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Heterarquias hierárquicas: semânticas e paradoxos de atuais arranjos jurídicos


globais

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Maurício Palma
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Heterarquias Hierárquicas: Semânticas e
Paradoxos de Atuais Arranjos Jurídicos Globais

Maurício Palma

1. Introdução
A linguagem seria, de acordo com a metáfora wittgensteiniana (PU, §18),
uma cidade antiga em que convivem casas novas e de outros tempos, ruas ve-
lhas e avenidas planejadas. Já sugeri em outro lugar1 uma analogia possível desta
metáfora com o direito: esse seria um conjunto de jogos de linguagens “antigos”
e “não antigos”, planejados e espontâneos, artificiais e ordinários, como a ma-
nhã tecida pelos galos de Melo Neto2. Hoje podem ser ainda observados bairros
sendo construídos: o direito fragmenta-se em novas ordens.
A fragmentação jurídica relaciona-se com fenômenos mundiais. O que se
percebe nos estados da sociedade mundial é algo análogo à paisagem de uma
cidade antiga como São Paulo: a China vê a migração de executivos europeus e
estadunidenses, constroem-se minaretes e mesquitas na Suíça, que então proíbe
novas construções, a Al Qaeda espalha células de sua rede mundo afora, roquei-
ros do Mali circulam pelo youtube.com. O que se conhece hoje por “globaliza-
ção” representa uma acentuação do intercâmbio (e não apenas de mercadorias)
em nível global3. Contudo, há que ser cauteloso com esta noção, principalmente
pela presença do potencial efeito destrutivo da corrupção em relação a diversos
subsistemas da sociedade advinda fundamentalmente do sistema econômico.
Além disso, diversos processos da sociedade mundial, recentes ou não, trazem
em seu bojo o risco da exclusão4.

1 Palma Resende, 2011, p. 49.


2 Melo Neto, 1997.
3 Neves, 2006, pp. 216 ss. A teoria sistêmica oferece uma explicação unitária ante visões muito
divergentes de “globalização”, segundo Luhmann, 1998, p. 171.
4 Em que pesem mudanças observáveis no decorrer de sua obra, Luhmann acaba por conceber
o binômio exclusão/inclusão como uma forma de dois lados (a exclusão como o lado externo e a

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

A sociedade não se identifica com estados. Há, sim, um sistema político


da sociedade mundial segmentado em estados enquanto organizações políticas
da sociedade5. Os estados não são homogêneos (há assimetrias), e desigualdades
(econômicas, culturais, políticas) nas diferentes áreas do globo são nítidas, ain-
da se notada uma recente decadência econômica dos estados mais ricos6. Em-
bora a sociedade mundial não seja orientada pelo esquema centro/periferia, nos
subsistemas sociais esta diferenciação ainda pode ser observada7, e nos casos
dos sistemas político e jurídico, em especial, reconhece-se sua força e relevân-

inclusão como o lado interno da forma) no sentido de Spencer Brown, 1969. Podemos dizer, então,
que, para Luhmann, 1995b, “inclusão” seria o estado de coisas em há consideração/endereçamento
de um indivíduo ou população (como comunicantes ou comunicados) no processo comunicativo
de determinado sistema. Exclusão seria o oposto, o que remarca a centralidade da comunicação na
sociedade. Trata Luhmann, ainda, de uma “exclusão” não trivial (a exclusão trivial seria aquela de
muitos da propriedade privada, por exemplo, tolerada pela sociedade contemporânea), ou seja, uma
de tipo radical, em que os seres humanos não passariam de carne (não seriam considerados “pessoas”
em termos sistêmicos) por não representarem endereço comunicativo de nenhum sistema. Um grave
problema de nossa sociedade, portanto. Não seria a exclusão, neste sentido, prioritariamente uma
relativa a recursos materiais, mas sim uma do tipo comunicativo, que leva também ao não acesso
material, conforme Stichweh, 2000, pp. 85 ss.; v. tb. Stichweh, 2005, pp. 45 ss. Teubner, 2006, pp.
333 ss. trabalha questões relacionadas à (não) inclusão, direitos humanos e responsividade. Holmes,
2011: 139, sustenta que, para que o sistema legal ocupe uma posição equivalente à da política de
inclusão, deve contar com uma autodescrição semântica de cunho democrático. Holmes, 2011, ainda
correlaciona fragmentação global, semântica constitucionalista e inclusão. Para uma argumentação
não sistêmica sobre exclusão e possibilidade de repetição dos erros domésticos em nível global, v.
Galindo, 2010, pp. 156 ss. Bachur, 2013, sustenta que esta concepção luhmanniana não deixa espaço
para aspectos como o conflito e questões distributivas da sociedade contemporânea, apontando a
presença de um “viés hayekiano” nesta teoria em função da despolitização do conflito, bem como de
um “viés paretiano”, por Luhmann não considerar as reais distribuições de chances comunicativas
que condicionam a adressabilidade sistêmica.
5 O Estado é visto como uma organização política da sociedade já em Luhmann, 1974, pp. 26 ss.; v. tb.
Luhmann, 2002, p. 189. Luhmann nega a diferenciação regional da sociedade mundial, uma vez que
isto seria contraditório com o primado da diferenciação funcional, cf. Luhmann, 1998, p. 166.
6 Neves, 1992. Luhmann, 1998, pp. 161ss., admite diferenças regionais que podem, inclusive, agravar-
se. O argumento da desigualdade comprovaria a mundialização da sociedade, e os problemas
nela verificados estariam relacionados com a diferenciação funcional e a percepção de vantagens
decorrentes de sua completa realização, sendo o desenvolvimento uma forma de dois lados: de um
lado, a industrialização, de outro, o subdesenvolvimento.
7 Luhmann, 2003, p. 333. Luhmann, 1998, pp. 156 ss.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

cia8 e, por tais motivos, pode haver processos desiguais em relação às diferentes
regiões do mundo, como uma periferização do centro9 ou vice-versa.
Os sistemas sociais segmentados regionalmente passam por grandes trans-
formações. No sistema político observam-se rearranjos da função das fronteiras
estatais10, e no jurídico11 notam-se diferenciações não apenas no âmbito ter-
ritorial (direito paraguaio, direito egípcio etc.), como também diferenciações
funcionais que constituem regimes como os da lex sportiva, lex mercatoria e
lex constructionis. A diferenciação funcional do direito experimentada em nível
mundial é acompanhada por uma mudança no âmbito das cortes decisórias,
tanto no que tange ao estabelecimento de novos órgãos quanto no que toca a
aplicação e interpretação do direito, que se encontra, neste sentido, num arran-
jo com múltiplas e trançadas instâncias.
A segmentação regional ainda é muito relevante para o funcionamento
dos sistemas jurídicos, por óbvio, mas há fenômenos contemporâneos que não
estão nela circunscritos, uma vez que nem estados nem organismos internacio-
nais tradicionais aparecem mais como os únicos locais em que se desenvolvem
formas jurídicas. Aqui pode ser encontrado ponto tão decisivo para o direito
contemporâneo quanto carente de abordagens acadêmicas adequadas.

8 Luhmann, 2002, pp. 247 ss. A diferenciação regional na forma estatal é apenas encontrada nestes
dois sistemas, e o jurídico acompanha o político: “Regional differenzierbar in der Form von Staaten
ist nur das politische System und mit ihm das Rechtssystem der modernen Gesellschaft. Alle anderen
operieren unabhängig von Raumgrenzen.” (Luhmann, 1998, p. 166). Tradução minha: “Apenas
o sistema político e com ele o sistema jurídico da sociedade moderna encontram-se diferenciados
regionalmente na forma de Estados. Todos os outros operam desvinculados de limites espaciais. ”
9 Neves, 2007b, p. 191.
10 Rodríguez, 2010, p. 36. Slaughter ao dissertar sobre uma desagregação estatal aduz ser a noção de um
estado unitário uma “ficção”, cf. Slaughter, 2004, p. 31.
11 “Diferenciação” não significa uma decomposição do tipo todo/partes, mas sim a forma reflexiva de
construção dos sistemas, ou seja, é uma reduplicação da diferença sistema/ambiente (operada pelos
sistema sociais) que ocorre no interior dos próprios sistemas, cf. Luhmann, 1977, pp. 29-53, esp. p. 31.
Observar sobre isto Fuchs, 1992, p. 68. Sobre a diferenciação funcional, Luhmann, 1998, p. 776, afirma
que esta é a forma (a diferença) da sociedade moderna: “Der Primat funktionaler Differenzierung ist
die Form der modernen Gesellschaft. Und Form heißt nichts anderes als die Differenz, mit der sie
ihre Einheit intern reproduziert, und die Unterscheidung, mit der sie ihre eigene Einheit als Einheit
des Unterschiedenen beobachten kann”. Tradução minha: “O primado da diferenciação funcional é
a forma da sociedade moderna. E “forma” não significa nada além do que a diferença através da qual
a sociedade reproduz internamente sua unidade, bem como a diferenciação com a qual a sociedade
pode observar sua própria unidade como unidade do distinto”.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

Esta constelação com muitas ordens jurídicas, estatais ou não, dispostas


de um modo não escalonado e, embora possivelmente em contato, não vincu-
ladas obrigatoriamente umas às outras e, portanto, diametralmente diversa do
que foi explicado por tradicionais teorias jurídicas e que se afasta da maneira
pela qual o direito estatal foi comumente organizado, é denominada por este
trabalho “heterarquia jurídica”. Poderia ter sido utilizada uma expressão como
“policentrismo jurídico”, mas a escolha por “heterarquia” deve-se ao fato de que
representa, senão o exato antônimo à “hierarquia”, um noção que indica que o
arranjo aqui narrado não apenas possui vários centros, mas também que estes
centros não estão dispostos de maneira hierárquica. Com efeito, mesmo o mais
clássico dos arranjos estatais possui vários tribunais, os quais são, momentane-
amente, centros das respectivas dinâmicas jurídicas, embora pode ser defendida
uma eventual subordinação entre eles se considerado o decurso temporal. “He-
terarquia”, neste sentido, compreende a relação entre formas jurídicas plurais,
policêntricas, polimorfas e não hierarquizadas, ressalvando-se, como é óbvio, o
que apresentarei como sendo a noção heterárquica de outros autores.
É preciso investigar um pouco mais este estranho termo para que possa ser
utilizado com razoável justificativa. Enquanto que “-hier(o)-” demarca a noção
de “santo ou sagrado”, como em “hieroglífico”12, “-heter(o)-” possui origem eti-
mológica grega que significa “outro, diferente” ou “outro, de entre dois; um dos
dois, o outro de dois”13, e pode ainda exprimir como elemento de composição
a ideia de “diferença”, como em “heterandro”14. “Arqui-”, também de origem
grega (ἀρχή), é utilizado para exprimir uma noção de superioridade ou primazia,
como em arquiduque15, ou ainda “poder” ou “fonte”. Assim, “hierarquia” pro-
vém do grego eclesiástico ιεραρχία, ou seja, “comando sagrado”16, significando
atualmente um arranjo em que há uma posição de superioridade de um em
relação a outro ou outros geralmente em função de uma diferença substancial.
Heterarquia, pelo que defendo, corresponderia a “uma outra forma de suprema-
cia”, ou ainda, a um outro tipo de disposição de primazias, primazias profanas,
por assim dizer, diferentes da encontradas nos arranjos hierárquicos. Neste sen-

12 Machado, 1956, p. 1173. Verbete “-hier(o)-”.


13 Idem, p. 1169. Verbete “-heter(o)-”.
14 Silva, 1949-1959, p. 693. Verbete “heter(o)-”.
15 Idem, p. 20. Verbete “arqui-”.
16 Machado, 1956, p. 1173. Verbete “-hier(o)-”.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

tido, como será retomado e mais bem justificado no último tópico deste texto,
o vocábulo parece apropriado por manter a noção de “arqui”, ou seja, ainda se
pode falar com “heterarquia” em algumas posições primazes. Isto não quer di-
zer, contudo, que não já se utilize na academia o vocábulo “heterarquia”, como
apresentaremos, mas sim que aqui apresentamos esta noção de maneira nova e
devedora de suas raízes etimológicas.
Neves, 2009, toma a noção de “tangled hierarchies” (hierarquias entrela-
çadas), de Hofstadter, para apresentar o modo característico de relacionamen-
to circular e difuso entre diferentes ordens (supranacionais, estatais, inter-
nacionais, transnacionais) dispostas de maneira policêntrica17. A noção que
procuro aqui demonstrar, por um lado, compartilha da visão de Hofstadter
por entender existir uma rede de relacionamentos não linear e não vertical,
mas, por outro, é capaz de enfatizar contextos de preeminência na contextu-
ra relacional de diferentes ordens. “Heterarquia” tal qual aqui exposto pode,
neste sentido, ajudar a explicar o expansionismo de regimes jurídicos e as
consequentes multidirecionais colisões (Fischer-Lescano e Teubner, 2006) e,
se observada outra abordagem, a resposta de diferentes ordens jurídicas, in-
clusive aquelas em que não se pode identificar uma constituição, na ocasião
em que são processados problemas transconstitucionais, tal qual apresentado
paradoxalmente por Neves, 2009.
O presente artigo analisará alguns enfoques teóricos relativos à fragmen-
tação do direito mundial e às novas formas heterárquicas. A primeira parte
divide-se em três etapas. Exporei em um primeiro momento o papel que exerce
a ‘“última autoridade” e o arranjo hierárquico do direito para algumas teo-
rias, em especial devedoras dos desenvolvimentos kelsenianos, e aduzirei uma
crítica a este paradigma. Em um segundo momento, será exibida a visão de
uma teoria que trabalha com a pluralidade e com a heterarquia jurídicas e que
orienta este artigo, qual seja, a de Luhmann. Será abordado neste segundo pas-
so a teoria da evolução social deste autor por esta propiciar um caminho para
que possam ser explicadas as mudanças experimentadas pelo direito; em um
último momento desta etapa serão enfocados desenvolvimentos de Teubner e

17 A noção de “hierarquias entrelaçadas” é também o modo pelo qual Neves, 2006, pp. 156ss, descreve o
relacionamento entre política e direito a partir da formação de uma constituição. Os desenvolvimentos
de Hofstadter também foram usados em diversas passagens por Luhmann, por exemplo em 1998, p.
63, ao analisar a relação entre sistema e ambiente.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

Fischer-Lescano, que trabalham propriamente com o tema da fragmentação do


direito da sociedade mundial.
Na segunda parte do artigo serão analisadas duas estratégias que buscam
trabalhar com a problemática contemporânea. Em um primeiro momento será
abordada a recorrente busca por uma explicação hierárquica ou por arranjos
hierárquicos para processar novos desafios jurídicos globais; em segundo mo-
mento será abordado o transconstitucionalismo de Marcelo Neves, uma manei-
ra não hierárquica de tratamento das dinâmicas mundiais a serem apresentadas
diferente da apontada por Teubner e Fischer-Lescano. Será examinado um pos-
sível uso simbólico do processo transconstitucional narrado por Neves, hipótese
por este autor não examinada. A contribuição de Neves, 2009 será de grande
valia para a elaboração das considerações contidas no último tópico deste texto.
Ao final, o artigo mostrará que mesmo as explicações que descrevem os
arranjos do sistema jurídico de maneira diferente do que fazem teorias mais
clássicas e que não observam uma disposição hierárquica tal qual pode ser nota-
do nos direitos estatais, ou seja, que observam de algum modo a heterarquia das
formas jurídicas, encontram-se sob paradoxos relacionados a formações hierár-
quicas. O primeiro paradoxo a ser apontado relaciona-se à noção luhmanniana
centro/periferia, a qual para este artigo guarda características funcionalmente
hierárquicas. O segundo paradoxo está relacionado ao trabalho de Teubner e
Fischer-Lescano, uma vez que muitas das novas ordens e órgãos decisórios po-
sicionados num mesmo e difuso nível são instrumentos dos respectivos frag-
mentos sociais e, portanto, estão inseridos também num arranjo hierárquico.
Além disso, a racionalidade expansiva destes fragmentos descrita por estes dois
autores visa à hegemonia, o que também dificulta o pleno reconhecimento de
sua não hierarquia. Neste sentido, após um panorama e crítica de algumas cor-
rentes que buscam compreender formas jurídicas não hierárquicas, percebe-se
que a heterarquia está embebida em arranjos de contornos hierárquicos. Hete-
rarquia, assim, não significa pelo que defendo “não hierarquia”, e espera-se que
isto esteja claro ao final.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

2. Entre a hierarquia e a heterarquia


2.1 A “última autoridade” e sua crítica
A hierarquia escalonada de um sistema jurídico vinculado a uma auto-
ridade que produz o direito por um ato de vontade é o modo como diversos
teóricos examinam o direito, como Austin18, Hart19 e Kelsen20. São destes
autores formulações fundamentais para o desenvolvimento da teoria jurídica,
as quais englobam tanto o modo pelo qual o direito é produzido como a ma-
neira pela qual se organiza internamente, e que perfazem um ponto ao redor

18 Austin, 1832, pp. XVII ss., inspirado fundamentalmente em T. Hobbes, vinculava a produção jurídica
a uma fonte política superior: "Determining the characters of positive law, I determine implicitly
the notion of sovereignty, with is implied or correlative notion of independent political society. For
the essential difference of a positive law (of the difference that severs it from a law which is not a
positive law) may be stated generally in the following manner. Every positive law, or every law simply
and strictly so called, is set by a sovereign person, or a sovereign body of persons, to a member or
members of the independent political society wherein that person or body is sovereign or supreme.
Or (changing the phrase) it is set by a monarch, or sovereign number, to a person or persons in
a state of the subjection to its author”. Tradução minha: “Com a determinação dos caracteres do
direito positivo, eu determino implicitamente a noção de soberania, que é uma noção implicada ou
correlacionada de uma sociedade política independente. Sobre a diferença essencial de direito positivo
(da diferenciação que ele se serve de um direito que não é o positivo), pode-se afirmar genericamente
como se segue: todo direito positivo, ou todo direito simples e estritamente assim chamado, é definido
por um soberano individualmente tomado ou por um corpo de pessoas soberano para um membro ou
membros da sociedade política independente na qual tal indivíduo ou corpo é soberano ou supremo.
Ou (dito de outro modo) é definido por um monarca ou por um soberano para uma pessoa ou para
pessoas que se encontram num estado de submissão em relação ao seu autor”.
19 Hart, 1994, p. 101, oferece, neste sentido, uma explicação vinculada à regra de reconhecimento
para a Common Law: “In our own system, custom and precedent are subordinate to legislation since
customary and common law rules may be deprived of their status as law by statute. Yet they owe their
status of law, precarious as this may be, not to a 'tacit' exercise of legislative power but to the acceptance
of a rule of recognition which accords them this independent though subordinate place. Again, as in
the simple case, the existence of such a complex rule of recognition with this hierarchical ordering
of distinct criteria is manifested in the general practice of identifying the rules by such criteria.”
Tradução minha: “Em nosso sistema os costumes e os precedentes encontram-se subordinados à
legislação, uma vez que regras do direito costumeiro e do consuetudinário podem ser privadas de seu
status jurídico pela legislação. Ainda assim devem seu status jurídico, ainda que precário, não a um
“tácito” exercício do poder legislativo, mas sim à aceitação de uma regra de reconhecimento que lhes
atribui esta posição independente, ainda que subordinada. Novamente, assim como no caso simples,
a existência de tão complexa regra de reconhecimento com tal ordenamento hierárquico de distintos
critérios é manifestada na prática generalizada de identificação das regras através de tal critério”.
20 Kelsen, 2008, p. 79.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

do qual giram muitas das recentes análises neste campo, como as que serão
mais adiante demonstradas.
A configuração hierárquica como tradicionalmente apresentada não ape-
nas contribuiu para plasmar o modelo austríaco de controle de constitucionali-
dade (inspirado em Kelsen) como também explica o modo pelo qual muitas das
ordens jurídicas estatais construíram-se nos séculos XX e anteriores – caso dos
EUA e de sua Suprema Corte. De qualquer sorte, a hierarquização, embora car-
nalmente integrada não apenas aos arranjos dos direitos dos estados ricos como
também ao funcionamento dos ordenamentos jurídicos dos estados periféricos,
lentos, corruptos e excludentes, permanece, curiosamente, praticamente imune
a quaisquer críticas21. A estratégia hierárquica parece ser componente tão caro
ao direito que chega a fundir-se com este aos olhos dos teóricos clássicos. Ob-
serva-se um certo pavor por parte de muitos teóricos contemporâneos (alguns
dos quais serão apresentados no ponto 3.1 deste artigo) quando se menciona a
possibilidade de se assumir que o direito, que deveria por fim aos conflitos, pode
ele mesmo possuir conflitos intermináveis não vinculados a um arranjo hierár-
quico – um direito conflituoso seria contraditório em relação ao seu “ideal” de
“pacificar controvérsias”. Este “pavor” não é sem motivo. Pode ser, com efeito,
justificável pela observação de que a hierarquização entre cortes adjudicatórias
foi um dos mais importantes mecanismos evolutivos desenvolvido pelo direito
dos estados (ao lado, por exemplo, da quase absoluta estatização dos loci legiti-
mados para resolver conflitos22) para findar uma flutuação interminável entre
polos de um processo decisório.

21 O modelo de um direito verticalmente construído é apresentado nas universidades como seu único
modo de organização. Warat, 1994, pp. 13 ss., usa da expressão “senso comum teórico dos juristas”
para expressar o uso ideológico de representações e pré-conceitos de termos jurídicos tidos como
“verdades”, vinculados a hábitos que nada mais fazem do que manter o status quo no âmbito do
direito. Seriam construções epistemológicas porosas, seriam “costumes intelectuais” que fariam de
“verdades” algo “secreto”, uma “ilusão epistêmica”, uma mera reprodução irrefletida sobre alguns
termos do direito, possuidores de fundamentos epistêmicos questionáveis ou contrários aos usos
empregados. Ainda que não concorde com alguns desenvolvimentos waratianos, como a falta de
reconhecimento da própria ideologia (seu ponto cego não assumido, digamos assim) entre outros
pontos incabíveis aqui de explanação, devo afirmar que a apresentação da semântica da hierarquia
(especialmente no Brasil) possui analogias com a noção deste autor – obviamente, autores como
Kelsen não compõem este grupo.
22 No filme de Fritz Lang, “M, o vampiro de Dusseldorf” (M - Eine Stadt sucht einen Mörder), não é
outro senão este o principal argumento desenvolvido pelo personagem principal e por seu “advogado”,

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

O recurso hierárquico como o do modelo monista kelseniano pressupõe


uma última autoridade, um órgão que ponha fim à controvérsia23. Contudo,
pode-se indicar que nem mesmo nos tribunais estatais a relação entre as cortes
pode ser descrita como imediatamente hierárquica. O fluxo interpretativo e de
competências cruzadas encontrado nas diversas instâncias de um sistema jurí-
dico estatal muitas das vezes corrompe a tese da existência de uma hierarquiza-
ção. Ora, a execução de um acórdão depende de uma interpretação “inferior”
que o irá realizar. No caso brasileiro, a “vinculação” a uma “súmula vinculante”
(artigo 103-A da Constituição Brasileira de 1988) depende da interpretação
que se faz dessa súmula tendo em vista o caso específico nas mãos de qualquer
órgão adjudicatório; a coisa julgada feita num processo na primeira instância,
ainda a título de exemplo, faz com que uma decisão hierarquicamente inferior
em relação ao órgão superior seja insuscetível de análise por este. E nem todas
as interpretações jurídicas estão em poder dos julgadores: se o Ministério Pú-
blico não encontrar elementos para uma denúncia, não há tribunal que possa
obrigá-lo a fazê-lo – como se sabe, o juiz de primeira instância, ainda que en-
tenda que há crime configurado, deve curvar-se à interpretação de um órgão
não judicante (Código de Processo Penal, artigo 28). A “última autoridade”,
aqui, não seria sequer o judiciário. Kelsen estava ciente da possível pluralidade
de interpretações (observável mesmo nos legisladores e naqueles que devem

qual seja, a necessidade de um tribunal estatal para julgar os crimes por ele cometidos, ao invés do
tribunal popular que o estava a julgar.
23 Kelsen, 2008, p. 192: “A questão da legalidade de uma decisão judicial ou da constitucionalidade de
uma lei é, formulada em termos gerais, a que estão de saber se um ato que surge com a pretensão de
criar uma norma está de acordo com a norma superior que determina a sua criação ou ainda o seu
conteúdo. Quando esta questão deve ser decidida por um órgão para o efeito competente, quer dizer,
por um órgão que para tal recebe poder de uma norma válida, pode ainda levantar-se a questão de
saber se o indivíduo que de fato tomou esta decisão é o órgão competente, isto é, o órgão que para tal
recebeu poder da norma válida. Esta questão pode, por sua vez, dever ser decidida por um outro órgão
que, por isso mesmo, é de considerar como um órgão de hierarquia superior. Esta recondução a um
órgão superior, contudo, tem de ter um fim. Tem de haver órgãos supremos sobre cuja competência
já não poderão decidir órgãos superiores, cujo caráter de supremos órgãos legislativos, governativos
(administrativos) ou jurisdicionais já não pode ser posto em questão. Eles afirmam-se como órgãos
supremos pelo fato de as normas por eles postas serem globalmente eficazes. Com efeito, nesta
hipótese, a norma que lhes confere competência para estabelecer estas normas é pressuposta como
Constituição válida. O princípio segundo o qual uma norma só deve ser posta pelo órgão competente,
isto é, pelo órgão que para tal recebe poder de uma norma superior, é o princípio da legitimidade. Ele
é, como já verificamos, limitado pelo princípio da eficácia.”. Sobre o recurso hierárquico, v. Neves,
2007a, p. 368. Uma reflexão sobre a insuficiência da hierarquia pode ser encontrada em Fischer-
Lescano; Teubner, 2006, pp. 48 ss.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

seguir o direito) em um sistema jurídico24. O direito seria como uma moldura


com vários sentidos possíveis atribuíveis pela interpretação e, neste sentido, não
se poderia falar na existência de única resposta correta (idem, 391). Contudo,
para este autor, haveria sempre uma autoridade superior a resolver o conflito, e
apenas a interpretação do órgão aplicador seria a autêntica por esta criar direito,
quero dizer, a esquemática hierárquica seria mantida pelo arranjo estrutural dos
órgãos jurídicos, devendo ser notado ainda o esquema escalonado entre as leis.
Kelsen não observa, contudo, que a fluidez interpretativa torna não hierárqui-
ca, já de partida, o arranjo dos sistemas jurídicos.
Deve ser observado, ainda, que, nas dinâmicas contemporâneas, a “últi-
ma” autoridade varia se se observa diferentes pontos, ou seja, é dependente da
referência que se toma em determinado caso. Por exemplo: na União Europeia,
tanto uma corte estatal quanto uma supra-estatal podem constituir-se o “nível”
mais alto de acordo com o órgão que interpreta o direito europeu, se por cortes
estatais ou por um Tribunal como o Europeu de Direitos Humanos – a corte
constitucional alemã, por exemplo, não controla as decisões de cortes europeias
desde que estas satisfaçam princípios importantes de seu direito, a fim de que
seja mantida a identidade de sua constituição25, analogamente ao que acontece
na França26. Qualquer um desses tribunais pode arrogar-se do título de “última”
instância desde que construam formulações jurídicas amparadas em constitui-
ções ou tratados neste sentido, como de fato procedem.
Neste sentido, a “última autoridade” jurídica, possuidora de fundamentos
que remontam provavelmente ao pensamento religioso27, não põe fim à incerte-
za inerente ao direito contemporâneo. Mesmo que se fossem construídas novas
e novas cortes, que supostamente acabariam com os conflitos ocorridos entre
tribunais situados em posição inferior, haveria dois principais possíveis empe-
cilhos à certeza: 1) a dação de sentido da decisão por parte do tribunal supos-
tamente inferior corrompe a ilusória tentativa hierárquica (toda interpretação

24 Kelsen, 2000, pp. 387 ss.


25 Sobre esta temática, v. Maduro, 2003, pp. 502 s.; Bryde, 2005/2006, pp. 211 s. remarca o “incentivo”
para que se interprete o direito alemão em consonância com o europeu.
26 Neves, 2009, p. 164. Segundo Neves, apesar de constituir-se hipótese jurisprudencial, nunca invocou-
se a “identidade constitucional francesa” para repudiar o externo.
27 Ainda para Austin, 1832, a questão da dinâmica das leis divinas é relevante, por exemplo, e podem
ser notados reflexos desta configuração mágica em suas formulações a respeito do direito secular.

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Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

já é um ato criativo, mesmo para a teoria kelseniana); 2) um tribunal ou outro


órgão estatal nem sempre seguirá a decisão “hierarquicamente” superior, como
demonstra a já referida jurisprudência alemã sobre a análise das decisões dos
tribunais europeus28. Pode aqui ser citada ainda a relação entre o Reino Unido
e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) no caso Hirst contra o
Reino Unido (n. 2), em que o parlamento britânico em 2011 decidiu não mais
cumprir a decisão do TEDH de 2005 a respeito do direito de voto dos presos –
note-se que aqui não se trata apenas de uma querela envolvendo competências
de tribunais29. O cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) no caso Lund e outros x Brasil é outro exemplo emblemáti-
co: há evidente conflito da decisão desta corte com a decisão proferida meses
antes pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) no julgamento da Argui-
ção de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF) n. 15330. A sentença
da CIDH não está sendo integralmente cumprida, mas em parte e, dessa manei-
ra, cabem alguns questionamentos: de quem é a “última palavra”, ou seja, quem
é a “última autoridade”? O STF ou a CIDH? Por qual razão o estado brasileiro
cumpre apenas parcialmente a sentença da CIDH se a reconhece como impo-
sitiva? Voltarei a este caso.
Ao lado da constatação da ausência de uma última autoridade em regimes
estatais em confronto com tribunais supra-estatais (conflito já recorrente para

28 Mesmo a corte austríaca, geralmente mais aberta ao direito internacional, possui restrições de
aplicação imediata das decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. V. o caso VfSlg. 52,
no. 11500, 347, pp. 365 s., citado em Neves, 2009, p. 141. De qualquer forma, os órgãos estatais
confrontam-se com a perda da “máxima autoridade”, cf. Bryde, 2005/2006, p. 210.
29 Por 234 votos contra 22, o parlamento britânico, em 10 de fevereiro de 2011, aprovou uma moção
estabelecendo que o sistema então vigente e já julgado como contrário à Convenção Europeia de
Direitos Humanos seria mantido.
30 É o caso envolvendo a guerrilha do Araguaia. A Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua
decisão julgou que a lei de anistia (lei 6.683/1979) não foi decisão equilibrada (entendeu que carece
de efeitos jurídicos) e que anistiar os criminosos constitui-se deformação da história. Neste sentido,
sustentou que a anistia aos “crimes conexos”, que incluíam os “contra a humanidade”, criou “uma
situação de total impunidade” (§128, §3 dos pontos resolutivos). A corte, com efeito, determinou
que o Brasil deve apurar, julgar e condenar os eventuais responsáveis (§§ 256 e 257, §9 dos pontos
resolutivos). A decisão choca-se com o decidido pelo STF na ADPF 153, e o cumprimento integral
da sentença interamericana mostra o problema de múltiplos níveis decisórios mesmo num arranjo
(tribunal estatal x tribunal internacional) já conhecido pela doutrina há tempos. O Brasil cumpre a
decisão em parte, como mostra a instauração de uma “comissão da verdade”, tal qual determinado
pela CIDH. Estes aspectos serão mais bem explorados mais adiante neste artigo. Deve ser assinalado
que ainda há embargos de declaração não julgados.

135
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

os juristas), observa-se a emergência de novas ordens jurídicas desvinculadas


da estatalidade, sobre as quais o estado não possui controle e cujos órgãos de-
cisórios aplicam o código lícito/ilícito – são ordens ou regimes jurídicos (e por
óbvio não novos sistemas sociais) capazes de processar expectativas normativas.
Como prova da insuficiência do recurso à “última autoridade” também para
esta configuração, pode ser apontado como exemplo, no bojo da lex humana, o
caso que envolveu o ICTY (Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia,
na sigla em inglês) e a CIJ (Corte Internacional de Justiça), no qual o ICTY
arrogou-se da posição de uma corte judicial autônoma em relação à CIJ, ou seja,
não reconheceu entre os tribunais nenhuma hierarquia e rejeitou o recurso que
se interpunha31. Este é apenas um caso paradigmático e introdutório – será
retomada mais adiante a análise da situação destes regimes jurídicos.
Estes novos arranjos mundiais suscitam discussões não apenas sobre a
hierarquia versus não hierarquia ou heterarquia (ora, mostram-se regimes ho-
rizontalmente dispostos em relação a si próprios e às ordens estatais), como

31 Declarou o ICTY: “A narrow concept of jurisdiction may, perhaps, be warranted in a national


context but not in international law. International law, because it lacks a centralized structure, does
not provide for an integrated judicial system operating an orderly division of labour among a number
of tribunals, where certain aspects or components of jurisdiction as a power could be centralized
or vested in one of them but not the others. In international law, every tribunal is a self-contained
system (unless otherwise provided). This is incompatible with a narrow concept of jurisdiction, which
presupposes a certain division of labour. Of course, the constitutive instrument of an international
tribunal can limit some of its jurisdictional powers, but only to the extent to which such limitation
does not jeopardize its "judicial character", as shall be discussed later on. Such limitations cannot,
however, be presumed and, in any case, they cannot be deduced from the concept of jurisdiction
itself” (grifei). Em seu dispositivo lê-se: “[The Appeals Chamber] Decides that the challenge to the
primacy of the International Tribunal over national courts is dismissed.”. In: ICTY, Prosecutor v.
Tadic, Decision on the Defense Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction, IT-94-1-AR72,
Decisão de 2/10/1995. Disponível em http://www.icty.org/x/cases/tadic/acdec/en/51002.htm,
acessado em 04/09/2012. Tradução minha: “Uma concepção estrita de jurisdição pode, talvez, ser
assegurada em um contexto nacional, mas não no direito internacional. O direito internacional,
se notada a ausência de uma estrutura centralizada, não oferece uma divisão de tarefas ordenada
entre vários tribunais para um sistema judicial integrado que se encontra em operação, enquanto
que certos aspectos ou componenetes da jurisdição enquanto um poder poderia ser centralizado
ou revestido em um deles, mas não nos outros. No direito internacional, todo tribunal é um sistema
autossuficiente (salvo disposição em contrário). Isso é incompatível com uma concepção estrita de
jurisdição, a qual pressupõe certa divisão de tarefas. É óbvio que o instrumento constitutivo de um
tribunal internacional pode limitar alguns de seus poderes jurisdicionais, mas apenas até o ponto
em que tal limitação não ameace seu "caráter judicial", como será discutido posteriormente. Tais
limitações não podem, todavia, ser presumidas e, em nenhum caso, podem ser deduzidas a partir do
conceito de jurisdição. (...) [A Corte de Apelações] Decide rejeitar a objeção referente à primazia do
Tribunal Internacional em relação às cortes nacionais]”.

136
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

também aquelas relativas à querela entre monismo versus pluralismo jurídico.


Este artigo concentra-se apenas no primeiro debate. Voltarei às insuficiências
da explicação hierárquica quando mostrar a pretensa retomada das explicações
ou arranjos hierárquicos, mas para que se possa criticar este secular método de
tentativa de resolução de conflitos entre diferentes órgãos judicantes em face às
novas dinâmicas mundiais, serão expostas mais detidamente argumentações e
fatores ambientais que desafiam este paradigma.

2.2 Heterarquia do direito em Luhmann


Luhmann utiliza algumas vezes o termo “heterarquia” (“Heterarchie”)
ou “heterárquico” (“heterarchisch”), todas num sentido similar, denotando
uma forma colateral, não hierárquica de relacionamento32, algo que contrasta
com o que se conhece por “hierarquia”33, a ausência de um centro decisó-
rio, uma maneira não hierárquica de ligação de decisões34, ou, em passagem
interessante, ainda um arranjo organizatório mais complexo e fluído que o
hierárquico, que poderia inclusive ser substituído pela noção de “labirinto” e
que, portanto, não é exatamente o antônimo de “hierarquia”35. O autor não

32 Luhmann, 1995, pp. 144, 359; Luhmann, 1998, p. 157.


33 Luhmann, 1998, p. 312; Luhmann, 1992, p. 320. Sustenta com “heterarquia” um tipo de arranjo no
qual não pode ser notada uma posição superior (Luhmann, 1992, p. 535).
34 Luhmann, 1992, p. 365. Luhmann refere-se nesta mesma página em nota de rodapé a outros pensadores
do campo do estudo dos cérebros que já se utilizaram do conceito de “heterarquia”, quais sejam:
McCulloch, Warren S. (1965). The Embodiments of Mind. Cambridge, pp. 40 ss.; Roth, Gerhard (1981).
“Biological Systems Theory and the Problem of Reductionism”. In: Roth Gerhard, Schwegler Helmut
(Orgs.). Self-Organizing Systems: An Interdisciplinary Approach. Frankfurt sobre o Meno, pp. 106-120.
35 Trata aqui da coordenação das operações sistêmicas: “Vielleicht ist es deshalb nützlich, den Begriff
der Heterarchie durch den Begriff des Labyrinths zu ersetzen, der auch intuitiv dem besser entspricht,
was man in Großorganisationen vorfindet. Ein Labyrinth ermöglicht es, bei ganz wenigen Eingangs-
und Ausgangsstellen ein Maximum interner Kontaktmöglichkeiten bereitzustellen, die in prinzipiell
unvorhersehbaren Sequenzen aktualisiert werden. Man erreicht damit eine nicht von der Qualität der
Eingangssignale abhängige (nicht durch sie determinierte) Vielzahl von Auswertungen.”. (Luhmann,
2000, p. 420). Tradução minha: “Talvez seja portanto proveitoso substituir o conceito de “heterarquia”
pelo conceito de “labirinto”, o qual também corresponde, intuitivamente, àquilo que pode ser
encontrado em grandes organizações. Um labirinto permite que se coloque à disposição um máximo
de possibilidades de contatos em seu interior através de pouquíssimos pontos de entrada e de saída,
possibilidades as quais são atualizadas em sequências em princípio imprevisíveis. Alcança-se com isso
uma multiplicidade de avaliações [Auswertungen] não dependentes da (ou não determinadas pela)
qualidade do sinal de entrada”.

137
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

trabalha com “heterarquia”, o jogo de primazias tal como defendido neste


artigo, e, no âmbito da teoria do direito, não explica a dinâmica jurídica cen-
tro/periferia como “heterárquica”. Este artigo afirma, no entanto, que esta se
constitui uma relação heterárquica.
De qualquer forma, uma análise teórica do direito que contradiz a orien-
tação pela “autoridade superior” pode ser encontrada em Luhmann: os órgãos
decisórios, componentes da estrutura sistema, ocupam o centro do sistema ju-
rídico, enquanto que os programas (como contratos, dogmática jurídica e leis)
encontram-se em sua periferia. Isto não quer dizer que os tribunais, no centro
do sistema, não possam ou não tenham sido arranjados através de dinâmicas de
primazia, mas apenas que a noção hierárquica não é capaz de explicar o funcio-
namento do direito. Para que se mostre melhor a heterarquia do sistema jurídico
em Luhmann, tal como sustentamos, a importância dos órgãos decisórios, sua
relação com a periferia do sistema e seu papel face o aumento de complexidade
ambiental, exporei, em um primeiro momento, muito concisamente sua teoria
da evolução social. Esta abordagem pode auxiliar, como será notado, a elucida-
ção das transformações e reações do direito até aqui apontadas.
Ao tratar da evolução da sociedade, Luhmann possui em Darwin um im-
portante ponto de referência. Apesar de tal influência, o autor tedesco aceita a
crítica de Maturana referente à noção de seleção natural e critica a concepção
darwinista de população como fator da evolução36. Para ele, há nos sistemas so-
ciais variação, entendida como comunicação (elemento do sistema) inesperada;
há seleção por parte da estruturas (formadas por expectativas que orientam a
comunicação) – com a variação no nível dos elementos o sistema seleciona as
referências de sentido aptas a formar estruturas capazes de estabelecer e con-
densar expectativas, podendo assim repudiar o que for incapaz de estruturar
o sistema a fim de que haja o encadeamento de comunicações anterior e pos-
terior. Por fim, há a reestabilização, que se refere ao relacionamento do sistema
com seu ambiente, isto é, faz menção ao estado do sistema em evolução após
uma operação de seleção e, assim, versa sobre o modo pelo qual os subsistemas

36 Ver também Gehring, 2007, pp. 421-431. Para Luhmann, as teorias da evolução sociocultural são por
demasia detalhadas e microscopicamente orientadas para que possam dizer algo sobre a história. A
teoria por ele adotada explicaria como são possíveis improváveis agregações e, ainda, como em relativo
pouco tempo formaram-se sociedades complexas; descarta, obviamente, teorias como as do design
inteligente e as relativas ao reconhecimento de “leis naturais”, cf. Luhmann, 2008, pp. 8 ss., 28 ss.

138
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

sustentam-se no ambiente. A variação relaciona-se aos elementos, a seleção às


estruturas, e a reestabilização à unidade do conjunto da reprodução”37.
Para a teoria sistêmica luhmanniana, o direito é um entre outros sistemas
sociais, e, como tal, evolui. Não há valoração moral no devir histórico, muito
menos uma receita pronta para a evolução do direito – apenas é a evolução um
modo de se lidar com o fluxo de complexidade, das estruturas adaptarem-se às
mudanças e dos reflexos disto na unidade sistêmica. A sociedade é complexa
e a contingência faz-se presente, sendo que a evolução de um sistema é sua
resposta ao aumento de complexidade ambiental. Sua estrutura deve ser capaz
de promover seleções de maneira adequada para adaptar-se à alta complexidade
através de técnicas seletivas especiais38.
Em razão de sua importância para os novos arranjos jurídicos, foco a no-
ção de “estrutura” para Luhmann, que se difere das de teóricos sistêmicos an-
teriores, como Parsons, por partir da observação e não de um referencial episte-
mológico39. As estruturas dos sistemas sociais são estruturas de expectativas, ou
seja, são expectativas de expectativas que concebem o tempo apenas em relação
ao horizonte do presente (há um contemporâneo passado e contemporâneo fu-
turo que se integram por elas)40. As estruturas têm por função o fortalecimento
da seletividade, restringem as possibilidades, sendo que conseguem trabalhar
com eventual desapontamento de uma expectativa ao fornecer opção para que
se faça algo de concreto41. Com este componente sistêmico, o único capaz de
mudar42, um sistema torna-se prevenido em relação a algum acontecimento

37 Luhmann, 1998, pp. 454 ss.


38 “Todo sistema reage a crises de proporções ameaçadoras através de mudanças estruturais – em
último caso através da dissolução” (Luhmann, 1985, p. 43). Como nem todas as possibilidades
podem ser atualizadas, Bachur argumenta que Luhmann rompe aqui com a ontologia do sujeito no
molde hegeliano (e iluminista): “reduzir a complexidade, portanto, não é simplificar”, “generalizar”
ou “abstrair”, mas romper com uma realidade ontológica que pode ser acessada ou transformada
pela razão subjetiva, pela força da ideia absoluta”, segundo Bachur, 2010. Acontecimentos aleatórios
(aqueles que não possuem conexão nem com o passado nem com o futuro do sistema) podem conduzir
a mudança estrutural segundo Luhmann, 2008, p. 23.
39 Luhmann, 1991, pp. 380 ss.
40 Idem, pp. 398 s. Tanto para a teoria dos eventos/estruturas quanto para a teoria das expectativas as
estruturas dos sistemas sociais consistem em expectativas.
41 Luhmann, 1983, p. 55.
42 Luhmann, 1993, p. 771. Os eventos não mudam em função de sua fugacidade, ou seja, não têm tempo
para tanto.

139
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

altamente improvável. Analogamente a um serviço de manutenção e reparos


de estruturas, conforme a metáfora do autor, a estrutura de um sistema social
possui maneiras de processar o desapontamento, com a possibilidade de adaptar
ou não a decepção à realidade, dependendo do tipo de expectativa (cogniti-
va ou normativa)43 – no caso do direito, tratam-se de expectativas normativas
(contra-factuais), processáveis pelos órgãos decisórios44.
Neste sentido, os órgãos decisórios situam-se no plano da estrutura do
sistema jurídico, e sua função é processar as expectativas normativas da socie-
dade. Os tribunais são condensações de expectativas (normativas por parte do
direito, cognitivas por parte da política), ou seja, foram atribuídas competências
aos órgãos para que eles tenham a capacidade de decidir. Os tribunais podem
estabelecer uma hierarquia entre si45, e têm um papel fundamental do ponto
de vista estrutural e operacional do sistema jurídico pelo fato de que a vigência
do direito conecta-se a uma decisão (as decisões são operações do sistema),
elemento que pode variar em grande medida e que estabelece a própria positi-
vidade do direito ao fazer referência às leis46. No âmbito desta teoria, o centro
de um sistema é o responsável pelo seu fechamento operacional, enquanto que a
periferia tem por papel formular programas que orientam a aplicação do código
(que ocorrerá, portanto, em seu centro), sendo a periferia sistêmica um locus
mais irritável por outros sistemas47, característica, portanto, muito importante
em uma sociedade comunicativamente complexa.
Enquanto que os tribunais e as leis para muitas teorias são vistas de manei-
ra hierarquizada, Luhmann, em contraste, recusa uma hierarquização do direito
na qual leis estariam situadas em uma posição superior em relação aos tribunais,
como o era, por exemplo, o modelo francês iluminista. De outra forma, como
já afirmado, os tribunais para a teoria sistêmica situam-se no centro do siste-
ma jurídico, enquanto que legislação e contratos ocupam sua periferia e, neste

43 Luhmann, 1998, p. 638. Expectativas normativas são aquelas em que o desapontamento de uma
expectativa pode ser reclamado sistemicamente, ao contário das cognitivas. Ora, se alguém possui
a expectativa de que um ferro aquecido não se deveria dilatar, ao constatar o fenômeno e, portanto,
desapontar-se, nada poderá fazer – trata-se, assim, de uma expectativa cognitiva, ao contrário das
normativas, que são contra-factuais.
44 Luhmann, 1983, pp. 55 ss., 67, 92 ss.
45 Luhmann, 1995a, pp. 323.
46 Luhmann, 1985, p. 8.
47 Nesta direção, com as organizações do sistema político em foco, v. Luhmann, 2002, p. 251.

140
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

sentido, não estão tais cortes subordinadas à legislação em virtude de processos


históricos específicos48 e vice-versa. É por existir este tipo de relacionamento
que aduzimos haver uma heterarquia na concepção do direito luhmanniana.
A relação centro/periferia deve ser esmiuçada: a diferenciação entre juris-
dição e legislação tornou-se com o evoluir um “círculo cibernético” no qual o
sistema jurídico procede uma observação de si mesmo como um observador de
segundo grau, uma vez que o juiz precisa atentar ao que o legislador dispôs e à
sua visão de mundo49, e o legislador, por sua vez, deve prever o modo pelo qual
a lei que criará será aplicada pelo juiz50. O papel dos tribunais é o de decidir, ou
seja, não podem os juízes abster-se de sua tarefa51, e neste serviço a que estão
obrigados os tribunais lidam (e são apenas eles que o fazem) com o paradoxo da
identidade do próprio sistema jurídico, paradoxo a ser desdobrado52. Uma visão
de hierarquia apriorística entre tribunais e leis como vista por algumas teorias,
portanto, é pouco complexa para explicar o funcionamento do sistema jurídico.
Considero, apesar disto, que a exposição do “centro” e da “periferia” já
perfaz (paradoxalmente) uma observação não simétrica por parte de Luhmann,
haja vista o papel absolutamente preponderante das cortes decisórias para a
própria reprodução e identidade do sistema jurídico. Com esta afirmação não
quero dizer que a observação luhmanniana a respeito do relacionamento entre
o centro e a periferia deste sistema da sociedade seja descartável, mas apenas
que visualizo ainda uma formulação com relevantes influências hierárquicas,
ao contrário do sustentado pelo autor, que aponta aspectos assimétricos en-
tre os dois polos. Aqueles pensadores devedores da teoria sistêmica certamente
concordariam que a relação é “assimétrica”, mas se toda a periferia é, em úl-
tima análise, sujeita ao seu centro, o uso da palavra hierarquia não pode ser
considerado equivocado, ainda que não represente uma hierarquia tradicional,
posicional, e sim uma funcional, geométrica.

48 Luhmann, 1995a, pp. 297 ss., esp. 305.


49 Luhmann fala aqui, creio que em lapso com a própria teoria enquanto comunicativa e operacionalmente
desumanizada, em “intenção do legislador” – embora, como descritor de um sistema jurídico, possa
defender-se dizendo que é assim que se arroga a doutrina interpretativa clássica nos tribunais, ou seja,
muitos destes no dia-dia ainda pretendem “descobrir” a “vontade” do legislador.
50 Idem, p. 278.
51 Idem, pp. 279, 281 ss., 298 ss.
52 Idem, pp. 292 e 304.

141
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

Pode ser justificado por tais argumentos o uso a noção de heterarquia tal
qual proposta por este artigo, ou seja, um arranjo portador de outro tipo de pri-
mazia, diferente do que se notou tradicionalmente nas hierarquias estatais, mas
que ainda mantém algumas características ligadas ao “arqui” para caracterizar
a apresentação luhmanniana.
A noção da centralidade dos tribunais pode também ser questionada se
observado um esquema cooperativo de redes como fundamentais ao sistema
jurídico se se considerar que não apenas as decisões judiciais encontram-se
no centro do sistema jurídico, mas também atos individuais como contratos,
como sustenta Ladeur:

N. Luhmann would not have accepted this idea because in his view
contracts and other legal acts are not so tightly linked through connection
constraints as judicial acts are. But, to my mind, this assumption does
not fully exploit the advantages of a network-based legal theory. It is
also private legal practice which maintains the productivity of the
pool of variety within the “population of (legal )ideas” (viable forms of
contracts, legal experience, trust etc.). This is all the more important
because, especially in a society which undergoes a continuous process
of change, cooperation is much more essential for the viability of a legal
system, and not judicial interpretations and sanctions53.

Voltarei ao tema da heterarquia paradoxalmente hierárquica em Luh-


mann na conclusão, mas que não se perca de vista o foco deste trabalho com
esta breve exposição teórica: trato de aumento de complexidade ambiental (ad-
vinda de regimes autônomos mundiais) e da evolução de um sistema social
inclusive no que toca sua estrutura, ou seja, o modo pelo qual se comporta um
sistema ante os influxos advindos de seu ambiente. A fragmentação jurídica
acompanha amplo fenômeno ambiental e, sendo assim, o sistema jurídico foi

53 Ladeur, 1999, p. 18. Tradução minha: “N. Luhmannnão teria aceitado esta ideia pelo fato de que
segundo seu entendimento contratos e outros atos jurídicos não se encontram tão intimamente
ligados por meio de restrições de conexãoquanto os atos judiciais. Em minha opinião, todavia, essa
suposição não explora totalmente as vantagens de uma teoria jurídica baseada em redes. É também
a prática jurídica privada que mantém a produtividade da gama de variadades no bojo da „população
de ideias (jurídicas)“ (formas víaveis de contratos, experiência jurídica, confiança etc.). Aqui se
encontra o elemento mais importante, uma vez que a cooperação é um fator muito mais essencial
para a viabilidade de um sistema legal do que interpretações judiciais e sanções, especialmente em
socidades em que há um contínuo processo de mudança”.

142
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

capaz de prover respostas estruturais adequadas aos novos influxos ambientais:


o arranjo hierarquicamente planejado nas cortes (observável principalmente
nas ordens estatais) encontra órgãos decisórios cada vez mais descentralizados,
desestatalizados e não hierarquizados, relacionados a ordens diferenciadas por
sua função, não territorialmente. Em razão destas transformações ambientais, a
busca neste plano por uma nova hierarquização (a criação de uma nova “última
autoridade”) das esferas adjudicatórias do direito que poria fim a este aparente
caos de tribunais paralelos constitui-se ilusória, uma vez que o conflito poderá
estabelecer-se novamente em outros órgãos situados no mesmo plano daquele
que estabeleceria a solução “final” – assim, os questionamentos, interpretações
e decisões permanecem em latente conflito.
Neste sentido, de forma clara: entendo que a maneira não hierárquica
pela qual os órgãos decisórios têm se portado representa uma alteração na es-
trutura do sistema jurídico mundial, no bojo de um processo evolucionário his-
tórico. Assim, a contemporânea impossibilidade de hierarquização de cortes é
algo observado a partir de diversas variações ambientais, e o terreno alagadiço
pelo qual atravessa o direito mundial é decorrente das tentativas de adaptação
aos novos desafios surgidos aleatoriamente em diversas esferas. A não hie-
rarquização plena já poderia ser notada nos sistemas jurídicos regionalizados
(penso na diferença sistêmica centro/periferia, com possível hierarquização
planejada interna de tribunais), e evidencia-se na atual configuração jurídica
global com o surgimento de novos regimes. Apenas uma teoria que reconhe-
ça a pluralidade das formas jurídicas e uma dinâmica não hierárquica pode
ajudar a explicar de maneira suficientemente complexa tais movimentos, e,
por tais motivos, a orientação do presente artigo é feita com lentes inspiradas
em Luhmann. Mas, como sustentado, este reconhecimento não impede que
observemos características heterárquicas (no sentido neste texto defendido)
também nesta constelação, como será retomado.
De qualquer modo, as formações heterárquicas mundiais têm origens, ca-
racterísticas, desdobramentos e explicações singulares que não podem ser vistos
como fatos brutos e, portanto, merecem ser investigados, e é o que se fará no
próximo passo com a lanterna de autores devedores da teoria sistêmica que
buscaram explicar acontecimentos não relatados por Luhmann.

143
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

2.3 Fragmentação do direito, heterarquia


dos regimes e constituições civis
Quais seriam as razões para explicar o surgimento de novas ordens, ins-
tâncias decisórias e arranjos heterárquicos entre diferentes ordens jurídicas?
Quais seriam as “mudanças ambientais” acima mencionadas? Lescano e Teu-
bner apontam que as previsões de eventos futuros tendem a ser uma raridade
nas ciências sociais, e é ainda mais raro quando as previsões se realizam. Estes
autores sustentam que um artigo de Luhmann de 1971 constituiria grande ex-
ceção: em “hipótese especulativa”, Luhmann teria afirmado que o direito global
iria passar uma fragmentação em setores sociais (não em termos geográficos
como até então, portanto) 54. A razão seria uma transformação de expectativas
normativas para cognitivas, e esta fragmentação do direito seria efetivada du-
rante a transição de sociedades organizadas nacionalmente para uma sociedade
mundial. Pesquisas posteriores de Teubner teriam comprovado o surgimento de
novos conflitos jurídicos entre diferentes setores sociais mundiais (não entre
nações do direito internacional privado). Vinte e cinco anos depois de 1971,
constatam Fischer-Lescano e Teubner uma explosão de cortes, quase-cortes e
outros corpos resolutores de conflitos, “ainda que setorialmente limitados”55.
Cabe aqui um comentário crítico a Teubner e Fischer-Lescano. No artigo
de 1971, não estava Luhmann a tratar nem da diferenciação do direito em se-
tores funcionais e nem de uma suposta fragmentação. Com efeito, Luhmann,
apesar de em tal artigo abordar problemas relacionados ao direito e ao direito
internacional em contato com a política (desenvolve a problemática a respeito
de um estado mundial, pergunta se o direito e a política permaneceriam como
os principais portadores do risco do desenvolvimento humano, por exemplo)56,
não menciona que o direito passaria por uma radical fragmentação em setores
socias (e não mais territoriais), como aduzido pelos citados autores57. Na passa-
gem usada como referência por Teubner e Fischer-Lescano, Luhmann tratava
da diferenciação entre expectativas normativas e cognitivas e de possíveis even-

54 O artigo em tela é este: Luhmann, Niklas (1975). "Die Weltgesellschaft." Soziologische Aufklärung
2. VS Verlag für Sozialwissenschaften, 51-71.
55 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, pp. 7 ss.
56 Luhmann, 1975, p. 56.
57 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, p. 7.

144
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

tos nos quais, evolutivamente, um tipo de expectativa seria no outro tipo trans-
formado. Sustentava que as interações na sociedade mundial estruturavam-se
primariamente por expectativas cognitivas (o mote de seu artigo), bem como,
realmente em uma “hipótese especulativa”, que no âmbito da sociedade mun-
dial consolidada não seriam as normas que pré-selecionariam (vorauswahlen)
os padrões do que se reconhece (Erkennende), mas, pelo contrário, ganharia
a questão da capacidade de aprendizado (Lernfähigkeit) o primado estrutural,
sendo que as condições estruturais de aprendizado deveriam ser apoiadas em
normatizações em todos os sistemas parciais58. Assim, mesmo que se possa asse-
verar que Luhmann estivesse a especular a respeito de mudanças entre os tipos
de expectativas, Fischer-Lescano e Teubner colocam muitas palavras na boca
de Luhmann que não ali estavam.
Ainda que Teubner e Fischer-Lescano tenham utilizado o texto luhman-
niano sem o devido rigor acadêmico que seria esperado, não é sem sentido
o desenvolvimento de sua tese em relação ao que ocorre na hodierna socie-
dade mundial. Os recentes arranjos jurídicos seriam, conforme tal corrente,
resultado da formação de novos setores socialmente delimitados e da mudança
da orientação de expectativas normativas (direito, política) para as cognitivas
(economia, ciência), e haveria nestes setores, não segmentados regionalmente,
a necessidade do auxílio do direito para que possam comportar-se de maneira
mais eficiente, surgindo então formas jurídicas que prescindem do direito esta-
tal tal como se conheceu historicamente. Em termos de teoria sistêmica, deve
ser remarcado que a unidade do sistema jurídico (a aplicação do código lícito/
ilícito) mantém-se ainda que haja a presença de uma pluralidade de ordena-
mentos (estes não possuem código binário próprio). O órgão decisório, e não
importa se ligado a um estado ou não ou se supra-estatal, diz o que está ou não
de acordo com o sistema jurídico. O direito, neste sentido, preserva sua função
enquanto sistema parcial da sociedade, qual seja, a de estabilizar expectativas
normativas generalizadas59.
Investiguemos um pouco melhor o que entendem Fischer-Lescano e Teu-
bner por “heterarquia”. Tal concepção advém ao tratarem de regimes jurídi-

58 Nesse trecho, o mesmo citado por Teubner e Fischer-Lescano, utilizei de maneira proposital
praticamente as mesmas palavras de Luhmann para que fique bem nítida a posição desse pensador. V.
Luhmann, 1975, p. 63.
59 Neves, 2009.

145
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

cos autônomos da sociedade mundial e de tribunais altamente especializados,


momento em que é afirmado ser necessário um rearranjo do pensamento ju-
rídico tradicional no que tange a semântica da hierarquia60. Inspirados pelo
pensamento luhmanniano, sustentam que ocuparia em lugar da hierarquia a
diferença centro/periferia: enquanto que no centro dos regimes estariam os ór-
gãos decisórios, sua periferia seria composta por complexos de normas com as
mais diversas origens, como econômica, política ou ainda religiosa, situadas na
fronteira entre o direito e tais setores sociais61. É tal constelação jurídica, qual
seja, a de regimes compostos por centro e periferia, que denominam os autores
“heterarquia dos regimes”.
Com “heterarquia” pretendem os autores afastar-se tanto do conceito de
anarquia quanto do de hierarquia do direito para explicar as relações entre os
novos fragmentos jurídicos. Observam a ausência de alguma instância respon-
sável por prover coordenação para os diferentes fragmentos sociais e um desmo-
ronamento das formas jurídica hierárquicas, havendo chance, então, para um
direito circunstrito entre ordens jurídicas fragmentadas, sendo que a qualidade
das relações formadas estabelecerá como serão os arranjos jurídicos e as conse-
quências advindas”62. Plasma-se com isto um contexto em que apenas a noção
de um direito heterárquico seria aceitável.
As conexões entre os diferentes regimes são eventuais e espontâneas, não
coordenadas, sendo investigado no livro as colisões entre diferentes regimes.
Tratam, neste sentido, de conflitos entre os regimes donos de racionalidades
expansivas, como por exemplo a lex mercatoria, que pode colidir com regimes
jurídicos como o dos direitos humanos ou do direito ambiental. Os novos em-
bates decorreriam, enfatizo, de uma policontexturalização da função do direito,
pois os diferentes regimes provêm de diferentes setores da sociedade63.
É no bojo destes novos conflitos entre diferentes esferas jurídicas vincu-
ladas a uma setorial racionalidade instrumental expansiva que autores como

60 Fischer-Lescano; Teubner, 2006. A crítica dos autores à tradicional hierarquização perpassa todo o
livro. Observe-se, por exemplo, as páginas 10 ss, bem como 48 ss.
61 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, p. 48: “(...) Eine weitere Umstellung des Rechtsdenkens wird dadurch
erforderlich. Was aber tritt an die Stelle einer Rechtsnormenhierarchie? Die Differenz Zentrum/
Peripherie”. Tradução minha: “(...) Um posterior rearranjo do pensamento jurídico torna-se com isso
recomendável. Mas o que ocupa o lugar da hierarquia de normas? A diferença centro/periferia”.
62 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, p. 57.
63 Idem, pp. 48 ss., 72 s.

146
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

Neves (transconstitucionalismo)64, Koskenniemi (expansão de uma mentalida-


de constitucionalista) 65 e Teubner (direito intersistêmico de colisão) buscam
alternativas para explicar e tratar problemas decorrentes. Para este último au-
tor, as colisões não apenas ocorrem como já se notava no direito internacional
privado, uma vez que, além de estados, estão envolvidos setores sociais globais
com racionalidades sociais diferentes e conflitantes66, como mencionado, e não
existe uma meta-ordem constitucional mundial capaz de resolvê-las.
Os casos das quebras de patentes dos retrovirais para HIV/AIDS que
ocorreram na África do Sul e no Brasil são paradigmáticos da colisão por
Fischer-Lescano e Teubner narrada: de um lado, o direito à liberdade dos labo-
ratórios em cobrar o preço que quiserem pelos seus produtos e, de outro, além
do abuso econômico nesta cobrança, a garantia de direitos fundamentais como
vida e saúde para milhões de pessoas. Instaurado o conflito, colidem regimes
jurídicos estatais (como Brasil contra EUA) e não estatais, estes com foros
de decisão em entidades díspares e situadas num mesmo plano hierárquico,
qual sejam, a OMC e OMS67. Fica clara aqui a insuficiência de um modelo
hierárquico: qual seria o tribunal responsável para decidir entre duas eventuais
decisões díspares oriundas da OMC e da OMS? A mera criação de um novo
tribunal não seria um instituto fadado ao fracasso, na medida em que este
suposto novo tribunal poderia ir de encontro a um terceiro ou quarto, todos
situados no mesmo plano hierárquico?
Teubner e Fischer-Lescano são dois dos autores que com mais acuidade
realizaram o diagnóstico das novas ordens jurídicas que surgiram em meio aos
novos arranjos sistêmicos mundiais, apresentando-as como portadoras de uma
estrutura horizontalmente disposta de maneira que não há um esquema hierár-
quico que remeta a algo como uma Grundnorm como pode ser notado modelo
kelseniano. Demonstram ainda com acuidade o surgimento de novos confli-
tos entre ordens mundiais, sendo que Teubner oferece reflexões interessantes
quando apresenta a noção de “direito intersistêmico de colisão”68, desenvolvido
com Fischer-Lescano.

64 Neves, 2009. Tratarei desta noção mais adiante.


65 Por exemplo, em Koskenniemi, 2006.
66 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, pp. 7 ss.
67 Para uma análise, v. Teubner, 2006, bem como Fischer-Lescano; Teubner, 2006, pp. 73 ss.
68 Teubner, 2007, p. 120.

147
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

Se, de um lado, fazem um diagnóstico adequado dos movimentos contem-


porâneos ao não observar qualquer arranjo portador de alguma norma hipotéti-
ca fundamental ou de uma arquitetura hierarquizada, ou seja, se não estão pre-
sos à esquemática kelseniana, de outro, convencem pouco ao aproximarem os
eventos mundializados do movimento constitucional ou das formulações har-
tianas. Isto porque ambos os autores veem o surgimento de constituições civis
em diversos setores da sociedade mundial, bem como identificam a presença de
normas de reconhecimento em cada um destes novos regimes. Passo a discorrer
acerca das origens e sobre a formulação dos citados autores, cujas insuficiências
serão detalhadas em seguida.
Luhmann, apesar de ter afirmado que não há correspondente no plano
mundial para a constituição como acoplamento estrutural entre direito e políti-
ca69, afirma ser imprescindível em qualquer processo de juridificação a existên-
cia de normas constitucionais como forma de tratamento do paradoxo da au-
toconstituição do direito, a saber, a pergunta em relação à licitude da diferença
lícito/ilícito70. Assim:

“(...) Nur darf keine Selbslbeschreibung zugelassen werden, die die Frage
aufwirft, ob der Code selbst Recht oder Unrecht ist. Das darin liegende
Paradox muß unsichtbar bleiben. Aber damit werden die Fragen nur
abgeschnitten, die dennoch hin und wieder gesteIlt werden können und
insbesondere bei radikalen Veränderungen des Gesellschaftssystems
an die Oberfläche drängen. Die Idee der Verfassung ist ein darauf
antwortendes Enlparadoxierungskonzept.” (Luhmann, 1990, 186)71

Pesquisadores de matriz luhmanniana possuem, nesse sentido, argumen-


tos favoráveis e contrários à concepção de uma constituição não estatal em
contextos modernos, uma vez que Luhmann não discorreu sobre este tema em
detalhes. Há, contudo, que se ressaltar que Luhmann reconhece a existência de
formas de direito que não possuem constituição enquanto aquisição evolutiva

69 Luhmann, 1995a, p. 196.


70 Luhmann, 1990; Holmes, 2011.
71 Tradução minha: "Apenas não pode ser admitida nenhuma autodescrição que lance a questão de se o
código seria, em si mesmo, lícito ou ilícito. O paradoxo subjacente deve permanecer invisível. Mas as
questões seriam apenas fatiadas e poderiam ser ainda colocadas novamente, sendo que tais questões
viriam à tona sobretudo com mudanças radicais do sistema social. A ideia da constituição é um
conceito desparadoxicalizador que responde a isto".

148
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

moderna, tais como o direito arcaico, o direito das altas culturas pré-moder-
nas, bem como, ainda, o direito internacional público. De qualquer maneira, a
questão da existência de constituições em outras formas modernas de direito,
as quais não foram abordadas por tal autor, permanece para muitos. Assim, o
reconhecimento de constituições em outros setores do direito moderno pode
ser feita através de uma leitura meramente influenciada por Luhmann, mas não
típica e fundamentalmente luhmanniana, portanto.
Teubner sustenta que as constituições civis nascidas em movimento cons-
titucionalista desestatalizado comporiam regimes que possuiriam regras secun-
dárias hartianas, com a consequente existência de uma regra de reconhecimen-
to72, ou seja, nestas normas secundárias estariam as respectivas constituições, as
quais dariam validade às formas jurídicas. Este seria o mecanismo encontrado
pelos regimes autônomos para prover a resposta ao paradoxo da codificação do
direito, sendo que os regimes devem estabelecer formas para realizar auto-ob-
servação de segunda ordem, ou seja, para que se tornem possíveis os processos
de reflexão e reflexividade73. As “constituições civis” (não estatais, portanto)
são para tais autores acoplamentos estruturais entre o direito e seu ambiente
político mundial descentralizado (dezentraler Weltpolitik), ou seja, entre direito e
segmentos da sociedade como economia, esporte e informática.
Reconheço que há entrelaçamento entre o direito e domínios específicos
da sociedade mundial, mas a tese de “constituições civis” (constituição civil
do regime da economia, constituição civil do regime da informática) deve ser
rechaçada: em primeiro lugar, não se observa em plano mundial mínimas se-
melhanças entre o processo constitucionalista experimentado estatalmente e
o observado em ordens civis altamente excludentes e especializadas (v.g. lex
mercatoria, lex digitalis) – ora, a constituição é uma aquisição evolutiva da
sociedade74, e uma semântica constitucional não pode ser artificialmente for-
mulada; em segundo lugar, a teoria sistêmica luhmanniana não apresenta o
direito estruturalmente acoplado apenas através de constituições. Por exemplo,
a teoria do direito e contratos são respectivamente acoplamentos estruturais
entre direito e ciência e direito e economia – quero dizer que nem todo acopla-
mento estrutural é uma constituição, como não o é a cópula entre o direitos e

72 Teubner, 2007, pp. 138 ss.


73 Holmes, 2011.
74 Luhmann, 1990.

149
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

os setores sociais especializados. Os autores obviamente não precisariam seguir


Luhmann, mas não há razão em se utilizar da pesada semântica constitucio-
nalista para tratar de um fenômeno tão novo e diverso, ou seja, ainda que as
recentes formações configurem-se realmente novos acoplamentos estruturais,
não são constituições tais como as entendemos75.
Fischer-Lescano sustenta que seria Luhmann por demasia europeizado
quando enxerga constituições apenas como acoplamentos estruturais entre
política e direito76. Ora, mas se Luhmann errou ao concentrar-se demais nos
desenvolvimentos jurídicos europeus, argumento bastante razoável, por que en-
tão utilizar-se também de uma das mais importantes semânticas europeias para
analisar novas relações jurídicas mundiais?
No que tange a teoria sistêmica, algumas críticas devem ser aqui dirigi-
das. Se o paradoxo da autovalidação do direito (a afirmação “o direito é lícito”)
precisa de alguma forma ser desdobrado, como procedem os direitos estatais ao
validarem-se por sustentar que um direito é lícito em razão de ser subordinado à
constituição, devem ser encontradas respostas satisfatórias que ultrapassem uma
equivalência funcional entre os direitos estatais (constituição como acoplamen-
to estrutural entre direito e política) e os novos regimes (constituições civis), ou
seja, se há realmente tal desparadoxalização no bojo dos novos regimes, ela em
nada se parece com constituições estatais, sejam elas escritas ou não.
Ao que me parece, tais formas jurídicas parecem-se mais com o direito do
hipotético rei Rex I apontado por Hart em função da vinculação do direito com
o, digamos, soberano que o comanda77. Ora, poderiam até mesmo ser identifica-
das regras de mudança e julgamento, mas a regra de reconhecimento hartiana
exigiria um complexo movimento histórico, jurídico e social sem qualquer pa-
ralelo com os regimes globais e, portanto, parece-me uma apropriação indevi-
da de um conceito no anseio legítimo de prover respostas e arsenal semântico
aos arranjos sociais que inevitavelmente estão a um passo à frente da teoria78.
Parece-me ainda que as ordens jurídicas autônomas são direito sob o ponto de

75 V. em Neves, 2009, críticas no sentido exposto.


76 Ficher-Lescano, 2007, pp. 99 ss.
77 Regra de reconhecimento enquanto complexa concordância costumeira de cortes, oficiais e
indivíduos em identificar o direito referindo-se a determinados critérios segundo Hart, 1994, p. 110.
Sobre o reino de Rex, constituído por regras primárias, v. Hart, 1994, pp. 50 ss.
78 No diapasão de novas formações, constituições civis e mudanças semânticas, v. Holmes, 2011, p. 120.

150
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

vista da teoria sistêmica, mas caberia a seguinte pergunta: se não possuem a re-
gra de reconhecimento, como afirmo, poderíamos dizer que tais regimes podem
ser concebidos como “direito” se forem adotados os óculos hartianos? Quero
dizer, a utilização da teoria hartiana não pode ou não poderia ser realizada de
maneira tão imediata.

3. Horizontes e limites de novas e novas velhas semânticas


A evolução do sistema jurídico, motivada pelo aumento de complexida-
de ambiental, está em curso e notam-se mudanças estruturais, entre as quais
destacamos novas ordens jurídicas desvinculadas dos estados, novas formas
de relacionamento entre os tribunais e ainda novas instâncias decisórias – a
teoria da evolução, atada ao acaso79, ajuda a entender as novas formações.
São inegavelmente novas ordens, uma vez que orientam e estabilizam as ex-
pectativas normativas com força cogente, com processos jurídicos e normas
específicas para tanto – são mais parecidas, talvez, com o direito internacional
da forma pela qual este era visto por exemplo por Kelsen em razão de sua difu-
são (não diria que primevo por isso), em muitos casos com uma inegável força
impositiva, como nota-se das decisões de um tribunal como o de Lausanne no
contexto da lex sportiva.
A estrutura altera-se, mas ainda há déficits relacionados à abordagem e ao
tratamento semântico destes novos arranjos – construções como o “transcons-
titucionalismo” e o trabalho de Teubner e Fischer-Lescano demostram o esforço
acadêmico para explicá-los. Mostrarei a partir deste momento duas explicações
relacionadas à temática apresentada: em primeiro lugar, a persistente explicação
hierárquica dos novos fenômenos; em segundo lugar, uma alternativa teórica
que identifica e propõe saídas aos desafios decorrentes da heterarquia jurídica
e que pode ser usada simbolicamente, qual seja, o transconstitucionalismo. No
próximo tópico, apresentarei paradoxos em que se encontram as constelações
jurídicas contemporâneas, como sua heterarquia hierárquica.

79 Como referido, acontecimento sem conexão causal com o passado e o futuro do sistema. Realizado,
há modificação da estrutura, consciente ou não segundo Luhmann, 2008, p. 23.

151
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

3.1 Persistência das explicações hierárquicas


Entendo que o recurso hierárquico e monista não pode explicar adequa-
damente as questões atualmente postas ao direito, por motivos já apresentados.
Entretanto, abordagens dos recentes eventos através de modelos escalonados
permanecem. Apresento alguns a seguir.
O paradigma kelseniano é retomado por Jestead, o qual nega a existência
de diversas ordens jurídicas ao sustentar que há apenas diferentes possibilidades
de interpretação, com a existência de somente uma única ordem jurídica de
acordo com a escolha do intérprete. Assim como Kelsen, a escolha de determi-
nada ordem monista (que proveria o fundamento de validade normativo hierar-
quicamente) para orientar a interpretação é tida como uma decisão de cunho
político; defende, ainda, ampliando Kelsen, uma teoria de “acoplamentos nor-
mativos” entre diferentes sistemas jurídicos na qual existiria uma multiplicidade
de interpretações do direito80. Habermas, por seu turno, defende uma política
interna mundial sem um estado mundial central, com o rearranjo da ONU e
com um direito constitucional mundial81. Há os que entendem que a Corte
Internacional de Justiça deveria preservar a unidade do direito internacional
em caso de conflito de jurisdição82; para certas formulações, a carta da ONU

80 Neves, 2009, pp. 122 ss. Neves critica Jestead por entender que sua concepção não pode ser sustentada
nem se se partir do ponto de vista kelseniano nem se se partir da teoria dos acoplamentos entre
sistemas. Neves, contudo, refere-se ao monismo como “cego” e “autista”, o que considero termos
indevidos em uma reflexão no campo jurídico – fenômenos naturais estudados pela medicina como a
cegueira ou o autismo são fatos biológicos insuscetíveis de valoração, com o risco de tornar pejorativos
os nomes dados a tais ocorrências (v. tb. p. 51).
81 Habermas, 2008, pp. 359; 380.
82 Assim o então presidente da Corte Internacional de Justiça Stephen M. Schwebel (1999): “Concern
that the proliferation of international tribunals might produce substantial conflict among them, and
evisceration of the docket of the International Court of Justice, have not materialized, at any rate
as yet. A greater range of international legal fora is likely to mean that more disputes are submitted
to international judicial settlement. The more international adjudication there is, the more there
is likely to be; the "judicial habit" may stimulate healthy imitation. At the same time, in order to
minimize such possibility as may occur of significant conflicting interpretations of international
law, there might be virtue in enabling other international tribunals to request advisory opinions
of the International Court of Justice on issues of international law that arise in cases before those
tribunals that are of importance to the unity of international law”. Tradução minha: "Considerando-
se que a proliferação de tribunais internacionais pode produzir conflito substancial entre eles, bem
como que a evisceração do rótulo da Corte Internacional de Justiça não foram materializadas em
nenhum nível até o momento". Sobre os “riscos” da fragmentação, segundo Hafner, 2000, p. 149
ss: “In the light of the growing factual integration of the world community on the one hand, and

152
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

já seria uma constituição mundial83 ou haveria a necessidade de se produzir tal


constituição mundial84. As justificativas são diversas para recusar tais aborda-
gens, insuficientemente complexas.
Em primeiro lugar, ainda que, digamos, instituam-se diversos tribunais
de abrangência mundial para as matérias possivelmente conflituosas advindas
dos estados ou dos regimes autônomos, dispostos de maneira escalonada, os
níveis que em um primeiro momento poderiam parecer organizados de maneira
hierárquica não o seriam na medida em que se mostra inevitável o estabele-
cimento de um complexo relacionamento entre as diferentes instâncias, com
a formação de uma teia de hierarquias, como bem mostra a noção de “hierar-
quias entrelaçadas” mencionada por Hofstadter e retomada por Neves, 2009.
Padece a pretensão hierarquizante das insuficiências já apontadas a respeito do
recurso à “última autoridade”.
No que toca a pretensão internacionalista e mundial da constituição,
anota-se a inexistência no âmbito de qualquer organismo internacional, mesmo
um do porte da ONU, de algo análogo política e juridicamente aos estados que
passaram por um movimento constitucionalista. Neste sentido, por exemplo,
a Assembleia das Nações Unidas é um órgão não eminentemente legislativo e
composto em sua esmagadora maioria por países não democráticos; o principal
órgão legislativo da ONU (e o mais central órgão político desta organização)
é o excludente Conselho de Segurança. Não há, também, como aduz Galindo,
nada semelhante a uma constituição em plano mundial, sendo que muitas das

the proliferation of subsystems on the other, it is to be expected that the need to take measures to
ensure the unity of the international legal order will increase”. Este autor remarca, no entanto, o que
se segue sobre o possível papel da CIJ enquanto entidade harmonizadora do direito internacional:
“However, one has to bear in mind that on the one hand, as yet, the Court does not possess this
competence, on the other this means could only produce this effect ex post, i.e. after a conflict has
arisen”. Este autor sugere, então, que a comissão estimule e sugira aos estados estratégias para evitar
conflitos de normas, com a elaboração de um check-list para tanto e mesmo um certificado de que
determinado instrumento legal não trará efeitos negativos aos regimes já existentes (Hafner, 2000, p.
150). Tradução minha: “De um lado, sob a perspectiva do crescimento da integração da comunidade
mundial que ocorre factualmente, e, de outro, levando-se em conta a proliferação dos subsistemas
jurídicas, pode-se esperar que a necessidade de se tomar medidas para assegurar a unidade da
ordem jurídica internacional crescerá (...) Contudo, tem-se de ter em mente que se, de um lado, por
enquanto, a Corte não possui tal competência, por outro lado significa que poderia ser produzido
apenas esse efeito ex post, ou seja, após o surgimento de um conflito”.
83 Fassbender, 1998, pp. 529 ss.
84 Bryde, 2005.

153
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

defesas de uma constitucionalização do direito internacional tendem a ser gran-


des narrativas do progresso por vislumbrar como desenvolvimento “natural” a
existência de constituição mundial tal como se observou no âmbito estatal85.
Em terceiro lugar, e talvez aqui resida o mais evidente argumento, a ten-
tativa de conferir unidade normativa ao direito global está fadada ao fracasso:
a fragmentação da sociedade mundial é radical demais para que sua apreensão
ocorra através de reducionismos como os de cunho jurídico, econômico, polí-
tico ou cultural que pretendam dar unidade ou explicar de forma monocausal
o que ocorre, e a fragmentação jurídica (que deve continuar a ocorrer) é tão
somente um dos efeitos desta fragmentação multidimensional, uma expressão
de profundas contradições da sociedade86.
Neste sentido, tendo em vista o pano de fundo de uma sociedade sem
um referencial único, sem uma metanarrativa ordenadora e com múltiplos
regimes em colisão, a busca por harmonia, “coerência” e “consistência” nos
planos horizontal ou vertical de sistemas jurídicos heterarquizados é uma cor-
rida completamente desesperançada, como tentar superar os limites da própria
linguagem. Jogos de linguagem são múltiplos, o que não quer dizer que sejam
concordes. Como exemplo dos que tentam conferir (desesperadamente) sime-
tria ao assimétrico, há Maduro, que chega a apresentar princípios para que
se alcance a propalada “harmonia”87. Semânticas como esta subvalorizam os
fenômenos contemporâneos e, portanto, não conseguem abordá-los de forma
suficientemente complexa.

3.2 Transconstitucionalismo e seu uso simbólico


O transconstitucionalismo de Neves é, ao contrário de outras abordagens,
uma que possui nas formas heterárquicas do direito o pano de fundo de muitas
de suas formulações, bem como é por elas orientado para proceder a análise das
maneiras pelas quais diversas ordens processam tais arranjos não hierárquicos.
O crescente surgimento de novas cortes ou quase-cortes, mudança evo-
lucionária estrutural, também faz com que estas e as cortes já existentes adap-
tem-se à relatada fragmentação – por exemplo, uma corte estatal não conta

85 Galindo, 2010, pp. 160 ss.


86 Fischer-Lescano; Teubner, 2006, p. 24.
87 Maduro, 2003, pp. 528 f.

154
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

apenas com as clássicas leis estatais como suporte decisório, e mesmo ela deve
de alguma maneira considerar uma decisão (já ocorrida ou não) que esteja
fora de sua margem territorial de competência, a exemplo do que acontece na
Europa com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos e na América com o
Tribunal de Justiça Andino, bem como nas relações entre tradicionais cortes
e decisões oriundas de regimes como a lex sportiva ou digitalis e entre os tribu-
nais de regimes parciais.
Não apenas surgem novas cortes como também a interpretação jurídica e
as decisões judiciais provindas de órgãos decisórios existentes transformam-se,
como desenvolvido por Neves no livro Transconstitucionalismo. Segundo esta
teorização, que, portanto, reconhece a pluralidade e o policentrismo de ordens
jurídicas em plano global, acontecem diálogos constitucionais entre diferentes
cortes (e também entre outros órgãos estatais) para a resolução de problemas
comuns (abertura normativa), que inclusive devem ser incentivados, diálogos
que paradoxalmente podem fortalecer a identidade dos ordenamentos – como
compreendo, Neves é tanto descritivo quanto normativo88.
Diferentemente do apontado por alguns pesquisadores89, não entendo
que o diálogo dependa meramente de postura “moral” ou “ética” por parte
do julgador, uma vez que este se depara com um arsenal argumentativo incre-
mentado em face de outras decisões e casos “externos”, exigência cuja fonte
pode ser encontrada na provocação dos litigantes, em decisões de outros planos
jurídicos já existentes e em irritações advindas dos meios de comunicação de
massa. O transconstitucionalismo é, mais do que baseado em posturas indivi-
duais isoladas, um fato observável em escala global e também proposta de pro-
cessamento de questões inerentes à fragmentação do direito, como o problema
da vinculação irrestrita de cortes a uma racionalidade parcial e expansiva. A
questão, assim, não me parece adequadamente trabalhada se adstrita a uma
personificação dos julgadores, ou seja, se forem supervalorizadas os traços psi-
cológicos de quem julga, uma vez que o mais significativo para a explicação do
funcionamento do sistema jurídico é a observação das comunicações jurídicas
já ocorridas, ou seja, decisões materializadas.

88 Neves, 2009. “Normatividade” deve ser entendida aqui como reconhecimento de pretensões jurídicas
da sociedade em determinado sentido, não como uma posição apriorística do autor.
89 Entre os quais Fábio Almeida, em artigo publicado neste volume.

155
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

Contudo, e aqui reside um ponto problemático do transconstitucionalis-


mo: o “diálogo” transconstitucional pode não ocorrer ou ser usado de maneira
instrumental e simbólica, uso em que o direito alheio transveste-se de orna-
mento acaciano das decisões. Ora, constituições simbólicas foram instrumen-
tos de invisibilização de graves problemas em diversos países, em especial o da
exclusão90. Analogamente, pode haver transconstitucionalismo simbólico se as
decisões referirem-se umas às outras com o intuito bacharelesco e oportunista,
sem avaliar a decisão de outro tribunal ou considerar suas razões. Em casos
assim, a abertura ao externo torna-se símbolo dum tribunal ligado a problemas
mundiais, sem que isto de fato aconteça.
Parece-me que a noção de heterarquia tal como apresentada neste artigo
aparece também aqui como uma sombra que acompanha as dinâmicas trans-
constitucionais da sociedade mundial. A possiblidade de um uso simbólico do
transconstitucionalismo liga-se à questão da heterarquia pelo fato de ainda po-
der a primazia de arranjos, jurídicos ou não, influenciar de tal modo o momento
de processamento de problemas transconstitucionais que se tornam invisíveis
procedimentos fundamentais que contribuíram para o eventual resultado. As-
sim, a relação de premência de determinada formação (não necessariamente ju-
rídica) mostra-se ainda nos casos em que os problemas constitucionais estariam
sendo aparentemente trabalhados de maneira aberta, ou seja, não encurralada
por apenas um ponto de partida.
Denunciar uma retórica vazia não basta, uma vez que o recurso trans-
constitucional pode servir como símbolo escamoteador de decisão inconsisten-
te e fechada, que busca não processar adequadamente a questão. Neste sentido,
pode o transconstitucionalismo (que poderia ser oxigenação de racionalida-
des estritamente compartimentadas e ajuda na solução de problemas comuns)
configurar-se como mais um dos meios para que o direito fique à mercê da
racionalidade parcial a que está vinculado e que muitas das vezes destina-se à
corrupção do código jurídico ao esconder fundamentos não jurídicos da deci-
são e, assim, o falso diálogo pode enfraquecer paradoxalmente a identidade do
sistema em claustro. Um efeito, portanto, em sentido diametralmente oposto ao
que foi sugerido por Neves.

90 Sobre constitucionalização simbólica e semântica “simbolista” negativamente tal qual aqui empregada,
v. Neves, 2007b. Podem existir reflexos positivos de uma postura transconstitucionalista simbólica,
observada a ambivalência deste termo? Talvez, mas isto demandaria uma nova investigação.

156
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

O voto do ministro-relator Eros Grau (seguido por sete outros ministros)


no julgamento no STF brasileiro da ADPF 153 representa caso de transconsti-
tucionalismo simbólico. Grau cita jurisprudências de estados latino-americanos
como Chile (§47), Argentina (§48) e Uruguai (§49) a respeito do controle de
suas leis de anistia, mas distorce a história jurídica destes países e da América
Latina e desconsidera ações de outras cortes constitucionais e internacionais
a fim de legitimar sua argumentação. Esclareço: em primeiro lugar, há na his-
tória latino-americana casos de punição a supostos “anistiados” (caso de A.
Fujimori), bem como toda uma jurisprudência da CIDH relativa ao tema, como
o caso do massacre de Las Dos Erres na Guatemala de Ríos Montt, caso Al-
monacid no Chile ou o caso Barrios Alto no Peru91. Tudo isso foi sonoramente
ignorado por Grau. Em segundo lugar, é uma distorção afirmar, como procede
Eros Grau, que na Argentina92 “a revisão das leis de anistia foi procedida pelo
Poder Legislativo”. É certo que a lei 25.779/2003 pretendeu anular as leis de
anistia anteriores (“Punto Final”e “Obediencia Debida”), mas foi imprescindível
a decisão de 2005 da Suprema Corte, em processo que começou em 2001 com a
decisão do juiz federal Gabriel Caballo (caso de Simón), para que as leis fossem
anuladas. Embora apreciada, a lei de 2003 não era o suporte da decisão de 2005,
e sim ordenamentos internacionais e sua constituição93. A fundamentação de

91 Corte Interamericana de direitos humanos. Caso de Las Dos Erres Vs. Guatemala, em sentença de
24 de novembro de 2009; Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Almonacid e outros
v. Chile. Sentença de 26 de Setembro de 2006. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso
Barrios Altos v. Peru. Sentença de 14 de março de 2001.
92 Será focalizado o caso argentino, mas a demonstração poderia ter sido o do chileno ou uruguaio.
93 AMNISTÍA. Ref. : Punto final. Obediencia debida. Derechos humanos. Tratados internacionales.
Convención Americana sobre Derechos Humanos. Pacto internacional de Derechos Civiles y Políticos.
Si bien el art. 75, inc. 20 de la Constitución Nacional mantiene la potestad del Poder Legislativo para
dictar amnistías generales, tal facultad ha sufrido importantes limitaciones en cuanto a sus alcances.
Las leyes 23.492 y 23.521 que, como toda amnistía, se orientan al "olvido" de graves violaciones a los
derechos humanos, se oponen a las disposiciones de la Convención Americana sobre Derechos Humanos y
el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, y resultan constitucionalmente intolerables (arg. art.
75, inc. 22, Constitución Nacional). (Simón, Julio Héctor y otros s/ privación ilegítima de lalibertad,
etc. (Poblete) -causa N° 17.768-. S. 1767. XXXVIII.; ; 14-06-2005; T. 328 P. 2056) [grifei]. Observa-
se que a Corte Suprema em momento nenhum entendeu que sua competência seria dependente da
manifestação anterior do legislativo. Este foi o voto da maioria. Tradução minha: "ANISTIA. Ref.:
Ponto final. Obediência devida. Direitos Humanos. Tratados internacionais. Convenção Americana
sobre direitos humanos. Pacto internacional de direitos civis e políticos. Ainda que o art. 75, inc.
20, da Constituição Nacional mantenha o poder do Poder Legislativo para ditar anistias gerais, tal
faculdade sofreu importantes limitações no que tocam seus alcances. As leis 23.492 e 23.521 as quais,
como toda anistia, orientam-se ao “esquecimento” de graves violações de direitos humanos, opõem-se às

157
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

Grau, portanto, configura um uso distorcido, instrumental e poroso de decisão


externa, não para fortalecer sua decisão ou como meio de observação e apren-
dizagem, mas apenas para legitimar tortamente sua alegação e simbolizar uma
postura aberta ao alheio.

4. Heterarquias hierárquicas: paradoxos


dos novos arranjos jurídicos mundiais
Foi afirmado até aqui que a visão de uma hierarquia apriorística entre
tribunais e leis ou entre tribunais é pouco complexa para explicar o sistema
jurídico, ainda mais se consideradas as mudanças pela qual atravessa o direito
mundial. Foram apresentadas, ainda, teorias que tentariam explicar estes re-
centes arranjos com semântica apropriada, as quais procuram mostrar-se como
não portadoras das características hierárquicas encontradas em outras teorias.
Entendo que, apesar disto, pode ser notada uma persistente presença de arran-
jos ainda hierárquicos. Tal como proposto no presente artigo, o termo “hete-
rarquia”, se atentada a composição etimológica desta palavra, já apresentada na
introdução, dispensaria uma composição do tipo “heterarquias hierárquicas”,
uma vez que se observa aqui um fluxo de primazias que pode ser encontrada
nas dinâmicas das ordens jurídicas e que é diferente da tradicional hierarquia.
Mantém-se tal expressão, contudo, para os efeitos deste texto em função da
secular importância da noção de hierarquia para o direito e para teorias polí-
ticas. Em uma etapa posterior, em que já estariam pressupostas as razões aqui
elencadas, seria possível o uso apenas do verbete “heterarquia”. Passo a elucidar
as primazias, as paradoxais hierarquias da heterarquia.
Em primeiro lugar, pode-se afirmar que a assimetria luhmanniana entre
o “centro” e a “periferia” de um sistema social possui reminiscências hierár-
quicas94. Isto se deve à constatação de que em sua teoria os órgãos decisórios

disposições da Convenção Americana sobre direitos humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, e resultam constitucionalmente intoleráveis (pelo argumento do art. 75, inc. 22 da Constituição
Nacional). (Simón, Julio Héctor y otros s/ privación ilegítima de lalibertad, etc. (Poblete) -causa N°
17.768-. S. 1767. XXXVIII.; 14-06-2005; T. 328 P. 2056)" [grifei].
94 Para uma reflexão acerca da diferença sistêmica centro/periferia, v. Holzer, 2007, pp. 360 ss. V. Fuchs,
1992, pp. 60 ss. acerca da sociedade moderna policontextural, hipercomplexa e heterárquica, em uma
estrutura assimétrica.

158
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

possuem um papel fundamental demais para que se possa concebê-los como no


mesmo plano da periferia, haja vista sua função no processamento do paradoxo
da unidade do sistema jurídico, o que conduz a duas importantes consequências:
1) A constatação de que os programas periféricos servem para orientar a defi-
nição do código lícito/ilícito, o que é atribuição dos tribunais; 3) A capacidade
de modificação do que se encontra na periferia do sistema (como os termos de
um contrato) pelos centros decisórios95. Embora num arranjo de observações
recíprocas, a periferia do sistema é funcionalmente subordinada ao centro.
Se é verdade que não é uma diferença de posição ou de relevância so-
cial96, a evidente assimetria entre o centro do sistema jurídico e sua periferia
(observado assim o relatado poder intrassistêmico dos órgãos decisórios) per-
faz em termos relevantes ao funcionamento, reprodução e unidade do sistema
jurídico (portanto, ao que toca o interior deste sistema) uma visão com remi-
niscências hierárquicas e, assim, torna-se insuficiente apenas a constatação de
“assimetrias” entre centro a periferia. Entendo que Luhmann não apresenta
uma formulação hierárquica tradicional do direito, como demonstrado neste
artigo, mas o mais adequado seria o reconhecimento de uma heterarquia para-
doxalmente hierárquica: há uma hierarquia funcional aliada a uma heterarquia
posicional (há o já relatado círculo cibernético de observação recíproca entre
centro e periferia) e social. O centro e a periferia do sistema, mesmo que não
seja adotada a citada crítica de Ladeur e opte-se por manter a esquemática luh-
manniana, são igualmente importantes para que o direito cumpra sua função de
orientar as expectativas normativas contra-factuais da sociedade, mas o papel
dos tribunais enquanto estruturas do sistema jurídico é funcionalmente inalie-
nável, ao contrário do que se situa na periferia do sistema. Obviamente não se
pode falar com sentido em sistema jurídico sem periferia ou sem centro, mas a
inexistência de alguns arranjos periféricos (digamos, uma ordem jurídica com
leis que não permita a realização de contratos) não inviabiliza o funcionamento
do sistema jurídico. Sem órgãos decisórios, no entanto, não há sistema jurídico.
Este primeiro argumento de natureza teórica é paralelo à também para-
doxal heterarquia do direito mundial fragmentado. Como exposto, Teubner e
Fischer-Lescano sustentam neste contexto que as cortes decisórias ocupariam o
centro do sistema jurídico e outras formações jurídicas dos regimes autônomos,

95 Luhmann, 1983, pp. 55; 67; 92 ss.


96 Luhmann, 1995a, p. 323.

159
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

sua periferia. Aqui, a relação com contornos hierárquicos provém não do centro
dos regimes jurídicos, mas de algo mais próximo à sua periferia, pois os setores
sociais que necessitam do direito e fazem com que surjam as mencionadas ordens
globais são os que na atual configuração ditam os rumos dos regimes parciais e
de suas decisões. Se é verdade que se pode também aqui se falar na presença de
direito, não parece o mais adequado a sustentação de regimes autônomos.
Neste sentido, anoto que ainda não há uma posição seguramente não he-
terárquica no caso das novas instâncias decisórias vinculadas a ordens jurídicas
não estatais (como arbitragens da lex mercatoria ou o ICANN), uma vez que,
na atual configuração, não passam elas de instrumentos de racionalidades es-
pecíficas de cada esfera e, assim, as formas jurídicas e os tribunais destas ordens
são componentes indiferenciados da estrutura sistêmica a serviço de interesses
não fundamentalmente jurídicos, como a eficiência econômica ou a paridade
esportiva97. Não ignoro o fato de que, no momento em que autores como Teu-
bner e Fischer-Lescano dissertam sobre a horizontalidade e a pluralidade dos
regimes jurídicos, estão a tratar de sua posição em relação a si mesmos e aos
tribunais estatais, bem como da posição destes no sistema jurídico. Mas esta
reflexão dirige-se a outro plano. Notam-se nestes regimes e em suas cortes pres-
sões políticas, econômicas e sociais advindas dos setores sociais que ocasionam
uma corrupção estrutural – o que é considerado por Teubner98 – permanente
e que, neste sentido, subordinam as novas formas jurídicas a uma autoridade
(ainda que muitas vezes difusa). As novas instâncias decisórias foram criadas
apenas para processar questões jurídicas com o fim de não comprometer o de-
sempenho do fragmento específico.
Além disso, a racionalidade expansiva de tais regimes não pode ser sub-
valorizada (e não quero com isso dizer que necessariamente o é pelos autores
tedescos). Não é por outro motivo que a OMC afasta a aplicação em seu âmbito
de tratados de outros regimes jurídicos que não tenham sido assinados por to-
dos seus membros, como, por exemplo, ocorreu no caso da proibição de impor-
tação de carne com hormônios (informe da Corte de Apelação de 16 de janeiro

97 Em termos próximos, Neves, 2009, p. 112.


98 Teubner, 2003/04, p. 17, menciona o risco da corrupção estrutural (como no caso da lex electronica)
em setores privados.

160
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

de 1998)99. E isto não apenas ocorre com a economia: o regime concernente


aos direitos humanos também possui pretensões de omniabarcamento de todos
os conflitos sociais. Neste sentido, as racionalidades destes regimes tendem a
ver todos os problemas do mundo como assuntos que lhes concernem, com o
consequente bloqueamento das outras racionalidades100. Seria uma espécie he-
terárquica de hierarquia por oposição101: os regimes tendem a observar-se como
superiores uns aos outros e, neste diapasão, já se constataram atitudes hierárqui-
cas (que visam a hegemonia) por parte de sistemas em um primeiro momento
situados em uma posição horizontal. E o direito encontrado nestes fragmentos
sociais existe atualmente para satisfazer estas pretensões expansivas.
Apesar disto, da forma como vejo, apenas as próprias cortes de regimes
parciais dotados de racionalidades expansivas que ameaçam colonizar todas
as esferas jurídicas e que fazem hoje dos órgãos decisórios seus instrumentos
constituem-se, paradoxalmente, o setor que mais condições reúne para impul-
sionar a responsividade dos respectivos fragmentos102, uma vez que podem con-
ferir algum tipo de abertura a estes ordenamentos mais fechados e excludentes
que os estatais, com a observação de outras ordens e racionalidades. É difícil
conceber que, por exemplo, empresas vinculadas às exigências imediatistas pró-
prias das bolsas de valores concederiam amplas razões a outras racionalidades
que contrariassem frontalmente seus objetivos de lucro, mas não é tão difícil
cogitar que um órgão judicante da lex mercatoria possa considerar argumentos
oriundos, por exemplo, de uma ordem ambiental que estaria sendo destruída
por empresas (quiçá, a longo prazo, contrariamente à própria racionalidade
econômica). Neste sentido, a resposta parece encontrar-se mais no âmbito da
interpretação do que no institucional (no sentido de criação de novos órgãos),
num rumo semelhante ao apontado por Neves, 2009. A abertura para o pro-
cessamento de outras racionalidades residiria, assim, se se seguir a exposta for-

99 Decisão da OMC: WT/DS26/AB/R. Koskenniemi aponta para o risco de um uso instrumentalizado


do direito por parte dos que lidam com regimes jurídicos parciais. Contudo, sua proposta inspirada
em Kant (deveria haver algo análogo a uma mentalidade constitucionalista em nível mundial) é, ela
mesma, baseada em uma visão segmentada e imperialista. V. Koskenniemi, 2006, pontos 11 e 17 e ss.
100 Koskenniemi, 2006.
101 Agradeço a sugestão da expressão “hierarquia por oposição” a George Galindo.
102 Esta é a preocupação de Holmes, 2011, que, no entanto, oferece respostas diferentes.

161
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

mulação de Fischer-Lescano e Teubner, no centro dos novos regimes, e não em


sua periferia, ao inverso do modelo luhmanniano que trata dos direitos estatais.
A diferenciação funcional da sociedade altera o sistema jurídico. Desta
observação mostram-se paradoxos, estes indicadores visíveis da invisibilidade:
o diferente é o mesmo, e o mesmo é o diferente: as formações não presas a
uma hierarquia nos moldes estatais são subordinadas a caracteres não jurídicos
que podem interferir na aplicação do código do direito, ou seja, a pressão da
diferenciação funcional da sociedade mundial em um sistema diferenciado em
territórios (que ocasiona o surgimento de novos regimes) pode fazer com que
outros códigos funcionais (como da economia ou da política) prevaleçam em
relação ao do direito. Regimes jurídicos autônomos (penso principalmente na
lex mercatoria), de outro lado, podem prevalecer em grande parte das conten-
das em relação a outros regimes, ainda que em um primeiro momento posicio-
nados num mesmo plano. Por outro lado, é este mesmo direito subordinado a
racionalidades orientadas unidirecionalmente que pode aplacar a ganância ex-
pansionista dos regimes autônomos mundiais ou abri-los a outros argumentos,
ou seja, torná-los mais responsivos, como afirmado acima.
Como os paradoxos são historicamente desdobrados, substituídos por enti-
dades estáveis, provavelmente haverá desenvolvimentos dos apontados. Obvia-
mente, a partir dos eventuais desdobramentos, ao sobrevirem novas distinções,
haverá a possibilidade de formação de novos paradoxos e assim por diante103.
Nada resta ao jurista senão a observação e eventualmente a proposição de ca-
minhos nesses bairros e cidades, mas a contingência e o acaso inerentes à evo-
lução devem reservar surpresas ao observado: por exemplo, nada impede que
uma destas novas ordens torne-se um novo sistema social ou que simplesmente
desapareça. No mesmo sentido, embora improvável ou vã, pode o sistema jurí-
dico mundial direcionar-se para uma formação hierárquica similar à encontrada
nos tribunais estatais. Ou quem sabe plasmar jogos jurídicos que ainda teremos
de aprender a jogar.

103 Luhmann, 1993, pp. 769 ss.

162
Fugas e Variações Sobre o Transconstitucionalismo

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