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Maurício Palma
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Maurício Palma
1. Introdução
A linguagem seria, de acordo com a metáfora wittgensteiniana (PU, §18),
uma cidade antiga em que convivem casas novas e de outros tempos, ruas ve-
lhas e avenidas planejadas. Já sugeri em outro lugar1 uma analogia possível desta
metáfora com o direito: esse seria um conjunto de jogos de linguagens “antigos”
e “não antigos”, planejados e espontâneos, artificiais e ordinários, como a ma-
nhã tecida pelos galos de Melo Neto2. Hoje podem ser ainda observados bairros
sendo construídos: o direito fragmenta-se em novas ordens.
A fragmentação jurídica relaciona-se com fenômenos mundiais. O que se
percebe nos estados da sociedade mundial é algo análogo à paisagem de uma
cidade antiga como São Paulo: a China vê a migração de executivos europeus e
estadunidenses, constroem-se minaretes e mesquitas na Suíça, que então proíbe
novas construções, a Al Qaeda espalha células de sua rede mundo afora, roquei-
ros do Mali circulam pelo youtube.com. O que se conhece hoje por “globaliza-
ção” representa uma acentuação do intercâmbio (e não apenas de mercadorias)
em nível global3. Contudo, há que ser cauteloso com esta noção, principalmente
pela presença do potencial efeito destrutivo da corrupção em relação a diversos
subsistemas da sociedade advinda fundamentalmente do sistema econômico.
Além disso, diversos processos da sociedade mundial, recentes ou não, trazem
em seu bojo o risco da exclusão4.
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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo
inclusão como o lado interno da forma) no sentido de Spencer Brown, 1969. Podemos dizer, então,
que, para Luhmann, 1995b, “inclusão” seria o estado de coisas em há consideração/endereçamento
de um indivíduo ou população (como comunicantes ou comunicados) no processo comunicativo
de determinado sistema. Exclusão seria o oposto, o que remarca a centralidade da comunicação na
sociedade. Trata Luhmann, ainda, de uma “exclusão” não trivial (a exclusão trivial seria aquela de
muitos da propriedade privada, por exemplo, tolerada pela sociedade contemporânea), ou seja, uma
de tipo radical, em que os seres humanos não passariam de carne (não seriam considerados “pessoas”
em termos sistêmicos) por não representarem endereço comunicativo de nenhum sistema. Um grave
problema de nossa sociedade, portanto. Não seria a exclusão, neste sentido, prioritariamente uma
relativa a recursos materiais, mas sim uma do tipo comunicativo, que leva também ao não acesso
material, conforme Stichweh, 2000, pp. 85 ss.; v. tb. Stichweh, 2005, pp. 45 ss. Teubner, 2006, pp.
333 ss. trabalha questões relacionadas à (não) inclusão, direitos humanos e responsividade. Holmes,
2011: 139, sustenta que, para que o sistema legal ocupe uma posição equivalente à da política de
inclusão, deve contar com uma autodescrição semântica de cunho democrático. Holmes, 2011, ainda
correlaciona fragmentação global, semântica constitucionalista e inclusão. Para uma argumentação
não sistêmica sobre exclusão e possibilidade de repetição dos erros domésticos em nível global, v.
Galindo, 2010, pp. 156 ss. Bachur, 2013, sustenta que esta concepção luhmanniana não deixa espaço
para aspectos como o conflito e questões distributivas da sociedade contemporânea, apontando a
presença de um “viés hayekiano” nesta teoria em função da despolitização do conflito, bem como de
um “viés paretiano”, por Luhmann não considerar as reais distribuições de chances comunicativas
que condicionam a adressabilidade sistêmica.
5 O Estado é visto como uma organização política da sociedade já em Luhmann, 1974, pp. 26 ss.; v. tb.
Luhmann, 2002, p. 189. Luhmann nega a diferenciação regional da sociedade mundial, uma vez que
isto seria contraditório com o primado da diferenciação funcional, cf. Luhmann, 1998, p. 166.
6 Neves, 1992. Luhmann, 1998, pp. 161ss., admite diferenças regionais que podem, inclusive, agravar-
se. O argumento da desigualdade comprovaria a mundialização da sociedade, e os problemas
nela verificados estariam relacionados com a diferenciação funcional e a percepção de vantagens
decorrentes de sua completa realização, sendo o desenvolvimento uma forma de dois lados: de um
lado, a industrialização, de outro, o subdesenvolvimento.
7 Luhmann, 2003, p. 333. Luhmann, 1998, pp. 156 ss.
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cia8 e, por tais motivos, pode haver processos desiguais em relação às diferentes
regiões do mundo, como uma periferização do centro9 ou vice-versa.
Os sistemas sociais segmentados regionalmente passam por grandes trans-
formações. No sistema político observam-se rearranjos da função das fronteiras
estatais10, e no jurídico11 notam-se diferenciações não apenas no âmbito ter-
ritorial (direito paraguaio, direito egípcio etc.), como também diferenciações
funcionais que constituem regimes como os da lex sportiva, lex mercatoria e
lex constructionis. A diferenciação funcional do direito experimentada em nível
mundial é acompanhada por uma mudança no âmbito das cortes decisórias,
tanto no que tange ao estabelecimento de novos órgãos quanto no que toca a
aplicação e interpretação do direito, que se encontra, neste sentido, num arran-
jo com múltiplas e trançadas instâncias.
A segmentação regional ainda é muito relevante para o funcionamento
dos sistemas jurídicos, por óbvio, mas há fenômenos contemporâneos que não
estão nela circunscritos, uma vez que nem estados nem organismos internacio-
nais tradicionais aparecem mais como os únicos locais em que se desenvolvem
formas jurídicas. Aqui pode ser encontrado ponto tão decisivo para o direito
contemporâneo quanto carente de abordagens acadêmicas adequadas.
8 Luhmann, 2002, pp. 247 ss. A diferenciação regional na forma estatal é apenas encontrada nestes
dois sistemas, e o jurídico acompanha o político: “Regional differenzierbar in der Form von Staaten
ist nur das politische System und mit ihm das Rechtssystem der modernen Gesellschaft. Alle anderen
operieren unabhängig von Raumgrenzen.” (Luhmann, 1998, p. 166). Tradução minha: “Apenas
o sistema político e com ele o sistema jurídico da sociedade moderna encontram-se diferenciados
regionalmente na forma de Estados. Todos os outros operam desvinculados de limites espaciais. ”
9 Neves, 2007b, p. 191.
10 Rodríguez, 2010, p. 36. Slaughter ao dissertar sobre uma desagregação estatal aduz ser a noção de um
estado unitário uma “ficção”, cf. Slaughter, 2004, p. 31.
11 “Diferenciação” não significa uma decomposição do tipo todo/partes, mas sim a forma reflexiva de
construção dos sistemas, ou seja, é uma reduplicação da diferença sistema/ambiente (operada pelos
sistema sociais) que ocorre no interior dos próprios sistemas, cf. Luhmann, 1977, pp. 29-53, esp. p. 31.
Observar sobre isto Fuchs, 1992, p. 68. Sobre a diferenciação funcional, Luhmann, 1998, p. 776, afirma
que esta é a forma (a diferença) da sociedade moderna: “Der Primat funktionaler Differenzierung ist
die Form der modernen Gesellschaft. Und Form heißt nichts anderes als die Differenz, mit der sie
ihre Einheit intern reproduziert, und die Unterscheidung, mit der sie ihre eigene Einheit als Einheit
des Unterschiedenen beobachten kann”. Tradução minha: “O primado da diferenciação funcional é
a forma da sociedade moderna. E “forma” não significa nada além do que a diferença através da qual
a sociedade reproduz internamente sua unidade, bem como a diferenciação com a qual a sociedade
pode observar sua própria unidade como unidade do distinto”.
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tido, como será retomado e mais bem justificado no último tópico deste texto,
o vocábulo parece apropriado por manter a noção de “arqui”, ou seja, ainda se
pode falar com “heterarquia” em algumas posições primazes. Isto não quer di-
zer, contudo, que não já se utilize na academia o vocábulo “heterarquia”, como
apresentaremos, mas sim que aqui apresentamos esta noção de maneira nova e
devedora de suas raízes etimológicas.
Neves, 2009, toma a noção de “tangled hierarchies” (hierarquias entrela-
çadas), de Hofstadter, para apresentar o modo característico de relacionamen-
to circular e difuso entre diferentes ordens (supranacionais, estatais, inter-
nacionais, transnacionais) dispostas de maneira policêntrica17. A noção que
procuro aqui demonstrar, por um lado, compartilha da visão de Hofstadter
por entender existir uma rede de relacionamentos não linear e não vertical,
mas, por outro, é capaz de enfatizar contextos de preeminência na contextu-
ra relacional de diferentes ordens. “Heterarquia” tal qual aqui exposto pode,
neste sentido, ajudar a explicar o expansionismo de regimes jurídicos e as
consequentes multidirecionais colisões (Fischer-Lescano e Teubner, 2006) e,
se observada outra abordagem, a resposta de diferentes ordens jurídicas, in-
clusive aquelas em que não se pode identificar uma constituição, na ocasião
em que são processados problemas transconstitucionais, tal qual apresentado
paradoxalmente por Neves, 2009.
O presente artigo analisará alguns enfoques teóricos relativos à fragmen-
tação do direito mundial e às novas formas heterárquicas. A primeira parte
divide-se em três etapas. Exporei em um primeiro momento o papel que exerce
a ‘“última autoridade” e o arranjo hierárquico do direito para algumas teo-
rias, em especial devedoras dos desenvolvimentos kelsenianos, e aduzirei uma
crítica a este paradigma. Em um segundo momento, será exibida a visão de
uma teoria que trabalha com a pluralidade e com a heterarquia jurídicas e que
orienta este artigo, qual seja, a de Luhmann. Será abordado neste segundo pas-
so a teoria da evolução social deste autor por esta propiciar um caminho para
que possam ser explicadas as mudanças experimentadas pelo direito; em um
último momento desta etapa serão enfocados desenvolvimentos de Teubner e
17 A noção de “hierarquias entrelaçadas” é também o modo pelo qual Neves, 2006, pp. 156ss, descreve o
relacionamento entre política e direito a partir da formação de uma constituição. Os desenvolvimentos
de Hofstadter também foram usados em diversas passagens por Luhmann, por exemplo em 1998, p.
63, ao analisar a relação entre sistema e ambiente.
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18 Austin, 1832, pp. XVII ss., inspirado fundamentalmente em T. Hobbes, vinculava a produção jurídica
a uma fonte política superior: "Determining the characters of positive law, I determine implicitly
the notion of sovereignty, with is implied or correlative notion of independent political society. For
the essential difference of a positive law (of the difference that severs it from a law which is not a
positive law) may be stated generally in the following manner. Every positive law, or every law simply
and strictly so called, is set by a sovereign person, or a sovereign body of persons, to a member or
members of the independent political society wherein that person or body is sovereign or supreme.
Or (changing the phrase) it is set by a monarch, or sovereign number, to a person or persons in
a state of the subjection to its author”. Tradução minha: “Com a determinação dos caracteres do
direito positivo, eu determino implicitamente a noção de soberania, que é uma noção implicada ou
correlacionada de uma sociedade política independente. Sobre a diferença essencial de direito positivo
(da diferenciação que ele se serve de um direito que não é o positivo), pode-se afirmar genericamente
como se segue: todo direito positivo, ou todo direito simples e estritamente assim chamado, é definido
por um soberano individualmente tomado ou por um corpo de pessoas soberano para um membro ou
membros da sociedade política independente na qual tal indivíduo ou corpo é soberano ou supremo.
Ou (dito de outro modo) é definido por um monarca ou por um soberano para uma pessoa ou para
pessoas que se encontram num estado de submissão em relação ao seu autor”.
19 Hart, 1994, p. 101, oferece, neste sentido, uma explicação vinculada à regra de reconhecimento
para a Common Law: “In our own system, custom and precedent are subordinate to legislation since
customary and common law rules may be deprived of their status as law by statute. Yet they owe their
status of law, precarious as this may be, not to a 'tacit' exercise of legislative power but to the acceptance
of a rule of recognition which accords them this independent though subordinate place. Again, as in
the simple case, the existence of such a complex rule of recognition with this hierarchical ordering
of distinct criteria is manifested in the general practice of identifying the rules by such criteria.”
Tradução minha: “Em nosso sistema os costumes e os precedentes encontram-se subordinados à
legislação, uma vez que regras do direito costumeiro e do consuetudinário podem ser privadas de seu
status jurídico pela legislação. Ainda assim devem seu status jurídico, ainda que precário, não a um
“tácito” exercício do poder legislativo, mas sim à aceitação de uma regra de reconhecimento que lhes
atribui esta posição independente, ainda que subordinada. Novamente, assim como no caso simples,
a existência de tão complexa regra de reconhecimento com tal ordenamento hierárquico de distintos
critérios é manifestada na prática generalizada de identificação das regras através de tal critério”.
20 Kelsen, 2008, p. 79.
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do qual giram muitas das recentes análises neste campo, como as que serão
mais adiante demonstradas.
A configuração hierárquica como tradicionalmente apresentada não ape-
nas contribuiu para plasmar o modelo austríaco de controle de constitucionali-
dade (inspirado em Kelsen) como também explica o modo pelo qual muitas das
ordens jurídicas estatais construíram-se nos séculos XX e anteriores – caso dos
EUA e de sua Suprema Corte. De qualquer sorte, a hierarquização, embora car-
nalmente integrada não apenas aos arranjos dos direitos dos estados ricos como
também ao funcionamento dos ordenamentos jurídicos dos estados periféricos,
lentos, corruptos e excludentes, permanece, curiosamente, praticamente imune
a quaisquer críticas21. A estratégia hierárquica parece ser componente tão caro
ao direito que chega a fundir-se com este aos olhos dos teóricos clássicos. Ob-
serva-se um certo pavor por parte de muitos teóricos contemporâneos (alguns
dos quais serão apresentados no ponto 3.1 deste artigo) quando se menciona a
possibilidade de se assumir que o direito, que deveria por fim aos conflitos, pode
ele mesmo possuir conflitos intermináveis não vinculados a um arranjo hierár-
quico – um direito conflituoso seria contraditório em relação ao seu “ideal” de
“pacificar controvérsias”. Este “pavor” não é sem motivo. Pode ser, com efeito,
justificável pela observação de que a hierarquização entre cortes adjudicatórias
foi um dos mais importantes mecanismos evolutivos desenvolvido pelo direito
dos estados (ao lado, por exemplo, da quase absoluta estatização dos loci legiti-
mados para resolver conflitos22) para findar uma flutuação interminável entre
polos de um processo decisório.
21 O modelo de um direito verticalmente construído é apresentado nas universidades como seu único
modo de organização. Warat, 1994, pp. 13 ss., usa da expressão “senso comum teórico dos juristas”
para expressar o uso ideológico de representações e pré-conceitos de termos jurídicos tidos como
“verdades”, vinculados a hábitos que nada mais fazem do que manter o status quo no âmbito do
direito. Seriam construções epistemológicas porosas, seriam “costumes intelectuais” que fariam de
“verdades” algo “secreto”, uma “ilusão epistêmica”, uma mera reprodução irrefletida sobre alguns
termos do direito, possuidores de fundamentos epistêmicos questionáveis ou contrários aos usos
empregados. Ainda que não concorde com alguns desenvolvimentos waratianos, como a falta de
reconhecimento da própria ideologia (seu ponto cego não assumido, digamos assim) entre outros
pontos incabíveis aqui de explanação, devo afirmar que a apresentação da semântica da hierarquia
(especialmente no Brasil) possui analogias com a noção deste autor – obviamente, autores como
Kelsen não compõem este grupo.
22 No filme de Fritz Lang, “M, o vampiro de Dusseldorf” (M - Eine Stadt sucht einen Mörder), não é
outro senão este o principal argumento desenvolvido pelo personagem principal e por seu “advogado”,
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qual seja, a necessidade de um tribunal estatal para julgar os crimes por ele cometidos, ao invés do
tribunal popular que o estava a julgar.
23 Kelsen, 2008, p. 192: “A questão da legalidade de uma decisão judicial ou da constitucionalidade de
uma lei é, formulada em termos gerais, a que estão de saber se um ato que surge com a pretensão de
criar uma norma está de acordo com a norma superior que determina a sua criação ou ainda o seu
conteúdo. Quando esta questão deve ser decidida por um órgão para o efeito competente, quer dizer,
por um órgão que para tal recebe poder de uma norma válida, pode ainda levantar-se a questão de
saber se o indivíduo que de fato tomou esta decisão é o órgão competente, isto é, o órgão que para tal
recebeu poder da norma válida. Esta questão pode, por sua vez, dever ser decidida por um outro órgão
que, por isso mesmo, é de considerar como um órgão de hierarquia superior. Esta recondução a um
órgão superior, contudo, tem de ter um fim. Tem de haver órgãos supremos sobre cuja competência
já não poderão decidir órgãos superiores, cujo caráter de supremos órgãos legislativos, governativos
(administrativos) ou jurisdicionais já não pode ser posto em questão. Eles afirmam-se como órgãos
supremos pelo fato de as normas por eles postas serem globalmente eficazes. Com efeito, nesta
hipótese, a norma que lhes confere competência para estabelecer estas normas é pressuposta como
Constituição válida. O princípio segundo o qual uma norma só deve ser posta pelo órgão competente,
isto é, pelo órgão que para tal recebe poder de uma norma superior, é o princípio da legitimidade. Ele
é, como já verificamos, limitado pelo princípio da eficácia.”. Sobre o recurso hierárquico, v. Neves,
2007a, p. 368. Uma reflexão sobre a insuficiência da hierarquia pode ser encontrada em Fischer-
Lescano; Teubner, 2006, pp. 48 ss.
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28 Mesmo a corte austríaca, geralmente mais aberta ao direito internacional, possui restrições de
aplicação imediata das decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. V. o caso VfSlg. 52,
no. 11500, 347, pp. 365 s., citado em Neves, 2009, p. 141. De qualquer forma, os órgãos estatais
confrontam-se com a perda da “máxima autoridade”, cf. Bryde, 2005/2006, p. 210.
29 Por 234 votos contra 22, o parlamento britânico, em 10 de fevereiro de 2011, aprovou uma moção
estabelecendo que o sistema então vigente e já julgado como contrário à Convenção Europeia de
Direitos Humanos seria mantido.
30 É o caso envolvendo a guerrilha do Araguaia. A Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua
decisão julgou que a lei de anistia (lei 6.683/1979) não foi decisão equilibrada (entendeu que carece
de efeitos jurídicos) e que anistiar os criminosos constitui-se deformação da história. Neste sentido,
sustentou que a anistia aos “crimes conexos”, que incluíam os “contra a humanidade”, criou “uma
situação de total impunidade” (§128, §3 dos pontos resolutivos). A corte, com efeito, determinou
que o Brasil deve apurar, julgar e condenar os eventuais responsáveis (§§ 256 e 257, §9 dos pontos
resolutivos). A decisão choca-se com o decidido pelo STF na ADPF 153, e o cumprimento integral
da sentença interamericana mostra o problema de múltiplos níveis decisórios mesmo num arranjo
(tribunal estatal x tribunal internacional) já conhecido pela doutrina há tempos. O Brasil cumpre a
decisão em parte, como mostra a instauração de uma “comissão da verdade”, tal qual determinado
pela CIDH. Estes aspectos serão mais bem explorados mais adiante neste artigo. Deve ser assinalado
que ainda há embargos de declaração não julgados.
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36 Ver também Gehring, 2007, pp. 421-431. Para Luhmann, as teorias da evolução sociocultural são por
demasia detalhadas e microscopicamente orientadas para que possam dizer algo sobre a história. A
teoria por ele adotada explicaria como são possíveis improváveis agregações e, ainda, como em relativo
pouco tempo formaram-se sociedades complexas; descarta, obviamente, teorias como as do design
inteligente e as relativas ao reconhecimento de “leis naturais”, cf. Luhmann, 2008, pp. 8 ss., 28 ss.
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43 Luhmann, 1998, p. 638. Expectativas normativas são aquelas em que o desapontamento de uma
expectativa pode ser reclamado sistemicamente, ao contário das cognitivas. Ora, se alguém possui
a expectativa de que um ferro aquecido não se deveria dilatar, ao constatar o fenômeno e, portanto,
desapontar-se, nada poderá fazer – trata-se, assim, de uma expectativa cognitiva, ao contrário das
normativas, que são contra-factuais.
44 Luhmann, 1983, pp. 55 ss., 67, 92 ss.
45 Luhmann, 1995a, pp. 323.
46 Luhmann, 1985, p. 8.
47 Nesta direção, com as organizações do sistema político em foco, v. Luhmann, 2002, p. 251.
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Pode ser justificado por tais argumentos o uso a noção de heterarquia tal
qual proposta por este artigo, ou seja, um arranjo portador de outro tipo de pri-
mazia, diferente do que se notou tradicionalmente nas hierarquias estatais, mas
que ainda mantém algumas características ligadas ao “arqui” para caracterizar
a apresentação luhmanniana.
A noção da centralidade dos tribunais pode também ser questionada se
observado um esquema cooperativo de redes como fundamentais ao sistema
jurídico se se considerar que não apenas as decisões judiciais encontram-se
no centro do sistema jurídico, mas também atos individuais como contratos,
como sustenta Ladeur:
N. Luhmann would not have accepted this idea because in his view
contracts and other legal acts are not so tightly linked through connection
constraints as judicial acts are. But, to my mind, this assumption does
not fully exploit the advantages of a network-based legal theory. It is
also private legal practice which maintains the productivity of the
pool of variety within the “population of (legal )ideas” (viable forms of
contracts, legal experience, trust etc.). This is all the more important
because, especially in a society which undergoes a continuous process
of change, cooperation is much more essential for the viability of a legal
system, and not judicial interpretations and sanctions53.
53 Ladeur, 1999, p. 18. Tradução minha: “N. Luhmannnão teria aceitado esta ideia pelo fato de que
segundo seu entendimento contratos e outros atos jurídicos não se encontram tão intimamente
ligados por meio de restrições de conexãoquanto os atos judiciais. Em minha opinião, todavia, essa
suposição não explora totalmente as vantagens de uma teoria jurídica baseada em redes. É também
a prática jurídica privada que mantém a produtividade da gama de variadades no bojo da „população
de ideias (jurídicas)“ (formas víaveis de contratos, experiência jurídica, confiança etc.). Aqui se
encontra o elemento mais importante, uma vez que a cooperação é um fator muito mais essencial
para a viabilidade de um sistema legal do que interpretações judiciais e sanções, especialmente em
socidades em que há um contínuo processo de mudança”.
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54 O artigo em tela é este: Luhmann, Niklas (1975). "Die Weltgesellschaft." Soziologische Aufklärung
2. VS Verlag für Sozialwissenschaften, 51-71.
55 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, pp. 7 ss.
56 Luhmann, 1975, p. 56.
57 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, p. 7.
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tos nos quais, evolutivamente, um tipo de expectativa seria no outro tipo trans-
formado. Sustentava que as interações na sociedade mundial estruturavam-se
primariamente por expectativas cognitivas (o mote de seu artigo), bem como,
realmente em uma “hipótese especulativa”, que no âmbito da sociedade mun-
dial consolidada não seriam as normas que pré-selecionariam (vorauswahlen)
os padrões do que se reconhece (Erkennende), mas, pelo contrário, ganharia
a questão da capacidade de aprendizado (Lernfähigkeit) o primado estrutural,
sendo que as condições estruturais de aprendizado deveriam ser apoiadas em
normatizações em todos os sistemas parciais58. Assim, mesmo que se possa asse-
verar que Luhmann estivesse a especular a respeito de mudanças entre os tipos
de expectativas, Fischer-Lescano e Teubner colocam muitas palavras na boca
de Luhmann que não ali estavam.
Ainda que Teubner e Fischer-Lescano tenham utilizado o texto luhman-
niano sem o devido rigor acadêmico que seria esperado, não é sem sentido
o desenvolvimento de sua tese em relação ao que ocorre na hodierna socie-
dade mundial. Os recentes arranjos jurídicos seriam, conforme tal corrente,
resultado da formação de novos setores socialmente delimitados e da mudança
da orientação de expectativas normativas (direito, política) para as cognitivas
(economia, ciência), e haveria nestes setores, não segmentados regionalmente,
a necessidade do auxílio do direito para que possam comportar-se de maneira
mais eficiente, surgindo então formas jurídicas que prescindem do direito esta-
tal tal como se conheceu historicamente. Em termos de teoria sistêmica, deve
ser remarcado que a unidade do sistema jurídico (a aplicação do código lícito/
ilícito) mantém-se ainda que haja a presença de uma pluralidade de ordena-
mentos (estes não possuem código binário próprio). O órgão decisório, e não
importa se ligado a um estado ou não ou se supra-estatal, diz o que está ou não
de acordo com o sistema jurídico. O direito, neste sentido, preserva sua função
enquanto sistema parcial da sociedade, qual seja, a de estabilizar expectativas
normativas generalizadas59.
Investiguemos um pouco melhor o que entendem Fischer-Lescano e Teu-
bner por “heterarquia”. Tal concepção advém ao tratarem de regimes jurídi-
58 Nesse trecho, o mesmo citado por Teubner e Fischer-Lescano, utilizei de maneira proposital
praticamente as mesmas palavras de Luhmann para que fique bem nítida a posição desse pensador. V.
Luhmann, 1975, p. 63.
59 Neves, 2009.
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60 Fischer-Lescano; Teubner, 2006. A crítica dos autores à tradicional hierarquização perpassa todo o
livro. Observe-se, por exemplo, as páginas 10 ss, bem como 48 ss.
61 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, p. 48: “(...) Eine weitere Umstellung des Rechtsdenkens wird dadurch
erforderlich. Was aber tritt an die Stelle einer Rechtsnormenhierarchie? Die Differenz Zentrum/
Peripherie”. Tradução minha: “(...) Um posterior rearranjo do pensamento jurídico torna-se com isso
recomendável. Mas o que ocupa o lugar da hierarquia de normas? A diferença centro/periferia”.
62 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, p. 57.
63 Idem, pp. 48 ss., 72 s.
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“(...) Nur darf keine Selbslbeschreibung zugelassen werden, die die Frage
aufwirft, ob der Code selbst Recht oder Unrecht ist. Das darin liegende
Paradox muß unsichtbar bleiben. Aber damit werden die Fragen nur
abgeschnitten, die dennoch hin und wieder gesteIlt werden können und
insbesondere bei radikalen Veränderungen des Gesellschaftssystems
an die Oberfläche drängen. Die Idee der Verfassung ist ein darauf
antwortendes Enlparadoxierungskonzept.” (Luhmann, 1990, 186)71
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moderna, tais como o direito arcaico, o direito das altas culturas pré-moder-
nas, bem como, ainda, o direito internacional público. De qualquer maneira, a
questão da existência de constituições em outras formas modernas de direito,
as quais não foram abordadas por tal autor, permanece para muitos. Assim, o
reconhecimento de constituições em outros setores do direito moderno pode
ser feita através de uma leitura meramente influenciada por Luhmann, mas não
típica e fundamentalmente luhmanniana, portanto.
Teubner sustenta que as constituições civis nascidas em movimento cons-
titucionalista desestatalizado comporiam regimes que possuiriam regras secun-
dárias hartianas, com a consequente existência de uma regra de reconhecimen-
to72, ou seja, nestas normas secundárias estariam as respectivas constituições, as
quais dariam validade às formas jurídicas. Este seria o mecanismo encontrado
pelos regimes autônomos para prover a resposta ao paradoxo da codificação do
direito, sendo que os regimes devem estabelecer formas para realizar auto-ob-
servação de segunda ordem, ou seja, para que se tornem possíveis os processos
de reflexão e reflexividade73. As “constituições civis” (não estatais, portanto)
são para tais autores acoplamentos estruturais entre o direito e seu ambiente
político mundial descentralizado (dezentraler Weltpolitik), ou seja, entre direito e
segmentos da sociedade como economia, esporte e informática.
Reconheço que há entrelaçamento entre o direito e domínios específicos
da sociedade mundial, mas a tese de “constituições civis” (constituição civil
do regime da economia, constituição civil do regime da informática) deve ser
rechaçada: em primeiro lugar, não se observa em plano mundial mínimas se-
melhanças entre o processo constitucionalista experimentado estatalmente e
o observado em ordens civis altamente excludentes e especializadas (v.g. lex
mercatoria, lex digitalis) – ora, a constituição é uma aquisição evolutiva da
sociedade74, e uma semântica constitucional não pode ser artificialmente for-
mulada; em segundo lugar, a teoria sistêmica luhmanniana não apresenta o
direito estruturalmente acoplado apenas através de constituições. Por exemplo,
a teoria do direito e contratos são respectivamente acoplamentos estruturais
entre direito e ciência e direito e economia – quero dizer que nem todo acopla-
mento estrutural é uma constituição, como não o é a cópula entre o direitos e
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vista da teoria sistêmica, mas caberia a seguinte pergunta: se não possuem a re-
gra de reconhecimento, como afirmo, poderíamos dizer que tais regimes podem
ser concebidos como “direito” se forem adotados os óculos hartianos? Quero
dizer, a utilização da teoria hartiana não pode ou não poderia ser realizada de
maneira tão imediata.
79 Como referido, acontecimento sem conexão causal com o passado e o futuro do sistema. Realizado,
há modificação da estrutura, consciente ou não segundo Luhmann, 2008, p. 23.
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80 Neves, 2009, pp. 122 ss. Neves critica Jestead por entender que sua concepção não pode ser sustentada
nem se se partir do ponto de vista kelseniano nem se se partir da teoria dos acoplamentos entre
sistemas. Neves, contudo, refere-se ao monismo como “cego” e “autista”, o que considero termos
indevidos em uma reflexão no campo jurídico – fenômenos naturais estudados pela medicina como a
cegueira ou o autismo são fatos biológicos insuscetíveis de valoração, com o risco de tornar pejorativos
os nomes dados a tais ocorrências (v. tb. p. 51).
81 Habermas, 2008, pp. 359; 380.
82 Assim o então presidente da Corte Internacional de Justiça Stephen M. Schwebel (1999): “Concern
that the proliferation of international tribunals might produce substantial conflict among them, and
evisceration of the docket of the International Court of Justice, have not materialized, at any rate
as yet. A greater range of international legal fora is likely to mean that more disputes are submitted
to international judicial settlement. The more international adjudication there is, the more there
is likely to be; the "judicial habit" may stimulate healthy imitation. At the same time, in order to
minimize such possibility as may occur of significant conflicting interpretations of international
law, there might be virtue in enabling other international tribunals to request advisory opinions
of the International Court of Justice on issues of international law that arise in cases before those
tribunals that are of importance to the unity of international law”. Tradução minha: "Considerando-
se que a proliferação de tribunais internacionais pode produzir conflito substancial entre eles, bem
como que a evisceração do rótulo da Corte Internacional de Justiça não foram materializadas em
nenhum nível até o momento". Sobre os “riscos” da fragmentação, segundo Hafner, 2000, p. 149
ss: “In the light of the growing factual integration of the world community on the one hand, and
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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo
the proliferation of subsystems on the other, it is to be expected that the need to take measures to
ensure the unity of the international legal order will increase”. Este autor remarca, no entanto, o que
se segue sobre o possível papel da CIJ enquanto entidade harmonizadora do direito internacional:
“However, one has to bear in mind that on the one hand, as yet, the Court does not possess this
competence, on the other this means could only produce this effect ex post, i.e. after a conflict has
arisen”. Este autor sugere, então, que a comissão estimule e sugira aos estados estratégias para evitar
conflitos de normas, com a elaboração de um check-list para tanto e mesmo um certificado de que
determinado instrumento legal não trará efeitos negativos aos regimes já existentes (Hafner, 2000, p.
150). Tradução minha: “De um lado, sob a perspectiva do crescimento da integração da comunidade
mundial que ocorre factualmente, e, de outro, levando-se em conta a proliferação dos subsistemas
jurídicas, pode-se esperar que a necessidade de se tomar medidas para assegurar a unidade da
ordem jurídica internacional crescerá (...) Contudo, tem-se de ter em mente que se, de um lado, por
enquanto, a Corte não possui tal competência, por outro lado significa que poderia ser produzido
apenas esse efeito ex post, ou seja, após o surgimento de um conflito”.
83 Fassbender, 1998, pp. 529 ss.
84 Bryde, 2005.
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apenas com as clássicas leis estatais como suporte decisório, e mesmo ela deve
de alguma maneira considerar uma decisão (já ocorrida ou não) que esteja
fora de sua margem territorial de competência, a exemplo do que acontece na
Europa com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos e na América com o
Tribunal de Justiça Andino, bem como nas relações entre tradicionais cortes
e decisões oriundas de regimes como a lex sportiva ou digitalis e entre os tribu-
nais de regimes parciais.
Não apenas surgem novas cortes como também a interpretação jurídica e
as decisões judiciais provindas de órgãos decisórios existentes transformam-se,
como desenvolvido por Neves no livro Transconstitucionalismo. Segundo esta
teorização, que, portanto, reconhece a pluralidade e o policentrismo de ordens
jurídicas em plano global, acontecem diálogos constitucionais entre diferentes
cortes (e também entre outros órgãos estatais) para a resolução de problemas
comuns (abertura normativa), que inclusive devem ser incentivados, diálogos
que paradoxalmente podem fortalecer a identidade dos ordenamentos – como
compreendo, Neves é tanto descritivo quanto normativo88.
Diferentemente do apontado por alguns pesquisadores89, não entendo
que o diálogo dependa meramente de postura “moral” ou “ética” por parte
do julgador, uma vez que este se depara com um arsenal argumentativo incre-
mentado em face de outras decisões e casos “externos”, exigência cuja fonte
pode ser encontrada na provocação dos litigantes, em decisões de outros planos
jurídicos já existentes e em irritações advindas dos meios de comunicação de
massa. O transconstitucionalismo é, mais do que baseado em posturas indivi-
duais isoladas, um fato observável em escala global e também proposta de pro-
cessamento de questões inerentes à fragmentação do direito, como o problema
da vinculação irrestrita de cortes a uma racionalidade parcial e expansiva. A
questão, assim, não me parece adequadamente trabalhada se adstrita a uma
personificação dos julgadores, ou seja, se forem supervalorizadas os traços psi-
cológicos de quem julga, uma vez que o mais significativo para a explicação do
funcionamento do sistema jurídico é a observação das comunicações jurídicas
já ocorridas, ou seja, decisões materializadas.
88 Neves, 2009. “Normatividade” deve ser entendida aqui como reconhecimento de pretensões jurídicas
da sociedade em determinado sentido, não como uma posição apriorística do autor.
89 Entre os quais Fábio Almeida, em artigo publicado neste volume.
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90 Sobre constitucionalização simbólica e semântica “simbolista” negativamente tal qual aqui empregada,
v. Neves, 2007b. Podem existir reflexos positivos de uma postura transconstitucionalista simbólica,
observada a ambivalência deste termo? Talvez, mas isto demandaria uma nova investigação.
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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo
91 Corte Interamericana de direitos humanos. Caso de Las Dos Erres Vs. Guatemala, em sentença de
24 de novembro de 2009; Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Almonacid e outros
v. Chile. Sentença de 26 de Setembro de 2006. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso
Barrios Altos v. Peru. Sentença de 14 de março de 2001.
92 Será focalizado o caso argentino, mas a demonstração poderia ter sido o do chileno ou uruguaio.
93 AMNISTÍA. Ref. : Punto final. Obediencia debida. Derechos humanos. Tratados internacionales.
Convención Americana sobre Derechos Humanos. Pacto internacional de Derechos Civiles y Políticos.
Si bien el art. 75, inc. 20 de la Constitución Nacional mantiene la potestad del Poder Legislativo para
dictar amnistías generales, tal facultad ha sufrido importantes limitaciones en cuanto a sus alcances.
Las leyes 23.492 y 23.521 que, como toda amnistía, se orientan al "olvido" de graves violaciones a los
derechos humanos, se oponen a las disposiciones de la Convención Americana sobre Derechos Humanos y
el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, y resultan constitucionalmente intolerables (arg. art.
75, inc. 22, Constitución Nacional). (Simón, Julio Héctor y otros s/ privación ilegítima de lalibertad,
etc. (Poblete) -causa N° 17.768-. S. 1767. XXXVIII.; ; 14-06-2005; T. 328 P. 2056) [grifei]. Observa-
se que a Corte Suprema em momento nenhum entendeu que sua competência seria dependente da
manifestação anterior do legislativo. Este foi o voto da maioria. Tradução minha: "ANISTIA. Ref.:
Ponto final. Obediência devida. Direitos Humanos. Tratados internacionais. Convenção Americana
sobre direitos humanos. Pacto internacional de direitos civis e políticos. Ainda que o art. 75, inc.
20, da Constituição Nacional mantenha o poder do Poder Legislativo para ditar anistias gerais, tal
faculdade sofreu importantes limitações no que tocam seus alcances. As leis 23.492 e 23.521 as quais,
como toda anistia, orientam-se ao “esquecimento” de graves violações de direitos humanos, opõem-se às
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disposições da Convenção Americana sobre direitos humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, e resultam constitucionalmente intoleráveis (pelo argumento do art. 75, inc. 22 da Constituição
Nacional). (Simón, Julio Héctor y otros s/ privación ilegítima de lalibertad, etc. (Poblete) -causa N°
17.768-. S. 1767. XXXVIII.; 14-06-2005; T. 328 P. 2056)" [grifei].
94 Para uma reflexão acerca da diferença sistêmica centro/periferia, v. Holzer, 2007, pp. 360 ss. V. Fuchs,
1992, pp. 60 ss. acerca da sociedade moderna policontextural, hipercomplexa e heterárquica, em uma
estrutura assimétrica.
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sua periferia. Aqui, a relação com contornos hierárquicos provém não do centro
dos regimes jurídicos, mas de algo mais próximo à sua periferia, pois os setores
sociais que necessitam do direito e fazem com que surjam as mencionadas ordens
globais são os que na atual configuração ditam os rumos dos regimes parciais e
de suas decisões. Se é verdade que se pode também aqui se falar na presença de
direito, não parece o mais adequado a sustentação de regimes autônomos.
Neste sentido, anoto que ainda não há uma posição seguramente não he-
terárquica no caso das novas instâncias decisórias vinculadas a ordens jurídicas
não estatais (como arbitragens da lex mercatoria ou o ICANN), uma vez que,
na atual configuração, não passam elas de instrumentos de racionalidades es-
pecíficas de cada esfera e, assim, as formas jurídicas e os tribunais destas ordens
são componentes indiferenciados da estrutura sistêmica a serviço de interesses
não fundamentalmente jurídicos, como a eficiência econômica ou a paridade
esportiva97. Não ignoro o fato de que, no momento em que autores como Teu-
bner e Fischer-Lescano dissertam sobre a horizontalidade e a pluralidade dos
regimes jurídicos, estão a tratar de sua posição em relação a si mesmos e aos
tribunais estatais, bem como da posição destes no sistema jurídico. Mas esta
reflexão dirige-se a outro plano. Notam-se nestes regimes e em suas cortes pres-
sões políticas, econômicas e sociais advindas dos setores sociais que ocasionam
uma corrupção estrutural – o que é considerado por Teubner98 – permanente
e que, neste sentido, subordinam as novas formas jurídicas a uma autoridade
(ainda que muitas vezes difusa). As novas instâncias decisórias foram criadas
apenas para processar questões jurídicas com o fim de não comprometer o de-
sempenho do fragmento específico.
Além disso, a racionalidade expansiva de tais regimes não pode ser sub-
valorizada (e não quero com isso dizer que necessariamente o é pelos autores
tedescos). Não é por outro motivo que a OMC afasta a aplicação em seu âmbito
de tratados de outros regimes jurídicos que não tenham sido assinados por to-
dos seus membros, como, por exemplo, ocorreu no caso da proibição de impor-
tação de carne com hormônios (informe da Corte de Apelação de 16 de janeiro
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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo
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Casos referenciados
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