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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, ATUÁRIA, CONTABILIDADE E


SECRETARIADO EXECUTIVO
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

JÁDER GARCIA JUCÁ

A TEORIA AUSTRÍACA DOS CICLOS ECONÔMICOS E A CRISE DE 2008

FORTALEZA
2013
JÁDER GARCIA JUCÁ

A TEORIA AUSTRÍACA DOS CICLOS ECONÔMICOS E A CRISE DE 2008

Monografia apresentada à Faculdade de


Economia, Administração, Atuária,
Contabilidade e Secretariado Executivo, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientadora: Profº Drº Marcelo de Castro


Callado

FORTALEZA
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade

J84t Jucá, Jáder Garcia.


A teoria austríaca dos ciclos econômicos e a crise de 2008 / Jáder Garcia Jucá - 2013.
46 f.: il.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Economia,


Administração, Atuária e Contabilidade, Curso de Ciências Econômicas, Fortaleza, 2013.
Orientação: Prof. Dr. Marcelo de Castro Callado.

1.Politica monetária 2.Ciclos econômicos 3.Escola austríaca de economistas I. Título

CDD 330
JÁDER GARCIA JUCÁ

A TEORIA AUSTRÍACA DOS CICLOS ECONÔMICOS E A CRISE DE 2008

Esta monografia foi submetida à Coordenação do Curso de Ciências


Econômicas, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Bacharel
em Ciências Econômicas, outorgado pela Universidade Federal do Ceará – UFC e
encontra-se à disposição dos interessados na Biblioteca da referida Universidade.
A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida, desde que feita
de acordo com as normas da ética científica.
Data da aprovação ____/____/______

Nota

Profº. Drº. Marcelo de Castro Callado


(Orientador)
Nota

Profº. Drº. Jair do Amaral Filho


(Membro da Banca Examinadora)
Nota

Profº. Drº. Ricardo Antônio de Castro Pereira


(Membro da Banca Examinadora)
A todos aqueles que de alguma
forma contribuíram para esse trabalho.
AGRADECIMENTOS
A minha família, em especial ao meu pai Jadir e minha mãe Nutraia por uma
excelente criação, suporte e amor, sem eles esse trabalho não seria possível. Aos
meus irmãos Aiartun, Jair e Rhaissa por uma ótima infância e todo o suporte e
apoio.
A minha namorada Jessica Marques por todo o apoio e suporte essenciais ao
longo desses últimos dois anos que me ajudaram a seguir sempre em frente.
Ao músico Andre Coelho Matos, cujas músicas sempre estiveram presentes
na minha vida e fazem parte do que eu sou hoje, e do qual tenho uma grande
admiração.
Ao Instituto Ludwig von Mises Brasil por todo o material disponibilizado e pela
iniciativa que foi de extrema importância na minha formação.
Aos meus excelentes professores Jair do Amaral, Marcelo Callado e Ricardo
Pereira por uma excelente formação e todo o apoio que os mesmos me deram para
a realização desse trabalho.
Aos meus amigos de infância que até hoje estão presentes na minha vida.
Obrigado a todos vocês.
“Here we go, carrying no longer sorrow.
Standing up in the Wind. Walk along,
marching on for tomorrow in this
neverending way” – For tomorrow-
Shaman/Andre Matos
RESUMO
As causas das crises econômicas e as políticas que devem ser tomadas para se
evitar e para se recuperar das crises tem uma grande importância no âmbito da
ciência econômica. Este trabalho analisa a teoria austríaca dos ciclos econômicos
(TACE) a partir da macroeconomia da estrutura de capital e conceitua as
características da Escola Austríaca de Economia que dão base à TACE. O trabalho
analisa como a política monetária do Banco Central dos EUA, o Federal Reserve
System (Fed), desencadeou o processo do ciclo econômico que começou em 2001
e se encerrou em 2008. Os dados utilizados foram do Federal Reserve Economic
Data. A economia americana respondeu de acordo como prevê a TACE e atribui-se
às causas das crises econômicas as políticas monetárias expansionistas que
aumentam o crédito sem lastro em poupança. A Escola Austríaca propõe como
solução, para se evitar crises, um sistema bancário livre e um coeficiente de reserva
de 100%.

Palavras Chave: Política Monetária; Ciclos Econômicos, Escola Austríaca.


ABSTRACT
The causes of economic crises and the policies that should be taken to avoid and
recover from crises have a great importance in the context of economic science. This
paper analyzes the Austrian Business Cycle Theory (ABCT) from the
macroeconomics of the capital structure and conceptualizes the characteristics of the
Austrian School of Economy underpinning the ABCT. The paper analyzes how the
monetary policy of the Central Bank of the U.S., the Federal Reserve System (Fed)
started the process of the economic cycle which begun in 2001 and finished in 2008.
The data used were taken from the Federal Reserve Economic Data. The U.S.
economy responded accordingly as prescribed by TACE and attaches itself to the
causes of the economic crisis the expansionary monetary policies that increase the
credit unbacked in savings. The Austrian School proposes, as a solution to avoid
crises, a free banking system and a coefficient of 100% reserve.

Keywords: Monetary Policy; Economic Cycles; Austrian School.


LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadro 1 - Escola Austríaca x Neoclássica .............................................................. 17


Figura 1 – Mosca de alvo e triângulo hayekiano ....................................................... 21
Figura 2 – Os Cones Austríacos ............................................................................... 26
Figura 3 – O mercado de fundos para empréstimos ................................................. 27
Figura 4 – A fronteira de possibilidades de produção (FPP) ..................................... 28
Figura 5 – Contração, expansão e estacionamento da FPP. .................................... 29
Figura 6 – Economia em equilíbrio ............................................................................ 29
Figura 7 – Efeitos de um aumento do nível de poupança ........................................ 31
Figura 8 – Efeitos de um aumento do crédito via política monetária ........................ 32
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Federal funds target rate de 2000 até 2008 ............................................. 36


Gráfico 2 – Base monetária ajustada de 1985 até 2012 ........................................... 37
Gráfico 3 – Taxa hipotecária (30-Year Conventional Mortgage Rate) de 2000 até
2010 ................................................................................................................... 37
Gráfico 4 – Empréstimos imobiliários dos bancos comerciais de 1947 até 2013. ..... 38
Gráfico 5 – Índice de preço das casas para os EUA de 1990 até 2011. ................... 40
Gráfico 6 – Taxas hipotecárias e a federal funds target rate de 2000 até 2009. ....... 41
Gráfico 7 – Inadimplências securitizadas em imóveis de 2000 até 2012. ................. 42
Gráfico 8 – Taxa de crescimento do PIB americano de 2000 até 2012..................... 43
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

EUA – Estados Unidos da América


Fannie Mae - Federal National Mortgage Association
Freddie Mac - Federal Home Loan Mortgage Company
FPP – Fronteira de Possibilidade de Produção
TACE – Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 15

2 FUNDAMENTOS DA TEORIA AUSTRÍACA DOS CICLOS ECONÔMICOS


(TACE) ...................................................................................................................... 19

2.1 Fundamentos da teoria do capital................................................................................19

2.1.1 Ação Humana .............................................................................................................19

2.1.2 Bens de Capital ..........................................................................................................20

2.1.3 Capital ........................................................................................................................22

2.1.4 Taxa de juro................................................................................................................23

2.1.5 O mercado como um processo .................................................................................25

2.2 A macroeconomia da estrutura de capital ...................................................................26

2.2.1 Os elementos da teoria ..............................................................................................27

2.2.2 O mercado de fundos para empréstimos .................................................................27

2.2.3 A fronteira de possibilidades de produção (FPP).....................................................27

2.2.4 A estrutura intertemporal de produção.....................................................................29

2.2.5 O equilíbrio dos três elementos ................................................................................29

2.3 Crescimento sustentável e insustentável ....................................................................30

2.3.1 Efeitos de uma mudança na preferência temporal ...................................................30

2.3.2 A teoria austríaca dos ciclos econômicos na macroeconomia da estrutura de


capital ..............................................................................................................................................31

3. A CRISE DE 2008 NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA..................... 35

3.1. A origem e o desenvolvimento da crise......................................................................35

3.2 Recuperação e prevenção das crises econômicas. ....................................................44


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 47

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 48
15

1 INTRODUÇÃO

No final de 2007 houve uma das maiores crises econômicas e financeiras


desde 1929. Conhecida como a crise de 2008 ou “bolha imobiliária”. Com grande
aumento no número de desempregados, perdas de grandes fortunas, quebra de
bancos, insolvência de bancos, aposentadorias adiadas para diversas pessoas etc.
A justificativa de se existir a profissão economista, ou macroeconomista, é a
capacidade de entender e prevê crises econômicas. Mostrando a utilidade de seus
modelos e análises. Porém, muitos economistas, incluindo o próprio Krugman,
achavam irreal uma crise nas firmas que inicialmente pareciam normais, falharam
em ver, prever, e até mesmo reconhecer a crise que estava por vir e a bolha
imobiliária que estava sendo vivenciada. (KRUGMAN, 2011)
A teoria econômica austríaca foi capaz de prever e identificar o surgimento
da bolha imobiliária e da crise de 2008, um exemplo disso é o discurso de Ron Paul
no House Financial Services Committee que em 2003 já indicava os problemas do
setor imobiliário que resultaria na eminente crise de 2008:
Despite the long-term damage to the economy inflicted by the
government’s interference in the housing market, the government’s policy of
diverting capital to other uses creates a short-term boom in housing. Like all
artificially-created bubbles, the boom in housing prices cannot last forever.
When housing prices fall, homeowners will experience difficulty as their
equity is wiped out. Furthermore, the holders of the mortgage debt will also
have a loss. These losses will be greater than they would have otherwise
been had government policy not actively encouraged over-investment in
housing. (Ron Paul, 2003).
A Escola Austríaca de Economia surgiu em 1871, quando Carl Menger (1840-
1921) publicou o seu livro Princípios de Economia Política.
[...] o principal mérito deste autor consistiu em ter sabido recolher e
impulsionar uma tradição do pensamento de origem católica e europeia
continental que se pode fazer remontar até ao nascimento do pensamento
filosófico na Grécia e, de forma ainda mais intensa, até à tradição de
pensamento jurídico, filosófico e político da Roma clássica. (DE SOTO,
2010, p.49)
Depois de Carl Menger, foi seu discípulo Eugen von Böhm-Bawerk (1851-
1914) que deu continuidade e um importante impulso teórico na Escola Austríaca.
Böhm-Bawerk foi catedrático de Economia Política em Innsbruck e depois em Viena,
chegou a ser ministro do governo do Império austro-húngaro em várias ocasiões. Ele
16

contribuiu para o aperfeiçoamento e divulgação da teoria subjetivista iniciada por


Menger e expandiu sua aplicação para o campo teórico do capital e do juro. No seu
livro Capital e Juro, onde é analisada a economia através da teoria subjetiva e
dinâmica dos preços, é que se constroem as raízes da teoria austríaca do capital.
(DE SOTO, 2010)
Ludwig Edler von Mises (1881-1973) foi quem conseguiu aplicar a essência
teórica iniciada por Menger em vários campos teóricos no âmbito da economia e
consolidou a Escola Austríaca no século XX. Mises foi um dos mais brilhantes
alunos de Böhm-Bawerk na Universidade de Viena, juntamente com J.A.
Schumpeter. (DE SOTO, 2010)
Mises aplicou melhor que ninguém esta concepção dinâmica do
mercado a novas áreas onde não se havia ainda aplicado o ponto de vista
analítico da Escola Austríaca, impulsionando o seu desenvolvimento no
âmbito da teoria monetária, do crédito e dos ciclos econômicos,
desenvolvendo uma refinada teoria da função empresarial como força
coordenadora do mercado e depurando os fundamentos metodológicos da
Escola e a teoria dinâmica como alternativa às concepções baseadas no
equilíbrio. (DE SOTO, 2010, p.91)
Friedrich August von Hayek (1899-1992) Prêmio Nobel de Economia em 1974
por seu trabalho no âmbito da teoria dos ciclos. Hayek produziu várias obras e de
grande influência atualmente nos âmbitos econômicos, filosóficos e políticos. Hayek
e Mises foram os mais importantes economistas da Escola Austríaca no século XX.
(DE SOTO, 2010)
Hayek dedicou as primeiras décadas da sua atividade acadêmica ao
estudo dos ciclos, seguindo a linha teórica iniciada por Mises, mas
realizando uma série de contribuições próprias de grande importância, de tal
forma que o principal motivo declarado pela Academia sueca para lhe
atribuir o Prêmio Nobel de 1974 foi precisamente o seu trabalho no âmbito
da teoria dos ciclos, realizado durante os anos trinta do século XX. (DE
SOTO, 2010, p.111)
A Escola Austríaca se diferencia em vários aspectos das teorias econômicas
convencionais. Uma das características únicas da teoria austríaca é a “praxeologia”,
entendida como a lógica da ação. Tal nomenclatura foi criada por Mises para
ressaltar a condição de ciência pura da ciência econômica, que mais se assemelha
a lógica aplica do que as ciências naturais empíricas. (HOPPE, 2010)
17

O quadro 1 mostra as principais diferenças entre a Escola Austríaca e a


Neoclássica. Apesar de no quadro 1 dizer que a teoria neoclássica separa a micro
da macroeconomia, em seus modelos atuais não há essa distinção.
Quadro 1 - Escola Austríaca x Neoclássica
Pontos de comparação Escola Austríaca Neoclássica
1. Principio essencial do Teoria da ação humana Teoria da decisão:
conceito de economia: entendida como um processo maximização sujeita a
dinâmico (praxeologia). restrições (conceito estrito de
“racionalidade”).
2. Perspectiva metodológica: Subjetivismo. Estereótipo do individualismo
metodológico (objetivista).
3. Protagonista dos processos Empreendedor criativo. Homo oeconomicus.
sociais:
4. Possibilidade de os agentes Admite-se a possibilidade de Não se admite que existam
se equivocarem a priori e serem cometidos erros erros dos quais alguém se
natureza do ganho empresarial: empresariais puros que possa arrepender, uma vez que
poderiam ter sido evitados com todas as decisões passadas se
maior perspicácia empresarial racionalizam em termos de
na percepção de oportunidades custos e benefícios. Os lucros
de lucro. empresariais são considerados
como a renda de mais um fator
de produção.
5. Concepção da informação: O conhecimento e a informação Pressupõe-se a existência de
são subjetivos, estão dispersos informação perfeita (em termos
e alteram-se constantemente certos ou probabilísticos),
(criatividade empresarial). objetiva e constante a propósito
Distinção radical entre de fins e de meios. Não se
Conhecimento científico distingue entre conhecimento
(objetivo) e prático (subjetivo). prático (empresarial) e
científico.
6. Ponto de referência: Processo geral com tendência Modelo de equilíbrio (geral ou
coordenadora. Não se distingue parcial). Separação entre a
entre a micro e a micro e a macroeconomia.
macroeconomia: todos os
problemas econômicos são
estudados de forma inter-
relacionada.
7. Conceito de «concorrência»: Processo de rivalidade Situação ou modelo de
empresarial. «concorrência perfeita».
8. Conceito de custo: Subjetivo (depende da Objetivo e constante (pode ser
capacidade empresarial para conhecido e medido por uma
descobrir novos fins terceira parte).
alternativos).
9. Formalismo: Lógica verbal (abstrata e Formalismo matemático
formal) que permite a (linguagem simbólica própria da
consideração do tempo análise de fenômenos
subjetivo e da criatividade atemporais e constantes).
humana.
10. Relação com o mundo Raciocínios apriorístico Verificação empírica das
empírico dedutivos: Separação radical e, hipóteses (pelo menos
quando necessário, retoricamente).
coordenação entre teoria
(ciência) e história (arte). A
história não pode ser utilizada
para testar as teorias.
11. Possibilidades de previsão Impossível, uma vez que o que A previsão é um objetivo que se
18

específica: vai suceder no futuro depende procura de forma deliberada.


de um conhecimento
empresarial ainda não criado.
Apenas são possíveis pattern
predictions de tipo qualitativo e
teórico sobre as consequências
descoordenadoras do
intervencionismo.
12. Responsável pela previsão O empresário. O analista econômico
(engenheiro social).
Fonte: Adaptado de (DE SOTO, 2011, p.15)
19

2 FUNDAMENTOS DA TEORIA AUSTRÍACA DOS CICLOS ECONÔMICOS


(TACE)

Esta seção está dividida em três subseções. A primeira subseção analisa os


fundamentos da teoria do capital que envolve os conceitos de ação humana, bens
de capital, capital, taxa de juros e o mercado como um processo.
A segunda subseção analisa a macroeconomia da estrutura de capital,
identificando seus principais elementos e a interação dos mesmos.
A terceira subseção consiste em analisar os efeitos, de acordo com a
macroeconomia da estrutura de capital, de um aumento na poupança e de um
aumento do crédito sem lastro em poupança. As duas formas de aumento de crédito
tem implicações diferenciadas no crescimento econômico.

2.1 Fundamentos da teoria do capital

2.1.1 Ação Humana


O conceito de ação humana é uma das bases fundamentais para o
entendimento de toda a teoria econômica da escola austríaca. Sua definição seria:
Ação humana é o comportamento propositado. Também podemos
dizer: ação é a vontade posta em funcionamento, transformada em força
motriz; é procurar alcançar fins e objetivos; é a significativa resposta do ego
aos estímulos e às condições do seu meio ambiente; é o ajustamento
consciente ao estado do universo que lhe determina a vida. (MISES, 1995,
p.12)
O pré-requisito da ação humana é que o agente homem esteja em uma
situação de desconforto comparada com a que sua mente imagina ser uma situação
mais confortável, ou seja, o homem busca sempre o estado que ele juga ser o mais
satisfatório. A subjetividade é uma característica importante visto que ela irá
determinar o grau de satisfação do estado atual e do possível estado a ser
alcançado, que está variando de acordo com as necessidades e preferências de
cada indivíduo. No caso de uma situação de perfeita satisfação os incentivos seriam
nulos, não ocorreria ação humana. Outro determinante para a ocorrência da ação
seria a expectativa que um determinado comportamento propositado seria capaz de
atingir ou se aproximar daquele estado de satisfação a ser alcançado, caso esta
condição não seja viável, ou até mesmo impossível, não haverá ação humana.
(MISES, 1995)
20

O fim de toda ação humana seria a obtenção de um bem de consumo capaz


de subjetivamente satisfazer as necessidades do ator. (DE SOTO, 2012)
Ação humana ao longo do tempo:
[...], a ação humana sempre se desenvolve no tempo, entendido não
no sentido determinista ou newtoniano (ou seja, meramente físico ou
analógico), mas na sua concepção subjetiva, isto é, tal como o tempo é
subjetivamente sentido e experimentado pelo ator dentro do contexto de sua
ação. De acordo com essa concepção subjetivista do tempo, o ator sente e
experimenta a passagem do tempo precisamente à medida que atua, ou
seja, à medida que percebe novos fins e meios, concebe planos de atuação
e culmina nas diferentes etapas que constituem cada ação. (DE SOTO,
2012, p.241)
As implicações mais importantes da incerteza genuína na teoria econômica
seriam:
[...] primeiro, a impossibilidade de listagem de todos os possíveis
resultados provocados por um determinado curso de ação e, segundo, a
passagem da incerteza – que na teoria econômica convencional costuma
ser tratada como uma variável exógena –, para a categoria de variável
endógena. (IORIO, 2011, p.69)
A economia pode ser definida como: “[...] ação humana ao longo do tempo
(real) sob condições de incerteza genuína”. (IORIO, 2011, p.104)

2.1.2 Bens de Capital


Os bens de capital seriam etapas subjetivas do processo de ação. São
constituídos de recursos naturais, trabalho e tempo que são combinados em cada
etapa subjetiva pelo o ator humano. A poupança é definida como deixar de consumir
no presente para consumir no futuro, ou seja, abdicar de algum consumo no
presente objetivando que esse consumo seja realizado em um período posterior. A
poupança é a condição necessária para a produção de um bem de capital que está
em um processo de ação mais distante no tempo. Os bens de capital são produzidos
para atingir um fim. A produção de um bem de capital só ocorre quando a
preferência temporal do ator atribui àquele fim um valor maior do que o inicial e julga
possível sua realização. A coordenação desse processo de ação é a poupança, já
que para processos mais longos no tempo é necessário um maior nível de
poupança. (DE SOTO, 2012)
A ilustração da teoria do capital, figura 1, foi feita inicialmente por Böhm-
Bawerk com a mosca de alvo, onde a produção começa no centro e ao longo do
21

tempo os anéis, que são denominados de classe de maturação, se expandem. O


produto final seria o anel mais afastado do centro e quanto maior a quantidade de
anéis mais sofisticada é a estrutura de capital ou mais desenvolvido é o processo de
produção dessa economia. A segunda ilustração foi feita por Hayek com os
triângulos hayekianos que adicionam visualmente a linearidade da estrutura de
produção. As expansões das classes de maturação representam uma realocação de
capital entre cada estágio de produção. (IORIO, 2011)
Figura 1 – Mosca de alvo e triângulo hayekiano

Fonte: (IORIO, 2011, p. 106)


Os bens de capital mais próximo do consumo final, ou bens econômicos de
primeira ordem, são menos conversíveis do que os mais afastados. Caso ocorram
mudanças que afetam o fim da ação do agente, os bens de capital produzidos até
então podem se tornar inúteis ou sua conversão custosa. Essa informação agora
adquirida pelo ator pode fazê-lo perceber que poderia utilizar aqueles bens em outro
processo produtivo diferente, mas se soubesse disso antes os teria produzidos de
forma diferente para atingir seu objetivo inicial. O tempo tem influência fundamental
no processo de ação, o passado determina o ponto de partida da ação. Os erros dos
seres humanos estão sempre presentes no começo, durante e no fim da sua ação.
Ao passar do tempo as ações se transformam à medida que novos conhecimentos
são adquiridos e novos processos, ou bens de capital, se tornam viáveis. (DE
SOTO, 2012)
Sobre a conversibilidade dos bens de capital:
22

Os bens de capital, em geral, são específicos (assim como o trabalho


e a terra) a determinados estágios da produção. Por exemplo, uma
ferramenta utilizada em uma fábrica de pianos não pode ser combinada
aleatoriamente com um trator usado em uma fazenda, para produzir um
terceiro produto. Para a produção dos bens de primeira ordem, torna-se
necessária toda uma série de investimentos complementares em cadeia: o
aço produzido em uma usina entra no estágio produtivo seguinte como um
insumo, para gerar outro bem; este novo produto, por sua vez, será utilizado
como um insumo no estágio seguinte e assim sucessivamente, até que, no
estágio final, é produzido um bem de primeira ordem . (IORIO, 2011, p. 117)

Um exemplo da importância da poupança, do tempo e do conhecimento para


o comportamento do agente homem e a coordenação de sua ação seria: supor que
Robinson Crusoé, habitante de uma ilha deserta, consegue pescar três peixes por
dia e se alimenta somente desses peixes pescados. Supondo que ao invés de
comer três peixes ele comesse apenas dois, no período de dois dias ele teria
economizado dois peixes o que garantiria um consumo de dois peixes no terceiro
dia. Admitindo que no terceiro dia ele ao invés de pescar três peixes, gastasse esse
dia produzindo uma rede de pescar que permitiria pescar doze peixes por dia. Nesse
caso a poupança, dois peixes deixados de ser consumidos ao longo de dois dias,
permite o investimento de um dia inteiro na produção de um bem de capital, a rede
de pesca. A ação de Robinson foi coordenar seu consumo no presente e no futuro
prevendo uma possível melhora no nível de consumo e produção, saindo de um
consumo de três peixes por dia para um possível de doze peixes. Como ele sabia
que iria necessitar de dois peixes no terceiro dia ele abre mão do consumo presente
convertendo em poupança, caso no terceiro dia ao invés de gastar o dia todo
produzindo uma rede de pesca ele gastasse apenas uma hora para construir ele
teria sacrificado sem necessidade o seu consumo nos dias anteriores, caso ele
gastasse dois dias para produzir a rede ele teria que passar fome durante um dia a
mais, ou interromperia a produção para continuar no futuro. (IORIO, 2011)

2.1.3 Capital
O conceito econômico de capital difere do de bens de capital e seria: “[...] o
valor a preço de mercado dos bens de capital, valor esse que é estimado pelos
atores individuais que compram e vendem bens de capital num mercado livre.” (DE
SOTO, 2012, p. 252)
A diferença entre capital e bens de capital:
23

Capital e bem de capital são conceitos distintos, sob o ponto de vista


econômico. O capital é o valor, calculado a preços de mercado, dos bens de
capital, sendo a taxa de juros o fator de desconto. O conceito de capital da
Escola Austríaca é, portanto, abstrato, uma ferramenta de cálculo
econômico, isto é, uma estimativa subjetiva sobre os valores esperados dos
bens de capital no futuro. (IORIO, 2011, p. 114)
A heterogeneidade do capital:
O ponto central da visão austríaca, portanto, é que ela não vê o
capital como um estoque homogêneo, mas como uma estrutura interligada,
composta por um número muito grande de bens de capital. Hayek, por
exemplo, enxerga a produção como uma série de estágios, começando
pelos bens de consumo final (bens de primeira ordem, na nomenclatura de
Menger e Mises) e estendendo-se para os estágios sistemática e
sucessivamente mais afastados do consumo final (bens de ordens
superiores). Em outras palavras, o capital é uma estrutura diversificada de
elementos heterogêneos e complementares, utilizados nos diversos
estágios da produção. (IORIO, 2011, p. 116)
Resumindo: “O capital, portanto, que é o meio indispensável para a elevação
do nível de bem-estar dos indivíduos, é resultado do investimento que, por sua vez,
é fruto da poupança prévia [...]”. (IORIO, 2011, p. 112)

2.1.4 Taxa de juro


A preferência temporal:
[...], os seres humanos, em situações semelhantes, sempre desejam
alcançar os seus fins da maneira mais rápida e menos incerta possível e
somente mostrarão disposição para adiar a realização de seus propósitos
se – subjetivamente – julgarem que o adiamento lhes permitirá alcançar
objetivos de maior valor. [...] os bens presentes são preferíveis aos bens
futuros, ou, ainda: o adiamento de uma recompensa no presente exige uma
recompensa maior no futuro. (IORIO, 2011, p.105)
Pessoas com preferência temporal mais elevada dão mais valor ao presente
do que ao futuro ou preferem realizar de imediato seus objetivos, porém estão
dispostas a renunciar de bens presentes em troca de bens futuros de valor subjetivo
muito elevado. Pessoas com preferência temporal mais reduzida também dão mais
valor ao presente, mas estão mais dispostas a renunciar de bens presentes em troca
de bens futuros não muito elevados. (DE SOTO, 2012)
A taxa de juro: “Chamaremos taxa de juro ao preço de mercado dos bens
presentes em função dos bens futuros”. (DE SOTO, 2012, p. 255)
24

Essa taxa de juro é determinada pelo mercado. Tendo a moeda como o


principal meio de troca, a taxa de juros é uma porcentagem do valor, em unidades
monetárias, de um empréstimo no presente que deve ser devolvido no futuro junto
com o pagamento desse juro. Por exemplo: dada uma taxa de juros de 10% ao ano
indica que é possível se ter 100 unidades monetárias de imediato e em troca deve-
se ter o compromisso de entregar 110 unidades monetárias ao prazo de um ano,
nesse caso ocorre à troca de um bem presente, 100 unidades, por um bem futuro,
110 unidades. Os poupadores ou capitalistas são aqueles que fornecem ou vendem
os bens presentes, os compradores de bens presentes são proprietários de fatores
de produção que consomem bens e serviços imediatos. (DE SOTO, 2012)
O equilíbrio dos comportamentos presentes e futuros de acordo com a taxa
de juro:
Numa economia moderna, o equilíbrio entre comportamentos
presentes e futuros se torna possível graças à atividade empresarial no
mercado em que se trocam bens presentes por bens futuros e em que os
juros são estabelecidos como preço de mercado de uns em função do
outros. Desta forma, quanto maior for a poupança, ou seja, quanto mais
elevado for o número de bens oferecidos ou vendidos, dadas as mesmas
circunstâncias, mais baixo será o preço no que respeita a bens futuros e,
logo, mais reduzida será a taxa de juro de mercado. (DE SOTO, 2012, p.
258)
Uma taxa de juro baixa mostra: “[...] aos empresários que existe uma maior
disponibilidade de bens presentes, o que permite aumentar a duração e a
complexidade das etapas do processo produtivo, fazendo com que tais etapas sejam
mais produtivas.” (DE SOTO, 2012, p. 259)
Implicações de uma taxa de juros alta:
[...] indica que a poupança é relativamente escassa, o que, por sua
vez, é um sinal de que os empresários deverão imprescindivelmente ter em
conta, para não alongar indevidamente as diferentes etapas do processo
produtivo e gerar descoordenações ou desajustes muito perigosos para o
desenvolvimento sustentável, sadio e harmonioso da sociedade. (DE
SOTO, 2012, p. 259)
Harmonia e equilíbrio da taxa de juros de mercado:
[...] a taxa de juro de mercado tende a se harmonizar ao longo de
todo o mercado de tempo ou estrutura produtiva da sociedade, não apenas
intratemporalmente, ou seja, em diferentes áreas do mercado, mas também
25

intertemporalmente, ou seja, de algumas etapas produtivas mais próximas


do consumo a outras mais afastadas. (DE SOTO, 2012, p. 259)
O comportamento do empresário coordenado pela taxa de juro:
[...] se a taxa de juro que é possível obter por meio do adiantamento
de bens em algumas etapas (por exemplo, as mais próximas do consumo)
for superior à que se pode obter noutras (por exemplo, as mais afastadas do
consumo), então a própria força empresarial movida pela vontade de obter
lucros levará ao desinvestimento nas etapas em que a taxa de juro ou taxa
de lucro for relativamente mais baixa, e ao investimento naquelas em que a
taxa de juro ou a taxa de lucro esperado for mais alta. (DE SOTO, 2012, p.
259)

2.1.5 O mercado como um processo


O mercado:
Para a Escola Austríaca, o mercado é um processo de permanentes
descobertas, de tentativas e erros, o qual, ao amortecer as incertezas,
tende sistematicamente a coordenar os planos formulados pelos agentes
econômicos. Como as diversas circunstâncias que cercam a ação humana
estão ininterruptamente sofrendo mutações, segue-se que o estado de
coordenação plena jamais é alcançado, embora os mercados tendam para
ele. (IORIO,2011, p. 76)
O processo de mercado:
O processo de mercado, portanto, é posto em movimento pelos
resultados da ignorância inicial do mercado por parte dos participantes. O
processo em si consiste nas mudanças sistemáticas de planos geradas pelo
fluxo de informações de mercado transmitidas pela participação no mercado
— isto é, pela experimentação dos planos no mercado. (KIRZNER, 2012, p.
19)
Na abordagem de Mises, Hayek e Kirzner o mercado nunca está no equilíbrio
entre oferta e demanda, mas sempre procura convergir para tal. Diferindo totalmente
da economia convencional que sempre analisa os mercados em equilíbrio.
Intervenções do Estado no processo de mercado com o intuito de consertar interfere
na ordem espontânea do mercado e acabam sempre piorando o que supostamente
devia ser consertado. A intervenção afeta tanto o mercado que foi diretamente
afetado como outros que estão relacionados com esse mercado acabam sofrendo
as mesmas consequências. (IORIO, 2011)
Uma das representações gráficas do processo de mercado seriam os cones
austríacos, embora essa abordagem considere o tempo newtoniano, e não o
26

conceito de tempo real, e utiliza de curvas de oferta e demanda que de acordo com
a metodologia austríaca são impróprios. Porém é uma boa ferramenta de
visualização e utiliza ferramentas que são mais comumente utilizadas pela teoria
econômica convencional. (IORIO, 2011)
Os cones austríacos estão representados na figura 2, cuja interpretação seria:
Cada figura elíptica em um dado ponto do tempo representa o
conjunto de possibilidades em que o mercado, naquele determinado
momento, pode estar funcionando, incluindo o ponto de equilíbrio. Com o
decorrer do tempo o mercado converge para o equilíbrio, ou seja, para o
vértice de cada um dos cones. Só que, antes que esse ponto de equilíbrio
seja atingido, mudam as condições de mercado que determinam as curvas
de oferta e demanda e, com isso, passamos para um novo círculo. A partir
daí, convergimos para o vértice de um novo cone, o qual, por sua vez, antes
que seja atingido, já não representará mais uma situação de equilíbrio, e
assim sucessivamente. (IORIO, 2011, p. 80)
Figura 2 – Os Cones Austríacos

Fonte: (IORIO, 2011, p. 80)

2.2 A macroeconomia da estrutura de capital


A macroeconomia da estrutura de capital foi desenvolvida pelo Professor
Roger W. Garrisson, da Auburn University. A construção dessa teoria é feita pela
27

junção de ferramentas utilizadas pelas teorias econômicas convencionais com base


em teorias utilizadas e desenvolvidas pela Escola Austríaca. (IORIO, 2011)
A macroeconomia da estrutura de capital é apenas um modo de ilustrar a
teoria austríaca de acordo com as ferramentas utilizadas pelas outras escolas. É
uma abordagem simplificada da teoria austríaca dos ciclos econômicos, mas
bastante útil.

2.2.1 Os elementos da teoria


Os principais conceitos, ou ferramentas, utilizadas na macroeconomia da
estrutura de capital são: o mercado de fundos para empréstimos, a fronteira de
possibilidades de produção e a estrutura de capital. (GARRISSON, 2001)

2.2.2 O mercado de fundos para empréstimos


O mercado de fundos para empréstimos está representado na figura 3. A
variável i representa a taxa de juros, S representa o nível de poupança e I o nível de
investimento. A curva S representa a oferta de fundos para empréstimos e a curva D
representa a demanda por fundos de empréstimos. A taxa de juros de equilíbrio é
aquela que reflete as preferências temporais dos agentes, coordenando o nível de
poupança e de investimentos da economia. (GARRISSON, 2001)
Figura 3 – O mercado de fundos para empréstimos

Fonte: (GARRISSON, 2001, p.37)


O equilíbrio entre oferta e demanda de fundos para empréstimos está
localizado onde as curvas S e D se interceptam esse ponto corresponde a uma taxa
de juros de equilíbrio i eq. Em equilíbrio tanto a poupança como o investimento são
28

iguais. A inclinação positiva da curva S indica que se as preferências temporais dos


indivíduos são altas, o que equivale a uma taxa de juros alta, haverá estímulos para
um maior nível de poupança. No caso contrário, haverá uma menor taxa de juros e
um menor nível de poupança. A inclinação negativa da curva D indica que quanto
menor a taxa de juros haverá estímulos para um maior nível de investimento. No
caso contrário, haverá uma taxa de juros mais elevada e um menor nível de
investimento. (GARRISSON, 2001)

2.2.3 A fronteira de possibilidades de produção (FPP)


A FPP está representada na figura 4. A FPP é um instrumento bastante útil
para ilustrar o conceito de escassez e o trade-off existente entre dois bens, nesse
caso entre consumo e investimento. A quantidade de consumo C, ou bens de
consumo, está representada no eixo das ordenadas e a quantidade de investimento
I, ou bens de capital, no eixo das abscissas. A taxa marginal de substituição técnica
é decrescente, ou seja, para produzir unidades adicionais de bens de capital é
necessária uma redução na produção de bens de consumo cada vez maior. (IORIO,
2011)
Todos os pontos sobre a FPP indicam que os mercados estão operando de
forma eficiente. Pontos acima da FPP apenas são possíveis temporariamente, mas
são insustentáveis. Pontos abaixo da FPP indicam que a economia está operando
de forma ineficiente, há um mau funcionamento dos mercados. (GARRISSON, 2001)
Figura 4 – A fronteira de possibilidades de produção (FPP)

Fonte: (IORIO, 2011, p.187)


O investimento I representa o investimento bruto que contém o capital de
reposição e o investimento líquido. O investimento líquido é o que faz a economia
29

crescer, expansão da FPP. No caso de uma economia em estado estacionário, o


investimento bruto é igual ao capital de reposição, ou seja, não há investimento
líquido. O ponto sobre a FPP que leva ao estado estacionário é chamado de ponto
de estacionamento. Pontos ao longo da FPP além do ponto de estacionamento
indicam que a economia está em crescimento, ou seja, há investimento líquido. No
caso contrário, para pontos antecedentes ao ponto de estacionamento, indica uma
economia em recessão, ou seja, o investimento bruto é menor do que o capital de
reposição. Na figura 5 estão representados os três possíveis casos. Na recessão a
FPP se contrai em direção à origem, no crescimento há uma expansão da FPP e no
estado estacionário a FPP fica fixa. (GARRISSON, 2001)
Figura 5 – Contração, expansão e estacionamento da FPP.

Fonte: (GARRISSON, 2001, p.43)

2.2.4 A estrutura intertemporal de produção


A estrutura intertemporal de produção é representada pelo triângulo
hayekiano, esse conceito já foi introduzido na seção 2.1.2.
No triângulo hayekiano a taxa de juros é representada pela inclinação do
triângulo. (IORIO, 2011)

2.2.5 O equilíbrio dos três elementos


Na figura 6 está representado como os três elementos da macroeconomia da
estrutura de capital se relacionam. Nesse cenário, a economia está operando em
pleno emprego, ou na taxa natural de desemprego, a taxa de juros de mercado é a
taxa natural de juros e não há crescimento. (GARRISSON, 2001)
30

2.3 Crescimento sustentável e insustentável


Nessa secção serão analisados os efeitos de um aumento da oferta de bens
presentes em dois casos diferentes. No primeiro caso esse aumento é realizado por
uma mudança na preferência temporal dos agentes da economia. No segundo caso
esse aumento se dá via expansão do crédito sem lastro em poupança, em outras
palavras, via injeção monetária.
Figura 6 – Economia em equilíbrio

Fonte: (GARRISSON, 2001, p.50)

2.3.1 Efeitos de uma mudança na preferência temporal


Supondo inicialmente que ocorra uma mudança nas preferências temporais
dos agentes e eles agora estão mais preocupados, ou voltados, para o futuro. Os
efeitos dessa mudança estão representados na figura 7. (GARRISSON, 2001)
No gráfico do mercado de fundos para empréstimos (Figura 7) um aumento
do nível de poupança dos agentes implica em um deslocamento da curva de oferta
S para a direita, formando uma nova curva S’. Não há deslocamento da curva de
demanda D. O novo equilíbrio do mercado de fundos para empréstimos acarreta em
uma menor taxa de juros de equilíbrio, a taxa i’ eq.
No gráfico da FPP (Figura 7), o ponto de equilíbrio se move para baixo, ou
para a direita, ao longo da curva. Nesse ponto há uma quantidade maior de
investimento e uma quantidade menor de consumo do que no caso anterior.
31

Os efeitos no triângulo hayekiano (Figura 7) são dois: o efeito derivado da


demanda e o efeito da taxa de juros. O efeito derivado da demanda decorre de uma
menor demanda por bens de consumo, gerando um desestímulo aos investimentos
nos estágios finais da produção o que implica em uma redução da altura do triângulo
hayekiano. O efeito da taxa de juros decorre de um aumento dos investimentos nos
estágios iniciais da produção, pois uma taxa de juros menor incentiva investimentos
de longo prazo, o que implica em um aumento da base do triângulo hayekiano.
Figura 7 – Efeitos de um aumento do nível de poupança

Fonte: (GARRISSON, 2001, p.65)


No gráfico do mercado de trabalho dos estágios finais da produção (Figura 7)
há uma redução da demanda por trabalho, pois uma queda do consumo faz com
que a demanda por trabalho nos setores produtores de bens de consumo também
caia. O contrário acontece no mercado de trabalho dos estágios iniciais da
produção, onde há um aumento da demanda por trabalho.

2.3.2 A teoria austríaca dos ciclos econômicos na macroeconomia da


estrutura de capital
Supondo que o Banco Central decida fazer uma política monetária
expansionista, o que gera um aumento de crédito na economia. Independente de
32

qual forma for utilizada pelo Banco Central para aplicar a política monetária
expansionista, os efeitos na macroeconomia da estrutura de capital são o mesmo:
aumento do crédito sem lastro em poupança. Nesse cenário não há alteração das
preferências intertemporais dos agentes, logo não há mudança no nível de
poupança. O efeito desse aumento do crédito está representado na figura 8.
(GARRISSON, 2001)
Analisando o mercado de fundos para empréstimos (Figura 8), um aumento
do crédito desloca a curva S para a direita. Com uma maior oferta de crédito há uma
queda da taxa de juros, de ieq para i’, o que estimula os investimentos e desestimula
a poupança. O investimento se move ao longo da curva D, já que os investidores
respondem, a uma taxa de juros menor, aumentando seus investimentos. A
poupança se move ao longo da curva S, já que os poupadores se deparando com
uma taxa de juros menor reduzem sua poupança. Ocorre uma redução da
poupança, já no investimento ocorre um aumento. Nesse novo cenário da economia,
o mercado de fundos não está em equilíbrio e a taxa de juros i’ é insustentável, ela
está artificialmente menor.
Figura 8 – Efeitos de um aumento do crédito via política monetária

Fonte: (GARRISSON, 2001, p.65)


33

Na FPP (Figura 8) o consumo e o investimento se movem em direções


opostas, mostrando a insustentabilidade dessa nova alocação de consumo e
investimento. Para que essa alocação fosse sustentável era necessária que a FPP
fosse a FPP’ que torna possíveis alocações com maiores níveis do que a FPP
anterior.
O novo triângulo hayekiano (Figura 8) está agora distorcido. O aumento da
base é devido à redução da taxa de juros incentivando investimentos de longo
prazo. O aumento da altura é devido ao aumento da demanda por bens de
consumo, que estimula investimento em etapas mais próximas do consumo. Além de
sobre-investimentos há também maus investimentos.
O desequilíbrio das preferências temporais gera uma espécie de cabo-de-
guerra entre investidores e consumidores. Os investidores estão voltados para o
futuro, aumentando seus investimentos. Os consumidores estão voltados para o
presente, aumentando seu consumo. A nova taxa de juros não consegue equilibrar,
ou não mais reflete as preferências temporais dos agentes.
Quando os recursos de fato se revelarem escassos, indicando que não é
possível manter os níveis de consumo e investimento, o suposto crescimento se
transformará em recessão, ou contração da FPP. Os maus investimentos terão de
ser eliminados, projetos de longo prazo que antes eram viáveis agora não são mais.
Em conclusão, a TACE se resume em uma teoria monetária. Quando ocorre a
expansão artificial do crédito, ou seja, sem lastro em poupança, ocorre inicialmente
um forte crescimento no ciclo de negócios atingindo principalmente os setores
produtores mais afastados do bem de consumo final. Essa expansão artificial do
crédito não pode ser mantida por muito tempo, já que não ocorreu, de fato, um
aumento da oferta real de bens, o que ela realmente provoca é um rearranjo da
estrutura produtiva, modificando os preços relativos das diferentes etapas
produtivas. A nova estrutura produtiva não é sustentável e é necessário um rearranjo
de acordo com suas limitações reais, o que caracteriza uma recessão.
Tomando como exemplo, para a explicação da TACE, o caso do Robison
Crusoé apresentado na secção 2.1.2, e supondo que há mais um habitante na ilha
chamado João. João oferece à Robison duas pedras onde tem escrito vale um peixe
em cada uma em troca de um peixe que Robison possui, prometendo que no
próximo dia irá entregar dois peixes à Robison para liquidar sua dívida. Nesse caso
Robison pode começar a construir sua rede de pesca sem que ele faça uma
34

poupança de dois peixes, já que ele tem duas pedras que valem um peixe cada no
dia seguinte. No outro dia Robison pode se engajar na produção da rede de pesca,
porém, se João não conseguiu pescar peixe algum não há como ele cumprir sua
dívida. Robison começa a produzir a rede, mas quando percebe que não vai receber
os peixes em troca das duas pedras e que não tem nada para comer tem que
abandonar o seu projeto de construir a rede e voltar a pescar peixes.
O que aconteceu nesse exemplo foi que João criou dinheiro do nada o que
permitiu Robison a se engajar em uma atividade sem que ele tivesse recursos
suficientes para alcançar o seu objetivo. Resultando que Robison perdeu um peixe e
parte do dia tentando produzir uma rede que não resultou em nada e pode até
morrer de fome. Caso Robison queira continuar a produção da rede ele terá que
começar a poupar nos períodos seguintes e só após ter a poupança necessária é
que ele conseguirá construir a rede. Porém, ao passar de todo esse tempo ele
acabará tendo um tempo perdido, que foi quando ele foi iludido por João, que será
irrecuperável, onde ele já podia estar desfrutando dos frutos da sua rede de pesca.
35

3. A CRISE DE 2008 NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Esta secção está dividida em duas subseções e tem como objetivo procurar
estabelecer como se desenvolveu a crise de 2008 e quais são as possíveis soluções
para a prevenção de futuras crises de acordo com a Escola Austríaca de Economia.
A primeira secção analisa o surgimento e o desenvolvimento da crise de 2008
de acordo com a TACE, explicando quais foram os principais agentes envolvidos na
criação da suposta “bolha imobiliária”.
A segunda secção analisa as possíveis medidas para a recuperação e a
prevenção dos ciclos econômicos.

3.1. A origem e o desenvolvimento da crise.


O mercado imobiliário não foi o único afetado pela crise, o setor financeiro, a
indústria automobilística, os serviços, o varejo e o mercado de ações também foram
afetados.
A suposta raiz da crise remonta de 2001 quando o Fed, equivalente ao Banco
Central no Brasil, tentou impedir uma recessão baixando as taxas de juros. Em 2000
o mercado de ações entrou em colapso e o estouro da bolha da Nasdaq
(National Association of Securities Dealers Automated Quotation), conhecida
também como a bolha da internet, foi praticamente o início da crise de 2008 que só
foi comumente aceita no final de 2007 quando a crise das hipotecas estava óbvia.
(PAUL, 2009)
Outra perspectiva da crise de 2008, diz que ela é a própria crise em
consequência da quebra da Nasdaq. De acordo com essa perspectiva, a verdadeira
crise foi adiada por conta da política monetária do Fed. Porém, inevitavelmente veio
à tona em 2008 e dessa vez ainda mais forte. (PAUL, 2009)
A meta da federal funds target rate que no Brasil equivale à taxa de
redesconto, caiu de 6,5% em janeiro de 2001 até 1% em junho de 2003 onde
permaneceu neste nível por um ano inteiro. Depois de junho de 2004 a taxa
começou a aumentar até chegar em 5,25% em junho de 2006. O nível da federal
funds target rate praticado pelo Fed estavam muito abaixo dos seus menores
valores históricos. O gráfico 1 mostra a federal funds target, calculada em taxas
diárias, no período de 2000 até 2008 tornando evidente a queda iniciada em 2001
até metade de 2004, onde atingiu em 2004 o seu menor nível histórico.
36

Os ideais por trás da política monetária do Fed também tem um contexto


político, na época haviam ocorrido os ataques terroristas de 11 de setembro e o país
estava em clima de guerra. A ideia era que o país não fosse derrotado tanto
economicamente como politicamente pelos terroristas. Um dos objetivos do Fed era
criar uma impressão que o país não estava abalado, que a economia estava mais
forte. (PAUL, 2009)
Gráfico 1 - Federal funds target rate de 2000 até 2008

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


Para reduzir a federal funds target rate, o Fed expandiu a base monetária que
no fim de 2000 era de 598305 milhões de dólares. Em 2007 a base monetária já
atingia 837192 milhões de dólares, o que equivale há um crescimento de
aproximadamente 40%, com relação ao valor em 2000. O gráfico 2 mostra a
evolução da base monetária ao longo de 2000 até 2012, sendo os valores
calculados no fim de cada período. Fica evidente o rápido crescimento da base
monetária pela inclinação do gráfico.
As taxas hipotecárias que incidem sobre os empréstimos concedidos para
compras de imóveis, tendo como garantia o imóvel adquirido pelo mutuário. Com a
queda da federal funds target rate, as taxas hipotecárias atingiram o menor valor
histórico, saindo de 7,03% em janeiro de 2001 até 5,23% em junho de 2006 onde
atingiu o menor valor até então. O gráfico 3 ilustra o comportamento da taxa
37

hipotecária convencional de trinta anos, calculada em taxas mensais, de 2000 até


2010. Fica evidente a queda iniciada em 2000 onde atinge o mínimo em 2003.
Gráfico 2 – Base monetária ajustada de 1985 até 2012

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


Gráfico 3 – Taxa hipotecária (30-Year Conventional Mortgage Rate) de 2000
até 2010
38

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


Com as taxas hipotecárias baixas, os empréstimos dos bancos comerciais
para o setor imobiliário aumentaram drasticamente. O gráfico 4 mostra o
comportamento dos empréstimos imobiliários dos bancos comerciais de 1947 até
2013. Em janeiro de 2001, o total de empréstimos era de aproximadamente 1641
bilhões de dólares. Já em maio de 2009, onde atingiu o seu valor máximo, os
empréstimos eram de aproximadamente 3875 bilhões de dólares. De janeiro de
2001 até maio de 2009, totalizando um período de oito anos e cinco meses, os
empréstimos cresceram aproximadamente 136%. Entre 1990 e 2001, totalizando um
período de onze anos, o crescimento foi de aproximadamente 114%. O crescimento
do período mais curto foi superior ao crescimento do período mais longo, o que só
foi possível devido à política monetária praticada pelo Fed.
Gráfico 4 – Empréstimos imobiliários dos bancos comerciais de 1947 até
2013.

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


A demanda por empréstimos imobiliários aumentou devido às taxas de juros
baixas praticadas pelo Fed no período antes da crise. Outro fator que também
influenciou o aumento da demanda e da oferta de empréstimos imobiliários foi a
atuação de duas leis que vigoravam na época, a Community Reinvestment Act de
1977 e a Equal Credit Opportunity Act de 1974. As duas leis forçavam os bancos, ou
39

as agências emprestadoras, a fazerem empréstimos de riscos elevados, que caso


as duas leis não existissem tais empréstimos seriam negados pelos bancos. Os
bancos faziam os empréstimos sem que pudessem verificar os riscos de cada
mutuário. Algumas análises padrões do perfil financeiro do mutuário, como a
magnitude do pagamento hipotecário em relação à renda do mutuário, o histórico da
poupança e até mesmo a verificação de renda, não eram levados em consideração
na hora da aquisição dos empréstimos. (DILORENZO, 2008)
As empresas Fannie Mae (Federal National Mortgage Association) e Freddie
Mac (Federal Home Loan Mortgage Company) também tiveram uma forte
contribuição para a expansão dos empréstimos imobiliários e consequentemente da
formação da bolha imobiliária. A Fannie Mae foi criada em 1938 por Franklin Delano
Roosevelt, durante o New Deal. Sua função era fornecer liquidez ao mercado
hipotecário. Tornou-se uma corporação privada em 1968. A Freddie Mac foi criada
em 1970, no governo Nixon, para expandir o mercado secundário de hipotecas. As
funções das duas empresas são a de realizar empréstimos e dar garantias de
empréstimos. Elas atuam comprando dos bancos hipotecas no mercado secundário
e as revendem no mercado aberto como títulos lastreados em
hipotecas. (ROCKWELL, 2008)
A Fannie Mae e a Freddie Mac são empresas privadas, mas com propósitos
públicos. Elas usufruem de um apoio implícito do governo americano, apesar de não
ter obrigações diretas com ele, o que permite a essas empresas fazerem
financiamentos a taxas vantajosas. Os credores imaginavam que, em caso de
insolvência, o governo ajudaria essas empresas, com pacotes de resgate por
exemplo. (ROCKWELL, 2008)
Quando um banco comercial concedia um empréstimo imobiliário, o valor total
do empréstimo entrava em seus ativos contábeis. Ele podia vender esse ativo, ou
título hipotecário, para a Fannie Mae e a Freddie Mac, por um valor superior ao que
ele havia emprestado. Com a venda do título, esse saía dos seus ativos contábeis e
ele recebia o valor da quantidade que ele emprestou. Esse esquema permitia os
bancos comercias concederem cada vez mais empréstimos sem que a meta da
relação entre ativos e patrimônio líquido, estabelecida pelo Fed, fosse ultrapassada.
Com a compra dos ativos pela Fannie Mae e a Freddie Mac, os tomadores de
empréstimos imobiliários tinham relação direta com as duas. Caso os tomadores de
empréstimos continuassem o pagamento de suas dívidas o fluxo de caixa da Fannie
40

Mae e da Freddie Mac não estariam comprometidos. Caso contrário, se os


tomadores de empréstimos parassem de pagar sua dívida o prejuízo iria direto para
as duas empresas. Os bancos comerciais estavam livres de qualquer risco, pois, a
função deles era apenas de conceder os empréstimos e vender esse ativo no
mercado secundário. Assim, os incentivos eram que os bancos comerciais
concedessem cada vez mais empréstimos, mesmo esses possuindo alto risco.
(ROQUE, 2013)
A Fannie Mae e a Freddie Mac podiam manter os títulos em suas posses, ou
poderiam vender esses empréstimos para investidores ao redor do mundo. Esses
empréstimos eram conhecidos como títulos lastreados em hipotecas, ou mortgage-
backed securities. Como elas tinham uma linha especial de crédito junto ao Tesouro
americano no valor de 2,25 bilhões de dólares, os investidores que compravam os
títulos dessas duas empresas sabiam que caso as coisas dessem errado, o governo
americano estaria disposto a socorrê-las. (ROQUE, 2013)
Gráfico 5 – Índice de preço das casas para os EUA de 1990 até 2011.

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


Nota: 1990 = 100.
A atuação da Fannie Mae e da Freddie Mac no mercado secundário de
hipotecas teve uma grande contribuição para a estimulação do mercado imobiliário.
Com toda essa facilidade ao crédito, com praticamente a extinção dos riscos aos
41

bancos comerciais e tendo o governo americano como um segurador em última


instância, gerou uma alocação artificial dos recursos para o mercado imobiliário.
Essa alocação não seria possível caso as intervenções do governo americano não
existissem.
O efeito de todos esses incentivos no mercado imobiliário foi um grande
aumento no preço das casas. O gráfico 5 mostra a evolução do índice de preços das
casas nos EUA, anual de 1990 até 2013.
O índice de preços das casas, durante o período de dez anos, entre 1990 e
2000, cresceu aproximadamente 42%. Saindo de 100 em 1990 até chegar em 142,2
em 2000. No período de 2001 até 2007, seis anos, o crescimento foi de 49%. Saindo
de 152,8 em 2001 até chegar em 227,8 em 2007, sendo esse o valor máximo
atingido. Toda essa inflação de preços agiu como um sinal para os consumidores de
que eles estavam de fato aumento sua riqueza, porém esses preços não estavam
refletindo os verdadeiros preços de mercado. A inflação monetária criou uma
espécie de riqueza ilusória. Os proprietários de imóveis viviam acima do que suas
condições financeiras permitiam.
Gráfico 6 – Taxas hipotecárias e a federal funds target rate de 2000 até 2009.

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


Nota: Taxa hipotecária ajustável de um ano (Linha azul), taxa hipotecária convencional de 30
anos (Linha vermelha) e federal funds target rate (Linha verde)
42

Quando começou a aumentar o valor da a federal funds target rate em junho


de 2004 até parar em 5,25% em julho de 2006, onde permaneceu nesse valor até
agosto de 2007, tanto a taxa hipotecária de um ano ajustável, quanto à taxa
hipotecária convencional de 30 anos começaram a subir. A taxa hipotecária
ajustável saiu de 3,88% em maio de 2004, período anterior à elevação da federal
funds target rate, e atinge 5,79% em julho de 2006. A taxa hipotecária convencional
saiu de 6,27% em maio de 2004 e atinge 6,76% em julho de 2006. Esse aumento
dos juros e consequentemente o aumento das taxas hipotecárias, acabou
diminuindo a demanda por imóveis, gerando uma excessiva oferta desse bem o que
acarretou na queda dos preços das casas. A relação dessas três taxas de juros está
expressa no gráfico 6.
Dois efeitos ocorreram sobre os consumidores de imóveis. O primeiro foi que
com um juro mais alto, o pagamento das prestações da hipoteca das casas não era
possível para certo grupo de pessoas que não tinham capacidade de honrar seus
pagamentos da dívida. Aquele outro grupo de pessoas que adquiriram imóveis
apenas para especulação, já que o preço dos imóveis crescia a cada ano, apenas
deixou de pagar as hipotecas. Esses dois efeitos resultou em um aumento
extremamente elevado das inadimplências, o gráfico 7 mostra esta evolução.
Gráfico 7 – Inadimplências securitizadas em imóveis de 2000 até 2012.

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


43

A partir de janeiro de 2007 as inadimplências começaram a disparar, saindo


de 37194 milhões de dólares até atingir 237824 milhões de dólares em janeiro de
2010. De janeiro 2005 até janeiro de 2010 as inadimplências cresceram
aproximadamente 1013%. O que de fato revelou a bolha imobiliária, a crise de 2008
e a má alocação de recursos ou os maus investimentos.
O gráfico 8 mostra o forte crescimento da economia americana iniciado em
2001 até 2003 onde atinge pico do crescimento com uma taxa de crescimento de
4,3%. Em 2004 o crescimento desacelera e transforma-se em recessão, atingindo o
vale em 2008 com uma taxa de crescimento de -2,8%. Indicando que o forte
crescimento da economia iniciado em 2001 é um crescimento artificial, de acordo
com a TACE, iniciando o ciclo econômico.
Gráfico 8 – Taxa de crescimento do PIB americano de 2000 até 2012.

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data


A crise de 2008 nos EUA se iniciou e se desenvolveu de acordo como a
TACE tenta prevê o processo do ciclo econômico. O principal agente na criação do
ciclo econômico foi o Fed, que através da manipulação da taxa de juros da
economia desencadeou o processo do ciclo econômico. Como essa expansão do
crédito não foi lastreada em um aumento prévio do nível de poupança, esse
aumento do crédito entra na economia como dinheiro criado do nada. Por meio do
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sistema de reservas fracionárias é que a expansão do crédito pode ser articulada,


sem que haja aumento da poupança.
A nova oferta monetária diminui a taxa de juros de equilíbrio. Essa nova taxa
de juros estimula os investimentos, principalmente os de longo prazo ou as etapas
iniciais do processo produtivo. Muitos desses investimentos não seriam possíveis,
caso a taxa de juros não estivesse artificialmente baixa. São esses investimentos
avaliados erroneamente que constituem os maus investimentos.
Os setores mais estimulados durante o início do ciclo, o bancário e o
imobiliário, foram os que mais sofreram com a crise. Como indicado pela teoria, os
EUA experimentaram um forte crescimento econômico após a diminuição da taxa de
juros que estimulou principalmente o setor imobiliário e o bancário, o que acarretou
na concepção de maus investimentos. São os maus investimentos que transformam
o crescimento em recessão. Posteriormente, quando os maus investimentos são
revelados é que a eminente recessão se caracteriza e torna-se evidente. Os efeitos
negativos da crise atingiu a economia americana por um todo e até mesmo outros
países foram afetados.
O controle da taxa de juros, ou uma política de expansão de crédito pelo Fed,
não estimulam a economia. Aumentar a oferta de moeda por meio de crédito sem
lastro em poupança não tem a capacidade de gerar riqueza. O que ocorre é apenas
um crescimento econômico artificial que inevitavelmente se transforma em recessão,
isso é o que a TACE tenta demonstrar.

3.2 Recuperação e prevenção das crises econômicas.


A recuperação da crise se dá quando vem à recessão econômica, a própria
recessão é a etapa inicial da recuperação. A recessão significa a liquidação de
projetos de investimentos empreendidos erroneamente que agora estão evidentes.
Com a liquidação desses maus investimentos, há uma realocação de recursos
dentro da economia, uma mudança na estrutura produtiva. Os recursos são
transferidos dos setores menos produtivos para os mais produtivos. (DE SOTO,
2012)
A recessão surge quando a expansão de crédito abranda ou é
interrompida e, como consequência, são liquidados os projetos de
investimento erroneamente empreendidos, o que provoca o estreitamento e
a redução do número de etapas da estrutura produtiva e a dispensa dos
trabalhadores e dos fatores originais de produção que se encontram
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empregados nas etapas mais afastadas do consumo, onde deixaram de


parecer rentáveis. (DE SOTO, 2012, p.361)
Como é necessário o reajustamento da estrutura produtiva para que a
economia possa sair da crise, a única política que pode ser tomada é a de
“flexibilizar” ao máximo a economia, principalmente o mercado do fator trabalho, o
que permite que o ajustamento da estrutura produtiva possa acontecer o mais rápido
possível. Quanto mais rígida ou controlada for a economia mais lento será o
ajustamento, e os impactos sociais piores. (DE SOTO, 2012)
[...] tal como a ressaca, depois da embriaguez, é uma manifestação
da saudável reação do organismo em relação à agressão alcoólica, a
recessão econômica marca o início do período de recuperação, tão são e
necessário, assim como doloroso, para que a estrutura produtiva volte a
estar mais de acordo com aquilo que os consumidores verdadeiramente
desejam. (DE SOTO, 2012, p.361)
A concessão de novos créditos às empresas para evitar que elas entrem em
crise só faz com que a crise seja adiada e mais difícil será os ajustamentos
necessários da estrutura produtiva, consequentemente, os impactos sociais
também. (DE SOTO, 2012)
Após uma expansão do crédito sem lastro em poupança, não há como evitar
os processos que desencadeiam, posteriormente, as crises e as recessões. Para
evitar os ciclos econômicos é necessário impedir que o processo de expansão do
crédito por parte do sistema bancário ocorra, o que só é possível por meio de
reformas institucionais. (DE SOTO, 2012)
Os objetivos das reformas institucionais seriam impedir que o alargamento da
estrutura produtiva tivesse origem por meio de um aumento do nível de poupança e
não por uma expansão artificial do crédito. Isso só seria possível se fosse adotado
um coeficiente de reserva de 100%, o que garante a não violação dos contratos de
deposito à vista. (DE SOTO, 2012)
Uma proposta de reforma do sistema bancário:
[...] caso queiramos obter um sistema financeiro e monetário
verdadeiramente estável e proteger tanto quanto for humanamente possível
nossas economias de crises e recessões será necessário estabelecer: 1) a
completa liberdade de escolha de moeda; 2) o sistema de liberdade
bancária e a abolição do banco central; e, mais importante, 3) o respeito e o
cumprimento por parte de todos os agentes envolvidos no sistema de
liberdade bancária das normas e princípios tradicionais do Direito, em geral,
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e do importante princípio segundo o qual ninguém deve gozar do privilégio


de poder emprestar o que recebeu em depósito à vista, em particular. Ou
seja, é preciso manter em todos os momentos um sistema bancário com um
coeficiente de reserva de 100%.
Basicamente, a reforma consiste em um sistema bancário livre e o fim do
sistema de reservas fracionárias, com a adoção de um coeficiente de reserva de
100%.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A TACE tenta explicar como se dão os ciclos econômicos, o ponto de partida


de tal teoria seria que a expansão artificial do crédito, ou seja, sem lastro em
poupança é o que causa as crises e recessões. Por meio da expansão do crédito
que se inicia o processo do ciclo, primeiro vem um forte crescimento econômico e
depois a recessão.
De acordo com a TACE, a crise de 2008 nos EUA pode ser resumida em 4
fases:
1ª O Fed injeta dinheiro na economia, via aumento da base monetária, para
reduzir artificialmente a taxa de juros. Com as taxas de juros baixas, o crédito se
expande sem que haja um aumento da poupança.
2ª O efeito taxa de juros baixa faz com que a estrutura produtiva da economia
aloque recursos para etapas produtivas mais longes do consumo final, no caso para
o setor imobiliário ou de construção civil. Esse efeito é reforçado pelas instituições
em vigor e pela atuação da Fannie Mae e da Freddie Mac diminuindo o risco,
comprando as hipotecas dos bancos comerciais e disseminando no mercado
pacotes de títulos lastreados em hipotecas que permitia aos bancos comerciais
concederem mais empréstimo. Estimulando, mais ainda, a alocação de recursos no
setor imobiliário.
3ª Os preços dos bens de capital, no caso o preço das casas, sobe e os
lucros desse setor também. Generaliza-se o forte crescimento e o aumento dos
empréstimos imobiliários. A especulação é estimulada.
4ª Com a elevação da taxa de juros as inadimplências disparam revelando a
falta de recursos, a “bolha estoura”. Projetos de longo prazo são abandonados,
começam as falências. O desequilíbrio entre investimento e poupança se agrava, a
economia está operando de forma insustentável. O crescimento se transforma em
recessão.
Constata-se que a TACE aparenta ter um forte poder explicativo e capacidade
de prever crises econômicas.
As reformas institucionais propostas pela Escola Austríaca, para que se
possam evitar as ocorrências os ciclos econômicos, consistem em um sistema
bancário livre, com o fim dos bancos centrais e com concorrências entre moedas, e
um coeficiente de reserva de 100%.
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REFERÊNCIAS

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Tradução de Márcia Xavier de Brito. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, Brasil,
2012. 658p.

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2010. 100p.

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Acesso em: 9 de Dezembro de 2013.

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von Mises Brasil, 2013. Disponível em:
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2013.

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