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Delineamentos de uma função social do contrato no

pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

DELINEAMENTOS DE UMA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO


PENSAMENTO DAS “TRANSFORMAÇÕES” DE ORLANDO GOMES
Developments about a social function of the contract in Orlando Gomes
“transformations” thought
Revista de Direito Privado | vol. 87/2018 | p. 179 - 195 | Mar / 2018
DTR\2018\12725

Carolina Mallmann Tallamini dos Santos


Mestranda em Direito Civil/Empresarial (UFRGS). Bolsista CAPES. Especialista em Direito
do Consumidor e Direitos Fundamentais (UFRGS). Bacharel em Direito (UFPEL).
Advogada. caroltallamini@gmail.com

Área do Direito: Civil


Resumo: Orlando Gomes foi um dos grandes pensadores brasileiros, não podendo ser
limitado a mero “jurista” graças a seu poder de análise de diversos segmentos científicos
sob o prisma puramente social. Detentor de vasta obra acadêmica, produziu de forma
ininterrupta durante mais de cinquenta anos – o que permite um exame evolutivo de seu
pensamento de acordo com o contexto histórico. Consagrou-se, em especial, pelas
notórias contribuições ao direito privado. Incansável crítico do individualismo e do
subjetivismo de sua época, traçou inovadores panoramas, não raras vezes antevendo o
futuro dos institutos de direito civil. O presente ensaio percorre um breve caminho
histórico a partir do direito das obrigações, passando pelo negócio jurídico para, então,
alcançar o contrato e traços de uma visionária função social, sempre procurando manter
o uso da “lente” daquele que foi um grande mestre do direito nacional.

Palavras-chave: Orlando Gomes – Direito civil – Função social – Obrigações – Contrato


Abstract: Orlando Gomes was one of the great brazilian thinkers of his time, not being
limited to mere "jurist" thanks to his power of analysis of several scientific segments
from the purely social point of view. Holder of a vast academic work, he has produced
uninterruptedly for more than fifty years – which allows an evolutionary examination of
his thought according to the historical context. He was consecrated, in particular, by the
notorious contributions to private law. Tireless critic of the individualism and
subjectivism of his time, he sought to trace innovative scenarios, often foreseeing the
future of civil law institutes, and this is what happened with the contractual instrument.
The present essay draws a brief historical path starting at the law of obligations, passing
through the legal business to then reach the contract and traits of a visionary social
function, always trying to maintain the use of the "lens" of the one who was a great
master of national law.

Keywords: Orlando Gomes – Civil law – Social function – Obligations – Contract

Sumário:

1Introdução - 2A proposta de uma “nova dogmática” privatista - 3Reflexos na teoria


contratual: “crise”? - 4Conclusões - 5Bibliografia

1 Introdução

Nas primeiras duas décadas do século passado, o Brasil enfrentava inúmeras greves
operárias e revoltas armadas, culminando com a Revolução de 1930, que pôs fim à
dominação política dos grandes fazendeiros da região sudeste. Nesse período de
incontáveis mudanças socioeconômicas, o cerne da discussão gravitava sobre o real
papel da ciência jurídica: instrumento ao qual deveria se submeter o poder político ou
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mero instrumento de “dominação” dos grandes empresários da época. Nesse contexto
histórico é que desponta a admirável figura do jurista, professor e advogado Orlando
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Gomes.
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Delineamentos de uma função social do contrato no
pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

Ganha destaque a escola do naturalismo positivista graças à eclosão de teorias


evolucionista de Herbert Spencer e Ernst Heackel e materialista de Friedrich Buchner,
aliadas ao positivismo extremado de Augusto Comte. No Brasil, época de célebres
juristas do século XX, tais como Décio dos Santos Seabra, Nelson Carneiro, Silvio
Rodrigues, Washington de Barros Monteiro, Álvaro Villaça de Azevedo, Antônio Junqueira
de Azevedo e Lafayette Pondé. Tempo da eclosão de novas ideias e reflexões,
principalmente em razão da difusão das então novas ideias marxistas. Não sem razão, a
primeira cátedra a ser, então, ocupada por Orlando Gomes (aos 23 anos de idade) teria
3
matriz filosófica (Introdução ao estudo do direito). Toda essa digressão auxilia na
compreensão da razão do conhecido rótulo “socialista” a Orlando Gomes comumente
4
imputado.

Forte crítico do direito das obrigações do século XIX (calcado nos preceitos fundamentais
do direito romano e, principalmente, do direito germânico), chega a reconhecer o avanço
econômico trazido pela pandectística, mas afirma que esta “legitimou abusos” que
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concorreram para a “preponderância do mais forte”.

Ainda a título de notícia histórica, contextualizando o cenário em paralelo com o direito


alemão, interessa resumir a breve retrospectiva evolutiva pelo próprio autor referida.
Narra ele que, como marco inicial, Ihering introduz uma “revolução” na cultura jurídica
ao afirmar que o Direito se determina pelo que é útil à sociedade. Gierkevem a criticar o
projeto de código e seu individualismo, posteriormente elaborando trabalho que vem a
introduzir as chamadas “gotas de óleo social” no BGB alemão. Menger é citado em
6
menção à sua obra Direito civil e os pobres. Logo adiante, passa a mencionar Wieackere
sua análise do sistema de "positivismo científico”. Orlando Gomes fala sobre tal sistema
acompanhando crítica já tecida por Windsheid, de que não haveria espaço para
considerações éticas, morais, políticas ou econômicas. Ademais, para os pandectistas, o
ordenamento deve ser um sistema coeso, sem lacunas, em que todo e qualquer caso
poderia ser enquadrado num conceito. Assim, atribui-se ao juiz a mera função
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automática de aplicação formal, mediante abstrações lógicas (sendo esse o maior abuso
8
dessa Escola).

Tal método, portanto, proveio dos teóricos do chamado “racionalismo sistemático”, cujo
grande expoente até hoje ainda influente em alguns grandes códigos europeus foi
Pufendorf – e é sob sua influência que, dentro da Escola Pandectística, foi desenvolvida a
9
construção de uma teoria do Negócio Jurídico.

Nesse ponto da história, importa referir a crítica amplamente defendida por Orlando
Gomes, com amparo em Ihering:o sistema esquece que “as normas e soluções jurídicas
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estão condicionadas ao fim prático e social das instituições” (grifamos) – pensamento
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esse que permeia toda a obra de uma vida inteira.

O presente ensaio, dividido em duas grandes partes, pretende perpassar pelo gênero
negócio jurídico (cuja “espécie” mais notável é o contrato), tratando de elementos
fundamentais trazidos pela produção de Orlando Gomes – inicialmente, abarcando a
evolução do elemento volitivo, a transição pela qual passou o voluntarismo – o que,
pode-se dizer, ainda não é questão plenamente finalizada – para, em seguida, passar à
análise do papel da autonomia privada (ou “reelaboração de seu conceito”, na ótica do
autor).

Em um segundo momento, serão abordadas as “transformações” por ele detectadas em


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obra que representa o grande marco teórico para este estudo; dentre aquelas,
destacar-se-á como traços notadamente constantes, sempre por ele adotados e
seguidos: moralização, maior abertura conceitual, e, de forma sublinhada, a
preocupação com a questão econômica, socializadora e de justiça concreta. Daí
vislumbrar-se nessa conjunção de elementos o delineamento de uma verdadeira “função
social” – com especial interesse na figura do contrato.
2 A proposta de uma “nova dogmática” privatista
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pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

No cenário histórico ora resumido, tudo parecia convergir para uma grande revisão do
método pandectista – a qual é, pelo autor, considerada revolução da cultura jurídica
(note-se: não restrita ao direito privado), visando a abarcar/atender as demandas de
novas formas de comportamento não previstas, mas “socialmente típicas”. Orlando
Gomes em muito se aproxima da linha básica condutora do raciocínio de Emílio Betti tal
como se pressuposta fosse; há pontuais divergências na forma de pensar o “negócio”,
mas a convergência de ideias fundantes é notória:

[...] Seria um erro conceber a fattispecie como se fosse um puro fato, desprovido de
qualificação jurídica, ou como qualquer coisa materialmente separada, ou
cronologicamente afastada, da nova situação jurídica que lhe corresponde. Na verdade,
esta não passa de um desenvolvimento daquela, uma situação nova em que se converte
a situação preexistente com o sobrevir do fato jurídico. Especialmente quando a situação
nova consiste em se constituir uma relação jurídica, a situação preexistente consiste no
particular modo de ser que assume uma relação da vida social, quando sobrevém um
fato jurídico. Este – por ex., um contrato – faz nascer uma obrigação [...] A relação
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social entre os dois interessados eleva-se, com o contrato, a relação jurídica.
(grifamos)

Nessa mesma direção, segue a lição do mestre Clóvis do Couto e Silva:

Antes de haver negócio jurídico o que existe são fatos, posições, meios, que os
particulares tomam ou fazem para organizar os pressupostos previstos pela lei ou por
ela permitidos e julgados suficientes. No latim medieval apareceu a expressão species
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facti, figura de fato ou, ainda, pressuposto de fato [...] definindo-se como o que se vê.
(grifamos)

Para melhor descrever o fenômeno, Orlando Gomes identifica os principais reflexos


dessa “revolução” para o direito civil (cuja evolução e mutação é tradicionalmente mais
lenta e gradual, tendo em vista a natureza dos bens jurídicos e instituições que regula e
tutela). Citando Josserand, traz a concepção (a qual considera em certo ponto
exagerada) de que a obrigação seria a própria base de todo o Direito (e até mesmo de
todas as ciências sociais). E segue discorrendo que:

Orienta-se o direito das obrigações no sentido de realizar melhor equilíbrio social,


imbuídos seus preceitos, não somente de preocupação moral de impedir a exploração do
fraco pelo forte, senão, também, de sobrepor o interesse coletivo, em que se inclui a
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harmonia social, aos interesses individuais de cunho meramente egoístico.

Tal manifestação, assim, expressa aquelas que considera deveriam ser as preocupações
basilares do direito das obrigações, notadamente a proteção ao “mais fraco” e uma
elevação dos interesses coletivos em relação aos individuais (considerados “egoísticos”).
Em perspectiva do Código Civil de 2002, Tereza Ancona Lopez destaca um choque entre
o individualismo e a socialidade, bem como a necessária prevalência de valores de
16
natureza coletiva sobre os individuais (em eventual conflito), em plena sintonia com os
aludidos anseios.

O “equilíbrio social”, ademais, parece ser o fim maior da aplicação prática da própria
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função social aos institutos de direito civil – na linha de uma tendência moralizadora e
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socializante das instituições de direito privado – o que naturalmente viria a se projetar
no contrato sob a forma de “equilíbrio contratual”.

Orlando Gomes considera, em síntese, que seja essa uma inovação em termos de
método jurídico, efetuando profunda pesquisa histórica e teleológica acerca de cada
transformação, tecendo suas reflexões e analisando os resultados dessas metamorfoses
no campo obrigacional.
2.1 A superação do voluntarismo no contexto do negócio jurídico

Ainda que em confronto direto com as ideias do próprio Código Civil (LGL\2002\400)
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pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

brasileiro de sua época (CC/1916 (LGL\1916\1)), o autor proclamara severas críticas ao


“individualismo” refletido nas teorias voluntaristas clássicas (tanto na Teoria da Vontade
quanto em sua “amenizadora” Teoria da Declaração). Sobre a constituição de um
negócio jurídico, referindo-se a tais teorias, pontuava Clóvis do Couto Silva que, “Um
dos pressupostos necessários é a vontade, tem-se afirmado, elevando-a à categoria de
19
dogma dos negócios jurídicos”.

E segue expondo uma evolução demonstrativa das concessões que foram sendo feitas
pelo voluntarismo clássico até que o advento de uma nova construção teórica em direta
oposição fosse, então, inevitável. Trata-se da própria Teoria preceptiva do negócio
jurídico, idealizada por Oskar Büllow, defendida por Karl Larenz, mas que encontra em
20
Emílio Betti seu mais representativo expoente.

É justamente de Betti que provém a mais ferrenha crítica ao “dogma da vontade”,


mediante contraposição entre negócio jurídico (dinâmico, adaptável) e direito subjetivo
(estável, de proteção), reconhecendo o exaurimento da vontade (psíquica) em sua
21
externalização. Ocorre que, ao conservar a vontade (declaração) como manifestação
primeira da autonomia privada, ensina Clóvis do Couto Silva que a teoria “não supera o
preconceito, assim chamado de individualista, da vontade, elemento essencial do
22
negócio” (grifamos).

À exata mesma conclusão chegaria Orlando Gomes sobre a citada Teoria da Declaração,
“[...] visto que, em última análise, nega à vontade o poder de criar direitos e obrigações
23
[...]”, admitindo, também, que tenha sido a primeira “brecha” na Teoria da Vontade.

Atribuía, ainda, o fenômeno de centralidade/centralização da vontade ao que


considerava ser opção ideológica da situação política, e não a propósitos de tecnicismo,
quando afirmava que “A ideologia jurídica do contrato no quadro político do liberalismo e
no quadro econômico do capitalismo coevo atribuía à vontade individual o papel central
24
na organização das operações econômicas”.

As concepções voluntaristas (seja defendendo o predomínio da vontade sobre a


declaração ou o contrário) perderam força, cedendo espaço à reação que foi a Teoria da
Confiança – assim, a discussão migra do âmbito puramente interno ao mecanismo do
contrato e passa a analisar a circunstâncias externas, a recepção que
vontade/declaração tiveram no plano da realidade. Tal não se deu em razão da
observância do interesse social em si, e sim visando à tutela do terceiro de boa-fé; em
termos práticos, resulta em incremento da estabilidade das relações jurídicas – o que
25
beneficia o interesse coletivo.

Pois bem, para Orlando Gomes, o mesmo capitalismo que autorizou abusos e fomentou
o individualismo e seu voluntarismo também traria em si a base para o seu declínio. A
aceleração econômica provocada pela industrialização provocaria (e provocou) um
crescimento desenfreado das relações jurídicas de massa, cada vez mais comuns na
nova organização social – o que tornaria evidente o caráter irreal dos construtos
26
voluntaristas. O autor mantinha consigo o propósito idealista de um regramento apto a
conciliar, no âmbito do direito privado, a liberdade do indivíduo com a justiça social.

É sabido que o individualismo liberal, entre nós, viria a nortear a orientação da legislação
27
de 1916. Quando da elaboração do Código Civil de 2002, todavia, o cenário já teria
sofrido drásticas modificações. Narra o próprio Miguel Reale a superação definitiva do
individualismo condicionante das fontes da legislação anterior:

[...] reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua origem e seu destino,
impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores coletivos com os individuais, para
que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem
global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e
indispensável a renovação dos Códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas
28
metas de governo.
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pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

2.2 O papel da autonomia privada

Orlando Gomes virá a dizer que os juristas alemães pandectistas, dominados por sua
percepção política e ideológica, defenderam a onipotência da vontade esquecendo que
sua fonte precípua é a lei – e, vale frisar, as exigências de cooperação, negando a
natureza social do fenômeno contratual. Em suma: Por terem centrado seus estudos
cegamente no papel da vontade na formação do negócio jurídico, abandonaram o
caminho que conduzia ao estudo da autonomia privada. Em razão disso, sofreram os já
abordados embates que provocaram uma atualização da teoria do negócio jurídico
(provenientes em especial de autores italianos – Betti, Sconamiglio, e de tantos outros
29
alemães, a exemplo de Hippel).

Acompanhando esse pensamento, constata Alexandre Fernandes Gastal: “A doutrina


individualista, que em tese construíra-se para regular as relações entre homens de
30
quaisquer condições, acabara servindo exclusivamente às abastadas minorias”.

Em suas primeiras monografias, Orlando Gomes teria muito presente e firme o conflito
autoridade versus liberdade. Mantinha consigo, todavia, a concepção de ver o
encurtamento do campo de ação de indivíduos como uma das tendências fundamentais
31
do Estado moderno. Nota-se, aqui, a presença de um idealismo até certo ponto
ingênuo, de que o Estado representaria o bem comum, de todos os cidadãos.

Posteriormente, já no ápice do amadurecimento de seu pensamento jurídico, o autor


reconhece o relevante papel que detém a autonomia privada, asseverando que essa não
consistiria na liberdade de querer sustentada pela velha teoria nem também no poder de
criar normas/preceitos, como queriam esses defensores da teoria objetiva. Explica ele
que “[...] por autonomia privada se deve entender, segundo a famosa definição de Betti,
32
a auto-regulação dos interesses particulares”.

A referida decadência do método pandectista acarretou, portanto, em uma necessidade


de reelaboração do negócio fora desse dogma da vontade (ou “autonomia da vontade”)
– e foi-se, então, buscar construí-la no campo da "autonomia privada”.

Assim como Orlando Gomes, outros autores (por todos, será citado Pietro Perlingieri)
também identificam nesta “primeira fase” uma formulação que, embora oposta ao
individualismo, ainda não teria seu perfeito desenvolvimento, posto que o poder de
33
regulação concedido aos particulares traria em si um “quadro ideal”; “atrás do encanto
da fórmula, todavia, escondem-se tão somente o liberalismo econômico e a tradução em
34
regras jurídicas de relações de força mercantil”. Um ato só se completaria, pois, como
manifestação de “autonomia privada” se as relações jurídicas a que visasse alcançar
fossem, já, previamente reguladas pelas normas existentes.

A influência do então novo negócio jurídico sobre a antiga concepção de autonomia


privada transparece nas palavras de Clóvis do Couto e Silva:

O negócio jurídico não é apenas um fato cujos efeitos são atribuídos pelo ordenamento
jurídico. Trata-se de um instrumento para disciplinar fatos futuros, inovando a ponto de
(re)escrever o conceito de autonomia privada ao entender que o negócio jurídico
35
preencheria o espaço deixado pelas normas dispositivas, uma verdadeira Lei.

Fato é que o contrato viria a consagrar-se como principal ferramenta para fomentar e
operacionalizar a circulação de mercadorias, por ser o mais eficaz instrumento da
autonomia privada para a mobilização do direito de propriedade. E se, por um lado, esse
novo modo de pensar o contrato impulsionou as relações econômicas, por outro,
36
todavia, traria uma série de limites jurídicos a valores como a liberdade e a igualdade.
3 Reflexos na teoria contratual: “crise”?

Adentrando mais especificamente na esfera contratual, já é possível questionar acerca


da efetiva possibilidade de se falar em termos como “crise” (no sentido de “decadência”,
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por vezes com ideias de tendência ao desaparecimento) do modelo contratual – visto


que tal discussão, de tempos em tempos, emerge – sempre sem significativo resultado
prático, vale pontuar. Já em seu melhor período de produção, Orlando Gomes ainda
levanta o tom crítico neste ponto, conforme se verá.

Seria equivocado o raciocínio proveniente da premissa de que os contratos são os


principais instrumentos econômicos de circulação de bens, de tráfico econômico, e,
exatamente por tal razão, exigem uma adaptabilidade mais célere, em que o Direito
deve acompanhar os fatos sociais, conferindo-lhes juridicidade quando assim for o caso?
Não se poderia, então, pensar em uma “renovação” ou “renascimento” (constantes e
cíclicos) da teoria contratual?A essas questões não se tem a pretensão de oferecer
resposta, mas tão somente de provocar a reflexão.

Em verdade, ao proceder-se uma análise global do fenômeno obrigacional, resta claro


que, como decorrência, uma teoria geral venha se amoldando aos períodos históricos
pelos quais vá atravessando; cada nova formulação que pretende explicar (ou mesmo
criticar) o fenômeno contratual formulada no decorrer da história deixa sua marca e seu
contributo, mas fato é que ainda não se tem notícia de construção teórica apta a provar
a dispensabilidade ou mesmo a substituição do contrato (ou de suas bases fundantes
clássicas).
3.1 “Transformações gerais das obrigações”: um panorama de inovações

Orlando Gomes, em nossa obra referencial, passará a expor um verdadeiro panorama


das significativas alterações conceituais de um insurgente direito civil em vigoroso
processo de transformação, pautada em um propósito de dar função mais humana e
37
social ao direito – o que, naturalmente, conduziu a uma substancial limitação na
autonomia da vontade. No campo dos contratos, tal se aplica tanto para a escolha do
conteúdo quanto para a escolha das partes, ou até mesmo uma imposição da obrigação
de contratar.
38
Aqui, então, nascem os contratos de adesão e os contratos regulamentados. É, ainda,
abandonado o princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos e, por
consequência, é progressivamente atribuído ao julgador um papel não mais tão
automático (mero juízo de subsunção) – e o “sinal” que melhor ilustra tal modificação é
o poder de revisão para restaurar o equilíbrio ou mesmo liberar o devedor (medidas de
benevolência). Atenta-se à orientação de “salvar o contrato” sempre que possível (desde
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que a invalidade não decorra de grave defeito). E, em favor do prestígio à equivalência
das prestações, passa a haver uma aceitação (um tanto tímida) da teoria da base do
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negócio jurídico e surge uma afirmação mais firme do conceito de “impossibilidade
41
econômica”.

Atribui-se função social ao contrato, alargando-se a esfera da responsabilidade, ao


tempo que a indenização vai perdendo o sentido de reparação pecuniária para se
considerar dívida de valor. No campo da responsabilidade extracontratual, progride o
alargamento do dever de indenizar, bem como do próprio conceito de indenização.

O propósito moralizador se revela na introdução de princípios que o código alemão traria


(então flexibilizando a questão da segurança/previsibilidade/dogmática) da aplicação das
cláusulas gerais, que deveriam nortear toda a atividade social, a saber: boa-fé, bons
costumes, lealdade recíproca, usos, confiança, justa causa, “não aproveitamento de
42
situação desfavorável da outra parte” (quase equivalente à vedação de
comportamento oportunista de law & economics), entre outros. Sobre eles, fala o próprio
autor: “[...] enfibram-se para possibilitar essa elasticidade, que amortecerá os atritos
entre a lei e o fato, garantindo àquela a sobrevivência vegetativa que desarmonia
43
incipiente ainda tolera”.

Além disso, ocorre a difusão de teorias como o abuso de direito, caducidade e


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aparecimento de conceitos como causa no negócio jurídico e equivalência.
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3.2 A nitidez de uma função social na figura contratual

A função clássica do contrato é calcada na ideia de nascimento de obrigações


decorrentes de um acordo de vontades, que, por sua vez, determinam a geração de uma
relação de imputação, com efeitos determinados e limitados.

Em uma primeira fase, conforme visto, muito embora a teoria das fontes das obrigações
tenha sido muito estudada pelo pandectistas, uma ótica teleológica do contrato foi
sempre mantida em segundo plano, visto que não teria aplicabilidade prática à
hermética e fechada formulação teórica voluntarista da época. O Código Civil
(LGL\2002\400) brasileiro de 1916 (que muito absorveu dessa fonte) admite com maior
facilidade a possibilidade de ocorrência de eventual injustiça, posto que considera seja
inerente ao contrato.

Orlando Gomes é pioneiro e precursor na defesa de uma função econômica inerente à


figura contratual, ligando essa ideia à noção de “causa”. Seguindo o próprio modelo da
propriedade, atribuir função social significa que deva merecer tutela Estatal por ter
45
relevância para a coletividade.

Ainda sobre a função (aqui, falava da propriedade), Orlando Gomes refere que teria se
tornado “social” no momento em que a ordem jurídica reconheceu que o exercício dos
poderes ou faculdades não mais deveria ser protegido em razão de seus interesses
particulares. Mais do que oposição ao “individual”, assim, o “social” representaria o papel
desempenhado pelo indivíduo como agente cuja atividade econômica se integra ao
interesse da coletividade. Tal discurso, conforme se pode notar, é plenamente aplicável
ao contrato.

É compreensível que, à época, institutos ainda recentes (como o contrato) estivessem


ainda ganhando novos contornos, e que vozes como a de Orlando Gomes fossem
ouvidas com certa desconfiança. Nos dias de hoje, a função social do contrato é
evidente, cada vez mais, em razão não só do tráfico de bens e serviços, mas da própria
circulação de modelos jurídicos (stricto sensu) – em que o contrato aparece como figura
central.

A designação de “expressão da autonomia privada no ambiente econômico” tem


pressupostos ideológicos e sociais, econômicos e políticos, relacionados com a economia
de mercado livre da intervenção estatal e a igualdade formal. Citando Orlando Gomes e
explicando seu pensamento, Gerson Branco refere que:

[...] Esses pressupostos foram modificados após meados do século XX, em razão do
“dirigismo econômico” realizado pelo Estado, por uma política legislativa destinada a
compensar as falhas da igualdade formal tratando diferentemente os sujeitos da relação
contratual (como por exemplo no contrato de trabalho) e por uma limitação à liberdade
de contratar para “compensar a inferioridade econômica dos pobres, com uma
46
superioridade jurídica”.

Interessante notar, aliás, que vestígios apontam na direção de aproximação da diretriz


“socialidade” de Miguel Reale e na “socialização” proposta por Orlando Gomes (pode-se
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dizer que a segunda tenha inspirado a primeira), bastando percorrer, por exemplo, o
regramento sobre a lesão (artigo 157 do Código Civil de 2002) ou sobre a imprevisão
(artigo 317 do Código Civil de 2002) – em que resta nítida a presença dos ditos
“conceitos jurídicos amortecedores”. Quanto à justificativa para uma função social no
contrato, todavia, parece que os fundamentos foram diversos no diploma legal brasileiro
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de 2002 – Reale teria se valido de Betti para justificá-la.

O capitalismo industrial e comercial, para Orlando Gomes, lançou o contrato à condição


de criador de riquezas (e não mais de mero instrumento para a circulação, como queria
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Roppo), residindo aí o primeiro marco de atribuição de função social.

O contrato foi trazido para o centro da força criadora de riqueza graças ao novo
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capitalismo condicionado ao fenômeno da empresa enquanto “nova maneira de atividade


econômica” – o que se refletiu na formatação jurídica. O autor identifica nas relações
entre a empresa (mais precisamente no formato de sociedade) e seus distribuidores,
funcionários, financiadores etc. o relevo dessa nova fase do capitalismo:

Muito mais do que a propriedade da fábrica ou da loja, importam, para o seu


desempenho, o controle acionário, o know-how, o leasing, as operações de crédito e
financiamento, os contratos, individuais e coletivos de trabalho, os papeis da nova
riqueza imobiliária (cambiais, cédulas, apólices), representativos de direitos patrimoniais
que não têm a natureza de direito de propriedade, – direitos que constituem riqueza
diretamente criada pelo contrato. Novas técnicas contratuais adotam-se, por sua vez,
para a formalização jurídica de operações econômicas necessárias ou convenientes à
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grande empresa, reafirmando-se a instrumentalidade dos contratos.

Por fim, ressalta e conclui Orlando Gomes que a contratação enfrentou uma crise capaz
de alterar a função do contrato, que retirou de seu foco central a o poder de
autodeterminação privada para ampliar seu espectro, abrangendo atender, também, aos
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“interesses da coletividade”. Passa, portanto, a ser dotado de função social.
4 Conclusões

1. Possuindo, o Direito Privado, a missão de regular as relações entre os particulares em


todo o seu dinamismo, parece inconcebível a pretensão de promover seu engessamento
mediante um sistema fechado, positivista e ortodoxo – desnaturando-se o direito civil.
Não parece, assim, difícil perceber as fortes decorrências da tendência de valorização da
pessoa em detrimento do patrimonialismo ora reinante, de modificações conceituais e
estruturais profundas, de evoluções, e o forte e louvável esforço pela (sempre
necessária) socialização do direito privado.

2. Para Orlando Gomes, o direito deveria ser instrumento vocacionado à proteção dos
mais fracos, daí resultando sua tentativa de promover discussões doutrinárias sobre
temas caros à vivência de trabalhadores e consumidores. Afirmava ele que a
inferioridade material de alguns indivíduos precisou ser suprida mediante uma
superioridade jurídica, pugnando pela necessidade de um direito desigual – motivo pelo
qual deveriam surgir, necessariamente, no campo do direito privado, regras jurídicas
que proporcionassem aos aludidos sujeitos uma melhor condição perante as
arbitrariedades cometidas pelos detentores do poder.

3. Inegável traço marcante de Orlando Gomes foi o poder de antever o “futuro jurídico”.
As rupturas dos anos 1940 a 1960 vêm a se tornar lugar comum da doutrina dos anos
1980. Transformações gerais do direito das obrigações, escrita originalmente em 1967,
traz pontos até hoje discutidos, ventilados e controversos.

4. A obra do autor é extremamente vasta, mas ele, como jurista, era detentor de
admirável humildade intelectual. Inúmeras vezes fez questão de rever posições,
atribuindo aos impulsos de justiça da juventude certos ideais que não mais defendia (a
exemplo de sua primeira tese de cátedra – O Estado e o indivíduo, na defesa ferrenha de
interesses marxistas). O esforço para evolução e amadurecimento intelectual do
pensamento jurídico é bastante visível.

5. A busca por uma função traz o contrato para o plano dos fatos concretos, evitando
juízos de excessivas abstrações; ainda, conforme bem ressalva Gerson Branco: “[...]
Todavia, a falta de limites dogmáticos para a funcionalização gera um pragmatismo
52
particularizante, com risco de subjetivismo e empirismo nas decisões judiciais”. E,
nessa busca por equilíbrio da função social do contrato, o Brasil tem em Orlando Gomes
seu precursor.
5 Bibliografia

ASCARELLI, Tullio. Panorama do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1947.


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Delineamentos de uma função social do contrato no
pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

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1 COMPARATO, Fábio Konder. Prefácio. In: RAMOS, Luiz Felipe Rosa; SILVA FILHO, Osny
da. Para entenderOrlando Gomes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

2 Nascido em 7 de dezembro de 1909, em Salvador (quase 30 anos após a morte de


Teixeira de Freitas), publicou seu último artigo em 1988. Atuou e escreveu nas áreas do
direito do trabalho, do direito civil e do direito econômico (sendo o fundador do primeiro
curso de Programa de Pós-Graduação em Direito e Economia do Brasil, na Universidade
Federal da Bahia) – o que já demonstraria uma personalidade visionária. Produziu, de
forma ininterrupta, entre os anos de 1932 e 1988. (Dados retirados do site da Fundação
Orlando Gomes. Disponível em: [http://www.orlandogomes.org.br/].Acesso em:
10.10.2017).

3 Dois, em especial, foram seus primeiros grandes mestres: Edgard Ribeiro Sanches
(enquanto primeira influência jusnaturalista) e Filinto Bastos (fonte da inspiração de
resistência ao direito alemão que ora circulava na clássica Escola de Recife). Vide
RAMOS, Luiz Felipe Rosa; SILVA FILHO, Osny da. Op. cit.,p. 18-31.

4 Atributo este que não era por ele confirmado nem negado, definia-se apenas como
crítico firme da ditadura Vargas, “antifascista” e “defensor da função social da
propriedade”. Cf. SIMÕES, Jairo. Este moço Orlando Gomes. Sans adieu: 50 anos de
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Delineamentos de uma função social do contrato no
pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

cátedra. Salvador: Ciência Jurídica, 1987.

5 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. (1. ed.
1967). São Paulo: Ed. RT, 1980. p. 2.

6 A qual, reconhece o próprio Orlando Gomes, não teve maiores repercussões no BGB.
Por suas observações, todavia, nota-se grande apreço pelo trabalho, que traz candentes
as ideias marcadas pela dialética e contraposições típicas socialistas, de alta carga
ideológica.

7 REALE, Miguel; MARTINS-COSTA, Judith (Coord.). História do novo Código Civil. São
Paulo: Ed. RT, 2005. p. 62.

8 O próprio Orlando Gomes chega a referir que poderiam ser substituídos por alguma
forma de “inteligência artificial” – tema cuja discussão é corrente nos dias de hoje. O
caráter visionário do jurista novamente transparece. In: GOMES, Orlando.
Transformações gerais..., cit.,p. 3.

9 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. (1. ed. 1959). Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.
6.

10 GOMES, Orlando. Transformações gerais... cit., p. 4.

11 Baseado neste panorama apresentado, Orlando Gomes menciona, pela primeira vez,
aquilo que denomina uma “Crise espiritual”, que então afetaria toda a dogmática,
fundamentos filosóficos base, finalidades (doutrinária e legislativamente).

12 GOMES, Orlando. Transformações gerais..., cit.

13 BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. (1ª ed. 1950). São Paulo: Servanda,
2008. p. 23.

14 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Negócios jurídicos e negócios de disposição. In:
FRADERA, Véra Maria Jacob de (Org.). O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do
Couto e Silva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 73.

15 GOMES, Orlando. Transformações gerais... cit., p. 1.

16 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípios contratuais. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.).


Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007. Série
GVLaw. p. 5.

17 “O propósito moralizador define-se pela aplicação mais constante de certos princípios


que o Código alemão introduzira, e conhecido como as cláusulas gerais, dentre as quais
se salientam as relativas a boa-fé, aos bons costumes, à confiança e lealdade recíprocas,
aos usos do comércio, à justa causa, à desproporcionalidade, e ao aproveitamento de
situação de necessidade em que outrem se encontre, ou de sua inexperiência”(GOMES,
Orlando. Contratos, cit.,p. 8).

18 “A visão de conjunto das transformações do Direito das Obrigações não se obtém,


entretanto, pela simples indicação dos propósitos e tendências da legislação, pela mera
fixação do seu sentido e de sua orientação, não bastando apontar os princípios,
conceitos e noções que se esvaziam, retraem ou desabam diante das novas
necessidades econômicas e sociais e da mudança do modo de encarar a atividade social
[...]” (GOMES, Orlando.Op. et loc. cits.).

19 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Negócios jurídicos e negócios de disposição. In:
FRADERA, Véra Maria Jacob de (Org.). O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do
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pensamento das “transformações” de Orlando Gomes

Couto e Silva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 74.

20 Ibidem, p. 74-80.

21 “Na verdade, a vontade, como fato psíquico interno, já se determinou primeiro: ela
esgota-se, como se disse, com a declaração ou com o comportamento; e é por ela (ou
por ele) absorvida. Pelo contrário, o preceito da autonomia privada aparece pela
primeira vez com a declaração e com o comportamento; e é a partir desse momento que
adquire vida como entidade duradoura, exterior e separada da pessoa de seu autor”
(BETTI, Emílio. Op. cit., p. 99).

22 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Negócios jurídicos..., cit. p. 79.

23 GOMES, Orlando. Transformações gerais... cit., p. 12.

24 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 4. ed. (1. ed. 1957). Rio de Janeiro:
Forense, 1974. p. 97.

25 GASTAL, Alexandre Fernandes. A crítica de Orlando Gomes e sua contribuição à


vanguarda do Direito Civil brasileiro. In: MOTA, Maurício; KLOH, Gustavo (Org.).
Transformações contemporâneas do direito das obrigações. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011. p. 243.

26 RAMOS, Luiz Felipe Rosa; SILVA FILHO, Osny da. Op. cit., p. 97.

27 Ao tecer considerações históricas sobre as condições gerais dos contratos, então


ignoradas pelo legislador, Paulo Lôbo assevera que “O Código Civil de 1916, como fruto
tardio do individualismo jurídico, teve uma convivência difícil com as Constituições
sociais do século XX, após 1934, pois estas, ao contrário daquele, instituíram o controle
da ordem econômica, afetando profundamente a liberdade contratual” (LÔBO, Paulo Luiz
Netto. Condições gerais dos contratos e o novo Código Civil brasileiro. In: JUNQUEIRA
DE AZEVEDO, Antonio; TÔRRES, Heleno Taveira; CARBONE, Paolo (Coord.). Princípios do
novo Código Civil brasileiro e outros temas: homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo:
Quartier Latin, 2008.

28 REALE, Miguel; MARTINS-COSTA, Judith (Coord.). Op. cit., p. 68.

29 GOMES, Orlando. Transformações gerais..., cit., p. 43.

30 GASTAL, Alexandre Fernandes.Op. cit., p. 236.

31 Para conferir maior desenvolvimento de tais ideias, sugere-se a leitura da obra


GOMES, Orlando. O Estado e o indivíduo. Salvador: Gráfica Popular, 1933.

32 GOMES, Orlando. Transformações gerais..., cit., p. 43-44.

33 “A autonomia da vontade (depois aperfeiçoada como autonomia privada) figurava


como instituto central no Direito Civil estatal e burguês oitocentista, posto que essencial
para viabilizar a livre aquisição e circulação de riquezas. Em uma ordem normativa que
protegia, essencialmente, interesses patrimoniais, assegurar a liberdade de contratar e a
igualdade formal de posições entre os garantes de um negócio jurídico era premissa
indispensável”(BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro; VASCONCELLOS, Emanuel Lins
Freire. Substantial and private autonomy equality in Civil Code 2002. Conpedi Law
Review, v. 1, 2016. p. 23.

34 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional.


3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 17.

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35 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Para uma história dos conceitos no Direito Civil
e Direito Processual Civil. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, v.
LVIII, 1982. p. 322.

36 Cf. COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. São Paulo:
FGV, 2006. p. 31.

37 As palavras do autor traduzem a atividade por ele próprio executada:“O verdadeiro


jurista é aquele que não limita sua atividade à interpretação e aplicação da lei. De muito
maior delicadeza e profundidade é a tarefa que lhe cumpre desenrolar na investigação
das fontes de elaboração do Direito positivo” (GOMES, Orlando. As classes sociais na
formação do Direito. A crise do direito. São Paulo: Max Limonad, 1955).

38 Em 1972, quase 20 anos antes do início da promulgação da Lei 8.078/1990


(instituidora do Código de Defesa do Consumidor), Orlando Gomes lança a obra Contrato
de adesão, em que relatou que a sociedade industrial e tecnológica obrigatoriamente
teria de valer-se da estrutura de massificação a fim de que as operações mercantis
pudessem ser mais facilmente efetivadas. Já dispensava, entretanto, uma especial
atenção à posição do aderente, aquele cuja liberdade fora mais fortemente restrita,
posto que praticamente não teria/tem autonomia negocial, e poderia/pode tão somente
concordar ou não com os termos que lhe fossem unilateralmente impostos (GOMES,
Orlando. Contrato de adesão. São Paulo: Ed. RT, 1972).

39 Clóvis do Couto e Silva, em texto sem data de publicação discriminada, mas escrito
em época próxima ao advento do negócio jurídico na Alemanha, defende que o raciocínio
de “modificação” é aplicável ao processo legislativo, mas que“o mesmo raciocínio não é
aplicável ao negocio jurídico, porque, nesse, o estipulado permanece sempre vitorioso
face ao tempo e aos acontecimentos (pacta sunt servanda)”(COUTO E SILVA, Clóvis.
Negócios jurídicos..., cit., p. 79). A este tempo, não refere, todavia, a possibilidade de
existirem eventuais “defeitos” na formação, e advoga visão oposta à adaptação a
exigências novas que advenham de turbulências econômicas – o que revela o caráter
modificativo das transformações descritas por Orlando Gomes.

40 Vide tópico 4 do Capítulo Introdução ao problema da revisão dos contratos. In:


GOMES, Orlando. Transformações gerais..., cit., p. 98 et. seq. Sobre o tema, ademais,
seguindo a perspectiva de análise histórica e de desenvolvimento dos institutos no
ordenamento pátrio, recomenda-se a leitura de extrato de parecer publicado em 1990
por Clóvis do Couto e Silva: COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A teoria da base do
negócio jurídico no Direito brasileiro. In: FRADERA, Véra Maria Jacob de (Org.). Op. cit.,
p. 89.

41 Cf. GOMES, Orlando. Transformações gerais..., cit., p. 109.

42 São estes os chamados “conceitos amortecedores”, sobre os quais recomenda-se a


leitura do tópico “Itinerário dos conceitos amortecedores” do Capítulo 6 – Direito Civil.
In: RAMOS, Luiz Felipe Rosa; SILVA FILHO, Osny da. Op. cit., p. 93.

43 Não os considera suficientes sozinhos, pois, ainda que presentes no texto, não
retiram a sua rigidez diante de “certas situações que estão se multiplicando” (GOMES,
Orlando. A crise do direito, cit).

44 GOMES, Orlando. Transformações gerais..., cit., p. 33 et. seq.

45 GOMES, Orlando. Contratos, cit., p. 22-24.

46 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. As origens doutrinárias e a interpretação da função


social dos contratos no Código Civil brasileiro. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2006. p. 67.
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47 Cf. REALE, Miguel; MARTINS-COSTA, Judith (Coord.). Op. cit., p. 38 (Socialidade); 71


(item “g”, no qual fazem menção expressa a Orlando Gomes).

48 Conferir, também, o item “Da socialização do direito privado à diretriz socialidade”,


do Capítulo “O legado de Orlando Gomes”. In: RAMOS, Luiz Felipe Rosa; SILVA FILHO,
Osny da.Op. cit., p. 172.

49 GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 101
et. seq.

50 GOMES, Orlando. Novos temas..., cit., p. 108-109.

51 Idem.

52 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. As origens doutrinárias..., cit., p. 388.

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