«Às disposições entre vivos ou por testamento, a favor de hospícios dos pobres de uma comuna
ou de um estabelecimento de utilidade pública não produzirão efeitos enquanto não forem
autorizados por um decreto imperial».
22
Já as deixas à Igreja haviam sido proibidas, tendo-se procedido, ao longo da Revolução, à
venda compulsiva dos seus bens. Na sequência destas medidas, vamos encontrar, no Direito
Francês, uma referência a um princípio da especialidade, limitador da capacidade de gozo de
certas pessoas coletivas, princípio esse que, muitas vezes, é referido já sem uma menção às
origens. Em Portugal, a preocupação de restringir a capacidade das pessoas coletivas prende-
se, igualmente, ao problema dos bens de mão morta e às leis de desamortização destinadas a
evitá-lo. A primeira lei destinada a combater a acumulação dos bens nas corporações
religiosas é de D. Dinis, datando de 10 julho 1324. Outras medidas constam das Ordenações
Manuelinas, dispondo as Filipinas:
«De muito longo tempo foi ordenado por os Reis nossos antecessores, que nenhumas Igrejas nem
Ordens podessem comprar, nem haver em pagamento de suas dívidas bens alguns de raiz, nem
per outro titulo algum os acquirir, nem possuir, sem especial licença dos ditos Reis, e acquirindo-
se contra a dita defesa, os ditos bens se perdessem para a Corôa(…)».
Com o liberalismo, foram tomadas diversas medidas. A Lei de 4 abril 1861 ordenou a
alienação dos bens das Igrejas e determinou a sua sub-rogação por títulos de dívida pública
consolidadas. A Lei de 22 Junho 1866 ampliou a desamortização aos bens imobiliários dos
distritos, municípios, paróquias, misericórdias, hospitais, irmandades, confrarias,
recolhimentos e quaisquer outros estabelecimentos pios, nacionais ou estrangeiros. A Lei de
28 agosto 1869 procedeu a novas ampliações. Na sequência de toda esta evolução, o Código
de Seabra veio estabelecer (artigo 34.º):
«As associações ou corporações, que gosam de individualidade jurídica, podem exercer todos os
direitos civis, relativos aos interesses legítimos do seu instituto».
(artigo 35.º);
«As associações ou corporações perpetuas não podem, porém, adquirir por titulo
oneroso bens imobiliários, exceto sendo fundos consolidados; e os que
adquirirem por título gratuito, não sendo d’esta espécie, serão, salvas as
disposições de leis especiaes, convertidos n’ella d’entro d’um anno, sob pena de
os perderem em beneficio da fazenda nacional.
«§1.º O que fica disposto na segunda parte d’este artigo, não abrange os bens immoveis,
que forem indispensáveis para o desempenho dos deveres das associações ou corporações.
«§2.º São havidas, para os efeitos declarados n’este artigo, como perpetuas:
«1.º As associações ou corporações por tempo ilimitado;
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«2.º As corporações ou associações, ainda que por tempo limitado, que não tenham
por objeto interesses materaes».
Como se vê, o artigo 34.º limitava a capacidade «aos interesses legítimos do instituto»,
enquanto a conjugação do artigo 35.º, com o seu §1.º e com o seu §2.º, n.º2, impedia as
associações não lucrativas de deter bens imóveis que não fossem indispensáveis para o
desempenho dos seus deveres. Fechava-se, mesmo sem autoconsciência, o princípio da
especialidade. Recolhendo e reformulando todas estas construções, Guilherme Moreira
procede a uma interessante aproximação:
Por um lado, a ideia, ligada à doutrina ultra vires, de que operando o reconhecimento 23
com vista aos interesses legítimos do seu instituto, a capacidade concedida não
poderia ir mais além;
Por outro, as restrições postas à aquisição de bens, por parte das pessoas moraes.
Trata-se de considerações retomadas por Manuel de Andrade, que aproxima o princípio da
especialidade e a doutrina ultra vires, de modo explícito. Outros autores deram o referido
princípio como adquirido.
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poderia provir de uma compartimentação do seu conteúdo: não estaria em causa o fim de
uma concreta pessoa coletiva, mas antes o de uma completa categoria de pessoas ou de atos.
Dir-se-ia, assim, que certa categoria de pessoas coletivas não se poderia dedicar a certas
categorias de atos. Mas não: por verosímeis que pareçam os exemplos que se encontrem,
poderia sempre suceder que, em concreto, um ato estranho se mostrasse justificado. Apenas
na base de leis específicas se torna possível limitar a capacidade das pessoas coletivas. O
princípio da especialidade, como elemento limitador da capacidade jurídica das pessoas
coletivas, tende, assim, a ser abandonado. Deve sublinhar-se que ele não pertencia ao acervo
clássico do Direito das Sociedades Comerciais. Citamos José Tavares:
«Desde que a lei reconhece a existência de uma personalidade jurídica, esta tem, em princípio 24
geral, a capacidade de uma pessoa física, excetuando apenas os direitos que, por sua natureza
ou pelo seu fundamento, lhe não podem realmente pertencer, como são os direitos relativos ao
estado civil das pessoas físicas e os de sucessão ab intestatio, e aqueles que a lei lhes recusa
expressamente, ou indiretamente, determinando taxativamente a área da sua capacidade
jurídica».
O Professor Ferrer Correia, grande comercialista, tentou, há mais de meio século e como
vimos, que o princípio da especialidade não fosse incluído no Código Civil. Foi, pois, num
puro refluxo concetualista, que nenhum estudo de campo soube amparar, que o Código das
Sociedades Comerciais, no seu artigo 6.º, n.º1, o veio como que ressuscitar. A moderna
comercialística acaba, porém, por lhe retirar um papel atuante: ora limitando-o a aspetos
descritivos, ora reportando-o a um objeto final de conseguir lucros, assim legitimando tudo
e mais alguma coisa. Apenas seriam ressalvadas as ocorrências que dispõem de um regime
especial. Também a jurisprudência tem vindo a subalternizar o princípio da especialidade: a
capacidade das pessoas coletivas obedeceria a um regime de ilimitação.
O problema dos atos gratuitos e das garantias: o grande campo de eleição para
as restrições à capacidade de gozo dos entes coletivos é o dos atos gratuitos, que poderiam
ser contrários aos fins da pessoa coletiva, particularmente se ela fosse uma sociedade. A
doutrina tende a abandonar tais construções. Desde logo, ficam de fora os donativos
conformes com os usos sociais: nem são havidos como doações (artigo 940.º, n.º2 CC). O
artigo 6.º, n.º2 CSC também considera não serem contrárias ao fim da sociedade «as
liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria
sociedade». Vamos porém mais longe: e a doação verdadeira e pura ficará fora da capacidade
de uma sociedade? E se os seus órgãos próprios, com todas as garantias legais, chegarem à
conclusão de que uma doação acaba por ser vantajosa, a prazo, qual o papel do legislador,
procurando intervir num ato de gestão, hoje corrente, em todo o Mundo? A prática de
doações ou atuações non profit é, hoje, uma indústria, por parte de instituições lucrativas e
muito bem geridas. O próprio legislador consagra um Estatuto de Mecenato, como modo
de atrair certas doações. Nenhuma razão se visualiza para considerar as doações fora da
capacidade de qualquer pessoa coletiva, mesmo tratando-se de uma sociedade. Em casos
concretos, determinadas doações poderão ser inválidas: mas por força de regras específicas,
que as proíbam. Resta concluir: o denominado princípio da especialidade não restringe, hoje,
a capacidade das pessoas coletivas: tal como emerge do artigo 160.º, n.º1 CC, ele diz-nos, no
fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo exceções abaixo referidas, acessíveis às
pessoas coletivas. Subproblema muito relevante é o da prestação de garantias a terceiros. Tal
prestação poderia surgir como um favor e, portanto, como um ato gratuito, que iria
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depauperar o património do garante, à custa dos sócios e dos credores. Mas pode ser uma
atividade lucrativa: pense-se nos bancos, que prestam garantias a troco de comissões. O
artigo 6.º, n.º3 CSC dispõe sobre as garantias. Fê-lo, porém, usando uma linguagem
desnecessariamente qualitativa: «considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias…».
Mas justamente: a parte puramente qualitativa não vincula o intérprete-aplicador. De acordo
com as regras de interpretação, o artigo 6.º, n.º3 CSC proibiu, pura e simplesmente, as
sociedades de prestar garantias, salvo nas condições que ela própria prevê. São elas:
Justificado interesse próprio da sociedade garante;
Sociedade em relação de domínio ou de grupo. 25
Estas exceções são de tal ordem que acabam por consumir a regra. O justificado interesse
próprio é definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos: estamos no Direito
Privado. Era é evidente que, quando se presta uma garantia – altura em que todos pensam
que a operação vai correr bem ou que, pelo menos, tudo é recuperável –, é facílimo invocar
interesse próprio justificado. A jurisprudência alarga, mesmo, a ideia de interesse,
explicando que ele pode ser indireto. Resta concluir que a proibição do artigo 6.º, n.º3 CSC
acaba por funcionar apenas, perante situações escandalosas e, ainda aí, havendo má fé dos
terceiros beneficiários. A responsabilização dos administradores terá de servir de contrapeso.
Quanto o problema geral dos atos gratuitos, o qual inclui, em certos moldes, algumas
garantias, resta acrescentar o seguinte: no Direito tradicional, a contraposição era clara:
associações e fundações tinham fins desinteressados, enquanto as sociedades buscavam o
lucro. Hoje, essas entidades estão formalizadas, de tal modo que a contraposição não é clara.
As pessoas coletivas tendem para a neutralidade. O que se exige, como contrapartida, é a
transparência dos seus atos, com contas devidamente auditadas e publicitadas. A partir dai,
o controlo é feito pelo mercado: automática e implacavelmente.
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6Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
Coimbra, Maio 2011.
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«As pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes,,
agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou
omissões dos seus comissários».
O artigo 998.º, n.º1 CC, repete, à letra, esse preceito, aplicando-o às sociedades civis puras.
Já o artigo 6.º, n.º5 CSC, usa uma fórmula diferente:
«A sociedade responde civilmente pelos atos ou omissões de quem legalmente a represente, nos
termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos comissários».
A responsabilidade do comitente consta do artigo 500.º CC, enquanto a do representante
deriva do artigo 800.º CC. Adiantamos que estas fórmulas e remissões não são satisfatórias: 29
revelam uma área em que a doutrina da personalidade coletiva está, ainda, incompleta.
Todavia, se forem bem interpretadas, poderemos colocar o Direito civil português dentro
dos atuais parâmetros da responsabilidade civil das pessoas coletivas. Numa fase inicial, as
pessoas coletivas eram consideradas insuscetíveis de incorrer em responsabilidade civil.
Mesmo ultrapassando a ideia de ficção e da não aplicabilidade analógica de normas e
realidades ficciosas, quedavam dificuldades de fundamentação: a responsabilidade, depois de
atormentada evolução, teria de se basear sempre na culpa; ora a pessoa coletiva não poderia
ter culpa. Além disso, foi levantando um segundo obstáculo: sendo a pessoa coletiva incapaz,
ela teria sempre de se fazer representar. E os poderes de representação não se alargariam a
atos ilícitos. O primeiro avanço consistiria em estabelecer a responsabilidade civil das pessoas
coletivas. Procedeu-se em duas fases:
A da responsabilidade contratual: fácil foi demonstrar que a pessoa coletiva não
podia cumprir as suas obrigações; seriam mesmo injusto ilibá-la, nesse ponto, de
responsabilidade, uma vez que isso iria provocar grave desigualdade nos meios
económico-sociais; e
A da responsabilidade delitual ou aquiliana: veio originar várias teorias, acabando
a doutrina por se fixar na do risco: o comitente, por beneficiar de condutas alheias,,
deveria, também, correr o risco de elas se revelarem danosas: responderia, pois,
objetivamente, isto é: mesmo sem culpa.
A solução de responsabilizar as pessoas coletivas, em termos aquilianos, pelos atos dos seus
representantes e através do esquema da imputação ao comitente, não era satisfatória: nem
em termos jurídico-científicos, nem em termos práticos. Assim:
Em termos jurídico-científicos, verifica-se que o recurso à imputação do comitente
está enfeudado à ideia de pessoa coletiva como incapaz; agiria através de comissários
ou mandatários, cujos feitos apenas mediatamente se repercutiriam na sua esfera
jurídica;
Em termos práticos, a imputação ao comitente equivale a meter de premeio mais uns
quantos requisitos; quer isto dizer que a pessoa coletiva acabaria por, no espaço
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7 Imagine-se, por exemplo, que o representante não tem culpa ou apresenta uma causa de justificação
puramente pessoal: a pessoa coletiva, potencialmente beneficiada com a sua atuação, não responderia, em
virtude do final do artigo 500.º, n.º1 CC: não pode ser.
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Pedro de Albuquerque
Oliveira Ascensão e Pedro
João Espírito Santo Menezes Cordeiro
Pais de Vasconcelos
Diogo Costa Gonçalves8
Violação
8 Este autor, refere ser a única solução aproveitável a superação pura mas, por impossibilidade dogmática, refere
a cedência à solução, no seu entendimento, unicamente aproveitável: a da superação pela formulação positiva
do princípio.
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9Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
Coimbra, Maio 2011.
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intermediação de uma pessoa coletiva, mesmo sabendo que isso envolve riscos e
desvantagens. O poder de atuar através de sociedades tem limites intrínsecos. Logo à partida,
seria estranho que tal poder fosse absoluto, permitindo contrariar os dados fundamentais do
ordenamento. A doutrina que sustenta, explica e aplica tais limites é a do levantamento da
personalidade. Quanto aos antecedentes, fundamentalmente alemães e norte-americanos,
passamos a sumariar os aspetos mais marcantes. Principiaremos pelos alemães, embora
ulteriores. O problema do levantamento, no Direito continental europeu, surgiu,
historicamente, com o êxito das sociedades por quotas, criadas por genial intervenção do
legislador alemão, em 1892. Até então, ou surgiam sociedades anónimas, rodeadas de cautelas
internas e sujeitas a uma especial publicidade no seu funcionamento ou ocorriam sociedades 47
de responsabilidade ilimitada e, portanto: sociedades nas quais os sócios podiam ser
chamados a responder com o seu próprio património. As sociedades por quotas modificaram
o panorama: permitiram a democratização da responsabilidade limitada. Mas com um preço:
surgiam problemas delicados de tutela dos credores sociais, designadamente quando, sem
publicidade, fossem ignorados determinados postulados do seu funcionamento. Um dos
problemas mais gritantes, colocados pelo novo tipo societário da responsabilidade limitada,
era o da unipessoalidade. Quando ao sociedade visse todas as suas quotas de capital reunidas
numa única titularidade, como distinguir os direitos dela e os do sócio único? O problema
foi discutido no Reichsgericht (Supremo Tribunal alemão) nos princípios do século XX que
decidiu que a sociedade por quotas, apesar da reunião, numa só mão, de todas as
participações, mantém uma personalidade jurídica própria. No primeiro pós-guerra, numa
situação doutrinária e institucional muito diferente, o Reichsgericht – ou um dos seus senados
– mudou de orientação. A propósito de uma sociedade unipessoal, o Tribunal entendeu que
podia ser responsabilizado o sócio único, declarando:
«O juiz deve dar mais valor ao poder dos factos e à realidade da vida do que à construção
jurídica».
Na sua simplicidade, esta decisão é apontada como a certidão de batismo, no Continente, do
levantamento da personalidade coletiva e isso mau grado só com Serick, trinta e cinco anos
depois, lhe ter sido aposto um nome. A jurisprudência subsequente conheceu alguns recuos;
mas sedimentou-se em torno da admissibilidade da figura. Um século antes, todavia, já o
pensamento jurídico Norte-americano dera passos num sentido semelhante. Quanto à
experiência norte-americana: o levantamento da personalidade coletiva remonta às próprias
bases do ordenamento federal, após a independência, nos finais do século XVIII. A
Constituição Federal norte-americana limita a jurisdição federal, entre outras, às
controvérsias que surjam entre cidadãos de Estados diferentes. Punha-se o problema das
pessoas coletivas: quando avocar, se seu propósito, a competência dos tribunais federais? O
Chief Marshal, em 1809 e para preservar a jurisdição federal sobre as pessoas coletivas,
explicou que:
«was compelled to look beyond the entity to the character of the individuals who compose the
corporations».
Explica Wormser que, a partir daí, the breach of the rampart had been made. Ao longo do século
XIX, multiplicaram-se as decisões – muitas vezes com base na boa fé – que, evitando
situações nas quais uma pessoa coletiva era usada para prejudicar terceiros, especialmente os
credores, se responsabilizavam as pessoas que agiam por seu intermédio e, designadamente,
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que Serick viesse apresentar a sua construção do modo mais cauteloso e convincente possível,
acrescentando-lhe pressupostos. E com êxito: será muito difícil negar o levantamento nos
exemplos radicais em que alguém, conscientemente e com abuso, venha manipular a
personalidade coletiva só para prejudicar outrem. A fase subjetiva surge, assim, como um
episódio natural, dentro da evolução geral da ideia de levantamento: jogam-se, tão-só, os
pressupostos da responsabilidade civil. A chamada teoria subjetiva tem sido rejeitada.
Efetivamente, a utilização puramente objetiva de uma pessoa coletiva fora dos limites
sistemáticos da sua função seria, só por si, já abusiva. Além disso, a exigência do elemento
subjetivo específico iria provocar insondáveis dificuldades de prova. Deveremos ainda
atentar na concreta solução pretendida com o levantamento considerado. Se se tratar, 51
simplesmente, de fazer responder o património do sócio por dívidas da sociedade – e,
portanto: de fazer cessar pontualmente o privilégio da responsabilidade limitada – não se
requer qualquer culpa subjetiva. Pelo contrário, visando-se responsabilidade civil por atos
ilícitos ou pelo incumprimento das obrigações, a culpa é requerida. Não se tratará, todavia e
nessa ocasião, do específico elemento subjetivo, próprio do levantamento: antes dos comuns
pressupostos da responsabilidade civil. As teorias objetivas resultam, à partida, da rejeição de
elementos subjetivos para fazer atuar o levantamento. O ponto de partida foi dado pela
própria jurisprudência. O BGH, em 30 janeiro 1956, veio dizer:
«Perante o abuso intencional da pessoa coletiva, pode não ser difícil suceder que se mantenha
pura e simplesmente a realidade escondida pelo sujeito. A jurisprudência não fez depender a
penetração nas forças existentes por detrás da pessoa coletiva de um abuso intencional da figura
jurídica da pessoa coletiva».
Esta orientação foi mantida, em decisões subsequentes. Trata-se de uma evolução bastante
comum, no tocante a institutos aparentados à boa fé e que visam, no fundo, permitir uma
sindicância do sistema sobre as diversas soluções jurídicas. Numa primeira fase, tudo é feito
depender das (más) intenções do agente. Conquistado o instituto, este é objetivado, passando
a depender da pura contrariedade ao ordenamento. Abandonada a intenção, o levantamento
exigiria a ponderação dos institutos em jogo. Quando, contra a intencionalidade normativa,
eles fossem afastados pela invocação da personalidade, esta deveria ser levantada. As
orientações objetivistas dizem-se, assim, também institucionais, tendo obtido múltiplas
adesões. Desde o momento em que tudo dependa da articulação entre os institutos em jogo,
o levantamento vai exigir a cuidada interpretação das regras em presença. As suas diversas
manifestações terão de ser estudadas. A propósito das teorias objetivas, Karsten Schmidt faz
dois reparos que devem ser retidos. Com elas, o levantamento deixa de constituir uma pena
para quem manipule o ordenamento e a personalidade coletiva. Todavia, perante elas, o
levantamento tende a perder autonomia, seja institucional, seja no plano da sua justificação.
A teoria da aplicação das normas foi apresentada por Müller-Freienfels, logo em 1957. Visava,
fundamentalmente, constituir uma alternativa à então recém-publicada orientação de Serick.
Segundo esta orientação, o levantamento não traduziria, propriamente, um problema geral
da personalidade coletiva: tratar-se-ia, antes, de uma questão de aplicação das diversas
normas jurídicas. Quando, particularmente por via do seu escopo, elas tivessem uma
pretensão de aplicação absoluta ou visassem atingir a realidade subjacente à própria pessoa
coletiva, aplicar-se-iam. O detrimento das regras da personalidade seria uma mera
consequência daí decorrente. Noutros termos: haveria levantamento sempre que, por
exigência de uma norma concretamente prevalente, não tivesse aplicação uma norma própria
da personalidade coletiva. A teoria da aplicação das normas é, em rigor, objetiva, tendo
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bastante êxito. Também ela segue um movimento habitual nos institutos que nascem sob a
égide da boa fé ou dos princípios gerais que remetem para o sistema: numa primeira fase,
eles bastam-se com essas remissões; subsequentemente eles ganham em precisão dogmática,
abandonando as áreas indeterminadas donde proveem: tornam-se Direito estrito. Parece-nos
paradigmática, neste domínio, a orientação de Jürgen Schmidt: o levantamento teria de se
acolher ao escopo das normas em presença, por ser insuficiente o apelo à boa fé. Uma
menção especial às considerações de Günter Weick: como ponto de partida, há que ponderar
o escopo das normas em presença, assim se alinhando com Müller-Freienfelds. Mas a própria
boa fé poderia intervir, designadamente quando a invocação da personalidade coletiva
implicasse um venire contra factum proprium. A teoria da aplicação das normas não deve, porém, 52
levar a esquecer que a personalidade coletiva tem valores próprio, não sendo um mero jogo
de (outras) normas: visa limitar a responsabilidade, e funcionalizar patrimónios autónomos.
As teorias negativistas negam, direta ou indiretamente, a autonomia ao levantamento da
personalidade, enquanto instituto. O levantamento lidaria com proposições vagas,
conduzindo à insegurança. Assim, haveria antes que determinar os deveres concretos que,
em certos casos, incidam sobre os membros das pessoas coletivas. No limite, apenas
poderíamos responsabilizar os dirigentes ou administradores das pessoas coletivas, por falta
de diligência. Ao negativismo frontal de Wilhelm, podemos acrescentar negativismos
indiretos. É o que sucede com a recondução do levantamento à fraude à lei, figura essa que,
de resto, não tem autonomia nem no Direito alemão, nem no português: ele diluir-se-ia no
vetor mais amplo a que se reconduz a fraude à lei sem apresentar autonomia dogmática.
Também o esquecimento do instituto ou a mera referência sem conteúdo dogmático acaba
por se traduzir numa forma de negativismo. O levantamento conquistou a sua posição na
Ciência do Direito. Seja qual for a explicação dogmática encontrada, não restam dúvidas
sobre a sua capacidade em facultar soluções mais adequadas para diversos problemas.
Rejeitá-lo ou ignorá-lo ad nutum apenas iria enfraquecer o moderno instrumento jurídico.
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instrumentação deve reagir. Não se trata de pôr em crise o instituto da personalidade coletiva,
importante fator de cooperação e de progresso dentro do Direito: apenas de cercear formas
abusivas de atuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema. Tudo
isto deve ser acompanhado por adequadas regras de conflitos de leis, que visem obstar a que
o recurso alusivo a sociedades seja consumado com recurso a entes formalmente estrangeiros.
Levantada a personalidade, caem os subterfúgios do recurso a sociedades com sede noutros
países, designadamente paraísos fiscais.
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tem alguma utilidade, desde que não nos esqueçamos de que mesmo o levantamento amplo
tem eficácia dogmática, ajudando a localizar problemas e a apontar soluções. Tal como
sucede na própria boa fé e com os institutos que lhe são reconduzidos, também no
levantamento, à medida que a Ciência do Direito progride, as soluções vagas vão sendo
substituídas por subinstitutos mais precisos e firmes. No Direito português, as facilidades
legislativas permitiriam mesmo prever, em lei expressa, problemas típicos do levantamento:
é o que sucede com a responsabilidade do sócio único, hoje vertida no artigo 84.º CSC.
Outros casos poderiam seguir destino equivalente sem, todavia, esgotarem o filão: a própria
evolução das sociedades e da economia acaba por gerar novos problemas, exigindo novas
soluções de levantamento, a retirar da boa fé e do sistema. Pense-se nas multinacionais que 55
atuem, sem rosto, através de fachadas societárias, para se esquivarem a responsabilidades ou
ao risco próprio das atuações que desenvolvam. A redução dogmática proposta confirma a
noção de personalidade coletiva, acima preconizada. Esta, sem prejuízo pela dimensão ético-
normativa que necessariamente a enforma, é um produto da ordem jurídica, estabelecido por
esta, de acordo com os critérios, que lhe são próprios. E porque assim é, o sistema conserva
um controlo intrínseco, no mais fundo plano ontológico, sobre a personalidade e os seus
limites. Em suma: apenas uma essência normativa da personalidade se compadece com
limites internos. Fosse ela uma realidade extrínseca e todos os limites seriam, também,
exteriores. Pela mesma via, confirmamos e recuperamos um dos dados da moderna teoria da
personalidade coletiva: a da sua relativização. Ela não integrará um dado absoluto, antes se
inserindo no sistema e nos seus valores.
Sentido geral e aspetos periféricos: diz-se haver lealdade na atuação de quem aja de
acordo com uma bitola correta e previsível. Perante uma pessoa leal, o interessado dispensa
a sua confiança. Daí resultam, desde logo, os seguintes vetores:
A preferência: perante uma multiplicidade de hipóteses, o interessado será levado a
acolher a situação encabeçada por quem se afigure leal;
A entrega: justamente mercê da confiança depositada, o beneficiário irá baixar as
suas defesas naturais; deixará de tomar precauções que, de outro modo, seriam
encaradas;
O investimento: além da entrega passiva, o beneficiário poderá ir mais longe:
confiando, à pessoa leal, os seus próprios valores, crente de que eles serão
devidamente tratados.
Podemos apresentar a lealdade como o contraponto da confiança. Ou, pelo menos: daquela
que seja originada por uma conduta humana. A relação de lealdade envolve uma relação de
confiança na qual, o pólo ativo – o que suscita a confiança – é, precisamente, o indivíduo
leal. Se procurarmos decompor os elementos em que assenta a lealdade, encontramos dois,
já aludidos:
A previsibilidade da conduta;
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A sua correção.
A previsibilidade está na base da confiança. Justamente por interessado poder,
subjetivamente, prognosticar a atuação futura de uma outra pessoa, surge, da parte dele, a
convicção que permite a preferência, a entrega e o investimento. A pessoa imprevisível não
é leal. O elemento subjetivo da prognose deve, todavia, ser completado com um fator
objetivo: o da correção da conduta na qual se confia. Não se deve dizer que o criminoso
compulsivo seja leal: a isso embora se possam prever os seus atos futuros. A verdadeira
lealdade envolve a observância de bitolas corretas de atuação. A lealdade tem um longo
historial, nos últimos dois milénios. Para os presentes propósitos, vamos recordar algumas
manifestações periféricas, no atual Direito privado, tentando, depois, uma construção 56
conjunta. Assinale-se que a doutrina de ponta continua, hoje, a lamentar, no Direito
continental, a ausência de uma teoria unitária dos deveres de lealdade. No Direito privado,
encontramos quatro áreas preferenciais de aplicação da lealdade:
A lealdade como dever acessório: acompanha as diversas obrigações, adstringindo as
partes a, por ação, preservar os valores em jogo, facultando as efetivas vantagens
aguardadas pelo credor; trata-se de um vetor especialmente marcante nas obrigações
duradouras, tendo vindo a dar corpo a regras cada vez mais precisas; no Direito
português, os deveres de lealdade enquanto deveres acessórios das obrigações
apoiam-se no artigo 762.º, n.º2 CC; a natureza específica dos vínculos constitui um
especial apelo à boa fé;
A lealdade como especial conformação de prestações de serviços: variará, aí, na razão
direta da confiança requerida; temos, aqui, uma manifestação mais intensa dos
deveres acessórios, que modelam a própria prestação principal;
A lealdade como dever próprio de uma obrigação sem dever principal de prestar:
lembremos as adstrições legais in contrahendo assenta, entre nós, na boa fé e no artigo
227.º CC;
A lealdade como configuração das atuações requeridas a quem gira um negócio alheio;
aproxima-se, aqui, dos deveres do gestor ou do mandatário – artigo 465.º, alínea a),
1161.º e 1162.º CC; nesta vertente, a lealdade tem um conteúdo fiduciário.
Os deveres de lealdade distinguem-se dos deveres de proteção e dos de informação: visam
condutas positivas e promovem diretamente o escopo almejado pelo credor. Pelo contrário:
a proteção procura uma tutela indireta desse escopo, enquanto a informação (por vezes
requerida pela lealdade!) requer um conteúdo informativo. Torna-se importante sublinhar
que as diversas manifestações de lealdade surgiram por si: pontualmente e de modo isolado
umas das outras. É óbvio que elas correspondem a grandes aspirações humanas que em todas
surgem: confiança, continuidade, segurança e proteção. Mas não houve, no imediato,
conexões dogmáticas entre elas. A sua origem típica só muito mais tarde permitiria uma
integração sistemática. De resto: ainda em curso. Nesta ambiência devemos entender a
lealdade – melhor: as manifestações da lealdade – no Direito das sociedades.
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um papel multifacetado. Esta lealdade é própria das sociedades civis sob forma civil ou das
sociedades comerciais de base pessoal. Ela decresce na sociedade por quotas e, mais ainda,
nas sociedades anónimas. Ora estas últimas constituem, sabidamente, a grande matriz do
Direito das sociedades. As sociedades anónimas surgiram e desenvolveram-se num ambiente
pouco favorável à confiança interindividual. A própria designação anónima constitui um
início de explicação. No período das companhias coloniais, as sociedades eram dominadas
por relações de força e pelo respeito inspirado pelo soberano: a este era devida lealdade. Mais
tarde, a sua constituição foi passando, sucessivamente, pela outorga, pela concessão e pelo
reconhecimento específico. A intervenção conformativa do Estado estava na base da
respeitabilidade do novo ente coletivo. Aquando da liberalização: a sociedade anónima 57
operava pelo poder do dinheiro que congregava. As pessoas aderiam convictas de que todos
os intervenientes, pretendendo lucros, não deixariam de agir nesse sentido. Apenas um
aprofundamento subsequente, com diversos sortilégios humanos, permitiria detetar
situações onde a velha lealdade poderia prestar serviços dogmáticos: por exigência do sistema.
No campo das sociedades, a lealdade toma diversas configurações. Analiticamente, podemos
distinguir:
A lealdade dos acionistas entre si: designadamente da maioria para com a minoria
mas, também, inversamente;
A lealdade dos acionistas para com a sociedade;
A lealdade dos administradores para com a sociedade;
A lealdade dos administradores para com os acionistas.
A reforma de 2006 do CSC, particularmente quanto ao seu artigo 64.º, permite ainda apontar
outras lealdades. A sua consistência dogmática é mais do que discutível, até porque a
banalização da lealdade lhe vai tirar substância.
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doutrinárias que permitiriam esse salto qualitativo. Torna-se muito atraente determinar as
precisas origens desse fenómeno: além de um evidente interesse jurídico-científico. Eis a
evolução:
Em 1928, Pinner ainda considera que a introdução da boa fé no Direito das
sociedades anónimas seria fonte de incertezas;
Mas nesse mesmo ano, Hachenburg, na linha de posições anteriores, afirma que o
voto não pode contrariar a interpretação de boa fé do contrato;
Em 1929, Alfred Hueck, num estudo decisivo, sistematiza a jurisprudência do
58
Reichsgericht determinado três situações essenciais de contrariedade aos bons costumes,
por parte das deliberações oposição ao objetivo em jogo, abuso da maioria e uso da
maioria simples, quando se exigiria a qualificada;
Em 1929, Degen sublinhou a possibilidade de se estabelecerem relações específicas
entre os sócios, seja de sociedades por quotas, seja de sociedades anónimas; quando
isso sucedesse, teríamos relações de lealdade fonte, designadamente, de deveres de
informar, cuja violação poderia conduzir a uma responsabilidade aquiliana;
Também em 1929, Netter, contraditando anteriores tendências doutrinárias,
manifesta-se no sentido de uma cláusula geral limitativa do direito de voto,
sublinhando a existência de um dever de lealdade a cargo do acionista;
Em 1930, Homburger retoma essa mesma posição;
em 1932, Hachenburg, em anotação a um acórdão de 6 de fevereiro desse ano,
sublinha a importância da boa fé no Direito das sociedades anónimas;
em 1934, Ritter apela para o leal tratamento entre os acionistas;
Em 1935, Siebert aplaude a jurisprudência relativa à boa fé e à lealdade, nas
sociedades anónimas.
A situação jurídica podia ser considerada madura. A referência à lealdade correspondeu ainda
a um certo uso de expressões profundas, com ressaibos sentimentais, típicas da época. Além
disso, ela foi facilitada pelo pensamento cominutário-pessoal, próprio do Direito do trabalho
e que se procurou alargar aos entes coletivos. A Lei das sociedades anónimas de 1937 não
consagraria, de modo expresso, a lealdade. Esta surgia, todavia e com intensidade, na
doutrina até 1935. Podemos antecipar que a lealdade representaria um ganho, permitindo
dogmatizar, nas relações específicas que se estabelecerem dentro do universo societário, as
exigências do sistema. Apenas décadas mais tarde seria possível o desenvolvimento jurídico-
científico suficiente para esse passo. Nesta fase, a defesa de uma ideia de lealdade pode, ainda,
ser aproximada das conceções que pretenderam arvorar a empresa a conceito nuclear do
Direito comercial. Em especial, tem sido notada uma certa proximidade com a ideia da
empresa em si.
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conheciam campos distintos de aplicação. Parece razoável supor que tais campos originaram,
por seu turno, conteúdos específicos diversos. Distinguimos três:
A da lealdade exigível aos sócios, seja nas relações entre si, seja com referência à
própria sociedade;
A da lealdade da sociedade para com os sócios;
A da lealdade requerida aos próprios órgãos societários.
A lealdade exigível aos sócios inscreve-se no seu próprio status enquanto sócios. Tal status
exprime uma série de direitos e de deveres, ínsitos na ideia de participação social. Entre os 61
deveres em causa, incluem-se, precisamente, os da lealdade. Trata-se de uma ideia já antiga,
depois retomada e aprofundada. Hoje, poderemos falar, neste domínio, no exercício das
posições sociais de acordo com a boa fé, seguindo-se as vias de concretização deste instituto:
tutela da confiança e primazia da materialidade subjacente. Exemplos de deslealdade será o
abuso no pedido de informações: contraria a materialidade subjacente, isto é: os valores que
levaram o legislador a conferir as inerentes pretensões. Como foi avançado, tudo isto
pressupõe a construção da participação societária não como um direito subjetivo, mas como
uma posição variável (status) que envolve uma relação complexa, com deveres. A lealdade da
sociedade para com os sócios implica, tudo visto, um alargamento ex bona fide da competência
da assembleia geral e a adoção, nesta, de certas deliberações por maioria qualificada. Também
aqui as vias de concretização da boa fé são úteis. A matéria irradia, ainda, para a área dos
grupos de sociedades. Finalmente: a lealdade requerida aos próprios órgãos societários tem
a sua manifestação paradigmática nos deveres de lealdade dos administradores (artigo 64.º,
n.º1, alínea b) CSC). Uma rubrica relevante, a considerar a propósito dos deveres gerais dos
administradores. A base legal destas manifestações de lealdade radicava, tradicionalmente, na
boa fé. A sua especialização em grupos de casos cada vez mais precisos leva a doutrina, muito
simplesmente, a apelar para o Direito consuetudinário. Como balanço, podemos, nestes
últimos cem anos, apontar uma evolução: oscilante, mas com um sentido geral claro. Num
primeiro tempo, a lealdade relacionava sócios entre si; depois, ocupou-se das relações
maioria/minoria; finalmente, reportou-se aos órgãos. As duas primeiras foram sendo
absorvidas pela teoria das participações sociais e pela doutrina da repartição de poderes
intrassocietárias. Por razões que abaixo apontaremos, fica-nos, como especial área de
reflexão, a dos deveres dos órgãos e, em especial: dos administradores. Todas as três
manifestações de lealdade podem ser reconduzidas às exigências básicas do sistema. Através
dela, os valores fundamentais são assegurados nas diversas decisões concretas: donde a
aproximação ao principio geral da boa fé. Esta permite a dogmatização da ideia de sistema.
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Procurando resolver as dúvidas que se levantaram, o artigo 8.º, n.º1 CSC veio dispor:
«É permitida a constituição de sociedades entre cônjuges, bem como a participação destes em
sociedades, desde que só um deles assuma responsabilidade ilimitada».
Este preceito vem revogar o artigo 1714.º, n.º2 e 3 CC, ainda que seja possível compatibilizá-
lo com o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais. Uma tomada de posição
definitiva cabe ao Direito Civil (da família). Todavia, as justificações para a proibição histórica
de sociedades entre cônjuges não se quedam pelas proposições clássicas acima anunciadas,
todas rebatíveis. Valem, antes, criptojustificações: a necessidade de manter o status de
incapacidade da mulher casada; a ideia de que repugna mesclar o Direito comercial e relações 64
entre cônjuges; e a evidência de que uma sociedade entre cônjuges poderia não ser uma
verdadeira sociedade mas, antes uma sociedade unipessoal. Tudo isto vem a regredir, quer
na frente civil, quer na comercial. Mas em compensação, a imutabilidade das convenções
antenupciais, até ser suprimida em futura reforma, é Direito vigente e deve ser respeitada.
Isto dito: a constituição de uma sociedade entre cônjuges pode (ou não ) atingir a
imutabilidade das convenções antenupciais. Assim, se ambos os cônjuges entrarem para uma
sociedade com todos os seus bens, presentes e futuros, poderemos estar perante um esquema
destinado a postergar os regimes da separação, ou da comunhão de adquiridos. Porém, se
subscreverem pequenas quotas ou umas quantas ações, o problema nem se põe. Haverá, por
isso, que compatibilizar o artigo 8.º CSC com o artigo 1714.º, n.º1 CC, verificando, contrato
a contrato, se a imutabilidade das convenções é respeitada. Para além disso, a constituição de
sociedades entre cônjuges, assumindo ambos responsabilidade ilimitada, é proibida, nos
termos do transcrito artigo 8.º CSC. É um resíduo histórico, tanto mais que, na prática
comercial e societária, qualquer operação bancária módica exige, como rotina, garantias dadas
por ambos os cônjuges. De todo o modo, a restrição do artigo 8.º CSC deve aplicar-se,
também, às sociedades civis puras: e não a proibição (considerada) absoluta do Código Civil,
na base de um princípio de diferenciação entre sociedades civis e comerciais que não tem,
hoje, já consistência. Mercê de um regime de bens, pode acontecer que uma participação
social seja comum a ambos os cônjuges. Nessa altura, por força do artigo 8.º, n.º2 CSC e nas
relações com a sociedade, será considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de
sociedade ou, sendo a participação adquirida posteriormente, aquele por quem a participação
tenha vindo ao casal. O n.º3 do mesmo preceito ressalva a administração do cônjuge do sócio
que se encontrar impossibilitado e os direitos mortis causa. Os menores podem ser partes em
contratos de sociedade. E poderão fazê-lo pessoal e livremente sempre que a sociedade em
vista esteja ao seu alcance, perante o artigo 127.º CC. De facto, não é viável, a priori, excluir
do campo dos atos facultados pessoal e livremente ao menor, a celebração de uma sociedade.
Fora isso, os menores poderão celebrar contratos de sociedade, através dos pais, como
representantes legais. Será, todavia, necessária a autorização do tribunal para entrarem nas
sociedades em nome coletivo ou e comandita simples ou por ações: artigo 1889.º, n.º1, alínea
d) CC. O óbice reside, aí, nos riscos derivados da ilimitação da responsabilidade. Tratando-
se de menor sob tutela, a entrada em qualquer sociedade deve ser autorizada, visto o disposto
no artigo 1938.º, n.º1, alíneas a), b) e d) CC. Este regime é aplicável, com as necessárias
adaptações, ao interdito: artigos 139.º e 144.º CC. Quanto ao inabilitado, tudo depende da
competente sentença: artigo 153.º, n.º1 CC.
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Forma: o contrato de sociedade comercial é um contrato formal – artigo 7.º, n.º1 CSC.
Requer forma escrita com reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores, salvo
se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para
a sociedade. Anteriormente, o mesmo preceito exigia a escritura pública. Pelo contrário, a
sociedade civil é consensual: apenas se sujeita a escritura pública quando a natureza dos bens
a transferir para a sociedade assim o exija (artigo 981.º, n.º1 CC) ou quando se pretenda
assumir personalidade jurídica plena (artigos 158.º, n.º1 e 157.º CC). Acrescenta, ainda, a
parte final do artigo 7.º,n.º1 CSC, «sem prejuízo de lei especial»: um acrescento inútil, uma vez
que qualquer preceito cede perante lei especial. Se percorrermos os contratos próprios das
sociedades comerciais, deparamos com as exigências de forma seguintes: 65
Acordos parassociais: o artigo 17.º CSC não contém qualquer exigência de forma; em
regra, são celebrados por escrito;
A aquisição de bens a acionistas por sociedades anónimas ou em comandita por ações
deve ser reduzida a escrito (artigo 29.º, n.º4 CSC);
A alteração do contrato de sociedade deve ser reduzida a escrito (artigo 85.º, n.º3
CSC); o aumento de capital e outras alterações (artigos 88.º e 93.º, n.º1, 274.º, 370.º,
n.º1 e 456.º, n.º5 CSC) devem, também, ser objeto de declaração escrita;
A fusão de sociedades segue a forma exigida para a transmissão dos bens das
sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade (artigo 106.º
CSC) numa regra aplicável à cisão (artigo 120.º CSC);
A dissolução da sociedade não depende de forma especial, quando tenha sido
deliberada em assembleia geral (artigo 145.º, n.º1 CSC);
O contrato de subordinação exige forma escrita (artigo 498.º CSC).
No tocante aos diversos contratos de sociedade, não são retomados os requisitos de forma,
dado o alcance geral do artigo 7.º, n.º1 CSC; apenas são referidos aspetos atinentes ao
conteúdo dos contratos: artigos 176.º, 199.º, 272.º e 466.º CSC, relativos, respetivamente, a
sociedades em nome coletivo, por quotas, anónimas e em comandita. No domínio da
transmissão de partes sociais, a lei exige forma escrita:
Para a transferência das partes de um sócio de sociedade em nome coletivo (artigo
182.º, n.º2 CSC);
Para a transferência de quotas (artigo 228.º, n.º1 CSC).
A transformação de uma sociedade por quotas em sociedade unipessoal exige documento
particular quando, da sociedade, não façam parte bens cuja transmissão exija essa forma
solene (artigo 270.º-A, n.º3 CSC). Uma regra similar funciona para a constituição originária
de uma sociedade unipessoal: tem aplicação o artigo 7.º, n.º1 CSC. O contrato de suprimento
não está sujeito a qualquer forma, o mesmo sucedendo com outros negócios de adiantamento
de fundos pelo sócio à sociedade ou com convenções de diferimento de créditos de sócios
(artigo 243.º, n.º6 CSC). Tratando-se de negócio entre o sócio único e a sociedade unipessoal,
deve ser observada a forma escrita, quando outra não esteja prescrita para o negócio em jogo
(artigo 270.º-F, n.º2 CSC).
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Natureza: de acordo com diversa doutrina, não seria seguro que o denominado contrato
de sociedade surja, efetivamente, como um contrato. Num contrato comum, as declarações
de vontade das partes são contrapostas, de tal modo que cada uma delas dá o que a outra
quer, aceitando o que esta tenha para oferecer em troca. Pelo contrário, no contrato de
sociedade: as diversas declarações de vontade são idênticas e confluentes. Além disso, nos
contratos comuns, os efeitos produzem-se, como é de esperar, nas esferas jurídicas dos
intervenientes. De modo diverso: no contrato de sociedade, surge uma nova e terceira
entidade: a própria sociedade constituída. E para completar: o atual Direito das sociedades,
nos diversos países, admite a constituição de sociedades por ato unilateral. Tudo isto
obrigaria a uma evidência: o ato constitutivo da sociedade teria uma natureza específica, não- 66
contratual. Como contraprova: ao contrário do que sucederia em qualquer contrato comum,
em que o número de partes é decisivo e depende do figurino visualizado, na sociedade isso
seria secundário: poderia, mesmo, cair para a unidade, como ocorre nas sociedades
unipessoais. A questão foi-se pondo nos diversos países, em termos não totalmente
coincidentes. Na Alemanha, enquanto as sociedades civis se mantinham acantonadas à societas
como contrato, as corporações eram aprofundadamente estudadas por Otto Von Gierke.
Analisando o tema da sua constituição, ele conclui que tinham na origem um ato constitutivo
sócio-jurídico. Antes explicara: se todos os negócios são declarações de vontade, nem todas as
declarações de vontade são negócios, com exemplo no ato constitutivo de uma associação.
Noutra ocasião, Von Gierke complementa a ideia:
«porém esta atuação constitutiva não é um contrato, mas antes um ato conjunto unilateral que
não tem paralelo no Direito individual».
Trata-se de uma orientação que se coadunava bem – embora não necessariamente – com as
conceções organicistas. Foi adotada, na época, por outros autores, sendo conhecida como
teoria da norma. Contrapôs-se, a esta orientação, a voz influente de Von Thur com a teoria
do contrato: preconizava-se uma ideia lata de contrato, como o simples encontro de vontades
ou negócio plurilateral: o que ocorreria na constituição das pessoas coletivas. A opção
contratual foi incentivada no segundo pós-guerra, podendo considerar-se assente,
praticamente, até hoje. A opção contratual justifica-se, apenas, pela presença de mais uma
pessoa e, portanto, pela necessidade de encontrar, eventualmente por negociações, vontades
coincidentes. Joga-se, porém, um contrato específico: um contrato organizatório – também
se diz ato organizatório. Nas próprias associações tem-se vindo a defender a teoria do
contrato, ainda que modificada: constituída a associação e adquirida a personalidade, as
declarações fundir-se-iam na regulação comum, Por vezes, o contrato é, aí, posto em causa,
embora se admita nas sociedades. Com regras próprias de interpretação, o contrato
organizatório, quando admitido, distingue-se claramente dos contratos comuns. A redução
negocial e, mesmo, contratual, visa explicitar a liberdade que preside à constituição de pessoas
coletivas. As divergências quanto à natureza do ato constitutivo de sociedades também
ocorreram em Portugal. Embora não indicando fontes doutrinárias, Guilherme Moreira veio
tecer as seguintes considerações:
«Nos contractos há sempre pessoas determinadas que por elles ficam adstrictas a certas
prestações e cujas vontades, manifestando-se em direcções oppostas, se encontram, formando-se
um vínculo jurídico em virtude desse acordo. Quando todas as vontades se manifestam na
mesma direção, não se formando um vinculo jurídico entre as pessoas que manifestam essa
vontade, não haverá contracto, porque essas pessoas não se sujeitam, nas relações entre si, a
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uma obrigação; não haverá contracto sempre que, dada uma declaração de vontade pela qual
se constitua uma obrigação para com qualquer pessoa, o direito desta não tenha a sua causa
numa manifestação da sua vontade que coopere junctamente com a declaração da vontade de
quem sem constitue nessa obrigação. Nestes casos haverá um negócio jurídico unilateral e não
bilateral».
Guilherme Moreira dá depois, como exemplo, precisamente a constituição de uma sociedade
anónima. Contra pronuncia-se José Tavares. Explica este Autor que o conceito moderno de
contrato abrange o ato coletivo, o Gesamtakt e a união ou Vereinbarung. Ferrer Correia, em
importante monografia e, depois, em sucessivas lições universitárias, vem defender a
natureza contratual da constituição de sociedades. Explica, designadamente, que as 67
declarações que integram o contrato de sociedade não são meramente paralelas, tendentes à
formação do novo ente, uma vez que produz, também, relações entre as partes celebrantes.
Fernando Olavo acolhe e reforça esta ideia: aquando da celebração de um contrato de
sociedade, as partes podem ter interesses contrapostos: estaremos, perfeitamente na figura
do contrato. A partir daí, podemos considerar que o contratualismo ficou definitivamente
radicado nas duas grandes escolas jurídicas do País: Coimbra e Lisboa. A atual tendência de
trabalhar com um conceito amplo de contrato, capaz de abranger todos os atos plurilaterais,
tem levado à rejeição da doutrina do ato conjunto de Von Gierke ou do negócio jurídico
unilateral, de Guilherme Moreira. A orientação em causa teve, de resto, o cuidado de afeiçoar
a lei: o Código das Sociedades Comerciais refere, de modo contínuo, contrato. Tal orientação,
convertida quase em doutrina oficial, não deve conduzir a uma perda de capacidade analítica.
Ponto assente – e é aí que se fez a maioria, na doutrina alemã: a natureza negocial da
constituição de uma sociedade. Este aspeto é importante porque, além de acentuar as
liberdades de celebração e de estipulação aqui presentes, como vimos, traduz, ab initio, a
colocação das sociedades na área do Direito privado e da livre iniciativa económica e social.
Para além disso, porém, o contrato de sociedade tem especificidades: não é um contrato
comum. Desde logo, ele é dispensável. A sociedade pode constituir-se por ato unilateral, no
sentido clássico de ter um único declarante. É o que sucede nas hoje pacíficas sociedades
inicialmente unipessoais: artigos 270.º-A, n.º1 e 488.º, n.º1 CSC como exemplos. Além disso,
pode resultar da dinâmica de uma sociedade preexistente: o caso da cisão será um bom
exemplo. De seguida, o regime do contrato de sociedade não coincide com o dos contratos
comuns. A invalidade resultante de vício da vontade ou de usura, por exemplo – e
independentemente do registo – não é oponível erga omnes mas, apenas, aos demais sócios
(artigo 41.º, n.º2, 2.ª parte CSC). Outras invalidades são sanáveis por (meras) deliberações
maioritárias (artigos 42.º, n.º2 e 43.º, n.º2 CSC: solução contratualmente inexplicável). À
reflexão: a presença de uma concreta vontade, na conclusão de um contrato de sociedade,
tem a virtualidade de fazer passar o seu autor a sócio; não a de fazer surgir a própria sociedade
em si. E quem adquira uma participação social não se torna, propriamente, parte no primitivo
contrato de sociedade. Finalmente: um pacto social não regula, simplesmente, um delimitado
círculo de interesses entre as partes que o concluam; ele antes fixa – ou pode fixar – um
quadro normativo capaz de regular múltiplas situações subsequentes. Poderíamos sucumbir
à solução do negócio unilateral, de Guilherme Moreira.. Irrealismo: na sua configuração mais
natural e típica, a sociedade traduz um encontro de várias vontades que se põem de acordo
para concretizar um projeto comum. Trata-se, necessariamente, de um contrato. Sendo um
contrato, nada impede que, aí, se abra uma especial categoria para o acolher. Na sociedade
não há prestações recíprocas: antes uma atuação conjunta ou confluente, com uma
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estruturação normativa para futuras ações. A doutrina atual fala num contrato de colaboração
ou de organização. Podemos aceitar esses qualificativos.
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34.º - O conteúdo
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confrontado com realidades que, de todo, se lhe não reportem. Tanto basta para que se possa
proclamar: a interpretação dos pactos sociais é fundamentalmente objetiva, devendo seguir
o prescrito para a interpretação da lei (artigo 9.º CC, com as inevitáveis adaptações). Também
a integração deverá seguir o prescrito no artigo 10.º CC, em vez de apelar a uma vontade
hipotética das partes (quais?). A doutrina alemã já procurou distinguir, para efeitos de
interpretação, entre cláusulas obrigacionais e organizacionais e entre sociedades de pessoas e
de capitais: nos primeiros casos, predominaria a interpretação negocial; nos segundos, a
objetiva – leia-se: a legal. Tudo isto tende a ser abandonado, não sendo desejável uma tardia
receção na doutrina portuguesa. Quando as partes preparam os estatutos de uma sociedade,
elas têm a perfeita consciência de escrever para o futuro e, não, uma para a outra. Mesmo o 71
modo impessoal por que tais estatutos são redigidos implica, na raiz, uma intenção legiferante.
Assim sucede nas próprias sociedades de pessoas e no que tange a todas as cláusulas inseridas
nos contratos. No giro societário normal, é frequente, a propósito das mais variadas
operações bancárias que envolvam sociedades, entregar ao banqueiro cópia dos estatutos.
Este irá valorar as diversas cláusulas lá inseridas – e todas são ou poderão ser importantes –
com o sentido eu delas resulte: seria impensável contrapor quaisquer declaratário real,
comportamento do declarante ou vontade real das partes. Isso só obrigaria o banqueiro a
tomar mais precauções, com prejuízos para todos. E isso para não falar em sociedades abertas,
em transações societárias, em sociedades unipessoais ou em modificação de tipos sociais: os
reflexos de tudo isto, na interpretação negocial, seriam inexcogitáveis, sem qualquer
vantagem: para ninguém. Mantemos, pois, a natureza objetiva, de tipo legal, das interpretação
e integração do contrato de sociedade: que não haja receio em assumir as especificidades
próprias do Direito das sociedades. Apenas cumpre fazer duas cedências aos princípios gerais
de interpretação e de integração, acima enunciados:
O da presença de claúsulas extrassocietárias;
O da proibição de venire contra factum proprium.
A primeira corresponde a um último reduto das pretensas cláusulas meramente obrigacionais.
Sustentamos que estas devem ter o mesmo tratamento do das organizacionais. Todavia, pode
suceder que, num contrato de sociedade, haja sido inserida, ao abrigo da liberdade contratual
(artigo 405.º, n.º1 CC), alguma cláusula que, com o contrato de sociedade nada tenha a ver.
Nessa altura, ela seguiria os cânones interpretativos negociais comuns. A segunda deriva da
boa fé. In concreto não pode uma parte adotar uma atuação societária assente numa (pretensa)
interpretação subjetiva do pacto, convencer outrem da excelência da conduta e, depois,
prevalecer-se da interpretação objetiva. A proibição de comportamentos contraditórios
obrigaria, no limite, o responsável a indemnizar os danos assim causados. Uma orientação
paralela deverá, como vimos, prevalecer no tocante à integração de lacunas. O artigo 239.º
CC, faz apelo à vontade hipotética das partes. Ora o contrato de sociedade, uma vez
instituído o novo ente coletivo, liberta-se dos seus celebrantes iniciais. Além disso, é oponível
a terceiros, os quais devem poder prever as linhas de integração de lacunas. Jogam, em suma,
todas as razões que, quanto à própria interpretação, recomendam soluções de tipo objetivo.
Tanto basta para abandonar uma integração de tipo subjetivo. Perante a lacuna estatutária,
queda recorrer à lei das sociedades comerciais; na falta desta, caberá seguir as vias subsidiárias
do artigo 2.º CSC e, no limite, as regras do artigo 10.º CC.
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A firma: o artigo 10.º CSC contém diversas regras relativas à firma das sociedades
comerciais. Trata-se de matéria que pertence ao Direito Comercial e que, aqui, apenas será
aludida. Quanto às denominações das sociedades civis puras, haverá que recorrer ao RNPC,
como vimos. A firma da sociedade pode ser constituída, consoante se alcança do artigo 10.º,
nº.2 e 3 CSC:
Por nomes ou firmas de algum ou alguns sócios (firmas pessoais ou subjetivas);
Por denominação particular, quando seja composta por designações materiais,
atinentes à atividade social (firmas materiais ou objetivas) ou por designações de
fantasia (firma de fantasia); 72
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coincidência, como vamos ver. Embora o Código não o diga, não oferece dúvidas o
predomínio da autonomia privada, no campo da firma das sociedades comerciais. Cabe às
partes no contrato – ou ao interveniente único, quando não haja contrato – escolher a firma.
Essa autonomia privada é limitada por lei, pela moral e pelos bons costumes: tal a formulação
do artigo 10.º, n.º5, alínea c) CSC, aquém da do artigo 32.º, n.º4, alíneas a), b), c) e d) RNPC.
Como vimos, este diploma também é aplicável. A obrigatoriedade e a normalização estão,
ainda, presentes: basta ver que o artigo 9.º, n.º1, alínea c) CSC, prevê a firma como elemento
necessário de qualquer contrato de sociedade; a normalização decorrerá da natureza das
coisas. O princípio da verdade vem largamente consignado no artigo 10.º, n.º5, alínea a) CSC,
que veda expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da 73
sociedade e no artigo 10.º, n.º5, alínea b) CSC, que proíbe as que surgiram, de forma
enganadora, uma capacidade técnica ou financeira ou um âmbito de atuação manifestamente
desproporcionados, relativamente aos meios disponíveis. O princípio da exclusividade, com
o da novidade, ressalta do artigo 10.º, nº2 e 3 CSC. O n.º4 do mesmo artigo não permite,
porém, a apropriação de vocábulos de uso corrente e dos topónimos, bem como de qualquer
indicação de proveniência geográfica: todos esses elementos não são considerados de uso
exclusivo. Por fim, o princípio da estabilidade vem a ser assegurado por todos os esquemas
que se reportam ao RNPC e, ainda, às cautelas postas, por lei, na alteração dos estatutos. A
firma deve exprimir o tipo de sociedade em causa. Nas sociedades em nome coletivo, ela
deve contar (artigo 177.º, n.º1 CSC):
Ou os nomes de todos os sócios;
Ou o nome de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, e Companhia
ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios; p. ex.: e associados.
O papel da firma é tão importante que, se alguém que não for sócio, incluir o seu nome na
firma, ficará responsável pelas dívidas, nos termos do artigo 175.º: 177.º, n.º2, ambos CSC.
Como se vê, nas sociedades em nome coletivo, apenas se admitem firmas pessoais ou
subjetivas, o que vai ao encontro desse tipo social. Nas sociedades por quotas, a firma deve
ser formulada, com ou sem sigla:
Ou pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios;
Ou por uma denominação particular;
Ou por ambos.
concluindo, em qualquer dos casos, pela palavra Limitada ou pela abreviatura Lda. Admitem-
se, pois, firmas pessoais, firmas objetivas, firmas de fantasia ou firmas mistas. A propósito
das firmas das sociedades por quotas, o legislador reforça o princípio da verdade (artigo 200.º,
n.º1 e 2 CSC):
Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um objeto
social que não esteja especificamente previsto na respetiva cláusula do contrato de
sociedade;
Alterando-se o objeto social e deixando-se de incluir a atividade especificada na firma,
a escritura de alteração não pode ser outorgada sem simultânea modificação da
mesma firma.
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Em rigor e perante o artigo 10.º CSC a primeira exigência seria dispensável. A segunda tem
utilidade, uma vez que faz prevalecer o princípio da verdade sobre o da estabilidade. Como,
porém, nada impede que os pactos sociais multipliquem objetos que, depois, não sejam
prosseguidos, a eficácia destes preceitos não é significativa. Nas sociedades por quotas
unipessoais, a firma deve ser formada pela expressão sociedade unipessoal ou pela palavra
unipessoal antes da palavra Limitada ou da abreviatura Lda (artigo 270.º-B CSC). Em tudo o
mais terão aplicação das regras atinentes às sociedades por quotas propriamente ditas (artigo
270.º-G CSC). As regras relativas à firma das sociedades anónimas (artigo 275.º CSC)
retranscrevem, praticamente à letra, o disposto no artigo 200.º CSC para as sociedades por
quotas. Apenas com a diferença: em vez de Limitada ou Lda terá de surgir, agora, sociedade 74
anónima ou S.A. Perante o Direito em vigor, as sociedades anónimas poderão dispor de firmas
pessoais, de firmas materiais, de firmas de fantasia e de firmas mistas. Quanto às sociedades
em comandita, devem as respetivas firmas ser formadas, pelo menos, pelo nome ou firma de
um dos sócios comanditados, aditado pela expressão em Comandita ou &Comandita ou – sendo
uma comandita por ações –, em Comandita por Ações & Comandita por Ações (artigo 467.º, n.º1
CSC). O nome dos sócios comanditários não pode surgir na firma; se isso suceder, esse sócio
passa a ser responsável, perante terceiros e pelos negócios em que figure a firma em causa,
nos termos impostos aos sócios comanditados. O mesmo, de resto, sucede a terceiros que
facultem o seu nome para a firma (artigo 467.º, n.º2 a 5 CSC.
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A duração: a sociedade dura por tempo indeterminado: tal solução supletiva que resulta
do artigo 15.º, n.º1 CSC. Às partes cabe, no pacto social, fixar uma duração determinada para
a sociedade, altura em que ela só pode ser aumentada por deliberação tomada antes de o
prazo ter terminado (artigo 15.º, n.º2 CSC). De outra forma, esse mesmo preceito manda
aplicar as regras referentes ao regresso à atividade, previstas no artigo 161.º CSC. A fixação
da duração de uma sociedade poderá, ainda, ser feita por remissão para termo certo – por
tantos anos ou até tal data – ou para um fator certus an incertus quando: até à conclusão da obre
ou até à morte de tal sócio. Estas considerações permitem também condicionar a duração da
sociedade – a não confundir com a sociedade condicional: durará até que ocorra determinado
facto incertus an incertus quando. As sociedades fazem surgir, entre os seus membros, relações 77
tendencialmente perpétuas. Salvo a hipótese – na prática bem pouco corrente – de os
próprios sócios fixarem, no pacto social, um prazo para a duração da sociedade, esta vai
subsistir indefinidamente, até que sobrevenha uma causa de extinção. A sociedade distingue-
se, por isso e claramente, da comunhão, transitória por excelência e a que os diversos
interessados podem sempre pôr cobro (artigo 1412.º CC). Há que ter esse ponto em especial
atenção. Recorrer a uma sociedade para regular relações de natureza instável equivale a
desistir da divisão, com consequências complexas quando as partes, depois, não as entendam.
Fixada uma duração para certa sociedade, surge um elemento objetivo suscetível de concitar
a confiança de terceiros. A súbita alteração desse elemento pode suscitar danos, diretos ou
indiretos. Donde a preocupação legal de só permitir a alteração desse ponto antes de o prazo
de duração em causa ter sido alcançado.
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Para além das fases necessárias enunciadas, poderão ocorrer determinados negócios
eventuais. Distinguimos, em termos não exaustivos:
Acordos de princípio;
Negócios instrumentais preparatórios;
Acordo de subscrição pública;
Acordo destinado a fazer funcionar a sociedade antes do registo definitivo.
Os acordos de princípios inserem-se na categoria da contratação mitigada, particularmente 79
importante no domínio comercial. Eles correspondem à formalização de negociações, em
regra complexas, visando estabilizar os patamares de consenso alcançados. Os acordos de
princípios podem conter obrigações a cargo das partes: obrigações de procedimento, com
relevo para um dever de prosseguir as negociações e obrigações materiais, relativas à
sociedade definitiva. Todos eles devem ser honrados, sob cominação de responsabilidade
civil. Quando a sociedade definitiva esteja suficientemente prefigurada e as partes se
obriguem, mutuamente, a celebrar o competente contrato, teremos uma promessa de
sociedade. De acordo com o Direito português, a promessa de sociedade está sujeita a
simples forma escrita. Poderá haver uma execução específica dessa promessa, nos termos do
artigo 830.º CC» Pinto Furtado responde pela negativa: a sociedade traduziria uma associação
voluntária, à qual ninguém poderia ser obrigado. No entanto: mesmo na hipótese de
execução específica, a associação não deixaria de ser voluntária; só que a liberdade teria sido
exercida previamente, no momento da conclusão da promessa. A execução específica de uma
promessa de sociedade dependerá, assim:
Da interpretação do próprio contrato-promessa, de modo a verificar se as partes não
terão recorrido à promessa precisamente para se reservarem um direito de recesso
ou de arrependimento;^
Da natureza da sociedade prefigurada pelas partes: a execução específica não será
possível por a isso se opor a natureza da obrigação assumida nos casos de sociedades
de pessoas e, ainda, naqueles em que não haja livre transmissibilidade das posições
dos sócios ou possibilidade de exoneração por iniciativa do próprio; nos outros casos,
ela é um comum negócio patrimonial: e nem dos mais graves.
Na presença de um registo prévio, será possível, pela interpretação, detetar a presença de
uma promessa implícita, mormente quando todos os interessados subscrevam o projeto de
estatutos ou o requerimento de registo. Será, então, uma mera questão de interpretação.
Também as regras sobre a redução e a conversão dos negócios jurídicos são úteis. Para além
da promessa de sociedade, podem ainda surgir diversos negócios instrumentais preparatórios:
promessas de subscrição de certa percentagem de capital ou de todo o remanescente (tomada
firme), promessas de entrada com bens específicos, de cedência de instalações, de apoio
logístico e outras. Tudo isto, em conjunto com a própria promessa, preenche a categoria dos
negócios de vinculação, por oposição aos negócios de organização, que visam já pôr a
funcionar a futura sociedade. Eles devem ser cumpridos, sob pena de responsabilidade civil.
Caso a caso se verificará se é possível complementá-los com a execução específica ou com
sanções pecuniárias compulsórias. Não há que recear estas figuras: estamos perante negócios
patrimoniais que devem ser honrados. Tenha-se presente que a preparação de uma sociedade
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A boa fé in contrahendo, tal como ocorre, em geral, com outros institutos baseados em
conceitos indeterminados, perde terreno à medida que o Direito estrito, através da
diferenciação e do afinamento dos seus institutos, vá logrando soluções estritas capazes de
cobrir áreas antes em branco. No domínio pré-contratual, isso tem vindo a suceder com o
cinzelamento da contratação mitigada e o apuramento dos diversos negócios preliminares.
Todavia,, há sempre questões novas e áreas que, por tradição ou por insuficiente
desenvolvimento jurídico-científico, ainda estão algo desguarnecidas. A culpa in contrahendo
terá, então, um papel fundamental.
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36.º - As sociedades irregulares por incompleitude
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Tendo em conta os regimes aplicáveis, iremos reservar a expressão sociedade irregular para
os casos em que haja incompleitude do processo, seja por falta da própria escritura, seja por
ausência do registo. As invalidades colocam questões que podem, com felicidade, agrupar-se
em torno do epíteto invalidades da sociedade. Com efeito, as situações a reconduzir às
sociedades irregulares tê, em comum, duas importantes circunstâncias:
A não-conclusão do processo formativo, o qual pressupõe um acordoo solene e o
registo definitivo;
A efetiva presença de uma organização societária em funcionamento, com relações
atuantes: quer entre os sócios interessados, quer com terceiros; 83
Como é evidente: o Direito não pode deixar de providenciar neste domínio: realidades
efetivamente operantes no campo social e económico não devem ser tratadas pelo Direito
como meramente inexistentes: seria levar o Direito a um cúmulo de inadmissível
abstracionismo irrealista. A ideia de sociedade irregular tem, assim, um potencial descritivo
que a habilita a cobrir todas estas situações. É útil e, nessa qualidade: deve ser preservada.
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qualquer contrato (ainda que inválido), já não haveria uma situação puramente material. Fica,
pois, o sentido estrito, em que a sociedade material equivale à sociedade aparente. A
sociedade aparente caracteriza-se por não ter, na origem, qualquer contrato ou acordo
societário. Assistir-se-ia à presença de uma mera organização societária a qual, por ser
percetiva por terceiros, surgiria como uma aparência. Semelhante eventualidade é pouco
imaginável perante sociedades anónimas, de montagem complexa e difícil e com várias
instâncias de verificação. Também as sociedades por quotas, dotadas de certo tecnicismo,
dificilmente darão azo a situações meramente aparentes, despidas de qualquer título. Os
exemplos disponíveis, noutros Direitos, reportam-se às sociedades em nome coletivo e às
próprias sociedades civis puras. Perante uma sociedade aparente, poderíamos fazer intervir 84
as regras gerais da tutela da aparência, particularmente no que tange a relações duradouras.
A jurisprudência dos diversos países tem evoluído, precisando os termos da tutela dispensada,
seja entre os próprios sócios, seja nas relações da sociedade com terceiros. O Código das
Sociedades Comerciais resolveu solucionar expressamente a problemática posta pelas
sociedades aparentes. Assim, segundo o artigo 36.º CSC:
«1. Se dois ou mais indivíduos quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro
meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, responderão
solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles».
O n.º2 desse preceito dispõe, porém, que se for acordada a constituição de uma sociedade e
antes da celebração do contrato as partes iniciarem a competente atividade, tem aplicação o
regime das sociedades civis. O preceito não foi conseguido. É importante procede à sua
crítica não por um prisma de política legislativa, mas para tentar, pela interpretação, afeiçoar
o seu conteúdo às exigências do sistema. O legislador parece ter feito uma distinção radical:
Uma aparência total de sociedade, em que os responsáveis nem intenção têm de
celebrar um contrato;
Uma situação em que tal intenção já existiria.
Na primeira hipótese, haveria uma responsabilidade solidária (e, naturalmente, ilimitada)
entre os participantes; no segundo, aplicar-se-iam as regras das sociedades civis. Pelo prisma
dos terceiros, não se percebe esta diferenciação. Repare-se que num caso como no outro,
eles apenas estão convictos da existência da sociedade, sendo-lhes inacessível o facto de os
sócios terem ou não a intenção de celebrar, no futuro, um contrato que, então, faltava. Ora
o regime das sociedades civis é mais adequado e pode assegurar superiores níveis de tutela:
basta ver que, perante o regime da sociedade civil, os credores sociais têm uma situação de
privilégio, perante os bens da sociedade e em relação aos credores pessoais dos sócios (artigo
999.º CC. Além disso, está sempre assegurada a responsabilidade pessoal e solidária dos
sócios, pelas dívidas da sociedade (artigo 997.º, n.º1 CC) ainda que, é certo, com benefício
de excussão (idem, n.º2). Para quê diferenciar regimes em função de um acordo de celebração
futura, de cuja existência ninguém pode ajuizar? A solução normal tenderá, assim, a ser a de
aplicação das regras das sociedades civis puras. Como vimos, a constituição destas sociedades
não depende de qualquer forma especial. Quando duas ou mais pessoas, pelo uso de uma
forma comum ou por qualquer outro meio criem a falsa aparência de uma sociedade
(comercial) há, pelo menos, um acordo, expresso ou tácito, no sentido de criar a aparência
em causa. Será já, em regra, uma sociedade civil. O campo de aplicação do artigo 36.º, n.º1
CSC reduz-se, acantonando-se na parte mais interessante: a da responsabilidade civil solidária,
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pelos danos causados. Além disso, também não oferecerá dúvidas a necessidade de fazer
intervir outros elementos próprios da tutela da aparência – ou, por um prisma mais atual –
da confiança das pessoas que adiram. Assim:
A confiança deve ser objetivamente justificada;
Os confiantes a tutelar devem estar de voa fé, ou seja: devem desconhecer, sem culpa,
a natureza meramente aparente da sociedade.
O investimento da confiança e a imputação, da mesma, às pessoas que lhe estejam na origem
podem ser dispensados: existe uma previsão legal expressa de tutela. O artigo 36.º, n.º1 CSC
85
– tal como os restantes preceitos relacionados com as sociedades irregulares, exceto as que
o sejam em virtude de vício na formação do contrato – aplica-se às situações existentes antes
da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais: artigo 534.º. Ficam todavia
ressalvados os efeitos anteriormente produzidos.
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Há, pois, uma aplicação de regras civis: não uma conversão de uma (inexistente) sociedade
comercial numa (porventura: impossível) sociedade civil. Finalmente: a sociedade resultante
da aplicação do final do artigo 36.º, n.º2 CSC é civil ou comercial? Comercial não pode sero:
o artigo 1.º, n.º2 CSC formaliza essa categoria, não se encarando a mínima vantagem em
inobservar as inerentes valorações, que são importantes. Aliás, bem pode acontecer que se
tenha acordado na constituição de uma sociedade comercial e que se inicie, desde logo, uma
atuação comum sem que se tenha, sequer e ainda, optado por um concreto tipo de sociedade.
Ergo, a haver elementos suficientes para se poder falar em sociedade, ela será civil. Isso não
impede, todavia, que a situação globalmente considerada seja comercial, tal como comerciais
serão os atos praticados pelos intervenientes, em nome e por conta da sociedade. A nossa 86
preocupação é, aqui, a de permitir a apreciação de eventuais litígios, aqui ocorridos, pelos
tribunais de comércio.
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da celebração dos contratos respetivo (artigo 38.º, n.º3 CSC). Trata-se da solução que
corresponde às regras gerais. As relações, com terceiros, das sociedades em
comandita simples, cujos contratos tenham sido regularmente outorgados mas que
não se encontrem, ainda, registadas, mereceram ao legislador um longo preceito: o
artigo 39.º CSC. Diz, em súmula:
Pelos negócios celebrados em nome da sociedade, com o acordo de todos os
sócios comanditados (o qual se presume), respondem todos eles, pessoal e
solidariamente (n.º2);
Nos mesmos termos responde o sócio comanditário que tenha consentido no 88
início da atividade social, salvo se provar que o credor conhecia a sua qualidade
(n.º2);
Se os negócios celebrados não tiverem sido autorizados por todos os sócios
comanditados (ilidindo-se, pois, a presunção), respondem apenas os que
realizarem ou aprovarem (n.º3);
As cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de representação
só são oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas, aquando da
contratação.
No tocante ao sentido da responsabilidade aplicam-se, pelas razões apontadas, as
regras acima apuradas quanto às sociedades em nome coletivo.
3. Relações externas nas sociedades de capitais: as relações com terceiros, das
sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por ações, já celebradas por
escritura mas ainda não registadas, obedecem à regra seguinte: pelos negócios
celebrados em seu nome respondem ilimitada e solidariamente todos os que
intervenham no negócio em representação da sociedade em causa, bem como os
sócios que o autorizem; os restantes sócios respondem apenas até às importâncias
das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a
título de lucros ou de distribuição de reservas (artigo 40.º, n.º1 CSC). A
responsabilidade em causa já não opera se os negócios forem expressamente
condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta, dos respetivos efeitos
(idem, n.º2). Pergunta-se, também aqui, se não seria justo e sistematicamente
adequado fazer intervir, em primeiro lugar, o fundo comum da sociedade: o próprio
artigo 36.º, n.º2 CSC a tanto conduziria. E independentemente disso: não deveria a
própria (pré-)sociedade responder também pelas dívidas em seu nome contraídas?
Uma sensibilidade jurídico-científica responde positivamente a ambas as questões:
afinal, seria esse o regime das sociedades civis puras. Todavia, uma resposta mais
cabal exige uma explicação histórica e comparativa. Na verdade, o registo definitivo
de uma sociedade comercial não se limita a atribuir-lhe personalidade jurídica plena.
Tem ainda o efeito de provocar a assunção, pela sociedade, dos negócios anteriores
ao próprio registo, nos termos prescritos pelo artigo 19.º CSC10. Tomado à letra, este
preceito implicaria:
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A capacidade: conhecido o regime legal das relações internas e externas das sociedades
irregulares, cabe responder à questão crucial, que tende a escapar aos roteiros comuns sobre
a matéria. Qual é a capacidade das sociedades irregulares?
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Pode ser iniciada a atividade social antes do contrato, seguindo-se, então, o regime
próprio das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC);
Podem ser realizados negócios por conta das sociedades em nome coletivo (artigo
38.º, n.º1 CSC); esta tem representantes (idem, n.º3); um esquema semelhante
funciona para as comanditas simples (artigo 39.º, n.º1 e 4 CSC).
Podem ser realizados negócios em nome das sociedades de capitais, agindo, certas
pessoas, em representação delas (artigo 40.º, n.º1 CSC);
Ainda essas mesmas sociedades, sempre antes do registo, podem distribuir lucros e
90
reservas (artigo 40.º, n.º1, in fine CSC).
Os preceitos referidos bastam para concluir que as sociedades, particularmente as pré-
sociedades, dispõem de uma capacidade geral similar à que compete às próprias sociedades
definitivas. O especial óbice reside na responsabilidade de quem pratique os inerentes atos,
em termos acima examinados. Essa capacidade ampla não causa qualquer surpresa: o mesmo
sucede com as sociedades civis puras, que não dependem de forma especial nem de registo
e com as próprias associações não personalizadas, previstas nos artigos 195.º e seguintes CC.
Esta capacidade de princípio não obsta a que, caso a caso, se verifique o exato alcance do ato
que lhe seja impugnado. Na concretização da sua capacidade, a sociedade irregular disfruta
da representação orgânica. Esta será levada a cabo por qualquer dos seus promotores, no
caso do artigo 36.º, n.º2 CSC (pré-sociedade anterior à escritura) ou pelos órgãos
competentes já previstos nos seus estatutos, nas hipóteses dos artigos 38.º a 40.º CSC (pré-
sociedades posteriores ao contrato mas anteriores ao registo). Apesar desta latitude dada pelo
Direito privado, deve ter-se presente que as pré-sociedades dão lugar a constrangimentos
fiscais e, porventura, bancários. Além disso, diversos negócios formais vão, na prática, estar-
lhes vedados, por razões de prática notarial. Recomenda-se, pois, como regra, a rápida
conclusão do processo.
A natureza:
1. Algumas doutrinas: com os elementos obtidos, resta fixar a natureza da sociedade
irregular. Adiantamos que os resultados obtidos são aplicáveis às sociedades que
apresentem vícios nos respetivos contratos, na medida em que tais vícios bloqueiam
a comum natureza societária. Isto dito: estamos perante um exercício clássico do
Direito das Sociedades, que implica uma dimensão histórico-crítica e, depois, uma
ordenação dogmática, perante os dados da atual Ciência do Direito. O Direito
português vigente beneficia da juventude da sua lei: pôde aproveitar uma série de
elementos conquistados noutras latitudes. Ora aí – particularmente na Alemanha, que
funcionou como o grande cadinho onde foi experimentada toda esta temática – os
exatos contornos da pré-sociedade e da sociedade irregular (fehlerhafte e Gesellschaft)
foram sendo desenvolvidos pela jurisprudência, surgindo como uma manifestação de
interpretação complementadora. Não houve uma doutrina pré-definida mas, apenas,
a necessidade de atalhar problemas concretos. Devemos ainda ter presente que toda
esta matéria resulta, também, da transposição dos artigos 7.º e 9.º da 1.ª Diretriz sobre
sociedades comerciais, de clara inspiração alemã. Podemos ordenar as diversas
teorias explicativas das sociedades irregulares em três grandes troncos:
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Já após o acordo de constituição (artigo 36.º, n.º2 CSC) altura em que se remete para
as sociedades civis puras, poderá haver personalidade mais ampla: depende do nível
de organização alcançado. Realizado o contrato, as sociedades assumem, de facto,
personalidade coletiva. Se bem se atentar, as limitações que impendem sobre as
sociedades não registadas têm a ver com a responsabilidade dos sócios perante
terceiros, que não é limitada. Quanto ao resto: temos órgãos, temos representantes
orgânicos e temos, de facto, um centro autónomo de imputação de normas, com
funções e interesses próprios. Tudo isto aponta para uma única e inevitável conclusão:
as sociedades irregulares retiram a sua jurídica-positividade da vontade das partes.
Nos diversos casos surpreendemos acordos a tanto destinados, ainda que 93
completados pela tutela da aparência: esta, lligada à proteção da cofiança, segue, ainda
que por analogia, o regime negocial. O passo seguinte: qual a figura derivada da
vontade das partes? De acordo com as categorias gerais, como são hoje entendidas,
tal figura dá azo a um contrato. Que contrato? Perante a noção geral do artigo 980.º
CC, confirmada, aliás, por quanto ela representa, tal contrato só poderá ser… um
contrato de sociedade. Resta concluir: as sociedades irregulares, que o sejam por
incompleitude são, em todo o caso, verdadeiras sociedades, assentes em equivalentes
contratos de sociedade. Tais contratos, por razões endógenas (falta de contrato
formal) ou exógenas (falta de registo) não equivalem aos modelos finais legalmente
fixados. Não deixam de ser contratos. De categoria inferior? Não propriamente:
apenas diferente. As sociedades irregulares são verdadeiras e próprias sociedades,
ainda que diversas do figurino elencado no artigo 1.º, n.º2 CSC. Há inúmeras
graduações possíveis, o que não admira, uma vez que escapam à tipicidade comercial.
Quanto à natureza: contratual, como sucede com a nossa matriz societária.
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«A legislação dos Estados Membros pode regular o regime das invalidades do contrato de
sociedade desde que respeite as seguintes regras:
«a) A invalidade deve ser reconhecida por decisão judicial;
«b) A invalidade apenas pode ser reconhecida com os fundamentos referidos nas subalíneas
i) a vi) seguintes:
«i) falta de ato constitutivo ou inobservância quer das formalidades de fiscalização
preventiva, quer da forma autêntica;
«ii) natureza ilícita ou contrária à ordem pública do objeto da sociedade; 94
«iii) omissão, no ato constitutivo ou nos estatutos, de indicação relativa à denominação
da sociedade, às entradas, ao montante total do capital subscrito ou ao objeto social;
«iv) inobservância das disposições da legislação nacional relativas à libertação mínima
do capital social;
«v) incapacidade de todos os sócios fundadores;
«vi) quando, contrariamente à legislação nacional aplicável à sociedade, o número de
sócios fundadores for inferior a dois».
Continua o artigo 12.º, num preceito da maior importância:
«Fora destes casos de invalidade, as sociedades não podem ser declaradas nulas, nem ficam
sujeitas a qualquer outra causa de inexistência, de nulidade absoluta, de nulidade relativa ou
de anulabilidade».
Os fundamentos da invalidade das sociedades comerciais correspondem, deste modo, a uma
exigência comunitária, que já foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça Europeu. Trata-se de
um elemento que deve ser tido em conta, em nome de uma interpretação conforme com as
diretrizes, quando estejam em causa normas de transposição. Transcendendo as exigências
comunitárias, o legislador consagrou uma regulação minuciosa para esta matéria: os artigos
41.º a 52.º CSC. A lei poderia, claramente, ter sido mais sistemática e simples. A mera leitura
das epígrafes dos preceitos implicados mostra uma ordenação caleidoscópica, difícil de reter
e que não era exigida pela ordem da União. Na sequência, iremos distinguir:
Princípios gerais;
Regras quanto a sociedades de pessoas;
Regras quanto a sociedades de capitais.
Em rigor, apenas quanto a estas últimas há elementos de exigência comunitária.
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A ação deve ser intentada no prazo de três anos a contar do registo, salvo tratando-
se do Ministério Público (artigo 44.º, n.º2 e 2 CSC); quer isso dizer que, passado esse
prazo, o direito a propor caduca;
Ela pode ser iniciada por qualquer membro da administração, do conselho fiscal ou
do conselho geral e de supervisão da sociedade ou por qualquer terceiro «que tenha
um interesse relevante e sério na procedência da ação».
De notar, ainda, a presença de deveres acessórios, destinado a conter danos. Já referimos a
necessidade de, antes de intentar a ação, de interpelar a sociedade para que sane – se sanável
– o vício: uma exigência que considerada quanto ao fundo. Opera, assim, como um ónus. 96
Mas há, ainda, verdadeiros deveres legais de informar, segundo o artigo 44.º, n.º3 CSC. Os
membros da administração devem comunicar, no mais breve prazo, aos sócios de
responsabilidade ilimitada e aos sócios de sociedades por quotas, a proposição da ação de
declaração de nulidade. Entenda-se, para que o preceito seja útil: independentemente de
quem tenha proposto a ação. Tratando-se de sociedades anónimas, a comunicação deve ser
feita ao conselho fiscal ou ao conselho geral e de vigilância (ou à comissão de auditoria),
consoante o tipo de sociedade anónima em causa (artigo 44.º, n.º3, in fine CSC). Este dever
visa facultar o conhecimento da ação dentro da sociedade, permitindo, aos interessados,
tomar as medidas que entenderem e, no limite: iniciar o processo de sanação do vício. A sua
omissão presume-se culposa (artigo 799.º, n.º1 CC) e obriga o prevaricador a indemnizar o
lesado por todos os danos causados. Dado o teor do artigo 44.º CSC, ele aplica-se ,
claramente, a todos os tipos de sociedades comerciais. A anulabilidade tem, como se sabe e
nos termos do artigo 287.º, n.º1 CC, requisitos especiais de funcionamento. Na prática, ela
equivale a uma impugnabilidade: coloca nas mãos do interessado um direito potestativo
temporário de provocar o colapso do negócio. Todavia, sempre segundo o Direito comum,
uma vez atuada, ela tem efeitos similares aos da declaração de nulidade. Aqui intervém o favor
societatis:
Nas sociedades de capitais, certos fundamentos de anulabilidade operam (apenas)
como justas causas de exoneração dos sócios atingidos; quanto à incapacidade: ela
gera uma anulabilidade limitada ao incapaz (artigo 45.º, n.º1 e 2 CSC);
Nas sociedades de pessoas, a invalidade por determinados fundamentos provoca
anulabilidade apenas perante o atingido, salvo na impossibilidade de redução prevista
no artigo 292.º CC (artigo 46.º CSC);
Em qualquer dos casos, o sócio que obtenha a anulação do contrato, nos termos do
artigo 45.º, n.º2 ou 46.º CSC, tem o direito de rever o que prestou e não pode ser
obrigado a completar a sua entrada mas, «se a anulação se fundar em vício da vontade ou
usura, não ficará liberto, em face de terceiros, da responsabilidade que por lei lhe competir quanto às
obrigações da sociedade anteriores ao registo da ação ou da sentença» (artigo 47.º CSC); o
disposto nos artigos 45.º a 47.º CSC vale, com as adaptações necessárias, se o «sócio
incapaz ou aquele cujo consentimento foi viciado» ingressar posteriormente na sociedade» (artigo
48.º CSC);
A anulabilidade pode ver o seu prazo encurtardo, através do dispositivo no artigo
49.º CSC: qualquer interessado pode notificar o impugnante para que anule ou
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confirme o negócio; perante a notificação, tem o notificado 180 dias para intentar a
ação, sob pena de o vício se considerar sanado;
Quanto aos efeitos: eles podem ser substituídos pela homologação judicial de
medidas, requeridas pela sociedade ou por um dos sócios, e que se mostrem
adequadas, para satisfazer o interesse do autor, «em ordem a evitar a consequência jurídica
a que a ação se destine» (artigo 50.º, n.º1 CSC).
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mais precisamente do seu artigo 13.º, n.º2, na sua versão de 2009. Deve, pois, proceder-se a
uma interpretação que, em concreto, dê corpo à intenção legislativa subjacente ao nosso
artigo 52.º CSC. A exigência de liquidação apresenta-se, aqui, como uma norma de tipo
processual formal, com custos. Tais custos constituem risco dos sócios que hajam decidido
subscrever a sociedade viciada, tenham ou não culpa na ocorrência. A redução teleológica do
artigo 52.º, n.º1 CSC não parece possível. Esta asserção é confirmada por dois corolários,
jurisprudencialmente apurados:
Não pode haver dispensa de liquidação nem formação do respetivo processo à
margem da lei, mesmo nos casos em que o património da sociedade não tenha
passivo e em que o ativo seja comporto por dinheiro ou bens suscetíveis de imediata 98
partilha entre os ex-sócios;
Perante a invalidade do contrato de sociedade por vício de forma, ocorrida antes do
registo definitivo, não pode ser restituído, aos sócios, o valor das prestações que
fizeram a título de entrada, com base no artigo 289.º CC; esses sócios têm,
unicamente, o direito de verem partilhado o ativo resultante da liquidação.
O legislador sentiu, depois, a necessidade de se ocupar dos negócios concluídos
anteriormente em nome da sociedade. A regra básica é a de que esses negócios não são
afetados, na sua eficácia, pela declaração de nulidade ou anulação do contrato social (artigo
52.º, n.º1 CSC). Trata-se de uma transposição rigorosa do artigo 13.º, n.º1 da 1.ª Diretriz na
sua versão de 2009. Há que interpretá-lo de modo estrito, permitindo a introdução de duas
delimitações:
É necessário que o próprio negócio anteriormente concluído com a sociedade não
incorra em nenhum fundamento de invalidade;
Exigindo-se, ainda, que o terceiro protegido esteja de boa fé, no sentido geral:
desconhecer, sem culpa, o vício que afeta a sociedade.
Este entendimento pode ser perturbado pelo artigo 52.º, n.º3 CSC, cujo teor cumpre ter bem
presente:
«No entanto, se a nulidade proceder de simulação, de ilicitude do objeto ou de violação de ordem
pública ou ofensiva dos bons costumes, o disposto no número anterior só aproveita a terceiros de
boa fé».
A contrato, pareceria que, provindo a nulidade de quaisquer outros vícios, a tutela referida
no artigo 52.º, n.º2 CSC aproveitaria mesmo a terceiros de má fé. Pense-se na hipótese do
terceiro que, com dolo, tivesse provocado a invalidade da sociedade, por erro de um (ou mais)
sócio, integrando o dolo de terceiro previsto no artigo 254.º, n.º2 CC: poderia bloquear a
invalidade da sociedade? A resposta deve ser claramente negativa. Nenhuma Diretriz pode
ser transposta contra os dados basilares da ordem jurídica. No limite, seria possível recorrer
à cláusula geral do abusdo do direito. Quanto à lógica da tutela de terceiros, explica o artigo
52.º, n.º4 CSC: a invalidade não exonera os sócios da realização das suas entradas nem da
responsabilidade pessoal e solidária que, por lei e perante terceiros, eventualmente lhes
incumba: um aspeto a delucidar na liquidação, cabendo aos liquidatários cobrar, aos sócios
remissivos, as importâncias em falta. Naturalmente: cessará a responsabilidade quando se
esteja perante um sócio cuja incapacidade tenha sido causa de anulação do contrato ou
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quando ela venha a ser oposta, por via de exceção, às sociedades, aos outros sócios ou a
terceiros (artigo 52.º, n.º5 CSC). No seu conjunto, estas especificidades de regime atinentes
às invalidades do contrato de sociedade habilitam-nos a concluir: trata-se, por um prisma de
teoria geral do Direito, de invalidades específicas, de tipo misto. Impõe-se uma indagação
caso a caso e perante os preceitos gerais e específicos. A sociedade atingida não desaparece:
no limite, sujeitar-se-á (apenas) à liquidação. Merece, assim, a designação tradicional:
sociedade irregular.
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o argumento a contrario e a analogia. Mas neste âmbito, nem sequer: uma vez que a
especificidade do artigo 46.º CSC se espraia, afinal, no regime comum, bastará fazer a pelo a
este. Nas sociedades de pessoas, os diversos vícios que possam atingir o contrato constitutivo
respetivo dão azo às competentes invalidades; porém, quando toquem, apenas, num dos
sócios (ou mais), os contratos atingidos são recuperáveis pela redução, quando possível
(artigo 292.º CC). Pela mesma ordem de ideias, poderemos recuperar sociedades
dissimuladas (artigo 241.º CC) e construir sociedades por conversão (artigo 293.º CC). O
apelo ao Direito comum a tanto conduz, sendo que os princípios gerais, acima estudados e
aqui aplicáveis, asseguram as dimensões societárias em jogo.
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Especificidades das sociedades de capitais: no tocante às sociedades por quotas,
anónimas ou em comandita por ações, operado o registo definitivo, apenas se admite a
declaração de nulidade do correspondente contrato, por algum dos fundamentos referidos
no artigo 42.º, n.º1 CSC. Trata-se, como já foi dito, da transposição das diversas alíneas do
artigo 12. Da 1.ª Diretiva, ainda que por uma ordem diversa. Por maioria de razão e, ainda,
por força de uma interpretação conforme com a Diretriz, tais sociedades não podem ser
anuladas sob nenhum fundamento. Tão-pouco pode ser suscitada a hipótese de inexistências,
que não são admitidas, como vício autónomo, pelo Direito civil português. A sequência do
artigo 42.º, n.º1 CSC é taxativa. Deve notar-se que a Diretriz transposta não exige o registo
da sociedade. Temos, pois, de entender, pela lógica do Direito português e, também, para
evitar a violação, pelo nosso Estado, da Diretriz em causa, que antes do registo, não há
sociedade, para efeitos da proteção ora em jogo. Mas isso suscita outras dificuldades. Os
vícios alinhados apresentam um surrealismo vincado. Não se vê como se consiga registar
uma sociedade… cujo contrato não tenha sido reduzido a escrito, com as assinaturas
presencialmente reconhecidas. E quando isso sucede, o registo em causa seria ilícito, nulo,
podendo ser impugnado, o que não é vedado por nenhuma lei, interna ou comunitária.
Deixaria, então, de haver registo, seguindo-se o regime do artigo 41.º CSC … O vício de
forma só faz sentido quando não se requeira o registo ou quando o problema se discuta antes
de o mesmo ter sido efetivado. Os demais vícios também são de verificação bem improvável:
não vemos como reconhecer assinaturas com tão patentes insuficiências. A natureza óbvia
da 1.ª Diretriz tem a ver com a data: 1968. Nessa altura, a legislação comunitária dava
pequenos passos. De todo o modo, ao proteger o contrato apenas após o registo, o Código
das Sociedades Comerciais está a transpor deficientemente a 1.ª Diretriz. No plano interno,
nada a fazer. Os prejudicados poderão, de todo o modo, responsabilizar o Estado português
por essa falha. O artigo 42.º, n.º2 CSC considera sanáveis «por deliberação dos sócios, tomada nos
termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato», alguns dos vícios elencados como
relevantes: a falta ou nulidade da firma e de sede da sociedade, bem como do valor da entrada
de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. Quanto a estas prestações: não
têm de constar do ato constitutivo e, em regra, nem constarão. O artigo 45.º, n.º1 CSC elenca
determinados vícios da vontade – o erro, o dolo, a coação e a usura – a que acrescenta a
incapacidade. Pois bem: tais eventualidades, não podem determinar a anulabilidade de
sociedades de capitais (registadas…), visto o artigo 42.º, n.º1 CSC; constituiriam, todavia,
justa causa de exoneração do sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias de
anulabilidade. Tratando-se de incapacidade, teremos uma anulabilidade relativa apenas ao
incapaz (artigo 45.º, n.º2 CSC). Tal como fizemos perante o preceito paralelo (artigo 46.º
CSC) relativo às sociedades de pessoas, também aqui cabem dois reparos:
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1986. Este diploma pretendeu ser um verdadeiro código, ainda que tenha patenteado
limitações que as alterações, subsequentemente introduzidas no seu texto,, procuram corrigir.
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Menções gerais: data, facto, nome ou denominação (melhor seria firma) (artigo 14.º
RRCom);
Menções especiais elencadas na lei (artigo 15.º RRCom).
Finalmente, o artigo 16.º RRC determina que as notificações sejam efetuadas por carta
registada.
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Princípio da obrigatoriedade:
o Direta: a inscrição de certos factos, referidos no artigo 15.º, n.º1 CRCom é
imperativa, sob pena de coimas;
o Indireta: os diversos factos sujeitos a registo só produzem efeitos, perante
terceiros, depois da inscrição (artigo 14.º, n.º1 CRCom) ou da publicação
(artigo 14.º, n.º2 CRCom);
Princípio da legalidade: segundo o artigo 41.º CRCom:
«A viabilidade do pedido do registo a efetuar por transcrição deve ser apreciada em 104
face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos
anteriores, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade
formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos».
Contraponto deste princípio é a recusa do registo, a qual deve operar nos casos
seriados no artigo 48.º, n.º1 CRCom.
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Tudo isto invoca uma série de construções de alguma complexidade e que pertencem ao
Direito Comercial. O Direito das sociedades comerciais pressupõem-nas. Nalguns casos:
afeiçoa-as.
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Também o registo da extinção (artigo 160.º, n.º2 CSC) visa fixar uma data segura
para a ocorrência ou para o seu encerramento, o processo a ela conducente.
Devemos ter presente, em todo o estudo do Direito das sociedades, que estamos no coração
do Direito privado. Não é possível estabelecer vetores que contraditem o sentir geral do
ordenamento: multiplicar-se-iam rapidamente as disfunções e as incompleitudes, pela mais
definitiva das razões: o sistema não foi pensado para isso. O caso do registo das sociedades
é, disso, um bom exemplo de escola. Vamos admitir que, por influência doutrinária alemã
(constituição) ou germano-comunitária (fusão e cisão), o legislador tenha pontualmente
pensado em fixar um registo constitutivo. Contraria-se o princípio basilar da eficácia imediata
dos contratos, no próprio domínio real (artigo 408.º, n.º1 CC). Não há, nos países do Sul, 107
uma tradição de atos abstratos nem de eficácia estritamente acantonada, à espera do registo.
Resultado: escapariam à lógica constitutiva toda a área das pré-soceidades (que são, como
vimos, elas próprias, sociedades) e outras importantes vicissitudes, não dependentes do
registo:
A alteração do contrato, com exemplo no artigo 88.º CSC;
A transformação da sociedade, como se infere do artigo 140.º-A CSC.
O grande papel substantivo do registo comercial deriva do competente Código e cifra-se no
efeito indutor da eficácia: seja não reconhecendo todos os efeitos a atos sujeitos a registo e
não registados (inoponibilidade a terceiros de boa fé), seja atribuindo efeitos a atos não
efetivos, mas indevidamente registados (inoponibilidade da nulidade do registo a terceiros de
boa fé). No caso de registos constitutivos previstos no Código das Sociedades Comerciais, a
conclusão impõe-se: não são verdadeiras hipóteses de registo constitutivo. Caso a caso será
necessário verificar quais os efeitos a eles associados. Como fundo genérico, podemos
adiantar que os atos sujeitos a esse registo produzem efeitos antes e independentemente dele.
Mas não todos os efeitos que, segundo o Direito vigente e a natureza das coisas, eles deveriam
produzir. O registo surge, assim, como uma condicionante da sua eficácia plena, ligando-se,
enquanto especificidade, ao efeito indutor de eficácia que resulta da publicidade registas:
negativa e positiva. Este efeito condicionante de eficácia plena tem, todavia, uma
particularidade que justifica a sua manutenção como efeito autónomo. Ao contrário do que
sucede com a comum publicidade indutora de eficácia, não temos, aqui, uma mera
inoponibilidade a terceiros de boa fé; antes ocorrem diversos efeitos especificamente
contemplados pelas normas em presença e que devem ser apurados caso a caso. A
possibilidade de fazer, nessa base, uma teorização do fenómeno dependerá dos regimes
aplicáveis.
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A eficácia do registo: cabe ponderar, na lei, a eficácia do registo. O artigo 5.º CSC
associa-lhe a personalidade jurídica e a existência como sociedades. Este preceito perde
importância, uma vez que a sociedade devidamente constituída por contrato assinado e ainda
não registada opera como um centro próprio de imputação de regras, dispondo de
capacidade jurídica. Com o registo surgirá uma entidade diferente? Como vimos, o tema foi
debatido na Alemanha, acabando por prevalecer a teoria da identidade. Também entre nós
assim deverá ser e por maioria de razão, dado o manancial disponível de regras quanto às
pré-sociedades. Um problema poderá advir do artigo 19.º CSC, que cumpe estudar. Segundo
o n.º1 desse preceito, com o registo definitivo do contrato, a sociedade assume de pleno
direito:
a) Os direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos referidos no artigo 16.º,
n.º1 CSC;
b) Os direitos e obrigações resultantes da exploração normal de um estabelecimento
que constitua objeto de uma entrada em espécie ou que tenha sido adquirido por
conta da sociedade, no cumprimento de estipulação do contrato social;
c) Os direitos e obrigações emergentes de negócios jurídicos concluídos antes do ato de
constituição que neste sejam especificados e expressamente ratificados;
d) Os direitos e obrigações decorrentes de negócios jurídicos celebrados pelos gerentes
ou administradores ao abrigo de autorização dada por todos os sócios no ato de
constituição.
A assunção prevista destes negócios é retroativa e liberatória em relação às pessoas
responsáveis, segundo o artigo 40.º CSC (artigo 19.º, n.º3 CSC). Já no tocante a direitos e
obrigações decorrentes de outros negócios celebrados, antes do registo, em nome da
sociedade, a sua assunção depende de decisão da administração, a comunicar à contraparte
nos 90 dias subsequentes ao registo (artigo 19.º, n.º2 CSC). Exigir-se-á . naturalmente e nos
termos gerais – o acordo, prévio ou subsequente da contraparte. O artigo 19.º, n.º4 CSC
contém uma delimitação negativa: a sociedade não pode assumir obrigações derivadas de
negócios jurídicos não mencionados no contrato social que versem sobre vantagens especiais,
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43.º - A qualidade de sócio como um estado
Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
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ele poderia ser levado a cabo? Nalguns domínios, assim é: não vale a pena, perante o atual
estado dos nossos conhecimentos e dada a realidade jurídico-positiva portuguesa, elaborar,
num esforço de grande abstração, toda uma teoria geral das posições societárias: ela teria de
ser decomposta e reformulada, na passagem para os tipos singulares. Noutros, porém, o
esforço justifica-se: não só o próprio Código das Sociedades Comerciais contém uma parte
geral, que cumpre conhecer, como, também, se afigura útil generalização. Permite melhor
conhecer e, depois, densificar as regras próprias de cada tipo societário.
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perguntar pelas fontes, isto é: pelos factos suscetíveis de influenciar a concreta composição
dos direitos dos sócios. De imediato, ocorrem os múltiplos fatores suscetíveis de interferir
no regime das sociedades, com relevo para o sistema de fontes. Tal sistema não dispõe,
todavia e neste domínio, da latitude que lhe é conferida nas áreas puramente regulativas. As
posições jurídicas dos sócios incorporam direitos e deveres de pessoas. Trata-se – ainda que
não exclusivamente – de direitos patrimoniais privados. Tais direitos, uma vez constituídos,
não podem ser arbitrariamente suprimidos: nem mesmo por lei, sob pena de violação do
artigo 62.º, n.º1 CRP (propriedade privada). No sistema das fontes reportado às posições dos
sócios, temos de fazer intervir as valorações próprias da apropriação privada e dos direitos
das pessoas. Resulta, daqui, uma especial tensão, uma vez que os preceitos estatutários, 113
formalmente contratuais, podem ser suprimidos ou delimitados por deliberações maioritárias.
Proibir essa possibilidade rigidifica o ser coletivo. Admiti-la pode frustrar expectativas e, no
limite, prejudicar os investimentos e as associações de esforços: prevenindo a hipótese de vir
a ser despojado dos seus bens e direitos, o interessado pode abdicar de sociedades, preferindo
movimentar-se a solo. A solução de equilíbrio reside no regime das chamados direitos
especiais.
Os direitos especiais: a matéria dos direitos especiais consta do artigo 24.º CSC. Infere-
se desse preceito que os direitos especiais são direitos de qualquer sócio, inseridos no
contrato de sociedade e que – salvo disposição legal ou estipulação contratual expressa em
contrário – não podem ser suprimidos ou coartados sem o consentimento do respetivo titular
(n.º1 e 5). Os direitos especiais têm merecido, na nossa literatura comercial, uma atenção
bastante vincada. Tal deve-se à capacidade que esses direitos têm no domínio da
pessoalização dos estatutos e dos tipos societários presentes, afeiçoando-os, de modo
tendencialmente perpétuo, à vontade dos seus titulares. Podemos até adiantar que a
possibilidade de consignar direitos especiais surge como um dos fatores mais delimitativos
da regra da tipicidade. O Código das Sociedades Comercias refere, no citado artigo 24.º, a
categoria dos direitos especiais dos sócios em termos gerais. Não concretiza que precisos
tipos de direitos poderiam estar em causa. Com base na jurisprudência portuguesa, podemos
apontar os seguintes exemplos:
O direito de vincular uma sociedade por quotas, em juízo ou fora dele, apenas com
a assinatura do beneficiário;
O direito de exercer atividade concorrente com a da sociedade;
O direito de dividir ou de alienar a sua quota sem as autorizações exigidas aos demais;
O direito de alienar quotas sem possibilidade de exercício da preferência pelos demais;
O direito à gerência, altura em que a destituição só poderia operar com base em justa
causa e por via judicial.
Outras hipóteses poderiam consistir em direitos de veto, em todos ou alguns assuntos ou o
direito de perceber quinhões mais favoráveis de lucros. Os direitos especiais são intuitu
personae: estabelecidos em função de um concreto titular, eles não são transmissíveis a
terceiros, em conjunto com a respetiva quota. Não vemos, porém, razão para que uma
cláusula expressa não possa facultar essa possibilidade: artigo 24.º, n.º3 CSC. Quando os
estatutos atribuam certa posição a uma pessoa, será questão de interpretação o saber se se
trata de um verdadeiro direito especial, sujeito ao regime do artigo 24.º CSC ou se antes se
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verifica uma mera designação em pacto social. Na verdade, não basta a atribuição de um
direito: é necessário uma atribuição especial. Recomenda-se, pois, que sendo esse o caso, se
diga expressamente que o direito é especial ou – melhor – que o mesmo só pode ser
suprimido com o consentimento do seu titular. O artigo 24.º, n.º2, 3 e 4 CSC fixa, depois,
regras para as sociedades em nome coletivo, por quotas e anónimas. Nos termos seguintes:
Sociedades em nome coletivo: os direitos especiais são intransmissíveis, salvo
cláusula em contrário;
Sociedades por quotas: os direitos especiais patrimoniais são transmissíveis e
intransmissíveis os restantes, salvo cláusula em contrário; 114
Sociedades anónimas: os direitos especiais são atribuídos a categorias de ações,
transmitindo-se com estas.
Aflora a natureza essencialmente transmissível das ações. Na mesma lógica, o artigo 24.º,
n.º6 CSC, reportando-se ao consentimento a dar pelo próprio, para a supressão ou a limitação
dos seus direitos especiais, estabelece que, nas sociedades anónimas, ele seja dado por
deliberação tomada em assembleia especial dos acionistas titulares de ações da respetiva
categoria. Finalmente, já se discutiu, entre nós, se os direitos especiais podem assistir a todos
os sócios – com exceção das sociedades anónimas onde, por imposição legal, há que lidar
com categorias de ações. O problema põe-se (pensamos) mercê de um condicionalismo
linguístico: o de se ligar especial ao sócio, inferindo, daí, que a especialidade se perde se todos
os sócios detiverem igual prerrogativa. Mas não: os direitos especiais são-no não por
pertencerem apenas a alguém, mas por pressuporem, em si, um regime especial, isto é:
diferente do comum. Ora, assim sendo, não há problemas em que todos os sócios sejam
titulares de direitos de que só possam ser despojados com o seu próprio assentimento e
seguindo-se os outros traços do regime legal. A jurisprudência vai nessa linha: bem. Estamos
no Direito privado: tudo o que perita alijar interpretações deprimidas, que restrinjam, sem
fundamento sério, a liberdade das partes, deve ser acolhido e incentivado.
O recurso à técnica do estado: o excurso anterior logo permite concluir que a posição
jurídica do sócio é complexa. Ela contém, desde logo, direitos e deveres. A enumeração legal,
que peca certamente por defeito, mostra aspetos patrimoniais – o dever de entrada e o de
quinhoar nas perdas e o direito aos lucros – e aspetos participativos vários. Temos, ainda, o
já examinado caso dos direitos especiais, enquistados em detrimento da própria regulação
societária típica. Todos estes aspetos podem ser indefinidamente enriquecidos com recurso
aos regimes próprios dos vários tipos societários, a considerar na parte especial. Devemos,
ainda, atentar num fenómeno flagrante: os diversos direitos dos sócios são suscetíveis de se
concretizar – ou não – consoante os eventos subsequentes que rodeiem a vida da sociedade.
Por exemplo: o direito a lucros depende de haver, efetivamente, lucros e de se ter optado
pela sua distribuição; o dever de informar pressupõe que haja algum elemento com interesse
e assim por diante. No essencial, o sócio tem o dever de entrada inicial e, depois, o direito
de sócio. Tudo o resto é mero potencial, dependendo de fatores de natureza variada.
Podemos entroncar aqui uma referência à natureza jurídica da participação social.
Tradicionalmente, ela era referida como uma relação duradoura, de participação, entre a
corporação e o seu membro. O fenómeno da sua transmissibilidade e da complexidade do
seu conteúdo levou a doutrina atenta a falar na qualidade de um sujeito de tipo elástico. Esta
ideia teve se, por razões práticas, confluir com a conceção anterior da participação como
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direito subjetivo, mais particularmente: como um direito diverso, para efeitos do §823 BGB,
de modo a permitir uma tutela aquiliana. O Direito português dispensa, porém, tais
qualificações, para poder dispensar uma tutela lata. Além disso, não vemos como verificar a
participação em torno de uma ideia de direito subjetivo quando, à partida, se reconhece que
ela envolve diversos deveres. Quedamo-nos, por isso, pela ideia de estado, propugnada no
texto. No mesmo sentido veio depor Pedro Pais de Vasconcelos, bem como Costa
Gonçalves. Podemos usar, com vantagem, a técnica do estado, elaborada no antigo Dieito
Civil para exprimir, em termos sintéticos, as muitas variáveis capazes de interferir nas
posições dos sócios. Recordamos que o estado das pessoas pode ser entendido numa de três
aceções: 115
O estado-qualidade, correspondente a uma determinada posição da pessoa;
O estado como complexo de situações jurídicas correspondentes a essa qualidade ou
por ela potenciadas ou condicionadas;
O estado enquanto complexo de normas jurídicas reguladoras dessa massa de
situações.
As referidas aceções estão interligadas. Parte-se do estado-qualidade, decorrendo, dele, as
outras duas aceções. Pois bem: ao admitir o estado de sócio, podemos exprimir, de modo
sintético, todo um mutável mas consistente conjunto de posições jurídicas que, por lei, pelo
contrato de sociedade, por outros acordos (designadamente: os parassociais) e por
deliberações societárias lhe possam advir.
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categoria compreensiva e não a uma forma analítica. Os diversos direitos subjetivos surgem-
nos com uma configuração que nos é dada pela evolução histórico-dogmática e pelos
condicionamentos linguísticos. Por isso, pode suceder que um direito subjetivo, quando
ponderado lógica e racionalmente, venha a apresentar, no seu interior, subdireitos, faculdades,
poderes, expectativas e outras realidades ativas e, ainda, obrigações, encargos e deveres
diversos. Não deixará de corresponder à definição proposta, com a dimensão existencial
própria das realidades humanas. Apontada a dificuldade e as coordenadas reitoras, vamos
ver. O direito abstrato surge como uma expectativa, em relação a um bem final futuro:
pressupõe um processo no termo do qual esse bem poderá surgir. Trata-se de uma
expectativa juridicamente tutelada: diversos procedimentos instrumentais estão previstos e 116
devem ser respeitados, sob cominações jurídicas. Além disso, o direito abstrato pressupõe
ou implica determinados direitos instrumentais, também suscetíveis de efetivação.
Consideraremos, assim, os direitos abstratos dos sócios como verdadeiros direitos. Dentro
da tradição ocidental, eles permitem exprimir uma posição favorável do sujeito, tutelada pelo
Direito, de exercício permitido e reportada a vantagens suscetíveis de expressão linguística
unitária. A sua especialidade reside em traduzirem conteúdos complexos, que englobam um
conjunto de expectativas jurídicas e, ainda, uma série de fatores instrumentais, que podem
incluir outros direitos, certas faculdades e alguns poderes. Além disso, os direitos abstratos
inscrevem-se no estado de sócio. Têm, assim e necessariamente, associadas as mais diversas
figuras, incluindo algumas de natureza passiva: obrigações e deveres. Trata-se, por fim, de
um instrumento especialmente elaborado pela dogmática da sociedade.
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O direito de receber de volta o valor que lhe caiba, na hipótese de redução do capital
da sociedade para libertação de excesso do mesmo (artigos 94.º, n.º1 e 95.º, n.º4 alínea
d), implicitamente CSC);
O direito de exigir que a sociedade adquira ou faça adquirir a sua comparticipação,
quando haja fusão de que discorde (artigo 105.º, n.º1 CSC);
O direito de encabeçar as posições sociais da sociedade resultante da fusão de
anteriores (artigo 112.º, alínea b), CSC, numa regra aplicável, com as necessárias
adaptações, à cisão) – artigo 120.º CSC;
117
O direito de receber o valor a sua participação na hipótese de transformação de que
discorde (artigo 137.º, n.º1 CSC);
O direito de proceder à partilha imediata dos haveres sociais, quando haja dissolução
de sociedade sem passivo (artigo 147.º, n.º1 CSC);
O direito de ser inteirado em dinheiro na hipótese de transmissão global do
património da sociedade dissolvida (artigo 148.º, n.º1 CSC);
O direito de participar na partilha do ativo restante, na hipótese de liquidação da
sociedade (artigo 156.º, n.º1 CSC) e, sendo esse o caso, de participar em partilha
adicional (artigo 164.º, n.º1 CSC).
Além disso, o sócio tem o direito de dispor da sua participação social, nos teros
correspondentes ao tipo societário considerado. Diversas outras posições patrimoniais
podem, ainda, ser contempladas, consoante a sociedade em causa. Os direitos participativos
têm a ver com a possibilidade, reconhecida aos sócios, de ingressar no modo coletivo de
gestão dos interesses, inserindo-se na organização social e atuando nos esquemas de
cooperação por ela previstos. OS direitos participativos são importantes: eles correspondem
a concretizações dos direitos ao trabalho e à livre iniciativa, constitucionalmente garantidos,
tendo, subjacente, a dignidade humana. Os direitos participativos podem ser repartidos, de
acordo, aliás, com as alíneas b(, c) e d) do artigo 21.º, n.º1 CSC, em:
Direito a participar nas deliberações dos sócios;
Direito a obter informações sobre a vida da sociedade;
Direito a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização;
Todos estes direitos têm, depois, múltiplas facetas de concretização. Os direitos patrimoniais
e os participativos dos sócios não esgotam o teor do estado se sócio. Os sócios encontram-
se, ainda, imersos numa teia de direitos e de deveres mútuos. Além disso, surgem tutelas
indiretas e diversas outras posições ativas. Sem preocupação de exaustão, vamos referir:
Os direitos parassociais;
O direito à lealdade;
O direito ao respeito do estado de sócio
Os direitos parassociais são aqueles que advenham nos termos do artigo 17.º CSC. Trata-se
de posições obtidas por força dos acordos em causa, mas apenas devido à qualidade de sócio
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e no âmbito do status deste. O direito à lealdade tem a ver com as relações dos sócios entre
si e destes para com a sociedade. A proibição de concorrência equivale a uma concretização
desse vetor; há, todavia, outras, num campo de útil aplicação da boa fé objetiva. Como vimos,
o limite do horizonte é constituído pelo sistema e pelos seus valores fundamentais.
Finalmente, o estado de sócio é um qualidade pessoal do sujeito, que deve ser respeitada.
Impedir um sócio de falar numa assembleia geral poderá representar uma violação dos seus
direitos participativos. Mas é, ainda – sobretudo! – um atentado à sua integridade moral.
Temos aqui um nível relevante no direito das modernas sociedade, que não pode ser
esquecido.
118
Deveres; situações absolutas: os sócios incorrem em situações passivas. À partida,
elas serão apenas duas:
A obrigação de entrada;
A sujeição às perdas.
Estas situações são genericamente referidas no artigo 20.º CSC. A obrigação de entrada vem
desenvolvida nos artigos 25.º e seguintes CSC, implicando diversas modalidades e fórmulas
de concretização. A sujeição às perdas tem o duplo alcance:
De representar a frustração de contrapartidas esperadas pelas entradas;
De traduzir o funcionamento das regras de responsabilidade dos sócios.
Esta última sujeição concretiza-se, de modo diverso, consoante o tipo societário em causa:
temos a responsabilidade ilimitada, solidária e subsidiária nas sociedades em nome coletivo
(artigo 175.º, n.º1 CSC) a responsabilidade limitada aos valores as entradas, solidária e
subsidiária, nas sociedades por quotas (artigo 192.º, n.º1 CSC) e a responsabilidade apenas
pelas entradas próprias, nas sociedades anónimas (artigo 271.º CSC). Aparecem, ainda,
variações, no caso das comanditas. Em certos tipos societários, o contrato de sociedade pode
impor aos sócios – ou a algum deles – a obrigação de efetuar prestações, além das entradas
(artigos 209.º e 287.º CSC). Necessário é, então, que o contrato fixe os elementos essenciais
da obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente.
Trata-se de prestações acessórias. Distinta é a figura das prestações suplementares (artigo
210.º CSC). Estas devem ser permitidas pelo contrato de sociedade, dependendo, depois, de
deliberação dos sócios (n.º1). Têm sempre dinheiro por objeto (n.º2) devendo ver as suas
coordenadas definidas no contrato. O desenvolvimento do regime das sociedades
documenta, ainda, o aparecimento de outras adstrições, designadamente como contrapartida
dos diversos direitos. Assim, no tocante à participação nas deliberações dos sócios: se todos
têm o direito de participar, cada um tem o dever de possibilitar essa participação. O moderno
Direito das sociedades transcende o limiar bidimensional dos exclusivos relacionamentos
sócios/sociedade: há, ainda, ligações diretas entre os próprios sócios. Patentes no caso dos
acordos parassociais, tais legações ocorrem, ainda, instrumentalmente, em vários planos.
Além disso, cumpre recordar os deveres de lealdade, que a todos unem. A consideração de
diversos deveres sociais permite chama a atenção para a proliferação, no seio do estado de
sócio, de múltiplas situações absolutas, isto é: e situações que não se inserem em relações
jurídicas. Desde logo, ocorrem deveres genéricos – de respeito, por exemplo – que não têm,
como contrapeso, diretos direitos subjetivos. Depois deparamos com posições potestativas,
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encargos, ónus e, até, direitos absolutos. Em suma: toda a Ciência do Direito é chamada a
intervir, no domínio das sociedades comerciais e do estado de sócio.
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que com poucas explicitações quanto ao seu regime. Esta última circunstância explica-se pela
existência de muitas regras imperativas, dirigidas a situações particulares, com relevo para os
contratos de trabalho e de arrendamento. Uma teoria geral das obrigações duradouras seria
elaborada, sempre, à custa de uma grande generalidade.
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Não se vão verificando nenhuma dessas hipóteses – ou, a fortiori, quando as partes excluam
expressamente a denúncia ou equivalente – quedará o recurso à alteração das circunstâncias.
Fecha-se o círculo: no limite, a existência de relações perpétuas poderá, in concreto, defrontar
os valores fundamentais do ordenamento, veiculados pela ideia de boa fé. O Direito
português, justamente através do instituto da alteração das circunstâncias, tem meios para
intervir.
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Regime geral das entradas: a obrigação de entrada obedece, em geral, às regras civis.
Tem especificidades e complementações societárias, para as quais chamamos a atenção.
Quanto ao seu montante, as entradas não podem ter um valor inferior ao da participação
nominal (parte, quota ou ações) atribuída ao sócio. Poderá, eventualmente, ser superior: diz-
se, então, acima do par. Teremos, nessa eventualidade, um prémio de subscrição ou de
emissão, também dito ágio, que passará a integrar as reservas. A emissão acima do par (em
regra: nas sociedades anónimas) justifica-se por três ordens de razões as quais, de resto,
operam muitas vezes em conjunto:
A simples ideia de constituir certa sociedade e a congregação de esforços nesse
123
sentido vale dinheiro e acrescenta uma mais-valia às participações dos sócios é lógico
que a paguem, surgindo o prémio;
Independentemente dessa mais-valia, pode a sociedade gerar expectativas de negócio
que conduzam a uma sobrevalorização de mercado: justifica-se o prémio;
A sociedade, particularmente quando em funcionamento, pode representar um valor
real que ultrapasse o valor nominal do capital; havendo emissão de novas ações, isso
deve ser tido em conta, sob pena de se depauperarem os sócios antigos – e a própria
sociedade – e de se enriquecerem os novos.
Quanto ao momento do cumprimento da obrigação de entrada: ela deve ser realizada no
momento da outorga da escritura, salvo quando o contrato preveja o diferimento das
entradas em dinheiro e a lei o permita, o que sucede:
Nas sociedades por quotas até metade das entradas em dinheiro, mas o quantitativo
global dos pagamentos feitos por conta delas, juntamente com a soma dos valores
nominais das quotas correspondentes às entradas em espécie, deve perfazer o capital
mínimo fixado na lei (artigo 202.º, n.º2 CSC) o qual é, hoje, de 5000 euros (artigo
201.º CSC);
Nas sociedades anónimas pode ser diferida a realização de 70% do valor nominal das
ações, mas não o pagamento do prémio de emissão, quando previsto (artigo 277.º,
n.º2 CSC).
Para as entradas em espécie, não há diferimentos, assim como os não haverá para as
sociedades em nome coletivo. Quanto à forma do cumprimento das obrigações de entrada
em dinheiro; a lei apenas a regula quanto às sociedades por quotas (artigo 202.º, n.º3 CSC) e
às sociedades anónimas (artigo 277.º, n.º3 CSC): a soma das entradas em dinheiro já
realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, antes de celebrado o contrato, numa
conta aberta em nome da futura sociedade, devendo ser exibido ao notário o comprovativo
de tal depósito por ocasião da escritura. Quanto às garantias da obrigação de entrada, cumpre
salientar as seguintes precauções, que se alcançam do artigo 27.º CSC:
São nulos os atos da administração e as deliberações dos sócios que liberem total ou
parcialmente os sócios da obrigação de efetuar entradas estipuladas, salvo redução
do capital (n.º1);
A dação em cumpriemtno exige deliberação como alteração do contrato, seguindo-
se o preceituado quanto a entradas em espécie (n.º2);
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Direitos dos credores: a efetivação das entradas interessa à sociedade: ela carece de
meios materiais para poder levar a cabo s fins a que se destina. Mas interessa, ainda, aos
credores da sociedade, uma vez que releva para a cobertura patrimonial dos seus direitos. O
artigo 30.º, n.º1 CSC veio, assim, referenciar dois direitos dos mesmos credores:
O exercer os direitos da sociedade relativos às entradas não realizadas, a partir do
momento em que se tornem exigíveis (alínea a));
O de promover judicialmente essas entradas, mesmo antes de se tornarem exigíveis,
desde que isso seja necessário para a conservação ou a satisfação dos seus direitos.
Trata-se, no fundo, de uma concretização da ação sub-rogatória, prevista no artigo 606.º CC.
O artigo 30.º, n.º2 CSC prevê que a sociedade possa obstar (ilidir?) ao pedido desses credores,
«satisfazendo os seus créditos com juros de mora, quando vencidos, ou mediante o desconto correspondente à
antecipação, quando por vencer, e com as despesas acrescidas». Preceito em rigor dispensável, já que o
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pagamento pode ser feito por terceiro (artigo 767.º, n.º1 CC) e antecipado pelo devedor
(artigo 779.º CC). De todo o modo, facilita a referência ao desconto e às despesas.
A proibição histórica dos pactos leoninos: segundo o artigo 22.º, n.º3 CSC:
«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar
nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria».
Formalmente, é pena que o legislador tenha degradado este princípio para o n.º3 de um
ignoto preceito. Melhor, sob a epígrafe clássica pacto leonino, dispõe o artigo 994.º CC:
«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar
nas perdas da sociedade».
Esta proibição corresponde a preocupações materiais profundas do Direito do Ocidente,
que cumpre conhecer. Na origem do instituto temos um trecho de Ulpiano que diz, em
vernáculo:
«Aristo refere que Cassius deu um parecer segundo o qual uma sociedade não poderia ser
combinada de modo a que um receberia todo o lucro e o outro suportaria o prejuízo; uma tal
sociedade é chamada, habitualmente, sociedade leonina (societas leonina). Nós concordamos que
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uma tal sociedade é nula, pois um recebe o lucro e o outro nenhum lucro, mas antes o dano: tal
tipo de sociedade é iniquíssimo, pela qual só se expecta dano e não também lucro».
No Direito Romano, as sociedades leoninas eram, assim, proibidas: seriam contrárias à
natureza das sociedade. A parte do leão e a societas leonina advêm da velha fábula de Esopo,
depois remodelada ao longo da História. Na versão original da Esopo, toava assim:
«Um leão, um burro e uma raposa, feito um pacto entre eles, andaram à caça e depois de terem
capturado uma quantidade abundante de peças, o leão encarregou o burro de as dividir. O
burro repartiu-as em três partes iguais e ofereceu aos companheiros o direito de escolher. Mas o
leão, enfurecido com aquela repartição, rangendo os dentes perante a divisão, devorou-o e impôs 126
a raposa repartir a presa. A raposa, pelo contrário, reuniu as três partes numa só e entregou
tudo ao leão nada deixa de lado para si. O leão, então, perguntou: “Quem te ensinou a fazer
as divisões?” E prontamente a raposa: “Ensinou-me a experiência do burro!”».
A Fábula mostra que o perigo dos outros torna as pessoas mais cautelosas. Com os
antecedentes apontados, a proibição de sociedades leoninas foi-se mantendo ao longo da
História, sendo acolhida nas codificações. Segundo a versão original do Código Napoleão
(artigo 1855.º):
«A convenção que viesse dar a um dos associados a totalidade dos benefícios é nula.
«O mesmo sucede com a convenção que liberasse de qualquer contribuição para as perdas, as
quantias ou os efeitos entregues para o fundo comum da sociedade por um ou mais associados».
A partir daqui, a proibição foi sendo adotada pelos diversos códigos continentais latinos,
sendo de referir o Código italiano de 1865 e o artigo 1242.º do nosso Código de Seabra. Em
compensação, ela não foi acolhida nem no BGB alemão, nem, plenamente, no artigo 533.º
do Código das obrigações suíço. No âmbito do Código italiano de 1865, discutiu-se o
fundamento da proibição e, particularmente, a questão de saber se a proibição da exclusão
das perdas e da exclusão do lucros obedecem ao mesmo princípio e isso com consequências
práticas. Já foi defendido que não podia haver exclusão dos lucros porque, nessa altura, o
contrato já não seria de sociedade; pelo contrário, a não-exclusão das perdas impunha-se para
evitar um negócio usurário. Teríamos, então, regimes diferenciados, com a possibilidade de,
no primeiro caso, recuperar o contrato, ainda que com diferente tipo. Importa ainda referir
que a solução do Código Civil italiano de 1942: influenciou – como em geral, no tocante à
sociedade – o legislador de 1966. A nulidade dos pactos leoninos é elegantemente fixada no
seu artigo 2265.º. Todavia, com recurso à figura da nulidade parcial (artigo 2265.º). Todavia,
com recurso à figura da nulidade parcial (artigo 1419.º), equivalente à nossa redução dos
negócios inválidos (artigo 292.º CC), a doutrina válida as sociedades atingidas expurgando-
as, apenas, das cláusulas leoninas. A proibição emancipou-se do antigo bloqueio dos juros.
No entanto, mantêm os autores italianos que a razão da nulidade está no «contraste do pacto com
a essência sociedade»: não se pode ser sócio sem se participar dos resultados da atividade social;
tão-pouco poderia um sócio excluído de participar nos ganhos correr o risco de perder as
entradas, sem uma correspondente utilidade. Temos as maiores dúvidas quanto a explicações
deste tipo, como adiante melhor veremos, perante o Direito português. Em compensação,
afigura-se de reter a ideia de que a proibição dos pactos leoninos é material. Mesmo quando
as partes a dissimulem ou contornem, a sua detenção, pela interpretação, conduz à proibição
legal. Como apontamento interessante, retemos ainda que o atual Direito francês, mantendo
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sócios? A resposta à luz do Direito privado, seria tendencialmente positiva. Todavia, dois
óbices podem ser invocados:
O interesse dos credores da sociedade;
A própria confiança do público na estabilidade dos entes coletivos.
Como se compreenderá, particularmente nas sociedades de capitais, cuja responsabilidade é
limitada, não é indiferente, aos credores, a consistência do património da sociedade e os bens
que, no mesmo, se encontrem. O Direito procurará acautelar esta vertente. Além disso, deve
haver, na comunidade, uma confiança generalizada na estabilidade dos entes coletivos. Não
130
se compreenderia que os bens circulassem, sem mais, entre a sociedade e os sócios. Mesmo
quando nada obste a tal circulação, compreende-se que se fixem formalidades e instâncias de
controlo que dignifiquem as sociedades e a todos tranquilizem. O artigo 32.º, n.º1 CSC
contém uma norma básica para a tutela dos credores, que clara fica com a sua transcrição:
«Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos
aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do
exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, for inferior À
soma do capital e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se
tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição».
O n.º2 desse preceito visou uma adaptação às atuais regras contabilísticas. No fundo, esta
norma pretende que apenas possam ser distribuídos aos sócios, valores que, tecnicamente,
se devam considerar lucros. Em princípio, no que a situação líquida ultrapasse o capital e as
reservas não distribuíveis, há lucro. Como as dívidas são encontradas na situação líquida, a
posição dos credores fica assegurada. Na hipótese de o próprio capital ser considerado
excessivo: queda a solução de redução do capital: equivale a uma modificação do contrato
(artigo 85.º e seguintes CSC) com regras próprias (artigos 94.º e seguintes CSC). A coerência
do sistema é, depois, assegurada por um conveniente processo de distribuição de bens.
Consta ele do artigo 31.º CSC, traduzindo-se, essencialmente no seguinte:
A distribuição de bens (salvo a hipótese de distribuição antecipada de lucros e outros
casos previstos na lei) depende de deliberação dos sócios (n.º1);
Mesmo quando tomada, tal deliberação não deve ser executada pelos administradores
quando tenham fundadas razões para crer: que alterações ocorridas no património
social tornariam a distribuição ilícita perante o artigo 32.º CSC, que, de todo o modo,
violem os artigos 32.º e 33.º CSC ou que assentou em contas inadequadas (n.º2);
quando optem pela não execução, os administradores devem requerer inquérito
judicial;
A distribuição também não terá lugar após a citação da sociedade «para a ação de
invalidade de deliberação de aprovação do balanço ou de distribuição de reservas ou lucros de
exercício» (n.º4) sendo os autores de tal ação responsáveis, solidariamente, pelos
prejuízos que causem aos outros sócios, quando litiguem temerariamente ou de má
fé (n.º5).
Os bens indevidamente recebidos pelos sócios devem ser restituídos à sociedade: tal o
sentido geral do artigo 34.º CSC. Todavia, fica protegida a posição dos sócios de boa fé
(artigo 34.º, n.º1 CSC) sendo o todo aplicável aos transmissários dos direitos dos sócios (n.º2).
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Os credores podem propor ação para restituição, à sociedade, das importâncias em causa,
tendo ainda ação contra os administradores (artigo 34.º n.º3 CSC). O n.º4 regula o ónus da
prova, enquanto o n.º5 alarga o dispositivo da restituição a «qualquer facto que faça beneficiar o
património das referidas pessoas dos valores indevidamente atribuídos». Temos, aqui, manifestações do
instituto da repetição do indevido (artigos 476.º CC).
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expresso. Como vimos, o artigo 33.º, n.º1 CSC referia a hipótese de haver reservas impostas
por lei. Encontramos agora, no artigo 295.º CSC, a imposição de tal reserva: a reserva legal.
O n.º1 desse artigo dispõe:
«Uma percentagem não inferior à vigésima parte dos lucros da sociedade é destinada à
constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que aquela represente a
quinta parte do capital social. No contrato de sociedade podem fixar-se percentagens e montante
mínimo mais elevados para a reserva legal».
O regime da reserva legal é, depois, complementado pelo artigo 296.º CSC. Quadro do
regime da reserva legal é claro e preciso: 132
Advém de, pelo menos, 1/20 dos lucros anuais;
Até atingir 1/5 do capital social;
E só podendo ser usada para os fins do artigo 296.º CSC.
As cifras podem ser majoradas pelo pacto social: não diminuídas. O artigo 295.º CSC dispõe,
de seguida:
«Ficam sujeitas ao regime da reserva legal as reservas constituídas pelos seguintes valores:
«a) Ágios obtidos na emissão de ações ou obrigações convertíveis em ações, em troca destas por
ações e em entradas em espécie;
«b) Saldos positivos de reavaliações monetárias que forem consentidas por lei, na medida em
que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados no balanço;
«c) Importâncias correspondentes a bens obtidos a título gratuito, quando não lhes tenha sido
imposto destino diferente, bem como acessões e prémios que venham a ser atribuídos a título
pertencentes à sociedade».
O n.º3 explica, com diversos pontos, em que consistem os ágios referidos na alínea a):
englobam, designadamente, o chamado prémio de emissão das ações. Pergunta-se: as
reservas em causa ficam sujeitas a todo o regime legal ou apenas a parte dele? Com a seguinte
consequência prática:
Se for a todo o regime legal, as reservas facultativas elencadas no artigo 295.º, n.º2
CSC só ficariam congeladas até à ocorrência de 1/5 do capital social;
Se for parte do regime – e sendo a parte o artigo 296.º CSC –, ficariam congeladas
sem limite de montante.
Questão nem deveria pôr-se: se a lei remete para o regime legal, é obviamente todo.
Fazer amputações apenas poderá conduzir a distorções em absoluto inimputáveis a
qualquer legislador razoável, como adiante melhor se verá.
A manutenção das reservas legais: o artigo 295.º, n.º2 CSC, quando sujeita ao regime
da reserva legal determinadas reservas livres, designadamente as constituídas pelos prémios
de emissão de ações, fá-lo apenas nos limites de 1/5 do capital social e isso se essa parcela
não estiver já coberta pela reserva legal e na medida em que isso (não) suceda. E assim sucede
por várias razões, todas elas confluentes e que passamos a referenciar. Em primeiro lugar,
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temos um claro elemento gramatical. O artigo 295.º, n.º2 CSC sujeita determinadas reservas
livres «ao regime da reserva legal». O artigo 295.º, n.º1 CSC indica os primeiros e mais impressivos
traços do regime da reserva legal: o modo de constituição e o montante. E é nessa sequência
que o n.º2 explicita: ficam sujeitas ao regime da reserva legal. Esse aspeto quantitativo do
regime estava direta e necessariamente em causa, parecendo, impensável vir escamoteá-lo,
apelando apenas a aspetos mais distantes. Em terceiro lugar, um elemento sistemático. Todo
o sistema do Código aponta para um regime de mínimos, os quais são ultrapassados por
expressa disposição estatutária. Alcançados esses mínimos, a própria reserva legal
excedentária fica disponível. Não se compreende como , de modo enviesado, o legislador iria
ampliar a latere, sem limite e à custa da liberdade empresarial, as verbas congeladas. Neste 133
ponto, a globalidade do sistema, com apoio na autonomia privada e no espaço de liberdade
que necessariamente aflora nas sociedades comerciais, sempre exigiria a solução que
propugnamos. A hipótese inversa, por contrariedade ao sistema e a valores fundamentais,
suscitaria, inclusive, problemas de (in) constitucionalidade, a prevenir pela interpretação.
Generalidades; as redações do artigo 35. CSC: o artigo 35.º CSC dispõe sobre a
eventualidade da perda de metade do capital social das sociedades comerciais. Trata-se de
um preceito muito atormentado, que obteve estudos nossos, de Paulo Olavo Cinha, de Paulo
de Tarso Rodrigues e de Alexandre Mota Pinto, entre outros. O Decreto-Lei n.º 184/87, 21
abril, introduziu no Código, um novo título VII, referente a disposições gerais e de mera
ordenação social. Contem-se, aí, o artigo 523.º, com o teor seguinte:
«O gerente, administrador ou diretor de sociedade que, verificando pelas contas de exercício estar
perdida metade do capital, não der cumprimento ao disposto no artigo 35.º, n.º1 e 2, deste Código será
punido com prisão até três meses e multa até 90 dias».
O Decreto-Lei n.º 237/2001, 30 agosto, veio atingir diversos preceitos do Código, de modo
a reduzir as exigências de escritura pública. Nesse contexto – ou antes: fora dele – dispôs, no
artigo 4.º:
«O artigo 34.º do Código das Sociedades Comerciais entra em vigor na data da entrada em
vigor do presente diploma».
NA base da vacatio comum, o artigo 35.º terá entrado em vigor no dia 5 agosto 2001: no
Continente. Por pouco tempo. O Decreto-Lei n.º 162/2001, 11 julho, modificou os artigos
35.º e 141.º CSC. Até que o Decreto-Lei n.º 19/2005, 18 janeiro, lhe veio dar um novo rosto;
este Decreto-Lei alterou, ainda, os artigos 141.º e 171.º CSC determinando o seu artigo 2.º
uma aplicação retroativa: produz efeitos desde 31 dezembro de 2004. Por fim, o Decreto-
Lei n.º 76-A/2006, 29 março, veio introduzir mais uma pequena modificação. Retirou, do
n.º1, a referência «ou diretores», de modo a adequar o preceito aos novos figurinos das
sociedades anónimas.
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incluindo a mais modesta empresa familiar. Além disso, o artigo 35.º CSC, logo na versão
original, supera, em muito, as exigências comunitárias. Este pecado original foi purgado com
uma suspensão de 15 anos. E então, ex abrupto:
A reforma de 2001 vem pô-lo em vigor;
A reforma de 2002 vem agravá-lo, adiando porém a sua aplicação para 2005;
Como se vê, o artigo 17.º da 2.ª Diretriz é bastante flexível, aproximando-se do esquema
alemão. Deixa grande margem ao legisladores nacionais. A grande obrigação surgida do facto
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das perdas consideradas é, no fundo, a de prevenir os sócios, no local de eleição para tal
efeito: a assembleia geral.
As consequências: verificadas as tais perdas graves (artigo 35.º, n.º1, 2.ª parte CSC):
«devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requerer
prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes
tomarem as medidas julgadas convenientes».
Desde logo merece reparo a pesada redação de todo este preceito. Haveria outras formas de
exprimir o pretendido sem, num único período, incluir uma dezena de predicados. Não
caberia, aliás, a este normativo especificar o modo de convocar a assembleia geral, figura que,
de resto, só é referida, no Código, a propósito de sociedades anónimas. Além do dever de
convocação, a lei determina a ordem do dia mínima, ainda que usando uma linguagem menos
curial (artigo 35.º, n.º3 CSC). A dissolução por deliberação dos sócios opera nos termos do
artigo 141.º, n.º1, alínea b) CSC. A redução do capital social deve observar os artigos 94.º e
seguintes CSC. Tratando-se, como se trata, de cobrir perdas, ficaria dispensada a autorização
judicial (artigo 95.º, n.º3 CSC) suprimida, de todo o modo, após a reforma de 2007. A ressalva
final do capital mínimo (artigo 96.º CSC) sempre teria aplicação, sendo dispensável o final da
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alínea b). Quanto à realização de entradas: a competente deliberação especificará que tipo de
prestações estarão em jogo e qual o ritmo da sua realização, dentro dos fins da lei. Os três
pontos elencados são, apenas, pontos para deliberação dos sócios. Nenhum deles tem de ser
aprovado. Desaparece a dissolução automática, tendo, consequentemente, sido suprimida a
alínea f) do artigo 141.º, n.º1 CSC. O legislador considerou que, não havendo redução do
capital, bastaria reportar a situação das perdas graves. Donde a adenda feita ao artigo 171.º,
n.º2 CSC, de modo a obrigar, nos atos externos, a publicitar:
«o montante do capital próprio segundo o último balanço aprovado, sempre que este for igual
ou inferior a metade do capital social».
136
Pode não haver nenhum balanço aprovado relativo a esse tema, sendo, todavia sabido, com
fundadas razões, que se verificaram as perdas graves aqui relevantes. Além disso, não
vislumbramos qualquer exequibilidade para tal preceito. Quid iuris se os administradores não
executarem o artigo 35.º CSC? Já vimos que desapareceu a dissolução automática. E também
desapareceu o dever de propor: tudo se queda, agora, por um dever de convocar ou de fazer
convocar a assembleia geral, com uma certa ordem do dia. Paralelamente, o legislador não
tocou no artigo 523.º CSC. Perante a vigente textura do artigo 35.º CSC, esse preceito perdeu
sentido útil. Resta concluir que o atual artigo 35.º CSC pode operar como fonte de deveres
legais, para efeitos de responsabilidade civil dos administradores para com a sociedade (artigo
72.º, n.º1 CSC na parte em que refere omissões) e para com os credores sociais (artigo 78.º,
n.º1 CSC). Perante a fórmula restritiva do artigo 79.º, n.º1 CSC, ao restringir-se aos danos
diretos, queda, como via de responsabilidade perante sócios e terceiros, o apelo às normas
de proteção (artigo 483.º, n.º1, 2.ª parte CC). As hipóteses de atuação de tais remédios são
académicas.
Categorias básicas: como foi referido, a comparticipação dos sócios na vida societária
constitui um dos aspetos básicos do estado em que se inserem. Aí se concretiza o seu direito
ao trabalho e ao seu direito à iniciativa privada: pessoal e económica. Um moderno Direito
das sociedades deve dar a maior atenção a este aspeto, de resto, se entrecruzam direitos
fundamentais. O Direito português contém importantes elementos para a elaboração da
inerente categoria. A comparticipação dos sócios na vida societária obedece, antes de mais,
à autonomia privada e à sua livre iniciativa. Esta processa-se, contudo, no quadro da lei, dos
estatutos da sociedade e, ainda, de determinados acordos celebrados pelos sócios: são os
chamados acordos parassociais. Os acordos parassociais são convénios celebrados por sócios
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de uma sociedade, nessa qualidade; visam, além disso, regular relações societárias.
Distinguem-se, em abstrato, do próprio pacto social, uma vez que apenas respeitam aos
sócios que os celebrem, sem interferir no ente coletivo. E distinguem-se igualmente de
quaisquer outros acordos que os sócios possam celebrar entre si por, no seu objeto,
respeitarem a verdadeiras relações societárias. Compreende-se a delicadeza da figura; através
de acordos parassociais, os sócios podem defraudar todas as regras societárias e, ainda, os
próprios estatutos. Por isso, os diversos ordenamentos têm tecido, em torno dos acordos
parassociais, múltiplos esquemas restritivos. Os acordos parassociais podem respeitar ao
exercício do direito de voto: seja no tocante a aspetos pontuais, seja no que respeita à
estratégia geral da sociedade, no âmbito da política do pessoal ou da própria empresa. Por 137
vezes, implicam verdadeiras deliberações prévias. Podem ainda regular o regime das
participações sociais, fixando preferências ou variados processos de alienação. Neles os
sócios podem obrigar-se a subscrever aumentos futuros de capital ou a constituir novas
sociedades complementares. Em suma: há todo um universo subjacente, que adiante
documentaremos. O tema tem grande acuidade prática e apresenta completa dignidade
científica.
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pensando subordinar-se aos estatutos da sociedade, acabam, afinal, por depender de acordos
a que foram estranhos e que nem têm de conhecer. Em suma: as convenções de voto não
podem atentar contra os deveres de lealdade existentes entre acionistas. Trata-se de uma
construção classicamente assente na boa fé. No fundo, cabe proclamar não se possível,
através de acordos parassociais, conseguir o que não se poderia licitamente obter pelo simples
exercício do direito de voto. Os deveres de lealdade adstringem, particularmente, os grandes
acionistas, visando a tutela dos pequenos. Eles ficam ainda em causa quando os acordos
parassociais confiram posições vantajosas a terceiros, alheios à sociedade. O Direito italiano
posterior à codificação tinha contactos estreitos com o francês. Assim, tanto a doutrina como
a jurisprudência negavam a validade de convenções de voto. Aquando da feitura do Código 139
Civil de 1942, o tema foi ponderado. O legislador optou por não se pronunciar: não proibiu
– apesar da tradição existente – os acordos parassociais, antes os deixando à jurisprudência.
Subsequentemente, na base da doutrina – a que não será estranho o contributo alemão – os
acordos vieram a ser admitidos, particularmente na jurisprudência. Quanto aos primeiros, o
pacto parassocial não os comportaria: ele seria irrelevante, no tocante às suas relações com a
sociedade, não permitindo, designadamente, a impugnação das deliberações sociais tomadas
em sua violação. Por essa mesma ordem de razões, não é pensável a execução específica de
um acordo parassocial. Já nas relações puramente internas, os acordos parassociais poderiam
ser admitidos. A doutrina atual distingue múltiplas possibilidades, enquanto as leis mais
recentes vêm reconhecendo o papel da figura. Foi pioneiro, nesse sentido, o texto único da
intermediação financeira, numa evolução rematada pela reforma das sociedades de 2003,
introduzida no Código Civil. Muito significativa, nesta caminhada do Direito italiano, quer
pela evolução em si, quer por tocar num ponto sensível do moderno Direito das sociedades,
foi a alteração do Código Civil levada a cabo pela reforma societária de 2003. Foi, então,
introduzida no Código uma nova secção intitulada dos pactos parassociais, com dois artigos:
constituem a primeira referência feita, na lei fundamental, à figura que ora nos ocupa. Tem
essa nova secção dois artigos que cumpre divulgar. Uma noção geral consta do artigo 2341.º
bis - pactos parassocias:
«Os pactos, estipulados por qualquer forma, com o fim de estabilizar a titularidade ou o
governo das sociedades, que:
«a) Tenham por objeto o exercício do direito de voto nas sociedades por ações ou nas
sociedades que as controlem;
«b) Ponham limites à transferência de ações respetivas ou de participações na sociedade
que as controlem;
«c) Tenham por objeto ou como efeito o exercício também conjunto de uma influência
dominante sobre tais sociedade.
«não podem ter uma duração superior a cinco anos e entendem-se estipulações por essa duração
ainda que as partes lhes tenham previsto uma duração superior; os pactos são renováveis quando
caduquem.
«Quando o pacto não preveja um limite de duração, qualquer das partes tem o direito de
rescisão com um pré-aviso de seis meses.
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«As disposições deste artigo não se aplicam aos pactos instrumentais e aos acordos de
colaboração na produção ou na troca de bens ou serviços e relativos a sociedades inteiramente
possuídas pelos participantes no acordo».
Trata-se de uma inovação importante, de 2003, devidamente saudada pela doutrina. De
seguida, foi introduzido no Código Civil um segundo preceito – o artigo 2341.º ter – também
importante. Dispôs, sob a epígrafe publicidade dos pactos parassociais:
«Nas sociedades que recorram ao mercado de capitais de risco, os pactos parassociais devem
ser comunicados à sociedade e declarados no início de cada assembleia. A declaração deve ser
transcrita na ata e esta deve ser depositada na conservatória do registo das empresas. 140
«No caso da falta de declaração prevista no parágrafo anterior, os possuidores das ações a
que se refira o pacto parassocial não podem exercitar o direito de voto e as deliberações adotadas
com o seu voto determinante são impugnáveis nos termos do artigo 2377».
Este novo preceito visou prosseguir a transparência no governo das sociedades, impondo
publicidade. Esclareça-se que as sociedades que recorram ao capital de risco são, segundo o
artigo 2325.º bis, as sociedades emitentes de ações cotadas em mercados regulamentados ou
dispersas pelo público em medida revelante. Estamos, assim, perante uma norma mobiliária,
de que se espera um novo fluxo, no aprofundamento do tema.
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intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados atos da sociedade ou dos sócios
para com a sociedade.
«2 – Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto,
mas não à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de
administração ou de fiscalização.
«3 – São nulos os acordos pelos quais um sócio se obrigue a votar:
«a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;
«b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes; 141
«c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de
vantagens especiais».
Este preceito foi inspirado no AktG alemão e na Proposta de Quinta Diretriz13. O n.º3 é,
mesmo, uma tradução literal do seu artigo 35.º da aludida proposta, na versão de 198314. O
artigo 17.º CSC admite os acordos parassociais. Com isso, altera a orientação antes prevalente
de os considerar excluídos, por falta de base legal. Todavia - e desviando-se, neste ponto, do
Direito alemão – o n.º1 desse preceito apenas lhes confere uma eficácia obrigacional:
produzem efeitos entre os sócios intervenientes e, na sua base, não podem ser impugnados
atos da sociedade ou de sócios para com a sociedade. Retiramos ainda daqui que não é
possível – contra o que vimos ocorrer no Direito alemão – a execução específica de acordos
parassociais. Repare-se: o voto tem efeitos societários: não meramente obrigacionais. Admitir
uma ação de cumprimento (que teria aqui, de ser uma execução específica, já que o voto é
uma declaração de vontade que, não sendo emitida pelo próprio, teria de o ser pelo tribunal)
seria conferir, ao acordo parassocial, uma eficácia supra partes. O Direito alemão admite-o; o
Direito português não. Em geral, o legislador do artigo 17.º CSC não foi feliz. A sanha
tradutora e a subserviência perante textos comunitários têm impedido a gestação de um
pensamento jurídico nacional: a realidade sócio-económica não será idêntica à de Além-Reno.
O Direito comparado mostra que, na Alemanha, os acordos parassociais são úteis: permitem
dar coerência ao funcionamento das sociedades, num País onde se assiste a uma pulverização
do capital social. Já nos países latinos, os acordos parassociais traduzem, muitas vezes,
esquemas de controlo do poder ou de take over, à margem dos minoritários. As leis latinas
têm sido prudentes quanto à sua admissibilidade. O súbito entusiasmo pró-acordos
parassociais poderá ser menos adequado. Assim, ele foi compensado pela relativização dos
acordos. Eles são admitidos, mas com uma eficácia contida inter partes. O funcionamento da
13 A matéria dos acordos parassociais mereceu a atenção da Proposta de 5.ª Diretriz, relativa a sociedades
comerciais, de 19 agosto 1983, ligeiramente modificada em 1989. Segundo o artigo 35.º da Proposta, última
versão:
«São nulas as convenções pelas quais um acionista se compromete:
«a) A votar segundo instruções da sociedade ou do seu órgão de administração, de direção ou de fiscalização;
«b) A votar aprovando sempre as propostas feitas por estes;
«c) Ou, em contrapartida de vantagens especiais, a exercer o direito de voto num determinado sentido ou, pelo
contrário, a abster-se».
O artigo transcrito reflete a influência alemã.
14 Mau grado a existência de regras duvidosas nesta Proposta, em especial a primeira – facilmente criticável:
afinal, bastaria que as instruções fossem dadas por um terceiro, para se contornar a proibição –, e o facto de a
Proposta da 5.ª Diretriz não estar perto da aprovação, o legislador português, adotou-a, praticamente ad nutum,
neste artigo 17.º CSC. Trata-se de um insólito referido, como curiosidade, em autores estrangeiros (v. Pier
Giusto Jaeger).
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sociedade não pode ser diretamente perturbado. Além disso, o acordo parassocial não
comporta execução específica: a isso se opõe a natureza das obrigações assumidas. Querendo
conferir uma eficácia absoluta aos acordos parassociais, as partes têm, todavia, um caminho
em aberto: o de estabelecer pesadas cláusulas penais. Cabe agora aos tribunais, através do
exercício prudente e criterioso da faculdade de redução, equitativa (artigo 812.º CC),
moralizar esse procedimento, lícito à partida. No tocante às sociedades abertas, o CVM
inseriu uma norma da maior importância. O seu artigo 19.º, n.º1 CVM determinou que os
acordos parassociais que visem adquirir, manter ou reforçar uma participação qualificada em
sociedade aberta ou assegurar ou frustrar o êxito de oferta pública de aquisição devem ser
comunicados à CMVM por qualquer dos contraentes no prazo de três dias após a sua 142
celebração. A CMVM poderá determinar a publicação total ou parcial do acordo (n.º2). Por
fim, o n.º5 considera anuláveis as deliberações sociais tomadas na base de acordos não
comunicados ou não publicados, salvo se os votos em causa não tiverem sido determinantes.
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Outras restrições: o artigo 17.º, n.º3 CSC, retomando o artigo 35.º da Proposta de Quinta
Diretriz e o §136.º (2) AktG alemão, veio, nas suas alíneas a) e b), proibir os acordos segundo
os quais o sócio deveria votar seguindo sempre as instruções dos órgãos sociais ou aprovando
sempre as propostas por eles feitas. No fundo, os sócios delegariam os seus votos,
materialmente, nos órgãos sociais, os quais tomariam as decisões substantivas. Várias razões
foram decantadas, no Direito alemão, para justificar esta proibição. A delegação do sentido
do voto nos órgãos sociais equivale à dissociação entre o capital e o risco: tudo se passaria
como se a sociedade, à margem do permitido, detivesse ações próprias. Mais importante nos
parece o facto de, por esta via, se contornar, novamente, o princípio da tipicidade societária:
o acordo parassocial iria estabelecer uma orgânica paralela, à margem da oficial. A evolução
das sociedades anónimas mostra que o sistema de reconhecimento automático teve como
contrapeso a divisão dos poderes dentro da sociedade e o estabelecimento de instâncias de
fiscalização. Tudo isto de perde quando o sentido do voto passe a ser dimanado pela
sociedade ou pelos seus órgãos. A proibição dos acordos de delegação é importante e
corresponde a dados estruturantes do sistema. Apenas teremos de interpretar restritivamente
as locuções sempre (alíneas a) e b) do n.º3 do artigo 17.º CSC) sob pena de tirar qualquer
alcance prático aos preceitos. O artigo 17.º, n.º3, alínea c) CSC proíbe os acordos pelos quais
alguém se comprometa a votar (ou a não votar) em certo sentido, mediante vantagens
especiais. Trata-se da proibição da chamada compra de votos, exarada nos Direitos francês
e alemão. O preceito justifica-se pela necessidade de fazer corresponder o risco à detenção
do capital. De outro modo, a autocontenção subjacente às sociedades modernas perder-se-
ia. Além disso, estaria aberta a porta aos mais graves atentados ao interesse social, isto é, ao
interesse comum dos sócios, garantia do interesse geral. A doutrina explica que estão em
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causa quaisquer vantagens especiais, desde que operem como conexão, direta ou indireta, do
voto. Elas nem teriam de apresentar natureza patrimonial. Também é seguro que a vantagem
pode resultar de um acordo mais vasto. Trata-se, agora, de interpretar o acordo parassocial,
no seu conjunto, de modo a , dele, retirar a eventual concessão de vantagens, a troco do voto.
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A informação em Direito: o artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, inclui, entre os direitos dos
sócios, o de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. O
termo lei refere-se, na realidade, ao Direito e à sua Ciência. Temos, pois, todo um vasto 146
campo, encoberto sob o direito à informação. À partida, devemos ter presente que o Direito
das sociedades é um Direito relativo a bens imateriais. Poderemos conceber sociedades muito
simples, em que os diversos sócios acompanhem, no momento, o desenrolar das atuações
societárias, atuações essas que , para mais, se reduziriam a operações de tipo material sobre
coisas corpóreas. Em regra, porém, isso não ocorre. O sócio, mesmo interessado, não pode
(nem deve: seria um embaraço) acompanhar, ponto por ponto, o que faz a sua sociedade.
Além disso, esta envolve-se numa teia de obrigações e de direitos, para com terceiros, que
não são percetíveis pelos sentidos. E tão-pouco são tangíveis as variadíssimas situações que
possam envolver o próprio sócio e que relevem para a sociedade. O Direito das sociedades
só funciona através de intrincada e permanente rede de informações, trocadas com a maior
naturalidade entre todos os intervenientes. De resto, isso sucede em boa parte das situações
jurídicas, assentes em vínculos imateriais. O Direito das sociedades fica incluído nesse
universo, assumindo as informações diversos papeis. A omnipresença das informações tem
levado o Direito a descurar a sua análise. Trata-se de algo pressuposto e que todos conhecem,
independentemente de quaisquer considerações dogmáticas. Todavia: a presença de
específicos esquemas destinados a proporcionar informações societárias e, ainda, o facto de
a informação – como todo o direito – não poder ser absoluta, leva o Direito das sociedades
a providenciar esquemas explícitos, no Direito privado. Os quadros subsequentes não são,
de resto, específicos para o Direito das sociedades embora, aí, tenham uma especial razão de
ser. A dogmática da informação é preenchida, fundamentalmente, com uma ponderação de
diversas classificações de deveres: dão uma ideia imediata sobre vários parâmetros do seu
regime. Retemos, designadamente, distinções com base nos seguintes critérios:
1. A base jurídico-positiva: Quanto à base jurídico-positiva, os deveres de informação
podem resultar:
De regras estritas indeterminadas: ocorrem institutos carecidos de
concretização: por exemplo, o dever de informar pré-contratual, assente na boa
fé (artigo 227.º, n.º1 CC) ou o dever de informar na pendência do contrato,
derivado da mesma bona fides (artigo 762.º, n.º2 CC);
De regras estritas: temos prescrições de informação que definem deveres à parte
(mais) densos. Na hipótese das regras estritas, logo se impõe uma subdistinção:
o Regras estritas comuns: cobrem uma generalidade indeterminada de situações
hipotéticas: tal obrigação predisposta nos artigos 573.º e seguintes CC.
o Regras estritas especiais: impõem-se mercê de normas jurídicas destinadas a
contemplar situações regulativas próprias de setores delimitadores. Assim
sucede com o artigo 75.º, n.º1 RGIC, para o setor bancário e com o citado
artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, para as sociedades comerciais, ou o artigo
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417.º CPC, para o domínio processual. O regime geral dos artigos 573.º e
seguintes CC, é importante: ele terá aplicação, em todas as situações
relevantes, em termos de informação, sempre que lei especial não imponha
regime diverso. Trata-se de um regime simples e evidente:
Alguém tem de ter uma dúvida fundada quanto à existência ou ao
conteúdo de um direito – o direito de base – estando outrem em
condições de prestar informações necessárias.
Podendo o direito efetivar-se por via judicial, se não for
espontaneamente acatado;
2. A fonte: será, aqui, o facto jurídico que dê azo ao dever de informação. Na origem 147
encontramos, inevitavelmente: um direito duvidoso, quanto à existência ou ao teor e
alguém em posição de esclarecer. Quem saiba tudo não carece de informação, assim
como quem não saiba, não pode informar. Tempos, porém, uma contraposição
interessante:
O facto específico: corresponderá a uma precisa eventualidade que gere o dever
de informar: por exemplo, a ocorrência de negociações pré-contratuais ou o
evento de feição incerta que acione certas regras;
O status: é uma qualidade geral do sujeito que o habilita a colher informações.
Neste caso, o beneficiário poderá ficar isento de provar os concretos elementos
que fundariam o direito à informação: é o que sucede com o sócio.
3. O conteúdo: o dever de informação poderá assumir as mais variadas feições: tudo
depende do teor da comunicação a veicular. De todo o modo, são possíveis ordenações
e, designadamente, as que distingam:
Deveres de informação substanciais: o obrigado está adstrito a veicular a
verdade que conheça, descrevendo-a de modo compreensível e explícito. Assim,
na boa fé in contrahendo, o visado deverá descrever correta e cabalmente a situação
que conheça;
Deveres de informação formais: compete ao obrigado tão-só transmitir
elementos prefixados ou, se se quiser, informação codificada. Na informação aos
sócios, poderá (por hipótese) haver apenas que lhes entregar as contas: já não cabe
ao informador (para o caso: a própria sociedade) dar lições de contabilidade;
Podemos estabelecer uma tendencial relação inversa entre a substancialidade de uma
informação e a sua precisão inicial: quanto mais precisa for a comunicação, mais
formal é o seu cumprimento;
4. A determinação: cumpre contrapor:
A autodeterminação: cabe ao próprio obrigado, à medida que a situação progrida,
fixando os termos a informar e a matéria a que eles respeitem; no limite, só ele
estará em condições de poder precisar o universo sobre que deverá recair a
informação; à
Heterodeterminação: compete ao interessado definir a matéria sobre que deseja
ser informado. Assim: as informações a favorecer pelos administradores das
sociedades anónimas, aos sócios e em assembleia geral (artigo 290.º, n.º1 CSC);
5. A inserção sistemática: a informação pode tomar corpo:
Em prestações principais: perante um vínculo destinado a informar, seja ele
contratual ou legal, a informação integra a prestação principal. Por exemplo: o
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Artigos 181.º, 214.º a 216.º e 288.º a 293.º CSC: direito à informação nas sociedades
em nome coletivo, por quotas e anónimas, respetivamente.
Há, ainda, que lidar com regras específicas referentes à gestão e à fiscalização de diversos
tipos sociais. Estas normas surgem algo tópicas: muito ligadas aos problemas que as vieram
a ocasionar. Podemos proceder à sua ordenação em função de vários critérios e nos termos
que seguem. A informação pode ser:
Ordinária: quando tenha a ver com a gestão comum da sociedade e com os negócios
que não caiam sob específicas previsões de informar;
Extraordinária: sempre que se reporte a hipóteses específicas: reduções ou 149
aumentos de capital, fusões, cisões ou transformações de sociedades: todas essas
eventualidades obrigam a específicas informações.
Com base no ensejo, relativamente à tomada de decisões, podemos distinguir:
A informação permanente: prestada a todo o momento, a pedido do sócio, ela
prevalece nas sociedades de pessoas;
A informação prévia: ocorre antes de cada assembleia geral, como prelúdio para uma
deliberação esclarecida; prevalece nas sociedades de capitais;
A informação em assembleia: efetivada em plena assembleia, como modo de instruir
o debate; normalmente têm-se em vista as sociedades anónimas; todavia, também se
aplica às sociedades por quotas.
Estes tipos de informação tomam corpo, quanto às sociedades anónimas, nos artigos 288.º,
289.º e 290.º, respetivamente.
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Informação reservada: é a que assiste aos sócios, devendo ser colhida nos termos
da lei e do contrato, nas palavras do artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC. Tendencialmente,
ela deveria assistir a todos os sócios: porém, a extrema dispersão do capital de certas
sociedades anónimas, que poderia colocar algumas dezenas de milhares de pessoas
em condições de pedir informações, com grandes custos para a própria sociedade,
levou a limitar, nas anónimas, alguma informação reservada, aos detentores de 1%
do capital social – artigo 288.º, n.º1 CSC.
Informação qualificada: assiste apenas a sócios que detenham posições mais
consideráveis no capital da sociedade: participações ditas qualificadas. É o que sucede
com as sociedades anónimas, onde, para aceder a certos elementos, se requerem 10% 150
do capital social agrupado (artigo 291.º CSC) ou com as sociedades por quotas, onde,
em princípio, todas as participações são consideradas, para este efeito, qualificadas
(artigo 214.º CSC). A informação qualificada mergulha mas funda na vida da
sociedade.
Informação secreta: pura e simplesmente, não pode ser disponibilizada aos sócios.
Trata-se, fundamentalmente, de informação sujeita a sigilo profissional ou de
informação que, a ser divulgada, poderia prejudicar os sócios ou a própria sociedade.
15Trata-se de uma restrição introduzida pelo Decreto-Lei n.º280/87, 8 julho. Segundo o n.º3 do preâmbulo
deste diploma:
«Este o caso da amplitude do direito à informação, no tocante às sociedades anónimas. Sendo hoje um elemento
fundamental da atividade societária, logo genericamente reconhecido na alínea c) do n.º1 do artigo 21.º, não deve
ser entorpecido por limitações que lhe retirem a sua operância, em termos de razoabilidade. Mas, ao invés, não
poderá ser convocado para uma dificilmente controlável devassa à vida interna da sociedade, para a qual, numa
perspetiva prudencial, os sócios poderão lançar mão de outros meios».
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d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três
anos, aos dez ou aos cinco empregados da sociedade que recebam as remunerações
mais elevadas, consoante os efetivos de pessoal excedam ou não o número de 200;
e) O livro de registo de ações.
O artigo 289.º CSC, quanto a informações preparatórias da assembleia geral, vem acrescentar
como objeto da informação, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral:
a) Os nomes completos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização,
bem como da mesa da assembleia geral;
b) A indicação de outras sociedades em que os membros dos órgãos sociais exerçam 151
cargos sociais, com exceção das sociedades de profissionais;
c) AS propostas de deliberação a apresentar à assembleia geral pelo órgão de
administração, bem como os relatórios ou justificação que as devem acompanhar;
d) Quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros de órgãos sociais, os
nomes das pessoas a propor para o órgão de administração, as suas qualificações
profissionais, a indicação das atividades profissionais exercidas nos últimos cinco
anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na
própria sociedade e do número de ações da sociedade de que são titulares;
e) Quando se tratar da assembleia geral anual o relatório de gestão, as contas do
exercício e demais documentos de prestação de contas, incluindo a certificação legal
das contas e o parecer do conselho fiscal, ou o relatório anual do conselho geral,
conforme o caso.
O n.º2 acrescenta ainda, ao rol de elementos a disponibilizar aos acionistas, na sede da
sociedade, os requerimentos de inclusão de assunto na ordem do dia. Finalmente, o artigo
290.ºl CSC permite (n.º1) que o acionista requeira, em assembleia geral, que lhe sejam
prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas, que lhe facultem formar uma
opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberações. De outro modo, a
deliberação poderá ser anulável (n.º3). A grande questão que se põe é a de saber se a
enumeração legal de elementos, aqui exemplificada com as sociedades anónimas, sobre que
deva recair a informação, é taxativa ou se, a eles, há que acrescentar todos os outros
suscetíveis de integrar a vida da sociedade. Tratar-se de uma dúvida com tradições na nossa
comercialística. Perante o revogado artigo 189.º Código Veiga Beirão, perguntava-se se todos
os elementos da escrituração da sociedade deviam ser patentes se todos os elementos da
escrituração da sociedade deviam ser patentes aos acionistas ou se apenas alguns, indicados
para o efeito; Cunha Gonçalves optava pela primeira solução e Fernando Olavo pela segunda.
E a segunda viria a ter o apoio da jurisprudência e, aparentemente, do Código vigente e da
doutrina sobre ele formada. Os elementos indicados pela lei como objeto de informação são
taxativos. A informação intercalar (direito mínimo à informação, do artigo 288.º CSC) e a
preparatória da assembleia geral (artigo 289.º CSC), correspondem a comunicações
formalizadas. Trata-se de levar ao conhecimento dos sócios os precisos elementos elencados
na lei, sem necessidade de maiores explicações. Já as informações a prestar em assembleia
geral assumem uma dimensão substantiva informações verdadeiras, completas e elucidativas
que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação
(artigo 290.º, n.º1 CSC). Aqui, é inevitável apor limites: quatro:
A informação pedida não se enquadra na previsão do artigo 290.º, n.º1 CSC;
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Informação a usar fora dos fins da sociedade ou (apenas) para prejudicar, seja a
própria sociedade, seja algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea a) CSC);
Informação que, de todo o modo, possa prejudicar relevantemente a sociedade ou
algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea b) CSC).
Como balanço geral de toda esta matéria e tendo em conta a concreta experiência das
empresas portuguesas, cumpre sublinhar o que segue. A assembleia geral só pode deliberar
sobre matérias de gestão da sociedade a pedido do órgão de administração (Artigo 373.º, n.º3
CSC). Quer isto dizer que ele opera mais como um fórum de discussão e de descompressão
do que como um lugar onde se joguem verdadeiras opções societárias: nas sociedades
anónimas e nas sociedades por quotas que, delas, se aproximem. A informação altamente 153
especializada não tem, em regra, aí, qualquer interesse. Quanto às informações qualificadas:
a realidade do nosso País mostra que são, aí, frequentes os conflitos de interesses. Os 10%
de acionistas que pretendem aceder aos assuntos da sociedade são, muitas vezes, elementos
de grupos concorrentes, que obtiveram na bolsa ou em processos de reprivatização, as
participações que invocam. Nessas condições, pensamos que a informação pode ser negada,
ao abrigo da cláusula do maior perigo. A lei deve ser fonte de justiça: não de gratuita
litigiosidade entre os operadores privados.
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16 O artigo 214.º, n.º2, 2.ª parte CSC, ressalva ainda, com Ênfase, a hipótese de o direito à informação em três
situações: hipotética responsabilidade do seu autor, exatidão dos documentos de prestação de contas e
habilitação para o exercício do voto.
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Natureza e abuso: o direito à informação é uma posição pessoal que integra o status de
sócio. Podemos distinguir o direito abstrato à informação ou a pedir informações e o direito
concreto, potestativamente constituído, perante situações que possibilitem a sua efetivação.
Trata-se, de todo o modo, de uma posição ativa de cariz potestativo, que se vai adaptando
aos diversos tipos societários: pode, designadamente, ser de exercício individual ou coletivo.
Apesar da apregoada natureza pessoal, o direito à informação insere-se na realidade
patrimonial das participações societárias: já lhe tem sido dispensada a tutela específica da
propriedade privada, constitucionalmente garantida. Além dos casos acima apontados em
que o exercício do direito à informação é legalmente vedado, podemos genericamente
apontar a possibilidade de o bloquear por abuso ou por violação da lealdade. No fundamental 155
e perante o Direito português, estarão em causa as seguintes sub-hipóteses:
Venire contra factum proprium: ocorre quando o sócio tenha, com credibilidade,
inculcado na sociedade a convicção de que não iria exercer o seu direito e, depois, o
exerça, provocando danos.
Tu quoque: configura-se quando a informação decorra de um ilícito perpetrado pelo
sócio interessado o qual, assim, nada mais faria do que aproveitar o malefício próprio.
Desequilíbrio no exercício: temos desequilíbrio: o sócio, para uma vantagem mínima,
pede elementos que irão provocar um esforço máximo à sociedade.
Ocorre aqui perguntar se o direito à informação é meramente instrumental ou puramente
funcional. A eventual opção por este último termo indigitaria nova hipótese de abuso: a de
um pedido de informação fora do escopo legítimo. Mas não: o Direito português configura
a informação como um elemento a se: autónomo de quaisquer concretas finalidades. Estas
só relevam pela negativa, quando se pretenda usar a informação para fins estranhos à
sociedade ou para prejudicar terceiros. E assim substancializamos a informação. Parte
integrante do status de sócio, ela dá corpo à propriedade privada, à livre iniciativa económica
e à própria liberdade de associação. Vale por si. Não é instrumental. Finalmente, uma
referência ao abuso da própria informação, quando reservada ou privilegiada, também
conhecida por insider trading. Desta feita, trata-se de usar informação que se tenha obtido a
nível interno e que não seja conhecida pelas outras pessoas, para conseguir vantagens
extraordinárias e, designadamente: vendendo caro o que se saiba vai descer ou comprando
barato o que se conheça ir subir. Hoje, tal prática é incriminada pelo artigo 378.º CVM.
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tribunais portugueses podem, por diversas vias, dispor de competência internacional para se
ocuparem do problema. E qualquer condenação aqui obtida é executável, na generalidade
dos países estrangeiros. Os agentes nacionais (e apropria República Portuguesa!) parecem ter
receio de agir: porventura por temerem novas desacreditações. Não pode ser: desde sempre
o Direito existe para defender quer a Justiça, quer os mais fracos.
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Coordenadas dogmáticas: a deliberação é uma proposição imputada à decisão de um
conjunto de pessoas singulares ou seres humanos. Colocada nestes termos, a deliberação
assenta em pressupostos de legitimidade e assume, ela própria, uma dimensão legitimadora.
Perante a Ciência do Direito, a deliberação é, simplesmente, a decisão de um órgão coletivo,
sobre uma proposta. Para efeitos de deliberação, cada participante nesse órgão tem um (ou
mais) votos. O voto será, tecnicamente, a recusa ou a aceitação de uma proposta de
deliberação. A própria deliberação surge assimilada a uma manifestação de vontade coletiva.
Há que estar prevenido quanto a metadiscursos. A vontade é, em si, um fenómeno
psicológico puramente humano e individual. Uma coletividade não tem vontade: apenas
esquemas que permitam imputar-lhe uma proposição a qual, na origem, deverá ter vontades
humanas. A transposição dessas vontades para a pretensa vontade coletiva é sempre obra de
esquemas abstratos e, para o caso, de normas jurídicas: estas transpõem decisões humanas
para o modo coletivo. Podemos pois afirmar que, embora correspondendo a esquemas de
natureza psicológica e sociológica – e, portanto: naturais – a deliberação social acaba por ser
uma criação jurídico-cultural destinada a atribuir, a um grupo, uma determinada decisão.
Evolução geral: o facto de, na deliberação, se articularem várias vontades humanas obriga,
como se viu, a toda uma construção dogmática. Esta não surgiu de um momento para o
outro, antes tendo requerido uma evolução complexa. Num primeiro momento, a
deliberação surge como um dado empírico, de tipo psicológico: várias pessoas, juntas,
manifestam uma vontade unânime ou predominante num certo sentido; tal sentido é
imputado ao ente coletivo, como se de uma pessoa se tratasse. Von Gierke, com as suas
construções orgânicas, apresentou a deliberação como um ato conjunto (Gesamtakt), que
absorveria as singulares manifestações de vontade que o precedessem; esse ato seria
imputado ao ente coletivo. A necessidade de dar (algum) tratamento individualizado a tais
manifestações singulares de vontade levou alguma doutrina a ver, nas deliberações, um
convénio multilateral (Vereinbarung), que confluiria na decisão final. A doutrina privatista
recuperou a dogmática das deliberações, logo no início do século XX. Esta poderia ser
explicada com recurso à técnica do negócio jurídico: teríamos, então, negócios deliberativos,
isto é: negócios de um tipo específico mas, ainda, negócios O negócio deliberativo
caracteriza-se por postular diversas declarações confluentes; não havendo coincidência, ele
poderia formar-se por maioria, sendo oponível aos dissonantes. Surgiria, em suma, uma
vontade de conteúdo unitário e vinculativo. Esta posição vem dominando a civilística mais
recente, com exemplos em Flume e Larenz. Foi recebida em Portugal por Manuel de
Andrade. Embora mantendo uma linguagem mais empírica, a construção do ato deliberativo
Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
17
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com recurso à metodologia negocial também se impôs, com alguma discussão, no Direito
das sociedades comerciais. Na base teremos uma formação unitária assente em várias
vontades individuais e à qual se poderão tendencialmente aplicar as regras dos negócios
jurídicos. Pelo menos: quanto possível. Também entre nós esta orientação veio a radicar-se.
Pinto Furtado mantém, todavia, que a deliberação integra, antes, um ato negocial: não um
negócio, uma vez que, como ato de vontade que efetivamente seria, ela não corresponderia
a uma autorregulamentação de interesses. Também Coutinho de Abreu sustenta que, por
vezes, as deliberações não tem substância jurídica não sendo, nessa eventualidade, negócios
jurídicos. Tem razão: a verdadeira deliberação recai sobre matéria jurídica, com efeitos de
Direito. Já a deliberação consultiva pode surgir como um verdadeiro negócio deliberativo. 159
Não compete recomeçar, aqui, uma discussão alongada sobre o conceito de negócio jurídico.
É evidente que a adoção, quanto a este, de leituras mais envolvidas (tipo autorregulamentação
de interesses) irá, depois, infletir as opções quanto à deliberação. De acordo com
experimentada tradição, manteremos o negócio jurídico como facto jurídico marcado pela
liberdade de celebração e pela liberdade de estipulação. O negócio jurídico, em si, não é uma
manifestação de vontade: não se confunda negócio com declaração. Antes surgirá como a
consequência de uma ou mais declarações de vontade18. Perante esta metodologia, não há
dúvidas de que a deliberação é um verdadeiro e próprio negócio jurídico: um facto
relevante para o Direito e marcado pela dupla liberdade: de celebração e de
estipulação. A deliberação não se identifica com as declarações de vontade que lhe subjazam
e não é, ela própria, uma declaração de vontade, singular, coletiva, concertada ou outra. A
sua inclusão no universo dos negócios tem, todavia, uma especial relevância teórica e prática,
uma vez que implica a aplicação de um regime. Todo o ramo das imputações às sociedades
segue, por esta via, os caminhos do Direito privado. No âmbito dos negócios, a deliberação
ocupa um lugar próprio, com um regime específico. Será um negócio deliberativo ou, muito
simplesmente… uma deliberação.
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19 O Projeto, aproveitando ensinamentos do Direito público, fazia uma distinção entre deliberações e
resoluções; estas últimas coadunar-se-iam com decisões tomadas pela administração e pelo conselho fiscal e
que não seria diretamente impugnáveis. A referência a resoluções foi abandonada, por sugestão de Brito Correia.
Tudo é apelidado deliberações, assim surgindo dúvidas de interpretação.
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20 Exceto, supletivamente, nas sociedades em nome coletivo: artigo 190.º, n.º1 CSC.
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em separado e podendo ocorrer lapsos de tempo relevantes entre eles. A referência a escrito
pode ser alargada: vontade depositada em gravação, vídeo ou áudio, vontade por núncio ou
vontade teletransmitida, mas sem reunião. A especialidade reside na exigência de
unanimidade. Eis a justificação: ninguém pode ser despojado do direito de argumentar e de
colocar questões aos proponentes e à administração. Logo, todos terão de prescindir,
livremente, dos inerentes direitos. No entanto, parece possível que, por unanimidade, se
delibere adotar o voto por escrito. Dado esse passo, os votos podem não ser unânimes:
prevalece, então, a maioria21. O legislador de 1986 adotou uma metodologia radicalmente
contratual. Todavia, sucumbiu à tentação regulamentadora jurídico-publicistica. Dentro de
limites, convém ter presente que estamos em Direito privado e que os sócios detêm posições 163
disponíveis. Surge, ainda, a modalidade das assembleias universais: trata-se de assembleias
gerais que reúnam (artigo 54.º, n.º1 CSC):
«(…) sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos
manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto».
A assembleia universal dispensa o esquema das convocatórias. Ela é operacional em
sociedades com um pequeno número de sócios, marcada pela confiança mútua. Logicamente:
a assembleia universal não tem ordem do dia: só pode deliberar (ainda que por maioria) sobre
assuntos que todos os sócios tenham concordado pôr à apreciação do coletivo societário.
Depois de montada e em funcionamento, com o acordo de todos os sócios quanto à ordem
do dia, ela pode funcionar por simples maioria, nos termos gerais.
56.º - A ata
21Não se confunda esta situação com o voto escrito previsto no artigo 247.º, n.º1 CSC, para as sociedades por
quotas: aí, a iniciativa é da gerência e não se exige qualquer unanimidade.
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22 Pode-se, então, com o conhecimento e o acordo de todos, proceder à gravação da reunião, transcrevendo,
a partir daí, o teor das intervenções. Na falta de consentimento prévio dos interessados, poderemos estar
perante uma violação do direito à imagem ou do direito à palavra.
23 Dentro da orientação geral de que a forma escrita tem um especial simbolismo para as pessoas, alcançando,
assim, uma dimensão mais profunda do que a facultada por meios mais cabais e fidedignos de reprodução dos
factos.
24 A lei refere o valor probatório do artigo 63.º, n.º1 CSC: aparentemente pleno. Veremos, todavia, que esse
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posto o que, não o fazendo, a ata produzirá prova contra o próprio faltoso. Não vemos é
como completar, pela doutrina, o que o legislador não escreveu. Já nos parece,
doutrinariamente, dispensável a notificação. Mas não aconselharíamos os administradores a
omiti-la.
Forma solene e aprovação: as atas podem ser lavradas por notário; mais precisamente,
através de instrumento avulso. Assim sucederá, segundo o artigo 63.º, n.º6 CSC:
Quando a lei o determine;
Quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere; 165
Quando, em escrito dirigido à administração e entregue na sede social com cinco dias
úteis de antecedência, algum sócio o requeira, suportando, então, as despesas
notariais.
Permitindo a lei escolher a forma notarial da ata, a escolha cabe a quem presidir à reunião:
motu proprio ou a requerimento de alguns sócios; pode ainda a assembleia deliberar nesse
sentido (artigo 63.º, n.º6 CSC). A lei portuguesa vigente não prescreve, quanto sabemos,
nenhum caso de obrigatoriedade de atas lavradas pelo notário. Limita-se a prever essa
eventualidade, com a consequência, quando ocorresse, de aligeirar a forma de atos ulteriores.
Nos artigos 446.º-A a 446.º-F, temos, ainda, outro tipo de atas: as lavradas pelo secretário da
sociedade – artigo 446.º-B, alínea b) CSC. Trata-se de uma figura que deve ser designada
pelas sociedades anónimas cotadas em bolsa de valores – artigo 446.º-A, n.º1 CSC – ou, na
linguagem pós 2006, admitidas à negociação em mercado regulamentado. Muitas vezes procede-se,
na sessão seguinte à da reunião que lhe deu azo, à aprovação da ata. O artigo 388.º, n.º3 CSC,
a propósito das sociedades anónimas, fixa uma norma que nos parece generalizável: a
assembleia pode determinar que a ata seja submetida à sua aprovação, antes de assinada. Qual
o sentido da aprovação? Não se trata de uma declaração social de vontade: essa teve lugar
aquando da própria deliberação em si. Antes será uma constatação ou um controlo de
fidelidade do texto da ata.
Função: por estranho que possa parecer, a função – e a própria natureza – da ata não estão
claras, no nosso Direito. A razão da obscuridade – cujos termos abaixo serão indicados –
reside na utilização de múltiplos elementos estrangeiros, sem se ter escolhido um modelo
claro. No domínio do Código Veiga Beirão, tínhamos o artigo 183.º, relativo ao
funcionamento da assembleia geral, segundo o §6.º:
«As atas das diferentes sessões serão assinadas pelo presidente e secretários e lavradas no registo
respetivo».
Este preceito era aproximado do artigo 37.º do mesmo Código, que, no tocante à escrituração
comercial, obrigava à existência de livros de atas das sociedades onde, além dos diversos
elementos, deveriam ser lançadas:
«(…) as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar
estas (…)».
A jurisprudência nacional começou por tomar esta exigência como um requisito formal: a
deliberação não lançada em ata seria nula; a ata – ou o lançamento em ata – teria o sentido
de uma formalidade ad substantiam. Este ponto não estava em definitivo resolvido, quando se
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levantou o tema da força probatória da ata. Aí, a propósito de certas opções feitas em
assembleias de sociedades por quotas, veio doutrinar-se que a ata faria prova plena do que,
nela, se exarasse. Quanto à ata como forma: a base legal era escassa. O artigo 37.º CSC não
depunha nesse sentido: a ata apenas visaria a reconstrução histórica do deliberado. Quanto à
força probatória: ela era plena no caso da ata lavrada por notário, o que ocorria nas sociedades
por quotas, por influência alemã. Perante as indefinições doutrinárias e legais, deu-se atenção
aos Direitos estrangeiros. Aí, frente a frente, dos sistemas:
O sistema alemão, segundo o qual todas as deliberações da assembleia geral devem
ser notarialmente tituladas; se assim não for, há nulidade;
166
O sistema latino, presente no artigo 2375.º do Código Italiano, que apenas exige atas
(verbale) assinada pelo presidente e pelo secretário; nas assembleias extraordinárias,
surge a ata notarial; pois bem: pelo menos no primeiro caso, a falta da ata não
invalidaria a deliberação, que poderia ser provada por qualquer outra forma.
No âmbito da preparação do Código, Vaz Serra propôs a solução alemã da nulidade por
inobservância da formalização prescrita para a ata. Esta, no meio de uma multiplicidade de
fontes inspiradoras, acabaria por enformar, ainda que de modo algo indireto, no artigo 63.º,
n.º1 CSC:
«As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam
admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem».
A ata tem, pois, uma função problemática forte: e um meio exclusivo de prova. O artigo 63.º,
n.º1 CSC retoma, efetivamente e em termos práticos, a jurisprudência tradicional, que
retirava eficácia às deliberações não reduzidas a atas.
A natureza: antes de recordar os precisos contornos do regime da ata, dos quais dependerá
a determinação da sua natureza, cumpre recordar os fins e os valores que lhe estão
subjacentes. Numa assembleia de sócios podem participar muitas pessoas. Por vezes haverá
diversas opiniões, opiniões essas que poderão – ou não – implicar votos diferentes. Com
frequência, pessoas votam uma mesma proposta dando-lhe alcances diferentes. Por isso,
torna-se difícil, perguntando às pessoas, mesmo partindo do princípio de que são todas
honestas e apenas dizem a verdade, descobrir, afinal, o que se passou numa assembleia.
Passado algum tempo, as dificuldades aumentam: a memória humana é falaciosa e só retém
– mesmo de boa fé – ou o que impressiona, ou o que convém. Tudo isto leva a que, no
interesse dos participantes, se deva fixar em documento oficial o que se discutiu e, sobretudo,
o que se decidiu. A partir daí, só vale o que constar do documento em causa. Pensemos,
agora, nos terceiros. Estes podem ter um interesse legítimo em conhecer o que foi deliberado.
Aí, só um sistema da ta ajuda. E a ata em questão terá de ter uma especial estabilidade: quando
não, o terceiro poderia ser surpreendido, em momento subsequente, por alterações, quiçá
menos unânimes, introduzidas pelos sócios, em nome de uma verdade histórica que não é,
necessariamente, a verdade jurídica. Estas considerações são suficientes para afastar escolhas
de tipo mais solto, segundo as quais a ata seria um mero documento particular, a apreciar
livremente pelo juiz (Pinto Furtado). Não deve ser assim. Por certo que o juiz pode ser
convencido, por qualquer meio ponderoso, de que a ata é falsa. Mas para tanto, haverá razões
sérias e, sobretudo: tem de apurar-se, afinal, o que se passou na assembleia questionada. Na
dúvida, a ata prevalece. E não havendo, de todo, ata? Nessa altura, a deliberação está
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incompleta. Embora a fase da manifestação da vontade social se baste com a votação e o seu
apuramento, ela tem de ser formalizada e exteriorizada. Dondo o papel da ata. A lei admite
atas sem os requisitos legais e, designadamente, as atas constantes de documentos
particulares avulsos (artigo 63.º, n.º7 CSC). Estas atas, mesmo quando assinadas por todos
os sócios que participaram na assembleia, constituem (mero) princípio de prova. Concluímos,
pois:
Que a ata visa completar a deliberação;
Que se trata de uma formalidade (não forma!) ad probationem: condiciona a prova da
deliberação; 167
Que, na sua falta, a deliberação não é eficaz;
Que pode ser afastada por falsidade sem que, para o efeito, o Direito limite os meios
de prova.
A ata é, assim, uma formalidade destinada a completar o processo deliberativo. Faltando
requisitos legais, há que recorrer à lei, para verificar o seu valor. Em certos casos, a lei
dispensa a ata, pelo menos para determinados fins. Segundo o artigo 59.º, n.º4 CSC, a
proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata; mas se o sócio
invocar impossibilidade de a obter, o juiz mandará as pessoas que, nos termos da lei, a devam
assinar, para a apresentarem no tribunal, em prazo a fixar até 60 dias: a instância suspende-
se até essa apresentação. Como se vê, o legislador pretendeu não bloquear a ação de anulação
por falta de ata; todavia, esta mantém o seu poder probatório especial, uma vez que o
processo aguarda. E se não houver ata ou, de todo, ela não for exibida? Ai, o juiz deverá
concluir que não houve deliberação, decretando-o. Na falta de deliberação, não pode haver
anulação. Este preceito é aplicável à ação de nulidade: não se percebe porque não foi, antes,
colocado no artigo 60.º CSC. Em discutível técnica, o legislador aproveitou para, a propósito
da ação de anulação, fixar ou recordar certos aspetos atinentes à ata: artigo 59.º, n.º5 e 6 CSC.
Assim:
Para apresentação da ação em juízo, bastará que ela seja assinada por todos os sócios
votantes no sentido que fez vencimento (artigo 63.º, n.º3 CSC);
Tendo o voto sido secreto, considera-se que não votaram no sentido que fez
vencimento apenas aqueles sócios que, na própria assembleia, ou perante notário,
nos cinco dias seguintes à assembleia tenham feito consignar que votaram contra a
deliberação tomada.
Esta regra é aplicável noutras situações. Finalmente: a deliberação constante de ata goza de
proteção; declarada nula ou anulada a competente deliberação, não pode a sentença
prejudicar os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos praticados
em execução da deliberação (artigo 62.º, n.º2 CSC). A ata registada goza ainda da proteção
conferida pelo registo comercial: positiva e negativa.
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Conspecto básico: o tema da invalidade das deliberações sociais foi aprofundado na 168
Ciência Jurídica portuguesa, pelos estudos do saudoso Professor Vasco da Gama Lobo
Xavier. Vamos recordar o essencial. A invalidade das deliberações sociais é, ainda, um tema
de ineficácia de atos jurídicos. Com raízes esparsas no Direito romano, ela seria sistematizada
pela pandectística, com relevo para Savigny a quem se devem muitos dos quadros hoje
familiares a todos os juristas. Assim, depois de uma evolução marcada pelas ideias da
simplificação – os múltiplos vícios existentes foram sendo reduzidos, até ficarem apenas dois
ou três – e da substancialização – os vícios de teor processual foram reconduzidos ao Direito
subsidiário – chegou-se a um quadro em que a manifestação mais clara de ineficácia é a
invalidade. Esta abrange duas modalidades: uma, mais grave, dita nulidade absoluta ou,
simplesmente, nulidade e outra, mais leve, dita nulidade relativa ou, simplesmente,
anulabilidade ou impugnabilidade. Na atualidade, o tema em análise vive dominado pela
contraposição da nulidade à anulabilidade. Em termos de regime, há conhecidas diferenças
entre as duas figuras: a nulidade pode ser arguida a todo o tempo e por qualquer interessado
e pode ser declarada ex officio pelo tribunal, enquanto a anulabilidade só pode ser invocada
pela pessoa em cujo interesse seja estabelecida e isso dentro de um ano contado da cessação
do vício. Dogmaticamente, deve considerar-se que, enquanto a nulidade implica um não-
reconhecimento, pelo Direito, do ato viciado, o qual escapa à autonomia privada, a
anulabilidade traduz a presença, em determinada esfera jurídica, do poder de impugnar um
negócio. Não se pode afirmar, à partida, quando haja nulidade ou quando haja anulabilidade.
As doutrinas antigas descobriram a primeira na presença de normas de interesse público e a
segunda prante regras de interesse privado. Mas há aqui, tão-só, uma indicação tendencial
para o legislador que poderá, depois, seguir outras opções. Assim, hoje e por razões que se
prendem com a natureza histórico-cultural do Direito privado, vícios aparentemente leves
originam a nulidade enquanto outros mais pesados dão lugar, apenas, à anulabilidade; ou
vícios paralelos dão lugar à nulidade e à anulabilidade, consoante a formulação. Cumpre, pois,
caso a caso, ponderar as normas do jogo, com vista a descobrir a sanção que recaia sobre os
atos que as contradigam. Em termos de orientação tendencial, pode-se considerar que, no
Direito Civil, tendo em conta a amplidão do artigo 280.º CC, a regra é a da nulidade. Esta
prevalecerá sempre que a lei não indique um regime diverso.
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sociais. Entre nós, a matéria começou por ser muito escassamente tratada no Código
Comercial e na Lei de 11 abril 1901, sobre as sociedades por quotas. O artigo 146.º CCom,
hoje revogado, previa apenas a declaração de nulidade das deliberações contrárias à lei ou
aos estatutos, numa orientação retomada pelo artigo 46.º e seu §1.º da LSQ. Tal declaração
judicial ocorreria desde que algum sócio a viesse requerer judicialmente nos vinte dias
posteriores à sua tomada. De facto, seria uma anulabilidade: apenas o interessado a poderia
invocar e em certo prazo. Esta orientação, conquanto que arcaica, deixava já patentes as
valorações fundamentais do ordenamento. Qualquer situação de dúvida sobre a validade e a
eficácia de deliberações sociais deveria ser rapidamente solucionada, sob pena de bloquear
todo o esquema do modo coletivo de funcionamento do Direito. Devemos ainda ter presente 169
que a anulação de uma deliberação social põe em crise as deliberações conexas e os atos
jurídicos dela dependentes. A incerteza que tudo isso faz pairar nos horizontes societários é
grande. O Direito procura atalhar. Por isso, as primeiras leis apenas referem a anulabilidade
das deliberações impondo, além disso, prazos mais reduzidos para a sua invocação. Passado
algum tempo, a situação consolidar-se-ia, sem incertezas. Mau grado estas valorações e o seu
patente ajuste, a doutrina e a jurisprudência do âmbito do Código Veiga Beirão foram
confrontadas com vícios tão graves que a simples e tradicional anulabilidade não poderia
satisfazer. Haveria que fazer apelo à nulidade. Tudo isto explica ainda o interesse que, desde
cedo, houve em aproximar as deliberações sociais dos negócios jurídicos. Toda a doutrina da
ineficácia, desenvolvida a propósito destes, poderia, com as convenientes cautelas, ser
aproveitada. Na preparação do Código das Sociedades Comerciais, a matéria foi pesada. A
tarefa foi facilitada pelo desenvolvimento que o tema adquiriu noutras doutrinas, com relevo
para a alemã. Manteve-se, como ainda melhor será visto, o princípio do predomínio da
anulabilidade e não o da nulidade, como sucede no Direito Civil.
Quadro das ineficácias: antes de passar a uma análise dos competentes preceitos do
Código das Sociedades Comerciais, parece útil estabelecer um quadro geral das ineficácias
(lato sensu) suscetível de afetar as deliberações sociais. O vício de uma deliberação pode
resultar:
De vícios formais;
De vícios substanciais.
No primeiro caso, verifica-se que a deliberação, em si, é possível: todavia, não foi respeitado
o processo previsto para a sua emissão. Assim sucederá quando a assembleia geral não tenha
sido convocada – artigo 56.º, n.º1, alínea a)26 CSC ou quando se tenha recorrido ao voto
escrito sem que todos os sócios tenham sido convidados a emitir o seu voto – artigo 56.º,
n.º1, alínea b) CSC. No segundo, o procedimento prescrito foi seguido, mas a própria
deliberação defronta a lei ou os estatutos. Quanto às consequências jurídicas do vício,
podemos distinguir:
Deliberações aparentes;
Deliberações nulas;
Deliberações anuláveis;
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As deliberações ineficazes: as deliberações (em sentido estrito) são aquelas que, por
razões extrínsecas, não produzam efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam
a comportar. O Código das Sociedades Comerciais só se lhe refere, de forma expressa, no
artigo 55.º CSC:
«Salvo disposição em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija
o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der
o seu acordo, expressa ou tacitamente».
A hipótese de a lei exigir, para uma deliberação, o consentimento de determinado sócio
recorda logo os direitos especiais dos sócios, previstos no artigo 24.º CSC (a hipótese inversa:
portanto, a de se criar um direito especial dos sócios ou de algum ou alguns deles, sem ser
por unanimidade, já conduziria a anulabilidade da deliberação). Será essa a única hipótese de
concretização do preceito? De facto, o legislador não fez uma remissão direta para o artigo
24.º CSC, antes usando uma fórmula capaz de dar cobertura a outras previsões legais.
Quando ocorram, o artigo 55.º CSC terá aplicação. A solução da lei levanta dúvidas. Poder-
se-ia entender, perante as regras gerais, que quando fosse atingido um direito especial de um
sócio:
Estaria em causa uma nulidade, por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC;
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Estaria em jogo, além da ineficácia, uma anulabilidade, dado o artigo 58.º, n.º1, alínea
a) CSC.
No silêncio da lei, assim seria. O artigo 55.º CSC tem, todavia, o efeito de retirar as situações
nele previstas do regime comum, sujeitando-as à ineficácia. A solução do artigo 55.º CSC
tem, na origem, uma tradição nacional, tendente a atenuar as consequências de certas
invalidades. Nessa linha, podemos inscrever a já referida tendência de completar o quadro
legal, introduzindo a mera ineficácia. A previsão do artigo 55.º CSC visa, unicamente, as
deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado
sócio. Não permite, todavia, inferir que exista ineficácia (stricto sensu) apenas nesse caso. As
regras gerais facultam, efetivamente, encontrar outras situações de ineficácia, já referida, de 171
deliberações (ainda) não reduzidas a ata: serão válidas mas ineficazes, até que isso opere. O
mesmo se poderá dizer das deliberações sujeitas a registo comercial, enquanto não se
mostrarem inscritas: desta feita, a ineficácia não é total; mas existe. Recorde-se que a
ineficácia teve um sentido remanescente. Além do traço de raiz – ou seja: com uma não
produção plena de efeitos por razões extrínsecas – a ineficácia surge como um conceito-
quadro residual. As hipóteses que se acolham serão distintas umas das outras, devendo ser
estudadas isoladamente.
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Não sujeição, por natureza, a deliberação dos sócios: o artigo 56.º, n.º1, alíneas
c) e d) CSC, determina a nulidade por vícios de conteúdo ou substância. Mais precisamente,
prevê:
Deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos
sócios (alínea c));
Deliberações cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine
ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam
ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (alínea d)).
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Que deliberações poderão ter um conteúdo que não esteja, por natureza, sujeito a
deliberações dos sócios? Este preceito levanta dúvidas sérias de interpretação. Frente a frente,
duas orientações:
A da incompetência;
A da impossibilidade.
Pela teoria da incompetência – de resto: tradicional – a alínea c) do artigo 56.º, n.º1 CSC
invalidaria os atos estranhos à competência da assembleia geral e, ainda, atos que
interferissem com terceiros. Tal opção de Lobo Xavier, de Carneiro da Frada, de Brito
173
Correia, de Carlos Olavo, de Raúl Ventura e de Pedro Maia. Contra, manifesta-se (e bem)
Pinto Furtado: a mera inobservância de regras, internas de competência não poderia ser tão
grave que justifique a nulidade; além disso, quando prejudicados terceiros ou quando
atingidas regras legais de competência, cair-se-ia seja na ineficácia, seja na alínea d). Posto
isto, este Autor apresenta a sua própria teoria: a de impossibilidade física. O artigo 56.º, n.º1,
alínea c) CSC, consideraria nulas as deliberações fisicamente impossíveis; as legalmente
impossíveis caberiam na alínea d), do mesmo preceito. Chamar-lhe-emos a teoria da
impossibilidade. O pensamento de Pinto Furtado via reconstruir, no quadro das nulidades
das deliberações, o artigo 280.º CC. Fica a pergunta: se o legislador de 1986 pretendeu
respeitar o de 1966, para quê recorrer a enigmas e, designadamente: porquê abandonar
conceitos consagrados, para se lançar na completa aventura de definir novas fórmulas para
as nulidades mais profundas? Não há resposta. A fórmula da alínea c) terá sido retirada do
§241/3 AktG alemão, que considera nulas as deliberações que não sejam compagináveis com
a essência da sociedade anónima. Todavia, perante tal preceito, a doutrina afiança que se trata
de uma norma residual destinada a acolher situações nas quais a deliberação não possa
subsistir, mas que não se deixem reconduzir a outros fundamentos de nulidade. Não parece,
pois, haver grande hipótese de aclaração, por via da origem do preceito. De todo o modo,
mandam as boas regras que se parta da presunção de acerto da lei e que se procure uma
solução harmónica para tudo isto. A ideia de Pinto Furtado é sedutor: explicaria o porquê da
severa nulidade e daria um alcance plausível à referência natureza. Mas tem óbices, embora
menores do que os da teoria da competência. São eles:
Cinde as impossibilidades física e legal: ambas se integram, de facto, numa área
unitária redutível à conformação legal;
Causa embaraços, perante a figura da impossibilidade superveniente: uma deliberação
hoje válida pode ser amanhã nula e revalidar-se a seguir? Inversamente: a deliberação
nula pode validar-se se uma ocorrência impensável a viabilizar?
Rema contra a atual corrente jurídico-civil: a possibilidade deixou de ser requisito de
validade da obrigação, na reforma do BGB alemão de 2002 e isso por razões
operacionais para o Direito português; será uma questão de tempo: a impossibilidade
deixará o rol das fontes da nulidade do negócio.
Mas sobre tudo isto paira uma objeção mais societária: uma deliberação cujo conteúdo não
esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios não pode ser, simplesmente, uma
deliberação de conteúdo fisicamente impossível: isso (pela perspetiva ainda corrente) atingiria
todo e qualquer ato e não, somente, as deliberações. A natureza não implica, aqui,a ordem
natural das coisas ou cairíamos na teoria da impossibilidade. Também não equivale a ordens
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(…)
«4. Atente, pelo seu conteúdo, contra os bons costumes».
A doutrina alemã viu, aqui, uma orientação no sentido de restringir as consequências do
§138.º I BGB: a nulidade só ocorreria quando, pelo conteúdo da deliberação, surgisse o
atentado aos bons costumes. Se apenas a causa, o escopo ou as consequências da deliberação
fossem contrários aos bons costumes, haveria mera anulabilidade: mais uma manifestação da
necessidade de atenuar, a propósito das sociedades, as consequências das invalidades. Resta
acrescentar que os Autores alemães acolhem, a propósito do AktG, a noção de bons
costumes que vem do Código Civil. Quanto aos próprios bons costumes: eles abrangem 175
regras de conduta familiar e sexual e, ainda, códigos deontológicos próprios de certos setores.
O Direito Português ao contrário do alemão! – distingue os bons costumes da ordem pública:
razão definitiva por que não faz sentido insistir na inclusão de uma série de princípios
injuntivos gerais, no seio dos bons costumes. A violação desses princípios (a reconduzir à
ordem pública) deverá confrontar-se na 2.ª parte do artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC. Além
disso, cumpre considerar superada a confusão entre bons costumes (noção técnico-jurídica
há muito conquistada) e moral social. Sem precisão de conceitos, não há progresso jurídico-
científico. Incorre na previsão da nulidade por atentado aos bons costumes, qualquer
deliberação social que:
Assuma um conteúdo sexual ou venha bulir com relações reservadas ao Direito da
Família;
Atente contra deontologias profissionais;
A jurisprudência portuguesa, mau grado a confusão de conceitos que advém da doutrina,
tem vindo, mesmo sem o assumir, a detetar uma deontologia comercial que deve presidir às
deliberações sociais, sob pena de nulidade. Assim:
É ofensiva dos bons costumes a deliberação de distribuir lucros por dois fundos e
uma conta nova, prosseguindo há vinte e cinco anos com uma prática de não
distribuir lucros aos sócios (STJ, 7 janeiro 1993);
Idem quanto à deliberação unânime de vender a uma irmã de um sócio o único imóvel
da sociedade por um preço muito inferior ao valor real (RPt 13 abril 1999);
Idem quanto à deliberação de vender por 210 000 c., o estabelecimento e sede da
sociedade, quando o sócio minoritário presente ofereceu 518 000c., equivalentes ao
valor real (STJ 3 fevereiro 2000);
Idem quanto à deliberação de trespassar um estabelecimento e vender terrenos por
menos de metade do seu valor real: «não realiza o fim social, choca o senso comum
de justiça e briga pois com a consciência social, mesmo quando considerada apenas
no âmbito mais restrito da ética dos negócios» (STJ 15 dezembro 2005).
Essa deontologia impõe-se quando estejam em jogo violações grosseiras, em termos de a
determinar in concreto. Assinale-se que a indeterminação daqui resultante não é grave. Mostra
a experiência que, na prática, os juristas põem-se facilmente de acordo quanto aquilo que se
coloque fora de ética dos negócios: e isso quando seja difícil encontrar formulações
explicativas.
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A contrariedade indireta: o artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC, prevê ainda, quer em
relação ao atentado aos bons costumes, quer perante a violação de norma injuntiva, a
hipótese de tal suceder em termos indiretos. Usa a perífrase de a prevaricação ocorrer «por
atos de outros órgãos que determine ou permita». Em bom rigor, porém, a deliberação que determine
ou que permita que outro órgão atente contra os bons costumes ou viole normas injuntivas
é diretamente nula, nos mesmos e precisos termos em que o seria a congénere mais frontal.
Aliás: a deliberação, salvo quando potestativa, não passa de uma abstração exarada em ata:
177
os seus eventuais malefícios manifestar-se-ão, mais tarde, a propósito da execução. Tem
interesse atentar no artigo 58.º, n.º2 CSC: contém, fora do contexto, uma importante regra
sobre nulidades. Pode acontecer que um contrato de sociedade reproduza – particularmente
nos estatutos – regras legais injuntivas. Quando isso suceda, considera-se que, havendo
violação, tais regras são diretamente violadas e não (apenas), as contratuais.. Com a
consequência de se aplicar a nulidade e não, como decorreria do final do artigo 58.º, n.º1,
alínea a) CSC, a mera anulabilidade.
Consequências: a nulidade de uma deliberação pode ser invocada a todo o tempo e por
qualquer interessado: é o que extraímos da regra geral do artigo 286.º C, em termos
confirmados pelo artigo 59.º, n.º1 e 2 CSC, a contrario. Como se vê, ela faz pairar grave
incerteza sobre a sociedade, o que explica as restrições legais e o facto de, por defeito,
prevalecer a anulabilidade (artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC). Perante deliberações nulas, o
artigo 57.º CSC faculta a iniciativa do órgão de fiscalização. Em síntese:
O órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral, a
nulidade de qualquer deliberação, para eles a renovarem, sendo possível, ou para
promoverem a declaração judicial respetiva (n.º1);
Se eles não a renovarem ou se a sociedade não for citada para a ação de nulidade no
prazo de dois meses, deve o órgão de fiscalização promover sem demora a declaração
judicial de nulidade em causa (n.º2);
O órgão de fiscalização deve então propor ao tribunal a nomeação de um sócio para
representar a sociedade (n.º3);
Nas sociedades sem órgãos de fiscalização, cabe o poder referido a qualquer gerente
(n.º4).
Repare-se que é do interesse da própria sociedade e dos seus sócios o não deixar pendentes
situações de nulidade que poderão, depois e em qualquer altura, ser invocadas, com danos
para todos.
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Secção IV – A anulabilidade
Generalidades; o vício de forma: o artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC, como tem sido 178
ficado de modo repetido, a cláusula geral da invalidade das deliberações sociais: havendo
violação da lei – quando não caiba nulidade – as deliberações em falta são anuláveis. Trata-
se de uma regra que, através do Projeto de Coimbra sobre sociedades por quotas, nos adveio
do AktG alemão. A germanização do nosso Código das Sociedades Comerciais pelo menos
na forma, é muito intensa. Mas como veremos, no plano da interpretação e da concretização
das normas em jogo, chega-se a soluções verdadeiramente nacionais, distintas das fontes
inspiradoras de origem. O artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC move-se entre dois valores,
aparentemente contraditórios: a necessidade de segurança jurídica, que leva a restringir
quanto possível a invalidade das deliberações sociais e a justiça, que permite aos sócios
vítimas de ilegalidades perpetuadas pela assembleia geral fazer valer as suas posições. A
primeira fonte de anulabilidade deriva da violação da lei. A sobreposição com a nulidade é
resolvida através da consunção por esta: quando ocorra, prevalece a nulidade. Qual a bitola?
Tratando-se de vícios de forma ou de omissão de formalidades, haverá que seguir o artigo
56.º, n.º1 CSC: as hipóteses neste inseridas geram nulidade; todas as outras, mera
anulabilidade. Mesmo então impõe-se o raciocínio substancial de Karsten Schmidt, apoiado
na jurisprudência e que corresponde a uma regra geral do processo: só haverá anulabilidade
quando a falha verificada possa influenciar o sentido da deliberação. Nalguns casos, tal
sucederá fatalmente: assim a hipótese de se impedir a participação de um sócio minoritário
na assembleia; temos de admitir que, mau grado a irrelevância dos seus votos, a sua presença
na assembleia, através de questões e de intervenções persuasivas, seria de molde a fazer
bascular a maioria. Evidentemente: exige um cripto-juízo de ilegitimidade, que tem também
o seu peso. Segundo a jurisprudência exemplificativa, encontramos os seguintes caos de
vícios de forma capazes de induzir anulabilidade:
Convocação sem a antecedência é fonte de anulabilidade;
A violação de normas imperativas de (mero) procedimento, por oposição ao
conteúdo, gera simples anulabilidade: tal o caso do aumento de capital votado sem
atingir a maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social;
A convocação da assembleia por aviso postal, quando era exigível a publicação do
competente aviso no Diário da República, conduz a anulabilidade por ser vício
meramente formal;
A falta, na convocatória, de referência à destituição do gerente, a qual ocorreu de
modo não unânime, conduz à anulabilidade.
Estas decisões ilustram, da melhor forma, a ideia do favor societatis.
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Vício de substância: como vimos, a nulidade das deliberações sociais ocorre sempre
que elas defrontem normas jurídicas injuntivas. Logicamente: haverá anulabilidade quando
as normas atingidas sejam dispositivas ou supletivas. Temos de nos entender quanto à
supletividade: significa ela que a norma pode ser afastada pelo contrato de sociedade; não
por mera deliberação dos sócios, como expressamente resulta do artigo 9.º, n.º3 CSC. Bem
se compreende tal orientação. Ao contratar, as partes assentaram na aplicabilidade dos
estatutos e, ainda, no de um conjunto de regras que, podendo afastar, elas mantiveram. Não
devem ser surpreendidas com deliberações maioritárias que equivalham à alteração do jogo
inicialmente fixado. A contraprova reside no próprio artigo 56.º, n.º1, alínea d), 2.ª parte CSC:
quando a norma possa ser afastada pela unanimidade dos sócios, há supletividade; a 179
correspondente deliberação será impugnável; não nula. Veremos aliás que, por esta via, se
torna possível alterar estatutos, fora do formalismo a tanto dirigido. A referência a lei deve
ser entendida em termos amplos: violação do Direito. Fica incluída a norma legal expressa,
o princípio, o conceito indeterminado e o Direito consuetudinário. Entre os princípios
societários cuja violação pode gerar anulabilidade temos, quando eficazes, o do igual
tratamento e o da lealdade. Entre nós, eles operam como manifestação de boa fé e, em certos
casos, do exercício inadmissível de posições jurídicas, dito abuso do direito nos Países do sul.
Quer isso dizer que o abuso do direito, quando não seja consumido pelo artigo 58.º, n.º1,
alínea b) CSC, pode ser sancionado através da alínea a) do mesmo preceito. A matéria das
deliberações sociais integra-se no sistema. Não se lhe podem negar os valores básicos, através
de jogos de normas advindos, para mais, das áleas que rodearam o Código das Sociedades,
de 1986. As exigências da segurança são satisfeitas através da mera anulabilidade e do regime
restritivo que lhe dá corpo. Os exemplos judiciais de anulabilidade, por violação do conteúdo
não-imperativo dos preceitos, é impressivo.
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clareza do que no texto dador. Tomando o preceito tal como está, ele atinge as deliberações
que tenham, subjacentes, denominados votos abusivos os quais, objetiva e subjetivamente:
Acarretem vantagens especiais para o próprio, em detrimento da sociedade ou de
terceiros; ou
Tenham natureza emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios.
Vantagens especiais opõe-se a gerais; traduz, assim, as vantagens que assistam
particularmente a um sócio ou a terceiros, e não a todos os sócios ou a uma grande
generalidade de terceiros. Nos termos gerais, a intenção terá de se inferir da conduta exterior
181
do sócio, ou o instituto ficará inviabilizado. Ato emulativo, na tradição romana, é o que vise
provocar danos gratuitos a outrem. Como alinhar este instituto perante o abuso do direito?
Logo à partida, devemos prevenir contra a presença, no Direito das sociedades comerciais,
com noções arcaicas de abuso do direito. O abuso do direito ou exercício inadmissível de
posições jurídicas equivale, simplesmente, a um exercício contrário à boa fé. A boa fé exprime,
em cada situação, a valores fundamentais do ordenamento. Para tanto, usam-se princípios
mediantes, com relevo para a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.
Finalmente: tudo isto se caracteriza em grupos de casos típicos perfeitamente conhecidos e
experimentados pela doutrina e pela jurisprudência: inalegabilidades formais, venire contra
factum proprium, suppressio, surrectio, tu quoque e exercício em desequilíbrio. Qualquer autor pode
pretender mudar esta terminologia. Não vemos, nisso, nenhuma vantagem: ela está
sedimentada em milhares de escritos especializados e de decisões judiciais, particularmente
na Alemanha e em Portugal. Fazê-lo, ad nutum, seria ligeireza de quem se julgue habilitado a
opinar sem ler o que critica e sem aceder à lei e à jurisprudência. Isto dito: os votos abusivos,
na vertente vantagens especiais, traduzem uma atuação fora da permissão jurídica em jogo.
Não se trata de abuso do direito mas, simplesmente, de falta de direito. Uma melhor
interpretação dos atos em jogo permitirá determinar se o efeito pretendido está ou não
coberto pela norma legitimadora. Os votos emulativos já serão abusivos: na versão
desequilíbrio no exercício. Uma interpretação rigorosa do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC
permitiria, assim, concluir que, salvo o aditamento emulativo, não está em causa um
verdadeiro abuso do direito; apenas a necessidade de recordar que certos votos não podem
prosseguir finalidades extra societárias. Poderá haver verdadeiras deliberações abusivas, por
contrariedade à boa fé; elas cairão, todavia, no artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Como já foi
referido: é essa a solução que nos vem da própria Alemanha.
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prazos, á que ter o maior cuidado, evitando proposituras de última hora. Eis algumas
precisões jurisprudenciais:
O prazo de trinta dias tem natureza substantiva, aplicando-se-lhe, segundo o artigo
298.º, n.º2 CC, o regime da caducidade (RPt 10 dezembro 1992);
Havendo irregularidades na convocatória, por aplicação analógica do artigo 59.º, n.º2,
alínea c) CSC, o prazo conta-se a partir do momento em que o sócio teve
conhecimento da deliberação (STJ 18 novembro 1997);
A prova de já ter decorrido o prazo dos 3 dias incumbe à sociedade ré (RCb 29
184
setembro 1998);
O direito de pedir a suspensão da deliberação não se confunde com o de pedir a sua
anulação: as caducidades respetivas são diferentes (STJ 23 abril 2002).
Consequência importante da natureza do prazo de 30 dias é o facto de ele só ser impedido
pela prática tempestiva do ato em jogo, isto é: pela interposição da ação de anulação. Assim,
a simples interposição de um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social não
impede o decurso de prazo do artigo 59.º, n.º2 CSC (STJ 11 março 1999). E se tal decurso
se consumar, o próprio procedimento cautelar irá naufragar por inutilidade superveniente da
lide. Em princípio, o processo serve o Direito substantivo, dando-lhe meios de legitimação
e de efetivação. Devemos todavia ter presente que, muitas vezes, os modernos sistemas
jurídicos vê, moldados os seus institutos através de sucessivas camadas regulativas, algumas
das quais de natureza processual. Tudo conflui na decisão final. Não é demasiado enfatizar
o prazo de 30 dias e os valores substantivos que serve: pretende-se, quanto antes, pôr cobro
à pendência de dúvidas, no tocante às deliberações societárias. Justamente por isso se
procedeu ao alargamento da figura da anulabilidade.
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artigo 117.º do Projeto de Coimbra, sedimentando a prática anterior. Quer isso dizer que
qualquer sociedade corre o risco, só por o ser, de ser demandada em ações relativas às
deliberações tomadas pelos seus sócios. Pergunta-se se as ações de ineficácia ou de
inexistência de deliberações sociais também são intentadas contra a sociedade. A resposta é
positiva, por interpretação extensiva ou por aplicação analógica do preceito em causa, mas
isso – naturalmente – na medida em que faça sentido admitir tais ações. A ineficácia paralisa
a deliberação: não tem de ser declarada. Se houver interesse em fazê-lo, a ação será
meramente declarativa. Quanto à inexistência: não deve ser considerada um vício autónomo.
Assim, perante a ausência de certa deliberação, só faria sentido uma ação de simples
apreciação negativa. Fatalmente: contra a própria sociedade. Em qualquer os casos 185
impugnam-se deliberações e não (simples) votações. O voto, só por si, não representa uma
posição da sociedade. Além disso, não tem relevância (societária) quando desinserido da
deliberação que origine. O vício do voto comunica-se à deliberação, quando se enquadre nas
previsões de nulidade ou de anulabilidade. A prova de resistência consiste em verificar se
determinado voto tem relevância para a deliberação concreta. Não a tendo, tornam-se
indiferentes, para o tema em estudo, quaisquer vícios que o possam afetar.
Generalidades; eficácia interna: o artigo 61.º CSC fixa a eficácia do caso julgado que
se forme em ação de declaração de nulidade ou de anulação de deliberação social. O n.º1
reporta-se à eficácia interna; o n.º2, à externa. Antes de examinar ambos os aspetos, cumpre
ponderar a natureza da jurisdição aqui em jogo. Pergunta-se se o juiz tem jurisdição de mérito
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Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
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desmoronar do chamado segundo Muro. Tudo isto é conhecido e está descrito, embora se
mantenha longe dos textos jurídico-comerciais. A administração das sociedades constitui o
cerne do Direito das sociedades: ponto em torno do qual tudo orbita e destino final de todas
as construções e institutos. Todavia, a matéria está pouco estudada. Surge, mesmo, algo
secundarizada na lei. Este estado de coisas tende a mudar, perante o influxo representado
pela responsabilidade dos administradores e dada a exigência crescente de desempenho,
implicada pelo universo, algo ambíguo, da corporate governance. Uma exposição geral de Direito
das sociedades não pode ficar indiferente a este poderoso movimento dos nossos dias.
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mostrou melhor estar no Direito privado. O administrador servirá, pois, os sócios. Mas não
enquanto pessoas singulares: antes enquanto partes que puseram a gestão dos seus valores
num modo coletivo de tutela e de proteção. Nesse modo coletivo interferem normas que
recordarão, entre outros aspetos:
Que a boa saúde das sociedades é vantajosa para o mercado;
Que há setores sensíveis onde regras técnicas e prudenciais devem ser seguidas; banca
e seguros;
Que as sociedades a que se acolhem empresas dão emprego e criam riqueza para o
191
País.
Tudo isto tem de ser acatado. Poderemos exprimi-lo dizendo que os administradores servem
a sociedade, na qual os sócios têm um papel importante, mas não exclusivo. E as vantagens
dos sócios são prosseguidas em modo coletivo, o que é dizer: de acordo com as regras
societárias aplicáveis. A nova redação do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, abaixo examinada,
que determina atender aos interesses da sociedade, dos sócios, dos trabalhadores, dos clientes
e dos credores, manda, no fundo, respeitar as regras que tutelam as inerentes posições. Nem
de outro modo poderia ser, pois os conflitos de interesses entre essas entidades são tais que
nenhum administrador poderia decidir fosse o que fosse.
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para administrar como para representar a sociedade, deve ser sempre exercida dentro dos
limites do objeto social (artigo 192.º, n.º2 CSC); nas sociedades por quotas, manda o artigo
259.º CSC: os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a
realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios; a propósito das
sociedades anónimas, já se anotou a fórmula ampla do artigo 405.º, n.º1 CSC, que fala em
gerir as atividades da sociedade o artigo 406.º CSC enumera os poderes de gestão: compete
ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da
sociedade, nomeadamente; seguem-se 13 pontos, que vão desde a escolha do presidente até
qualquer outro assunto sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho.
A enumeração é, assumidamente, exemplificativa, de tal modo que o próprio Código das 192
Sociedades Comerciais acrescenta, em preceitos dispersos, outros pontos; como exemplo:
compete ao conselho de administração, em certos casos, deliberar a emissão de obrigações
(artigo 350.º, n.º1 CSC). Cumpre recorrer ao Direito comum. A expressão administração
aparece-nos dezenas de vezes, no Código Civil. Tem, aí, diversas aceções. Pois bem: dessas
diversas aceções, para além de flutuações de linguagem que escaparam às revisões do Código
Civil, resultam linhas reitoras. A administração reporta-se a patrimónios, a bens ou a coisas,
de modo a traduzir, em termos compreensivos, um conjunto de atuações insuscetíveis de
enumeração em concreto ou, sequer, de definição: tudo depende, em cada caso, da realidade
de cuja administração se trate. Por vezes, a lei introduz limitações nas concretas entre atos
de administração e de disposição. Trata-se, porém, de uma contraposição relativa: caso a caso
haverá que determinar o preciso âmbito da administração e da disposição. A ideia básica é a
indeterminação dos poderes ou potencialidades de atuação, a incluir na administração. Esta
apenas pode ser determinada: pela negativa, retirando-lhe faculdades, como sejam a
disposição ou a administração extraordinária; pelo objeto, de acordo com a realidade a que
respeite e pela finalidade. As sociedades comerciais têm personalidade (artigo 5.º CSC) e
capacidade jurídica: esta compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes
à prossecução do seu fim (artigo 6.º, n.º1, 1.ª parte CSC). A administração de uma sociedade
vem definir-se, perante esta realidade, com recurso a duas coordenadas: uma positiva e
material e outra negativa e formal. Diremos que a administração abrange o conjunto de
atuações materiais e jurídicas imputáveis a uma sociedade que não estejam, por lei, reservadas
a outros órgãos. A competência genérica e residual para agir, reservadas a outros órgãos. A
competência genérica e residual para agir, pela sociedade, cabe à administração: é o que se
infere dos artigos 259.º e 405.º, n.º1 CSC. A prática jurídica e societária tem reservado a ideia
de administração para a atuação dos próprios administradores. Mas ela poderia ser alargada
a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração (artigo 80.º CSC). Resta
acrescentar que, também na prática, surgem, como sinónimas, as locuções administração,
gerência e gestão. Tecnicamente, a administração é um direito potestativo: traduz a permissão
normativa que os administradores têm de decidir e de agir, em termos materiais e jurídicos,
no âmbito dos direitos e dos deveres da sociedade. Embora se trate de um direito – os
administradores são autónomos, ou teriam de ir procurar a administração noutra instância –
é um direito funcional ou fiduciário: os administradores devem observar regras e agir na base
da lealdade: pontos importantes.
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431.º,n.º2 CSC). Trata-se do vínculo jurídico, de base legal, que permite imputar à pessoa
coletiva os atos dos seus órgãos e, para o caso: à sociedade, a atuação dos administradores.
À partida, o âmbito dos poderes de representação estaria delimitado pelo da própria
administração. A tutela da confiança levou o legislador português a estabelecer um esquema
inverso: quando, no uso formal de poderes de representação, o administrador ultrapasse o
que lhe caberia, a imputação funciona: artigo 6.º, n.º4 CSC «não limitam a capacidade da
sociedade…». Conectada com a imputação de atos provenientes do vínculo de representação,
surge a imputação, ao ente coletivo, de factos ilícitos. A lei (artigo 6.º, n.º5 CSC) não fala,
aqui, em representação, apenas remetendo para o regime da comissão. Como sabemos, a
representação aqui figurada não equivale à representação em sentido técnico. Antes se trata 193
de um modo cómodo sugestivo de exprimir os nexos de organicidade que imputam, ao ser
coletivo, a atuação dos titulares dos seus órgãos. Por isso, quando a lei fale em representantes
da sociedade, teremos de ver, pela interpretação, se estamos perante representantes
voluntários, constituídos nos termos dos artigos 262.º CC, para a prática de certos atos 29 ou
se, pelo contrário, estão em causa os verdadeiros e próprios administradores. Os efeitos de
uma ou de outra dessas duas possibilidades são distintos. Em termos técnicos, também a
representação dos administradores se apresenta como um direito potestativo. Ela envolve a
permissão de, agindo em nome e por conta da sociedade, produzir efeitos jurídicos que se
projetam imediata e automaticamente na esfera desta. A representação orgânica tem,
subjacente, a administração e os condimentos que a norteiam. Trata-se de duas facetas de
uma mesma realidade, que cumpre cindir, para efeitos de análise.
29 Segundo a boa doutrina, é isso o que se passa no artigo 6.º, n.º5 CSC.
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As redações anteriores: o artigo 64.º CSC tem uma história movimentada: diz muito
sobre várias experiências europeias e sobre os mores legislativos nacionais. Vamos recordá-la.
Na origem temos o artigo 17.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 49.381, 15 novembro 1969. Este
preceito, visando introduzir um capítulo sobre a responsabilidade dos administradores, veio
dispor:
«Os administradores da sociedade são obrigados a empregar a diligência de um gestor criterioso
e ordenado».
Trata-se de uma regra inspirada por Raúl Ventura. Esse mesmo preceito foi basicamente
acolhido no artigo 64.º CSC, versão original. Com um acrescento: a sua redação surge
completada, ficando com a seguinte composição, agora sob a epígrafe dever de diligência:
«Os gerentes, administradores ou diretores de uma sociedade devem atuar com a diligência de
um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios
e dos trabalhadores».
Desta feita, o aditivo no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e
dos trabalhadores adveio, por indicação de Brito Correia, da proposta da 5.ª Diretriz das
sociedades comerciais, a qual, de resto, nunca foi adotada, no plano europeu. No projeto da
que seria a reforma de 2006, da CMVM, posto a discussão pública, o preceito surgia
desdobrado em dois números: o n.º1 relativo aos administradores, e o n.º2 quanto à
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fiscalização. Releva, aqui, apenas o primeiro, assim redigido, agora sob a epígrafe dever de
diligência e de lealdade:
«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem atuar com a diligência de um gestor
criterioso e ordenado e com lealdade, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos
sócios e dos trabalhadores».
Por inspiração da CMVM, foi acrescentado com lealdade. Palavras simples, mas com inúmeras
implicações jurídico-científicas, como veremos. Estávamos na tradição alemã, ainda que com
elementos heterogéneos. Finalmente, o artigo 64.º, n.º1 CSC, versão definitiva proveniente
da reforma e acima transcrito, desta feita epigrafado deveres fundamentais, veio: 195
Articular, em alíneas separadas, os deveres de cuidado e de lealdade;
Explicitar o conteúdo dos deveres de cuidado e rematar com a diligência de um
gestor criterioso e ordenado;
Desenvolver o teor dos deveres de lealdade, aí inserindo, entre os elementos a
atender, a referência a diversos interesses.
Os deveres de cuidado são de origem anglo-saxónica. As concretizações de tais deveres, bem
como os desenvolvimentos levados a cabo a propósito da lealdade, corresponderiam a ideias
da CMVM, tanto quanto veio a público. Mais precisamente: às ideias destinadas a dar forma
ao denominado governo das sociedades ou corporate governance, de cepa norte-americana.
Também a contraposição entre deveres de cuidado e deveres de lealdade (Estados Unidos)
ou fiduciários (Inglaterra) é típica dos manuais de Direito das sociedades de além-Atlântico
ou de além-Mancha. Ao já colorido Direito português soma-se, assim, uma massa de língua
inglesa. Cabe ao intérprete estudar o assunto, naturalmente: problemático.
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estamos numa área muito densa, com estreitas conexões civis, e nas quais não é de esperar
descobertas, capazes de dispensar todo um estudo histórico e dogmático.
O business judgement rule: interessa fazer aqui uma referência ao business judgement
rule, introduzindo no §93/I, 2 AKtG, pelo UMAG de 22 setembro 2005. Esse diploma,
depois da consagração da bitola de diligência, que se mantém, veio acrescentar:
«Não há um violação de dever quando o membro da direção, na base de informação adequada,
devesse razoavelmente aceitar que, aquando da decisão empresarial, agia em prol da sociedade».
Trata-se de uma regra de origem norte-americana30. Resumindo: na base de um enérgico
sistema de responsabilidade civil, responsabilidade dos administradores era transferida para
as seguradoras; estas negociavam com os queixosos; todavia, o incremento das
indemnizações levou as seguradoras a retraírem-se, excluindo numerosas hipóteses de
responsabilidade. O sistema reagiu: através do business judgement rule, os administradores não
30Em inglês do Reino Unido, escreve-se judgement; no dos Estados Unidos judgment; por isso surge ora uma ora
outra das duas grafias, consoante a origem ou a fonte inspiradora dos diversos autores.
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seriam demandáveis quando mostrassem que agiram, com os elementos disponíveis, dentro
das margens que lhes competiriam, em termos de negócios. Apesar da inspiração norte-
americana, a sua transposição para a Alemanha obedeceu a necessidades efetivas. Na verdade,
no caso alemão, observava-se que as situações de responsabilização dos administradores,
designadamente nas décadas do pós-guerra, eram relativamente escassas: o §93 chegou a ser
comparado a um tigre de papel. A partir de 1998, mercê das alterações introduzidas no §147,
as situações de responsabilidade multiplicaram-se, sendo absorvidas pelos seguros D&O. Os
lobbies dos seguros movimentaram-se, assim sendo introduzido, na lei alemã, o business
judgement rule. E isso sucedeu com uma oportunidade reforçada, uma vez que o UMAG
2005,atingindo o §148, foi facilitar, de novo, a responsabilidade da direção. Com a seguinte 197
consequência prática: nos casos de negligência, a responsabilidade é excluída quando se
mostre que o administrador agiu dentro da razoabilidade dos negócios. Digamos que se lhe
reconhece, para além da esfera representada pelo cuidado do gestor ordenado e
consciencioso, mais um campo de ação onde podem ocorrer atuações inovatórias. Trata-se
de uma saída já antecipada pela jurisprudência nos casos ARAG e Siemens/Nold. Criada
para as sociedades anónimas, a regra tem vindo a ser aplicada, por analogia, também às
sociedades por quotas. No campo dos quadros jurídicos anglo-saxónicos, o business judgement
rule opera como uma causa de isenção de responsabilidade, não cabendo discutir se enquanto
causa de justificação de ilicitude ou causa de excusa (tal discussão, como é sabido, pressupõe
a contraposição entre a culpa e a ilicitude, desconhecida no Direito anglo-saxónico). Feita a
transposição para os Direitos continentais, há que reconduzi-lo aos quadros competentes. A
mera leitura do §93(1), 2, mostra que estamos perante uma específica exclusão da ilicitude:
não de culpa. E num efeito de retorno: mais claro fica que a diligência equivale a uma bitola
de conduta, fonte de ilicitude quando violada. Adiantemos, por fim, que o business judgement
rule também foi transposto para o nosso Direito: artigo 72.º, n.º2 CSC. É estranho: não
logramos, no Direito português, nenhum surto de responsabilização dos administradores que
pudesse justificar tal cautela. Trata-se de um ponto a considerar em sede própria.
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exigível – portanto: da diligência – haverá que ter em conta as dimensões sociais da sociedade.
Temos um campo que poderia ser aproveitado por uma jurisprudência empenhada, numa
ligação às regras laborais. Ou seja: o universo dos administradores deveria atender, para além
da dimensão societária pura, também ao Direito do trabalho.
O sentido, em 2006; crítica: a interpretação acima indicada era uma tentativa frutuosa
de dar saída útil ao desgarrado troço retirado da naufragada proposta de 5.ª Diretriz. E no
pós-reforma de 2006? A atual alínea b) do artigo 64.º, n.º1 CSC, aparentemente imaginada
ex novo pelo legislador de 2006, não parece corresponder a conexões coerentes, perante
qualquer Direito societários. Antecipemos alguns pontos. O legislador começou por
200
subordinar o tema aos deveres de lealdade. Ora tais deveres são puros, devendo ter o
ordenamento como horizonte. Exigir lealdade no interesse da sociedade e, ainda, atentando
aos interesses (a longo prazo) dos sócios e, ponderando os de outros sujeitos, entre os quais
os trabalhadores, os clientes e os credores, é permitir deslealdades sucessivas. Quem é leal a
todos, particularmente havendo sujeitos em conflito, acaba desleal perante toda gente. Uma
técnica legislativa elementar ensina que não se devem construir normas com um aditamento
ilimitado de novos termos, sob pena de se lhes esvaziar os conteúdos. Prosseguindo:
mantém-se uma referência aos interesses da sociedade. Ora estes, segundo a doutrina
portuguesa largamente dominante, já haviam sido reconduzidos os interesses dos sócios.
Estranhamos o pouco (ou nenhum) relevo dado pelo legislador à doutrina da sua própria
Terra. Acresce, in casu, que os interesses da sociedade (dos sócios!) surgem ainda
complementados:
Atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios;
Ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da
sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
Mesmo formalmente, a sucessão de gerúndios devia ter sido evitada. Interesses de longo
prazo dos sócios? E quanto aos interesses de médio e de curto prazo? Seria absurdo, a
contrario, defender a irrelevância destes. Fica-nos a ideia de que tais interesses mais imediatos
(ou menos longínquos) surgem como interesses da sociedade, na linha tradicional já
sedimentada: das poucas que se conseguiram a abrigo do velho artigo 64.º CSC. Quanto à
referência aos interesses de longo prazo: será uma chamada para aquilo a que consideramos
o modo coletivo de defesa dos sócios e que implica, naturalmente, que não se sacrifique a
sociedade – por hipótese – a uma apetência imediata de lucros. No tocante aos outros sujeitos
relevantes para a sustentabilidade da sociedade – fórmula que, por mais própria de um texto
de gestão, deveria ter sido evitada: estão em causa os stakeholders, exemplificados com
trabalhadores, clientes e credores. Um sentido útil? Os administradores devem observar as
regras atinentes à globalidade do ordenamento. Tudo isto deve ser autonomizado, uma vez
que nada tem a ver com a lealdade. Quando muito, com a diligência. Mas o legislador inverteu
tudo, confundindo noções. Quanto aos stakeholders: uma noção sem tradições entre nós e que,
deste modo, não terá sido introduzida da melhor maneira.
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A proibição de concorrência;
A proibição de divulgar segredos societários.
Para além disso, vamos encontrar:
A proibição (ou severa restrição) de aceitar crédito da própria sociedade;
A proibição e aproveitamento das oportunidades de negócio (corporate opportunities ou
Geschäftschancen): esta parte da proibição de concorrência vai mais longe; o
aproveitamento não pode considerar-se legitimado com a mera autorização para a
concorrência; trata-se de matéria conhecida pela jurisprudência e ponderada à luz do 202
Direito comparado;
A proibição de tomar decisões ou de colaborar nelas, quando se verifiquem situações
de conflito de interesses;
A proibição ou a forte restrição no tocante a negócios a celebrar com a própria
sociedade;
A proibição de discriminação de acionistas, mantendo-se, pela positiva, um dever de
neutralidade;
A proibição de empatar OPAs consideradas hostis (a menos, evidentemente, que tais
OPAs, sendo nocivas para a sociedade – para os sócios em modo coletivo –,
obriguem, por outras vias, a agir);
O dever de informar os negócios que faça com títulos da sociedade.
De um modo geral, podemos dizer que estas proibições encontram uma base jurídico-
positivas, seja nas regras correspondentes disponíveis nos diversos diplomas, seja no
princípio geral da boa fé. O seu recorte é simples: o administrador encabeça um vínculo
material, que deve respeitar. As exigências do sistema visam o aproveitamento desse vínculo
com fins alheios às situações consideradas. Designadamente: os fins pessoais do
administrador ficarão sempre aquém dos da sociedade.
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administradores, está em causa uma gestão de bens alheios. Tal gestão pressupõe uma
especifica lealdade, à qual podemos conferir uma natureza fiduciária: todos os poderes que
lhes sejam concedidos devem ser exercidos não no seu próprio interesse, mas por conta da
sociedade. Eles são dobrados pelo vínculo de confiança que dá corpo à lealdade. Mais longe
do que isso: teremos de remeter para as regras do governo das sociedades, no que tenha de
prescritivo. De todo o modo, cumpre manter a matéria semanticamente clara. Assim, o dever
de lealdade, mesmo nesta concretização positiva, não se confunde:
Com o dever de diligência: este traduz a medida de esforço exigível aos
administradores, no cumprimento dos deveres que lhes incumbam;
203
Com o dever de cuidado: este implica concretizações do dever geral de respeito, de
modo a evitar situações de responsabilidade aquiliana; normalmente fala-se em
deveres de prevenção do perigo.
Atenção: o legislador português, na reforma do CSC, de 2006, alterou o artigo 64.º em termos
que quebram a terminologia consagrada. Para além das necessidades reconstruções a que esse
estado de coisas obriga, podemos assentar: a lealdade pressupõe a manutenção e a defesa da
confiança; o exercício dos poderes de administração e de representação é fiduciário, uma vez
que assenta em bens alheios; e finalmente: na atuação leal, há que ter em conta os valores
fundamentais do sistema.
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Uma massa europeia: o interesse da sociedade e a referência aos interesses dos sócios
e dos trabalhadores;
Uma massa anglo-saxónica: a contraposição cuidado/lealdade; os deveres de cuidado
com algumas especificações e a referência aos stakeholders.
A epígrafe do artigo 64.º CSC é enigmática: os deveres fundamentais dos administradores
prendem-se com os de gestão e de representação; não com as subtilezas desse preceito.
Todavia, tentaremos emprestar-lhe um sentido útil.
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resolver tal nó górdio. A referência legal vale, pois, como uma prevenção e como um
ovo apelo aos códigos de corporate governance.
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Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
31
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Origem e evolução: a corporate governance tem origem norte americana. Ela remonta a
1932, altura em que Berle e Means expuseram o tema da separação, nas grandes empresas,
entre a propriedade (Formal) e o controlo. Como assegurar que os gestores, que detêm o
controlo, agem no interesse dos proprietários? Seria o problema da representação (agency
problems): haveria que prever um jogo de incentivos e de monitorização para assegurar esse
desiderato. Grosso modo, o sistema era atribuído pelo mercado: a empresa mal gerida via
criar as suas cotações, acabando por ser vítima de um takeover. Os novos titulares do capital
poderiam optar entre desmantelar a empresa ou proceder a reajustamentos na sua gestão. A
partir dos anos 90 do século XX, a política económica e a prevenção vieram ocupar o lugar
dos takeovers. Estes assumiam custos sociais elevados e instilaram uma insegurança junto dos
investidores. Devemos ainda ter presente que, nos Estados Unidos, as empresas financiam-
se junto do mercado de capitais e não na banca. Torna-se importante, por isso, uma difusão
de informações aprazíveis e uma imagem de segurança na gestão das empresas. A corporate
governance, agora com um sentido funcional e normativo mais vincado, ganha um uso e uma
intensidade sem precedentes. Novos métodos de análise permitiram estabelecer o papel de
um governo societário forte sobre os resultados da sociedade. Este foi incrementado. Mas
teve um subproduto infeliz: uma sucessão de escândalos, com relevo para os casos
mediáticos da Enron, da WorldCom e da Global Crossing. Antes da crise de 2007-2012, sete das
doze maiores falências da História norte-americana haviam ocorrido em 2002. A
monitorização dos administradores ganhou uma dimensão acrescida. O governo das
sociedades tinha de assumir um papel mais moralizador e fiscalizador. Surgiram publicadas
leis, com relevo para o norte-americano Sarbanes-Owley Act (2002). Foram estabelecidas
incompatibilidades, garantias de independência, práticas moralizadas e incrementos de
responsabilidade. A matéria tem conhecido um crescimento exponencial.
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32 A denominada relação jurídica de emprego na Administração Pública é, hoje, regulada pelo Decreto-Lei n.º
427/89, 7 dezembro, alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 175/95, 21 julho. Retenha-se a noção de
nomeação, inserida no artigo 4.º, n.º1, daquele diploma:
«A nomeação é um ato unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar,
de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias de serviço público que revistam caráter de permanência».
33 Artigo 9.º, n.º1 Decreto-Lei n.º 427/89:
proteção, próprios do Direito do trabalho. Não obstante, seria possível assegurar-lhe determinada tutela, através
do princípio da boa fé.
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funcionamento. Além disso, ela requer uma linguagem conceitual apurada e permite, depois,
a localização e o aprofundamento de diversos problemas. Quanto às instituições societárias,
é necessário ter em boa conta a configuração interna das sociedades anónimas alemãs. Os
membros da direção são designados pelo conselho de vigilância; o contrato de emprego é
acordado entre o elemento da direção em causa e o conselho de vigilância; o contrato de
emprego é acordado entre o elemento da direção em causa e o conselho de vigilância
podendo, depois, este delegar no seu presidente os poderes especiais necessários para a sua
celebração. No caso das sociedades por quotas, há que distinguir: quando não tenham
conselho de vigilância, a competência para a designação defere-se aos sócios, nos termos
gerais, outro tanto sucedendo com o acordar do contrato de emprego; quanto tenham tal 218
conselho, á que subdistinguir: o conselho pode, pelos estatutos, ter ou não competência para
designar a gerência; na primeira hipótese, o conselho de vigilância toma as competentes
deliberações à imagem do que sucede com as sociedades anónimas; na segunda, a
competência recai nos sócios. Esta situação, assim descrita no tocante às sociedades por
quotas é, no fundo, o resultado da evolução protagonizada nas anónimas: a não haver
conselho de vigilância, não seria facilmente imaginável negociação do Anstellungsvertrag,
através da assembleia geral. Trata-se de um ponto não esquecer, quando se intente transpor
o esquema analítico alemão para as sociedades anónimas de tipo latino: sem conselho de
vigilância ou conselho geral. A linguagem conceitual apurada parta da precisa qualificação
das duas figuras. A Bestellung é um ato deliberativo e, nesse sentido, unilateralmente, embora
com um destinatário. Ela pode ser revogada a todo o tempo, nos termos legais. A Anstellung
pressupõe um contrato com certas cláusulas. Quando outra coisa não se disponha, ela pode
ser objeto de denúncia ordinária – ou seria de duração perpétua – e de denúncia
extraordinária – melhor: resolução – perante um motivo justificado. Dos diversos problemas
que esta técnica analítica permite estudar com apuro cumpre salientar, em primeira linha, a
assimilação da Anstallung a um contrato de trabalho. A jurisprudência e a doutrina têm
respondido pela negativa: não há que aplicar aos titulares dos órgãos sociais o regime da
tutela laboral; além disso, eles estão, em termos sócio-culturais, mais próximos dos
empregadores do que dos trabalhadores. Também se verifica que, de facto, os titulares dos
órgãos de direção não surgem numa posição de subordinação jurídica, em sentido técnico:
ninguém lhes dá instruções sobre o modo de concretizar em sentido técnico: ninguém lhes
dá instruções sobre o modo de concretizar os serviços que devam prestar – ou ter-se-ia de ir
procurar, alhures, a direção. Não obstante, a evolução laboral tem permitido, nalguns casos,
fazer transposição de normas do Direito do trabalho, para os titulares dos órgãos sociais. O
Direito do trabalho não mais tem sido entendido como um Direito de exceção. É,
simplesmente, um Direito especial. Logo, torna-se possível, caso a caso e quando a analogia
das situações o permita, transpor normas laborais para outros setores, entre os quais o aqui
em causa. Trata-se de um ponto importante que, abaixo, será aprofundado.
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laborais. A administração de sociedades seria uma hipótese a incluir neste domínio35. Mas
apenas em teoria: a problemática da administração foi desenvolvida, em ambiência própria,
por comercialistas, de tal mo d que, culturalmente pertence ao Direito comercial. A
qualificação jurídica não deve abdicar dos resultados a que conduza. No Direito português e
mercê de diversas confluências históricas, cristalizadas na Constituição da República
Portuguesa de 1976, chegou—se um tipo de tutela jurídico-laboral que, tendencialmente,
visa tornar perpétuas as situações jurídicas de trabalho, bem como as categorias profissionais
que elas tenham configurado. Trata-se da denominada proibição de despedimentos sem justa
causa que, por via de estritas interpretações constitucionais, só dificilmente tem sido
flexibilizada por legisladores dos diversos quadrantes. É hoje reconhecido que a rígida tutela 221
existente comporta o efeito perverso de precarizar as situações dos recém chegados ao
mercado de trabalho contribuindo ainda para a pesada taxa de desemprego: torna-se
impensável perpetuar as situações jurídicas de administração das sociedades. Nas anónimas
como nas restantes sociedades, é da sua essência a renovabilidade dos mandatos, com a
inerente hipótese de não recondução. Perpetuar situações de administração equivaleria a
paralisar as empresas. Pior: obrigaria a pesquisar formas práticas de dissolver todo o ente
coletivo, com as sequelas sócio-económicas respetivas que se adivinham para, in extremo,
remover uma administração indesejada. Em suma: por evidentes inadequação e
incompatibilidade valorativa não é viável, no Direito positivo português vigente, laboralizar
a situação jurídica dos administradores. A tutela requerida passará assim por dois planos
simples: o do não retrocesso social do trabalhador, designado administrador e o da
densificação, dentro do razoável, da justa causa exigida para a destituição, na pendência do
mandato, dos administradores designados. Trata-se de uma via a aprofundar, dentro do
respeito pela vontade das partes, sempre que esta tenha sido formalizada, o que, de todo o
modo e no Direito societário português, só por exceção ocorre. Um desenvolvimento
recente, neste domínio, advém da eventual aplicação, aos administradores, das regras
específicas sobre a não discriminação, aprontadas no domínio laboral. Não vemos como
impor restrições à livre designação dos administradores. Em compensação, não é possível
admitir destituições puramente discriminatórias quando ocorressem, faltaria, seguramente,
justa causa.
35A doutrina jurídico-laboral não procede, em regra, a esta inclusão: entende que a administração compreende,
hoje, um regime especial próprio, claro e bem definido, no Direito comercial – o que, de resto, não é exato.
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«Havendo um só ato, criador de uma só relação, a sua natureza contratual é evidente, pois não
se concebe outra forma, em Direito privado, de as duas vontades se combinarem para
produzirem a relação».
Brito Correia, assentando no que apresenta como natureza contratual da eleição e de
aceitação, inclina-se para a contratualidade da relação de administração: haveria, a tal
propósito, um contrato de administração. Ilídio Rodrigues inclina-se também para um
contrato de administração o qual, em certos casos de subordinação, poderia ter natureza
laboral. Nestas condições, a própria jurisprudência fala em contrato sui generis, assente
pretensamente contratuais eleição e aceitação. Esta orientação deve ser revista: ela não tem,
por si, nem a colocação histórica do instituto, nem a atual Ciência do Direito nem, sobretudo, 222
o Direito positivo aplicável. Bastará aliás um argumento retirado deste último nível: o Direito
vigente mostra que a situação jurídica de administração pode ter alguma das seguintes fontes:
A imanência à qualidade de sócio;
Designação inter partes no contrato de sociedade;
Designação a favor de terceiro, nesse mesmo contrato;
Designação pelos sócios ou por minorias especiais;
Eleição pelo conselho geral e de supervisão;
Designação pelo Estado;
Substituição automática;
Cooptação;
Designação pelo conselho fiscal ou designação judicial.
Apenas na hipótese de designação pelo conselho geral e de supervisão se poderia configurar
um contrato: em todos os outros casos, o único contrato que nos surge é o da sociedade o
qual, aliás, nem visa, de modo específico, designar administradores. Procurar reconduzir a
contratos os modos de designação dos administradores de sociedades, acima alinhados,
releva de uma alquimia puramente irreal. Não é pensável que, no Direito privado moderno,
falte instrumentação dogmática, ao ponto de obrigar a tão distorcivas ficções. A própria
conjunção eleição-aceitação, tendo embora natureza voluntaria, não é contratual. Pela mais
simples e definitiva das razões: não se lhe aplica o regime dos contratos mas, antes, um
conjunto preciso de regras de natureza deliberativa e societária 36 . A situação jurídica de
administração não pode ser definida com recurso à via da sua constituição. Ela encontra-se
num grupo de situações jurídicas, enformadas por uma multiplicidade de factos constitutivos.
E designadamente: ela pode ser contratual ou não contratual sem por isso, perder a sua
unidade. Caberia, ainda, explorar a seguinte via: mau grado a diversidade genética, a
administração poderia ter uma forma particularmente impressiva de constituição; essa forma
impregnaria o instituto de tal modo que as restantes vias mais não fossem do que meras
alternativas ou sucedâneos. O Direito português vigente, contudo, aponta a eleição – tomada
como deliberação unilateral – como a via mais típica de constituição da situação de
administração, dobrada aliás pela unilateralidade de diversos outros elementos constitutivos
do seu conteúdo, com relevo para a remuneração. Fica de pé o recurso dogmático aos
quadros do Direito público comum: não do contrato. A natureza da situação jurídica da
administração há-de ser fixada pelo seu conteúdo e não pela forma da sua constituição. Na
36Ainda um exemplo: Raúl Ventura procede a uma sábia exposição que documenta o modo não contratual, de
funcionamento da dinâmica dos administradores.
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pela assembleia geral ou por uma comissão por esta nomeada. A remuneração dos
administradores, designadamente no caso das sociedades anónimas, apresenta uma estrutura
ainda mais complexa. Por razões de ordem social e fiscal, elas têm vindo a assumir
composições parcial e crescentemente não-monetárias. Acresce que, por vezes, o
desempenho de funções de administração numa sociedade implica o desempenho de funções
semelhantes, em empresas participadas, desempenho esse que é remunerado. O exercício das
funções de administração pode ainda facultar diversas regalias sociais. Para além das regras
gerais de segurança social, os administradores podem desfrutar de esquemas específicos,
previstos nos estatutos da sociedade ou em regulamentos a ele anexos (vide o artigo 402.º
CSC, a propósito das sociedades anónimas; pensamos, porém, que este dispositivo pode ser 224
estendido a outros tipos societários). A prática exemplifica esquemas de reforma, de
subsídios de doença e de invalidez, seguros profissionais, esquemas de apoio na aquisição de
habitação e outros. Pois bem: todas as vantagens patrimoniais dispensadas aos administrador
nessa qualidade têm natureza retributiva. São, assim de ter em conta, para a precisa definição
dos seus direitos e jogam para o cálculo de hipotéticas indemnizações, que os devam ter em
causa. Resta acrescentar que a política de remuneração dos administradores integra um
capítulo dedicado da corporate governance. Cada vez mais ela dá azo a disciplinas especializadas,
que requererem um estudo autónomo e alargado de conhecimentos comparatísticos. Ao
longo dos loucos anos 90 do século passado, as remunerações dos administradores das
grandes sociedades norte-americanas atingiam, por vezes, cifras muito elevadas: da ordem
das dezenas de milhões de dólares por ano. Essa tendência alargou-se à Europa, conquanto
que num nível bastante mais modesto. O fenómeno tem três ordens de explicações:
As regras do mercado: num ambiente muito competitivo, um bom administrador
pode fazer ganhar quantias elevadas aos acionistas; estes disputam os melhores
administradores que veem, assim, subir os seus proventos;
A imagem da empresa: num Mundo em que a promoção se joga a todos os níveis, há
ganhos de imagem quando a sociedade possa exibir um elevado standing, o qual
inclui gestores e quadros bem pagos;
A influência dos próprios administradores: estes, uma vez instalados, mantêm boas
relações com os principais acionistas e com os círculos especializados que fixam o
montante das remunerações dos administradores; pela ordem das coisas, isso traduz-
se numa pressão para o incremento.
Com o despoletar da crise de 2007/2012, essas explicações atingiram dimensões perversas.
Desde logo, verificou-se que o incremento das remunerações dos administradores podia
resultar da sua associação aos resultados da empresa. Designadamente: a remuneração
compreenderia uma parcela variável, correspondente a certa percentagem dos lucros. Assim
sendo, poderia o administrador ser levado:
1. Ou a assumir um tipo de gestão muito lucrativo, no imediato, mas depauperador a
prazo, de modo a recolher elevadas remunerações;
2. Ou a protagonizar, com o auxílio de fiscalizadores e auditores, uma contabilidade
maquilhada, com vista à faturação de lucros fictícios e, daí, de elevados prémios.
A crise de 2007/2012 teve algumas raízes no modo brusco de gerir certas empresas, com
vista ao lucro imediato. Os administradores foram acusados, ainda que, na grande maioria
dos caos, nada se demonstrasse. Mais grave foi o facto de, mercê da forma de calcular
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prémios e remunerações, reportado ao ano anterior àquele em que fossem pagos, certas
empresas falidas, com milhares ou dezenas de milhares de despedimentos, pagarem
remunerações muito elevadas aos administradores que, formalmente, a tal conduziram. E
maior foi o escândalo, nos Estados Unidos, onde algumas dessas empresas foram salvas, in
extremis, pelo Estado e com o dinheiro dos contribuintes. A fúria coletiva virou-se contra os
administradores: contra todos, mesmo aqueles que não estavam implicados na crise e que
nem tinham remunerações verdadeiramente deslocadas. O voyeurismo e o sensacionalismo da
comunicação social ampliaram o fenómeno, junto da opinião pública. Os Estados reagiram,
procurando limitar as remunerações dos administradores: seja diretamente, seja através de
impostos ad hoc. Nos Estados Unidos, surgiram leis que limitavam as remunerações nos 225
casos em que as empresas e jogo tivessem recebido fundos públicos. A Comissão Europeia,
em recomendação de 30 abril 2009, adotou diversas proposições que tinham em vista a
adequação e moderação retributivas. Particularmente visada foi a comissão de remunerações,
que deveria ter uma composição adequada. Na Alemanha, foi adotada a Lei para a moderação
da retribuição da direção que, através de alterações no AktG, procurou tornar mais razoáveis
os esquemas de cálculo a aplicar. O seu alargamento é preconizado, ponderando-se as
consequências. A Lei n.º 28/2009, 19 junho, que visava rever o regime sancionatório no setor
financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional, veio adotar duas normas algo pesadas
nos seus artigos 2.º e 3. O despacho do Ministério das Finanças n.º 5696-A/2010, 25 março,
veio dispor nos seguintes termos:
«1 – A título excecional, e nos termos legalmente previstos, seja adotada por todo o setor
empresarial do Estado uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à
remuneração dos membros dos respetivos órgãos de administração, designadamente não havendo
lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração;
«2 – O disposto no número anterior é aplicável a todo o setor empresarial do Estado,
incluindo empresas públicas, entidades públicas empresariais e entidades participadas».
Tomado à letra, este despacho iria atingir sociedades nos quais o Estado tinha participações
minoritárias, diretas ou indiretas (casos exemplares da PT, Galp e EDP) e que estavam
sujeitas a puros regimes de Direito comercial. As assembleias gerais recusaram
(legitimamente) a sua aplicação. Noutro plano a CMVM, no Código de Governo das
Sociedades da CMVM de 2010 (recomendações), preconizou que as sociedades cotadas
divulgassem individualmente as recomendações dos administradores. Vai um tanto na linha
da Lei n.º 28/2009. A novidade reside no seguinte: o artigo 288.º, n.º1, alínea c) deste Código,
apenas obriga a divulgar os montantes globais pagos em cada ano, aos membros dos órgãos
sociais: não os montantes individuais. De facto, em certos casos, o montante individual pode
estar associado a índices de produtividade setorial que não convenha tornar públicos, por
razões de negócio. Obviamente: os montantes exatos são sempre conhecidos pela
Administração fiscal. A divulgação individual permite comparações dentro da empresa e
conduz ao nivelamento e, portanto: ao fim da recompensa pelo mérito. Esta matéria exige
cuidado e ponderação. Do lado dos administradores, há que ter o sentido das proporções e
das conveniências: havendo crise, com despedimentos, com reduções de salários e com
desempregados, mal fica, em termos éticos, a demonstração agressiva de riqueza, por parte
de alguns. Do lado dos comentadores e da comunicação social: há que pôr cobro ao
sensacionalismo fácil de exibir cifras fora do contexto. Uma chamada de atenção deve ser
feita: a continuar o ambiente de calúnia persecutória e de delação em curso, nenhum técnico
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o Uma pessoa coletiva sócio não pode ser gerente, mas, salvo proibição
contratual, pode nomear uma pessoa singular pra, em nome próprio, exercer
esse cargo.
Nas sociedades em nome coletivo, a posição de gerente é uma decorrência da de
sócio: estamos próximos da solução vigente, para as sociedades civis puras, nos
termos do artigo 985.º, n.º1 CC. O facto constitutivo essencial e, supletivamente,
predominante é o contrato de sociedade: a lei não prevê um contrato de gerência
autónomo. Quando a gerência recaia sobre um não-sócio, o facto constitutivo é a
própria deliberação dos sócios. Finalmente, prefigura-se, ainda, uma terceira situação:
a da eficácia conjunta do pacto social e de deliberação de entidade terceira, na 227
hipótese da pessoa coletiva sócia.
Passando à composição da gerência, nas sociedades por quotas, encontramos o
dispositivo do artigo 252.º CSC, assim concebido:
«1. A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes que podem
ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com
capacidade jurídica plena.
«2. Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por
deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.
«3. A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos
que só posteriormente adquiriram esta qualidade.
«4. A gerência não é transmissível por ato entre vivos ou por morte, nem isolada, nem
conjuntamente com a quota».
Aparentemente, verifica-se um distanciamento em relação à imanência da
administração aos sócios. Os gerentes são designados no pato ou escolhidos,
posteriormente, por deliberação dos sócios, podendo ser estranhos. A gerência é
sempre personalizada – veja-se o n.º3 – não sendo transmissível por morte – n.º4. A
emancipação do modelo civil não é total: faltando definitivamente os gerentes, todos
os sócios assumem, por força da lei, os poderes de gerência, até à designação de
novos gerentes – artigo 253.º, n.º1 CSC. O artigo 253.º, n.º1 CSC admite, finalmente,
a nomeação judicial quando decorram 30 dias sobre a falta de um gerente, não
nominalmente designado, cuja intervenção seja, pelo contrato, necessária para a
representação da sociedade.
No tocante às sociedades anónimas, o Código prevê um esquema complexo de
designação dos administradores. Estes podem (artigo 391.º, n.º1 CSC) ser designados
no contrato de sociedade ou eleitos pela assembleia,, referindo ainda (n.º5) a
necessidade de aceitação, expressa ou tácita. O contrato de sociedade pode prever
administradores eleitos, por certas minorias (artigo 392.º, n.º1 CSC), havendo ainda
e eventualmente, que contar com administradores por parte do Estado (n.º11). Nas
hipóteses de substituição prevista no artigo 393.º CSC, pode haver, após a chamada
de suplentes, quando os haja, designações por cooptação ou, na falta desta, por
deliberação do conselho fiscal ou do conselho de auditoria (artigo 393.º, n.º1, alíneas
b) e c) CSC). O artigo 394.º CSC prevê a nomeação judicial, quando decorram
determinados períodos de tempo, sem que tenha sido possível eleger o conselho de
administração. O Código admite, ainda, sociedades anónimas de modelo germânico:
com conselho geral e de supervisão e com conselho de administração executivo.
Segundo o artigo 425.º CSC, os administradores são designados ou no contrato de
sociedade ou pelo conselho geral e de supervisão ou, ainda, pela assembleia geral, se
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Nas sociedades em nome coletivo (artigo 191.º, n.º4 a 7 CSC) releva as seguintes
possibilidades:
o O sócio foi designado por cláusula especial do contrato de sociedade: só pode
ser destituído da gerência em ação intentada pela sociedade ou por outro
sócio, contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa causa (artigo
191.º, n.º4 CSC);
o O sócio é gerente por inerência à qualidade de sócio ou foi designado gerente
por deliberação dos sócios: só pode ser destituído da gerência por deliberação
dos sócios e com fundamento em justa causa, salvo se o contrato de
sociedade dispuser diferentemente (artigo 191.º, n.º5 CSC); 229
o O gerente não é sócio: pode ser destituído por deliberação dos sócios,
independentemente de justa causa (artigo 191.º, n.º6 CSC);
o A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição de qualquer deles da
gerência, com fundamento sem justa causa, só pode ser decidida pelo tribunal,
em ação intentada pelo outro contra a sociedade.
Nas sociedades por quotas, o sistema de destituição tem a configuração
subsequente (artigo 257.º CSC):
o Em princípio, os sócios podem deliberar, a todo o tempo, a destituição dos
gerentes (artigo 257.º, n.º1 CSC); o contrato de sociedade pode exigir, para o
efeito, maioria qualificada, ou exigir outros requisitos; porém, se a destituição
se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples
(n.º2);
o Quando uma cláusula do contrato atribua a um sócio um direito especial à
gerência, requer-se o consentimento deste; podem, porém, os sócios
deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do
gerente por justa causa (n.º3);
o Existindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e a
destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade (n.º4);
o A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição da gerência, com
fundamento em justa causa, só pode ser decidida pelo Tribunal, em ação
intentada pelo outro.
Nas sociedades anónimas, deparamo-nos com o esquema seguinte:
o De tipo latino (artigo 403.º CSC):
A assembleia geral pode deliberar, a todo o momento, a destituição
de qualquer membro do conselho de administração (artigo 403.º, n.º1
CSC);
O administrador foi eleito de acordo com as regras especiais do artigo
392.º CSC: a deliberação sem justa causa não procede se contra ela
tiverem votado acionistas que representem pelo menos 20% do
capital social (artigo 403.º, n.º2);
Enquanto não for convocada a assembleia geral para deliberar sobre
o assunto: um ou mais acionistas titulares de ações correspondentes,
pelo menos, a 10% do capital social podem requerer a destituição
judicial de um administrador, com fundamento em justa causa (artigo
403.º, n.º3 CSC);
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O administrador é nomeado pelo Estado ou entidade equiparada: a
assembleia geral apenas pode, na apreciação anual da sociedade,
manifestar a sua desconfiança, em deliberação que deve ser
transmitida ao ministro competente (artigo 403.º, n.º4 CSC);
Constituem designadamente justa causa de destituição a violação
grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício
normal das suas funções (artigo 404.º, n.º4 CSC);
Se a destituição não se fundar em justa causa, cabe indemnização
(404.º, n.º5 CSC).
o De tipo germânico (artigo 430.º CSC): 230
Os administradores podem ser destituídos, a todo o tempo, pelo
conselho geral e de supervisão ou pela assembleia geral, consoante o
órgão competente para a eleição (artigo 430.º, n.º1 CSC);
Aplicando-se, quanto à noção de justa causa e quanto às
consequência da sua inexistência o disposto para as sociedades de
tipo latino.
Como se vê, abundam as soluções desencontradas e incompletas. Alem disso, verificam-se
flutuações de linguagem às quais parece difícil emprestar alcance hermenêutico mas que, na
prática, podem implicar dúvidas. Trata-se de um ponto em que o Código das Sociedades
Comerciais foi particularmente pouco conseguido.
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No tocante às sociedades anónimas (artigo 403.º, n.º4 e 430.º, n.º2 CSC) aparece uma noção
semelhante, mas em que incapacidade é substituída por ineptidão. Temos, ainda, certos
exemplos concretos de justa causa: o do artigo 254.º, n.º5 CSC, que considera justa causa de
destituição do gerente a violação da proibição da concorrência e o do artigo 447.º, n.º8 CSC,
que afirma como tal a falta culposa de cumprimento do disposto n o n.º1 e 2 deste artigo,
relativos à publicidade de participações dos membros de órgãos de administração e
fiscalização. Pois bem: perante estas fórmulas, não restam dúvidas de que a justa causa
implica a violação grave – com dolo ou negligência grosseira – dos deveres do administrador.
A incapacidade para o exercício normal não é incapacitação: esta conduz à caducidade; trata-
se, antes, da incompetência profissional grave, a qual implica, sempre, um nível normativo, 231
e, daí: a violação, necessariamente grave, dos deveres de estudo e de atualização exigíveis. A
noção mais laboral – portanto mais restritiva – que tem, na lei, uma base suscetível de
alargamento, merece ser acolhida. Aliás, ela foi desenvolvida por Raúl Ventura, a propósito
dos gerentes das sociedades por quotas; a argumentação em causa pode, porém, ser
transposta para os administradores das sociedades anónimas. Além do exposto, há boas
razões de fundo para dispensa, aos administradores das sociedades, uma certa proteção
semelhante À que a lei concede aos trabalhadores subordinados. Não pode ter a mesma
intensidade, sob pena de subverter a própria lógica intrínseca do Direito societário; mas
sempre será alguma: a total desproteção dos administradores iria repercutir-se no seu
profissionalismo, com danos para a própria sociedade. É sintomático, aliás, que a experiência
alemã tenha sido a primeira a trilhar essa via. A jurisprudência portuguesa surge
maioritariamente, sensível a este ponto, sobretudo, no início, a nível do Supremo. Pode-se ir
mais fundo. A qualificação de uma deliberação como tendo justa causa comporta, sobretudo,
virtualidade de dispensar a indemnização e outros institutos de proteção aos administradores:
a liberdade da própria sociedade não está em jogo, uma vez que a destituição é sempre
possível, com ou sem justa causa. Por isso, a justa causa assume um perfil totalmente
imputável ao administrador; se não houver culpa e ilicitude por parte deste, ela não se justifica.
Particularmente em jogo, está o problema da mudança de orientação da sociedade. Tal
mudança de orientação é sempre possível, sobretudo quando se venha a formar uma nova
maioria de sócios. Poderá, então, haver que dispensar os administradores. Mas o risco é da
sociedade: se os administradores estiverem ainda dentro do mandato para que foram
designados, eles têm direito a diversas compensações: não há justa causa. Tem interesse
consignar algumas proposições judiciais relativas à destituição dos administradores e à justa
causa que, porventura, se verifique. Assim, temos:
Constitui justa causa de destituição, nomeadamente, a violação grave dos deveres de
gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções;
Justa causa de destituição do gerente é a violação grave do seu dever e a sua
incapacidade para o exercício normal das funções; trata-se de um conceito
indeterminado, mas que consiste no facto ou situação na qual, segundo a boa fé, não
seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual;
A justa causa de destituição consubstancia uma quebra de confiança, por razões
justificadas, entre a sociedade e o gerente;
O facto de o gerente de certa sociedade ser sócio de outra congénere, onde não
exerce qualquer atividade, não é motivo justificado para a sua destituição de gerente;
Os gerentes que, por sistema, cumpram tardiamente (3 ou 2 anos depois) o seu dever
de relatar a gestão e de apresentar as contas da mesma, não atuam segundo os
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critérios de um gestor ordenado e criterioso, havendo por isso justa causa para a sua
destituição;
O gerente de uma sociedade por quotas deve respeitar deveres de diligência e de
vigilância, segundo um padrão objetivo; para integrar a justa causa de destituição,
relevam ações e omissões; in casu, deixar caducar alvarás de construção civil, anular
contratos de seguros de trabalhadores e passar faturas falsas;
Destituição com justa causa será aquela que tenha por fundamento a verificação de
um motivo grave, de tal modo que não seja exigível, à sociedade, manter a relação de
administração;
Justa causa pressupõe uma conduta culposa que torne impossível ou inexigível a 232
subsistência da relação funcional;
Justa causa provém da verificação de um comportamento culposo do administrador
que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível, à sociedade, manter a
relação de indemnização;
A justa causa pressupõe uma atuação censurável;
Há justa causa perante a impossibilidade de continuar a relação de confiança.
Em termos processuais, os factos relativos à existência de justa causa devem ser invocados e
provados pela sociedade que dela se queira prevalecer. É uma decorrência das regras gerais
sobre o ónus da prova. Os fundamentos da destituição devem constar da competente ata;
único meio de prova quanto ao deliberado.
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Para além da manifesta inversão que consiste em retirar um regime de uma qualificação –
que deveria ser subsequente – fácil é constatar que, quando aquele vínculo fosse unilateral,
nem por isso deixaria de existir tal direito. Com efeito, o ato unilateral deve ser respeitado
pelo próprio; nada impede, perante a moderna Ciência do Direito, que ele dê lugar a direitos,
na esfera de terceiros, direitos esses que, sendo violados, abram as portas ao ressarcimento.
O exemplo utilizado, no domínio das sociedades comerciais, tem sido o direito aos
dividendos: eles são arbitrados, pela assembleia geral, num ato claramente unilateral; no
entanto, posteriormente, a assembleia já não pode deliberar não os distribuir: seria uma pura
decisão de não cumprimento de uma obrigação. Quando destituídos, antes do termo e sem
justa causa, os administradores das sociedades anónimas têm, pois, direito a uma 233
indemnização, seja qual for a natureza do vínculo que os una à sociedade. O CSC, na sua
versão inicial, não tratou, expressamente, do direito à indemnização que têm os
administradores das sociedades anónimas, destituídos sem justa causa antes do termo do seu
mandato. Não obstante, não oferecia dúvidas, mesmo perante o silêncio então reinante, que
a solução, já antes alcançada, também no silêncio da lei se mantinha. Para tanto, referíamos
dois argumentos de Direito positivo e um argumento de ordem geral. Direito positivo:
No (então) silêncio do CSC, havia que recorrer às sociedades civis, nos termos do
artigo 2.º CSC: ora o artigo 987.º, n.º1 CC, remete os direitos dos administradores
das sociedades civis para as normas do mandato; e o mandato conferido, também no
interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado sem justa causa (artigo
1170.º, n.º2 CC) sob pena de indemnização (artigo 1172.º CC);
O próprio CSC contemplava o direito à indemnização, no caso de destituição de
gerentes sem justa causa (artigo 257.º, n.º6 CSC) e dos então diretores de sociedades
anónimas, no regime de conselho geral, também sem justa causa (artigo 420.º, n.º3
CSC).
O argumento de ordem geral assentava na presença de direitos na esfera dos administradores
que não podiam, sem mais, ser destruídos. Como foi referido, impunha-se aqui uma certa
analogia com a situação de trabalho, sendo de dispensar um mínimo de proteção no próprio
interesse das sociedades: de outro modo, os profissionais competentes nunca seriam
administradores; apenas os aventureiros correriam tal risco. Após a reforma de 2006, as
duvidas foram claramente resolvidas no bom sentido: também nas sociedades anónimas, a
destituição sem justa causa dos administradores obriga a indemnizar. Problema gravoso é o
da pretensa limitação apriorística do montante das indemnizações. O artigo 257.º, n.º7 CSC,
a propósito da indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa, acrescenta:
«(…)entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos
ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado».
Havia, aqui, uma sugestão de que esse lapso de tempo condicionava a indemnização. Indo
ainda mais longe, o artigo 403.º, n.º5 CSC, na redação resultante da reforma de 2006,
pretende limitar, ad nutum, a indemnização. Diz:
«(…) sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que
presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito».
Este preceito envolve um grave erro de Direito e surge claramente inconstitucional. Perante
a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos devem ser ressarcidos. De outro modo,
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Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
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83.º e 84.º CSC nem sequer têm a ver com o instituto da responsabilidade civil. Os artigos
80.º, 81.º e 82.º CSC prendem-se, como se viu, com a responsabilidade de outras pessoas
com funções de administração, de membros dos órgãos pessoas com funções de
administração, de membros dos órgãos de fiscalização e dos revisores oficiais de contas,
respetivamente. Os artigos 83.º e 84.º CSC, por seu turno, contêm regras não de
responsabilidade civil, mas de responsabilidade patrimonial: verificadas as condições
legalmente previstas, os bens dos implicados respondem, independentemente de qualquer
atuação. Aflora, aqui, um instituto – o da responsabilidade patrimonial – cuja ligações com a
responsabilidade civil são, antes de mais, linguísticas. A sua inserção sistemática não tem
justificação científica. O Capítulo VII, da Parte Geral, apresenta uma lógica interna. Ele 236
principia pela responsabilidade quanto à constituição (artigo 71.º CSC) e passa, depois, à dos
membros da administração, portanto já no período de funcionamento normal da sociedade
(artigo 72.º CSC). De seguida, fixa alguns aspetos dos termos dessa responsabilidade:
solidariedade (artigo 73.º CSC) e cláusulas nulas (artigo 74.º CSC). Versados esses aspetos
substantivos, o Código veio precisar diversos pontos processuais: a ação social e os
representantes especiais (artigos 75.º e 76.º CSC) e a ação social dita, por vezes, entre nós, ut
singuli (artigo 77.º CSC). Temos, aqui, situações de responsabilidade obrigacional, uma vez
que estão em causa violações de deveres (específicos) contratuais ou legais. Seguem-se
situações de responsabilidade aquiliana: a responsabilidade perante os credores sociais (artigo
78.º CSC) e perante os sócios e terceiros (artigo 79.º CSC). Os restantes preceitos desse
Capítulo ocupam-se de questões já exteriores à temática versada. A uma primeira leitura, os
preceitos envolvidos são complexos: vão bulir com uma problemática comercialística
tipicamente societária e ainda, sobretudo, com questões profundas de responsabilidade civil.
Torna-se flagrante que vários desses preceitos são herdeiros de evoluções doutrinárias e
jurisprudênciais sofridas, processadas em França, na Alemanha e em Itália e transpostas, pelo
legislador, para o espaço português. Tem ainda interesse notar que a sistematização interna,
aqui patenteada, obedece a uma preocupação funcional e não científica. De facto, o Capítulo
VII em causa, compreende três tipos de normas:
Preceitos que correspondem a manifestações comuns de responsabilidade civil;
Preceitos que exprimem deveres a cargo de gerentes ou administradores, de
sociedades e, ainda, dos fundadores;
Preceitos que implicam soluções mais complexas e, propriamente, societárias.
Correspondem a manifestações comuns de responsabilidade civil, os artigos 72.º, n.º1, 73.º
e 74.º, n.º1 CSC (obrigacional) e os artigo 78.º, n.º1 e 79.º CSC (aquiliana). A estes preceitos
podem, ainda, somar-se os artigos 80.º,, 81.º e 82.º CSC, os quais, contudo, já não dizem
respeito a administradores ou gerentes. Noutros termos: na ausência dos referidos artigos,
chegar-se-ia a idênticas saídas, através do regime geral das obrigações, desde que devidamente
concretizado. No artigo 72.º, n.º1 CSC o regime resultaria logo dos artigos 798.º e 799.º, n.º1
CC. No artigo 73.º, n.º1 CSC, a responsabilidade dos diversos administradores ou similares
é solidária; solidariedade que já resultaria do artigo 497.º,n.º1 CC, enquanto a medida do
regresso do artigo 73.º, n.º1 CSC transcreve, quase à letra, o artigo 497.º, n.º2 CC. O artigo
74.º, n.º1 CSC prescreve a nulidade de cláusulas de isenção ou de limitação de
responsabilidade: é o regime geral do artigo 809.º CC. No artigo 78.º, n.º1 CSC tratamos de
regras gerais de responsabilidade civil, presentes no artigo 483.º, n.º1, in fine CC: é a chamada
responsabilidade pela violação de normas de proteção. Por fim, manda o artigo 79.º, n.º1
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CSC o mesmo que o regime geral: derivado do artigo 483.º, n.º1 CC, embora com um
novidade: parece limitar-se aos danos diretos. Os preceitos em causa não são inúteis; tão-
pouco se apresentam interpretativamente neutros, até porque são acompanhados por
diversas adaptações à realidade em jogo. Na sua falta, porém, não haveria, nem solução
diferente, nem lacuna.
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poderiam, ainda, juntar os artigos 83.º e 84.º CSC, relativos, embora, a questões, já diversas
da responsabilidade dos administradores. Pense-se, a esse propósito, nas regras a observar
pelo administrador que não queira solidariza-se com os seus colegas, numa deliberação que
considere ilegal (artigo 72.º, n.º3 e 4 CSC), ou no papel exoneratório que pode assumir uma
deliberação dos sócios, ainda que anulável (idem, n.º4). O artigo 72.º, n.º6 CSC dispõe que o
parecer favorável ou o consentimento do órgão de fiscalização não exoneram de
responsabilidade os membros da administração; pelo contrário: fazendo-o, os titulares
daquele órgão entram, também, em responsabilidade, salvo o que parece ser a relevância
negativa da causa virtual, prevista no artigo 81.º, n.º2, in fine CSC. O artigo 74.º, n.º2 CSC
regula os termos em que os sócios podem renunciar à indemnização ou transigir sobre ela, 238
enquanto o n.º3 explicita a eficácia exoneratória da aprovação, pela assembleia geral, das
contas ou da gestão dos gerentes. Os artigos 75.º 76.º e 77.º CSC tratam da ação social, dos
representantes especiais e de ação social ut singuli imprópria. No seu conjunto, o Capítulo
VII, do Título I, CSC, aponta para a primazia dos quadros do Direito comum. No fundo,
trata-se de retomar o sistema geral da responsabilidade tal como resulta do CC, sublinhando
os seus contornos perante a realidade das sociedades comerciais. As especialidades surgem a
nível processual, o que é dizer: no modo de efetivação das diversas ações envolvidas. No que
respeita à responsabilidade em si, o CSC assenta em pressupostos civis. No fundo, os
administradores são responsáveis quando, com dolo ou negligência, violem os deveres que
lhes incumbia respeitar e, com isso, provoquem danos. A grande questão que se põe será,
pois, a de determinar que especiais deveres incumbem aos administradores e em que medida
vão eles interferir, depois, na concretização dos quadros comuns em jogo. Mas com a ressalva
do plácido artigo 71.º CSC, esses deveres implicam já uma enumeração que transcende o
Capítulo VII, Título I CSC: implica o estudo dos diversos tipos de sociedades.
Responsabilidade obrigacional: como foi referido, o artigo 72.º, n.º1 CSC contém
uma previsão geral de responsabilidade obrigacional para com a sociedade: os
administradores respondem, para com esta, pelos danos que lhe causem com preterição dos
deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. Trata-se de uma
simples concretização, porventura desnecessária, dos artigos 798.º e 799.º CC. Com efeito:
Estão em causa danos ilícitos;
Provocados pela inobservância de deveres específicos;
Com presunção de culpa.
Entre os deveres específicos suscetíveis de, quando violados, causarem responsabilidade dos
administradores para com a sociedade temos:
Violação de cláusulas contratuais ou de deliberações sociais que fixem à sociedade
determinado objeto ou que proíbam a prática de certos atos (artigo 6.º, n.º4 CSC);
Execução de deliberações relativas à distribuição de bens aos sócios, quando tais
deliberações sejam ilícitas ou enformem de vícios (artigo 31.º, n.º2 CSC);
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38O autor quebra a promessa terminológica feita na nota de rodapé n.º 2563 (p. 857) de distinguir as grafias
inglesas e americanas aquando do seu tratamento. Humildemente a, aqui, corrigimos mantendo a sistemática
pretendida pela sumidade doutrinária e académica a que tanto tecemos louvor e agradecimentos (graças já a
academia as concedeu, e bem, pensamos!). (大象城堡).
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no artigo 64.º CSC. Tecnicamente, isso quereria dizer que, perante um conflito de
deveres proporcionados pelo artigo 64.º CSC e deveres com qualquer outra origem, os
primeiro prevaleceriam. De facto, é sabido que os administradores incorrem facilmente
em conflitos de deveres, o que obriga a uma cuidada ponderação entre eles para se ver,
em concreto, qual prevalece. Mas – é regra que não vemos como afastar – o dever
específico prevalece sobre o genérico 39 . Admitir, em geral, que o administrador,
posicionado dentro do artigo 64.º CSC, ficasse isento de cumprir quaisquer outros
deveres para com a sociedade (pois só assim se poderá afastar um juízo de ilicitude) é
passo que não podemos acompanhar. A grande dificuldade denotada por estes (e
outros) autores em cindir a ilicitude da culpa advém ainda do seguinte: na 241
responsabilidade obrigacional, essas duas realidades interpenetram-se. Há, pois, que
distinguir na base do ângulo de abordagem. De facto e pelo nosso entendimento da
responsabilidade obrigacional, o business judgment rule funcionaria, entre nós, como
exclusão de faute, isto é, de culpa/ilicitude. Seria absolutamente contrário a dados
básicos do sistema admitir que, ratione societatis, o administrdor pudesse ficar isento dos
seus deveres legais ou estatutários. É certo que o business judgemente rule só opera nas
relações com a sociedade: ela nunca poderia isentar o administrador dos seus deveres
para com o fisco, os trabalhadores ou a segurança social. Além disso, o rule exige
critérios de racionalidade empresarial. Ora tais critérios englobam sempre as vantagens
de bem cumprir a lei: os ganhos que se obtenham à margem desta jogam, a prazo,
contra a sociedade, sendo alheios a uma boa gestão. O rule requer, ainda, uma
compatibilização com o princípio da colegiabilidade e com eventuais conflitos de
interesses que se reportem a, apenas, algum ou alguns administradores. Mas mesmo
com estas delimitações: os deveres legais e estatutários, porventura subsequentes à Lei
de 2006, não se podem, de modo algum, considerar revogados pelo novo artigo 72.º,
n.º2 CSC ou, sequer: de incumprimento genericamente justificado. Apenas no caso
concreto o apelo ao business judgement rule permitirá isentar o administrador do juízo de
censura que, sobre ele, iria incidir. Há exclusão de culpa/ilicitude ou, para quem insista
na contraposição, em sede contratual: de culpa.
39Autores como Ana Perestrelo de Oliveira aceitam a presença de uma exclusão de ilicitude, mas por referência
aos próprios elementos contidos no artigo 72.º, n.º2 CSC.
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aos próprios administradores. Noutros caso, elas surgem isoladas, visando proteger
simplesmente os interesses da sociedade ou de terceiros. A violação de tais normas
obriga a indemnizar: em termos aquilianos e por via do artigo 483.º, n.º1, 2.ª parte CC.
Temos, como exemplos:
A falta de cobrança de entradas de capital (artigo 509.º CSC);
Aquisição ilícita de quotas ou ações (artigo 510.º CSC);
Amortização de quota não liberada (artigo 511.º CSC);
Amortização ilícita de quota dada em penhor ou objeto de usufruto (artigo
512.º CSC).
242
Recusa ilícita de informações (artigo 518.º CSC) ou informações falsas (artigo
519.º CSC);
Violação ilícita das medidas a empreender perante a perda de metade do capital
social (artigo 523.º CSC);
Irregularidades na emissão de títulos (artigo 525.º CSC).
Em todos estes casos, não podemos falar em obrigações específicas no sentido civil
do termo. A sua violação não envolve presunção de culpa: nem isso seria pensável, no
campo penal. A censura em que incorra o agente deve ser especificamente alegada e
demonstrada, por quem queira uma sua responsabilização. Em compensação, tais
normas de proteção asseguram uma tutela aquiliana em caso de mera negligência
(artigo 483.º, n.º1 CC). A específica exigência do dolo só vale para as sanções penais
(artigo 527.º, n.º1 CSC).
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Ninguém pode ser responsabilizado por, em abstrato, não ter disponibilidade. Mas
poderá sê-lo se, perante determinado desempenho, se verificar que o administrador
não organizou a sua vida, de modo a poder honrá-lo. Os deveres de cuidado, com a
trilogia constante da lei e, ainda, como outros termos que se logre construir, operam
como deveres incompletos. Só por si não são violáveis, em termo sde respobsabilidade
civil. Em conjunto com outras normas, a violação torna-se possível, seguindo-se um
regime operacional.
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tomada por maioria simples (artigo 75.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Tal deliberação pode
provir de prévio agendamento ou, independentemente dele, em qualquer reunião que
aprecie as contas de exercício (artigo 75.º, n.º2, 1.ª parte CSC). Nessa deliberação e nos
termos gerais, não podem votar as pessoas cuja responsabilidade esteja em causa
(artigo 75.º, n.º3 CSC). A ação deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da
deliberação da assembleia (artigo 75.º, n.º1, 2.ª parte CSC) e, enquanto estiver pendente,
não podem os administradores voltar a ser designados (artigo 75.º, n.º2, in fine CSC).
A ação social ut universis é intentada pelos representantes da sociedade. Estes, de acordo
com as regras comuns, são designados pela administração a qual incluirá as pessoas
que pretenda responsabilizar. Perante o melindre, que pode traduzir conflitos de 245
interesses, a lei prevê:
Que os próprios sócios (leia-se: a sua maioria) possam designar representantes
especiais (artigo 75.º, n.º1, parte final CSC);
Que o tribunal, a requerimento de sócios que detenham, pelo menos, 5% do
capital social, nomeie pessoa ou pessoas diferentes das que habitualmente
representem a sociedade quando os sócios (a maioria) não os tenham
designado ou sempre que se justifique a sua substituição (artigo 76.º, n.º1 CSC).
Tais representantes podem pedir, da sociedade e no mesmo processo, o reembolso de
despesas e uma remuneração, fixada pelo tribunal (artigo 76.º, n.º2 CSC). Todavia, caso
a sociedade decaia totalmente na ação, cabe à minoria que haja requerido a nomeação
de representantes especiais reembolsar a sociedade das custas e outras despesas. A
exigência de uma prévia deliberação da assembleia, para intentar ações ut universi e o
esquema dos representantes implica que seja possível organizar, no quadro da mesma,
uma cooperação concertada e isso à margem da administração. É difícil. Por isso, há
que limitar a ação social a assuntos estritamente societários. Quanto aos outros: a
própria administração deve agir, em representação da sociedade. A lei visa simplificar
o sistema, permitindo ações sociais de grupo ou ut singuli impróprias (artigo 77.º CSC).
Assim:
Sócios que detenham 5% do capital social ou 2% quando de trate de ações
cotadas, podem intentar a ação social (artigo 73.º, n.º1 CSC);
Podem, para o efeito, encarregar algum ou alguns dos sócios de os representar,
para o efeito (artigo 77.º, n.º2 CSC);
A ação prossegue mesmo que algum ou alguns dos sócios, na pendência dela,
percam essa sua qualidade (artigo 77.º, n.º3 CSC);
A sociedade é chamada à causa, pelos seus representantes (artigo 77.º, n.º4
CSC);
O réu pode pedir decisão prévia, quando os interessados visados não
correspondam aos defendidos por lei ou requerer que o autor preste caução
(artigo 77.º, n.5º CSC).
A ação social ut singuli (própria ou imprópria) não se confunde com a ação singular, em
que o sócio faz valer direitos seus (prevista no artigo 79.º CSC) e não interesses sociais.
A ação ut singuli faz sentido quando a própria sociedade, através da assembleia geral,
não intente a ação ut universi. Tem, nesta medida, natureza subsidiária. Apenas caberá
ressalvar a hipótese de se tratar de ações com diversos conteúdos ou causas de pedir,
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A responsabilidade para com os credores: como vimos, a lei contempla uma 246
expressa previsão de responsabilidade para com os credores sociais nos termos do artigo 78.º
CSC. Trata-se de uma previsão aquiliana, que retoma o final do artigo 483.º, n.º1 CC. Com
efeito, está em causa a violação culposa (com dolo ou mera culpa) de normas de proteção. O
preceito só se entende à luz da lógica do Direito das sociedades. Na verdade, qualquer
inobservância culposa de normas de proteção conduz à responsabilidade aquiliana: desde que
haja danos. E os danos para os credores não emergem, apenas, de uma eventual insuficiência
patrimonial: poderíamos, ainda, computar delongas, incómodos, maiores despesas, danos à
imagem e, em geral, danos morais. Tudo isso é, porém, imputado à própria sociedade, mercê
do nexo de organicidade. É à sociedade – e não aos administradores – que cumpre
indemnizar. O problema de uma direta responsabilidade dos administradores só surge
quando a culposa inobservância das normas de proteção provoque uma insuficiência
patrimonial. Estamos fora de obrigações específicas, razão pela qual lidamos com uma
responsabilidade aquiliana, ainda que assente em normas de proteção. Dada a natureza dessas
normas – a tutela dos próprio credores – compreende-se o alcance do artigo 78.º, n.º3 CSC:
útil mas dispensável. Segundo esse preceito, o dever de indemnizar os credores, a cargo dos
administradores, não é excluído por quaisquer situações da sociedade: renúncia, transação ou
qualquer deliberação justificativa. Obviamente: estão em causa posições de terceiros (os
credores), que não estão na disponibilidade da própria sociedade. Aos credores é ainda
reconhecida a possibilidade de agir em sub-rogação. Segundo o artigo 78.º, n.º2 CSC:
«Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos
termos dos artigos 606.º a 609.º CC, o direito a indemnização de que a sociedade seja
titular».
Trata-se de novo lembrete inútil: recorda regras que sempre teriam aplicação, por via da
responsabilidade civil. Além disso, a hipótese de responsabilidade que comporta remonta ao
artigo 72.º, n.º1 CSC: não ao artigo 78.º, n.º1 CSC. O artigo 78.º, n.º5 CSC faz uma série de
remissões para vários preceitos. Mais precisamente:
Para o artigo 72.º, n.º2 CSC: business judgement rule;
Para o artigo 72.º, n.º3 CSC: não responsabilidade dos administradores que não
tenham participado nas deliberações em jogo ou que a elas se tenham oposto;
Para o artigo 72.º, n.º4 CSC: responsabilidade dos administradores que, podendo,
não se tenham oposto;
Para o artigo 72.º, n.º5 CSC: a responsabilidade para com a sociedade não tem lugar
quando a ação ou omissão do administrador assente em deliberação social, ainda que
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anulável: este preceito contraria, aqui, o artigo 78.º, n.º3 CSC, a menos que se restrinja
a sua aplicação à hipótese do artigo 78.º, n.º2 CSC;
Para o artigo 72.º, n.º6 CSC: a responsabilidade não cessa por haver consentimento
ou parece favorável do órgão de fiscalização;
Para o artigo 73.º CSC: solidariedade dos administradores responsáveis;
Para o artigo 74.º CSC: nulidade das cláusulas de limitação ou de exclusão de
responsabilidade.
Perante este quadro, a remissão para o artigo 72.º, n.º2 CSC só pode advir de lapso. Com
efeito, não se entende – dado o Direito positivo português e tendo em conta o competente
sistema – como pode o business judgement rule alijar a responsabilidade dos administradores 247
para com os credores por violação culposa de normas destinadas a proteger esses mesmos
credores. Repare-se que as próprias cláusulas de exclusão são nulas (artigo 74.º, n.º1, ex vi
artigo 78.º, n.º5 CSC), assim como insuficiente é qualquer deliberação justificativa ou
exoneratória (artigo 78.º, n.º3 CSC). Admitir que o administrador possa, ilícita e
culposamente, prejudicar os credores, violando normas de proteção, por agir livre, informada
e empresarialmente, seria a mais completa selva. O business judgement rule, com todos os óbices
de que demos conta, só é imaginável em relações administrador/sociedade: nunca fora desse
círculo. Perfilar-se-ia, de resto, uma inconstitucionalidade: por violação da propriedade
privada (artigo 62.º, n.º1 CRP) e da própria igualdade (artigo 13.º, n.º1 CRP).
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personalidade: ex lege. Também neste domínio, o artigo 79.º, n.º2 CSC procede a uma teia de
remissões semelhantes às acima examinadas quanto ao artigo 78.º, n.º5 CSC: remete para os
artigos 72.º, n.º2 e 6, 73.º e 64.º, n.º1 CSC. Valem as considerações então feitas, com especial
tónica no lapso que representa, também aqui, o apelo ao business judgement rule. Não se entende
como uma realidade interna, exclusiva da sociedade, possa permitir, aos administradores, vir
causar danos aos sócios ou a terceiros.
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estrangeiro ao serviço da sociedade. Para quê levantar todo um problema, que pode ser
penalizador nas sociedades cotadas? Bastará que alguém assume a rogo, assumindo a
responsabilidade ou, mais simplesmente, que se use uma assinatura digital.
A apresentação de contas e a sua falta: o artigo 65.º, n.º5 CSC fixa dois distintos
prazos para a apresentação do relatório de gestão, das contas e de exercício e demais
documentos de prestação de contas ao órgão competente e para a apreciação, por este. Assim:
Três meses a contar da data de cada exercício anual, nos casos comuns;
Cinco meses a contar da mesma data, quando se trate de sociedades que devam
apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método de equivalência 252
patrimonial.
A data concreta da apresentação de contas depende do termo do exercício social. Em
princípio, tal exercício corresponde ao ano civil. Por isso, a generalidade das sociedades faz
aprovar as suas contas no mês de março de cada ano ou, havendo consolidação de contas ou
equivalência patrimonial, no mês de maio. O artigo 9.º, n.º1, alínea i) SNC permite, todavia,
que o exercício anual seja diferente do civil, desde que a data do encerramento coincida com
o último mês do calendário e com ressalva do artigo 7.º CIRC. Intervém, nessa eventualidade,
o artigo 65.º-A CSC: o primeiro exercício das tais sociedades não pode ser inferior a 6 nem
superior a 18 meses, sempre sem prejuízo do artigo 7.º CIRC. Relativamente ao relatório de
gestão, às contas de exercício e aos demais documentos de prestação de contas, podem
ocorrer três distintos incidentes:
Podem não ser apresentados;
Podem sê-lo, mas sem obter a aprovação do órgão competente;
Podem ser rejeitados por esse mesmo órgão.
Na primeira hipótese, a Lei dá ainda dois meses de tolerância. De facto, o artigo 67.º, n.º1
CSC, na falta de apresentação de contas, permite que qualquer sócio requeira ao tribunal que
se proceda a inquérito: mas apenas quando a apresentação não ocorra nos dois meses
seguintes ao termo dos prazos fixados no artigo 65.º, n.º5 CSC. O inquérito às contas segue
a tramitação do artigo 65.º, n.2º CSC: não se trata do inquérito judicial previsto no artigo
292.º CSC, para as sociedades anónimas e desenvolvido no CC, perante a recusa de
informações e com consequências possíveis muito gravosas. Ele tem o seguinte
desenvolvimento:
É dirigido contra a sociedade;
Qualquer sócio pode fazê-lo, desacompanhado dos restantes e independentemente
do capital detido; o próprio sócio-gerente impedido de tomar posse do cargo pode
usar esse meio;
O requerente tem o ónus de invocar e de provar os seus pressupostos;
O juiz ouve os administradores;
Considerando procedentes as razões por estes invocadas, fixa um prazo adequado
para a apresentação das contas em falta;
Quando não as considere procedentes, nomeia um administrador para, no prazo
fixado, elaborar as contas em falta e submete-las ao órgão competente: pode, para o
efeito, convocar a assembleia geral (artigo 67.º, n.º2 CSC);
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Caso o órgão competente não aprove as contas, pode o administrador nomeado nos
autos de inquérito, submeter a divergência ao juiz, para decisão (artigo 67.º, n.º3 CSC).
O inquérito às contas, seguindo a tramitação do artigo 67.º, n.º2 e 3 CSC é, perante o CSC,
a única forma de reagir à não apresentação das mesmas. Ele não pode ser usado perante a
não aprovação das contas pelo órgão competente. Nessa eventualidade, terá aplicação o
artigo 68.º CSC. Tão pouco é possível recorrer à ação de prestação de contas, prevista no
CPC.
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dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas de exercício e
dos demais documentos de prestação de contas. No essencial, o regime especial daí resultante
tem as particularidades seguintes:
A violação de regras de elaboração de contas, necessariamente perpetrada pelos
administradores, contamina as deliberações sociais que as aprovem;
Tais deliberações deveriam ser nulas, nos termos da segunda parte do artigo 56.º, n.º1,
alínea d) CSC, todavia, apenas é cominada a anulabilidade.
De novo a favor contabilis: a Lei pretende que haja contas, aprovadas e estabilizadas. Admitir
a nulidade equivaleria a prolongar um processo que se pretende célere: toda a atividade 254
subsequente da sociedade implica contas aprovadas. O artigo 69.º, n.º2 CSC considera
igualmente anuláveis as contas irregulares em si mesmas: a expressão que Ana Maria
Rodrigues aproxima da ideia de contas não apropriadas, na linguagem contabilística, por não
serem adequadas ou eficientes. Mesmo então opera o favor contabilis: nos caso de pouca
gravidade, o juiz decreta a anulação se as contas não forem reformadas, no prazo que fixar
(artigo 69.º, n.º2, 2.ª parte CSC). O favor cessa nos casos do artigo 69.º, n.º3 CSC. Há nulidade
quando se assista à violação de preceitos legais relativos à constituição, ao reforço ou à
utilização de reserva legal ou de preceitos que visem, exclusiva ou principalmente, a proteção
dos credores ou do interesse público. Todas as normas de prestação de contas visam o
interesse público. O preceito deve ser interpretado em termos restritos, sob pena de inutilizar
o n.º1 do artigo 69.º CSC. Pergunta-se qual o regime aplicável quando o vício consista na
falta de certificação legal as contas ou do parecer do órgão de fiscalização, quando legalmente
previstos. Prever a nulidade por se tratar de elementos de interesse público parece-nos
excessivo: a falta pode ser formal ou menos relevante, sempre que, de facto, as contas estejam
bem elaboradas. O regime adequado será, por analogia, o do artigo 69.º, n.º2 CSC:
anulabilidade, com possibilidade de o juiz fixar um prazo razoável para que se mostrem
aditados os elementos em falta.
Publicidade: o artigo 70.º CSC prevê que a informação respeitante às contas do exercício
e aos demais elementos de prestação de contas, devidamente aprovadas, seja sujeita a registo
comercial (n.º1; artigo 42.º, n.º1 CRCom). O artigo 70.º, n.º2 CSC prevê, a disponibilização,
via Internet, quando aí tenham sítio, dos diversos elementos relativos à prestação de contas.
Trata-se, efetivamente, da via mais indicada. O artigo 70.º-A CSC regula a publicidade
relativo às contas das sociedades em nome coletivo e das comanditas simples.
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VOLUME 255
II
Das Sociedades
Comerciais em Especial
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indústria. Nos termos do artigo 20.º, alínea a) CSC, todo o sócio é obrigado a entrar para a
sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja SNC
permitido, com indústria. Justamente: os sócios de indústria só são permitidos nas sociedades
em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e, ainda e quanto aos sócios comanditados, nas
sociedades em comandita (artigo 468.º CSC a contrario). Quer isto dizer: na presença de um
sócio de indústria e na falta de comandita, estaremos com segurança perante uma sociedade
em nome coletivo. Já a mera ausência desse elemento nada permitirá concluir. As sociedades
em nome coletivo são, basicamente, sociedades comerciais, facilmente reconhecíveis pela sua
firma. Na hipótese – académica – de nos enfrentarmos com uma sociedade cuja firma não
esteja clara ou não seja conhecida, poderemos recorrer a aspetos subsequentes, próprios do 258
seu regime: a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais, a presença de um
sócio de indústria ou, ainda, algum dos outros aspetos específicos.
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As partes: a celebração do contrato em nome coletivo pode, grosso modo, ser remetida 259
para o regime geral da celebração dos contratos comerciais de sociedade. Anotemos algumas
especificidades. O contrato pode ser concluído por quaisquer pessoas dotadas de capacidade
de exercício. Todavia, está difundida a ideia de que a sociedade em nome coletivo, pela
ilimitação da responsabilidade que envolve, seria perigosa. Resquício dessa ideia é o
dispositivo do artigo 8.º, n.º1 CSC. Com tal fórmula impede-se a formação de uma sociedade
familiar em nome coletivo: precisamente a hipótese em que ela teria mais interesse. Tudo isto
corresponde a resquícios históricos ligados à discriminação da mulher casada e ao
abaixamento social do exercício do comércio: pontos a rever e a corrigir, em definitivo. Ainda
na mesma linha perigosidade das sociedades em nome coletivo, não podem os menores,
representados pelos pais, entrar numa sociedade em nome coletivo ou em comandita simples
ou por ações, sem autorização do tribunal (artigo 1889.º, n.º1, alínea d) CC). Compreende-
se a preocupação, útil nos casos em que o menor rico fosse introduzido, como sócio, numa
sociedade em nome coletivo, para lhe dar mais crédito ou, no limite, para lhe suportar as
dívidas. Lembremos, todavia, que o grande interesse das sociedades em nome coletivo era
de ordem familiar: desaparecerá se implicar um acréscimo de burocracia, de perda de tempo
e de desperdício de dinheiro. Sempre sob o signo do risco empresarial representado pela
responsabilidade ilimitada, o artigo 11.º, n.º5 CSC veio proteger as próprias sociedades
comerciais de, como sócias, ingressarem em sociedades em nome coletivo. Normalmente, os
estatutos societários conferem esta possibilidade muito raramente exercida. Todos estes
preceitos diversos deveriam ter sido devidamente codificados, na sede própria: o Código das
Sociedades Comerciais. Às sociedades em nome coletivo não se aplicam as possibilidades,
existentes para as sociedades por quotas (artigo 270.º-A e 270.º-G CSC) e para as sociedades
anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC), de constituição puramente unilateral. São, pois, exigidas
pelo menos duas partes (artigo 7.º, n.º2 CSC): descontando as sociedades em comandita, pela
natureza das coisas, as sociedades em nome coletivo acabam, assim, por ser as únicas que
sofrem o processo rígido da não unipessoalidade.
A forma e registo: o contrato de sociedade em nome coletivo está sujeito a forma escrita,
devendo as assinaturas dos seus subscritores ser reconhecidas presencialmente, salvo se
forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entrem para a
sociedade (artigo 7.º, n.º1 CSC) e a registo (artigo 5.º CSC, bem como o artigo 3.º, alínea a)
CRCom). A inobservância de forma pode ser minorada pelo regime especial das sociedades
irregulares, a que abaixo se fará referência. Mantemos a tónica geral de crítica ao sistema
vigente: as sociedades em nome coletivo deveriam constituir um esquema societário
aligeirado, de funcionamento instantâneo, para servir o pequeno comércio altamente
personalizado: uma situação parcialmente resolvida pela reforma de 2006. Paradoxo: o
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A firma: a firma das sociedades em nome coletivo apresenta uma especial configuração: é
o elemento formalmente caracterizador deste tipo societário. Segundo o artigo 177.º, n.º1
CSC:
«A firma da sociedade em nome coletivo deve, quando não individualizar todos os sócios, conter,
pelo menos, o nome ou firma de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, “e
Companhia” ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios».
Como vimos, este preceito remonta à tradição de Ferreira Borges: a sociedade com firma –
ou com nome – contrapõe-se às sociedades sem firma ou anónimas. E a firma seria,
necessariamente, o nome dos sócios ou, pelo menos, o de um deles, com a indicação “&
Companhia”. Os interessados devem obter, num momento prévio, um certificado de
admissibilidade da firma, junto do RNPC e isso apesar de apenas estarem em causa os seus
próprios nomes. Ainda à luz do RNPC, parece-nos que a locução “e Companhia”, mau grado
a flexibilidade do final do preceito, não pode ser substituída por “e associados”: ou estaremos
perante uma sociedade civil sob forma civil – artigo 42.º, n.º1 RNPC. Recordemos ainda que
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Responsabilidade por aparência na firma: o artigo 177.º, n.º2 CSC consagra uma
regra tradicional, já presente no Código Veiga Beirão:
«Se alguém que não for sócio da sociedade incluir o seu nome ou firma na firma social, ficará
sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175.º».
O preceito responsabiliza – ainda que objetivamente – a pessoa que, por si e como
261
consequência e ação sua, tenha incluído, não sendo sócia, o seu nome na firma de uma
sociedade em nome coletivo. O dispositivo não se aplica se, abusivamente, alguém incluir o
nome de um terceiro, que de nada sabia, na firma de uma sociedade em nome coletivo.
Caberiam, então, os diversos remédios relativos à tutela do nome. Passando à previsão,
cumpre distinguir:
O terceiro logrou construir uma firma na qual o seu nome se incluiu;
O terceiro teve artes de, num ou mais atos praticados pela sociedade em nome coletivo,
fazer inserir o seu nome.
É à primeira hipótese que se aplica o transcrito artigo 177.º, n.º2 CSC: apenas nas condições
que ela retrata se poderá dizer que o seu nome está incluído na firma social. Trata-se de uma
hipótese que nos vem de Ferreira Borges e que, então, seria concebível. Hoje não o é.
Semelhante inclusão na firma teria de passar pelos crivos (apertado!!) do RNPC, do notário
ou da entidade responsável pelo reconhecimento presencial das assinaturas e do conservador
do registo comercial. Perante a realidade, o artigo 177.º, n.º2 CSC surge como uma relíquia
dos tempos em que ainda imperava o informalismo: a firma tinha, então, um papel quase
constitutivo. Na segunda hipótese – num ou mais atos da sociedade foi incluído o nome de
um terceiro, por iniciativa ou tolerância deste – já não podemos falar em verdadeira inclusão
na firma. Poderá, então, verificar-se uma sociedade aparente, a qual seguirá o regime do artigo
36.º, n.º1 CSC. O terceiro, ao criar a falsa aparência de uma sociedade que o inclua, vai
responder solidariamente pelas dívidas do ente aparente. Diferenças em relação à primeira
hipótese: a responsabilidade é direta e não, apenas, subsidiária. Aquando da inserção, n
Código, do dispositivo sobre sociedades em nome coletivo não se atentou nem na evolução
dos tempos, nem no dispositivo da parte geral.
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Não havendo (sequer) escritura, aplica-se o regime das sociedades civis e, logo, o
beneficium em jogo (artigo 36.º, n.º2 CSC); SNC
Depois da escritura, não se entende como (e para quê) um regime mais severo.
Não faz sentido causticar as já massacradas sociedades em nome coletivo com mais este
regime desfavorável: agora em relação às sociedades civis puras e às sociedades irregulares
pela falha (magna) do contrato. O beneficium excussionis terá de manter-se, por aplicação do
artigo 997.º, n.º2 CC.
A sociedade em nome coletivo inválida: o artigo 43.º, n.º 1 CSC prevê que as
sociedades em nome coletivo possam ser inválidas por duas distintas ordens de razões,
263
depois de dotadas de regimes diferenciados:
Vícios no título constitutivo;
Causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil.
São vícios do título constitutivo (artigo 43.º, n.º2 CSC que remete para o artigo 42.º, n.º1
CSC e acrescenta ainda alguns):
A falta de, pelo menos, dois sócios fundadores;
A falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta deste;
Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;
Falta de escritura pública;
Falta de nome ou firma de alguns dos sócios de responsabilidade ilimitada.
Quanto à falta de indicação do capital, entenda-se que ela releva apenas quando a sociedade
em nome coletivo o deva ter: isso não sucede, como vimos, quando ela só tenha sócios de
indústria (artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC). Também não é vício a hipótese da alínea d) do artigo
42.º, nº.1 CSC: não há, aqui, regras sobre a liberação do capital. A presença de invalidade por
vícios no título constitutivo tem a particularidade de ser sanável por deliberação dos sócios,
tomada nos termos estatutários previstos para a alteração do contrato: mas desde que o vício
resulte de falta ou nulidade da indicação da firma, da sede, do objeto e do capital da sociedade,
bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. A
ação de nulidade corre segundo o regime específico do artigo 44.º CSC. Tratando-se de
causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil, lida-se com o artigo 46.º CSC.
Este específica, na epígrafe, vícios da vontade e incapacidade e, no seu corpo, o erro, o dolo,
a coação, a usura e a incapacidade. A essa lista haverá que acrescentar a falta de consciência
da declaração e, com as devidas adaptações, a simulação. Isto posto: o artigo 46.º CSC
determina a anulabilidade do contrato em relação ao incapaz ou à pessoa que tenha sofrido
o vício da vontade ou a recusa. Embora a lei não o diga, ficam em causa quer o erro na
declaração, quer o erro na formação da vontade. Pena foi que o projeto final do Código não
tivesse sido revisto, também, por um civilista. Todavia, sempre segundo o n.º4 do artigo 46.º
CSC em causa, o negócio poderá ser anulado quanto a todos os sócios, se não for possível,
nos termos do artigo 292.º CC, a sua redução às participações dos outros (artigo 46.º, in fine
CSC). O processamento e as consequências da anulação – apresentadas como já afirmamos
noutra obra, em termos caleidoscópicos pelo legislador de 1986 –, obedecem a regras gerais
para os diversos tipos societários.
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O capital: o artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC determina que do contrato de sociedade deva
constar o capital social,
«salvo nas sociedades em nome coletivo, em que todos os sócios contribuam com a sua indústria».
O capital da sociedade equivale ao conjunto das entradas dos vários sócios, realizadas ou por
realizar. Essa noção básica tem uma projeção contabilística: será a cifra ideal que representam
264
as entradas estatutárias, surgindo como tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas.
Nada disso se confunde com o património real das sociedades. O capital surge como
elemento relevante justamente nas chamadas sociedades de capitais: sociedades por quotas e
sociedades anónimas. Nas sociedades de pessoas, o conceito apaga-se, de tal modo que:
Ele não ocorre nas sociedades civis sob forma civil, perante o silêncio do artigo 980.º
CC;
Ele não ocorre, necessariamente, nas sociedades em nome coletivo; faltará nas
sociedades que apenas agrupem sócios de indústria.
Poderíamos, assim, distinguir sociedades em nome coletivo com capital social e sem ele. Em
termos de política legislativa, teria sido possível dispensar as sociedades em nome coletivo
de qualquer capital social não faz, aí, grande sentido. Poderíamos fazer dele uma noção
abstrata englobando o conjunto dos valores das entradas, incluindo as entradas em indústria,
para efeitos de repartição de lucros e perdas (artigo 176.º, n.º1, alínea b) CSC): mas nessa
altura, todas as sociedades teriam capital social. A referência ao capital social das sociedades
em nome coletivo é brumosa e não tem expressão, já que não se lhes impõe qualquer capital
mínimo. Ele apenas conduz a que se apliquem, no seu âmbito, diversas e complexas leis de
tutela do capital, ao arrepio do que deveria ser uma verdadeira e própria sociedade de pessoas.
Nas sociedades por quotas, o capital mínimo é de 5000 euros, enquanto, nas anónimas, essa
cifra ascende a 50000 euros: artigos 201.º e 276.º, n.º2 CSC, respetivamente.
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um prémio de subscrição, que nada impede neste tipo de sociedade. A lei não regula nem o
momento do cumprimento da obrigação de entrada, nem a forma desse cumprimento: SNC
apenas dispomos de regras para as sociedades por quotas e para as anónimas. Concluímos
pela aplicação:
Ou das regras que porventura o contrato insira;
Ou das regras supletivas do Direito Civil: a todo o tempo pode o sócio apresentar-se
a realizar a entrada ou pode a sociedade exigir-lha, sob pena de mora.
Consequentemente, não há base para a aplicação do artigo 543.º CSC: este apenas funciona
perante as sociedades de capitais. Nas entradas em espécie lidamos com a transferência, para
a sociedade, de direitos patrimoniais suscetíveis de penhora e que não sejam dinheiro. O 265
Direito Comunitário preocupou-se muito com as entradas em espécie: ao passo que as
entradas em dinheiro são facilmente confrontáveis, através do seu valor nominal, as entradas
em espécie têm um valor objetivo discutível. Os particulares interessados podem ser levados
a empolá-lo, em detrimento dos credores. Da transposição do Direito Comunitário (2.ª
Diretriz de Direito das Sociedades) resulta o artigo 28.º CSC: preceito que, havendo entradas
em espécies, impõe a preparação de um relatório elaborado por um ROC, devidamente
distanciado da sociedade em jogo e que avalia, objetiva e explicadamente, os bens em jogo
(artigo 28.º, n.º3, alínea d) CSC). Ao relatório é dada, para a proteção de terceiros, uma
especial publicidade (artigo 28.º, n.º4 e 5 CSC). A 2.ª Diretriz dirige-se a sociedades anónimas.
O legislador nacional, fiel à sua militância pró-Bruxelas, transferiu essa matéria para a parte
geral do Código de modo a aplicar-se a todo o tipo de sociedades. Sem justificação: a vida
das sociedades portuguesas não pode ser sistematicamente mais difícil do que a das suas
concorrentes dos outros países europeus. Confrontado com a desnecessária (e dispendiosa)
complicação que o artigo 28.º CSC representa para as sociedades em nome coletivo, o artigo
179.º CSC veio dispor:
«A verificação das entradas em espécie, determinada no artigo 28.º, pode ser substituída por
expressa assunção pelos sócios, no contrato de sociedade, de responsabilidade solidária, mas não
subsidiária, pelo valor atribuído aos bens».
Algumas precisões:
Trata-se de uma responsabilidade para com a sociedade;
É solidária: esta pode efetiva-la junto de quem entender;
Não está ao acesso direto dos credores da sociedade: estes apenas poderão,
subsidiariamente, penhorar o correspondente crédito ou, verificando-se os
competentes pressupostos, lançar mão de uma ação sub-rogatória (artigo 606.º, n.º1
CC);
Funciona em alternativa ao artigo 28.º CSC, à opção dos sócios.
Os sócios de indústria: o sócio de indústria é aquele que entra para a sociedade com
serviços próprios: nem com dinheiro, nem com bens. Trata-se de uma concretização do
artigo 980.º CC, na parte em que refere serviços. A lei civil, de resto, nada mais dispõe sobre
o tema a não ser, no artigo 992.º CC, cujos números 2 e 3, respetivamente:
Isentam o sócio de indústria de responder, nas relações internas, pelas perdas sociais;
Regula a fixação do quinhão do sócio de indústria nos lucros, bem como o valor da
sua contribuição.
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As contribuições em indústria estão vedadas nas sociedades por quotas (artigo 202.º, n.º1
CSC) e nas anónimas (artigo 277.º, n.º1 CSC). Trata-se, pois, de uma especial prerrogativa SNC
das sociedades em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e das em comandita, no tocante aos
sócios comanditados (artigo 468.º CSC, a contrario). A lei não especifica que indústria possa
integrar a contribuição para a sociedade em nome coletivo. Entendemos que será qualquer
serviço útil, de teor económico. A lei portuguesa confere, a este aspeto, uma dimensão
particularmente significativa, designadamente no artigo 178.º CSC. Já se tem pretendido
excluir do universo das indústrias possíveis a assunção da gerência da sociedade: porque
todos os sócios são gerentes, nos termos do artigo 191.º, n.º1 CSC e salvo cláusula em
contrário: logo, todos eles o seriam de indústria. Mas não: tudo depende da livre vontade das 266
partes. Bem pode acontecer que uma pessoa, dotada de experiência, de bons conhecimentos
e de especial know how, represente uma tal mais-valia para a sociedade que os seus consócios
o aceitem como sócio de indústria sendo a sua entrada, justamente, o serviço de gerência.
Poderá mesmo ser um excelente negócio para todos: não vislumbramos porque iria o Direito
impedi-lo. A presença de sócios de indústria levanta algumas dificuldades práticas. Desde
logo: como computá-la para o capital social? Repare-se que, ab initio, a indústria nada vale: in
futurum, o seu contributo para a riqueza societária irá aumentando, à medida que se for
concretizando. Perante a dificuldade, o legislador adotou duas normas importantes:
Se todos os sócios o forem de indústria, não há capital social: artigo 9.º, alínea f) CSC;
Em qualquer caso, o valor da contribuição em indústria não é computado no capital
social (artigo 178.º, n.º1 CSC).
À partida, o sócio de indústria deveria ser responsável, tal como os outros ilimitadamente,
pelas dívidas da sociedade. Todavia, o artigo 22.º, n.º3 CSC, que proíbe os pactos leoninos,
exceciona:
«...salvo o disposto quanto a sócios de indústria».
Tentemos articular essa aparente particularidade com as específicas disposições relativas aos
sócios de indústria. Assim:
Os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pealas perdas sociais,
salvo cláusula em contrário do contrato de sociedade (artigo 178.º, n.º2 CSC,
semelhante ao artigo 992.º, n.º2 CC;
Quando, por haver tal cláusula, o façam e, desse modo, contribuam com capital (artigo
178.º, n.º3 CSC):
«ser-lhes-há comporta, por redução proporcional das outras partes sociais, uma parte de
capital social correspondente àquela contribuição».
A última e referida hipótese implica a alteração da sociedade: qualquer dos gerentes
pode outorgar na respetiva escritura (artigo 178.º, n.º4 CSC).
Mas, e nas relações externas? O sócio de indústria, na qualidade de membro de uma
sociedade em nome coletivo, responde perante os credores solidária e subsidiariamente, pelas
dívidas da sociedade (artigo 175.º, n.º1 CSC). Este aspeto não é, logicamente, afastado.
Quanto a perdas propriamente ditas: se não houver lucro, o sócio de indústria terá trabalhado
sem nada receber em causa. Sofre perdas (e graves!). Em suma: pela natureza das coisas, o
risco de perdas a que se sujeita o sócio de indústria é o de não ser pago.
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17.º - A responsabilidade
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da excussão, como qualquer posição ativa privada, deve ser exercido por iniciativa do seu
titular. A este propósito, importa ter presente o artigo 745.º, n.º1 CPC (de 2013, o mais atual), SNC
precisamente epigrafado penhorabilidade subsidiária:
«Na execução movida contra devedor subsidiário, não podem penhorar-se os bens deste,
enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, desde que o devedor
subsidiário fundadamente invoque o benefício da excussão, no prazo a que se refere o n.º1 do
artigo 728.º»
O exercício, no prazo fixado, da exceção do benenficium excussionis constitui um encargo
técnico: destinado a prevenir que a situação se protele indefinidamente. A responsabilidade 268
subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais é estabelecida a favor dos credores sociais: não
da própria sociedade. Não é possível, fora dos condicionalismos próprios da
responsabilidade subsidiária, imputar ao sócio prejuízos que a lei não lhe impute. Além disso,
uma execução contra o sócio sempre pressuporia que estes tivesse sido demandado na ação
donde proveio o título executivo.
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Sub-rogação e regresso: o artigo 175.º, n.º3 CSC atribui, ao sócio que haja sido
chamado a responder por dívidas da sociedade em nome coletivo, um direito de regresso.
Cumpre reter os seus precisos termos:
«O sócio que, por força do disposto nos números anteriores, satisfizer obrigações da sociedade
tem direito de regresso contra os outros sócios, na medida em que o pagamento efetuado exceda
a importância que lhe caberia suportar segundo as regras aplicáveis à sua participação nas
perdas sociais».
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O direito de regresso consta do artigo 524.º CC: ele traduz-se num direito novo,
particularmente dirigido à contra-efetivação da solidariedade. Os juros a que dê lugar, por SNC
exemplo, serão os moratórios contados desde o pagamento que deu azo ao regresso. Quanto
à medida do regresso: ela recorta-se na participação que, a cada um, caiba no tocante à
repartição das perdas sociais. O n.º4 do artigo 175.º CSC manda aplicar o mesmo regime à
hipótese de um sócio ter satisfeito obrigações da sociedade, para evitar que, contra ela, fosse
movida execução. A lei pretendeu que não fosse penalizado o sócio que, em nome da boa
prossecução dos negócios ou por qualquer outra razão, não invocasse o beneficium excussionis.
Todavia, não podem ficar por aqui as consequências do pagamento, por um sócio, das
dívidas da sociedade, tanto mais que, entre nós, estas têm personalidade jurídica. A primeira 270
consequência do pagamento, nestas circunstâncias, de uma dívida alheia é a sub-rogação:
artigo 592.º, n.º1 CSC. O sócio fica na precisa posição do credor, sendo-lhe transmitidas
todas as garantias e acessórios (artigo 582.º ex vi artigo 594.º CC). Aliás, também é essa (e não
a do regresso) a situação do fiador que cumpra a obrigação (artigo 644.º, n.º1 CC). Essa sub-
rogação – que por maioria de razão opera na hipótese do artigo 175.º, n.º4 CSC – permite
que tenha pago dívidas sociais duas vias de atuação ulterior:
Pode agir como novo credor da sociedade, por via da sub-rogação nos direitos do
primeiro credor;
Pode agir em regresso, diretamente contra os seus consócios.
Uma ponderação in concreto mostrará qual a via preferível. Em regra será, porém, a da sub-
rogação. De novo sublinhamos que o projeto de Código das Sociedades Comerciais deveria
ter sido revisto, também por civilistas.
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Concorrência ilícita: a concorrência ilícita envolve uma quebra grave da confiança que
deve reinar entre os sócios. Assim, o artigo 186.º, n.º1, alínea a) CSC, coloca-a à cabeça dos
casos nos quais a sociedade pode excluir um sócio: uma violação grave das suas obrigações
para com a sociedade. Esta sanção pode ser insuficiente: o sócio concorrente pode apoderar-
se de segredos comerciais, de carteiras de clientes e de negócios, lançando-se, por conta
própria e à custa da sociedade. As leis preveem, por isso, esquemas sancionatórios mais
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complexo. Também no nosso artigo 180.º, n.º2 CSC prevê sanções alternativas, a aplicar ao
prevaricador: SNC
Ou uma indemnização pelos danos causados à sociedade;
Ou a entrega, à sociedade, dos negócios concorrentes e dos inerentes proveitos, sejam
eles captados em nome do próprio sócio concorrente ou sejam-no em nome alheio.
Esta solução alternativa é fortemente insatisfatória, devendo ser corrigida pela interpretação.
Tomada à letra, parece que a sociedade teria de escolher: ou a indemnização ou o subingresso
nos negócios do sócio concorrente. Tratando-se de matéria em curso, dependente, para mais,
de decisões judiciais, nenhuma sociedade pode prever, com clareza, qual a melhor solução.
O Direito das Sociedades não deve transformar-se num exercício aleatório de apostas. 273
Dizem-nos os princípios gerais que o devedor é responsável pelos danos que cause ao credor
(artigo 798.º CC), devendo a reparação ser integral (artigo 562.º CC). Tudo o que seja limitar
legal e artificialmente as indemnizações incorre em inconstitucionalidade, por violação da
propriedade privada (artigo 62.º, n.º1 CRP). A hipótese de subingresso é interessante: mas
deve ser sempre completada por uma indemnização, quando não se mostre suficiente para
cobrir todos os danos. A alternativa legal deve ser interpretada nestes termos:
Ou a sociedade opta, ab initio, por uma indemnização;
Ou escolhe o subingresso a completar, eventualmente, com a indemnização adequada.
O progresso do Direito Privado faz-se na busca da harmonia e da adequação de valores.
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plano vocabular, a opção contratualista subjacente. Curiosamente, o artigo 189.º, n.º1 CSC
não teve dúvidas em, relativamente às sociedades em nome coletivo, referir a assembleia geral. SNC
Funcionamento: o artigo 189.º, n.º1 CSC, relativo às deliberações dos sócios, começa
logo por definir o direito subsidiário. Assim:
«Às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais aplica-se o
disposto para as sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato de sociedade não
dispuserem diferentemente».
Só que o artigo 248.º, n.º1 CSC, referente às assembleias gerais das sociedades por quotas
276
manda aplicar:
«(…) o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver
especificamente regulado para aquelas».
Temos, pois, um jogo complexo de remissões: muito discutível, de iure condendo. Prevalecem
as normas específicas sobre sociedades em nome coletivo. São elas:
As deliberações são tomadas por maioria simples, salvo disposição legal ou contratual
diversa (artigo 189.º, n.º2 CSC);
O sócio só pode ser representado pelo cônjuge, ascendente, descendente ou outro
sócio, bastando para o efeito uma carta dirigida à sociedade (artigo 189.º, n.º4 CSC);
As atas devem ser assinadas por todos os que participarem na assembleia (artigo 189.º,
n.º5 CSC);
A cada sócio pertence um voto, salvo se outro critério resultar do pacto social, sem
que o direito de voto possa ser suprimido (artigo 190.º, n.º1 CSC);
O sócio de indústria dispõe sempre, pelo menos, de votos em número igual ao menor
número de votos atribuídos a sócios de capital (artigo 190.º, n.º2 CSC).
De seguida, há que recorrer às seguintes normas próprias das sociedades por quotas:
Qualquer sócio pode requerer a convocação da assembleia geral, solicitando, ainda, a
inclusão de assuntos na ordem do dia (artigo 248.º, n.º2 CSC);
A assembleia geral é convocada por qualquer gerente, por carta registada expedida com
o mínimo de quinze dias, salvo outras regras legais ou contratuais (artigo 248.º, n.º3
CSC);
Ela é presidida pelo sócio que detenha a maior fração do capital ou, em igualdade, pelo
mais velho (artigo 248.º, n.º4 CSC);
O sócio não pode votar quando haja conflito de interesses (artigo 251.º, n.º1 CSC).
Das sociedades anónimas, recuperamos os pontos seguintes:
A convocatória deve mencionar o lugar, o dia e a hora da reunião (artigo 377.º, n.º5,
alínea b) CSC);
Bem como a ordem do dia (artigo 377.º, n.º5, alínea a) CSC);
Deve decorrer na sede da sociedade (artigo 377.º, n.º6 CSC).
Outras regras poderão ser aproveitadas.
Competência: o artigo 189.º, n.º3 CSC, inserido no seio das regras relativas ao
funcionamento da assembleia, compreende alguns dados sobre a sua competência. Assim,
ela abrange, necessariamente:
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A criação de partes sociais livres, para transmissão, no caso de extinção de parte social
(artigo 187.º, n.º2 CSC);
A designação, como gerentes, de pessoas estranhas à sociedade (artigo 191.º, n.º2 CSC);
A confirmação de atos praticados sem poderes (artigo 192.º, n.º3 CSC);
As alterações ao contrato ou as decisões de fusão, cisão, transformação e dissolução,
salvo se o contrato as autorizar por maioria, que não poderá ser inferior a três quartos
dos votos de todos os sócios (artigo 194.º, n.º1 CSC)
A admissão de novos sócios (artigo 194.º, n.º2 CSC).
E, por maioria de razão, temos ainda outro ponto:
A fixação da remuneração dos gerentes (artigo 192.º, n.º5 CSC).
O pacto social torna-se determinante para o exato levantamento da competência da
assembleia geral. Designadamente, ele deverá precisar se, à assembleia, são conferidos
poderes de gestão e qual o seu alcance. Resta acrescentar que a dificuldade – nesta como
noutras matérias – reside em localizar, no Código, os preceitos pertinentes. Tudo poderia ter
sido facilitado com uma parte geral melhor construída e com uma ordenação da matéria
dentro de cada tipo societário.
21.º - A administração
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260.º, n.º1 e 409.º, n.º1 CSC. Mas não nas sociedades em nome coletivo: uma especial
homenagem à sua natureza simples e imediatista. A competência dos gerentes, quer para SNC
administrar, quer para representar, deve ter como limites (artigo 192.º, n.º2 CSC):
O objeto social;
O pacto societário.
Quando sejam celebrados atos que ultrapassem esses limites, há falta de poderes: os atos em
causa podem ser impugnados pela sociedade. A impugnação já não será possível se os
negócios questionados tiverem sido conformados, expressa ou tacitamente, por deliberação
unânime dos sócios (artigo 192.º, n.º3 CSC). Pode acontecer que os negócios ultra vires não
tenham sido confirmados. Pois mesmo nessa eventualidade, eles não são impugnáveis pelos 280
terceiros neles intervenientes que tivessem tido conhecimento da infração cometida pelo
gerente (artigo 192.º, n.º4 CSC). O conhecimento deve ser objeto de prova autónoma, uma
vez que não se presume com base nos registos ou na sua publicação (artigo 192.º, nº.4, in fine
CSC). Tais elementos são, contudo, fatores de prova, que o juiz poderá ter em conta. A
representação das sociedades em nome coletivo dá azo a um subsistema autónomo, cuja
dogmática merece aprofundamento.
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Muitas das vicissitudes que podem atingir uma sociedade em nome coletivo têm a ver com
as partes sociais. Pela sua própria natureza, uma alteração no plano das partes induz uma SNC
modificação na própria sociedade.
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direito – segundo o final do citado preceito. A cessão não autorizada é, em si, válida, tanto
mais que a autorização pode vir a ser dada ulteriormente. Todavia, ela não produz efeitos SNC
perante os sócios e a sociedade, antes da autorização. Finalmente, a transmissão da parte do
sócio, mau grado autorizada por todos os sócios, só se torna eficaz para com a sociedade
quando lhe seja comunicada por escrito ou por ela seja reconhecida (artigo 182.º, n.º4 CSC).
Compreende-se: a transmissão é subsequente à autorização, havendo que dotar a sociedade
de uma data certa, para efeitos contabilísticos e sociais.
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O termo da sociedade;
A passagem da parte social ao sucessor; SNC
A sua supressão, com compensação aos sucessores, regulando-se, diretamente ou por
remissão, o procedimento que, então, deva ser seguido.
No silêncio das partes, há que apelar para o sistema legal. Este, numa evolução presente,
também, no Código Civil, dá conta de um relativo favor societatis, permitindo, em certas
condições, o funcionamento da sociedade. Ocorrendo um falecimento de sócio – e sempre
no silêncio do contrato – podem os sócios supérstites (artigo 184.º, n.º1 e 2 CSC):
Ou pagar aos sucessores do falecido o valor da parte que lhe pertencera;
Ou optar pela dissolução da sociedade, comunicando-o ao sucessor nos 90 dias 283
seguintes ao da data em que tomaram conhecimento do facto;
Ou continuar a sociedade com o sucessor do falecido, desde que este concorde
expressamente: o que não pode ser afastado por cláusulas em contrário.
Sendo vários os sucessores da parte do falecido, podem eles livremente dividi-la entre si ou
encabeça-la nalguns deles (artigo 184.º, n.º3 CSC). Entenda-se: livremente entre si; no que
toca aos sócios supérstites, terá sempre de se verificar o seu assentimento. Ainda na hipótese
de continuação da sociedade com os sucessores do falecido: sendo algum deles incapaz,
podem os supérstites, nos 90 dias seguintes, deliberar a transformação da sociedade, de modo
que o incapaz se torne sócio de responsabilidade limitada (artigo 184.º, n.º4 CSC). Teremos,
no horizonte, uma comandita simples. Não o fazendo pode o representante do incapaz
requerer judicialmente a exoneração do seu representado ou, não sendo isso possível
legalmente, a dissolução da sociedade (artigo 184.º, nº6 CSC). Dissolvida a sociedade ou
devendo a parte do sócio falecido ser liquidada, extinguem-se, a partir da data da morte todos
os direitos e obrigações inerentes à parte social; a sucessão opera apenas no produto da
liquidação, reporta àquela data e calculado ex vi artigo 1021.º CC (artigo 184.º, n.º6 CSC).
Tudo isto é aplicável ao caso de a parte do sócio falecido compor a meação do seu cônjuge.
A eventualidade da morte de um sócio numa sociedade de pessoas, especialmente uma
sociedade em nome coletivo, constitui um ponto fraco deste tipo societário. Ele deve ser
ponderado, aquando da sua constituição.
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CSC: Além disso, o artigo 195.º, n.º1 CSC, de acordo, aliás, com a regulamentação já
examinada, vem prever mais duas hipóteses de dissolução: SNC
A requerimento do sucessor do sócio falecido, se a liquidação da parte social não
puder fazer-se por força do disposto no artigo 188.º, n.º1 (artigo 195.º, n.º1, alínea a)
CSC);
A requerimento, nas mesmas circunstâncias, do sócio que pretende exonerar-se com
base no artigo 185.º, n.º2, alíneas a) e b) CSC.
Temos, assim, algumas particularidades quanto às sociedades em nome coletivo. Quanto à
liquidação, segue-se o pormenorizado tratamento dos artigos 146.º e seguintes. Todavia, o
artigo 195.º, n.º2 CSC, com referência ao artigo 153.º, n.º3 CSC, que explicita dívidas dos 286
sócios que os liquidatários poderão exigir, vem acrescentar, além das dívidas das entradas, as
quantias necessárias para satisfação das dívidas sociais, em proporção da parte de cada um
nas perdas; se, porém, algum sócios se encontrar insolvente, será a sua parte dividida pelos
demais, na mesma proporção.
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287
24.º - Tipo geral
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alemã, italiana e espanhola. A limitação da responsabilidade pode ser afastada através dos
acordos de responsabilização direta dos sócios para com os credores sociais, nos termos do SQ
artigo 198.º CSC. De novo estamos perante uma característica insuficiente: teremos de, mais
longe, enquadrar o tipo. Tal como vimos suceder com as sociedades em nome coletivo,
haverá que recorrer ao elemento formal da firma. Esta, segundo o artigo 200.º CSC, pode ter
natureza pessoal, material ou de fantasia mas, em qualquer caso, concluirá pela palavra
limitada ou Lda. Não é pensável, com os graus de sindicância existentes (RNPC), que uma
sociedade possa formar-se com uma firma não indicada para o seu tipo. A partir daí, a firma
corresponderá a sociedades:
Cujas partes se denominem quotas, sendo subscritas pelos sócios num regime de 288
solidariedade na sua realização;
De responsabilidade limitada, uma vez que, supletivamente, os sócios não respondem
pelas obrigações sociais;
Com uma determinada configuração orgânica, distinta da das sociedades anónimas.
Natureza e função: as sociedades por quotas são, formalmente, sociedades comerciais:
logo, personalizadas (artigo 5.º CSC). E tal como sucede com as restantes sociedades:
também elas podem ser adotadas para dar corpo a sociedades civis (artigo 1.º, n.º4 CSC). Ao
contrário do que ocorre com as sociedades em nome coletivo, a personalidade coletiva das
sociedades por quotas não põe quaisquer dúvidas: nem na sua evolução, nem no Direito
comparado. As leis são expressas. Além disso, quando surgiram, já a doutrina da
personalidade coletiva estava estabilizada, oferecendo opções claras ao legislador. As
sociedades por quotas são multifacetadas: podem facultar as mais diversas funções, surgindo
como um instrumento para todos os fins. Tendencialmente, elas têm um número reduzido
de sócios: todos se conhecem, sendo frequente o estabelecimento de relações de confiança
entre eles. Funcionarão, nessa medida, como sociedades de pessoas. Os sócios podem, de
resto e para além das entradas, contribuir para a sociedade em termos personalizados
(vendedores, contabilistas e, em geral, prestadores de pequenos serviços). Mas a sociedade
por quotas pode funcionar como verdadeira sociedade de capitais: congregando fundos para
a prossecução de fins. A sua estrutura tem sido aproximada da das sociedades anónimas.
Encontramos sociedades por quotas familiares, profissionais e, propriamente, comerciais. O
tipo é suficientemente lato para abranger atuações non profit. Além disso, a sociedade por
quotas pode corresponder à mera atuação de uma pessoa: quando seja unipessoal. Podemos,
sem exagero, considerar que, mercê de vários fatores – incluindo alguns de natureza
psicológica –, as sociedades por quotas traduzem um tipo de organização capaz de
desenvolver qualquer espécie de atuação humana lícita.
Apreciação geral: as sociedades por quotas deveriam constituir a fórmula de eleição para
as iniciativas patrimoniais que não estejam diretamente ligadas ao pequeno comércio
industrial. Praticamente, elas cobrem todo o tipo de atividades, podendo falar-se na sua
popularização. Em tais condições, haveria que dispensar-lhes um tratamento simples, claro
e flexível. O Direito português das sociedades por quotas, mercê dos fatores acima apontados,
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A forma e o registo: as sociedades por quotas seguem o regime geral da redução a escrito
com as assinaturas dos subscritores reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais
solene for exigida, para a transmissão de bens com que os sócios entrem para a sociedade
(artigo 7.º, n.º1 CSC), a qual deve ser precedida pela obtenção do certificado de
admissibilidade da firma (artigo 54.º, n.º1 RNPC). Adquirem a personalidade plena pelo
registo (artigo 5.º CSC). Fácil no papel, este sistema era, na prática, o mais burocratizado da
Europa. Em Lisboa e no ano da graça de 2006, continuava a esperar-se meses por qualquer
registo comercial. A isso poderíamos acrescentar semanas pelo certificado de admissibilidade
de firma. Apenas a situação dos notários melhorara, devido à privatização: tudo depende,
agora, dos bons conhecimentos de cada um. Mantém-se, pois, uma grande expectativa em
torno da reforma de 2006, qua aboliu a necessidade de escritura pública. As enormes
delongas na constituição de sociedades, particularmente no tocante ao tipo popularizado das
sociedades por quotas, foram objeto de sucessivas representações aos Governos. Finalmente,
em 2005, houve novidade: veio facultar-se, em certos casos, a constituição de sociedades em
24 horas.
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diversas diligências subsequentes (artigo 13.º, n.º1): publicações legais, remessa para as
finanças da declaração de início de atividades, informações à Direção-Geral do Trabalho e à SQ
Segurança social e outras. Num País visceralmente cético em relação a novidades que venham
do Estado, o esquema das empresas na hora obteve algumas críticas na comunicação social.
Verberou-se, em especial, a não intervenção de advogados e os riscos de afunilamento nos
locais onde o novo processo foi posto em vigor. Apenas há que desejar que o esquema
funcione, na prática. Em abstrato, ele é totalmente viável, graças à informática. Constitui um
excelente progresso que honra os seus autores. E poderá operar como um exemplo para
outros atos da vida privada, patrimonial e, até, pessoal.
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Os casos de exoneração (artigo 240.º, n.º1) e de exclusão do sócio (artigo 241.º, n.º1
CSC); SQ
A competência da assembleia geral (artigo 296.º, n.º2 CSC);
A exclusão do voto escrito (artigo 247.º, n.º2 CSC);
A presidência da assembleia geral (artigo 248.º, n.º4 CSC);
A possibilidade de a cada cêntimo do valor nominal da quota competirem dois votos
(artigo 250.º, n.º1 CSC);
A designação dos gerentes (artigo 252.º, n.º2 CSC);
A permissão de concorrência, por parte dos gerentes (artigo 254.º, n.º1 CSC);
A natureza gratuita da gerência (artigo 255.º, n.º1 CSC) ou o facto de ela estar 293
indexada aos lucros (artigo 255.º, n.º3 CSC);
A exigência de maioria qualificada para a destituição dos gerentes (artigo 257.º, n.º2
CSC);
O direito especial à gerência (artigo 257.º, n.º3 CSC);
A competência da gerência (artigo 259.º CSC);
O funcionamento da gerência plural (artigo 261.º, n.º1 CSC);
A existência de um conselho fiscal (artigo 262.º, n.º1 CSC);
A exigência de uma maioria superior a ¾ para as alterações ao contrato (artigo 265.º,
n.º1 CSC).
Em todos estes casos há um regime supletivamente aplicável, na hipótese de nada se fizer no
contrato. O Código teria sido mais funcional se tivesse reunido, num preceito ordenado, esta
matéria. De todo o modo, cumpre reter que estamos no campo da autonomia privada. Cabe
às partes envolvidas definir, no que a lei não proiba, a ordenação dos seus interesses.
A firma: segundo o artigo 200.º CSC, a firma destas sociedades deve ser formada, com ou
sem sigla, pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios, ou por uma
denominação particular, ou pela reunião de ambos esses elementos, mas em qualquer caso
concluirá pela palavra “limitada” ou pela abreviatura Lda. Na constituição da firma, na sua
dogmática e nos meandros relativos à sua natureza, cabe observar as regras gerais. De todo
o modo, cumpre ter presente que a generalidade dos problemas que se põem a propósito da
firma têm, justamente, a ver com as sociedades por quotas.
Aspetos gerais; remissão: tal como vimos suceder com as sociedades em nome
coletivo, também nas sociedades por quotas pode haver situações de irregularidade por
incompletude ou por vício intrínseco. Têm aplicação as construções e as soluções gerais já
expendidas. Apenas cumpre chamar a atenção para as normas especialmente dirigidas a
sociedades por quotas – normas essas que, de resto, constam da Parte Geral
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segundo o artigo 40.º, n.º1 CSC, na parte que agora releva, respondem ilimitada e
solidariamente todos os que no negócio agirem em representação dela, bem como os sócios SQ
que tais negócios autorizarem. Digamos que, dada a falta do registo, a lei reage retirando o
privilégio da personalidade coletiva. Simplesmente, a responsabilidade dos representantes só
pode ser subsidiária:
Porque, de outro modo, a sua situação ficaria pior do que na sociedade por quotas
ainda não formalizada no contrato definitivo; nessa eventualidade, aplicar-se-ia o
regime das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC), o qual prevê que os sócios
demandados por dívidas da sociedade possam requerer a prévia excussão do
património social; 294
Porque o resto do preceito, abaixo transcrito, visa precisamente assegurar um fundo
social comum: obviamente, para responder pelas dívidas.
Ainda segundo o artigo 40.º, n.º2, parte final CSC, na hipótese de negócios praticados em
nome de uma sociedade por quotas formalizada mas não registada, , os restantes sócios
respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias
que tenham recebido a título de lucros ou da distribuição de reservas. Temos, aqui, uma regra
especialmente destinada a assegurar o património social responsável pelas dívidas.
A sociedade inválida: ocorrendo uma sociedade por quotas e uma vez efetuado o
registo definitivo, operam restrições quanto à invalidação. Trata-se de uma exigência do
Direito Europeu. Recordamos a lista dos vícios que permitem a invalidação (artigo 42.º, n.º1
CSC):
Falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a constituição
da sociedade por uma só pessoa;
Falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta;
Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;
Falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação mínima do capital
social;
Não ter sido reduzido a escritura pública o contrato de sociedade.
A ação de declaração de nulidade obedece ao artigo 44.º CSC, concebido sob o signo da
tutela do novo ente coletivo. O favor societatis explica que, segundo o artigo 42.º, n.º2 CSC,
sejam sanáveis os vícios que decorram da falta ou nulidade da firma e da sede, do valor da
entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta: por deliberação dos sócios,
tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato. Quanto a
vícios de vontade – o erro, o dolo, a coação e a usura: podem ser, nas sociedades por quotas,
invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado, desde que se
verifiquem as circunstâncias, incluindo as de tempo, que permitiriam a anulação, pelo Direito
Civil (artigo 45.º, n.º1 CSC). Essa justa causa vem somar-se ao elenco do artigo 240.º, n.º1
CSC. Havendo incapacidade: segundo o artigo 45.º, n.º2 CSC, o negócio jurídico é anulável
em relação ao incapaz. A 1.ª Diretriz das sociedades comerciais concede, a estas, uma
proteção perante as invalidades, independentemente do registo. O artigo 42.º CSC só se
aplica, porém, depois do registo definitivo. A sociedade por quotas invalidada fora do que
prevê o artigo 11.º da 1.ª Diretriz – e mercê do artigo 42.º, n.º1 CSC – por não se mostrar
registada, traduzirá uma violação concreta daquele diploma comunitário. Os prejudicados
pela ocorrência poderão demandar o Estado português pelos danos daí resultantes.
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SQ
29.º - O capital e as entradas
O capital: as sociedades por quotas têm, necessariamente, capital social: um ponto que
deriva da sua própria natureza e que surge positivado nos artigos 9.º, n.º1, alínea f), 199.º,
alínea a) e 201.º CSC. Não são admitidas contribuição de indústria (artigo 202.º, n.º1 CSC)
assim se fechando o círculo. O capital mínimo está fixado nos 5000€ (artigo 201.º CSC): esse
valor deve ser respeitado aquando da constituição: além disso, o capital não pode, 295
ulteriormente, descer abaixo desse montante. O Decreto-lei n.º253/2001, 30 agosto veio, no
seu artigo único, n.º1, determinar que as sociedades que não houvessem procedido ao
aumento de capital social até aos montantes mínimos previstos nos artigos 201.º e 277.º, n.º3
CSC devem ser dissolvidas a requerimento do Ministério Público, mediante participação do
conservador do registo comercial. O artigo único previa, porém, uma notificação prévia, a
efetuar pela conservatória do registo comercial, notificação essa a partir da qual se contariam
três meses: última oportunidade para a regularização do capital social, perante a lei nova.
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tocante a sociedades irregulares, o vasto regime legislado nada diz quanto a pretensas
inexistências. Há que – também por isso – reconduzi-las à nulidade. A possibilidade de SQ
diferimento das entradas e o montante abrangido devem constar do próprio contrato de
sociedade (artigo 199.º, alínea b) CSC). Compreende-se: trata-se de um ponto sensível,
relevante para terceiros e em relação ao qual operam as razões justificativas da exigência de
forma para o próprio contrato de sociedade. Quando as partes optem pelo diferimento, para
além da já vista regra de que só podem estar em causa entradas em dinheiro e até metade
(artigo 202.º, n.º1 CSC), há que observar o seguinte (artigo 203.º, n.º1 e 2 CSC):
O diferimento operará a termo;
Tornando-se exigível, em qualquer caso, em cinco anos ou em metade de duração da 296
sociedade, quando inferior;
E devendo, salvo acordo em contrário, as prestações dos diversos sócios ser
simultâneas e representar frações iguais do respetivo montante.
O diferimento operará a termo: ou é remetido para uma data fixada ou fica dependente de
factos certos e determinados. Não se admite um diferimento condicionado (facto futuro e
incerto). Para eventualidades, a lei prevê mecanismos, incluindo o próprio aumento de capital,
a decidir pelos sócios. Exigível em cinco anos ou em metade da duração da sociedade,
quando seja inferior: uma norma imperativa destinada a prevenir um diferimento sem limites.
Esta regra é aplicável quando as partes não fixem prazo algum? Temos duas soluções em
abstrato:
Ou, na falta de qualquer prazo, se entende haver o termo legal supletivo de cinco
anos – ou de metade da duração da sociedade, quando inferior;
Ou, nessa mesma eventualidade, se recorre ao regime geral das obrigações sem prazo,
presente no artigo 777.º, n.º1 CC: a sociedade pode solicitar a entrada a todo o tempo
ou o sócio pode-se apresentar a todo o tempo a efetivá-la; esta solução tem a
preferência de Raúl Ventura, com o argumento de que os prazos mínimos operam
em benefício da sociedade e não dos sócios.
Subjacente à solução de Raúl Ventura temos uma contraposição entre o interesse da
sociedade e o dos sócios: um ponto complexo e do qual nos parece difícil retirar soluções
dogmáticas capazes. O problema deve ser repensado. Se as partes não indicarem, no contrato,
qual o prazo do diferimento, há uma lacuna. Esta lacuna deve ser integrada em termos
objetivos, com aproximação às regras próprias da interpretação da lei. Teremos de considerar,
caso a caso, o que se passa. Assim:
Ou resulta do contrato que as entradas diferidas devem coincidir com determinado
evento certus an, ainda que incertus quanto: nessa altura, a integração aproximará, dessa
eventualidade, o prazo de efetivação;
Ou apenas emerge que as partes não quiseram vincular-se a nenhuma data, altura em
que operam os limites legais máximos: cinco anos ou metade da duração da sociedade.
Estamos no campo da autonomia privada. Esse mesmo regime deve aplicar-se perante
entradas condicionadas e, designadamente, perante a condição (potestativa) do chamamento
da gerência: tal chamamento ou é objetivamente justificado (certus an) ou tem o limite dos
cinco anos ou metade da duração da sociedade. Quanto à exigência (supletiva) de realização
simultânea das entradas diferidas e de percentagens idênticas nessa mesma realização trata-
se do afloramento do princípio do igual tratamento dos sócios.
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Sócio remisso; tramitação: a ocorrência do termo no qual a entrada diferida deva ser
verificada – seja pelo decurso do prazo, seja pela verificação do facto certus an de que dependa SQ
– provoca a exigibilidade fraca da inerente prestação. Há um desvio em relação ao artigo
805.º, n.º1 e 2 CC: havendo prazo prefixado ou derivando o vencimento de facto certus an, a
mora deveria ser imediata (ex re). A exigência de interpretação cifra-se num favor socii,
destinado a prevenir que este, por desconhecimento da ocorrência do facto certus an ou por
esquecimento, entre em mora, desencadeando um sempre desagradável conflito com a
sociedade. Aflora, neste ponto, a vertente pessoal das sociedades por quotas. Esse mesmo
aspeto surge, ainda, na eficácia diferida da própria interpelação: esta não provoca o
vencimento (forte) imediato da prestação; ela deve fixar um prazo, entre 30 e 60 dias, para o 297
efetivo pagamento. O sócio não é apanhado desprevenido (mínimo de 30 dias) mas também
não pode beneficiar de novos e longos diferimentos (máximo de 60 dias). Os gerentes,
verificado o termo, têm o dever de interpelar tão cedo quanto possível ou constituir-se-iam
sujeitos do dever de indemnizar a sociedade pelos danos que ocasionarem com a sua omissão.
Interpelado, pode o sócio não realizar a prestação no prazo que lhe tenha sido fixado na
própria interpelação. Temos a figura do sócio remisso, regulada nos artigos 204.º a 208.º CSC.
Repare-se que a mora do sócio na realização da entrada é duplamente grave: põe em causa o
próprio ente coletivo e conduz, por via do sistema de responsabilidade subjacente às
sociedades por quotas, à responsabilização solidária dos sócios cumpridores. O artigo 204.º
CSC, perante o sócio remisso, prevê a seguinte tramitação:
O sócio deve ser avisado, por carta registada, que a partir do 30.º dia subsequente à
sua receção, fica sujeito a exclusão e à perda, total ou parcial, da quota: trata-se de um
prazo admonitório que corresponde à adaptação do artigo 808.º, n.º CC;
Não sendo o pagamento efetuado nesse prazo, pode a sociedade deliberar excluir o
sócio (artigo 204.º, n.º2, 1.ª parte CSC);
Ou, em alternativa, por sua iniciativa ou a pedido do sócio remisso, pode optar por
limitar a perda à parte da quota correspondendo à prestação não efetivada (artigo
204.º, n.º2, 3.ª parte CSC); a essa parte não é aplicável o artigo 219.º, n.º3 CSC
(mínimo de 100€), mas ela não pode ser inferior a 50€ (artigo 204.º, n.º3 CSC).
A exclusão do sócio vem genericamente prevista no artigo 241.º, n.º1 CSC: trata-se, aqui e
precisamente, de um dos casos previstos na lei, para que a exclusão possa sobrevir. Torna-se
importante sublinhar que a exclusão do sócio, com a subsequente tramitação legal, não é
obrigatória: a sociedade pode optar pelo regime comum de execução da dívida. Tal se infere,
designadamente e também, do artigo 207.º, n.º4 CSC. A hipótese de exclusão dos sócios
remissos não é um mero esquema de execução coativa da prestação, a funcionar em
alternativa ao regime geral (artigo 817.º CC). Pelo contrário: antes afloram, aqui, valores
societários próprios das sociedades de pessoas. O sócio remisso está, antes de mais, a quebrar
a confiança dos restantes sócios, na prossecução dos fins societários. Não efetivando a
obrigação de entrada, ele coloca-se à margem do projeto coletivo, podendo ser excluído. Mas
isso passa por uma concreta avaliação do sucedido: donde a exigência de deliberação dos
sócios (artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC) deliberação essa em que o próprio sócio remisso não
pode votar (artigo 251.º, n.º1, alíneas c) e d) CSC). A exclusão do sócio ou a perda da parte
da quota correspondente à prestação devem ser comunicadas ao interessado (artigo 204.º,
n.º2, 2.ª e 4.ª partes CSC). À perda de parte da quota aplica-se, depois, o regime
correspondente à quota do sócio excluído (artigo 204.º, n.º4 CSC). Excluído o sócio, cumpre
decidir o destino da quota perdida a favor da sociedade. A lei prevê as diversas hipóteses:
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A venda da quota em hasta pública (artigo 205.º, n.º1, 1.ª parte CSC);
A venda a terceiros por modo diverso, exigindo-se, porém, sendo o preço inferior à SQ
soma do montante em dívida com a prestação já efetuada por conta da quota, o
consentimento do sócio excluído (artigo 205.º, n.º1, 2.ª parte CSC);
A divisão da quota proporcionalmente às dos outros sócios, vendendo-se a cada uma
parte que lhe couber (artigo 205.º, n.º2, alínea a) CSC);
A venda indivisa ou a divisão não proporcional seguida de venda, uma e outra a favor
de algum ou alguns dos sócios (artigo 205.º, n.º2, alínea b) CSC); esta via segue o
artigo 265.º, n.º1 CSC (maioria necessária para a alteração do contrato); além disso,
o preço por que os outros sócios pretendem adquirir a quota deve ser previamente 298
comunicado ao sócio excluído, por carta registada, podendo este, no prazo de 30 dias,
opor-se à execução da deliberação quando o preço em causa não alcance a soma da
importância em dívida com o valor já pago e desde que ele não cubra o valor real da
quota calculado nos termos do artigo 1021.º CC (artigo 205.º, n.º3 CSC); a
deliberação não pode ser executada antes de decorrido o prazo para a oposição ou
antes do trânsito em julgado da decisão que declare a oposição ineficaz (artigo 205.º,
n.º4 CSC).
A solução de base será, tudo visto, a venda em hasta pública. Todavia, a vertente pessoal das
sociedades por quotas explica que a venda possa ser feita a sócios, se assim se deliberar e os
outros requisitos forem preenchidos. Mas deverá haver venda, seja ela qual for? Raúl Ventura
responde pela positiva: de outro modo – diz ele – conservar-se-ia na titularidade da sociedade
uma quota não liberada, sendo que a própria sociedade não pode proceder à liberação. Ora
está em causa o interesse dos credores, pelo que a regra não pode ser derrogada pelos sócios.
Na verdade, joga-se, também, o interesse do sócio remisso, que já terá realizado, pelo menos,
50% do capital que lhe caiba. Veja-se, a tal propósito, o artigo 208.º, n.º2 CSC. O artigo 206.º
CSC versa a responsabilidade do sócio e a dos anteriores titulares da quota: ela é solidária,
perante a sociedade ( e sem possibilidade de compensação) pela diferença do produto da
venda e a parte da entrada em dívida (n.º1). O titular anterior que pagar à sociedade (ou a um
sócio sub-rogado, nos termos do artigo 207.º CSC) tem o direito de haver do sócio excluído
e de qualquer dos antecessores deste, em regime de conjunção, o reembolso da quantia paga,
depois de deduzida a parte que lhe competir (artigo 206.º, n.º2 CSC). A responsabilidade dos
outros sócios consta do artigo 207.º CSC. Quanto às quantias obtidas na venda das quotas
(artigo 208.º, n.º1 e 2 CSC):
Suportam as despesas correspondentes;
Cabem à sociedade, até ao limite da entrada em dívida;
No excedente, se o houver, competem aos outros sócios, no limite dos desembolsos
que hajam suportado;
No que sobre, será entregue ao sócio remisso até ao limite da parte da entrada por
ele prestada;
No remanescente: pertente à sociedade.
A lei não deixou grande margem à imaginação do intérprete-aplicador.
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30.º - A responsabilidade
Pelas entradas: cada sócio é responsável pela sua entrada e, designadamente, pela parcela
cuja efetivação tenha sido diferida no contrato de sociedade. Além disso, ele é solidariamente
responsável, com os demais sócios, pela realização do capital diferido. Trata-se de um ponto 299
que a própria lei apresenta como característica da sociedade (artigo 197.º, n.º1 CSC). A
responsabilidade pela entrada própria equivale ao específico e já examinado regime das
entradas. A responsabilidade solidária pelo conjunto das entradas coloca uma problemática
própria, versada no artigo 207.º CSC. A responsabilidade de cada sócio pelas entradas alheias
provém da Lei alemã e vem regulada e desenvolvida no nosso Código no artigo 207.º, n.º1
CSC:
«Excluído um sócio, ou declarada perdida a favor da sociedade parte da sua quota, são os
outros sócios obrigados solidariamente à parte da entrada que estiver em dívida, quer a quota
tenha sido ou não já vendida nos termos dos artigos anteriores; nas relações internas esses sócios
respondem proporcionalmente às suas quotas».
Tem-se, assim, o regime de responsabilidade subsidiária pelas quotas alheias, com
solidariedade entre os corresponsáveis, a repartir, nas relações internas, na proporção das
quotas respetivas. Como (bem) observa Raúl Ventura, o esquema legal é pouco animador: a
responsabilidade solidária depende de deliberação dos próprios sócios a responsabilizar,
deliberação essa que irá no sentido da perda, total ou parcial e a favor da sociedade, da quota
do sócio remisso. Também lá se poderia chegar na hipótese de a sociedade ter optado pelos
meios executivos normais (portanto: sem efetuar as declarações previstas no artigo 204.º,
n.º1 CSC) e não ter logrado recuperar, do sócio remisso, a importância em dívida (artigo
207.º, n.º4 CSC). De todo o modo, no caso de a sociedade não exercer os seus direitos contra
os sócios (seja o remisso, seja os restantes), podem os credores sociais fazê-lo, por via do
artigo 30.º CSC. Pergunta-se quem são os outros sócios, para efeitos de responsabilização
subsidiária e solidária pela realização das quotas em falta. Outros sócios são os titulares de
posições sociais válidas e eficazes. Não ficam abrangidos:
O próprio sócio remisso e excluído;
Os anteriores titulares da quota do remisso, que respondem nos termos do artigo
206.º CSC;
O adquirente da quota do sócio remisso;
A sociedade, como detentora de quotas próprias: o regime especial destas prevalece
sobre as regras gerais.
O sócio que tiver efetuado algum pagamento por via do artigo 207.º CSC pode (artigo 207.º,
n.º3 CSC) sub-rogar-se no direito que assiste à sociedade contra o excluído e seus sucessores,
segundo o disposto no artigo 206.º CSC, a fim de obter o reembolso da quantia paga.
Direta para com os credores sociais: as sociedades por quotas são sociedades de
responsabilidade limitada. Os sócios não respondem pelas dívidas sociais (artigo 197.º, n.º3
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CSC): apenas pelas entradas próprias e, subsidiaria e solidariamente, pelas quotas dos outros
sócios. O Código de 1986, inovando, veio, todavia, prever a possibilidade de uma SQ
responsabilidade direta para com os credores sociais. A ideia de responsabilidade
suplementar dos sócios veio a filiar-se em considerações de ordem prática detetadas no
funcionamento efetivo da sociedade por quotas. As sociedades por quotas têm, em regra,
um capital pouco expressivo. O seu financiamento vem a ser efetuado pelos próprios sócios,
com recurso a suprimentos ou a prestações suplementares, ou pelo recurso da própria
sociedade ao crédito. Neste último caso, porém, apenas se obtêm financiamentos,
designadamente bancários, desde que haja uma garantia pessoal dos sócios. Explica Raúl
Ventura: 300
«(...) portanto, parece mais simples e cómodo admitir que, logo na constituição da sociedade e
até montantes determinados, os sócios assumam responsabilidade solidária com a sociedade
pelas obrigações que esta contrair».
A responsabilidade direta dos sócios para com os credores requer:
Uma estipulação no contrato;
Com uma indicação do montante-limite.
Para além disso, e segundo o artigo 198.º, n.º CSC, essa responsabilidade pode assumir
diversas feições, consoante o que resulte do pacto social. Designadamente:
Pode ser solidária com a da sociedade;
Pode ser subsidiária em relação à desta, a efetivar apenas na fase da liquidação.
Trata-se de uma responsabilidade pessoal. Assim (artigo 198.º, n.º2 CSC):
Abrange apenas as obrigações da sociedade constituídas enquanto o sócio
responsável a ela pertencer;
Não se transmite por morte deste, sem prejuízo da transmissão das obrigações a que
o sócio estava anteriormente vinculado.
Supletivamente, o sócio chamado a pagar dívidas sociais, ao abrigo deste esquema, tem
direito de regresso contra a sociedade, pela totalidade do que houver pago: mas não contra
os outros sócios. Naturalmente: a hipótese, dependente de estipulação, de haver regresso
contra a sociedade e contra os restantes sócios tem maior interesse.
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dos sócios gerentes. A hipótese, prevista no Código, de uma responsabilidade direta dos
sócios, até este momento, não tem sido explorada. Mais fácil e dinâmica, sobretudo perante SQ
obrigações cambiárias, é a direta assunção, pelos sócios, do papel de garantes, perante certas
dívidas. Justamente na via de, contratualmente e em face de outros débitos, responsabilizar
os sócios pelas dívidas de sociedades surgiram as fianças omnibus: contratos pelos quais os
sócios – ou os sócios gerentes – assumiriam a responsabilidade ilimitada por todas as dívidas,
presentes e futuras, da sociedade, perante certo credor. Tais contratos já foram considerados
nulos por indeterminabilidade do seu conteúdo ou por contrariedade aos bons costumes: um
ponto a verificar caso a caso. Dada a prática, podemos considerar que o grande atrativo das
sociedades por quotas é o seu potencial organizativo: mais do que a limitação da 301
responsabilidade, um tanto teórica.
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Noção, origem e figuras afins: quando uma sociedade por quotas tenha necessidade
de financiamentos, a solução mais fácil, mais natural e mais flexível é ajustá-los com os seus
próprios sócios. Temos a figura do contrato de suprimento, definido no artigo 243.º, n.º1
CSC como:
«(...)o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando
esta obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade(...)».
Ou, numa segunda modalidade, o contrato:
«(...) pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus
sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência».
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A exigência, em qualquer caso do caráter de permanência leva o legislador a fixar índices. São
eles (artigo 243.º, n.º2 e 3 CSC): SQ
A articulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja ela contemporânea
à constituição do crédito ou posterior a ela; no caso de diferimento do vencimento,
computa-se o tempo decorrido desde a constituição até ao negócio de diferimento;
A não exigência do reembolso devido pela sociedade durante um ano, quer não
havendo um prazo inferior; tratando-se de lucros não distribuídos, o prazo de um
ano conta-se desde a data da deliberação de distribuição.
Os credores sociais podem provar o caráter de permanência mesmo que o reembolso tenha
ocorrido antes de expirado um ano; os sócios podem ilidir a presunção de permanência 304
demonstrando que o diferimento corresponde a circunstâncias independentes da qualidade
de sócio (artigo 243.º, n.º4 CSC). Fica ainda sujeito ao regime dos suprimentos o crédito de
terceiro sobre a sociedade, desde que o sócio o adquira por negócio entre vivos e no
momento da aquisição se verifique alguma das circunstâncias que constituem índice de
permanência (artigo 243.º, n.º5 CSC). Esta equiparação de regimes permite ver, aqui, uma
terceira modalidade de suprimentos. Os suprimentos devem distinguir-se das figuras afins,
designadamente das prestações acessórias e das prestações suplementares: os regimes
envolvidos são bastante diversos:
As prestações acessórias resultam do pacto social e podem envolver dinheiro, bens
ou serviços;
As prestações suplementares são permitidas pelo pacto social e resultam de
deliberação dos sócios, recaindo apenas sobre dinheiro;
Os suprimentos advêm de um contrato celebrado entre o sócio e a sociedade, relativo
a dinheiro ou a outra coisa fungível, equivalendo a um mútuo.
Todas estas realidades surgem no domínio societário, envolvendo sociedades e os seus sócios,
nessa qualidade. O suprimento distingue-se, noutro plano, de um mútuo comum: representa
um contributo permanente ou, pelo menos, prolongado, do sócio para a sociedade em que
detenha uma posição. Quando muito representaria um mútuo de escopo, cujo regime é
infletido pela realidade societária que visa servir.
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suprimento não depende de prévia deliberação dos sócios. O artigo 245.º CSC fixa uma série
de regras para os supriemntos sendo patentes os desvios em relação ao mútuo. Encontramos SQ
aqui matéria de tipo interpretativo e, como tal, aplicável a suprimentos celebrados antes da
entrada em vigor do Código de 1986. Quanto às normas específicas, temos:
Não havendo prazo para o reembolso dos suprimentos, aplica-se o artigo 777.º, n.º2
CC (fixação do prazo deferida ao tribunal); o tribunal terá em conta as consequências
que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo determinar o pagamento em
prestações (artigo 245.º, n.º1 CSC): uma regra já considerada interpretativa em relação
ao Direito anterior;
Os credores por suprimentos não podem requerer, por eles, a insolvÊncia da 305
sociedade, embora o plano de insolvência lhes seja aplicável (artigo 245.º, n.º2 CSC);
decretada a insolvência, os suprimentos só são reembolsados depois de pagos os
créditos de terceiros, não sendo admissível a compensação de créditos da sociedade
com os de suprimentos (artigos 245.º, n.º3 CSC);
Este regime é reforçado com a impugnabilidade do reembolso dos suprimentos
efetuados no ano anterior à insolvência (artigo 245.º, n.º5 CSC) e com a nulidade das
garantias reais prestadas relativamente à obrigação do seu reembolso (artigo 245.º,
n.º6 CSC).
O regime dos suprimentos é, depois, complementado pelas regras gerais. Assim:
O suprimento é um contrato real quoad constitutionem: só produz efeitos com a efetiva
entrega do dinheiro;
As partes podem estipular juros: porém, se nada disserem, não se deve presumir a
onerosidade, uma vez que o suprimento é, sempre e por definição, um negócio
interessado: o sócio pretende capitalizar a sociedade que, depois, lhe dará lucros;
O crédito de suprimentos é transmissível, nos termos gerais do artigo 577.º, n.º1 CC:
quanto transmitido a um não-sócio mantém, não obstante, a precisa qualidade que
tinha inicialmente; além disso, ele tem autonomia não se transmitindo
automaticamente com a quota.
Âmbito, papel e natureza: o contrato de suprimento foi regulado expressamente no
domínio das sociedades por quotas. Curiosamente, estas assumem, no Direito português e
nalguns aspetos, uma dimensão matricial que, em regra, compete às sociedades anónimas.
Pergunta-se, feito este raciocínio, se o regime dos suprimentos se poderá aplicar a outros
tipos societários. No tocante às sociedades em nome coletivo, Raúl Ventura responde pela
negativa: o regime da responsabilidade ilimitada não justificaria a especial proteção dos
credores que as regras sobre suprimentos sempre envolvem. Mas essa responsabilidade é,
tão-só, subsidiária: ela não equivale a certas vantagens imediatas que o regime dos
suprimentos dá aos credores. Pensamos, pois, que nada obsta à aplicabilidade analógica dos
suprimentos às sociedades em nome coletivo: um ponto a verificar caso a caso. Mais
complexa é a situação nas sociedades anónimas. Raúl Ventura, sob inspiração alemã, explica
que cumpre distinguir entre o acionista empresário e o acionista investidor: o primeiro está
efetivamente embricado na vida societária, pelo que os seus contributos em dinheiro têm,
nesse plano, uma justificação interessada; o segundo não tem tal ligação. Assim sendo, apenas
ao acionista empresário haveria que aplicar o regime dos suprimentos. Na Alemanha, a
jurisprudência fixou em 25% a percentagem do capital social cuja detenção permitira concluir
por um acionista empresário; Raúl Ventura propõe entre nós, com base nos artigos 392.º e
418.º, n.º1 CSC, a detenção de 0%, numa opção acompanhada pela jurisprudência (AC STJ
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Tomando estes preceitos à letra, todavia, toda a atividade futura ou projetada (mesmo
eventual) teria de ser comunicada. Valem as presunções acima feitas sobre o primado do SQ
modo coletivo e a necessidade de interpretação restritiva desta matéria. Quanto à consulta
da escrituração, livros ou documentos: ela deve ser feita pessoalmente pelo sócio, que pode
ser assistido por um ROC ou por um perito, bem como usar a faculdade do artigo 576.º CC
pode tirar cópias ou fotografias). Explica a jurisprudência (bem) que a sociedade pode
certificar-se das qualidades do pretenso ROC ou perito, procedendo à sua identificação; mas
não pode exigir deles, uma declaração de responsabilização como condição de acesso à
consulta solicitada. Nas mesmas e referidas condições pode o sócio inspecionar os bens
sociais (artigo 214.º, n.º5 CSC). Na conformação do dever de informação, devemos ainda ter 308
em conta as suas finalidades. Ele visa proteger os interesses dos sócios. Mas além disso,
protege ainda os interesses dos trabalhadores e dos credores, assegurando a findedignidade
das contas. Trata-se, em suma, de um esquema geral que melhor assegura o efetivo e correto
funcionamento das sociedades, providenciando o próprio autocontrolo dos gerentes.
A recusa justificada: o pedido de informação pode ser recusado, desde que, para tanto,
haja justificação. O artigo 215.º, n.º1 CSC admite três ordens de razões, a que poderemos
acrescentar uma quarta. Assim e principiando por esta:
Razões de praticabilidade;
Razões derivadas do disposto no contrato de sociedade;
Receio de utilização da informação para gins estranhos à sociedade e com prejuízo
desta;
Violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros.
Raúl Ventura invoca a taxatividade do artigo 215.º, n.º1 CSC. Não vemos porquê: a
informação é um direito disponível, que deve ser articulado com outros princípios e direitos,
maxime na lógica do artigo 335.º CC. Além disso, o direito à informação nada pode contra a
natureza das coisas. Assim, a informação será recusada (aina que temporariamente) se o
próprio gerente a ela não tiver acesso, se ele estiver impedido de a ela aceder (de férias ou
em serviço) ou se, estando ao serviço da sociedade, ele não puder, de todo, interromper a
tarefa. As restantes três razões estão elencadas no artigo 215.º, n.º1 CSC. O contrato de
sociedade deve ser acatado. A própria lei como que convida à sindicância da legalidade do
contrato; todavia, desde que o direito não seja excluído, teremos de entender (para mais, no
domínio comercial!) que os contratos devem ser cumpridos. E mesmo na hipótese da sua
invalidade, haverá que ponderar os cenários do venire contra factum proprium: o sócio
compromete-se, por contrato, a exercer o seu direito à informação em certos moldes e,
depois, invoca a ilegalidade do pactuado para venire contra o acordado. O receio da utilização
de informações para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta deve ser apreciado em
termos objetivos, segundo as regras da experiência comum. De todo o modo, será sempre
causa de receio o facto de a informação pretendida ser manifestamente inútil, para os
interesses do sócio requerente. A violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros
é, sempre, uma razão absoluta de recusa de informação. Resta acrescentar que lei é, aqui, o
Direito: pode resultar de lei expressa, de princípios gerais ou de instrumentos contratuais,
existentes em relação ao terceiro protegido. Finalmente, o direito à informação é, como
qualquer posição jurídico-subjetiva, suscetível de abuso (artigo 334.º CC). No seu exercício,
ele não pode contraditar a confiança legítima, nem a materialidade subjacente. Perante
situações de abuso, o exercício deve cessar. E em face delas, a recusa é justificada. Em
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compensação, o mero conflito de interesses, que impeça o sócio de votar, não bloqueia o
direito à informação do interessado.
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Princípio geral; aplicação: o direito aos lucros integra, como elemento essencial, o
status de sócio. Ele vem referido com ênfase, no artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC, surgindo 310
ainda como elemento essencial do contrato de sociedade, no artigo 980.º, in fine CC.
Recordamos que, de acordo com a técnica comum relativa aos direitos dos sócios, cumpre
distinguir entre direitos abstratos e direitos concretos: os direitos abstratos correspondem a
posições potencialmente favoráveis que podem surgir na esfera dos sócios, mercê da
titularidade da posição social; os direitos concretos traduzem a concretização dessas posições,
depois de verificados os respetivos requisitos. Apenas neste último caso surgem verdadeiros
direitos subjetivos. Pois bem, todo o sócio tem, pela própria natureza da situação em que se
encontra imerso, um direito abstrato a lucros; concretamente, tal direito só surgirá na
sequência de um procedimento abaixo referido. Ainda em sede geral, recordamos a proibição
tradicional dos pactos leoninos (artigo 22.º, n.º3 CSC). Nas sociedades por quotas, a matéria
dos lucros surge versada no artigo 217.º, segundo o qual:
Deve ser distribuída aos sócios metade do lucro de exercício que, nos termos desta
lei, seja distribuível;
Salvo diferente cláusula contratual;
Ou salvo deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes
ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada.
Nos termos gerais, o pacto social pode afastar a regra da lei estipulando, por exemplo, que
cabe à sociedade, por maioria simples, deliberar a não distribuição de lucros. A deliberação
que, fora do que a lei permita, não proceda à distribuição de lucros, é anulável. A noção de
lucros distribuível vem-nos do artigo 33.º CSC. à partida, o lucro será a diferença entre os
proveitos e os custos: existirá na medida em que os primeiros sejam superiores aos segundos.
Isto posto, não são distribuíveis, dos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º1 CSC):
A parcela necessária para cobrir prejuízos transitados;
A parte destinada a formar reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade.
Além disso, não podem ser distribuídos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º2 CSC):
Enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não
estiverem completamente amortizadas;
Exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos,
igual ao dessas despesas não amortizadas.
Quanto às reservas: determina o artigo 33.º, n.º3 CSC que não possam ser distribuídas aquelas
cuja existência e cujo montante não constem, expressamente, do balanço (artigo 33.º, n.º3
CSC). Na deliberação visada devem ser expressamente mencionadas quais as reservas
distribuídas, no todo ou em parte, quer isolada quer juntamente com os lucros de exercício
(artigo 33.º, n.º4 CSC).
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justificados para a saída dos sócios. Terá de haver uma saída para o sócio que – por exemplo
– sistematicamente contunda com os interesses da sociedade a que pertença e, logo, com os SQ
interesses dos seus parceiros. O Código das Sociedades Comerciais não regulou, na Parte
Geral, a exoneração e a exclusão dos sócios. Dispensou algumas regras quanto às sociedades
em nome coletivo (artigos 185.º e 186.º CSC) e quanto às sociedades por quotas (artigos
240.º a 242.º CSC): fica a lacuna nas anónimas, numa problemática difícil de reduzir: serão
aí, possíveis, a exoneração e a exclusão e sendo-o, em que base? Recordemos que, para as
sociedades civis puras, legem habemus: artigos 1002.º e 1003.º CC. De todo o modo, a
regulamentação sobre exoneração e exclusão de sócios, elaborada a propósito das sociedades
por quotas, é paradigmática. Nesse domínio coloca-se a maioria da jurisprudência e boa parte 312
daas doutrinas portuguesas e alemã. Em Itália, o problema é exposto e debatido a propósito
das sociedades simples – as nossas sociedades civis sob forma civil. Para além destes aspetos
de feição prática, a exoneração e a exclusão de sócios colocam temas importantes de
construção jurídico-científica. Num contrato de sociedade, particularmente estando em causa
sociedades de pessoas, as diversas posições erguem-se intuitu personae. As situações não são
intermutáveis: a saída de uma pessoa envolve a cessação da realidade preexistente. Ao longo
da História registou-se uma evolução: para uma visão inicial muito personalista qualquer
modificação nos sócios poria em causa a subsistência da sociedade; mais tarde, as conceções
de tipo institucionalista e de feição empresarial, vieram apurar a hipótese de uma realidade
de conjunto capaz de subsistir, mesmo perante as alterações subjetivas no corpo social. O
problema não é apanágio do Direito das sociedades. O vínculo obrigacional clássico (artigo
397.º CC) também era inseparável das pessoas do credor e do devedor. Mais tarde, a
patrimonialização do Direito Civil levou à objetificação das obrigações as quais, sem quebra
de identidade e respeitando certos requisitos, podem circular no espaço jurídico. Nesse plano,
haverá que procurar as raízes últimas dos fenómenos da exoneração e da exclusão de sócios.
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no seu artigo 1002.º CC, veio introduzir formalmente a figura da exoneração. Esta era
possível: a todo o tempo, não havendo prazo para a sociedade; havendo-o: quando ocorresse SQ
justa causa. O Código das Sociedades Comerciais acabou por fixar um esquema assaz
complexo de exoneração. Assim, ele veio:
Consagrar, na Parte Geral, esquemas de exoneração aplicáveis (logicamente) aos
diversos tipos de sociedade;
Inserir, no tocante às sociedades em nome coletivo e às sociedades quotas,
fundamentos específicos de exoneração;
Sendo que tudo isso poderia ter de ser conjugado, havendo lacuna, com os esquemas
de exoneração previstos no Código Civil e que têm aplicação subsidiária. 314
Quanto à Parte Geral, cumpre referir:
Artigo 3.º, n.º6, 2.ª parte CSC: havendo transferência de sede para o estrangeiro, os
sócios que não a tenham votado podem exonerar-se da sociedade, devendo notificá-
la no prazo de 60 dias após a publicação da referida deliberação;
Artigo 45.º, n.º1 CSC: nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita por
ações, o erro, o dolo e a coação e a usura podem ser invocados como justa causa de
exoneração pelo sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias que
permitiriam a anulação civil do negócio;
Artigo 105.º, n.º1 CSC: no caso de fusão, pode o pacto social prever um direito à
exoneração do sócio que, com ela, não tenha concordado: evidentemente, aqui, tudo
depende do pacto;
Artigo 120.º CSC: manda aplicar, entre outros, o artigo anterior, à cisão;
Artigo 137.º, n.º1 CSC: havendo transformação de sociedades, os sócios que não
tenham votado favoravelmente a competente deliberação podem exonerar-se da
sociedade, declarando-o por escrito, nos 30 dias seguintes à publicação da deliberação;
Artigo 161.º, n.º5 CSC: na sociedade em liquidação e iniciada a partilha, havendo
uma deliberação de regresso à atividade, pode exonerar-se o sócio cuja participação
fique relevantemente reduzida em relação à que, no conjunto, anteriormente detinha,
recebendo a parte que pela partilha lhe caberia.
Temos, nalgumas destas situações, regimes diferenciados: um ponto a conferir caso a caso.
Além disso, embora sem referir um direito de exoneração, o Código continha hipóteses que
redundam no mesmo:
Artigo 490.º, n.º5 e 6 CSC: o sócio de uma sociedade dominante pode exigir a
compra das suas quotas ou ações;
Artigo 499.º, n.º1 e 2 CSC: numa situação de subordinação, o sócio livre pode optar
pela venda das suas quotas ou ações à sociedade diretora.
O artigo 240.º CSC reporta-se à exoneração do sócio nas sociedades por quotas. O n.º1 prevê
três possibilidades:
Exoneração nos casos previstos na lei: ficam abrangidas as situações tratadas na Parte
Geral e de que acima demos breve nota; além disso, incluem-se outras hipóteses de
exoneração referidas, de modo avulso, na parte relativa às sociedades por quotas;
temos:
Exoneração de sócio de sociedade cujo pacto proíba a cessão de quotas, uma vez
decorridos dez anos sobre o seu ingresso na sociedade (artigo 229.º, n.º1 CSC);
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quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu
efeitos o facto determinante da liquidação; SQ
O pagamento é fracionado em duas prestações a efetuar dentro de 6 meses e um ano,
respetivamente, a contar do momento em que o montante esteja, em definitivo,
fixado (artigo 235.º, n.º1, alínea b) ex vi artigo 240.º, n.º5 CSC).
Pode haver perturbações no pagamento. A lei dispõe para essa eventualidade. Assim:
Se a sociedade optar pela amortização, mas não a puder levar a cabo por via do artigo
236.º, n.º1 CSC (a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida
da amortização, não pode ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, a não ser
que delibere simultaneamente a redução do capital), pode o sócio de saída (artigo 316
240., n.º6 CSC):
i. Ou esperar pelo pagamento;
ii. Ou requerer a dissolução da sociedade, por via administrativa.
Se se optar por uma aquisição da quota por sócio ou por terceiro e o adquirente da
quota não pagar tempestivamente o pagamento cabem, ao sócio de saída, essas
mesmas hipóteses, sem prejuízo de a sociedade o poder substituir, verificado o
disposto no artigo 236.º, n.º1 CSC: os pressupostos da amortização (artigo 240.º CSC).
Todo este regime permite entender porque não há uma total liberdade de exoneração, mesmo
quando se pretendesse estabelecê-la pelo contrato social. A saída voluntária de um sócio
pode colocar a sociedade por quotas numa situação muito séria: uma marcada
descapitalização ou, até, a dissolução. Estamos perante uma sociedade com uma forte
vertente de capitais, oponível a terceiros e que deve inspirar confiança. O Direito visa a sua
solidez e a sua continuidade. Os interessados, antes de constituírem uma sociedade por
quotas, particularmente quando nela pretendam colocar uma parte significativa dos seus
haveres, devem ponderar todas as hipóteses de desavenças com os restantes sócios: seja em
vida de todos, seja no plano dos respetivos herdeiros. Particularmente delicado é o recurso à
sociedade por quotas para eternizar as heranças indivisas: uma fonte de litígios complicada,
uma vez que a comunhão não pode cessar, depois, a não ser em casos estritos. Haverá que
procurar saídas estatutárias no plano das causas de dissolução.
A exclusão de sócios: a exclusão do sócio é o ato e/ou o efeito que envolvem a perda
da participação que o visado tenha na sociedade, perda essa que opere sem o seu
consentimento. Trata-se de uma medida delicada, que envolve a supressão de uma posição
patrimonial privada e que não pode operar sem uma razão ponderosa e sem uma
compensação adequada. A exclusão do sócio por quotas aparece, designadamente, nos
preceitos seguintes:
Artigo 204.º, n.º1 e 2 CSC: exclusão do sócio remisso que, interpelado, não realize,
no prazo legal, a entrada a que se encontre obrigado;
Artigo 212.º, n.º1 CSC: idem, quanto ao sócio que não efetue as prestações
suplementares que lhe caibam;
Artigo 214.º, n.º6 CSC: o sócio que abuse da informação e prejudique injustamente
a sociedade e os outros sócios é responsável e fica sujeito à exclusão.
Quanto às previsões gerais: regem os artigos 241.º e 242.º CSC. O artigo 241.º CSC é,
fundamentalmente, um preceito de enquadramento. O n.º1 fixa a possibilidade de exclusão
e distingue:
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A exclusão prevista na lei: é a referida nos artigos 204.º, n.º1, e 2, 212.º n.º1 e 214.º,
n.º6 CSC e, ainda, a cláusula geral do artigo 242.º, n.º1 CSC; SQ
A exclusão prevista no contrato: terá a ver com aspetos relativos à pessoa do sócio
(insolvência, desinteresse ou outras condutas similares) ou com o seu
comportamento (mau desempenho ou concorrência, tudo como exemplos). A
doutrina retira que não podem os estatutos prever uma exclusão por maioria
arbitrária: ad nutum. Realmente, assim é. Mas por razões precisa:
i. O sócio não pode renunciar antecipadamente aos seus direitos (artigo 809.º
CC);
ii. Não pode, igualmente, doar bens futuros (artigo 942.º, n.º1 CC). 317
O Direito das sociedades comerciais não deve enjeitiar o núcleo fundamental do
Direito Privado. Para além desses aspetos, compete às partes fixar os contornos da
justa causa que melhor caiba aos seus interesses.
Na hipótese de exclusão por força do contrato, o artigo 241.º, n.º2 CSC manda aplicar os
preceitos relativos à amortização de quotas. Trata-se de matéria regulada nos artigos 232.º e
seguintes CSC. Recordamos que a amortização dá lugar à extinção da quota (artigo 2232.º,
n.º2 CSC) e que faculta uma compensação equivalente ao valor da liquidação da quota em
causa, a pagar em certos termos (artigo 235.º, n.º1 CSC). O artigo 241.º, n.º3 CSC permite
que o contrato de sociedade fixe, para o caso de exclusão, um valor ou um critério diferentes
dos previstos para a amortização de quotas. Os estatutos, com frequência, aproveitam esta
faculdade fixando um valor inferior e por exemplo, 2/3 do que resultaria das regras de
amortização. O que se compreende: a exclusão representa uma sanção por uma conduta que,
além do mais, pode acarretar danos para a sociedade: reais mais difíceis de explicitar. Ora a
cláusula de exclusão tem um sentido de cláusula penal, admitida por via do artigo 810.º, n.º1
CC. Todavia, não pode a fixação estatutária da compensação devida pela exclusão cifrar-se
em montantes irrisórios ou não significativos. Em tal eventualidade, estar-se-ia a cair
novamente na proibição do artigo 809.º CC ou na da proibição de doação de bens futuros,
resultante do artigo 942.º, n.º1 CC. A lei parece ainda distinguir entre a exclusão por
deliberação social e a exclusão por decisão judicial.
A exclusão judicial: o artigo 242.º CSC prevê a exclusão judicial do sócio por quotas.
Subjacente estará, pois, uma contraposição entre a exclusão societária, deliberada pelos
sócios e a judicial, a decretar pelo juiz. O critério será o seguinte:
Cabe exclusão societária quando se esteja perante um facto concreto a que a lei
associe a exclusão ou a que o contrato ligue a essa mesma consequência;
Cabe exclusão judicial sempre que nos encontremos no âmbito da cláusula geral do
artigos 242.º, n.º1 CSC.
Entendeu o legislador que, perante a vaguidade dessa cláusula, melhor ficaria a apreciação
judicial do problema. Segundo o artigo 242.º, n.º1 CSC, pode ser excluído por decisão judicial
o sócio que, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento
da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes. Este preceito
representa um grande avanço jurídico-científico Na concretização da fórmula geral do artigo
242.º, n.º1 CSC, temos a observar as seguintes situações justificativas da exclusão por
comportamento desleal ou gravemente perturbador:
Um sócio com conhecimentos importantes a respeito da empresa, coloca tais
atributos ao serviço da concorrência e, ainda por cima, incita os funcionários da
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sociedade à deserção; além disso, não se exige um prejuízo efetivo, mas apenas a
capacidade de provocar danos; SQ
Um sócio, pouco tempo depois da renúncia à gerência da sociedade, começa a vender
os mesmos produtos num seu estabelecimento, a utilizar os catálogos e os preçários
da sociedade e a conquistar-lhe clientes, com prejuízos para ela;
Um sócio desenvolve uma atividade concorrencial com a da sociedade, procurando
angariar mercado através da utilização de meios técnicos e do know how da própria
sociedade;
A apreciação a fazer deve ser feita sem se tomar em conta a causa justificativa mas,
tão-só, o juízo de gravidade e situação de dano relevante a que conduzir ou pode 318
conduzir;
A exclusão justifica-se quando o interesse social seja posto em causa por um sócio
que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que
prejudiquem o fim social.
Como se vê, a deslealdade grave anda, na prática, em torno de questões de sigilo e de
concorrência. Sub-caso interessante é o da sociedade que tenha apenas dois sócios. O artigo
1005.º, n.º3 CC dispõe que, nas sociedades que tenham apenas dois sócios, a exclusão de um
deles só pode ser pronunciada pelo tribunal. O Código das Sociedades Comerciais não tem
um preceito equivalente. Mas ele deve inferir-se do sistema. Pelo seguinte:
Segundo o artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC, depende de deliberação social a exclusão
de sócios;
De acordo com o artigo 251.º, n.º1, alínea d) CSC, o próprio sócio excluído não pode
votar.
Logo, numa sociedade com apenas dois sócios, a exclusão de um deles seria possível só pela
vontade unilateral do outro: uma solução sem sentido que, não tendo saída legal, encobre
uma lacuna, a integrar, ex artigo 2.º CSC , com recurso ao artigo 1005.º, n.º3 CC. Assim o
entende – e bem – a jurisprudência41. A ação de exclusão deve ser proposta pela sociedade
ou deliberada pelos sócios (artigo 242.º, n.º5 CSC), exceto havendo apenas os dois sócios.
Compete ao autor invocar os factos de onde se retire a causa de exclusão. Além disso, a ação
pode ser acompanhada por um pedido de indemnização pelos prejuízos. Posto isto:
Dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de exclusão,
deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena
de a exclusão ficar sem efeito (artigo 242.º, n.º3 CSC);
O valor é calculado por referência à data da propositura da ação e pago nos termos
prescritos para a amortização de quotas (artigo 242.º, n.º4 CSC);
Aplicando-se, caso se opte pela aquisição de quota, pelo disposto no artigo 255.º,
n.º3, 4 e 5, 1.ª parte CSC (artigo 242.º, n.º5 CSC).
Até à amortização da quota, o sócio excluído mantém-se como sócio.
41Ac STJ 9-Dez-1999, Ac. RCb 14-Mar-2000, Ac. RCb 11-Nov-2003, Ac. RPt 2-Nov-2004 e Ac RPt 4-Out-
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n.º8 CSC). A divisibilidade das quotas constitui um elemento que a todos diz individualmente
respeito, aquando da contratação. Assim, se o pacto social for alterado no sentido de a divisão SQ
ser excluída ou modificada, a alteração só é eficaz com o consentimento de todos os sócios
por ela afetados (artigo 221.º, n.º7 CSC). A divisão de quotas não altera a quota inicial. Não
podem, só por aí, surgir mais direitos e obrigações do que os inicialmente existentes. As
novas quotas, com esta ressalva, não são idênticas à quota donde provenham.
42A natureza jurídica da comunhão corresponde a um tema com tradição de debate na doutrina portuguesa –
estudamo-las a Direitos Reais, vejam isso lá (大象城堡).
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qualquer um deles pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade (artigo 223.º, n.º3, 1.ª
parte CSC). Além disso – e salvo se designado por lei – pode qualquer contitular pedir a SQ
destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum (artigo 223.º, n.º3, 2.ª
parte CSC). NA sua preocupação regulamentadora, o legislador excedeu-se: é óbvio que o
representante diretamente designado pela lei não poderá deixar de ser destituível com justa
causa. Quando muito, esta teria de assumir contornos mais exigentes. Justa causa será, aqui,
qualquer fundamento justificado, objetivo ou subjetivo. Ela aproxima-se da justa causa
requerida para a revogação do mandato conferido também no interesse do mandatário ou de
terceiro (artigo 1170.º, n.º2 CC): nunca da justa causa laboral De todo o modo, a nomeação
e a destituição devem ser comunicadas por escrito à sociedade; esta pode, mesmo tacitamente, 322
dispensar a comunicação (artigo 223.º, n.º4 CSC). Pode acontecer que o representante
comum tenha impedimentos ou que ele ainda não tenha sido nomeado pelo tribunal, nos
termos do artigo 223.º, n.º3 CSC. Nessa altura, qualquer dos titulares poderá exercer os
inerentes direitos (artigo 22.º, n.º4, 1.ª parte, a contrario CSC); apresentando-se mais do que
um, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que (artigo 222.º, n.º4,
2.ª parte CSC):
Representem, pelo menos, metade do valor total da quota;
E para o caso não seja necessária a unanimidade prevista no artigo 224.º, n.º1 CSC.
Expostos os diversos esquemas tendentes à obtenção do representante comum dos
contitulares, vamos examinar as regras nucleares. Elas surgem no artigo 222.º, n.º1 e 2 CSC:
Os contitulares devem exercer os direitos inerentes à quota indivisa através do
representante comum: infere-se daqui que um contitular, isolado, não tem
legitimidade para propor ações de anulação de deliberações sociais, embora possa
pedir a sua suspensão, se for cabeça-de-casal e não tiver atribuído a outro o papel de
representante;
As comunicações da sociedade devem ser dirigidas ao representante comum ou, na
falta deste, a algum dos contitulares.
Em termos de qualificação das situações dos contitulares, há que atender À interferência dos
conceitos sucessórios. Assim perante uma herança indivisa, nenhum dos herdeiros tem, em
rigor, a qualidade de sócio, embora eles possam nomear um representante comum: tal
qualidade mantém-se na própria herança. Havendo indivisão simples, todos os contitulares
são sócios, embora devam recorrer ao tal representante. O representante comum tem, apenas,
poderes gerais de administração. Assim, segundo o artigo 223.º, n.º6 CSC, ele terá de receber
poderes de disposição – da lei, de testamento, de todos os contitulares ou do tribunal – para
praticar atos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações
e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. Tais poderes especiais devem ser comunicados
por escrito à sociedade (artigo 223.º, n.º6, in fine CSC). O representante comum pode, ainda,
ser instruído pelos sócios que o hajam designado. Compreende-se, porém, que tal
eventualidade representaria um encargo suplementar para a sociedade sempre que, perante
esta, se viesse a discutir a (boa) execução das instruções por ele recebidas. Tudo isto é
ponderado pelo artigo 224.º, n.º1 e 2 CSC:
As deliberações dos contitulares seguem o artigo 1407.º, n.º1 CC;
Salvo se estiverem em causa a extinção, alienação ou oneração da quota, o aumento
de obrigações, a renúncia ou a redução dos direitos dos sócios, altura em que se exige
a unanimidade;
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«Não carece o socio do consenso dos outros, para se associar com um terceiro, em relação à
parte que tem na sociedade. Não póde, todavia, aindaque seja administrador, fazê-lo entrar SQ
como socio na mesma sociedade».
Tínhamos, aqui, uma figura de ordem geral, que podia ser aplicada às sociedades por quotas.
O Código Civil de 1966 não consagrou a figura: criticavelmente. Todavia, a associação à
quota pode ser estipulada pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada (artigo 405.º CC).
A associação à quota pode ter um papel útil, inclusive no domínio financeiro: faculta ao sócio
descapitalizado, por exemplo, acorrer a aumentos de capital, negociando um associado. Tal
negócio não é relevante para a sociedade. O associado do sócio não é, ele próprio, sócio.
Apenas nas relações internas entre eles o acordo de associação surge relevante. 324
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O regime vigente: o Código de 1986 acabaria por consagrar regimes diferentes para a
aquisição de quotas próprias (artigo 220.º CSC) e de ações próprias (artigos 316.º a 325.º-B
CSC), embora com uma importante remissão das primeiras para o artigo 324.º CSC. À partida,
temos uma permissão geral de aquisição, desde que se trate de cláusulas integralmente
liberadas (artigo 220.º, n.º1 CSC). Fica ressalvada a hipótese do artigo 204.º CSC, relativo à
exclusão do sócio remisso, altura em que a respetiva quota é perdida a favor da sociedade
(artigo 204.º, n.º2 CSC). Posto isso, o artigo 220.º, n.º2 CSC só permite, quanto às quotas
próprias:
A aquisição a título gratuito;
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39.º - A transmissão
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Transmissão mortis causa: a transmissão mortis causa das quotas é, à partida, livre. O
artigo 225.º, n.º1 CSC explicita que:
«O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respetiva quota não se
transmitirá aos sucessores, do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos
requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes».
Quando a quota siga por via sucessória, aplicam-se as regras gerais. Nos casos, porém, em
que as partes, fazendo uso da sua autonomia privada, restrinjam ou impeçam essa
transmissão, há que prever mecanismos de compensação. De outro modo, teríamos uma
expropriação ad nutum, não permitida pela Constituição. Não se verificando a transmissão
para os sucessores, temos três possibilidades (artigo 225.º, n.º2 CSC):
A amortização;
A aquisição pela própria sociedade;
A aquisição por outro sócio ou por um terceiro.
Se no prazo de 90 dias, subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por alguns dos
gerentes, nenhuma destas medidas for levada a cabo, a quota considera-se transmitida. Caso
se opte pela aquisição da quota, o respetivo contrato é outorgado pelo representante da
sociedade e pelo adquirente, se for sócio ou terceiro (artigo 225.º, n.º3 CSC). Fica, pois,
dispensada a intervenção dos próprios sucessores. Quanto à determinação e ao pagamento
do preço: aplicam-se as regras relativas à amortização, mas ficando os efeitos da alienação
suspensos enquanto a contrapartida não for paga (artigo 225.º, n,º4 CSC). Não sendo a
contrapartida tempestivamente paga, podem os interessados escolher entre (artigo 225.º, n.º5
CSC):
A efetivação do crédito, através dos meios legais de execução coativa;
A ineficácia da alienação, considerando-se a quota transmitida para os sucessores a
quem caberia a contrapartida em falta: deverá, entretanto, ter havido partilhas
relevantes, nesse ponto.
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Na assembleia geral onde se debata o destino da quota do sócio falecido, podem participar
os sucessores. Pode ainda o contrato de sociedade deixar a transmissão da quota do de cuius SQ
à vontade dos sucessores. Para tal eventualidade dispõe o artigo 226.º CSC. Temos:
Quando os sucessores não aceitem a transmissão, devem declará-lo à sociedade, por
escrito, no 90 dias seguintes ao do conhecimento do óbito (n.º1);
Recebida a declaração, tem a sociedade 30 dias para amortizar a quota, adquiri-la ou
fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro (n.º2);
Sob pena de o sucessor poder requerer a dissolução da sociedade por via
administrativa (n.º2, in fine);
Quanto à determinação e ao pagamento da contrapartida, aplicam-se as regras sobre 328
amortização, ficando os efeitos dependentes do pagamento (n.º3, que remete para o
artigo 225.º, n.º4 CSC);
Se a contrapartida não puder ser paga mercê da situação da sociedade ou se, de todo
o modo, ela não for paga, pode o sucessor requerer a dissolução da sociedade por via
administrativa (n.º3, que remete para o artigo 240.º, n.º6 e 7 CSC).
Apesar de prever prazos relativamente curtos, todos estes procedimentos tendem a alongar-
se no tempo. Havia que prover durante o período de pendência da amortização ou da
aquisição pela sociedade, por sócios ou por terceiros. Tal o papel do artigo 227.º CSC:
A amortização ou a aquisição retroagem à data do óbito (n.º1);
Os direitos e as obrigações mantêm-se suspensos (n.º2);
Mas durante essa suspensão, os sucessores podem exercer todos os direitos
necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações
sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade (n.º3); devem, pois, ser
convocados.
Resta acrescentar que toda esta regulação é tendencialmente supletiva. Os estatutos podem
prever uma diversa ordenação dos interesses mútuos envolvidos. Recordemos que, quando
a sociedade não possa amortizar as quotas ou pagar a contrapartida equivalente, o sucessor
pode requerer a sua dissolução. É uma solução pesada, suscetível de destruir, pela raiz, um
empreendimento totalmente viável. Aos estatutos cabe, designadamente e para essa
eventualidade, prever alternativas: pagamentos faseados e prazos mais alargados. Também é
possível fixar outros métodos de compensação. Mas não ao ponto de se chegar a valores
irrisórios, sob pena de abuso do direito.
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Esta norma é entendida como imperativa, perante o artigo 229.º, n.º5 CSC. O consentimento
é um ato jurídico unilateral, praticado pela sociedade mediante uma deliberação dos sócios. SQ
Pode ser expresso ou tácito: neste último caso, poderemos inserir a hipótese de a sociedade,
designadamente através dos seus sócios (em assembleia geral ou fora dela) passar a tratar o
transmissário como sócio. A transmissão torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe
for comunicada por escrito ou por ela for reconhecida, expressa ou tacitamente (n.º3).
Reconhecer implica uma atitude positiva de aceitação de validade da cessão. Se não for obtido
o consentimento da sociedade: esta tem legitimidade ativa para o pedido de declaração de
invalidade da cessão. Todavia, o caso não é de nulidade: apenas de ineficácia. Bem pode
suceder que, supervenientemente, a sociedade venha a dar o seu assentimento. Entre as 329
partes, a cessão é válida. O negócio-base da cessão sujeita-se às vicissitudes comuns de
qualquer contrato. Pode, designadamente e verificados os competentes pressupostos, ser
resolvido por alteração das circunstâncias (artigo 437.º, n.º1 CC), por incumprimento ou
anulado por erro. O pedido e a prestação do consentimento recebem uma regulação de
pormenor, no artigo 230.º CSC. Assim:
O consentimento é pedido por escrito, com indicação do cessionário e de todas as
condições da cessão (n.º1);
O consentimento expresso é dado por deliberação dos sócios (n.º2);
O consentimento não pode ser condicionado, sendo irrelevantes as condições que se
estipulem (n.º3);
Se a sociedade não deliberar nos 60 dias subsequentes à receção do pedido, a eficácia
deixa de depender dele (n.º4);
O consentimento dado a uma cessão posterior a outra não consentida torna esta
eficaz, na medida necessária para assegurar a legitimidade do cedente (n.º5).
O n.º6 explicita ainda o consentimento tácito resultante da presença do cessionário em
assembleia de sócios, sem que ninguém impugne a sua presença. Para efeitos do registo da
cessão, o consentimento tácito prova-se através da ata da deliberação. Havendo recusa de
consentimento, a competente comunicação a dirigir ao sócio deve incluir uma proposta de
amortização ou de aquisição da quota (artigo 231.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Cabe, então, ao
cedente decidir: se ele não aceitar a proposta no prazo de 15 dias, a proposta fica sem efeito,
mantendo-se a recusa de consentimento (artigo 231.º, n.º1, 2.ª parte CSC). Este regime – e
os aspetos que dele decorrem, abaixo referidos – só opera se a quota estiver há mais de três
anos na titularidade do cedente, do seu cônjuge ou de pessoa a quem tenham, um ou outro,
sucedido por morte (artigo 231.º, n.º3 CSC). Trata-se de um dispositivo que tutela a
estabilidade e desincentiva passagens meramente especulativas pelo capital das sociedades
por quotas. Tratando-se de aquisição: o direito a adquirir a quota é atribuído aos sócios que
declarem querê-la no momento da deliberação e proporcionalmente às quotas que já
detenham; se não exercerem esse direito, ele pertencerá á sociedade (artigo 231.º, n.º4 CSC).
Temos, aqui, um verdadeiro direito de preferência, que opera na hipótese de a sociedade
deliberar que a quota a ceder seja adquirida, em vez de amortizada. Finalmente: a cessão para
a qual foi pedido o consentimento da sociedade torna-se livre se se verificar o previsto
nalgum das cinco alíneas do artigo 231.º, n.º2 CSC:
Se for omitida a proposta que deve acompanhar a recusa;
Se a proposta e a aceitação não respeitarem a forma escrita e o negócio não for
celebrado por escrito nos 60 dias seguintes à aceitação, por causa imputável à
sociedade;
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Se a proposta não abranger todas as quotas para cuja alienação tiver sido pedido, em
simultâneo, o consentimento; SQ
Se a proposta não oferecer uma contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante
do negócio encarado: salvo se o negócio em causa for gratuito ou se provar a
simulação do valor, altura em que deverá propor o valor real da quota, calculado
segundo o artigo 1021.º CC, com referência ao momento da deliberação.
Se a proposta propuser diferimento do pagamento e não for, no mesmo ato, prevista
uma garantia adequada.
Segue; as cláusulas contratuais: o artigo 229.º CSC ocupa-se de diversas cláusulas
contratuais suscetíveis de, no pacto social, regularem o ponto sensível da cessão de quotas. 330
Desde logo, reporta-se às duas soluções extremas:
O pacto pode proibir a cessão de quotas: simplesmente, quando o faça, os sócios têm
direito à exoneração, decorridos dez anos sobre o seu ingresso na sociedade (n.º1):
uma solução paralela à do artigo 185.º, n.º1, alínea a) CSC, para as sociedades em
nome coletivo;
O pacto pode dispensar o consentimento da sociedade, quer para todas, quer para
determinadas situações; esta hipótese deve, porém, ser conjugada com o n.º5.
Além disso, o pacto pode exigir o consentimento para cessões que, supletivamente, dele não
precisariam: as cessões referidas no final do artigo 228.º, n.º2 CSC: entre cônjuges, entre
ascendentes e descendentes ou entre sócios (artigo 229.º, n.º3 CSC). A deliberação de
alteração do contrato de sociedade que proíba ou dificulte a cessão de quotas requer o
consentimento de todos os sócios afetados (artigo 229.º, n.º4 CSC). Logicamente, trata-se de
um aspeto que vai atingir a posição pessoal (e patrimonial) de todos eles. Muito ponderoso,
o artigo 229.º, n.º5 CSC dispõe que o contrato de sociedade não pode subordinar a cessão a
requisitos diferentes do do consentimento da sociedade; pode, porém, condicionar esse
consentimento a requisitos específicos, desde que a cessão não fique dependente:
Da vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoas estranhas, salvo tratando-
se de credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a
permanência de certos sócios (alínea a));
De quaisquer prestações a efetuar pelo cedente ou pelo cessionário em proveito da
sociedade ou de sócios (alínea b));
Da assunção, pelo cessionário, de obrigações não previstas para a generalidade dos
sócios (alínea c)).
Como se vê, estão especialmente em xeque as cláusulas que, a pretexto de autorização para
a cessão, pretendem obter vantagens específicas para a sociedade ou para os sócios. O artigo
229.º, n.º6 CSC prevê que o contrato de sociedade possa cominar penalidades para o caso de
a cessão ser efetuada sem prévio consentimento da sociedade. Estamos perante uma hipótese
de cláusula penal (artigo 810.º CC), embora não limitada a aspetos indemnizatórios. Assim,
uma especial sanção seria a exclusão do sócio (artigo 241.º, n.º1 CSC). Resta acrescentar que
a oneração de quotas, com usufruto ou com penhor, está sujeita às limitações estabelecidas
para a sua transmissão. Entre as cláusulas contratuais relativas à transmissão de quotas conta-
se o estabelecimento de direitos de preferência. Convirá ter o cuidado, na redação dos
competentes estatutos, de articular tais direitos com o consentimento da sociedade, de tal
modo que não se possa ir dizer que a cessão ficou dependente da vontade individual de um
ou mais sócios. De resto, a própria lei fixa um sistema material de preferência na hipótese de,
havendo recusa do consentimento, a sociedade deliberar a aquisição da quota (artigo 231.º,
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n.º4 CSC). Ainda no pacto social e a fortiori (artigo 229.º, n.º6 CSC), é possível fixar as
consequências da eventual violação das preferências. Elas poderão passar pela ineficácia da SQ
cessão prevaricadora ou envolver uma ação de preferência (artigo 1410.º CC). O sistema
português de transmissão das quotas, diferenciado, com princípios, regras e exceções,
envolvendo normas injuntivas e supletivas e remetendo (algumas) liberdades para o pacto
social, acaba por ser bastante complexo.
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As regras relativas à defesa possessória nada tem de especial: o próprio Código Civil
permite aplicá-las aos direitos pessoais de gozo; logo, elas são operacionais perante SQ
as posições sociais;
A usucapião está reservada aos direitos reais de gozo; todavia, outros institutos hoje
disponíveis permitem conseguir os mesmos efeitos, por outra via: maxime, pelo abuso
do direito, através da suppressio.
Assim, a pessoa que, longamente e à vista de todo, se comporte como titular de uma quota,
como tal sendo tratado pela própria sociedade pode, ex bona fide, adquirir correspondente
posição: a atuação da sociedade de, supervenientemente, vir a questionar essa posição seria
abuso do direito, não podendo ter lugar. Fica-se com a disponibilidade de um instituto 332
flexível, capaz de corresponder às diferenciações do caso concreto.
40.º - A amortização
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Da lei; ou
Do contrato. SQ
Manda, em qualquer dos casos, seguir o regime previsto na secção: o que envolve os artigos
232.º a 237.º CSC. Não fica definido se esse regime é injuntivo ou se o pacto social pode
dispor de outro modo. Prevalece, em princípio, esta segunda possibilidade, num aspeto que
terá de ser verificado ponto por ponto. O artigo 232.º, n.º2 CSC fixa o efeito da amortização:
a extinção da quota. Ressalva, porém e desde logo, os direitos já adquiridos e as obrigações
já vencidas. Perante direitos de constituição processualmente diferida e em face de obrigações
já constituídas mas não vencidas (incluindo situações condicionadas) haverá que fazer uma
ponderação ponto por ponto. O artigo 237.º CSC fixa os efeitos da amortização no tocante 333
ao capital social. Pressuposto importante da amortização é o de a quota atingida se encontrar
integralmente liberada (artigo 232.º, n.º2 CSC); o preceito ressalva, todavia, o caso da redução
de capital. Além disso, a sociedade só pode amortizar quotas (artigo 236.º, n.º1 CSC):
«(...) quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida
da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal a não ser que
simultaneamente delibere a redução do seu capital».
Este aspeto é importante. A própria lei entendeu regular a hipótese do seu desaparecimento
superveniente. Assim:
Se, aquando do vencimento da obrigação de pagar a contrapartida, da amortização se
verificar que, feito o pagamento, a situação líquida da sociedade passaria a ser inferior
à soma do capital e da reserva legal, a amortização fica sem efeito e o interessado
deve restituir à sociedade as quantias porventura já recebidas (artigo 236.º, n.º3 CSC);
tecnicamente, temos aqui uma verdadeira condição resolutiva legal;
Sendo esse o caso, o interessado pode optar pela amortização parcial da quota, na
proporção do que já recebeu ou ainda, em alternativa, pelo diferimento do pagamento,
até que se verifique a prescrita situação líquida (artigo 236.º, n.º4 CSC); esta opção
deve ser declarada por escrito, à sociedade, nos 30 dias subsequentes àquele em que,
ao sócio, seja comunicada a impossibilidade do pagamento pelo motivo referido
(artigo 236.º, n.º5 CSC).
Quanto aos pressupostos de raiz – a permissão legal ou a permissão contratual – impõe-se
precisar que a lei prevê a amortização de quotas nos casos seguintes:
Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os
sucessores do sócio falecido (artigo 225.º, n.º2 CSC);
Quando, dependendo a transmissão mortis causa da vontade dos sucessores, estes
declarem querer a amortização (artigo 226.º, n.º1 CSC);
Quando a sociedade recuse o consentimento para a transmissão de uma quota (artigo
231.º, n.º1 CSC);
Quando o sócio pretenda exonerar-se (artigo 240.º, n.º3, 2.ª parte CSC).
Cada um destes preceitos deve ser examinado. Por vezes, eles pressupõem outras previsões
contratuais ou envolvem alternativas. Além disso, a amortização é, por vezes, obrigatória.
No tocante à previsão contratual, temos diversas precisões. Aparentemente, o artigo 232.º,
n.º1 CSC admite uma previsão genérica de amortização, desde que consagrada nos estatutos.
Todavia, infere-se do artigo 233.º, n.º1 CSC que tal previsão genérica apenas permitirá a
amortização se houver acordo do sócio atingido. Fora dessa hipótese, ela só será possível se
se verificar um facto que os estatutos considerem fundamento de amortização compulsiva
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(artigo 233.º, n.º1 CSC). Podemos, parcialmente apoiados em Raúl Ventura, fixar o quadro
seguinte: SQ
O pacto social nada diz: a amortização só é possível nos casos previstos na lei; a
própria amortização por acordo não é possível;
O pacto social tem uma permissão genérica de amortização: só são viáveis
amortizações por acordo;
O pacto social inclui, além da permissão genérica, previsões específicas de
amortização: são viáveis as amortizações por acordo e, ainda, aquelas que
correspondam aos factos verificados;
O pacto social inclui apenas previsões específicas, sem explicitar o acordo: operam 334
as amortizações correspondentes aos factos verificados e, ainda, as que surjam por
acordo, uma vez que a vontade coletiva deixou em aberto a virtualidade de
amortizações.
Além disso, o pacto social pode permitir a amortização ou pode impô-la, perante
determinados factos. Trata-se de um aspeto a elucidar caso a caso, através da interpretação.
Não é necessário, à luz do Direito Português, engendrar situações de amortização através de
uma cláusula geral de justificação muito relevante ou motivo justificado. Para situações extremas, o
Direito Português conhece a figura da exclusão judicial (artigo 242.º, n.º1 CSC). Pela mesma
ordem de razões, não é possível construir, por analogia ou por qualquer processo criativo,
novas causas de concretização não especificadas no pacto: estaríamos, com isso, a defraudar
a confiança dos sócios. O artigo 233.º, n.º2 CSC explicita ainda que a amortização só é
possível quando o facto permissivo já figurava no contrato de sociedade ao tempo da
aquisição da quota pelo atual titular ou pela pessoa na qual ele tenha sucedido mortis causa:
salvo se a introdução do facto em causa tiver sido unanimemente deliberada pelos sócios. As
condições em que não é possível uma determinada amortização funcionam, assim, como
autênticos direitos especiais dos sócios, direitos esses que não podem ser coartados sem o
consentimento do próprio (artigo 24.º, n.º5 CSC). Ainda no domínio dos pressupostos, há
que contar com várias regras atinentes ao consentimento dos sócios. São elas:
O consentimento pode ser dado na própria assembleia geral ou em documento
anterior ou posterior a esta (artigo 233.º, n.º3 CSC);
O consentimento também deve ser dado pelo usufrutuário da quota ou pelo titular
de penhor sobre ela, caso existam (artigo 233.º, n.º4 CSC);
O consentimento é ainda necessário para a amortização parcial, salvo nos casos
previstos na lei (artigo 233.º, n.º5 CSC).
Tecnicamente, o consentimento é um ato jurídico stricto sensu, unilateral. Aplicam-se-lhe,
todavia e com adaptações, as regras do negócio jurídico (artigo 295.º CC).
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mesmo interessado, mandam as boas normas (artigo 224.º, n.º1 CC) que ela se torne eficaz
quando o respetivo documento seja recebido pela sociedade. A amortização deve ser tomada SQ
no prazo de 90 dias contados do conhecimento por algum gerente da sociedade de facto
(legal ou contratual) que a permita. Tratando-se de uma amortização obrigatória: passado o
prazo, ela fica igualmente precludida; só que, nessa eventualidade, o gerente que tenha
conhecimento do facto relevante e o não transmita aos sócios é responsável pelos danos que
tenha originado ou venha a originar. Temos ainda a considerar que a amortização pode surgir
como o produto de um direito conferido ao sócio ou de um direito atribuído à própria
sociedade. Como o seguinte alcance prático:
Quando concedido ao sócio, aplica-se o disposto sobre a exoneração (artigo 232.º, 335
n.º4 CSC);
Quando atribuído à própria sociedade, esta pode antes optar por adquirir a quota ou
por fazê-la adquirir por um sócio ou por terceiro (artigo 232.º, n.º5 CSC); nesta
hipótese, aplica-se o artigo 225.º, n.º3, 4 e 5, 1.ª parte, CSC.
No domínio da exoneração dos sócios (artigo 240.º CSC), diversos preceitos remetem para
a amortização de quotas. Temos, pois, todo um jogo de remissões: porventura evitáveis, com
mais algum apuro legislativo. Na própria deliberação deve-se exarar a ressalva do capital
social e das reservas (artigo 236.º, n.º2 CSC). Assim, não será se o valor for negativo e, como
tal, a amortização se tornar gratuita. Além disso, a jurisprudência entende que o sócio visado
pela amortização não tem um interesse oposto ao da sociedade, a menos que esteja também
em causa a sua exclusão por justa causa. Pode, intervir e votar na competente assembleia
geral. O sócio afetado tem legitimidade direta para se opor à amortização.
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Nesta última hipótese não há nem redução do capital, nem aumento proporcional das demais
quotas. Trata-se de uma operação contabilística destinada a manter o status quo. Em boa
verdade, seria questionável se estamos em face de uma verdadeira amortização, já que a quota
atingida não é, summo rigore, suprimida. Ainda no domínio dos efeitos da amortização, temos
o caso específico da contitularidade, que mereceu, no Código de 1986, um preceito específico.
o artigo 238.º CSC. Quando o fundamento da amortização atinja, objetivamente, a quota ou,
subjetivamente, todos os contitulares, não há problema: segue-se o regime geral. Quando,
porém, apenas em relação a um contitular se verifiquem os pressupostos da amortização,
temos o seguinte cenário:
Podem os sócios deliberar que a quota seja dividida em conformidade com o título,
desde que daí não resultem quotas inferiores a 50 euros (n.º1);
Dividida a quota, a amortização recai sobre a que pertença ao titular que reúna os
pressupostos da amortização (n.º2, 1.ª parte);
Na falta de divisão, não há amortização (n.º2, 2.ª parte CSC).
Como explica Raúl Ventura, é, aqui, sacrificado o interesse da sociedade. Cumpre a esta
tomar medidas oportunas para facilitar a divisão ou para prevenir contitularidades demasiado
fraccionadas.
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SQ
41.º - A execução e o registo
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que o legislador vem associar efeitos a nível de eficácia perante a sociedade. Esta solução é
tornada necessária pela supressão da escritura pública e sob pena de se estabelecer a completa SQ
insegurança nas sociedades por quotas. Fica à prova. De todo o modo, a sociedade de má fé
não poderá, pelas regras gerais, prevalecer-se da não solicitação de determinado registo. No
limite: por abuso do direito. Segundo o artigo 242.º-B CSC, cabe à própria sociedade
promover os registos relativos a factos em que, de alguma forma, tenha tido intervenção ou
mediante solicitação de quem tenha legitimidade. Ou seja (artigo 242.º-B, n.º2 CSC):
«a) O transmissário, o transmitente e o sócio exonerado;
«b) O usufrutuário e o credor pignoratício».
Pergunta-se se tal legitimidade não deveria ser estendida: 338
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O n.º2 desse preceito estabelece ainda uma responsabilidade solidária das sociedades pelo
cumprimento das obrigações tributárias cuja fiscalização lhes é cometida pelo artigo 242.º-E, SQ
n.º2 CSC.
339
§42.º - Aspetos gerais
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A competência dos sócios: o artigo 246.º CSC distingue, basicamente, nos dois
números:
Atos sujeitos necessariamente a deliberação dos sócios (n.º1);
Atos supletivamente sujeitos a esse tipo de deliberação, isto é: se o contrato social
não dispuser de outra forma (n.º2).
Quanto aos atos sujeitos necessariamente a deliberação dos sócios: a lei procede (artigo 246.º, 340
n.º1, corpo CSC) a uma enumeração mínima: podem a lei ou o contrato acrescentar novos
atos. A enumeração legal – ou a contratual, quando existe – é taxativa. No seguinte sentido:
quando a prática de um ato não dependa de deliberação dos sócios, ela poderá ser levada a
cabo pela gerência: cabe-lhe representar a sociedade. A expressão dependem de deliberação
dos sócios pode parecer excessivamente circundante. Todavia, o legislador teve uma ideia:
entre os atos elencados contam-se diversos que, em última instância, acabarão por se
concretizar através da atuação da gerência. Mas, a precedê-los, deverá haver uma deliberação
dos sócios. De modo a ordenar os atos referidos no artigo 246.º CSC, de acordo com o seu
posicionamento perante atuações e outros órgãos, podemos distinguir:
Atos auto-suficientes: a deliberação dos sócios é bastante para produzir o efeito
pretendido: consentimento para divisão (artigo 221.º, n.º6 CSC) e para cessão (artigo
230.º, n.º2 CSC) de quotas, amortização de quotas (artigo 234.º CSC), e de membros
de órgãos de fiscalização (artigo 257.º, n.º2 CSC), aprovação do relatório de gestão e
exoneração de responsabilidade (artigo 246.º, n.º1 CSC);
Atos que exigem subsequente execução pela gerência: alterações do pacto social,
transformação e dissolução da sociedade e regresso à atividade da sociedade
dissolvida;
Atos a concretizar pela gerência: chamada (artigo 211.º CSC) e restituição (artigo
213.º CSC) de prestações suplementares, aquisição, alienação e oneração de quotas
próprias (artigo 220.º CSC), proposição de ações contra sócios gerentes, fusão e cisão
da sociedade e alienação ou oneração de imóveis; os pontos não especificamente
reportados a preceitos legais têm a sua base no próprio artigo 246.º CSC.
Em termos materiais, a competência dos sócios poderia ser ordenada da seguinte forma
(artigo 246.º CSC):
Quanto à própria sociedade: alteração (n.º1, alínea h)) e fusão, cisão, transformação,
dissolução e regresso à atividade (n.º1, alínea i));
Quanto aos sócios: chamada e restituição de prestações suplementares (n.º1, alínea
a)), exclusão (n.º1, alínea c)), atribuição de lucros (n.º1, alínea e)) e proposição de
ações (n.º1, alínea g));
Quanto às quotas: amortização, quotas próprias e cessão (n.º1, alínea b));
Quanto a outros órgãos: designação e destituição de gerentes e de membros do
órgão de fiscalização (n.º1, alínea d) e 2.º, alíneas a) e b)), aprovação do relatório de
gestão (n.º1, alínea e)), exoneração de responsabilidade (n.º1, alínea f)) e proposição
de ações (alínea g));
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Formas de deliberação: o tema das deliberações dos sócios das sociedades comerciais
recebe, no Código, um tratamento complexo. Devemos ter em conta:
A matéria inserida na Parte Geral: temos, aí, um Capítulo IV precisamente epigrafado
deliberações dos sócios (artigos 53.º a 63.º CSC);
As regras para as sociedades em nome coletivo (artigos 189.º a 190.º CSC);
As regras para as sociedades por quotas (artigos 264.º a 251.º CSC);
As regras para as sociedades anónimas (artigos 373.º a 389.º CSC);
As regras para as sociedades em comandita (artigos 472.º CSC).
No caso das sociedades por quotas, haverá que lidar, em especial, com as regras gerais, com
as regras especificamente destinadas a esse tipo societário e com as regras sobre assembleias
gerais das sociedades anónimas, para as quais há uma remissão expressa (artigo 248.º, n.º1
CSC). Recordemos, aliás, que no tocante às deliberações nas sociedades em nome coletivo,
há uma remissão para as sociedades por quotas (artigo 189.º, n.º1 CSC). O Código de 1986
admite várias formas de deliberação dos sócios. De acordo com o artigo 54.º CSC, ainda que
articulando-se, em termos nucleares, com o artigo 247.º CSC, podemos distinguir, quanto Às
formas de deliberação:
Deliberações unânimes por escrito (artigo 54.º, n.º1, 1.ª proposição CSC):
resultam de todos os sócios terem, por essa forma, emitido uma declaração de
vontade confluente. A lei não prevê formalidades especiais, sendo todavia evidente
que terá de tomar a iniciativa. Nos termos gerais do Decreto-Lei n.º7/2004, 7 janeiro
(artigo 26.º, n.º1 CSC), a competente declaração pode ser feita por meios eletrónicos
(pela Internet), valendo como forma escrita. O essencial para que surja a deliberação
é, aqui, simplesmente a manifestação unânime de vontade.
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CSC), apenas caso a caso se podendo verificar se é viável a transposição. Quanto às normas
específicas para as assembleias gerais das sociedades por quotas, temos (artigo 248.º CSC): SQ
Qualquer sócio por quotas pode exercer os direitos, atribuídos a minoritários nas
anónimas, quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia (n.º2);
A convocação compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por carta registada
expedida com a antecedência mínima de quinze dias; o contrato de sociedade pode
exigir outras formalidades ou estabelecer um prazo mais longo (n.º3);
A presidência compete ao sócio que detiver ou representar a maior fração de capital,
prevalecendo, em igualdade de circunstâncias, o mais velho: tudo isso a título
supletivo (n.º4); 343
Nenhum sócio, mesmo que impedido de exercer o voto, pode ser privado de
participar na assembleia: uma norma injuntiva (n.º5);
As atas devem ser assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia (n.º6).
Pertence à tradição das sociedades por quotas o estabelecimento de restrições quanto à
representação voluntária, para efeitos de participação em assembleia geral. Não vemos
justificação nem vantagem para tal solução: a representação voluntária é, hoje, um instituto
normalíssimo. Quando muito será de exigir, em certos casos, poderes especiais. No fundo,
o legislador imbui-se na ideia de que a assembleia geral é um gremium pessoal e de que a
qualidade de sócio tem essa mesma qualidade, não logrando quebrar tais amarras. Fixou as
regras seguintes (artigo 249.º CSC):
A representação voluntária só pode ser conferida, pelo sócio, ao seu cônjuge, a um
seu descendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de
sociedade faculte expressamente outros representantes (n.º5);
Não é permitida a representação voluntária em deliberações por voto escrito (n.º1);
Os instrumentos que não mencionem a duração dos poderes são válidos apenas para
o ano civil respetivo (n.º3);
Para uma representação em determinada assembleia geral, em primeira ou em
segunda data, basta uma carta dirigida ao respetivo presidente (n.º4).
Como se vê, mantêm-se as restrições de fundo quanto à representação voluntária, ainda que
com o trocadilho de a regra básica estar dissimulada no n.º5 do artigo 249.º CSC. Ora, uma
sociedade por quotas não é um instituto de Direito da Família. Também não se visualiza para
quê penalizar pessoas que não possam comparecer pessoalmente por impedimento sério ou
por deficiência: ficarão nas mãos aleatórias de terem familiares próximos disponíveis ou
sócios da sua confiança. Impõe-se, pois, o maior cuidado na representação dos pactos sociais,
sendo certo que, no limite, o artigo 249.º, n.º5 CSC poderá ser julgado inconstitucional, por
violação do princípio da não discriminação. Apuradas as regras específicas das sociedades
por quotas – e salvo o que abaixo se dirá sobre o tema dos votos – cumpre verificar
rapidamente quais são os preceitos relativos às sociedades anónimas e que aqui sejam
aplicáveis por via da remissão do artigo 248.º, n.º1 CSC. Assim:
Artigo 373.º CSC: não é aplicável, prevalecendo os artigos 247.º e 246.º CSC;
Artigo 374.º CSC: não é aplicável, prevalecendo o artigo 248.º, n.º4 CSC;
Artigo 374.º-A CSC: não é aplicável, pela mesma razão;
Artigo 375.º CSC: é aplicável, com as adaptações prescritas no artigo 248.º, n.º2 CSC
e com adaptação dos órgãos;
Artigo 376.º CSC: é aplicável, com adaptação dos órgãos;
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de todo o modo e para além da experiência acolhida no regime anterior, apresentar algumas
proposições jurisprudenciais concretizadoras. À partida, interessa ter presente a enumeração SQ
legal exemplificativa. Segundo a 2.ª parte do artigo 251.º, n.º1 CSC:
«Entende-se que a referida situação de conflito de interesses se verifica designadamente quando
se tratar de deliberação que recaia sobre:
«a) Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do sócio, quer nessa qualidade,
quer como gerente ou membro do órgão de fiscalização;
«b) Litígio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste contra aquela, em qualquer
das qualidades referidas na alínea anterior, tanto antes como depois do recurso a tribunal; 345
«c) Perda do sócio de parte de uma quota, na hipótese prevista no artigo 204.º, n.º2 CSC;
«d) Exclusão do sócio;
«e) Consentimento previsto no artigo 254.º, n.º1;
«f) Destituição, por justa causa, da gerência que estiver exercendo ou de membro do órgão de
fiscalização;
«g) Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o sócio, estranha ao
contrato de sociedade».
Quanto à concretização jurisprudêncial, relevamos as seguintes proposições:
Acórdãos RLx 16 março 1989 e STJ 5 junho 1997: um sócio pode tomar parte na
sua própria eleição como gerente;
Acórdãos RCb 7 abril 1994 e RPt 24 novembro 1997: idem, quanto à fixação do
seu vencimento na gerência;
Acórdão STJ 28 setembro 1995: idem, quanto à relação entre a sociedade e uma
terceira pessoa, ainda que cônjuge do sócio;
Acórdão RPt 2 fevereiro 1998: idem, quanto à aprovação das contas anuais, mesmo
sendo sócio-gerente;
Acórdão STJ 4 maio 1993: idem, quanto à amortização da sua própria quota.
Em compensação, ele não pode votar quanto à sua própria exclusão (Ac. STJ 9 fevereiro
1995). O artigo 251.º, n.º1, 2.ª parte CSC, nas suas diversas alíneas, é meramente
exemplificativo, como se disse. Porém, para determinarmos novas situações de conflitos de
interesses inibidores de votos, é necessário que se verifique uma proximidade valorativa com
as situações enunciadas na lei (Ac. RPt 11 outubro 1993). O sentido das limitações
deliberativas surgem em diversos lugares paralelos, para além das sociedades por quotas.
Dispõe o artigo 410.º, n.º6 CSC:
«O administrador não pode votar sobre assuntos em que tenha, por conta própria ou de terceiros,
um interesse em conflito com o da sociedade; em caso de conflito, o administrador deve informar
o presidente sobre ele».
Por seu turno, o artigo 8.º, n.º2 Decreto-Lei n.º 464/82, 9 dezembro, articula:
«O gestor público deverá declarar-se impedido de tomar posições no órgão de gestão a que
pertence sempre que sejam tomadas deliberações que afetem, direta ou indiretamente, os seus
interesses pessoas(...)».
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44.º - A gerência
Designação e substituição: o artigo 252.º, n.º1 CSC fixa um ou mais gerentes. Caberá
ao pacto social ou, na falta de indicação, aos sócios, decidir qual o número de gerentes
pretendido. Como requisitos (n.º1), temos apenas:
Podem ser sócios ou estranhos;
Devem ser pessoas singulares;
Com capacidade jurídica plena.
Fica aberta a porta ao apelo a gestores profissionais. Não se acolheu a orientação, patente
quanto às sociedades anónimas (artigo 390.º, n.º4 CSC), de se poder escolher uma pessoa
coletiva a qual deveria, depois, nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome
próprio: provavelmente por ter prevalecido o entendimento de que se deveria dar prioridade
a uma estreita confiança pessoal entre os membros da gerência. De todo o modo, a abertura
facultada nas sociedades anónimas permite-nos considerar que o pacto social pode admitir
pessoas coletivas como gerentes, seguindo-se, depois, o preceito do artigo 390.º, n.º4 CSC.
43 CPC 2013
44 Sem paciência para ver se é do código atual ou não. vejam vocês
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Hoje, podemos considerar que a técnica de atuação em modo coletivo através de sociedades,
em especial de sociedades por quotas, está plenamente popularizada. Assim, quer o próprio SQ
gerente, quer os particulares que, com ele, contratem, têm a perfeita noção de que age uma
sociedade. Esta ficará vinculada. De resto – como vamos ver de seguida – a ordem jurídica,
até por preocupações comunitárias, tutela fortemente a confiança nessa representação. O
preceito decisivo é, aqui, o artigo 260.º, n.º1 CSC, que dispõe:
«Os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe
confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social
ou resultantes de deliberações dos sócios».
349
Os números subsequentes prosseguem:
A sociedade pode, porém, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do
seu objeto social se provar que o terceiro as conhecia ou devia conhecer e se não
tiver assumido o negócio, expressa ou tacitamente (n.º2);
Não bastando, para o efeito, a publicidade dada ao contrário (n.º3).
Este preceito filia-se diretamente no artigo 6.º, n.º4 CSC o qual, por seu turno, advém do
artigo 9.º da 1.ª Diretriz do Direito das Sociedades. Pretende-se proteger a comunidade
interessada de limitações não imediatamente aparentes nos poderes de representação dos
gerentes e administradores: uma opção que vibra mais um golpe no antigo princípio da
especialidade. Tem o maior interesse conhecer a aplicação prática destas regras. Assim:
Acórdão STJ 27 janeiro 1993: a prestação de fiança a favor de terceiros por gerentes
de uma sociedade por quotas, estando fora do objeto social, só será nula se, em
função das circunstâncias em que for prestada, a outra parte tiver a obrigação de
conhecer o abuso de poderes;
Acórdão STJ 10 dezembro 1997: os poderes representativos dos gerentes das
sociedades por quotas ficam imunes às restrições ou limitações que os sócios
pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer depois por meio de
dliberações;
Acórdão RPt 1 julho 1999: a administração e a representação de uma sociedade por
quotas não podem estar limitadas pela intervenção de sócio não gerente;
Acórdão STJ 21 setembro 2000: o ato ou negócio jurídico praticado pelos sócios
gerentes de uma sociedade não pode ser considerado nulo com o fundamento de
que, dado o princípio da especialidade, a sociedade não tem capacidade de gozo para
o realizar;
Acórdão RLx 22 janeiro 2002: não obstante a previsão, no pacto social de uma
sociedade por quotas, da intervenção de dois gerentes para vincular a sociedade, a
intervenção de apenas um deles em representação da sociedade como aceitante de
uma letra vincula este perante o sacador;
Acórdão RLx 20 agosto 2004: é válida, perante terceiros, a procuração forense
emitida por um dos gerentes de uma sociedade por quotas em nome desta, mesmo
que o pacto social exija a assinatura de dois gerentes para vincular a sociedade.
Acórdãos RCb 25 maio 1999 e RLx 14 março 2002: recai sobre a sociedade o ónus
de provar que o terceiro sabia ou não podia, dadas as circunstâncias, ignorar que o
ato praticado não respeitou a cláusula do objeto ou as limitações de poderes
resultantes do pacto social.
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A prática regista ainda situações nas quais se pretendeu limitar, por deliberações sociais, os
poderes de representação de algum dos gerentes: a jurisprudência considera-as nulas. Ainda SQ
no tocante à representação da sociedade, tem o maior interesse atentar no artigo 261.º, n.º3
CSC:
«As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos
gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade».
Para efeitos de representação passiva, temos, pois, uma norma imperativa. De novo domina
a intenção muito clara de proteger a confiança geral do público nas sociedades e nos seus
suportes representativos. Quando o gerente deva ou queira fazer notificações ou deliberações 350
à sociedade e para evitar o ato consigo próprio, o artigo 260.º, n.º5 CSC estabelece que elas
devem ser dirigidas a outro gerente ou, não o havendo, sucessivamente, ao órgão de
fiscalização ou a qualquer sócio.
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Acórdão RLx 3 dezembro 1996: o conceito de justa causa tem a ver com o interesse
social de não poder continuar investido na gerência aquele que se mostrou SQ
incompetente ou quem infringiu os deveres do cargo;
Acórdão RPt 16 janeiro 1997: é justa causa o exercício, sem consentimento dos
sócios, de atividade concorrente com a da sociedade;
Acórdão REv 28 maio 1998: idem, qualquer circunstância, facto ou situação em face
da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da
relação contratual;
Acórdão RPt 2 novembro 1998: a justa causa aqui em questão tem um caráter
especial, consubstanciando uma quebra de confiança, por razões justificadas, entre a 354
sociedade, representada pela assembleia geral e o gerente;
Acórdão STJ 20 janeiro 1999: a justa causa será a verificação de um comportamento
na atividade do gerente (ou a prática de atos por sua parte) que impossibilite a
continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe;
Acórdão RPt 9 abril 2002: há justa causa quando não seja possível exigir, na
sequência de violação grave dos seus deveres, que a sociedade o mantenha no cargo;
será o caso de gerentes que cumpram tardiamente (2 ou 3 anos depois) o seu dever
de relatar a gestão;
Acórdão RPt 24 maço 2003: a justa causa também pode advir da omissão: assim
sucede com o gerente que deixa caducar alvarás de construção civil, anula seguros
dos trabalhadores, passa faturas falsas e aprova tardiamente as contas.
Em diversas decisões avulta o apelo à quebra de confiança. A via é promissora: efetivamente,
para além da complexidade dos esquemas destinados a concretizar os conceitos
indeterminados, há sempre um consenso alargado, entre os membros de uma comunidade,
sobre as circunstâncias nas quais alguém deixa de merecer a confiança necessária para
desempenhar certas funções. A concretização de um conceito indeterminado opera num
conjunto alargado de elementos jurídicos. Nesse domínio, é sempre importante ter presente
as consequências da decisão. Digamos que quanto mais ponderosas forem as consequências
a extrair da verificação de justa causa, mais rigorosos deveremos ser no tocante ao seu
preenchimento. Em abstrato, o conceito de justa causa, para efeitos de destituição dos
gerentes das sociedades por quotas, pode ter uma de duas feições:
Uma feição civil: próxima da justa causa requerida para a revogação de certos
mandatos (artigo 1170.º, n.º2 CC); nesta aceção, justa causa traduz qualquer motivo
justificado, de natureza objetiva ou subjetiva;
Uma feição laboral: típica da justa causa exigida para o despedimento individual de
trabalhadores, por iniciativa da entidade empregadora (artigo 396.º, n.º1 CT): a justa
causa será, aqui, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e
consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho.
Ora, no domínio da destituição dos gerentes, propendemos claramente para esta última
solução. Pelo seguinte:
O artigo 257.º, n.º6 CSC aponta como justa causa, ainda que a título exemplificativo,
a violação grave dos deveres do gerente;
As consequências da destituição sem justa causa são (apenas) o não pagamento de
uma indemnização ao gerente afastado; ampliar a justa causa equivaleria a precarizar
a posição dos gerentes, numa ocasião em que a saúde das empresas exige a sua
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A renúncia: a renúncia é um ato unilateral, praticado pelo gerente e pelo qual ele põe termo
à situação jurídica de administração ou de gerência. A renúncia é possível a todo o tempo: de
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outro modo, estaríamos a admitir algo de semelhante a trabalhos forçados. Todavia, ela não
pode ocorrer sem regras, deixando a sociedade desamparada e sem dirigentes. Acontece SQ
ainda que, em termos de gestão profissionalizada, o recrutamento e a formação de gestores
adequados representa um investimento, com custos que podem ser elevados. A sua
substituição ex abrupto pode nem ser possível. De todo o modo: ficam envolvidos novos
custos e despesas. E a própria imagem da empresa estará em causa. Tudo isto envolve uma
regulamentação jurídica que procure preservar os valores em presença. A renúncia deve ser
comunicada por escrito à sociedade (artigo 258.º, n.º1 CSC). Trata-se de um ato recipiendo.
Esta norma deve ser completada com a do artigo 260.º, n.º5 CSC: ela deve ser dirigida a
outro gerente; não o havendo, ao órgão de fiscalização; não o havendo, a qualquer sócio. Se 358
não o for: não é eficaz. O gerente que, sem uma declaração válida de renúncia, abandone o
seu posto está, seguramente, a incorrer em justa causa de destituição. Esta, a ser atuada,
inverte a situação e faz incorrer o gerente renunciante em indemnização. Sendo comunicada,
a renúncia torna-se efetiva em oito dias depois de realizada a comunicação: será um lapso de
tempo necessário para que a sociedade cure da substituição. A renúncia opera ex nunc: não
torna, assim, inútil a ação movida pelo renunciante contra a sociedade, por destituição sem
justa causa e tendo em vista a obtenção da competente indemnização. A renúncia torna-se
eficaz nos referidos oito dias, perante a sociedade: isso sem preuízo da necessidade do registo,
para poder tornar-se plenamente oponível, perante terceiros. A renúncia pode ter justa causa.
A justa causa aqui em jogo tenderá a ser mais lata do que a requerida para a destituição. Assim,
ela abrange:
as violações culposas de deveres perpetradas pela sociedade, com relevo para o não
pagamento atempado da remuneração ou de outras prestações retributivas acordadas
ou para a não concretização das condições de trabalho prefixadas ou expectáveis;
Circunstâncias ponderosas, na esfera do gerente, que o levem a abandonar as suas
funções: aspetos familiares ou profissionais que tornem inexigível a manutenção do
cargo.
A justa causa é necessária, para que o gerente renunciante não tenha de indemnizar a
sociedade por todos os prejuízos causados. Na hipótese de um mandato muito longo ou de
um mandato de duração indeterminada, o gerente poderá renunciar, sem justa causa (ou sem
a invocar) desde que dê um pré-juízo razoável (artigo 258.º, n.º2, in fine CSC). De quanto?
No Direito do Trabalho, ele seria de trinta ou de sessenta dias, conforme o trabalhador de
saída tenha até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade (artigo 443.º, n.º1 CT). No
contrato de agência, a denúncia perante a duração indeterminada deverá ter um pré-aviso de
um mês, se o contrato durar há menos de um ano, dois meses, se já tiver iniciado, o segundo
ano de vigência e três meses, nos restantes casos (artigo 28.º, n.º1 Decreto-Lei n.º178/86, 3
julho). Estes valores são referências úteis. Todavia, a sua generalização às sociedades por
quotas levanta dúvidas: as situações de base podem ser muito diferentes, quanto às
circunstâncias. O gerente altamente especializado, com conhecimentos técnicos em áreas um
pouco conhecidas, deverá dar um pré-aviso maior do que o administrador facilmente
substituível. A renúncia ad nutum, e portanto: sem justa causa nem pré-aviso, obriga o gerente
renunciante a indemnizar. Também aqui defendemos que a indemnização deve ser plena,
contemplando:
Os lucros cessantes, incluindo todos os negócios lucrativos que se tenham perdido;
Os danos emergentes, computando as despesas de recrutamento e de formação
perdidas e as que seja necessário suportar para encontrar novo gerente;
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45.º - Fiscalização
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«b) Total das vendas líquidas e outros proveitos; 3 000 000 euros;
SQ
«c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício; 50».
Alcançado este patamar, a designação do Revisor Oficial de Contas só deixa de ser necessário
(artigo 262.º, n.º3 CSC):
Se a sociedade passar a ter conselho fiscal;
Se dois dos três requisitos fixados no artigo 262.º, n.º2 CSC não se verificarem
durante dois anos consecutivos.
Ainda quanto ao Revisor Oficial de Contas, cumpre tomar nota do artigo 262.º, n.º4 a 6 CSC:
361
Compete aos sócios a sua designação aplicando-se, na sua falta, os artigos 416.ºa 418.º
CSC (n.º4);
São-lhe aplicáveis as incompatibilidades estabelecidas para os membros do conselho
fiscal (n.º5);
Ao exame pelo Revisor Oficial de Contas deste aplica-se o disposto quanto a
sociedades anónimas, conforme tenham ou não conselho fiscal (n.º6).
Dever de proteção: em 1996, veio-se a adotar uma série de medidas no domínio da
fiscalização, para além de ter introduzido a matéria básica das sociedades por quotas
unipessoais. Entre as medidas fiscalizadoras tomadas conta-se a introdução do dever de
prevenção, inserido no novo artigo 262.º-A CSC. Esse dever cifra-se no seguinte:
Compete ao Revisor Oficial de Contas ou a qualquer membro do conselho fiscal
comunicar imediatamente, por carta registada, os factos que considere reveladores de
graves dificuldades na prossecução do objeto da sociedade (n.º1);
A sociedade tem 30 dias para responder (n.º2);
Na falta de resposta ou se esta não for satisfatória, o Revisor Oficial de Contas deve
requerer a convocação de uma assembleia geral (n.º3);
Ao dever de prevenção aqui em causa aplica-se o disposto sobre o dever de vigilância
nas sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado (n.º4).
A medida é importante: poderá constituir um primeiro passo para fazer transmitir, à empresa,
uma mensagem tendente à tomada de medidas de reestruturação, que podem surgir
impopulares. Todavia, pergunta-se se não seria viável prever canais informais de
comunicação. Numa altura em que toda a atenção dos gestores estará virada para os
problemas da empresa, pergunta-se se não será mais um ónus prever tais esquemas
burocráticos.
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46.º- Alterações
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dos votos correspondentes ao capital social ou por um número ainda mais elevado, exigido
eventualmente pelo contrato de sociedade. Além disso, o artigo 265.º, n.º2 CSC permite que, SQ
como direito especial de um determinado sócio, se possa estipular que o contrato só possa
ser alterado com o seu voto favorável, enquanto ele se mantiver na sociedade.
A preferência dos sócios: quando a alteração se cifre num aumento de capital a realizar
em dinheiro, os sócios têm um direito de preferência (artigo 266.º, n.º1 CSC). Nos termos
seguintes:
Deliberado um aumento, cada sócio tem direito a uma importância proporcional à
quota de que for titular na sociedade em causa (artigo 266.º, n.º2, alínea a) CSC); 363
Se o sócio interessado pretender uma importância inferior, ela ser-lhe-á concedida
(artigo 266.º, n.º2, alínea a) CSC);
O sobrante será atribuído a pedidos superiores ao que competiria ao interessado,
procedendo-se a um ou mais rateios, em proporção do excesso das importâncias
pedidas (artigo 266.º, n.º2, alínea b) CSC).
A preferência dos sócios nos aumentos de capital tem várias finalidades. Assim e
designadamente:
Visa proteger a percentagem de capital que cada um detenha; de outro modo, essa
percentagem desvanecer-se-ia em cada aumento que ocorresse;
Assegura a manutenção do direito às reservas e a outras mais-valias: pode suceder
que o aumento nominal se quede aquém do valor percentual por ele figurado; ora ao
ficar fora do aumento, o sócio visado iria perder o inerente maior-valor;
Protege a sociedade da entrada de estranhos: o capital não adquirido poderá ser
aberto a terceiras pessoas que, deste modo, passarão a fazer parte da sociedade.
O problema acabaria por se pôr com maior acuidade no domínio das sociedades anónimas.
No Direito alemão, o direito de preferência do acionista na subscrição de novas ações foi
estabelecido, e o seu preceito passaria para o artigo 29º da 2.ª Diretriz do Direito das
Sociedades, relativa às garantias do capital social. Diz esse preceito:
«1. Em todos os aumentos do capital subscrito por entradas em dinheiro, as ações devem ser
oferecidas com preferência aos acionistas, proporcionalmente à parte do capital representada
pelas suas ações».
O nosso legislador transpôs o preceito para os artigos 458.º a 460.º CSC, quanto às anónimas.
E fê-lo, per abundantiam, no artigo 266.º CSC, para as sociedades por quotas. Desta feita, o
zelo é justificado. O artigo 266.º CSC procede, ainda, a alguns aspetos regulamentares. Assim:
A parte do aumento que, relativamente a cada sócio, não seja bastante para formar
uma nova quota acresce ao valor nominal da quota antiga (n.º3);
O direito de preferência só pode ser limitado e suprimido em conformidade com o
disposto no artigo 460.º CSC (n.º4);
Os sócios interessados devem exercer a preferência até à assembleia que aprove o
aumento de capital (n.º5, 1.ª parte);
Devendo, para o efeito, ser informados das condições desse aumento na
convocatória de assembleia ou em comunicação efetuada pelos gerentes com, pelo
menos, dez dias de antecedência relativamente à data da realização da assembleia
(n.º5).
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Abre-se agora uma lacuna: quid iuris se a própria assembleia aprovar condições diferentes das
inseridas na convocatória ou das comunicadas pelos gerentes? Por analogia, teremos de abrir SQ
um período de 10 dias depois da assembleia para que os sócios se pronunciem: é óbvio que
não se lhes pode pedir uma resposta imediata. Deverão efetivar o capital que tenham obtido,
sob pena de exclusão, nos termos gerais. A limitação ou a exclusão da preferência dos sócios
nos aumentos de capital serão vistas a propósito das sociedades anónimas. O direito de
participar preferencialmente num aumento de capital pode ser alienado: mas com o
consentimento da sociedade (artigo 267.º, n.º1 CSC). Ao consentimento, à sua dispensa ou
à recusa aplicam-se as regras relativas ao consentimento para a cessão de quotas: a deliberação
de aumento pode, porém, concedê-lo em geral (artigo 267.º, n.º2 CSC). A reforma de 2006 364
introduziu um novo artigo 267.º, n.º3 CSC, segundo o qual, havendo consentimento para
alienar o direito de participar em aumento de capital, extensivo a todo ele, os adquirentes
devem exercer a preferência na assembleia que aprove o aumento de capital. E se não forem
sócios? Escapa-nos essa norma. Sendo expressamente recusado, a sociedade deve apresentar
uma proposta de aquisição do direito por sócio ou por estranho, aplicando-se com
adaptações, o artigo 231.º CSC: tal a solução do artigo 267.º, n.º4 CSC.
47.º - A Dissolução
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matéria tem natural aplicação às sociedades por quotas. O artigo 270.º CSC contém apenas
algumas regras relativas às sociedades por quotas. Assim: SQ
A deliberação de dissolução deve ser tomada por maioria de três quartos dos votos
correspondentes ao capital social, a não ser que o contrato exija maioria mais elevada
ou outros requisitos (n.º1);
A vontade de dissolver, manifestada pelo sócio ou pelos sócios, fora da deliberação,
não pode constituir causa contratual de dissolução (n.º2).
Visou, em matéria desta delicadeza, preservar a lógica das deliberações. A liquidação segue
as regras gerais. Todavia, se os dós únicos sócios-gerentes declararem na deliberação de
dissolução que não há bens a partilhar, a liquidação não é necessária. O Decreto-Lei n.º76- 365
A/2006, 29 março, introduziu importantes simplificações. Além disso, ele aprovou um
conjunto de regras: o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e
de Liquidação de Entidades Comerciais, aqui aplicável. O Regime em causa previu, nos seus
artigos 27.º a 31.º CSC, um procedimento especial de extinção imediata de entidades
comerciais. Toda esta matéria deve estar bem presente, sendo aplicável, com as necessárias
adaptações, às sociedades por quotas.
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45 O autor não utiliza a sigla, usamo-la nós (大象城堡) para facilidade de invocação do diploma legal.
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sociedade, incluindo as anónimas: também foi referido quanto às sociedades por quotas.
Valem, quanto a ambos os diplomas, com as devidas adaptações, as considerações então
SA
feitas.
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O processo a aplicar na falta de liberação das ações pelos subscritores, o qual pode
envolver a aquisição de ações próprias (artigo 317.º, n.º3, alínea f) CSC); SA
Limitações, dentro das margens da lei, à transmissibilidade das ações (artigo 328.º,
n.º1 e 2 CSC);
A atribuição, a outro órgão que não à assembleia geral, da competência para conceder
ou recusar o consentimento da sociedade para a transmissão de ações nominativas
(artigo 329.º, n.º1 CSC);
Uma série de elementos necessários, quando se exija o consentimento da sociedade
para a transmissão de ações (artigo 329.º, n.º3 CSC);
A autorização para a emissão de ações preferenciais sem voto, até certo limite (artigo 375
341.º, n.º1 CSC);
A não-permissão para que os acionistas sem voto participem na assembleia geral
(artigo 343.º, n.º1 CSC);
A possibilidade de remição de ações que beneficiem de algum privilégio patrimonial
(artigo 345.º, n.º1 CSC);
A imposição ou a possibilidade de, em certos casos e sem consentimento dos seus
titulares, serem amortizadas ações (artigo 347.º, n.º1 CSC);
A fixação de todas as condições essenciais para a amortização, quando a mesma seja
imposta pelo contrato (artigo 347.º, n.º5 CSC);
Idem quanto às condições necessárias, na hipótese de amortização permitida pelo
contrato (artigo 347.º, n.º5 CSC);
A autorização para que a emissão de obrigações seja deliberada pelo conselho de
administração (artigo 350.º, n.º1 CSC);
A fixação da maioria necessária para a emissão de obrigações convertíveis em ações
(artigo 366.º, n.º1 CSC);
A atribuição de matérias à deliberação dos acionistas (artigo 373.º, n.º2 CSC);
A determinação de que o presidente, o vice-presidente e os secretários da mesa da
assembleia geral sejam eleitos por esta (artigo 374.º, n.º2 CSC);
A fixação do modo de convocar a assembleia geral (artigo 377.º, n.º3 CSC);
A exigência da posse de um certo número de ações para conferir voto em assembleia
geral (artigo 379.º, n.º5 CSC);
A representação dos acionistas em assembleia geral, com limites (artigo 380.º, n.º1
CSC);
Regras de quorum, em primeira convocação da assembleia geral (artigo 383.º, n.º1
CSC);
O número de votos correspondentes a cada ação (artigo 384.º, n.º1 e 2 CSC);
As regras de maioria a observar pela assembleia geral (artigo 386.º, n.º1 CSC);
As regras das assembleias especiais de acionistas (artigo 389.º, n.º1 CSC);
O número de administradores do conselho de administração (artigo 390.º, n.º1 CSC);
A hipótese do administrador único, se o capital não exceder os 200.000€;
A possibilidade de eleição de administradores suplentes (artigo 390.º, n.º5 CSC);
A designação dos administradores (artigo 391.º, n.º1 CSC);
Regras sobre a eleição dos administradores (artigo 391.º, n.º2 CSC);
Regras sobre a eleição dos administradores por minorias (artigo 392.º CSC);
O número de faltas, seguidas ou interpoladas, sem justificação, que conduzam à falta
definitiva do administrador (artigo 393.º, n.º1 CSC);
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A firma: a firma das sociedades anónimas tem uma história cujos episódios já foram
referidos, ainda que separadamente. O artigo 275.º CSC, mantendo a contraposição entre
firma e denominação particular, dispõe, no seu n.º1:
«A firma destas sociedades será formulada, com ou sem sigla, pelo nome ou firma de um ou
377
alguns dos sócios ou por uma denominação particular, ou pela reunião de ambos esses elementos,
mas em qualquer caso concluirá pela expressão sociedade anónima ou pela abreviatura S.A.».
É o ponto essencial: qualquer sociedade anónima é imediatamente detetável pela presença
da sigla S.A.. O artigo 275.º, n.º2 e 3 CSC veio recordar aspetos gerais básicos do Direito das
firmas, fazendo aplicação (desnecessária) às sociedades anónimas. Segundo o n.º2:
«Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um objeto social que
não esteja especificamente previsto na respetiva cláusula do contrato de sociedade».
Trata-se de uma manifestação do princípio da verdade da firma (artigo 32.º, n.º1 RNPC).
Algo ténue: o contrato pode prever um objeto social alargado, abrangendo atividades de todo
estranhas à efetiva atuação da sociedade. O artigo 275.º, n.º3 CSC obriga, no caso de alteração
do objeto da sociedade de forma a que deixe de incluir a atividade especificada na firma, à
correspondente modificação desta. Trata-se de mais uma manifestação do princípio da
verdade da firma.
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A assim não ser, a sua situação ficaria pior do que na sociedade anónima que ainda
nem tivesse sido objeto de contrato definitivo; nessa eventualidade e visto o artigo SA
36.º, nº2 CSC, aplicar-se-ia o regime das sociedades civis puras, o qual prevê que os
sócios demandados por dívidas da sociedade possam requerer a excussão prévia do c
património social (artigo 997.º, n.º2 CC);
O próprio artigo 40.º, n.º2, in fine CSC, pressupõe um fundo social comum;
obviamente: para pagar as dívidas da sociedade em formação.
Quanto aos sócios da anónima ainda não registada, em cujo nome sejam celebrados negócios:
manda o artigo 40.º, n.º2, in fine CSC, que eles respondam até às importâncias das entradas a
que se obrigam, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de 378
distribuição de reservas. No fundo: o património social responde pelas dívidas.
A sociedade inválida: pode suceder que, depois da inscrição de uma sociedade anónima,
se venham a constar factos que impliquem a sua anulação ou a sua declaração de nulidade.
Quando isso suceda, fica em causa a confiança de terceiros e a própria credibilidade que, no
espaço económico, devem assumir as formas societárias. O legislador europeu interveio: o
artigo 11.º da 1.ª Diretriz das sociedades restringe as situações nas quais a invalidação pode
ser proferida. O dispositivo comunitário foi transposto para o artigo 42.º, n.º1 CSC. Como
temos repetido, esse preceito só refere a nulidade; todavia, e por maioria de razão, há que
alargá-lo à anulação. Ele elenca os casos em que a invalidação é possível, providenciando o
artigo 44.º CSC quanto à ação de declaração de nulidade. A preocupação de ressalvar o valor
económico-social traduzido pela sociedade leva o artigo 42.º, n.º2 CSC a permitir a sanação
dos vícios decorrentes da falta ou nulidade da firma, da sede, do valor da entrada de algum
sócio e das prestações realizadas por conta desta. Para tanto, exige-se uma deliberação dos
sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato.
Tal como nas sociedades por quotas: também aqui os vícios da vontade (erro, dolo, coação
e usura) podem ser invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou
prejudicado. Exige-se ainda, para tanto, que se verifiquem as circunstâncias, incluindo as de
tempo, que permitiriam a anulação civil (artigo 45.º, n.º1 CSC). Temos, aqui, um caso de
exoneração de sócio de sociedade anónima: um tema discutível. O contrato é, ainda, anulável
em relação ao incapaz que o tenha celebrado (artigo 45.º, n.º2 CSC). Aplicar-se-ão,
necessariamente, as restrições civis quanto à invocação desse tipo de anulabilidade (artigo
126.º CC, por exemplo). Resta chamar de novo a atenção para a forma deficiente por que foi
transposta a 1.ª Diretriz. O artigo 42.º CSC limita a proteção dos terceiros e da comunidade
aos casos em que já tenha havido registo. Os prejudicados pela hipotética invalidação de uma
sociedade anónima fora do previsto na Diretriz em causa por ela não se mostrar registada,
podem demandar o Estado pelos danos.
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anónimas de capital nominal. O artigo 276.º, n.º3 CSC fixa o capital nominal mínimo em
50.000€. A cifra tem o seu quê de demagógico: não vemos como lançar, com seriedade e SA
hoje em dia, uma sociedade anónima, na base de 50.000€. Tal esquema presta-se, antes a, de
imediato, se angariarem outras formas de financiamento. Para além do capital social, também
c
as ações devem ser expressas num valor nominal (artigo 276.º, n.º1 CSC) o qual deve ter o
valor mínimo de um centavo (artigo 276.º, n.º2 CSC). O artigo 276.º, n.º4 CSC fixa o
princípio da indivisibilidade das ações. Este princípio analisa-se em várias vertentes. Assim:
Não é possível construir uma ação em várias subações; há uma incidibilidade
quantitativa;
Tão-pouco é viável uma separação das várias faculdades inerentes à detenção de uma 379
ação: por exemplo, o direito de voto e o de impugnação.
Nem pelos estatutos (ou pela sua alteração), nem por deliberação social nem, por maioria de
razão, por acordo entre os interessados, é possível proceder à divisão, quantitativa ou
qualitativa, do seu conteúdo.
As entradas: a matéria das entradas, nas sociedades anónimas, consta do artigo 277.º CSC.
O preceito (n.º1) começa por proibir as contribuições em indústria. Trata-se de um preceito
paralelo ao artigo 202.º, n.º1 CSC, relativo a sociedades por quotas, e oposto ao artigo 178.º
CSC, quanto às sociedades em nome coletivo. Em compensação, são permitidas entradas em
espécie, com as especiais cautelas do artigo 28.º CSC: este preceito foi, de resto, nuclearmente
pensado para as sociedades anónimas.
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impessoalidade das anónimas. Nas fechadas, o público não tem acesso ao capital; a própria
transmissão de ações pode, pelo pacto social, ser subordinada ao prévio consentimento da SA
sociedade (artigo 328.º, n.º2, alínea a) CSC). Nessa eventualidade, os sócios poderão
conhecer-se todos uns aos outros e selecionar-se, mutuamente, pelas suas qualidades pessoais. c
Poderá, em suma, haver uma sociedade anónima intuitu personae. O tipo sociedade anónima não
está adaptado a realidades intuitu personae. É certo que a lei permite fazer depender a
transmissão de ações do consentimento da sociedade. Mas pouco mais. A partir daí, a
utilização de sociedades anónimas como sociedades de pessoas vai implicar o recurso a
acordos parassociais e a negócios fiduciários: uns e outros não oponíveis a terceiros. De todo
o modo, é possível montar esquemas desse tipo. Parece-nos, todavia, que com limites: por 381
exemplo, no tocante à exclusão dos sócios, torna-se inviável generalizar, sem mais, esquemas
pensados para sociedades de pessoas, às anónimas. Todavia, a natureza intuitu personae de
certas sociedades anónimas, a retirar, pela interpretação objetiva, dos seus estatutos, pode ter
diversas influências na aplicação dos institutos societários. Para além da natureza mais
marcadamente pessoal que possam assumir certas anónimas, temos uma relevante
contraposição entre participações económicas e participações financeiras. Nas participações
económicas, o seu detentor tem efetivos escopos empresariais. Ele embrenha-se na atividade
económica desenvolvida pela sociedade em causa. Tendencialmente, ele irá intervir ou
participar na sua administração, recebendo os seus benefícios através dos dividendos. Nas
participações financeiras, o detentor move-se, simplesmente, no mercado de capitais. A
atividade económica da sociedade é-lhe, concretamente, indiferente: apenas se interessará
pela perspetiva dos lucros. O seu papel interno focar-se-á, provavelmente, no plano da
fiscalização. Quanto aos lucros esperados: eles advirão, sobretudo, através das mais-valias
correspondentes à subida de cotações. A natureza económica ou financeira das participações
reflete-se na interpretação dos contratos a elas relativas. No tocante à própria sociedade, não
é possível introduzir matizes nessa base. Acentue-se, aliás, que existem participações
ambivalentes e numerosas graduações intermédias.
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O tema da subscrição fica ainda mais claro se anteciparmos as suas modalidades. Temos, em
obediência a vários critérios: SA
A subscrição inicial; c
A subscrição de aumentos de capital.
consoante esteja em causa a constituição da própria sociedade ou, tão-só, a adesão a
subsequentes aumentos de capital por emissão de novas ações. Depois:
A subscrição simples;
A subscrição reservada a sócios;
384
A subscrição reservada a certas categorias de interessados,
em função de ela ser dirigida a certa pessoa, apenas aos sócios ou a outras categorias:
determinados tipos de sócios, obrigacionistas, detentores de ações privilegiadas ou outros.
O acionista em mora e a perda das ações: a realização equivale, como foi dito, ao
cumprimento do dever de executar a entrada, entrada essa à qual o sócio ficou obrigado pela
subscrição. A responsabilidade do sócio limita-se à realização das ações que tenha subscrito
(artigo 271.º CSC). Tal realização pode ser diferida, até ao máximo de 70%, pelo contrário
de sociedade. O s artigos 285.º e 286.º CSC regulam, com mais pormenor, essa matéria,
prevendo ainda a hipótese de mora do sócio na realização das suas ações. Assim:
O contrato de sociedade não pode diferir as entradas em dinheiro por mais de 5 anos
(artigo 285.º, n.º1 CSC); recordemos que as entradas em espécie não são diferíveis;
Ainda que o contrato preveja prazos, o acionista só entra em mora depois de
interpelado para o pagamento (artigo 285.º, n.º2 CSC): trata-se de uma norma paralela
à do artigo 203.º, n.º3 CSC, para as sociedades por quotas;
A interpelação pode ser feita por anúncio e fixará um prazo entre 30 e 60 dias para o
pagamento; a partir daí, se este não se realizar, inicia-se a mora (artigo 285.º, n.º3
CSC).
Iniciada a mora, prevê a lei ainda a fixação de um novo prazo, de natureza admonitória: trata-
se de uma cautela justificada pelo regime expedito depois fixado (o da perda das ações) o
qual se processa à margem de qualquer ação executiva. Mais concretamente:
Os administradores podem avisar, por carta registada, os acionistas em mora (artigo
285.º, n.º4 CSC):
i. De que lhes é concedido novo prazo não inferior a 90 dias, para efetuarem o
pagamento da importância em dívida, com os juros;
ii. Sob pena de perderem a favor da sociedade as ações em causa na mora;
iii. E, ainda, os pagamentos já efetuados quanto a elas.
Sendo o aviso repetido durante o segundo mês;
Verificada a perda das ações, deve a mesma ser comunicada aos interessados, por
carta registada (artigo 285.º, n.º5, 1.ª parte CSC);
Devendo ainda ser publicado um anúncio donde constem, sem referência aos
titulares, os números das ações perdidas a favor da sociedade e a data da perda (artigo
285.º, n.º5, 2.ª parte CSC);
O ex-acionista mantém-se responsável pelas importâncias em dívida, como melhor e
veremos.
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Pode ainda acontecer que a ação não realizada seja transferida. Dispõe o artigo 286.º CSC:
SA
Todos os anteriores titulares são responsáveis entre si e com o acionista em mora,
pelas importâncias em dívida e respetivos juros, à data da perda da ação a favor da c
sociedade (artigo 286.º, n.1º CSC);
Anunciada a perda, os antecessores são notificados, por carta registada, de que
podem adquirir a ação mediante o pagamento das quantias em dívida e dos juros,
num prazo não inferior a três meses (artigo 286.º, n.º2 CSC);
Sendo a notificação repetida no segundo mês (idem, in fine);
Apresentando-se mais de um antecessor, vale a ordem da sua proximidade
relativamente ao último titular (artigo 286.º, n.º3 CSC). 385
Se, mau grado todo este caminho, a importância em dívida e os juros não forem pagos, temos
o seguimento procedimento:
A sociedade deve proceder, com a maior urgência, à venda das ações, por intermédio
de corretor, em bolsa ou em hasta pública (artigo 286.º, n.º4 CSC);
Não bastante o preço, ela deve exigir ao último titular e a cada um dos antecessores,
excedendo o preço, o excesso pertence ao último titular (artigo 286.º, n.º5 CSC).
A sociedade deve tomar cada uma das providências permitidas por lei ou pelo contrato
simultaneamente para todas as ações do mesmo acionista em relação às quais a mora se
verifique (artigo 286.º, n.º6 CSC). Este preceito perdeu em parte o seu alcance, mercê da
revogação, pelo Decreto-Lei n.º280/87, 8 julho, do artigo 285.º, n.º6 CSC, segundo o qual:
«O contrato de sociedade pode estabelecer outras penalidades para o caso de mora do acionista».
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O Código nada diz quanto às sociedades anónimas. A doutrina alemã admite os deveres
acessórios, quanto às anónimas, para as quais há base legal, como vimos: mas não admite o SA
equivalente às nossas prestações suplementares. No nosso Direito, as prestações
suplementares também não devem ser admitidas quanto às sociedades anónimas. Pelo c
seguinte: de acordo com o tipo societário sociedade anónima, o sócio pode apenas responder
pelas ações que subscreva (artigo 271.º CSC). Sem base legal, não é possível enquadrar novas
responsabilidade. Além disso: a possibilidade de a maioria dos sócios vir novo esforço
financeiro aos acionistas iria desequilibrar o funcionamento da sociedade.
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possibilidade às sociedades anónimas: o próprio artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, ao referir
genericamente os termos do contrato dá, para tanto, mais um apoio. SA
A informação indireta: para além da informação a prestar aos sócios (a informação c
direta), que agora nos irá ocupar, temos ainda a informação indireta, isto é: a informação que
a sociedade se encontra obrigada a prestar genericamente ao público e que acaba por poder
aproveitar, também, aos sócios. Ficam essencialmente em causa:
O Registo Comercial: cumpre atentar na enumeração de atos elencados no artigo 3.º
CRCom;
As Publicações Obrigatórias: temos a considerar, em primeira linha, o artigo 70.º 387
CRCom. Note-se, ainda, o artigo 71.º CRCom. As menções em atos externos surgem
no artigo 171.º CSC. Temos, por fim, a considerar publicações obrigatórias no âmbito
dos valores mobiliários. Atente-se no artigo 5.º CVM.
As Menções Obrigatórias em Atos Externos;
As informações indiretas têm determinados efeitos, a aferir caso a caso. De todo o modo,
elas devem ser articuladas com as informações específicas (ou diretas), a que os sócios têm
direito.
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remetidos. O artigo 289.º, n.º3 e 4 CSC veio alargar o círculo das pessoas a informar,
facilitando ainda o acesso à informação. Melhor do que explicação será atentar no seu teor: SA
«3. Os documentos previstos nos números anteriores devem ser enviados, no prazo de oito dias: c
«a) Através de carta, aos titulares de ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital
social, que o requeiram;
«b) Através de correio eletrónico, aos titulares de ações que o requeiram, se a sociedade não
os divulgar no respetivo sítio na Internet.
«4. Se a sociedade tiver sítio na Internet, os documentos previstos nos n.º1 e 2 devem também 389
aí estar disponíveis, a partir da mesma data e durante um ano, no caso do previsto nas alíneas
c), d) e e) do n.º1 e no n.º2, e permanentemente, nos demais casos, salvo se tal for proibido pelos
estatutos»
O envio por carta depende da solicitação dos interessados. Devemos ter presente que o artigo
289.º CSC tem uma dupla finalidade:
Visa permitir, por parte dos acionistas interessados, o exercício esclarecido do direito
de voto na assembleia;
Promove, junto da própria sociedade, o cuidado e o rigor na gestão dos seus valores,
habilitando-a, no seio da administração, com os necessários elementos.
O desrespeito pelo artigo 289.º CSC torna anuláveis as deliberações subsequentemente
tomadas. Verificados os devidos pressupostos, ele pode ainda dar azo a inquérito judicial.
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Cabe ao sócio, havendo vários assuntos a tratar, indicar aquele sobre o qual deseja
ser informado.
SA
Não tendo sido prestadas as informações devidas, a deliberação com ela relacionada é c
anulável. Cabe ao sócio interessado o ónus da prova da carência da informação alegadamente
em falta.
Direito coletivo à informação: o artigo 291.º CSC estabelece e regula o direito coletivo
à informação. Esse direito, à partida, caracteriza-se (artigo 291.º,n.º1 CSC):
Por ser solicitado por acionistas cujas ações atinjam 10% do capital social;
390
Por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo
(ex-direção);
Para que, também por escrito, lhe sejam prestadas informações sobre assuntos sociais.
Tais informações devem ser prestadas, a menos que se verifique um dos casos referidos no
artigo 291.º, n.º4 CSC:
a) Quando for de recear que o acionista a utilize para fins estranhos à sociedade e com
prejuízo desta ou de algum acionista;
b) Quando a divulgação, embora sem os fins referidos na alínea anterior, seja suscetível
de prejudicar relevantemente a sociedade ou os acionistas;
c) Quando ocasione violação de segredo imposto por lei.
Todavia, se no requerimento for mencionado que as informações pedidas se destinam a
apurar responsabilidades de membros ou órgãos de administração, do conselho fiscal ou do
conselho geral e de supervisão, as informações não podem ser recusadas, a não ser que pelo
seu conteúdo ou por outras circunstâncias, seja patente não ser esse o fim visado pelo pedido
(artigo 291.º, n.º2, in fine CSC). Evidentemente: mesmo no âmbito do n.º2, não poderá ser
prestada a informação se ela estiver coberta por segredo profissional. Haveria, aí, que lançar
mão de meios legais para conseguir o levantamento do segredo. Este regime é completado
pelo artigo 291.º, n.º5 a 7 CSC. Nos seguintes e precisos termos:
«5. As informações consideram-se recusadas se não forem prestadas nos 15 dias seguintes à
receção do pedido.
«6. O acionista que utilize as informações obtidas de modo a causar à sociedade ou a outros
acionistas um dano injusto é responsável, nos termos gerais.
«7. As informações prestadas, voluntariamente ou por decisão judicial, ficarão à disposição de
todos os outros acionistas, na sede da sociedade».
A presunção resultante do transcrito no n.º5 – a de que as informações se consideram
recusadas se não forem prestadas no prazo de 15 dias – é qualificada como absoluta: no
entanto, a sociedade ainda pode vir provar que a sua prestação era impossível.
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São, aí, previstas diversas hipóteses, em termos que, num retorno hermenêutico, permitem
melhor conhecer as normas substantivas em jogo. O artigo 292.º, n.º1 CSC distingue: SA
A recusa de informação; c
A informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa.
Em qualquer dos casos, o acionista atingido pode requerer, ao tribunal, inquérito à sociedade.
Naturalmente: a legitimidade para o inquérito alarga-se ao usufrutuário e ao credor
pignoratício, quando estes tenham o direito à informação. Na mesma linha, ela caberá aos
acionistas agrupados, quando o seu agrupamento seja necessário para o direito à informação.
O inquérito judicial é regulado no artigo 292.º, n.º2 e seguintes CSC. O artigo 216.º CSC, 391
relativo ao inquérito judicial no âmbito das sociedades por quotas, remete, também, para
esses preceitos. A matéria vem tratada, nas vertentes processuais, nos artigos 1048.º e
seguintes CPC (2013). O juiz, conforme o que lhe tenha sido pedido, poderá:
Determinar que a informação pedida seja prestada;
Ordenar:
i. A destituição de pessoas cuja responsabilidade por atos praticados no exercício
de cargos sociais tenha sido apurada;
ii. A nomeação de um administrador;
iii. A dissolução da sociedade, se forem apurados factos que constituam causa de
dissolução, nos termos da lei ou do contrato, e ela tenha sido requerida.
As medidas de destituição de responsáveis e de nomeação de um administrador pelo tribunal
compreendem-se: havendo recusa de informação ou informações erróneas, será
problemático esperar que os responsáveis por tais eventualidades voltem, com credibilidade,
ao bom caminho. O legislador põe uma especial expectativa no administrador nomeado pelo
tribunal. Segundo o artigo 292.º, n.º3 CSC cabe a esse administrador, conforme for
determinado pelo tribunal:
a) Propor e seguir, em nome da sociedade, ações de responsabilidade, baseadas em
factos apurados no processo;
b) Assegurar a gestão da sociedade se, por causa de destituições fundadas na alínea a)
do número anterior, for caso disso;
c) Praticar os atos indispensáveis para reposição da legalidade.
Nesta última hipótese, o juiz pode suspender os administradores que se mantenham em
funções ou proibi-los de interferir nas tarefas do nomeado (artigo 292.º, n.º4 CSC). O n.º5
do mesmo preceito, o artigo 292.º CSC, dispõe sobre a cessão de funções do administrador
indicado, em termos que não suscitam dúvidas. O artigo 292.º CSC admite, no seu n.º6 que
o inquérito possa ser requerido sem precedência de pedido de informações à sociedade se as
circunstâncias do caso levarem a presumir que a informação não será prestada ao acionista,
nos termos da lei e caso fosse solicitada. Apesar da designação inóqua inquérito, o artigo
292.º CSC prevê uma profunda intervenção judicial, intervenção essa que pode envolver a
destituição dos administradores e a própria dissolução da sociedade. Os aspetos processuais
devem, também por isso, ser cuidados. Assim, segundo o artigo 1408.º, n.º1 CPC:
O interesse alega os fundamentos do pedido do inquérito;
Indica os pontos que interesse averiguar;
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SA
62.º - Direito aos lucros c
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O texto do anteprojeto, quando recorria a reservas livres para integrar a reserva legal, dizia,
de modo expresso, que isso sucedia até ao limite desta. Ora o Código de 1986, que adotou SA
uma diferente distribuição da matéria, deixou de o dizer. Terá querido afetar, sem limites,
determinadas reservas livres, à reserva legal? c
1. Cassiano dos Santos: considera que o artigo 33.º CSC determina o lucro de
exercício distribuível, mas nada diz sobre o que seja lucro. E para fixar este, esse autor
recorre ao artigo 295.º, n.º2 CSC, escrevendo que as reservas nele referidas ficam
sujeitas ao artigo 296.º CSC, não podendo ser distribuídas. Invoca – conquanto que
sem explicar – os elementos sistemático e gramatical;
2. Raúl Ventura: veio dar uma interpretação paralela ao artigo 295.º CSC, aqui em 396
causa; não deixa, aliás, de formular algumas críticas ao esquema finalmente
estabelecido na lei;
3. Pinto Furtado: a propósito da reserva legal, opina que apenas ficará em
indisponibilidade a parcela correspondente à exigência legal; uma vez ultrapassado, a
parcela excedentária será reserva livre, podendo ser desafetada e, logo, distribuída.
4. Menezes Cordeiro: concorda com este último.
O artigo 295.º, n.º4 CSC permite que os Ministros das Finanças e da Justiça, por portaria,
dispensem do regime estabelecido no n.º2 desse preceito, os ágios das ações. Precisamente
por força das dúvidas interpretativas de que acima demos conta, o Governo decidiu usar esta
faculdade para esclarecer a matéria: determinou, pela Portaria n.º160/2003, 19 fevereiro, às
sociedades submetidas à supervisão da CMVM, uma dispensa geral de observância do artigo
295.º, n.º2 CSC, relativamente às reservas referidas na alínea a), daquele número.
Capítulo V – As Ações
72.º - Generalidades
Natureza e princípios gerais: no Direito das sociedades anónimas, o termo ação tem
um triplo significado:
A participação social do sócio ou acionista;
A quota de capital por ele subscrita ou detida;
O título representativo.
Enquanto participação social, a ação implica todo um status, com direitos, deveres e encargos.
Como quota de capital, ela traduz o quantum absoluto e percentual assacado ao titular, no
universo societário tradicional de suporte em papel, seja em simples suporte escritural é uma
figuração de todos esses aspetos, legitimando quem a detenha. O regime das ações depende
de vários fatores e, designadamente, do tipo de ação em causa. Todavia, podemos estabelecer
alguns princípios gerais tendencialmente aplicáveis:
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As leis determinavam que as ações fossem nominativas sempre que, por qualquer razão, fosse
necessário conhecer, em cada momento, quem é o titular das ações. Tratando-se de ações SA
escriturais, a ideia de base mantém-se:
c
Nominativas: o emitente tem a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade
dos titulares;
Ao portador: o emitente não tem essa possibilidade.
As ações escriturais consideram-se nominativas, na falta de cláusula estatutária ou de decisão
do emitente (artigo 52.º, n.º2 CVM). Em relação às ações tituladas, não há regra supletiva:
cabe aos estatutos definir, necessariamente, esse ponto (artigo 272.º, alínea d) CSC). Também 398
supletivamente (portanto: na falta de regra contratual ou legal em contrário) as ações ao
portador podem converter-se livremente em nominativas e inversamente, por iniciativa e a
expensas do titular (artigo 53.º CVM). A conversão opera (artigo 54.º CVM):
Nas escriturais, através de anotação na conta do regime;
Nas tituladas, por substituição dos títulos ou alteração do seu texto.
Perante este preceito, torna-se desnecessária a indicação, no pacto social, das regras eventuais
conversões (artigo 272.º, alínea d), in fine CSC). Tais regras podem, porém, ser previstas pelas
partes. O artigo 299.º n.º2 CSC prevê três situações nas quais as ações devem ser nominativas:
Enquanto não estiverem integralmente liberadas;
Quando, pelo pacto social, haja qualquer restrição à sua livre transmissibilidade;
Sempre que, pelo mesmo pacto, o seu titular estiver obrigado a efetuar prestações
acessórias à sociedade.
Outros diplomas impõem ações nominativas (artigo 14.º, alínea d) RGIC, dado o interesse
que a supervisão tem em poder conhecer, em cada momento, quem são os acionistas das
diversas instituições de crédito). As ações tituladas – ao portador ou nominativas – podem
ser munidas de cupões destinados À cobrança dos dividendos (artigo 301.º CSC). O cupão
equivale a um pequeno retângulo de papel, impresso em folha anexa ao título representativo
da ação, devidamente identificado e que se recorta para efeitos do pagamento que representa.
Ainda quanto a ações tituladas: antes da emissão dos títulos definitivos, pode a sociedade
entregar ao acionista um título provisório nominativo (artigo 304.º, n.º1 CSC). Tais títulos
provisórios substituem, para todos os efeitos, as ações (artigo 304.º, n.º2 CSC), devendo os
definitivos ser entregues aos seus titulares no prazo de seis meses (artigo 304.º, n.º3 CSC). O
não-acatamento deste prazo apenas responsabiliza as sociedades e os seus administradores,
nos termos gerais. Note-se ainda que a qualidade de sócio não se adquire com a emissão e a
entrega das ações, mas com a outorga do contrato e a subscrição do capital social: a entrega
do título é, apenas, condição de legitimação.
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correspondentes contratos ou atos unilaterais são nulos. Todo este regime é aplicável às
sociedades dependentes daquelas de cujas ações se trate (artigo 325.º-B, n.º1 CSC): as ações SA
que elas adquiram das sociedades dominantes são, para todos os efeitos, tratadas como ações
próprias destas. c
Casos de aquisição lícita: a alienação: quando o contrato de sociedade o não proíba,
pode este adquirir ações próprias até ao limite de 10% do seu capital social (artigo 317.º, n.º2
CSC). Esse montante pode ser ultrapassado nos casos previstos no artigo 317.º n.º3 CSC:
A aquisição resulte de uma imposição legal (alínea a));
A aquisição vise facultar uma deliberação de redução do capital (alínea b)); 402
Seja adquirido um património a título universal, onde se incluam essas ações (alínea
c));
Trate-se de uma aquisição a título gratuito (alínea d));
A aquisição seja feita em processo executivo para cobrança de dívidas de terceiros ou
por transação em ação declarativa proposta para esse mesmo fim (alínea e));
A aquisição decorra do processo relativo à falta de liberação de ações pelos seus
subscritos (alínea f)).
Além dos aspetos apontados, verifica-se ainda que:
A sociedade só pode adquirir ações liberadas, exceto nos casos do artigo 317.º, n.º3,
alíneas c), e) e f) (artigo 318.º, n.º1 CSC) sob pena de nulidade (artigo 318.º, n.º2 CSC);
A aquisição deve passar por uma deliberação da assembleia geral donde constem os
pontos inseridos nas quatro alíneas do artigo 319.º, n.º1 CSC: número máximo e
mínimo de ações a adquirir; prazo, não excedente a 18 meses, durante o qual a
aquisição possa ser executada; as pessoas a quem as ações devam ser adquiridas,
quando não se ordene que a aquisição ocorra no mercado; as contrapartidas máxima
e mínima;
Os administradores não podem executar as deliberações de aquisição se não se
verificarem os requisitos dos artigos 317.º, nº2, 3 e 4 e 318.º, n.º1 CSC;
A administração pode decidir a aquisição de ações próprias, mesmo sem deliberação
da assembleia geral, quando se trate de evitar um prejuízo grave e iminente para a
sociedade, o qual se presume existir nos casos do artigo 317.º, n.º3, alíneas a) e e)
(artigo 319.º, n.º4 CSC); cabe-lhes, então, relatar o caso na primeira assembleia geral
seguinte (artigo 319.º, n.º5 CSC).
A aquisição de ações próprias pode representar um problema só por si: pela descapitalização
que envolva, pelas condições que lhe subjazam e pela situação que decorra da autotitularidade.
MAs ela pode ainda ser perturbante no momento da alienação: de novo pode haver
conhecimentos seletivos e prejuízos para o mercado e os outros acionistas. Por isso, a
alienação de ações próprias depende de deliberação da assembleia geral, da qual constem
(artigo 320.º, n.º1 CSC):
a) O número mínimo e, se o houver, o número máximo de ações a alienar;
b) O prazo, não excedente a 18 meses a contar da data da deliberação, durante o qual a
alienação pode ser efetuada;
c) As modalidades da alienação;
d) O preço mínimo ou outra contrapartida das alienações a título oneroso.
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Se for imposta por lei, a alienação pode ser decidida pela administração (artigo 320.º, n.º2
CSC) a qual deve, depois, relatar a operação na primeira assembleia geral subsequente (artigo SA
320.º, n.º3 CSC). Tanto nas aquisições como nas alienações de ações próprias, deve a
sociedade respeitar o princípio da igualdade entre os acionistas, salvo se a tanto obstar a
c
própria natureza do caso (artigo 321.º CSC). Quer isso dizer que, na compra, poderá haver
que lançar uma oferta pública de aquisição; na alienação o caso será de oferta pública de
venda ou, pelo menos, de oferta de venda dirigida a todos os acionistas, acompanhada de
rateio proporcional às participações que eles detenham, quando a procura exceda a oferta.
O regime das ações próprias: no tocante às regras a aplicar às ações próprias, temos
a registar, em primeira linha, a existência de limites temporais à sua detenção ou, pelo menos, 403
a certas detenções. Assim, quanto a ações próprias que ultrapassem a cifra dos 10% do capital,
mesmo que licitamente adquiridas: a sua detenção não pode ultrapassar os três anos (artigo
323.º, n.º1 CSC). Sendo a aquisição ilícita: não pode exceder um ano e isso quando a lei não
decrete a nulidade da aquisição (artigo 323.º, n.º2 CSC). Quando as alienações obrigatórias
não sejam oportunamente efetuadas, há que proceder à anulação das ações (artigo 322.º, n.º3,
1.ª parte CSC); sendo a aquisição lícita, a anulação deve recar sobre as ações mais
recentemente adquiridas (artigo 323.º, n.º3, 2.ª parte CSC). Os administradores são
responsáveis, nos termos gerais, pelos danos resultantes da anulação ou da não-anulação de
ações (artigo 323.º, n.º4 CSC). Além disso, há que contar com as sanções prescritas no artigo
510.º CSC para a aquisição ilícita de quotas e de ações. As ações, enquanto pertencerem à
sociedade, ficam numa especial situação de quase quiescência. Assim, segundo o artigo 324.º,
n.º1, alínea a) CSC, devem:
«Considerar-se suspensos todos os direitos inerentes às ações, exceto e o de o seu titular
receber novas ações no caso de aumento de capital por incorporação de reservas».
São atingidos, em especial, o direito de voto e o direito aos lucros. Daí resultam
correspondentes vantagens para os outros acionistas. Além disso, segundo o artigo 324.º,
n.º1, alínea b)CSC, deve:
«Tornar-se indisponível uma reserva de montante igual àquele por que elas estejam
contabilizadas».
Evita-se, assim, que a aquisição de ações próprias implique uma descapitalização paralela da
sociedade em causa. A existência de ações próprias deve, ainda, ser devidamente informada
e publicitada. Segundo o artigo 324.º, n.º2 CSC, no relatório anual da administração, devem
ser claramente indicados:
a) O número de ações próprias adquiridas durante o exercício, os motivos das
aquisições efetuadas e os desembolsos da sociedade;
b) O número de ações próprias alienadas durante o exercício, os motivos das alienações
efetuadas e os embolsos da sociedade;
c) O número de ações próprias da sociedade por ela detidas no fim do exercício.
O artigo 325.º CSC dispõe sobre as ações próprias que uma sociedade receba em penhor ou
caução: elas são contadas para o limite estabelecido no artigo 317.º, n.º2 CSC (o dos 10%),
excetuadas as que se destinarem a caucionar responsabilidades pelo exercício de cargos
sociais (artigo 325.º, n.º1 CSC). OS administradores são responsáveis, nos termos do artigo
323.º, n.º4 CSC, se elas vierem a ser adquiridas pela sociedade (artigo 325.º, n.º2 CSC).
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especial ligação entre os seus membros. As limitações à negociabilidade não podem ser totais
(artigo 328.º n.º1 CSC). Antes se restringem às hipóteses previstas no artigo 328.º, n.º2 CSC:
a) Subordinar a transmissão das ações nominativas ao consentimento da sociedade;
b) Estabelecer um direito de preferência dos outros acionistas e as condições do SA
respetivo exercício, no caso de alienação de ações nominativas;
c) Subordinar a transmissão de ações nominativas e a constituição de penhor ou
c
usufruto sobre elas à existência de determinados requisitos, subjetivos ou objetivos,
que estejam de acordo com o interesse social.
O consentimento para a transmissão de ações nominativas compete, supletivamente, à 405
assembleia geral; pode o pacto social atribuí-lo a outro órgão e, maxime, à administração
(artigo 329.º, n.º1 CSC). Os estatutos podem consignar uma pura e simples necessidade de
consentimento da sociedade (alínea a)) ou podem subordinar a transmissão à existência de
certos requisitos, de apreciação mais ou menos lata (alínea b)). No primeiro caso, a recusa de
consentimento pode operar com base em qualquer interesse relevante da sociedade, o qual
deve, contudo, ficar exarado na competente deliberação (artigo 329.º, n.º2 CSC). Trata-se,
pelo menos, de evitar votos abusivos. No segundo caso, há que invocar e apurar os motivos
para a recusa. Quando preveja a necessidade do consentimento, o pacto social deve exarar
os elementos contidos no artigo 329.º, n.º3 CSC, sob pena de nulidade da cláusula em jogo.
Cabe à sociedade alegar e provar os factos que conduzam a uma não-transmissão. Quanto
ao direito de preferência: compete ao pacto social fixar os seus contornos e atribuir-lhe, ou
não, eficácia real. As limitações à livre negociabilidade das ações atingem os direitos de todos
os acionistas. Assim, elas só podem ser introduzidas ex novo com o consentimento de todos
os afetados (artigo 328.º, n.º3, 1.ª parte CSC); mas podem ser atenuadas ou extintas nos
termos gerais (artigo 328.º, n.º3, 2.ª parte CSC). É ainda possível estabelecer tais limitações
apenas para certo aumento de capital (artigo 328.º ,n.º3, 3.ª parte CSC). As claúsulas
limitativas só podem ser oponíveis a terceiros de boa fé se se encontrarem transcritas nos
títulos o nas contas de registo das ações (artigo 328.º, n.º4 CSC). Além disso, as necessidades
de consentimento ou de verificação de certos requisitos, para a transmissão de ações, não
podem ser invocadas em processo executivo ou de liquidação de patrimónios (artigo 328.º,
n.º5 CSC): prevalece a tutela dos credores e do mercado.
Registo e depósito: o Código das Sociedades Comerciais, na sua versão original, incluía,
na secção relativa às ações das sociedades anónimas, uma subsecção III intitulada regime do
registo e regime do depósito (artigos 330.º a 340.º CSC). Esses preceitos foram revogados
em 1999, aprovando o Código dos Valores Mobiliários. O registo dos valores mobiliários
escriturais rege-se, a partir daí, pelos artigos 61.º a 79.º CVM, enquanto o depósito dos valores
titulados tem a sua sede legal nos artigos 99.º e 100.º CVM. Na presente edição deste Manual,
limitamo-nos às considerações acima feitas sobre os valores mobiliários: incluem as ações.
Emissão e direitos dos acionistas: nos termos do artigo 341.º, n.º1 CSC, o pacto
social pode prever a emissão de ações preferenciais sem voto até a montante representativo
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n.º5 CSC, a autorização dos visados. A lei portuguesa, que contém uma Parte Geral no
Código das Sociedades Comerciais, limitou-se, no citado artigo 24.º, n.º5 CSC, a prever uma SA
regra geral. A sua aplicação à situação técnica muito especializada das ações privilegiadas sem
voto levanta algumas dúvidas, que cumpre esclarecer. Visando clarificar o problema da c
supressão dos direitos dos acionistas preferenciais, a doutrina alemã introduziu uma distinção
da maior importância: a que distingue entre a compressão direta e a indireta. Devemos ter
presente, como ponto prévio, que o problema só se põe perante os direitos especiais dos
sócios prioritários. No tocante aos direitos gerais, o regime é igual para todos. Os acionistas
preferenciais são protegidos por via das regras tendentes à tutela das minorias ou em face
dos parâmetros que mandam ter em conta a materialidade das situações ou a supressão das 407
deliberações abusivas: trata-se duma problemática geral, sempre atuante e a que não iremos,
agora, aludir. Temos uma compreensão direta dos direitos do acionista prioritário sem voto
sempre que a deliberação em jogo vise, pela sua estrutura e pela sua finalidade, a supressão
ou a limitação dos direitos especiais que lhe assistam. Pelo contrário, a compressão será
simplesmente indireta quando ela tenha qualquer outro objetivo admissível, de ordem geral,
sobrevindo a compressão dos direitos do acionista preferencial sem voto apenas como
consequência legal ou necessária da via tomada. Esta construção parece-nos especialmente
útil para interpretar e aplicar o artigo 24.º, n.º5 CSC. O consentimento exigido para se
suprimir ou coartar um direito especial ocorre perante medidas diretamente dirigidas a tanto.
Trata-se, em suma, de deliberações seletivas, especificamente destinadas a atingir o privilégio.
Pelo contrário, nenhum consentimento é requerido para deliberações sociais que tenham
outros objetivos. Por certo que os direitos dos sócios privilegiados poderão ser atingidos,
indevidamente, por elas. Nessa altura, funcionam as regras gerais sobre a tutela das minorias
e, no limite, a proibição de deliberações abusivas (artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC). Há tutela:
mas é uma tutela geral, tal como geral é o âmbito da deliberação em jogo. Caso a caso haverá
pois que verificar se a deliberação que atinge os sócios privilegiados o faz direta ou
indiretamente. Apenas no primeiro caso se exige o consentimento dos atingidos. O tema da
necessidade de autorização dos acionistas privilegiados para a compressão dos seus direitos
é especialmente candente a propósito da redução do capital. Esta, designadamente quando
decidida para cobrir prejuízos, vai atingir todos os acionistas, incluindo os privilegiados. Será
exigível o consentimento destes. Uma primeira hipótese seria, a propósito de semelhante
deliberação, fazê-los recuperar o direito de voto: tomariam, assim, assento nas assembleias
em que o problema fosse discutido, podendo votar como qualquer outro acionista. Na falta
de qualquer base legal, não vemos como admitir tal solução. A lei portuguesa só admite a
recuperação do direito de voto em situações de supressão, de facto, do benefício do
dividendo prioritário (artigo 342.º, n.º3 CSC). Fora desse circunstancialismo, a regra será
sempre: todos os direitos menos o de voto. Além disso, devemos atentar nos valores em
jogo: o acionista preferencial é um financiador que optou por se ligar ao risco empresarial:
ele não tem a mentalidade empresarial própria de quem seja obrigado a reduzir o capital. Fica,
pois, uma segunda hipótese: a redução do capital iria limitar ou suprimir as ações
preferenciais, pelo que exigiria o consentimento dos visados (artigo 24.º, n.º5 CSC). A
doutrina maioritária alemã afasta a necessidade de tal consentimento. No fundamental, na
redução do capital não há uma deliberação diretamente dirigida contra direitos especiais; a
vantagem dos preferenciais sem voto não é atacada enquanto tal; apenas se sujeita às
contingências que, por igual, atinjam todo o ente societário. Existe uma doutrina minoritária
que entende ser necessário o consentimento dos preferenciais para reduzir o capital social.
Não chega, todavia, a responder aos argumentos da doutrina dominante. Designadamente:
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Origem e regime: o artigo 345.º, n.º1 CSC apresenta as ações preferenciais remíveis:
«Se o contrato de sociedade o autorizar, as ações que beneficiem de algum privilégio patrimonial
podem, na sua emissão, ficar sujeitas a remição em data fixa ou quando a assembleia geral o
deliberar».
Este preceito adveio do artigo 39.º da 2.ª Diretriz de Direito das Sociedades o qual, baseado
na legislação inglesa, entendeu limitar as condições em que a remição é possível. O regime
resulta do artigo 345.º, n.º2 a 8 CSC. Por fim, o Decreto-Lei n.º76-A/2006, 29 Março, veio
desdobrar o artigo 345.º, n.º9 CSC, atualizando-se perante a nova dissolução por via
administrativa e melhorando a sua redação. Temos agora dois números (n.º9 e 10).
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respetivos titulares, tomadas pela maioria exigida para a alteração do contrato de sociedade,
elas podem ser convertidas em ações de capital (artigo 346.º, n.º6 CSC). Essa conversão é SA
efetuada (artigo 346.º, n.º7 CSC):
c
Ou por meio de retenção dos lucros que, num ou mais exercícios, caberiam às ações
de fruição;
Ou, mediante autorização das assembleias (geral e especial), através de entradas
realizadas pelos acionistas interessados.
Quando o reembolso seja parcial, aplicam-se as mesmas regras. Fala-se, então, na
reconstituição das ações parcialmente reembolsadas (artigo 346.º, n.º8 CSC). A conversão 410
considera-se efetuada quando os dividendos retidos atinjam o montante dos reembolsos ou
no fim do exercício em que as entradas tenham sido realizadas (artigo 346.º, n.º9 CSC). As
deliberações de amortização e de conversão estão sujeitas a registo e a publicação (artigo
346.º, n.º10 CSC).
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Note-se que é possível uma amortização de ações meramente prevista na lei e operacional
simplesmente por verificação dos factos nesta figurados. Será a hipótese de uma comum SA
redução de capital, por adaptação do artigo 94.º, n.º1, alínea b) CSC e pelo artigo 463.º CSC.
c
Exoneração e exclusão: a Parte IV do Código das Sociedades Comerciais, relativa às
sociedades anónimas, é omissa quanto à exoneração dos acionistas. Esta surge, todavia, na
Parte Geral (artigos 3.º, n.º6, 45.º, n.º1, 105.º, 120.º, 137.º e 161.º, n.º5 CSC). Existe, na
literatura atual, alguma pressão no sentido de se generalizar a figura ou, pelo menos, de se
prever uma cláusula geral de exoneração, assente em justa causa. Efetivamente, faz-se notar
que, nas sociedades anónimas fechadas, o sócio ficaria prisioneiro da sua posição, o que seria
desvantajoso. De facto, o sócio poderá sempre alienar as ações; se não obtiver o 411
consentimento necessário, funciona o artigo 329.º, n.º3, alínea c) CSC, que obriga a sociedade
a fazer adquirir as ações ou a pagá-las pelo preço justo. Propendemos, pois, para a
inexistência da faculdade de exoneração, fora dos casos previstos na lei. Quando muito e nas
relações puramente internas, poder-se-ia aplicar o artigo 437.º, n.º1 CC: mas logo que o
contrato se torne oponível erga omnes, essa hipótese cessa, substituída pela paralisação de
certos atos, ex bona fide (artigo 334.º CC). E a razão de fundo será a seguinte: a exoneração de
um sócio faz cair, sobre os restantes, ónus diversos, que vão desde a sua substituição até ao
pagamento da posição afetada e, no limite, a dissolução da sociedade; ora, pela lógica das
sociedades anónimas, cada sócio apenas responde pelas entradas, não podendo ver a sua
posição ad nutum afetada pelas opções de outros sócios. Na prática, sucede assim que certos
interessados em sociedades de pessoas recorram ao tipo de sociedade anónima. Quando
percam a possibilidade de se exonerar por erro (artigo 45.º, n.º1 CSC), sibi imputet. Terão de
vender a sua participação social. Também a possibilidade de exclusão de sócios não tem
qualquer referência no Direito das Sociedades anónimas. Já se tem entendido que, quando
domine o intuitus personae, tal exclusão deveria ser possível, por via da aplicação do artigo
242.º, n.º1 CSC: exclusão judicial do sócio por quotas, por comportamento desleal ou
francamente perturbador. Mas essa via de aparente bom senso não é praticável: porque não
extinguir o direito de propriedade do vizinho gravemente perturbador? A única via de
exclusão de um sócio de sociedade anónima está na amortização de ações: quando prevista
no pacto social e quando se verifiquem as competentes nele inseridas. Fora dessa hipótese:
quaisquer perturbações provocadas por acionistas podem ser juridicamente contidas, mesmo
nas sociedades fechadas. Agora: se erroneamente se elegeu uma sociedade anónima para
reger situações intuitu personae, sibi imputet. Pertence à essência do tipo sociedade anónima a
indestrutibilidade da participação acionista: salvo o expressa e legalmente previsto. Não pode
haver confiscos punitivos nem transmutações coercivas, sem adequado suporte legal e
constitucional.
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Capítulo VI – As Obrigações
SA
c
78.º - Ideia e evolução
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O nominalismo;
A patrimonialidade; SA
A transmissibilidade; c
A literalidade, a autonomia e a abstração.
O princípio do nominalismo diz-nos que a obrigação tem um valor nominal expresso em
moeda com curso legal no País (artigo 352.º, n.º3 CSC). Hoje: o euro. A patrimonialidade
recorda que as obrigações representam um valor económico, suscetível de expressão
pecuniária. Aplicam-se-lhe, por isso, as regras básicas da tutela da propriedade privada e da
livre iniciativa empresarial (artigos 62.º, n.º1 e 61.º, n.º1 CRP). Ninguém pode ser despojado
das suas obrigações ou das vantagens que elas representem. A transmissibilidade é, ainda, um 414
elemento básico. Em princípio, os direitos de crédito podem circular livremente (artigo 577.º,
n.º1 CC). No caso das obrigações, dogmaticamente construídas através da sua incorporação
em títulos, essa situação é, ainda, mais evidente. De outro modo, aliás, elas não poderiam
aceder ao mercado, designadamente à bolsa. As obrigações são títulos de crédito, mantendo
características aparentadas mesmo quando desmaterializadas. Nessa dimensão surgem os
princípios da literalidade, da autonomia e da abstração. Literalidade: as particularidades de
cada obrigação valem quando transcritas nos títulos ou nas contas de registo. Autonomia: o
adquirente de uma obrigação é tido como subscritor originário: não lhe são oponíveis os
problemas que pudessem afligir os seus antecessores (artigo 58.º CVM). Abstração: ao titular
de boa fé não podem ser contrapostas as relações imediatas existentes entre a sociedade e os
antecessores ou entre antecessores. Toda esta matéria deve ser compaginada e precisada à
luz do Direito dos Valores Mobiliários.
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A assembleia de obrigacionistas delibera sobre todos os assuntos que, por lei, lhe sejam
atribuídos ou que sejam do interesse comum dos acionistas, designadamente (artigo 355.º, SA
n.º4 CSC):
c
a) Nomeação, remuneração e destituição do representante dos comum dos
obrigacionistas;
b) Modificação das condições dos créditos dos obrigacionistas;
c) Propostas de concordata e de acordo de credores;
d) Reclamação de créditos dos obrigacionistas em ações executivas, salvo o caso de
urgência;
e) Constituição de um fundo para as despesas necessárias à tutela dos interesses comuns 415
e sobre a prestação das respetivas contas;
f) Autorização do representante comum para a proposição de ações judiciais.
Ao contrário do que vimos suceder nos inícios, a assembleia de obrigacionais não está apenas
associada a situações de incumprimento por parte da emitente. Todavia, é lógico pensar que
só nessa eventualidade se irão dispender fundos e tempo com a sua reunião. Finalmente,
quanto ao princípio da participação: os obrigacionistas, através do representante comum,
têm acesso às informações relativas à sociedade emitente: artigo 359.º, n.º1, alínea d) e n.º2
CSC. De notar que esse representante não tem de ser, ele próprio, obrigacionista; pode ser
uma sociedade de advogados ou uma sociedade de revisores de contas (artigo 357.º, n.º2
CSC). O representante comum pode, ainda, estar presente nas assembleias gerais de
acionistas. Apesar da figura do representante comum, os obrigacionistas podem exercer
diretamente os seus direitos. Segundo o artigo 379.º, n.º2 CSC, se o pacto social o não proibir,
os obrigacionistas podem mesmo assistir às assembleias gerais dos acionistas e participar na
discussão dos assuntos indicados na ordem do dia.
80.º - Modalidades
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Modalidades: o artigo 373.º, n.º1 CSC recorda que os acionistas deliberam ou nos termos
gerais do artigo 54.º CSC ou em assembleias gerais regularmente convocadas e reunidas.
Temos, assim:
Deliberações unânimes por escrito;
Deliberações em assembleias universais sem observância de formalidades prévias
Deliberações em assembleia gerais regulares.
As duas primeiras hipóteses são objeto de regras inseridas na Parte Geral. A generalidade das
regras inseridas na Parte IV (sociedades anónimas) sobre deliberações dos sócios tem a ver
com assembleias gerais normais ou comuns. Encontramos igualmente na Parte Geral as
regras sobre a irregularidade, a nulidade e a anulabilidade de deliberações sociais (artigos 55.º
e seguintes CSC). Trata-se de matéria aplicável nos diversos tipos societários. Tais regras
tiveram, no essencial, origem no Direito das Sociedades Anónimas; a grande matriz de todo
o Direito das Sociedades. Para além dos aspetos legislados e das precisões estatutárias, têm
ainda relevância os usos e a prática.
Objeto: o artigo 373.º, n.º2 CSC fixa, preliminarmente, as matérias sobre que podem recair
as deliberações dos acionistas. Temos:
As atribuídas por lei;
As atribuídas pelo contrato;
Todas as que não estejam compreendidas nas atribuições dos outros órgãos.
Aparentemente, a assembleia geral receberia uma competência específica (ex lege ou ex
contractu) e uma competência genérica residual. Todavia:
O artigo 376.º, n.º1 CSC fixa uma competência limitada (embora fundamental) para
a assembleia;
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O artigo 373.º, n.º3 CSC só permite aos acionistas deliberar sobre matérias de gestão
a pedido do órgão de administração. SA
Conclui-se, daqui, que as deliberações dos acionistas têm um objeto delimitado pela positiva c
e, ainda, pela negativa: não interferem no campo dos outros órgãos. As matérias relevantes
para deliberações dos acionistas devem, em cada problema, ser procuradas por todo o
Código e em diplomas especiais. Uma boa redação do pacto social poderá, ainda, dirimir
muitas dúvidas.
419
82.º - O presidente da mesa
Perfil geral: nenhuma assembleia humana pode funcionar sem um mínimo de organização
e de direção. Desse modo, mesmo os ordenamentos que pouco ou nada digam sobre a
presidência da assembleia geral, têm vindo, na base da prática e da doutrina, a desenvolver a
figura em causa. Adiantamos já que o Direito Português, designadamente perante o Código
das Sociedades Comerciais de 1986 e, reforçadamente, após a reforma de 2006, é o que mais
longe levou a autonomização do presidente da assembleia geral e o modo de funcionamento
desta última. Começaremos por verificar o estado das fontes. O Código de 1986 faz as
seguintes referências diretas ao presidente da assembleia geral:
Artigo 374.º, n.º1 CSC: a mesa da assembleia é constituída, pelo menos, por um
presidente e um secretário;
Artigo 374.º, n.º2 CSC: o contrato de sociedade pode determinar que o presidente, o
vice-presidente e os secretários da mesa sejam eleitos pela assembleia por um período
não superior a quatro anos, de entre acionistas ou outras pessoas;
Artigo 374.º, n.º3 e 4 CSC: dispõem sobre presidentes ad hoc, na falta de pessoas
designadas;
Artigo 374.º-A, n.º1 CSC: impõe regras de independência aos membros da mesa da
assembleia geral;
Artigo 374.º-A, n.º2 CSC: os membros da mesa podem ser destituídos com justa
causa, pela assembleia geral;
Artigo 374.º-A, n.º3 CSC: os membros da mesa têm direito a uma remuneração fixa;
Artigo 375.º, n.º3 CSC: o requerimento por acionistas que detenham, pelo menos, 5%
do capital social deve ser feito por escrito e dirigido ao presidente da mesa;
Artigo 375.º, n.º4 CSC: o presidente da mesa deve promover a publicação da
convocatória nos 15 dias seguintes à receção do requerimento;
Artigo 375.º, n.º5 CSC: quando não defira o requerimento ou não convoque a
assembleia, o presidente deve justificar por escrito a sua decisão;
Artigo 377.º, n.º1 CSC: as assembleias gerais são convocadas pelo presidente da mesa
ou, em certos casos, por outras entidades;
Artigo 377.º, n.º6 CSC. as assembleias podem ser efetuadas fora da sede da sociedade,
em local escolhido pelo presidente;
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Artigo 377.º, n.º7 CSC: o conselho fiscal, a comissão de auditoria ou o conselho geral
e de supervisão só podem convocar a assembleia geral dos acionistas depois de terem, SA
sem resultado, requerido a convocação ao presidente da mesa;
Artigo 378.º, n.º2 CSC: o requerimento relativo à inclusão de certos assuntos na
c
ordem do dia de uma assembleia geral já convocada deve ser dirigido, por escrito, ao
presidente da mesa;
Artigo 378.º, n.º4 CSC: não sendo satisfeito o requerimento, podem os acionistas
tomar certas iniciativas;
Artigo 379.º, n.º6 CSC: o presidente da mesa pode autorizar a presença, na assembleia,
de pessoas que não tenham de nela comparecer; a assembleia pode revogar essa 420
autorização;
Artigo 380.º, n.º2 CSC: como instrumento de representação voluntária na assembleia
vale um documento escrito dirigido ao presidente da mesa;
Artigo 382.º, n.º1 CSC: o presidente da mesa deve mandar organizar a lista dos
acionistas presentes e representados no início da reunião;
Artigo 384.º, n.º8 CSC: o presidente determina a forma do exercício do voto, quando
a mesma não resulte do contrato social ou de deliberação;
Artigo 387.º, n.º1 CSC: o presidente pode determinar suspensões normais da
assembleia;
Artigo 388.º, n.º2 CSC: as atas devem ser redigidas e assinadas pelo presidente e pelo
secretário.
Deve notar-se que, destes preceitos, foram alterados em 2006, os artigos 374.º, n.º3 e 4 e
377.º, n.º1, 6 e 7 e o n.º2 do artigo 380.º CSC, tendo sido aditado o artigo 374.º-A CSC. Este
último preceito traduz um importante reforço do presidente, tendo as demais alterações a
ver com questões de redenominação. As regras relativas à mesa e ao presidente da assembleia
geral surgem dispersas e sem uma ordenação de conjunto. Todavia, elas pressupõem uma
linha coerente que importa reconstruir. Iremos distinguir, quanto ao presidente:
A sua designação e a sua destituição;
As suas funções;
A condução da assembleia;
A articulação com a mesa.
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regulamentado e às sociedades que atinjam os critérios fixados no artigo 413.º, n.º2, alínea a)
CSC (artigo 374.º-A, n.º1 CSC). Todavia: a independência mantém-se no tocante às restantes SA
sociedades, ainda que não tenham de ser cumpridos os requisitos de seguida indicados. Os
requisitos em causa, por remissão do artigo 374.º-A, n.º1 CSC para o artigo 414.º, n.º5 CSC,
c
relativo à independência de, pelo menos, um dos membros do conselho fiscal das sociedades
referidas no artigo 413.º, n.2, alínea a) CSC, são:
Não estar associado a qualquer grupo de interesses específico na sociedade;
Não se encontrar em alguma circunstância suscetível de afetar a sua isenção de análise
ou de decisão, nomeadamente por:
i. Ser titular ou atuar em nome ou por conta de titulares de participação 422
qualificada igual ou superior a 3% do capital social da sociedade;
ii. Ter sido reeleito por mais de dois mandatos, de forma contínua ou intercalada.
Na hipótese (pouco mais do que académica) de se dever providenciar um presidente ad hoc
para uma sociedade que caia no âmbito de aplicação do artigo 374.º-A, n.º1 CSC, haverá que
aplicar estas mesmas exigências de independência. Com uma consequência prática: o lugar
não pode recair sobre um acionista que detenha uma percentagem igual ou superior a 2% do
capital social. Além disso, aplica-se aos membros da mesa da assembleia geral das sociedades
referidas no artigo 374.º-A, n.º1 CSC o regime de incompatibilidade previsto no artigo 414.º-
A, n.º1 CSC, relativo a membros do conselho fiscal, ao fiscal único ou ao revisor oficial de
contas; são atingidos, não podendo ser eleitos:
a) Os beneficiários de vantagens particulares da própria sociedade;
b) OS que exercem funções de administração na própria sociedade;
c) Os memebros dos órgãos de administração de sociedade que se encontrem em
relação de domínio ou de grupo com a sociedade fiscalizada;
d) O sócio de sociedade em nome coletivo que se encontre em relação de domínio com
a sociedade fiscalizada;
e) Os que, de modo direto ou indireto, prestem serviços ou estabeleçam relação
comercial significativa com a sociedade fiscalizada ou sociedade que com esta se
encontre em relação de domínio ou de grupo;
f) Os que exerçam funções em empresa concorrente e que atuem em representação ou
por conta desta ou que por qualquer outra forma estejam vinculados a interesses da
empresa concorrente;
g) Os cônjuges, parentes e afins na linha reta e até ao 3.º grau, inclusive, na linha
colateral, de pessoas impedidas por força do disposto nas alíneas a), b), c), d) e f),
bem como os cônjuges das pessoas abrangidas pelo disposto na alínea e);
h) Os que exerçam funções de administração ou de fiscalização em cinco sociedades,
excetuando as sociedades de advogados, as sociedades de revisores oficiais de contas
e os revisores oficiais de contas, aplicando-se a estes o regime do arrtigo 76.º Decreto-
Lei n.º487/99, 16 novembro;
i) Os revisores oficiais de contas em relação aos quais se verifiquem outras
incompatibilidades previstas na respetiva legislação;
j) Os interditos, os inabilitados, os insolventes, os falidos e os condenados a pena que
implique a inibição, ainda que temporária, do exercício de funções públicas.
Os estatutos da sociedade podem fixar outras incompatibilidades. A eleição de uma pessoa
inibida é nula. A superveniência de alguma causa de inibição implica a caducidade da
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designação (artigo 414.º-A, n.º2 CSC). Ainda no tocante às sociedades que caibam na
previsão do artigo 374.º-A CSC, os membros da mesa das respetivas assembleias gerais têm SA
direito a uma remuneração fixa, nos termos do artigo 427.º-A CSC: a determinar pela
assembleia geral ou por uma comissão de vencimentos, nos termos do artigo 399.º, n.º1 c
(artigo 374.º-A, n.º3 CSC). Este elemento vem acentuar:
A atenção que o presidente da assembleia geral deve pôr no exercício das suas
funções, que tendem para a permanência;
A dignificação do cargo;
A contrapartida pelo trabalho e pelas inibições e incompatibilidades decretadas em
2006. 423
Todos estes fatores serão ponderados, de modo a calcular, com adequação, a remuneração a
fixar. Quanto à destituição dos membros da mesa da assembleia geral: a doutrina anterior a
2006 já havia explicado que, dadas as suas funções, estávamos mais próximos da fiscalização
do que da administração. E assim sendo, ao contrário do que sucede com os administradores,
os membros da mesa só poderiam ser destituídos com fundamento em justa causa. O artigo
374.º-A, n.º2 CSC, no tocante às sociedades que caem sob o seu âmbito de aplicação,
solucionou quaisquer dúvidas: a destituição do sistema: justa causa terá, aqui, um sentido
subjetivo, traduzindo uma violação culposa dos deveres de eficiência e de isenção exigíveis
para o cargo. Não chega, para tanto, uma mera alteração da maioria acionista: o legislador
pretendeu, justamente, manter o cargo independente de tais flutuações.
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informação que cabem aos membros do conselho fiscal. O presidente poderá contratar a
prestação de serviços de peritos que o coadjuvem, solicitando, por exemplo, pareceres de SA
direito ou de natureza económica ou contabilística. Não faz sentido atribuir funções sem dar,
para tanto, os meios necessários. Ao presidente da mesa cabe convocar e preparar as reuniões c
da assembleia geral. Quanto à convocação, ela é feita:
Quando a lei o determine (artigo 375.º, n.º1 CSC);
A pedido do conselho de administração, da comissão de auditoria, do conselho de
administração executivo, do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão
(idem);
A pedido de 5% dos acionistas, por escrito e com indicação justificada dos motivos 424
da reunião (artigo 375.º, n.º3 CSC);
Por iniciativa própria.
Nas duas primeiras hipóteses, a convocação é vinculada. Todavia, quando p residente
entenda, pela ordem de trabalhos que lhe é sugerida ou por qualquer outra razão ponderosa,
que a reunião não tem qualquer razão de ser, cabe-lhe recusar a convocação, justificando a
decisão. Quando a entidade preterida não se conforme: caber-lhe-á requerer a convocação
judicial (artigo 375.º, n.º6 CSC, por interpretação extensiva) ou, tratando-se do conselho
fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, convocar diretamente
os acionistas (artigo 377.º, n.º7 CSC). Não vemos como adstringir seja quem for a condutas
ilegais, inúteis ou indignas. No caso de pedido feito por acionistas que representem 5% do
capital social, cabe ao presidente ponderar e tomar uma decisão, seguindo a tramitação do
artigo 375.º, n.º3 a 5 CSC. Na dúvida, afigura-se que a assembleia deve ser convocada. De
todo o modo, entre os valores que o presidente deverá ponderar, temos:
A tutela das minorias;
Os custos que tem para a sociedade uma reunião de assembleia geral; esta poderá,
designadamente, paralisar ou coartar a administração;
O preço a pagar pelos acionistas por reuniões extraordinárias a pedido de minorias:
desconfiança no mercado, quebra nas cotações e retração de investimentos.
O presidente deve, perante conflitos internos, assumir um papel de moderador. Finalmente
e em quarto lugar: o presidente deverá poder convocar a assembleia por iniciativa própria.
Temos duas ordens de razões:
Em termos formais: não há nenhuma entidade que possa sindicar qualquer
convocatória; esta terá de ser auto-suficiente, sob pena de fragilizar tudo quanto se
delibere;
Em termos substanciais: imaginem-se situações nas quais apenas o presidente
possa tomar a iniciativa da convocação, quando esta seja objetivamente necessária;
assim sucede, por exemplo, com o pedido de um bloco acionista que não atinja os 5%
mas que, numa sociedade aberta, pode ser muto significativo ou com o desejo
manifestado por parte do conselho de administração ou do órgão de fiscalização.
A decisão de convocar reuniões implica a de redigir a convocatória com os elementos
incluídos no artigo 377.º, n.º5 CSC e, ainda, a de decidir sobre a ordem do dia. Esta deverá
incluir os elementos requeridos pela lei (artigo 376.º, n.º1 CSC), pelos estatutos e pela
entidades de quem tenha partido a iniciativa de convocação. Também aqui entendemos que,
embora os poderes do presidente sejam vinculados, não pode deixar de haver, da sua parte,
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uma sindicância mínima sobre o que lhe seja pedido. Caber-lhe-á, no exercício das suas
funções, afastar da ordem do dia os pontos manifestamente não pertinentes, ilegais ou SA
despropositados.
c
Segue: data, hora e local da reunião; assembleias virtuais: a convocatória deve
conter a data da reunião. O artigo 375.º, n.º4 CSC fixa, quando se trate de reuniões
convocadas a requerimento de minorias, o período que vai dos 15 dias subsequentes à
receção de requerimento aos 45 dias a contar da publicação da convocatória. Para as reuniões
solicitadas pelos órgãos da sociedade, cabe distinguir:
Quanto à assembleia geral anual, a pedir pelo conselho de administração ou 425
pelo conselho de administração executivo (artigo 376.º, n.º2 CSC): deve reunir
no prazo de três meses a contar da data do encerramento do exercício ou no prazo
de cinco meses a contar da mesma data, quando se tratar de sociedades que devam
apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método da equivalência
patrimonial.
Quanto às assembleias extraordinárias: haverá que providenciar datas razoáveis,
que permitam salvaguardar o efeito útil pretendido, sem pôr em crise a mobiliação
dos acionistas.
Não existem outras limitações. Nada impede convocações para períodos de férias ou, até,
para dias feriados. Haverá, contudo, um uso que determina a guarda dos Domingos e dias
santos. Compete ao presidente da mesa da assembleia geral fixar a hora do início da reunião.
Fará sentido fixá-la cedo (8 horas da manhã) ou tarde (19 horas), consoante se queira
privilegiar o acantonamento da reunião ao dia da convocação ou a afluência de acionistas
trabalhadores: uma opção que a lei deixa ao presidente. Marcações disparatadas são contrárias
à boa fé, podendo dar lugar a justa causa de destituição. Não tem de constar da convocatória
a hora do termo da reunião. Na verdade, todos os participantes na reunião da assembleia têm
o direito de nela intervir. Torna-se, assim, imprevisível a duração das reuniões. A prefixação
do seu termo poderá limitar o direito de intervenção. De todo o modo, nada obsta a que se
fixem limites tendenciais, como modo de melhor proporcionar a distribuição do tempo.
Como indicação importante: marcada para um dia, a assembleia deverá concluir-se nesse
mesmo dia. No foro alemão, já se discutiu se, estando a reunião marcada para certo dia, os
trabalhos podem prosseguir depois da meia-noite, prolongando-se pelo dia seguinte. A
resposta é positiva: não há nenhum fundamento de invalidade relativamente a deliberações
que venham a ser tomadas a altas horas. Dentro dos limites da boa fé, o prolongamento,
noite fora, de uma reunião é um meio legítimo (porque imposto pela natureza ou pela
Providência) de pressionar no sentido de se alcançarem resultados práticos. O artigo 377.º,
n,º6 CSC dispõe sobre o local da reunião. Trata-se de um preceito alterado em 2006, de modo
a permitir reuniões telemáticas. Quanto a reuniões convencionais (artigo 377.º, n.º6, alínea a)
CSC):
Decorrem na sede da sociedade;
Ou noutro local escolhido pelo presidente da mesa, dentro do território nacional,
desde que as instalações sociais não permitam a reunião em condições satisfatórias.
Fica, assim, à discricionária apreciação do presidente a escolha do local da reunião, mas
apenas quando as instalações da sede não permitam a reunião em termos satisfatórios. Será
o caso de assembleias gerais onde se aguardem centenas de acionistas. A lei só permite
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exceção, como é óbvio, do voto – todas as pessoas têm iguais direitos, devendo a
igualdade ser mantida por cabeça e não por voto; SA
Proporcionalidade: a direção da reunião deve adequar-se ao que sucede e aos
objetivos; por exemplo, perante um acionista perturbador, há que, sucessivamente, c
adverti-lo; retirar-lhe a palavra; expulsá-lo da reunião; interromper a reunião se nada
mais puder fazer; tais medidas deverão ser adequadas ao tipo e à duração dos
desacatos efetivamente registados;
Legalidade: o presidente é o guardião da lei e dos estatutos, agindo em consequência.
É importante recordar que o presidente da mesa recebe os seus poderes da lei e dos estatutos:
não é um delegado dos acionistas nem, muito menos, da maioria que o tenha elegido. 427
Embora ao serviço da sociedade – logo: dos acionistas – ele deva tratá-los em modo coletivo,
o que pode pressupor que se deva opor, em certas circunstâncias, à maioria da assembleia.
Quanto à condução da assembleia: podemos seguir os poderes do presidente através da
marcha dos trabalhos. Desde logo, ele tem poderes relativos à própria formação da
assembleia e, designadamente, quanto à:
Constituição da assembleia: cabe-lhes mandar organizar a lista dos acionistas que
estiverem presentes e representados no início da reunião (artigo 382.º, n.º1 CSC),
com as especificações e formalidades previstas na lei (artigo 382.º, n.º2 e 4 CSC);
Verificação das representações: os respetivos pedidos são-lhe dirigidos (artigo
380.º, n.º2 CSC);
Regularidade das participações: em virtude da legalidade, o presidente não é
passivo nestas operações: antes deve, por si ou pelos seus auxiliares, certificar-se
preliminarmente da idoneidade de todas as presenças.
O presidente deve ainda assegurar-se de que apenas permanecem no local da reunião as
pessoas que, segundo o artigo 379.º CSC, possam participar na assembleia. Além disso, cabe-
lhe autorizar outras presenças (artigo 379.º, n.º6 CSC), embora essa decisão seja revogável
pela assembleia; a contrario, a assembleia não pode permitir presenças contra a vontade do
presidente. Isto posto, compete ao presidente:
Declarar aberta a sessão: um ponto formal importante para esclarecer todos os
presentes de que se está perante um órgão social coletivo em funcionamento, que
pode deliberar;
Permitir um período antes da ordem do dia: serão dadas informações ou trocadas
impressões sem qualquer conteúdo deliberativo;
Seguir a ordem do dia, de modo adequado: introduzindo alterações na sequência
dos pontos em discussão, quando conveniente;
Admitir novos pontos ausentes da ordem do dia, no caso de a lei o permitir ou
de, tratando-se de uma assembleia universal, todos os sócios concordarem;
Organizar e conduzir a discussão a propósito de cada ponto;
Colocar à votação os pontos que entenda estarem devidamente esclarecidos e
discutidos;
Determinar o modo de votação: braço no ar, sentados e levantados, nominal,
escrutíneo secreto ou outros;
Verificar, a propósito de cada votante, o seu direito e a regularidade dos votos;
Determinar suspensões normais da assembleia (artigo 387.º, n.º1 CSC),
designadamente para conversações entre acionistas, para café ou para refeições curtas;
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embora a lei não ponha limites, afigura-se que tais pausas não deverão exceder os
30/60 minutos, não pondo em causa a conclusão dos trabalhos; SA
Apurar o resultado de cada votação e proclamá-lo;
Admitir contraprova, em caso de dúvida, repetindo a votação;
c
Declarar a reunião encerrada: de novo um ponto formal importante, para que
todos se apercebam de que não haverá mais deliberações possíveis.
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entender. Trata-se de uma consequência da tutela dos valores em modo coletivo, destinada
a assegurar os interesses dos ausentes, das minorias e da própria sociedade, pela imagem de SA
estabilidade e de isenção que transmita para o mercado.
c
Admissão de propostas, recusa de votos e encerramento da reunião: o
presidente deve colocar à discussão e à votação todas as propostas que surjam na assembleia,
desde que consentâneas com a ordem do dia. Admitem-se, porém, exceções a esta regra.
Desde logo, o presidente deve ordenar as propostas em termos coerentes, procurando fundir
as similares. No caso de repetição manifesta, pode recusar admissões autónomas. De seguida,
o presidente pode recusar as propostas que deem azo a situações de nulidade (artigo 56.º
CSC), especialmetne se reacaírem sobre matéria alheia à ordem do dia. A decisão de recusa 429
é definitiva: dela não cabe recurso para a assembleia, em virtude da natureza própria dos
poderes do presidente. Todavia, o presidente deve estar consciente de que uma recusa
injustificada pode, no limite, conduzir a uma convocação judicial de nova assembleia: só
usará esse poder em casos manifestos e com o devido amparo técnico-jurídico. devem ainda
ser recusadas propostas, formuladas por acionistas em matérias sobre que não possam votar
(artigo 384.º, n.º6 CSC) ou que façam uso de ações inibidas (artigo 485.º, n.º3 e 487.º, n.º2
CSC, como exemplos). Vale um argumento a fortiori: se não pode votar, não pode propor. Já
quanto a propostas que originem deliberações anulávies (artigo 58.º CSC): o presidente deve
advertir a assembleia do vício e das possíveis consequ~encias; se a proposta persistir, deverá
pô-la à votação. Caberá, depois, às pessoas que tenham o dirieto (potestativo) de invocar o
vício exercê-lo, se quiserem e em tempo e local oportunos. O presidente deve recusar os
votos ilícitos ou indevidos. Assim sucederá com os votos que violem proibições legais (artigo
384.º, n.º6 CSC, como exemplo) ou que contundam com a unidade do voto (artigo 385.º,
n.º1 CSC). E recusará também os votos que provenham de representantes não titulados ou
que ultrapassem os limites estatutários (artigo 384.º, n.º1, alínea b) CSC): tudo sem recurso
para a assembleia e a título definitivo. O presidente, como foi dito, pode determinar
suspensões normais (artigo 387.º, n.º1 CSC). Mas não lhe cabe suspender os trabalhos da
assembleia apenas esta o poderá fazer, para data que não ultrapasse os 90 dias (artigo 387.º,
n.º2 CSC) e apenas por duas vezes (artigo 387.º, n.º3 CSC). A própria assembleia não poderá,
todavia, suspender arbitrariamente os seus trabalhos: iria, com isso, manter a minoria refém
daquilo que ela própria não quereria decidir, quanto ao fundo. Caberá, assim, ao presidente
recusar propostas de adiamento que não se mostrem fundamentadas. Entende-se, ainda, que
a assembleia deve ficar concluída no dia para que foi convocada. Todavia e dentro do
razoável, pode ser ultrapassada a marca da meia-noite. O encerramento da reunião,
proclamado pelo presidente, põe termo à assembleia enquanto tal e ao seu poder deliberativo.
Salvo força maior, o encerramento só pode ocorrer depois de esgotada a ordem do dia.
Pode´ra, todavia, consistir na única saída para situações de grande perturbação. O presidente
manterá, então, os poderes necessários para convocar nova reunião.
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consagrar, frente à assembleia, um novo órgão coletivo, isto é: a própria mesa. Também esta
teria de ser convocada, de ter ordem do dia, de debater o que se lhe oferecesse e de deliberar, SA
se necessário com votação, elaborando-se uma ata. O presidente da mesa é, assim, um órgão
individual. O vice-presidente substitui-o, com plenos e próprios poderes, nas suas ausências. c
Os secretários coadjuvam: podem ter uma tarefa complexa e delicada. O artigo 374.º-A CSC
alargou as incompatibilidades, a tutela perante a destituição e a remuneração, a todos os
membros da mesa. Fê-lo de modo a, claramente, reconhecer as funções de cada um,
valorizando os cargos em jogo.
430
84.º - Composição, funcionamento e competência
Quórum, votos e maioria: a regra básica de quórum consta do artigo 383.º, n.º1 CSC:
salvo os casos de seguida indicados ou salvo o disposto no pacto social, a assembleia geral
pode deliberar, em primeira convocação, qualquer que seja o número de acionistas presentes
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«b) Autorizar a emissão de votos até ao máximo de cinco dias seguintes ao da realização
da assembleia, caso em que o cômputo definitivo dos votos é feito até ao 8.º dia posterior SA
ao da realização da assembleia e se assegura a divulgação imediata do resultado da
votação». c
Este esquema, que irá sendo aclarado pela prática, insere-se num grande movimento tendente
a facultar as assembleias virtuais, a representação e a participação dos acionistas. Os
comentadores assinalam um crescente interesse pela participação em assembleias, com uma
mediatização de temas societários antes reservados a especialistas. As próprias sociedades
tornam-se sensíveis à opinião pública dos seus acionistas, mesmo minoritários.
Fundamentalmente, os votos contam-se para apurar maiorias. O artigo 385.º CSC impõe a 432
regra da unidade do voto: um acionista com vários votos deve usá-los todos no mesmo
sentido (artigo 285.º, n.º1 CSC), sob pena de nulidade de todos eles (artigo 385.º, n.º1 CSC).
Impedem-se jogos menos claros ou a possibilidade de alguém votar uma proposta e, sendo
simultaneamente vencido, poder ainda impugná-la. Mas já assim não será se o acionista atuar
como representante de outrem: pode votar diversamente com os votos próprios e com os
do representado (artigo 385.º, n.º2 CSC) do qual pode, aliás, ter recebido instruções quanto
ao sentido de voto. Essa regra é aplicável às situações descritas no artigo 385.º, n.º3 CSC.
Quanto à maioria e ao seu apuramento, temos a considerar as regras seguintes (artigo 386.º
CSC):
A assembleia delibere por maioria de votos emitidos, seja qual for a percentagem do
capital social presente e salvo disposição diversa da lei ou do contrato (n.º1);
As abstenções não são contadas (n.º1, in fine);
Nas eleições, havendo várias propostas, basta a maioria relativa (n.º2);
Quanto a alterações do contrato, fusão, cisão, transformação, dissolução ou outros
pontos assim previstos por lei ou pelos estatutos, a aprovação exige 2/3 dos votos
emitidos, em primeira ou segunda convocação (n.º3);
Em segunda convocação, estando presente, pelo menos, metade do capital social,
esses mesmos pontos podem ser aprovados por maioria simples (n.º4);
Quando a lei ou o contrato exijam uma maioria qualificada determinada em função
do capital social, não são contadas para o cálculo dessa maioria as ações cujos titulares
estejam impedidos de votar, nem funcionam, a não ser que o contrato disponha
diferentemente, as limitações de voto permitidas pelo artigo 384.º, n.º2, alínea b) CSC
(n.º5); aparentemente, trata-se de facilitar a desblindagem dos estatutos, de modo a
facilitar operações de take over.
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social lhe atribuam. O artigo 376.º, n.º1 CSC elenca a competência básica da assembleia geral
anual. Por todo o Código enxameiam as referência à assembleia ou a deliberações dos sócios. SA
Há que proceder a um levantamento cuidadoso da matéria. Além disso, a competência para
certo tema envolve:
c
A competência para as questões instrumentais de que ele dependa;
A competência para certas questões conexas.
Caso a caso haverá que interpretar as normas em presença, valorando em especial o seu
objetivo. A assembleia geral, para além dos seus poderes jurídico-societários, funciona ainda
como órgão de informação, de discussão e de descompressão. Ela tem um papel importante 433
na formação da opinião pública. Tem uma dimensão legitimadora que tende a ser posta em
relevo.
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quanto a um esquema de fiscalização interna. Donde o conselho fiscal. Este sistema assentou
num único órgão de administração, sendo comum nos países latinos e nos anglo-saxónicos. SA
Ficou conhecido como o modelo monista ou latino. O sistema monista transitou para o
Código Veiga Beirão de 1888. No fundo, o Código Veiga Beirão mantinha-se tributário do c
clássico pensamento oitocentista. Num certo retrocesso perante as companhias coloniais do
século XVIII, os administradores eram simples mandatários da sociedade, surgindo como
uma emanação da assembleia geral. Esta poderia a todo o tempo revogar o mandato, dando
ainda diretrizes aos administradores. A própria expressão conselho de administração era evitada.
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parte em que não pressuponham a pluralidade de administradores. Quanto aos requisitos dos
administradores: SA
Podem ser ou não acionistas (artigo 390.º, n.º3 CSC); c
Devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena (artigo 390.º, n.º3
CSC)M ficam afastados os menores, os interditos, os inabilitados cuja incapacidade
caia no âmbito de administração e os insolventes;
Sendo designada uma pessoa coletiva: ela deve nomear uma pessoa singular para
exercer o cargo em nome próprio, ficando solidariamente responsável com ela (artigo
390.º, n.4º CSC).
437
Em regra, os administradores têm uma formação teórica e prática avançada. A lei exige-o,
em áreas sujeitas a especial supervisão: assim sucede no caso da banca (artigos 30.º e 31.º
RGIC). A designação dos administradores pode ocorrer segundo várias fórmulas. Eles,
podem ser designados:
No próprio contrato de sociedade (artigo 391.º, n.º1 CSC);
Por eleição da assembleia geral (idem, e 393.º, n.º1, alínea d) CSC);
Por nomeação pelo Estado (artigo 392.º, n.º11 CSC);
Por chamada de suplentes (artigo 393.º, n.º3, alínea a) CSC);
Por cooptação (artigo 393.º, n.º3, alínea b) CSC);
Por designação feita pelo conselho fiscal ou pela comissão de auditoria (artigo 393.º,
n.º3, alínea c) CSC);
Por nomeação judicial (artigo 394.º, n.º1 CSC).
As circunstâncias em que devem ocorrer alguns destes modos de designação constam dos
respetivos preceitos legais: para aí remetemos. A eleição pode obedecer a regras especiais:
impostas pelo contrato ou pela própria lei. Com efeito, o contrato pode prever:
Que a eleição dos administradores seja aprovada por votos correspondentes a
determinada percentagem de capital (artigo 391.º, n.º2, 1.ª parte CSC);
Que a eleição de um certo número deles, não superior a um terço, seja aprovada pela
maioria de certas categorias de ações (artigo 391.º, n.º2, 2.ª parte CSC): mas não
podem essas categorias ter o direito de, ad nutum, designar administradores;
Que, até um terço, alguns administradores sejam eleitos em separado, entre pessoas
propostas em listas subscritas por grupos de acionistas, desde que nenhum possua
mais de 20% nem menos de 10% do capital social (artigo 392.º, n.º1 CSC); cada uma
das listas a eleger deve propor, pelo menos, duas pessoas elegíveis para cada um dos
cargos (n.º2), não podendo o mesmo acionista subscrever mais de uma lista (n.º3);
Que uma minoria de acionistas que haja votado contra a proposta vencedora tenha
o direito de designar, pelo menos, um administrador, desde que ele represente pelo
menos 10% do capital (artigo 392.º, n.º6 CSC); a eleição é feita entre os minoritários
em causa (artigo 392.º, n.º7 CSC), substituindo o eleito maioritário menos votado ou
o que figura em último lugar na lista (idem);
Que haja administradores suplentes (artigos 390.º, n.º5 e 392.º, n.º10 CSC).
De notar que, nas sociedades com subscrição pública ou concessionárias do Estado ou de
entidades a ele equiparada, é obrigatória a inclusão no contrato de alguns dos esquemas
incluídos no artigo 392.º CSC; havendo omissão, aplicam-se os números 6 e 7 (artigo 392.º,
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n.º8 CSC). Esta regras obrigam a uma cuidada engenharia preparatória das eleições. Elas
podem ainda levar ao conselho de administração pessoas que, de todo, não tenham a SA
confiança da equipara dirigente. No fundo, elas pretendem evitar que os acionistas
minoritários se desinteressem pelas suas participações, vendendo-as com prejuízo para o
c
mercado. Na organização interna do conselho de administração haverá que conciliar esse
aspeto com a necessidade de cumprir a lei, tornando atrativo, para todos, o regime de
detenção de ações. A designação dos administradores é feita para um período de quatro anos,
o qual pode ser encurtado pelos estatutos (artigo 391.º, n.º3 CSC). Uma vez designados e
mau grado esse limite, os administradores mantêm-se em funções até nova designação, com
diversas ressalvas (artigo 391.º, n.º4 CSC): evita-se, assim, qualquer vazio de poder. 438
Suspensão e cessação: os administradores podem ser suspensos pelo conselho fiscal
ou pela comissão de auditoria (artigo 400.º, n.º1 CSC):
Quando as suas condições de saúde os impossibilitem temporariamente de exercer
funções;
Quando outras circunstâncias obstem a esse exercício por um período
presumivelmente superior a 60 dias e eles o solicitem ou se entenda que o interesse
da sociedade o exige.
O contrato de sociedade pode regulamentar os efeitos da suspensão, prevendo a lei
supletivamente: suspendem-se todos os seus poderes, direitos e deveres, salvo os que não
pressuponham o exercício efetivo de funções. Quanto a fundamentos de cessação, a lei indica:
A falta definitiva, a declarar pela administração, quando ocorram faltas a reuniões,
seguidas ou interpoladas e sem justificação, em número superior ao fixado no
contrato (artigo 393.º, n.º1 CSC);
A incapacidade superveniente, não removida no prazo de 30 dias, por declaração do
conselho fiscal ou da comissão de auditoria (artigo 401.º CSC);
A reforma, com determinadas possibilidades conferidas à sociedade (artigo 402.º
CSC);
A destituição, a todo o tempo, a deliberar pela assembleia (artigo 403.º CSC);
A destituição judicial, com base em justa causa (artigo 403.º, n.º3 CSC);
A renúncia, mediante carta dirigida ao presidente do conselho de administração ou,
sendo este o renunciante, ao conselho fiscal ou à comissão de auditoria (artigo 404.º
CSC).
A destituição pode operar com ou sem justa causa. Neste último caso, a sociedade deve
indemnizar condignamente o administrador destituído, sem limites quanto a danos
indemnizáveis, incluindo os morais. Há, hoje, uma confluência com as regras relativas à
gerência da sociedade por quotas. Tenha-se ainda presente que a regra da livre destituibilidade
dos administradores não prejudica as eleições por minoritários: estes só podem ser
destituídos com justa causa (artigo 403.º, n.º2 CSC). Quanto à noção de justa causa: o artigo
403.º, n.º4 CSC limita-se a explicitar:
A violação grave dos deveres do administrador;
A sua inaptidão para o exercício normal das respetivas funções.
Vale a integração sistemática que faz, deste tema, um ponto da Parte Geral.
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Conselho fiscal ou fiscal único; qualidades: o artigo 413.º CSC fora alterado em
1996 e, de novo e profundamente, em 2006. Há, pois, que estar atento aos textos em vigor.
Estão aqui em causa as sociedades que tenham assumido o modelo de organização previsto
no artigo 278.º, n.º1, alínea a) CSC: monista, de tipo latino. Segundo o artigo 413.º, n.º1 CSC,
cabe, aí, a fiscalização:
a) A um fiscal único, que deve ser revisor oficial de contas ou sociedade de revisor
oficiais de contas, ou a um conselho fiscal; ou
b) A um conselho fiscal e a um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores
oficiais de contas que não seja membro daquele.
O recurso à solução indicada na alínea b) depende do pacto social. Ela será obrigatória,
todavia (artigo 413.º, n.º2 CSC):
«(...) em relação a sociedades que sejam emitentes de valores mobiliários admitidos à
negociação em mercado regulamentado e a sociedades que, não sendo totalmente dominadas
por outra sociedade que adote este modelo, durante dois anos consecutivos, ultrapassem dois
dos seguintes limites:
«i) Total do balanço – 100.000.000€;
«ii) Total das vendas líquidas e outros proveitos – 150.000.000€;
«iii) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício – 150».
A composição do conselho fiscal bem como a pessoa do fiscal único devem ter as qualidades
inseridas no artigo 414.º CSC. Alguns aspetos:
O fiscal único deve ser Revisor Oficial de Contas ou Sociedade Revisora Oficial de
Contas e não pode ser acionista (artigo 414.º, n.º1 CSC);
O conselho fiscal deve incluir um Revisor Oficial de Contas ou uma Sociedade
Revisora Oficial de Contas, salvo se se optar pela modalidade do artigo 413.º, n.º1,
alínea b) CSC (artigo 414.º, n.º2 CSC);
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Deveres e direitos: cada membro do conselho fiscal é responsável, devendo garantir essa
sua responsabilidade através de caução ou de seguro (artigo 418.º-A, nº.1 CSC). O seguro
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dos Revisores Oficiais de Contas rege-se por lei especial (artigo 418.º-A, n.º2 CSC). Cabe, a
todos, o exercício das inerentes funções, especificando o artigo 422.º, n.º1 CSC as seguintes SA
obrigações:
c
«a) Participar nas reuniões do conselho e assistir às assembleias gerais e bem assim às reuniões
da administração para que o presidente da mesma os convoque ou em que se apreciem as contas
do exercício;
«b) Exercer uma fiscalização conscienciosa e imparcial;
«c) Guardar segredo dos factos e informações de que tiverem conhecimento em razão das suas
funções, sem prejuízo do dever enunciado no n.º3 deste artigo; 443
«d) Dar conhecimento à administração das verificações, fiscalizações e diligências que tenham
feito e do resultado das mesmas;
«e) Informar, na primeira assembleia que se realize, de todas as irregularidades e inexatidões
por eles verificadas e bem assim se obtiveram os esclarecimentos de que necessitam para o
desempenho das suas funções;
«f) Registar por escrito todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas e diligências que
tenham sido efetuadas e o resultado das mesmas».
Os membros do conselho fiscal – e o fiscal único (artigo 423.º-A CSC) – têm direito a uma
remuneração, a qual deve consistir numa quantia fixa (artigo 422.º-A, n.º1 CSC). A
remuneração é fixada pela assembleia geral ou por uma comissão de vencimentos (artigo
399.º, n.º1, ex vi artigo 422.º-A CSC). Além disso, os membros do conselho fiscal têm
múltiplos poderes, que podem exercer conjunta ou separadamente:
a) Obter da administração a apresentação, para exame e verificação dos livros, registos
e documentos da sociedade, bem como verificar as existências de qualquer classe de
valores, designadamente dinheiro, títulos e mercadorias;
b) Obter da administração ou de qualquer dos administradores informações ou
esclarecimentos sobre o curso das operações ou atividades da sociedade ou sobre
qualquer dos seus negócios;
c) Obter de terceiros que tenham realizado operações por conta de sociedade as
informações de que careçam para o conveniente esclarecimento de tais operações;
d) Assistir às reuniões da administração, sempre que o entendam conveniente.
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«4. Das atas deve constar sempre a menção dos membros presentes à reunião, bem como um
resumo das verificações mais relevantes a que procedam o conselho fiscal ou qualquer dos seus SA
membros e das deliberações tomadas.
c
«5. É aplicável o disposto no n.º9 do artigo 410.º CSC».
Nos termos da remissão efetuada neste último número, a reunião poderá ser virtual, se os
estatutos o não proibirem. A competência do conselho fiscal resulta dos poderes dos seus
membros e de diversos preceitos dispersos pelo Código. Além disso, o artigo 420.º, n.º2 CSC
elenca os pontos seguintes:
a) Fiscalizar o processo de preparação e de divulgação de informação financeira; 444
b) Propor à assembleia geral a nomeação do revisor oficial de contas;
c) Fiscalizar a revisão de contas aos documentos de prestação de contas da sociedade;
d) Fiscalizar a independência do revisor oficial de contas, designadamente no tocante á
prestação de serviços adicionais.
A competência deve ser usada nos termos do artigo 420.º, n.º3 CSC, com especiais deveres
para o Revisor Oficial de Contas (artigo 420.º, n.º4 CSC). E sobre este recai ainda o dever de
vigilância pormenorizadamente explicitado no artigo 420.º-A CSC. Um preceito completo,
com diversas regras procedimentais. O artigo 421.º, n.º3 a 5 CSC atribui ainda, ao conselho
fiscal, a competência para deliberar a contratação da prestação de serviços de peritos. Para
esse efeito, os próprio membros do conselho fiscal têm poderes de representação: em
derrogação da regra (quase) absoluta de que tais poderes só cabem ao conselho de
administração.
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é sempre possível; mas se não se basear em justa causa, obriga a indemnizar. Competente
para a destituição será o conselho geral e de supervisão ou a assembleia geral, consoante o SA
órgão estatutariamente indicado para a eleição (artigo 430.º, n.º1 CSC). De qualquer modo,
o conselho geral pode decidir sempre a suspensão até dois meses. c
Posição jurídica, funcionamento e competência: a posição jurídica dos
administradores executivos é, em grande parte, semelhante á dos administradores proprio sensu.
Todo o esquema subjacente aos artigos 426.º a 429.º CSC é, no fundo, o de uma remissão.
E é ainda sob o signo da remissão que a lei trata em conjunto (artigo 433.º CSC). Quanto à
competência: rege o artigo 431.º CSC, também na base de remissões. Dispõe:
447
«1. Compete ao conselho de administração executivo gerir as atividades da sociedade, sem
prejuízo do disposto no n.º1 do artigo 442.º.
«2. O conselho de administração executivo tem plenos poderes de representação da sociedade
perante terceiros, sem prejuízo do disposto na alínea c) do artigo 441.º.
«3. Aos poderes de gestão e de representação dos administradores é aplicável o disposto nos
artigos 406.º, 408.º e 409.º, com as modificações determinadas pela competência atribuída na
lei ao conselho geral e de supervisão».
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450
91.º - Revisor Oficial de Contas
A designação: o revisor oficial de contas faz parte da organização (artigo 446.º, n.º1 CSC):
Das sociedades de tipo monista anglo-saxónico (artigo 278.º, n.º1, alínea b)
CSC): conselho de administração compreendendo uma comissão de auditoria e
Revisor Oficial de Contas;
Das sociedades de tipo dualista (artigo 278.º, n.º1, alínea c) CSC): conselho de
administração executivo, conselho geral e de supervisão e Revisor Oficial de Contas;
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Das sociedades de tipo monista tradicional ou latino (artigo 413.º, n.º1 CSC):
quando se trate de um fiscal único ou, a aditar ao conselho fiscal, perante emitentes SA
de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado e a
sociedades que ultrapassem os critérios do artigo 413.º, n.º2, alínea a) CSC. c
A designação é feita pela assembleia geral, por um período não superior a quatro anos e sob
proposta da comissão de auditoria, do conselho geral ou de supervisão, da comissão para as
matérias financeiras ou do conselho fiscal, conforme os casos (artigo 446.º, n.º2 CSC). Nos
termos gerais, em vez de Revisor Oficial de Contas, pode ser designada uma sociedade de
revisores oficiais de contas. Caber-lhe-ão as funções previstas no artigo 420.º, n.º1, alíneas c),
d), e ) e f) CSC. A matéria da designação do Revisor Oficial de Contas tem levantado algum 451
contencioso, designadamente quando haja que recorrer à nomeação judicial. Assim:
O Revisor Oficial de Contas designado pela gerência deve ser ratificado pela
assembleia geral; não vale como ratificação tácita a aprovação das contas por ele
assinadas;
A não ratificação de um Revisor Oficial de Contas pela assembleia não constitui mera
invalidade sanável pela renovação de uma deliberação;
Não é inconstitucional a designação judicial de um fiscal único.
Como vetor básico retiramos, destas orientações, um princípio de dignificação do papel do
Revisor Oficial de Contas. Trata-se de uma área onde será de esperar desenvolvimentos
jurídico-societários importantes.
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O dever de comunicar: os artigos 447.º e 448.º CSC, inseridos num Capítulo intitulado
publicidade de participações e abuso de informações, impõe, a certas pessoas, o dever de
comunicar à sociedade determinadas participações que detinham. Tais participações serão,
depois, publicitadas pela sociedade, no seu relatório anual. Estes preceitos têm um Âmbito
de aplicação geral. Dobram, assim, preceitos mobiliários similares, que se destinam a
sociedades abertas. O dever de comunicar incide, primeiro, sobre os membros dos órgãos
de administração e de fiscalização das sociedades anónimas. Abrange participações latas:
ações e obrigações e isso no tocante a aquisições, onerações ou cessações de titularidade:
quer da própria sociedade, quer de outras que, com ela, estejam em situação de domínio ou
de grupo (artigo 447.º, n.º1CSC). O dever abrange não só as titularidades próprias mas,
também, as do cônjuge ou de outras pessoas, referidas no artigo 447.º, n.º2 CSC e que, com
o titular, tenham as relações de proximidade aí enunciadas. A lei regula o modo de
comunicação e o seu tempo, bem como a publicação no relatório anual (artigo 447.º, n.º4 a
7 CSC). A falta culposa do cumprimento do dever de comunicar origina justa causa de
destituição (artigo 447.º, n.º8 CSC). Também os acionista titulares de ações ao portador não
registadas, titulares de, pelo menos, um décimo, um terço ou metade do capital de uma
sociedade, devem comunicar à sociedade o número de ações próprias e as de pessoas em
relação de proximidade, referidas no artigo 447.º, n.º2 (artigo 448.º, n.º1, in fine CSC). Tais
comunicações são feitas, no prazo de trinta dias e por escrito, ao órgão de administração e
ao órgão de fiscalização (artigo 448.º, n.º3 CSC). A lista das pessoas em causa é publicada em
anexo ao relatório anual (artigo 448.º, n.º4 CSC). Não há, pois, titularidades significativas
secretas.
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tema clássico do Direito das Sociedades Comerciais. Há que lhe prestar algum cuidado. O
mercado mobiliário pode ser apontado como uma decorrência da democratização do capital SA
das sociedades. Tal democratização, iniciada nos Estados Unidos e aprofundada, em todo o
mundo, ao longo do século XX, parece não ter hoje alternativas credíveis. Seja na base de
c
puras ordenações do Estado, seja através de organizações privadas auto-regulamentadas,
foram-se fixando quadros normativos próprios aplicáveis às bolsas de valores ou, mais
latamente, ao mercado mobiliário. Essas regras visavam, no essencial, assegurar a justiça e a
regularidade dos mercados e, sobretudo: incentivar e manter a confiança do público na
excelência do setor mobiliário. Efetivamente, a existência de um mercado alargado depende
da convicção generalizada de que os capitais de cada um, mesmo pequenos, estão igualmente 454
protegidos, tendo tantas probabilidades de ganho como quaisquer outros. E o relevo da
confiança merecida pelos mercados torna-se tanto mais ponderoso quanto mais numerosas
forem as alternativas. Falamos de alternativas ao próprio mercado mobiliário e em
alternativas mobiliárias: a livre circulação de capitais permite que o operador, eventualmente
descontente com uma determinada praça, dirija os seus investimentos para outra que lhe dê
mais garantias de idoneidade e de bom funcionamento. Um dos aspetos que as regras
atinentes aos mercados mobiliários mais têm procurado acautelar têm a ver com a prevenção
e a repressão do uso (e abuso) de informação privilegiada ou insider trading, base de um
autêntico Direito de informação privilegiada. Trata-se de uma dimensão que se impôs a partir da
década de sessenta do século XX: havia que regular a situação das pessoas que, por
circunstâncias várias, estivessem na posse de informações desconhecidas do mercado e que
pudessem relevar para a formação das cotações. Em abstrato, haveria duas possibilidades a
considerar:
Ou se vedava o mercado a pessoas que, pela sua posição, pudessem ter acesso a
informação privilegiada;
Ou se obrigavam os responsáveis a, perante qualquer informação dessa natureza,
publicitá-la, de imediato, a todos.
A primeira hipótese tinha um evidente óbice prático: nunca seria possível garantir que a
informação privilegiada não viesse a circular, aproveitando a pessoas que, embora não ligadas
funcionalmente a lugares sensíveis, dela viessem a ter conhecimento. A abertura, a todos, da
bolsa e a dificuldade em compartimentar a circulação de informações relevantes
recomendavam a segunda alternativa. Uma segunda ordem de questões tinha a ver com o
concreto modo de assegurar o dever de publicitar as tais informações privilegiadas. Em
abstrato, tínhamos dois caminhos: ou o recurso a sanções do Direito Público ou a utilização
dos esquemas da responsabilidade civil. O Direito Comparado, particularmente o cotejo
entre as experiências norte-americana e alemã, permite documentar a excelência da proteção
delitual do outsider. As leis atuais entendem ainda não prescindir de uma cobertura penal para
o tema. Assinale-se, ainda, que o dever de informação ligado à proibição do insider trading
deve associar-se à obrigação de publicitar as participações sociais ou, pelo menos, as
participações mais significativas, como acima demos conta. Haverá, em suma, que montar
todo um esquema de informações e publicitações dotado de coerência. Mas tudo isso deve
ainda ser conciliado com deveres de sigilo. É óbvio que a divulgação de hipóteses ainda não
consubstanciadas, só para prevenir qualquer insider trading, acabaria por transformar o
mercado num universo de boatos que não serviria nenhum operador. As leis do mercado
mobiliário têm, pois, de definir uma fronteira: até uma certa margem num qualquer processo
suscetível de relevar, imporão um dever de sigilo; a partir dela, um dever de publicitação.
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Finalmente, cumpre chamar a atenção para o continuum que sempre representa o mercado
mobiliário. Os operadores diretos interligam-se com os detentores de participações SA
significativas e com os consultores e os revisores, dos quais depende, em última análise, a
confeção e a divulgação das informações relevantes ou a sua credibilização. Estes são c
responsáveis pelos deveres que sobre eles impendam perante avaliações operadas e em face
dos detentores de capital. Também em jogo ficará a responsabilidade dos peritos pelo papel
que desempenham em processos de ofertas públicas. Estamos, em resumo, em face de uma
área complexa, que exige uma cuidada definição de fronteiras.
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A definição lida com dois conceitos indeterminados: caráter preciso e suscetível de influenciar de
maneira sensível o preço. Quanto ao caráter preciso, há uniformidade. Já quanto a influenciar de SA
maneira sensível, deparamos com uma graduação:
c
Sensível, em português e francês: é algo que seja percetível;
Significant, em inglês: equivale a algo que tenha um significado e, portanto, mais do
que sensível;
Erheblich, em alemão, exprime algo de considerável, mais do que significativo.
Peçamos auxílio à Diretriz n.º2003/124, que vem regulamentar a aplicação da Diretriz
n.º2003/6/CE: temos (artigo 1.º, n.º1 e 2): 456
A informação é precisa se fizer referência a um conjunto de circunstâncias existentes
ou razoavelmente previsíveis ou a um acontecimento já ocorrido ou razoavelmente
previsível e se essa informação for suficientemente precisa para permitir retirar uma
conclusão quanto ao eventual efeito desse conjunto de circunstâncias ou
acontecimentos a nível dos preços;
E ela será suscetível de influenciar de maneira sensível o preço se se tratar de uma
informação que um investidor razoável utilizaria normalmente para basear em parte
as suas decisões de investimento.
A informação precisa terá de assentar em factos que permitam conclusões. Tudo isso em
termos objetivos. Quanto a influenciar consideravelmente os preços, o legislador
comunitário recorreu a uma noção funcional: a informação terá de atingir a intensidade
suficiente para ser utilizada por um investidor razoável nas suas decisões de investimento.
Dentro da funcionalização, ela apela para uma bitola objetiva: o investidor razoável. Exclui-se,
pois, a noção de especulador, do ultra-sensível e do oportunista: o investidor razoável sempre
procurará confirmar de modo fidedigno, quanto oiça, antes de investir. Quanto à natureza
não-pública da informação aqui em causa: temos defendido que a não-divulgação exigida diz
respeito aos factos sobre que ela assente. Por exemplo: a pesssoa que, lendo o balanço
publicado de uma empresa, tire uma conclusão genial não passa, por isso, a ser detentora de
uma informação privilegiada: qualquer leitor, com a mesma análise, poderia chegar a idêntica
(ou ainda melhor) conclusão.
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456.º, n.º1 CSC). A assembleia geral, deliberando por maioria exigida para a alteração do
contrato, pode renovar os poderes conferidos ao órgão de administração (artigo 456.º, n.º4 SA
CSC). O aumento assim decidido pode ser útil. O órgão de administração poderá conhecer
melhor o aumento mais vantajoso para decidir o aumento: seja em função de dados atinentes c
à própria sociedade, seja mercê de fatores ligados com o mercado de capitais. Todavia, a sua
liberdade não é total. Cabe ao contrato de sociedade estabelecer as condições para o aumento
a decidir pela administração, devendo (artigo 456.º, n.º2 CSC):
a) Fixar o limite máximo do aumento;
b) Fixar o prazo durante o qual aquela competência pode ser exercida, sendo que, na
falta de indicação, o prazo é de cinco anos; 459
c) Mencionar os direitos atribuídos às ações a emitir; na falta de menção, apenas é
autorizada a emissão de ações ordinárias.
O projeto de aumento deve obter parecer favorável do órgão de fiscalização: sem o que terá
de ser submetido à assembleia geral (artigo 456.º, n.º3 CSC). Não sendo o aumento de capital
totalmente subscrito, considera-se a deliberação respetiva (da assembleia ou do conselho)
sem efeito, salvo se, ela própria, tiver previsto que o aumento fique limitado às subscrições
recolhidas (artigo 457.º, n.º1 CSC). Seguir-se-á a tramitação do artigo 457.º, n.º2 e 3 CSC.
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de conteúdo patrimonial, concedido no interesse deles. Trata-se, pois, de uma figura que
obedece à lógica do comércio privado. A doutrina tem sublinhado que a denominada SA
preferência dos acionistas só impropriamente é designada como tal. Na verdade, a
preferência comum corresponde à situação da pessoa que, caso pretenda celebrar um c
contrato, o deva fazer com determinado beneficiário, desde que este acompanhe as
condições oferecidas por um terceiro interessado. A preferência do acionista, porém, coloca-
se noutro plano. ela existe independentemente de qualquer terceiro interessado. Por isso, ela
opera não como uma preferência simples, mas antes como um verdadeiro direito de
subscrição. Mas apesar desta precisão, parece haver um patente paralelo entre as duas
preferências: assim, além das idênticas designações, é de esperar a presença de regras comuns, 460
como a possibilidade de recorrer à ação de preferência. A doutrina chama ainda a atenção
para um aspeto da construção técnica da preferência do acionista, que tem grande relevo
prático. Reside ele na distinção entre:
O direito abstrato de preferência;
O direito concreto de preferência.
O direito abstrato de preferência corresponde à posição genérica que qualquer sócio, pelo
simples facto de o ser, tem de poder subscrever futuros e eventuais aumentos de capital, em
certa proporção, e verificados os demais requisitos. O direito concreto de preferência
equivale à posição específica que certo sócio tem de, perante um determinado aumento de
capital concretamente deliberado e em curso de verificação, vir subscrever certas ações, desde
que concorram os demais requisitos. O direito concreto de preferência equivale à posição
específica que certo sócio tem de, perante um determinado aumento de capital
concretamente deliberado e em curso de verificação, vir subscrever certas ações, desde que
concorram os demais requisitos. Na verdade, estas duas situações teóricas e praticamente
muito distintas, concitam regimes diferentes. Anote-se, ainda, que importantes aspetos
regulamentares constam dos artigos 458.º, n.º3 e 4 e 459.º CSC: este último sobre o aviso e
o prazo para o exercício do direito de preferência.
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«3. A assembleia geral pode também limitar ou suprimir, pela mesma razão, o direito de
preferência dos acionistas relativamente a um aumento de capital deliberado ou a deliberar pelo SA
órgão de administração, nos termos do artigo 456.º».
c
A supressão da preferência é compreensível: está em causa uma posição patrimonial,
disponível e que põe em causa a vida da sociedade. Parece também normal que se fixem
condições particulares para a sua supressão, de modo a garantir bem a posição dos sócios e
que elas incluam uma ponderação que mostre ser esse o interesse da sociedade. A exigência
de uma deliberação a propósito de cada aumento de capital torna-se mais clara se se tiver em
conta a distinção, acima referida e presente, duma ou doutra forma, em toda a doutrina
comercialística, entre o direito abstrato e o direito concreto de preferência. O primeiro é 461
indisponível: faz parte do status de sócio e envolve sempre todos os membros, atuais ou
futuros, da sociedade; o segundo, pelo contrário, é um direito comum, que pode ser
condicionado, renunciado ou mesmo suprimido por deliberação competente. A exigência do
artigo 460.º, n.º2 CSC tem, pois, o sentido de só admitir a supressão da preferência concreta;
não da preferência abstrata. O sentido e o alcance da técnica, acima apontada, da exclusão
da preferência dos acionistas dá, também, a dimensão dos seus limites. Em especial, haverá
que precisar três pontos:
Se a exclusão da preferência pode ser decidida pelo conselho de
administração: este primeiro passo poderia parecer bastante claro: ela não é possível,
uma vez que tanto a 2.ª Diretriz como o artigo 460.º, n.º1 CSC reservam tal
competência à assembleia geral. A questão pode, porém, recolocar-se por outra via:
a lei admite que o próprio aumento de capital seja deliberado pelo órgão de
administração, por autorização dos estatutos (artigo 456.º, n.º1 CSC). Quando isso
suceda, o contrato de sociedade estabelecerá as condições para o exercício dessa
competência (idem, n.º2). Finalmente, o artigo 87.º, n.º1 CSC, relativo ao aumento
de capital, sem distinções, explicita:
«1. A deliberação de aumento do capital deve mencionar expressamente:
(...)
«g) As pessoas que participarão nesse aumento».
Parece possível, perante os textos portugueses em vigor, defender que a
administração, podendo decidir o mais – o aumento de capital – decida o menos – a
limitação de preferência. Tal interpretação é, aliás, possibilitada pela 2.ª Diretriz da
CEE: o Estado português teria facultado à administração, a possibilidade de exclusão
da preferência, através da confluência dos artigos 456.º, n.º1, e 87.º, n.º1, alínea g)
CSC. Aliás, a assim não ser, perder-se-ia boa parte das vantagens derivadas da
deliberação e, designadamente: a rapidez e a flexibilidade. Querendo aumentar o
capital com certas limitações à preferência, a administração só poderia tomar meia
decisão – o aumento – devendo convocar a assembleia para debater a preferência: a
complicação seria maior, jogando contra a sociedade e contra os sócios. Os valores
da lei ficariam facilmente assegurados pela observância, aquando da concessão de
poderes à administração, dos requisitos postos, por ela própria, pela exclusão pela
assembleia geral e, designadamente, o da maioria qualificada. Não se ignora que tal
via interpretativa não corresponde à intenção subjetiva do projeto; mas ela é
legitimada pelo sentido objetivo da lei e pela ponderação dos valores em presença.
Conclui-se, pois, que o conselho de administração de uma sociedade anónima pode
ser autorizado a aumentar o capital, definindo as condições desse aumento, o que
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Direito Comercial II | António Menezes Cordeiro
2015/2016
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em causa direitos já constituídos dos sócios. Ora, nos termos gerais expressamente
confirmados pelo artigo 88.º CSC, tais direitos surgem com a escritura pública do SA
aumento de capital. Assim, a deliberação prevista no artigo 460.º n.º3 CSC pode
surgir até ao momento da outorga da escritura de aumento de capital. A concluir, c
julga-se que não haverá dificuldades em, também aqui, permitir que a limitação ou
supressão referidas no artigo 460.º, n.º3 CSC possam ser deliberadas através de
alteração estatutária, desde que reportada a uma preferência concreta e desde que
aprovada com os requisitos legais. As posições dos sócios só ficariam, com isso, mais
protegidas.
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